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HUGO LUIZ OLIVEIRA Uma formulação alternativa do Método dos Elementos de Contorno aplicada à análise da propagação de fissuras em materiais quase frágeis Dissertação apresentada ao Departamento de Engenharia de Estruturas da EESC-USP como parte dos quesitos necessários para obtenção do título de Mestre em Engenharia Civil (Engenharia de Estruturas). Orientador: Prof. Dr. Edson Denner Leonel São Carlos 2013

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HUGO LUIZ OLIVEIRA

Uma formulao alternativa do Mtodo dos Elementos de Contorno aplicada anlise da

propagao de fissuras em materiais quase frgeis

Dissertao apresentada ao Departamento de Engenharia de Estruturas da EESC-USP como

parte dos quesitos necessrios para obteno do ttulo de Mestre em Engenharia Civil (Engenharia

de Estruturas).

Orientador: Prof. Dr. Edson Denner Leonel

So Carlos

2013

Autorizo a reproduo total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou

eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Aos meus pais Teresinha e Jorge (em memria)...

AGRADECIMENTOS

Ao Pai Celestial, sempre, e em primeiro lugar, pelas enormes bnos derramadas

sobre mim durante a realizao desse trabalho. Trabalho este que significa um importante

passo para a concretizao do sonho de me tornar um pesquisador.

minha famlia pelos manifestos de apoio e compreenso em todos os momentos,

ainda que difceis. Em especial minha me, Teresinha, e ao meu irmo Igor.

minha namorada, Karla, pelo carinho, compreenso e incentivo durante essa longa

jornada.

Ao prof. Dr. Edson Leonel, pela ateno, pacincia e disposio em me atender,

mesmo que por inmeras vezes. Sua praticidade, objetividade e coerncia profissional, tm

sido importantes na minha formao, enquanto pesquisador, e certamente corroboraram para o

desenvolvimento do trabalho. Alm de um grande orientador, ganhei um grande amigo.

Ao prof. Dr. Humberto Coda, pela amizade e pelos vrios ensinamentos, tanto

cientficos quanto para a vida. Suas falas so veementes e evidenciam a experincia de uma

pessoa sbia.

Ao prof. Dr. Rodrigo Paccola, pela amizade e companheirismo, bem como nas vrias

conversas sobre engenharia que contriburam para o trabalho. Aos demais professores do

departamento de estruturas pela slida formao que me propiciaram, como Proena, Paiva,

Giongo e Jorge, e todos os demais. E ainda toda equipe da secretaria do SET pelo

acolhimento e adicionais ajudas burocrticas.

Ao professor Dr. Francisco dos Santos Rocha que me atendeu prontamente, e se

disps a esclarecer vrias questes referentes ao tema do trabalho. Tema este, que por sinal

encontra razes em suas pesquisas.

Aos amigos de turma, Daniel, Joo, Elias, Matheus, Paulo Eugnio, Diego, Diogo,

Janaina, Gramoza, Alomir, Fernando, Tiago, Lucas, Igor, Ketson (monstro), Arthur, Lauren,

Carlinhos, Paulo Vitrio, pelos momentos de amizade e descontrao. Aos alunos de

doutorado, Fbio Rocha, Dorival, Aref, Edimar, Rafael, David, pelos ensinamentos

transmitidos.

CAPES pelo apoio financeiro, que possibilitou a dedicao exclusiva esta

pesquisa. FAPESP pelo financiamento dos equipamentos utilizados e das despesas com

eventos nacionais e internacionais para a divulgao do presente trabalho.

LISTA DE SIGLAS

DBEM Dual Boundary Element Method

EESC Escola de Engenharia de So Carlos

MEC Mtodo dos Elementos de Contorno

MEF Mtodo dos Elementos Finitos

MFEL Mecnica da Fratura Elstica Linear

MFF Modelo de Fissuras Fictcias

MFNL Mecnica da Fratura No Linear

MRP Mtodo dos Resduos Ponderados

OC Operador Constante

OT Operador Tangente

PFH Parte Finita de Hadamard

PTV Princpio dos Trabalhos Virtuais

PVC Problema de Valor de Contorno

SET Departamento de Engenharia de Estruturas

USP Universidade de So Paulo

VPC Valor Principal de Cauchy

ZPI Zona de Processos Inelsticos

RESUMO

OLIVEIRA, H. L. Uma formulao alternativa do Mtodo dos Elementos de Contorno

aplicada anlise da propagao de fissuras em materiais quase frgeis . 2013. 133 f. Dissertao (Mestrado em Engenharia de Estruturas) Escola de Engenharia de So Carlos, Universidade de So Paulo, So Carlos, 2013.

Este trabalho trata da anlise da propagao de fissuras, independente do tempo, em domnios

bidimensionais utilizando uma formulao alternativa do mtodo dos elementos de contorno

(MEC). O MEC vem sendo utilizado com sucesso na anlise de diversos problemas de

engenharia. Considerando problemas de mecnica da fratura, o MEC especialmente

eficiente devido reduo da dimensionalidade de sua malha, o que permite a simulao do

crescimento das fissuras sem as dificuldades do processo de remalhamento. Nesta pesquisa,

desenvolvem-se formulaes no lineares do MEC para a anlise da propagao de fissuras

em materiais quase frgeis. Nesses materiais, a zona de processo frente da ponta da fissura

introduz efeitos fisicamente no lineares no comportamento estrutural. Assim, para a

simulao da presena da zona de processo, modelos no lineares so necessrios.

Classicamente a formulao dual do MEC utilizada para modelar propagao de fissuras na

quais equaes singulares e hipersingulares so escritas para elementos definidos ao longo das

faces das fissuras. O presente trabalho prope uma segunda formulao utilizando um campo

de tenses iniciais para a representao da zona coesiva. Nesta formulao, o termo de

domnio da equao integral clssica do MEC degenerado, de forma a atuar somente ao

longo do caminho de crescimento das fissuras, sendo que esse procedimento d origem a uma

nova varivel denominada dipolo, responsvel por garantir o atendimento das condies de

contorno. Em conjunto com essa nova formulao, se prope o uso do operador tangente

(OT), que deduzido no trabalho, a fim de acelerar o processo de convergncia da soluo.

Os resultados obtidos, por meio da formulao alternativa, so comparados tanto com dados

experimentais quanto com o MEC dual, ambos disponveis na literatura. As respostas

encontradas foram satisfatrias no sentido de conseguir reproduzir o comportamento real da

estrutura explorando as vantagens computacionais proporcionadas pelo OT.

Palavras-chave: Mtodo dos Elementos de Contorno, Mecnica da Fratura No Linear,

Modelo de Fratura Coesiva, Operador Tangente, Formulao baseada em Dipolos.

ABSTRACT

OLIVEIRA, H. L. An alternative formulation of the boundary element method applied to crack propagation analysis in quasi-brittle materials. 2013. 133 p. Dissertation (M. Sc. in

Structural Engineering) School of Engineering of So Carlos, University of So Paulo, So Carlos, 2013.

This work presents a time-independent crack propagation analysis, in two-dimensional

domains, using an alternative boundary element method (BEM) formulation. BEM has been

used successfully to analyze several engineering problems. Considering fracture mechanics

problems, BEM is especially efficient due to its mesh reduction aspects, which allows the

simulation of crack growth without remeshing difficulties. In this research, nonlinear BEM

formulations are develop in order to analyze crack propagation in quasi-brittle materials.

Considering these materials, the process zone ahead of the crack tip leads to nonlinear effects

related to structural behavior. Thus, nonlinear models are required for simulating the presence

of the process zone. Classically, the dual BEM is used for modeling the crack propagation, in

which singular and hyper-singular equations are written for elements defined along the crack

faces. This work proposes an alternative formulation using the initial stress field to represent

the cohesive zone. In this formulation, the classic domain integral term is degenerated in order

to be non-null only at the crack growth path. This procedure leads the creation of new variable

called dipole, which is responsible for ensuring the compliance of the boundary conditions. In

addition to this new formulation, it is proposed the use of the tangent operator (TO), which is

derived in this work, in order to accelerate the convergence. The results obtained using the

new formulation, are compared with experimental data and dual BEM results available in the

literature. The responses were found satisfactory in reproducing the behavior of real structures

exploiting the computational advantages provided by the TO.

Keywords: Boundary Element Method, Non-Linear Fracture Mechanics, Cohesive Fracture

Model, Tangent Operator, Dipole based formulation.

SUMRIO

INTRODUO ........................................................................................................... 11 1

1.1 CONSIDERAES INICIAIS......................................................................... 11

1.2 REVISO BIBLIOGRFICA.......................................................................... 15

1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA ........................................................................... 19

