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2 HOMOSSEXUALIDADE NA ESCOLA: EM UMA SOCIEDADE EM QUE O MODELO IDEAL É SER CISNE, TODOS SOMOS “PATINHOS FEIOS”¹? RESUMO: A educação deveria ser um espaço de promoção da cidadania e respeito às diferenças e diversidades, podendo assumir diferentes formas, tanto na perspectiva humanista quanto utilitarista. Devendo-se levar em consideração que o processo educativo é complexo e fortemente marcado pelas variáveis pedagógicas e sociais e não pode ser analisado fora de interação dialógica entre escola e vida, considerando também o desenvolvimento humano, o conhecimento e a cultura. Há uma tentativa de subordinação da educação às forças dominantes da sociedade e aos seus esquemas de produção cultural, de pensamentos, de sentimentos e de ação. Diante disso, o trabalho visa investigar como são tratados os homossexuais na escola, objetivando a análise da heteronormatividade e as relações de exclusões sofridas pela população de gays, lésbicas bissexuais, travestis e transexuais Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa com professores que atuam como formadores no programa de formação continuada da Secretaria Municipal de Educação de Maceió (SEMED), a coleta de dados foi feita através de questionário o qual possibilitou uma reflexão sobre sexualidades ‘normais’ e escola como espaço de diversidade e diferenças. Realizamos uma análise de dados da pesquisa e de acordo com esta análise refletimos sobre os padrões heteronormativos estabelecidos pela sociedade capitalista e patriarcal de dominação. Discute o papel da educação, da escola, posturas e práticas pedagógicas dos professores diante da problemática de violação dos direitos essenciais, na efetivação da inclusão social. Por fim, aponta caminhos e possíveis soluções que a educação, a escola e os diversos/as protagonistas devem percorrer para construir um ambiente respeitoso que valorize a diversidade e as diferenças e possibilite uma educação pública, laica, gratuita e de qualidade social para todos/as. Palavras-chave: Homossexualidade. Heteronormatividade. Diferença. Diversidade. Inclusão. . Apresentando o estudo: das minhas inquietações ao problema de pesquisa e metodologia. Este ensaio resulta de uma pesquisa realizada para dar suporte ao Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas UFAL e versará sobre os modos como a homossexualidade é tratada no contexto escolar. Trata- se de uma investigação que contou com a participação de formadore(a)s (pedagogo(a)s) que atuam na formação do(a)s professore(a)s do 1º ao 9º ano do ensino fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Maceió SEMED, trazemos os resultados XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003710 Juliano Matias De Brito

HOMOSSEXUALIDADE NA ESCOLA: EM UMA SOCIEDADE … · diversidade sexual e o quanto a homossexualidade é marginalizada. Vale salientar que embora a maioria do(a)s professore(a)s concorde

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HOMOSSEXUALIDADE NA ESCOLA: EM UMA SOCIEDADE EM QUE O

MODELO IDEAL É SER CISNE, TODOS SOMOS “PATINHOS FEIOS”¹?

RESUMO: A educação deveria ser um espaço de promoção da cidadania e respeito às

diferenças e diversidades, podendo assumir diferentes formas, tanto na perspectiva

humanista quanto utilitarista. Devendo-se levar em consideração que o processo

educativo é complexo e fortemente marcado pelas variáveis pedagógicas e sociais e não

pode ser analisado fora de interação dialógica entre escola e vida, considerando também

o desenvolvimento humano, o conhecimento e a cultura. Há uma tentativa de

subordinação da educação às forças dominantes da sociedade e aos seus esquemas de

produção cultural, de pensamentos, de sentimentos e de ação. Diante disso, o trabalho

visa investigar como são tratados os homossexuais na escola, objetivando a análise da

heteronormatividade e as relações de exclusões sofridas pela população de gays,

lésbicas bissexuais, travestis e transexuais Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa

qualitativa com professores que atuam como formadores no programa de formação

continuada da Secretaria Municipal de Educação de Maceió (SEMED), a coleta de

dados foi feita através de questionário o qual possibilitou uma reflexão sobre

sexualidades ‘normais’ e escola como espaço de diversidade e diferenças. Realizamos

