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HUTCHEON, Linda - Uma teoria da paródia

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L'INDA HUTCHEON

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GfJMA TEORIADA PARdDIA .

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~diÇõeS70

o conceito de paródia é hoje fundamentalpara a plena compreensão da Arte - da literaturaà arquitectura, passando pelo vídeo, pelo cinemaou pela performance. Mas trata-se de um .-conceito sobre o qual o consenso entreescolas e 'teorizadores tem sido difícil,pprque escapa a t.odas as tentativas de integraçãonum modelo genérico - até a sua etimologia&mbígua contribui para a discórdia quanto às suascaracterísticas elementares.

Ei~'uma obra que, para além do alcancedas suas implicações nas teorias da críticaáctuais, é um excelente convite à releiturados monumentos da cultura ocidental .

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DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE

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Título original: A Theory or Parody

© 1985, Linda Hutcheon

- Publicado originalmente por Methuen & Co, Ltd.

Tradução de Teresa Louro pérez

Capa de Edições 70

Depósito legal n.º 32702/89

Todos os direitos reservados para a língua portuguesa

por Edições 70, Lda., Lisboa - PORTUGAL

EDIÇÕES 70, LDA. - Av. Elias Garcia, 81 r/c -1000 LISBOATelefs. 762720 / 762792 / 762854

Telegramas: SETENTATelex: 64489 TEXTOS P

DISTRIBUIÇÃO NO NORTE

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EDIÇÕES 70 (BRASIL), Ltda.Rua São Francisco Xavier, 224-A, Loja 2 (Tijuca)

CEP 20550 RIO DE JANEIRO, RJTelef. 2842942

Esta obra está protegida pela Lei. Não pode ser reproduzida,no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado,

incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do Editor.Qualquer transgressão à Lei dos Direitos de Autor será passível

de procedimento judicial

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LINDA HUTCHEON

CUMATEORIADAPARdDIAENSINAMENTOS DAS FORMAS

DE ARTE DO SÉCULO XX

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AGRADECIMENTOS

Um dos prazeres mais reais ao trabalhar um tema tão vastocomo este durante tantos anos tem a ver com o número de pes­soas com quem entrei em contacto e que partilham o meu inte­resse e entusiasmo pela paródia nalgumas das suas formas. Peloseu trabalho, já por si inspirador, nesta área e pela forma ina­preciável como corresponderam aos meus próprios esforços, gos­taria de agradecer a Daniel Bilous, da Universidade deConstantine, Argélia; Clive Thomson e ao «Groupar» da Queen'sUniversity, Kingston; a Bernard Andres e ao Séminaire lntersé­miotique, de 1982, na Universidade do Quebeque, em Montreal;a Michael Riffaterre e a Gérard Genette no colóquio sobre poé­tica, em 1981, na Universidade da Colúmbia; aos participantesde 1. S. L S. S. S., de 1984, e, entre os mais chegados, aos meusamigos Magdalene Redekop, da Universidade de Toronto, Dou­glas Duncan e Mary O'Connor, da Universidade de McMaster,em Hamilton. Tenho também a agradecer aos que me auxilia­ram, transmitindo-me as suas paródias preferidas: Deborah Leba­ron, Jim Brasch, Joann Bean, Alison Lee, Geert Lernout e muitosoutros. Estou também em dívida, a nível mais geral, em relaçãoao interesse e conselho de amigos e colegas: Gabriel Moyal, JanetPaterson, Laurel Braswell e Ron Vince. Para Janice Price e paraos seus leitores anónimos e perspicazes da Methuen vão os maissinceros agradecimentos que um escritor pode apresentar.E, como não podia deixar de ser, é o meu marido, Michael, quemerece a minha gratidão pelo constante encorajamento e também

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tem o mérito de ser o crítico mais analítico e provocador queseria possível desejar.

Muito público ouviu, ao longo dos últimos cinco ou seis anos,ideias isoladas deste livro numas primeiras tentativas de formu­lação. Por me terem dado a oportunidade de debater a minhateoria em público, gostaria de expressar os meus agradecimen­tos às seguintes instituições: Universidade da Colúmbia, CentroInternazionale di Semiotica e Linguistica (Urbino), Universidadede Queen's, Universidade de McGill, Universidade Estatal deNova Iorque, em Binghamton, Universidade do Quebeque, emMontreal, Departamento Francês da Universidade de Toronto,Universidade de Otawa, Universidade de Ontário Ocidental, Uni­versidade de McMaster e Círculo Semiótico de Toronto. Sinto-meparticularmente em dívida para com a resposta da audiência nestasconferências e na Conferência Internacional da Associação deLiteratura Comparada, em 1982, nos encontros de 1980 e 1981da Modern Language Association of America, na reunião dosmembros da Canadian Semiotics Association, de 1980, nas ses­sões de 1983 da Canadian Comparative Literature Associatione na reunião de 1984 da A. C. U. T. E.

Algumas das ideias que surgem neste livro foram também, aolongo dos anos, publicadas em forma, contexto e, por vezes, atélínguas muito diferentes numa série de publicações (Poétique,Diacritics, Texte, lhe Canadian Review ofComparative Litera­ture). Poucas dessas ideias serão, provavelmente, reconheCÍveisno tratamento subsequente que tiveram aqui, se bem que as figuras1 e 2 sejam uma reprodução, em inglês, de Poétique, 46 (Abrilde 1981).

Autor e editor desejam agradecer a Faber & Faber, Ltd., pelaautorização concedida para a citação de um poema de MakingCocoa for Kingsley Amis, da autoria de Wendy Cope.

LINDA HUTCHEONToronto, 1984.

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INTRODUÇAO

Somos exploradores que olhamos para o passado e a

paródia é a expressão central do nosso tempo.

Dwight Macdonald

Como indica o título deste livro, este é um estudo das impli­cações teóricas da prática artística moderna. A paródia não é demodo nenhum um fenómeno novo, mas pareceu-me que a suaubiquidade em todas as artes deste século exige que reconside­remos tanto a sua natureza como a sua função. O mundo «pós­-moderno», como Lyotard (1979) chama ao nosso Ocidentepós-industrial desenvolvido, pode muito bem estar a padecer,hoje em dia, de uma falta de fé em sistemas que requerem vali­dação extrínseca. Mas isto tem sido verdadeiro em relação aoséculo inteiro. As formas de arte têm mostrado cada vez maisque desconfiam da crítica exterior, ao ponto de procurarem incor­porar o comentário crítico dentro das suas próprias estruturas,numa espécie de autolegitimação que curto-circuita o diálogo crí­tico normal. Também noutros campos - da linguística à filoso­fia da ciência - a questão da auto-referência tornou-se o centroda atenção. O mundo moderno parece fascinado pela capacidadeque os nossos sistemas humanos têm para se referir a si mesmos

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num processo incessante de reflexividade. Por exemplo,inspirando-se na lógica matemática, nos sistemas computoriza­dos, nos desenhos de Escher, nas pinturas de Magritte e na músicade Bach, o livro de Douglas Hofstadter (1979), Godel, Escher,Baeh: An Eternal Golden Braid, é um estudo que demonstra amecânica que permite aos sistemas referirem-se e reproduzirem-sea si mesmos. Até o conhecimento científico parece hoje em diacaracterizar-se pela inevitável presença no seu interior de algumaforma de discurso sobre os próprios princípios que os validam.A omnipresença deste nível metadiscursivo levou alguns obser­vadores a postular um conceito geral de execução que serviriapara explicar o carácter auto-reflexivo de todas as formas cultu­rais - de anúncios televisivos a filmes, da música à ficção.

É no contexto geral desta interrogação moderna acerca da natu­reza da auto-referência e da autolegitimação que surge o inte­resse contemporâneo pela paródia, género que foi descritosimultaneamente como sintoma e como ferramenta crítica do epis­tema modernista (Rose, 1979). É certo que os formalistas rus­sos utilizaram textos paródicos como modelos e, evidentemente,Don Quixote é a obra que melhor revela, segundo Foucault(1970), a separação entre o epistema moderno e o renascentista.Desde Pound e Eliot até aos artistas de perjormanee contempo­râneos e aos arquitectos pós-modernos, a intertextualidade e aauto-representação foram dominando a atenção crítica. Com estecentro de interesse, surgiu uma estética do processo, da activi­dade dinâmica da percepção, interpretação e produção de obrasde arte (ou textos, como as referirei aqui).

Muitas épocas competiram pelo título de <<Idadeda Paródia».Por certo que o entusiasmo demonstrado no século XIX por umaparódia específica e ocasional aos poemas e novelas do Roman­tismo tardio forneceu uma fonte de opinião contemporânea sobreum movimento literário importante (Priestman 1980). A mesclade elogio e censura faz de tal paródia um acto crítico de reava­liação e acomodação. Dado que neste período existia um públicoleitor e literato da classe média, os parodistas podiam aventurar-see utilizar para além de textos canónicos familiares (a Bíblia,os clássicos), os contemporâneos. Mas no século XX a paródiaultrapassou esta função conservadora de pôr os modismosna ordem. Ao contrário de Dryden ou até de J. K. Stephen,T. S. Eliot parecia sentir que talvez não fosse capaz de confiarno conhecimento dos seus leitores - o conhecimento necessário

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à compreensão da sua poesia alusiva ou paródica - mas obri­gava o leitor a trabalhar no sentido de readquirir a herança lite­rária ocidental (e também alguma da oriental) ao ler The WasteLand. Por outras palavras, a paródia é, neste século, um dosmodos maiores da construção formal e temática de textos.E, para além disto, tem uma função hermenêutica com implica­ções simultaneamente culturais e ideológicas.

A paródia é uma das formas mais importantes da moderna auto­-reflexividade; é uma forma de discurso interartístico. Basta pen­sarmos na obra de romancistas como Italo Calvino ou John Fowles

para vermos a formulação mais aberta e explícita da sua natu­reza e função na ficção. Mas a paródia é igualmente importantenoutras formas de arte: A Traição das Imagens ou Isto não é

um Cachimbo (Ceci n 'est pas une Pipe), de Magritte, é, entreoutras coisas, uma paródia à forma emblemática medieval e bar­roca -- a imagem, título e mote, contudo, não tendem para asua habitual totalidade harmoniosa de sentido. (Visava tambémrefutar a utilização feita por Le Corbusier de um cachimbo comosímbolo do design funcional puro.) Foi o próprio Magritte queviu a relação entre a sua contestação paródica a formas anterio­res não problemáticas e o trabalho de Michel Foucault sobre asrelações entre palavras e coisas, entre a linguagem e os seus refe­rentes. Foucault respondeu com um estudo (1983) da transgres­são por Magritte das convenções mais gerais da representaçãoe da referência em arte. Acrescentando um outro nível de com­

plexidade ao jogo, Foucault apropriou-se do título de Magrittepara o seu próprio estudo. Como consequência, ambos produzi­ram obras que podem ser designadas Ceci n 'est pas une Pipe.

A música tem participado, com as outras artes, neste «yirar­-se para dentro» geral, a fim de reflectir sobre a sua própriá cons­tituição. Segundo alguns analistas, o principal assunto e fontede interes~e de grande parte da música contemporânea são assuas propriedades formais (Morgan, 1977). Uma das principaismaneiras da música se poder comentar a si mesma do interior(por oposição ao apoio em descrições de planeamento pré­-compositivo) é através de reelaborações paródicas de músicajá existente. Há mais de vinte anos, Edward Cone (1960) prota­gonizou o desafio aos conceitos e modalidades tradicionais deanálise musical com o seu argumento de que a música modernaexigia que a análise fosse determinada pelo objecto que se pro­põe elucidar. Por outras palavras, a própria composição devia

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ser tomada como ponto de partida para a revelação dos métodosde análise necessários à sua compreensão. Isto é talvez ainda maisevidente em obras de literatura metaficcionais que incluem ouconstituem já o seu primeiro comentário crítico (ver Hutcheon1980).

Também acredito que qualquer consideração da paródiamoderna ao nível teórico deve guiar-se pela natureza e funçãodas suas manifestações nas próprias obras de arte. Gostaria, poroutras palavras, de inverter a prática formalista russa. TristramShandy, Don Quixote e Don Juan eram as obras preferidas porSklovski porque a sua forma paródica coincidia com a sua pró­pria teoria sobre a convencional idade essencial da forma literá~

ria e sobre o papel da paródia no desnudar ou desconstruir aquela(Erlich 1955, 1965, 193). Eu pretendo, ao invés, começar porfazer notar a presença e a importância da paródia moderna e ela­borar, a partir daí, uma teoria que possa explicar melhor estefenómeno. Uma das razões desta estratégia é que as formas dearte do nosso século têm sido extrema e conscientemente didác­

ticas e parecem sê-Io cada vez mais. Este estudo é um apelo aque se dê tanta atenção aos ensinamentos da arte como aos dacrítica. Parecemos mais dispostos a aceitar a crítica mais recente,acabada de sair do prelo, do que a confiar na arte em si. Preferi­mos deixar ao tempo e ao senso comum a tarefa de decidir quaisas obras merecedoras da nossa atenção. No entanto, trata-se, comfrequência, mais de uma questão de comodismo que de avalia­ção. Ao desviar a atenção do mérito estético (qualquer que sejaa forma de determiná-l o) para o valor educativo, este estudo pro­cura investigar a definição e funções da paródia na arte moderna,e quiçá argumentar até em sua defesa.

A paródia precisa de quem a defenda: tem sido designada deparasitária e derivativa. A famosa aversão, para não dizer des­prezo, de Leavis pela paródia baseava-se na sua crença de queaquela era o inimigo filisteu do génio criativo e da originalidadevital (ver Amis 1978, xv). Estes termos dão uma ideia do modocomo tem sido denegrido um género que permeia toda a artedo nosso século. Alguns críticos rejeitam aquilo que vêem comouma sobreposição feita pela paródia de uma ordem externa numaobra que se presume ser original se se quiser que tenha valor(Rovit 1963, 80). O que se torna claro com este tipo de ataquesé a força subsistente de uma estética romântica que aprecia ogénio, a originalidade e a individualidade. Neste contexto, a paró-

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dia tem forçosamente de ser considerada, quando muito, umgénero muito menor. No entanto, desde a valorização por Eliotdo «sentido histórico» e, completamente, da atenção dada pelosformalistas (pela Nova Crítica, pelo estruturalismo) ao texto,ainda que muito diferentes, temos testemunhado um interesserenovado pelas questões de apropriação e até de influência tex­tual. Agora, contudo, vemos a influência como um fardo (Bate1970) ou como causa de ansiedade (Bloom 1973). A paródia éum modo de chegar a acordo com os textos desse «rico e temí­vellegado do passado» (Bate 1970,4). Os artistas modernos pare­cem ter reconhecido que a mudança implica continuidade eofereceram-nos um modelo para o processo de transferência ereorganização desse passado. As suas formas paródicas, cheiasde duplicidades, jogam com as tensões criadas pela consciênciahistórica. Assinalam menos um reconhecimento da «insuficiên­

cia das formas definíveis» dos seus precursores (Martin 1980,666) que o seu próprio desejo de pôr a «refuncionar» essas for­mas, de acordo com as suas próprias necessidades.

Este método mais positivo de tratar o passado recorda, em mui­tos aspectos, as atitudes clássicas e renascentistas perante o patri­mónio cultural. Para escritores como Ben Jonson, era evidenteque a imitação das obras anteriores era considerada parte do laborde escrever poesia. Depois de ser reprimido pela ênfase român­tica ou pós-iluminista na necessidade de outra coisa (génio, etc.),este interesse pela arte e pelo conhecimento do passado volta aestar em foco hoje. Suspeito que isto se deva, em parte, ao factode tantos artistas fazerem hoje parte da academia, mas é tam­bém, provavelmente, um resultado do formalismo estético, deRoger Fry a Roland Barthes. Michel Foucault (1977, 115) defen­deu que todo o conceito de artista ou autor como instigador ori­ginal de sentido é apenas um momento privilegiado deindividuali'zação na história da arte. Desse ponto de vista, é pro­vável que a rejeição romântica das formas paródicas como para­sitárias reflectisse uma ética capitalista emergente que fez daliteratura uma mercadoria que podia ser possuída por um indi­víduo. O último século viu a ascensão das leis dos direitos de

autor, e com elas, claro, vieram os processos de difamação con­tra os parodistas. Talvez isto queira dizer que o facto de hojeem dia se verificar uma viragem para a paródia reflicta aquiloque os teóricos europeus vêem como uma crise em toda a noçãodo sujeito como fonte coerente e constante de significação.

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o facto de a paródia se virar abertamente para outras formas dearte contesta implicitamente a singularidade romântica e obriga,consequentemente, a uma reavaliação do processo de produçãotextual.

A auto-retlexividade das formas de arte modernas toma mui­tas vezes a forma de paródia e, quando o faz, fornece um novomodelo para os processos artísticos. Num esforço para desmis­tificar o <<nomesacrossanto do autor» e para «dessacralizar a ori­gem do texto», críticos e romancistas pós-modernistas comoRaymond Federman (1977, 161) defenderam a complementari­dade dos actos da produção e recepção textuais. O escritor deve«estar em pé de igualdade com o leitor/ouvinte num esforço paraelaborar sentidos a partir de linguagem comum a ambos». Paraalguns defensores do playgiarism ou jogo contextuallivre, a ori­ginalidade torna-se o «duende dos egos rígidos»: «cada páginaé um campo em que se inscreve a marca de toda a página conce­bível registada no passado ou antecipada no futuro» (Tatham 1977,146). Muito embora a paródia ofereça uma versão muito maislimitada e controlada desta activação do passado, dando-lhe umcontexto novo e, muitas vezes, irónico, faz exigências semelhantesao leitor mas trata~se mais de exigências aos seus conhecimen­tos e à sua memória do que à sua abertura ao jogo. Talvez sejaverdade que todos os textos vanguardistas tenham sido, segundoas palavras de Laurent Jenny, volontiers savant (deliberadamenteeruditos) (1976, 279), assombrados por memórias culturais, cujopeso tirânico tiveram de derrubar, incorporando-as einvertendo-as.

Há-de ter-se já tornado claro que aquilo que aqui designo porparódia não é apenas aquela imitação ridicularizadora mencio­nada nas definições dos dicionários populares. O desafio a estalimitação do seu sentido original, tal como é sugerido (como vere­mos), pela etimologia e história do termo, é uma das lições daarte moderna a que há que atender em qualquer tentativa de ela­borar uma teoria da paródia que se lhe adeqúe. O Ulysses, deJoyce, fornece o exemplo mais patente da diferença, quer emalcance, quer em intenção, daquilo que designarei por paródiano século xx. Há extensos paralelismos com o modelo homé­rico, ao nível das personagens e do enredo, mas trata-se de para­lelismos com uma diferença irónica: Molly/Penélope, esperandono seu quarto insular pelo marido, manteve-se tudo menos castana sua ausência. Tal como acontece com os ecos irónicos de Dante

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e de muitos outros na poesia de Eliot, não se trata apenas de umainversão estrutural; trata-se também de uma mudança naquiloa que se costumava chamar o «alvo» da paródia. Embora sejaevidente que a Odisseia é o texto formalmente parodiado ou queserve de fundo, ele não é escarnecido ou ridicularizado; quandomuito, deverá ser visto, tal como na epopeia cómica, como umideal - ou, pelo menos, uma norma -, da qual o moderno seafasta. Isto não quer dizer que não tenha havido herdeiros moder­nos de Calverley e Squire, escritores daquilo que é visto maistradicionalmente como paródia. Basta-nos recordar a obra de MaxBeerbohm ou até «Winter is icummen in», de Pound. Com efeito,o que é notável na paródia moderna é o seu âmbito intencionaldo irónico e jocoso ao desdenhoso ridicularizador.

A paródia é, pois, uma forma de imitação caracterizada poruma inversão irónica, nem sempre às custas do texto parodiado.A Pietà, de Max Ernst, é uma inversão edipiana da esculturade Miguel Ângelo: um pai petrificado ampara um filho vivo nosbraços, substituindo a mãe viva e o seu filho morto, Cristo.A paródia é, noutra formulação, repetição com distância crítica,que marca a diferença em vez da semelhança. Neste aspecto,vai para além da mera variação alusiva como na técnica honka­dori da poesia palaciana japonesa, que faz eco de obras passa­das, com o fim de se apoderar de um contexto e de evocar umaatmosfera (Brower e Miner 1961, 14-15). A inversão irónica daCommedia, de Dante, por Pound, em Hugh Selwyn Mauberley(1928, 171-87) está mais próxima destas definições. Aqui, a paró­dia reside nos diferentes trajectos pessoais, estéticos e moraisde dois exilados. A dignidade de Dante é substituída pela auto­comiseração de Mauberley; o seu envolvimento na realidade polí­tica de Florença contrasta com a alienação assumida do esteta.Em vez de herdar uma longa tradição de poesia clássica, italianae provenç'al, Mauberley· tem apenas a decadência dos anosnoventa. A materialidade concreta das descrições que Dante fazaté de coisas sobrenaturais, é substituída pelos «obscuros deva­neios / da contemplação interior» (obscure revenes / of the inwardgaze). Enquanto que Dante sai de si em direcção à beleza e, final­mente, a Deus, num acto de plenitude espiritual, o trajectomoderno leva apenas ao ego mais profundo, ao malogro do amor,ao «hossana subjectivo» e às insuficiências da carne. No poemade Pound, a imagística (dos olhos, da boca, etc.) é a mesma queem Dante, mas o contexto é invertido. As mesmas personagens

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são mencionadas e a mesma postura moral sugerida, mas as rela­ções com elas são ironicamente diferentes. Em vez de uma acei­tação e utilização do passado para uma criação nova, Mauberleyprocura negar a tradição social e estética que daria sentido à suavida e obra (ver Malkoff 1967).

A inversão irónica é uma característica de toda a paródia: pense-sena inversão no Don Juan, de Byron, da lenda (aqui são as mulhe­res que o perseguem) e das convenções da epopeia. Da mesmaforma, a crítica não tem de estar presente na forma de riso ridi­cularizador para que lhe chamemos paródia. Considerava-se queEurípedes tinha parodiado Ésquilo e Sófocles quando, na suaMedeia, substituíu o protagonista masculino tradicional por umamulher - e por uma mulher que era mais um forasteiro que ummembro de uma família grega célebre. O coro coríntio femininosubstituíu os anciãos do estado e os suplicantes; no entanto, comacrescida ironia, também apoiam Medeia no seu ódio a Corinto.O herói masculino revela-se vil, hipócrita e superficial. Aindaque ensanguentada por quatro assassínos, Medeia é salva pelosdeuses. É o mesmo tipo de inversão que encontramos em Poundou num filme contemporâneo como lhe Draughtsman 's Contract(O Contrato), de Peter Greenaway.

Na sua atenção ao pormenor visual e verbal, este filme é umaafectuosa paródia à pintura setecentista e à comédia da Res­tauração. É uma paródia e não uma imitação, devido ao queGreenaway faz às convenções da forma. Antes do mais, são sobre­postas às convenções, aparentemente muito diferentes, do mis­tério de homicídio e, depois, ambas são inseridas num contextometadiscursivo centrado na representação da realidade. Enquantoo «herói» faz o esboço de uma casa de campo, o seu proprietárioé assassinado e as pistas (na forma de peças do seu traje)são integradas nos desenhos fiéis e realistas. O enquadramentoque o artista, o Sr. Neville, emprega no seu desenho é comfrequência utilizado e espelhado pela câmara, que compõe ascenas como se fossem pinturas. O branco e preto dos desenhoscontrasta com a cor luxuriante do filme, mas este contraste ape­nas serve para assinalar uma segunda função da oposição da cor,função que coincide com as convenções, para não dizer clichés,de todo o drama moral onde o negro significa o mal e o brancodenota inocência. Neste filme, a supremacia sexual mascu­lina, tradicional na comédia da Restauração, com que o enredocomeça é invertida na segunda metade, à medida que as mulheres

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assumem o controlo das suas actividades sexuais, para os seuspróprios fins. É totalmente subvertida no fim, quando as cons­piradoras são substituídas pelos homens que dão morte ao artista.O arrogante e manipulador Sr. Neville é retratado, no princí­pio, vestido de negro, fazendo marcas negras nas suas folhas depapel brancas; as suas inocentes vítimas femininas vestem-se debranco. A ironia desta codificação torna-se clara, no final, quandonos apercebemos da manipulação superior das mulheres de brancoe, com efeito, à medida que o fIlme prossegue, as cores são inverti­das ostensivamente, porque as mulheres estão agora de luto. Na rea­lidade, as suas verdadeiras cores, por assim dizer, revelam-sefinalmente e o verdadeiramente inocente Neville é vestido de

branco, cordeiro preparado para a matança. É a este jogo iró··nico com convenções múltiplas, a esta repetição alargada comdiferença crítica, que me refiro quando falo de paródia moderna.

Quando Eliot dá à poesia de Marvell um contexto novo(ou a «transcontextualiza»), ou quando Stockhausen cita, masaltera, as melodias de muitos hinos nacionais diferentes no seuHymnenl â paródia torna-se aquilo a que um crítico chama umaabordagem "criàtíva/produtiva da tradição (Siegmund-Schultze1977). Nas palavras de Stockhausen, a sua intenção era «ouvirmaterial musical familiar, antigo, preformado com novos ouvi­dos, penetrá-Ia e transformá-Io com uma consciência musical dosnossos dias» (citado por Grout 1980, 748). Da mesma maneira,a Irmandade dos Ruralistas, cujo nome já de si sugere a sua admi­ração pela Irmandade dos Pré-Rafaelistas, abertamente apodera-sede e recontextualiza elementos de composição de anteriores pai­sagistas ingleses como Samuel Palmer. A série de Graham Arnoldparodicamente intitulada Harmonies poétiques et religieuses éuma homenagem a Ruskin, Jefferies e T. S. Eliot que combinaa pintura com uma colagen de fotografias, excertos de partitu­ras e partes físicas reais dos campos ingleses (uma espiga decereal, por exemplo). Citações ou empréstimos como este nãose destinam a assinalar unicamente a similaridade (cf. Altmann1977). Não se trata de uma questão de imitação nostálgica demodelos passados: é uma confrontação estilística, uma recodifi­cação moderna que estabelece a diferença no coração da seme­lhança. Não há integração num novo contexto que possa evitara alteração do sentido e talvez, até, do valor (VodiCka 1964, 90).O Terceiro Quarteto de Cordas, de George Rochberg, apropria-sedas convenções de um período anterior e dá-Ihes novo sentido.

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o terceiro movimento parece um conjunto de variações de Bee­thoven, mas não o podemos analisar como tal. A sua significa­ção real reside na sua forma de não parecer Beethoven, porquesabemos que foi escrito na década de setenta: «A tonalidade nãopode, de maneira nenhuma, significar hoje o que significava há150 anos; tem uma relação totalmente diferente, não só com ocompositor e com o ouvinte, mas também com toda a culturamusical, dentro de cujo contexto a peça existe e é experimen­tada» (Morgan 1977, 50). No seu famoso ensaio, The LiteratureofExhaustion, John Barth (1967) observava que, se a Sexta Sin­fonia, de Beethoven, fosse composta hoje, seria uma coisa emba­raçosa - a não ser que fosse feita ironicamente para mostrarque o compositor estava consciente do ponto em que a músicaestá e em que esteve.

O facto de ter estado a servir-me de exemplos de diferentesformas de arte deveria esclarecer a minha crença de que a paró­dia, em obras não literárias, não se limita a ser uma transferên­cia da prática da literatura, como Bakhtin, todavia, afirmava(1978, 229-33). A sua frequência, preeminência e sofisticaçãonas artes visuais, por exemplo, são mais que evidentes. Faz parte

um movimento de afastamento da tendência, dentro de umaideologia romântica, para mascarar quaisquer fontes com umaastuta canibalização, e em direcção a um franco reconhecimento(por meio da incorporação) que permite o comentário irónico.Trata-se de uma versão do que Leo Steinberg designa por «trá­fico inter-artístico» (1978, 21). As pinturas mais parodiadas são- o que não é de surpreender - as mais familiares: a Mona Lisa,a Última Ceia, as obras de Picasso e de Vermeer (por GeorgeDeem, Malcolm Morley, James MacGarreU, Carole Caroompase outros). A «transcontextualização» paródica pode tomar a formade uma incorporação literal de reproduções na nova obra (porJoseph CorneU, Audrey Flack, Josef Levi, Sante Graziani) oude um refazer dos elementos formais: por exemplo, a paródiada autoria de Arakawa à Última Ceia, de Leonardo da Vinci,intitula-se Next to the Last, referindo-se ao último desenho pre­liminar antes da pintura, bem como à obra em si. A composiçãoé quadriculada, as figuras apenas silhuetas, como num esboço,e alguns elementos encontram-se nomeados em vez de desenha­dos (mão, taça). Tal paródia não visa o desrespeito, embora assi­nale de facto uma diferença irónica. É uma das formas daquiloque na exposição de 1978, no Whitney Museum of American Art,

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de Nova lorque, foi chamado «Arte acerca da Arte» (Lipman eMarshaU 1978). Este tipo de arte quase se poderia considerarautoparódica, na medida em que põe em questão, não só a sua//relação com outras obras, mas a sua própria identidade. A auto~:'paródia, neste sentido, não é só a maneira de um artista renegaranteriores maneirismos, por meio de exteriorização (como é o casode On a Ruined Cottage in a Romantic Country, de Coleridge,ou Nephelidia, de Swinburne). É uma maneira de criar umaforma, ao questionar o próprio acto de produção estética (Poi­rier 1968, 339; cf. Stackelberg 1972, 162).