1.4 METODOLOGIA ............................................................................................. 19

1.5 ESTRUTURA DO TEXTO............................................................................... 20

MTODO DOS ELEMENTOS DE CONTORNO.................................................. 22 2

2.1 FORMULANDO O PROBLEMA DE VALOR DE CONTORNO .................. 22

2.2 SOLUO FUNDAMENTAL ........................................................................ 26

2.3 FORMULAO INTEGRAL NO CONTORNO ............................................ 29

2.4 PONTOS NO CONTORNO ............................................................................. 34

2.5 FORMULAO DOS ELEMENTOS DE CONTORNO ................................ 36

2.6 TRANSFORMAO DE COORDENADAS.................................................. 38

2.7 SISTEMA DE EQUAES ............................................................................. 40

2.8 PONTOS INTERNOS ...................................................................................... 41

2.9 DESCONTINUIDADE EM PONTOS DE CANTO ......................................... 42

2.10 TRATAMENTO DE INTEGRAIS NO DOMNIO .......................................... 43

2.10.1 Considerao das tenses iniciais ............................................................. 44

2.11 MTODO DA SUBTRAO DE SINGULARIDADE .................................. 45

MECNICA DA FRATURA APLICADA AO CONCRETO................................ 52 3

3.1 COMPORTAMENTO DO CONCRETO TRAO .................................... 53

3.2 COMPORTAMENTO DO CONCRETO A COMPRESSO .......................... 54

3.3 COMPORTAMENTO DO CONCRETO SUJEITO A CARREGAMENTOS

CCLICOS ........................................................................................................ 55

3.4 MECNICA DA FRATURA ELSTICA LINEAR........................................ 57

3.5 MECNICA DA FRATURA NO LINEAR .................................................. 63

3.6 MODELO DE FISSURAS FICTCIAS ............................................................ 67

3.7 MODELAGEM DA ZONA DE PROCESSO ................................................... 69

3.8 CLCULO DA TENSO NA EXTREMIDADE DA FISSURA .................... 72

3.9 CLCULO DO NGULO DE PROPAGAO DA FISSURA ......................73

3.10 INCREMENTO NO COMPRIMENTO DA FISSURA ....................................73

3.11 PROCEDIMENTO ITERATIVO PARA OBTENO DA CONFIGURAO

DE EQUILBRIO ..............................................................................................74

FORMULAO DO MEC APLICADA MFNL .................................................76 4

4.1 DEFININDO OS DIPOLOS .............................................................................76

4.2 REPRESENTAO DA ZPI UTILIZANDO O MEC .....................................79

4.3 ELEMENTOS DE CONTORNO PARA FISSURA .........................................85

4.4 SUBTRAO DA SINGULARIDADE DO NCLEO INTEGRAL QUE

REPRESENTA A FISSURA.............................................................................90

4.5 PROCEDIMENTO NUMRICO PARA SOLUO NO LINEAR

UTILIZANDO DIPOLOS.................................................................................93

4.6 PROCESSO EVOLUTIVO DA FISSURA .......................................................95

4.7 OBTENO DO OPERADOR TANGENTE ..................................................97

5 EXEMPLOS E DISCUSSES .................................................................................102

5.1 EXEMPLO 1 CHAPA COM FURO CENTRAL .........................................102

5.2 EXEMPLO 2 CHAPA TRACIONADA .......................................................105

5.3 EXEMPLO 3 VIGA SOB FLEXO EM TRS PONTOS SUBMETIDA A

MODO I...........................................................................................................113

5.4 EXEMPLO 4 VIGA SUBMETIDA A MODO MISTO (I II) ....................118

CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................122 6

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................124

11

INTRODUO 1

1.1 CONSIDERAES INICIAIS

Desde os tempos antigos o homem tem a necessidade de transformar os recursos

disponveis sua volta a seu favor. Tanto a inveno de instrumentos como a necessidade de

construir suas moradias e consequentemente seus acessos (estradas, tuneis, pontes), tudo isto

fez com que o ser humano fosse capaz de desenvolver e aplicar conhecimentos

empricos/cientficos para a criao e aperfeioamento de bens. Com o passar do tempo, os

conceitos foram sendo aperfeioados a ponto de se tornarem cincia especializada que passou

a ser conhecida como engenharia.

A engenharia, em linhas gerais, uma cincia que aplica conhecimentos matemticos,

cientficos e tecnolgicos na criao de determinada utilidade que exerce determinada funo

ou objetivo. Como cincia, engloba vrios ramos especializados e dentre eles a engenharia

estrutural. Esta responsvel por aplicar os conceitos da mecnica dos slidos para o projeto

de estruturas de sustentao, seja ela estrutura civil, estrutura mecnica, aeronutica ou at

mesmo biomecnica, para citar alguns de seus vrios ramos de aplicao.

Os problemas de interesse para a engenharia estrutural consistem na avaliao do

comportamento das estruturas e sua interao com o meio externo. Com essa finalidade, as

leis fsicas sustentam modelos matemticos, que de maneira geral, so expressos por equaes

diferenciais ou integrais. Nessas equaes surgem termos contendo variaes de determinado

conjunto de variveis que esto relacionadas entre si, e que por sua vez, representam

processos naturais.

Uma importante hiptese que adotada ao se elaborar modelos fsico-matemticos

referentes aos slidos a continuidade. Nesse sentido, os meios de interesse so idealizados

como ausentes de lacunas ou espaos vazios e, portanto pode-se associar a cada ponto

geomtrico uma determinada quantidade de massa. Essa hiptese permite a aplicao das

ferramentas do Clculo (definidas em espaos contnuos) na modelagem do problema, e ainda

faz ter sentido algumas definies fsicas como: estado de tenso ou deformao em um

ponto, por exemplo. Por esse mesmo motivo (continuidade do meio) as funes que so

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oriundas das formulaes do modelo devem apresentar a regularidade requerida para si, e para

suas ordens de derivadas. (PROENA, 2011)

Os problemas tratados pela engenharia de estruturas normalmente envolvem a

determinao do campo de deslocamentos, tenses e deformaes em um slido submetido a

um conjunto de aes externas e condies de contorno prescritas. As incgnitas devem estar

relacionadas e atender a certas restries, que luz da Mecnica so: relao de equilbrio,

relao de compatibilidade do campo de deslocamentos e relao constitutiva. Ao conjunto

formado por essas relaes e as condies de contorno d-se o nome de problema de valor de

contorno (PVC).

Simplificaes podem ser adotadas na modelagem a fim de facilitar a obteno dos

valores incgnitos. Teorias lineares e no lineares, entre outras podem ser includas no

modelo ou no, a depender da abordagem a ser feita, desde que a resposta obtida represente

com aceitvel suficincia o problema fsico para determinado objetivo.

Finalizada a etapa de definio do modelo passa-se ento etapa de soluo das

equaes, que pode ser feita por meios analticos ou numricos. Os meios analticos so

solues diretas de equaes diferenciais enquanto que os mtodos numricos buscam

encontrar uma soluo aproximativa com preciso suficiente. Em geral, os mtodos analticos

podem ser aplicados a casos restritos o que faz com que os mtodos numricos sejam uma

valiosa alternativa para a soluo dos problemas de interesse.

Nesse contexto, os mtodos numricos podem ser divididos em dois grandes grupos de

acordo com sua maneira de introduzir a aproximao. O primeiro deles o chamado mtodo

de domnio no qual se admite que as condies de contorno sejam obedecidas e as

aproximaes inerentes ao mtodo se do no domnio. Como exemplo deste grupo tem-se o

mtodo dos elementos finitos (MEF) que amplamente aplicado em vrios campos da

engenharia e consagrado pelo seu uso. O segundo grupo o do chamado mtodo de

contorno, no qual se admite que as equaes do modelo so atendidas no domnio e as

aproximaes pertinentes so feitas em seu contorno. Como exemplo deste grupo tem-se o

mtodo dos elementos de contorno (MEC) que tem grande aplicabilidade em vrios campos

da Fsica, como a Elasticidade, por exemplo.

Para que seja criada uma estrutura so necessrias duas informaes bsicas. A

primeira delas o conhecimento dos esforos atuantes devidos aos carregamentos externos. A

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segunda informao relativa capacidade que o material empregado tem de resistir

mecanicamente aos esforos. Assim, o entendimento dos mecanismos que levam um material

ruptura de suma importncia para a engenharia, pois pode-se fazer uso das caractersticas

mecnicas e ao mesmo tempo evitar as aes que levam o material ao colapso.

Por mais rigoroso que seja o controle do processo de manufatura do material, no se

consegue garantir a inexistncia de falhas ou imperfeies, especialmente em materiais

cimentcios como o concreto. Uma importante caracterstica que deve ser levada em

considerao para abordagem mais realista das propriedades mecnicas o estado de

fissurao em que o material se encontra. Nesse contexto convm saber se as fissuras

presentes no meio podem se propagar ou no, e de que forma. Esse mecanismo, que ajuda a

entender a ruptura dos materiais, apresentado pelas teorias da Mecnica da Fratura que

surgiu no sculo XX para explicar o motivo pelo qual as teorias clssicas da elasticidade

linear por si s falhavam ao prever o comportamento de meios contnuos com a presena de

descontinuidades.

A construo de um modelo que leve em considerao os efeitos da fissurao, em

especial para materiais quase frgeis, pode ter aplicaes imediatas bastante amplas no que se

refere a previso da integridade das estruturas. Nesse contexto, o presente trabalho se mostra

como uma importante contribuio para o entendimento e previso do comportamento dessas

estruturas fundamentado na unio dos preceitos da Mecnica da Fratura No Linear (MFNL)

e do MEC.

Os grupos de mtodos numricos e mecnica dos materiais do Departamento de

Engenharia de Estruturas (SET) da Escola de Engenharia de So Carlos (EESC) tm obtido,

nos ltimos anos, um progresso expressivo no desenvolvimento de trabalhos nos campos de

mecnica computacional, mecnica dos materiais e mecnica das estruturas. Vrios temas tm

sido tratados por estes grupos. Dentre estes, devem ser destacados o desenvolvimento de

formulaes do MEC, MEF e tambm do acoplamento entre ambos para a anlise de

problemas no lineares como problemas visco-plsticos e visco-elsticos, problemas

transientes, fadiga, propagao de fissuras, domnios enrijecidos, etc., alm da extenso

dessas formulaes para a abordagem de problemas de mecnica estrutural.

Esse trabalho se insere nesse contexto, contribuindo com o campo de pesquisa destes

grupos e de suas aplicaes, com a abordagem, anlise e incluso de um importante tema de

pesquisa em engenharia estrutural. O tema da propagao de fissuras, em meios quase frgeis,

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tem recebido destaque na comunidade cientfica internacional, no somente por se tratar de

um problema complexo, mas tambm por envolver formulaes complexas para a

representao de seus fenmenos fsicos. Esse problema estrutural pode ser modelado com a

utilizao de ferramentas numricas, que tornam possvel a anlise de estruturas e sistemas

estruturais, com base em modelos que so em geral construdos a partir de observaes

pontuais.

O MEC tem se mostrado um mtodo numrico robusto e preciso para a anlise de

diversos problemas de engenharia. Dentre esses problemas destacam-se aqueles onde as

grandezas de interesse da anlise (tenses e deformaes em mecnica dos slidos)

apresentam elevados gradientes. Em relao aos problemas de mecnica da fratura, o MEC

tem-se mostrado uma ferramenta computacional muito promissora. Nesses problemas, a

discretizao das fissuras ou microfissuras iniciais bastante simples, uma vez que o mtodo

no requer a discretizao do domnio e a correspondente aproximao das variveis no

interior do corpo. Alm disso, com o emprego de solues singulares como ponderadora,

consegue-se simular a presena de singularidades na ponta da fissura com maior preciso.

Essas vantagens permitem a simulao mais eficiente da propagao das fissuras, sua

coalescncia e consequentemente a representao mais realista da ruptura dos slidos.