uma análise de dados da pesquisa e de acordo com esta análise refletimos sobre os

padrões heteronormativos estabelecidos pela sociedade capitalista e patriarcal de

dominação. Discute o papel da educação, da escola, posturas e práticas pedagógicas dos

professores diante da problemática de violação dos direitos essenciais, na efetivação da

inclusão social. Por fim, aponta caminhos e possíveis soluções que a educação, a escola

e os diversos/as protagonistas devem percorrer para construir um ambiente respeitoso

que valorize a diversidade e as diferenças e possibilite uma educação pública, laica,

gratuita e de qualidade social para todos/as.

Palavras-chave: Homossexualidade. Heteronormatividade. Diferença. Diversidade.

Inclusão.

.

Apresentando o estudo: das minhas inquietações ao problema de pesquisa e

metodologia.

Este ensaio resulta de uma pesquisa realizada para dar suporte ao Trabalho de

Conclusão do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL e

versará sobre os modos como a homossexualidade é tratada no contexto escolar. Trata-

se de uma investigação que contou com a participação de formadore(a)s (pedagogo(a)s)

que atuam na formação do(a)s professore(a)s do 1º ao 9º ano do ensino fundamental da

Secretaria Municipal de Educação de Maceió – SEMED, trazemos os resultados

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parciais da pesquisa onde apontamos algumas questões acerca de práticas

heteronormativas e os prejuízos causados a quem não se adequa a seus padrões.

No que se refere à escola há um contra ponto entre o que seria considerado

ideal e o que é real, partimos da premissa que o ideal seria que a escola – um dos

maiores e importantes ambientes de socialização das diferenças – tivesse como

finalidade a difusão dos conhecimentos científicos-culturais e se constituísse em um

lócus privilegiado de exercício da cidadania, respeito aos direitos e o desenvolvimento

das políticas de inclusão, no entanto o que se ver é uma escola excludente.

Realidade esta, que será questionada a partir dos anos 1970 com o surgimento

dos grupos homossexuais, os quais têm lutado incessantemente pelo respeito e a

aceitação da diversidade sexual e pela igualdade de direitos. Desta forma, a escola vem

sendo forçada a rever padrões normativos estereotipados que produzem a sexualidade

dos estudantes e o acirramento de manifestações de grupos conservadores que segundo

Dinis:

Em um momento histórico em que mais se fala sobre educar para a

diferença, vivemos um cenário político mundial de intolerância, que

se repete também no espaço da vida privada, em determinada

dificuldade generalizada em nos libertarmos de formas padronizadas

de concebermos nossa relação com o outro. (DINIS, 2008, p. 479).

Nos últimos anos a sexualidade vem sendo discutida e estudada por

profissionais dos mais diversos campos do conhecimento, sobretudo a educação. Nesta

pesquisa pude observar as diversas identidades por meio de interação e socialização

entre indivíduos e perceber que atualmente a população constituída de Lésbicas, Gays,

Bissexuais Travestis e Transexuais – LGBT, cuja identidade sexual escapa a

heteronormatividade estão mais visíveis, ocupando diferentes espaços, tornando o

cenário político mais acirrado, buscando alcançar igualdade de direitos no interior da

ordem social existente. (LOURO, 2004 p.32). Este trabalho chama atenção justamente

para a questão sobre como são tratados os homossexuais dentro do ambiente escolar.

No Brasil, a intolerância e a intensidade das práticas preconceituosas e porque

não dizer homofóbicas e heterossexistas presentes nas escolas são alarmantes. Mesmo

quando o Estado formula políticas públicas que levam a acreditar em uma educação de

qualidade social para todo(a)s, incluindo a população LGBT, encontramos indícios de

que essas políticas não estão sendo efetivadas, ou seja, não chega até o público

interessado.

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Pesquisas realizadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura – UNESCO: Juventudes e Sexualidades 2004, Fundação Perseu

Abramo 2008, Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE: Estudos Sobre

Ações Discriminatórias no Âmbito Escolar 2009, MEC/UNESO – Diversidade Sexual

na Educação: problematização sobre homofobia nas escolas 2009 apontam para o alto

grau de rejeição à homossexualidade na comunidade escolar.

