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nº 93 | 15 de Julho 2013 diálogo JORNAL 5 Entrevista Demitido na greve de 1983, Gildásio Ribeiro, lembra uma época que para ele, assim como para muitos, foi repleta de sofrimento, mas também de muito aprendizado. Confira mais uma entrevista em homenagem aos grevistas que ficaram à frente de um movimento que entrou para a história da categoria petroleira: Diálogo – Em 1983 você participou da greve como militante de base. O momento político que o Brasil vivia teve influência nesta decisão de participar de uma greve em plena ditadura militar? Gildásio Ribeiro – Eu estava muito recente na Petrobrás, já era sindicalizado, mas não fazia parte do sindicato, era um militante de base. Mas a força do sindicato em Mataripe era grande, principalmente para nós que trabalhávamos de turno. Na época o presidente e o vice- presidente eram trabalhadores de turno, na operação e no laboratório. No dia de folga quando nos reuníamos para bater aquele babinha os comentários entre nós eram o de vencermos aquele momento da ditadura, constituinte, eleições diretas, a volta da democracia. Diálogo – Como a categoria recebeu o Decreto Lei 2036, que retirava direitos dos trabalhadores? GR – Naquele momento a gente tinha a consciência que quem mandava no Brasil era o FMI e quem determinava, além do presidente Figueiredo, quem dava o tom na economia do país, era o então todo poderoso Delfim Neto. E se nós aceitássemos aquele Decreto, aquela redução de direitos, ele não pararia por ai. Então, foi mais do que não deixar implantar, foi dizer um basta àquela onda nefasta de pacotes, de decretos, objetivando reduzir os direitos do povo brasileiro. Diálogo – Mas esta decisão teve conseqüências. GR – Sim. A demissão. Depois da greve, nós tínhamos um fórum sindical, que funcionava na Rua da Mangueira, toda a quarta-feira à noite, que reunia os sindicalistas baianos. Passei a freqüentar estas reuniões até mesmo para entender todo o processo que estava acontecendo. Nós, os demitidos de Mataripe e os de Paulínia, criamos uma associação beneficente e eu fiz parte do quadro diretivo desta associação. O fórum é o que nos sustentava como seres políticos porque a gente tinha estrutura política e procurava manter o contato com a base. Durante este tempo muitos procuraram novos empregos. Diálogo – Os demitidos conseguiram se empregar novamente? GR – Alguns conseguiram emprego na Rhodia, que era uma multinacional francesa e que, portanto, não tinha ingerência do governo brasileiro. No meu caso não consegui ficar empregado de jeito nenhum porque a Divisão de Informação da Petrobrás (DIVIN) não me deixou em paz. Recordo-me que nos dois anos que levei afastado da Petrobrás eu consegui emprego em uma empresa no SUBAÉ, que é o Centro Industrial de Feira de Santana, chamada Química Geral do Nordeste. Mas me descobriram e mandaram me demitir. Depois o finado Jair Brito, companheiro de muita luta, comunista de primeira linha, conseguiu me encaixar na Deten. Foram 45 dias até entrar em cena o famigerado repressor, coronel Silvio Dantas, que perseguia a mim e a outros. Fui trabalhar no turno de quatro a meia noite quando o vigilante chegou para mim e disse: “você é um cara legal, mas o diretor de divisão mandou dizer que se você reagir eu podia puxar a arma. Você me acompanhe até o setor pessoal.” Quando cheguei ao setor pessoal, ele foi curto e grosso: “eu não tenho nada contra você. Foi o Serviço de Informação que mandou lhe demitir.” Eu, revoltado, voltei para casa e no outro dia fui ao escritório do DIVIN, que era na cidade baixa. Entrei na sala do coronel e para minha surpresa vi fotos dos demitidos, inclusive minhas. E ele, de uma forma muito cínica disse que só estava cumprindo ordens. Foram dois anos de muito sofrimento, mas também de muito aprendizado. Presenciei diuturnamente o movimento Diretas Já. Vimos o quanto o povo brasileiro apostou na mudança, na saída de um general para que um civil assumisse a presidência. Diálogo – Quando conseguiu retornar ao trabalho? GR – Em agosto de 1985. Mas ainda assim a Divisão não me deixou em paz. Não me deixaram voltar para a minha unidade de origem, a Rlam. Então eu fui locado para a então Região de Produção da Bahia. A qual eu só tenho a agradecer todas as décadas que lá estive. Diálogo – Passados 30 anos da greve qual a lembrança mais marcante? GR – Uma recordação muito triste é você estar no seu local de trabalho e ser posto para fora por um batalhão da polícia militar, você está ali lutando por seus direitos e é posto para fora de sua própria casa. Uma lembrança positiva foi o momento que eu voltei, assinei meu contrato de trabalho, ainda que não tenha voltado para o meu local de origem. Foi um motivo de felicidade. E mais recentemente, 10 anos atrás, quando fizemos aquele histórico ato na Rlam, lembrando os 20 anos da greve. Até hoje acima do relógio de ponto da Rlam tem uma placa alusiva aos 20 anos da greve. Não pensei que esta felicidade pudesse ser suplantada, mas foi. Agora em 2013, no dia 11 de julho, no Dia Nacional de Luta, convocado pelas centrais sindicais, e quando foram completados 30 anos da greve de 1983, estávamos participando do ato das centrais, uma greve também, e tivemos a oportunidade de subir em um carro de som e conseguimos falar para toda aquela gente. Se 30 anos atrás saímos escoltados da Refinaria, agora vemos na rua a maior central da América Latina, que ajudamos a criar, vemos a multidão de jovens, trabalhadores, com bandeiras de todas as cores, mobilizados, exatamente, com os mesmos princípios de 30 anos atrás: melhoria nas condições de vida e trabalho da população brasileira. Greve de 83 1983-2013 anos WANDAICK COSTA

