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Homem e Natureza em .Ludwig Feuerbach , EDIC;6ES UFC Fortaleza 2009

Homem e Natureza em .Ludwig Feuerbach · natureza humana, fomeee a feuerbach 0fundamento de sua crftica ao tefsmo e ao idealismo, isto e, ela e 0 motivo ... e em si mesma, existe

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Homem e Naturezaem .Ludwig Feuerbach

•, EDIC;6ES

UFCFortaleza2009

Uomem e Natureza em Ludwig f'euerbach© 2009 Copyright by Eduardo f. Chagas, Deyve Redyson e Marcio Gimenesde Paula [Organizadores]Impresso no Brasil / Printed in BrazilEfetuado deposito legal na Biblioteca Nacional

TOOOS OS D1REITOS RESERVADOSEdic;6es - ureAv. da Universidade, 2832 (Fundos) - Benfica - Fortaleza - CearaCEP: 60020-181- ThVFax: (85) 3366.7766/3366.7499Internet: www.editora.ufc.br - E-mail: [email protected]

Divisao de Editorac;aoCoordenac;ao EditorialMoacir Ribeiro da Silva

Kevisao de TextoMaria Vilani Mano e Silva

Normalizac;ao BibliograficaPerpetua Socorro Thvares Guimaraes - CRB - 3 801

CapaMariano Sousa

Programac;aoVisuaiLuiz carlos Azevedo

Cataloga9ao na FonleBibliotecaria Perpetua Socorro Tavares Guimariies eRB 3 801/98

H 765 Horne~ e natureza em Ludwig Feuerbach./ Eduardo F. Chagas.Deyve Redyson e Marcio Girnenes de Paula [organizadores].- Fortaleza: Edi9DeS UFC, 2009.

304p.

ISBN: '978-85-7282-367-8

(Serie Filosofia, 8)

I. Feuerbach, Ludwig 1820 - 1872 2. Socialisrno 3.Ideologia Alerna 1. Chagas, Eduardo F. II. Redyson,Deyve III. Panla, Marcio Girnenes de IV. Titulo

A MAJESTADE DA NATUREZA EM LUDWIGFEUERBACH

Irei aqui desenvolver e explicar 0 conceito de na-tureza em Feuerbach. Conquanto ele ll<'io tenha empre-endido, infelizmente, uma formulac;ao completa de suaconcep¢o de natureza como urn todo, isto e, nao tenhadeixado nenhuma filosofia da natureza explfcita e acabadac tambem nao tenha redigido nenhum escrito pormenori-zado e sistematizado acerca da natureza, h,l, todavia, emsua obra, em diferentes passagens, uma abundancia deaforismos, epigramas, definitionen e reflex6es filosoficassobre a natureza. Assim, 0 conceito de natureza de Feu-erbach foi desdobrado, em sua obra, na verdade apenasde maneira fragmentada, mas ele esta, apesar disto, nocentro de sua filosofia. 0 desenvolvimento e a transforma-<,:aodesse conceito perpassam, de certa maneira, como110 condutor a totalidade da obra de Feuerbach, abremurn caminho para entender a sua filosofia como crfticaao tefsmo (Theismus) e ao idealismo (Idealismus) e nospermitem trata-Ia sistematicamente.

A ausencia de uma sistematiza¢o, ou seja, de urnaprecisao ou de uma clara posi¢o no que se refere ao con-ceito de natureza em Feuerbach encontra-se fundamentadonisto: que a pretensao principal de sua filosofia e, comoacima aludido, a crftica ao tefsmo (sobretudo ao Cristia-

• Doutor em Filosofia (Kassel. A1emanha). Professor-Doutor da Qraduar;ao e P6s-

Uraduar;ao do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Ceara - UFC e

Cnlaborador do Prograrna de P6s-Qraduar;ao da Faculdade de Educa¢o (FACED) da(11'e. [email protected].

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nismo) e ao idealismo (especialmente a filosofia de Hegel),os quais sao deficitarios em relac;ao a natureza, visto queeles 0<10 so abandonaram, mas, sobretudo, menospreza-ram a considerac;ao da natureza. A falta em feuerbach deuma reflexion decidida, explicitamente formulada sobre anatureza, pode, consequentemente, ser entendida, em prin-cfpio, como expressao da ausencia de uma tematizaC;;aodanatureza no tefsmo e no idealismo em gera!. Acerca destaproblematica deve ser aqui estabelecida, inicialmente, a tesede que a natureza (IYatur) em feuerbach possui 0 primadoante 0 espfrito; ela e a primeira estrutura da existencia ediante dela se p6e 0 entendimento como algo secundario.Para feuerbach, a natureza material, que existe, em suadiferencialidade qualitativa, fora e independentementedo pensar, e em face do espfrito 0 primeiro, 0 originario,o que produz tudo de si e nao pode ser pensada comoproduzida, pois ela acha seu sentido tao-somente em simesma. A natureza, entendida como totalidade, comounidade orgimica, como harmonia de causas e efeitos,como pressuposto necessario para todos os objetos, fe-nomenos e eriaturas, plantas e animais, inclusive para anatureza humana, fomeee a feuerbach 0 fundamento desua crftica ao tefsmo e ao idealismo, isto e, ela e 0 motivode sua konfrontation com ambos, os quais desconhecemcompletamente a autonomia e a independencia danatureza, porque eles a concebem meramente como obrade urn eriador, ou como puro desdobramento e exterio-rizac;ao da atividade do espfrito. Em ambos os sistemasfoi a natureza tratada, portanto, nao como urn existenteobjetivo, independente, autonomo, mas deduzida apenascomo uma grandeza dependente e inconsistente em simesma. Assim compreendido, mediante urn entendimentoda natureza que se baseia nas caracterfsticas imanentes aela - desenvolvimento contfnuo de interven<;;6es,progressode evoluc;;6es e catastrofes, imediaticidade, autonomia,regularidade universal (lei), exercida impessoal e logica-mente, necessidade, dinamicidade - feuerbach formulara

nao so sua crftica ao tefsmo e ao idealismo, como tambemalicerc;;ara, na maturidade, sua propria etica.

A natureza e, para feuerbach, nao so 0 que Iimita,mas tambem a potencia que assegura ao homem a pos-sibilidade, a condic;ao para satisfazer suas necessidadesmultiplas. Natureza, assim diz ele, "e tudo 0 que se mostraao homem, abstrafdo das sugest6es supranaturalfsticas dacrenc;;adefstica, imediatamente, sensorialmente como basee objeto de sua vida."l Embora a concepc;ao de natureza deFeuerbach nao seja atomfstico-mecanica, - ja que para elea natureza nao e nenhuma maquina, nenhuma pura "resextensa", sem vida, nenhuma grandeza logico-matematica,isto e, nenhum universe que se movimenta necessaria-mente segundo leis mecanicas -, sac a ele "sensibilidade","vivacidade", "vitalidade", "fisicalidade", "exterioridade"conceitos similares para a existencia material da natureza,pois a natureza que existe real, objetivamente, expressa suaexistencia material atraves de efeitos fisicos, fenomenosnatura is, que existem nao apenas idealmente no enten-dimento, mas constituem tambem para 0 homem efeitossensfveis, observados sensivelmente. As teses fundamentaisdo conceito de natureza em feuerbaeh contra 0 tefsmo e 0

idealismo podem ser sintetizadas assim:

1. A natureza e, em primeira Iinha, uma verdadedada aos sentidos. Como objeto dos sentidos, elanao e urn produto nem da atividade de urn puroeu, do desenvolvimento do espfrito, nem do atearbitrario de urn Deus fictfcio, sobrenatural, mas,pelo contrario, uma essencia auronoma que existeindependentemente da consciencia humana.

