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Homenagem a Lygia Sigaud

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homenagem

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  • GREVES, ACAMPAMENTOS E OUTRAS FORMAS DE MOBILIZAO SOCIAL:O LEGADO DE LYGIA SIGAUD PARA OS ESTUDOS RURAIS

  • Todos os direitos reservados. Os artigos aqui publicados so a expresso exclusiva dasposies de seu respectivo autores e no do conselho editorial.

    Os artigos publicados podero ser livremente reproduzidos em qualquer meio, desdeque sejam feitas as devidas referncias aos autores.

    1 Edio - eletrnica

    Capa: Jernimo Navajas

    Diagramao e editorao: Jernimo Navajas

    Reviso : Delma Pessanha Neves e Marcelo Carvalho Rosa

  • GREVES, ACAMPAMENTOS E OUTRAS FORMAS DE MOBILIZAO SOCIAL:O LEGADO DE LYGIA SIGAUD PARA OS ESTUDOS RURAIS

    Marcelo Carvalho Rosa

    (organizador)

    Rio de Janeiro

    Rede de Estudos Rurais

    2010

  • Laura Colabella

    Doutora em Antropologia Social pelo PPGAS/Museu Nacional/Universidade Federaldo Rio de Janeiro. Foi orientanda de Lygia Sigaud no mestrado e no doutorado e sededicou a transpor para o contexto da poltica dos piqueteros argentinos, as desco-bertas de Lygia Sigaud em relao aos acampamentos no Brasil.

    Marcelo Carvalho Rosa

    Professor Adjunto do Departamento de Sociologia da Universidade de Braslia, bol-sista de Produtividade do CNPq. Trabalhou com Lygia Sigaud ao longo dos ltimosoito anos em pesquisas em Pernambuco, no Rio Grande do Sul e na frica do Sul.

    Marcelo Ernandez Macedo

    Professor Adjunto do Departamento de Comunicao da Universidade do Estado doRio de Janeiro. Foi co-orientado em sua tese de Doutorado por Lygia Sigaud. Aolado de Lygia Sigaud realizou, ao longo da ltima dcada, pesquisas sobre asociognese dos acampamentos e ocupaes de terra no Rio de Janeiro.

    Nashieli Rangel Loera

    Doutora em Antropologia Social pela Universidade de Campinas e pesquisadora doNcleo de Estudos Rurais na mesma universidade. Realizou pesquisas sobre a for-mao dos acampamentos de sem-terras nos estados de So Paulo e Bahia, tendodesenvolvido um dilogo duradouro com a obra de Lygia Sigaud voltada para estetema e a teoria antropolgica.

    Thereza Cristina Cardoso Menezes

    Professora Adjunta da Universidade Federal da Amaznia. Foi orientanda de douto-rado de Lygia Sigaud e com ela compartiu trabalhos de campo e pesquisas na zonada mata. Ao longo de sua participao no grupo de pesquisa, desenvolveu trabalhossobre o impacto da regulamentao ambiental para a vida de trabalhadores rurais eassentados de reforma agrria na regio canavieira de Pernambuco.

    SOBRE OS AUTORES:

  • INTRODUO 07

    DE CLANDESTINOS A PESCADORES: ESTUDO SOBRE DIREITOS

    E NOVAS IDENTIDADES SOCIAIS 13

    Thereza Cristina Cardoso Menezes

    TEMPO DE BARRACO 33

    Nashieli Rangel Loera

    AS OCUPAES DE TERRA NO RIO DE JANEIRO NA DCADA DE 1980

    E A FORMA ACAMPAMENTO 61

    Marcelo Ernandez Macedo

    A FORMA MOVIMENTO COMO MODELO CONTEMPORNEO

    DE AO COLETIVA NO BRASIL 87

    Marcelo Carvalho Rosa

    DE LOS PIQUETEROS ME VINE AC CON RUBN.

    ETNOGRAFA DE UNA RUPTURA 107

    Laura Colabella

    SUMRIO

  • 7INTRODUO

    Poucos tiveram a oportunidade de, ao longo de quarenta anos, fazer pesquisade campo em reas rurais, como fez Lygia Sigaud com os trabalhadores canavieirosda Zona da Mata de Pernambuco, com os atingidos pelos grandes projetos hidrel-tricos no nordeste e no sul do Brasil e com os movimentos de lutas por terra,tambm nestas duas regies. Como ela mesmo gostava de apontar nos seus traba-lhos: esta parece ser a principal condio social de possibilidade para compreendersua importncia para as cincias sociais. Para alm de um interesse incomum pelateoria antropolgica, refletido em seus estudos sobre Edmund Leach, BronislawMalinowki e Marcel Mauss e em seus cursos no Museu Nacional, foi por meio deseu longo investimento em trabalho de campo que fomos brindados com as boasnovas de mobilizaes polticas que no seguiam necesseriamente os modelos con-cebidos nas cincias sociais para os camponeses ou trabalhadores rurais.

    Ao chegar em Pernambuco ainda na dcada de 1960, Lygia Sigaud, envolvidaem projeto coletivo de pesquisa, observou um mundo rural que se transformava empleno advento da ditadura militar. Ao longo das dcadas seguintes, ela seguiu comacuidade o processo de implantao dos direitos trabalhistas no mundo dos enge-nhos de cana de acar e obervou que as relaes de dependncia e reciprocidadeentre senhores de terra e seus moradores tinham implicaes fundamentais nesseprocesso. Ao lado dos sindicalistas da regio, retratou o processo de expulso dostrabalhadores rurais de seus stios, do interior do engenhos para as pontas de ruadas pequenas cidades da regio, e a formao de um grupo social especfico: osclandestinos. Em oposio a estes ltimos, os trabalhadores sindicalizados, portan-to com direitos formalmente assegurados, organizaram em 1979 e 1980 as maioresgreves de trabalhadores rurais da histria do pas e, logo a seguir, apareceramrelatados em seu Greve nos Engenhos.

    Seus estudos sobre as greves e mobilizaes sindicais tambm contriburampara uma melhor compreenso do lugar que o sistema judicirio passou a ocuparnas relaes sociais daquela regio; e para o entendimento das condies necess-rias ao uso deste recurso pelos trabalhadores. Foi na sequncia deste trabalho decampo, que j se extendia pelos anos 1990, que Lygia Sigaud encontrou os mesmos

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    sindicalistas que haviam feito as greves das ddacas anteriores ocupando e montan-do acampamentos nos engenhos. A partir dali comps uma nova equipe de trabalhoque passou a refletir sistematicamente sobre os sentidos que os acampamentos eas mobilizaes por terra adquiriam no mundo da cana-de-acar. Em Ocupaes deTerra e Transformaoes Sociais vemos os primeiros resultados deste esforo, queseriam complementados com seus artigos: A forma Acampamento e em As condi-es de possibilidade das ocupaes de terra. Neste conjunto de publicaes, en-contramos um campo frtil para associar as grandes mobilizaes por terra no Bra-sil dos ltimos anos, com a vida cotidiana de trabalhadores e moradores de zonasrurais. Como demonstrado em suas pesquisas, esta relao se estruturou por meiode uma forma acampamento que associava performance e linguagens especficas eque permitiu uma comunicao fluida entre militantes, sindicalistas, trabalhadoresrurais e agentes do Estado.

    Alm de seus artigos, orientaes e pesquisas, Lygia Sigaud se dedicou, noincio da ltima dcada, a um projeto indito: a realizao de uma exposio sobreas lutas recentes por terra na Zona da Mata. Inicialmente pensada como um umaapresentao dos resultados de seu primeiro projeto de pesquisa sobre os acampa-mentos, Lonas e Bandeiras em Terras Pernambucanas se transformou em uma ho-menagem pblica aos indivduos e movimentos que ajudaram a transformar a vidarural daquela regio. Entre 12 de agosto e 10 novembro de 2002, cerca de 18 milpessoas tiveram a oportunidade de percorrer a trajetria daqueles que se engajaramnas lutas por terra em Pernambuco. Por meio de udios de entrevistas, fotos e dasindispensveis barracas de lona e bandeiras dos movimentos, os visitantes do Mu-seu Nacional antiga moradia de nossos imperadores - puderam conhecer melhoras agruras passadas por aqueles que conhecemos por sem-terra.

    A trajetria marcada pelo compromisso entre o rigor acadmico e a atuaopoltica cruzou o caminho de vrios pesquisadores. Quando, por recomendao dela,cheguei na sede da Federao dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambucopara realizar meu trabalho de tese, sem jamais ter tido contato anterior com aque-les sindicalistas, fui gentilmente recebido como um amigo da companheira Lygia. Aintimidade entre alguns dos sindicalistas e ela era tanta, que vrias vezes fui pergun-tado sobre como estavam seus filhos, cujos nomes eram conhecidos por todos aquelesque conviveram com ela no tempo das greves. O mesmo ocorreu quando cheguei sede do MST em Caruaru. Ao dizer que trabalhava com Lygia, fui recebido com umsorriso enorme por uma das mais ativas militantes do movimento. Ela nunca havia

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    encontrado com Lygia Sigaud, mas em dos cursos de formao do movimento,havia lido o livro Os Clandestinos e os Direitos que, posteriomente, serviu de basepara seu trabalho de concluso do curso de Pedagogia. Ambos, sindicalistas e mili-tantes, reconheciam no trabalho de Lygia um apoio externo importante para suaslutas e para compreenso de seu mundo social.

    A idia desta publicao, gentilmente solicitada pela Direo da Rede de Estu-dos Rurais, da qual ela foi uma de suas maiores incentivadoras, era realizar umahomenagem que reconhecesse o legado de Lygia Sigaud para nossa comunidade.De meu ponto de vista, nada mais justo do que seguir as pistas deixadas por ela emum de seus ltimos trabalhos publicados no Social Science Information - em geral,um bom trabalho etnogrfico deriva de um investimento de grupo: de uma experin-cia coletiva.

    Lygia, ao longo de sua carreira, teve vrias ocasies para experimentar estetipo de condies sociais de produo de conhecimentos. A seguir veremos, pormeio de trabalhos escritos por alguns de seus parceiros recentes, seja de campo,seja de orientao, que seu principal legado foi ter nos ajudado a transportar ascategorias etnogrficas que elaborou para o cerne de nosso trabalho e, com isso,revelar facetas inditas da vida social contempornea.

    Temos o privilgio de reunir aqui cinco trabalhos que, em formas e contextosdistintos, dialogam com o legado de Lygia Sigaud, principalmente com suas ltimaspesquisas e publicaes.