Concentrando-me nas formas de arte do século xx, esperosugerir que, provavelmente, não existem quaisquer definiçõestrans-históricas da paródia. Não obstante, servir-me-ei constan­temente de exemplos de outros períodos para mostrar que exis­tem denominadores comuns a todas as definições de paródia emtodas as épocas - embora não sejam as geralmente citadas.É a prática paródica moderna que nos está a obrigar a definiraquilo a que haveremos de chamar paródia, hoje. Com efeito,o modelo mais próximo da prática presente não se chamava paró­dia, mas imitação. Estou a pensar na força central e universalda·imitação renascentista como sendo aquilo a que Thomas Greenechama um percepto e uma actividade que «abarcava não só a lite­ratura como a pedagogia, a gramática, a retórica, a estética, asartes visuais, a música, a historiografia, a política e a filosofia(1982, 1). Não estou a afirmar que a paródia moderna é apenasimitação da Renascença: careceria da adição de uma dimensãode distanciação crítica e irónica para ser um reflexo fiel da artedos nossos dias. Mas, tal como a paródia, a imitação ofereciauma posição exequível e eficaz em relação ao passado, na suaparadoxal estratégia de repetição, como fonte de liberdade.A sua incorporação de outra obra, enquanto construção do espí-rito deliberada e reconhecida, é estruturalmente semelhante à

organização formal da paródia. Mas a distância irónica da paró-j ...

dia moderna poderia muito bem provir de uma perda dessa ante­rior fé humanista na continuidade e estabilidade culturais queasseguravam os códigos comuns necessários à compreensão detais obras, duplamente codificadas. A imitação oferece, todavia,um paralelo evidente com a paródia, em termos de intenção.Nas palavras de Greene: «Toda a imitação criativa mistura a rejei-ção filial com o respeito, tal como toda a.paródia presta a suaprópria homenagem oblíqua» (1982, 46).

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CO'm a valO'rizaçãO' setecentista dO'espíritO' e da ironia (Granis1931) surgiu um mO'vimentO' de afastamentO' desta ideia de res­peitO' exceptO' na epO'peia cómica (que nãO' chegava de factO' aescarnecer da epO'peia). A funçãO' da paródia era, cO'm frequên­cia, a de ser o maliciO'sO' e denigrativO' veículO' da sátira, papelque cO'ntinua a desempenhar até aO's nO'ssO's dias nalgumas fO'r­mas de paródia. CO'ntudO', já nO' séculO' XIX, encO'ntramO's O'utrosusO's persistentes e extensivO's da paródia, cO'mO'O'Sde Jane Aus­ten (MO'ler 1968), que desafiam a definiçãO' de paródia cO'mO'ridi­cularizaçãO' cO'nservadO'ra dO's extremO's das mO'das artísticas. PorcertO' que O'equivalente das paródias dO's irmãO's Smith seriamhO'je as paródias curtas e, pO'r vezes, satíricas da Punch e de revis­tas semelhantes, mas O'uso estrutural mais alargadO' da paródiapO'r Dickens, em Pickwick Papers, e ChestertO'n, em The manthat was Thursday (O Homem que era Quinta-Feira), é ummO'delO' mais próximO' da prática de romancista cO'mO'JO'yce eMann, para não falar de Barth e Banville. IstO' nãO' quer dizerque The Dry Land, de ChristO'pher Ward, The Moist Land, deSamuel HO'ffenstein, e Einstein Among the Coffee Cups, de LO'uisUntermeyer, nãO' sejam paródias à pO'esia de EliO't. O que quero,de factO', sugerir é que temO's de alargar O'cO'nceitO' de paródia,para O'ajustar às necessidades da arte dO' nO'ssO' séculO' - umaarte que implica um O'utro cO'nceitO', algO' diferente, de aprO'pria­çãO' textual. Por certO' que realizadO'res nO'vos, cO'mO'RO'bert Ben­tO'n e Brian de Palma, nãO' estãO' a tentar ridicularizar HitchcO'ckem filmes cO'mO'Still ofthe Night (Na Calada da Noite) e Blo­wout. Muitas vezes, as O'bras dO'passadO' tO'rnam-se mO'delO'sesté­ticO's, cuja remodelaçãO' numa O'bra mO'derna tem, cO'm frequência,pO'r finalidade uma sátira ridicularizadO'ra dO's cO'stumes O'uprá­ticas cO'ntempO'râneO's (Markiewicz 1967, 1265). O melhO'rmO'delO' históricO' distO' é a epO'peia cómica, cO'mO' é O' casO' deThe Rape ofthe Lock (O Roubo do Anel de Cabelo) O'U a Dun­dada, cO'm a sua utilizaçãO' das éclO'gas de VirgíliO' (Lawler 1974).Alguns críticO's têm defendidO' que O'SsubenredO's dO'drama isa­belinO' funciO'nam da mesma fO'rma paródica (Frye 1965).

Tal cO'mO'tO'das estas fO'rmas, e em cO'ntraste com essas curtas

paródicas O'casiO'nais que fO'ram reunidas em antO'lO'gias cO'm tantaregularidade nO's finais dO' séculO' XIX e princípiO's dO' séculO' XX,

O' tipO' de paródia que desejO' analisar é um prO'cessO' integradO'de mO'delaçãO' estrutural, de revisãO' reexecuçãO', inversãO' e «trans­cO'ntextualizaçãO'» de O'bras de arte anteriO'res. Talvez a manifes-

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taçãO' arquetípica deste processO' seja O'que é hO'je cO'nhecidO' pO'rarquitectura pós-mO'derna. Desde 1960, arquitectO's cO'mO'PaO'lO'PO'rtO'ghesi, RO'bert Venturi, Charles MO'ore e O'utros restaura­ram cO'nscientemente a ideia de arquitectura cO'mO'um diálO'gO'cO'm O' passadO', cO'mO'tendO' um códigO' duplO' (mO'dernO' e qual­quer cO'isa mais) O'UparódicO'. RenunciandO' aO' hermetismO' e ànegaçãO' c':afunçãO' e relevância dO'AltO' MO'dernismO', estes arqui­tectO's exibem criticamente um interesse pela memória histórica

e pelO's códigO's de cO'municaçãO' (Jencks 1980-b, 13). IstO' nãO'é muitO' diferente, nem em intençãO', nem em estrutura, das inver­sões mO'dernas de textO's anteriO'res pO'r Iris MurdO'ch, quandO'reelabO'ra (à luz da imagem sartreana da petrificaçãO' pelO' regarddO' O'utro), quer O'ScO'ntO's da Medusa, quer O'de SãO' JO'ãO'Bap­tista, em A Severed Head, pO'r exemplO'. NO' seu recente rO'manceO Nome da Rosa, UmbertO' EcO' «transcO'ntextualiza» persO'na­

gens, pO'rmenO'res dO' enredO', e até citações verbais de O Cãodos Baskervilles, de CO'nan DO'yle, num mundO' medieval de mO'n­ges e (literalmente) intriga textual. O seu SherlO'ck HO'lmes é Wil­liam de Baskerville; O' seu WatsO'n narradO'r é AdsO', O' escriba

que frequentes vezes nãO' sabe O'que recO'lhe e regista. NO' cO'n­textO' da semiótica medieval e mO'derna, O'primeirO' exemplO' deraciO'cíniO' à Ia HO'lmes dO' herói de EcO' - numa situaçãO' tirada

de Zadig, de VO'ltaire -, tO'ma um nO'vO'sentidO'; O'trabalhO' dO'detective tO'rna-se análO'gO'à interpretaçãO' textual: ambO's sãO' acti­VO'S,cO'nstrutivO's e, na verdade, mais criativO's dO' que fiéis aO'sfactO's. A luta de mO'rte pelO' que se vem a verificar ser a perdidapO'ética dO'cómicO' de Aristóteles, fO'rnece O'contextO' para O'ata­que pelO' mO'nge, JO'rge de BO'rgos, à propriedade dO'risO'; O'O'utrocO'ntextO' paródicO' alargadO' de EcO' aqui é, evidentemente, a O'brade JO'rge Luis BO'rges. Este rO'mance cO'mplexO' cO'ntém igualmenteparódias à Coena Cipriani, a O'utras O'bras de arte (as de Breughele Bufiuel; para citar duas que dãO' uma ideia dO' leque de EcO'),bem cO'mO'a muitas O'utras O'bras literárias.

Na música, aquilO' a que vulgarmente se chama citaçãO', O'UempréstimO', tO'rnO'u-se um expediente estéticO' autO'cO'nsciente esignificativO' apenas neste séculO', se bem que já existisse antes(RabinO'witz 19 1981, 206n). Tal cO'mO'RO'chberg se serviu deMO'zart e Mahler na sua Música para o Teatro Mágico, tambémFO'ss se serve dO'Prelúdio da Partita para Violino em Mi, de Bach,nO' seu «PhO'riO'n» (Variações Barrocas), mas a sua citaçãO' estáem fO'rma fragmentada, O'ferecendO' um mundO' irónicO' de pesa-

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delo, através da distorção. Não é o mesmo que as Réminiscencesde Don Juan, de Liszt, que desenvolve certos temas de Don Gio­vanni. A «transcontextualização» irónica é o que distingue a paró­dia do pastiche ou da imitação. O jazz moderno, por exemplo,não será, portanto, paródico em si, se bem que existam, de facto,algumas paródias, mesmo nesta forma de arte que tende a levar-setão a sério. É interessante o facto de serem, muitas vezes, mulhe­res (uma raridade na cena do jazz) quem se dispõe a, ou é capazde, criar a distância irónica necessária: o divertido ReactionaryTango, de Carla Bley, é disso exemplo.

Nas artes visuais, a paródia pode tnanifestar-se, quer em rela­ção a obras particulares, quer a convenções icónicas gerais. Osestudos semióticos de Renê Payant (1979, 1980) sobre aquiloa que ele chama a citação na pintura revelam a complexidadeda intersecção nos termos dele da intertextualidade e da inter­subjectividade - isto é, a complexidade do encontro entre doistextos, combinada com o encontro de um pintor com um espec­tador. A obra de Magritte fornece um exemplo claro de uma trans­gressão paródica de muitos níveis de normas icónicas que vaialém da mera citação. As suas paródias mais simples e mais aber­tas são as que se baseiam em pinturas específicas: O retrato porDavid, da Madame Récamier, torna-se no retrato de um caixão.Torna-se claro a partir das cartas de Magritte que as obras deManet e David representavam para ele as realizações últimas darepresentação objectiva em arte e, como tal, não podiam ser igno­radas (Magritte 1979). Na realidade, têm, para ele, de ser suplan­tadas. Mas as paródias de Magritte também operam em outrosmodelos que não os icónicos directos. Pinturas como as diferen­tes versões de A Condição Humana parodiam convenções, tantoda arte (a função do enquadramento) como da percepção visual.A paródia de Magritte às convenções de referência gerais, bemcomo às específicas da forma emblemática que investigámos ante­riormente não inspiraram apenas Michel Foucault. David Hlynskyproduziu, recentemente, uma holografia chamada These are notthe Pipes e que toma por modelo - ainda que ironicamente ­a obra de Magritte [trata-se na realidade de uma representação,não de um cachimbo (smoking pipe), mas de uma série de canosde chumbo (plumbing pipes)]; No entanto a ilusão da holografia(do espaço tridimensional) aumenta ironicamente a intensidadedo poder das convenções de representação da arte. Uma com­plexidade semelhante é obtida, de maneira diferente, pelo paró-

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dico On the Balcony, de Peter Blake. As quatro crianças senta­das seguram um postal ou reprodução de Le Balcon, de Manet,uma gravura de Romeu e Julieta, sugerindo a famosa cena davaranda (também há uma flâmula de Verona noutra parte) e duasfotografias da família real. O cliché dos amantes na varanda ree­coa nas duas pombas fora do pombal. Este tipo de complexi­dade faz da paródia uma variação sobre aquilo que Gary SaulMorson (1981, 48-9) designa por uma «obra limite» ou textoduplamente descodificável, embora estas obras possam ser melhordescritas como sendo possuidoras de uma codificação múltipla,especialmente por que as convenções, bem como textos particu­lares, se encontram envolvidos com frequência.

Por vezes, de facto, são as convenções tanto como as obrasindividuais, que são parodiadas. Por exemplo, Runoff, de 1973,do artista nova-iorquino, Vito Acconci, é uma paródia a dois con­juntos diferentes de convenções, bem como a um texto especí­fico. Desafia as bases de quase toda a perjormance art, mastambém visa, particularmente, a perjormance dupla e simultâ­nea por Yves Klein da sua Monotone Symphone (um quartetode cordas tocava uma nota durante toda a peça) e de (Antropo- .metria, em que o artista dava indicações a modelos femininosnus para que cobrissem o corpo de tinta e rolassem de um ladopara o outro ou de encontro a telas em branco. Acconci, em vezdisso, esfrega o seu próprio corpo masculino, sem ser pintado,de encontro a uma parede pintada de fresco. Não só inverte destaforma, ironicamente, o controlo sexista de Klein, como tambémsubverte as convenções padrão acerca da instrumentalidade dospincéis em relação à tela. Aqui, o corpo é a tela; a parede é oaplicador (à medida que ele se move de encontro a ela). Destamaneira, Acconci consegue também parodiar o que expressio­nistas abstractos como Jackson Pollock achavam ser a correcta«investidura do eu» (Barber 1983-4, 37).

A obra de tom Stoppard poderá fornecer outro exemplo da com­plexidade do fenómeno moderno a que quer chamar paródia. EmRosencrantz and Guildenstern are Dead, há uma tensão entreo texto que conhecemos (Hamlet) e o que Stoppard lhe faz. Sem­pre que um acontecimento é directamente tirado do modelo sha­kespeareano, Stoppard serve-se das palavras originais. Mas«transcontextualiza-as» através da adição de cenas que o Bardonunca concebeu. Não é o que se passa com a inversão total queIonesco faz da dicção e do valor moral das personagens no seu

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Macbett; a intenção de Stoppard não é tão satírica como a deIonesco. O mesmo é verdadeiro acerca de Travesties, mas háum outro nível de complexidade porque, com o seu título pluralsugere, não só existe mais de uma paródia, como os textos paro­diados são em si, muitas vezes, paródias, em especial Ulyssese The Importance of Being Earnest (Quanto Importa ser Leal).A peça de Wilde parodia a literatura do romance cavalheirescoe a comédia de costumes. Aquilo a que um crítico chamou a sua«bizarra dupla consciência» (Foster 1956, 23) é, na realidade,apenas a sua dupla codificação paródica. Na peça de Stoppard,The Importance of Being Earnest surge em primeiro plano- simultaneamente como modelo formal e como fonte de peçaparódica - através do enredo que envolve a produção por Joyceda mesma peça em Zurique. A troca do bebé na peça de Wildetorna-se adequada e significativamente invertida quando o pró­prio texto paródico de Joyce, Oxen of the Sun, é trocado peloplano de Lenine para a revolução. Poderíamos igualmente recor­dar que nessa secção de Ulysses, além das várias paródias esti­lísticas famosas, Stephen inverte ironicamente a linguagem eacções da Última Ceia e da missa (Bauerle 1967), de uma maneirasemelhante à usurpação que faz da linguagem do Criador paradescrever a sua indução ao sacerdócio da eterna imaginação emA Portrait of the Artist as a Young Man (Retrato do ArtistaQuando Jovem). Em ambos os casos, ele serve-se da paródia,tanto para ressacralizar, como para dessacralizar, para assinalara mudança no lugar da sua submissão. Nalgumas das históriasde Dubliners (Gente de Dublin), Joyce serve-se da estrutura desobreposição da paródia para organizar o seu enredo (como em«Grace», com os seus ecos da Divina Comédia e de Job (Boyle1970) ou para comentar ironicamente as implicações de certasformas literárias (como em «Clay», onde o estilo optimista dic­kensiano de A Christmas Carol (Um Cântico de Natal) contrastaironicamente com a realidade que é descrita (Easson 1970).

Da mesma maneira, os estudos de caixões de Magritte são maisque um jogo paródico com pinturas singulares anteriores. A suaPerspective tem uma história longa e complexa que inclui, nãoapenas Le Balcon, de Manet, mas também a Porte-fenêtre à Col­lioure, de Matisse (que esvaziava a cena de Manet das suas per­sonagens de uma outra maneira, deixando apenas a forma daporta) e também As Majas hà Varanda, de Goya - um modelodo de Manet (ver extratexto). Não quereria argumentar que ecos

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paródicos tão complexos são únicos em relação ao século xx.É evidente que obras como os Satyricon libri, dePetrónio" paro­diavam não só a forma de romance grego na sua estrutura e epi­sódios, mas outras obras específicas também diversas (Courtney1962, 86-7). Não obstante, o número de obras de arte modernaque, em diversos médium, têm este modo em comum, tornam-node facto importante - se não o único - neste século. A músicade Peter Maxwell Davies fornece outro bom exemplo. O seu Ante­christ inspirou-se, afirmou ele, nas xilogravuras do século xvsobre o tema e na sua própria ópera, Taverner; mas a sua formatem início com uma interpretação, sem margem para dúvidas,de Deo conjitemini-Domino, um motete do século XIII, que éentão interrompido e sobreposto a fragmentos de cantochão rela­cionados - que o novo contexto vira ironicamente do avesso.Para Davies, esta inversão está relacionada com as técnicas medie­vais tardias de processos transformadores (cânone, etc.). Elecomeçou a sua Missa super l 'Homme Armé como um exercíciopara completar uma missa anónima do século Xv com a cançãopopular L'Homme Armé, mas, inspirando-se na estrutura do epi­sódio dos «Cíclopes», do Ulysses, de Joyce (com a sua conversade taberna interrompida e as mudanças estilísticas paródicas),optou ao invés por reelaborar o material, para que revelasse rela­ções menos ortodoxas entre o material do primeiro e segundoplanos. Na capa da gravação da Decca de L'Oiseau-Lyre, elechama ao produto final «um estilhaçar progressivo do que restado original quatrocentista, com ampliação e distorção de cadaestilhaço através de muitos 'espelhos' estilísticos variados,terminando numa 'dissolução' daquele na secção final de pianoautomático» .

Quero defender a designação de semelhantes formas comple­xas de «transcontextualização» e inversão como paródia. Trata-se,com efeito, de uma forma de «reciclagem artística» (Rabinowitz1980,241), mas de uma forma muito particular, com intencio­nalidade textual muito complexa. Lá Gommes (Entre Dois Tiros),de Robe-Grillet, é uma paródia simultaneamente à Édipo Rei ea São Petersburgo, de Bely, na sua estrutura, mas as funçõesdas duas linhas paródicas são mais difíceis de especificar. O queparece certo é que não são as mesmas. Quero manter a designa­ção por paródia desta relação estrutural e funcional de revisãocrítica, em parte porque acho que uma palavra como «citação»é fraca demais e não transmite (etimológica e historicamente)

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nenhuma dessas ressonâncias paródicas de distância e diferençaque encontrámos presentes na referência da arte moderna ao seupassado. «Citação» poderia servir, de maneira geral, se estivés­semos a tratar apenas de adopção de outra obra como princípioestrutural orientador (Weisgerber 1970), mas a sua utilidade é,ainda assim, limitada. Como veremos no capítulo seguinte, pre­cisamos de um termo que nos permita tratar da complexidadeestrutural e funcional das obras artísticas em si. De acordo comos seus ensinamentos, a paródia pode, obviamente, ser toda umasérie de coisas. Pode ser uma crítica séria, não necessariamenteao texto parodiado; pode ser uma alegre e genial zombaria deformas codificáveis. O seu âmbito intencional vai da admiraçãorespeitosa ao ridículo mordaz. Nietzsche (1920-9, 61), com efeito,interrogava-se sobre qual seria a relação de Diderot com o textode Sterne em Jacques le fataliste: seria imitação, admiração,escárnio?

Conquanto precisemos de expandir o conceito de paródia, deforma a incluir a alargada «refuncionalização» (como lhe cha­mam os formalistas russos) que é característica da arte do nossotempo, precisamos também de restringir o seu alcance, no sen­tido em que o texto «alvo» da paródia é sempre outra obra dearte ou, de forma mais geral, outra forma de discurso codifi­cado. Acentuo este facto básico ao longo de todo este livro, por­que mesmo os melhores trabalhos sobre a paródia tendem aconfundi-Ia com a sátira (Freu\d 1981, por exemplo), a qual,diferentemente da paródia, é simultaneamente moral e social noseu alcance e aperfeiçoadora na sua intenção. Não quer isto dizer,como veremos, que a paródia pode, evidentemente, ser utilizadapara satirizar a recepção ou até a criação de certos tipos de arte.(Estou ciente de que esta separação não resistiria a uma perspec­tiva desconstrucionista em que não existe hors-texte, mas tal visãoda textualidade não faz parte do contexto imediato do meu estudo.)

O que é que pode, pois, ser parodiado? Qualquer forma codi­ficada pode, teoricamente, ser tratada em termos de repetiçãocom distância crítica (Abastado 1976, 17; Morson 1981,107),e nem sequer necessariamente no mesmo médium ou género.É conhecida a tendência da literatura para parodiar o discursonão literário. Pale Fire joga com o comentário editorial; TomJones, Tristram Shandy e até Finnegans Wake minam as con­venções das anotações e notas de rodapé eruditas (Benstock 1983).Pierre Menard, Autor do Quixote, de Borges, parodia, entre

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outras coisas, o género da nota bíblio-bio-crítica sobre um escri­tor. Este jogo subversor, dos géneros não é prática exclusiva daliteratura: Zelig, de Woody Allen, é, entre outras coisas, umaparódia cinematográfica ao documentário televisivo e cinema­tográfico. Quando não existe código parodiável, como pode sero caso de obras nonsense ou extremamente herméticas, pode serpossível a imitação, mas não a paródia (Stewart 1978, 1979, 185).Dizer, muito simplesmente, que qualquer discurso codificado estáaberto à paródia é metodologicamente mais cauteloso e está maisperto do real do que afirmar, como há quem faça, que só obrasde arte medíocres podem ser parodiadas (Neumann 1927-8,439-41). As formas de arte do século xx não obedeceriama semelhante observação, ainda que algumas das do século pas­sado o fizessem. Parece crível que as obras de arte popularesserão sempre parodiadas, seja qual for a sua qualidade.

Relacionada com a questão do que pode ser parodiado está aquestão do âmbito da paródia. Será um genéro, como já se afir­mou (Dupriez 1977, 332)? Pode, por certo, operar numa vastagama de dimensões textuais (Bonfel'd 1977): tem havido paró­dias às convenções de todo um género (salvo o devido respeitoà opinião contrária de Genette (1982, 92); cf. Martin 1972; Shep­person 1967), ao estilo de um período ou movimento (Riewald1966, 126), bem como a um artista específco, onde encontra­mos paródias a obras individuais ou a partes delas (Lelievre 1954,66), ou aos modos estéticos característicos de toda a oeuvre desseartista. As suas dimensões físicas podem ser tão vastas como oUlysses, de Joyce, ou tão pequenas como a alteração de uma letraou palavra de um texto, como é o caso da paródia, bastamentecitada, de Katherine Fanshawe a Here shall the spring its ear­liest sweets bestow / Here the first rases of the year shall blow.(Aqui dará a Primavera as suas primeiras fragrâncias, / Aquiflorescerã~ as primeiras rosas do ano), escrita à entrada deRegent's Park: Here shall the spring its earliest coughs bestow, /Here the first noses of the year shall blow. (Aqui provocaráa Primavera os seus primeiros ataques de tosse, / Aqui seassoarão os primeiros narizes do ano) (citado por Postma 1926, 10).Gérard Genette (1982, 40) quer limitar a paródia a textos tãocurtos como poemas, provérbios, trocadilhos e títulos, mas a paró­dia moderna não faz caso desta limitação, como não o faz dadefinição restrita de Genette da paródia como transformaçãomínima de outro texto (33). Embora seja óbvio que partes de

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uma obra podem ser paródicas sem que todo o texto seja rotu­lado dessa maneira (as paródias de Cabrera Infante em Três TristesTigres à canção popular «Guantanamero», a lhe Raven (O Corvo),de Poe (Poe(t) 's Ravings, os delírios do Poe(ta)] e a Alice noPaís das Maravilhas (1971, 216-18), o tipo de paródia de quetratarei neste estudo parece ser uma forma alargada, provavel­mente um género, e não uma técnica (cf. Chambers 1974), poispossui a sua identidade estrutural própria e a sua função herme­nêutica própria.

Não concordo, todavia, com Riewald, quando diz que, paraser eficaz, uma paródia deve ser uma «premeditada distorção detoda a forma e espírito de um escritor, capturados no seu momentomais típico» (1966, 127). Na paródia moderna, outro contextopode ser evocado e depois invertido sem que seja necessário assi­nalar, ponto por ponto toda a sua forma e espírito. Uma paródiadeste tipo não é menos extensiva e alargada do que a que Rie­wald descreve, por muito economicamente que se encontre ins­crita no texto. Em lhe Sun also Rises, de Hemingway, porexemplo, o nome de Jake Barnes, descrito como flamengo e ame­ricano no romance (Hemingway 1954, 16), é também, eviden­temente, hebraico. Há, portanto, duas leituras simultaneamentepossíveis, uma em que este Jacob dos tempos modernos luta nasolidão e emerge heróico e afirmativo por causa da sua fraqueza(Schonhorn 1975) e outra, irónica, através da qual a paródiabíblica funciona como veículo da sátira. A figura do patriarcafértil e fecundo é então invertida para nos mostrar a fútil aliena­ção e impotência de Jake (Tamke 1967). Julgo que este tipo desinal de um eco paródico tem efeitos diferentes dos sinais maisabertos empregues pela paródia trocista mais tradicional, comoo uso de um subtítulo ou de um título revelador (a paródia a DanteGabriel Rossetti foi intitulado por Henry Duff Traill After Dilet­tante Concetti; a de Edward Bradley acerca de Tennyson chama-seIn Immemoriam; a de William Maginn a Coleridge lhe Rime ofthe Aucient Waggonere). Os sinais na paródia moderna são oca­sionalmente tão abertos como estes, em especial na pintura, masa complexidade e o âmbito estruturais e intencionais da formaque quero examinar distinguem-se de grande parte daquilo queé geralmente designado por paródia.

Da mesma maneira, também este livro difere de outros traba­lhos sobre a teoria da paródia. Não se trata de uma história daparódia, pela simples razão de já existirem muitas histórias dessas

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para cada uma das literaturas nacionais mais importantes, se nãopara outras formas de arte. (Ver, por exemplo, Courtney 1962,Eidson 1970; Freund 1981; Genette 1982; Hempe11965; Hou­seholder 1944; Kitchin 1931; Koller 1956; Lotman 1973; Mac­donald 1960; Markiewiez 1967; Monter 1968; Tuve 1970;Verweyen 1979; Weisstein 1966.) Tentar empreender, mais umavez, um trabalho sério e académico como estes seria redundante,para não dizer insensato. O que é importante é que todos esteshistoriadores da paródia são da opinião que a paródia prosperaem períodos de sofisticação cultural que permitem aos parodis­tas confiar na competência do leitor (espectador, ouvinte) da paró­dia. Outra coisa que não empreenderei neste estudo é umaantologia ou sequer, um apanhado da paródia neste século. Serãoutilizados exemplos tirados das várias formas de arte para ilus­trar tipos de obras que ocasionaram este reconsiderar da teoriada paródia. Também não empreenderei um levantamento de teo­rias da paródia. Tal serviço foi já admiravelmente prestado porteóricos alemães como Wolfgang Karrer (1977) e WinfriedFreund (1981). Que falta, então fazer?

Há dois contextos relacionados em que este livro se enqua­dra. O primeiro é o já mencionado interesse actual pelas moda­lidades de auto-reflexividade na arte moderna e o segundo é aênfase, em estudos críticos actuais, sobre a intertextualidade (outranstextualidade). O primeiro contexto é o que é fornecido deforma mais evidente por Parody//Metajiction (1979), de Mar­garet Rose. Como o título sugere, ela equaciona a paródia coma auto-referência. Surgem problemas com isto no seu trabalhoporque a ,paródia acaba, muitas vezes, por se tornar sinónimode todas as estruturas de reflexividade textual ou de mise-en­

-abyme. A paródia é, sem dúvida, um modo de auto--referencialidade, mas não é, de modo algum, o único. Insistirem que o 6 conduz a generalizações de validade dúbia: «o espe­lho do parodista não é meramente um 'análogo' da verdade, masuma ferramenta para a anulação da limitação da arte à imitaçãoe à representação» (Rose 1979, 66). Rose vê a paródia como partede um relacionamento da arte com a realidade (103), em vez deum mesmo relacionamento da arte com a arte, com possíveisimplicações para a outra dimensão, como eu argumentaria. Destecentrar-se naquilo a que ela chama a sociologia da literatura vema sua confusão da paródia com a sátira. Dado que o seu trabalhoanterior fora sobre a paródia em Heine e Marx, não é de sur-

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preender que ela se centre principalmente no século passado ena ironia romântica alemã, a que chama paródia. (Mais uma vez,por vezes é-o, mas muitas vezes não.) A leitura foucauldiana queRose faz do papel da paródia na história literária faz dela ummodo de descontinuidade que rejeita tipos anteriores de referên­cia textual a outras obras. Ao invés, vejo a paródia operandocomo um método de inscrever a continuidade, permitindo emboraa distância crítica. Pode, com efeito, funcionar como força con­servadora ao reter e escarnecer, simultaneamente, de outras for­mas estéticas; mas também é capaz de poder transformador, aocriar novas sínteses, como defendiam os formalistas russos.A ênfase posta por Rose na incongruência, discrepância e des­continuidade não chega para explicar as formas da paródia doséculo xx que temos a examinar. A sua insistência na presençado efeito cómico (ela acha que sem ele nenhuma definição ser­viria «um objectivo distinto e útil» como termo crítico) tambémé restritiva. Uma definição mais neutra de repetição com dife­rença crítica explicaria o âmbito de intenção e efeito possíveisnas obras paródicas modernas. Rose não é a única a limitar adefinição e função da paródica. Sirvo-me do seu trabalho aqui,apenas por ser um dos estudos mais alargados e impressivos daparódia literária como auto-reflexividade. Mas ele revela igual­mente os problemas que terão de ser considerados se se quiserdar à paródia um sentido adequado à arte dos nossos dias.

O outro contexto em que Uma Teoria da Paródia se situa éo das teorias da intertextualidade. Não há dúvida de que o Palimp­sestes (1982) magnificamente enciclopédico de Gérard Genetteé um dos trabalhos mais importantes para o estudo da intertex­tualidade - das relações (manifestas ou secretas) entre textos.Ele foca principalmente a «hipertextualidade» ou as relações (denão comentário) de um texto com outro anterior. Defende queneologismos como «hipertextualidade» têm a vantagem de, pelomenos, toda a gente concordar com a sua utilização. É esta asua objecção ao termo «paródia». Ainda que reconheça, em ter­mos gerais a verdade desta objecção, a minha decisão de me aterao termo «paródia», confessadamente maltratado baseia-se emmais que teimosia ou até resistência ao neologismo. Como tor­narei claro no capítulo seguinte, julgo que a etimologia do termooferece a melhor base para a minha definição da paródia moderna.As categorias de Genette são trans-históricas, ao contrário dasminhas e, portanto, ele acha que a paródia, em geral, só pode

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ser definida como a transformação mínima de um texto. O quehá de bom nesta definição é a sua omissão da habitual cláusulaacerca do efeito cómico ou ridicularizador. Isto acontece, em grandeparte, porque a sua categorização é estrutural ou formal, construídaunicamente em termos de relações textuais. Quando trata de fim­ções, como é forçoso quando considera a prática concreta, ele limitaa paródia aos modos satíricos (Genette 1982, 34) ou aos recreati­vos (ludiques), os quais a seguir denigra (453). Genette admite quea pàródia séria poderia existir, mas que nesse caso, não se lhe cha­maria paródia. Na realidade, afirma ele, não temos qualquer nomepara a designar (36). Espero que seja óbvio que não estou de acordo.

