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Hungria 1956_.e o Muro Comeca a - Ladislao Pedro Szabo

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro epoder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

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    HUNGRIA 1956

    si

    HUNGRIA 1956

  • daL

    de sucesso. Para os hngaros, o levan-

    O Muro de Berlim comeou a cair na Hungria. Parte do bloco HUNGRIA O levante hngarode 1956 teve

    te de 1956 foi um movimento patri-

    socialista comandado pela ento Unio Sovitica, a Hungria se enorme impacto no mundointeiro

    Ladislao Szabo

    tico, democrtico e libertador. No

    posicionava contra a ditadura dos seguidores de Stalin, com suas desde o movimento comunistainter-Angelo Segrillo

    entanto, apesar da sua importncia, o

    torturas e execues em massa dos supostos inimigos do regime, nacional at os mais ferrenhosdefen-Maria Aparecida de Aquino

    assunto tornou-se tabu at o fim dos

    o culto personalidade do ditador e o autoritarismo arbitrrio.

  • sores do chamado bloco capitalista.

    6

    Pedro Gustavo Aubert

    regimes socialistas na Europa, princi-

    A revoluo hngara de 1956 foi um dos mais importantes 1956 Com ampla adeso de massa,tanto de

    palmente na prpria Hungria.

    5

    sinalizadores da queda do Muro de Berlim, da derrocada da Unio intelectuais e estudantesquanto dos

    Essa histria contada nas pgi-

    trabalhadores, a revolta exigia eleies

    Sovitica e do socialismo real. Neste livro, os autores perfazem 9

    ...e o muro comea a cair

    nas deste livro desde a implantao

    livres, imprensa livre, a volta do lder

    detalhadamente e analisam todos os ngulos desse levante, que 1

    do socialismo na Hungria, a invaso

    popular Nagy ao poder, reformas da

    teve adeso tanto de intelectuais e estudantes quanto dos trabalha-de Budapeste por tropasrussas, at

    economia e do sistema legal, relaes

    dores e que por suas conquistas como um movimento de liberdade as principais repercusses noBrasil

    A

  • independentes da Hungria com Mos-

    foi esmagado. A obra, com documentos inditos em lngua portu-e no mundo com todas asquestes

    I

    cou e a retirada das tropas soviticas

    guesa, trata ainda das repercusses do levante hngaro no Brasil.

  • e controversas.

    do territrio hngaro.

    R

  • Uma leitura apaixonante.

    Os autores tiveram acesso a docu-

    A revoluo hngara anunciava,

    mentos originais e s atas das reunies

    G

    entre outras coisas, a queda do Muro

    em que a liderana sovitica consoli-

    de Berlim e o fim da Unio Sovitica.

    N

    dou sua deciso de esmagar o levante

    A amplitude da adeso popular pre-

    hngaro. Assim, trazem tona infor-

    U

    venia que programas utpicos com

    maes detalhadas da movimentao

    metas de reorganizao de sociedades

    H

    dos tanques russos rumo Budapeste

    inteiras e transformao radical dos

    e o dia-a-dia dos hngaros nos 13 dias

    homens e da natureza humana, sobre-

  • que abalaram o mundo socialista.

    tudo se impostos de cima para baixo,

    tm, a longo prazo, chances mnimas

    ISBN 85-7244-341-X

    HUNGRIA 1956

    HUNGRIA 1956

    ... e o muro comea a cair

    Ladislao Pedro Szabo

    (organizador)

    Angelo Segrillo

    Maria Aparecida de Aquino

    Pedro Gustavo Aubert

    Copyright 2006 Ladislao Szabo

  • Todos os direitos desta edio reservados

    Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.)

    Capa e Diagramao

    Antonio Kehl

    Reviso

    Lilian Aquino

    Ruth M. Kluska

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Segrillo, Angelo

    Hungria 1956: ...e o muro comea a cair / Angelo Segrillo, Maria Aparecida de Aquino, PedroGustavo Aubert ; Ladislao Szabo, (org.).

    So Paulo : Contexto, 2006.

    Bibliografia.

    ISBN 85-7244-341-X

    1. Hungria - Histria 2. Hungria - Poltica e governo. I. Aquino, Maria Aparecida de. II. Aubert,Pedro Gustavo. III. Szabo, Ladislao.

    IV. Ttulo.

    06-5667

    CDD-943.9

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Hungria : Poltica e governo : 1956 :

    Histria 943.9

    EDITORA CONTEXTO

    Diretor editorial: Jaime Pinsky

  • Rua Acopiara, 199 Alto da Lapa

    05083-110 So Paulo SP

    PABX: (11) 3832 5838

    [email protected]

    www.editoracontexto.com.br

    2006

    Proibida a reproduo total ou parcial.

    Os infratores sero processados na forma da lei.

    SUMRIO

    PREFCIO: UMA REVOLUO DE VERDADE ................................. 7

    Nelson Ascher

    CAMINHADO PARA A REVOLUO ................................................ 11

    Ladislao Szabo

    A Hungria como nao ......................................................................... 12

    A implantao do socialismo na Hungria .............................................. 13

    O melhor aprendiz de Stalin: Mtys Rkosi ........................................ 18

    Uma sociedade stalinista ....................................................................... 21

    Mecanismos de represso ...................................................................... 27

    Vida cultural na era Rkosi ................................................................... 29

    Economia stalinista ............................................................................... 32

    Debate em Moscou ............................................................................... 34

    O novo primeiro-ministro: Imre Nagy ................................................. 36

    O primeiro governo de Imre Nagy : o novo curso ................................. 39

    Em busca de uma base de apoio ........................................................... 42

  • A volta do stalinismo na Hungria ......................................................... 44

    A ao dos escritores ............................................................................. 46

    As idias de Imre Nagy ......................................................................... 47

    O ANO DE TODAS AS POSSIBILIDADES .......................................... 53

    Angelo Segrillo

    O XX Congresso do PCUS e a desestalinizao aberta .............................. 53

    Khrushchev na corda bamba ................................................................ 57

    A Hungria em 1956.............................................................................. 58

    13 dias que abalaram o mundo socialista (23 out. 4 nov.) ................. 60

    Posfcio ................................................................................................. 90

    Um balano final: a Hungria e o mundo em 1956 ............................... 91

    VISES E REPERCUSSES ................................................................. 105

    Maria Aparecida de Aquino e Pedro Gustavo Aubert

    Algumas das principais repercusses internacionais ............................ 106

    Impacto do levante hngaro no Brasil ................................................ 112

    O levante hngaro na imprensa .......................................................... 124

    Vises sobre o levante hngaro no Brasil ............................................ 135

    FONTES E BIBLIOGRAFIA ................................................................. 151

    ANEXO 1: A INVASO DA HUNGRIA.............................................. 155

    Angelo Segrillo

    ANEXO 2: RESOLUO SOBRE A SITUAO NA HUNGRIA .... 167

    Comit Central do Partido Comunista do Brasil

    ANEXO 3: O SANGUE DOS HNGAROS ........................................ 169

    Albert Camus

  • LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ............................................... 171

    OS AUTORES ........................................................................................ 173

    AGRADECIMENTOS ........................................................................... 175

    PREFCIO:

    UMA REVOLUO DE VERDADE

    A revoluo popular e nacional que eclodiu na Hungria em fins de 1956 e que foi logoesmagada pelas foras do Pacto de Varsvia teve significados diferentes para os diversosparticipantes e observadores.

    Para a maioria dos hngaros, seu carter era patritico, democrtico e libertador. Sua irrupodecorreu das presses insuportveis tanto do ocupante sovitico quanto de seus colaboradoreslocais sobre a sociedade inteira e sobre absolutamente todos os aspectos da vida individual ecoletiva.

    Para as lideranas soviticas, ela sinalizou a insatisfao geral dos povos que o ExrcitoVermelho sujeitava, mesmo aqueles que, de incio, haviam recebido suas tropas como fora delibertao. Essas lideranas e seus clientes locais aprenderam, a partir de 1956, a trilhar a viacada vez mais estreita entre a represso e algum tipo de incentivo ou recompensa, de modo queos aspectos mais desvairados de sua reengenharia social comearam de fato a ser postos de lado.

    Fora do bloco sovitico, muitos militantes e companheiros de viagem, cujo apoio convicoideolgica ou ao papel da URSS na derrota do nazismo era incondicional, deixaram de acreditarna benevolncia pura e simples do sistema e abandonaram seus respectivos partidos comunistasem legies, algo que, em tal escala, no se via desde os expurgos dos anos 1930. O

    restante do mundo provavelmente assistiu luta herica, mas de antemo condenada, de umpequeno pas contra uma superpotncia.

    H meio sculo de distncia, se bem que nenhuma das avaliaes anteriores deixou de tersentido, o ano 1956 se apresenta como algo diverso.

    8

    HUNGRIA 1956

    A Revoluo hngara prenunciava, entre outras coisas, a queda em 1989

    do Muro de Berlim acompanhada da derrocada da Unio Sovitica e do

    socialismo real e o ressurgimento do nacionalismo e/ou do patriotismo tradicional. Melhor,levava a constatar que, no obstante a repetio insistente das palavras de ordem

  • internacionalistas, o apego ao estado-nao no se aboliria to cedo (nem seria sempredesejvel). E a espontaneidade e amplitude da adeso popular advertiam quem tivesse olhos paraver que programas utpicos entre cujas metas se encontrem a reorganizao de sociedadesinteiras e a transformao radical dos homens e da natureza humana, sobretudo se impostos decima para baixo, tm, a longo prazo, chances mnimas de sucesso.

    Alis, sendo um grande embarao emprico para os que sustentavam as doutrinas que ainsurreio desmascarara, esta e os fatos que a integravam, em vez de serem refutados oumesmo deformados pelos idelogos, foram simplesmente silenciados. At o colapso dos regimesde partido nico europeus, o tema, principalmente na prpria Hungria, seguiu sendo um tabu.

    O ano de 1956 foi um ponto rumo ao qual convergiram linhas de fora variadas. Sua razo de sere sua dinmica se entrelaam com a complexa histria hngara que antecedeu a revoluo.Scia minoritria, de 1867 at 1918, de um imprio multinacional razoavelmente vivel (aMonarquia Dual dos Habsburgo), a Hungria foi envolvida meio que a contragosto numaconflagrao que no lhe prometia ou assegurava nada: a Primeira Guerra Mundial. Dito e feito:malgrado ter sido um contendor menor, ela esteve entre os que foram mais severamente punidospelos vencedores, perdendo para seus vizinhos 2/3 de seus territrios e metade de sua populao.

    O trauma ocasionado por tamanha punio, reforado por suas

    conseqncias prticas, converteu a necessidade de revogar essa sentena no tema dominante dapoltica hngara do entre-guerras. Catastroficamente, essa obsesso tornou quase inevitvel que,seduzida pelas promessas de uma Alemanha que, a partir de 1933, com a chegada dos nazistas aopoder, tambm lanava mo de reivindicaes semelhantes para mobilizar sua populao, aHungria aderisse campanha expansionista do Terceiro Reich e acabasse participando de outraguerra que no lhe dizia respeito e que se contrapunha a seus interesses legtimos. O preo pagopor se aliar invaso da URSS, alm de perdas militares e civis devastadoras, foi a incorporaodo pas ao bloco sovitico.