Com relao modelagem do crescimento de fissuras em materiais quase frgeis,

Hillerborg et al (1976) utilizaram o modelo de fissuras fictcia e tenses coesivas para a

representao da zona de processo. Este modelo clssico caracteriza-se por substituir a zona

danificada frente da ponta da trinca por uma fissura equivalente, sendo a rigidez residual

desta zona representada por tenses coesivas. Este modelo tem sido utilizado com sucesso

para carregamentos independentes do tempo e solicitaes monotnicas e estticas.

Formulaes numricas utilizando este modelo foram utilizadas por Leonel (2009), onde

formulaes no lineares do MEC foram propostas para a anlise da propagao de fissuras

em estruturas de concreto. Neste ltimo trabalho, casos de propagao de fissuras em modo I

e em modo misto foram eficazmente modelados.

Com relao formulao do MEC para a simulao do crescimento das fissuras,

classicamente se utiliza a formulao dual do MEC. Aqui ser apresentado um novo modelo

empregando-se uma formulao alternativa que usa campos de tenses iniciais. Nesta

formulao, o termo de domnio da equao integral clssica do MEC ser degenerado a uma

linha, exatamente posicionado ao longo do caminho de crescimento das fissuras. Esta

15

formulao alternativa representa uma importante contribuio ao desenvolvimento de

formulaes do MEC, principalmente no que concerne deduo e conveniente manipulao

matemtica do termo de domnio. A variao das tenses coesivas em relao abertura das

faces da fissura ser modelada com a utilizao do operador tangente.

A presente pesquisa se insere tambm no conjunto de trabalhos que vm sendo

desenvolvidos pelo SET nos ltimos anos, objetivando o desenvolvimento e proposio de

formulaes do MEC visando sua utilizao em problemas de engenharia, especialmente

aqueles onde a compreenso sobre o comportamento da ruptura de slidos importante,

possibilitando a determinao da carga de ruptura e tambm a configurao de falha.

As referncias a seguir relacionadas, embora no sejam exaustivas, constituem fontes

de informao relevantes para o entendimento e a realizao desse trabalho.

1.2 REVISO BIBLIOGRFICA

As formulaes do MEC e suas solues numricas para problemas mecnicos

surgiram em meados da dcada de 1960. O problema potencial 2D foi primeiro formulado por

Jaswon (1963) sendo que Rizzo (1967) o estendeu para o caso de problemas elsticos 2D.

Seguido a esses esforos, um grande nmero de pesquisas tm sido feitas para o

desenvolvimento de formulaes do MEC, como mostrado por exemplo, em Brebbia (1978),

Brebbia e Dominguez (1989). Com relao aos problemas envolvendo mecnica da fratura, o

MEC amplamente reconhecido na literatura como uma poderosa ferramenta numrica para o

estudo deste domnio, em especial se o problema trata da propagao de fissuras. Comparado

a outros mtodos numricos, a reduo da dimensionalidade da malha diminui fortemente os

dados de entrada e tambm o trabalho de remeshing durante a anlise de crescimento das

fissuras. Facilitando, portanto, a anlise da propagao de fissuras, sua coalescncia e por

consequncia, a simulao da ruptura de slidos.

Um dos primeiros trabalhos do MEC que trataram do problema da anlise de fissuras

ainda da dcada de setenta de autoria de Cruse e van Buren (1971) o qual foi rapidamente

expandido com a proposta de utilizao de funes de Green (SNYDER; CRUSE, 1975). As

funes de Green so obtidas considerando a fissura no meio infinito, assim os termos

16

integrais referentes ao contorno da fissura desaparecem. Embora precisa, sua aplicao

restrita, permitindo o estudo dos fatores de intensidade de tenso, porm no o avano da

fissura.

O uso de sub-regies para a simulao de fissuras aparece no trabalho de Blandford,

Ingraffea e Ligget (1981). A propagao das fissuras segue as interfaces entre os corpos, onde

um critrio escolhido aplicado. Essa tcnica emprega apenas equaes singulares, que so

mais estveis, porm exigem remalhamento levando o algoritmo a ter fraco desempenho

computacional. Modelo semelhante foi desenvolvido por Leonel (2009) para a anlise de

separao e deslizamento de juntas. Esse modelo foi desenvolvido utilizando um operador

tangente consistente para a correo do sistema no linear de equaes, considerando o

critrio de escorregamento de Coulomb. A formulao singular aparece em muitos trabalhos

de fratura como nos de Cen e Maier (1992) e de Liang e Li (1991) que utilizaram a tcnica

para a modelagem de fratura coesiva. Vrias outras tcnicas que evitam o remalhamento

foram j utilizadas com resultados excelentes. O mtodo de descontinuidade de

deslocamentos (CROUCH, 1976; CROUCH; SRARFIELD, 1983; WEN; FAN, 1994; YAN,

2006) utiliza equaes integrais cujas solues fundamentais so obtidas com a aplicao de

descontinuidades de deslocamentos unitrias.

A formulao do MEC mais utilizada para a anlise de problemas de fratura aleatria

o conhecido Dual Boundary Element Method DBEM (PORTELA; ALIABADI; ROOKE,

1992). Esses autores desenvolveram um modelo para fratura elstico-linear, onde para cada

ponto da fissura escreviam-se quatro equaes algbricas, duas obtidas da representao

integral dos deslocamentos e duas da representao integral das foras de superfcie. O

contorno da fissura descrito por elementos duplos definidos em direes opostas que

permitem impor deslocamentos e foras de superfcie distintas em cada uma das faces.

importante salientar que a utilizao de equaes integrais de deslocamento e de sua derivada

j aparece em trabalhos anteriores como o de Watson (1986, 1988) e de Hong e Chen (1988)

para problemas 2D e depois no trabalho de Gray, Martha e Ingraffea (1990) para problemas

3D. Destacam-se ainda os seguintes trabalhos referentes ao DBEM: Portela (1992), Portela,

Aliabadi e Rooke (1993), Mi e Aliabadi (1992a, 1992b, 1994a, 1994b, 1995), Mi (1996),

Mellings e Aliabadi (1994), Sollero e Aliabadi (1994), Saleh (1997), Chen et al. (1999).

Formulaes do MEC, usando DBEM, para anlises de coalescncia e localizao so

apresentadas em Leonel e Venturini (2010a, 2010b, 2011) considerando problemas de fratura

linear e no linear.

17

Desde o pioneiro trabalho de Griffith (1920) e o seu rpido crescimento nos anos

sessenta e setenta, a mecnica da fratura um dos principais conjuntos de teorias utilizados

para prever rupturas em slidos. Na literatura existem muitos livros sobre o tema tratando da

fratura linear e no linear. Para a fratura elstica linear os trabalhos de Tada, Paris e Irwin

(1985), Rooke e Cartwright (1976) e Murakami (1987) trazem extensas relaes de fatores de

intensidade de tenso e tambm expresses para os campos de tenso, deformao e

deslocamento na regio vizinha ponta da trinca. Bazant e Li (1997), Cruse (1988), Elices et

al (2002) e Planas et al (2003) discutem e apresentam aspectos relevantes da teoria da

mecnica da fratura no linear, especialmente tpicos importantes relacionados aos materiais

quase frgeis.

A modelagem do problema de propagao de fissuras em materiais frgeis e quase

frgeis (concreto em especial) de grande importncia na anlise da degradao da matriz do

material estrutural. Desde a proposio dos modelos coesivos de Dugdale (1960) e Baremblatt

(1962), vrios trabalhos tm sido dedicados a esse tema, devendo-se destacar Hillerborg,

Modeer e Petersson (1976) e Carpinteri (1992) os quais analisaram diversas estruturas

experimental e numericamente. Estes dois ltimos trabalhos destacam o comportamento da

fratura coesiva com um modelo de fraturamento no linear bastante simples, porm que j

considera uma zona caracterizada pelo aumento das microfissuras e a consequente dissipao

de energia. Tal zona aproximada por uma fissura fictcia colocada frente da fratura real. A

representao mais simples desse modelo feita utilizando uma curva linear dada por dois

parmetros do material, abertura fictcia mxima e resistncia mxima de trao. Alm dos

trabalhos sobre fratura coesiva j mencionados, algumas importantes publicaes sobre o

tema, incluindo tambm as aplicaes em problemas de delaminao so: Bazant, Ozbolt e

Eligehausen (1994), Barpi e Valente (1998), Reinhardt e Xu (1999), Mai (2002), Moes e

Belytschko (2002), de Borst (2003), Tvergaard (2003), Carpinteri et al (2003), Dong, Lo e

Cheung (2003), Yang e Cox (2005).

Um modelo para a anlise do crescimento de fissuras em materiais quase frgeis foi

proposto por Leonel e Venturini (2010b) utilizando o MEC e um operador tangente

consistente. Esse modelo, utilizado para carregamentos independentes do tempo e

monotnicos, mostrou-se muito eficiente necessitando um nmero consideravelmente menor

de iteraes, para a obteno da soluo, quando comparado ao modelo clssico.

18

Apesar de sua importncia cientfica e tecnolgica, no so muitos os trabalhos que

abordam a degradao de materiais quase frgeis ao longo do tempo. Para a fratura coesiva

alguns trabalhos importantes que procuram descrever as condies de carga e descarga

necessrias para a definio da fadiga e efeitos dependentes do tempo so: Bazant e Li (1995),

Bazant e Li (1997), Begley, Cox e McMeeking (1997), Xu e Needleman (1994), Ortiz (1996);

Buyukozturk e Hearing (1998), Yang e Ravi-Chandar (1998a), Li, Shis e Needleman (1985),

de Andrs (1999), Yang, Mall e Ravi-Chandar (2001), Roe e Siegmund (2003), Li e Chandra

(2003), Svahn e Runesson (2006), Dong et al (2010), Maiti e Geubelle (2006), Nguyen et al

(2001), Bouvard et al (2009), Leise, Walton e Gorb (2010) e Yoon e Allen (1999).

Considerando anlises deste problema usando o MEC, so poucos os trabalhos que tratam

sobre o assunto como mostrado em Yang e Ravi-Chandar (1998b), o que inclusive justifica a

extenso dessa pesquisa.