    O trabalho de Thereza Menezes reflete sobre as mudanas sociais contempor-neas na regio etnogrfica mais trabalhada por Lygia: a Zona da Mata Pernambucana.Seguindo as formas com que a nossa homenageada trabalhou a penetrao dalinguagem dos direitos no mundo social dos engenhos de cana-de-acar, Menezesse volta para a o processo de formao de uma colnia de pescadores. Animadospela emergente narrativa ambientalista, antigos clandestinos passam a adotar umanova linguagem dos direitos. Desta feita, no seriam os direitos do trabalho deoutrora, mas do pescador profissional. Assim como Sigaud havia demonstrado quea linguagem dos direitos no solapava por completo as relaes de troca e obriga-o cultivadas no interior da fazendas, Thereza Menezes nos mostra que a adeso pesca regulamentada encontra-se eivada de elementos do passado. Assim, genero-sidade, proteo e segurana, termos que outrora foram usados para se referir aossindatos, so agora usados para o mundo da colnias de pescadores e da proteoambiental.

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    GREVES, ACAMPAMENTOS E OUTRAS FORMAS DE MOBILIZAO SOCIAL: O LEGADO DE LYGIA SIGAUD PARA OS ESTUDOS RURAIS

    Lygia Sigaud, na ltima dcada, rumou do mundo dos direitos para o dos acam-pamentos e ocupaes de terras e com esta ltima parte de sua trejetria quedialoga Nashieli Rangel Loera. Assim como no trabalho de Thereza Menezes, estapesquisadora segue os passos de Lygia Sigaud por meio do estudo da linguagem,que permite a estruturao dos acampamentos e das lutas por terra no inteiorpaulista. Tendo em conta a noo de forma acampamento cunhada por Sigaud(2000), Loera se dedica ao estudo da maneira como a participao e o merecimentosocial daqueles que se envolvem nesse mundo so organizados pela noo de tempode acampamento. O tempo, que no se expressa apenas como uma medida crono-lgica, ordena e hierarquiza a vida sob os barracos de lona preta.

    Nesta mesma seara, Marcelo E. Macedo, em texto que resulta de um projetocoletivo coordenado pela prpria Lygia Sigaud, ir refletir sobre a estruturao daforma acampamento no estado do Rio Janeiro na dcada de 1980. A hiptese de-fendida por Macedo de que as ocupaes que foram observadas no Rio de Janeirono incio dos anos 1980, no podem ser compreendidas se no levarmos em contaos processos anteriores e os agentes que contriburam para a construo das novasformas. Conectando eventos e sujeitos que participaram das lutas por terra naquelaregio, o autor nos demonsta que os novos movimentos e militantes preciram daajuda diuturna dos mais antigos para mobilizar pessoas e para negociar com osagentes estatais.

    Ainda na perspectiva das formas com que se constituem as lutas por terra noBrasil contemporneo, apresento uma anlise tambm inspirada no trabalho deLygia Sigaud, considerando como a forma acampamento se relaciona obrigatori-amente com o que chamo de forma movimento. A partir do estudo da chegada eimplantao do MST e sua linguagem nas Zona da Mata de Pernambuco, procurodemonstrar que, alm dos acampamentos, o MST transportou para Pernambucouma forma especfica de organizao social que passa a ser conhecida como movi-mento (no necessariamente correpondente s definies de movimentos sociaistpicas na anlise sociolgica). Esta forma permitiria a constituio de uma relaolegtima e singular entre o Estado e os demandantes por terra.

    Por fim, chegamos a um campo de estudos que tambm interessava a LygiaSigaud e que deu frutos por meio de seus orientandos. As formas de se fazer polticanas periferias de Buenos Aires, Argentina. Por meio de uma consistente etnografiade um movimento piquetero no cidade de Matanza, Laura Colabella trilha outro doscaminhos abertos por nossa homenageada: as relaes de amizade, parentesco e

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    GREVES, ACAMPAMENTOS E OUTRAS FORMAS DE MOBILIZAO SOCIAL: O LEGADO DE LYGIA SIGAUD PARA OS ESTUDOS RURAIS

    compradrio, que tambm fazem parte do mundo dos movimentos, mas que muitosde ns colocamos em segundo plano nas anlises dessas organizaes. Levando asrio os sbios conselhos de Lygia, de que as cincias socias devem ser feitas depessoas de carne e ossos, a autora fala dos desafios da poltica em seu pas a partirdo universo de relaes sociais de seus interlocutores.

    Acredito que este pequeno volume de textos seja uma contribuio importantepara conhecer e reconhecer o legado que Lygia Sigaud nos deixou com suas pesqui-sas nos ltimos anos. Neles vemos as principais facetas de seu trabalho e podemosobservar a importncia de seu investimento para a formao de um novo coletivode pesquisadores do mundo rural e fora dele. Suas contribuies para o estudo dosacampamentos, das ocupaes de terra e dos movimentos sociais fazem da pesqui-sa etnogrfica uma arma terica imbatvel, quando nosso interesse se assemelha aodela: fazer das cincias sociais uma ferramenta para a qualificao de nossas lutaslutas polticas e para a tranformao social.

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    Este texto busca analisar o crescente nmero de filiaes de trabalhadores ru-rais com histrico prvio de trabalho em canaviais a uma Colnia de Pescadores. Apesquisa foi realizada entre 1999 e 2005 com associados da Colnia de Pescadoresdo municpio de Rio Formoso, situado na Mata Sul de Pernambuco, buscando iden-tificar socialmente os filiados e compreender a recorrente vinculao que estes fazi-am entre o ato de associao e a recuperao de direitos trabalhistas.

    O trabalho aqui apresentado resultado de um longo dilogo com Lygia Sigaude sua obra, iniciado em 1999, em virtude de minha participao como pesquisadoraem projetos de pesquisa por ela coordenados entre 1999 e 20051. Esta relao depesquisa e amizade teve em comum a mesma rea de trabalho de campo, a MataSul pernambucana, foco de prolongado esforo de reflexo de Lygia direcionado anlise das transformaes nas relaes sociais na regio e tambm rea focal deminha tese de doutorado (Menezes, 2004) que Lygia orientou.

    Tendo como eixo reflexivo os efeitos de processos de transformao social re-lacionados aos trabalhadores rurais, Sigaud deu especial relevo s vississitudes dabusca pelos direitos. Com inspirao em formulaes de Weber (1964), suas pesqui-sas propunham uma abordagem que interrogasse as condutas referidas aos direi-tos, levando em considerao o quadro mais amplo de comportamentos dos indiv-duos e das relaes sociais nas quais esto inseridos, refutando, portanto, anlisesimbudas de um bias dos juristas que isolam condutas e as examinam em funo desuas implicaes em termos de cumprimento e descumprimento das normas jurdi-cas (Sigaud, 1996).

    A rea de estudos etnogrficos que permitiu a elaborao deste ponto de vistafoi a Zona da Mata de Pernambuco, regio que tem sido explorada desde o perodocolonial por senhores de engenho que plantavam cana e produziam acar, impondotransformaes territoriais e culturais que permitiram o engendramento do queFreyre (1943) considerava uma civilizao baseada no latifndio, na monocultura ena escravido.

    DDDDDEEEEE CLANDESTINOSCLANDESTINOSCLANDESTINOSCLANDESTINOSCLANDESTINOS AAAAA PESCPESCPESCPESCPESCADORESADORESADORESADORESADORES: : : : : ESTUDOESTUDOESTUDOESTUDOESTUDO SOBRESOBRESOBRESOBRESOBREDIREITOSDIREITOSDIREITOSDIREITOSDIREITOS EEEEE NONONONONOVVVVVASASASASAS IDENTIDIDENTIDIDENTIDIDENTIDIDENTIDADESADESADESADESADES SOCIAISSOCIAISSOCIAISSOCIAISSOCIAIS

    Thereza Cristina Cardoso Menezes

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    GREVES, ACAMPAMENTOS E OUTRAS FORMAS DE MOBILIZAO SOCIAL: O LEGADO DE LYGIA SIGAUD PARA OS ESTUDOS RURAIS

    No sculo XIX, as usinas comeam a fazer parte da paisagem da regio. Aindaque isso representasse uma mudana no equilbrio de foras locais, esses estabele-cimentos deram continuidade ao modelo de gesto anterior, fundado nas grandespropriedades monocultoras e na manuteno do controle estrito das propriedadesque exploravam (Andrade 1964; Belo 1985). Segundo Andrade (1994:36), o proces-so histrico usineiro compreenderia quatro grandes perodos: o primeiro iniciou-segraas s garantias de juros dadas pelo governo imperial, a partir de 1870, com acriao dos engenhos centrais, substitudos no final da Primeira Repblica por nu-merosas usinas; o segundo perodo teria se iniciado com a racionalizao da inter-veno do Estado na economia canavieira e com a criao do IAA (Instituto doAcar e do lcool), e terminado com a Segunda Guerra Mundial; o terceiro perodose estenderia desde o incio dos anos 1950 at os anos 70, quando a poltica do IAAdesmoronou em razo da presso de produtores paulistas no mercado nacional; oquarto perodo se teria estabelecido nos anos 70, com a interveno governamentalprocurando dinamizar, modernizar e acelerar a concentrao da produo de acar eexpandir a produo do lcool, com vistas a reformular a poltica energtica do pas.

    Os direitos no mundo dos engenhos

    At os anos 1950, o acesso terra na regio era rigidamente regulado pelossenhores de engenho e usineiros (os patres, segundo a designao local), a partirdas regras da morada, baseadas em obrigaes recprocas entre patres e morado-res. O patro deveria dar casa, terra para lavoura e proteo em momentos difceise o morador deveria oferecer seu trabalho e lealdade. Em meados dos anos 1950,as normas da morada, especialmente a permisso de manter as lavouras de subsis-tncia, comearam ser violadas pelos patres. Impedir ou dificultar o acesso terraresultou na quebra da obrigao de lealdade dos moradores. Neste perodo, surgi-ram as ligas camponesas (Callado 1964; Julio 1962; Bezerra 1979), dando incio aomovimento social que redundou na criao de sindicatos (Palmeira 1977) e, em1963, na extenso de direitos trabalhistas aos trabalhadores rurais, atravs do Esta-tuto do Trabalhador Rural.

    Pesquisas na Zona da Mata de Pernambuco evidenciavam os direitos como temaque atravessava as relaes sociais locais, indicando certo diferencial em termos desua apropriao social em relao a outras parte do pas. Em 1969, em sua primeiraincurso na rea junto com membros da equipe de pesquisadores do Museu Nacio-nal, Sigaud (2001:78) j chamava a ateno para a precoce conscincia e importn-

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    GREVES, ACAMPAMENTOS E OUTRAS FORMAS DE MOBILIZAO SOCIAL: O LEGADO DE LYGIA SIGAUD PARA OS ESTUDOS RURAIS

    cia que os direitos vinham ganhando entre os trabalhadores rurais, sendo estesentendidos como novo conjunto de obrigaes patronais institudas pelo Estatutodo Trabalhador Rural (ETR) em 1963, tais como o salrio mnimo, repouso remune-rado, frias e dcimo terceiro salrio, etc e a mediao da Justia do Trabalho emcaso de conflito.