    Sua economia, que principiava, nos anos 1930, a se adaptar

    engenhosamente s condies geradas pelo desfecho da Primeira Guerra (e PREFCIO

    9

    agravadas pela crise de 1929), sofreu imensamente com a seguinte e, aps um breve e bem-sucedido perodo de reconstruo que, na segunda metade dos anos 1940, solucionou inclusive apior hiperinflao que j ocorreu, teve sem pausa sequer para recuperar o flego de sesubmeter aos insanos dogmas econmicos ditados por Moscou. Em decorrncia disso, uma naopotencialmente prspera viu-se reduzida a um empobrecimento

    compulsrio. Convm no ignorar esse fator como um dos principais no rol dos que precipitaramos eventos de 1956 e, tanto antes como depois da insurreio, estimularam uma emigrao

  • substancial, um autntico brain-drain [fuga de crebros] que privou o pas de parcela substanciale insusbstituvel de seu capital humano.

    Algumas poucas semanas de rebelio convenceram igualmente os

    poderosos locais de que suas teorias, sua viso de mundo e o sistema que tentavam impor nocontariam jamais com qualquer apoio popular. Os anos seguintes foram, portanto, marcados pelocinismo e, em todos os nveis, pela acomodao, enquanto todos, talvez at membros dahierarquia partidria, aguardavam o colapso demorado e sempre adiado, mas inevitvel docentro, ou seja, da URSS. Essas longas dcadas propiciaram aos hngaros (bem como aostchecos, alemes orientais, poloneses etc.) uma espcie singular de experincia poltica, umacapacidade de conviver com adversidades irremediveis, frustraes crnicas e humilhaescotidianas, enfim, uma sabedoria emprica que os tornou e tampouco tem cessado de mant-losalertas e saudavelmente impermeveis a promessas irrealizveis ou a solues pretensamentemiraculosas (que s funcionam na teoria) para problemas complexos, arraigados, e tambm grandiloqncia de idelogos e/ou demagogos.

    Em tempos como o nosso, em que, beneficiando-se da desmemria e da amnsia seletiva que,curiosamente/paradoxalmente, parecem afetar antes cidados que vivem em democracias (eno apenas as recentes) do que o sdito mdio de qualquer tirania convencional, certas idias eideologias previamente testadas e devidamente reprovadas ensaiam

    mostrando-se capazes de seduzir (em especial na Europa e na Amrica Latina) massascrescentes de gente bem-intencionada um retorno no raro ruidoso, a Revoluo hngara de1956 merece ser revisitada, pois suas lies continuam atuais.

    Nelson Ascher

    CAMINHANDO

    PARA A REVOLUO

    Ladislao Szabo

    Em 1956, logo aps o processo de desestalinizao de Khrushchev na URSS, um acontecimentoindito sacudiu o mundo socialista: um pas do Leste Europeu se levantou em massa contra odomnio sovitico. De 23 de outubro a 4 de novembro de 1956 a Hungria, ento uma democraciapopular, insurgiu-se contra a orientao sovitica e procurou instaurar um sistema poltico comcaractersticas prprias, uma democracia pluripartidria dentro de um Estado de bem-estarsocial, apoiada em conselhos operrios e na liberdade de imprensa. Nesses 13 dias a populaose organizou e enfrentou o exrcito sovitico, obrigando-o a uma retirada parcial.

    O que levou a esse levante? Para se entender como foi possvel o grande movimento de massa naHungria em 1956 preciso situ-lo no contexto histrico maior em que estava inserido. Emprimeiro lugar, rever as caractersticas da Hungria como nao desde sculos atrs; depois,

  • estudar como a Hungria passou, aps da Segunda Guerra Mundial, de uma insipiente democraciaao stalinismo mais radical entre os pases sob influncia sovitica.

    Este captulo apresenta os principais fatos que ocorreram na Hungria entre 1945 e 1956, com oobjetivo de mostrar no s as razes que levaram ao levante, mas tambm uma visopanormica de uma sociedade stalinista

    nesse caso a hngara, com seu lder mximo, Mtys Rkosi , como se deu sua instalao pormeios autoritrios e ainda como era viver naquele pas, destacando-se os mecanismos derepresso do stalinismo hngaro. Relata tambm a resistncia, centrada na figura e nas idias deImre Nagy , expostas 12

    HUNGRIA 1956

    atravs de seus escritos e discursos, as quais podem indicar o tipo do socialismo que Nagypretendia implantar na Hungria.

    A HUNGRIA COMO NAO

    Os magiares eram um povo de origem eurasiana que migrou para a bacia dos Crpatos no sculoX e tornou-se cristo no sculo XI. Devido a sua posio geogrfica, eles representaram afronteira, a interface, entre Ocidente e Oriente, entre Europa e sia, entre cristianismo eislamismo. Isso se refletiria no comportamento e na mentalidade dos hngaros em 1956, quandocaminharam nas sombras e nos limiares entre capitalismo e socialismo, Europa Ocidental eOriental. No seria a primeira vez na histria que os hngaros teriam que se balanar entre doismundos, sofrendo presso de ambos os lados.

    O reino da Hungria, estabelecido por Estevo I, em 1000 d.C.,

    desenvolveria uma cultura prpria na Europa Central em intercmbio com a da EuropaOcidental. Entretanto, a situao de fronteira faria com que a Hungria sofresse pressesmilitares do Oriente. Em 1241-1242 houve a invaso mongol. No sculo XVI, os turcos otomanosconquistaram a maior parte do pas, com o restante caindo sob domnio da casa dos Habsburgosda ustria. Com o fim do jugo otomano (1526-1718), ento, toda a Hungria estava sob o poderHabsburgo. O movimento pela independncia hngara atingiria seu pice durante a revoluo de1848. O levante de Lajos Kossuth e outros chegaram a proclamar a independncia, mas oimperador austraco Francisco Jos pediu ajuda ao czar Nicolau I. As tropas russas esmagaram olevante. Essa atuao dos russos em 1848 deixaria marcas no inconsciente coletivo polticohngaro que ecoariam em 1956...

    Apesar da derrota militar em 1848, as continuadas presses autonomistas levaram aofirmamento do Compromisso de 1867, ou Ausgleich, que transformava o Imprio Habsburgo emuma monarquia dual austro-hngara.

    A ustria e a Hungria teriam governos internos separados, com um monarca e ministrios do

  • Exterior e da Guerra comuns. A monarquia dual duraria at a Primeira Guerra Mundial, quandoa derrota levou criao de uma Hungria independente republicana, que logo passaria porconvulses sociais, as quais conduziram ao breve governo de Bla Kun,1 comandante de umamalograda tentativa, em apenas 131 dias, de transformar a Hungria em uma Repblica Sovitica.

    Kun assumiu com poderes ditatoriais em 21 de maro de 1919, aps o colapso da recm-proclamada Repblica, e procurou construir uma sociedade CAMINHANDO PARA AREVOLUO

    13

    socialista aliada URSS, nacionalizando os transportes e os meios de produo, que seriamcontrolados por comissrios do Partido e por conselhos operrios, administrando o sistemafinanceiro e estatizando as terras, sem permitir a diviso em lotes, fato que desagradouprofundamente os camponeses. Deu igualdade de direitos a ambos os sexos, introduziu o regimede trabalho de oito horas e proibiu o trabalho infantil; o ensino tornou-se universal e gratuito, tendopromovido uma grande campanha contra o analfabetismo (Hoensch, 1996; Romsics, 1999).Como o pas estava sendo invadido pelos vizinhos, que queriam e conseguiram conquistasterritoriais, Kun reorganizou o exrcito, conseguindo inicialmente significativas vitrias, pormno obteve o aguardado auxlio do Exrcito Vermelho sovitico, no impedindo, assim, o avanoinimigo, superior em nmero e apoiado pelas potncias vencedoras da Primeira Guerra Mundial.

    A Repblica Sovitica da Hungria durou at primeiro de agosto de 1919. Como Kun lanou moda violncia e do terror para realizar suas transformaes sociais, a populao hngara guardoulembranas ruins de seu governo e, conseqentemente, dos comunistas.2

    Kun sabia por que defendia as fronteiras: em quatro de junho de 1920

    a Hungria obrigada a assinar o Tratado de Trianon, perdendo dois teros de seu territrio etendo que submeter ao domnio dos pases vizinhos pelo menos quatro milhes de hngarostnicos.3

    No entreguerras, o crescente clima autoritrio vindo no bojo da crise econmica da dcada de1930 refletiu-se na Hungria do regente almirante Horthy . A ameaa da proximidade daAlemanha nazista (que dominava a ustria) foraria o pas a entrar em sua rbita, que esperava,com a ajuda do Eixo, recuperar os territrios perdidos aps a Primeira Guerra Mundial.

    O resultado seria a participao magiar ao lado da Alemanha na Segunda Guerra Mundial.

    E o resultado da participao da Hungria na Segunda Guerra seria sua derrota e ocupao pelastropas soviticas. O drama em direo a 1956 comeava.

    A IMPLANTAO DO SOCIALISMO NA HUNGRIA

    Os tanques soviticos trouxeram no apenas os vencedores da guerra, mas tambm um novo

  • sistema social. A implantao do socialismo na Hungria no se deu a partir de um movimento demassa autctone (como na Rssia) ou em um pas que antes da Guerra j tinha, em termosrelativos da Europa Oriental, um nvel industrial razovel, um movimento operrio 14

    HUNGRIA 1956

    forte e um partido comunista consolidado e influente (como a

    Tchecoslovquia). O fato de o socialismo ter chegado Hungria de fora (ainda mais por meio detanques) no poderia deixar de ter conseqncias importantes na maneira como esse sistemaseria absorvido pela populao.

    O cardeal Mindszenty descreve em suas memrias o comportamento dos soldados soviticos quemarcaram profundamente a populao:

    Nesses primeiros dias observei de minha janela as manifestaes da alma bolchevista e os feitosdos soldados invasores, que solitrios ou em grupo invadiam as residncias armados commetralhadoras. Arrombavam as portas que os moradores amedrontados trancavam. Dentroencostavam os homens parede e partiam em busca das mulheres, vinho, valores e comida quetinham sido escondidos. Suas mos estendiam-se em direo a qualquer objeto transportvel.Arrancavam relgios, anis, jias femininas das mos e dos pescoos e tiravam outros objetoscom algum valor das gavetas enquanto apontavam a metralhadora para o peito do proprietrio.Ocorreram muitas mortes, principalmente em defesa das mulheres. Durante o dia eprincipalmente durante a noite ouo na vizinhana o grito das mulheres atacadas e arrastadas. Acidade e seus arredores so pilhados por soldados embriagados. (Mindszenty , 1974, p. 55).

    Essas condies apontariam para a necessidade de cuidado na implantao do sistema para quefosse bem recebido na nova ptria. A princpio parecia que esse cuidado estava sendo tomado!Em 1945, quando os soviticos ainda eram aliados de guerra dos pases ocidentais e no estavaclaro como se desenvolveriam suas relaes no futuro, Stalin no procedeu de imediato implantao de um sistema monopartidrio comunista nas novas repblicas populares. NaHungria, o governo de ocupao sovitico concentrou as punies pesadas sobre os lderes ecapitalistas fascistas e os grandes latifundirios. Um departamento de polcia poltica, chamadode Departamento da Proteo ao Estado, em hngaro VO , posteriormente VH, foi criado edirigido pelo comunista Gbor Pter, que recrutara o ingls Kim Philby para a InternacionalComunista no pr-guerra e, mais tarde, se revelaria um dos mais cruis torturadores do regimecomunista hngaro. A VO levou, entre 1945 e 1950, 60 mil pessoas a julgamento, das quais 10mil foram aprisionadas e 189 executadas. Tais prises muitas vezes significavam a eliminaodos opositores ao novo regime. Contra quem no conseguiam levantar provas simplesmenteenviavam a campos de internao.

