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 ARS POETICA ARTE POÉTICA QUINTUS HORATIUS FLACCUS MAURI FURLAN  Repetitio e st mater s tudiorum. Todo livro minimamente importante deveria ser lido de imediato duas vezes, em parte porque na segunda compreendemos melhor as coisas em seu conjunto e só entendemos bem o começo quando conhecemos o fim; em parte porque, para todos os efeitos, na segunda vez abordamos cada passagem com um ânimo e estado de espírito diferentes do que tínhamos na primeira, o que resulta em uma impressão diferente e é como se olhássemos um objeto sob uma outra luz.  Arthur Sch openhau er, Sobre Livros e Leitura, 1851 Leia este livro com calma; não é daqueles que a gente entende rápido. Vauvenargues

Horácio - Arte Poética

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    ARS POETICA

    ARTE POTICA

    QUINTUS HORATIUS FLACCUSMAURI FURLAN

    Repetitio est mater studiorum.Todo livro minimamente importante deveria ser lido de imediato duas vezes,

    em parte porque na segunda compreendemos melhor as coisas em seu conjuntoe s entendemos bem o comeo quando conhecemos o fim;

    em parte porque, para todos os efeitos, na segunda vez abordamos cada passagemcom um nimo e estado de esprito diferentes do que tnhamos na primeira,

    o que resulta em uma impresso diferentee como se olhssemos um objeto sob uma outra luz.

    Arthur Schopenhauer, Sobre Livros e Leitura,1851

    Leia este livro com calma;no daqueles que a gente entende rpido.

    Vauvenargues

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    Q.HORATIUS FLACCUS, MAURI FURLAN

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    ARS POETICA

    (18A.C.)

    ARTE POTICA

    (1994)

    1

    Humano capiti cervicem pictor equinamiungere si velit, et varias inducere plumasundique collatis membris, ut turpiter atrumdesinat in piscem mulier formosa superne,5spectatum admissi risum teneatis, amici?

    1-5

    Quisesse um pintor

    1

    juntar a uma cabeahumana um pescoo equino, e com variadasplumagens revestir aos membros tomados detodas as partes, de forma que torpementeterminasse em horrvel peixe o que em cimafora formosa mulher, levados a contemplar oquadro, amigos, contereis o riso?

    Credite, Pisones, isti tabulae fore librumpersimilem, cuius, velut aegri somnia, vanaefingentur species, ut nec pes nec caput unireddatur formae.

    6-9 Acreditai, Pises2, muito semelhante aeste quadro o livro em que, como sonhosde doente, fantasias vs so concebidas,quando nem p nem cabea so de ummesmo modelo representados.

    Pictoribus atque poetis10quidlibet audendi semper fuit aequapotestas.

    Scimus, et hanc veniam petimusque damusquevicissim;

    sed non ut placidis coeant immitia, non utserpentes avibus geminentur, tigribus agni.

    9-13

    Aos pintores e aos poetas sempre foipropcio o poder de tudo ousar3. Sabemos, eesta permisso pedimos e damosreciprocamente, mas no para que aosmansos se aconcheguem os ferozes; no paraque se unam as serpentes s aves; aos tigres,os cordeiros.

    Inceptis gravibus plerumque et magna professis15purpureus, late qui splendeat, unus et alteradsuitur pannus, cum lucus et ara Dianaeet properantis aquae per amoenos ambitus

    agrosaut flumen Rhenum aut pluvius describitur

    arcus;sed nunc non erat his locus.

    14-19A pomposos comeos e queprometem grandiosas coisas, costura-sefreqentemente um que outro remendopurpreo, brilhante distncia, comoquando se descreve o bosque sagrado e oaltar de Diana, e o caminho da gua correntepor amenos campos, ou o rio Reno, ou oarco-ris4; mas no era ento seu lugar.

    Et fortasse cupressum20scis simulare: quid hoc, si fractis enatat

    exspesnavibus, aere dato qui pingitur? Amphora

    coepitinstitui: currente rota cur urceus exit?Denique sit quodvis, simplex dumtaxat et

    unum.

    19-23 Provavelmente sabes representar umcipreste. Que importa isso, se quem pagoupara ser pintado escapa das naus emdestroos desesperanado?5 Comeou-se aproduzir uma nfora; por que saiu um poteda roda em movimento? Seja, enfim,qualquer obra, ao menos simples e una.

    Maxima pars vatum, pater et iuvenes patredigni,

    25decipimur specie recti: brevis esse laboro,obscurus fio; sectantem levia nervideficiunt animique; professus grandia turget;serpit humi tutus nimium timidusque procellae:qui variare cupit rem prodigialiter unam,30delphinum silvis adpingit, fluctibus aprum:

    24-30A maior parte dos vates, pai e jovensdignos do pai, somos iludidos pela aparnciado correto: tento ser breve, obscuro metorno; ao que busca leveza faltam vigor eenergia; o que promete o sublime torna-seempolado; rasteja por terra o excessivamenteprudente e temeroso de tempestade; aqueleque deseja variar de modo maravilhoso oque uno pinta golfinhos em florestas,javalis sobre ondas.

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    in vitium ducit culpae fuga, si caret arte.Aemilium circa ludum faber imus et unguisexprimet et mollis imitabitur aere capillos,infelix operis summa, quia ponere totum35nesciet: hunc ego me, si quid componere

    curem,non magis esse velim quam naso vivere pravo,spectandum nigris oculis nigroque capillo.

    31-37Ao erro conduz a fuga a uma falta, secarece de arte6. O mais nfimo arteso nasproximidades da escola de Emlio7 moldarunhas e reproduzir em bronze cabelosmacios. O conjunto da obra, porm, ser

    infeliz, porque no saber criar o todo. Eu,se me preocupasse em compor alguma coisa,no quereria ser aquele homem mais do queviver com nariz torto, olhos negros e cabelonegro de se admirar.

    Sumite materiam vestris, qui scribitis, aequamviribus et versate diu, quid ferre recusent,40quid valeant umeri. cui lecta potenter erit

    res,nec facundia deseret hunc nec lucidus ordo.Ordinis haec virtus erit et venus, aut ego fallor,ut iam nunc dicat iam nunc debentia dici,

    pleraque differat et praesens in tempus omittat.

    38-44Tomai um assunto, vs que escreveis,proporcional s vossas foras. Avaliailongamente o que os ombros ferrenhamenterecusam e o que podem. A quem escolheuconforme suas foras, nem a eloqncia oabandonar, nem a ordem clara. Consistir afora e a beleza da ordem, ou estou

    enganado, em que diga agora as coisas queagora devem ser ditas, muitas outras adie eomita no momento.

    45In verbis etiam tenuis cautusque serendishoc amet, hoc spernat promissi carminis auctor.Dixeris egregie, notum si callida verbumreddiderit iunctura novum. si forte necesse estindiciis monstrare recentibus abdita rerum et50fingere cinctutis non exaudita Cethegis,continget dabiturque licentia sumpta pudenter,et nova fictaque nuper habebunt verba fidem, siGraeco fonte cadent parce detorta. quid autem

    Caecilio Plautoque dabit Romanus ademptum55Vergilio Varioque? Ego cur, adquirere

    paucasi possum, invideor, cum lingua Catonis et

    Ennisermonem patrium ditaverit et nova rerumnomina protulerit?

    45-58 Delicado e cauto tambm ao juntarpalavras, o autor do poema anunciado ameisso, despreze aquilo. Te expressarsdistintamente se, por combinao engenhosa,uma palavra conhecida produzir uma nova.Se casualmente for necessrio mostrar ooculto da coisas com revelaes novas, eacontecer de se criar coisas nunca ouvidaspelos Ctegos cintudos8, permisso ser

    dada, se usada com reserva, e as palavrasinventadas ainda novas tero crdito se,derivadas9 com discrio, carem de fontegrega. Conceder, pois, o romano a Ceclio ePlauto10 o que foi proibido a Virglio eVrio11? Eu, por que sou invejado, se poucascoisas posso obter, quando a linguagem deCato e nio12 enriqueceu a lngua ptria eexibiu novos nomes de coisas?13

    Licuit semperque licebitsignatum praesente nota producere nomen.60Ut silvae foliis pronos mutantur in annos,

    prima cadunt: ita verborum vetus interit aetas,et iuvenum ritu florent modo nata vigentque.

    58-62 Sempre foi e ser permitido criar umnome assinalado com marca do presente.Como as florestas so transformadas por

    suas folhas com o passar dos anos, caindo asmais velhas, assim se perde a gerao antigadas palavras e, como os jovens, florescem asnascidas h pouco e vingam.

    Debemur morti nos nostraque: sive receptusterra Neptunus classes Aquilonibus arcet,65regis opus, sterilisve diu palus aptaque remisvicinas urbes alit et grave sentit aratrum,seu cursum mutavit iniquum frugibus amnis

    63-69Estamos fadados morte, ns enossas coisas. Seja Netuno14, que, recolhido terra, protege os exrcitos contra osaquiles, obra de rei15; seja um paul16, que,estril por muito tempo mas adequado aos

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    doctus iter melius: mortalia facta peribunt,nedum sermonum stet honos et gratia vivax.

    remos, alimenta as cidades prximas e senteo pesado arado; seja o rio17, que, ensinadoum caminho melhor, mudou seu cursoinquo s colheitas. As obras mortaisperecero, e nem mesmo a honra e o encanto

    das linguagens se mantm vivazes.70Multa renascentur quae iam cecidere

    cadentquequae nunc sunt in honore vocabula, si volet

    usus,quem penes arbitrium est et ius et norma

    loquendi.

    70-72Renascero muitas que j sucumbirame sucumbiro as que agora so palavrasapreciadas, se o uso consentir, porque estetem nas mos o poder de deciso, o direito ea norma do falar.