    O fato desta disseminao dos direitos no estar acontecendo na mesma velo-cidade no resto do pas, indicou como fundamental para a compreenso deste dife-rencial regional a forte ao de mediadores devotados sua difuso como as lide-ranas da ligas camponesas, padres, comunistas e posteriormente lideranas sindi-cais e advogados. J em 1963, o respeito ao ETR tornou-se objeto de luta com gre-ves e manifestaes promovidas visando ao seu cumprimento. As reivindicaesassinalavam a configurao poltica progressista de Pernambuco durante o gover-no de Miguel Arraes como elemento chave para compreender a rpida difuso dosdireitos, reforando o pressuposto que o direito em si no produz efeitos sem queestejam reunidas outras condies sociais.

    O golpe militar de 1964 veio acompanhado da proibio de greves e manifesta-es e do afastamento e perseguio de lideranas ligadas aos trabalhadores rurais,permanecendo frente dos sindicatos apenas as lideranas vinculadas a Igreja Catli-ca. Diante do novo cenrio, a nica possibilidade de ao sindical tornara-se a cobran-a jurdica dos direitos trabalhistas, visto que, como o golpe foi justificado pela lega-lidade, os militares no poderiam combater sua representao mxima, os tribunais.A partir deste momento os dirigentes sindicais passaram a investir sistematicamentena regularizao jurdica dos conflitos, tornando-se a quantidade de reclamaes con-tra patres um smbolo por excelncia de prestigio sindical.

    A dcada de 1970 marca importantes mudanas no contexto produtivopernambucano, que passou a apresentar forte expanso produtiva da cana. Forne-cedores de cana e usineiros foram beneficiados atravs de subsdios e facilidades decrdito, advindos de programas como o Prolcool (1975-1985), que contriburampara uma expanso sem precedentes das plantaes de cana. Este boom produtivo,associado ao aumento do custo da fora de trabalho que se seguiu instauraodos direitos trabalhistas no campo, deflagrou a expulso de trabalhadores para aperiferia das cidades, pontas de rua na Zona da Mata de Pernambuco, e fez prolife-rar o recrutamento de trabalhadores sem contrato de trabalho. Estes trabalhadoresse identificavam e eram classificados socialmente como clandestinos em oposioao fichados, que tinham direitos assegurados por contratos formais de trabalho,

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    sinalizando o direito como principio classificatrio e importante referencia para ostrabalhadores rurais na regio (Sigaud 1979, 2004).

    Em municpios da Zona da Mata como Rio Formoso, o sindicato teve sua atuaomarcada pelo estmulo aos trabalhadores no sentido de demandar na justia a obedi-ncia s obrigaes patronais; isso permitiu a permanncia de muitos trabalhadoresnos engenhos, devido ao temor que os patres tinham dos pedidos de indenizao.Com a redemocratizao, a partir de 1979 os sindicatos locais continuaram exigindo ocumprimento da lei, atravs de greves pela manuteno de acordos coletivos e damultiplicao de processos contra patres na Justia do Trabalho.

    Com os 1990 houve uma significativa mudana nas regras do jogo entre Estadoe atividade sucroalcooleira, sendo suspensa pelo Governo Federal a tradicional pol-tica de proteo atividade. Sem as facilidades de crdito ou garantias de preo doacar para o mercado internacional, muitos patres e usineiros no conseguiramdar continuidade sua atividade. Em conseqncia deste novo panorama, ocorre-ram falncias, fechamento de usinas, desemprego de trabalhadores rurais e umaqueda acentuada da produo. Os sindicatos reagiram, tentando tornar as demis-ses custosas aos patres: incentivavam trabalhadores sem contrato (clandestinos)a exigir o reconhecimento do tempo trabalhado sem carteira assinada. Entretanto,os efeitos dessa estratgia foram desiguais na regio e em geral no produziram oresultado esperado.

    Um novo tempo e a persistncia dos direitos

    At aqui indiquei a configurao social que possibilitou e tornou a reivindicaodos direitos por trabalhadores rurais na Zona da Mata de Pernambuco um instru-mento referencial nas relaes sociais na regio estudada. Adiante analiso, atravsde um estudo de caso, como esta referencia vem ainda orientando comportamen-tos sociais, mesmo diante das grandes mudanas que atingiram a produosucroalcooleira e as relaes de trabalho a ela vinculadas.

    Busco demonstrar como, a partir dos anos 90, a reivindicao de direitos per-siste, mas vinculada a novas formas de identificao scio-profissional e inseroem associaes diferentes dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais. Trato particular-mente da converso de trabalhadores clandestinos residentes nas pontas de rua deRio Formoso em pescadores, examinando o significado atribudo filiao a Colniade Pescadores de Rio Formoso e vinculao deste ato persistncia na recupera-o dos direitos.

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    A Colnia de Pescadores de Rio Formoso foi fundada em agosto de 1996 e suacriao inscreve-se em um vasto conjunto de transformaes cuja gnese est vin-culada aos efeitos territoriais, sociais e polticos da crise sucroalcooleira da dcadade 1990 na Zona da Mata de Pernambuco. O cenrio de crise produtiva edesempoderamento da elite agrria abriu um novo campo de possibilidades para osmltiplos projetos e investimento na rea, motivado pela percepo compartilhadade ruptura do universo social das grandes plantaes canavieira.

    Para diversos agentes sociais havia indcios de que em meados da dcada de 90comeava um novo tempo e muitos deles apostaram no desenho de uma novacartografia regional. No litoral sul pernambucano, vrias apostas foram realizadas,abrindo um campo de investimentos concorrentes em termos da produo de umanova vocao que rompesse com o protagonismo histrico da monocultura canavieira,latifndio e explorao massiva de trabalhadores rurais.

    Esta percepo de se estar diante de um momento divisor de guas manifesta-va-se em vrios projetos de reconverso. O primeiro e mais emblemtico deles erao de transformar a tradicional regio de engenhos e usinas em reas voltadas parapromoo da reforma agrria, ao justificada por trabalhadores rurais, militantesdo MST e pelo Incra-PE na idia de que chegara o momento de pagar uma dvidasocial e histrica com os trabalhadores rurais. O segundo projeto para a regioseria representado pelos investimentos do Governo do Estado e implicava areconverso da monocultura ao turismo, atravs de investimentos em um projetoambicioso de criao de um centro turstico integrado que traria a regio para amodernidade. O terceiro vetor estaria direcionado a expandir fronteiras de unida-des de conservao e planejar um futuro sustentvel para a regio, tentando destemodo resgatar um dos maiores passivos ambientais do pas2.

    O primeiro vetor, a reforma agrria, comeou a se desenhar mediante o contextode fragilidade do poder de patres e usineiros, originado, a partir de 1992, pelas pri-meiras ocupaes de terra em Rio Formoso e Tamandar (municpio vizinho a RioFormoso), realizadas pelos militantes do MST e por dirigentes sindicais dos dois mu-nicpios. Estes agentes exigiam do Incra a desapropriao de engenhos e usinas porimprodutividade ou endividamento dos patres com os bancos. Desde meados dos anos1990, o MST e a Fetape (Federao de Trabalhadores da Agricultura de Pernambuco)comearam a concorrer em funo do nmero de acampamentos montados (Sigaud,2000), tornando, at o fim da dcada, a Mata Sul de Pernambuco numa das reascom maior nmero de ocupaes de terra e assentamentos rurais do pas.

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    Outra expresso deste movimento de transformao partia do Estado, que crioupolticas pblicas a partir da idia de que era preciso criar as condies para umanova vocao econmica para a regio. Para tal, atravs do Governo do Estado dePernambuco, captou-se recursos de US$ 10,456 milhes do Programa de Aopara o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (Prodetur-NE), cuja funo seriatransformar a faixa litornea da Mata Sul de Pernambuco no primeiro Centro deTurismo Integrado do pas, denominado Centro Turstico de Guadalupe (CTG). Opadro urbanstico do CTG estabelecido em 1993 tinha como diretriz bsica a ado-o de uma poltica rigorosa de preservao dos recursos naturais, de modo a tor-nar o centro turstico no apenas um balnerio tropical, mas tambm um destinoecoturstico.

    A zona mais valorizada do projeto turstico seria o municpio de Rio Formoso,que difere das demais reas do projeto de perfil litorneo, por estar situado integral-mente no interior do esturio. Foi projetado com o objetivo de implantao de hotelariadedicada construo de resorts e explorao de atividades de lazer. As margensdo Rio Formoso, situadas na rea urbana da cidade de mesmo nome, concentram aschamadas pontas de rua, ou seja, rea perifrica da cidade onde concentram-setrabalhadores clandestinos da cana-de-acar, pescadores, subempregados, refugi-ados de enchentes passadas, desempregados. Como a rea era desprovida de es-trutura de coleta de lixo e esgotamento sanitrio, tornava-se um risco ao futuro doempreendimento turstico. O rgo financiador (Banco Interamericano de Desenvol-vimento-BID) do projeto turstico ento imps a execuo de obras de saneamentoda rea urbana do municpio.

    Ainda buscando evitar riscos ao CTG e devido presso dos rgos estaduais demeio ambiente, que consideravam o projeto muito impactante ao meio ambiente,uma srie de acordos foram feitos para que o empreendimento tivesse aprovadoseus Estudos e Relatrios de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). A criao de unidadesde conservao tornou-se a moeda de troca desta negociao e introduziu na regioa interveno e controle fundados na proteo ao meio ambiente, aps a criaodos novos estatutos territoriais voltados conservao.

    O projeto turstico abriu possibilidades para o terceiro vetor, a expanso dasfronteiras de unidades de conservao e seus gestores governamentais e no-go-vernamentais. Em nome da proteo do projeto turstico, foi criada em 1997 umarea de Proteo Ambiental, a APA de Guadalupe, com 44.255 hectares, que abrangevrios municpios da Mata Sul de Pernambuco como Sirinham, Rio Formoso,

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    Tamandar e Barreiros. Em 1997 foi criada a APA Costa dos Corais com extensode 144 Km de praias e 18 milhas para dentro do mar, entre sul de Pernambuco eNorte de Alagoas, cujo objetivo proteger os recifes de coral, sua fauna, flora efaixa de manguezais ao longo da desembocadura dos rios3.

    A Colnia de Pescadores de Rio Formoso criada em 1996, neste ambiente deprofundas mudanas territoriais que tambm atingiram s divises municipais, poisneste mesmo ano foi realizado plebiscito que emancipou o municpio de Tamandar,at ento distrito do municpio de Rio Formoso. Antes da emancipao, existia umanica colnia de pescadores, na qual predominavam como associados os pescado-res martimos residentes em Tamandar.