    As eleies para o parlamento de 4 de novembro de 1945 foram

    multipartidrias. Nelas, o Partido dos Pequenos Proprietrios Rurais recebeu 60% dos votos,

  • enquanto os comunistas receberam 17%, os social-democratas 16% e o Partido NacionalCampons 5,6%.

    CAMINHANDO PARA A REVOLUO

    15

    O grande vencedor foi o Partido dos Pequenos Proprietrios Rurais, que poderia compor umgoverno com os social-democratas ou com o Partido Nacional Campons, mas os soviticoscomunicaram que

    desejavam um governo de coalizo nacional, em que o Ministrio do Interior pertencesse aoPartido Comunista, o qual manteria, assim, o comando da polcia, apesar de o partido majoritrioreclamar esse ministrio para si e, por intermdio da polcia, o controle do pas e de seu destino.Em artigo escrito em 1949, o dirigente comunista Jzsef Rvai admitiu que a tomada do poderfora possvel pelo fato de o Partido Comunista Hngaro controlar a polcia (Irving, 1986).

    Os pequenos proprietrios tiveram de escolher entre a cooperao e a confrontao. Acreditandona breve retirada das tropas soviticas depois da assinatura do tratado de paz, optaram peloprimeiro. O presidente do Partido dos Pequenos Proprietrios, Zoltn Tildy , comps um governocom os comunistas, ficando o seu Partido com sete ministrios, deixando trs com os social-democratas, trs com os comunistas e um com os camponeses (Romsics, 1999).

    A principal ao da nova liderana tinha de ser a implantao de nova forma de Governo, jque, legalmente, a Hungria ainda era uma monarquia.

    Os partidos de esquerda propunham uma repblica, mas os pequenos proprietrios oscilavam. AIgreja Catlica defendia a monarquia e solicitava um referendo popular, porm coube aoparlamento decidir pela repblica, tendo essa um presidente com poderes limitados.

    Em 1946 foi escolhido para presidir a nova repblica o presidente do Partido dos PequenosProprietrios Rurais, Zoltn Tildy , um homem de 57

    anos que procurava a conciliao e evitava confrontos, cujo ideal poltico era uma democraciabaseada nos camponeses e na pequena burguesia e que entendeu que tinha de manter relaescordiais com a Unio Sovitica. Seu primeiro-ministro, Ferenc Nagy , secretrio-geral do mesmopartido, de 43

    anos, era o primeiro homem de origem camponesa a assumir funo semelhante. Em linhasgerais, o Partido dos Pequenos Proprietrios Rurais visava, a longo prazo, a um projeto deaproximao com os Estados Unidos, e no com a URSS, e a rejeio de propostas radicais desocialismo, o que criava atritos com os outros partidos que compunham o governo de coalizo.

    Foi a partir da escalada de tenses que levou ecloso da Guerra Fria em 1946-1947 que ossoviticos resolveram apertar os parafusos nas eleies de 1947 e 1948 no Leste Europeu para

  • levar instalao de regimes monopartidrios ou de partido hegemnico. Nesses pases, oscomunistas, 16

    HUNGRIA 1956

    mesmo quando minoritrios nos gabinetes governamentais, sempre tiveram influnciadominante, em especial nos pases perdedores da guerra, onde o governo de ocupao soviticoera o rbitro final das questes. Para comandar essa transio Moscou indicou Mty s Rkosi,Ern Ger, Jzsef Rvai, Mihly Farkas e Imre Nagy , todos moscovitas, isto , comunistashngaros que se tinham exilado em Moscou, sendo Rkosi o escolhido por Stalin para ser odirigente principal.

    A partir do momento em que a Guerra Fria fora declarada abertamente (atravs da doutrinaTruman de maro de 1947), os soviticos deixaram de lado a manuteno das aparnciasformais de multipartidarismo e passaram a aplicar presses cada vez mais intensas rumo aomonopartidarismo.

    Os chamados formadores de opinio no ligados ao Partido Comunista comearam a sepreocupar com a influncia cada vez mais decisiva deste e com os recuos e as incertezas doPartido dos Pequenos Proprietrios. O

    cardeal Mindszenty declarou: [...] na vida pblica hngara encontramos muitas, mas muitasevidncias que esto em oposio aos princpios da democracia [...] parece que na Hungria umatirania totalitria foi substituda por uma outra (Mindszenty , 1974, p. 100).

    Percebendo o processo de sovietizao, um nmero significativo de personalidades comeou adeixar o pas, como o secretrio-geral do Partido Nacional Campons Imre Kovcs, o presidentedo parlamento Bela Varga e o dirigente social-democrata Kroly Peyer. A surpresa maior foi ono retorno do primeiro-ministro Ferenc Nagy em 30 de maio de 1947 de uma viagem Sua,depois que seu substituto, Matyas Rkosi, acusou-o por telefone de conspirar contra a Repblica eofereceu, em caso de renncia, a sada de sua famlia do pas.

    Depois de os principais lderes do Partido dos Pequenos Proprietrios terem sido presos ouexilados, o Partido Comunista tentou mais uma vez chegar ao poder atravs do voto, declarandopublicamente que a sua meta era o socialismo. Para tanto solicitou novas eleies, marcadaspara 31 de agosto de 1947.

    Essas eleies, realizadas aps vrios expurgos e perseguies aos membros de outros partidos,tiveram os comunistas como mais votados (22,3%), mas com outros partidos recebendoexpressivas votaes: Partido Democrtico Popular (16,4%), Partido dos Pequenos ProprietriosRurais (15,4%), social-democratas (14,9%), Partido Nacional Campons (8,3%).

    Acatando as instrues de Stalin de acelerar o processo de implantao do socialismo eentendendo que no chegaria ao poder atravs de eleies, o CAMINHANDO PARA A

  • REVOLUO

    17

    Partido Comunista muda de ttica: em vez da tomada de poder lenta e gradual, opta pelaeliminao dos mecanismos democrticos at a obteno total do poder na Hungria. Para queisso acontecesse, props a unificao dos dois partidos operrios, o Comunista e o Social-democrata, o que, na prtica, significava a extino deste ltimo, ocorrida em 12 de junho de1948.

    Com a unificao, surge o Partido dos Trabalhadores da Hungria (PTH4), tendo comosecretrio-geral5 Mty s Rkosi, seus substitutos o comunista hngaro vindo de Moscou MihlyFarkas, o comunista local Jnos Kdr6

    e o ambicioso social-democrata companheiro de viagem Gy rgy Marosn.

    O PTH declara ser marxista-leninista, tendo como meta a construo do socialismo, e para tantoprope acelerar as estatizaes e planejar a economia mediante planos qinqenais,aprofundando ao mesmo tempo o processo de afastamento dos elementos reacionrios daadministrao pblica. Mas, mesmo sob outro nome, o novo partido era o Partido ComunistaHngaro.

    Para liquidar definitivamente o sistema pluripartidrio composta uma frente popular cujopresidente Mty s Rkosi e o secretrio-geral Lszl Rajk. Todos os polticos remanescentesligam-se a essa frente, que, em 15

    de maro de 1949, declara se submeter liderana do Partido dos Trabalhadores da Hungria,visando construo do socialismo, e afirmam que na eleio seguinte teriam candidatoscomuns.

    Como o Partido Comunista Hngaro no conseguiu chegar ao poder pela via democrtica, nemmesmo praticando arbitrariedades e ilegalidades, formula outra justificativa: a nao hngaradeveria aceitar um sistema poltico superior em nome do progresso e de um futuro melhor,pois o que interessava no era o regime democrtico, mas seu contedo, que serviria aosinteresses da classe operria, interesses esses que s o Partido sabia reconhecer em suatotalidade.

    Uma onda de terror atinge os sindicatos e as igrejas, que tm suas escolas estatizadas; as ordensreligiosas so dissolvidas, os mosteiros e grande parte dos seminrios so fechados; dificulta-se apublicao de literatura de carter religioso e, no Natal de 1948, por ordem do ento ministro daJustia Jnos Kdr, condena-se priso perptua o cardeal Jzsef Mindszenty . Dois anos depois,seu sucessor, o cardeal Jzsef Grsz, tem o mesmo destino; tambm preso o lder da IgrejaLuterana, Lajos Ordass, e silenciado o lder da Igreja Reformada, Lszl Ravasz; milhares depadres, freiras e pastores so presos, e so colocadas frente das Igrejas pessoas amedrontadas,

  • dispostas a colaborar.

    Mty s Rkosi o principal e nico lder do pas. Ter o controle sobre a polcia poltica, a VO,mais tarde rebatizada de VH, foi o fundamental 18

    HUNGRIA 1956

    nesse processo, razo pela qual Rkosi declara: [...] essa a nica instituio em quemantivemos a direo total e que negamos aos outros partidos da coalizo a participaoproporcional na sua direo (apud Bartosek, in Courtois et al., 2001, p. 406).

    Em maro de 1948, empresas com mais de cem funcionrios so

    estatizadas, o que significa, na prtica, a implantao da economia estatal.

    A imprensa censurada, as organizaes que poderiam expressar as opinies da sociedade civiltm sua atuao restrita. No poderia haver mais dvidas de que o pas adotava o modelosovitico, fato que Rkosi declara publicamente: [...] nos prximos 3 ou 4 anos devemosconduzir 90% dos camponeses a cultivar as terras dentro de um padro socialista era o sinalpara a coletivizao dos campos. Afirma tambm que quem tiver um outro programa que aconstruo do socialismo, no oposio, mas inimigo do povo hngaro, e explica quedemocracia popular era apenas uma forma da ditadura do proletariado, portanto nohaveria transio do capitalismo para o socialismo (Rainer, 1996, pp. 402, 403 e 406). ARepblica da Hungria transforma-se na Repblica Popular da Hungria.

    O MELHOR APRENDIZ DE STALIN: MTYS RKOSI

    Estima-se que havia entre trezentos mil a meio milho de fotografias de Mty s Rkosiespalhadas por toda a Hungria:

    [...] todo escritrio, secretaria, sala de aula, loja, vitrine, estao de trem, caf, bar, sindicato,redao, indstria, portaria, vestirio, quadra de esporte, hospital, cabine de navio, garagem detrator, corredor de ministrio, sala de cinema, foy er de teatro, mercado, oficina e saguo demuseu tinha uma foto de Rkosi exposta. [...]

    Circulavam trs ou quatro verses: na primeira, apenas o rosto com a sua enorme careca, outrade cintura para cima feita seis ou oito anos atrs, com o distintivo do Partido na lapela, umaterceira mais rara onde segurava sorrindo uma menina nos braos. Mas a de maiorcirculao era aquela onde o sbio pai e grande lder da nao hngara era mostrado no meio deuma plantao de trigo, com sementes na palma da mo, a examinar com seus olhos inteligentese competentes a qualidade da esperada safra. (Aczl, 1961, p. 147).

    Quem era esse lder comunista de cabea de batata, sem pescoo, gordo, que aparecia em todasessas fotos?