Natureza [...] e tudo 0 que tu yeS e nao se originadas maos e dos pensamentos humanos. Qu, sequisermos penetrar na anatomia da natureza, ela e

I FEUERBACH, L. Vorlesungen iiber das Wesen der Religion. Organizado por Werner

SChuffenhauer. Berlin: Akademie Verlag, 1967. OW 6. p. 104.

o cerne ou a essencia dos seres e das coisas cujosfenomenos, exteriorizac;oes ou efeitos, nos quaisexatamente sua essencia e existencia se revelam edos quais constam, nao tem seu fundamento empensamentos, intenc;oes ou decisoes do querer, masem forc;as ou causas astronomicas, c6smicas, [...]quimicas, fisicas, fisiol6gicas ou organicas;2

2. a natureza e incriada, eterna, nao deduzivel; elae em si mesma, existe apenas por si e nao pormeio de uma outra essencia;

3. a natureza e necessaria. Porque elae, e ela ne-cessaria, e exatamente assim como ela e, istoe, correspondendo as suas pr6prias leis. Se, asaber, tudo 0 que e, e necessariamente por meioda natureza, assim nao tern sentido aceitar urnespirito ou urn Deus criador que planeja para 0

esclarecimento da natureza e, por fim,

4. a natureza corresponde apenas a si mesma.

A palavra "natureza" designa a essencia de todas asfon;as, coisas e seres sensiveis que 0 homem distingue desi como nao humanas. "Entendo em geral sobre natureza",assim esclarece Feuerbach,

[ ... ] certamente como Spinoza, mas nao um sercomo 0 Deus supranaturaIistico, que existe e agecom vontade e ramo, mas que atua somente con-forme a necessidade de sua natureza; ela nao e paramim Deus, como e para Spinoza, ou seja, um serao mesmo tempo sobrenatural, transcendente, [...]misterioso, simples,e sim um ser multiplo, [...] real,perceptivel com todos os sentidos.3

A natureza e, pois, apenas explicavel, quando sereconhece que ela nao e nenhum ser abstrato, despojado

2 Ibidem., p. 105.

, Ibidem" p. 104.

de existencia, mas a unidade da diversidade das coisasque sao concretas; ou melhor, ela e a multiplicidade dosexistentes singulares, e fora dela nada tern existencia real,a nao ser pensamentos e representa<;6es.

Diante do teismo e do idealismo, que deduzem anatureza de Deus ou do espirito, Feuerbach argumenta 0

seguinte:

1. a natureza precede 0 espirito e, por isso, e a baseorganica dele;

2. 0 espirito e, pelo contrario, produto da natureza,tambem funktion de urn 6rgao natural, do cere-bra humano, ou seja, atividade que nao esrn forado corpo e dos sentidos, e

3. Deus, como criador da natureza, do mundo, e, emverdade, apenas 0 espirito do homem pensadouniversalmente. A aceita¢o de urn Deus, de umacria¢o espiritual da natureza, por assim dizer, deuma transferencia das representa<;6es do espiritosobre a natureza esrn em completa oposi¢o aexistencia da natureza. "Ex nihilo nihil fit" (donada nada vem), isto e, uma lei da natureza e darazao, valida universalmente. Urn mundo, criadoem oposi¢o a esta lei fundamental, e uma con-tradi¢o consigo mesmo, uma contradi¢o comtodasas leis da natureza, e, em sintese, 0 mundoinvertido da teologia, em que 0 pensamento eanterior a materia, a coisa do pensar, ou seja, acrian<;a anterior a mae, a grama ao so1.,,4Feuer-bach pergunta: como se pode deixar surgir "seresirracionais de urn ser racional? Como pode urnespirito criar seres sem espirito?" Na verdade, se"urn Deus existe, e a existencia do mundo inexpli-

• FEUERBACtl, L. Theogonie - nach dem QueUen des klassischen, hebraschen und

christuchen Alterturns. Organizado por Werner Schuffenhauer. Berlin: Akademie

Verlag, 1969, GW 7, p. 259.

civeL porque ela [seria] inteiramente superflua.',5A obje¢o tefstico-idealista "como pode 0 homemsurgir da natureza, ou seja, 0 espfrito da materia",op6e Feuerbach 0 seguinte:

Responda-me, sobretudo, primeiro a pergunta:como pode nascer do espfrito a materia? Th naoachas para esta pergunta nenhuma resposta, pelomenos radona!, assim tu reconheceras que apenasa resposta oposta conduz a ti para 0 objetivo.',6

Nao a dedu¢o do espfrito da natureza, mas, peIocontrario, a deduktion da natureza do espfrito,e, pois, urn problema insoluvel. Para Feuerbach,e racional comecpr com a natureza e s6 daquipassar para 0 homem, para 0 espfrito.

as argumentos, que se poderia apresentar para adefesa da tese feuerbachiana no que tange ao primado danatureza e do nascimento do homem dela, ou seja, de seuesclarecimento por ela, podem ser resumidos assim:

1. A natureza nao pade ter sido deduzida do espfrito,ja que ela possui uma qualidade completamentediferente dele; mas 0 espfrito po de ser deduzidodela e esclarecido par ela, uma vez que 0 homem,como cria¢o da natureza, e a identidade de todasas oposiC;;6es,isto e, a unidade do espiritual como natural. a homem, no qual a natureza veio aconsciencia, sabe de si, conhece a si como un ida-de real, viva, do espfrito e do corpo, de todas asqualidades ativas e passivas, espirituais e sensf-veis. Aqui jaz para Feuerbach 0 verdadeiro cerneda unidade do pensar e do ser, po is 0 espfritohumano, como s4ieito autonomo,

5 FEUERBACtl. L. Vorlesungen Uber das Wesen der Religion. Op. cit.. p. 161-162.6 __ • Fragmente zur Charakteristik meines philosophisches curricu/wn vitae. Or-

ganizado por Werner &huffenhauer. Berlim: Akademie Verlag. 1971. OW 10. p. 179.

que ja nao tern fora de si de nenhuma coisa e, porconseguinte, mais nenhum limite, ja nao e sujeito'finito' - ja nao e 0 eu, a que se contrap6e 0 obje-to - e 0 ser absoluto, cuja expressao teol6gica oupopular e a palavra Deus. E, sem duvida, 0 mesmosujeito, 0 mesmo eu, como no idealismo subjetivo_ mas sern lirnites; e 0 eu, mas que ja nao parecetambem ser eu e, por conseguinte, tambemja nao

se chama eu.7

a espfrito (0 eu) nao e, pois, apenas sujeito parasi, mas tambem simultaneamente predicado deuma essencia real; ou seja, ele nao e, de modonenhum, por si mesmo como tal, mas por sicomo essencia corporal, sensfvel; pela corpo-reidade ele esta aberto a natureza, ao mundo,po is estar no corpo quer dizer nada mais do queestar no mundo.

2. A natureza nao pode ser deduzida do espfrito,porque 0 inferior (0 anterior) nao po de ser es-cIerecido e deduzido do superior (do posterior),mas antes, pelo contrario, 0 superior do inferior,como todo desenvolvimento prova. Deduzir anatureza do espfrito e, por conseguinte, iI6gico,sem sentido, po is por que se deve fazer passar 0

superior por algo inferior, 0 komplex pelo sim-plex, 0 "perfeito" pelo "imperfeito"? Feuerbachadvoga que a natureza produziu de si mesmao homem; ou seja, ela e a essencia da qual 0

homem nasceu e pela qual se mantem a suaexistencia. A natureza

[ ...] compreende 0 homem, e ela cuja aniquila¢osignifica tambem a pr6pria aniquila¢o da existendahumana; somente atraves dela consiste 0 homem,somente dela depende ele em toda a sua atividade,

7 FEUERBACtl. L. Orundsalze der Philosophie der zukunft. Organizado por Werner

Schuffenhauer. Berlin: Akademie Verlag. 1970. OW 9. p. 299.

em todos os seus passos. Arrancar 0 homem danaturez~asignifica 0 mesmo que tirar os olhos da luz,o pulmao do ar, 0 est6mago dos alimentos e quererfazer deles seres existentes por si mesmos.8

o homem e urn produto da natureza, uma obradela; ele deve, por isso, tram-Ia e estima-Ia como"sua mae", como a fonte de seu ser. Ja que ele?eve seu nascimento e sua manuten<;8.o apenasas forc;as e efeitos naturais, depende ele porconseguinte, da natureza; quer dizer, ele ~ao enenhum ser sem necessidade, mas urn organis-~o que pressup6e as determina<;6es da natureza,agua, ar, alimento etc.