Uma tcnica alternativa ao modelo dual para a anlise do processo de fratura no

linear a que emprega um campo de tenses iniciais para a correo das tenses coesivas nas

faces das fissuras. Neste modelo, a espessura da zona de processo degenerada para zero.

Consequentemente, o termo de domnio da formulao clssica do MEC avaliado somente

ao longo do caminho de crescimento das fissuras, simulando assim o comportamento no

linear da zona de processo.

Nesse sentido, Lopes Jr. (1996) apresenta uma formulao baseada no conceito de

dipolos (captulo 4) para o estudo de fissuras (descontinuidades) luz dos olhos da Mecnica

da Fratura No Linear em meios bidimensionais. A formulao, que contava com elementos

lineares isoparamtricos com tratamento analtico de singularidades, mostrou-se efetiva em

reproduzir alguns efeitos caractersticos do concreto como o amolecimento e o efeito escala,

alm da propagao da fissura macroscpica.

Barbirato (1999) elaborou um estudo sobre propagao tridimensional de fissuras

utilizando o modelo coesivo e a formulao por dipolos. Seu trabalho contribuiu para a

formulao, em termos de dipolos, de problemas de propagao de fissuras sob ao de

carregamentos dinmicos. Os resultados obtidos mostraram-se promissores, fazendo com que

seu trabalho se tornasse uma importante referncia no campo de anlise tridimensional de

meios fraturados.

http://www.sciencedirect.com/science?_ob=ArticleURL&_udi=B6VJS-42WP5JY-3&_user=972067&_handle=V-WA-A-W-AV-MsSAYZW-UUW-U-AABVYVCZZA-AABWVWZVZA-VYVUABWWV-AV-U&_fmt=full&_coverDate=06%2F30%2F2001&_rdoc=3&_orig=browse&_srch=%23toc%236102%232001%23999619977%23246619!&_cdi=6102&view=c&_acct=C000049650&_version=1&_urlVersion=0&_userid=972067&md5=38b60a952b16729f3262106d746cc88b#bbib3#bbib3

19

Interessantes resultados empregando tcnicas similares de manipulao do termo de

domnio do MEC podem ser encontrados em Jiang e Venturini (1998), Jiang, Hung e

Venturini (1999) e Jiang e Venturini (2000).

Tendo em vista a investigao de temas atuais e de clara relevncia, alm de

representar uma continuidade da linha de pesquisa iniciada com Rocha (1988), no que se

refere ao uso dos dipolos, o presente trabalho prope os objetivos gerais do prximo item.

1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA

Os objetivos deste trabalho tratam do desenvolvimento de formulaes no lineares do

MEC e sua implementao computacional, com elementos de alta ordem, para a anlise da

degradao mecnica de estruturas compostas por materiais quase frgeis (concreto em

particular).

De maneira sucinta, o primeiro objetivo verificar se a formulao por dipolos,

utilizando operador constante (OC), capaz de reproduzir satisfatoriamente os

comportamentos experimentais de componentes estruturais (vigas) de concreto, sob diferentes

modos de solicitao fratura.

J o segundo objetivo, que constitui uma contribuio para esse campo das anlises do

MEC, desenvolver e implementar o operador tangente (OT) consistente visando acelerar a

soluo do sistema de equaes no lineares resultantes da formulao do problema em

questo.

1.4 METODOLOGIA

Embora o presente trabalho represente um avano significativo em novos temas, a

metodologia seguida basicamente a mesma que vem sendo empregada pelo grupo de

mtodos numricos do SET/EESC/USP para o desenvolvimento de formulaes do MEC e

tambm do MEF.

20

O cdigo computacional inicial foi fornecido pelo professor do SET, Dr. Edson

Leonel. Esse cdigo capaz de realizar anlise elstica esttica de slidos bidimensionais

sujeitos a carregamentos e vinculaes arbitrrios, utilizando formulao singular e

hipersingular do MEC para qualquer ponto fonte, considerando ainda elementos de contorno

de alta ordem.

A partir desse cdigo inicial, foi criado um algoritmo no linear capaz de simular a

formao e propagao da fissura por meio dos dipolos (captulo 4). Essa etapa foi concebida

para utilizar o OC durante a soluo do sistema no linear, e adicionalmente servir como

parmetro para a prxima etapa. Vrios exemplos conhecidos foram testados de modo a

validar o cdigo, conforme ser mostrado no captulo 5.

A seguir, foi implementada a etapa final do cdigo no linear referente ao OT,

resultando num menor tempo de processamento. Os mesmos exemplos executados com OC

foram testados utilizando OT levando, evidentemente, mesma resposta.

Todas as formulaes propostas e desenvolvidas neste trabalho foram implementadas

em linguagem de programao FORTRAN.

1.5 ESTRUTURA DO TEXTO

O presente texto no tem o propsito de ser exaustivo sobre os assuntos que so

tratados, mas sim de representar um compndio de ideias tomadas de forma sistemtica, como

pertinente a um trabalho cientfico dissertativo, acerca dos diversos temas apresentados, sob

o ponto de vista do autor, importantes para o desenvolvimento dessa pesquisa.

O captulo a seguir, por exemplo, faz uma reviso dos principais conceitos do MEC

utilizados para elaborar os cdigos constituintes do mtodo numrico. Primeiramente as

equaes integrais so apresentadas e posteriormente so transformadas em termos discretos

para viabilizar o seu uso computacional. Esse captulo traz conceitos importantes que so

utilizados posteriormente, no tocante dos elementos de alta ordem e do mtodo da subtrao

da singularidade para integrao numrica.

21

J o terceiro captulo faz uma breve explanao sobre a mecnica da fratura aplicada

ao concreto. De certa maneira os conceitos so apresentados em ordem cronolgica. O texto

voltado para as necessidades do presente trabalho, e por isto, os conceitos sobre mecnica da

fratura elstica linear restringem-se aos necessrios para compreenso do texto, enquanto que

maior nfase dada mecnica da fratura no linear.

No captulo 4, os conceitos relativos representao da fissura por meio dos dipolos

so apresentados. Inicialmente realiza-se a deduo das equaes algbricas que sero

utilizadas no algoritmo no linear. A seguir algumas especificidades referentes

implementao computacional do mtodo so discutidas. Destaca-se aqui o tratamento da

singularidade do ncleo de dipolos e a deduo do operador tangente consistente da soluo

no linear.

O quinto captulo aborda exemplos que validam a formulao proposta e ao mesmo

tempo discute alguns aspectos de interesse tanto computacional quanto fisicamente. Alm dos

resultados obtidos com o OC, outros resultados numricos obtidos com o clssico modelo

dual enriquecem os argumentos que sustentam a eficincia da formulao aqui proposta.

O captulo 6 dedica-se s consideraes finais e s sugestes de investigaes futuras.

22

MTODO DOS ELEMENTOS DE CONTORNO 2

O MEC um mtodo numrico para soluo de equaes integrais de contorno, que

possui a caracterstica de no necessitar de definio de malhas no domnio de interesse, fato

que ser explorado no decorrer do trabalho. Pode ser aplicado em vrios campos da

Engenharia como acstica, mecnica dos fluidos, elasticidade linear ou no linear, mecnica

da fratura, eletromagnetismo entre outros. (STEFAN, CHRISTOPH, 2011)

Pode-se dividir o MEC didaticamente em dois grupos. O primeiro refere-se aos

Mtodos dos Elementos de Contorno Indiretos. Nesse tipo de abordagem as incgnitas do

problema no so as grandezas de interesse (deslocamentos, ou foras de superfcie), mas sim,

funes indiretas chamadas de densidade, que uma vez determinadas, possibilitam a obteno

das variveis de interesse. A depender do tipo de campo vetorial adotado como contnuo

podem-se ter dois seguimentos: source method (adotam deslocamentos contnuos) e dipole

method (adotam foras de superfcie contnuas).

O segundo grupo recebe o nome de mtodo dos elementos de contorno diretos. Nesse

caso as grandezas fsicas de interesse so obtidas diretamente, pois constituem o conjunto das

incgnitas do problema. O presente trabalho desenvolvido considerando esse grupo de

anlise por aparecer com maior frequncia nas aplicaes de engenharia.

interessante ressaltar que o MEC uma alternativa numrica para soluo de uma

formulao maior, conhecida como PVC, que inclusive pode ser resolvido por meio de

mtodos de domnio como o Mtodo dos Elementos Finitos. Assim, torna-se conveniente uma

breve explanao da maneira pela qual esses problemas so formulados para que ento, o

MEC seja apresentado.

2.1 FORMULANDO O PROBLEMA DE VALOR DE CONTORNO

Desde os tempos antigos, a Engenharia Civil tenta usar os materiais disponveis para

confeco de obras que proporcionassem segurana, conforto e economia. Nos primrdios da

engenharia as construes eram executadas por meio da experincia e do bom senso. Com o

23

passar dos anos houve uma evoluo do pensamento que deu origem ao tratamento racional

baseado em observao e experimentao por engenheiros, matemticos e fsicos do sculo

XV/XVI que inventaram formulaes matemticas que seriam capazes de predizer o

comportamento dos materiais sob algum tipo de solicitao. O conjunto de ideias criadas por

cientistas notveis como, por exemplo, Leonardo da Vinci ou Galileo Galilei, e que depois

foram expandidas e formalizadas por vrios outros colaboradores como Robert Hooke, Edme

Mariote, Jacob Bernoulli, Leonhard Euler, Charles Coulomb e Augustin Louis Cauchy,

somente para citar alguns, culminaram no que atualmente conhecido como Mecnica do

Contnuo. Nos prximos pargrafos alguns conceitos selecionados dessa teoria sero

brevemente expostos sob seu ponto de vista moderno. Maiores detalhes podem ser

encontrados em obras clssicas da Teoria da Elasticidade como Timoshenko e Goodier

(1980), Mecnica do Contnuo em Malvern (1969), enquanto que o contexto histrico pode

ser consultado nos primeiros captulos de Love (1944), e em Timoshenko (1953).