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nº 93 | 15 de Julho 2013diálogoJ O R N A L

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E n t r e v i s t aDemitido na greve de 1983, Gildásio Ribeiro, lembra uma época que para ele, assim como para muitos, foi repleta de sofrimento, mas também de muito aprendizado. Confira mais uma entrevista em homenagem aos grevistas que ficaram à frente de um movimento que entrou para a história da categoria petroleira:

Diálogo – Em 1983 você participou da greve como militante de base. O momento político que o Brasil vivia teve influência nesta decisão de participar de uma greve em plena ditadura militar?

Gildásio Ribeiro – Eu estava muito recente na Petrobrás, já era sindicalizado, mas não fazia parte do sindicato, era um militante de base. Mas a força do sindicato em Mataripe era grande, principalmente para nós que trabalhávamos de turno. Na época o presidente e o vice-presidente eram trabalhadores de turno, na operação e no laboratório. No dia de folga quando nos reuníamos para bater aquele babinha os comentários entre nós eram o de vencermos aquele momento da ditadura, constituinte, eleições diretas, a volta da democracia.

Diálogo – Como a categoria recebeu o Decreto Lei 2036, que retirava direitos dos trabalhadores?

GR – Naquele momento a gente tinha a consciência que quem mandava no Brasil era o FMI e quem determinava, além do presidente Figueiredo, quem dava o tom na economia do país, era o então todo poderoso Delfim Neto. E se nós aceitássemos aquele Decreto, aquela redução de direitos, ele não pararia por ai. Então,

foi mais do que não deixar implantar, foi dizer um basta àquela onda nefasta de pacotes, de decretos, objetivando reduzir os direitos do povo brasileiro.

Diálogo – Mas esta decisão teve conseqüências.

GR – Sim. A demissão. Depois da greve, nós tínhamos um fórum sindical, que funcionava na Rua da Mangueira, toda a quarta-feira à noite, que reunia os sindicalistas baianos. Passei a freqüentar estas reuniões até mesmo para entender todo o processo que estava acontecendo. Nós, os demitidos de Mataripe e os de Paulínia, criamos uma associação beneficente e eu fiz parte do quadro diretivo desta associação. O fórum é o que nos sustentava como seres políticos porque a gente tinha estrutura política e procurava manter o contato com a base. Durante este tempo muitos procuraram novos empregos.

Diálogo – Os demitidos conseguiram se empregar novamente?