  • Durante a Primeira Guerra Mundial Mtys Rkosi foi feito prisioneiro de guerra pelo exrcitorusso. Nessa condio tomou contato com o movimento operrio. Depois da revoluo soviticachegou a conhecer Lenin CAMINHANDO PARA A REVOLUO

    19

    pessoalmente, que o mandou retornar Hungria, no final de 1918, onde foi membro-fundador doPartido dos Comunistas Hngaros. Participou da comuna hngara de 1919, sendo o comissrio dopovo encarregado das questes de comrcio e, no final dela, comandante de Guarda VermelhaHngara. Aps a queda da comuna hngara, emigrou, trabalhando como agitador na Itlia, naFrana e na ustria. Em 1923, Rkosi foi enviado por Moscou Alemanha para organizar umlevante socialista; em 1924, depois de voltar para a Hungria, preso pela polcia de Horthy econdenado morte. Um movimento internacional, que o torna conhecido mundialmente (abrigada comunista hngara na Guerra Civil Espanhola portava seu nome), impede a execuo dapena. Ele passa 16 anos nas prises hngaras.

    Em 1940, com o Pacto Ribbentrop-Molotov, trocado pelas bandeiras hngaras capturadas pelastropas russas quando invadiram o pas em 1848.

    Rkosi vai para a URSS como um dos principais dirigentes do partido hngaro e promete aosmembros locais do partido que, caso chegasse ao poder, as arbitrariedades vistas em Moscou noocorreriam na Hungria. Mas, ao alcanar o poder, torna-se o campeo delas, passando a serconhecido como o melhor aprendiz de Stalin (Mray , 1989).

    Volta para a Hungria em 1945, na qualidade de ministro do Governo Provisrio, e, depois daseleies de 1947, torna-se vice-primeiro-ministro.

    Em 1948, eleito primeiro secretrio do novo partido que se formava da unio do PartidoComunista com o Social-democrata. Desde seu retorno Hungria at a sua queda, foi o dirigentemximo dos comunistas hngaros.

    Quais eram suas principais caractersticas? Portava-se como um cavalheiro do sculo XIX,sempre querendo ser agradvel, sedutor e espirituoso. Quando no poder, lia regularmente TheEconomist, The Times, The Nation, Newsweek, US World Report, The Statesman, sendo, portanto,muito bem informado. Foi um dos trabalhadores mais ativos do movimento comunista, dotado defantstica sede de poder: qualquer ato seu tinha uma razo poltica. Rkosi era o mais detestadodos lderes stalinistas segundo seus assessores mais prximos, era obcecado pela idia derepresso, tendo, por meio dessa, exercido o poder por muito tempo, sem ter, curiosamente,nenhuma experincia administrativa prvia (Fej t, 1977). Rkosi era, como os outros lderesstalinistas, rgido no cumprimento do programa, comunista conseqente e fantico, duro, sempiedade. A URSS, onde a teoria de Marx se transformou em prtica, era-lhe sagrada; seuraciocnio era o de um comunista padro, como descrito por Drrenmatt: a gente acredita quepense. Apenas os sentimentos lhe so problemticos. O humanismo para 20

  • HUNGRIA 1956

    pessoas que nem ele algo distante. Sua diretriz poltica que o bem o que bom para oproletariado em um dado momento e o mal o que prejudicial ao Partido Comunista,principalmente ao PC da URSS (apud Pnksti, 2001, p. 11), e, quando algo saa errado, o erronunca era seu, mas sim das artimanhas da reao ou conseqncia da luta de classes.

    Desempenhou um papel ativo na organizao de processos polticos.

    Nisso era muito parecido com Stalin, tendo sido talvez por isso convidado a sentar a seu lado nafesta de setenta anos do ditador sovitico. Sua ambio era ser o parceiro mais importante deMoscou; para permanecer no poder tinha de, constantemente, montar processos polticos edesmontar conspiraes. Rkosi mandava assassinar pela causa e pelo seu prprio poder.

    Rkosi no gostava de condecoraes, mas apreciava seus apelidos: o sbio pai do povohngaro, mestre de nosso Partido, o grande filho do povo hngaro, o primeiro hngaro(Mray , 1989). Seu brao direito, Ern Ger, dizia : se dissemos Rkosi, entendemos o povohngaro; se falamos povo hngaro, entendemos Rkosi (Romsics, 1999, pp. 340-1). A seguintecena, descrita pelo jornalista e escritor Tams Aczl, bastante ilustrativa:

    [...] estava l, sentado nas apresentaes de gala da pera, sob o fogo cruzado dos refletores, emuma luz gloriosa, na tempestade ensurdecedora dos aplausos e, passados uns bons dez minutos,quando evidentemente sentia que o pblico j tinha demonstrando seu xtase conforme tinhaaprendido de Stalin , ele tambm comeava a aplaudir, como que sinalizando que era hora determinar o festejo, era suficiente, talvez at um pouco demais, sua humildade no permitia maisque isso, apesar dele entender toda essa exaltao, o negcio estava certo, mas no devia serlevado ao exagero. (Aczl, 1961, p. 152).

    Gostava da poesia de Endre Ady , sabia de cor um grande nmero de canes folclricas, maldeixava os outros falarem, pois tinha enorme fluncia verbal. Ao convidar certa vez o escritorLszl Nmeth para uma conversa, este ficou espantado com o quanto Rkosi sabia sobre ele econsiderou que o imperador Francisco Jos provavelmente nada sabia sobre o grande poeta JnosArany , assim como o regente Mikls Horthy tambm pouco sabia sobre o grande romancistaZsigmond Mricz; porm, Rkosi sabia muito bem quem era quem na literatura hngara(Pnksti, 2001).

    Se Rkosi era culto e inteligente, ento por que adotou os piores mtodos soviticos, de umamaneira que ultrapassava qualquer outro lder das novas repblicas populares? Em parte issopode ser creditado ao fato de ter passado 16 anos nas prises de Horthy e ter permanecido noexlio CAMINHANDO PARA A REVOLUO

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    em Moscou. Em 1946, fez parte de uma delegao que visitou Washington na qualidade de vice-

  • primeiro-ministro, sendo a delegao recebida pelo presidente Truman. Rkosi, que falava bemingls, causou boa impresso nos Estados Unidos. Assim que voltou, foi convocado por Stalin eacusado de ser agente imperialista. Rkosi teria ficado to assustado que, desde essa ocasio,teria tentado provar com todos os seus atos que era o mais fiel seguidor de Stalin (Mray , 1989).Somava-se a isso o fato de Rkosi ser judeu, um ponto negativo para Stalin; portanto, tinha maisdo que demonstrar sua canina fidelidade.

    Acusa-se Rkosi de viver como um nababo, enquanto pregava

    austeridade, mas parece que, nesse aspecto, os fatos correspondem ao discurso, pois em sua vidapessoal era muito puritano: em 1952 vivia como em 1945, no morava em casa luxuosa, sua salade jantar era pequena e chegava a brigar por causa das despesas domsticas, sendo seu aluguelpago pelo partido, tinha seis ou oito ternos, pouca loua domstica, duas empregadas e umacozinheira, dois jardineiros cuidavam de seu jardim; os empregados eram tratados de maneirarespeitosa. Em 1956, ao partir para o exlio em Moscou, Rkosi levou apenas trs ou quatromalas, apesar de correrem fofocas de que levara uma fortuna. No exlio, convivia mal com afalta de poder, queria retornar Hungria a todo custo e, evidentemente, esboou manobras parafaz-lo; em outubro de 1956, Nikita Khruschev perguntou-lhe se devia mandar tanques paraBudapeste, ao que ele respondeu: imediatamente. Curiosamente, mesmo depois de sua queda,nunca duvidou de que o povo hngaro gostasse dele (Pnksti, 2001).

    Rkosi passou 15 anos em sua ptria, nas prises do almirante Horthy , um pouco menos no exlioem sua segunda ptria, a URSS; assim, para cada ano de poder recebeu trs de castigo, masmorreu de morte natural e no como tantos que mandou executar ou como Imre Nagy .

    Sob o comando de Mty s Rkosi, instalou-se na Hungria uma ditadura do proletariado que opoeta Gyula Illy s chamou de reino sangrento do Rei Ubu (apud Fej t, 1977, p. 25).

    UMA SOCIEDADE STALINISTA

    Nasce uma nova sociedade na Hungria, diferente da aristocrtica, com forte influncia clerical,quase semi-feudal de antes da Segunda Guerra Mundial, e muito distinta da sociedade da EuropaOcidental dos anos 1950, no modo de se vestir, de se divertir, de cultura geral e, sobretudo, nomodo 22

    HUNGRIA 1956

    de pensar; era uma sociedade em que no se devia usar o tratamento senhor, mas simcamarada.

    Rkosi desmontou a velha sociedade hngara e modernizou-a, mas a pea fundamental era odesrespeito aos direitos humanos. Mudou tambm o perfil da sociedade: polticos e funcionriospblicos ligados ao antigo regime, proprietrios de negcios e tambm executivos, gerentes deempresas, tabelies de aldeias e parte significativa da classe mdia crist emigraram, ao passo

  • que a classe mdia de origem judaica tinha sido significativamente dizimada pelo holocausto. Osque no emigraram ou no foram dizimados muitas vezes foram deslocados de seus empregosou, se eram donos de negcios, perderam suas propriedades devido s estatizaes e reformaagrria. Os grandes proprietrios de terra e a grande burguesia, que formavam os dois grupossociais mais influentes no pr-guerra, na prtica desapare-ceram. Em 1951, de 14 a 15 milpessoas, provenientes principalmente da elite e da classe mdia pr-guerra, suspeitas de teremapoiado o regime de Horthy , entre as quais 6 prncipes, 41 bares, 22 antigos ministros esecretrios de Estado, 85 generais e 30 donos de fbricas, sem nenhuma espcie de julgamento,so deportadas da capital e das cidades do interior para aldeias e pequenas cidades, sendoobrigadas a trabalhar na agricultura.

    O objetivo declarado era estar alerta contra a reao, mas o real era obter moradia para anova classe emergente (Bartosek, in Courtois et al., 2001; Romsics, 1999).

    Por outro lado, criou-se uma estrutura de bem-estar social inexistente at ento no pas, na qualum grande nmero de pessoas finalmente obtinha acesso aos benefcios sociais: de 2,8 milhesem 1938 para 6,3 milhes em 1956, de 30% para 64% da populao. Mais de dois teros da

    populao recebiam um seguro em caso de doena, podiam ter assistncia mdica gratuita ereceber medicaes de baixo custo; doenas como a tuberculose desaparecem, o que levou queda na mortalidade infantil, de 144 por mil em 1930 para 60 em 1955; nos anos 1930, de cadamil nascidos sobreviviam 856; em 1956, 950; em 1940 a idade mdia era 40 anos, em 1956, 60anos, registrando-se aumento populacional, gerado at pela rigorosa proibio do aborto, emboraparte significativa dos camponeses continuasse sem acesso a esses benefcios sociais (Pnksti,2001; Romsics, 1999).

    Os operrios deviam cumprir as metas, que eram sistematicamente elevadas pelo governo, masa qualidade de vida da populao no acompanhava esse processo ascendente. Mesmo pequenasfaltas eram CAMINHANDO PARA A REVOLUO

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    rigorosamente punidas nas fbricas, e em datas comemorativas os operrios deviam trabalharsem receber remunerao: dia da libertao pelo Exrcito sovitico, dia da sada de Rkosi dapriso, dia do aniversrio da revoluo sovitica. As condies de trabalho no eram adequadas,faltava o mnimo necessrio higiene pessoal, como chuveiros e sanitrios, alm de controle dascondies acsticas, mas no havia desemprego.