    Os pescadores da rea de rio e esturio praticavam pesca artesanal e eramresidentes em Rio Formoso. Eles representavam uma categoria minoritria e pro-fundamente desprestigiada em virtude de suas embarcaes e apetrechos precri-os. Estes pescadores eram prioritariamente moradores de pontas de rua, conheci-das em Rio Formoso como Rua da Lama e Rua da Levada, rea estigmatizadapor ser vista na cidade como favela, local de miserveis, bandidos e de prostituio.Entre os pescadores de mar, voltados principalmente para pesca comercial, vigora-va a idia de que os pescadores artesanais das ruas da Lama e Levada no erampescadores legtimos, mas miserveis que encaravam a pesca como mais um den-tre vrios subempregos.

    Havia um histrico tenso de relao entre estes dois grupos de pescadores,inclusive, quando da tentativa de um dos pescadores de Rio Formoso de disputareleio para presidncia da colnia, a liderana de Tamandar intercedeu e conse-guiu junto a Sudepe, em 1988, a suspenso da carteira do concorrente e outrospescadores de Rio Formoso, pelo fato de estes no constiturem pescadores emtempo integral, mas viverem de outras atividades. Este episdio de humilhaocoletiva foi citado como momento que fez surgir a idia de fundar uma outra colniade pescadores, formada apenas pelos pescadores que pescavam no rio e esturio deRio Formoso.

    Com a emancipao, o municpio de Rio Formoso perdeu sua faixa litornea e ospescadores de Tamandar optaram por levar a velha colnia para o novo municpio,sob o novo nome de Colnia de Pescadores de Tamandar. Havia o desejo dospescadores de Rio Formoso de fundar uma nova colnia e um funcionrio do Ibamaincentivou e ajudou na realizao dos trmites burocrticos para a fundao da novaorganizao. O mesmo grupo que articulou a candidatura de oposio para a presidn-

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    cia da colnia em 1988 e sofreu retaliaes, solicitou a este funcionrio que interce-desse junto ao Ibama, para que o candidato concorrente na poca recuperasse suacredencial de pescador e pudesse liderar a nova colnia, o que de fato aconteceu4.

    O funcionrio do Cepene/Ibama que colaborou na fundao da colnia era tam-bm um ativo defensor da preservao do manguezal de Rio Formoso, atividade quevinha sendo encorajada em virtude dos projetos tursticos para a rea. Durante umlongo tempo este funcionrio fez rondas de barco, coibindo a pesca predatria nolocal e catequizando os pescadores ao credo da proteo ambiental.

    Esta fase era lembrada por muitos pescadores como a de maior eficcia nocontrole da devastao ambiental, motivo de queixa dos pescadores artesanais quese viam prejudicados e sem condies de concorrer com estas modalidades de pes-ca, em virtude de seus parcos recursos para investimentos no mtodo. A presenadeste funcionrio nos primrdios da existncia da colnia foi fundamental para aconstruo do perfil ambientalista que a organizao foi, ao longo do tempo, adqui-rindo; e tornou-se um diferencial de superioridade moral sempre mencionado porambientalistas para compar-los com os pescadores de Tamandar5.

    De acordo com os relatos dos pescadores, durante essas primeiras reunies nacolnia, ele argumentava que a preservao do mangue era a garantia de sobrevi-vncia dos pescadores, que era deles a responsabilidade de zelar pela sua preserva-o, pois eram os seus protetores naturais. Solicitava a colaborao de cada pesca-dor para que este fim fosse alcanado; e ressaltava que a proteo ambiental deve-ria ser o diferencial da Colnia de Rio Formoso em relao s outras, especialmente, de Tamandar.

    Os filiados da colnia de Rio Formoso residem em reas nas margens ou prxi-mas ao rio que banha a cidade, tendo l se instalado entre as dcadas de 1960 e1970, em decorrncia da expulso de trabalhadores dos engenhos, em virtude doalargamento da rea produtiva das plantaes de cana de acar e do aumento docusto da mo-de-obra, decorrente da ampliao dos direitos sociais dos trabalhado-res rurais6 (Sigaud 1993).

    Este processo (botar para fora) levou um nmero crescente de trabalhadoresrurais a deixar engenhos e a instalar-se na cidade, em funo dos constrangimentosimpostos pelos patres para a manuteno da casa e do roado, que permitiam aostrabalhadores a subsistncia familiar (os stios). A transferncia para a cidade (mo-rar na rua) no implicou necessariamente uma mudana de atividade: muitos dosresidentes das pontas de rua continuaram a trabalhar nos engenhos durante o

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    perodo do corte da cana (moagem), mas sob condies e regime de recrutamentodiferentes7, que tornavam o trabalho nas plantaes uma atividade sazonal ou oca-sional. Durante o inverno (fora da poca da moagem da cana), estes trabalhadoresbuscavam sua sobrevivncia em atividades temporrias, ou em recursos do governoestadual voltados para a sobrevivncia dos trabalhadores durante a entressafra.

    Os filiados colnia so parte do processo de proletarizao da atividadecanavieira dos anos 1970 e 1980 ou seus filhos e netos. Os trabalhadores proveni-entes dos engenhos freqentemente consideram sua entrada na pesca como umaalternativa imediatamente disponvel de trabalho, algo que deveria ser temporrio,uma forma de sobrevivncia entre uma moagem e outra.

    O termo pescador envolve uma srie de situaes profissionais. A pesca fre-qente entre os perodos de moagem criou condies para a profissionalizao, como surgimento de pescadores em tempo integral.

    Alguns conseguiam durante certos perodos uma produo pesqueira maior doque o necessrio para a sobrevivncia e comercializavam o excedente nas feiraslocais, na praia ou na vizinhana. Havia casos ainda mais raros de pescadores queinvestiam na compra, aluguel ou faziam parcerias para adquirir barcos. Esses come-aram a pescar em veculos maiores e mais potentes, capazes de alcanar reasmartimas. Tornaram-se, assim, pescadores de noite e dia, passando a viver exclu-sivamente dessa atividade.

    Uma grande variedade de situaes relacionadas adequao individual ao tra-balho nas plantaes est na origem da converso pesca. Muitos se tornarampescadores porque no suportavam o trabalho nos canaviais e escolheram a pescaporque no queriam mais ter patro ou no queriam ficar presos na ficha. Noentanto, muitos daqueles que so pescadores em tempo integral afirmam que, re-centemente, devido escassez e ao aumento do nmero de pescadores em RioFormoso, a atividade no fornece o suficiente para as necessidades de subsistnciafamiliares.

    A pesca em Rio Formoso percebida como uma atividade crescentemente in-certa, como relataram alguns pescadores: h dias que se passa o dia no rio e no sepega nenhum peixe. Para muitos filiados colnia, a pesca no percebida comouma profisso, mas como algo que se faz enquanto se espera uma oportunidademelhor. Vista socialmente como uma atividade desvalorizada, a pesca est associa-da ao subemprego, situao de desespero e ausncia completa de alternativas detrabalho.

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    Em muitos casos, as trajetrias dos atuais filiados colnia constituem umcontinuum de deslocamentos, que se iniciou quando ainda viviam com os pais, cir-culando entre diversos engenhos procura de casa, trabalho e espao para cultivarlavouras. H um nmero representativo de associados que faz parte ou diretamen-te descendente desta primeira gerao que abandonou os engenhos e dirigiu-separa as cidades. Muitos deste grupo migraram para So Paulo e Rio de Janeiro,devido falta de emprego em Rio Formoso e arredores e abertura de perspectivasnos grandes centros urbanos do sudeste, onde deram continuidade saga de deslo-camentos por vrias cidades e exercendo vrios empregos.

    Muitos destes migrantes retornaram a Rio Formoso em funo do refluxo domercado de trabalho na regio sudeste entre os anos 1980 e 1990. Houve aindaaqueles que, ao sair dos engenhos, permaneceram em Rio Formoso sobrevivendode trabalhos temporrios como biscates, construo de casas de veraneio emTamandar e contratos na poca da moagem.

    Uma outra parcela empregou-se na prefeitura de Rio Formoso, que desde adcada de 1980, segundo relatos dos pescadores-funcionrios, transformou-se nagrande contratadora dos habitantes sem qualificao da cidade. A pesca sempre fezparte da vida destes que permaneceram residindo na cidade, assim como, posterior-mente, dos migrantes que retornaram ao municpio, complementando a renda oucomo uma atividade para manuteno da famlia durante a espera por um emprego.A espera demasiadamente prolongada por uma oportunidade que no veio, formougradativamente um grupo de pessoas que foi transformando a pesca em atividadepermanente.

    Antes de eu vir para a rua, eu com a famlia sempre trabalhamos comoagricultor. A gente plantava legumes para ns e fazia salrio para a fazenda.Fizemos quatro stios e deixamos os stios. Quando o stio estava cobertode lavoura, o dono falava que no dava mais, porque a terra era pouca eele precisava do stio. Quando o pai no dava o stio, ele acochava. Aplantava cana at s ficar a casinha. A o pai no agentava e se mudavapara outro engenho e perguntava: - voc tem uma casa para eu morar ena minha famlia tem tantas pessoas que trabalham, E ele dizia eu tenho.Porque a vantagem para o dono de engenho quando tem muita gentepara trabalhar e meu pai e minha me tiveram 25 filhos. A continuava, agente cobria o mundo de lavoura e de repente enchia de cana e s ficavaa casinha. Eu tenho 46 anos e nasci em Escada. Com 10 anos eu comeceia trabalhar em Sauezinho. Trabalhei em Mato Grosso, Duas Bocas, SoManuel, Tabor e Mamucaba. Fiquei 10 anos em Bom Jardim. A o pai e ame morreu. Depois que eu sa do engenho, eu vim para c para a rua

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    com ela (esposa) e o irmo. Sa do engenho e vim pescar. Quando a gentechegou aqui, onde a Rua da Levada era tudo mato virgem. Faz 22 anosque a gente mora aqui. Ns somos os primeiros que moraram aqui. Depois que invadiram e fez essa rua. Eu comecei a cortar cana por a, mas ruim demais cortar cana. A fui pegar caranguejo, um outro servio decorno. Voc fica todo esfolado e cortado. Fiz uns biquinhos por a, mastambm no dava. Eu tinha uma mquina Kodak e troquei por uma canoae voltei a pescar, isso foi h 18 anos. Em 1972 fiz a primeira viagem paraso Paulo porque aqui no tinha servio. L fui motorista, cortador decana, manobrista, ajudante de pedreiro, dedetizador. At pedi para comer.J at dormi no meio dos mendigos. Em 1974 voltei para Rio Formoso eem 1976 fui para So Paulo outra vez. Passei 6 anos em So Paulo. Euquero parar de pescar, est sem futuro. Antes eu pegava dez quilos depeixe aqui na porta. Eu vou ficar pagando colnia para poder me aposentare vou parar de pescar. (Zuza, pescador outubro de 2001).