    Res gestae regumque ducumque et tristia bellaquo scribi possent numero, monstravit

    Homerus;75versibus impariter iunctis querimonia

    primum,

    post etiam inclusa est voti sententia compos;quis tamen exiguos elegos emiserit auctor,grammatici certant et adhuc sub iudice lis est;Archilochum proprio rabies armavit iambo;80hunc socci cepere pedem grandesque

    cothurni,alternis aptum sermonibus et popularisvincentem strepitus et natum rebus agendis;musa dedit fidibus Divos puerosque Deorumet pugilem victorem et equum certamine

    primum85et iuvenum curas et libera vina referre:

    73-85 Aes de reis e generais e terrveisguerras, mostrou Homero em que medidapodem ser escritos. Em versosirregularmente ligados, primeiro foi includaa queixa, depois tambm a manifestao de

    desejo possudo. Que inventor, porm, tercriado os curtos poemas elegacos, discutemos eruditos, e a questo est at agora sobjulgamento. A fria muniu Arquloquo18 deseu prprio iambo: as comdias e astragdias19 tomaram este p, adequado paradilogos e para superar estrpitos popularese nascido para empresas de ao. A Musapermitiu lira decantar divos e filhos dedeuses, o pugilista vitorioso e o primeirocavalo no certame, inquietaes de jovens evinhos licenciosos 20.

    descriptas servare vices operumque colorescur ego si nequeo ignoroque poeta salutor?Cur nescire pudens prave quam discere malo?versibus exponi tragicis res comica non volt;90indignatur item privatis ac prope soccodignis carminibus narrari cena Thyestae:singula quaeque locum teneant sortita

    decentem.

    86-92 Por que eu, se no posso e no seiobservar gneros estabelecidos e estilos deobras, sou saudado como poeta? Por quequerer antes ignorar, perversamentemodesto, a aprender? Um fato cmico noquer ser exposto em versos trgicos.Igualmente indigna-se a Ceia de Tiestes21deser narrada em poemas popularescos, maisdignos da comdia. Tenha cada coisaescolhida seu lugar conveniente.

    Interdum tamen et vocem comoedia tollitiratusque Chremes tumido delitigat ore;

    95et tragicus plerumque dolet sermonepedestri,

    Telephus et Peleus cum pauper et exul uterqueproiicit ampullas et sesquipedalia verba,si curat cor spectantis tetigisse querella.

    93-98Algumas vezes, entretanto, tambm acomdia levanta a voz, e um Cremes22irado,

    com cara enfurecida, exaspera-se. Tambm otrgico muitas vezes lamenta-se emlinguagem prosaica, qual Tlefo ou Peleu23,quando, um pobre e outro exilado, rejeitaestilos empolados e palavras extremamentelongas, se, com o lamento, quer tocar ocorao do espectador.

    Non satis est pulchra esse poemata: dulciasunto

    99-107 No suficiente serem belos ospoemas; sejam doces e conduzam aonde

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    100et quocumque volent animum auditorisagunto.

    Ut ridentibus adrident, ita flentibus adflenthumani voltus. si vis me flere, dolendum estprimum ipsi tibi: tum tua me infortunia laedent,

    Telephe vel Peleu; male si mandata loqueris,105aut dormitabo aut ridebo. Tristia maestumvoltum verba decent, iratum plena minarum,ludentem lasciva, severum seria dictu.

    quiserem a alma do auditrio. Como riemcom os que riem, assim tambm entre os quechoram esto os semblantes humanos; sequeres que eu chore, hs de sofrer tu prprioprimeiro; ento teus infortnios me tocaro,

    Tlefo ou Peleu. Se proferires mal tuasfalas, ou dormirei ou rirei. Palavras tristesconvm a um rosto abatido; as carregadas deameaas, a um irado; as lascivas, a umbrincalho; as graves de dizer, a um severo.

    Format enim natura prius non intus ad omnemfortunarum habitum: iuvat aut inpellit ad iram110aut ad humum maerore gravi deducit et

    angit:post effert animi motus interprete lingua.

    108-111 A natureza, de fato, nos formaprimeiro interiormente, para qualquersituao da fortuna: nos agrada ou nosimpele ira, ou nos joga por terra emprofunda tristeza e nos angustia; depois,exalta paixes por sua intrprete, a lngua.

    Si dicentis erunt fortunis absona dicta,

    Romani tollent equites peditesque cachinnum.Intererit multum, Davusne loquatur an heros,115maturusne senex an adhuc florente iuventafervidus, et matrona potens an sedula nutrix,mercatorne vagus cultorne virentis agelli,Colchus an Assyrius, Thebis nutritus, an Argis.

    112-118Se as palavras do falante estiverem

    em desarmonia com a fortuna, cavaleiros eplebeus romanos daro gargalhadas.Importar muito se fala um divo ou umheri, um ancio amadurecido ou um rapazfogoso em plena juventude, e uma matronapoderosa ou uma escrava nutriz, ummercador errante ou um lavrador de um stioverdejante, um habitante da Clquida ou umda Assria, algum criado em Tebas ou emArgos24.

    Aut famam sequere aut sibi convenientia finge120scriptor. Honoratum si forte reponis

    Achillem,inpiger, iracundus, inexorabilis, aceriura neget sibi nata, nihil non arroget armis.Sit Medea ferox invictaque, flebilis Ino,perfidus Ixion, Io vaga, tristis Orestes.

    119-124 Ou segue a tradio ou cria coisasconvenientes entre si, escritor. Se porventura

    reencenas o honrado Aquiles25, seja elediligente, colrico, impiedoso, impetuoso,negue que as leis lhe so destinadas, arroguetudo s armas. Seja Media26 feroz einexorvel, chorosa Ino27, prfido xion28,Io29errante, triste Orestes30.

    125Si quid inexpertum scaenae committis etaudes

    personam formare novam, servetur ad imum,qualis ab incepto processerit, et sibi constet.Difficile est proprie communia dicere, tuquerectius Iliacum carmen deducis in actus

    130quam si proferres ignota indictaqueprimus:

    125-130 Se pes em cena algoinexperimentado e ousas criar personagemnova, seja ela preservada at o fim damaneira como tiver procedido desde ocomeo, e esteja em harmonia consigo. difcil contar, com propriedade, coisas

    popularizadas. Tu, porm, pes em atos umcanto ilaco31mais convenientemente do quese mostrasses pela primeira vez coisasdesconhecidas e inditas.

    publica materies privati iuris erit, sinon circa vilem patulumque moraberis orbemnec verbo verbum curabis reddere fidusinterpres nec desilies imitator in artum,135unde pedem proferre pudor vetet aut operis

    131-135 Matria pblica ser de direitoprivado, se no delirares em torno de umponto desprezvel e banal, nem fiel tradutortratares de traduzir palavra por palavra, nemimitador te lanares numa situao

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    lex, embaraosa, de onde a timidez ou a estruturada obra no permita sair.

    nec sic incipies, ut scriptor cyclicus olim:fortunam Priami cantabo et nobile bellum.Quid dignum tanto feret hic promissor hiatu?

    Parturient montes, nascetur ridiculus mus.140Quanto rectius hic, qui nil molitur inepte:dic mihi, Musa, virum, captae post tempora

    Troiaequi mores hominum multorum vidit et urbes.Non fumum ex fulgore, sed ex fumo dare

    lucemcogitat, ut speciosa dehinc miracula promat,145Antiphaten, Scyllamque, et cum Cyclope

    Charybdim;nec reditum Diomedis ab interitu Meleagrinec gemino bellum Troianum orditur ab ovo:

    semper ad eventum festinat et in medias resnon secus ac notas auditorem rapit et quae150desperat tractata nitescere posse relinquitatque ita mentitur, sic veris falsa remiscet,primo ne medium, medio ne discrepet imum.

    136-152 Nem comears assim comooutrora um escritor do ciclo pico32: Afortuna de Pramo cantarei33 e a nobre

    guerra. O que contar esse prometedordigno de tamanho boqueiro? Pariro osmontes, nascer um ridculo rato34. Mas,com quanto mais propriedade este que nadaprojeta ineptamente: Canta-me, Musa, ovaro que, aps os tempos da conquista deTria, viu de muitos homens os costumes eas cidades.35 Este no cogita produzirfumaa a partir do fulgor, mas da fumaaluz, para manifestar, em seguida, especiosasmaravilhas, Antfates36 e Cila, e Carbdis37,alm do ciclope38. Nem a volta de

    Diomedes39 urdida a partir da morte deMeleagro, nem a guerra dos troianos a partirdo ovo gmeo40. Ele se apressa sempre parao acontecimento e impele o auditrio para omeio das aes, como se conhecidas, e omiteas que, examinadas, no espera poderbrilharem. E do mesmo modo que ilude,assim confunde coisas falsas comverdadeiras, de forma que nem o meiodiscorde do incio, nem do meio o fim.

    Tu, quid ego et populus mecum desideret, audi,si plausoris eges aulaea manentis et usque

    155sessuri, donec cantor Vos plaudite dicat.Aetatis cuiusque notandi sunt tibi mores,mobilibusque decor naturis dandus et annis.

    153-157 Tu, ouve o que eu e comigo o povodeseja, se queres aplaudentes que esperem

    fechar as cortinas e permaneam sentadosat que um cantor diga: Aplaudi!41. Hs denotar os costumes de cada idade e o queconvm ser dado s naturezas e aos anosmutveis.

    Reddere qui voces iam scit puer et pede certosignat humum, gestit paribus conludere et iram160colligit ac ponit temere et mutatur in horas.

    158-160 Um menino, que j sabe reproduzirpalavras e com passo firme marca o cho,anseia brincar com seus pares, irrita-se, maslogo esquece, sem considerar, e muda a todahora.

    Inberbis iuvenis, tandem custode remoto,gaudet equis canibusque et aprici gramine

    campi,cereus in vitium flecti, monitoribus asper,utilium tardus provisor, prodigus aeris,165sublimis cupidusque et amata relinquere

    pernix.

    161-165 Um jovem imberbe, finalmentelivre do pedagogo, alegra-se com cavalos,

    ces e a relva do Campo42 ensolarado;afeioa-se, como cera, ao vcio, spero comcensores, moroso provedor de coisas teis,prdigo com dinheiro, sublime, apaixonado,e pronto a renunciar a coisas amadas.