    Em 1954, apenas 15% da populao vivia acima do padro mnimo

    estabelecido pelo prprio regime; 15% dos operrios no tinham cobertores, 20% no tinhamcasaco de inverno, apesar das promessas do plano qinqenal de aumento de 15% no padro devida da populao; os bens de consumo eram escassos e caros: um terno custava 2 ou 3 milflorins, 2

  • meses de salrio de um operrio; um par de botas, 280 florins, quando sua produo custava 78 eeram vendidos URSS por 16. Poucos tinham automveis: entre 1949 e 1956 foram importados6.846 carros, que se somaram aos 12 mil veculos do pas, perfazendo, em 1956, uma frota deaproximadamente 20 mil carros, isto , 1 para cada 500 habitantes, enquanto na Frana e naInglaterra a proporo era de 1 para cada 10 habitantes. O

    plano qinqenal previa a construo de 220 mil habitaes, mas apenas 103 mil foram feitas; asresidncias eram geralmente de 1 dormitrio e 1

    em cada 5 tinha gua corrente; entre 1949 e 1955, a populao cresceu 7,1%, mas o nmero dehabitaes, apenas 3,9%; para cada 100 quartos a Hungria tinha 264 habitantes. Em Budapeste asituao era crtica: em junho de 1954 um habitante dispunha de 8,5 metros quadrados, menosque uma cabine de trem; os jovens no tinham acesso moradia, devendo viver com seus paisou em sublocao (Irving, 1986).

    Outra medida foi a imposio de um isolamento internacional, para que no houvesse troca deinformaes e as conseqentes comparaes.

    Desse modo, mudaram-se as referncias culturais; at ento a Hungria voltava-se para oOcidente, passando agora, obrigatoriamente, a virar o rosto para a URSS. Como as relaes dopas com a cultura eslava eram muito tnues, lig-la abruptamente sovitica era uma operaodifcil, pois at ento as mulheres hngaras vestiam-se de acordo com Paris ou Viena. A partir deento tinham de seguir padres soviticos, que seguiam uma moda de trinta anos atrs; as jovensno tinham mais coragem de passar batom ou pintar as unhas, pois isso era considerado atitudepequeno-burguesa, mas deviam usar, como as operrias soviticas, leno na cabea; os homensno deviam mais usar chapu, mas sim boina, de novo como os operrios soviticos (Aczl,1961).

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    HUNGRIA 1956

    O ensino tornou-se gratuito e as salas de aula superlotaram: de 1949 a 1955 duplicou o nmero dealunos no ensino mdio, milhares de filhos de operrios e camponeses tiveram acesso escola,inclusive meninas, cujos estudos eram vistos no entreguerras com preconceito pela sociedadehngara conservadora, enquanto se dificultava o acesso aos estudos superiores de filhos da velhaelite e da classe mdia.

    Alm do aspecto quantitativo, ocorre tambm uma transformao radical no contedo do ensino,pois era atravs dele que se poderia reeducar a populao. Assim, reorganizou-se o sistemaeducacional, a origem social tornou-se critrio de admisso na universidade, os professores eramobrigados a ter uma formao marxista, o prprio conhecimento foi reestruturado por meiodessa tica, a histria do pas tinha tambm de ser reescrita, atravs de uma perspectivamarxista, em que as figuras de destaque eram os lderes do partido, que ofuscavam os grandes

  • nomes, como os reis santos Estevo e Ladislau. Estudar russo passou a ser obrigatrio, toda equalquer publicao cientfica deveria sempre se referir URSS, os professores universitrios

    burgueses foram afastados, entre eles acadmicos de renome mundial, substitudos por jovense ambiciosos comunistas, o que abaixou drasticamente a qualidade do nvel de ensino. Entre 1950e 1952, so publicados 175 livros destinados ao ensino universitrio, entre os quais 86

    so tradues de obras soviticas, muitas vezes de carter meramente propagandstico, enquantoeram retiradas das bibliotecas obras consideradas

    burguesas, ainda que cientficas; no se tinha acesso a publicaes ocidentais, perdendo-seassim o contato com o que acontecia no Ocidente.

    A Psicologia e Sociologia foram banidas, ao passo que em todas as faculdades eram organizadasdisciplinas obrigatrias de marxismo-leninismo (Romsics, 1999, p. 360).

    Mas conquistas significativas ocorrem tambm no campo esportivo: no final da dcada de 1930,o pas contava com trezentos mil esportistas, nmero que se eleva em 1955 para quinhentos mil;no pr-guerra apenas 10% eram mulheres, elevando-se com Rkosi essa cifra para 20%. Oesporte mais popular era o futebol; a Hungria tinha o famoso time de ouro, com Pusks,Hidegkuti, Czibor e Kocsis, que venceu a seleo inglesa em Londres por 6 X 3, fatoevidentemente aproveitado por Rkosi para mostrar a superioridade do regime.

    O desempenho da Hungria nas Olimpadas tambm era muito bom: 10

    medalhas de ouro em Londres em 1948, quantidade semelhante obtida em 1936 na Olimpadade Berlim; j em 1952, em Helsinque foram conquistadas 16, recorde no superado (Romsics,1999).

    CAMINHANDO PARA A REVOLUO

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    A chamada sociedade civil, um contraponto ao poder do Estado, foi um dos primeiros alvos deRkosi, pois o Estado que se formava no podia admitir divergncias, uma vez que seu objetivoera o poder absoluto. Por isso, foram atingidos sindicatos, instituies polticas, pessoas dedestaque da sociedade, como padres, jornalistas, escritores e artistas. O Estado socialista tambmno podia permitir que a hierarquia da Igreja Catlica fosse imposta por Roma, determinandoque os lderes das Igrejas fossem escolhidos pelo governo, isto , pelo partido. No incio dadcada de 1950 centenas de padres foram presos e condenados, enquanto outros foram obrigadosa abandonar suas parquias. A maior resistncia coube de seu principal dirigente, o cardealMindszenty , principal dirigente da Igreja Catlica, que acabou se transformando no smbolo deresistncia ao novo regime, preso logo aps o Natal, em 26 de dezembro de 1948. Contra elearquiteta-se um processo no qual acusado de espionagem, de negociatas em moeda estrangeirae conspirao contra a Repblica, pelo que condenado priso perptua, tendo conhecido,

  • durante seu processo, os interrogatrios sdicos ordenados pelo chefe da VH , Gbor Pter, erealizados por sua fiel equipe.

    Em suas memrias, o cardeal relata que, ao se recusar a assinar a confisso, o tenente-coronelda polcia que o estava interrogando disse:

    [...] entenda que aqui os acusados no confessam o que querem, mas o que ns queremos. Fezum sinal e deu as instrues: ensinem-no a confessar; sou conduzido para a cela por um major.Devia ser umas trs da madrugada. Dois guardas rapidamente tiraram a mesa do meio doquarto, depois o major parou na minha frente e gritou para eu me despir. No me dispo, nem memovo. Faz um gesto para os guardas. Com a ajuda desses, ele mesmo tira o casaco listrado e acala.

    Depois saem do quarto. [...] Logo depois entra no quarto um oficial da polcia poltica alto, forte,de pescoo grosso e olhar selvagem, que apenas diz: eu fui partizan. [...] De repente corre emminha direo e chuta com a sua bota minha coluna. Tanto ele como eu camos em direo parede oposta. Somente parou quando no conseguiu mais chutar; com um sorriso diablico norosto, disse ofegante: esse foi o momento mais feliz de minha vida. [...] Agora entra de novo omajor. Manda o partizan sair, pega um cacetete de borracha. Nunca pensei que chegaria aocacetete de borracha. Obriga-me a deitar no cho e comea a bater.

    Comea na sola de meu p e vai subindo. [...] O major continua a bater ritmicamente, apesar dej ofegante, mas no pra, parece ter um grande prazer em bater no cardeal pelado da Hungria.Aperto meus dentes, mas nem sempre consigo conter os sons. Estou gemendo com a dor. suficiente para o corpo, e a alma parece em chamas. [...] Por quanto tempo bateram e porquanto tempo estive inconsciente, no sei dizer. (Mindszenty , 1974, pp. 240-1) 26

    HUNGRIA 1956

    Aps dias apanhando, mas sem assinar a confisso, Mindszenty obrigado a ouvir: Bato, corto-te em pedaos at de manh. Vou dar os pedaos de teu cadver aos cachorros e jogo no esgoto.Agora ns mandamos aqui. Mesmo assim no assina, ento recebe a seguinte ameaa: Sevoc no assinar, de madrugada trago aqui a tua me. Voc vai ficar pelado frente a ela. Ela vaiter uma merecida morte fulminante, pois te trouxe ao mundo.

    Voc vai ser o assassino de tua me. Aps dias de tortura, Mindszenty assina a confisso, masacrescenta a sigla C.F., que em latim significa coactus feci, sob coao (Mindszenty , 1974, p.269).

    A populao vivia sob um regime de tenso, pois a qualquer momento algum poderia serquestionado, preso ou condenado: entre 1948 e 1953, 961.504 cidados foram acusados e 636.973condenados ( Bartosek, in Courtois et al., 2001). O governo mantinha um dossi secreto sobre aspessoas (o chamado kder-lap), em que registrava de que classe o indivduo vinha, origem essaque ditava sua futura escolaridade, sua possibilidade de emprego, sua eventual elegibilidade para

  • cargos mais elevados: M indicava munks, operrio; P, paraszt, campons; classificaesque davam regalias,

    , para rtelmisg, intelectual e E para egyb, outros; classificaes que podiam complicar avida das pessoas, porm a mais perigosa era X, reservada para os inimigos de classe, comoantigos oficiais, nobres e funcionrios do regime do almirante Horthy . A classificao mais altaera M-1, para filhos de operrios e altos funcionrios do partido e oficiais da VH.

    Enquanto proclamavam a igualdade, a renncia e o puritanismo

    o aborto era punido, casais que se beijavam em pblico podiam ser presos , os altos funcionriosdo partido moravam em espaosas residncias nas montanhas de Buda, circulavam pelas ruascom carros soviticos blindados, tinham vrios aparelhos telefnicos disposio em seusescritrios (um para falar com Moscou, o segundo para contatos com pases amigos, o terceiropara falar com ministros, o quarto com as empresas mais importantes, fora o aparelho com umalinha comum); podiam ser internados em um hospital exclusivo para membros do partido,podiam se hospedar nos locais de veraneio exclusivos do partido, podiam encomendargratuitamente, de lojas exclusivas, artigos de luxo, e suas roupas eram feitas por alfaiates oucostureiras. Mas, conforme caa a hierarquia, os privilgios tambm diminuam. Em 1950, foiintroduzida para os membros do Comit Poltico, a conta aberta, isto , podia-se solicitar tantodinheiro quanto necessrio sem a necessidade de prestao de contas. Eles no pagavam aluguel,nem suas roupas, CAMINHANDO PARA A REVOLUO

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    nem o aquecimento para o inverno, nem os empregados domsticos. O

    jornalista Aczl relata:

    [...] eles j no viviam no socialismo, mas no comunismo sonhado por Marx, Engels, Lenin eStalin, onde o dinheiro tinha perdido o seu sentido e todos abasteciam as suas necessidadesdispondo dos bens produzidos pela sociedade.

    (Aczl, 1961, pp. 268-9).

    MECANISMOS DE REPRESSO

    Ao lado do culto personalidade, os anos 1950 na Hungria so

    lembrados principalmente pelos atos repressivos, ilegais, cometidos contra a populao. Instituiu-se um terror em massa que no respeitava os direitos humanos apontados pela ONU emdezembro de 1948, sendo suprimidas as principais liberdades bsicas. Um slogan de poca retratabem a ideologia dominante: quem no est conosco est contra ns.