    Em geral, os migrantes que retornaram do sudeste e aqueles que no ingressa-ram no funcionalismo pblico permaneceram, aps o retorno, fora do mercado for-mal de trabalho de Rio Formoso; poucos ainda tm perspectiva de algum dia retornara ele. A maioria ultrapassou a faixa dos 40 anos e acredita no ter mais chances deser fichado.

    Na dcada de 1990 a falncia dos engenhos e usinas reduziu a arrecadao,limitando gastos pblicos e oportunidades de ingresso de novos funcionrios nonico grande espao empregador que restou na regio: a Prefeitura. As mensalida-des da colnia de pescadores comearam a ser pagas pelos migrantes retornadoscomo um meio para garantir amparo financeiro no futuro, diante da total falta deexpectativas de retorno ao mercado formal de trabalho. Os funcionrios pblicos deRio Formoso, que formam um contingente importante do numero de associados,pagam a colnia porque acreditam que assim iro garantir uma aposentadoria umpouco maior, pois quase todos ganham salrios considerados insuficientes para osustento da famlia, situao antevista como especialmente grave no futuro, quan-do estiverem aposentados, sem sade para complementar a renda fazendo bicos.A filiao colnia constituiria para estes uma forma de previdncia complementar.

    No final de 2002, funcionrios do Ministrio do Trabalho estiveram na colniade Rio Formoso para prestar esclarecimentos aos pescadores sobre as normas parasolicitao do salrio-desemprego e outros direitos pelos pescadores. Ao explicaremos procedimentos para o pedido, os funcionrios do ministrio afirmaram que, pararequerer o seguro, no se poderia estar recebendo nenhum outro benefcio da pre-vidncia social. Algum no meio da sala lotada perguntou se a mesma regra valia

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    para pedido de aposentadoria e o funcionrio do ministrio afirmou que sim. Omesmo homem disse: mas aqui tem muito funcionrio pblico e o funcionriorespondeu: para se aposentar voc vai ter que escolher se pescador ou funcion-rio pblico.

    Muitos ficaram inquietos e agitados e, durante a reunio, comeou a questionaro presidente sobre a situao. O presidente da colnia ficou nervoso, sem sabercomo responder s perguntas de tantas pessoas. Os funcionrios do ministrio en-cerraram o assunto dizendo que precisavam submeter os pescadores a um questio-nrio e pediram para que permanecessem na sala apenas os legtimos pescadores,ou seja, aqueles que tiravam seus sustentos apenas da pesca, mesmo que eventual-mente realizassem trabalhos temporrios.

    A colnia de Rio Formoso vem contabilizando, desde a sua fundao, um cresci-mento expressivo de mulheres associadas. Em 2002, 25% dos filiados eram mulhe-res. No entanto, segundo as filiadas que foram entrevistadas, no houve um au-mento do nmero de mulheres pescando, mas sim um maior nmero de mulheresque resolveram procurar os seus direitos, associando-se colnia. A coleta demoluscos no mangue descrita por elas como uma atividade ancestral, passada deme para filha, e voltada para a complementao da alimentao, e, eventualmen-te, da renda familiar, com a venda do excedente nas feiras ou na vizinhana.

    Segundo elas, a atividade foi ganhando importncia na economia familiar de-pois que famlias de trabalhadores rurais deixaram os engenhos e foram morar nascidades. A partir das entrevistas realizadas com as associadas colnia, foi possveldefinir duas situaes distintas entre as associadas: mulheres que nunca trabalha-ram formalmente e que pagam a colnia como uma garantia de aposentadoria futu-ra para aumentar a renda familiar; e mulheres que trabalhavam formalmente (comcarteira assinada), ficaram desempregadas e se associaram colnia como um meiode no perder direitos enquanto tentam conseguir outro emprego.

    Eu me filiei por causa do Chico (Presidente da Colnia). Ele disse assim:Gedalva, voc est ficando velha, daqui para frente bom para voc. E omeu marido estava parado. A colnia como se fosse uma empresa paraa gente trabalhar. Minha carteira nunca foi assinada e agora est assinadapela colnia. (Maria Gedalva, filiada colnia desde 2001).

    Antes de 1998, o pescador artesanal (aquele que no trabalha para empresapesqueira) necessitava apenas de uma declarao de tempo de servio da colniapara poder se aposentar. Desde 1998 o pescador precisa contribuir com a previdn-

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    cia social para ter direito aposentadoria, pagando 2% do salrio mnimo por mse podendo aposentar-se com 25 anos de contribuio, devido insalubridade e aorisco da atividade. O pescador artesanal categorizado como segurado especial,mesma classificao atribuda a outros segmentos: trabalhadores rurais que produ-zem em regime de economia familiar, sem utilizao de mo-de-obra assalariada,assim como dos cnjuges, companheiros e filhos maiores de 16 anos, que traba-lham com a famlia em atividade rural; e dos ndios que exercem atividades rurais ede seus familiares.

    Como segurado especial, o pescador tem direitos como aposentadoria (por ida-de, tempo de contribuio ou invalidez), auxlio em caso de doena ou acidente epenso aos dependentes. Em 1991, os pescadores artesanais passaram a ter oseguro-desemprego em reas onde o Ibama decretasse o defeso. Esse direito con-cedido aos pescadores foi uma conseqncia da intensificao das medidas de pre-servao ambiental no pas na dcada de 1990. A medida conhecida como perodode defeso vem sendo posta em prtica desde 1991, atravs de portarias do Ibama.Tem como objetivo coibir a pesca em pocas de reproduo, decretando sua inter-dio por determinado perodo para assegurar a reposio dos estoques ou o ganhode peso dos animais. O defeso tem sido adotado para os seguintes recursos mari-nhos: lagostas; sardinhas; camares do Sudeste, Sul e Nordeste; camaro-rosa dacosta Norte; bagres do Sudeste e Sul; enchova e robalo etc. Na poca em que odefeso decretado, o trabalhador que tira o seu sustento da pesca fica impedido detrabalhar e, portanto, est habilitado a receber, durante a interdio, o seguro-desemprego igual a um salrio mnimo. A lei8 garante o recebimento de tantasparcelas de salrios mnimos quantos forem os meses de durao do defeso. A visitados representantes do Ministrio do Trabalho colnia de Rio Formoso teve comoobjetivo esclarecer dvidas a respeito do seguro-desemprego e do seguro-defeso,embora no exista nenhuma portaria do Ibama estabelecendo defeso de espciesna rea de Rio Formoso ou em municpios vizinhos.

    Os representantes do Ministrio do Trabalho estavam visitando todas as colni-as do litoral sul-pernambucano para informar sobre o benefcio, que no existe nes-ta rea, e conclamar os pescadores a pressionarem o Ibama pela criao de umaportaria que estabelecesse o perodo de defeso do camaro na regio, para que,dessa forma, a populao de pescadores da rea pudesse ser beneficiada com re-cursos federais. A difuso da decretao do perodo de defeso era apresentadacomo direito pelo qual os pescadores deveriam lutar, indicando que medidas de

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    proteo ambiental tornaram-se tambm um veculo de aporte de recursos a insti-tuies como o Ministrio do Trabalho.

    Durante a reunio, os pescadores de Rio Formoso demonstraram muito interes-se pelos trmites burocrticos e esclarecimentos sobre o defeso e a aposentadoriado pescador; desejavam informar-se sobre mudanas na previdncia social, os pro-cedimentos para requisio, anos de contribuio etc. Queriam, assim, certificar-sede que teriam mesmo seus direitos de aposentadoria garantidos. As perspectivas defuturo dos filiados colnia de Rio Formoso so muito pessimistas: ainda que pou-cos, h homens e mulheres jovens que pagam a colnia porque acreditam que nun-ca tero um emprego formal, mas no querem abrir mo de ter direitos.

    A sobrevivncia familiar de muitos tem dependido cada vez mais da pesca, con-siderada cada vez mais escassa. A sensao de insegurana vem se tornando aindamais patente com o crescimento do nmero de pessoas pescando, o que faz comque a atividade s tenha rendido o suficiente para a alimentao diria daqueles queno tm recursos para investir na navegao at locais distantes daqueles onde hmaior esforo de pesca.

    Mesmo o salrio dos pescadores que se tornaram funcionrios pblicos na d-cada de 1980 era considerado muito baixo, insuficiente para manter as necessida-des da famlia, o que os levava a pescar freqentemente e fazer biscates para com-plementar a renda. Aqueles que sempre conseguiam trabalho nos engenhos duran-te a moagem, afirmaram ser a cada ano mais incerta a obteno de contratos ou apermanncia durante todo o vero/moagem.

    As poucas usinas que sobreviveram crise na regio investiram em um novomodelo de gesto e racionalizao da mo de obra, caracterizado pela intensificaoda jornada de trabalho, excluso de contratao de mulheres, trabalhadores queno sejam muito produtivos, homens mais velhos e, finalmente, trabalhadores quej processaram patres (Menezes 2007), algo muito recorrente em Rio Formoso emfuno da forte atuao sindical na cobrana de direitos. A outra sada que restavaeram as prefeituras que esto com seu funcionamento comprometido em funodo gasto com pessoal e que tm evitado fazer novas contrataes.

    O estado de insegurana e a perspectiva sombria de um futuro sem possibili-dade de emprego formal para os mais jovens so verbalizados pelos pescadoresatravs de expresses como no ter direitos ou perder os direitos. A associa-o colnia inscreve-se na ltima alternativa de recuperar, garantir ou conquis-tar os direitos, indicando que o campo simblico dos direitos constitui referencia

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    importante e apresenta-se profundamente imbricado com a noo de seguranae proteo.

    Rio Formoso um municpio onde houve grande engajamento sindical; segundoo censo realizado nos sindicatos da Zona da Mata Pernambucana (Sigaud 1994), RioFormoso ocupava a terceira posio em nmero de reclamaes encaminhadas justia. Os direitos trabalhistas foram rapidamente divulgados aos trabalhadoresrurais pelos dirigentes sindicais da regio. Poucos anos aps a promulgao doEstatuto do Trabalhador Rural, j eram visveis os efeitos do processo de socializa-o em relao aos direitos trabalhistas (ibidem:143). Os trabalhadores j tinham,nesta poca, incorporado o sentimento de que tinham direitos.

    A explicao das motivaes da associao colnia retoma a linguagem dosdireitos: o ato de filiar-se colnia visa a simultaneamente poder pescar dentro dodireito e garantir direitos. O principal dos sentidos referentes concepo dedireitos remete ao direito carteira de pescador. S a colnia pode atestar quedeterminada pessoa um pescador e, com este atestado, tem-se acesso licenado Ibama, indicando que determinada pessoa um pescador profissional.