    Conversis studiis aetas animusque virilisquaerit opes et amicitias, inseruit honori,conmisisse cavet quod mox mutare laboret.

    166-168 Com gostos mudados, procura aidade e a alma viril obter poder e amizades,escraviza-se a honrarias, acautela-se decomear o que logo custe mudar.

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    Multa senem circumveniunt incommoda, velquod

    170quaerit et inventis miser abstinet ac timetuti,

    vel quod res omnis timide gelideque ministrat,

    dilator, spe longus, iners avidusque futuri,difficilis, querulus, laudator temporis actise puero, castigator censorque minorum.

    169-174 Muitos incmodos afligem umancio, seja porque adquire e, msero,abstm-se e, mais, teme gozar o adquirido,seja porque executa tmida e friamente todasas coisas. Contemporizador, persistente na

    esperana, inerte, e vido de futuro, difcil,lastimoso, louvador dos tempos idos de suainfncia, castigador e censor dos menores.

    175Multa ferunt anni venientes commodasecum,

    multa recedentes adimunt: ne forte senilesmandentur iuveni partes pueroque viriles:semper in adiunctis aevoque morabitur aptis.

    175-178 Os anos que avanam trazemconsigo muitas vantagens, os que recuammuitas levam. No sejam entregues a umjovem papis de ancios, e a um menino, osde homens. Sempre se permanecer naquiloque pertence e prprio a cada idade.

    Aut agitur res in scaenis aut acta refertur.180Segnius inritant animos demissa per auremquam quae sunt oculis subiecta fidelibus et

    quaeipse sibi tradit spectator: non tamen intusdigna geri promes in scaenam multaque tollesex oculis, quae mox narret facundia praesens:

    179-184 Ou representa-se algo no palco ounarra-se o j acontecido. As coisasapreendidas pelo ouvido excitam mais

    debilmente os nimos do que as que sosubmetidas a olhos fidedignos e que oespectador testemunha por si mesmo. Nofars aparecer em cena aquelas que convmserem executadas nos bastidores, e muitassuprimirs aos olhos, as quais narre afacndia de algum presente.

    185Ne pueros coram populo Medea trucidetaut humana palam coquat exta nefarius atreus,aut in avem Procne vertatur, Cadmus in

    anguem.Quodcumque ostendis mihi sic, incredulus odi.

    185-188 No trucide Media seus filhosdiante do povo, ou, em pblico, oabominvel Atreu43 cozinhe entranhas devtimas humanas, ou transforme-se Procne44em ave, Cadmo45 em serpente. Incrdulo,

    odeio tudo o que assim me apresentas.Neve minor neu sit quinto productior actu190fabula quae posci volt et spectanda reponi.Nec Deus intersit, nisi dignus vindice nodusinciderit, nec quarta loqui persona laboret.

    189-192Nem mais nem menos do que cincoatos possua a histria que quer ser solicitadae reapresentada. Nem intervenha um deus, seno acontecer de o enredo ser digno deinterveno, nem uma quarta personagem sepreocupe em falar.

    Actoris partis chorus officiumque viriledefendat, neu quid medios intercinat actus195quod non proposito conducat et haereat

    apte.Ille bonis faveatque et consilietur amice

    et regat iratos et amet peccare timentis,ille dapes laudet mensae brevis, ille salubremiustitiam legesque et apertis otia portis,200ille tegat conmissa Deosque precetur et

    oret,ut redeat miseris, abeat fortuna superbis.

    193-201 O coro defenda uma funoindividual, um papel de ator, e no cante nosentreatos coisa alguma que no sirva e noesteja perfeitamente ligada ao tema. Seja elefavorvel aos bons, e aconselhe

    amigavelmente, e contenha os irados e ameos que temem errar; louve os pratos da mesasbria, a justia salutar e as leis e a paz nasportas abertas; guarde segredos, e invoque osdeuses e ore para que a fortuna retorne aosmseros, abandone os soberbos.

    Tibia non, ut nunc orichalco, vincta tubaequeaemula, sed tenuis simplexque foramine paucoadspirare et adesse choris erat utilis atque

    202-207 A flauta, no como agora, fundidacom lato e comparvel tuba, pormdelicada e simples, com poucos orifcios, era

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    205nondum spissa nimis complere sediliaflatu;

    quo sane populus numerabilis, utpote parvos,et frugi castusque verecundusque coibat.

    adequada para dar o tom aos coros e assisti-los, e com seu som encher inteiramente osassentos, ainda no demasiadamentenumerosos, onde se reunia, na verdade, umamultido enumervel, porque pequena, e

    sensata, religiosa e respeitosa.Postquam coepit agros extendere victor et urbislatior amplecti murus vinoque diurno210placari Genius festis inpune diebus,accessit numerisque modisque licentia maior.Indoctus quid enim saperet liberque laborumrusticus urbano confusus, turpis honesto?

    208-213 Depois que o vencedor comeou aestender seus campos, e um muro mais longoa abraar as cidades, e o Gnio a serapaziguado com vinho diurno46,impunemente, nos dias de festa, uma licenamaior penetrou nos ritmos e nas formas. Quediscernimento, pois, poderia ter, liberto dostrabalhos, o indouto campons misturadocom o citadino, o torpe com o nobre?

    Sic priscae motumque et luxuriem addidit arti215tibicen traxitque vagus per pulpita vestem;

    sic etiam fidibus voces crevere severis,et tulit eloquium insolitum facundia praecepsutiliumque sagax rerum et divina futurisortilegis non discrepuit sententia Delphis.

    214-219 Assim, antiga arte o flautistaacrescentou movimento e entusiasmo, e,

    errante, arrastou a veste pelos tablados.Assim, tambm severa lira acresceram-setons47, e uma facndia impetuosa produziu aexpresso de um pensamento inslito, e suasentena, sagaz para coisas teis eadivinhadora do futuro, no diferiu da deDelfo48.

    220Carmine qui tragico vilem certavit obhircum,

    mox etiam agrestis Satyros nudavit et asperincolumi gravitate iocum temptavit eo quodinlecebris erat et grata novitate morandus

    spectator functusque sacris et potus et exlex.

    220-224Aquele que, com um poema trgico,concorreu pelo prmio de um bode49barato,desnudou em seguida50 os stiros51 agrestese, rudemente, com seriedade salvaguardada,experimentou o jocoso, pois que o

    espectador, tendo realizado os sacrifcios, ebbado e licencioso, devia ser retido comatrativos e agradvel novidade.

    225Verum ita risores, ita commendare dicacisconveniet Satyros, ita vertere seria ludo,ne, quicumque Deus, quicumque adhibebitur

    heros,regali conspectus in auro nuper et ostro,migret in obscuras humili sermone tabernas,230aut, dum vitat humum, nubis et inania

    captet.

    225-230 Na verdade, conveniente serapresentar de tal modo os stirosgracejadores, de tal modo os sarcsticos,transformar de tal modo as coisas srias embrincadeira, que, seja qual for o deus, sejaqual for o heri mostrado, ainda h poucovisto em ouro e prpura real, no se mudepara tabernas52 sombrias por causa de sualinguagem baixa, ou, enquanto evita a terra,

    procure apanhar as nuvens e os ares.Effutire levis indigna tragoedia versus,ut festis matrona moveri iussa diebus,intererit Satyris paulum pudibunda protervis.

    231-233 Indigno da tragdia dizer versosfrvolos; qual matrona levada a danar emdias de festa, se encontrar um poucoenvergonhada entre os stiros libertinos.

    Non ego inornata et dominantia nomina solum235verbaque, Pisones, Satyrorum scriptor

    amabo,nec sic enitar tragico diferre colori,

    234-239Eu, Pises, se escritor de dramassatricos, no amarei somente expressessem arte e palavras precisas, nem meesforarei para diferir do estilo trgico a tal

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    ut nihil intersit, Davusne loquatur et audaxPythias, emuncto lucrata Simone talentum,an custos famulusque dei Silenus alumni.

    ponto que no interesse se fala Davo53 e aaudaciosa Ptias, enriquecida com dinheirodo extorquido Simo54, ou Sileno55, guarda eservo do deus, seu discpulo.

    240Ex noto fictum carmen sequar, ut sibi

    quivissperet idem, sudet multum frustraque laboretausus idem: tantum series iuncturaque pollet,tantum de medio sumptis accedit honoris.

    240-243 Partindo do conhecido, intentarei

    um poema esmerado, de forma que qualquerum, ao esperar o mesmo de si, sue muito etrabalhe em vo, se tentado o mesmo: topoderoso o encadeamento e a combinao,tanto se acrescenta de beleza a coisastomadas do meio.

    Silvis deducti caveant, me iudice, Fauni,245ne velut innati triviis ac paene forenses.Aut nimium teneris invenentur versibus

    umquamaut inmunda crepent ignominiosaque dicta.Offenduntur enim, quibus est equos et pater et

    res,nec, siquid fricti ciceris probat et nucis emptor,250aequis accipiunt animis donantve corona.

    244-250 Retirados das florestas, acautelem-se os Faunos56, - me arvorando em juiz -para que nunca ajam como se nascidos empraas pblicas e quase advogados, ou comojovens com versos excessivamente doces, ougritem palavras sujas e ignominiosas. Ainda

    que o comprador de noz e de gro-de-bicoassado57 aprove, ofendem-se, de fato, oscavaleiros e os nascidos livres e os ricos, eno suportam com nimos resignados, nemconcedem coroa de louros.

    Syllaba longa brevi subiecta vocatur Iambus,pes citus: unde etiam trimetris adcrescere iussitnomen iambeis, cum senos redderet ictus,primus ad extremum similis sibi: non ita

    pridem,255tardior ut paulo graviorque veniret ad auris,spondeos stabilis in iura paterna recepit

    commodus et patiens, non ut de sede secundacederet aut quarta socialiter. Hic et in Accinobilibus trimetris adparet rarus et Enni260in scaenam missos cum magno pondere

    versusaut operae celeris nimium curaque carentisaut ignoratae premit artis crimine turpi.