    Era um Estado totalitrio, que se comportava de maneira impiedosa com a oposio e com

  • eventuais rivais e mantinha a populao sob absoluto terror, com medo do partido, do primeirosecretrio do partido e da polcia poltica, a VH, conhecida como o punho do partido. A VH, cujos membros provinham das classes operria e camponesa, recebia informaes sobre asociedade atravs de uma rede composta de quarenta mil informantes, arquivando informaessobre aproximadamente um milho de pessoas, mais de 10% da populao. Era funo da VH:descobrir criminosos de guerra, recolher dados sobre opositores, fabricar falsas acusaes eprovas e forar essas pessoas atravs da tortura a confessar esses supostos crimes (Romsics,1999). Foi nessa poca que surgiu o pavor da campainha, pois era de madrugada que osagentes da VH tocavam a campainha para levar o

    suspeito em um carro preto cujas janelas ficavam fechadas por cortinas.

    O terror contra a populao se disseminava: entre 1950 e 1953

    transitaram pelos tribunais mais de um milho de processos contra 650 mil acusados, dos quais390 mil foram condenados. Em 1953 j no existia famlia que no tivesse algum membro sobinvestigao. Parte dos condenados ia para a priso, parte para campos de internao, os Gulagshngaros, que chegou a 100 em 1953, comportando 44 mil inimigos de classe que realizavamtrabalhos forados dentro deles (Romsics, 1999, p.

    343), mas ao governo parecia natural, na luta de classes, que um tero dos detentos estivessempresos por motivos polticos (Pnksti, 2001).

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    HUNGRIA 1956

    De acordo com Rkosi: os acusados devem permanecer presos at que provem a suainocncia, e justificava: o nascimento de algo novo est sempre cercado de sangue e sujeira,mas observar apenas a dor do parto e o sangue levar a uma concluso inadequada (apudPnksti, 2001, pp. 170 e 194).

    Assim, a justia ficou totalmente subordinada aos interesses do partido

    principalmente entre 1949 e 1953, quando foram fabricados muitos processos totalmenteirregulares, baseados em interrogatrios com confisses extradas sob tortura ou confisses demembros do partido que acreditavam estar dessa forma servindo causa. Execues eramraras antes de 1949 e depois de 1953.

    Os prisioneiros da VH eram internados em celas minsculas onde tinham de ficar em pdurante horas, pois no havia como sentar. Caso desobedecessem as ordens, eram rigorosamentepunidos, prendendo-se uma curta corrente de ferro de um pulso ao tornozelo. Tentativas de fugaeram punidas com um peso de aproximadamente 25 quilos preso no tornozelo.

    Um tratamento padro era introduzir um fino tubo de vidro na uretra do prisioneiro e quebr-lo

  • em pedaos. Quando padres eram interrogados, crucifixos metlicos eram eletrificados e ospadres eram obrigados a beij-

    los. Peter Gbor apagava cigarros no rosto de seus interrogados Em maio de 1949, Lszl Rajk,ex-ministro do Interior, um dos

    arquitetos do estado policial, foi preso, aos 40 anos de idade, sob as acusaes de espionagempara os imperialistas, de ter trabalhado para a polcia secreta de Horthy e de manter contatocom polticos iugoslavos, sendo um dos objetivos principais do processo demonstrar totalengajamento poltica antiiugoslava de Moscou, ao mesmo tempo que Rkosi livrava-se de umpotencial rival.

    Rkosi redige pessoalmente as acusaes, sob a superviso de Stalin.

    No incio, Rajk as nega, mas violentamente torturado. Durante o interrogatrio, foi deitado debarriga para baixo, suas meias foram enfiadas em sua boca para que no gritasse, a sola de seusps eram surradas com cassetetes de borracha, com intervalos em que o prisioneiro era obrigadoa ficar pulando para que seus ps no inchassem. O prprio Mihly Farkas batia pessoalmente noprisioneiro. Exausto, Rajk convencido por Mihly Farkas e pelo seu sucessor no Ministrio doInterior, Jnos Kdr, de que o nico objetivo do processo era aterrorizar os inimigos de classe eque, naturalmente, a sentena de morte no seria cumprida e as acusaes seriam esclarecidas.Assim, Rajk reconheceu sua culpa, sendo sua confisso transmitida pelo rdio.

    CAMINHANDO PARA A REVOLUO

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    Em 15 de outubro de 1949, foi executado com outros 14 rus confessos.

    No dia da execuo de Rajk, seu interrogador, Mihly Farkas, deu uma festa para seussubalternos, distribuindo presentes como relgios de ouro.

    Mandou trazer o cardeal Mindszenty de sua cela, oferecendo-lhe champanhe, porm, como ocardeal recusou-se a brindar, jogou o contedo do copo no seu rosto. As ltimas palavras deLszl Rajk teriam sido: no foi isso que vocs prometeram (Aczl, 1961; Pnksti, 2001;Romsics, 1999).

    Em 1951 chegava a vez dos comunistas nacionais restantes, sendo condenados priso 21dirigentes de renome nacional, entre eles Jnos Kdr. A mensagem era clara: todos estavamsob suspeita. A luta interna no partido gerou, entre 1949 e 1953, quase 100 mortes:

    [...] e assim estava Jnos Kdr, antigo ministro do interior, em frente aos seus antigossubalternos, que o acusavam de ser agente de potncias estrangeiras. Kdr negava. Ento surgiuum coronel das foras de defesa do estado, que no era outro seno Vladimir Farkas, filho dogeneral Mihly Farkas. Careca, por volta dos trinta anos, um jovem cansado, que tinha apenas

  • um argumento: a agresso. Kdar comeou a levar uma surra. Primeiro pintaram o seu corpocom mercrio para que os poros no conseguissem respirar. Quando estava todo estrebuchado nocho, chegou o pai, o general Mihly Farkas. Kdr foi levantado. Valdimir foi at ele. Doisalgozes abriram a boca do ex-ministro do interior e o coronel, como quem tem de fazer suasnecessidades, mijou na sua boca. Todos riam. Realmente era uma figura divertida o homemensangentado e desamparado, que estava se afogando na urina. O telefone tocou. Mihly Farkasatendeu; no outro lado da linha falava Mty s Rkosi. O sbio pai do povo e grande ldernervosamente perguntava se Jnos Kdr j tinha confessado. Mihly Farkas somente pode daruma resposta negativa. Ele ainda no tinha confessado. Kdr, que jazia no cho, ouviu umresmungo ao telefone; o bondoso pai do povo dava as diretrizes: bater, bater, bater, at eleconfessar. So as minhas instrues. (Aczl, 1961, pp. 222-3).

    O clima de terror era tamanho que a situao comea a se tornar insustentvel. O prprioembaixador sovitico na Hungria, J. Kiseljov, alertou Moscou em 1952 que, devido aosmecanismos de represso exagerados, detectava-se uma grande insatisfao na populaohngara.

    VIDA CULTURAL NA ERA RKOSI

    A vida intelectual e a literatura eram coordenadas pelo dirigente comunista Jzsef Rvai, umhomem culto, freqentemente comparado a Andrej Alexandrovics Zdanov, arquiteto da polticacultural da URSS. Assim que um novo livro de Thomas Mann saa no Ocidente, Rvaiimediatamente o importava 30

    HUNGRIA 1956

    e lia-o em apenas uma noite, mas no permitia que as obras desse escritor fossem publicadas naHungria, pois Mann no cabia dentro da Revoluo Cultural Socialista que Rvai propunha;revoluo essa que combatia tanto as tendncias burguesas como as de vanguarda e as de raiz,ligadas ao campesinato, pois o realismo socialista era a nica tendncia artstica aceitvel.

    Em 1948 so extintas as mais importantes revistas literrias e estatizadas as principais editoras,enquanto so condenados ao silncio alguns dos grandes escritores hngaros, como LszlNmeth, ron Tamsi, Jnos Kodolny i, Miln Fst, Lrinc Szab, Istvn Vas, Wees Sndor,Gza Ottlik e Jnos Pilinszky , e outros so obrigados a escolher o exlio, como Sndor Mrai,Lajos Zilahy e Lszl Cs. Szab. Destino semelhante tem msicos como Georg Solti e JnosStarker e cineastas como Gza Radvny i e Hamza D. kos, que se refugia no Brasil.

    Nas livrarias ainda se encontravam disposio obras de alguns autores ocidentais, comoCocteau, Malraux, Sienkiewicz, Upton Sinclair, H. G.

    Wells e Stefan Zweig, e at de socialistas como Bertolt Brecht e Paul luard, mas o querealmente se podia adquirir eram obras de escritores comunistas hngaros como Ills Bla, muitoBalzac, com suas descries crticas da sociedade burguesa francesa do sculo XIX e,

  • evidentemente, todas as obras de Marx, Engels, Lenin e Stalin. Em 1951, aproximadamente 60milhes de livros foram impressos, divididos em 12 mil ttulos, sendo o best-seller A histria doPartido Comunista da URSS. Entre 1949 e 1953, a Hungria no teve acesso a novos livros ou apeas ocidentais, com a exceo de alguns autores comunistas ou companheiros de viagem,como Jorge Amado.

    Escritores clssicos hngaros, como Imre Madch, Endre Ady e Jzsef Attila foram proibidos outratados com restries por serem pessimistas, ou nacionalistas, ou religiosos, ou mesmopequeno-burgueses, e os contemporneos que no se adequavam ao realismo socialista eramtachados de decadentes (Miln Fst), contra-revolucionrios (Sndor Weres),

    direitistas (Gyula Illy s), modernistas (Lajos Kassk), anti-realistas

    (Gza Ottlik), partidrios da terceira via (Lszl Nmeth).

    O modelo para as artes tinha de ser, evidentemente, o sovitico, cuja superioridade no podia serquestionada, isso para uma Hungria que tinha artista de ponta, como Bla Bartk na msica,Jzsef Attila na poesia e Gy ula Derkovics na pintura, fora o fato de a cultura hngara sempreestar ligada ao Ocidente, principalmente s culturas francesa e alem.

    Os jovens escritores eram incentivados a escrever sobre temas que retratassem a formao dohomem socialista, a construo do socialismo e a CAMINHANDO PARA A REVOLUO

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    defesa da paz, sempre com um final otimista, enquanto os poemas deviam enaltecer o trabalho eos dois grandes lderes, Stalin e Rkosi, havendo tambm temas anuais propostos pelo Governo,como minerao, exrcito, vida dos operrios, que a literatura, ao lado do cinema e do teatro,devia desenvolver (Pnksti, 2001, p. 433).

    Alguns exemplos de versos tpicos da poca:

    As asas do corajoso pombo da paz / bateram no oriente, partiram de Moscou / em Paris, Praga esobre o nosso pas / acendem as luzes do futuro (Gbor Devecseri, Para a reunio hngara depaz);

    Ataquem, tanques, ataquem, canes! / Acendam os fogos com o nome de Stalin/ Acorde mundo!A paz amadurece! / Que as chamas cheguem aos cus! (Lajos Kny a, Tirem as mos daCoria);

    Faz uma semana sete dias e sete noites / So Dele todos os meus pensamentos. / [...] / Essa aluta, essa ser a ltima / E nas bandeiras vitoriosas / carregamos o Seu nome / e Ele nos conduz vitria: Stalin (Tibor Mray , Com o seu nome);

    [...] durante um inesquecvel dia / elogiamos o plano trienal / e voc, meu Partido, Partido

  • Comunista! (Tams Aczl, Marcha em Eny ing).