    Para os pescadores, ter a carteira do Ibama era um smbolo de dignidade, mui-tas vezes chamada de ficha. Significava ainda poder pescar com segurana, poisera uma comprovao emprica, mediante as autoridades ambientais, de que seestava trabalhando legalmente. Por vezes os pescadores relacionaram a carteira depescador profissional carteira profissional, usando a expresso tenho a carteiraassinada pela colnia. O segundo direito que a entrada para a colnia confere aaposentadoria: cabe ao presidente da entidade atestar os anos de trabalho e sermediador dos pescadores junto a INSS, IBAMA e Ministrio do Trabalho.Semelhantemente ao sentido atribudo, outrora, ao sindicato de trabalhadores ru-rais na regio, a colnia vem sendo percebida como um instrumento para garantiros direitos (Sigaud 1979:24).

    H poucos jovens filiados colnia. A maioria tem entre quarenta e sessentaanos de idade; muitos eram associados ao Sindicato de Trabalhadores Rurais, en-quanto estavam nos engenhos, ou aos sindicatos relacionados aos empregos quetiveram quando trabalharam no Sudeste ou Sindicato dos Funcionrios PblicosMunicipais. Muitos dos atuais filiados da colnia esto h muitos anos fora do mer-cado formal e querem a garantia do direito ao amparo em caso de doena ou quan-do a velhice chegar, quando no for mais possvel conseguir biscates, ir para amar ou fazer novos contratos durante a moagem.

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    Eu e minha mulher entramos na colnia este ano (2002). Eu sou trabalhadorrural, mas agora estou vivendo da pesca. Eu pesco aratu e vendoquebradinho de aratu para uma mulher de Tamandar todo sbado. Euvivo disso h 6 meses, antes eu cortava cana. Eu era contratado de Cuca(Usina Cuca) para o vero, mas como este ano eu no fiz contrato, euestou pescando para manter a minha famlia. E se para o ano eu fizercontrato, eu volto a cortar cana, mas eu vou continuar pagando a colniasempre, porque se eu pago a colnia, eu tenho direitos e ela tem que meproteger. (Genivaldo, filiado colnia em 2002).

    A obrigao de dar proteo foi incorporada pela Colnia. Desde a fundao,quando houve um acordo tcito entre os primeiros associados, a colnia deveriafuncionar como uma caixa de ajuda aos integrantes em situao de risco, ou seja,que estivessem com a famlia passando necessidade. ao presidente da colniaque as pessoas se dirigem nestas situaes, tanto para pedir as cestas bsicasquanto para solicitar o corte de madeira do manguezal para reparos nas casas oubarcos. Cabe ao presidente da colnia a atribuio de julgar o que degradao e oque necessidade, o que faz com que tambm recaia sobre ele, alm do papel demediar pedidos de ajuda, o de gestor ambiental dos recursos naturais do manguezal.

    Geralmente, a doao das cestas mensais era realizada com recursos oriundosdas mensalidades que os associados pagavam colnia ; outras vezes, o presidentemobilizava seus contatos para conseguir cestas suplementares ao nmero que osrecursos da colnia eram capazes de financiar. Freqentemente a distribuio ocor-ria durante as reunies mensais da colnia, que so tambm os momentos parapagamento da mensalidade. A reunio costuma se converter no momento de dar ereceber, um espao de demonstrao do status de quem tem dinheiro para saldarsuas dvidas e participar do ato de generosidade da doao das cestas bsicas e dofracasso daqueles que precisam demonstrar publicamente que precisam de ajuda., ainda, o espao de prestao de contas do presidente a respeito do uso dosrecursos pagos pelos associados.

    A generosidade como forma de demonstrar prestgio, comum no comporta-mento dos antigos patres, se manifestava claramente nestes eventos, tornando oque era um acordo previamente estabelecido entre presidente e associados sobre afuno de socorrer associados em um ato de magnanimidade, visto que aps aentrega das cestas, o pblico aplaudia o presidente. E era comum escutar dos asso-ciados, fazendo comentrios, que reforavam a reputao dele, de que era um ho-mem bom. Esta concepo tambm perpassava o universo dos direitos em muitos

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    relatos de associados da colnia que j se aposentaram e que atribuam a obtenodo direito ao fato de o presidente da colnia ter dado ou ajudado a conseguirdeterminada aposentadoria.

    Indicamos que a Colnia de Pescadores de Rio Formoso nasce sob os auspciosda moderna linguagem da proteo ambiental, o que poderia nos levar a inscrev-la nouniverso de debates dos novos movimentos sociais ou na ciso do monoplio polticodo significado do termo trabalhador rural. No entanto, ao situar socialmente os asso-ciados e observar suas prticas, possvel ver recorrentemente operando em suasreivindicaes, uma gramtica dos direitos e a dominao pessoal particular s gran-des plantaes canavieiras, sugerindo que modalidades aparentemente novas de iden-tificao social podem estar orientadas por formas prvias de regulao da vida social.

    NOTAS

    1. Estes projetos estiveram focados no litoral sul pernambucano e foram desenvolvidoscom Lygia Sigaud no mbito do PPGAS- Museu Nacional e financiados pela FundaoFord, Faperj, Finep e Cnpq e John Simon Guggenheim Memorial Foundation. Os projetosem questo so: Reforma Agrria, Meio Ambiente e Poder Municipal (1999-2000); Lo-nas e Bandeiras em Terras Pernambucana (2001-2002); Estudo Comparado de Assenta-mentos Rurais: desigualdade e sustentabilidade (2003-2005). Minha insero nestes pro-jetos permitiu realizar vrias fases de trabalhos de campo intensivo na Mata SulPernambucana ao longo de sete anos.

    2. As expresses entre aspas foram recorrentemente citadas em entrevistas. A expressodvida social era freqentemente usada pelos funcionrios do Incra de Pernambuco ealguns militantes do MST; trazer a Mata Sul para a modernidade era citada porfuncionrios dos rgos de turismo e desenvolvimento do Governo do Estado dePernambuco e finalmente saldar ou resgatar o passivo ambiental era termo comumentre ambientalistas de ONG e gerentes de unidades de conservao.

    3. A APA surgiu para dar amparo legal a um projeto, neste caso, o aprovado pelo BID em1998, denominado Projeto Iniciativa de Manejo Integrado para o Sistema Recifal Costeiroentre Tamandar-PE e Paripuera-AL, conhecido pelo nome Projeto Recifes Costeiros. Esseprojeto foi submetido e aprovado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento em janei-ro de 1998, recebendo o total US$ 2 milhes em recursos para colaborar no estabelecimen-to do plano de gerenciamento costeiro, sendo U$ 1,75 milhes provenientes do BID

    4. Em 2002, este Presidente da Colnia de Pescadores de Rio Formoso foi premiado comum trofu e intitulado personalidade do rgo ambiental de Pernambuco (CPRH) do ano,por relevantes servios prestados ao meio ambiente .

    5. Era comum entre funcionrios de rgos ambientais, a distino entre pescadoresconscientizados, para designar os pescadores da Colnia de Rio Formoso por sua dispo-

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    sio em colaborar com os esforos de preservao, como os mutires de limpeza domanguezal; e os pescadores viciados para se referir colnia de Tamandar, por suasexigncias de contrapartida para participar de atividades de preservao.

    6. Refiro-me ao Estatuto do Trabalhador Rural, Lei de 1963.

    7. A ampliao da produo de cana demandou a constituio de um mercado de interme-dirios para a contratao de mo-de-obra. Estes intermedirios eram quase sempremembros da antiga hierarquia administrativa das plantaes, na qual ocupavam o cargode administradores; chamavam-se empreiteiros e se encarregavam de recrutar trabalha-dores, conduzi-los s plantaes no perodo do corte da cana, ou moagem nas usinas,e vigiar a execuo das atividades agrcolas. Os patres pagavam aos empreiteiros e elespagavam aos trabalhadores.

    8. Refiro-me Lei 8.287, de 20 de dezembro de 1991. Em 2002, 83 mil pescadores brasi-leiros receberam seguro-desemprego em funo de defesos. Segundo a fiscal do minist-rio do trabalho que esteve na colnia Z-7 em 2002, desde 2000 no havia decretao dedefesos em Pernambuco pelo Ibama.

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    Prembulo

    Nos ltimos 20 anos, as ocupaes de terra tm se configurado como um mun-do social particular, sofrendo um processo de institucionalizao e sendo para mui-tas das pessoas que participam delas, um mecanismo de ascenso e significaosocial.2 Ainda nesse processo, configuram-se tambm grupos de status (Bourdieu,1998), grupos de indivduos que ocupam posies de prestgio e poder no mundodas ocupaes de terra.3 Entende-se por prestgio, segundo inspirao em conside-raes de Elias (2005), mais como chances de poder numa hierarquia tensa dedeterminada figurao social,4 atravs de elementos convertveis em moeda de tro-ca nas relaes de status; e menos como uma qualidade que se porta ou acumulapela reunio de certas qualidades. J para Bourdieu, so os grupos de status queimpem aos que neles desejam participar, alm de modelos de comportamentos,modelos da modalidade dos comportamentos, ou seja, regras convencionais quedefinem a maneira justa de executar os modelos (1998:16). Esses grupos, portan-to, se distinguem no pela maneira de ter bens, mas de usar esses bens.

    Desse modo, no mundo das ocupaes de terra, aqueles que se encontram emposies consideradas pela maioria dos participantes dos acampamentos como pri-vilegiadas, direcionam muitas das suas aes para defender essa posio; esto emconcorrncia com seus pares e com aqueles que no fazem parte do seleto grupo eque, de alguma ou outra forma, aspiram a s-lo. Ainda, ter certo status no mundodas ocupaes ou ocupar uma posio privilegiada, tambm passa pelo tempo deacampamento.5 Essa expresso, no s uma forma de quantificar o tempo que sepassa num acampamento, mas tambm o nmero de ocupaes, acampamentos emobilizaes nos quais j se participou, o quanto j se sofreu, o nmero de famliasque se conseguiu levar para a terra. E mais, essa expresso tambm traduz asrelaes tecidas com outros acampados, com militantes dentro do prprio acampa-mento e do prprio movimento que organiza a ocupao, as alianas e relaesestabelecidas com outros movimentos, com representantes do Estado e com polti-

    TTTTTEMPOEMPOEMPOEMPOEMPO DEDEDEDEDE B B B B BARRAARRAARRAARRAARRACOCOCOCOCO11111

    Nashieli Rangel Loera

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    cos locais e, alm disso, essa expresso diz respeito ao conjunto de relaes e aesligadas ao nvel de comprometimento, ao tempo de participao e dedicao aobarraco, ao acampamento e ao movimento e ao cumprimento de certas obrigaesassim como a lealdade demonstrada e ao conhecimento ou saber que se tem sobreo modo de funcionar do mundo das ocupaes de terra.