    251-262Uma slaba longa justaposta a umabreve chama-se iambo, p rpido. Isto levoua acrescentar aos iambos tambm o nome detrmetro, visto que assinalava seispulsaes58, da primeira ltimasemelhantes entre si. H no muito tempo, afim de que chegasse aos ouvidos um pouco

    mais lento e mais forte, o iambo admitiu aosdireitos paternos, conveniente e resignado,os estveis espondeus, sem que cedesse,como um bom companheiro, a segunda ou aquarta posio. Ele aparece raro nos clebrestrmetros de cio59, e acusa os versos denio, colocados em cena com grandeimportncia, de torpe crime, ou de trabalhorpido, carecendo excessivamente decuidado, ou de arte ignorada.

    Non quivis videt inmodulata poemata iudexet data Romanis venia est indigna poetis.

    265Idcircone vager scribamque licenter? Anomnis

    visuros peccata putem mea, tutus et intraspem veniae cautus? Vitavi denique culpam,non laudem merui. Vos exemplaria Graecanocturna versate manu, versate diurna.

    263-269 No v qualquer juiz os poemassem cadncia, e indigna a concesso dada

    aos poetas romanos. Por este motivo, pois,vagueio e escrevo desregradamente? Acasopenso que todos havero de ver meus errosprotegido e precavido na esperana deperdo? Fugi, enfim, a uma falta; no merecilouvor. Vs, versai os modelos gregos comuma mo noturna, versai-os com outradiurna.

    270At nostri proavi Plautinos et numeros et 270-274 Vossos antepassados, contudo,

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    laudavere sales, nimium patienter utrumque,ne dicam stulte, mirati, si modo ego et vosscimus inurbanum lepido seponere dictolegitimumque sonum digitis callemus et aure.

    louvaram tanto os ritmos quanto os gracejosplautinos, e ambos com excessivaresignao, para no dizer com estultice,admirados, se de certa forma eu e vssabemos separar um dito grosseiro de um

    gracioso, e dominamos com os dedos e oouvido um som acordado s regras.

    275Ignotum tragicae genus invenisse Camenaedicitur et plaustris vexisse poemata Thespis,quae canerent agerentque peruncti faecibus ora.Post hunc personae pallaeque repertor honestaeAeschylus et modicis instravit pulpita tignis280et docuit magnumque loqui nitique

    cothurno.

    275-280 Diz-se ter Tspis60 inventado oignoto gnero da trgica Camena61 etransportado em carros de duas rodas ospoemas que caras untadas com sarros devinho cantavam e representavam. Depoisdisto, squilo, inventor da mscara e daveste de adorno, tambm armou o tabladosobre pequenos caibros e ensinou a falar altoe a equilibrar-se no coturno62.

    Successit vetus his comoedia, non sine multa

    laude; sed in vitium libertas excidit et vimdignam lege regi: lex est accepta chorusqueturpiter obticuit sublato iure nocendi.

    281-284 A esses sucedeu a comdia antiga,

    no sem muito louvor; mas a liberdadeterminou em vcio e em violncia digna delei absoluta: a lei foi aceita e o corotorpemente calou-se, subtrado ao direito deprejudicar.

    285Nil intemptatum nostri liquere poetaenec minimum meruere decus vestigia Graecaausi deserere et celebrare domestica factavel qui praetextas vel qui docuere togatas.

    285-288 Nada foi no-experimentado,deixaram claro nossos poetas; nem poucaglria mereceram os que ousaram abandonaras pegadas gregas e celebrar fatosdomsticos, seja os que representarampretextas, ou, togatas 63.

    Nec virtute foret clarisve potentius armis

    290quam lingua Latium, si non offenderetunum

    quemque poetarum limae labor et mora. Vos, oPompilius sanguis, carmen reprehendite, quod

    nonmulta dies et multa litura coercuit atquepraesectum deciens non castigavit ad unguem.

    289-294 Nem por seu vigor nem por suas

    afamadas armas seria o Lcio mais potentedo que por sua lngua, se no ofendesse acada um dos poetas o trabalho de lima etardana. Vs, sangue Pomplio64, refutai apoesia que no porta muitos dias e muitasmodificaes e no se corrigiu umastrocentas vezes at perfeio.

    295Ingenium misera quia fortunatius artecredit et excludit sanos Helicone poetasDemocritus, bona pars non unguis ponere curat,non barbam, secreta petit loca, balnea vitat.Nanciscetur enim pretium nomenque poetae,

    300si tribus Anticyris caput insanabilenunquam

    tonsori Licino commiserit. O ego laevus,qui purgor bilem sub verni temporis horam.Non alius faceret meliora poemata; verumnil tanti est. ergo fungar vice cotis, acutum305reddere quae ferrum valet exsors ipsa

    secandi;munus et officium, nil scribens ipse, docebo,

    295-308 Porque Demcrito65 julga oengenho mais afortunado que a msera arte eexclui do Helico66os poetas sos, boa parteno trata de cortar as unhas nem a barba,procura lugares isolados, evita banhos;

    adquirir, assim, mrito e nome de poeta, seao barbeiro Licino67nunca entregar a cabea,insanvel s trs Antciras68. Oh, quo tolosou, eu que me purgo da blis69na poca daprimavera! Outro no faria melhorespoemas. Na verdade, no vale a pena. Logo,que eu sirva como uma pedra de amolar,que, privada de cortar por si mesma, tem opoder de tornar agudo o ferro. Eu prprio,

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    unde parentur opes, quid alat formetquepoetam,

    quid deceat, quid non, quo virtus, quo feraterror.

    nada escrevendo, ensinarei o mnus e odever, donde so manifestos os meios, o quefomente e forme um poeta, o que convenha,o que no, aonde conduza a virtude, aonde oerro.

    Scribendi recte sapere est et principium et fons.310rem tibi Socraticae poterunt ostendere

    chartaeverbaque provisam rem non invita sequentur.Qui didicit, patriae quid debeat et quid amicis,quo sit amore parens, quo frater amandus et

    hospes,quod sit conscripti, quod iudicis officium, quae315partes in bellum missi ducis, ille profectoreddere personae scit convenientia cuique.Respicere exemplar vitae morumque iubebodoctum imitatorem et vivas hinc ducere voces.

    309-318 Saber princpio e fonte deescrever corretamente. Os escritos socrticospodero te apresentar o assunto, e aspalavras seguiro no involuntrias oassunto previsto70. Aquele que aprendeu oque deve ptria e o que, aos amigos, comque amor deva ser amado um pai, com queum irmo e um hspede, qual seja o dever deum senador, qual o de um juiz, qual o papelde um general enviado guerra, este sabeseguramente o que conferir a que pessoacom convenincia. Convidarei o douto

    imitador a atentar para o modelo da vida edos costumes e a partir disto a compor falasvivas.

    Interdum speciosa locis morataque recte320fabula nullius veneris, sine pondere et arte,valdius oblectat populum meliusque moraturQuam versus inopes rerum nugaeque canorae.

    319-322 Por vezes, uma histria brilhanteem algumas partes e corretamentecaracterizada, mas de nenhuma graa, semexpresso e arte, apraz muito mais e melhorretm o povo do que versos pobres deassunto e suas frivolidades canoras.

    Graiis ingenium, Graiis dedit ore rotundoMusa loqui, praeter laudem nullius avaris.

    323-324 Aos gregos concedeu a Musa oengenho, aos gregos, vidos de nada maisalm de glria, o falar em linguagem

    harmoniosa.325Romani pueri longis rationibus assemdiscunt in partis centum diducere. Dicatfilius Albini: si de quincunce remota estuncia, quid superat? Poteras dixisse. Triens.

    Eu,rem poteris servare tuam. Redit uncia, quid

    fit?330Semis. An, haec animos aerugo et cura

    peculicum semel imbuerit, speramus carmina fingiposse linenda cedro et levi servanda cupresso?

    325-332 Os garotos romanos, atravs delongos clculos, aprendem a dividir umasse71em centenas de partes. - Responda ofilho de Albino: se de um quincunce subtrai-se uma ona, o que resta?... Poderias j terrespondido. - A tera parte de um asse. -Bravo! Poders conservar teu patrimnio. Ese acresce uma ona, o que perfaz? - Meioasse. Uma vez que essa avareza e o cuidadodo peclio tenha impregnado os nimos,esperamos, porventura, poder serem

    produzidas poesias que devem ser revestidascom resina de cedro e conservadas em cofrede cipreste polido?72

    Aut prodesse volunt aut delectare poetaeaut simul et iucunda et idonea dicere vitae.335Quidquid praecipies, esto brevis, ut cito

    dictapercipiant animi dociles teneantque fideles:omne supervacuum pleno de pectore manat.

    333-340 Ou ser teis ou deleitar querem ospoetas, ou, simultaneamente, cantar alegriase utilidades vida. Seja breve tudo aquiloque prescreveres, para que os nimos dceise fiis rapidamente compreendam e guardemos ditos. Todo suprfluo emana de um

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    Ficta voluptatis causa sint proxima veris:ne quodcumque volet poscat sibi fabula credi340neu pransae Lamiae vivum puerum

    extrahat alvo.

    corao cheio. As coisas criadas em causa doprazer estejam prximas verdade. Noexija a histria que se acredite em qualquercoisa que queira, nem extraia vivo do ventrede Lamia73o menino por ela almoado.

    Centuriae seniorum agitant expertia frugis,celsi praetereunt austera poemata Ramnes:omne tulit punctum, qui miscuit utile dulcilectorem delectando pariterque monendo.345Hic meret aera liber Sosiis, hic et mare

    transitet longum noto scriptori prorogat aevum.

    341-346 As centrias dos ancios74censuram os poemas desprovidos deutilidade; os orgulhosos Ramnes75 preteremos austeros: obteve todos os votos quem uniuo til ao agradvel, ao mesmo tempo,deleitando e instruindo o leitor. Este livrorende dinheiro aos Ssias76, atravessa o mare prolonga uma longa vida ao afamadoescritor.

    Sunt delicta tamen, quibus ignovisse velimus:nam neque chorda sonum reddit quem volt

    manus et mens,

    poscentique gravem persaepe remittit acutum,350nec semper feriet quodcumque minabitur

    arcus.