Como análise formal de inter-relações textuais, o trabalho deGenette é um feito soberbo. No entanto, quando divide as rela­ções em imitativas, o facto de uma pessoa imitar e transformare de outra pessoa apreender e interpretar essas relações textuaisestá sempre em fundo na análise que ele faz. Genette reconheeque o facto de ele categorizar por funções não é um procedi­mento verdadeiramente pragmático ou hermenêutico. Ele rejeitaqualquer definição de transtextualidade que dependa de um lei­tor (e implicitamente de um autor). Ela é inaceitável porque épeu maftrisable para um crítico que se propõe categorizar: elleJait un crédit, et accorde un rôle, pour moi peu supportable, àl'activité herméneutique du lecteur (16). Cito, neste ponto, o ori­ginal para dar uma ideia da natureza forte e pessoal da rejeiçãopor Genette de uma dimensão hermenêutica. Ele passa então aprocurar, o que não é de surpreender, uma pragmática mais cons­ciente e organizada. Muito embora este impulso seja com­preensível num dos teorizadores estruturais de primeiro planode França, a realidade das formas de arte de que pretendo tratarexige a abertura de um contexto pragmático: a intenção do autor(ou do texto), o efeito sobre o leitor, a competência envolvidana codifical;ão e descodificação da paródia, os elementos con­textuais que mediatrizam ou determinam a compreensão de modosparódicos - nada disso pode ser ignorado, por muito mais fácile maftrisable que tal recusa tornasse também o meu projecto.A prática de Genette ao discutir obras individuais prova a neces­sidade desta dimensão sem regras, mas impossível de ignorar:o leitor insinua-se. Diz-se que Doctor Faustus, de Mann, con­vida o leitor a ler Fausto Leverkühn; a decifração de Édipo-Rei,em Les Gommes (Entre Dois Tiros), de Robe-Grillet doit resterà Ia charge du lecteur (354).

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A minha própria perspectiva teórica será dualista: Simultanea­mente formal e pragmática. Tal como Genette, vejo a paródiacomo uma relação formal ou estrutural entre dois textos. Nostermos de Bakhtin, trata-se de uma forma de dialogia textual.Ao sintetizar as teorias difusas de Bakhtin, Tzvetan Todorov(1981, 110) notou que a paródia era, para ele uma forma de dis­curso representado, passivo, divergente e difónico. Contudo, aparódia pode, por certo, ser considerada mais activa que pas­siva, se nos afastarmos das categorias puramente estruturais. Poroutras palavras, mesmo que uma definição da paródia modernacomece por uma análise formal, não pode ficar por aí. Na música,por exemplo, uma análise estrutural, rítmica e harmónica dasnotas em si não basta para explicar a diferença entre a citaçãoparódica por Luciano Berio de Monteverdi em Recital I (paraCathy) e a incorporação por Berg do coral de Bach Es ist genugno seu Concerto para Violino (Rabinowitz 1981, 194). O queé necessário é a consciência dual do ouvinte da música de voz

dupla.A primitiva divisão, feita por Charles Morris (1938), da semió­

tica em três partes fornece o pano de fundo para a minha insis­tência num contexto mais alargado. Em contraste com asemântica, que se ocupa da referência do signo ao seu objecto,e com os estudos sintáticos, que relacionam os signos uns comos outros, a pragmática estuda os efeitos práticos dos signos.Quando falamos de paródia não nos referimos apenas a dois textosque se inter-relacionam de certa maneira. Implicamos tambémuma intenção de parodiar outra obra (ou conjunto de conven­ções) e tanto um reconhecimento dessa intenção como capaci­dade de encontrar e interpretar o texto de fundo na sua relaçãocom a paródia. É aqui que a semiótica pragmática de um teori­zador como Umberto Eco apresenta as ferramentas que permi­tem ultrapassar o formalismo de Genette. A paródia seria umdos «passos inferenciais», nos termos de Eco, que têm de serdados pelo receptor: «não são meras iniciativas capricho$as daparte do leitor, mas são antes suscitadas pelas estruturas discur­sivas e previstas por toda a estratégia textual como componen­tes indispensáveis da construção» da obra (Eco 1979, 32).Ao nível da estrutura, por exemplo, Drei Groschenoper (Óperados Três Vinténs), de Brecht, é uma reelaboração paródica e actua­lizante de The Beggar's Opera (Ópera do Mendigo) Gá de si umaparódia a Hãndel). Mas seria a obra de Gay necessariamente

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conhecida pela audiência alemã a que Brecht queria chegar coma sua mensagem política? Por outras palavras, vê-Ia-iam comuma dupla paródia operática (bem como uma sátira burguesa),apesar de Brecht (1979, 2, ií, 89-90) e os seus críticos moder­nos assim a considerarem?

A minha perspectiva pragmática não faria, contudo, da paró­dia um sinónimo de intertextualidade. As teorias actuais da inter­textual idade têm um ponto estrutural central, como veremos, masapoiam-se numa teoria implícita da leitura ou da descodificação.Não se trata apenas do problema da absorção e transformação,de certa forma partenogénica ou mágica, do texto a partir deoutros textos (Jenny 1976, 262; Kristeva 1969, 146). Os textosnão geram nada - a não ser que sejam apreendidos e interpreta­dos. Por exemplo, sem a existência implícita de um leitor, ostextos escritos não passam da acumulação de marcas pretas empáginas brancas. A arte moderna, em especial a metatlcção, temestado muito consciente deste facto básico da actualização esté­tica. A teoria literária de Michael Riffaterre reflecte esta auto­consciência. Na sua visão da intertextualidade (1978, 110; 1979-a,9,90,97), a experiência da literatura exige um texto, um leitore as suas reacções que tomam a forma de sistemas de plavrasque são agrupadas associativamente no espírito do leitor. Mas,no caso da paródia, estes agrupamentos são cuidadosamente con­trolados, como as estratégias que Eco vê orientarem «passos infe­renciais». Mais, como leitores ou espectadores ou ouvintes quedescodificam estruturas paródicas, actuamos também como des­codificadores da intenção codificada. Por outras palavras, a paró­dia não envolve apenas um énoncé estrutural, mas também aénonciation inteira do discurso. Este acto enunciativo inclui um

emissor da frase, um receptor desta, um tempo e um lugar, dis­cursos que a precedem e se lhe seguem - em resumo, todo umcontexto (l'odorov 1978-a, 48). Podemos conhecer esse emis­sor e as suas intenções apenas na forma de inferências que nós,como receptores, fazemos apartir do texto, mas tais inferênciasnão devem ser ignoradas.

Os formalistas russos, em toda a sua ênfase e a insistência naliterariedade, nunca esqueceram que existia um contexto enun­ciativo que influenciava a paródia e, até, toda a literatura. Eik­henbaum escreveu: «As relações entre os factos da ordem literáriae factos extrínsecos a ela não se podem limitar a ser relaçõescausais, más apenas podem ser relações de correspondência, inte-

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racção, dependência ou condicionalidade» (1978-a, 61). De notarque ele não negava essas relações contextuais, mas especificavaapenas a natureza da sua interacção. Tynianov (1978-a, 72) defi­nia, igualmente, um sistema literário como um sistema de fun­ções de ordem literária que se encontram em inter-relaçõescontínuas com outras ordens, como é o caso das convençõessociais. A recepção e produção - bem como a existência - daparódia têm de ser tomadas em consideração hoje. A pragmá­tica vê a linguagem como funcional, sendo simultaneamente umsistema e um produto histórico (van Dijk 1977, 167). A relaçãoa que Morris se refere entre signos e os seus utentes é uma situa­ção comunicativa dinâmica que envolve dois agentes. No dis­curso directo simples, o orador seria o agente real e o ouvinteseria um agente potencial. Em obras de arte, os únicos agentesreais seriam os receptores; os artistas seriam apenas potenciaisna medida em que eles e as suas intenções têm de ser inferidosa partir do texto. Os papéis, quer da intenção, quer da eficácia,são obviamente muito importantes para qualquer visão da lin­guagem ou do discurso codificado como acto de comunicação.

Na sua análise de quatrocentos e cinquenta estudos sobre a paró­dia, Wolfgang Karrer (1977) utilizou uma grelha de categoriassimultaneamente formais e pragmáticas, porque também eleachava que o processo de comunicação era central para a com­preensão da paródia. Referir-me-ei a isto como a énonciationou produção e recepção contextualizadas de textos paródicos.Mas, ao contrário de Karrer, não me interessarei pela forma como'o social e o psicológico interactuam com a intenção, atitude ecompetência estabelecidas do emissor ou do receptor verdadei­ros. Apenas se tratará aqui da intenção codificada, tal como éinferida pelo receptor na qualidade de descodificador. Existe,obviamente, um novo interesse pelo «contextualismo» hoje, equalquer teoria da paródia moderna deve partir igualmente dopressuposto de que «os textos só podem ser entendidos quandosituados contra o cenário das convenções de onde emergem;e [... ] os mesmos textos contribuem, paradoxalmente, para oscenários que determinam os seus sentidos» (Schleusener 1980,669). Quando o cenário é efectivamente enxertado no texto, comoacontece na forma da paródia, não se pode evitar este contex­tualismo.

Antes de apresentar os capítulos que se seguem, gostaria deexplicar por que razão não haverá nenhuma análise sistemática

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das técnicas da paródia neste estudo. Atendendo ao âmbito deintenção e efeito - muito para além da mera comédia ridicula­rizadora - que defendi para a paródia de hoje em dia, seria muitodifícil argumentar que o exagero, o subentendido ou qualqueroutra estratégia retórica cómica seja uma constante (Highet 1962,69). Quando críticos como Rose (1980), Karrer (1977) e Frel1pd

(1?8D.baseiam as suas tipologias de paródias em tipos de Ji1con1giuência,.estão a aceitar implicitamente uma teoria particular dóriso que, por seu turno, determina os expedientes retóricos queeles se permitem considerar (Rose 1980, 15-16). O óptimo estudode Sander Gilman (1976) das teorias da paródia oitocentista alemãreconstitui os modelos do cómico - hobbesiano e kantiano

- subjacente quer ao conflito entre as teorias de Schiller e Goe­the, quer à reconciliação efectuadapor Schopenhauer - um passonecessário que precedeu a síntese e movimento para além dostermos de um debate efectuados por Nietzsche que ainda pros­segue, hoje, em teorias da paródia baseadas em teorias do cómico.Neste aspecto, as paródias de Nietzsche são muito modernas,no sentido em que utilizo o termo neste livro. O vasto âmbitoda paródia actual impede, provavelmente, que estabeleçamossequer uma técnica generalizada como «acentuação de peculia­ridades» (Stone 1914, 10). Há tantas técnicas possíveis como hátipos possíveis de inter-relações textuais de repetição com dife­renciação (Gilman 1974, 2-3; Revzin 1971). Nem sequer pode­mos afirmar que a paródia seja necessariamente redutiva(Shlonsky 1966, 797) ou mesmo, de maneira mais simplista, queseja abreviadora ao nível da forma. (Algumas paródias muitotradicionais, como a de Housman ao «Excelsior» de Longfellow,incorporam o original e alargam - na realidade, neste caso,duplicam - a sua duração.)

O que nos resta é a necessidade de definir, quer a natureza,quer as funções pragmáticas da paródia, tal como a conhecemoshoje. O segundo capítulo discutirá mais pormenorizadamenteo conceito admissível de paródia apresentado nesta introdução.As limitações das definições clássicas serão examinadas, tantode uma perspectiva formal como pragmática, e a nova definiçãoserá utilizada para diferenciar a paródia de outros géneros quesão, com frequência, confundidos com ela: o pastiche, o bur­lesco, a farsa, o plagiarismo, a citação, a alusão e, em, espe-cial, a sátira. Estudará a interacção especial da ironia com a //paródia, uma vez que a ironia é a principal estratégia retórica ;/

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utilizada pelo género. Veremos que as semelhanças estruturaisapontam para o seu mútuo reforço hermenêutico.

Este segundo capítulo é importante, quanto mais não seja, por­que a característica comum a muitos estudos sobre a paródia,de um ponto de vista teórico ou prático, é uma confusão acercadas fronteiras de forma. As definições de dicionário não sãogrande ajuda, já que, com frequência, definem um género a partirde outro (paródia como burlesco, farsa como paródia). Highet(1962) quer fazer da paródia um tipo de sátira; Lehmann (1963),pelo contrário, vê na sátira uma dimensão do texto paródico.Mesmo os que têm o cuidado de separar a paródia da sátira nãoconseguem, muitas vezes, conceber a sua interacção senão como«acidental» (Dane 1980, 145). Muito embora a paródia seja umaforma «intramural» com normas estéticas, e as normas «extra­murais» da sátira sejam sociais ou morais, historicamente a suainteracção dificilmente poderá necessitar de documentação. Con­tudo, devemos ter o cuidado de as manter a parte, mesmo emformas mais tradicionais. The Old Man 's Cornforts, de Southey,com a sua moral que aconselha os jovens a viver com modera­ção, é parodiado em Father William, de Lewis Carroll, de maneira .tal que existem, simultaneamente, uma sátira a esta moral espe­cífica e uma paródia ao processo de moralização em poesia. Umexemplo mais moderno seria a paródia a Casablanca, por WoodyAllen, em Play It Again Sam (O Grande Conquistador). A incor­poração física do filme anterior na sequência de abertura e a pre­sença da figura Rick/Bogart apontam para as inversões paródicas.No entanto, o protagonista não é um anti-herói; é um herói real,e o seu sacrifício final em nome do casamento e da amizade éo análogo moderno e pessoal do acto mais político e público deRick. O que é parodiado é a tradição estética de Hollywood quepermite apenas um certo tipo de mitologização no cinema; o queé satirizado é a nossa necessidade de semelhante heroicização.O mesmo se pode dizer, evidentemente, de Don Quixote: a paró­dia às convenções do romance épico e de cavalaria interactuacom a sátira daquele que acha que semelhante heroicização naliteratura é potencialmente transferível para a realidade.

O terceiro capítulo voltará a essa teimosa retenção da caracte­rística do ridículo ou do cómico na maioria das definições daparódia, uma retenção que a prática paródica moderna contesta,Em seu lugar eu sugeriria um leque de ethos pragmático (orien­tando os efeitos pretendidos), que inclua o reverencial, o lúdico

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e o desdenhoso. O modelo aqui elaborado tem, parece-me, umasérie de vantagens sobre a adopção, por Morson (1981), da dis­tinção avaliadora de Bakhtin entre paródia superficial e profunda.Além disso, o papel pragmático da ironia na produção e recep­ção da paródia deve ser tomado em consideração, tal como essasobreposição de função entre paródia e sátira.

Se existe um leque relativamente vasto de ethos, poderemosconcordar com Bakhtin (1968) em que existe paródia profundaou verdadeira que constitua um género genuinamente revolucio­nário? Ou teremos de ter igualmente em conta os aspectos reve­renciais e trocistas, através dos quais a paródia pode ser vistacomo uma força conservadora? (Barthes 1974; Kristeva 1969;Macdonald 1960). O romancista John Banville vê o seu Nights­pawn como uma manifestação da sua desconfiança em relaçãoà forma do romance: «Dispus-me a submeter o conceito tradi­cional oitocentista a toda a pressão que pudesse exercer sobreele, mantendo-me, não obstante, dentro das regras» (citado porImhof 1981,5). Repare-se que Banville diz que quer manter-sedentro das regras, transgredindo-as ao mesmo tempo. É o queserá investigado no quarto capítulo como paradoxo central daparódia: a sua transgressão é sempre autorizada. Ao emitar,mesmo com a diferença crítica, a paródia reforça. Até as paró­dias de Max Beerbohm, em A Christmas Garland, poderiamsugerir-nos menos uma rejeição dos métodos dos escritores paro­diados do que uma situação em que eles ainda são negociáveis(Felstiner 1972, 217). Não obstante a rejeição por Bakhtin daparódia moderna, existem ligações estreitas entre aquilo a queele chama paródia carnavalesca e a transgressão autorizada dostextos paródicos actuais. Em termos foucaultianos, a transgres­são toma-se a afirmação do ser limitado (Foulcault 1977, 35).A paródia é, fundamentalmente, dupla e dividida; a sua ambi­valência brota dos impulsos duais de forças conservadoras e revo­lucionárias que são inerentes à sua natureza, como transgressãoautorizada.

O quinto capítulo examina o requisito pragmático e formal deque, para que a paródia seja reconhecida e interpretada, devehaver certos códigos comuns entre o codificador e o descodifi­cador. O mais básico destes é o da própria paródia (Jenny 1976,258), pois que, se o receptor não reconhece que o texto é umaparódia, neutralizará tanto o seu ethos pragmático como a suaestrutura dupla. Segundo Dwight Macdonald: «Para uma boa

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paródia é necessária uma combinação peculiar de sofisticação eprovincianismo; a primeira por razões óbvias, o último porquea audiência deve ser homogénea o bastante para perceber a piada»(1960, 567). O potencial de elitismo da paródia tem sido frequentesvezes apontado, mas pouca atenção se prestou ao valor didácticoda paródia no ensino ou cooptação da arte do passado, por meioda incorporação textual e do comentário irónico. Talvez precise­mos, de facto, dessas anotações nos discos dos compositoresmodernos para compreender a música. Talvez o guia de StuartGilbert (1930) para Ulysses seja obrigatório para muitos de nós.Inferir a intenção do autor a partir de um texto introdutório nemsempre é fácil, embora não seja necessariamente impossível. Mui­tos códigos culturais são comuns, ainda que nós, como recepto­res de textos, tenhamos que ser avisados deles. Os vários filmesda série Guerra das Estrelas foram todos eles paródias a, entreoutros textos, O Feiticeiro de Oz. O Leão (muito pouco) Cobardefoi transformado no Chewbacca, o Wook:ie; o Homem de Lataé o futurístico robot C3PO; o cachorrinho é, agora, R2D2. Oscomilões (munchkins) reaparecem como várias criaturinhas pres­táveis, diferentes em cada filme. Os caminhos celestes substituema estrada de tijolos amarelos, mas a bruxa má (aqui, o impera­dor) continua a ser andrógina, traja de negro e é literalmente der­rubada no fim do terceiro filme. Outras paródias óbviasencontram-se também em acção: C3PO e R2D2 são um Buchae Estica mecanizados; Solo, Luke e Chewy são os novos TrêsMosqueteiros. Há outras paródias mais isoladas que nem todosos membros da audiência poderiam apanhar; a acção da batalhano espaço, por exemplo, tem por modelo directo a «coreografia»dos combates aéreos dos caças nos filmes de Hollywood daSegunda Guerra Mundial e, num dos filmes, Chewbacca apanhaa cabeça decapitada, semelhante a um crâneo, de C3PO, segura­-a na mão e solta uns bramidos - mas os bramidos têm a sintaxerítmica da fala de HamIet: Alas, poor Yorick! I Knew him, Bora­tio; a fellow of infinitejest, of most excellent fancy. «<PobreWorick!Conheci-o, Horácio, era uma mina inesgotável de ditos engra­çados; tinha uma imaginação viva e fecunda!») Os códigos comunsnecessários em cada passo podem diferir dos códigos rítmicosde Oz, mas em todos os casos está envolvida a competência dodescodificador. Como também o está a inferência da intenção.

Imitando a arte mais que a vida, a paródia reconhece cons­cientemente e autocriticamente a sua própria natureza. Preci-

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samente por esta razão, atraiu comentadores como David Caute(1792) e Mikhail Bakhtin (1981), para quem a ideologia e for­malismo são interesses que não se excluem mutuamente. Mesmosendo verdade que a paródia convida a uma interpretação maisliteral e estética de um texto, o sexto capítulo examinará a forma

como a paródia continua a estar relacionada - embora JonathanCuller insista em negar - com aquilo a que ele chama mimese ­isto é, com «uma afirmação séria de sentimentos acerca de pro­blemas ou situações reais» (1975, 153). O status mimético e ideo­lógico da paródia é mais subtil que isto; tanto a autoridade comoa transgressão implicadas pela opacidade textual da paródia devemser tomadas em consideração. Toda a paródia é abertamentehíbrida e de voz dupla. Isto é tão verdadeiro em relação à arqui­tectura pós-moderna como ao verso modernista. A «arquitecturanascida de arquitectura» de Paolo Portoghesi (1979, 15) é umdiálogo com as formas do passado, mas um diálogo que faz recir­cular, em lugar de imortalizar. Não é nunca «um voltar atrás paradespertar os mortos, em forma de reflexão narcisística e auto­-satisfatória» (Moschini 1979, 13). A paródia é uma forma deauto-referencialidade, mas isso não quer dizer que não possuaimplicações ideológicas.

Obviamente, outros críticos e teóricos da paródia, além de mim,repararam na existência e significação das formas paródicas naarte do século xx. G. D. Kiremidjian escreve:

A presença vastamente difundida da paródia sugere queela é da maior importância nos próprios modos como a ima­ginação e a sensibilidade modernas formaram, e sugere tam­bém a função orgânica que tem tido no desenvolvimentodos modos de expressão primários, talvez durante os últi­mos cem anos.

(1969, 231)

Quando um recensor crítico do The Times Literary Supplementpode diferir-se ao «princípio pós-modernista em voga que decretaque quanto mais paródica uma obra de arte, melhor» (Morrison1982, 111), a paródia talvez tenha passado de um potencial para­digma da forma estética moderna a um cliché. A paródia pareceter deixado de ser, para muitos, uma via para novas formas, comoacreditavam os formalistas russos, e ter-se tomado - ironi-

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camente - um modelo de norma prevalecente. Podemos pensarna reelaboração de convenções canonizadas na música de RalphVaughan Williams ou Charles Ives, ou na ficção de D. M. Tho­mas ou Robert Nye. Peter Conrad (1980) argumentou que a obrainteira de Salvador Dali pode ser vista como se existisse numrelacionamento paródico com a dissolução modernista do mundomaterial orgânico - através da cisão da luz (impressionismo),da abstracção (cubismo), da mecanização (Léger, Picabia), etc.A famosa Persistência da Memória, de Dali, a pintura dos reló­gios gotejantes, muito orgânicos e nada mecânicos, é por certouma inversão paródica das convenções do modernismo no seuhorror ao orgânico. Outros, ainda, vêem toda a arte moderna,e até todos os museus (Clair 1974), como o lugar da subversãoparódica.

Já em 1919 T. S. Eliot argumentava que toda a literatura pos­sui «uma existência simultânea e compõe uma ordem simultâ­nea» (1966, 14) e que o poeta e o crítico precisavam, portanto,de cultivar o seu «sentido histórico». Northrop Frye afirmavater escrito a sua Anatomy of Criticism como uma anotação alar-

\gada desta crença (1970, 18). Foi também em 1919 que ViktorJ Chk10vski fez a ligação entre esta visão de arte e a paródia: «Não\ apenas a paródia, mas também, em geral, qualquer obra de arte,

J é criada como um paralelo e uma contradição de algum tipo de;.modelo» (1973, 53). Teóricos mais recentes, como Antoine Com-pagnon (1979), quiserem fazer com que a noção relacionada decitação adquirisse esta função paradigmática; outros, comoMichael Riffaterre, apresentaram a intertextualidade. Outros,ainda, vêem a paródia como o modelo para todo o relaciona­mento da arte com o seu passado e presente (Klein 1970, 376)ou para a distância que toda a arte tem em relação ao objectoque imita (Macherey 1978; Weisgerber 1970, 42).

Quanto ao meu objectivo, é mais limitado. A paródia tem exis­tido em muitas culturas, mas, aparentemente, não em todas; asua omnipresença, hoje, parece-me pedir que se reconsidere, querna definição formal, quer as funções pragmáticas da paródia.Trata-se, certamente, de um modo de auto-reflexividade, embora,penso eu, não de um verdadeiro paradigma da ficcionalidade oudo processo de feitura da ficção (cf. Rose 1979 e Priestman 1980).A paródia é um género complexo, quer pela sua forma, quer pelosseu ethos. É uma das maneiras que os artistas modernos arran­jaram para com o peso do passado. A busca da novidade na arte

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do século xx tem-se baseado com frequência - ironicamente ­na busca de uma tradição. No Doctor Faustus, de Thomas Mann,o Demónio diz ao compositor Leverkühn que as «convençõesobrigatoriamente válidas» são necessárias para garantir a «liber­dade de execução» (Mann 1948,241). O mestre da forma paró­dica replica: «Seria possível a um homem saber isso e reconhecera liberdade acima e para além de toda a crítica. Ele poderiaampliar a execução, jogando com formas das quais, como bemsaberia, a vida tinha desaparecido.» A subsequente resposta doDemónio - no seu contraste com as noções tradicionais de paró­dia - serviria como boa introdução à complexidade do géneroque hoje se recusa a ser limitado à imitação ridicularizadora: «Bemsei, bem sei: A paródia. Era capaz de ser divertido, se não fossetão melancólica no seu niilismo aristocrático.

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DEFINIÇÃO DE PARÓDIA

Que ninguém parodie um poeta a não ser que o ame.

Sir Theodore Martin

Uma paródia, uma paródia com uma espécie de dom

miraculoso que a torne mais absurda do que era.

Ben Jonson

Os percursores românticos alemães de Thomas Mann, côns­cios da dualidade ontológica da obra de arte, intentaram destruiro que achavam ser ilusão artística. Esta ironia romântica, evi­dentemente, serviu menos para subverter a ilusão do que paracriar uma nova ilusão. Para os seus herdeiros, os escritoresmodernos como Mann, esta mesma espécie da ironia torna-seum dos mais importantes meios de criar novos níveis de ilusão,activando esse alargando - mas nem sempre ridicularizador ­tipo de paródia. Vimos que Doctor Faustus é um romance acercada paródia; é também, como Felix Krull (As Confissões de FelixKrull, Cavalheiro de Indústria) e muitos outros romances deMann (Eichner 1952), uma paródia múltipla em si (Heller1958-b), no sentido dessa definição mais ampla que acabámos

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de delinear. Ironia e paródia tornam-se os meios mais importan­tes de criar novos níveis de sentido - e ilusão. Este tipo de paró­dia informa quer a estrutura quer o conteúdo temático da obrade Mann (Heller 1958-a). Mas, como vimos, Mann não é o únicoa servir-se desta mistura particular de ironia e de paródia e aliteratura não tem hoje o monopólio da arte autoconsciente. Noentanto, os ensinamentos da literatura são extremamente explí­citos e, consequentemente, articulados; e são-no de tal maneiraque é ela que fornece os exemplos mais nítidos: na literatura nãoé tão necessário recorrer, como acontece frequentemente coma música moderna, às capas dos discos, para se conhecer a listadas obras parodiadas.

Gérard Genette (1982,236-6) chamou a atenção para a predi­lecção que os romancistas modernos têm por formas anteriores,numa prática que optou por designar por «hipertextualidade».Mas não se trate apenas de uma questão de empréstimo formal.Os leitores sabem que muita coisa se passou, em termos literá­rios, entre o século XVIII e The Sot-Weed Factor, de lohn Barth(1960). A essência de forma narrativa que veio a ser designadapor metaficção (Scholes 1970) reside no mesmo reconhecimentoda natureza dupla ou até dúplice da obra de arte que intrigavaos românticos alemães: o romance de hoje ainda continua aafirmar, frequentemente, ser um género com raízes nas realida­des do tempo histórico e do espaço geográfico; e, todavia, a nar­rativa é apresentada apenas como narrativa, como a sua própriarealidade - isto é: como artifício. Muitas vezes, o comentárionarrativo ou um espelho auto-reflector interno (uma mise­-en-abyme) assinalará este duplo status ontológico ao leitor.Ou então - e é isto que tem um interesse particular no presentecontexto - o apontar da literariedade do texto pode ser obtidoutilizando a paródia: em fundo, apresentar-se-á outro texto con­tra o qual a nova criação deve ser, implicita e simultaneamente,medida e entendida. O mesmo é verdadeiro em relação às outrasartes. Por trás de Leta and the Pelican, de Mel Ramos,encontram-se não só todas as pinturas mitológicas de Leda e docisne, mas desdobráveis da Playboy (a que não faltam as marcasdas dobras). O que é interessante é que, ao contrário do que éencarado mais tradicionalmente como paródia, a forma modernanem sempre permite que um dos textos tenha mais ou menos êxitoque o outro. É o facto de diferirem que esta paródia acentuae, até, dramatiza.

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A ironia parece ser o principal mecanismo retórico para des­pertar a consciência do leitor para esta dramatização. A ironiaparticipa no discurso paródico como uma estratégia, no sentidoutilizado por Kenneth Burke (1967, 1), que permite ao descodi­ficador interpretar e avaliar. Por exemplo, num romance que emmuitos aspectos é uma pedra-de-toque para toda esta reavalia­ção da paródia, The French Lieutenant's Woman (A Amante doTenente Francês), lohn Fowles justapõe as convenções dosromances vitoriano e moderno. As premissas teológicas e cultu­rais de ambas as épocas - conforme se manifestam através dassuas formas literárias - são ironicamente comparadas pelo lei­tor através do médium da paródia formal. A mesma sinalizaçãode distância e diferença pode ser vista no novo tratamento iró­nico que Iris Murdoch, dá a Hamlet, em The Black Prince. Nasartes visuais, a variedade de modos possíveis, ao que parece émaior que na literatura. Por exemplo, lohn Clem Clarke repre­senta os seus amigos como Páris, Hermes e as três deusas doJulgamento de Páris, de Rubens, e modifica a postura sugerindoposes sedutoras mais modernas. A versão da escultura em gessode George Segal da Dance, dé Matisse, chama-se The Dancers,mas as suas figuras, apesar da semelhança de pose, não surgemde modo nenhum extáticas; na realidade, parecem francamenteconstrangidas e pouco à vontade.