O quadro piora gravemente quando observamos o número de homicídios de

LGBT no Brasil. que segundo o Grupo Gay da Bahia – GGB, em 2010 foram

documentados 260 assassinatos. A referida entidade aponta ainda, o estado de Alagoas

está na segunda posição do ranking com 24 casos perdendo para Bahia com 29 mortes.

Se relacionarmos a população total ao número de LGBT assassinados, Alagoas é o

Estado que oferece maior risco de morte para os homossexuais, cujo número de vítimas

ultrapassa o total de todos os estados juntos da região Norte do país. Maceió igualmente

é a capital onde mais gays são assassinados: foram 9 casos. O curioso é que em Maceió

foi sancionada a lei 4.677/1997 que estabelece sanções as práticas discriminatórias a

livre orientação sexual nos locais públicos e o Decreto 7.034/2009 que regulamenta a lei

4.677/1997. Porém não há um trabalho efetivo da segurança pública para coibir tais

práticas.

Mesmo encontrando dados da homofobia em Alagoas, ainda na educação são

incipientes. Não há estudos mais detalhados sobre a heteronormatividade na escola

alagoana. Acreditando que está pesquisa seja importante para descobrir quais os

motivos que levam à comunidade escolar a reprodução de práticas preconceituosas e

homofóbicas tão presentes na sociedade alagoana, sendo a principal causa dos altos

índices de suicídios e sofrimento psíquico da juventude LGBT.

A motivação para a realização deste trabalho se deu a partir da minha atuação

como coordenador pedagógico em uma escola pública da rede municipal de educação

de Maceió, onde percebi a omissão do(a)s educadore(a)s a respeito do trabalho com a

diversidade sexual e o quanto a homossexualidade é marginalizada. Vale salientar que

embora a maioria do(a)s professore(a)s concorde com a introdução de temas

contemporâneos no currículo como: prevenção ao uso de drogas, saúde reprodutiva e

violência, muito(a)s ainda tratam a homossexualidade como perversão, doença e

deformação moral, corroborando – pela via do silêncio ou de posturas negligentes em

relação aos insultos e aos maus tratos – para a reprodução da violência associada à

homofobia. Foram essas experiências que me fizeram refletir sobre as práticas

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preconceituosas realizadas no ambiente escolar, especialmente o tratamento

discriminatório dado aos homossexuais.

Reflexões sobre as sexualidades normais, a diferença como problema e a escola

como espaço de diversidade.

Inicialmente ao refletir sobre esta problemática apontamos alguns

questionamentos relevantes: O que é sexualidade? Existe a sexualidade normal? E se

existe definir dentro dessas reflexões quais seriam elas; como é vista as diferenças no

ambiente educacional? É um problema? A escola é espaço para a diversidade? Como a

diversidade é encarada? São questões bastante complexas e que nos instigam a procura

de respostas.

Mais a princípio temos que compreender que a sexualidade não é algo “[...]

fácil de categorizar e diferençar os comportamentos normais dos comportamentos ‘não-

normais’ em relação as manifestações sexuais [...]” (MAIA apud BRASIL, 2009 p.

266). A sexualidade não é simplesmente um “dado da natureza”, como nos fazem

acreditar, ela é na verdade um “nome dado a um dispositivo histórico”, “Trata-se de

uma rede trançada por um conjunto de práticas, discursos e técnicas de estimulação dos

corpos, a intensificação dos prazeres, a formação de conhecimento” (FOUCAULT,

1988, p.100).

E ao longo de seus estudos, Jeffrey Weeks (1993, apud LOURO, 1997, p.23)

fala sobre a impossibilidade de "compreender a sexualidade observando apenas seus

componentes 'naturais'[...], esses ganham sentido através de processos inconscientes e

formas culturais".

A sexualidade tem a ver com a forma como “socialmente” vivemos

nossosprazeres e nossos desejos, com a forma como usamos nossos corpos, com o que

dizemos sobre eles. (LOURO, 2001, p.71). Porém “a sexualidade que é geralmente

apresentada na escola esta em estreita articulação com a família e a representação social

adequada para o pleno exercício e os filhos, a consequência do ato”(LOURO, 1998, p.