Objetivando descrever a distribuio de foras no interior de slidos deformveis,

parte-se do princpio de que o slido esteja homogeneamente preenchido por material, embora

na realidade essa premissa dependa da escala em que se trabalha. Segundo esse princpio

(Teoria clssica do Contnuo), assume-se que a matria est continuamente distribuda e que

interaes mtuas agem em todos os pontos interiores do slido como resultado de foras de

massa e de foras de superfcie. Tais foras, ditas internas, podem ser caracterizadas

utilizando o conceito de vetor tenso. Para tanto, tome um corpo em equilbrio submetido a

um conjunto de condies de contorno. Imagine-se um plano S, que passe por um ponto

interno arbitrrio P, caracterizado por um vetor normal ni. O plano corta o slido em duas

partes. Uma poro em cada lado do vetor normal (conforme Figura 2.1).

Figura 2.1 Diviso do slido

24

Considerando a poro I como corpo livre, existe no plano S uma fora resultante

agindo numa pequena rea contendo P. Considera-se como vetor tenso (agindo de II para

I no ponto P pertencente ao plano S) o resultado do limite:

(2.1)

Essa relao mostra que o vetor tenso dependente do ponto P e do vetor ni. Como

em um mesmo ponto podem passar infinitos planos, existem infinitos vetores tenso no

mesmo ponto P. Entretanto possvel mostrar utilizando o princpio de Cauchy que o vetor

tenso no ponto P depende do vetor ni por meio de uma transformao linear, tal que:

(2.2)

Na relao acima, ij conhecido como tensor de tenses de Cauchy. Assim, uma vez

obtido o tensor de tenses em um ponto, automaticamente conhece-se todos os vetores tenso

que podem atuar no mesmo ponto, bastando estipular uma direo. Pode-se notar que,

descrever o comportamento do corpo por meio do campo tensorial de tenses, por assim

dizer, mais adequado que por meio de campos vetoriais de tenses.

A princpio, o tensor possui nove componentes. Entretanto o equilbrio rotacional

em um elemento cbico diferencial, que englobe P, tem que ser garantido. Isto faz com que

trs de suas componentes sejam dependentes resultando num tensor simtrico. Assim, para

determinar o tensor , necessrio encontrar seis componentes independentes, que so

incgnitas do problema.

O princpio clssico da mecnica, que estabelece o equilbrio esttico dos slidos

(deformveis e indeformveis) escrito em termos de foras, precisa ser escrito em termos

tensoriais, conforme a expresso:

(2.3)

Essa equao, escrita em termos indiciais, representa um conjunto de trs equaes

diferenciais de equilbrio que devem ser atendidas em todos os pontos do slido. O vetor

representa as foras de massa atuantes, que normalmente so conhecidas.

Outro aspecto de interesse na descrio do comportamento do slido saber definir o

campo vetorial de deslocamentos sofrido pelo meio, ou melhor, sua variao contnua, quando

atua algum tipo de solicitao. Para descrever esse campo de deslocamentos, especialmente

25

para fins estruturais, deve-se evitar que o corpo tenha deslocamentos de corpo rgido

(translao e rotao) por meio das condies de vinculao (apoios). Isso garante o equilbrio

esttico. Deste modo os deslocamentos resultantes sero resultados exclusivamente de

processos de deformao. No mbito dos pequenos deslocamentos e pequenas deformaes,

define-se o tensor de deformaes como a parte simtrica do tensor gradiente do vetor

deslocamentos, ou seja:

(2.4)

O tensor possui seis componentes independentes, semelhante ao tensor de tenses.

A descrio do campo de deslocamentos deve ser tal que no ocorram descontinuidades

durante o processo de deformao. Isso assegurado desde que o campo de deslocamentos

respeite a condio de compatibilidade, que dada em termos indiciais por:

(2.5)

Ainda na modelagem do comportamento do slido, preciso que se estabelea alguma

relao envolvendo os campos tensoriais de tenses e deformaes. Essas relaes so

conhecidas como constitutivas, podem representar vrios fenmenos fsicos a depender do

problema. No contexto deste trabalho, utiliza-se a lei de Hooke generalizada que vlida para

materiais isotrpicos que apresentem reposta elstica linear entre tenso e deformao, e pode

ser escrita indicialmente como:

(

) (2.6)

Nessa equao representa uma das constantes de Lam enquanto o coeficiente de

Poisson, ambas representando informaes caractersticas dos materiais. importante

destacar que as equaes de equilbrio e deformao-deslocamento permanecem vlidas

independentemente da lei constitutiva do material.

O conjunto formado pelas equaes de equilbrio, relao deslocamento deformao,

relao constitutiva, somado s condies de contorno formam o problema de valor de

contorno.

26

Os PVCs possuem soluo analtica fechada apenas para uma pequena classe de

problemas em que a geometria em geral simples, com distribuies simplificadas ou

simtricas de carregamento e condies de vinculao. Portanto para se conseguir uma maior

generalidade de aplicao, os PVCs precisam ser resolvidos utilizando algum tipo de

modelagem numrica que obtenha respostas aproximadas para o modelo fsico matemtico

empregado. importante observar que o modelo discreto, em tese, deve se aproximar da

resposta exata na medida em que o nvel de refinamento da malha aumentar. Isto se deve ao

fato de que o modelo original apresenta infinitos graus de liberdade, enquanto que o modelo

numrico possui um nmero finito para representar determinado comportamento. O mtodo

numrico escolhido para desenvolver o presente trabalho foi o MEC, que ser descrito a

seguir.

2.2 SOLUO FUNDAMENTAL

Uma das premissas necessrias para a formulao do MEC o conhecimento de uma

soluo particular para o problema em questo considerando as mesmas propriedades

materiais do slido a ser analisado, porm com domnio infinito, sob a ao de um

carregamento singular. A esta soluo dado o nome de soluo fundamental.

Em problemas elsticos, a soluo fundamental uma expresso que fornece o

deslocamento em qualquer ponto do domnio devido atuao de uma fora concentrada

agindo em determinado ponto de um slido homogneo de dimenses infinitas. Segundo

Love (1944), esta soluo foi desenvolvida por Sir William Thomson em 1948 e

posteriormente ficou conhecida como soluo fundamental de Kelvin.

Apresenta-se a seguir uma breve descrio da maneira de obteno dessa soluo

fazendo-se uso do Vetor de Galerkin, conforme descrito por Brebbia e Dominguez (1992).

Podem-se combinar as equaes (2.4) e (2.6) na equao (2.3). Desse modo chega-se a

uma nova equao, dada por:

(

)

(2.7)

27

Essa equao conhecida como equao de Navier, e representa o equilbrio do corpo

em termos de deslocamentos englobando as relaes de compatibilidade e constitutiva em

uma nica expresso.

A soluo de Kelvin obtida considerando a aplicao uma carga unitria num ponto

i qualquer, na direo do vetor unitrio el . A representao matemtica da existncia de

uma fora aplicada pontualmente fica a cargo da distribuio Delta de Dirac (devido a Paul

Adrien Maurice Dirac). Desse modo a carga unitria concentrada fica dada por:

(2.8)

Brebbia e Dominguez (1992) indicam que a soluo de Kelvin pode ser encontrada

por meio do uso do vetor de Galerkin. Isto consiste em considerar um vetor que origina o

vetor de deslocamentos procurado da seguinte maneira:

(2.9)

Substituindo as equaes (2.8) e (2.9) na de Navier vem:

(2.10)

Agora o equilbrio em termos de deslocamentos passou a ser expresso em termos do

vetor de Galerkin. Portanto, o foco momentneo da soluo passa a ser o vetor , que deve

satisfazer a equao (2.10) podendo ser reescrita como:

(2.11)

Para facilitar o desenvolvimento, pode-se utilizar uma varivel vetorial auxiliar,

, logo:

(2.12)

que possui uma forma similar equao dos problemas potenciais. Note-se que aqui o

potencial no um valor escalar, mas sim, um valor vetorial. A soluo dessa equao para

problemas bidimensionais :

(

) (2.13)

Agora possvel obter o valor do Laplaciano de Gl:

28

(

) (2.14)

Considerando o caso de problemas planos, a equao acima resulta em:

(2.15)

Onde

(

) (2.16)

Para casos bidimensionais (ou tridimensionais) adota-se que em um determinado

ponto, os deslocamentos ocorridos em funo de uma carga unitria aplicada em uma direo

no sofrem alterao devido outro carregamento unitrio aplicado em outra direo. No

caso, cada carregamento unitrio tomado como independente um do outro. Assim, pode-se

escreve essa considerao em forma indicial da seguinte maneira:

(2.17)

Onde Glk a componente k do vetor de Galerkin em qualquer ponto quando uma carga

unitria concentrada aplicada no ponto i na direo l.

Da mesma maneira pode-se escrever o deslocamento em qualquer ponto do domnio

pode ser dado por:

(2.18)

Onde ulk representa o deslocamento em qualquer ponto na direo k quando uma carga

unitria aplicada no ponto i na direo l.

Uma vez encontrado o vetor , pode-se utilizar a equao (2.9) para escrever:

(2.19)

Para estados planos de deformao a soluo fundamental obtida substituindo as

equaes (2.16) e (2.17) na equao (2.19) resultando:

[ (

) ] (2.20)

As tenses internas em cada ponto podem ser obtidas utilizando as relaes de

deformao-deslocamento e tenso-deformao resultando em:

29

(2.21)

Em que o tensor de terceira ordem ser mostrado no item 2.7.

As foras de superfcie no contorno com normal n podem ser escritas como

(2.22)

Em que as componentes para o plano so:

{

[ ] } (2.23)

A Figura 2.2 mostra uma interpretao geomtrica da soluo fundamental para o caso

tridimensional. Nota-se que independentemente da direo que seja aplicada a carga unitria,

as componentes da soluo fundamental aparecem ao longo das trs direes perpendiculares.

Figura 2.2 Interpretao geomtrica das componentes da soluo fundamental (Brebbia e Dominguez, 1992)

2.3 FORMULAO INTEGRAL NO CONTORNO

Frank J. Rizzo (1989) aponta que o MEC, embora faa uso de recursos

computacionais, est fundamentado em uma herana rica e clssica da matemtica analtica.

Ele se refere ao teorema fundamental do Clculo Integral que afirma que ao realizar a soma

de todas as taxas de variao de uma funo num intervalo resulta na diferena entre os

valores da funo nos extremos do intervalo, ou seja, no contorno. O teorema de Green no

plano e o teorema da divergncia de Gauss no espao tridimensional so apenas

generalizaes dessa ideia para funes mais abrangentes do ponto de vista fsico (tensoriais)

30

que, sobretudo relacionam os valores de domnio aos valores do contorno. Essa reduo da

dimenso do problema uma caracterstica muito importante e bastante explorada pelo MEC.