3. Por fim, considerar 0 espfrito como a premissa?a ~atureza e sem sentid<;>,pois nao se pode sermdlcado de onde ele toma a determina<;ao paraa mate~ia. Nao e, portanto, 0 espfrito a origeme a razao de ser da materia; pelo contra rio, anatureza deve ser vista como 0 fundamento doespfrito, isto e, como urn fundamento que naote~ ~enhum fundamento fora de si mesmo. 0espmto pode desenvolver-se, assim, apenas danaturez~ organica; na verdade, ele e, no homem,o.supenor, pois, atraves dele, 0 homem diferen-cla-se do animal. 9 Isto nao significa, de modo

: FEUERBACH, L. VorlesWlgen iiber das Wesen der Reli ion 0 .Nos Princ(pios da F'ilosofla d fU 'g . p. Clt., p. 91.

que 0 homem de nenhum mo~ W;~'.Feuerbach chama a aten~o para 0 fato deessencia toda e pelo contra' 0 se lstm~u~ do animal 56 pelo pensamento. "Suahomem n' • ' . no, 0 que 0 dlstmgue do animaL" Ele indica ainda: "0

ao e urn ser particular como 0 animal .gUinte, nao e urn ser Iimitado e t. ' mas urn ser uOlversa!, por conse-

ca IVO, mas urn ser Him'tad I'universalidade a i1imitar;;o e a I',b d d • I 0 e Ivre; com efeito, a

, ,.. er a e sao insepara . E .nao reside numa faculdade partl'c I vels. esta hberdade tambem

u ar, no querer na verd d desta universalidade nao se situa numa dis si' ~ . a e, a mesma maneira querazao - esta I'be dad . po ~ especial da faculdade de pensar, na

Ire, esta uOlversalidade estende- ,os sentidos animais sao mais apurados do se ao seu ser total. Sem duvida,a coisas determinadas necessa . que os humanos, mas apenas em rela~o

sao mais agudosjus~ente po::::~~;:n::~:~~:~e~eseSStaidll.amd.esta d.o animla~,e

, I ~o exc USlva

nenhum, que ele seja 0 primeiro de acordo como desenvolvimento natural. 0 espfrito, isto e, 0

superior, 0 completo, e, ao contrario, resultado,sempre 0 ultimo, 0 posterior. No espfrito humano,a natureza atinge 0 apice de seu desenvolvimento;af ela se toma urn ser pessoal, autoconsciente,inteligfvel; ou seja, no homem, a natureza tomaconsciencia de si mesma. 0 homem e, pois, urnser qualitativamente diferente de todas as outrasformas de existencia na natureza.IO

Embora nao haja em Feuerbach nenhuma concep-<;<10 uniforme, homogenea e inequfvoca da natureza, e-nospermitido constatar 0 seguinte: a referencia a autonomiada natureza (Selbsmndigkeit der ffatur) e 0 fundamento dacrftica, ou melhor, 0 ceme da reaktion feuerbachiana contrao tefsmo e 0 idealismo, que se desdobra em tres diferentesfases de desenvolvimento: 1. como aproxima¢o crftica aopantefsmo (identidade da natureza com Deus), 2. comorecusa direta a teologia crista e a filosofia hegeliana (a natu-reza como cria<;8.ode Deus ou como deduktion do espfrito)e 3. como crfti~ parcial a religiao da natureza (antropo-morfiza¢o ou personifica¢o da natureza). Nos escritos dejuventude dos anos 20 e 30 do seculo XIX, particularmentea Dissertar;;:ao sobre a Razao (Dissertation Uber die Vernunftou De Ratione urIa, universali und infinita) (1828), os Pen-samentos sobre a Morte e a Imortalidade (Gedanken uber

a algo de determinado. 0 homem nao tern 0 faro de urn cao de ca~, de urn corvo;

mas apenas porque 0 seu oltato pode abranger todas as especies de odores, por

isso e urn sentido livre 'e indiferente a respeito de odores particulares. Mas onde urn

sentido se ergue sabre os limites da particularidade e de sua vincula~o a necessidade,

eleva-se at a uma significa~o e dignidade autOnomas, te6ricas: sentido universal eo entendimento, sensibilidade universal e espirituaIidade. Mesmo os sentidos inre·

riores, 0 olfato eo paladar, se elevam no homem a atos espirituais." cr. FEUERBACI1,

L. Grundsatze der Philosophie der ZUkunft. Op. cit., p. 335-336.10 Cf. 110PPNER.J. Ludwig F'euerbach und seine materialistische Weltanschauung in

ihrer hislorischen Bedeutung fUr die wissenschafUiche Philosophie. Leipzing: 1960,

p. 302-355, e JESSIN, M. I. Die materia/istische Philosophie ludwig Feuerbachs.

Berlin, 1956. p. 3-41.

7bd und Unsterblichkeit) (1830), a lntroduc;;ao a Logica eMetarzsica (Einleitung in die Logik und Metaphysik) (1829-1930), a lfist6ria da f'ilosofia Modema (Geschichte derneueren Philosophie) (1835-1936) e aApresentac;;ao,Desen-volvimento e Critica da f'iloso[ia Leibniziana (Darstellung,Entwiclung und Kritik der Leibnizschen Philosophie) (1837),trata Feuerbach a natureza de urn ponto de vista pantefsta.Partindo de urn pantefsmo que se orienta sobretudo emGiordano Bruno, Jakob B6hme e Baruch Spinoza, ele tenta,ja nesse perfodo, restabelecer, em face da deprecia¢o danatureza pela religiflO crista e em oposi¢o a identidadeformal de pensar e ser postulada pela filosofia hegeliana,uma reconcilia¢o entre ser e pensar, uma unidade entrenatureza (materia) e Deus (espfrito). No panteismo ele ve, naverdade, mlo s6 tal reconcilia¢o, mas tambem a supera¢odo subjetivismo e da personifica¢o'de Deus (de urn Deustranscendente), e, por isso, 0 pantefsmo sinaliza para ele asolu¢o para os problemas filos6ficos fundamentais. Nemcristianismo, nem idealismo podem solucionar adequada-mente tais problemas, porque eles nao tern formulado umarela¢o adequada para a natureza. Assim como no idealismo,em geral, tambCm no cristianismo 0 eu domina 0 mundo ese considera como 0 unico ser espirituc~Xqueexiste; nele estitsalvo apenas a pessoa, ml0 a natureza, 0 mundo; centraliza-do no eu, na pessoa, 0 cristianismo e apenas uma religiao,na qual se revela urn abandono completo da natureza, po isnele foi consumado uma separa¢o entre a natureza e Deus.Enquanto para 0 teismo 0 espfrito e imaterial, ml0 sensfvel,transcendente, e Deus uma essencia absoluta que existepara si, personificada, extramundana ou estranha ao mundo,admite, ao contrario, 0 pantefsmo, abstraindo aqui as suasdiferentes tradic;6es, Deus imerso na natureza; com isto, eledestaca a unidade do mundo com Deus (com 0 espfrito). Sea caracterfstica essencial do tefsmo e, por conseguinte, 0isolamento de uma essencia do pensamento, abstrafda danatureza pelo hornem, existe, ao contrario, no pantefsmoDeus no interior da natureza.