    Neste sentido, hoje em dia, o tempo de acampamento um cdigo social den-tro do mundo das ocupaes de terra, na medida em que alm de uma medidacronolgica, tambm um demarcador de prestgio, de status, um princpioorganizador e ordenador das relaes sociais, e um requisito para conquistar a terratanto para dirigentes das organizaes que promovem as ocupaes, como para asautoridades encarregadas das desapropriaes de terra. Conforma-se assim umafrmula social entendida e compartilhada por acampados e assentados, por dirigen-tes e militantes dos movimentos, por autoridades locais e representantes de rgosdo Estado, enfim, por todos aqueles que fazem parte desse mundo social particular,o das ocupaes de terra.

    Retomo a expresso frmula social inspirada na bela etnografia Tempo de Braslia,de Antondia Borges (2003). Essa autora descreve certas frmulas mgicas ou equa-es cunhadas pelo governo e que servem para classificar a quem vender ou doarsuas terras. Cada frmula, segundo a autora, apresenta um conjunto de variveis quese pretendem as mais precisas para calcular o grau de merecimento da populao emface dos bens (raros) a ela disponibilizados pelo Estado (2003: 165). Ainda Borges nosmostra como essas frmulas foram destacadas do repertrio classificatrio nativopara figurar em uma frmula mgica estatal, tornando-se logo em seguida, categoriaslegais de referncia para a populao (2003, p. 165).

    No mundo das ocupaes o tempo de acampamento referncia tambm pararepresentantes dos rgos pblicos encarregados das desapropriaes de terras.Segundo informaes obtidas em entrevista com um funcionrio do Incra em Salva-dor (BA), na desapropriao das terras, d-se prioridade s famlias que tm maistempo de acampamento.

    No entanto, o tempo de acampamento pode ter diversos significados, todoseles referidos ao contexto, situao e condio do indivduo, assim como sposies que as pessoas ocupam nesse mundo social particular. Assim sendo, aindaque os participantes do mundo das ocupaes faam referncia a certas expressesnativas: tempo de barraco, tempo de luta e tempo de reforma, como expresseshomnimas ao tempo de acampamento, descrevem, a maioria das vezes, uma di-versidade de significados, aes e situaes.

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    Neste texto, deter-me-ei numa dessas expresses em particular, o tempo debarraco. No sem antes descrever brevemente o percurso da pesquisa e as caracte-rsticas dos acampamentos nos quais foi realizada a maior parte do trabalho decampo.

    Este um trabalho de cunho etnogrfico e forma parte da minha pesquisa dedoutorado em Antropologia social ainda em andamento. No entanto, os dadosempricos aqui apresentados foram colhidos ao longo de quase seis anos de pesqui-sa em acampamentos da reforma agrria no estado de So Paulo. A estratgiametodolgica da pesquisa consistiu em seguir o percurso de uma famlia extensa(consangneos e afins), a famlia Dos Reis-Cerqueira,6 pelo mundo das ocupaesde terra, desde os primeiros acampamentos nos quais participaram em 2003, at -alguns membros da famlia- serem assentados no comeo de 2006. Dei seguimentotambm at comeo de 2008 aos integrantes dessa famlia que no foram assenta-dos e que continuaram em peregrinao por acampamentos de sem-terra do estadode So Paulo.

    Devo ainda mencionar que o objetivo da pesquisa no fazer uma historia devida, mas atravs do caminho percorrido por uma famlia extensa, descrever o quealgumas trajetrias podem revelar de um mundo social em particular, o das ocupa-es de terra.

    O acampamento Terra Sem Males7

    O TSM cobrou vida em Abril de 2002 no municpio de Bragana Paulista, naregio de Campinas8 com a ocupao da fazenda Capuava, que reuniu mais de 400famlias, entre essas famlias encontrava-se a famlia Dos Reis.

    A maioria das famlias acampadas era originria da regio de Campinas e dosmunicpios prximos, e tinham sido convidadas para participar da ocupao porconhecidos ou parentes que j eram assentados ou faziam parte de outros acampa-mentos. Alguns deles tambm estavam participando da ocupao.

    O acampamento TSM ficou aproximadamente cinco meses nas terras da fazen-da Capuava. Em Junho de 2002 um juiz de Bragana decretou que as famlias acam-padas poderiam ficar s 60 dias naquelas terras. Quando o prazo se cumpriu, asfamlias foram despejadas e o acampamento foi instalado no municpio de Franco daRocha, na regio metropolitana (RM) de So Paulo e, em menos de um ms depois,as famlias mudaram novamente e o acampamento foi montado no municpio deCajamar, a 30 quilmetros da cidade de So Paulo, ainda na RM-SP. As famlias do

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    TSM ocuparam, junto com outras famlias do acampamento Irm Alberta, uma pro-priedade na periferia da pequena cidade de Polvilho. Em Junho de 2003, um contin-gente de 50 famlias de ambos os acampamentos, entre as quai se encontrava afamlia Dos Reis, saiu de Cajamar para ir se instalar em outro acampamento, o DomHlder Cmara, na regio de Araatuba, ao noroeste do estado de So Paulo.

    importante mencionar que nesse percurso, muitas das famlias, como no casoda famlia Dos Reis-Cerqueira, decidiram sair do TSM e ir para outros acampamen-tos, outras simplesmente saram ou foram expulsas e outras continuaram nesseacampamento junto com famlias novas que foram se instalando debaixo da lona. 9

    O acampamento Dom Hlder Cmara10

    Cinquenta (50) famlias de acampados do TSM saram de Cajamar no comeo deJunho de 2003 com a expectativa de serem assentados na regio de Araatuba,especificamente perto da cidade de Andradina. Alm dessas famlias, havia tambmoutras famlias, originrias da regio de Campinas e So Paulo, que haviam sidoconvidadas em trabalho de base para se unirem ao comboio que sairia do TSM. Asfamlias ocuparam a fazenda Santa Rosa, perto da cidade de Araatuba, e dois diasdepois foram despejadas. Depois ocuparam a fazenda Ara, tambm em Araatuba,onde ficaram uma semana e tambm foram despejadas. Finalmente, ocuparam abeira da pista ao lado da fazenda Pau DAlho, no municpio de Birigui, a mais de 500quilmetros ao noroeste da cidade de So Paulo. Foi ali que o acampamento DomHlder Cmara foi constitudo. As barracas foram montadas perto de uma pequenareserva de mata na beira da fazenda. O nome do acampamento foi decidido emassemblia e sugerido pelos militantes do MST que acompanhavam as famlias deacampados e coordenavam a organizao do novo acampamento. Durante vriosmeses o acampamento esteve ocupado s pelas famlias vindas do TSM e da regiode Campinas e So Paulo. E foram essas mesmas famlias, dentre elas a famlia DosReis-Cerqueira, em conjunto com militantes da regio, as que realizaram trabalhode base em cidades e bairros rurais prximos ao acampamento, convidando novasfamlias para irem se instalar no Dom Hlder. O acampamento ficou nesse local maisde um ano e meio. Durante esse tempo, vrias famlias desistiram e saram doacampamento, entre elas a famlia Dos Reis-Cerqueira. As que ficaram realizaramoutras mobilizaes e, finalmente, em abril de 2005, o acampamento Dom Hlderfoi desmanchado e as famlias ocuparam a fazenda Tapir localizada ao lado dacidade de Suzanpolis, a 40 quilmetros da fronteira com Mato Grosso do Sul e

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    montaram um acampamento junto com famlias de moradores que j estavam nolocal. No final de 2005, a fazenda foi finalmente liberada para reforma agrria e asfamlias foram assentadas no comeo de 2006.

    Acampamento Pendengo11

    Devo lembrar que a famlia extensa Dos Reis-Cerqueira foi uma das famlias quesaiu do acampamento Dom Hlder Cmera. A convite de um sindicalista da regio,elas foram acampar num acampamento organizado pela CUT, especificamente pormembros do Sindicato dos trabalhadores da agricultura familiar de Andradina(SINTRAF), que estava montado na beira da fazenda Cafeeira a 20 quilmetros dapequena cidade de Castilho. Foi ali que a famlia se dividiu. A famlia Dos Reis (Cleusa,Alfredo, os filhos e a nora) decidiu sair do acampamento e se instalar numa casinhaalugada na periferia da cidade de Castilho12. J os Cerqueira (Edesmaria, seu filho enora) continuaram acampados na Cafeeira, de l Edesmaria junto com outras 12famlias saram e montaram um pequeno acampamento na fazenda Santa Cruz,num local conhecido como Trs Pontes, no municpio de Andradina. L ficarammenos de trs meses e depois se instalaram no acampamento Pendengo, a 25quilmetros de Castilho.

    O acampamento Pendengo ou Ch Guevara, como conhecido por militantesdo MST da regio, foi montado aps uma grande ocupao em dezembro de 2003.A maioria das famlias que participaram da ocupao eram originrias de outrosacampamentos prximos, um deles era o acampamento montado na Cafeeira amenos de 10 quilmetros de distncia. A ocupao na Pendengo e a montagem doacampamento, tal como o da Cafeeira, foram originalmente organizadas por mem-bros do sindicato (SINTRAF). Um grupo de famlias novas que estavam acampadas,entre elas a famlia de um dos que hoje coordena o acampamento, sentiram que aatuao do sindicato, com respeito organizao das famlias e gerenciamento doacampamento, deixava muito a desejar e decidiram procurar representantes doMST da regio. O MST decidiu apoiar as famlias e foi organizada uma nova ocupa-o na prpria fazenda Pendengo, onde participaram famlias novas, convidadas emtrabalho de base feito por militantes do MST e por famlias de acampados quepreferiam ter o MST ao SINTRAF administrando o acampamento.

    No comeo de 2006 o acampamento foi dividido em dois movimentos: MST eMTR. Uma das razes da diviso foi uma briga entre acampados que no concorda-vam com o fato da militncia do MST permitir os moradores de final de semana no

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    acampamento. Em outubro de 2008 o acampamento se dividiu mais uma vez, dessavez um grupo de acampados decidiu ficar sob a bandeira do SINTRAF. E uma dasprincipais razes do racha foi que alguns acampados, que ainda continuavam sob abandeira do MST, no concordavam com a exigncia do movimento de participardas chamadas jornadas ou mobilizaes. Hoje em dia, o acampamento se compede um total de 170 famlias divididas em trs movimentos: MST, MTR e SINTRAF.