Brebbia (1978) mostra que a equao integral que governa os problemas de

elastosttica pode ser obtida utilizando os conceitos do Mtodo dos resduos ponderados

(MRP) por serem formalmente aceitos como uma tcnica clssica de resoluo de problemas

de engenharia. Alm disso, Brebbia, Telles e Wrobel (1984) mostram que as diferentes

tcnicas numricas existentes (Diferenas finitas, Elementos finitos, Elementos de contorno)

esto relacionadas entre si por meio do amplo conceito do MRP. A Figura 2.3 ilustra essa

relao.

Figura 2.3 Classificao das diferentes tcnicas de aproximao (Brebbia, Telles, Wrobel, 1984)

Suponha-se que um determinado corpo esteja em equilbrio esttico sujeito s

seguintes condies de contorno:

i. Condies de contorno essenciais, conhecidas como condio de Dirichlet:

em

ii. Condies de contorno naturais, ou condio de Neumann: em

31

Isto implica que a equao de equilbrio, que representa a forma forte do PVC, deve

ser satisfeita, ou seja:

em (2.24)

Ao se propor uma soluo aproximada, a equao acima passa a no ser mais atendida

em todos os pontos, levando a um resduo. O MRP parte da premissa que esse resduo deve

ser minimizado, e para isto, deve-se ortogonalizar o produto escalar envolvendo a funo a ser

aproximada e a funo ponderadora. Tomando como funo peso, pode-se escrever essa

considerao da seguinte maneira:

( )

(2.25)

Esta forma tambm conhecida como forma variacional direta do problema de valor

de contorno.

Procedendo integrao por partes uma vez, ter-se-:

(2.26)

Integrando por partes novamente chega-se forma reversa de Eq. 2.22.

(2.27)

Note-se que as integrais do segundo membro da equao correspondem a integrais

apenas na superfcie do slido. Considerando que o contorno est dividido em duas partes e

onde atuam as condies prescritas em deslocamento e fora de superfcie, pode-se

reescrever a equao acima, agora com condies de contorno impostas, da seguinte maneira:

(2.28)

Integrando novamente por partes o primeiro termo do lado esquerdo dessa equao por

duas vezes consecutivas chega-se a:

32

( )

(2.29)

Esta expresso corresponde a uma forma em resduos ponderados generalizada,

utilizada como ponto de partida para formulao do MEC. Em termos gerais, pode-se

observar que a soluo aproximada deve ser tal que o resduo por ela gerado no domnio,

ponderada por uma funo peso, deve ser igual ao resduo por ela gerado no contorno,

tambm ponderado pela mesma funo peso. Desta maneira considera-se, por exemplo, que a

funo peso no necessariamente seja homognea nas condies de contorno.

Uma vez que o ponto de partida ficou evidente, retoma-se a soluo fundamental que

pode ser escrita inicialmente como segue:

(2.30)

Onde ,

so k componentes de deslocamento e fora devido a uma carga unitria

aplicada na direo l. Pode-se agora retornar expresso (2.28) (que equivalente a (2.29)) e

utilizar a soluo fundamental apresentada em (2.20) como funo ponderadora. O primeiro

termo da equao fica:

(2.31)

Essa manipulao possvel pois a soluo fundamental respeita plenamente a

equao diferencial de equilbrio. Logo, .

Na equao(2.31), representa a componente l do deslocamento no ponto i de

aplicao da carga unitria. A equao (2.28) pode agora ser escrita em termos de

componentes independentes de deslocamento no ponto i.

(2.32)

Pode-se observar que quando uma carga unitria aplicada numa direo especfica l,

os deslocamentos e foras de superfcie tm componentes nas duas (ou trs) direes

enquanto que os termos do tipo so diferentes de zero apenas ao longo da direo l. Isto

resulta no fato que para uma dada direo l no ponto de aplicao a integral de domnio

33

produz deslocamento ao longo apenas da direo l, enquanto que outros termos

incluem produtos de todas as componentes, apontam Brebbia e Dominguez (1992).

A equao (2.32) pode ser escrita de maneira mais compacta como:

(2.33)

Esta equao conhecida como identidade Somigliana e permite encontrar os

deslocamentos em qualquer ponto do domnio desde que se conheam os deslocamentos e

foras de superfcie dos pontos de contorno, as foras de domnio atuantes e a soluo

fundamental.

Observaes adicionais podem ser feitas com relao equao (2.26), aqui

reproduzida por convenincia da seguinte maneira:

(2.34)

Se a funo ponderadora for tomada como um campo de deslocamentos virtuais

admissveis, compatveis e, portanto integrante do espao soluo, a equao acima pode ser

interpretada da seguinte maneira: o membro esquerdo corresponde ao trabalho das foras

internas gerado pelo deslocamento virtual . O membro direito significa o trabalho que as

foras externas exercem sobre esse mesmo campo de deslocamento. Assim a equao (2.34)

assume o carter fsico de um importante princpio da Mecnica, o princpio dos trabalhos

virtuais (PTV).

No tocante da equao (2.27), lembrando que

, pode-se escrev-la da

seguinte maneira:

(2.35)

Ou rearranjando os termos,

(2.36)

Adotando a correspondncia de que o corpo esteja em equilbrio e sujeito a dois

conjuntos de foras {

} e { }, que produzem respectivamente os deslocamentos e

34

, a equao (2.36) mostra que o trabalho das foras do primeiro conjunto atuando sobre os

deslocamentos do segundo igual ao trabalho das foras do segundo conjunto sobre os

deslocamentos do primeiro em cada ponto. Este enunciado constitui outro princpio geral da

Mecnica e conhecido como teorema dos trabalhos recprocos ou teorema de Betti.

Esses dois princpios que foram obtidos do mesmo ponto de partida, que foi a forma

variacional direta, podem ser tomados tambm como pontos iniciais alternativos para a

formulao do MEC.

2.4 PONTOS NO CONTORNO

A identidade de Somigliana fornece o deslocamento em qualquer ponto desde que se

conhea uk e pk em todo o contorno. Deste modo para calcular os deslocamentos internamente

necessrio que primeiro se resolva o problema. Entretanto essa identidade, que vale para

todos os pontos do domnio e contorno, pode ser modificada para ser aplicada em diferentes

pontos do contorno para produzir um sistema de equaes que uma vez resolvido fornece os

valores do contorno.

Quando o ponto fonte tomado sobre o contorno, deve-se tratar a singularidade que

surge da soluo fundamental (quando ) para efetuar a integrao. Para estudar os

efeitos da singularidade em problemas 2D, pode-se envolver o ponto fonte com uma regio do

domnio circular de raio e centro em i e ento avaliar o que ocorre com as expresses

quando o raio tende a zero (BREBBIA; DOMINGUEZ, 1992). A Figura 2.4 elucida a

situao.

Figura 2.4 Ponto de colocao no contorno

35

Na intenso de analisar o que ocorre com a identidade de Somigliana, passa-se a

avaliar a equao (2.33) termo a termo. Considerando primeiramente a integral:

(2.37)

A primeira integral do segundo membro da equao acima se torna simplesmente a

integral ao longo de todo o contorno quando . Quanto a segunda integral pode-se

fazer:

(2.38)

Uma vez que a singularidade de u* da ordem de (

) e o contorno de integrao

produz , pode-se concluir que quando o conjunto tender a zero, o limite nulo, pois:

(

)

(2.39)

Em outras palavras a integral investigada no afetada pela singularidade em i.

Logo,

(2.40)

Quanto integral do primeiro membro da identidade de Somigliana, vem:

(2.41)

Novamente a primeira integral do segundo membro torna-se uma integral ao longo de

todo o contorno quando . Quanto a segunda integral, existe uma singularidade da

ordem de

em p* enquanto que o contorno produz , logo o limite resultante no nulo e

precisa ser avaliado.

Pode ser demonstrado que para superfcies suaves o resultado do limite :

(2.42)

O resultado da equao (2.41) fica:

36

(2.43)

Em que a integral em definida no sentido do valor principal de Cauchy (VPC).

A expresso final da identidade de Somigliana agora escrita em termos de pontos

exclusivamente sobre o contorno passa a ser:

(2.44)

Onde as integrais devem ser calculadas no sentido do VPC, e quando a superfcie for

suave no ponto i, ento

. Caso a superfcie no seja suave no ponto de colocao,

o valor do limite (2.42) ser um resultado diferente e, em geral, de difcil generalizao

quanto se trata de problemas tridimensionais. (BREBBIA; DOMINGUEZ, 1992)

2.5 FORMULAO DOS ELEMENTOS DE CONTORNO

A equao (2.44) envolve termos definidos continuamente no contorno de interesse. O

MEC adota, para resolver a equao integral numericamente, uma discretizao do contorno

em um nmero finito de elementos. Para cada elemento, tanto os deslocamentos quanto foras

de superfcie so escritos em funo de valores nodais. Dessa maneira, ao aplicar a equao

(2.44) para cada n do contorno, o que se obtm um sistema linear algbrico de equaes.

Uma vez que as condies de contorno so aplicadas ao sistema, pode-se obter a resposta

nica que contm todos os valores incgnitos e assim, a soluo aproximada no contorno

encontrada.

Neste ponto, torna-se conveniente trabalhar com matrizes em vez e notao indicial.

Assim, podem-se definir as funes e vlidas para cada elemento j.

(2.45)

Onde e so vetores de deslocamento e fora de superfcie nodais de dimenso

2Q em que Q o nmero de ns do elemento. Os vetores e so deslocamentos e foras de

superfcie em qualquer ponto do elemento j.

37

A matriz de funes de forma que aparece na equao (2.45) tem dimenso 2x2Q

sendo dada por:

[

] (2.46)

As foras de domnio em qualquer ponto de podem ser expressas em forma vetorial

sendo:

{

} (2.47)

Os coeficientes da soluo fundamental, que so expressos em forma indicial pela

equao (2.23), podem ser agrupados em forma de matriz da seguinte maneira:

[

] (2.48)

Nessa matriz, os coeficientes , so as foras de superfcie na direo k devido a

uma fora unitria aplicada em i na direo l.

De maneira anloga:

[

] (2.49)

Para essa matriz, os coeficientes , so os deslocamentos na direo k devido a uma

fora unitria aplicada em i na direo l.