41). Dentro desse quadro, as práticas sexuais não reprodutivas não são consideradas,

deixando de ser observadas, ou são cercados de receios e medos.

“A associação da sexualidade ao prazer e ao desejo é deslocada em favor da

prevenção dos perigos e das doenças” (LOURO, 1998, p.41). Nesse contexto que

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centraliza a reprodução, os homossexuais ficam fora da discussão, dessa forma não

apenas são negados, mais ao mesmo tempo, profundamente vigiados.

E, ao vincular a sexualidade a um enfoque simplesmente biológico, a escola

acaba negando o fato de que fatores psicológicos, sociais, históricos e culturais

apresentam forte influência sobre ela e, também, sobre as formas como os sujeitos dela

se apropriam.

A ideia normalidade da sexualidade surge dos discursos biologizantes e

religiosos que busca afirmar que o normal é ser heterossexual e ainda, que esta é a única

forma natural de sexualidade. Colocando-a assim numa categoria superior as demais,

esse discurso reforça que a sexualidade esteja em função da reprodução da espécie e é

reproduzido nas escolas através das disciplinas de ciência naturais e biológicas.

Essa normalização da sexualidade é traduzida por uma série de regras sociais

que padronizam a sociedade e os que dela fazem parte. Esses padrões seguem em uma

linha de heterossexualização dos corpos e desejos, para ser um ser normal o indivíduo

tem que ser heterossexual, casar, constituir uma família composta de pessoas de sexos

opostos, que devem obedecer aos mesmos níveis educacional e econômico, respeitar a

moral e os bons costumes.

Tudo que está fora desses padrões considerados desejáveis são condenados,

assim como as pessoas que manifestam suas sexualidades transgredindo essas formas

naturais são considerados seres anormais e não desejáveis. Neste contexto, não há lugar

para eles na sociedade, a qual termina reprimindo-os e punindo-os física e

psicologicamente, classificando-os como diferentes, anormais, desviantes, patológicos

excluindo-os dos processos educativos.

Para entendermos esta problemática precisamos observar os discursos da

família e da escola que reforça o projeto de igualdade, invisibilizando tudo que esteja

fora desse padrão, [...] “reforçando a marginalização e escamoteando as diferenças

daqueles que transitam e optam por formas de expressão e de manifestação da

sexualidade que não se enquadram nas legitimidades sociais e institucionais” (SOUZA,

2007, p. 97).

Parafraseando Souza a diferença é uma produção histórica que resulta de

produção simbólica e discursiva que envolve poder, saber, disciplinamento, inclusão,

exclusão que se caracterizam em representações. Reforçando que “a diferença é um

ponto derivado da identidade”, ou seja, uma está diretamente ligada à outra. (SOUZA

2007, p. 97).

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Percebe-se que a escola não está totalmente preparada para incluir ou acolher

os diferentes e/ou as diferenças, ela até acolhe desde que os sujeitos se adequem aos

padrões homogeneizantes que existem nesse ambiente.

Observações pessoais: quando atuava como coordenador pedagógico na

instituição escolar mencionada anteriormente, ouvia discursos excludentes na sala de

professores. Certa vez perguntei a um colega como ele agiria se tivesse um aluno

homossexual em sua sala de aula? “bem, eu respeito todos os meus alunos, mais para

não criar problema ele teria que se comportar, sem essas coisas de desmunhecar ou de

chamar atenção, se isso acontecer ele se dará muito bem em minha sala”.

Ai está claro que a escola que é o lugar de aprendizagem e consequentemente é

oprofessor quem organiza e avalia essa aprendizagem, ele utiliza esse poder para

disciplinar as diferenças fazendo o(a)s aluno(a)s entenderem que devem seguir os

padrões homogeneizantes da heteronormatividade, levando-o(a)s a culparem-se de certa

forma por sua própria exclusão.

Como bem coloca Seffner (Brasil 2009, p.130). “O aparelho escolar foi

montado a partir de um sem-número de pequenos procedimentos, mínimos rituais,

rotinas, obrigações, códigos de direitos e deveres, construídos da ótica da exclusão e da

segregação dos alunos em grupos particulares”. Nessa afirmação podemos observar sob

qual ótica está ancorada a tal instituição.