    Introduo13

    No mundo das ocupaes de terra, aqueles que participam pela primeira vez deuma ocupao e subseqentemente de um acampamento, devem seguir uma eti-queta particular: montar um barraco e se instalar debaixo da lona.14 Essa aforma apropriada de proceder e de dizer que se quer terra e que se pertence adeterminado acampamento. Essa linguagem entendida e compartilhada pelos tra-balhadores rurais,15 pelos militantes dos movimentos e pelos representantes do Es-tado encarregados das desapropriaes de terras. O barraco de lona preta se tornaento, uma espcie de inscrio, sinaliza a participao num acampamento e umaforma de marcar a entrada no mundo das ocupaes de terra. Segundo Sigaud Aomontar sua barraca o trabalhador diz que quer a terra. Esta afirmao est dirigidaao Incra, que no momento de selecionar os futuros beneficirios ir contabilizar osque se encontram debaixo da lona preta; ao movimento que o incluir em suas listasa serem apresentadas ao Incra; e aos demais que se encontram no acampamentoque iro reconhec-lo como algum que quer a terra. A barraca legitima a pretensoa pegar terra; a prova do interesse em ser contemplado pela redistribuio dasterras (2004:19-20).

    Em alguns acampamentos possvel montar uma barraca e no morar nela;16

    em outros, a barraca no suficiente para ser considerado como parte do acampa-mento, para isso sendo necessrio, de fato, morar no acampamento. No entanto,em ambos os casos os trabalhadores compartilham uma crena, nas palavras deSigaud (2005), a de que um futuro melhor passa pela lona preta. Ainda, segundoesta autora, a lona preta passa a fazer parte de um repertrio dos possveis paramelhorar de vida, figurando como mais uma alternativa dentro de um horizonte depossibilidades.

    Deste modo, no mundo das ocupaes de terra, o tempo de lona ou tempo debarraco, ao qual se faz referncia tambm como tempo de acampamento, se tornaum requisito incontornvel para quem pretende ser beneficirio de reforma agrria,

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    e a barraca de lona, se torna uma prova, uma amostra desse tempo. Em outraspalavras, o tempo de acampamento pode se tornar visvel atravs do barraco.

    Barracos e barracos

    No mundo das ocupaes de terra, a barraca de lona um bem precioso, objeto de negociaes, trocas e disputas, mas tambm, como tratado por RangelLoera (2006), um elemento atravs do qual podemos enxergar a existncia dehierarquias dentro dos acampamentos. Segundo a autora, A barraca de lona preta,configura-se como um elemento comunicativo que mostra uma forma homognea,uniforme. No entanto, internando-nos, literalmente, dentro das barracas, que ascores e diversidade surgem diante de nossos olhos, explicitando tambm a parte impl-cita da mensagem da ocupao. Atravs das barracas, podemos ler a diferena exis-tente entre os militantes e a massa de acampados (Loera, 2006: 72). No entanto, abarraca diz muito mais do que isso, diz tambm respeito diferena e hierarquiaexistentes entre os acampados, ou mais especificamente entre os participantes dosacampamentos considerados experientes ou inexperientes na arte de acampar.17

    O barraco um smbolo de extrema importncia entre os Acampados e sempresurge como tema nas conversas cotidianas: fulano quer mudar de barraco, o barra-co rasgou, fulano fez outro cmodo no barraco, fulano desmanchou o barraco, obarraco de fulano bom; e sempre, o barraco aparece como prova das aventuras edificuldades de uma ocupao ou do tempo passado num acampamento.

    Z Antonio, acampado do TSM guardava com zelo um lbum de fotografias dosdiversos acampamentos onde estivera, e orgulhoso fazia questo de comentar aquelasfotografias onde aparecia montando a estrutura de um barraco.

    J, Leo, acampada do acampamento Pendengo no s gosta de mostrar a cadaconvidado que chega para visit-la, todos os remendos feitos ao barraco, mas,18

    tambm, no se cansa de relatar com todo detalhe eventos trgicos que tm mar-cado sua vida no acampamento, eventos nos quais o barraco o protagonista cen-tral. Retomarei alguns desses relatos:

    Um deles foi o dia em que a maioria dos acampados estava participando de umamobilizao e ela, que havia ficado no acampamento, viu, sem poder fazer nada,como um vento fortssimo levava embora os barracos dos vizinhos. O outro eventorelatado por Lo a tragdia do barraco do seu filho que pegou fogo. Ela relata comemoo a solidariedade do coordenador e dos vizinhos do acampamento quando obarraco pegou fogo e seu filho perdeu tudo o que tinha. Segundo ela [os vizinhos e

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    os coordenadores] correram atrs de colcho, de roupa para as crianas, at camaconseguiram, montaram um barraco novinho. Tempo depois descobriram que oincndio tinha sido provocado pela sua nora que, segundo ela, no se conformavacom o que tinha, queria ganhar tudo novinho.

    precisamente devido a esta importncia dada ao barraco que alguns acampa-dos conseguem acumular certo capital simblico, principalmente por terem um tipoespecfico de conhecimento tambm bastante valorado no mundo das ocupaes deterra: saber montar barraco.

    No acampamento Pendengo, esse tipo de conhecimento um bem precioso,inclusive um acampado pode, como mencionam alguns, ganhar o po com esseservio, montando barracos.

    Zlia, acampada na Pendengo, me relatava que assim que chegou ao acampa-mento contratou um acampado bom de fazer barraco para que montasse o seu.

    O preo cobrado por montar barraco pode variar e parece depender princi-palmente: 1) para quem feito o servio, ou seja, se amigo, parente, conhecido e2) se aquele que faz o servio reconhecido.

    A habilidade e reputao como bom de fazer barraco, acredita-se, no s tem aver com uma caracterstica prpria da pessoa, de ter destreza ou de levar jeito pararealizar esse tipo de tarefa, mas adquire-se com o tempo de barraco, com a experi-ncia acumulada debaixo da lona.19

    Maranho, acampado da Pendengo, me explicava que s pode ser bom de fazerbarraco aquele que j passou um bom tempo debaixo da lona. Para ele, somentecom o tempo de barraco se aprende, por exemplo, que tipo de material melhor. Amadeira, me explicava, dura mais do que o bambu, o bambu a gente cata em qual-quer lugar, no mato, a madeira no, a gente tem que comprar. No entanto, na horade mudar o bambu mais difcil de desmontar. O jeito de botar a lona, segundo ele,tambm fundamental para um barraco suportar chuva e vento forte.

    Para esse acampado, no s o conhecimento sobre o material que deve serutilizado importante na hora de fazer barraco, mas tambm o jeito de mont-lo.

    Um barraco pode ento ter mais valor do que outro no s pelo material peloqual foi construdo, mas tambm pela maneira em que foi construdo e por quem foiconstrudo. Em outras palavras, h barracos que estariam impregnados de umsaber particular, do conhecimento do bom de fazer barraco.20 Essa particularidade edistino entre barracos era explicitada pelo prprio Maranho, que mencionava:aqui no acampamento tem barracos e Barracos.

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    Como explicitado em Loera (2006), os barracos so percebidos como tendodonos e so objeto de transaes entre vizinhos, parentes e amigos no acampamen-to. Mas hoje em dia, no mundo das ocupaes de terra, o barraco representa tam-bm um capital para o acampado. Dependendo do acampamento,21 os Acampadospodem investir um pouco mais num barraco bem feito, com materiais melhores,sabendo que caso decidam sair ou mudar de acampamento, um barraco bem feitinhopode ter mais valor e, por conseqncia, pode ser mais bem vendido.22

    Por outro lado, h barracos que podem ter mais valor e serem vendidos maiscaros no s porque o dono do barraco investiu mais dinheiro nele, ou porque foramconstrudos com certo material, de certa maneira ou por certa pessoa, mas tambmporque o proprietrio investiu mais tempo nele, se dedicou mais.

    Edesmaria, no comeo de 2008 saiu do acampamento Pendengo para se insta-lar em outro acampamento na regio de Araatuba. Pouco antes de se mudar ps venda seu barraco. Edes durante seu tempo na Pendengo foi aos poucos melhoran-do seu barraco. No s construiu mais um cmodo mas melhorou o visual dobarraco plantando mais flores e se dedicando mais a sua horta. Segundo Ilma,vizinha de barraco e melhor amiga de Edes, em conversa com outra vizinha debarraco mencionara que Edes havia conseguido vender seu barraco por 100 reais.Segundo ela, havia feito uma boa transao por causa da estrutura de madeira e osdois cmodos grandes, mas principalmente porque do barraco, Edes cuidava bem,estava bem arrumadinho, inclusive at tinha deixado uma pequena hortinha. Essadedicao, do ponto de vista de Ilma, justificava o valor do barraco e a boa venda.

    Barraco de Edesmaria, na frente, o pequeno jardim que Edes plantou. A parte branca, totalmente

    esquerda, o cmodo adicionado ao barraco. (Acampamento Pendengo. Agosto de 2007).

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    Borges (2003), na etnografia sobre o Recanto das Emas, uma cidade satlite deBraslia, descreve situaes vivenciadas por moradoras do lugar, situaes que evi-denciam relaes de status que giram em torno do barraco (categoria nativa usadapara descrever um tipo de moradia daquele lugar). A autora identificou entre osmoradores do Recanto certos atributos e hierarquias associados ao barraco. Atribu-tos que passam pelo modo de vida das pessoas que nele vivem, e hierarquias quepassam pelo tipo e localizao dos barracos e lotes no espao do lugar. O barraco,para essa autora, revelou-se como um lugar-evento privilegiado para compreendersignificados e valores do modo de vida dos moradores do lugar. Do mesmo modo,no mundo das ocupaes de terra, o barraco uma porta de entrada para identifi-car aqueles participantes desse mundo social associados s categorias nativas: ve-lhos e novos acampados. O primeiro desses termos faz referncia queles que jtm experincia na arte de acampar, seja por serem Acampados de outros luga-res,23 porque j passaram por vrios outros acampamentos antes, ou porque j tmbastante tempo no acampamento. O segundo termo refere-se a duas situaes:queles que tm pouco tempo num acampamento e queles que acampam pelaprimeira vez, que tambm so chamados novatos. De fato, podem existir diversascombinaes desses termos que remetem a situaes diversas. Por exemplo, podeser que um velho acampado seja chamado de novo num determinado acampamentoporque acabou de chegar, mesmo se j passou meses ou anos em outros acampa-mentos. E pode ser que um novato em determinado acampamento, seja confundidocom um velho acampado simplesmente pelas caractersticas do seu barraco, que,de fato, nesse caso, pode ter adquirido de um velho acampado.

    Novos, novatos e velhos acampados

    Geralmente quando uma pessoa nova chega num acampamento para se insta-lar debaixo da lona, o coordenador designa um lugar a ela dentro do acampamen-to,24 logo do acampado ter respeitado o procedimento de entrada, ou seja, falarcom o coordenador e pedir uma vaga.25

    Nos acampamentos visitados durante o trabalho de campo, o uso do termovaga, tal como menciona Sigaud para o caso dos acampamentos da Mata Sulpernambucana, no neutro: indica que a entrada no acampamento representa-da a partir do modelo da entrada em um emprego (2000, p. 89).26

    Muitas vezes a entrada de um novo acampado no acampamento precedidade uma investigao por parte do coord