A partir dessas definies a equao integral no contorno (2.44) pode ser escrita como:

(2.50)

Em que para contornos suaves:

[

] (2.51)

Levando em conta a discretizao no contorno a equao integral fica:

{

}

{

}

{

}

(2.52)

38

Nota-se que a soma de j=1 at NE indica a soma sobre todos os NE elementos do

contorno enquanto que, j representa o contorno do elemento j.

De modo geral quando existem foras de domnio pode-se calcular a integral de

domnio por meio de clulas de integrao. Existem alguns casos que permitem a

transformao dessa integral de domnio em uma de contorno, o que evitaria o uso das

clulas.

A equao (2.52) usualmente calculada numericamente devido s dificuldades de

soluo analtica. (BREBBIA; DOMINGUEZ, 1992)

2.6 TRANSFORMAO DE COORDENADAS

A transformao de coordenadas feita por meio do Jacobiano, cuja representao

geomtrica mostrada na Figura 2.5, que para o sistema bidimensional em questo pode ser

obtido da maneira como segue.

Figura 2.5 Interpretao geomtrica do Jacobiano (Brebbia, Telles, Wrobel, 1984)

Da figura tem-se:

[(

)

(

)

] (2.53)

| | (

)

(

)

(2.54)

39

| | (2.55)

Para calcular as derivadas de x1 e x2 em relao a basta fazer o uso das mesmas

funes interpoladoras dos deslocamentos e foras de superfcie:

(2.56)

[

]

(2.57)

Onde so as coordenadas xl do n k, enquanto a coordenada em qualquer ponto

do elemento em questo.

Assim a equao (2.52) pode ser escrita como:

{ | |

}

{ | |

}

{ | |

}

(2.58)

Onde | | representa outro Jacobiano a ser definido no domnio.

Essa transformao permite a avaliao das integrais dos elementos numericamente

por meio da quadratura de Gauss fazendo:

{ | |

}

{ | |

}

{ | |

}

(2.59)

Onde l o nmero de pontos de integrao no contorno, wk so os pesos de Gauss

nesses pontos, r o nmero de pontos de integrao nas clulas e wp so os respectivos pesos.

As funes , e devem ser avaliadas nos pontos de integrao. (BREBBIA;

DOMINGUEZ, 1992)

40

2.7 SISTEMA DE EQUAES

A equao (2.59) ou sua forma integral (2.52) corresponde a um n particular i e

uma vez integrada pode ser escrita como:

(2.60)

Onde N o nmero de ns. As matrizes e so conhecidas como matrizes de

influncia ambas de ordem 2x2N (para problemas planos) e so dadas por:

| |

(2.61)

| |

(2.62)

Ao criar a seguinte notao:

(2.63)

a equao (2.60), que representa a contribuio do n i, pode ser escrita da seguinte

maneira:

(2.64)

Ao realizar a soma das contribuies de todos os ns, o resultado pode ser agrupado

em forma matricial resultando no seguinte sistema de equaes lineares global:

(2.65)

Nota-se que ci uma srie de matrizes de ordem 2x2 dispostas ao longo da diagonal

principal de H.

Os vetores U e P representam todos os valores de deslocamentos e foras de superfcie

antes de aplicar as condies de contorno. Essas condies podem ser introduzidas

rearranjando as matrizes H e G, trocando convenientemente suas colunas, de modo que todos

41

os valores desconhecidos sejam colocados no vetor X no membro esquerdo. Assim chega-se

ao sistema final:

(2.66)

Nota-se que B foi incorporado a F. Resolvendo o sistema linear acima os valores de

contorno ficam totalmente determinados. (BREBBIA; DOMINGUEZ, 1992)

2.8 PONTOS INTERNOS

De posse dos valores dos deslocamentos e foras de superfcie ao longo de todo o

contorno, pode-se utilizar a expresso de Somigliana para encontrar o deslocamento em

qualquer ponto interno. Sua formulao discreta dada por:

{

}

{

}

{

}

(2.67)

Nessa equao, representa o contorno correspondente ao elemento j enquanto i

um ponto interno. Pode-se ainda escrever a equao acima da seguinte maneira:

(2.68)

Os termos Hij e Gij consistem em integrais ao longo dos elementos. Essas integrais no

contem nenhuma singularidade e podem ser calculadas usando integrao numrica. Termos

como Bis, entretanto contm singularidade (pois so integrais de domnio e i agora pertence

ao domnio) e necessitam de cuidado especial.

Para meios isotrpicos a tenso interna pode ser calculada diferenciando os

deslocamentos em pontos internos e introduzindo a deformao correspondente na relao

tenso-deformao.

(2.69)

Depois de realizar as derivaes da equao integral chega-se a:

42

[

]

[

(

)]

[

]

(2.70)

Todas as derivadas so tomadas nos pontos internos considerados, que correspondem a

pontos de colocao da soluo fundamental. Tomando as derivadas correspondentes da

soluo fundamental, a equao acima pode ser escrita como:

(2.71)

Em que as componentes dos tensores de terceira ordem Dkij e Skij no espao

bidimensional so:

[ ( ) ] (2.72)

{

[ ( ) ]

( ) ( )

}

(2.73)

A equao (2.71) pode ser discretizada em uma soma finita de elementos sobre o

contorno assumindo as correspondentes funes aproximadoras para uk e pk.

Os valores obtidos para tenses internas usando a formulao acima so em geral mais

precisos que aqueles obtidos por outros mtodos numricos com discretizao similar. O

mesmo pode ser dito dos deslocamentos internos calculados por (2.67). Entretanto, quando o

ponto interno situa-se muito prximo do contorno deve-se utilizar tcnicas especiais de

integrao para manter o resultado preciso, devido ao pico de singularidade da soluo

fundamental. (BREBBIA; DOMINGUEZ, 1992)

2.9 DESCONTINUIDADE EM PONTOS DE CANTO

43

Quando um n localizado em um ponto onde o contorno no suave (no caso

bidimensional, seria um ponto de canto ou encontros de lados com angulosidades diferentes)

uma descontinuidade de foras de superfcie ocorre nesse ponto.

Uma maneira de contornar esse problema utilizar elementos descontnuos, que ser

adotado neste trabalho, que consiste em deslocar ao longo do elemento, os ns que encontram

ou deveriam encontrar nos cantos. A Figura 2.6 ilustra a situao.

Figura 2.6 Esquema para ponto de canto (Brebbia, Telles, Wrobel, 1984)

Essa estratgia permite a determinao das foras de superfcie utilizando o

procedimento comum e possui a vantagem de melhor representar cantos com concentrao de

tenses. Quando usado para modelar singularidades com elementos de contorno, como em

mecnica da fratura, por exemplo, os resultados convergem bem para a soluo. (BREBBIA;

DOMINGUEZ, 1992)

2.10 TRATAMENTO DE INTEGRAIS NO DOMNIO

As integrais de domnio so muito importantes em elementos de contorno, pois so

elas que representam os efeitos de foras de campo como fora gravitacional (caso do peso

prprio) e foras trmicas por exemplo. Mas, alm disso, por meio delas pode-se representar

os efeitos de no linearidades como o caso a ser abordado pelo presente trabalho.

44

2.10.1 Considerao das tenses iniciais

Em certos problemas de engenharia existe a presena de campos de tenso ou

deformao antes da atuao do carregamento externo. Essas tenses (correspondentes

deformaes) so chamadas de tenses iniciais e podem ser consideradas nas formulaes do

MEC como descreve-se a seguir.

Sendo:

tenso elstica

tenso total atuante

tenso inicial

Pode-se escrever que a tenso elstica :

(2.74)

Escrevendo a equao inicial, levando em considerao a soluo fundamental agindo

na direo l, pode-se escrever:

( )

(2.75)

Integrando por partes uma vez, vem:

(2.76)

Nota-se que a integrao por partes deve ser feita sobre e no pois o campo de

tenses atuante deve estar relacionado com os deslocamentos totais.

Substituindo a equao (2.74) pode-se fazer:

(2.77)

Utilizando as propriedades de simetria e integrando por partes novamente chega-se a:

45

(2.78)

Substituindo a soluo fundamental em (2.78) fica:

(2.79)

Isto mostra que as tenses iniciais (e similarmente deformaes iniciais) podem ser

tratadas de maneira similar s foras de domnio, bk, embora geralmente seja difcil a

transformao de integrais de no domnio em integrais de contorno. (BREBBIA;

DOMINGUEZ, 1992)

2.11 MTODO DA SUBTRAO DE SINGULARIDADE

A soluo fundamental de Kelvin apresenta tipos distintos de singularidades, que faz

com que a funo no tenha valor finito sobre os pontos fonte, o que a princpio torna-se um

problema ao realizar a integral de linha, no sentido de Riemann, sobre o elemento. Entretanto,

a existncia dessa singularidade pode ser contornada tomando partido dos preceitos de

regularizao de integrais.

Uma maneira de avaliao analtica de integrais singulares, que aparece correntemente

nas formulaes MEC consiste em realizar um processo limite da seguinte maneira:

Seja uma integral imprpria

(2.80)

cujo integrando se torna infinito para um valor a no intervalo de integrao,

| | (2.81)

A integral (2.80) pode ser reescrita da seguinte maneira,

46

(2.82)

A esse limite dado o nome de Valor Principal de Cauchy (VPC) e a integral

designada por Integral no sentido de Cauchy. (KREYSZIG, 2006)

Segundo Aliabadi (2002), uma clssica maneira de tratar ncleos de integrao

singulares consiste em subtrair o ponto de singularidade dando origem a um novo ncleo

regular e a uma nova integral, ainda singular:

[ ]

(2.83)

Nessa equao, necessita ter a mesma singularidade de porm, de uma

forma mais simples, pode ser integrada analiticamente. Deste modo o ncleo [ ]

pode ser calculado computacionalmente por meio de quadraturas numricas. A essa tcnica

d-se o nome Mtodo de Subtrao da Singularidade (MSS).

Segundo este conceito, Kzam (2009) realiza a subtrao das singularidades presentes

nas solues fundamentais, de ordens como , e , em que as integrais

singulares remanescentes so avaliadas sobre um elemento de geometria reta tangente no

ponto fonte singular. Esse procedimento, que foi utilizado no presente trabalho, descrito a

seguir.