Incomoda-me o fato de o mesmo professor que diz respeitar as diferenças

existentes, induzi-la a adequar-se aos padrões e regras impostos na escola, onde

poderiam ser negociadas entre indivíduos.

A escola deve ser um lugar de inclusão das diferenças, de interação social,

levando os indivíduos a refletirem sobre suas práticas cotidianas, para que o processo de

ensino aprendizagem possa levar o(a)s aluno(a)s, professore(a)s e demais pessoas

envolvidas nesse processo, refletir sobre seus papeis na sociedade.

Investigando a homossexualidade na escola

Segundo Fidalgo e Machado:

[...] Educação designa a prática social, voluntária, intencional e

metódica exercida por agentes diversos (família, escola, igreja,

partidos, associações, etc.) através de procedimentos que tem como

objetivo o homem (crianças, jovens e adultos) visando despertar,

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influenciar e canalizar o desenvolvimento de potencialidades de ser

humano [...] (FIDALGO & MACHADO, 2000, p. 35):

A conceituação de educação acima citado abre um leque extenso acerca do

fenômeno da educação. Pode ser exercida por variados agentes, em ambientes formais e

não formais, e/ou escolares e não escolares, em que há um processo de construção

sociocultural do conhecimento.

Devem-se levar em consideração que o processo educativo, bem como, o

ambiente de socialização do conhecimento – escola – sãocomplexos marcados pelas

variáveis pedagógicas e sociais não podemos fazer uma análise detalhada sem um

diálogo com vida, precisamos considerar, sobretudo o desenvolvimento humano, o

conhecimento e a cultura.

“A educação pós-moderna buscará a igualdade sem eliminar as diferenças [...]

a escola embora tenha de ser local, enquanto ponto de partida deve ser universal,

enquanto ponto de chegada.” (SEVERINO, 2007, p. 25). A educação não deve ser

simplesmente um processo de influência do passado sobre o presente, mais sim, de

ajudar ao homem e a mulher a conquistar os seus próprios instrumentos de libertação e

realização do que projetam.

A educação que liberta, também aliena, quando no cumprimento do exercício

de poder das culturas dominantes, agindo assim de forma excludente com base em

padrões de normatividade, reafirmando a fragmentação do pensar e do saber,

delimitando espaços.

A partir dos resultados preliminares da pesquisa sobre a sexualidade na escola,

observamos que a abordagem sobre a homossexualidade é invisibilizada na educação. A

sociedade e o “capitalismo se apropriam da sexualidade nos seus diferentes momentos

históricos, disciplinando o corpo para torna-lo dócil, útil e cristalizado de culpa e

pecado”. (SOUZA 2007, p. 98).

Quando perguntado se a homossexualidade é trabalhada na escola:

Não. Há muitas dificuldades das pessoas que trabalham na escola em

lidar com essa temática, geralmente ignoram a questão, seja por falta

de conhecimento ou até mesmo por preconceito. Muitas vezes

procuram não tratar do fato como se não existisse, uma forma de

fechar os olhos para a realidade. (Professor do programa de formação

continuada)

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Observamos que quando as poucas vezes em que a sexualidade é trabalhada no

espaço escolar, o homossexual é tratado como um ser invisível aos olhos do(a)s

gestore(a)s e equipe pedagógica, não sendo assim tratada como deveria pela instituição

na tentativa de coibir atos discriminatórios e preconceituosos. Esse processo de

invisibilização deve ser desestabilizado, pois são reproduzidos no currículo, nos livros

didáticos e até nas discussões sobre direitos humanos na escola. E quando acontece

algo, é ‘pontual’, ações “tímidas motivadas por lei”. O currículo das escolas não faz

referencia alguma ao estudo da homossexualidade, porém os parâmetros curriculares

nacionais – PCN destacam a orientação sexual voltada para o viés da reprodução

humana, prevenção das doenças sexualmente transmissíveis DST/AIDS e para evitar

gravidez indesejada.