Em sua obra an6nima, Pensamentos sobre Morte elmortalidade (Gedanken Uber 7bd und Unsterblichkeit ou,resumidamente, 7bdesgedanken) (1830), ojovem Feuerba-ch concebe Deus panteisticamente, pois Este e, para ele,o ser que une a natureza e 0 homem, 0 todo d~ ~stente.Portanto, Feuerbach concebe Deus nao como sUJelto, comopessoa, isto e, como modelo, imagem ou retrato da per-sonalidade humana, 0 que seria, para ele, urn ser superfi-ciaL sem profundidade, mas como 0 todo, 0 fundamentouniversal do kosmos inteiro, isto e, nao s6 do hornem,como tambem da natureza. Em oposic;ao a tradic;ao teista,para qual Deus como pessoa absoluta, pura, represe?tao espfrito superior ou a autoridade sagrada, desprendldoda natureza, trata-se para 0 jovem Feuerbach de conceber

11 d'Deus tambem como natureza. Ele defende, e manelra

radical, 0 panteismo:

Se tu censuras 0 puro panteismo, porque ele fazde Deus 0 todo, enta~ tu deves se deparar coma reprova¢o de representar 0 pior panteis~o, 0

panteismo particular. Pois, ao pensar Deus so. soba determina¢o do ser-em-si e do saber-de-sJ ou,meltfor, do ser-para-si, e, por conseguinte, s6 soba determina<;ao da particularidade e da diferencia-Iidade, enta~ tu elevas, precisamente, 0 algo, naocertamente 0 todo, mas o particular, a condi<;ao

de absoluto.12

11 Deus e nem pura natureza, nem puro espirito, mas Ele contem ambos os mo~en-

too necessariamente: natureza e espirito. Cf. ASCliERI, C. Feuerbachs Br~ch ~'t .der

Spekulation. Einleitung zur kritischenAusgabe van Feuerbach: NotwendlgkeLt e~~~Veranderung (1842). frankfurt am Main: Europa Verlag Wien, 1969. p. 26 e 36.Deus de 10desgedanken e 'espirito', tern em sua essencia ambo~ os polos: cons-

ciencia e natureza." Em 1Odesgedanken, Deus nao e, como 0 refendo autor escreve

adiante, 'uma pessoa absoluta, diferente da natureza e em o~oo~c;ao a ela, mas Ele

comprende em sua essencia tambem a natureza [ ... J. Deus e nao apena:' p.e~oa,mas tambem natureza, tambem essencia e subsmncia e, enquanto tal, pnnclplo da

objetivida, por conseguinte dos Iimites do individuo:' .12 fEUERBACll, L. Gedanken iiber 10d und Unsterblichkeit. orgamzado por Werner

Schuffenhauer. Berlim: Akademie Verlag, 2000. OW L p. 213.

"Th nao podes agora", pergunta ele, enta~, ao ini-migo imaginario do panteismo,

[ ... ] elevar-te tambem ao pensamento de que Deuse tudo e, por sua vez, consciente de si; que Ele, aosaber de si mesmo, sabe tudo como si e a si mesmocomo tudo? 111 nao podes tambem unir 0 ser-para-side Deus com seu ser-todo.13

Abstraindo do panteismo (Pantheismus), Feuerbachdesigna todas as outras doutrinas de "egoismo, zelo de simesmo, vaidade, cobi«;a, mercenaria, idolatria".14 Para 0

jovem Feuerbach, nao ha nenhuma discrepancia entre Deuse Natureza, pais se Deus

"nao e pura e simplesmente pessoa absoluta, isto e,um puro quem sem 0 que,.uma pessoa sem ser [... ],mas e pessoa e simultaneamente ser", enta~ ele,"como Deus, como pessoa autoconsciente, e um serdiferente de todos os seres", e tambem "natureza".15

Assim, para 0 jovem Feuerbach, Deus nao e umsujeito puro, pois ele contem em si tambem sua diferenc;;a,que e, precisamente, a natureza. Se a natureza nao se en-contrasse presente em Deus, estaria a diferen«;a, 0 impulsoda atividade, 0 comec;;o e 0 principio da vida fora Dele, e,assim, Ele seria um ser nao absoluto, nao independente,nao autonomo, sem espirito. Deus e, portanto, nem umapersonalidade pura, sem espfrito, sem alma, nem uma natu-reza pura, uma materia ou colec;;aode objetos mortos, mastotalidade, generalidade, universalidade. Deus se diferenciade tudo aquilo que Ele nao e, mas Ele e tudo. "Ele CU, comodiz Feuerbach, "uno consigo e uno para si, na medida emele e uno com 0 todo. ,,16 Isto parque sua essencia e seu ser

13 Ibidem., p. 213.14 Ibidem., p. 216.1> Ibidem .. p. 210.16 Ibidem., p. 212.

constituem, precisamente, toda a essencia e todo 0 ser, enao ser do algo, ser do particular, ser do singular. Assimcomo Deus, e a natureza, tambem, totalidade, universali-dade. Embora Deus e natureza contenham, aqui, 0 mesmoconteudo, a saber, 0 todo, eles se diferenciam pela formacomo 0 todo aparece. 0 todo, como esta em Deus e e Deusmesmo, e um ser uno, absoluto feito unidade, e, por isso,Ele e ser para si mesmo, 0 ser do todo; 0 todo, como estana natureza e e natureza, e, ao contrario, a multiplicidadeorganica dos objetos e dos fenomenos sensivelmenteobservaveis, experimentaveis. Nao se trata aquL todavia,apenas de uma diferenc;;a puramente formal entre a uni-dade e a pluralidade, pois Deus como 0 todo universal sefundamenta no fato de que Ele se manifesta nao somentena unidade, mas tambem na diferenc;;a, nao apenas nauniversalidade, mas tambem na singularidade, porqueEle representa nao s6 0 limitado, bem assim 0 ilimitado.Feuerbach quer livrar 0 conceito de Deus de uma con-cepc;;ao subjetiva, que entende Deus como pessoa, parafundamenta-Io no sentido panteista.

Numa clara oposic;;ao a teologia monoteista-crista,que faz da essencia humana a origem de Deus e da natu-reza um produto da creatio ex nihilo, concebe 0 misticoJakob B6hme a natureza (a materia) com inerente a Deus,inseparavel dele. ESpinoza identifica Deus com a naturezamesma (deus sive natura) e esclarece esta como a genesedo homem; mediante a natureza (a substancia divina) elesupera, enta~, a contradic;;ao de Descartes entre materia(res extensa) e espfrito (res cogitans). A aproximac;;ao deFeuerbach a essas formas de panteismos, concebidas porB6hme eSpinoza, foi, contudo, superada posteriormente,nos anos de 1836-1937, sobretudo em seu escrito contraSpinoza. Em oposic;;ao ao panteismo, no qual a natureza eDeus foram concebidos como identicos e a materia tratadatao-somente como um atributo de Deus (0 atributo natural-divino da extensio), Feuerbach quer nao mais uma identi-

fikation da substfmcia com a natureza, uma imanencia deDeus no mundo, isto e, nao mais urn "Deus sive natura" (urnDeus que e tal como a natureza), como que designa<;:oesdasubstancia (mica, infinita (Deus e natureza SaGurn = pan-teismo), mas a separa¢o entre Deus e natureza, ou seja,a decisao "aut Deus, aut natura" ( ou Deus ou a natureza).Onde Deus foi identificado, em sentido abstrato, com a na-tureza ou, ao contrario, a natureza objetiva confundida comDeus, la nao estao nem Deus nem a natureza. Isso significa:ele quer esclarecer nem a natureza como algo divino, nemDeus como algo imanente it natureza, mas, pelo contrario,a natureza autonoma sem Deus. Sob a premissa, Deusse manifesta na natureza, 0 pantefsmo venera a natureza,diviniza 0 real, 0 que existe material mente; por isso, elee, na verdade, uma negation da teologia, mas baseadaainda em posi<;:oesteol6gicas. Essa censura de Feuerbachse dirige contra todos aqueles que veem na natureza umaexpressao de Deus ou uma corporifica¢o de uma ideia.Em verdade, tefsmo e pantefsmo sao, para ele, mundosextremos, invertidos: no tefsmo, a diferen<;:aentre espfritoe natureza e absolutizada, porque 0 homem diviniza aquiapenas a si mesmo; no pantefsmo, a natureza foi, ao in-Yes, adorada, po is aqui 0 homem projeta na natureza suapr6pria essencia.