    347-350 H, entretanto, faltas, s quaisconsintamos perdoar; pois nem a cordaproduz o som que a mo e a mente quer, e ao

    que requer um grave, muito freqentementeconcede um agudo; nem o arco lograrsempre tudo o que vise.

    Verum ubi plura nitent in carmine, non egopaucis

    offendar maculis, quas aut incuria fuditaut humana parum cavit natura. Quid ergo est?ut scriptor si peccat idem librarius usque,355quamvis est monitus, venia caret, et

    citharoedusridetur, chorda qui semper oberrat eadem,sic mihi, qui multum cessat, fit Choerilus ille,

    quem bis terque bonum cum risu miror; et idemindignor, quandoque bonus dormitat Homerus;360 verum operi longo fas est obrepere

    somnum.

    351-360 Na verdade, quando muitas coisasbrilham num poema, no serei eu que mechocarei com umas poucas mculas, as quaisou produziu a incria ou pouco se acauteloua natureza humana. Que isto, pois? Como ocopista, se, por mais que tenha sidoadvertido, comete sempre a mesma falta,est privado de perdo; como o citaredo, queerra sempre na mesma corda, escarnecido,

    assim, para mim, quem muito negligenciatorna-se aquele Qurilo77, a quem, se porduas ou trs vezes bom, admiro com riso; epor outro lado me indigno quando o bomHomero dormita. Na verdade, natural auma obra longa suceder sono.

    Ut pictura poesis; erit quae, si propius stes,te capiat magis, et quaedam, si longius abstes;haec amat obscurum, volet haec sub luce videri,iudicis argutum quae non formidat acumen;365 haec placuit semel, haec deciens repetita

    placebit.

    361-365 Como a pintura a poesia: haveruma que, se ests mais perto, mais te seduz,e outra, se ests mais afastado. Essa ama oobscuro; luz querer ser contempladaaquela, que no teme a sutileza arguta de umjuiz; esta agradou uma s vez, aquela

    agradar trocentas vezes retomada.O maior iuvenum, quamvis et voce paternafingeris ad rectum et per te sapis, hoc tibi

    dictumtolle memor, certis medium et tolerabile rebusrecte concedi: consultus iuris et actor370causarum mediocris abest virtute disertiMessallae nec scit quantum Cascellius Aulus,sed tamen in pretio est: mediocribus esse poetis

    366-373 Tu, mais velho dos rapazes, pormais que, pela palavra paterna, tenhas temoldado para o bom, sabes tambm por ti,guarda, pois, este dito memorvel: concedido convenientemente a certas coisaso mdio e o tolervel. Um medocrejurisconsulto e executor de causas difere doadvogado Messala78 no vigor, e nem sabe

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    non homines, non Di, non concesserecolumnae.

    tanto quanto Aulo Casclio79, contudo, temseu valor; porm, nem homens, nem deuses,nem colunas80concederam aos poetas seremmedocres.

    Ut gratas inter mensas symphonia discors375et crassum unguentum et Sardo cum melle

    papaveroffendunt, poterat duci quia cena sine istis:sic animis natum inventumque poema iuvandis,si paulum summo decessit, vergit ad imum.

    374-378 Assim como, durante aprazvel

    banquete, desagradam um concerto discorde,perfume grosseiro e papoula com melsardo81, porque poderia ser realizado semisto, tambm um poema nascido e inventadopara agradar aos espritos, se se afastou umpouco do objetivo primeiro, vergou-se para oltimo.

    Ludere qui nescit, campestribus abstinet armis380indoctusque pilae discive trochive quiescit,ne spissae risum tollant impune coronae:qui nescit versus, tamen audet fingere. Quidni?liber et ingenuus, praesertim census equestrem

    summam nummorum vitioque remotus abomni.

    379-384Aquele que no sabe jogar mantm-se afastado das armas do campo de Marte, eo inepto para a bola ou o disco ou a argolano disputa, a fim de que as espessas rodasde espectadores, com razo, no estourem

    em risos. Ousa, porm, compor versosaquele que no o sabe. Por que no? livree nascido livre82, sobretudo recenseado ordem eqestre na soma de seus bens83, eisento de qualquer falta.

    385Tu nihil invita dices faciesve Minerva:id tibi iudicium est, ea mens. siquid tamen olimscripseris, in Meti descendat iudicis auriset patris et nostras nonumque prematur in

    annummembranis intus positis: delere licebit,390quod non edideris, nescit vox missa reverti.

    385-390 Tu nada dirs ou fars contra avontade de Minerva84: isto, para ti, discernimento, esta, disposio de esprito.Se, contudo, algum dia tiveres escrito algo,que caia nos ouvidos do crtico Mcio85, nosde teu pai, e nos nossos, e permanea ocultoat o nono ano em pergaminhos guardados;

    ser permitido destruir o que no forespublicar. Palavra emitida no conheceretorno.

    Silvestris homines sacer interpresque Deorumcaedibus et victu foedo deterruit Orpheus,dictus ob hoc lenire tigris rabidosque leones;dictus et Amphion, Thebanae conditor urbis,395saxa movere sono testudinis et prece

    blandaducere quo vellet. Fuit haec sapientia quondam,publica privatis secernere, sacra profanis,concubitu prohibere vago, dare iura maritis,

    oppida moliri, leges incidere ligno.

    391-399 Orfeu86, sacerdote e intrprete dosdeuses, dissuadiu os homens selvagens decarnificinas e de uma subsistnciarepugnante87. Dele diz-se, por isso, ser capazde abrandar tigres e lees ferozes. Diz-setambm de Anfon88, fundador da cidade deTebas, ser capaz de mover pedras com o somda lira e, com um pedido carinhoso, conduzi-las aonde quisesse. Houve um dia essa

    sabedoria de discernir o pblico do privado,o sagrado do profano, de proibir oconcubinato livre, de dar direitos aosmaridos, de construir cidades, de gravar leisem tbuas89.

    400Sic honor et nomen divinis vatibus atquecarminibus venit. Post hos insignis HomerusTyrtaeusque mares animos in Martia bellaversibus exacuit; dictae per carmina sortes,

    400-407 Adveio assim honra e renome aosdivinos vates e seus cantos. Depois desses, oinsigne Homero e Tirteu90 excitaram comversos os nimos viris para as guerras de

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    et vitae monstrata via est et gratia regum405Pieriis temptata modis ludusque repertuset longorum operum finis: ne forte pudorisit tibi Musa lyrae sollers et cantor Apollo.

    Marte. Atravs dos cantos foram ditas assortes, e, da vida, mostrado o caminho91, e,pelas formas pirias92, tentada a graa dosreis, e inventada a representao teatral e ofim dos longos trabalhos. No te seja, pois,

    motivo de vergonha a Musa93hbil na lira eApolo94cantor.

    Natura fieret laudabile carmen an arte,quaesitum est: ego nec studium sine divite vena410nec rude quid prosit video ingenium:

    alterius sicaltera poscit opem res et coniurat amice.

    408-411 Louvvel seria um poema feito pelanatureza ou pela arte, buscou-se saber. Eu,no vejo a que serve nem o esforo sem umrico talento, nem o engenho sem arte: assimuma coisa requer o auxlio da outra econspira amigavelmente.

    Qui studet optatam cursu contingere metam,multa tulit fecitque puer, sudavit et alsit,abstinuit venere et vino; qui Pythia cantat415tibicen, didicit prius extimuitque

    magistrum.Nunc satis est dixisse: Ego mira poemata

    pango;occupet extremum scabies; mihi turpe relinqui

    estet quod non didici, sane nescire fateri.

    412-418Aquele que se esfora por alcanarnuma corrida a meta desejada, muitas coisassuportou e fez desde menino; suou eresfriou, absteve-se do amor e do vinho95. O

    flautista que canta nos jogos pticos96 antesaprendeu e temeu seu mestre. Hoje bastadizer: Eu componho versos admirveis; asarna pegue o ltimo97; me vergonhosoficar para trs e, o que no aprendi,reconhecer ignorar completamente.

    Ut praeco, ad merces turbam qui cogitemendas,

    420adsentatores iubet ad lucrum ire poetadives agris, dives positis in fenore nummis.Si vero est unctum qui recte ponere possitet spondere levi pro paupere et eripere atris

    litibus implicitum, mirabor si sciet inter425noscere mendacem verumque beatus

    amicum.

    419-425 Qual pregoeiro que rene umamultido junto s mercadorias a sercompradas, leva os aduladores a buscarvantagem o poeta rico em campos, rico nausura do dinheiro emprestado. Se de fato hquem possa servir convenientemente uma

    boa mesa, e afianar um pobre sem crdito, elibertar um envolvido em funestos litgios,admirarei se o felizardo souber reconhecerentre um amigo falso e um verdadeiro.

    Tu seu donaris seu quid donare voles cui,nolito ad versus tibi factos ducere plenumlaetitiae; clamabit enim: Pulchre, bene, recte,pallescet super his, etiam stillabit amicis430ex oculis rorem, saliet, tundet pede terram.Ut qui conducti plorant in funere dicuntet faciunt prope plura dolentibus ex animo, sicderisor vero plus laudatore movetur.

    426-433 Tu, se tiveres presenteado ouquiseres presentear algo a algum, noqueiras lev-lo cheio de alegria aos versosfeitos por ti, pois exclamar: lindo, bom,excelente! Por causa deles empalidecer, euma lgrima correr lentamente dos olhosamigos, pular, bater no cho com o p.Como aqueles que, contratados, lastimam-se

    num funeral98, dizem e fazem quase maisque os que na alma padecem, assim mais semanifesta o bajulador que o louvadorsincero.

    Reges dicuntur multis urgere culillis435et torquere mero, quem perspexisse

    laborentan sit amicitia dignus; si carmina condes,numquam te fallent animi sub volpe latentes.

    434-437 Os reis, diz-se, foram a muitoscopos e torturam com vinho a quem seesforam para ver claramente seja digno desua amizade. Se escreveres poesias, nunca teenganem desejos ocultos de raposa99.