Há uma negação da existência da homossexualidade, nas escolas, negando

assim a sua diversidade silenciando a problemática e dissimulando as informações

inerentes a ela. Neste sentido “Os sujeitos envolvidos nesta área, estudantes e

professoras/es deixam de fazer perguntas, disfarçam curiosidades e inquietações, ‘fazem

de conta’ que vivem, todos, de acordo com os padrões estabelecidos” (LOURO, 2000,

p. 47) Sendo assim, a comunidade escolar acaba por reproduzir os ditames impostos

pela sociedade capitalista, acabando por estigmatizar a homossexualidade como doença

e/ou pecado, ranços do conservadorismo patriarcal, excluindo assim a população LGBT

dos processos de ensino aprendizagem.

Em minha atuação como docente tive como aluno uma criança que se

identificava com as meninas em seus momentos de recreação, e que eu

achava natural pelo fato das brincadeiras serem mais tranquilas, mas

os pais me preocupavam por estarem preocupados com essa amizade.

Conversei com eles explicando que por ter apenas 5 anos de idade

essa preferência em brincar com meninas não definia sua sexualidade.

(formadora da SEMED).

Ao discutirmos sobre a homossexualidade não podemos nos limitar a

estereótipos e estigmas de que ‘menino que anda com menina e brinca de boneca seja

homossexual’. Nota-se uma maturidade da professora em perceber que, tal sensibilidade

e preferência em brincar com as meninas não poderiam está amparadas em parâmetros

pouco seguros do senso comum, para se definir uma identidade sexual de uma criança

de apenas cinco anos.

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Contudo, podemos dizer que aos pais falta-lhes informação apropriada sobre a

sexualidade, portanto, a postura desta professora foi de fundamental importância nesse

processo de construção da identidade da referida criança, que precisa se dar sem

transtornos ao seu desenvolvimento pessoal.

Quando perguntado sobre a forma que a escola age e o que dizem o(a)s

professore(a)s com relação aos homossexuais na escola fui surpreendido com respostas

diversificadas, observemos a seguir:

Quase todos agem de forma discriminatória tanto professor (em

conversas na sala de professores) quanto aluno (descaradamente na

frente do gay), e os que não discriminam preferem não se

envolver.(formador da SEMED)

Fica o maior babado na sala dos professores, porque geralmente esta

descoberta vem acompanhado de bullying causando problemas

disciplinares é ai onde entrava a nossa intervenção através do diálogo

na sala de aula resgatando o direito de cada cidadão ter a sua

identidade e cada um viver a sua vida deixando o outro em paz.

(formadora da SEMED)

Analisando as respostas podemos apontar algumas variações de

comportamentos do(a)s professore(a)s. Existe ai três tipos visíveis pelo menos: o(a)

professor(a) que discrimina e comenta nas salas de professore(a)s por acharem que

fazem um favor aos aluno(a)s, o(a) professor(a) que não discrimina mais também não se

manifesta posicionando-se a favor do discriminado(a) e o(a) professor(a) que participa

ativamente do processo, que intervém no momento em que percebe a problema.

Porém o que tem sido feito de concreto para que a homofobia e/ou bullying

homofóbico acabem nos ambientes escolares? Penso que não basta só intervir no

sentido de coibir a prática, mais sim, “ter uma enorme dose de sensibilidade para lidar

com a inclusão escolar” [...], sem que precise “ser ‘convencido(a)’ de que a inclusão é

boa”. (SAFFNER, BRASIL, p.131). Não é tarefa fácil encontrar professore(a)s que se

disponham a fazer essa inclusão, que possa valorizar e respeitar as discussões acerca da

sexualidade e a diversidade sexual, não por serem contra, mais por comodidade e/ou

medo de ser apontado como homossexual.

Diante dessa recusa da escola e do(a)s professore(a)s em se envolver com as

questões da homossexualidade, podemos presenciar casos de violência física e

simbólica nos relatos abaixo encontramos indícios de homofobia no ambiente escolar.