A natureza e, sim, 0 principio, a essencia, da filoso-fia spinoziana. Mas a natureza de Spinoza nao e nenhumobjeto da sensibilidade, nenhum exterior, externo, nenhumoutro visfvel, manifesto, mas uma essencia abstrata, naosensfvel, metaffsica, que nao tern nenhuma realidade forada substancia (de Deus). A natureza, deduzida por ele te-016gica ou metafisicamente como objeto de Deus, nao epara se entender como natureza em sentido qualitativo,objetivo e sensfvel, pois ela esta separada da divisibilida-de, da multiplicidade e de todas as determina<;:oes que elacontem em sua realidade sensfvel, objetiva. Ante Spinoza,para quem a natureza e identica com a substancia, isto e,

a expressao das qualidades internas de Deus, como sin-gularidade, perfei¢o, eternidade, universalidade etc., poisDeus como substancia e para ele a natureza infinita, pura,nao a natureza finita, "suja" ou "manchada", Feuerbach adesigna, em verdade, como fundamento e objeto sensfvel,qualitativo e material da vida humana. Nao ha em Feuerba-ch urn dualismo entre natureza criadora e natureza criada,entre natureza indeterminada e determinada, pois ha paraele, na realidade, apenas uma natureza, it qual 0 homemdeve a sua existencia. Aposition de Spinoza, segundo a quala natureza e indivisfvel, simples, sem diferen<;:a, expressatao-somente uma concep<;:aoabstrata de natureza. Sob esteaspecto, poder-se-ia suscitar perante Spinoza as seguintesquestoes: como se pode reduzir a natureza, ante a totalida-de de seus elementos, na forma de uma simples substancia?Se a natureza divina nao se apresenta nas plantas, nem nosanimais, nem nos homens, nem no universo das coisasfinitas, que sentido se ergue, enta~, para se falar aindade natureza? Como pode uma natureza finita, qualitativa,objetiva, na qual valem, por exemplo, as leis pretensas danatureza, ser ainda pensada na e com a natureza absoluta-mente infinita? Como e possfvel uma natureza atemporal,nao externa, simples e indivisfvel determinar 0 composto,a pluralidade, isto e, a natureza realizada? A tais questoesSpinoza nao da nenhum resposta.

Assim, evidencia-se aqui, na filosofia spinoziana,uma falha que provem da absoluta indiferen<;:aque a subs-tancia tern para a determinidade, e seus atributos sao, porisso, nela e em si indiferentes e infinitos. A substancia comoexistencia (como realidade ou como unidade) e deficiente,porque ela e existencia pura, incondicionada e indeter-minada, e, com isso, falta a ela 0 principio da diferen<;:a,da determinidade. Neste sentido, podemos afirmar que asubstancia de Spinoza, apesar de sua relevancia, nao apre-senta ainda uma solu<;:aoadequada no que diz respeito itproblematica da rela¢o entre espfrito e materia (natureza),

porque ela, do mesmo modo como seus atributos, e tota-lidade sem realidade, ou melhor, realidade abstrata, vazia,sem conteudo e mio concreta. Podemos ainda verificar, ja nocomec;,:oda fUca de Spinoza, que 0 conceito de ambos osatributos e sua relac;,:aopara a substimcia remetem a outraproblema, a saber, 0 pensamento e a extensao apresentam-se essencialmente diferentes entre sL po is 0 pensamentonao pressup6e a extensao e esta nao aquele, ja que cadaqual e para si mesmo urn atributo absoluto: os atributos sandefinidos como aut6nomos e independentes urn dos outras.se 0 pensamento e a extensao, porem, nao san identicos,expressam, todavia, simultaneamente, a mesma substancia,como pode, enta~, a substancia ser uma unidade? Ja queos atributos sao distintos e, ao mesmo tempo, constituem aessencia da substancia, enta~ a substancia possui, conside-rada sob este angulo, uma essencia dupla, em si diferente.Os dois atributos produzem, evidentemente, na substanciauma separa¢o que nao esta em sintonia com 0 conceitoda unidade da substancia spinoziana.

Segundo Feuerbach, pertence a Spinoza 0 grandemerito de haver submetido a oposi¢o das partes e do todo,do corpo e da alma, da natureza e do espfrito, a unidadeda substancia, ja que toda parte singular da substfmciapertence a sua natureza. Apesar disto, acentua Feuerba-ch, e aqui em concordancia com Hegel, queSpinoza naotinha reconhecido a substancia como espirito e 0 espiritocomo substancia, ou seja, nao tinha determinado a subs-tancia como espfrito. Por isso, ele nao chegou nao s6 aoprincipio da unidade como tambem ao da diferenc;,:ae naoencontrou a verdadeira unidade. A obje¢o de Feuerbachcontra Spinoza consiste precisamente nisto, a saber, que aunidade de Spinoza nao foi determinada suficientemente,porque falta a ela a realidade da diferenc;,:a,da deter mini-dade. A filosofia de Spinoza e, na verdade, uma filosofiada identidade, isto e, da identidade de Deus e natureza, desubstancia e modos (acidentes), do universal e do singular;

assim, carecem ao conceito spinoziano de substancia adiferenc;,:a,0 principio da autonomia, da autodeterminac;,:ao,que se encontra, no entanto, expressamente na filosofialeibnizeana. Feuerbach ve, em principio, na Doutrina dasMonadas de Leibniz, uma altemativa para a unidade entre 0

espirito e a materia. Pertence a monada espiritual a forma,mas ela contem simultaneamente em si tambem a materia,que e a sua representa¢o obscura. Mas enquanto Leibnizconsidera a materia meramente como uma representa¢oescura, confusa, Feuerbach a reconhece, pelo contrario,como 0 vinculo positivo que liga 0 interior com 0 exterior,as monadas recipracamente.

Seguindo a primazia da natureza, que tern seufundamento em si mesma, e sob a considera¢o de suaautonomia como obje¢o (Einwand) ao teismo e ao idea-lismo, ve-se, na segunda fase do pensamento de Feuerbach,o seu conceito de natureza em conexao com sua criticaao Cristianismo e, ao mesmo tempo, em discussao com afilosofia hegeliana, isto e, 0 segundo periodo de sua con-cep¢o de natureza que envolve, especial mente, os escritosde 1839-1943, como Para a Critica da Filosofia ffegeliana(Zur l\ritik der hegelschen Philosophie) (1839), A Essendado cristianismo (Das Wesen des Christentums) (1841), Te-ses Provis6rias para uma Reforma da Filosofia (VorUiufigeThesen zur Reform der Philosophie) (1842), I'fecessidadede uma Reforma da Filosofia (I'fotwendigkeit einer Vercin-derung der Philosophie) (1842) e Principios da Filosofia doFuturo (Grundsatze der Philosophie der Zukunft) (1843). Apalavra natureza, nao no sentido da natureza humana, istoe, como natureza do homem, do genera humano, mas,pelo contrario, no sentido da natureza, tal como ela e emsi mesma, isto e, no sentido da natureza material, aparecenas obras mencionadas, e isto e visivel na obra principal deFeuerbach, A Essencia do Cristianismo, muito raramente.Feuerbach nao desenvolve aqui nenhuma teoria da nature-za, mas a apresenta indiretamente, para defende-Ia contraa atitude crista frente a ela.

Feuerbach deixa claro que a teologia crista serelaciona negativamente perante a natureza. No cristia-nismo, 0 homem se concentra apenas em si mesmo,pois ele desliga-se da conexao com a natureza e faz desi uma essencia absoluta e sobrenatural. A separac;:ao danatureza, do mundo, e, por conseguinte, 0 ideal essencialdo cristianismo: 0 cristao (Christ) desdenha 0 mundo,por exemplo, pela sua fe no fim do mundo; ele nega anatureza, po is esta significa a finitude, a transitoriedadee nulidade de sua existencia. Essa depreciac;:ao ou desva-lorizac;:ao religiosa pela natureza tern consequencias parao julgamento da natureza humana por parte da teologia,pois esta condena tambem a dimension natural-sensivelda natureza do homem e, diante desta, enaltece 0 espfrito.Este entendimento negativo do cristao para com a naturezatorna-se, por exemplo, mui evidente nao so na Doutrinada Criac;:ao(Kreationslehre), mas tambem na Doutrina doPecado Original (Erbsundeslehre), pois esta, fundada nodesdem pela natureza, baseia-se num sentimento de culpacondicionado pela falha e fraqueza do homem e, por isso,na negac;:ao de sua corporalidade, de sua sensibilidadepresa a natureza. Vma confirmac;:ao para isso acha-setambem nisso, a saber, que 0 homem deve, de acordocom 0 entendimento cristao, Iivrar-se precisamente desua natureza corporal (da "natureza transgredida") paramerecer e conseguir a vida eterna, sem as tentac;:6es e osdesejos da carne. Precisamente porque a natureza expres-sa objetividade, necessidade, corporalidade, sensibilidade,e ela 0 negativo, por assim dizer uma prova dos Iimites dainterioridade, do sentimento religioso, isto e, a barreiraconcreta que se op6e a illusion de uma existencia sobre-natural. Deste ponto de vista cristao, ela deve, portanto, sereliminada, negada. Feuerbach argumenta que Deus (0 todosupremo, a essencia sublime), 0 qual a fantasia religiosacriou, e apenas uma representation fantasmagorica dogenero humano, uma konstruktion subjetiva do homem,abstraida de todas as fronteiras e restric;:6es da natureza, e

a religiao serve ao homem de meio, com 0 qual ele tentalivrar-se da natureza.

