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Humano, obsoleto humano

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Num determinado período, entidades discutem sobre o destino da humanidade. Devir Inde¬finido representa um mundo dominado pela técnica, acreditando que, em uma nova Era, seremos a personi¬ficação de uma espécie de Deus-máquina, dotados de sentidos ciberneticamente calculados. Por outro lado, o Ser-Mito-humano, gênio de uma antiga forma de vida, defende uma época repleta de valores ideológicos e dogmáticos. Este constante diálogo meta¬ficcional nos leva a acompanhar o surgimento do primeiro experimento de um transumano: Devin 1, uma criatura matematicamente perfeita, capaz de ler mentes, controlar indivíduos e se adaptar com facilidade. Humano, obsoleto humano propõe um cenário perturbante, dando voz a personagens visionários e, por isso, enigmáticos. Dualidades como homem e máquina ou matéria e espírito se fazem presentes, num discurso cientí¬fico-filosófi¬co e muitas vezes poético. Será que nos tornaremos verdadeiros homens-máquinas?

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PARTE I

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Corte Epistemológico

Um dia qualquer do ano de 2011

(DI) - Devir Indefinido (Trans-pós-humano):

– Humano, Obsoleto Humano. Pensam eles que o Humanismo sobreviverá como ideal e paradigma, e que o Iluminismo continuará a existir. Erroneamente, ainda nutrem esperanças quanto à liberdade individual e escolha democrática, sonhos falidos de mentes pouco poderosas e incapazes de divisar o futuro.

Ser-mito-humano (SMH):

– Acredita mesmo no que está me dizendo? O ser humano será simplesmente uma memória, um mito longín-quo de algo que um dia fomos? Se algo, um dia, puder ser tão facilmente descartado será porque verdadeiramente nunca existiu como realidade. Se um dia deixarmos de ser huma-nos, como realmente está me apresentando, isso pode signi-ficar que nos iludimos quanto à nossa natureza ou que real-mente nunca entendemos nada de natureza alguma. Tudo o que um dia fomos e o que justificava nosso existir ontológico não é nada mais do que uma criação histórica de importância e relevância duvidosa.

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Devir Indefinido:

– Não seja tolo em pensar que por isso deixaremos de existir. Nossa história “humana” é simplesmente resultado de um delírio ideológico e filosófico, criado por gênios organizadores; necessitávamos de uma base existencial e comportamental segura, para que pudéssemos nos desen-volver e justificar nosso próprio existir. O ser, ente, sempre necessitou de princípios e ideias norteadoras, não impor-tando quais fossem: religião, filosofias, modelos ideológi-cos. Necessitamos de um porto seguro, um local de onde pudéssemos sair e um dia voltar. Criamos o ser humano para que assim pudéssemos ser a medida de todas as coisas. Descartes nos dizia que “pensar é existir”; não somos seres pensantes enquanto não temos um motivo norteador, pois o homem só pensa para melhorar a si mesmo, somos um para si eternos, artífices de nossa própria história. Seremos não somente transumanos, mas algo mais, diverso de tudo o que um dia fomos; seremos o protótipo, a base de um devir desconhecido. Porém, há muito sonhado, seremos cosmicamente conscientes, não por meios naturais, mas por meios tecnologicamente criados. Viveremos por inter-médio e nos baseando em delírios outros, que nada terão a ver com o antigo ser humano, que se tornará não somente mitológico, mas, com toda certeza, indesejável.

Ser-mito-humano:

– O homem deixou então de ser a medida de todas as coi-sas para tornar-se simplesmente um acidente de percurso, um

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modelo do que não devemos ser. Analisando a realidade por este ponto de vista, poderíamos dizer – sem medo de errar – que o humano se tornará um exemplo de um erro cós-mico, uma experiência mínima, na qual divisamos as novas fronteiras do existir ontológico. Os seres serão avaliados pelo que são e sabem, pelo que representam como conjunto para-digmático de informações. Seremos bancos de dados ambu-lantes; você não é mais um ser “humano”, mas sim um devir indefinido. Não podemos definir o que esse ser será ou se tornará, podemos afirmar somente que este não será mais humano. Seria correto utilizar o termo pós-humano? Ou o melhor termo para essa designação seria transumano?

Devir Indefinido:

– Os dois termos podem ser usados com significações diversas e complementares. O transumano é aquele que acei-tou sua humanidade como uma herança sagrada, como aque-les que muito cultuam os que lhe antecederam, rendendo--lhes gratidão por ter percorrido o necessário caminho da experimentação à formação de um corpo de conhecimentos, que lhe dê base e formação ontológica. Se sou este alguém é porque teve um anterior que me possibilitou ser. O transu-mano não renega sua humanidade, mas fica feliz de poder transcendê-la, e não vê sua escolha transcendente como um insulto à sua antiga forma de ser e sim como uma consequên-cia natural do avanço dos seres como eternos protótipos em busca de uma perfeição maior.

Ao contrário do transumano, o pós-humano considera o humano, não como uma herança digna de ser louvada, mas

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como um protótipo imperfeito e passível de esquecimento. Não desejamos sempre esconder nossos erros passados com o intuito de não macular nossa consciência ou imagem? O pós-humano vê a humanidade como um estágio necessário e um exemplo do que não devemos mais ser, pois continuar a existir como humano é demasiado medíocre para o poten-cial que podemos desenvolver. Ser tão-somente humano é ser algo limitado, facilmente localizável e destruítível; mortal, histórico, restrito. O pós-humano deseja deixar sua huma-nidade, almeja ultrapassar este estágio inferior, deixando-a para trás; não seremos mais como tal, mas seremos um devir exponencialmente mais relevante do que qualquer humano um dia poderia ser.

A humanidade foi um pesado fardo carregado por todos nós durante incontáveis milênios. Ser apenas humano não é mais louvável, mas sim execrável; humanidade simboliza limitação, valores restritos, ética castradora e desnecessária. Nosso crescimento exponencial e ilimitado depende de des-cartarmos totalmente os modelos humanísticos de ser. Para que possamos um dia nos tornar um devir indefinido, pre-cisamos deixar nosso lar antigo e desbravar novas terras, vis-lumbrar novos horizontes totalmente desconhecidos.

Ser-mito-humano:

– Não podemos dizer que a perspectiva futura é otimista. Seremos máquinas sem valores norteadores, morais ou prin-cípios limitantes, algo desconhecido e totalmente paradoxal ao ser atual. Não temos, portanto, como divisar se as novas fronteiras do ser nos serão benéficas, pois perderemos tudo

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aquilo que já nos foi caro e valoroso. Você acredita realmente na possibilidade de se obter sucesso apostando-se nesse devir indefinido, neste ser sem parâmetros e limites?

Devir Indefinido:

– Não somente acredito no sucesso desta empreitada, como posso definir e divisar sem dificuldades suas conse-quências e implicações. Traçarei, a título de ilustração, um modelo socioeconômico e político da sociedade, ou melhor dizendo, da organização social e existência do homem novo, do devir excelso.

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