É com a diferença entre o primeiro plano paródico e o segundoplano parodiado que se joga, ironicamente, em obras como estas.A ironia de orientação dupla parece ter sido substituída pelatradicional zombaria ou rídiculo do texto «alvo». No capítulo ante­rior defendi que não existem definições trans-históricas de paró­dia. A vasta literatura sobre a paródia em diferentes épocase lugares torna evidente que o seu sentido muda. A arte doséculo XX ensina que percorremos um longo caminho desde osentido primitivo de paródia como o poema narrativo de exten­são moderada, utilizando metro e linguagem épicos, mas comum tema trivial (Householder 1944, 3). A maioria dos teóricosda paródia remontam a raiz etimológica do termo ao substan­tivo grego parodia, que quer dizer «contra-canto», e ficam-sepor aÍ. Se olharmos mais atentamente para essa raiz obteremos,no entanto, mais informação. A natureza textual ou discursivada paródia (por oposição à sátira) é evidente no elemento odosda palavra, que significa canto. O prefixo para tem dois signifi­cados, sendo geralmente mencionado apenas um deles - o de

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«contra» ou «oposição». Desta forma, a paródia torna-se uma opo­sição ou contraste entre textos. Este é, presumivelmente, o pontode partida formal para a componente de ridículo pragmática habi­tual da definição: um texto é confrontado com outro, com a inten­ção de zombar dele ou de o tornar caricato. O Oxford EnglishDictionary chama à paródia:

Uma composição em prosa ou em verso em que os esti­los característicos do pensamento e fraseado de um autor,ou classe de autores, são imitados de maneira a torná-Iosridículos, em especial aplicando-os a temas caricatamenteimpróprios; imitação de uma obra tomando, mais ou menoscomo modelo o original, mas alterado de maneira a produ­zir um efeito ridículo.

No entanto, para em grego também pode significar «ao longode» e, portanto, existe uma sugestão de um acordo ou intimi­dade, em vez de um contraste. É este segundo sentido esque­cido do prefixo que alarga o escopo pragmático da paródia demodo muito útil para as discussões das formas de arte moder­nas, como veremos no capítulo seguinte. Mas, mesmo em rela­ção à estrutura formal, o carácter duplo da raiz sugere anecessidade de termos mais neutros para a discussão. Nada existeem parodia que necessite da inclusão de um conceito de rídi­culo, como existe, por exemplo, na piada, ou burla, do burlesco.A paródia é, pois, na sua irónica «transcontextualização» e inver­são, repetição com diferença. Está implícita uma distanciaçãocrítica entre o texto em fundo a ser parodiado e a nova obra queincorpora, distância geralmente assinalada pela ironia. Mas estaironia tanto pode ser apenas bem humorada, como pode ser depre­ciativa; tanto pode ser criticamente construtiva, como pode serdestrutiva. O prazer da ironia da paródia não provém do humorem particular, mas do grau de empenhamento do leitor no «vai­vém» intertextual (bouncing) para utilizar o famoso termo deE. M. Forster, entre cumplicidade e distanciação.

É nesta mesma mistura que encontramos igualmente, ao nívelda intenção codificada, nas muitas reelaborações de Las Meni­nas, de Velàzquez, feitas por Picasso, ou no jogo de AugustusJohn com EI Oreco em Symphonie Espagnole. Na sua novela,The Ebony Tower, John Fowles pega a temática deste jogo paró-

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dico em termos relevantes para todas as formas de arte do nossoséculo. O protagonista, um artista muito «moderno», consideraa obra muito diferente de um mestre parodista:

Tal como acontece em tantos trabalhos de Breasley haviauma enorme iconografia prévia - neste caso, A Caça, deUccello, e a sua difusão através dos séculos; o que era,por sua vez, uma comparação arriscada, um risco delibe­rado [... ] tal como os desenhos espanhóis tinham desafiadoa grande sombra de Ooya aceitando a sua presença,utilizando-a e parodiando-a até, também a memória deUccello ashmoleano de alguma forma aprofundava e esco­rava a pintura defronte da qual David se sentava. Dava-lheuma tensão essencial, de facto: por detrás do misterioso eda ambiguidade [... ] por detrás da modernidade de tantosdos elementos da superfície ali estavam presentes, ao mesmotempo, uma homenagem e uma espécie de torcer o nariza uma tradição muito antiga (Fowles 1974, 18).

É esta combinação de homenagem respeitosa de «torcer o nariz»irónico que caracteriza, com frequência, o tipo particular de paró­dia que aqui consideraremos.

Quando Fowles (l969-b, 287-8) comparou o seu romanceA Amante do Tenente Francês com Lovel the Widower, de Tha­

keray, em relação ao ponto de vista, à utilização do presente ea uma certa provocação ao leitor, misturada com uma autozom­baria irónica, foi para lembrar que não tinha intenção de copiar,mas de recontextualizar, de sintetizar, de reelaborar convenções ­de uma maneira respeitosa. Esta intenção não é exclusiva da paró­dia moderna, pois há uma tradição semelhante em séculos ante­riores, ainda que haja tendência para se perderem grande partedas generalizações críticas. A sua articulação mais famosa é pro­vavelmente A Parodist 's Apology, de J. K. Stephen: If I've daredto laugh at you, Robert Browning, / 'Tis with eyes that with youhave often wept: / You have oftener left me smiling or frow­ning, / Than any beside, one bard except. «<Se ousei rir de ti,Robert Browning,' / Foi com olhos que contigo muitas vezes cho­raram: / Mais vezes ainda me deixaste com um sorriso ou comum franzir de cenho, / Do que qualquer outro, à excepção deum bardo») (citado por Richardson 1935, 9). Embora os paro­distas modernos acrescentem, com frequência, uma dimensão

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irónica neste aspecto, a ironia pode beneficiar e prejudicar aomesmo tempo quando dois textos se encontram.

Como o próximo capítulo examinará mais pormenorizada­mente, a ironia é, por assim dizer uma forma sofisticada deexpressão. A paródia é igualmente um género sofisticado nas exi­gências que faz aos seus praticantes e intérpretes. O codificadore, depois, o descodificador, têm de efectuar uma sobreposiçãoestrutural de textos que incorpore o antigo no novo. A paródiaé uma síntese bitextual (Golopentia-Eretescu 1969, 171), ao con­trário de formas mais monotextuais, como o patiche, que acen­tuam a semelhança e não a diferença. Em certo sentido, podedizer-se que a paródia se assemelha à metáfora. Ambas exigemque o descodificador construa um segundo sentido através deinterferências acerca de afirmações superficiais e complementeo primeiro plano com o conhecimento e reconhecimento de umcontexto em fundo. Em vez de defender, como faz Wayne Booth(1947, 177), que, embora semelhante em estrutura à metáfora(e, consequentemente, à paródia), a ironia é «subtractiva», emtermos de estratégia, na sua orientação do descodificador, ouafastá-lo do sentido superficial, eu diria que ambos os níveisdevem coexistir estruturalmente na ironia, e que esta semelhançacom a paródia ao nível formal é o que os torna tão compatíveis.

Deverá ser evidente pela discussão que é muito díficil separarestratégias pragmáticas de estruturas formais quando se fala daironia ou da paródia: uma implica a outra. Por outras palavras,uma análise puramente formal da paródia, enquanto relaciona­mento de textos (Genette 1982) não fará justiça à complexidadedestes fenómenos; o mesmo acontecerá com uma análise pura­mente hermenêutica que, na sua forma mais extrema, vê a paró­dia como criada por «leitores e críticos, e não pelos textosliterários em si» (Dane 1980, 145). Conquanto a realização e aforma da paródia sejam os da incorporação, a sua função é deseparação e contraste. Ao contrário da imitação, da citação ouaté da alusão, a paródia exige essa distância irónica e crítica.É verdade que, se o descodificador não reparar ou não conse­guir identificar uma alusão ou citação intencionais, limitar-se-áa naturalizá-Ia, adaptando-a ao contexto da obra no seu todo.Na forma mais alargada da paródia que temos vindo a conside­rar, esta naturalização eliminaria uma parte significativa tantoda forma, como do conteúdo do texto. A identidade estruturaldo texto como paródia depende, portanto, da coincidência,

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ao nível da estratégia, da descodificação (reconhecimento e inter­pretação) e da codificação. Como veremos num outro capítulo,estas são as duas partes da énonciation que a nossa era forma­lista pós-romântica considerou mais problemáticas.

Dentro de um quadro de referência pragmático, contudo, pode­mos, começar por considerar o facto de a prática envolver maisque a simples comparação textual; todo o contexto enunciativose encontra envolvido na produção e recepção do tipo de paró­dia que utiliza a ironia como meio principal de acentuação, eaté de estabelecimento, do contraste paródico. Isto não quer dizer,contudo, que nos possamos dar ao luxo de ignorar esses elementosformais nas nossas definições. Tanto a ironia como a paródiaoperam a dois níveis - um primeiro, superficial ou primeiroplano; e um secundário, implícito ou de fundo. Mas este último,em ambos os casos, deriva o seu sentido do contexto no qualse encontra. O sentido final da ironia ou da paródia reside noreconhecimento da sobreposição desses níveis. É este carácterduplo tanto da forma, como do efeito pragmático, ou ethos, quefaz da paródia um modo importante de moderna auto­-reflexividade na literatura (para Salman Rushdie, Halo Calvino,Timothy Findley e outros), na música (para Bartók, Stravinsky,Prokofiev e os compositores contemporâneos que já considerá­mos), na arquitectura (em particular na pós-moderna), no cinema(para Lucas e Bogdanovitch, por exemplo) e nas artes visuais(para Francis Bacon, Picasso e muitos mais).

Muitos destes artistas afirmaram abertamente que a distânciairónica concedida pela paródia tornou a imitação um meio deliberdade, até no sentido de exorcizar fantasmas pessoais - ou,melhor, de os alistar na sua própria causa. Proust parece certa­mente ter visto as suas reelaborações de Flaubert como antído­tos purgativos para as «toxinas de admiração» (in Painter 1965,100). Mas, pàra o descodificador da paródia, esta função, cria­tiva ao nível do artista individual, é menos importante do quea compreensão de que, seja por que razão for, a incorporaçãoparódica e «transcontextualização» ou inversão irónica do artistaoriginaram algo de novo na sua síntese bitextual. Talvez os paro­distas não façam mais do que apressar um processo natural: aalteração das formas estéticas através do tempo. Da união doromance de cavalaria com um novo interesse literário pelo rea­lismo quotidiano surgiu Don Quixote e o romance, tal como oconhecemos hoje. Obras paródicas como esta - obras que con-

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seguem, efectivamente, libertar-se do texto de fundo o suficientepara criarem uma forma autónoma - sugerem que a paródia,como síntese diabética poderia ser um protótipo do estádio detransição nesse processo gradual de desenvolvimento das formasliterárias. Com efeito, é esta visão que os formalistas russos têmda paródia.

A sua teoria da paródia interessa-nos aqui, porque também elesa viam como um modo de auto-reflexividade, como uma maneirade chamar a atenção para o convencionalismo que consideravamser central na definição da arte. A consciência acerca da formatal como foi conseguida por escritores como Sterne (e Barth,Fowles e outros, hoje em dia) por meio da sua formação atravésda paródia (Chklovski 1965), é um modo possível de desnudaro contraste, de desfamiliarizar a «transcontextualização», ou defugir às normas estéticas estabelecidas pelo uso. O questionarimplícito destas normas fornece também a base para o fenómenoda contra-expectativa que permite a activação estrutural e prag­mática da paródia (Tomachevski 1965, 284) pelo descodifica­dor. Em Gogol'i Dostoevskij. K teorií parodií, Tynianov reveloua dívida de Dostoievsky para com Gogol, mas também a sua uti­lização da paródia como modo de emancipação dele (Erlich 1955,1965, 93, 194). A paródia é, pois, tanto uma acto pessoal desuplantação, como uma inscrição de continuidade histórico­-literária. Daí surgiu a teoria dos forrnalistas acerca do papel daparódia na evolução ou mudança das formas literárias. A paró­dia era vista como uma substituição dialéctica de elementos for­mais cujas funções se tornaram mecanizadas ou automáticas.Neste ponto, os elementos são «refuncionalizados», para utili­zar o seu termo. Uma nova forma desenvolve-se a partir da antiga,sem na realidade a destruir; apenas a função é alterada (Eikhen­baum 1965, e 1978-b; Tomachevski 1965; Tynianov 1978-a).A paródia torna-se, pois, um princípio construtivo na histórialiterária (Tynianov 1978-b).

Os formalistas russos não foram os únicos a acentuar este papelhistórico da paródia. Vimos já a construção temática que delafez Thomas Mann na sua obra, e Dürrenmatt escreveu sobre oseu papel na derrocada da gasta Ideologie-Konstrukte (Freund1981, 7). Mas a teorização muito mais recente da paródia temsido obviamente influenciada pelos formalistas, quer directa, querindirectamente. Northrop Frye acha que a paródia é «um sinalde que certas modas no tratamento das convenções estão a ficar

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desgastadas» (1970, 103) e Kiremidjian define a paródia como«uma obra que reflecte um aspecto fundamental da arte, que éao mesmo tempo um sintoma de processos históricos que invali­dam a autenticidade normal das formas primárias» (1969, 241).A sua influência pode ver-se até na rejeição por Lotman (1973,402-3) de um papel central da paródia na evolução literária. Pou­cas dúvidas há de que a paródia possa ter um papel na mudança.Se uma nova forma paródica não se desenvolve quando uma antigafica insuficientemente «motivada» (para utilizar o termo dos for­malistas) devido ao uso execessivo, essa forma antiga poderiadegenerar em convenção pura: a testemunhá-Io, estão o romancepopular, o best-seller da época vitoriana ou da nossa. Numa pers­pectiva mais geral, no entanto, esta visão implica um conceitode evolução literária como aperfeiçoamento que me parece difí­cil de aceitar. As formas de arte mudam, mas evoluirão real­mente ou melhorarão de alguma forma? Mais uma vez, a minhadefinição de paródia como imitação com diferença crítica impedequalquer adesão às implicações aperfeiçoadoras da teoria dos for­malistas, concedendo, obviamente, acordo à ideia geral da paródiacomo inscrição de continuidade e mudança.

A minha tentativa de encontrar uma definição mais neutraque explique o tipo particular de paródia apresentada pelas for­mas de arte deste século tem um antecedente interessante. No

século XVIII, quando o apreço pelo espírito e a predominância dasátira puseram a paródia em evidência, como um mundo literáriomaior, seriam de esperar definições que incluíssem o elementodo ridículo como as que se nos deparam ainda nos dicionáriosactuais. No entanto, Samuel Johnson definia a paródia como «umtipo de escrita, em que as palavras de um autor ou os seus pensa­mentos são tomados e, por meio de uma ligeira mudança, adap­tados a um objectivo novo». Sendo embora verdade que isto defineigualmente Q plagiarismo, tem o mérito singular de não limitaro ethos da paródia. A definição muito mais recente de SusanStewart compartilha desta vantagem: a paródia consiste em «subs­tituir elementos dentro de um~ dimensão de um dado texto demaneira a que o texto resultante fique numa relação inversa ouincongruente comP texto que nele se inspira» (1978, 1979, 185),se bem que a menção da incongruência sugira uma teoria implí­cita do risco que pode representar o elemento de ridículo queentra sorrateiramente pela porta das traseiras. Prefiro manter aminha definição simples. Penso que ela expressa certos deno-

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minadores comuns a todas as teorias da paródia, para todas asépocas, mas constitui também para mim uma necessidade parti­cular ao tratar da arte paródica moderna. Por esta definição, aparódia é, pois, repetição, mas repetição que inclui diferença(Deleuze 1968); é imitação com distância crítica, cuja ironia podebeneficiar e prejudicar ao mesmo tempo. Versões irónicas de«transcontextualização» e inversão são os seus principais opera­dores formais, e o âmbito de ethos pragmático vai do ridículodesdenhoso à homenagem reverencial.

O perigo desta definição é que poderia parecer arriscar-se a con­fundir os limites das fronteiras do género mais do que já acon­tece. O resto do capítulo será dedicado a demonstrar que tal nãoé, de facto, necessariamente verdadeiro. Ao definir a paródia emtermos simultaneamente formais e pragmáticos, contudo, podeargumentar-se que a reduzi à intertextualidade. Seguindo a orien­tação de Kristeva (1969, 255), alguns teóricos contemporâneostentaram fazer da intertextualidade uma categoria puramente for­mal de interacção textual (Genette 1982, 8; Jenny 1976, 257).O supremo valor do trabalho de Michael Riffaterre é que reco­nhece o facto de só um leitor (ou, falando de maneira mais geral,um descodificador) poder activar o intertexto (1980-a, 626). Rif­faterre, como Roland Barthes (1975-b, 35-6), define a intertex­tualidade como uma modalidade da percepção um acto dedescodificação de textos à luz de outros textos. Para Barthes, noentanto, o leitor é livre de associar os textos mais ou menos aoacaso, limitado apenas pela idiossincrasia individual e a culturapessoal. Riffaterre, por outro lado, argumenta que o texto na sua«inteireza estruturada» (1978, 195n) exige uma leitura mais con­dicionada e, portanto, mais limitada (1974,278). A paródia seria,obviamente, um caso ainda mais extremo disto, porque as suasimposições são deliberadas e até necessárias para a sua compreen­são. Mas, a acrescentar a esta restrição adicional da relação inter­textual entre descodificador e texto, a paródia exige que acompetência semiótica e intencionalidade de um codificador infe­rido sejam pressupostos. Desta forma, embora a minha teoria daparódia seja intertextual na sua conclusão tanto do descodifica­dor como do texto, o seu contexto enunciativo é ainda mais vasto:tanto a codificação como o compartilhar de códigos entre produ­tor e receptor são centrais e constituirão tema do quinto capítulo.

O enquadramento em que a minha definição de paródia se situade facto, inevitavelmente, é o de outras formas de imitação e

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apropriação textual. A crença clássica e renascentista no valorda imitação como meio de instrução tem sido transmitida atra­vés dos séculos. La Formation du style par l'assimilation desauteurs (1910) de Antoine Albalat é uma versão actualizada dessesanteriores manuais de retórica. Mas a imitação, em tais contex­tos, significava muitas vezes pastiche ou paródia. Qual das duascoisas? Bem, a distinção mostra-se difícil: Proust utilizava ambosos termos para as suas imitações irónicas de Balzac, Flaubert,Michelet e outros. Será lhe Mote in the Middle Distance

(A Christmas Garland) (1921) de Beerbohm (1921) uma paró­dia, ou um pastiche do estilo mais tardio de James, com as suasfrases interrompidas, itálico, negativas duplas e adjectivos vagos?Será o pastiche mais sério e respeitoso do que a paródia(Idt 1972-3, 134)? Ou isso só seria verdade se o conceito de paró­dia utilizado insistisse no ridículo na sua descrição? Dado quea minha definição permite um amplo alcance de ethos, nãome parece possível distinguir a paródia do pastiche, nestestermos. Todavia, parece-me que a paródia procura de facto a dife­renciação no seu relacionamento com o seu modelo; o pasticheopera mais por semelhança e correspondência (Freund 1981,23)."Nos termos de Genette (1982, 34), a paródia é transformadorano seu relacionamento com outros textos; o pastiche é imitativo.

Ainda que nem a paródia, nem o pastiche, tal como são utili­zados por alguém como Proust, possam ser considerados comobrincadeira trivial (Amossy e Rosen 1974), pode haver uma dife­rença na localização textual que faça com que o pastiche pareçamais superficial. Um crítico chama-lhe «imitação da forma»(<{orm-rendering», Wells 1919, XXI). O pastiche tem geralmentede permanecer dentro do mesmo género que o seu modelo, aopasso que a paródia permite a adaptação; o soneto de GeorgesFourest sobre a peça de Corneille, Le Cid (Le palais de Gor­maz ... ), seria uma paródia, e não um pastiche à Ia maniere deCorneille. O pastiche será com frequência uma imitação, nãode um único texto (Albertsen 1971, 5; Deffoux 1932, 6; Hem­pel 1965, 175), mas das possibilidades infinitas de textos. Envolveaquilo a que Daniel Bilous (1982; 1984) chama de interestilo,não o intertexto. Mas, mais uma vez, é mais a semelhança quea diferença que caracteriza a relação entre os dois estilos. A paró­dia está para o pastiche talvez como a figura de retórica está parao cliché. No pastiche e no cliché, pode dizer-se que a diferençase reduz à semelhança. Isto não quer dizer que uma paródia não

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possa conter (ou utilizar para fins paródicos) um pastiche: O epi­sódio Oxen ofthe Sun, de Joyce, com a sua vasta gama de imita­ções estilísticas cheias de virtuosismo seria um exemplo maisque óbvio (Levin 1941, 105-7).

Tanto a paródia como o pastiche não só são imitações textuais.' formais, como envolvem nitidamente a questão da intenção.

Ambos são empréstimos confessados. Aqui reside a distinção maisóbvia entre a paródia e o plagiarismo. Ao imprimir, na sua pró­pria forma, a do texto que parodia, uma paródia pode facilitara tarefa interpretativa do descodificador. Não haveria necessi­dade na literatura, por exemplo, de recorrer à «estilometria», àanálise estatística do estilo, para determinar a autoria (Morton1978). Se bem que tenha havido muitos casos famosos de falsi­ficação, quer na arte, quer na literatura (ver Farrer 1907; Whi­tehead 1973), mistificações como aChasse spirituelle, deRimbaud (Morrissette 1956), e a colecção Spectra (Smith 1961)são fundamentalmente diferentes da paródia no seu desejo de ocul­tal', em vez de empenhar o descodificador na interpretação dosseus textos de fundo. A relação próxima entre pastiche (que visaa semelhança) e plagiarismo é articulada de uma maneira extre­manente divertida no romance de Hubert Monteilhet, Mourir àFrancfort (1975). O protagonista, professor e secretamenteromancista, decide reviver um romance pouco conhecido de AbbéPrévost e publicá-Io sob pseudónimo, como faz com todos osseus romances. Vê na ligeira reelaboração que faz da obra umavingança brincalhona contra o seu editor, um elegante, ainda quenão reconhecido, pastiche. Evidentemente que outras pessoas lhechamariam outras coisas. Tudo isto tem lugar numa paródiagideana a um romance na forma de diário sobreposta a um enredopolicial invertido (o assassínio tem lugar apenas no final), cujamoral é que a paga do plagiarismo é a morte.

De uma forma algo mais séria, a interacção da paródia e doplagiarismo pode ser vista na declaração pública aquando da publi­cação de The White Hotel, de D. M. Thomas (1981). EmboraThomas tenha reconhecido que se baseou no relato da testemu­nha ocular Dina Pronicheva, única sobrevivente de Babi Yar,na página que refere os direitos de autor do romance, o seu«empréstimo» mais ou menos literal deu origem a um intenso- mas, em última análise, infrutífero - debate sobre o plagia­rismo nas páginas de The Times Literary Supplement, em Marçoe Abril de 1982. É interessante que ninguém, tanto quanto sei,

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tenha atacado Thomas por ter plagiado a obra de Freud, aindaque tenha aduzido, na mesma obra, um belo exemplo, emborainventado, de um caso freudiano. Talvez a <<uotado autor» acercada sua ficcionalização daquela a quem chama o descobridor dogrande mito moderno da psicanálise se tenha adiantado aos crí­ticos. Ou talvez a paródia séria seja uma coisa totalmente dife­rente. É que a história do «caso» não é de Freud, ainda que delepartam algumas citações de Para Além do Princípio do Prazer,que o Freud ficcional, tal como o real, estava a escrever na alturada acção do romance. O leitor sabe que este texto não é de Freud,tal como sabe que a terceira parte do Terceiro Quarteto de Corda,de Rochberg, não é de Beethoven. É muito simplesmente o conhe­cimento desta diferença que separa a paródia do plagiarismo.No seu romance Lanark (1981), Alasdair Gray mistifica todoo debate, fornecendo ao leitor um paródico «Índice de plagiaris­mos» para o romance. Somos informados de que existem trêstipos de roubos literários no livro:

Plagiarismo de Matriz (Block Plagiarism), em que a obra deoutrem é impressa como uma unidade tipográfica distinta;

Plagiarismo Embutido (Imbebed Plagiarism), em que as pala­vras roubadas estão ocultas dentro do corpo da narrativa;

Plagiarismo Difuso (Dif.fusePlagiarism), em que o cenário,personagens, acções ou ideias novas foram roubadas massem as palavras originais a descrevê-Ias (485).

Para reforçar a sua brincadeira, acrescenta: «Para pouparespaço, estes serão referidos daqui em diante como Blockplag,Implag e Difplag.»

A distinção entre paródia e plagiarismo só é necessária por­que eles têm sido, de facto, utilizados como sinónimos (Paull1928, 134} e porque a questão da intenção (imitar com ironiacrítica ou imitar com intenção de enganar) é, simultaneamente,complexa e difícil de verificar. Foi por isso que me limitei à inten­ção codificada ou inferida ao discutir a paródia. Pode dizer-seque Emerson, Lake and Palmer tenham tencionado tomar deempréstimo (parodiar) ou roubar (plagiar) o Allegro Barbaro,de Bartok, no seu The Barbarian? O título, pelo que me parece,sugere a primeira hipótese, mas há quem discorde (Rabinowitz1980,246). É também a questão da intenção que está envolvidana confusão da paródia com o burlesco e a farsa (travesti). Se há

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que definir a paródia em termos de um ethos - o do ridículo ­terá forçosamente que haver uma dificuldade considerável em dis­tinguir entre estas duas formas. A história dos termos sugere sereste o caso (Bond 1932, 4; Hempel1965, 164; Karrer 1977, 70-3).Os dicionários também não ajudam muito: o Oxford English Dic­tionary define ambos os verbos to burlesque e to travesty demaneira idêntica: «meter a ridículo por meio de paródia ou imita­ção grotesca». As tentativas de teóricos mais recentes no sentidode precisão não foram muito mais úteis, obstruídas como são geral­mente pelas suas definições limitadas de paródia como ridículo.Dwight Macdonald (1960, 557-8) vê a farsa como a mais primi­tiva das formas e a paródia como a mais ampla. John Jump fazda paródia uma espécie de «alto burlesco de uma obra (ou autor)particular conseguida aplicando o estilo dessa obra (ou autor) aum tema menos digno» (1972, 2). As distinções entre formas supe­riores e inferiores sugerem as categorias de outra época, de umaestética que é muito mais rígida que a nossa pareceria ser hojepelas suas normas. E as distinções que separam desta maneira estiloe tema (Bond 1932; Davidson 1966; Freund 1981; Householder1944) sugerem uma separação de forma e conteúdo que, para muitoteóricos, é hoje posta em causa. Tanto o burlesco como a farsaenvolvem necessariamente o ridículo; a paródia não. Esta dife­rença no ethos requerido é certamente uma das coisas que distin­gue estas formas, pelo menos segundo o que a arte moderna ensina.

É uma diferença de intenção que serve também para distin­guir a paródia da citação, provavelmente o análogo sugerido commaior frequência da paródia moderna. Bakhtin pode ser o res­ponsável pela valorização deste modelo: ao escrever sobre a lite­ratura helenística, ele observou que havia vários graus deassimilação e diferenciação no uso das citações: ocultas, aber­tas, semi-ocultas (Bakhtin 1981, 68-9). Muito embora isto sejaverdadeiro no que se refere à literatura clássica em geral, valeráa pena recordar que o objectivo de citar exemplos tirados dasobras dos grandes era emprestar o seu prestígio e autoridade aopróprio texto. A Rhetorica ad Herennium, outrora atribuídaa Cícero, apressa-se, contudo, a avisar que a citação não é porsi um sinal de cultura. Os antigos podem, quando muito, agircomo modelos. Não era exactamente esta a utilização que Bakhtinqueria fazer das citações. Com efeito, um olhar mais atento revelaque ele via a paródia como citação, apenas num sentido metafó­rico. A tradução francesa do trecho acerca do funcionamento da

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paródia diz: C'est le genre lui-même, c'est son style, son lan­gage, qui sont comme insérés entre des guillemets qui leur don­nent un ton moqueur (1978, 414; o itálico é meu). O inglêsmantém o sentido metafórico, se não o símile: The genre itselj,the style, the language are ali put in cheerfuliy irreverent quota­tíon marks (1981,55) (<<Opróprio género, o estilo, a linguagemsão todos inseridos entre aspas divertidamente irreverentes.»)Bakhtin queria definir a paródia como forma de discurso indi­recto, por referência a outras formas; daí a sua ideia de ela ser«como que» entre aspas.

No entanto, quando Margaret Rose define paródia como a «cita­ção crítica da linguagem literária preformada com efeito cómico»(1979,59), a metáfora literalizou-se de súbito. Na realidade, elainverteu a noção de Michael Butor (1967) de que até a citaçãomais literal é já uma espécie de paródia por causa da sua <<!!".ans-

'( contex.tualização». Mas será lícito inverter isto e afirmar que toda) a'paródia é, consequentemente, citação? Julgo que não, apesar

)< 'L' do facto de existirem actualmente em preparação argumentos con­vincentes no sentido de tomarem a citação o modelo para todaa escrita (Compagnon 1979). A repetição «transcontextualizada»é sem dúvida uma característica da paródia, mas a distanciaçãocrítica que define a paródia não está necessariamente implícitana ideia de citação: referir-se a um texto como paródia não éo mesmo que referir-se a ele como citação, ainda que a paródiatenha sido esvaziada de qualquer característica definidora quesugira o ridículo. Ambas são, no entanto, formas que «transcon­textualizam» e poder-se-ia argumentar que qualquer mudança decontexto requer uma diferença de interpretação (Eikhenbaum1978-b). Em ambas existiria, portanto, aquela tensão entre assi­milação e dissimilação que Herman Meyer (1968,6) via na uti­lização da citação no moderno romance alemão. Da mesmaforma, ambas abarcariam um amplo âmbito de ethos, do reco­nhecimento 'da autoridade ao jogo livre e ambas exigiriam cer­tos códigos comuns que permitissem a compreensão. A citação,por outras palavras, embora fundamentalmente diferente da paró­dia em alguns aspectos, está também estrutural e pragmaticamentepróxima o suficiente para que o que de facto aconteça seja quea citação se torne uma forma de paródia, em especial na artee na música modernas.