A ausencia da natureza em sua obra fundamentalpode ser esdarecida da seguinte maneira: ela resulta de suaocupac;:ao com 0 cristianismo que ignora completamentea natureza e p6e em seu cume urn Deus pessoaL que criaatraves do puro pensar e do querer a natureza, 0 mundo. Emconsequencia disso, a natureza foi considerada nao comotal; e1aexperimenta aqui, na verdade, nenhum tratamentoproprio, independente, ja que nao ha no cristianismo ne-nhuma autonomia da natureza. 0 amago do cristianismonao e, enta~, Deus na natureza, mas, pelo contrario, Deusi1imitado, livre dela e sobre ela; 0 cristao experimenta, porexemplo, a natureza, a sua necessidade e as suas leis per-manentes e contfnuas, apenas como barreira insuperavelque se op6e, como vimos, a sua pretensao a uma existenciaimateriaL sobrenatural e transcendente. Mas 0 homem semcorpo, despojado da materia, da natureza, e meramente,como pensa Feuerbach, uma personalidade abstrata, urnabstraktum, pois apenas a naturalidade, a natureza, ga-rante a essencia e a existencia do homem como homem,do homem como pessoa. A reivindicac;:ao feuerbachiana deurn esdarecimento natural, fisico, da natureza e, do mesmomodo, de uma conexao do homem com ela aponta parauma crftica abrangente ao cristianismo, para uma negationfundamental as imaginac;:6es e fantasias da teologia crista,na qual a natureza nao tern nenhum significado positivo.

Ludwig Feuerbach considera que 0 homem e aquiloo que ele e apenas atraves da natureza, porque ele ternnela 0 fundamento de sua existencia. Ja que 0 homem esubstancialmente uma essencia sensiveL temporal, de ne-cessidade, ele "nao se deixa separar dela." "Sede", afirmaele, "gratos a natureza!,,170 cristianismo recusa a natureza,porque ele anseia a uma vida atemporal, extramundana,

17 FEUERBACfl, L. Das Wesen des Christentums. Organizada par Werner Schuffen-

hauer. Berlin: Akademie Verlag, 1973. OW 5, p. 308.

sobrenatural. A vida "celestial", "assexuada", absolutamentesubjetiva, e para 0 cristianismo 0 caminho direto para umavida "futura", ou seja, para a imortalidade pessoaI. 0 cris-tianismo diferencia "a vida do alem" da vida real, temporal:a primeira representa a vida i1imitada, ao passo que a se-gunda corresponde a vida escura, obscura, isto e, a vida dador e do tormento, porque ela esta presa, de acordo como cristianismo, aos "prazeres da carne". "No ceu e 0 cristaolivre daquilo que ele quer ser livre aqui, livre do instintosexual, livre da materia, livre da natureza em geral.,,18 0cristianismo exclui do paradies todos os Iimites e todas asadversidades que estejam Iigados com a sensibilidade, coma natureza. Ele arranca 0 homem da natureza, pois 0 mundoextemo contem per se urn conteudo que contradiz, segundoa vontade do cristao, urn ideal de uma vida absolutamentei1imitada. Trata-se aqui, na verdade, da absolutidade dosentimento religioso, isto e, da Iiberdade do crente em facedos obstaculos da natureza, sem a qual ele nao consegueconceber Deus como uma essencia metafisica, sobrenaturale sobrehumana. Em sfntese: no cristianismo, 0 essencialou a essencia foi atribufda apenas a Deus, e 0 inessencialou 0 conceito negativo constitui a natureza. A filosofia deFeuerbach e exatamente 0 contrario do cristianismo: a na-tureza e, para ela,

[...] 0 positivo [0 essencialJ, Deus e 0 negativo [0 fielO

essencial]. 0 rnundo e autonorno em seu ser, em seusubsistir [ ... ]. Deus e aqui urn ser sornente hipote-tico, derivado, nao rnais absolutarnente necessario,original, mas apenas urn ser surgido da necessidade[da dificuldade] de urna razao restrita.19

Ja que a natureza pressupoe de facto urn sentidomundano, profano, portanto, antiteol6gico e antinaturalista,que separa 0 homern de Deus, 0 cristianismo concebe, por

18 Ibidem., p. 551.

19 Ibidem., p. 325.

isso, Deus comO urn ser infinito, absoluto, isto e, como urnser particular para si, pensado fora e acima da natureza.

A essencia do Deus cristao e, na verdade, nada maisdo que a essencia sensfvel do homem, a qual a natureza(ou a materia, 0 corpo, a carne etc.) vale apenas como seulimite ou sua negation, razao pela qual ela deve ser supera-da. Eis porque poder-se-ia, sucintamente, asseverar: queme "contra 0 cristianismo", e "pela natureza"; isto e, quemnega "0 cristianismo", afirma "a natureza".20Ou ainda: quemquer "apenas 0 cristianismo, nao a ciencia da natureza", "eurn falso amigo ou, antes, urn inimigo oculto da cienciada natureza,,?1 Se Deus (Gott) e no cristianismo s6 umaessencia subjetivo-humana, abstrafda da natureza objetiva,como pode 0 homem, nessas condi<;oes, vir para uma outraessencia, diferente dele, nao mais humana? Ou melhor: seo homem (Mensch) no cristianismo esta submetido a Deus,o qual e indubitavelmente a essencia de seu pr6prio espfri-to, como pode ele, enta~, vir para uma existencia objetiva,exterior, que e independente de seu espfrito e se diferenciadele? A Iimita¢o (ou a deficiencia) do cristianismo consisteprecisamente nisto, a saber, que ele nao reconhece estaoutra essencia fisica, sensfvel, natural (a natureza), a qualo homem deve sua genese e manuten<;ao, ja que a natu-reza (l"fatur) foi concebida pelo homem cristao como urnproduto ou de sua arbitrariedade subjetiva ou da cria¢o deDeus. A partir destes pressupostos deixa-se transparecer ahostilidade do cristianismo a natureza, ja que ele tern porobjeto apenas Deus, pensado como urn ser absoluto forado homem e da natureza.

Para 0 cristianismo, Deus esta, na verdade, repletode conteudo, mas abstrafdo da vida reaL pois "quanto maisvazia for a vida, tanto mais rico, mais concreto sera 0 Deus.

20 FEUERBACI1, L. Uber das Wesen der Religion in Beziehung auf R. Iiayms Feuerbach

und die Phi/osophie. Organizado por W. SChuffenhauer. Berlin: Akademie Verlag,

1971. GW 10, p. 333.21 • Uber Philosophie und Christentum. Organizado por W. Schuffenhauer.

Berlin: Akademie Verlag, 1969. GW 8, p. 244.

o esvaziamento do mundo real e 0 enriquecimento da di-vindade e urn unico e mesmo ato. ,,22Porque a religiao cristave em Deus a satisfa<;:ao (Befriedigung) das necessidadesinternas do homem, ela retira, entao, a vida dos limitespostos pela natureza e, com isto, reduz as satisfa<;:oesreaisdo homem a uma satisfac;:aopuramente ilusoria; ela se abs-trai da natureza e se refere ao mundo e a tudo 0 que nelee apenas em sua aparencia, nao em sua essencia, porqueapenas Deus constitui para ela a essencia. A interioridade(lnnerlichkeit) pertence a seu conteudo, razao pela qual areligiao crista ignora a natureza (l'fatur) como instimcia daexterioridade, da realidade, e conduz 0 crente, 0 fieL a umavida segregada dela. Uma vez que Deus e para ela umaessencia extramundana, sobrenaturaL eIa, para ligar-se aDeus, separa-se dos limites e das condi<;:oes materia is danatureza; assim, da ideia da divindade nao nos e permitidodeduzir e reconhecer nada de determinado na natureza.Feuerbach demonstra, como visto, que 0 Deus cristao e 0

proprio sentimento do homem livre de todas as contrarieda-des, isto e, a propria essencia da fantasia humana retiradada natureza, mas colocada como uma essencia objetiva.