GR – Alguns conseguiram emprego na Rhodia, que era uma multinacional francesa e que, portanto, não tinha ingerência do governo brasileiro. No meu caso não consegui ficar empregado de jeito nenhum porque a Divisão de Informação da Petrobrás (DIVIN) não me deixou em paz. Recordo-me que nos dois anos que levei afastado da Petrobrás eu consegui emprego em uma empresa no SUBAÉ, que é o Centro Industrial de Feira de Santana, chamada Química Geral do Nordeste. Mas me descobriram e mandaram me demitir. Depois o finado Jair Brito, companheiro de muita

luta, comunista de primeira linha, conseguiu me encaixar na Deten. Foram 45 dias até entrar em cena o famigerado repressor, coronel Silvio Dantas, que perseguia a mim e a outros. Fui trabalhar no turno de quatro a meia noite quando o vigilante chegou para mim e disse: “você é um cara legal, mas o diretor de divisão mandou dizer que se você reagir eu podia puxar a arma. Você me acompanhe até o setor pessoal.” Quando cheguei ao setor pessoal, ele foi curto e grosso: “eu não tenho nada contra você. Foi o Serviço de Informação que mandou lhe demitir.” Eu, revoltado, voltei para casa e no outro dia fui ao escritório do DIVIN, que era na cidade baixa. Entrei na sala do coronel e para minha surpresa vi fotos dos demitidos, inclusive minhas. E ele, de uma forma muito cínica disse que só estava cumprindo ordens. Foram dois anos de muito sofrimento, mas também de muito aprendizado. Presenciei diuturnamente o movimento Diretas Já. Vimos o quanto o povo brasileiro apostou na mudança, na saída de um general para que um civil assumisse a presidência.

Diálogo – Quando conseguiu retornar ao trabalho?

GR – Em agosto de 1985. Mas ainda assim a Divisão não me deixou em paz. Não me deixaram voltar para a minha unidade de origem, a Rlam. Então eu fui locado para a então Região de Produção da Bahia.

A qual eu só tenho a agradecer todas as décadas que lá estive.

Diálogo – Passados 30 anos da greve qual a lembrança mais marcante?

GR – Uma recordação muito triste é você estar no seu local de trabalho e ser posto para fora por um batalhão da polícia militar, você está ali lutando por seus direitos e é posto para fora de sua própria casa. Uma lembrança positiva foi o momento que eu voltei, assinei meu contrato de trabalho, ainda que não tenha voltado para o meu local de origem. Foi um motivo de felicidade. E mais recentemente, 10 anos atrás, quando fizemos aquele histórico ato na Rlam, lembrando os 20 anos da greve. Até hoje acima do relógio de ponto da Rlam tem uma placa alusiva aos 20 anos da greve. Não pensei que esta felicidade pudesse ser suplantada, mas foi. Agora em 2013, no dia 11 de julho, no Dia Nacional de Luta, convocado pelas centrais sindicais, e quando foram completados 30 anos da greve de 1983, estávamos participando do ato das centrais, uma greve também, e tivemos a oportunidade de subir em um carro de som e conseguimos falar para toda aquela gente. Se 30 anos atrás saímos escoltados da Refinaria, agora vemos na rua a maior central da América Latina, que ajudamos a criar, vemos a multidão de jovens, trabalhadores, com bandeiras de todas as cores, mobilizados, exatamente, com os mesmos princípios de 30 anos atrás: melhoria nas condições de vida e trabalho da população brasileira.

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E n t r e v i s t aO petroleiro Jorge Cerqueira, um dos grevistas de 1983, relembra os momentos de enfrentamento à repressão, vividos pelos trabalhadores na época. Ele fala também do medo e da perseguição, ressaltando a luta e a coragem de todos que participaram do movimento paredista que parou a produção da RLAM e da REPLAN em plena ditadura militar.

Diálogo – 30 anos se passaram. Qual o seu sentimento em relação à greve de 1983, na qual você teve participação ativa.

Jorge Cerqueira– Primeiro de tudo o sentimento de dever cumprido, fizemos o que deveria ser feito. A História fez seu julgamento e nos deu razão. Fomos parte naquele mosaico político e para formá-lo era necessário que agíssemos como agimos.

Diálogo – Conte algum episódio que aconteceu na época e que ainda permanece vivo na sua memória.