Não concordo com Stephan Morawski quando diz que «até omais consumado e versátil conhecedor das artes teria de dar muito

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mais tratos à memória para recordar um exemplo de citação empintura, teatro ou cinema do que no caso da literatura» (1970,701). E nenhuma pessoa que tivesse visto a citação por ThomasVreeland do Campanilo, da Catedral de Siena, e da planta deAdolf Loos para a Casa de Josephine Baker, em Paris, no seuedifício da World Savings and Loan Association, em Santa Ana,na Califórnia, poderia dizer que a arquitectura é a arte «menospassível de citação» (Morawski 1970, 702). E que dizer da cita­ção por Michael Graves das simetrias interrompidas e das inter­-relações paisagem/edifício da Villa Madama quinhentista deRafael na sua Placek House de 1977?

Nas artes visuais, semióticos como René Payant (1979,5) sãotentados a postular que todas as pinturas citam outras pinturas.Este argumento não seria muito diferente da insistência forma­lista russa na convencionalidade da literatura. Ambas são reac­

ções a uma estética realista que valoriza a representação na arte.Muitas destas pinturas citativas são, como vimos, paródicas.O mesmo se passa com a utilização que a música faz da citaçãocom o fim de obter contraste. Para críticos embaraçados por umadefinição da paródia com uma forte carga de ridículo, tal cita­ção é, com frequência, considerada nada paródica (Gruber 1977;Kneif 1973). Não obstante, existe uma concordância generali­zada com o facto de a citação ter uma importância central paraa música moderna (Kuhn 1972; Siegmund-SchuItze 1977; Sonntag1977»>.George Rochberg remontou o seu desenvolvimento a pár­tir do serialismo e da sua descoberta das tradições musicais dopassado em termos que mostram a diferença entre citação sim­ples e paródica. Nas anotações ao seu Quarteto de Cordasn. 03 (Nonesuch H-71283), fala de como chegou à convicçãode que o passado deveria ser um «presente vivo» para os compo­sitores. Começou por citar partes da música tonal na forma deassemblages, ou colagens, no seu Contra Mortem et Tempus.Mas em breve o comentário achava-se implícito no seu acto decitação (Nach Bach), e no Terceiro Quarteto de Cordas a sín­tese paródica da nova atonalidade e das velhas convenções tonais(a linguagem melódico-harmónica oitocentista em geral e os esti­los de Beethoven e Mahler em particular) foi possível. Da mesmaforma, a Sinfonia, de Luciano Berio, «transcontextualiza» cita­ções fragmentárias de Bach, Schoenberg, Debussy, Ravel,Strauss, Brahms, Berlioz e outros, dentro do contexto dos impul­sos rítmicos do terceiro movimento da Segunda Sinfonia, de

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Mahler. Na capa do disco (CBC Classics 61079) Berio, diz-nos:«O movimento de Mahler é tratado como um receptáculo em quegrande número de referências se multiplicam, correlacionam eintegram na estrutura fluente da obra original em si». Foi a istoque os formalistas chamaram «refuncionalização» ou paródia,embora envolva efectivamente a citação «transcontextualizante».

A paródia tem uma determinação bitextual mais forte do quea citação simples ou até que a alusão: partilha tanto o códigode um texto particular a ser parodiado, como o código paródicogenérico em geral (Jenny 1976,258). Incluo a alusão aqui, por­que também ela tem sido definida de maneiras que a têm levadoa ser confundida com a paródia. Kâlusâôé «um expediente paraa activação simultânea de dois te~I(Ys>;-(Ben-Porat 1976, 107),mas fá-lo essencialmente através de correspondência - nãoda diferença, como é o caso da paródia. Todavia, a alusãoirónica estaria mais próxima da paródia, embora a alusão, emgeral, se mantenha uma forma menos constrangida ou «prede­terminada» que a paródia (Perri 1978, 299), a qual deve assi­nalar diferença de alguma forma. A paródia é também, com fre­quência, uma forma mais extensiva de referência transtextual,hoje em dia.

A paródia está, pois, relacionada com o burlesco, a farsa,o pastiche, o plagiarismo, a citação e a alusão, mas mantém-sedistinto deles. Partilha com eles uma restrição de foco: a suarepetição é sempre de outro texto discursivo. O ethos desse actode repetição pode variar, mas o seu «alvo» é sempre intramural

neste seIltido. Como pode então chegar a confundir-se a paródiacom asátÍia,que é extramural (social, moral) no seu objectivoaperfeiçoador de ridicularizar os vícios e loucuras da Huma­nidade, tendo em vista a sua correcção? É que a confusão existe,sem a menor dúvida. A paródia tem sido implícita ou expli­citamente 'tida como uma forma de sátira por muitos teó­ricos (Blackmur 1964; Booth 1974; Feinberg 1967; Macdonald1960; Paulson 1960; Rase 1979; Stone 1914). Para alguns, estaé uma forma de não limitar a paródia a um contexto estético,de a abrir a dimensões sociais e morais (ver Karrer 1977,29-31).Muito embora simpatize com a tentativa, dois capítulos seguin­tes (quarto e sexto) centrar-se-ão na complexidade destaquestão. Chamar apenas sátira à paródia parece excessivamentesimples, como forma instantânea de dar à paródia uma funçãosocial.

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Os fundamentos sobre os quais outros teóricos baseiam a sepa­ração dos dois géneros são, por vezes, discutíveis. WinfriedFreund (1981, 20) afirma que a sátira visa a restauração de valo­res positivos, ao passo que a paródia só pode ocorrer negativa­mente. Dado que se centra essencialmente na literatura alemãdo século XIX, é dito que à sátira faltam importantes dimensõesmetafÍsicas e morais que a sátira pode demonstrar. Mas eu argu­mentaria que a diferença entre as duas formas não reside tantona sua perspectiva sobre o comportamento humano, como elajulga, mas naquilo que é transformado em «alvo». Por outras pala­vras, a paródia não é extramural no seu objectivo; a sátira é.Tanto Northrop Frye (1970, 233-4, 322) como Tuvia Shlonsky(1966, 798) argumentaram clara e convincentemente, face aobservações como «Nenhum aspecto da sociedade tem estado asalvo da atenção escarnecedora do parodista» (Feinberg 1967,188). No entanto, a razão óbvia para a confusão de paródia esátira, apesar desta diferença essencial entre elas, é o facto deos dois géneros serem muitas vezes utilizados conjuntamente.A sátira usa, frequentes vezes, formas de arte paródicas, querpara fins expositórios, quer para fins agressivos (Paulson 1967,5-6), quando aspira à diferenciação textual como veículo. Tantoa sátira como a paródia implicam distanciação crítica e, logo,julgamentos de valor, mas a sátira utiliza geralmente essa dis­tância para fazer uma afirmação negativa acerca daquilo que ésatirizado - «para distorcer, depreciar, ferir» (Highet 1962, 69).Na paródia moderna, no entanto, verificámos não haver umjulgamento negativo necessariamente sugerido no contraste iró­nico dos textos. A arte paródica desvia de uma norma estéticae inclui simultaneamente essa norma em si, como material defundo. Qualquer ataque real seria autodestrutivo.

A interacção de paródia e sátira na arte moderna é universal,apesar do ponto de vista de um comentador que decidiu que asátira é hoje uma forma menor e ultrapassada (Wilde 1981,28).(Como classificar então Coover, Pynchon, Rushdie e uma quan­tidade de outros romancistas contemporâneos?) A crescentehomogeneidade cultural na «aldeia global» aumentou o leque deformas paródicas disponíveis para utilização. Em séculos ante­riores, a Bíblia e os clássicos eram os textos de fundo funda­mentais para a classe educada; as canções populares forneciamo veículo para outras. Embora esta seja uma regra geral, há, éclaro, sempre excepções. Rochester inverteu ironicamente as con-

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venções da poesia religiosa para fins CÍnicos e sexuais nas suaparódias (Treglown 973), invertendo assim a prática luterana deespiritualizar o secular (Grout 1980). Foram, no entanto, as tra­dições épicas que forneceram a base para muitas paródias noséculo XVIII, paródias que se acham muito próximas de algumasespécies de formas satíricas modernas da paródia. A epopeiacómica não zombava da epopeia: satirizava as pretensões con­temporâneas, quando comparadas com as normas ideais impli­cadas pelo texto ou conjunto de convenções parodiados. Os seusantecedentes históricos foram, provavelmente, as silli ou paró­dias homéricas, que satirizavam certas pessoas ou hábitos de vidasem escarnecerem, fosse de que forma fosse, da obra de Homero(Householder 1944, 3). Existem, ainda outros exemplos poste­riores do mesmo tipo de utilização da paródia e da sátira queecontramos nas formas de arte actuais. Por exemplo, o precur­sor de grande parte da recente sátira paródica feminista encon­tra-se na ficção de Jane Austen. Em Love and Friendship,Austen parodia a ficção do romance popular do tempo dela e,através dela, satiriza a visão tradicional do papel da mulher comoamante dos homens. Laura e Sophia vivem enredos literáriospré-modelados e são desacreditadas pela paródia de Austen à«heroicização» literária de Ruchardson e da sua apresentaçãoda passividade feminina. Como demonstrou Susan Gubar, «nassuas paródias a Fanny Burney e Sir Samuel Egerton Brydges emPride and Prejudice (Orgulho e Preconceito), Austen dramatiza(e satiriza) a forma como tem sido prejudicial para as mulheres·habitarem uma cultura criada por, e para, os homens» (Gilberte Gubar 1979, 120). Juntamente com Mary Shelley, Emily eCharlotte Bronte e outras escritoras, Austen serviu-se da paró­dia como veículo literário desarmante, mas eficiente, para a sátirasocial.

Não pretendo, pois, sugerir que só a paródia modernajoga com esta conjunção particular com o satírico. Grande parteda literatura do século XVIII, na Inglaterra, fê-l0 igualmente.E Gilbert e Sullivan por certo utilizaram-na quase como umafórmula: Iolanthe parodiava a forma do conto de fadas como fim de satirizar a aristocracia. Princess Ida era uma inver­

são respeitosa da Princess, de Tennyson, que serviu de veí­culo para um sátira dos direitos das mulheres. Mais dentro doperÍdo que nos interessa, Apollinaire serviu-se da paródia for­mal para satirizar a dor espiritual infundada de Verlaine em

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termos de desconforto físico real. II pleut doucement sur Iaville, de Rimbaud, forma a epígrafe do poema de Verlaine, quecomeça:

II pleure dans mon coeurComme il pleut sur la ville.Quelle est cette langueurQui pénetre mon coeur?

A paródia de Apollinaire diz:

II fiotte dans mes bottesComme il pleut sur la ville.Au diable cette fiotteQue pénetre mes bottes!

Nem a paródia nem a sátira são muito subtis neste tipo maistradicional de paródia.

Na versão mais alargada que temos vindo a examinar, a inte­racção com a sátira é mais complexa. Quando, no Ulysses, Joycerecorre à Odisseia, de Homero, e, em Tha Waste Land, Elliotinvoca uma tradição ainda mais vasta, de Virgílio a Dante, pas­sando pelos simbolistas e para além deles, o que está em causaé mais que um eco alusivo, quer do texto, quer do patrimóniocultural. As práticas discursivas activas numa altura particulare num lugar particular encontram-se envolvidas (Gomez-Moriana1980-1, 18). A énonciation intetdiscursiva, bem como o énoncéintertextual, estão implicados. O Don Quixote escrito pelo espa­nhol seiscentista chamado Cervantes seria diferente, é Borgesquem o sugere (1962, 1964, 42-3), do Quixote escrito por umsimbolista francês moderno -- chamemos-lhe Pierre Menard­ainda que fossem textos verbalmente idênticos. O texto de Menardseria mais rico por causa daquilo que actualmente se tornou ana­cronismo deliberado (e historicismo «descaradamente pragmá­tico»). Sabendo que Menard seria contemporâneo de WilliamJames, o narrador de Borges pode reler o Quixote à luz desta«transcontextualização» filosófica, social e cultural (bem comoliterária). Esta utilização paródica da literatura para auxiliar ojulgamento irónico da sociedade não é nova no nosso século: o

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IIii•

precursor de Eliot no confronto com o declínio da sua comuni­dade e da sua época através da paródia satírica é, provavelmente,Juvenal (Lelievre 1958). Veremos, no capítulo seguinte, o papelda ironia na compatibilidade aparentemente forte entre paródiae sátira.

Para muitos, os anos sessenta marcaram uma nova idade doouro da sátira (Dooley 1971), mas tratava-se de uma sátira quese apoiava muito na paródia e que compartilhava, consequente­mente, do seu ethos variável. Na obra de escritores como Pynchone de artistas como Robert Colescott, é menor a intenção de apontarao que Swift chamava «defeito algum / mas aquilo que todos osmortais podem corrigir». O humor negro (como foi rotulado) des­tes anos começou a mudar o nosso conceito de sátira, tal comoa paródia respeitosa mudou a nossa noção de paródia. Mas issoseria provavelmente o tema para outro livro. Não obstante, ainteracção dos dois géneros mantém-se uma constante. Muita daescrita feminina actual, visando, como visa, ser simultaneamenterevisionista e revolucionária, é «paródica, dúplice, extraordinaria­mente sofisticada» (Gilbert e Gubar 1979, 80). A ficção curta, pra­ticada por escritores como Barthelme, mostrou-se tão provocantecomo obras mais longas por causa do seu uso económico da paró­dia sugestiva. The Oranging of America, de Max Apple (1976,3-19), serve-se, obviamente, de uma paródia a The Greeningof America para satirizar a ética aquisitiva americana epitomadaem Howard Johnson e nos seus hotéis de telhados cor-de-laranja.

A paródia satírica musical também tem uma história ilustre.Um Divertimento Musical, de Mozart, parodia certas conven­ções musicais em voga (repetições desnecessárias de banalida­des, modulação incorrecta, ideias melódicas desarticuladas) ­é conhecida igualmente por Sexteto dos Músicos de Aldeia.De uma maneira que sugere quase uma paródia a Mozart, osegundo movrmento da Quarta Sinfonia, de Charles Ives, paro­dia outras peças musicais e ao mesmo tempo imita a execuçãode músicos incompetentes. No seu The Fourth of July, a execu­ção da banda amadora fictícia pretende, suponho, transportar umouvinte americano para a inocência da infância e dos piqueniques do4 de Julho. Há uma interessante tensão estabelecida entre esta memó­

ria nostálgica e a compreensão de que se trata de qualquer coisade diferente: os erros técnicos dessa banda servem como lembretes

periódicos da diferença que funcionam satiricamente para levaremo ouvinte a considerar o seu presente estado de inocência perdida.

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Nas artes visuais, há um vasto leque de utilizações satíricasparódicas. As sátiras abertas de Ad Reinhardt da cena artísticade Nova.Iorque nos anos quarenta a cinquenta tomavam a formade peças de ilustração/colagem de estilo cómico, de forma a paro­diar essas tentativas didácticas de compreender a complexidadedos desenvolvimentos na arte por meio de diagramas de manuaissimplistas. How to Look at Modern Art in America é uma paró­dia a esses quadros sinópticos dos movimentos modernistas queeram utilizados para ensinar arte moderna nas universidades.É, igualmente, uma sátira da cena artística contemporânea, atravésda qual ele situava artistas no diagrama (Hess 1974). Ainda queo próprio Magritte (1979) tivesse negado qualquer intenção sim­bólica ou satírica nas suas paródias aos caixões de David e Manet,a maioria dos espectadores acha difícil não ler na paródia for­mal um comentário ideológico a uma cultura aristocrática ou bur­guesa morta.

Semelhante intenção satírica parece, talvez, mais nítida na obrade Masami Traoka, especialmente nas suas paródias a Trinta eSeis Vistas do Monte Fuji, de Hokusai. Uma destas, por exem­plo, Novas Vistas do Monte Fuji: Barco de Recreio Afundan­do-se, mantém os trajes Edo para cada figura, mas uma delastem uma máquina fotográfica ao pescoço e outra, uma gueixa,tenta tirar uma fotografia com o seu tripé - no barco que seafunda. Ali perto, um samurai deita a mão aos seus clubs de golfe.Os ideogramas tradicionais mantêm-se, mas aqui querem, evi­dentemente, dizer coisas como «mania do golfe». A mais diver­tida destas obras é talvez Trinta e Um Aromas Que Invadem oJapão: Baunilha Francesa, com a sua paródia à gravura eróticajaponesa e a sua sátira da americanização do Japão (ver Lipmane Marsha111978, 94-5). Uma justaposição semelhante de tradi­ções eróticas revela-se na obra de Mel Ramos. A sua VelàzquezVersion é uma paródia a Vénus e Cupido do mestre mas, atravésde um segundo nível de paródia (de pin-ups, da Playboy), o nar­cisismo da mulher moderna é satirizado. Talvez Ramos também

esteja a sugerir, por meio da justaposição paródica, que aquiloque achamos erótico hoje pode, na realidade, não ter mudado.Ele reelabora a Olympia, de Manet, e Ia Grande Odalisque, deIngres, praticamente da mesma maneira. Andy Warthol fazmelhor que Duchamp e o seu L. H. O. O. Q dadaísta com a suaMona Lisa de bigodes, quando reproduz a obra-prima renascen­tista em serigrafia, repetida trinta vezes. O comentário irónico pop

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é claro no seu título - Thirty are Better than One - implicandouma sátira de uma sociedade de consumo que gosta mais da quan­tidade do que da qualidade e pode, portanto, usar um ícone popu­lar da arte erudita como produto de produção em massa. Tambémé uma sociedade, claro, que está disposta a pagar preços erudi­tos pela sátira paródica de Warhol: o mercado tem uma capaci­dade infinita de cooptar.

Outro exemplo da interacção da paródia com a sátira é Retroac­tive I, de Rauschenberg. No centro direito desta obra há umaampliação em serigrafia de uma fotografia de Gjon Mili da revistaLife. Com o auxílio de uma lâmpada estroboscópica, acaba porse parecer fortemente com o Nu Descendo as Escadas, deDuchamp (que, ironicamente, se baseava, por sua vez, em foto­grafias de Marey de um corpo em movimento). Mas, no con­texto da obra, acaba por parecer um «Adão e Eva expulsos doÉden», por Masaccio. O contexto determinante é o de uma foto­grafia de John F. Kennedy (já uma figura de culto quando a obrafoi executada, em 1964), que se torna na figura de um Deus vin­gador de dedo apontado.

Formas de arte mais populares, como as bandas desenhadase as séries de televisão, foram igualmente analisadas, revelandoa interacção próxima entre formas paródicas e intenção satírica.O trabalho de Ziva Ben-Porat (1979) é notável entre estudos deambos os géneros pela sua análise lúcida da natureza convencio­nal quer do referente social da sátira, quer do código paródicoutilizado para o comunicar. As longas definições merecem ser cita­das pela sua precisão ao fazer a distinção entre as duas formas.A paródia é definida basicamente em termos semióticos como:

Alegada representação, geralmente cómica, de um textoliterário ou de outro objecto artístico i.e., uma representa­ção de ~ma «realidade modelada» que, já por si, é umarepresentação particular de uma «realidade» original.As representações paródicas expõem as convenções domodelo e põem a nu os seus mecanismos, através da coe­xistência de dois códigos na mesma mensagem (1979,247).

A sátira, em contraste, é:

Representação crítica, sempre cómica e muitas vezes cari­catural, de uma «realidade não modelada», i.e., dos objec­tos reais (a sua realidade pode ser mítica ou hipotética) que

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o receptor reconstrói como referentes da mensagem. A «rea­lidade» original satirizada pode incluir costumes, atitudes,tipos, estruturas sociais, preconceitos, etc. (1979, 247-8)

A análise de Ben- Porat da interacção da paródia como a sátirana série televisiva Mad é demasiado complexa para não ser repro­duzida neste contexto. Trata-se, no entanto, de leitura necessá­ria para quem se interesse por este tópico.

Há ainda uma outra razão para a confusão entre paródia e sátira,na teoria e na crítica. A paródia não deve ser considerada ape­nas como uma entidade formal, uma estrutura de assimilação ouapropriação de outros textos. Nesta confusão, não é apenas aintrincada interacção textual da paródia com a sátira que induzem erro; nem o ignorar da diferença em relação ao tipo de «alvo»(intramural versus extramural), sempre de censurar. O capítuloseguinte referir-se-á ao papel da ironia nesta mistura comum degéneros, pois é tanto ao nível pragmático como formal que a paró­dia, hoje em dia, se diferencia, não só da sátira, como das defi­nições tradicionais que exigem a inclusão da intenção deridicularizar.

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3

O ALCANCE PRAGMÁTICO DA PARÓDIA

Todo o pintor inteligente transporta toda a cultura da

pintura moderna na cabeça. É ela o seu objecto real,

sendo tudo o que ele pinta simultaneamente uma

homenagem e uma crítica a ela.

Roherr Motherwell

A maior parte dos estudos sobre a paródia argumentam quese trata de uma forma mais restrita, em termos pragmáticos, doque a alusão ou a citação. Por outras palavras, existem muitasrazões possíveis para aludir ou citar do que para parodiar. Poder­-se-á rodear a crítica, insinuar sem afirmar directamente; poder--se-á optar pôr exibir o conhecimento pessoal ou utilizar os textosde outrem para servir de apoio autorizado; poder-se··á apenas pre-tender poupar tempo (Ben-Porat 1976, 108). A paródia moderna, Y

no entanto, ensina-nos que possui muitas mais utilizações do queas definições tradicionais do género estão dispostas a conside­rar. Todavia, muitos ainda acham que a paródia que faça outracoisa que não seja ridicularizar o seu «alvo» é falsa paródia.Uma conclusão lógica deste tipo de raciocínio é que as epopeiascómicas que não desacreditam a epopeia não podem ser rotula­das desta maneira (Morson 1981, 117). Argumentar assim, equi-

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vale, evidentemente, a ir contra toda a tradição do uso do termo.Gostaria de argumentar que o mesmo é verdadeiro em relaçãoà paródia em geral, apesar da longa tradição - que data do tempode Quintiliano (1922,395), pelo menos - que afirma que a paró­dia deve ser considerada pejorativa em intenção e ridiculariza­dora no seu ethos ou resposta pretendida. O âmbitotradicionalmente permitido parece ser ;<divertimento, irrisão e,por vezes, escárnio» (Highet 1962, 69). A maior parte dos teó­ricos concorda implicitamente com o ponto de vista de Gary SaulMorson (1981, 110, 113, 142) de que é suposto que uma paró­dia tenha autoridade semântica mais elevada do que o seu origi­nal e que o descodificador tem sempre a certeza de qual a vozcom a qual se espera que esteja de acordo. Ainda que este últimoponto possa ser verdadeiro, vimos que o «alvo» da paródia nemsempre é o texto parodiado, em especial nas formas de arte doséculo xx.

Theodor Verweyen (1979) separou as teorias da paródia emduas categorias: as que a definem pela sua natureza cómica eas que preferem acentuar a sua função crítica. O que é comuma ambos os pontos de vista, no entanto, é o conceito de ridículo.Como subgénero do cómico, a paródia torna o seu modelo cari­cato: esta é uma tradição. Mas mesmo como «departamento decrítica pura» (Owen Seaman, citado por Kitchin 1931, XIX) aparódia exerce uma função conservadora, e fá-Io através do ridí­cuio, mais uma vez. A maioria dos teóricos querem incluir ohumor ou a irrisão na própria definição de paródia (ver, por exem­plo, Dane 1980; Eidson 1970; Falk 1955; Macdonald 1960;Postma 1926; Stone 1914). Era provavelmente por esta razãoque Max Beerbohm achava que a paródia era mais especialidadeda juventude do que da sabedoria madura (1970, 66).

Para outros, todavia, a paródia é uma forma de crítica artís­tica séria, embora a sua acutilância continue a ser conseguidaatravés do ridículo. Reconhecidamente, como forma de crítica,a paródia tem a vantagem de ser simultaneamente uma reacria­ção e uma criação, fazendo da crítica uma espécie de explora­ção activa da forma. Ao contrário da maior parte da crítica, aparódia é mais sintética que analítica na sua «transcontextuali­zação» económica do material que lhe serve de fundo (Riewald1966, 130). Entre os que defendem esta função da paródia(v_eJPavi~ 1951; Lea cock 1937; Lelievre 1958; Litz 1965),W. H.Aude"Il-)alvez seja o que a articulou de maneira mais

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notável.liº"~~1!~~':ltºpiçº col~giºdeBat:dqs» a biblioteca não con­teria quaisquer obras de crítica literária e «o único exercício crí­tico pedido aos estudantes seria a escrita de paródias» (1968, 77).Esta função mais séria da paródia tem potencial para permitirum âmbito pragmático mais vasto, para além do ridículo, nãoobstante poucos optarem por a alargarem nessa direcção; «o ridí­culo crítico» (Householder 1944, 3) continua a ser o propósitomais vulgarmente citado da paródia.

Tem havido, no entanto, importantes oposições a esta limita­ção do ethos paródico ao escárnio. Fred Householder (1944, 8)chamou a atenção para o facto de, nas utilizações clássicas depalavra paródia, humor e ridículo não serem considerados partedo seu sentido; de facto, acrescentava-se outra palavra quandose pretendia ridicularizar. Ao examinar no Oxford English

DictionQ,ry a história do uso da palavra paródia em inglês, de1696 emdiante, Howard Weinbrot (1964, 131) argumentava queo ridículo ou o burlesco não eram por certo os únicos sentidosdo termo, em especial na epopeia cómica do século XVIII, comotambém já vimos. No entanto, esse século assinalou, de facto,quer uma valorização do espírito, quer uma mistura quase para­digmática de paródia e sátira, que tendeu a dominar nas tentati­vas subsequentes de desenvolver uma teoria da paródia; de entãopara cá, a paródia tinha de ser engraçada e pejorativa, como decre­tou o Abbé de Sallier em 1733. Mas, se já não aceitamos a limi­tação da forma da paródia a uma composição em verso de certotipo, por que haveríamos de aceitar uma limitação de ethosultra­passada? Também dentro de uma perspectiva pragmática, maisuma vez parece não haver uma definição trans-histórica da paró­dia; nada é provavelmente tão dependente culturalmente comoo ethos. Por que há-de o modelo de Sallier (que apresenta a ati­tude do parodista para com o «alvo» como de agressão e críticaridicularizadora) ser necessariamente relevante hoje - em espe­cial tendo em conta que os textos paródicos modernos, de Eliota Warhol, sugerem o contrário? No entanto, como Wolfgang Kar­rer (1977, 27) documentou de forma tão extensiva, grande partedos trabalhos sobre a paródia continuam actualmente a aceitaresta limitação.

Existem algumas excepções a esta conclusão. Há um críticoque traça uma distinção útil entre as paródias que se servem dotexto parodiado como alvo e as que se servem dele como arma(Yunck 1963). A última está mais próxima da verdadeira paródia

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moderna, irónica, alargada, ao passo que a primeira é o que temsido considerado, de maneira mais tradicional, como paródia.Outra distinção semelhante é a diferenciação de Markiewicz(1967, 1271) entre paródia sensu largo, que é um refazer imita­tivo, e paródia sensu stricto, que ridiculariza o seu modelo. Masambas dependem, mais uma vez, do cómico, e não, como euprefiro, do irónico. Assinalar a diferença através da ironia é umamaneira de lidar com aquilo a que chamo o âmbito do ethos paró­dico ou aquilo a que outros chamaram a sua ambivalência (Alle­mann 1956, 24; Rotermund 1963, 27).

No fim do segundo capítulo sugeri que uma das razões paraa confusão termino lógica entre sátira a paródia reside na sua uti­lização comum da ironia como estratégia retórica. Os críticosajudaram a confundir-nos anunciando que «a sátira deve paro­diar o homem" (Morton 1971, 35) e que a «ironia e sátira ocul­tas contra o texto parodiado» constituem parte necessária do efeitoparódico de uma obra (Rose 1979, 27). Como sugere a últimacitação, a ironia parece, de facto, desempenhar o seu papel nestaembrulhada taxonómica. Como tropo, a ironia é fundamental parao funcionamento da paródia, como para o da sátira, mas nãonecessariamente da mesma maneira. A diferença importanteemana do facto de a ironia possuir uma especificidade simulta­neamente semântica e pragmática (Kerbrat -Orecchioni 1980).Logo, como verificámos em relação à paródia, a ironia deve serexaminada de uma perspectiva pragmática, bem como da pers­pectiva formal (antifrástica) vulgar. Uma abordagem pragmá­tica que se concentre nos efeitos práticos dos signos éparticularmente relevante para o estudo da interacção da ironiaverbal com a paródia e a sátira, porque o que se pode de tal estudoé uma exposição das condições e características da utilização dosistema particular de comunicação que a ironia estabelece den­tro de cada género. Em ambas, a presença do tropo sublinha anecessária postulação quer da intenção codificada inferida, querdo conhecimento do descodificador, de molde a permitir a pró-pria existência da paródia ou da sátira como tais. .

Poucos críticos discordam de que a interpretação da ironiaenvolve realmente que será para além do texto em si (o textocomo entidade semântica ou sintáctica) para chegar à descodifi­cação da intenção irónica do agente codificador. Trabalhos recen­tes em pragmática (Warning 1979; Wunderlich 1971) têm tentadodefinir o acto de linguagem como um acto «situado», indo além

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do modelo mais estático de Jakobson (1960) e entrando num qua­dro de referência mais vasto. Este tipo de «situar» tem um inte­resse óbvio para uma discussão da utilização contextual da ironiana paródia. Dado que a ironia verbal é mais que um fenómenosemântico, o seu valor pragmático é de igual importância e deveriaser incorporado como um ingrediente autónomo, não apenas emdefinições, mas em análises que envolvam o tropo. A recenteinsistência de Catherine Kerbrat-Orecchioni neste ponto tem uminteresse particular, à luz do seu próprio trabalho anterior (1976),que comungava da tradicional limitação semântica a ironia à anti­frase, à oposição entre um sentido pretendido e afirmado ou, sim­plesmente, à marcação de um contraste (Booth 197 1974, 10;Muecke 1969, 15). Mas este contraste semântico entre o que éafirmado e o que é significado não é a única função da ironia.

O seu outro papel de importância maior - a nível pragmático li- é frequentemente tratado como se fosse demasiado óbvio para ,I

justificar discussão: a ironia julga. Contudo, nesta ausência de /diferenciação entre as duas funções parece-me residir uma outrachave a confusão taxonómica entre paródia e sátira.