A teologia crista nao esta, enfim, interessada emurn esclarecimento fisico, natural do mundo, fund ado nafilosofia da natureza ou na ciencia, porque 0 fundamentode todas as coisas encontra-se, para eIa, nao na naturezaobjetiva, mas em Deus mesmo. 'A natureza, 0 mundo, naotern para 0 cristao nenhum valor [...] 0 cristao so pensaem si [...] ou, 0 que e 0 mesmo, em Deus.,,23A fe, segundoa qual tudo foi deduzido de Deus, e basta e satisfaz per-feitamente· a reflexion religiosa. Em resumo, tem-se aquiclara mente 0 principio caracterfstico da teologia crista, asaber, que ela nao possui em essencial nenhuma base nanatureza: a natureza e a essencia sensfveL objetiva, finita,colocada, em principio, fora do espfrito. A teologia crista se

22 FEUERBACtl. L. Das Wesen des Christentwns. Op. cit" p. 148.2.> Ibidem.. p. 485.

opoe a natureza, porque ela (teologia) nao tern conscienciade que Deus sem a inclusao (E;inschluss) do homem, que,por sua vez, esta inclufda na natureza, e nada. Pois como 0

homem e a essencia de Deus e, simultaneamente, pertencea natureza, assim tambem a natureza pertence ao homem.So por meio desta ligac;:aodo homem com a natureza pode-se superar a tendencia antinaturaL anticosmica, da teologiacrista. A representa<;:ao crista de que a natureza mesma, 0

mundo, 0 universo, tern urn come<;:otemporaL que, entao,urn dia nao havia nenhuma natureza, nenhum mundo, euma concepc;:ao limitada; ou melhor, ela e uma illusionpara querer explicar a natureza atraves da aceitac;:aode urncriador, porque ela so pode ser deduzida e explicada desua essencia, ou seja, de si mesma. Deduzir a natureza deurn ser abstrato, metafisco, espiritual ou de Deus, significainferir a copia do original; ela nao pode ser subordinada,isto e, submetida nem a Deus (a simplicidade da essenciadivina), nem a vontade humana, porque ela se apoia emleis fisicas e e 0 ambito da pluralidade e diferencialidadequalitativa de todos os indivfduos. Ela e, portanto, umainstancia (lnstanz) ou grandeza (Grosse) independente deDeus ou da consciencia humana que, mediad a pela sensi-bilidade (Sinnlichkeit), fornece a prova (Probe) eo criterio(Kriterium) do mundo exterior. Por causa de sua legalidade,ela tern seu fundamento em si e fornece ao homem a con-tempIac;:ao do mundo como mundo e, simultaneamente, aconsciencia de sua limitac;:ao. Pela natureza torna-se 0 ho-mem consciente de que sua existencia depende deIa, poiso que ele e deve ele a ela, uma vez que ele sem ela e nadae nada pode. Precisamente este aspecto da necessidade eda dependencia do homem da natureza, da evidencia dan·atureza externa como condition sine qua non da vida,que existe objetivamente fora do espfrito, e 0 fundamentomaterial do nascimento da religiao.

Exatamente como na teologia crista, que subordinaa natureza ao querer e ao bel-prazer do homem, tambem

no idealismo (particularmente em Hegel) a natureza estasubjugada ao espirito. Hegel acredita que 0 espirito absolutose desdobra, se objetiva, na natureza, assim a natureza etambem para ele nao urn ser primeiro, autonomo, mas algoposto, colocado, como que urn outro ser concretizado doespirito. A natureza em Hegel e, enta~, apenas uma ou-tra forma fenomenica do espirito, uma exteriorizac;:ao ouobjetivac;:ao dele, ao passo que Feuerbach a entende naocomo uma degradation da ideia absoluta, nem como 0

alter ego do ego, mas sim como natura naturans, comoo fundamento indeduzivel, imediato, incriado de todaexistencia real, que existe e consiste por si mesmo. ContraHegel insiste ele, decididamente, nestaposition, isto e, naimediaticidade da natureza e da experiencia sensivel domundo, e e mister chamar a atenc;:aoaqui para isto, a saber,que ha, neste ponto, uma convergencia entre Feuerbache Schelling. Feuerbach, 0 antidotum do teismo e do idea-Iismo, p6e a natureza frente ao espirito, pois ele entendepor natureza nao 0 puro outro, que s6 at raves do espiritofoi posto como natureza, mas, primeiramente, a realidadematerial que existe fora e independente do entendimentoe e dada ao homem por meio de seus sentidos. Sob estacondic;:ao pode-se conceber a natureza como garantia daexterioridade mesma, como que urn existente fora de n6s,que nada sabe de si, po is nao e para si, mas s6 em si epor si mesmo.

Partindo desse entendimento acerca da natureza,tem-se, na ultima fase da concepc;:aode natureza no pen-samento de Feuerbach, nao s6 os escritos fundamentais de1846-1948, como A Essencia da ReligUio (Das Wesen derReligion) (1846), Complementos e Esclarecimentos para aEssencia da Religiao (Erganzungen und Erliiuterungen zumWesen der Religion) (1846), Prelec;6es sobre a Essencia daReligiao (Vorlesungen ilber das Wesender Religion) (1848),nos quais Feuerbach, apoiando-se na religiao da natureza,critica a natureza como objeto da religiao e a toma como

base e fundamento do homem e de todas as coisas, bemcomo os seus escritos maduros, como A Pergunta pela Imor-talidade sob 0ponto de vista daAntropologia (Die Unster-blichkeitsfrage vom Standpunkt der Anthropologie) (1847),A Ciencia da ffatureza e a Revoluc;ao (Die ffaturwissenschaftund die Revolution) (1850), 0 Segredo do Sacrificio ou 0I10mem e aquilo que come (Das Qeheimnis des Opfersoder der Mensch ist was ij3t) (1860), Sobre Espiritualismoe Materialismo (Uber Spiritualismus und Materialismus)(1866) e Para uma Filosofia Moral (Zur Moralphilosophie)(1868), nos quais ele tenta fundir uma relac;:aofundamentalentre filosofia e ciencia da natureza. Se em A Essencia doCristianismo (Das Wesen des Christentums) 0 fundamentoe tambem 0 objeto da religiao era ainda a essencia moraldo homem, abstraida da natureza, quer Feuerbach agora,nesses escritos maduros, superar todo discurso (oratio)antropol6gico, teleol6gico ou teol6gico em relac;:aoa natu-reza, ou seja, obter a separac;:aoda mesma da reductio adhominem, de todos os predicados humanos. Assim, ele feza si, por tarefa, defender,justificar e fundamentar a autono-mia da natureza contra os esclarecimentos e as deduc;:6esteol6gicas frente a ela. Enquanto ele avaliava a relac;:aocristaem relac;:aoa natureza, no todo, negativamente, porque anatureza no cristianismo esta submetida arbitrariamente aoafeto religioso, julga ele, agora, a religiao da natureza (ffa-turreligion) parcial mente positiva,ja que ela tern por objetoa natureza (0 deus ffsico) e, por isso, ela exerce uma func;:aoimportante no que diz respeito a uma percepc;:aoadequadada natureza. Nao obstante~ nao se trata para Feuerbach,de maneira nenhuma, de defender a religiao da naturezaem si, embora ela fac;:avaler, de fato, a natureza, a medidaque ela p6e no lugar da humanidade a natureza. Portimto,ele nao esta interessado na religiao da natureza como taLmas, meramente, em sua func;:ao estrategica para a suaargumentation contra 0 cristianismo e 0 idealismo, po isela manifesta a natureza, aponta uma indicac;:ao decisivapara a verdade dos sentidos, demonstra 0 significado da

sensibilidade e atesta 0 sentimento de finitude do homeme de sua dependencia nao de algo sobrenatural, mas danatureza mesma.