    Havia um claro caminho a seguir nas artes plsticas: elas adquiriram um carter de educaopoltica e os artistas enalteciam os dirigentes do Partido; deviam ser retratados operrios,camponeses e esportistas vencedores, alm de lderes polticos com um naturalismo exaltador.As obras que no se encaixassem dentro dos padres do realismo socialista eram consideradasinaceitveis, sendo o paradigma da poca a esttua de oito metros de altura de Stalin, inauguradaem Budapeste em 16 de dezembro de 1951.

    Na msica erudita, aceitavam-se composies que unissem o clssico com o folclore, comofazia Zoltn Kodly , e cantatas que celebrassem o socialismo, como a de Pl Kadosa, A luz seespalha, em cuja letra de 221

    palavras se podia ouvir 93 repeties do nome de Stalin, ao passo que a obra de vanguarda deBla Bartk era tachada de decadncia burguesa, sendo seu bal O mandarim miraculosoproibido, pois Rkosi fez o seguinte comentrio sobre a msica do compositor: parte significativada msica de Bartk de difcil compreenso para as grandes massas

    (apud Pnksti, 2001, p. 293).

    No repertrio popular foi proibido o rock and roll e o jazz, as marchas militares e as canes decarter nacionalista, porm eram toleradas as operetas, pois essas muitas vezes satirizavam asantigas elites, e incentivadas 32

    HUNGRIA 1956

    as canes com letras que exaltassem a revoluo, ao mesmo tempo que ocorria umavalorizao da cultura popular e do folclore.

    Para o cinema, faziam-se produes com roteiros que enaltecessem as figuras revolucionriasdo passado e comdias musicais, sendo produzidos, entre 1949

    e 1956, 59 longas-metragens, uma produo pequena, se comparada hngara entreguerras, queentre 1931 e 1941 produziu 237 filmes.

    O seguinte filme ilustra bem o esprito da poca: em Colnia no subsolo (1951, direo coletiva),mostra-se que em uma empresa de propriedade americana a produo de petrleo diminui e oengenheiro chefe sofre um acidente; a VH suspeita de sabotagem e comea a investigar, aembaixada americana d continuidade s sabotagens com a ajuda de um social-democrata; aVH descobre tudo, prende os envolvidos e a empresa finalmente estatizada (Magy arFilmintzet, 1998).

    As produes estrangeiras exibidas eram geralmente soviticas. Filmes ocidentais, apenas um oudois filmes italianos neo-realistas foram exibidos, pois mostravam a realidade cruel do mundocapitalista, mas tinham o defeito de no apontar um caminho, no sendo, assim, otimistas, pois

  • no traziam o Partido Comunista Italiano como a grande soluo. Para resolver esse problema, ofinal de Ladres de bicicleta, de Vittorio de Sica, foi modificado. No original, o operrio italiano,aps perder a sua bicicleta, seu instrumento de trabalho, caminha para um futuro incerto com oseu pequeno filho; um final desses no podia ser aceito na Hungria de 1950.

    Para resolver esse impasse, retirou-se de um noticirio italiano de poca uma cena demanifestao do Partido Comunista Italiano na qual o lder Palmiro Togliatti discursava quefoi simplesmente adicionada ao final do filme. O heri no tinha mais um futuro incerto, poisseria conduzido pelo Partido Comunista (Aczl, 1961).

    ECONOMIA STALINISTA

    O novo regime desejava modernizar a Hungria atravs de uma poltica agressiva deindustrializao, seguindo o modelo sovitico, baseado na indstria pesada, de base. Se essa era ameta, pode-se at dizer que foi alcanada: a Hungria agrria do pr-guerra sob Rkositransformou-se em um pas industrializado.

    A poltica econmica de Rkosi baseava-se na hiptese de que possvel uma rpidaindustrializao em um pas relativamente atrasado, utilizando apenas recursos prprios. Paraatingir essa meta, a economia deveria ter um CAMINHANDO PARA A REVOLUO

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    planejamento centralizado, eliminando-se os princpios de economia de mercado, substituindo-sea livre iniciativa pelo planejamento e os preos de mercado, pelos preos planejados.

    So formuladas as seguintes metas econmicas: desenvolvimento

    industrial, com nfase na indstria pesada, e modificao das relaes de propriedade no campocom incentivo s cooperativas. Como havia a possibilidade de um conflito Leste/Oeste, de 20% a35% da capacidade de investimento da nao foi direcionada para a indstria pesada, a fim deque a Hungria se transformasse no pas do ferro e do ao, gerando o quase abandono daindstria leve e da tradicional de alimentos. Tal fato acarretou a eliminao, em 1950, dodesemprego e a duplicao do nmero de trabalhadores na rea em relao ao ano de 1938 (de172 mil para 371 mil), ocorrendo acentuada reduo do nmero de trabalhadores no campo. Aindstria registrava um crescimento anual de 20%, ao passo que entre as duas guerras essenmero no passou de 2%, sendo a produo triplicada em 1953 em relao ao ano de 1938.Note-se a importncia da questo militar na economia: apesar de o tratado de paz permitir aopas ter Foras Armadas de no mximo setenta mil membros, em virtude da Guerra Fria,Moscou incentivou o fortalecimento destas, que, em 1950, j ultrapassava os trezentos milhomens, contando tambm as foras da VH . A manuteno de tal Exrcito era extremamentecustosa, algo em torno de 25% do oramento nacional: em um ano investiu-se mais nas ForasArmadas do que em cinco anos na educao (Pnksti, 2001; Romsics, 1999).

  • A geografia do comrcio exterior hngaro tambm se altera: a URSS

    substitui a Alemanha como parceiro comercial mais importante,

    absorvendo 25% das exportaes e fornecendo 21% das importaes em 1949. Moscou tinha odireito de comprar da Hungria abaixo do valor de mercado, determinando assim os preos dasmercadorias, mas vendia as suas para a Hungria com preos de mercado, o que causava umgrande desequilbrio na balana comercial hngara. E tambm podia explorar o urnio hngaroconforme suas prprias diretrizes, gerando um sentimento de revolta na populao.

    Alguns erros bsicos foram cometidos: no havia matria-prima para sustentar a industrializao,sendo necessrio importar os insumos. Alm disso, para dirigir as fbricas foram escaladosdiretores de origem operria, que, em geral, no estavam preparados para essa tarefa, maspermaneciam nos postos porque eram confiveis politicamente. Como no havia concorrnciaou possibilidade de escolha por parte do consumidor, a 34

    HUNGRIA 1956

    qualidade dos produtos caa, levando a Hungria a um atraso em relao aos pases ocidentais.

    No incio, no estava entre as metas do PC a estatizao da agricultura, pois o partido haviaaprendido, em 1919,7 que no teria o apoio dos camponeses sem realizar a reforma agrria.Rkosi, porm, desejando acelerar a implantao do socialismo, sugere que a coletivizao docampo seja feita da forma mais radical possvel: em 1948, apenas trs anos depois da reformaagrria que distribuiu terras aos camponeses, as propriedades agrcolas com mais de cemfuncionrios foram estatizadas, transformando-se em cooperativas, sendo os camponesesobrigados, por mtodos autoritrios, a delas participarem. Os camponeses com mais terras (paracaracteriz-los, usava-se a expresso russa kulk, que significava campons rico ou comgordura) passaram a ser perseguidos, de acordo com o modelo sovitico, fato que configuravaoutra maneira de provar para Moscou que a Hungria no seguia o modelo titosta, que prestigiavaesses produtores (Mray , 1989).

    Os kulks eram castigados com impostos especiais, falta de acesso a crditos, excluso dasassociaes, alm do que suas mquinas agrcolas eram expropriadas, assim como seus silos eat suas casas. Os filhos dos kulks no podiam freqentar o ensino mdio ou a faculdade,enquanto a imprensa promovia uma campanha sistemtica contra eles (Romsics, 1999, p. 350).

    A coletivizao dos campos gerou profunda crise na agricultura hngara, que no consegueatingir nem o patamar de produo de 1938, mas apenas 85% do obtido naquele ano, gerandofalta de alimentos. Em decorrncia disso, os preos subiram, mas os salrios no acompanhavamos aumentos, fazendo parte significativa da populao hngara viver prxima do nvel depobreza.

    DEBATE EM MOSCOU

  • Stalin morre na Unio Sovitica em 5 de maro de 1953, s 21h50, justo no incio da primavera.Esse fato causaria uma mudana no cenrio de fechamento coletivo na Europa Oriental. Acampanha oficial de desestalinizao s comearia a partir do XX Congresso do PartidoComunista da Unio Sovitica (PCUS) em 1956, mas a liderana coletiva que sucedeu Stalin(Malenkov, Khrushchev etc.) j a partir de 1953 comea a lanar discretos sinais, atravs deartigos na imprensa, de que o excessivo culto personalidade de lderes partidrios era danoso. Oideal para o socialismo seria a liderana coletiva (igualmente o que estava acontecendo na URSS

    CAMINHANDO PARA A REVOLUO

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    ps-Stalin). Essa nova poltica da liderana sovitica causaria reflexos nos chamados pasessatlites.

    Havia clara reivindicao por parte das populaes nos pases satlites por melhorias no nvel devida, maior liberdade poltica, reivindicaes essas simbolizadas pelas manifestaes queocorreram em 17 de junho de 1953 em Berlim Oriental, sufocadas pelos tanques soviticos.

    Em maio de 1953, Mtys Rkosi convocado para ir a Moscou, recebe instrues para realizarmudanas, mas no as cumpre. Moscou age rpido: Rkosi recebe uma nova convocao pararetornar em 13 de junho com o presidente do Conselho Ministerial, Dobi Istvn, e os dirigentescomunistas Imre Nagy e Ern Ger. Os soviticos sabem muito bem o que querem discutir: acrise econmica vinda desde 1951, mas que explodia naquele ano, a administrao do pas, aconstante solicitao de recursos URSS, a industrializao excessiva, o aumento desnecessriodas Foras Armadas, a coletivizao forada do campo, a queda do nvel de vida, os problemasde abastecimento, a falta de alimentos, a montagem de processos, prises e o culto personalidade. Malenkov prope trs eixos de discusso: o desenvolvimento da economia, aescolha dos lderes e os abusos de poder, assinalando que devia ser tambm debatida a maneiracomo os problemas seriam solucionados (Rainer, 1996; Romsics, 1999).

    A reunio comea com uma srie de acusaes da cpula sovitica.

    Beria8 pergunta queima-roupa para Rkosi: o que foi, o senhor ainda est aqui? O senhor ainda o primeiro-ministro da Hungria? (apud Mray , 1989, p. 11), e ameaa Rkosi com o fato de astropas soviticas no permanecerem indefinidamente na Hungria, no que apoiado por Molotov,que diz para Rkosi: entenda finalmente que no vai poder governar indefinidamente apoiadonas baionetas soviticas (apud Mray , 1989, p.

    117). Malenkov acusa Rkosi de ser o principal responsvel pelos erros na Hungria, por no sabertrabalhar em equipe e por no suportar crticas; diz ainda que a Hungria foi famosa pela sua boaagricultura, e pede aos membros do partido hngaro que acertem sua relao com o povohngaro. Beria pergunta: aceitvel que de uma populao de 9.500.000 pessoas existamprocessos contra 1.500.000? (apud Rainer, 1996, p. 513). Rkosi, j muito abalado, alm de ser o

  • centro de todas as crticas e ser claramente destratado na frente de seus comandados, ainda temde ouvir de Beria:

    Preste ateno, Rkosi, j ouvimos falar que a Hungria j teve sulto turco, imperador austraco,kahn mongol e prncipe polons, mas nunca ouvimos falar que tivesse 36

    HUNGRIA 1956

    um rei judeu.9 Parece que isso que o senhor quer ser. Fique sabendo que ns jamaispermitiremos isso. (apud Mray , 1989, p. 17).