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    Quintilio siquid recitares: Corrige, sodes,hoc aiebat et hoc; melius te posse negares,340bis terque expertum frustra; delere iubebatet male tornatos incudi reddere versus.

    438-441 Se recitasses algo a Quintlio100, elediria: Corrige isto, por favor, e isto; sedissesses no poder melhorar, duas ou trsvezes experimentado em vo, convidaria a

    destruir e a refazer na bigorna os versos maltorneados.

    Si defendere delictum quam vertere malles,nullum ultra verbum aut operam insumebat

    inanem,quin sine rivali teque et tua solus amares.

    442-444 Se preferisses defender um erro atransform-lo, no despenderia maisnenhuma palavra ou esforo intil para queno amasses s a ti e s tuas coisas semrival.

    445Vir bonus et prudens versus reprehendetinertis,

    culpabit duros, incomptis adlinet atrumtransvorso calamo signum, ambitiosa recidetornamenta, parum claris lucem dare coget,

    arguet ambigue dictum, mutanda notabit,450fiet Aristarchus, nec dicet: Cur ego

    amicumoffendam in nugis? Hae nugae seria ducentin mala derisum semel exceptumque sinistre.

    445-452O homem bom e prudente censuraros versos inspidos, incriminar os sem arte,aos mal ornados cobrir com um sinal negro,por um clamo101transverso, aos ornamentospretensiosos suprimir, aos pouco claros

    obrigar a dar luz, acusar o ambiguamenteordenado, assinalar coisas que tm que sermudadas, tornar-se- um Aristarco102 e nodir Eu, por que ofenderia um amigo apropsito de ninharias? Essas ninharias olevaro a graves males, uma vez escarnecidoe recebido desfavoravelmente.

    Ut mala quem scabies aut morbus regius urgetaut fanaticus error et iracunda Diana,455 vesanum tetigisse timent fugiuntque

    poetam,qui sapiunt; agitant pueri incautique sequuntur.

    Hic dum sublimis versus ructatur et errat,si veluti merulis intentus decidit aucepsin puteum foveamve, licet succurrite longum460clamet io cives, non sit qui tollere curet.

    453-460 Os que sabem temem tocar numpoeta vesano103 e fogem, como o fazem asobre quem pesa o mal da lepra ou a doenareal104, ou o delrio fantico105 e a iracundaDiana106; garotos o perseguem e incautos o

    seguem. Elevado enquanto arrota seus versose vagueia, como se atento aos melros, se cairesse passarinheiro em um poo ou umafossa, embora grite distncia e longamentesocorro!, ei!, cidados!, no haja quemcuide de levant-lo.

    Si curet quis opem ferre et demittere funem,qui scis an prudens huc se deiecerit atqueservari nolit? dicam, Siculique poetaenarrabo interitum. Deus inmortalis haberi465dum cupit Empedocles, ardentem frigidus

    Aetnam

    insiluit. Sit ius liceatque perire poetis;invitum qui servat, idem facit occidenti.

    461-467Se algum cuida de obter auxlio earremessar uma corda, direi: Como sabesse, deliberado, no se ter ali jogado e noqueira ser salvo?, e narrarei a morte dopoeta siciliano: desejando ser tido como umdeus imortal, atirou-se o frio Empdocles107

    no Etna ardente. Haja e seja concedido aospoetas o direito de perecer: quem salva o queno quer ser salvo, faz o mesmo que o quemata.

    Nec semel hoc fecit nec, si retractus erit, iamfiet homo et ponet famosae mortis amorem.470Nec satis apparet cur versus factitet, utrumminxerit in patrios cineres, an triste bidentalmoverit incestus; certe furit, ac velut ursus,

    468-476 No a primeira vez que fez isto,nem, se for retirado, tornar-se- homem apartir deste momento e deixar de lado odesejo de uma morte famosa. Nem bastanteevidente por que muitas vezes faz versos:

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    Trad. e notas de Mauri [email protected]

    Universidade Federal de Santa Catarina

    obiectos caveae valuit si frangere clatros,indoctum doctumque fugat recitator acerbus;475quem vero arripuit, tenet occiditque

    legendo,non missura cutem nisi plena cruoris hirudo.

    acaso ter urinado nas cinzas do pai, ou,impuro, ter profanado um sinistro localsagrado108. De qualquer forma est louco e,assim como um urso, que pode romper asgrades protetoras da jaula, afugenta ao douto

    e ao indouto o acerbo recitador; e a quem, naverdade, tomou de assalto, prende-o e mata-o lendo; no desgrudar da pele seno fartode sangue, o parasita.

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    Notas

    As notas referentes mitologia apresentam, geralmente, apenas uma das

    verses de cada mito.

    1A comparao entre o poeta e o pintor famosa e aparece muitas vezes naPotica de Aristteles.2Receptores da carta de Horcio. Originalmente a Ars Poetica foi intituladaEpistula ad Pisones (Epstolaaos Pises). Cf. captulo 2.2Receptores da carta de Horcio. Originalmente a Ars Poetica foi intituladaEpistula ad Pisones (Epstolaaos Pises). Cf. captulo 2.3 A objeo levantada e respondida por Horcio freqentemente associada frase de Luciano, in ProImaginibus, 18: um velho dito que os poetas e os pintores no tm que prestar contas.4A crtica de Horcio s digresses e lugares-comuns provavelmente feita sobre obras ento conhecidas.5O cipreste, como ainda hoje, tomado como smbolo de morte e luto. Os naufragados deixavam-se pintar

    em cena de naufrgio para colocar seu quadro nalgum templo ou para suscitar a compaixo pblica. Conta-se de uma anedota grega que havia um pintor que s sabia fazer bem ciprestes e que prope a umnaufragado pintar a rvore junto representao do naufrgio. Donde, um provrbio grego: No queresque eu coloque a tambm um cipreste?6O que Horcio parece estar dizendo que evitar uma falta, porque seria reconhecida pela crtica, mas semhabilidade, sem tcnica, sem arte, leva repetio, reproduo da mesma falta, ao vcio.7Escola de gladiadores fundada por Emlio Lpido. Haveria no lado exterior do edifcio, que dava para arua, lojas de escultores em bronze.8 Os Ctegos eram uma tradicional famlia romana, e conservavam o costume de vestir sob a toga umcinctus, antiga roupa de trabalho dos romanos, que foi substituda pela tnica. A palavra cinctutus umacriao horaciana, e se adequa ao preceito exposto. A palavra portuguesa cinto vem da latina cinctus, da apossibilidade de criao de um equivalente parcial como cintudo.9 H uma discusso relativa a que tipo de derivao se refere Horcio. Para alguns trata-se de palavrasgregas latinizadas graas a uma ligeira mudana (p.ex., amphora, de ), para outros, trata-se depalavras formadas de uma raiz latina por analogia com a palavra grega correspondente (p.ex., tauriformis =).10Ceclio (morto em 168 a.C.) e Plauto (254-184 a.C.) so poetas cmicos, mencionados aqui sobretudopor sua liberdade de criao de vocbulos, em contraposio aos poetas da gerao atual. Embora Ccerodissesse que Ceclio fora o mais insigne dos poetas cmicos, chamava-lhe malus auctor latinitatis.Por suavez, a linguagem das comdias de Plauto sempre foi admirada entre os antigos romanos, mas na poca deAugusto aquele arcaismo j no atraa os homens mais cultos.11 Virglio (70-19 a.C.) e Vrio (sc.I a.C.) so poetas contemporneos de Horcio. Vrio apresentouHorcio a Mecenas.12Cato (234-149 a.C.), escritor, orador, historiador, agrnomo, general, grande defensor da nacionalidaderomana. nio (239-169 a.C.), poeta, um dos fundadores da literatura latina.13 O preceito de Horcio alude ao seu contexto histrico de divergncias entre duas escolas gramaticais:uma, chefiada por Ccero e Csar, defendia a analogia na parte morfolgica e na parte lexical da lngua,

    no admitindo, portanto, neologismos; a outra, admitia a anomalia, concedendo que na lngua se inovassepor meio da introduo de palavras novas. (R. M. Rosado Fernandes, in Horcio - Arte Potica. Cf.bibliografia).14Netuno o deus romano do mar.15 Parece haver aqui uma referncia construo de um porto feito por Agripa, em 37 a.C., onde anteshavia o lago Lucrino.16Supe-se que Augusto retomou o projeto de Csar de dessecar o pntano Pontino.17Provvel aluso aos trabalhos de Augusto para desobstruir e regularizar o leito do rio Tibre.18Arquloco de Paros (sec. VII a.C.), poeta grego, a quem Horcio atribui a criao do iambo.