Apesar desta avalia¢o parcialmente positiva da reli-giao da natureza, chega Feuerbach, no entanto, a conclusao y

de que ela nao concebe, no fundo, a natureza real, objetiva;pelo contnirio, reflete-se tambem nela apenas a verdadedo homem, pois 0 homem religioso-natural ve nela nao anatureza, como ela e real mente, mas a perce be tao-somentecomo objeto de sua fe, de sua venera¢o religiosa ou desua imagina¢o. Porque a natureza oferece ao homem 0

que ele precisa, foi ela idolatrada como divina; a venerac;:ao(Verehrung) ou diviniza¢o (Verg6tterung) da natureza signi-fica, por conseguinte, a sua antropomorfiza¢o, isto e, a suahumaniza¢o pela religiao, pois 0 valor, que 0 homem p6ena natureza, e apenas 0 valor que ele atribui a si mesmo, asua propria vida. A religiao da natureza tern, na verdade, porfinalidade transformar a essencia nao sagrada, nao humana,da natureza numa essencia sagrada, personificada. Mas,assim como 0 pantefsmo, Feuerbach a critica, precisamenteporque ela faz, atraves dessa transformation, da naturezaurn Deus. Em oposi¢o a isso, ele nao ve a natureza comoalgo sagrado, divino, isto e, como objeto religioso, tal comoela aparece na religiao da natureza, mas, pelo contnlrio,como uma essencia objetiva que existe apenas por si mes-ma, independentemente do homem.

Como justificativa para este seu procedimento, peloqual ele quer livrar a natureza de todas as considerac;:6es re-ligiosas e antropologicas, vale a ele que a natureza e 0 enteque produz tudo de si e por si e, por conseguinte, nao deveser vista como aquilo 0 que ela nao e, isto e: 1. nem comodivina (em forma do tefsmo); 2. nem como humana (emforma do idealismo). A natureza, para ele, sempre existiu,quer dizer, ela existe por si e tern seu sentido apenas em simesma; ela e ela mesma, ou sEja, nenhuma essencia mfsti-ca, pois por detnls dela nao se oculta, nem se esconde nada

humano, nada divino, nenhum absolutum transcendental ouideal. 0 conceito de natureza designa tudo 0 que se mostrasensivelmente ao homem como fundamento e essencia desua vida; trata-se, pois, primeiro daquela essencia (luz, ar,agua, fogo, plantas, animais etc.), sem a qual 0 homem naopode nem ser pensado nem existir. A natureza e, assim, apluralidade de todas as coisas e seres sensfveis que real-mente silo. Embora haja neste ponto, como ja menciona-do, uma certa concordancia entre Feuerbach e Schelling,distancia-se, porem, Feuerbach de Schelling, pois paraFeuerbach a natureza e em si e por si, mas ncio para si; elae necessaria e regida por leis proprias, sem espfrito e semsujeito, isto e, 0 independente de toda essencia humanaou divina, 0 indeduzfvel, 0 que consiste por si mesmo, porassim dizer a essencia originaria, primeira e ultima. Assimsendo, pode-se dizer que: 1. Por urn lado, a natureza existeper se (em si e por si) e age, em prindpio, sem intenciona-lidade (Absicht), sem querer (Willen) ou saber (Wissen); elatern seu entendimento apenas no entendimento do homeme prova sua essencialidade mediante qualidades, conex6es erelac;:6esmateriais. 2. mas, por outro lado, para faze-Ia a nosinteligfvel, e-nos inevitavel que devamos empregar sobre elaanalogias, express6es ou conceitos, como ordem, finalida-de, sabedoria etc. Aquilo que 0 homem acredita reconhecerna natureza como entendimento, espfrito, que empresta aela uma teleologia, e, portanto, apenas uma representa¢ohumana. Assim, no que tange a todas as aproximac;:6es anatureza trata-se para Feuerbach, meramente, de conceitosantropologicos, subjetivos, pois, na natureza, tudo acontecesob 0 fundamento da necessidade e ha nela apenas forc;:as,elementos e seres naturais, isto e, leis naturais, as quais aexistencia humana esta submetida. Partindo da necessidadee das leis da natureza, Feuerbach exclui dela todos os cri-terios humanos ou efeitos de Deus para a sua valoriza¢oe postula, com isto, a sua autonomia. Precisamente estepostulado de Feuerbach em rela¢o ao status da naturezaoferece, na situa¢o presente, pontos de referencias para

uma resistencia contra toda exploray3.o arbitraria e brutalda natureza a favor dos designios e des~os iIimitados dohomem e, ao mesmo tempo, fornece, consequentemente,sugestoes e contribui<;oes para urn debate frutifero sobrea crise ecol6gica atuaI.

Thndo em vista tais posic;oes, quer Feuerbach fun-damentar uma nova relay3.o entre 0 homem e a naturezaa qual ele ve realizada, em principio, na dependenci~do homem em rela<;ao a natureza. Nessa dependencia(Abhangigkeit), ele encontra uma clara designay3.o paraa natureza como algo nao humano e, simultaneamente,como vinculo que liga 0 homem a ela. 0 homem nao e urnser sem necessidade, ou seja, nao e s6 espiritual (animalrationale), mas tambem, simultaneamente, uma essen-cia sensiveL fisica, nascida, por isso ele e dependente danatureza e precisa dela para seu 'nascimento, desenvolvi-mento e autossustento. Ele tern 0 fundamento de sua vidanao em si, mas, pelo contrario, fora de si e esta, portanto,necessaria mente remetido para uma outra essencia (paraa natureza). A dependencia do homem da natureza faz danatureza para ele a causa do medo e da inseguran<;a, poiso homem sabe que ele sem ela nao pode ser. Nao obstante,nao se deve esquecer que a natureza e tambem urn sistemade leis, urn passivo potencial, frente ao qual 0 homem podereagir atraves da cuItura (do desenvolvimento da ciencia eda tecnica), podendo ser, pois, utilizada por ele a seu favor,embora 0 essencial dacuItura consista nisto, a saber, queela tambem se deixe determinar pela verdade da naturezados objetos.

Feuerbach ve a cuItura realizada preponderante-mente nas ciencias, e seuentusiasmo para ela e para seumetodo tinha eleja manifestado nas suas obras, TesesPro-visOrias para a Reforma da Filosofia (Vorliiufigen Thesen zurReform der Philosophie) ePrinc{pios da Filosofia do Futuro(~undsatzen der Philosophie der Zukunft), nas quais a liga-<;aoda fiIosofia e da ciencia da natureza representa para ele

uma aIternativa a alian<;a (Allianz) feudal da fiIosofia com ateologia e possibilita uma conexao objetiva com a natureza.Nesse empreendimento, Feuerbach almeja que a ciencia danatureza sirva de base a sua fiIosofia, porque ela forneceuma contribuiy3.o para a superay3.o tanto das inconsisten-cias da fiIosofia especulativa quanto das inconsequenciasda fantasia e da imaginay3.o religiosa, a medida que ela,em seu sentido antiteol6gico e antimetafisico, se ocupa naocom objetos arbitrarios ou fenomenos sobrenaturais, masexclusivamente com objetos fisico-naturais, atribuindo assuas causas imanentes a natureza. Deve-se aqui chamara ateny3.o para 0 fato de que Feuerbach nao era nenhumcientista da natureza, pois, de acordo com ele, as cienciasda natureza, como a quimica, a fisica, a biologia, a botimica,a fisiologia etc., conhecem apenas a hist6ria da natureza,se limitam, com isto, a urn elemento isolado da naturezae nao tern, em oposiy3.o a fiIosofia, nenhum acesso a tota-lidade da natureza e da alma humana, ou seja, a essenciado homem. Embora Feuerbach esteja convencido de queo homem e uma essencia natural e que sua existencia, seunascimento e sua preservay3.o pressuponham a natureza,parece-Ihe sem sentido uma ciencia ou uma fiIosofia danatureza separada do homem. Para ele, a natureza e, emprincipio, nao humana, externa ao homem, que e, no en-tanto, esclarecida, conhecida, na medida em que 0 homemse apropria dela atraves de seu entendimento. Eis, portanto,os meritos consideraveis da concep<;ao de natureza emFeuerbach como urn essencial progresso frente ao teismoe ao idealismo, a medida que ela restitui a natureza 0 seuvalor, a sua majestade.