Suponha-se um elemento curvo de ordem superior. Pretende-se calcular uma

integral imprpria cujo ponto de singularidade pertence ao elemento. O ponto de

singularidade (ponto fonte) ser designado por sua coordenada adimensional 0.

Em termos gerais, a coordenada cartesiana de qualquer ponto do elemento pode ser

escrita de duas maneiras. Uma delas j foi utilizada na definio do Jacobiano, e leva em

considerao as coordenadas nodais do elemento.

(2.84)

Regular Singular Singular

47

A outra maneira seria tomar partido dos preceitos de continuidade e fazer uma

expanso em srie de Taylor nas vizinhanas do ponto fonte (singular). Tomando = 0

como representante do raio da expanso enquanto que, o( ) os termos de ordem superior, vem:

(2.85)

Desconsiderando os termos de ordem superior, a equao acima pode ser reescrita da

seguinte forma:

(2.86)

que segundo a Geometria Analtica representa a equao de uma reta, tangente ao elemento

curvo exatamente no ponto fonte. Como o intervalo de variao para a coordenada

adimensional [-1,+1] pode-se construir nesta reta um elemento auxiliar de dimenses finitas,

conforme ilustra a Figura 2.7.

Figura 2.7 Configurao do elemento reto auxiliar

Sobre o elemento auxiliar, a posio do ponto de coordenada em relao ao ponto de

tangncia fica definida pelo vetor , da seguinte maneira:

(2.87)

sendo ei versores cartesianos e ri as componentes do vetor .

Como a equao (2.86) vale para o elemento reto, pode-se fazer:

48

(2.88)

A distncia de qualquer ponto de coordenada ao ponto de singularidade fica

denotada por:

| |

(2.89)

| | (2.90)

A equao acima representa o raio calculado sobre o elemento auxiliar e tem

fundamental importncia na subtrao da singularidade, pois no limite, com tendendo a

zero, os valores funcionais calculados sobre o elemento curvo se confundem com aqueles

calculados sobre o elemento reto, logo se subtrados, resultam zero.

Desconsiderando os efeitos das foras de domnio, a equao integral de contorno

(2.44) pode ser escrita da seguinte maneira:

dpudupuc klkklki

k

i

lk

** (2.91)

O trao presente na integral de linha simboliza a presena de um ncleo singular que

pode ser tratado segundo senso de Cauchy. Nessas integrais as singularidades so de ordem

e conforme ser mostrado.

Toma-se o termo referente a u* na equao (2.91), restrito ao contorno que contenha a

singularidade, j. Procedendo transformao de coordenadas, de cartesianas para

adimensionais, e substituindo a aproximao referente s foras de superfcie, fica:

[

]

(2.92)

Aqui, as variveis dependentes de foram evidenciadas por clareza.

Substituindo na equao acima resulta em:

49

[ [ ]

]

(2.93)

Nessa equao, [ ] e [ ] so

constantes definidas de modo a facilitar a notao.

O termo integral contendo a constante u2 regular e pode ser integrado

numericamente. Entretanto, o termo que contm u1 apresenta singularidade logartmica e por

esse motivo deve sofrer uma regularizao por meio do MSS. Para tanto,

[ ]

[ ]

(2.94)

[ ]

[ ]

Em que

uma expanso em srie das funes de

forma nas vizinhanas do ponto de singularidade. Para singularidades da ordem e

, apenas o termo constante da expanso suficiente para garantir a regularizao. O

termo | | o raio definido sobre o elemento auxiliar conforme j definido.

Pode-se notar a semelhana da natureza da singularidade dos termos integrais adicionados e

ainda, tal insero no altera a igualdade, mas sim, regulariza o ncleo singular. Assim a

equao (2.94) fica:

[ ]

[ ]

(2.95)

[ ] [ ]

Pode ser verificado que o termo entre chaves na expresso acima possui valor

limitado, logo regular, no limite quando (isso implica que e ,

simultaneamente). Quanto a ultima integral que ainda permanece singular, procede-se a

integrao no sentido de Cauchy resultando em:

50

[ ]

[ ]

[ ] [ ]

(2.96)

A expresso final, que pode ser implementada computacionalmente, para o clculo do

termo referente a u* da equao (2.91) dado por:

{ [ ] [ ] }

[ ]

[ ] [ ]

(2.97)

Procedendo de maneira semelhante o termo referente a p* fica:

(

| | )

[ ]

(2.98)

Em que,

51

Alguns cuidados devem ser tomados caso se utilize elementos contnuos, pois nesse caso

. Para tanto, basta eliminar a expresso que conteria o logaritmo nulo, pois esse o

resultado obtido ao ser realizado novo limite pelo senso de Cauchy.

As expresses (2.97) e (2.98) permitem o uso de quadraturas desde que se tenha a precauo

de escolher um nmero de pontos de integrao tal que nenhum ponto de integrao coincida

com o ponto fonte, pois nesse caso ter-se-ia uma situao de , o que anularia os

raios r e r* gerando um mau condicionamento do sistema de equaes.

52

MECNICA DA FRATURA APLICADA AO CONCRETO 3

Em breves palavras pode-se dizer que a Mecnica da Fratura o ramo da Mecnica

dos Materiais que trata do comportamento mecnico de meios fraturados, analisando os

mecanismos de falha, ocorrncia, estabilidade e propagao de fissuras no domnio de

interesse.

Os mecanismos que causam as falhas nos materiais so associados natureza do

prprio material ou s suas condies de utilizao. Pode-se dizer que essencialmente dois

mecanismos levam os materiais falha sendo eles o de ruptura frgil e o de ruptura dctil. A

maneira (macroscopicamente) utilizada para identificar esse comportamento a realizao de

um ensaio de trao (ou compresso) uniaxial. Nesse ensaio caso a ruptura do material se d

de forma brusca, diz-se que o material frgil. Caso a ruptura ocorra precedida pela

manifestao de apreciveis deformaes plsticas, diz-se que o material dctil.

O material tratado pelo presente trabalho o concreto, que possui estrutura

heterognea constituda pela mistura entre materiais inertes (agregados), aglomerante

(normalmente o cimento e adies) e gua. Suas fases internas podem ser divididas

didaticamente em: matriz pasta, o agregado e a zona de transio de interface. Esta ltima

caracterizada por uma regio de menor resistncia devido alta concentrao de vazios que se

formam devido ao processo de exudao interna. Normalmente o uso de aditivos redutores de

gua pode contribuir para inibio da exudao e consequentemente aumento da resistncia

global a compresso (MEHTA; MONTEIRO, 2008).

Alm da zona de transio, o material como um todo apresenta descontinuidades como

poros, ar incorporado ou ainda fissuras devido a processos de retrao e secagem, que so

inerentes ao material e assim esto presentes mesmo antes da estrutura sofrer qualquer

solicitao mecnica.

Somando-se natureza fraturada do material, que seria um motivo coerente para sua

aplicao, os conceitos da Mecnica da Fratura conseguem explicar com base em slidos

princpios fsicos vrios comportamentos apresentados pelo concreto, que anteriormente eram

estabelecidos empiricamente. Nos prximos itens alguns aspectos frequentemente observados

sero suscintamente comentados luz dos olhos da Mecnica da Fratura.

53

3.1 COMPORTAMENTO DO CONCRETO TRAO

O comportamento tpico do concreto simples em um ensaio de trao direta, sob

deformao controlada, mostrado na Figura 3.1. O material inicialmente apresenta uma

resposta aproximadamente elstica linear at atingir o ponto A. Em seguida o material desvia-

se ligeiramente do comportamento linear at que atinge a carga mxima (ponto B) chamada

de resistncia a trao do concreto (ft). Em seguida nota-se um aumento de deformao

seguido por uma diminuio da capacidade resistente do material (regio BCD). Essa

caracterstica representada pelo trecho ps-pico chamada de amolecimento ou softening.

Os materiais que apresentam considervel encruamento no regime pr-pico e amolecimento

no regime ps-pico podem ser chamados de materiais quase frgeis, que tem como exemplo

alm do concreto, algumas rochas, cermicas e tambm materiais compsitos.

Figura 3.1 Resposta tpica do concreto sob ensaio de trao direta (KARIHALOO, 1995)

A explicao para o amolecimento dada pela Mecnica da Fratura baseada no

conceito de localizao das microfissuras, sua propagao e ainda o intertravamento dos

agregados grados. De maneira geral pode-se dizer que at o ponto A as fissuras,

naturalmente presentes, apresentam influncia desprezvel no comportamento global. Do

ponto A em diante as fissuras presentes comeam a se estender tanto na zona de transio

54

quanto na matriz pasta de cimento. No trecho de ramo descendente as fissuras se conectam

formando macrofissuras, que tem carter localizado. Ao processo de unio entre fissuras d-se

o nome coalescncia. Com o avano da deformao a macrofissura propaga e leva ruptura

fsica do corpo de concreto (KARIHALOO,1995).

3.2 COMPORTAMENTO DO CONCRETO A COMPRESSO

O comportamento do concreto simples quando solicitado por foras compressivas, sob

controle de deformao, similar ao item anterior. Observa-se uma forte influncia das

fissuras internas na resistncia global do material. O diagrama tenso-deformao tpico de

um ensaio de compresso centrada mostrado na Figura 3.2.

Figura 3.2 Diagrama tenso x deformao tpico do concreto (CHEN & HAN, 1988)

Simplificadamente pode-se dizer que at 30% da resistncia compresso axial, ,

tem-se um comportamento predominantemente elstico linear, pois cargas nessa faixa no

afetam significativamente as microfissuras presentes na zona de transio.

Para faixa de tenses no intervalo entre 30% a 50% de , inicia-se a extenso das

fissuras presentes na zona de transio devido concentrao de tenses nas extremidades das

fissuras. Diz-se que esse trecho apresenta propagao estvel (ou regime subcrtico) de

55

fissuras, pois mantido o carregamento constante no ocorre propagao espontnea das

fissuras.

No intervalo de carregamento entre 50% a 75% de , comea a ocorrer extenso das

microfissuras presentes na matriz aglomerante e, aliada rpida propagao das fissuras da

zona de transio, tende a tornar o sistema instvel.

A propagao das fissuras no concreto torna-se instvel para carregamentos superiores

a 75%