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    19 Em latim soccus e coturnus eram calados usados, respectiva e propriamente, nas comdias e nastragdias; so aqui tomados como metonmias.20Metforas para diferentes gneros lricos.21Tiestes irmo de Atreu, cuja esposa ele seduz. Em vingana, Atreu assassina os filhos de Tiestes e os

    serve num jantar. Por isso Tiestes amaldioa a descendncia de Atreu, e a maldio recai sobre o filho deAtreu, Agamenon, e sobre o sobrinho, Orestes.22 Cremes, personagem da Heautontimoroumenos de Terncio (sc. IV a.C.), repreende de forma quasetrgica o filho Clitiphon.23Tlefo personagem de uma tragdia de squilo (sc. VI a.C.), de uma de Sfocles (sc. V a.C.) e deuma de Eurpedes (sc. V a.C.). MG: Tlefo , durante a guerra de Tria, ferido por Aquiles; mais tardeaparece em Argos, depois de Agamenon, como um mendigo. Tornou-se o prottipo do infeliz, e servia deexemplo aos filsofos. Peleu, pai de Aquiles, mata seu meio-irmo e exilado.24Horcio ope, dois a dois, os brbaros aos gregos; entre os brbaros, os cruis habitantes da Clquida aosefeminados da Assria; entre os gregos, o fino esprito do habitante de Argos ao pesado Becio (=ignorante)de Tebas.25 Aquiles o mais forte, o mais rpido e o mais belo de todos os heris homricos. Personagemfundamental na guerra de Tria, mata Heitor depois que este matara seu amigo Ptroclo, e posteriormentemorto por Pris.26 Media a famosa feiticeira que se apaixona por Jason e o ajuda a buscar o velocino de ouro. EmCorinto, Jason abandona Media por causa da filha de Creonte, Creusa. Em vingana, Media mata Creusae Jason, bem como os dois filhos que ela prpria tivera com Jason e foge para Atenas. Entre os clssicos,escreveram a respeito Eurpides, nio, cio, Ovdio e Sneca.27 Ino enlouquece e abandona o marido Atamas, rei da Tesslia. Mais tarde, quando j havia casado denovo, Atamas reencontra Ino, mas no conta isto sua nova mulher. Esta, fadadamente, acaba pedindoajuda desconhecida Ino para matar os filhos do primeiro casamento do marido, mas Ino troca as crianase so mortas as da segunda mulher.28xion engana seu sogro com um prometido dote de casamento, ao qual hipocritamente convidado. L,xion o lana numa cova com fogo e o sogro queimado vivo.29Io violentada por Zeus e depois transformada numa vaca por ele, que ficou com medo da esposa, Hera.Quando esta descobre os fatos, faz com que Io seja picada por um moscardo e, enlouquecida, erra atravsdas terras, at ao Egito. L ela retransformada por Zeus em mulher.30Orestes filho do rei de Micenas, Agamenon. Quando Agamenon volta da guerra de Tria assassinadopor sua esposa e pelo amante. Orestes vinga o pai matando a me. Por causa disso condenado loucurapelas Erneas.31 Entende-se, aqui, um dos episdios (ou captulos) da Ilada, de Homero, que se estrutura em XXIVcantos. a epopia da guerra de Tria (Ilios, i).32O Ciclo pico diz respeito aos escritores que queriam completar os relatos da Ilada e da Odissia. Hregistro de muitas dessas epopias. E desde Aristteles at Horcio, escritor cclicopossua uma conotaopejorativa.33Atente-se para o uso pretensioso da primeira pessoa e para a vastido do assunto proposto no incio dedesta epopia cclica. MG: Pramo o ltimo rei de Tria. pai de Heitor, Pris, Deifobos, Helenos eCassandra. Depois de ter todos seus filhos homens mortos na guerra, para recuperar o corpo de Heitor,morto por Aquiles e ainda em poder deste, Pramo vai para o campo dos gregos e pede a Aquiles o corpo dofilho. Aquiles fica muito impressionado com a atitude de Pramo e entrega-lhe o morto.34

    Aluso a uma fbula de Esopo, na qual uma montanha, aps terrveis dores de parto, pare um ratinho.35Horcio reproduz em dois versos os trs versos iniciais da Odissia, de Homero, a epopia que narra avolta de Ulisses (Odisseus) da guerra de Tria para casa e para Penlope.36Antfates rei dos Lestriges, povo antropfago e de grande estatura. Canto X da Odissia, v.100ss.37 Cila um monstro marinho de doze ps, seis cabeas e que habita uma gruta abissal numa rocha, eCaribdis, outro monstro marinho, Canto XII da Odissia,v.85ss.38O ciclope Polifemo, gigante de um olho s, a quem Odisseu astutamente engana para fugir da morte.Canto IX da Odissia, v.187ss.39 Meleagro filho de Oineus e Altaia. Depois da morte de Meleagro e de Altaia, Oineus casa-senovamente. Desse casamento nasce Tideu, pai de Diomedes. A volta de Diomedes ou aquela sua ptria

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    Etlia depois da conquista de Tebas, ou a viagem de volta depois da queda de Tria. Tal epopiaprincipiaria por um parentesco afastado de Diomedes.40Leda, esposa de Tndaro, amada por Zeus transformado num cisne. Dessa unio surgem dois ovos comdois gmeos: Plux e Helena (cujo rapto por Pris foi a causa da guerra de Tria), e Castor e Clitmenestra.

    O segundo ovo tambm atribudo unio de Leda com seu marido. Em suma, a epopia comearia pelospais de Helena.41No teatro antigo, a cortina do palco descia no incio do espetculo. Ao final, um colaborador convidava opblico a aplaudir.42 Campus Martius (Campo de Marte), lugar de exerccios da juventude, de treinamentos militares, decomcios.43Cf. nota 21.44Procne casada com Tereu, que violenta a cunhada, Filomena, e lhe arranca a lngua. Filomena faz suairm saber do acontecido. Procne ento mata o filho em vingana da infidelidade do marido. E transformada em rouxinol.45Cadmo, fundador de Tebas, e sua esposa Harmonia so transformados em drages, ou serpentes.46O Gnio era uma espcie de divindade protetora de cada indivduo, acompanhando-o do bero morte.Honr-lo significava entregar-se alegria e ao prazer. E s devia ser aplacado com libaes noturnas. Taislibaes, se diurnas, constituam sacrilgio. A expresso aplacar o gnio procede da.47A lira, entre os gregos, servia, como a flauta, para acompanhar o coro, e possua, primitivamente, quatrocordas. Passou a ter sete cordas, no sculo VII a.C., com Terpandro, depois, dez, onze ou doze, no sculoIV a.C., com Timteo, e mais tarde chegando a apresentar dezoito cordas.48Delfo, local no monte Parnaso, no centro da Grcia, onde se encontravam os mais respeitveis orculosda antigidade. As consultas eram feitas a Ptia, a sacerdotisa de Apolo, e suas respostas eram interpretadaspelo profeta.49A palavra tragdia deriva provavelmente de , bode. significaria o canto do bode (,canto). Parece que o prmio de um concurso no teria sido, via de regra, um bode. Mas a pele de bodevestida pelos stiros do drama primitivo lhes dera o nome de . Parece que em suas origens a tragdiacomeava pelo sacrifcio de um bode a Dionsio. A referncia que Horcio faz aqui aparenta uma busca daetimologia de tragoedia.50A tragdia e o drama satrico devem ter se desenvolvido a partir de uma origem comum. Mas o primeiroque comps dramas satricos, diferenciados da tragdia sria, foi Pratinas de Flionte, em fins do sculo VI

    a.C.51 Os stiros apareciam em cena nus, cobertos apenas com uma pele de bode presa nos flancos. Namitologia romana, so divindades secundrias, companheiros de Baco, representados geralmente comcabelos desgrenhados, orelhas pontudas, dois pequenos cornos e pernas de bode, tendo nas mos uma taa,um basto, ou um instrumento de msica. (Cf. nota 56).52Aluso s comdias latinas conhecidas como tabernariae, uma variedade de togatae (cf. nota 63), compersonagens de condio inferior.53Davo o nome de um escravo em uma comdia de Menandro e outra de Terncio.54Ptias o nome de uma escrava na comdiaEunucos, de Terncio, e noutra de Ceclio, na qual rouba seupatro, o velho Simo, para fazer o dote de sua filha. Simo tambm o nome de um senhor em umacomdia de Plauto.55Sileno uma divindade que habitava os montes e as florestas, representado como um velho a quem asninfas encarregaram de criar Baco.56

    Faunos so semideuses campestres, caprpedes, cornudos e peludos, libidinosos. Muitas vezes sosinnimo de stiros (cf. nota 51).57 A plebe romana, parece, comprava e consumia nas ruas nozes (castanea nux) e gro-de-bico (cicer).Comprador de noz e de gro-de-bico assado , aqui, metonmia de povo, vulgo.58Na terminologia antiga, grega, um metro equivale a dois ps. Da, um verso com seis ps ser um trmetrojmbico.59cio (ca.170-85 a.C.) ao lado de Pacvio (ca. 220-130 a.C.) so os dois mais importantes poetas trgicosentre os romanos. Restaram-nos de seus escritos apenas alguns fragmentos.60Tspis, (sc. VI a.C. ?) originrio da tica, foi o primeiro poeta e ator trgico. Desenvolveu a tragdia apartir do canto do coro. Horcio acreditava, opinio hoje no mais compartilhada, que Tspis tivesse

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    representado suas peas sobre uma carroa, antes de ir para Atenas. Tambm fora-lhe atribuda a criao damscara, que na verdade muito anterior.61Camena o nome latino de Musa, significando s vezes, em Horcio, canto, poema.62O coturno possua uma espessa sola de madeira, para que os personagens trgicos ficassem maiores.63

    As praetextae eram as tragdias com tema nacional (domesticae), nas quais os personagens usavam apraetexta, veste dos altos magistrados nas cerimnias pblicas. As tragdias com tema grego se chamavamcrepidatae. As togatae eram as comdias com tema nacional, nas quais os personagens usavam a toga,veste prpria dos cidados romanos. As comdias com tema grego se chamavampalliatae.64A gens Calpurnia, qual pertenciam os Pises, pretendia descender de Calpus, um dos quatro filhos deNuma Pompilius, lendrio segundo rei de Roma, de 715-673a.C.65Demcrito de Abdera (ca. 460-370 a.C.), filsofo grego, desenvolveu a teoria dos tomos, adotada maistarde por Epicuro. sua tambm a teoria de que uma grande poesia depende da inspirao divina: Tudo oque um poeta escreve com entusiasmo e sopro sagrado , sem dvida, belo. (Fragm. 18) Demcrito,segundo Ccero, nega que algum possa ser um grande poeta sem ser louco: Negat sine furore Democritusquemquam poetam magnum esse posse. (De Divin. I,80)66Segundo Hesodo (ca. 700 a.C.), poeta grego, Helico um monte, perto de Tebas, no qual residiam asMusas.67Provavelmente um barbeiro conhecido na poca, ou, segundo os escoliastas, um barbeiro, liberto, que,por causa de seu dio a Pompeu, teria sido nomeado senador por Csar.68Havia, na Grcia, trs cidades com o nome de Antcira, famosas pela produo de helboro, uma ervamedicinal, analgsica, que se julgava eficaz no tratamento da loucura. Aqui, Horcio utiliza-se de umasindoque.69 A loucura era atribuda ao da blis, da qual Horcio se purga, provavelmente pela ingesto dohelboro, arriscando-se a no mais achar inspirao.70 O verso 311 assim como os versos 40 e 41 refletem o preceito de Cato: rem tene, verba sequentur(conhea o assunto, que as palavras o seguiro).71 O asse era uma antiga moeda romana de cobre, dividida em doze onas, isto , valia doze onas. Umquincunx (quincunce) valia cinco onas (5/12 asse). As outras fraes so o semis (1/2 asse, 6 onas), odeunx (11/12 asse, 11 onas), o dextans (10/12 asse, 10 onas), o dodrans (9/12 ou asse, 9 onas), o bes(8/12 ou 2/3 asse, 8 onas), o septunx (7/12 asse, 7 onas), o triens (3/12 asse, 4 onas), o quadrans (4/12asse, 3 onas), osextans (2/12 asse, 2 onas).72Os livreiros romanos, para preservarem os rolos de papiro da deteriorao, esfregavam-lhes leo de cedroe os guardavam em caixas de cipreste.73 Lamia, representada com um corpo de mulher e ps de asno, era uma personagem vampiresca, quedevorava criancinhas.74Conforme a Constituio de Servius Tullius, so classificados nas centrias dos ancios todos os homenscom mais de 45 anos de idade.75Ramnes o nome de uma das trs tribos primitivas do povo romano. Refere-se, aqui, s centriasprimitivas de cavaleiros, organizadas por Rmulo, sendo metfora de jovens cavaleiros, juventude elegante.76Livreiros.77Qurilo de Iasos (ca. 330 a.C.), grego, o smbolo do mau poeta, o equivalente outra face de Homero,isto , um raramente erra, outro, acerta.78M. Valerius Messala Corvinus (ca. 64 a.C. a 8 d.C.) foi o ltimo dos grandes oradores romanos. Amigode Horcio.79