    Depois das acusaes, a cpula sovitica parte para as recomendaes: as bases da economiadeveriam ser radicalmente modificadas, freando-se a industrializao, elevando-se o padro devida, fortalecendo-se a agricultura.

    Rkosi continuava como primeiro secretrio do partido devido a sua experincia, mas deviarenunciar ao cargo de primeiro-ministro. Devido aos seus erros e ao culto personalidade, convocado a fazer uma autocrtica.

    Ento, quem devia ser o novo primeiro-ministro? Rkosi, perguntado sobre eventuais sucessoresno governo, levanta objees contra qualquer um, pois, evidentemente, todos eram suspeitos,menos ele (Fej t, 1974).

    Beria, Malenkov, Molotov e Khrushchev sugeriram Imre Nagy para primeiro-ministro, pois eraconfivel, conhecia a fundo agricultura e era bem aceito pela populao. A nomeao de Nagypoderia fazer parecer que ele seria, a partir de ento, a figura principal do pas, mas ele tornava-se apenas o primeiro-ministro Rkosi continuava a comandar o partido.

    O primeiro-ministro, ento, assumia com o compromisso de fazer mudanas. Moscou finalmentepermitia reformas nos pases satlites, e foi na Hungria que elas tornaram-se mais radicais,personificadas na figura de Imre Nagy .

    Poderia a Hungria, com as reformas de Imre Nagy , mudar? Poderia, mas existia um obstculo,e esse obstculo chamava-se Mty s Rkosi, que, por um lado, sofria de uma espcie de auto-adorao e, por outro, percebeu que no tinha outra sada: ou permanecia no poder ou poderiaser condenado pelos seus atos anteriores. Portanto, sua nica opo era lutar por ele. Mas, deuma maneira ou de outra, a era Rkosi estava sendo enterrada: era a primeira vez que um partidocomunista no poder reconhecia seus erros, tanto na economia, como na poltica.

    O NOVO PRIMEIRO-MINISTRO: IMRE NAGY

    Em 1o de maio de 1945 um poltico hngaro, ligado ao Partido

    Comunista, recm-chegado de Moscou, onde viveu desde a dcada de 1930, declara: no ficoem posio de sentido diante da Internacional (apud Mray , 1989, p. 22). Esse poltico Imre

  • Nagy .

    Quem essa figura fleumtica, impassvel, no ambiciosa, preferen-cialmente terica, masdisposta a partir para a prtica, quando necessrio?

    CAMINHANDO PARA A REVOLUO

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    Em maio de 1915, em plena Primeira Guerra Mundial, foi convocado para servir na infantariado Exrcito hngaro, sendo feito prisioneiro pelos russos, retornando Hungria somente cincoanos depois. na condio de prisioneiro que toma contato com os movimentos polticos deesquerda e com as idias de Marx e Engels; nessa condio, recebe a notcia da revoluo deoutubro. Em 1918, Nagy est livre para retornar, mas decide permanecer na Unio Sovitica,onde se filia ao Partido Comunista e participa da guerra civil como soldado vermelho voluntrio.Em 1921, decide voltar Hungria, retornando na qualidade de comunista convicto, instrudo,revolucionrio, um operrio do PC, que acredita em Marx e Lenin.

    Em 1929, Nagy vai participar de uma reunio do Partido dos

    Comunistas Hngaros em Moscou e decide permanecer na Unio Sovitica; uma decisocuriosa, feita justamente no momento em que o stalinismo se fortalecia, mas, para osrevolucionrios convictos como Nagy , a URSS ainda era vista como um paraso: era a suachance de permanecer no local onde ele acreditava que eram tomadas as grandes decises e deonde seriam dirigidas importantes transformaes mundiais.

    Sua popularidade iniciou-se ainda em 1945, quando Nagy foi ministro da Agricultura do pasrecm-sado da guerra (como membro do governo provisrio instalado em Debrecen emdezembro de 1944). Nagy foi um dos organizadores da reforma agrria que tirou terras dosantigos grandes latifundirios da Hungria e as redistribuiu aos pequenos camponeses. Boa partedo territrio nacional, 34%, foi submetida reforma: 5.600 mil acres foram distribudos entre642.342 pessoas (Mray , 1989, p. 28), 60% das quais camponeses que, em mdia, tiveram direitoa 5 acres. A porcentagem de pessoas sem terra caiu de 46% para 17%, a dos pequenosprodutores passou de 47% para 80%. Enquanto os grandes latifundirios desaparece-ram dasociedade os pequenos produtores passaram a representar 38,6% da populao total hngara(Romsics, 1999). Quem no se tornaria popular assim? importante notar que reforma agrria,naquele primeiro ano do novo governo, queria dizer que os camponeses recebiam a terra e noque a

    perdiam, como seria entendido dali a alguns anos, quando Rkosi iniciaria o processo decoletivizao agrcola forada.

    Em 15 de novembro de 1945, Nagy passou para o posto de ministro do Interior. Logo se notouque ele no tinha a dureza necessria quela posio, que inclua a direo das foras policiais de

  • represso internas, e, em 1946, fora investido do cargo de presidente da Assemblia Nacional.

    Em 1948, entre outros motivos por discordar das novas diretrizes rakosistas 38

    HUNGRIA 1956

    de coletivizao agrcola forada, caiu em desfavor com o regime e foi relegado a vice-chanceler da Universidade Agrria de Gdll, perto de Budapeste. Nagy criticava a polticaagrria de coletivizao forada de Rkosi, dizendo que os camponeses hngaros esperaramsculos pelas terras e mal fazia trs anos que a reforma agrria tinha sido realizada , portanto,no estavam preparados para esse passo. Considerava tambm que no existiam as condieseconmicas para tanto, apesar de acreditar nas cooperativas como modelo para a agricultura. Ointeressante que Nagy expunha suas idias publicamente, questionando Rkosi, que nessa pocaj estava com a aura de infalvel e inquestionvel. O debate dura meses. Nagy argumentava queassim o partido se distanciaria das massas, os camponeses teriam uma perda econmica ehaveria queda na produo agrria do pas. Mas o resultado apenas a ira de Rkosi. No entanto,seu afastamento, de certa forma, foi fortuito, pois acabou se tornando o nico lder comunistacom as mos limpas, que no tinha tomado parte no processo de Rajk, nem em outrosprocessos similares, nem nos mecanismos de terror resultantes do acirra-mento da luta declasses.

    Apesar de posteriormente ser readmitido na liderana do partido e ocupar cargos mais influentes,apenas em 1953 sua estrela voltaria a brilhar no alto.

    Estudando essa postura crtica de Imre Nagy e as escolhas e atitudes que tomou ao longo de suacarreira, pode-se chegar a algumas concluses: Nagy era um intelectual; no era um membrocaracterstico do partido, apesar de ser um comunista disciplinado; fazia parte de suapersonalidade ficar em segundo plano, como assessor ou consultor em vez de assumir posio decomando no partido; era visto com desconfiana por Rkosi; era a oposio a Rkosi e aalternativa a Rkosi, e realmente se tornou a opo possvel para Moscou em 1953. Assim, no toa que o Kremlin escolhe Nagy para ser o novo primeiro-ministro: era, por um lado, umcomunista convicto e fiel a Moscou e, pelo outro, um intelectual que percebeu os erros doprocesso e que tinha boa aceitao popular.

    Mas o mais importante: entre os interesses da URSS e os interesses de seu pas, pode-se dizer queNagy ficava com os do pas. O espantoso no que Nagy tenha sido executado em 1958, massim que tenha sobrevivido at 1958.

    Dessas concluses nasce a pergunta: as posies assumidas por Imre Nagy em 1956 foramrepentinas ou a conseqncia de observaes e experincias acumuladas ao longo de suacarreira?

    CAMINHANDO PARA A REVOLUO

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    O PRIMEIRO GOVERNO DE IMRE NAGY: O NOVO CURSO

    O novo governo eleito em 4 de julho de 1953, sbado; no domingo, Nagy faz seupronunciamento pelo rdio:

    Podemos dizer com certeza que com essa sesso do Congresso comea uma nova etapa no nossodesenvolvimento, em que gradativamente dever se expressar a soberania do povo, oParlamento dever obter um papel maior na conduo constitucional do pas e na determinaodos princpios e dos objetivos do Governo, assim como no exerccio de seus poderesconstitucionais Para cumprir suas tarefas o Governo deseja apoiar-se mais no Parlamento, poisgoverna com a confiana do mesmo e pelos seus atos governamentais responsvel pelo destinobom ou ruim de nosso pas e pela felicidade de nosso povo trabalhador [...]. (apud Pnksti, 2001,p. 67).

    Depois dessas palavras introdutrias, continua:

    [...] devo dizer com sinceridade nao que as metas estipuladas no plano qinqenal em muitosaspectos ultrapassam nossas possibilidades; para cumpri-las direcionaramos por demais nossospotenciais, atrasando as bases do bem-estar social de nosso povo, levando queda, nos ltimostempos, do poder aquisitivo da populao. evidente que temos de fazer modificaesfundamentais nessa rea. No podemos ter como meta apenas o desenvolvimento da indstriapesada [...]. Disso desenha-se claramente uma das mais importantes tarefas econmicas doGoverno: diminuir os investimentos na nossa economia respeitando a capacidade do pas.Considerando esse aspecto, o Governo quer revisar o plano tanto nas questes de investimento,como nas de produo e far as suas sugestes para tanto. Deve ser modificado tambm oenfoque do desenvolvimento. Nada justifica a industrializao exagerada e a busca da auto-suficincia industrial, principalmente se no dispomos da base de matria-prima necessria.(apud Pnksti, 2001, p. 67).

    Em seguida, Nagy comunica o que pretende fazer: ajudar os produtores agrcolas individuais,pois o governo quer solidificar a produo e o direito de propriedade dos camponeses , assimcomo fortalecer a produo dos setores industriais que ainda estavam em mos privadas, poisessa supre as necessidades bsicas da populao; assim o governo quer apoiar a iniciativaprivada, apesar de todo o desenvolvimento das cooperativas de trabalho, oferecendo para tanto aslicenas necessrias, emprstimos e garantia de distribuio. Depois, Nagy declara que a classeintelectual deve voltar a ser valorizada, inclusive a antiga entenda-se aqui a de antes daguerra , prometendo dissolver desconfianas indignas da democracia popular, principalmenteporque o pas tem claras necessidades na vida econmica, cultural e cientfica e existe umaclasse que pode suprir essas lacunas, ou 40

    HUNGRIA 1956

  • seja, se compromete a remediar injustias passadas. Promete tambm maior tolerncia nasquestes religiosas e diz que a esperana so os nossos pequenos hngaros . Mas o maisimportante ainda estava para ser dito:

    todas as atividades do Governo se basearo na ordem jurdica e institucional fixada naConstituio. [...] Em nossos rgos policiais de justia, assim como em nossos conselhos locais,muitas vezes no prevaleceu

    adequadamente o princpio de nossa democracia popular a legalidade; ressalta que os atosilegais praticados ofendiam o sentimento de justia da populao, questionando a sua f naordem institucional [...] a solidificao dessa ordem uma das tarefas mais urgentes do Governo;e par