A função pragmática da ironia é, pois, a de sinalizar uma ava­liação, muito frequentemente de natureza pejorativa. O seu escár­nio pode, embora não necessariamente, tomar a forma deexpressões laudatórias empregues para implicar um julgamentonegativo; ao nível semântico, isto implica a multiplicação de elo­gios manifestos para esconder a censura escarnecedora latente.Ambas as funções - inversão semântica e avaliação pragmática ""­estão implícitas na raiz grega, eironeia, que sugere dissimula­ção e interrogação: há uma divisão ou contraste de sentidos, etambém um questionar, ou julgar. A ironia funciona, pois, quercomo antifrase, quer como estratégia avaliadora que implica umaatitude do agente codificador para com o texto em si, atitude que,por sua vez; permite e exige a interpretação e avaliação do des­codificador. Tal como a paródia, a ironia é também um dos «pas­sos inferenciais» de Eco (1979, 32), um acto interpretativocontrolado, evocado pelo texto. Ambas devem ser, portanto, tra­tadas pragmática e formalmente.

Nos primeiro e segundo capítulos um texto paródico foi defi­nido como uma síntese formal, na incorporação em si mesmo deum texto que lhe serve de fundo. Mas o duplicar textual da paródia(ao contrário do pastiche, da alusão, da citação, etc.) tem poruma função assinalar a diferença. Partindo da dupla etimo-

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logia do prefixo para, defendi que, a nível pragmático, a paró­dia não se limitava a produzir um efeito ridicularizador (paracomo «contra» ou «oposição»), mas que a sugestão igualmenteforte de cumplicidade e acordo (para como «ao longo de») per­mitia um alargamento do âmbito da paródia. Esta mesma distin­ção entre sentidos de prefixos tem sido utilizada para defendera existência quer dos tipos cómicos, quer dos tipos sérios da paró­dia (Freund 1981, 1-2), mas pretendo ir além disto, utilizando-apara diferenciar§ethos "da paródia do da sátira, examinando asua utilização comum-dâironia como estratégia retórica. Se bemque a paródia não seja, de forma alguma, sempre satírica (Clarke Motto 1973, 44; Riewald 1966, 128-9), a sátira utiliza, comfrequência, a paródia como veículo para ridicularizar os víciosou loucuras da Humanidade, tendo em vista a sua correcção. Estamesma definição orienta a sátira para uma avaliação negativa euma intenção correctiva. A paródia moderna, por outro lado,raramente possui tal limitação avaliadora ou intencional. A obradeSylvia Plath tem sido vista como uma reelaboração (ou paró­dia) feminista dos modelos do modernismo masculino que elaherdou. O seu espírito competitivo poderia levá-Ia a opor-se aessa herança, mas ela também poderia ir buscar-lhe força (Oil­bert 1983). A outra diferença fundamental entre os dois génerose, evidentemente, a da natureza - intramural ou extramural ­dos seus «alvos».

Voltemos agora às duas funções da ironia: a semântica, con­trastante, e a pragmática, avaliadora. Ao nível semântico, a iro­nia pode ser definida como um assinalar de diferenças de sentidoou, simplesmente, como antifrase. Como tal, paradoxalmente,ela tem origem, em termos estruturais, na sobreposição de con­textos semânticos (o que é afirmado / o que é intencionado).Existe um significante e dois significados, por outras palavras.Dada a estrutura formal da paródia, tal como foi escrita no capí­tulo anterior, a ironia pode ser vista em operação a um nívelmicrocósmico (semântico) da mesma maneira que a paródia aum nível macrocósmico (textual), porque também a paródia éum assinalar de diferença, e igualmente por meio de sobreposi­ção (desta vez de contextos textuais, em vez de semânticos). Tantoo tropo, como o género combinam, pois, diferença e síntese, alte­ridade e incorporação. Devido a esta semelhança estrutural, gos­taria de argumentar que a paródia pode servir-se, fácil enaturalmente, da ironia como mecanismo retórico preferido, e

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até privilegiado. A patente recusa pela ironia da univocalidadesemântica equipara-se à recusa pela paródia da unitextualidadeestrutural.

A segunda função, avaliadora, da ironia verbal tem sido sem­pre pressuposta, mas raras vezes discutida. Talvez que a difi­culdade de localizar a ironia textualmente tenha feito com que

os teóricos sett:t:!hªl]1.~sqllivado estudar esta outra função, muitoimportante;C!tUXQniª.:-- asuaninçãopfãgmáfíêàr. Quase todoseles estão de acordo em que o grau eteifóitónico num textoé inY.~I~rnent~.proporcional ao número de sinais abert()sºt:ç~s:­sái[ospi1raélobtenção ctesseefeito (Alleman 1978, 32.~;.AJmansi1'97~( '422;' Kerbrai -Orecchioni 1977, 139). Mas<fis'~inais:devempor força existir dentro do texto, de forma a permífii ao desco­dificador inferir a intenção avaliadora do codificador. E a ironiaé geralmente às custas de alguém ou de alguma coisa. Seria, por­tanto, nesta função pragmática, e não semântica, que residiriana pronta adaptabilidade da ironia trocista ao género da sátira.

Por outras palavras, nestas du~sfllIlções diferentes, emboraobviamente complementares, dq troporetórico da ironia pode­ria residir essa outra chave da confusão terminológica entre paró­dia e sátira. Visto que ambas se servem da ironia, ainda que pormeio de afinidades diferentes (uma estrutural, a outra pragmá­tica), são com frequência confundidas uma com a outra. Isto dáà ironia uma importância crucial da definição e distinção entreos dois géneros. Mas não podemos limitar a chamar a atençãopara os paralelos formais da ironia e da paródia, se queremoscompreender a complexidade das implicações desta confusãogenérica: temos de considerar a pragmática, os efeitos práticosdessa mensagem codificada, e depois descodificada, que vem aser rotulada de paródica.

Tenho vindo a argumentar que devemos considerar todo o actoda énonciati6Jn, a produção e recepção contextualizadas de tex­tos, se queremos compreender o que constitui a paródia. Deve­mos, portanto, ultrapassar esses modelos de intertextualidade Itexto / leitor, levando-os a incluir a intencionalidade codificada/e depois inferida e a competência semiótica. Nesta mesma direc!ção, devemos também tentar expandir a visão orientada para oreceptor da interacção comunicativa paródica, cuja melhor repre­sentação é a da obra de Theodor Verweyen (1973, 1977). Tenhovindo a utilizar o termo ethos praticamente da maneira definidapelo Groupe MU (1970, 147), mas com maior ênfase no processo

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de codificação. Por ethos entendo a principal resposta intencio­nada conseguida por um texto literário. A intenção é inferidapelo descodificador, a partir do texto em si. Sob alguns aspec­tos, pois, o ethos é a sobreposição do efeito codificado (tal comoé desejado e pretendido pelo produtor do texto) e do efeito des­codificado (tal como é obtido pelo descodificador). Obviamente,a utilização que faço do termo ethos não se assemelha à de Aris­tóteles, mas está relacionada de perto com o seu conceito depathos, essa emoção com a qual o orador codificador procurainvestir o ouvinte descodificador. Um ethos é, pois, uma reac­ção intencionada inferida, motivada pelo texto. Se quiséssemospostular um ethos para a paródia e a sátira, teríamos de incluirigualmente o da ironia. Uma visualização simples das inter­-relações resultantes assemelhar-se-ia à figura 1.

Embora este modelo simplicíssimo tenha a desvantagem deparecer no papel tão estático como o de Jakobson (1960), deveser visto como tomando a forma de três círculos sobrepostos eem constante movimento, variando as proporções da inclusãomútua em cada texto particular a ser considerado. Para uma maiorclareza da análise, no entanto, cada ethos deveria ser discutidono seu estado hipoteticamente isolado, antes de examinar as suassobreposições. A simplicidade deste diagrama tornar-se-á ilu­sória uma vez que acrescentemos as inter-relações dinâmicastriplas.

A ironia'{erbal (não situacional) é representada na figura 1por um círculo a tracejado para nos reco~dar que se trata de ull1aentidade diferente das outras: é umtrop()e não Ull1 génerq.Mas também ele possui um ethos. O ethos geralmente aceite daironia é escarnecedor (Groupe MU 1978, 427). Neste sentidoestá «marcado» - no sentido linguístico do termo - pela codi­ficação de uma maneira definida: aqui, pejorativamente.Sem este ethos escarnecedor, a ironia deixaria de existir, por­que o contexto pragmático (codificado e descodificado) é o quedetermina a percepção da distância ou contraste entre contextossemânticos. Este ethos contém, todavia, dentro de si mesmo umagraduação, que vai do risinho ligeiro à mordacidade irónicaacumulativa do refrão repetido por Marco António «Bruto é umhomem honrado» em Júlio César.

A sátira, como a ironia, possui um ethos marcado, que é aindamais pejorativa ou negativamente codificado (Morier 1961, 217).A este pode-se chamar um ethos desdenhoso ou escarnecedor.

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Foi esse tipo de ira codificada, comunicada ao descodificadoratravés da invectiva, que levou Max Eastman a descrever o âmbitoda sátira como «graus de causticidade» (1936, 236). A sátira nãodeveria ser confundida com a invectiva simples, apesar de tudo,pois o objectivo correctivo do ridículo desdenhoso da sátira écentral para a sua identidade. Ainda que a sátira possa ser des­trutiva (Valle-Killeen 1980, 15), existe também um idealismoimplícito, pois ela é, com frequência, «descaradamente didác­tica e seriamente empenhada numa esperança no seu próprio poderde efectuar mudança» (Bloom e Bloom 1979, 16). Existe, nãoobstante, um lado agressivo no ethos da sátira, como Freud eErnst Kris (1964) observaram. Quando discutirmos a sobrepo­sição da sátira e ironia, veremos que seria no extremo da escalairónica de ethos em que um desdenhoso riso amargo é suscitadoque a sátira se casaria com a ironia mais eficazmente.

Tradicionalmente, também se tem considerado que a paródiapossui um ethos negativamente marcado: o ridículo. Em O Dito deEspírito e as suas Relações com o Inconsciente, Freud (1953-74,voI. VIII) reduzia a paródia a «disparate cómico» (176), mascentrava-se depois na sua intenção simultaneamente agressiva edefensiva (201). O exemplo do ataque irónico de Beerbohm àconfiança depositada por George Moore em Pater na secção deDickens de A Christmas Garland (1921, 179-85) constitui umexemplo do tipo de paródia que Freud teria em mente. Aqui,Beerbohm «apanha» as digressões, vacuidade, gosto pela trivia­lidade e erros dos ensaios de Moore sobre Balzac e o impressio­nismo francês onde Tintoretto é flamengo, os modelos dePalestrina têm flancos estreitos e as cores de Renoir são «sub­fuscas». O seu ataque irónico mais subtil surge com a sua des­crição do motivo erótico na Arabella Allen, de Pickwick Papers(As Aventuras Extraordinárias do Sr. Pickwick):

Strange thoughts ofher surge up vaguely in me as I watchher - thoughts that I cannot express in English [' ..J Elleest plus vieille que les roches entre lesquelles elle s 'est assise;comme le vampire elle a été jréquemment morte, et a apprisles secrets du tombeau (184-5).

A estupenda ironia aqui é que essas palavras, escritas em fran­cês por não poderem ser expressas em inglês, são uma traduçãodas palavras inglesíssimas de Pater utilizadas para descrever

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a Mona Lisa. Este mesmo marcar pejorativo do ethos da paró­dia pode ser encontrado hoje, por exemplo, na intenção inferidapor detrás das figuras entumecidas de Fernando Botero em geral,mas, em particular, nas paródias aos retratos de Rubens da suasegunda mulher. Da mesma forma, a famosa e polida pinturade Napoleão, da autoria de David, no seu gabinete de trabalhoé posta a ridículo pelo carácter incompleto da pintura de LarryRivers, ironicamente intitulada The Greatest Homosexual.Há até uma paródia aos elementos de composição de David: aassinatura floreada do nome do pintor num rolo de papel é alte­rado para um stencil pouco romântico e nada individualizador.

À luz de paródias como estas, há a tentação de concordar coma tradicional marcação pejorativa do ethos paródico. Mas apren­demos com outras formas de arte modernas que a distanciaçãocrítica entre a paródia em si e o texto que lhe serve de fundonem sempre conduz à ironia às custas da obra parodiada. Talcomo as epopeias cómicas de Pope (Paulson 1967, 6), muitasparódias actuais não ridicularizam os textos que lhes servem defundo, mas utilizam-nos como padrões por meio dos quais colo­cam o contemporâneo sob escrutínio. O verso modernista de Eliote Pound é provavelmente o exemplo mais óbvio deste tipo deatitude, a qual sugere um ethos quase respeitoso ou deferente.Mas, mesmo no século XIX, quando a definição ridicularizadorada paródia era a mais corrente, vimos que este tipo de reverên­cia era muitas vezes percebida como subjacente à intenção daparódia. Os volumes de recolhas de paródias de Hamilton(1884-9) revelam que as obras são parodiadas na proporção dasua popularidade. Citando as palavras de Isaac d'Israeli, «os paro­distas não desperdiçam o seu talento em produções obscuras»quando apresentam os seus «galhofeiros respeitos» (1886, 1). Porestas recolhas, podemos ver que Tennyson, Browning e Gray(pela Elegy) são seguidos de perto pelos mais reverenciados dosseus predecessores: Milton e Shakespeare.

O que também se torna claro com estas paródias é a razão paraa retenção de um ethos rígido, negativamente marcado paraa paródia, apesar das provas em contrário: estas paródias res­peitosas eram utilizadas para fins satíricos. Mais uma vez, a con­fusão genérica faz a sua entrada. Não é Shakespeare que éescarnecido nas muitas paródias tópicas, satíricas, dos seus dis­cursos mais conhecidos que surgiram na Punch e noutras revis­tas. Os satiristas optaram por servir-se das paródias aos textos

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mais familiares como veículo para a sua sátira, para acrescentarao impacto inicial e reforçar o contraste irónico. O discurso deJacques das Sete Idades do Homem, em As You Like It (ComoLhe Aprouver, II, rn) foi utilizado como forma de lançar ataquesa tudo, desde a intemperança à inaptidão política. The WeeklyDispatch patrocinou uma série de sátiras, formalmente basea­das no famoso solilóquio de Hamlet To be or not to be, masvisando o fiasco do Canal de Suez (5 de Agosto de 1883).Em nenhuma destas sátiras o texto parodiado era ridicularizado;logo, o ethos da paródia não era negativo, ainda que o da sátirao fosse.

A marcação possível muito positiva do ethos da paródia é clarano respeito que muitos artistas mostram no seu tratamento paró­dico das obras-primas consagradas da arte moderna. O Peixe Dou­rado, de Matisse, como fundo para a Still Life with Gold Fish,de Lichtenstein, não é escarnecido, apesar das alterações feitas:o aquário foi ampliado e centrado; as formas planas de Matisseforam ainda mais aplanadas; a janela azul e vazia do originalfoi preenchida por edifícios tirados do anterior Interior com PeixeDourado, de Matisse; um pormenor de um retrato a traço quelembra o próprio Matisse, foi acrescentado (Lipman e Marshall1978,87). Da mesma forma, Tom Wesselmann presta homena­gem a Matisse no seu Grande Nu Americano n. o 26. Trata-sede uma paródia às pinups eróticas, mas também de um tributoao Nu Cor de Rosa, de Matisse, nas suas cores, pose e linhasgerais. No entanto, a inclusão de uma reprodução de A BlusaRomena, de Matisse, cria uma dimensão satírica: a postura reca­tada e o traje europeu comentam ironicamente o aparentementedesavergonhado nu americano. Semelhantes relações de respeitopoderiam ser vistas entre Jasper Johns e Duchamp ou RichardPettibone e Stella. É, no entanto, importante não esquecer queesta variedatle reverente de paródia é como o tipo mais pejora­tivo num aspecto significativo: também aponta para a diferençaentre textos. Muito embora a paródia marcada pelo respeito seache mais próxima da homenagem do que do ataque, essa dis~tanciação crítica e marcação de diferença continua a existir.

Por estas razões, o ethos postulado para a paródia deveria pro­vavelmente ser rotulado de não marcado, com uma série de pos­sibilidades de ser marcado. De acordo com o sentido oposicionaldo prefixo para (como «contra»), podemos postular uma formadesafiadora ou contestatária da paródia. Este é o conceito mais

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comum do género, aquele que exige um ethos ridicularizado r.Abundam os exemplos daquilo a que tradicionalmente chama­mos paródia: Orphée aux Enfers) o Orfeu no Inferno, de Offen­bach, é uma inversão paródica do sério mito grego, ao nível dolibreto. Ao nível musical, a sua paródia escarnecedora de Orfeue Eurídice, de Gluck, na abertura é sublinhada pela melodia eritmo de can-can incongruentes.

Não obstante, precisamos igualmente desse outro sentido depara como «próximo de» para poder explicar o ethos mais res­peitoso ou deferente que pode ser reclamado, não só para muitada arte moderna, mas para a paródia litúrgica primitiva (Frei­denberg 1974, 1975) e, sob alguns aspectos, até para o carnava­lesco bakhtiniano (1968). O verdadeiro antepassado deste ethosé, provavelmente, a imitação clássica e renascentista. A utiliza­ção feita por Spenser do Ariosto na Faerie Queene é simultanea­mente um tributo ao mestre e uma incorporação suplantadora.Por isto, à sua prática pode chamar-se paródica, como poderia,todavia, chamar-se à de Luciano Berio na sua Sinfonia. Na capado disco (Columbia MS 7268), Berio explica que a terceira sec­ção da sua obra pretende ser uma homenagem a Mahler:

A minha intenção aqui não era nem destruir Mahler(que é indestrutível), nem representar um complexo pes­soal acerca da «música pós-romântica» (não tenho nenhum),nem sequer desfiar alguma enorme anedota musical (fami­liar entre os jovens pianistas). As citações e referênciasforam escolhidas não só por causa da sua relação real, mastambém pela sua relação potencial com Mahler.

O terceiro movimento da Segunda Sinfonia de Mahler é utili­zado como um «receptáculo» para a paródica «transcontextuali­zação» de dúzias de citações de outros compositores. A obra deBerio é menos composta do que reunida, de maneira a permitira percepção da diferença pelo ouvinte, através da transforma­ção mútua de todas as partes que a compõem.

Além deste ethos reverente da paródia, existe pelo menos umaoutra marcação possível: mais neutra ou galhofeira, próxima deum grau zero de agressividade, quer perante o texto de fundo,quer o de primeiro plano. Aqui, a mais ligeira das ridiculariza­ções de que ironia é capaz encontra-se envolvida no sinal paró­dico da diferença. O tríptico de Lichtenstein, segundo três das

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4 F. J. de Goya,

As Majas na Varanda

Direitos reservados,

The Metropolitan Museumof Art.

Doação da Sr.ª H.O.Havemeyer, 1929, H.O.

Havemeyer Collection

5 Mel Ramos, Plenti-Grand Odalisque, 1973.

Colecção Daniel Filippacchi; fotografia: cedida porLouis K. Meisel Gallery, Nova Iorque.

:2 René Magritte,'Perspective (Le Balcon

Ide Manet), 1950.©ADAGP Paris 1985.

Fotografia: Raf Van den

'Aeele; cedida por Museum

Van Hedendaagse Kunst,Gante.

3 Edouard Manet,Le Balcon.

Fotografia: cedida por

Musées Nationaux ­

Paris (Jeu de Paume).

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8 Jacques-Louis David, Napoleão no seu Gabinete de Trabalho.

National Gallery af Art, Washington; Samuel H. Kress Collection1961 (Francês, 1748-1825; Data: 1812; Tela: 2,039X1,25l).

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vistas de Monet da Catedral de Ruão, é talvez um exemplo destamarcação. Lichtenstein amplia e separa os pontos de cor deMonet, revertendo assim a técnica poíntillíste e tachíste que deixaque os olhos fundam as unidades de tinta. Nesta irónica inver­são, ele escarnece as teorias ópticas da pintura, especialmentedo cliché que afirma que não é possível entender uma pinturadeste tipo antes de haver uma distanciação física dela. Outroexemplo deste ethos brincalhão que derruba dos pedestais seriaa «escultura» de Robert Rauschenber, Odalisk. O seu título coloca­-a numa relação paródica com as odalisques, de Ingres e deMatisse. A mudança de linguagem, como veremos em breve,é, já por si, um sinal. A obra consiste numa caixa num poste,que se assemelha, suponho, a um torso e uma perna. Esse posteestá firmemente ancorado numa almofada, o símbolo tradicio­nal da lúxuria nas pinturas anteriores. Os lados da caixa são deco­rados com reproduções, quer de nus clássicos, quer de pínupsmodernas, e toda a caixa está envolvida num véu típico de harém .O toque brincalhão final é talvez a galinha empalhada, posta emcima da caixa. Dada a mudança de linguagem do título, esta pre­tende, provavelmente, ser uma visualização ou um trocadilholiteralizado da expressão francesa que designa uma cortesã dis­pendi osa - a poule de luxe. O que é importante ter em menteaqui, todavia, é que a paródia - seja qual for a sua marcação- nunca é um modo de simbiose parasitária. Ao nível formal,é sempre uma estrutura paradoxal de sínteses contrastantes, umaespécie de dependência diferencial de um texto em relação a outro.

O ethos destas três entidades - paródia, ironia e sátira - foidiscutido, até agora, apenas num estado hipoteticamente puroque, de facto, raramente existe na prática artística. É por issoque o modelo utiliza CÍrculos sobrepostos e em movimento. (Aironia, tal como o tropo utilizado para ambos os géneros, deveobviamente obter o máximo de espaço para se movimentar. Se,dentro do ethos escarnecedor da ironia, existe uma gradação ­do riso desdenhoso ao sorriso conhecedor - então, no ponto emque a ironia se sobrepõe à sátira será esse riso desdenhoso quese fundirá com o ethos escarnecedor da sátira (o que sempreimplica uma intenção correctiva). Por exemplo, em Dublíners(Gente de Dublin), Joyce visa seriamente os valores e costumesde uma cidade que ele simultaneamente amou e odiou. Mas emaltura alguma ele chega a ter de articular directamente a sua inten­ção satírica; pode deixá-Ia ao veículo da sua ironia selvaticamente

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avaliadora (ver Hutcheon e Butler 1981). No outro extremo daescala irónica está o sorriso afectado, o sorriso sabido do leitor

que reconhece o jogo paródico de Stanislaw Lem, por exemplo.A Perfect Vacuum, de Lem (1978, 1979), contém inteligentesrecensões borgesianas de livros inexistentes que parodiam as con­venções literárias. Muitas, por exemplo, são suaves ataques escar­necedores ao nouveau romano Uma, que de diz ser a recensãode um romance publicado pelas Éditions du Midi (em vez deMinuit), chama-se Rien du tout, ou la conséquence. Somos infor­mados de que o seu tema é o nada beckettiano muito em voga,o não ser, a negação; de facto, trata de rien du tout.

A sobreposição do ethos dos géneros da paródia e da sátira(envolvendo, geralmente, também a ironia) resultaria na infe­rência, por parte do descodificador, de uma intenção codificadadifusa. Com uma paródia marcada pelo respeito, tal poderia apre­sentar um reconhecimento de, ou até uma deferência para com,o texto parodiado, com o «alvo» difuso talvez incluído na parteque é colocada em primeiro plano no texto. As homenagens deChaim Soutine a Rembrandt nas suas pinturas de carcaças de boissurgem-nos à lembrança. Na sua marcação contestatária, estasobreposição paródica com a sátira levaria, provavelmente, a umdesafio cínico. O lirismo e harmonia formais e referenciais doAngélus du soir, de Millet, transformam-se ironicamente nasmodernas visões petrificadas da ilustração de Dali para Les Chantsde Maldoror e Reminiscências Arqueológicas do Angélus de Mil­let, bem como na máscara mortuária de O Atavismo do Crepús­culo. Claro que Dali estava obcecado por esta pintura e chegoua escrever um longo estudo psicosexual sobre ela (1963),porque lhe aparecia constantemente como um intruso na suavida - como desenho em chávenas de chá, estampas, postaise até rótulos de queijo. A paródia às formas artísticas veio a serutilizada por Dali como sátira dos clichés de uma sociedade deconsumo. Semelhante sobreposição de paródia e sátira pode ver-sena obra de Francis Bacon. O retrato imponente do Papa Inocên­cio X, de Velàsquez, reflecte a estabalidade, coerência e poderde um mundo passado; as versões paródicas de Bacon transfor­mam o trono numa jaula que parece uma cama, fazendo comque a autoridade ceda o passo à restrição e ao terror.

Há duas direcções possíveis que a sobreposição de paródia esátira podem tomar, dado que o objectivo da paródia é intramu­ral e o da sátira é extramural - isto é, social ou moral. Existe,

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por um lado, um tipo do género paródia (nos termos de Genette(1979) que é satírico e cujo alvo é ainda outra forma de discursocodificado: Zelig, de Woody Allen, ridiculariza as convençõesda televisão e do documentá rio cinematográfico.Por outro lado, além desta paródia satírica, há a sátira paródica(um tipo do género sátira) que visa algo exterior ao texto, masque emprega a paródia com veículo para chegar ao seu fim satÍ­rico ou correctivo. Num mundo pós-nietzscheano que aceita amorte de Deus, Bertolt Brecht pôde ainda parodiar as estruturasconvenientemente familiares da Bíblia na sua obra satírica, Ascen­são e Queda da Cidade de Mahagonny. A inversão da fuga dosisraelitas, de Moisés como chefe, e de Cristo como salvador éparódia utilizada com intenção satírica, ainda que (acharamalguns) com uma boa dose de um sentimento eliotiano implícitode evocação de um mundo perdido de dignidade humana. O con­texto cristão parece ser rejeitado, ao mesmo tempo que se aspiraa ele (Speirs 1972, 162-9), no ataque de Brecht à «cidade doparaíso» do materialismo. Os mandamentos tornam-se sinais pres­critivos paródicos num mundo que normalmente oferece «calma,concórdia, whisky, mulheres» (Brecht 1979, 2, III, 23). Brechtpode repelir com desdém o modelo cristão de transcendência pro­videncial, mas são as semelhanças entre Cristo e o involuntárioe relutante redentor, Jimmy, que se tornam mais evidentes àmedida que a obra se desenrola: o julgamento do empobrecidoJimmy tem o seu Barrabás (Toby Higgins) e, antes da sua morte,Jimmy pede água e, a seguir, trazem-lhe vinagre. A acrescentarà utilização estrutural da paródia feita por Brecht ao nível doenredo, a música de Kurt Weill também é paródica na sua reei a­boração respeitosa, mas contextualmente irónica e propositadado Messias, de Handel. A combinação dos dois modos de paró­dia com o ethos de desprezo da sátira faz desta obra um dos exem­plos mais claros e mais complexos da sátira paródica. O próprioBrecht afirmou que Mahagonny prestava «tributo consciente àirracionalidade da forma operática» com o seu realismo minadopela música (1979, 2, III, 87), mas que o seu objectivo reál era«mudar a sociedade» (90).

Mas haverá algum momento em que os três círculos do nossodiagrama original se sobreponham totalmente, sem eclipsar nada?A havê-Io, envolveria ambos os géneros, utilizando ambos o tropoirónico na sua capacidade máxima. Este seria o momento desubversão potencialmente máxima - quer em termos estéticos,

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quer sociais. E seria também o momento da suprema sobrede­terminação pragmática. Poucas obras nos vêm à memória, masA Modest Proposal (Proposta Modesta .... ), de Swift é, por certo,uma delas. Se uma interacção de ethos tão complexa é possível,o nosso diagrama simples original tem de ser necessariamentetransformado, como acontece na figura 2.

Ao nível pragmático, podemos ver agora mais claramente essaoutra razão para a confusão dos géneros da paródia e da sátira,a que reside na sua utilização comum da ironia. No segundo capí­tulo, como aqui, a relação hermenêutica e formal próxima entreparódia e ironia era sugerida. Ambas estabelecem aquilo a queMichael Riffaterre chama uma dialéctique mémorielle (l979-b,128) no espírito do descodificador. Trata-se de um resultado dasua dupla estrutura de sobreposição comum, que, não obstante,assinala paradoxalmente diferença - em termos semânticos outextuais. Esta dependência diferencial, ou mistura de duplica­ção e diferenciação, quer dizer que a paródia funciona intertex­tualmente como a ironia funciona intratextualmente: ambas ecoam

para marcar mais diferença que semelhança. É esta ambivalên­cia paradoxal da ironia que permite a Thomas Mann servir-seda paródia para expressar tanto o seu respeito, como as suas dúvi­das acerca da tradição literária (Heller 1958b; Honsa 1974). Con­tudo, a interacção entrei Doctor Faustus e o Fausto, de Goethe,é tão essencialmente de 'diferença como o é a paródia mais tradi­cionalmente ridicularizaqora do texto de Goethe que encontra­mos em Faust, de Robért Nye.

Um leque de ethos pragmático está com frequência implícitonessas distinções entre tipos de paródia: negativo versus cura­tivo (Highet 1962); crítico versus divertido (Lehmann 1963); afir­mativo versus subversivo (Dane 1980). Prefiro manter a ideiade um leque de ethos intencionais, em vez de tipos formais deparódia opostos, por causa da semelhança estrutural gue sustentatodos estes tipos (repetição com diferença crítica). E na dimen­são pragmática que reside a diferença entre tipos de paródia, eo centrarmo-nos nesse facto poderia também explicar a distin­ção, ao invés da confusão, entre a paródia e sátira: paródia cura­tiva parece-nos perigosamente próximo de sátira.

Uma das manifestações mais evidentes do alcance possível doethos paródico pode ver-se na exposição que teve lugar no Cen­tro Pompidou, em Paris, no Verão de 1983, que foi organizadacomo contraponto à principal exposição de Manet, no Grand-

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-Palais, ao mesmo tempo. Bonjour Monsieur Manet não escar­necia realmente, nem de Manet, nem da outra exposição; quandomuito, actuava como um outro tributo a um artista que era,por sua vez, considerado um grande utilizado r das formas deoutros pintores. Com efeito, numa época de ideologia natura­lista documental, Manet era considerado um pasticheur, tirandoo plano geral do seu Déjeuner sur l 'herbe, de Rafael, e o temaem si de Ticiano (Clay 1963,6). Nada mais adequado, pois, doque montar uma contra-exposição que mostrava como outros setinham inspirado em Manet e, dessa forma, chegado a acordocom o próprio Manet. Muitas vezes, o método de substituiçãoera a paródia, e o leque inteiro do seu ethos era visível. Aindamais complexa que a relação mais ou menos respeitosa de Matissecom Manet (Forcade 1983) é a de Picasso (Bernadac 1983). Umadas primeiras pinturas de Picasso chama-se Paródia à Olímpiade Manet. Servindo-se do mesmo modelo, mas indo mais longeque Cézanne na sua Olímpia Moderna (embora não tão longecomo Robert Morris na sua obra de «performance minima!», Site),Picasso inscreveu-se a si mesmo na nova obra e inverteu as con­venções do original (já de si tomadas da Vénus de Urbino, deTiciano): Olímpia é negra, a criada é susbtituída por um amigo,os frutos substituídos por flores. Por outras palavras, o voyeu­rismo implícito do original é ironicamente reelaborado dando asugerir uma cena de bordeI. Mas L 'Exécution de Maximilien,de Manet (que é, já por si, um eco do Tres de Mayo, de Goya),é utilizada de maneira algo diferente como estrutura paródicade fundo para Massacres en Corée, de Picasso. Aqui, o propó­sito parece ser aumentar o horror e o drama através do contrasteirónico de massacres anónimos plurais com a execução român­tica individual. Ao contrário da sua anterior paródia escarnece­dora mais suave ou das suas múltiplas reelaborações de LasMeninas, de Velàsquez, esta sátira paródica tem um ethos nega­tivo mais fortemente marcado.