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Minha filha precisou ligar para a polícia, foi um caso de espancamento

do homossexual. A escola acatou a atitude da monitora, mas alertou

do perigo que ela passou em envolver-se porque o aluno era muito

escandaloso, vinha pintado, podia ser mais discreto... (não é ainda o

esperado. Mas a construção de novos paradigmas é conquista

historicamente). (formadora da SEMED)

No primeiro dia de aula o aluno chegou na escola e logo foi

identificado, daí muitos outros meninos ficaram zonando da cara dele

e mexendo na bunda, eu intervi na ocasião e dei uma bronca nos

alunos. A direção transferiu esse aluno pra noite. (formador da

SEMED)

Podemos perceber claramente que

“[...] a masculinidade hegemônica se constitui, então, como um

modelo ideal, particularmente irrealizável, que subordina outras

possíveis variedades de masculinidades e exerce um efeito controlador

no processo de constituição de identidades masculinas” (ALMEIDA,

1995, apud BRASIL, 2009, p. 20).

É através desse modelo de masculinidade que podemos entender a

intensificação da violência e/ou homofobia na escola que afeta a aprendizagem do(a)s

aluno(a)s, sua maneira de agir e interagir com o outro(a), tornando um ambiente

inseguro e vulnerável a agressões, gerando assim o desinteresse pela escola,

comprometendo o rendimento da aprendizagem do público LGBT levando-o na

maioria das vezes ao fracasso, abandono e evasão do espaço escolar.

Considerações: Desestabilizar preconceitos apontando caminhos para a inclusão

da diversidade sexual

Diante do exposto percebemos que as práticas curriculares realizadas nos

espaços das salas de aulas ainda são permeadas de preconceito e discriminação para

com a os sujeitos que constitui a população LGBT, havendo a necessidade de se romper

com os estigmas e a discriminação para construir uma educação pública, laica, gratuita e

de qualidade social para todo(a)s, intensificando o discurso de uma cidadania plena.

Para tanto a discussão, o trabalho sobre a homossexualidade, a homofobia, a

discriminação e o preconceito devem estar incluídos no conjunto das práticas

curriculares escolares, sobretudo no ensino público, nos projetos políticos pedagógicos

das escolas, na formação inicial e continuada do(a)s profissionais da educação, devendo

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estar contidos nas diferentes etapas e modalidades de ensino, criando assim um

ambiente respeitoso e cordial, que valorize as diferenças, bem como nos materiais

didático-pedagógicos utilizados na escola, inclusive nos livros didáticos e paradidáticos.

É preciso desmontar os mecanismos fundantes da heteronormatividade

existentes na escola para que a mesma possa problematizar a homossexualidade,

quebrando as amarras do preconceito e discriminação, subvertendo assim os atos de

violência e homofobia. Claro que atrelado a isso o(a) s profissionais precisam de [...]

“diretrizes e instrumentos adequados para enfrentar os desafios relacionados aos direitos

sexuais e à diversidade sexual” (JUNQUEIRA apud BRASIL, 2009, p.34). Para que

esses instrumentos e diretrizes possam “incluir de modo coerente tais temas na sua

formação inicial e continuada; bem como estimular a pesquisa e a divulgação de

conhecimento acerca da homofobia, da sua extensão e dos modos de desestabilizá-la”

(idem, p.35). Buscando estratégias de atuação que questionem a homofobia.

Na escola, o trabalho voltado a problematizar e a subverter a

homofobia (eoutras concepções preconceituosas e práticas

discriminatórias) requer, entre outrascoisas, pedagogias, posturas e

arranjos institucionais eficazes para abalarem estruturase mecanismos

de (re)produção das desigualdades e das relações de forças.

(JUNQUEIRA apud BRASIL, 2009, p. 35).

É necessário construir um ambiente acolhedor de respeito e aceitação das

diferenças, abolindo as piadas e as manifestações sexistas excludentes, transformando-o

em um local de interação social e de desenvolvimento das aprendizagens, buscando um

diálogo entre as diversidades e as diferenças.

Notas

1. Subtítulo extraído de MAIA, Ana Claudia Bertolizzi. Sexualidade, Deficiência e Gênero:

reflexões sobre os padrões definidores de normalidade. In:JUNQUEIRA, Rogério Diniz (Org).

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Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003720

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