    Aulus Cascelius foi famoso como jurisconsulto na poca de Ccero.80Columnae designa os pilares onde os livreiros afixavam os nomes dos livros e onde talvez colocavam oslivros mostra.81O mel da Sardenha era amargo, segundo Virglio, e, assim como tudo que provinha desta ilha, tinha mreputao. Plnio conta que eram servidas, como sobremesa, sementes de papoula assadas com mel.82Os habitantes de Roma eram ou nascidos livres (ingenui), ou libertos (libertini), ou escravos (servi).83O recenseamento por uma soma de sestrcios (400 000 sestrcios) dava direito classe dos cavaleiros,inicialmente de carter apenas militar, mais tarde compreende os cidados ricos e influentes.

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    84Minerva a deusa protetora dos artesos e artistas. Expresso proverbial comentada por Ccero, invitaMinerva est como id est adversante et repugnante natura, ou seja, o que contrrio a e incompatvel com anatureza.85Spurius Maecius Tarpa era j clebre como crtico na poca de Ccero.86

    Orfeu o famoso aedo da era pr-homrica, filho de agro, rei da Trcia, e da musa Calope, segundooutros, de Apolo e Clio. Cantava e tocava a lira com tal perfeio, que at as feras se aquietavam e vinhamdeitar-se a seus ps. Tendo Eurdice, sua mulher, morrido da picada de uma serpente no dia do seucasamento, quando fugia ao assdio de Aristeu, desceu Orfeu ao inferno para busc-la e conseguiu, comseu canto mavioso e o som da lira, que as divindades infernais lhe permitissem lev-la, sob a condio deno olhar para trs enquanto no transpusesse os limites do inferno. No resistindo sua impacincia,voltou-se para ver se Eurdice o seguia, e nesse mesmo instante ela desapareceu. Foi ento fulminado porZeus ou, segundo outra lenda, despedaado pelas bacantes, ou ainda, passou o resto da vida inconsolado etriste. Atribua-se-lhe a inveno da lira e dos rituais mgicos e divinatrios, origem de seitas msticas, aque se deu o nome de orfismo. Tambm teria contribudo com sua arte para civilizar os homens primitivos.87 De acordo com a tradio grega, os primeiros homens se alimentavam de algumas rvores e de carnecrua. Os antropfagos, pela tradio literria depois de Homero, eram relegados da humanidade para osmonstros.88Anfon filho de Zeus e Antope, esposo de Nobe, poeta e msico que, segundo a lenda, teria construdoos muros de Tebas. Ao som de sua lira, as prprias pedras vinham colocar-se no lugar devido. A lenda deAnfon tornou-se um smbolo da fundao de Tebas, considerada a mais antiga cidade da Grcia.89As mais antigas leis foram gravadas em madeira e no em bronze. Assim, em Atenas, as leis de Slonforam gravadas em tbuas de madeira de carvalho, conforme uso antigo.90 Plutarco, em Vidas Paralelas, escrevendo sobre Alexandre, afirma que este considerava a Ilada umvitico para o valor guerreiro e assim a chamava; levava sempre consigo a edio que Aristteles prepararadesse poema, a chamada edio do estojo, mantendo-a sob o travesseiro, ao lado da espada, segundoconta Onescrito. (So Paulo: Ed. Paumape, 1992:140. Trad. do grego por Gilson Csar Cardoso). Tirteu(ca. sc. VII a.C.), poeta originrio de Atenas, compunha elegias de carter exortativo e guerreiro econtedo poltico, com as quais incitava os espartanos guerra. Os versos de Horcio, na segunda Ode doterceiro livro, Dulce et decorum est pro patria mori ( doce e belo morrer pela ptria) so inspirados emTirteu (Schn ist der Tod, wenn man fllt in der vordersten Reihe der Krieger,/ als ein tchtiger Mann, derum sein Vaterland kmpft - Bela a morte, quando se tomba na primeira fila de guerreiros,/ qual homem

    capaz de lutar por sua ptria. Traduo portuguesa minha da traduo alem de H. Frnkel.).91Aluso aos poemas gnmicos (sentenciosos, de mximas), (Slon, Teognis, Foclide, etc).92Pirio relativo ao monte Pero, na Tesslia, habitao das Musas. Tambm o nome dado s filhas dePero, rei da Emcia, que disputaram com as Musas o prmio de canto e poesia. Aluso tambm aos poetasPndaro, Simnide, Baqulide, que tiveram o favor de Hieron, tirano de Siracusa, de Theron.93Musa cada uma das nove deusas, filhas de Mnemosine e de Zeus, as quais presidiam as artes liberais. AMusa da msica Euterpe. As outras so: Clio (histria), Talia (comdia), Melpmene (tragdia),Terpscore (dana), Erato (elegia), Polnia (poesia lrica), Urnia (astronomia), Calope (eloqncia).94Apolo deus grego da luz, das artes e da adivinhao. Era amigo das Musas.95A abstinncia de sexo e lcool era imposta aos atletas.96Os jogos pticos aconteciam a cada 4 anos no Vale de Delfos, e celebravam a vitria de Apolo contra aserpente Pton. Horcio, depois de ter mencionado o concurso de ginstica, representado pela corrida, falado concurso de msica, dois elementos culturais da educao grega.97

    Aluso a uma brincadeira infantil, provavelmente, de corrida, na qual o ltimo do grupo penalizado. Oque dirigia a brincadeira dizia: Habeat scabies, quisquis ad me uenerit nouissimus (Que tenha sarnaaquele que chegar por ltimo). Parece que, aqui, Horcio insinua as infantilidades de tais impertinncias,quando muitos compem como crianas. No fosse to marcada temporal e ideologicamente a expresso,poderamos traduzir como O ltimo a mulher do padre!98A carpidura de origem oriental, e foram talvez os etruscos que a introduziram em Roma.99Aparncias enganosas.100 Quintilius Varus, (morto em 23 a.C.), poeta e crtico, foi amigo de Horcio e de Virglio, com quemfreqentou a escola. Numa Ode (I, 24) de Horcio, Virglio lamenta a morte do amigo.

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    101Clamo era um pedao de cana ou canio talhado em ponta, apincelada ou rachada, outrora usado, deforma oblqua, como instrumento de escrita em papiro, pergaminho, etc.102Aristarco de Samotrcia (ca. 216-144 a.C.), um dos fundadores da crtica homrica, gramtico da escolade Alexandria. Seu nome designa um crtico de bom gosto e sincero.103

    Esteretipo do poeta louco.104Ictercia, ou hepatite.105Delrio fantico diz respeito introduo em Roma do culto a uma deusa da Capadcia, no qual ossacerdotes e sacerdotisas (fanatici, de fanum, templo), em dias de festa, realizavam danas orgisticas eauto-flagelao at um delrio extasiado, durante o qual faziam profecias.106Diana a deusa da caa, filha de Jpiter e de Latona. Obteve de seu pai a permisso de jamais se casar, eJpiter deu-lhe flechas e um cortejo de ninfas, tornando-a rainha das matas. Surpreendida no banho porActon, transformou-o em veado e fez com que seus ces o devorassem. Amou o pastor Endimio.Iracunda Dianaparece tom-la como a deusa da lua que d a loucura.107 Empdocles de Agrigento (ca. 500-430 a.C.), poeta e filsofo, autor de um grande poema sobre anatureza e de cantos de purificao de carter mstico. Criador da clssica doutrina dos quatro elementos,na qual as coisas se originam da mistura de fogo, ar, gua e terra. Schfer reconhece na estilizao deHorcioEmpedocles, ardentem frigidus Aetnam (substantivo-adjetivo/adjetivo-substantivo) a representaode tal doutrina. Para Empdocles, a velhice e a morte so produzidas pela diminuio do elemento gneo, oque permite a outros verem aqui uma simples ironia horaciana numa anttese agradvel (frio/ardente), ouainda, porque Empdocles dizia que o sangue gelado em volta do corao era sinal de estupidez, v-se,ento, uma dissimulao por trs de um jogo de palavras, onde frigidus tomaria o lugar de stupidus .Horcio refere-se mais conhecida das lendas que existiam sobre a morte do filsofo.108Bidental o lugar onde caiu um raio e, conforme os costumes etruscos, tido como sagrado, sendopurificado com o sacrifcio de uma ovelha de dois anos (bidens). O sacrlego, acreditava-se, era castigadosobretudo com a loucura.