Nenhuma destas obras é realmente ridicularizadora, contudo,quero chamar-lhes paródias, tal como os seus criadores fizeramcom frequência. Rosamund Tuve (1970) encontrou-se numa posi­ção semelhante ao tentar descobrir por que tinha Herbert cha­mado a um dos seus poemas A Parodie. O poema sacralizavauma canção de amor secular, Soules joy, now Iam gone. Paraexplicar quer o título não inocente, quer a natureza não ridicula­rizadora deste tipo de paródia, Tuve virou-se para a paródia

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· musical, porque Herbert era músico e pode ter pretendido pôro poema em música, e porque o conceito de paródia musicalé muito mais amplo. Numa das suas formas, a contrafacção é, narealidade, apenas uma forma deliberada de imitação (Verweyen1973,8-9). A prática de Herbert está muito próxima do que vimosna paródia moderna: ele remodelou formas familiares paradizer qualquer coisa de sério com um impacto maior (Freeman1963, 307).

A analogia musical a que Tuve recorreu para explicar o tipode paródia de Herbert é sugestiva. Em música, a paródia temdois sentidos distintos que lembram o âmbito de ethos paródicoque temos vindo a examinar. O seu primeiro sentido está maispróximo do ethos respeitoso da paródia ou até da prática renas­centista da imitação. Como género, a paródia musical é uma ree­laboração aceite de material preexistente, mas sem intençãoridicularizadora. O New Grave Dictionary of Music and Musi­cians define paródia, neste sentido, como um exerCÍcio genui­namente recriativo de variação livre. Vimos que a paródia setornou, mais uma vez, importante na música moderna, mas háum elemento que tem de ser acentuado, que reforçaria a defini­ção de paródia como repetição, mas repetição com diferença:na paródia musical que é a Pulcinella, de Strawinsky, há umadistância entre o modelo e a paródia que é criada, por meio deuma dicotomia estilística. Isto é verdadeiro até em relação aoethos reverente da paródia em música: Prokpfiev prestou tributoao espírito e urbanidade de Haydn e outros na sua Sinfonia Clás­sica, mas continua a existir um sentido de diferença.

Isto é mais evidente no segundo sentido, não genérico, da paró­dia musical - a noção mais tradicional de uma composição comintenção humorística. Frequentemente, este tipo de paródia emmúsica, como nas outras artes, é um fenómeno limitado,restringindo-se geralmente à citação de temas isolados, ritmos,acordes, etc., e não à reelaboração mais global que funde ele­mentos antigos e novos e que caracteriza quer a paródia musicaldo século XVI, quer a moderna. Neste tipo mais tradicional deparódia, nobres fraseados reconhecíveis são muitas vezes apli­cados a temas inapropriados, como quando Debussy recorda Tris­tan und Isolde na sua Golliwog's Cake Walk. Tal como naliteratura ou na pintura, este tipo de paródia tem frequentementeuma pulsão conservadora exagerando idiossincrasias estilísticas.O âmbito do ethos paródico permite tudo, desde o simples diver-

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tÍmento (as variações de Dudley Moore sobre a marcha do ColonelBogey, em Beyond the Fringe), até ao amor e respeito (os famo­sos Concertos de Gala, de Victor Borge), mesmo dentro destesegundo sentido de paródia musical.

O primeiro é, contudo, potencialmente o mais frutuoso aqui:a paródia como transmutação e remodelação de formas musi­cais existentes (Finscher e Dadelsen 1962, 815) sem qualquerintenção cspecificativa ou ridicularizadora. Isto não quer dizerque o ridículo não seja possível. Pelo contrário, é um entre umleque de ethos possíveis ou de respostas pretendidas. O facto deoutros artistas além de Herbert poderem ter tido uma noção musi­cal da paródia é sugerido pela observação do parodista John Barth,recordando o seu primeiro treino em música na Juilliard:

No fundo, continuo a ser um fazedor de arranjos, cujomáximo prazer literário é pegar numa melodia recebida- um velho poema narrativo, um mito clássico, uma con­venção literária enxovalhada, um pedaço da minha expe­riência, uma série da New York Times Book Review - e,improvisando como umjazzman dentro das suas restrições,reorquestrá-la para o propósito presente (1982, 30).

Parte desse propósito presente é mostrar diferença, diferençairónica, bem como semelhança.

A ironia pode ser simultaneamente incluir e excluir; sugeretanta cumplicidade como distância. Nisto, parece-se com o fun­cionamento do riso, quer social (Dupréel 1928, 228-31), querpsicologicamente (Levine 1969, 168). Mas dizê-Io não equivalea equacioná-la como riso ou o ridículo. A ironia, ao exigir códi­gos comuns para a compreensão, pode ser uma estratégia tãoexclusiva como o ridículo. É uma força tão potencialmente con­servadora camo o riso correctivo, escarnecedor. A paródia queexibe ironia para estabelecer a distância crítica necessária paraa sua definição formal, trai também uma tendência para o con­servadorismo, apesar do facto de ter sido louvada como o para­digma da revolução estética e da mudança histórica. É para esteparadoxo da paródia que nos dirigiremos agora.

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O PARADOXO DA PARÓDIA

Uma arte vil.

Matthew Amald

Uma arte nobre.

Sir Owen Seaman

Imitando abertamente a arte mais que a vida, a paródia chama­-nos a atenção autoconscientemente e autocriticamente para a suaprópria natureza. Mas, muito embora seja verdade que a paró­dia convida a uma leitura mais literal e literária de um texto,não está, de modo nenhum, desligada do que Edward Said (1983)designa por o «mundo», porque todo o acto da énonciation seencontra env<1lvidona activação da paródia. O status ideológicoda paródia é subtil: as naturezas textual e pragmática da paródiaimplicam, ao mesmo tempo, autoridade e transgressão e ambasdevem ser tomadas em consideração. Para nos servirmos das cate­gorias da lógica filosófica, a linguagem dos textos paródicos sub­verte a tradicional distinção menção/utilização: isto é, refere-sea si mesma, quer àquilo que designa ou parodia. Sendo a paró­dia tão abertamente interdiscursiva e «de voz dupla», não é de

surpreender que tenhamos vindo a testemunhar ultimamente umarevalorização da obra de Mikhail Bakhtin, o formulador da poli-

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fonia literária e do dialogismo, para quem a paródia é «um híbridodialogístico intencional. Dentro dela, linguagens e estilosiluminam-se activa e mutuamente» (1981, 76). Para Bakhtin, aparódia é um modo relativizador, desprivilegiante. Vimos que,segundo a sistematização de Todorov (1981, 110) da terminolo­gia não sistemática de Bakhtin, a paródia é uma forma difónica,passiva e divergente de discurso representado.

Dado que Bakhtin privilegiava o género romance, este capí­tulo manterá, na sua maior parte, esse âmbito genérico. Há outrarazão para esta limitação: é que estou convencida de que muitasdas formas narrativas ficcionais de hoje são, de facto, uma ver­são muito extrema e autoconsciente do romance tal como é defi­

nido pelo próprio Bakhtin: como uma forma paródicaauto-reflexiva, não monológica. No entanto, a paródia em gerale grande parte da ficção moderna foram vítimas das mais seve­ras censuras por parte de Bakhtin. A questão é: porquê? Nãohá dúvida de que algumas teorias do romance se poderiam con­siderar auto-restritivas no sentido de deverem, logicamente, ter­minar na valorização de uma forma particular. Auerbach, porexemplo, escreveu Mimesis (1957), partindo da posição implí­cita de que o realismo francês oitocentista é o único realismoverdadeiro, e que, portanto, todas as tentativas anteriores a Stend­hal não são mais que imperfeitos passos en route, e que quais­quer tentativas posteriores são sinais do seu declínio. Brecht(1974) acusava Lukács de fazer umjétiehe de uma forma literá­ria historicamente relativa - a mesma ficção realista oitocen­tista - exigindo depois, dogmaticamente, que toda a outra artese conformasse a este modelo. E Ian Watt (1966) restringe detal forma a sua definição normativa do género do romance queacaba por deixar espaço apenas para um romancista real ­Samuel Richardson. Só um romancista moderno escapou à repro­vação que Bakhtin faz da literatura pós-renascentista; Dos­toievsky. No entanto, ao contrário dos outros críticosmencionados, Bakhtin oferece-nos um paradoxo: as suas várias«teorias», se é que podemos utilizar tal nome para designar seme­lhante não sistematização deliberada são potencialmente muitomais plurais e abertas. São os seus próprios termos de aplicaçãoque ameaçam pôr limites à viabilidade dos conceitos. Adoptarservilmente as declarações específicas de Bakhtin acerca da paró­dia (isto é, imitar a prática dele) é ser vítima do arbitrário e domonolítico, para não dizer monológico, existente nessas decla-

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rações; adaptar, por outro lado, é abrir uma das mais sugesti­vas caixas de Pandora que este século produziu.

Da caixa de Bakhtin poderia emergir uma pletora de aborda­gens inovadoras de uma nova colecção de escritos, em especialda literatura modernista e pós-modernista, atendendo a que ambassão frequentemente paródicas em forma e intenção. Contudo,o próprio Bakhtin teve poucas palavras de elogio para a paródiamoderna:

[... ] nos tempos modernos, as funções da paródia sãoestreitas e improdutivas. A paródia tornou-se doentia, oseu lugar na literatura moderna é insignificante. Vivemos,escrevemos e falamos, hoje em dia, num mundo de lin­guagem livre e democratizada; a hierarquia complexa emultinivelada de discursos, formas, imagens e estilos quecostumavam permear todo o sistema de linguagem oficiale da consciência linguística foi varrida pela revolução lin­guística da Renascença.

(1981,71)

Mas temos vindo a observar que, hoje em dia, as nossas for­mas culturais são mais, e não menos, auto-reflexivas e paródi­cas do que alguma vez o foram. Talvez, então, não acom­panhemos o Bakhtin utópico e não vivamos ou escrevamos hoje:num contexto linguístico que seja livre e democrático. É certoque os poetas e romancistas italianos radicais do princípio dosanos sessenta, cujo grito trocista era asemanticità, conduziramo ataque contra aquilo que viam como a reificação linguísticacausada pelo neocapitalismo burguês (Manganelli 1967). Talveza nossa linguagem seja democratizada, hoje, apenas no sentidode ter sido totalmente burocratizada. Mas, nesse caso, a batalhaseria ainda CQntrauma linguagem oficial - quer dizer, uma bata­lha contra o balbuciar (babble) uniforme e sem sentido (uma Babeiinvertida). Talvez estejamos, então, a testemunhar hoje, na revi­vência das formas paródicas, a preparação de uma nova cons­ciência linguística e literária, comparável ao papel que a paródiadesempenhou, segundo Bakhtin, na sociedade medieval e renas­centista.

Com efeito, poder-se-ia argumentar que o interesse por Bakhtin,hoje em dia, não emana originalmente de qualquer aplicaçãomecânica das suas teorias, mas antes da relevância para o con-

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temporâneo das suas observações sobre a literatura e sociedademedievais e renascentistas. É, não obstante, importante reconhe­cer as implicações do contexto histórico e local de Bakhtin parapoder compreender a sua rejeição do contemporâneo. Por outraspalavras, não podemos esquecer-nos de que era a literatura con­temporânea que os seus coevos formalistas e marxistas promo­viam. Muito embora isto seja uma reacção auto distintiva naturalda parte de Bakhtin, não deveríamos aceitar hoje essas censurascomo leis, pois isso seria ignorar a lição do próprio Bakhtin acercada historicidade singular de cada elocução. Deveríamos olharpara o que as teorias sugerem, e não para o que a prática nega,pois dentro da própria natureza muito pouco sistemática e, comfrequência, vaga dessas teorias reside o seu poder de sugestãoe provocação.

(Um breve exemplo ilustrará esta tensão em Bakhtin entre teoriae prática, entre sugestividade e restrição. Em lhe PoliticalUnconscious (1981), Fredric Jameson parece achar que Bakhtintrabalha apenas num contexto especializado (momentos especí­ficos de carnaval). Consequentemente, Jameson procura expan­dir o dialogismo para a estrutura do discurso de classe,adicionando a qualificação de que «a forma normal do dislógicoé essencialmente uma forma antagónica» (84). Mas, na discus­são teórica do seu trabalho sobre Dostoievsky, Bakhtin frisa quea disputa faz, por definição, parte da relação dialógica (1973,152). Não obstante, quando ele olha de facto para uma situaçãoespecífica (o carnaval renascentista ou medieval), na prática, opólo negativo da «ambivalência» dialógica desaparece. A tendên­cia utopista de Bakhtin é sempre para fazer cair o negativo nopositivo: a morte dá lugar ao renascimento; a escatologia e a obs­cenidade reafirmam o corpo vital. Jameson deixa-se atrair exac­tamente por este impulso utopista de Bakhtin, mas - reagindoà tonalidade esmagadoramente positiva da sua prática - sentea necessidade de acrescentar um polo negativo para criar umaverdadeira relação antagónica. No entanto, a teoria de Bakhtininclui já esta estrutura).

Na sua teoria, portanto, tal explicaria uma abordagem frutuosa(tanto formal como ideológica) a essa moderna colecção de escri­tos que a sua prática teria rejeitado. A metaficção caracteriza-se,decididamente, por uma utilização irónica, muito bakhtiniana,de formas paródicas: pensamos imediatamente nas obras de JohnFowles ou John Barth e na sua aberta evolução histórica a partir

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de formas literárias anteriores. Bakhtin argumentava que oromance em prosa europeu tinha nascido e desenvolvera-se atra­vés de um processo de tradução livre e transformadora das obrasde outros (Bakhtin 1978, 193). Ele achava também que o romanceera único como género e na sua capacidade de interiorizar ouconstituir uma autocrítica da sua própria forma (444). O romancequ ele tanto prezava pela sua faculdade autocrítica, Don Qui­xote, facilmente poderia ser visto como o antepassado directodas investigações metaficcionais contemporâneas da relação dodiscurso com a realidade. Além disso, os romances auto­-representativos de hoje, em razão da sua utilização da paródia,são ainda mais aberta e funcionalmente polifónicos em estruturae estilo do que a obra de Dostoievsky alguma vez foi.

É a teoria de Bakhtin, se não sempre a sua prática, que per­mÍte que se olhe para a paródia como uma forma de discurso«de direcção dupla» (1973, 153). Os teorizadores recentes da inter­textualidade têm argumentado que semelhante dialogismo inter­textual é uma constante de toda a literatura de vanguarda. SegundoLaurent Lenny (1976, 279), o papel dos textos autocons­cientemente revolucionários é reelaborar os discursos cujo pesode tornou tirânico. Não se trata de imitação; não se trata de umdomínio monológico do discurso de outrem. Trata-se de uma rea­propriação paródica, dialógica, do passado. A paródia da meta­ficção pós-modernista e as estratégias retóricas irónicas quepatenteia são talvez os exemplos modernos mais nítidos do termobakhtiniano «de voz dupla». A sua dupla orientação textual esemântica torna-os centrais para o conceito de Bakhtin [(Bakh­tin) Volosinov 1973, 115] de «discurso indirecto» como discursodentro do e acerca do discurso - o que não é uma má definiçãode metaficção. As duas vozes textuais da ficção irónica e paró­dica combinam-se dialogicamente; não se anulam uma à outra.Quer na filo"!;ofiade alteridade de Bakhtin, quer no seu modelodialógico formal, existe uma separação radical, apesar da media­ção. (Talvez que em semelhante conceito reside a possibilidadede uma nova abordagem de um discurso feminista sobre o silen­ciado e o dominante (Booth 1982; Showalter 1981).

Tal como o carnaval renascentista e medieval de Bakhtin (Bakhtin1968) (e, poderíamos nós acrescentar, tal como a peifonnance artdos anos 70), a metaficção moderna existe na fronteira autocons­ciente entre a arte e a vida, traçando pouca distinção formal entreactor e espectador, entre autor e leitor co-criador (Hutcheon 1980).

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o segundo mundo invertido, alegre, do carnaval, segundo Bakh­tin, existia por oposição à cultura eclesiástica séria e oficial, talcomo a metaficção de hoje contesta a ilusão novelística do dogmarealista e intenta subverter um autoritarismo crítico (contendodentro de si o seu próprio comentário crítico). A ambivalênciae carácter incompleto dos romances contemporâneos lembra asqualidades semelhantes do carnaval e do grotesco romântico, con­forme definidos por Bakhtin. Num romance como BeautifulLosers, de Leonard Choen, as inversões sociais e literárias sãotipicamente carnavalescas: a religião do espírito dá lugar à reli­gião da carne, completada com os seus próprios santos (estrelasde cinema sexy) e textos sagrados (pornografia e manuais desexo). O discurso da igreja oficial - especificamente o da ora­ção e das crónicas jesuíticas - é parodicamente invertido emforma e conteúdo. Há uma transferência específica e por ata­cado do plano ideal, elevado e espiritual para a realidade mate­rial e corporal da vida.

É deste modo que, apesar das limitações da opinião deBakhtin sobre a paródia moderna, muitas das suas observa­ções teóricas sobre o carnaval primitivo são surpreendentementeadequadas e esclarecedoras em relação à situação estética e socialcontemporânea. Existem, talvez, razões históricas para esta rápidaadaptabilidade. A metaficção contemporânea, como vimos, existe- tal como o carnaval - nessa fronteira entre a literatura e a

vida, negando enquadramentos e ribaltas. Como tal, partilhado «novo sistema de perjormance» do pós-modernismo (Bena­mou 1977, 6). Tanto a sua forma como o seu conteúdo podemoperar subvertendo as estruturas autoritárias lógicas, formalis­tas. A abertura ambivalente da ficção contemporânea talvez sugiratambém que os mundos medieval e moderno podem não ser tãofundamentalmente diferentes como gostaríamos de pensar.As inversões carnavalescas de normas podiam muito bem ter umafonte em comum com os desafios metaficcionais subversivos a

convenções novelísticas: sentimentos de insegurança face querà natureza, quer à ordem social. O medo é a emoção que maiscontribui para o poder e a seriedade da cultura oficial, segundoBakhtin. Vivemos hoje no medo das consequências do queos nossos antepassados designavam, sem ironia, por «progresso»:urbanização, tecnologia, etc. Também nós desenvolvemosformas «festivas-populares» como resposta a isto. Mas chama­mos à nossa cultura folclórica de hoje pop; Andy Warhol,

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os Rolling Stones ou o fenómeno punk assinalam o protestourbano.

Contudo, existe hoje em dia uma divergência muito significa­tiva da visão que Bakhtin tem do mundo medieval: infelizmente,não testemunhámos - pelo menos por enquanto - aquilo a queo marxista utópico Bakhtin chamava a «vitória do povo» e o renas­cimento de uma nova «imortalidade» popular (1968, 256).Ao invés, a nossa cultura pop, não obstante toda a sua reconhe­cida vitalidade, continua a parecer representar a nossa crescentealienação. Romancistas e poetas como Leonard Cohen tornam-sedeliberadamente cantores pop num a tentativa de chegar ao povomas, mesmo assim, o pessimismo irónico vem substituir o uto­pismo optimista de Bakhtin. A sua visão positiva da ambivalên­cia e do carácter incompleto é muitas vezes negativada hoje,à medida que se transformam em anarquia e confusão.

Esta inversão irónica da perspectiva confiante de Bakhtin deve­ria actuar como aviso quanto às nossas tentativas de aplicar assuas teorias à cultura contemporânea. Temos de lembrar-nos deque os conceitos dele têm sempre raízes na História, na especi­ficidade de tempo e lugar. No entanto, ao discutir o caso parti­cular do carnaval medieval, Bakhtin parece ter desvendado o quecreio constituir outro princípio subjacente a todo o discurso paró­dico: o paradoxo da sua transgressão autorizada das normas.Bakhtin descreve o carnaval subversivo como sendo realmente

«consagrado pela tradição», quer social, quer eclesiástica (1968, 5).Portanto, embora este festival popular e as suas formas mani­festas existam fora de «formas cerimoniais e de culto oficiais,eclesiásticas, feudais e políticas sérias» (5), ao serem assim, pos­tulam de facto essas mesmas normas. O reconhecimento do

mundo invertido exige ainda um conhecimento da ordem domundo que inverte e, em certo sentido, incorpora. A motivaçãoe a forma do carnavalesco derivam ambas da autoridade: a

segunda vida do carnaval só tem sentido em relação com a pri­meira vida oficial. Bakhtin escreve: «Enquanto dura o carnaval,não existe qualquer outra vida fora dele» (7). Talvez seja ver­dade; mas esse «enquanto» é significativo. A igreja medieval podeter tolerado, legalizado, talvez até preservado ou criado, as for­mas carnavalescas, mas fê-Io apenas por um espaço de tempopermitido. Segundo as palavras de Bakhtin: «Por oposição à festaoficial, poder-se-ia dizer que o carnaval celebrava temporaria­mente a libertação da verdade prevalecente e da ordem estabe-

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lecida; marcava a suspensão de toda a classe hierárquica, privi­légios, normas e proibições» (10). De notar que Bakhtin fala em«suspensão temporária» e não em destruição permanente das nor­mas «prevalecentes». As inversões sociais (tais como a coroa­ção de loucos) e literárias paródicas eram ambas transgressõestemporárias e o riso à custa delas «era absolutamente não ofi­cial, mas, não obstante, legalizado» (89). O disfarce paródicoera utilizado para ocultar, não para destruir, a palavra sagrada(1978,429): Bakhtin cita uma afirmação teológica do século xvque admite que «permitimos a loucura em certos dias para quepossamos mais tarde voltar com maior zelo ao serviço de Deus»(1968, 75). Séculos depois, William Hone foi absolvido de acusa­ções de blasfémia (contra a sua paródia às Escrituras numa sátirapolítica) com base em que não tinha, de facto, ridicularizado aBíblia em nenhum sentido. A sua transgressão, por outras pala­vas, era autorizada num outro sentido ainda (Priestman 1980,20).

Este paradoxo da subversão legalizada, embora não oficial,é característica de todo o discurso paródico na medida em quea paródia postula, como pré-requisito para a sua própria exis­tência, uma certa institucionalização estética que acarreta a acei­tação de formas e convenções estáveis e reconhecíveis. Estasfuncionam como normas ou regras que podem ser - e logo, evi­dentemente, serão - quebradas. Ao texto paródico é concedidauma licença especial para transgredir os limites da convenção,mas, tal como no carnaval, só pode fazê-Io temporariamente eapenas dentro dos limites autorizados pelo texto parodiado ­quer isto dizer, muito simplesmente, dentro dos limites ditadospela «reconhecibilidade». Muito embora Roland Barthes (1974, 45)tenha argumentado que qualquer multivalência textual era, defacto, uma transgressão de propriedade, foi esta qualidade par­ticularmente legitimada da multivalência paródica que o levoua denegrir a paródia como discurso «clássico», a sua versãoda consolidation de la loi, de Kristeva (1969). (Em nome deBakhtin, Kristeva procurou denegrir a paródia. Ela contrastaaquilo que vê como a teoria de Bakhtin de uma «transgressãodando uma lei a si mesma» com o princípio da literatura paró­dica de uma «lei antecipando-se à sua própria transgressão»(Kristeva 1980a, 71). Esta última frase é, no entanto, tão des­critiva da obra de Bakhtin como a primeira.

Mas a paródia também pode ser vista como uma força amea­çadora, anárquica até, que põe em questão a legitimidade de

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outros textos. Ela «desrealiza e destrona normas literárias»

(Shlonsky 1966, 799). A outro nível, a apropriação (empréstimoou plágio) da propriedade de outrem põe em questão o statusaceite da arte como bem individualizado (Buchloh 1983, 191).Não obstante, as transgressões da paródia permanecem, em últimaanálise, autorizadas - autorizadas pela própria norma que pro­cura subverter. Mesmo ao escarnecer a paródia reforça; em ter­mos formais, inscreve as convenções escarnecidas em si mesma,garantindo, consequentemente, a sua existência continuada.É neste sentido que a paródia é o guardião do legado artístico,definindo não só onde está a arte, mas de onde ela veio. Ser umguardião, todavia, como revelou a arquitectura pós-modernista,pode ser uma posição revolucionária; a questão é que nãoprecisa de o ser.

O melhor modelo histórico deste processo paradoxal de trans­gressão autorizada na paródia poderia ser a peça satírica grega.Esta era apresentada após uma trilogia de tragédias, e essencial­mente reelaborava, em forma cómica, o material sério das trêspeças que a precediam. Esta peça satírica era, desta forma, legi­timada e tornada canónica como as próprias tragédias (Bakhtin1978,412). Da mesma forma, no contexto cristão, a autoridadepor detrás da primitiva parodia sacra tinha uma força parti­cular, uma vez que a autoridade era a Palavra de Deus ou dosSeus representantes na terra. A paródia não é, pois, apenas repe­tição; a sua imitação acarreta sempre diferenciação (Ganette 1979,84), e a sua autoridade legitimadora depende da sua anteriori­dade para obter o seu status. Foi esta conjunção de repetição eprioridade que levou aos esclarecimentos psicanalíticos da paródiae da imitação (Bloom 1973; Compagnom 1979, 395). A natu~reza da autoridade legitimadora na paródia é nitidamente umassunto complicado.

Por vezes, 'Í1 obra parodiada é uma obra risível, pretensiosa,à espera que a esvaziem; mas, as mais das vezes, são as obrascom muito êxito que inspiram paródias. Com frequência, onúmero de paródias atesta uma influência penetrante (Joseph­son 1975). Quinze paródias diferentes a L 'Assomo ir, de Zola,foram levadas à cena nos primeiros oito meses de 1879, incluindouma da autoria da próprio Zola (Morgan e Pages 1980). Nosséculos XVIII e XIX, paródias às óperas mais populares apare­ciam com frequência em palco, ao mesmo tempo que o original.Der Freischütz (1821), de Weber, foi parodiado em 1824 por

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Samiel, oder die Wunderpille. Esta paródia alemã foi traduzidapara dinamarquês e sueco - indício óbvio da sua popularidade.No mesmo ano, uma paródia inglesa foi levada à cena em Edim­burgo, com o título «Der Freischütz», a new muse-sick-all andsee-nick perjormance from the new German uproar. As óperaspopulares de Wagner pareceram especialmente propensas à paró­dia: Tannhiiuser (1845) foi retomada pelos franceses com o nomenão muito subtil Ya-Mein-Herr, Cacophonie de l'Avenir, en 3actes entr'acte mêlée de chants, de harpes et de chiens savants.O seu Tristan und [solde foi parodiado por Tristanderl und Süss­holde ainda antes de ser levada à cena (Rosenthal e Warrack 1964,301-2). Para alguns críticos, a paródia faz com que o originalperca em poder, pareça menos dominante; para outros, a paró­dia é a forma superior porque faz tudo o que o original faz- e mais ainda. Não há dúvida que este último tipo de audiên­cia ou leitor se deliciaria com a ópera do século XIX ou com aliteratura da viragem do século da França ou da América con­temporânea, ao passo que os outros acham todo este discursosobrecodificado um sinal de decadência.

Esta reacção contraditória não é, no entanto, apenas uma ques­tão de gosto pessoal. As suas raízes encontram-se na bidireccio­nalidade da legitimação da própria paródia. A pressuposição querde uma lei, quer da sua transgressão, bifurca a pulsão da paró­dia: ela pode ser normativa e conservadora, como pode serprovocadora e revolucionária. A sua pulsão potencialmente con­servadora pode ser vista em ambos os extremos do âmbito deethos, reverência e escárnio: a paródia pode sugerir uma «cum­plicidade com a cultura elevada [... ] o que mais não é que umamaneira ilusoriamente improvisada de mostrar um profundo res­peito por valores clássicos nacionais» (Barthes 1972b, 119), comopode surgir como forma parasítica, escarnecendo da novidade,na esperança de precipitar a sua destruição (e, implicitamente,a sua própria também). Mas a paródia também pode, como ocarnaval, desafiar as normas, com vista a renovar, a reformar.Na terminologia de Bakhtin, a paródia pode ser centrípeta - istoé, ter uma influência homogeneizante, hierarquizante. Mas tam­bém pode ser centrífuga, desnormativa. E julgo que é o para­doxo da sua transgressão autorizada que está na origem destaaparente contradição. A paródia é normativa na sua identifica­ção com o outro, mas é contestatária na sua necessidade edipianade distinguir-se do outro anterior.

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Esta ambivalência, estabelecida entre repetição conservadorae diferença revolucionária, faz parte da própria essência para­doxal da paródia; assim, não é de surpreender que os críticosnão se encontrem de acordo relativamente à intenção da paró­dia. Como vimos no capítulo anterior, existem muitas formaspossíveis do ethos da paródia: pode pretender-se inocentementereverente? Ridicularizadora? Didáctica? Memónica? Irónica?