JC – A vontade política da grande maioria de fazer uma greve (de ocupação), que para nós era novidade. A categoria não arredou pé, ficando até que foi retirada pela imposição da Policia Militar, que com um aparato de 1400 homens, paramentados, fortemente armados e até com apresentações de tática de ataque conseguiram nos arrancar da RLAM e nos jogar dentro dos ônibus.

Diálogo – Como foi lidar com a repressão?

JC – Lidar com a repressão é sempre ruim, pois eles sabem muito sobre você e em

contrapartida quase sempre nunca sabemos quem está em nossa perseguição. O medo terrível, pois já conhecíamos as histórias de velhos conhecidos que sumiram por um tempo. Outros para sempre, apanharam, foram torturados psicologicamente e outras barbaridades que foram feitas, que geravam um forte estresse estar sendo procurado ou ter a repressão em seu encalço.

Diálogo – Os demitidos conseguiram outros empregos? Houve algum tipo de perseguição?

JC – Alguns conseguiram se empregar, mas como a Petrobrás, na Bahia, fez um enxugamento nos estáveis (ou seja não optantes pelo FGtS) e esses eram trabalhadores com uma idade mais avançada ficou então mais difícil para eles, resultando dai um número muito grande de pessoas que não conseguiram se empregar. Além do mais, corria pelas empresas a famosa “LIStA NEGRA”, que impedia que os demitidos que constavam nesta fatídica lista não fossem contratados e quando conseguiam, por um motivo ou por outro, burlar a lista negra e a DIVIN (Divisão de Investigação, ligada ao então SNI), tomava conhecimento o trabalhador não ficava nem mais por uma hora, era retirado da área por vigilantes armados e encaminhados ao RH e dispensado.

Diálogo – Houve organização pela continuidade da luta, principalmente entre os demitidos?

JC – Sim, esta luta é mantida até hoje pela Abraspet e Sindicatos.

Logo após sermos demitidos, tivemos o nosso Sindicato (Sindipetro) sob invasão da Policia Federal e depois intervenção do Ministério do trabalho. Depois da intervenção o sindicato foi administrado por uma junta composta por três trabalhadores da RLAM (João Neves, Araponga e Vaz), ainda por determinação do Governo Federal (Mt). Após a invasão do Sindicato pela PF, buscamos apoio no Sindicato dos Eletricitários, onde ficamos até criarmos a Associação dos Demitidos e continuamos a luta na busca de resolver o retorno.

Diálogo – Os grevistas não tiveram suas reivindicações atendidas e ainda foram demitidos. Mesmo assim é possível dizer hoje que a luta foi válida?

JC – A nossa luta maior era contra os decretos leis do governo federal, que atendendo às imposições do FMI e com medidas draconianas impostas pelos liberais, em 1989 iriam criar o famoso Consenso de washington. Nestas imposições constavam, entre outras, a forte ausência do Estado na Economia. Foram criados então alguns decretos leis que criavam mudanças drásticas, como exemplo novos trabalhadores praticamente sem nenhum adicional, tão somente com o salário básico, mesmo assim menor que o praticado na época. Antevíamos com essas

medidas, num futuro próximo, a demissão de grande parte do pessoal mais antigo e com direitos, para contratar novos empregados sem nenhum direito. Conseguimos fazer com que os decretos não fossem aprovados- portanto, sendo atendida a principal reivindicação do movimento na visão puramente economicista; na visão política geral, o movimento se somou a outros que lutavam contra o governo militar que ainda imperava.

Diálogo – Como foi a luta pela anistia política, pela reintegração ao trabalho e pela reparação?

JC – Nos juntamos aos companheiros de 1964 e que já detinham uma maior experiência nas lides de gabinete e através da Abraspet e outras associações de anistiados políticos estamos encetando esta nova e estressante disputa no sentido de termos reconhecidos os direitos de todos. Hoje falta um grupo menor, mas não descansaremos enquanto não vermos reconhecidos o direito de todos.

Diálogo – Como está hoje a situação dos anistiados da greve de 1983?

JC – Hoje temos um total de 54 companheiros que faltam serem solucionadas as suas questões. Estamos lutando em todas as frentes de luta: seja na política, contactando parlamentares, seja através da CIANISt (Comissão de Anistia na Câmara), ou seja nas lides através da Justiça Federal. A certeza é uma só: fizemos o movimento e não paramos até então, continuaremos à frente da batalha. 1983 ainda não acabou.

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