Aceita ou resiste ao outro? Seja como for, é evidente que o pró­prio acto de parodiar investe o outro, simultaneamente, de auto­ridade e de um valor de troca em relação às normas literárias.Estas normas são como normas sociais, no sentido de serem cons­truções humanas que constituem autoridade apenas para aquelesque as construíram ou, pelo menos, aceitaram como a priori.De Chaucer a Ben Jonson, passando pelos irmãos Smith oito­centistas, as paródias foram utilizadas na literatura inglesa como meio de controlo dos excessos da moda literária; a escaladade formas vanguardistas, em particular, deu a estes escritoresqualquer coisa sobre a qual exercitar o seu conservadorismo paró­dico. Disse-se já que a paródia inglesa do século XIX represen­tava «a aversão espirituosamente expressa do universitário pelaarte que, ou em sentimento ou em técnica, se afasta demasiadoda tradição cultivada da tribo» (Kitchin 1931, 298). É óbvio queas normas literárias dependem, até certo ponto, da homogenei­dade social e cultural. Isto é igualmente verdadeiro noutros sen­tidos. Muito embora a comédia tenha sido aceite outrora como

forma literária eticamente responsável, os críticos ingleses oito­centistas (como Matthew Arnold), que achavam que a poesiatransmitia uma mensagem ética, não condescendiam com a paró­dia, pois ela parecia subverter a dignidade da arte.

A pulsão conservadora da paródia levanta uma questão geralmuito importante. Até que ponto podemos separar juízos literá­rios de juízoS"sociais ou ideológicos projectados? Northrop Fryenega tal possibilidade:

Qualquer hierarquia de valores deliberadamente construídade que eu tenha conhecimento baseia-se numa analogiasocial, moral ou intelectual oculta. Isto aplica-se quer a ana­logia seja conservadora e romântica, como é em Arnold,quer seja radical, dando o lugar de topo à comédia, à sátirae aos valores da prosa e da razão, como em Bernard Shaw

(1970, 23)

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o facto de termos dificuldade em separar juízos de valor esté­ticos e ideológicos reflecte-se directamente nessa confusão taxo­nómica que vimos entre a paródia literária e a sátira social,confusão que persiste em muita da crítica literária (ver, por exem­plo, Rose 1979, 44-5). Bakhtin (1978, 414) tinha razão quandochamava a atenção para o facto de a paródia grega não funcio­nar com heróis e guerras, mas com a sua «heroicização» literá­ria (épica ou trágica). Por outras palavras, as falhas, errose absurdos que a paródia muitas vezes revela no seu conteúdo(ou nas implicações morais da sua forma) são satíricas. Se, naCambridge do século XIX, a paródia, por vezes, se assemelhavaa uma homenagem cavalheiresca, nos séculos anteriores mostrara-seigualmente uma potente arma política. A sátira e a paródia têm,como vimos, uma afinidade natural. Para utilizar os excelentestermos de Frye (1970, 229), excêntricos com ideias novas, ou

~...;;;-.- convenções estabelecidas, inventadas por excêntricos mortos, for­!I"-t" necem alvos particularmente atraentes para a paródia literá­~~ ria e a sátira social, quer separada, quer conjuntamente. ComoI' :.} exemplo, basta pensarmos numa peça musical popular como a, ': versão rock de Jimi Hendrix de The Star-Spangled Banner.

:2; No contexto do protesto contra a guerra do Vietname, a modula-~ ção na canção de uma distorção paródica da glória mutilada do

u:: hino nacional americano para a melodia militar apropriadamenteLL. irónica de The Las Post» tinha uma intenção obviamente satírica.""'._ Talvez não seja, pois, de surpreender que tenha havido uma

01..... estreit~ l~gação históri,c~ entre a censu~a política e a denigra?ãoca· da parodIa. Como a satua se serve mUltas vezes de formas hte­(1); rárias paródicas, a paródia é muitas vezes oficialmente triviali-

zada para amordaçar a crítica subversiva da sua sátira (Rose 1979,31-2, 169). Não pretendo, com isto, sugerir que a paródia sejaapenas sátira literária ou artística: o âmbito de tom e intençãoda paródia, como vimos no último capítulo, é, de longe, maisextenso do que semelhante visão permitiria. A paródia invocaantes uma distanciação crítica autoconsciente em relação ao outroque pode ser usada como um dos mecanismos retóricos para indi­car ao leitor que procure padrões ideais imanentes, ainda queindirectos, cujo desvio deve ser satiricamente condenado na obra.Em certo sendio, Nabokov tinha razão quando dizia: «A sátiraé uma lição, a paródia é um jogo» (1973, 75). A sátira não auto­riza, mas ridiculariza a transgressão de normas sociais, emborapossa legitimar parodicamente normas literárias.

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Um bom exemplo seria o romance de Fielding Joseph Andrews,a que muitas vezes se tem chamado uma paródia à Pamela, deRichardson. Eu sugeriria, no entanto, que se trata de facto deuma paródia satírica a Pamela e uma paródia respeitosa a DonQuixote (o seu subtítulo é «escrito à maneira de Cervantes»). Talcomo a sua outra obra, Shamela, o Joseph Andrews, de Fiel­ding, satiriza os pressupostos da classe média de Richardson.Ao alterar, por ligeiramente que seja, cada expressão ou situa­ção equívocas em Pamela, Fielding revela a vulgaridade da jovemque ele julga ser uma meretriz conivente, Claro que também éverdade que, ao parodiar um certo estilo de escrita, um autorcomo Swift pode satirizar os hábitos mentais e literários implí­citos nessa maneira. Rime of Sir Thomas, de Chaucer, é umaparódia aos contos de cavalaria a metro, mas é igualmente umasátira da instituição social por detrás do sistema da cavalaria.Nas primeiras obras de Jane Austen há uma tensão entre o desejode exorcizar os clichés ingénuos da ficção sentimental «das mulhe­res» e a sua relutância ou incapacidade de o fazer. Susan Gubarargumentou que a melhor via para Austen inculpar a patriarquialiterária e social era parecer inofensiva. Por exemplo, emNorthanger Abbey (A Abadia de Northanger), Austen parodiaas convenções góticas, apoiando-se, não obstante, nelas para aforma que dá ao seu romance. Como resultado, consegue rein­vestir o «gótico feminino» de autoridade derivada da interacçãoda paródia com a sátira: a verdadeira causa da reclusão das mulhe­res não são os muros ou a dependência financeira, mas uma edu­cação errada - uma lição que a Isabella de Wuthering Heights(O Monte dos Vendavais), de Emily Bronte, ilustra tragicamente(Gilbert e Gubar 1979, 123-35,288). A sátira tende a defendernormas; ridiculariza para levar o desvio a concordar - ou costu­mava fazê-Io. O «humor negro», a forma mais comum de sátira,hoje em dia, parece a muita gente ser um humor defensivo, dechoque, um humor de normas perdidas, de desorientação, de con­fiança perdida (Dooley 1971).

O problema, aqui, reside no facto de um escritor, para pôrem questão normas literárias ou sociais, ter de ser capaz de assu­mir uma certa homogeneidade cultural, como veremos mais deta­lhadamente no capítulo seguinte. No entanto, deste requisitoemana o facto de algumas paródias e a maior parte das sátiraspoderem ser «datadas» mais ou menos rapidamente. Tanto asinter-relações dos dois géneros como as suas limitações históricas

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ou pontos de referência serão mais claros se observarmos umbreve exemplo que obtém - na realidade, quase exige - as com­petências literárias e ideológicas de um leitor especificamentebritânico. Idealmente, o leitor da paródia da autoria de WendyCope ao famoso Soneto 55 de Shakespeare deveria estar cientenão só das instituições sociais inglesas contemporâneas, comotambém do facto literário de os sonetos de Shakespeare seremjá por si paródicos em relação às tradições petrarquiana e clás­sica. Recordemos o soneto 55:

Not marble, nor the gilded monumentsOf princes, shall outlive this powerful rhyme;But you shall shine more bright in these contentsThan unswept stone, besmeared with sluttish time.When wasteful war shall statues overturn,And broils root out the work of masonry,Nor Mars his sword nor war's quick fire shall burnThe living record of your memory.«Gainst death and all-oblivious enmityShall you pace forth; your praise shall stil! find roomEven in the eyes of all posterityThat wear this world out to the ending doom.So, til! the judgement that yourself arise,You live in this, and dwell in lovers» eyes.

A paródia de Cope diz:

Not only marble, but the plastic toysFrom cornflakes packets wil! outlive this rhyme:I can 't immortalize you, love ~ our joysWil! lie unnoticed in the vault oftime.When Mrs Thatcher has been cast in bronzeAnd her administration is a pageIn some O-level text book, when the donsHave analysed the story of our age,When travel firms sell tours of outer spaceAnd aeroplanes take oi! without a soundAnd Tulse Hil! has become a trendy placeAnd upper Norwood's on the undergroundYour beauty and my name will be forgottenMy love is true, but all my verse is rotten.

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A interacção particular do satírico e social com o paródicoe literário neste breve exemplo é paradigmático. MarshallMcLuhan também notou que, quando «Dryden traçou um para­lelo com a narrativa do Antigo Testamento do Rei David e Absa­lão no seu Absalom and Achitopel estava a criar um paralelo entreo contemporâneo e o passado que emprestava grande força à crí­tica política do presente» (McLuhan e Watson 1970, 168-9).A epopeia cómica neoclássica é de facto, em geral, exactamenteesta remodelação de formas épicas para fins satíricos - dirigi­dos, contudo, não contra o modelo épico, mas contra os costu­mes ou a política contemporâneos.

Passar destes exemplos de conservadorismo potencial da paró­dia para a situação criada pela metaficção contemporânea é comoachar que hoje nos encontramos naquilo a que Robert Scholes(1969,269) chamou «uma linha divisória ideológica», compará­vel à do final do período favorito de Bakhtin, o fim da IdadeMédia e início da Renascença. Mas essa anterior confiança (con­servadora?) nos modos humanos de conhecer, compreender,controlar-se - e até sobreviver - parece faltar hoje em dia. Jun­tamente com isto, desapareceu a nossa capacidade ou boa von­tade para estabelecer, com qualquer certeza, hierarquias de valor,quer estéticas, quer sociais. O «elitismo» que caracterizou, nes­tes dois níveis, o modernismo literário - o seu respeito pela formae construção, e também pela razão e pela «verdade» psicológica ­foi desafiado pela literatura pós-modernista. O valor conserva­dor do controlo cedeu o passo àquilo que alguns acham ser anar­quia e acaso (Hoffmann, Hornung, Kunow 1977).

Por certo que uma das formas mais manifestas da contestaçãoparódica ao «elitismo» modernista, ou melhor, ao academismotem sido a tentativa, por parte da ficção recente, de destruir aseparação arnoldiana oitocentista entre alta e baixa cultura, res­tituindo à literatura «uma consciência do teor e (função) sexual,racial e de classe de toda a arte» (Pütz 1973, 233). O potencialhiato social e intelectual entre autor e leitor é supostamente trans­posto, ou pelo menos reduzido, por um romance que admite aber­tamente que só existe na medida em que (e enquanto) é lido, eque deve ser lido contra um cenário cultural acessível (porquetextualmente incorporado). Típico desta nova espécie de ficçãoauto-reflexiva alta/baixa é a obra paródica de Tom Robbins.Há duas epígrafes ao seu Even Cowgirls Get the Blues, uma deWilliam Blake e outra de Roy Rogers. Se, actualmente, é porque

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as artes populares se interiorizaram, incorporadas nas formassérias, democratizando as hierarquias inspiradas nas classes deuma época anterior. Neste sentido, podemos estar, na realidade,a testemunhar uma variedade da (ou variação sobre a) inversãoparódica carnavalesca de Bakhtin e o triunfo do povo.

O romance de hoje tem sido uma entre muitas formas dearte que se viraram para a arte e a cultura populares tendo comoobjectivo esta democratização e potencial revitalização. Isto nãoé de surpreender, uma vez que o próprio romance foi uma dasprimeiras formas «classe média» ou (em termos setecentistas)populares da literatura. Tal como as formas folclóricos festivo­-populares» da Idade Média e da Renascença que Bakhtin refere,as formas da arte pop utilizadas na ficção contemporânea sãoparodicamente subversivas dos conceitos elitistas, «superiores»,da literatura: deparam-se-nos livros de quadradinhos, filmes deHol1ywood, canções populares, pornografia, etc., que são utili­zados parodicamente no romance de hoje. No entanto, pode dizer­-se que estas transgressões de normas literárias e sociais, apesarde toda a sua sugestão revolucionária, permanecem legalizadaspela autoridade, tal como a música pop não é popularizado pelosjovens que a compram tanto quanto o é pelas autoridades quemanipulam o seu consumo - os editores e peritos de marketingde Nova Iorque (que pré-censura e mercadejam simultaneamente),companhias editoras multinacionais e até estações de rádiocomerciais.

O romance contemporâneo que incorpora parodicamente for­mas de arte, altas e baixas, é outra variante daquilo que Bakhtinapreciava na ficção: o dialógico ou polifónico. Tom Robbinsinverte as convenções literárias e sociais do género westem popu­lar para nos dar o Rubber Rose Ranch «<omaior rancho só demulheres do Oeste»), um índio citadino de Nova Iorque e um con­ceito muito pouco casto e muito pouco viril de amor (cowgirliano)como jogo sexuallésbico. Da mesma forma, a relação (de celi­bato) entre o cowboy e o seu cavalo que se encontra na medulado westem heróico é subvertido na paródia de Robert Kroetsch,em The Studhorse Man, pela obsessão de Hazard Lepage pelafertilidade equina. A incorporação operada por Margaret Atwood,em Lady Oracle, das estruturas e convenções tanto da «peça his­tórica gótica» ou romance popular, como do verso moderno, sério,hermético, funciona praticamente da mesma maneira que a paró­dia bakhtiniana na sua motivação e forma, na sua subversão auto-

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rizada de normas sociais e literárias. O mesmo se pode dizer dautilização por Hubert Aquin da estrutura do thriller de espiona­gem popular em Prochain Episode. Borges, Robe-Grillet e Nabo­kov são apenas alguns dos que se servem de versões paródicasdas estruturas do conto policial: Calvino, Carpentier e outrosservem-se dos modos da fantasia e da ficção científica. Outraforma que actua como frequente modelo paródico é a da porno­grafia, uma arte popular (de várias espécies) que põe os críticosainda menos à vontade, muito embora seja precisamente estaforma erótica que as intuições de Bakhtin sobre a valorizaçãocarnavalesca do «estrato inferior corporal material» iluminammelhor (Hutcheon 1983, 88-92).

São, todas elas, formas altamente convencionalizadas que setransformam em modelos, ou abertos ou disfarçados, dentro deobras metaficcionais, modelos que actuam como clichés narra­tivos que assinalam ao leitor a presença da autorepresentação tex­tual. Embora a paródia afirme claramente esta espécie deauto-reflexividade estética, não se trata do único mecanismo deauto-referencialidade actual. Há o perigo de utilizar a paródiacomo paradigma de auto-reflexividade, como vimos no primeirocapítulo com Parody//Metajiction, de Margaret Rose (1979).Ela foi, obviamente, influenciada por Bakhtin que achava quea forma polifónica do romance diferia da epopeia monológicana sua rejeição aberta de qualquer pretensão de autoridade oucarácter absoluto de sentido ou linguagem. É verdade que oromance autoconsciente de hoje faz o que a paródia sempre teveo potencial para fazer: isto é, segundo as palavras de um roman­cista, «deslocar, estimular e reincorporar a sua crítia - reuni-Ia,literalmente, à nossa experiência do texto» (Sukenick 1975, 430).A moderna metaficção é simultaneamente dialógica e verdadei­ramente paródica num grau maior e mais explícito do queBakhtin poderia ter reconhecido. Tal como acontece com o seuapreciado Don Quixote, a ficção auto-referencial de hoje tem opotencial para ser uma «autocrítica» do discurso na sua relaçãocom a realidade. Ao dizer isto, temos de lembrar-nos, mais umavez, de que não existe, não obstante, qualquer correlação neces­sária entre autocrítica e mudança ideológica radical.

Todavia, tal como o século XVI, o período pós-moderno temtestemunhado uma proliferação da paródia como um dos modosde auto-referência estética positiva, bem como de escárnio con­servador. Talvez a paródia possa florescer hoje por vivermos

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num mundo tecnológico em que a cultura substituíu a naturezacomo tema da arte (Hughes 1980,324). Uma das coisas que estesdois períodos largamente separados têm em comum, conformesugeri antes, é o sentido da instabilidade ideológica, de um desafioàs normas. Mas a paródia de hoje pode ser simultaneamente pro­gressiva e regressiva (Schlonsky 1966, 801). Bakhtin achava quea paródia primitiva preparava o caminho do romance, distan­ciando a linguagem da realidade, tornando aberto o artíficio que,de facto, define toda a arte. O que lemos hoje nas obras dessesmetaficcionistas obsessivamente paródicos e enciclopédicos ­de Jorge Luis Borges a Italo Calvino, de John Fowles a UmbertoEco - é o resultado lógico desta visão do engendramento doromance. Mas todas as suas transgressões paródicas se mantêmlegitimadas, autorizadas pelo próprio acto de inscreverem o textoparodiado que lhes serve de fundo, ainda que com distanciaçãocrítica de vários graus.

O que acontece quando ocorre uma transgressão não autori­zada? Suspeito que ela teria de ir além do jogo interlinguísticoe intertextual da Ada, de Nabokov. Talvez começasse com qual­quer coisa deste género: riverrun, past Eve and Adam 's, fromswerve to shore to bend ofbay, brings us by a commodius vicus ofrecirculation back to Howth Castle and Environs (Joyce 1959,3).Finnegans Wake, de Joyce, é mais que um simples extremo daparódia ou da auto-reflexibilidade. Não é apenas uma distorção.Penso que, aqui, chegámos o mais perto da subversão total queé possível, dentro dos limites flexíveis da compreensão. Não setrata de inversão legítima temporária; está mais próximo da per­versão permanente - que visa a conversão. A last word in stolentelling, de Joyce, poderia então soar deste modo: A waya lonea last a loved a long the ... riverrun past Eve and Adam 's...

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CODIFICAÇÃO E DESCODIFICAÇÃO:OS CÓDIGOS COMUNS DA PARÓDIA

Todo o escritor cria os seus próprios precursores.

A sua obra modifica a nossa concepção do passado,tal como modificará o futuro.

Jorge Luis Borges

Residirá a paródia no olhar do observador? A acentuação dadaà pragmática da paródia, bem como às suas propriedades formais,terá talvez sugerido que assim é. O reconhecimento e interpreta­ção da paródia são, obviamente, centrais a qualquer descrição dassuas funções. Não constituem, contudo, toda a história. No últimocapítulo, a questão da intenção codificada foi indirectamente intro­duzida, através do conceito de transgressão de normas. Poder-se-iaargumentar que, se não houve um desenvolvimento satisfatório deuma teoria da paródia até aqui, foi por não existir, hoje em dia,uma estrutura teórica adequada para tratar desse processo de pro­dução textual ou codificação da paródia. Talvez tenha chegadoo momento de repensar o nosso anti-romantismo modernista.

Apesar do facto de a maior parte dos nossos modelos esque­máticos para comunicação - de Jakobson (1960) a Chatman(1979) e Eco (1979) - darem a posição inicial da prioridade,

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à esquerda no diagrama, ao transmissor ou codificador, prosse­guindo depois, através do texto, para o receptor, à direita, pareceque temos hoje uma dificuldade considerável, na esteira do estru­turalismo e do pós-estruturalismo, em que discutir os produto­res de textos. No entanto, quando chamamos a alguma coisa umaparódia, postulamos alguma intenção codificadora que lance umolhar crítico e diferenciado r ao passado artístico, uma intençãoque nós, como leitores, inferimos então, a partir da sua inscri­ção (disfarçada ou aberta) no texto. Com reacção uma ênfaseromântica no criador originador (real), o formalismo crítico naliteratura acabou por vir a falar apenas de autores implícitos,os autores implicados pelo texto. Todavia, o texto pode impli­car o que lhe aprouver, e o leitor pode não «apanhar», mesmoassim, a implicação. Por esta razão, talvez seja mais verdadeiropara a nossa experiência de leitura da paródia falar do codifica­dor inferido e do processo de codificação. Mas esta manobra dedesvio não nos isenta ainda de ter de tratar do produtor textualda paródia, ainda que inferido por nós, como leitores.

A questão a ser considerada antes de o fazermos, no entanto,é a questão um tanto mais vasta do porquê de optarmos por nãodiscutir o acto de produção na crítica actual, do porquê de o con­siderarmos «antiquado» como conceito crítico dentro do nossopresente «modelo discursivo». Este último termo é uma revisãode uma noção foucaultiana, avançada por Timothy Reiss no seulivro, lhe Discourse of Modernism (1982): em qualquer dadotempo ou lugar uma teoria discursiva é dominante e, dessa forma,«fornece as ferramentas conceptuais que tornam a maioria daspráticas humanas significativas» (11). Contudo, este modelo teó­rico prevalecente é igualmente acompanhado por uma práticaforte, mas oculta, uma prática que gradualmente subverte omodelo, revelando na teoria tais contradições internas em con­flito que certas formas da própria prática começam a tornar-seferramentas de análise. A teoria dominante desde o século XVII,

argumenta Reiss, tem sido variadamente designada por positi­vista, capitalista, experimentalista, historicista ou moderna; Reisschama-lhe analítico-referencia!. A sua prática suprimida é a do«sujeito enunciador enquanto actividade discursiva» (42). Esteé o contexto mais vasto que está em posição de oferecer umaexplicação da razão por que as teorias da paródia têm sido entra­vadas pela falta de uma teoria da produção. Segundo Reiss, aciência, a filosofia e a arte têm trabalhado todas no sentido

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da ocultação do acto e responsabilidade da enunciação (énon­ciation); todavia, as três estão agora também a tornar-se o localde onde surge essa mesma prática e a sua recente subversão dasnoções de objectividade, de transparência linguística e até da con­cepção do sujeito. As formas de arte paródica de hoje são umadessas fontes de subversão.

A paródia é uma das técnicas de auto-referencialidade por meiodas quais a arte revela a sua consciência da natureza do sentidocomo dependente do contexto, da importância da significaçãodas circunstâncias que rodeiam qualquer elocução. Mas qualquersituação discursiva, e não apenas uma situação paródica, incluium emissor enunciado r e codificador, bem como um receptordo texto. No entanto, em nome, simultaneamente, da universa­lidade e objectividade científicas, do realismo novelístico e doanti-romantismo crítico, é essa entidade enunciadora que Reissdá como suprimida - quer como sujeito individual, quer até comoo produtor inferido do texto. O criador romântico, como fonteoriginadora e original de sentido, pode muito bem estar morto,como Barthes defendia há anos (1972a, 7-8), mas a posição docriador - uma posição de autoridade discursiva - mantém-see é, cada vez mais, o centro autoconsciente de grande parte daarte contemporânea. No meio de um destronar geral da autori­dade pela descentralização de tudo, desde o cogito transcendenteà economia e aos instintos, a paródia mostra-nos que há necessi­dade de voltar a olhar para os poderes interactivos envolvidosna produção e recepção de textos. A posição de autoridade mantém­-se, como vimos no último capítulo, e mantém-se para subverteras noções de objectividade e naturalidade na arte, tal como faz,actualmente, na «ciência pós-moderna» (Toulmin 1982).

Mais uma vez, é a metaficção contemporânea que nos forneceos exemplos mais claros de investigações actuais destes poderesinteractivos. Aqui, a paródia é frequentemente unida a vozes nar­rativas manipuladoras, abertamente dirigidas a um receptor ins­crito, ou manobrando disfarçadamente o leitor para uma posiçãodesejada, a partir da qual o sentido pretendido (reconhecimentoe, depois, interpretação da paródia, por exemplo) podem apare­cer, como que em forma anamórfica. O que é interessante é queesta autoconsciência, quase didáctica, acerca do acto total deenunciação (a produção e recepção de um texto) levou apenas,em grande parte da crítica corrente, à valorização do leitor.É verdade que isto assinala uma reacção previsível, quer contra

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o intencionalismo romântico (centrado no autor), quer contra oformalismo modernista (centrado no texto). Mas as formas paró­dicas ubíquas da metaficção de hoje exigem um contexto enun­ciativo mais amplo.

Ao discutir a liberdade e a restrição no processo de leitura,Jonathan Culler afirma que «sempre hão-de haver dualismos: umintérprete e qualquer coisa para interpretar» (1982, 75). Mas aparódia ensina-nos que os dualismos não bastam. Isto não querdizer que tenhamos de regressar a um interesse romântico pelaintenção extratextual do criador endeusado; trata-se mais de umaquestão de inferir as actividades de um agente codificado r.Deixar de acreditar no produtor textual enquanto pessoa é o pri­meiro passo para restaurar a integralidade do acto de enuncia­ção: conheceríamos então um autor apenas como uma posiçãoa ser preenchida dentro do texto, por outras palavras, como infe­rido por nós, enquanto leitores. Usar os termos «produtor» e«receptor» de um texto é, pois, não falar de sujeitos individuais,mas daquilo a que poderíamos chamar «posições do sujeito»(Eagleton 1983, 119), que não são extratextuais, mas antes fac­tores constitutivos essenciais do texto, e do texto paródico emparticular (ver Eco 1979, 10-11). O mito romântico é deixadoem repouso; o «escritor pensa menos em escrever originalmente,e mais em reescrever. A imagem da escrita muda de inscriçãooriginal para a escrita paralela» (Said 1983, 135) - uma mudançaatestada pelas estruturas paródicas da metaficção de hoje. Poroutras palavras, a posição do produtor textual, banido pelo anti­-romantismo modernista, foi restabelecida e eu argumentaria quea omnipresença das formas paródicas na arte de hoje teve o seupapel neste restabelecimento, como o teve a nova acentuação naperjornance, através da qual «sinais da presença do artista sãoexigidos na obra publicada» (Rothenberg 1977, 14).

Teóricos como Reiss e Foucault começaram, finalmente, a cha­mar a nossa atenção para a enunciação, em toda a sua complexi­dade: para eles, é um acto condicionado pela operação de certasmodalidades ou leis, incluindo o status e posição do enuncia­dor, «um espaço vago particular que pode, de facto, ser ocupadopor diferentes indivíduos» (Foucault 1972, 96). No entanto, muitada teoria e da crítica actuais que tratam da paródia optam porcontinuar a ignorar esta posição, e fazem-no geralmente emnome da intertextualidade. Quando Julia Kristeva (1969) forjouo termo, observou que havia três elementos envolvidos, além

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do texto a ser considerado: o autor, o leitor e os outros textosexteriores. Estes elementos encontravam-se dispostos ao longode dois eixos: um horizontal, do diálogo do autor com o seu lei­tor potencial, e um vertical que relaciona o texto em si com osoutros textos. Este arranjo é muito claro; possivelmente, con­tudo, é demasiado claro, demasiado esquemático, para ser ver­dadeiro em relação à experiência real da leitura. O diálogointertextual não é, antes, um diálogo entre o leitor e a sua memóriade outros textos, conforme são evocados pelo texto em questão?O papel do autor em quaisquer discussões subsequentes da inter­textualidade foi, certamente, suprimido, mesmo no trabalho feitosobre a paródia. Como o trabalho de Michael Riffaterre tornouclaro, a partir da perspectiva de qualquer teoria da intertextuali­dade, a experiência da literatura consiste apenas num texto, numleitor e nas suas reacções, que tomam a forma de sistemas depalavras, agrupados associativamente no espírito do leitor. Doistextos poderiam, pois, partilhar estes sistemas sem serem codi­ficados parodicamente; o local da apropriação textual reside aquino leitor, e não no autor, real ou inferido. Um intertexto nãoseria, pois, necessariamente o mesmo que um texto parodiado;ele é «o corpo de textos que o leitor pode, legitimamente, rela­cionar com aquele que tem diante dos olhos, isto é, os textosque aquilo que está a ler lhe recordam» (Riffaterre 1980a, 626).

Muitas das teorias dirigidas para o leitor têm uma dupla orien­tação (leitor/texto) semelhante, mesmo que os que tratam da auto­ridade interpretativa (Fish 1980). As intenções tornam-se «formasde comportamento convencionais que hão-de ser convencional­mente «lidas»» (Fish 1982, 213). Mas até Stanley Fish admiteque não pode compreender um texto independentemente da inten­ção, isto é, da «pressuposição de que se está a lidar com marcasou sons produzidos por um ser intencional, um ser situado nal­gum empreendimento em relação ao qual tem um objectivo ouum ponto de vista» (213). Como vimos em capítulos anteriores,o texto paródico que incorpora formalmente o seu material paro-

. diadoe cujo ethos pragmático é assinalado pelas suas estraté­gias retóricas, exige que qualquer teoria que pretenda ter em contaa sua complexidade deve tratar igualmente da posição e poderdo agente enunciador, do produtor da paródia. Não precisamosde recorrer a uma visão hirscheana do sentido do autor real(Hirsch 1967), a visão atacada numa encarnação anterior como«falácia intencional» por Wimsatt e Beardsley (Wimsatt 1967);

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(1981, 3)

bastaria situar os actos intencionais inscritos no texto. A paró­dia, em geral, funciona como o índice e comentário de Pale Fire,de Nabokov, a lista de plagiarismos em Lanark, de Alasdair Gray,ou as notas de rodapé paródicas de Tom Jones, Tristram Shandyou a décima secção de Finnegans Wake, de Joyce (Benstock 1983;Kenner 1964, 39-40): a voz dupla em contraponto chama a aten­ção para a presença das posições quer do autor quer do leitordentro do texto e para o poder manipulador de uma certa espé­cie de «autoridade». A posição, como sujeito, do produtor daparódia é a de um agente controlador cujas acções tomam emconsideração a evidência textual: em certo sentido, trata-se deuma construção hermenêutica hipotética, inferida ou «postulada»(Nehemas 1981) pelo leitor a partir da inscrição do texto.Mas que acontece se o leitor «lê mal» a intenção? E se não per­cebe a paródia ou a substitui por uma cadeia intertextual de ecosderivados da sua própria leitura? Poderá o produtor da paródia,hoje em dia, pressupor suficientes conhecimentos culturais porparte da audiência que tornem a paródia mais do que um géneroliterário actualmente limitado ou, como alguns diriam, elitista?

Os escritores literários sempre se viraram para os textos dopassado, mas nem sempre tiveram de ser tão didácticos e aber­tos como, digamos, John Fowles em The French Lieutenant'sWoman. A prática clássica de citar as grandes obras do passadovisava tomar de empréstimo parte do seu prestígio e autoridademas, para que isto acontecesse, partia igualmente do princípiode que o leitor reconheceria os modelos literários interiorizadose colaboraria no complementar do circuito da comunicação ­de uma «memória erudita» (learned memory, memoria dotta) paraoutra (Conte 1974, 10). O mesmo era provavelmente verdadeiroacerca das revivências renascentistas desta prática ou da utiliza­ção de Virgílio por Dante, por exemplo. Destinava-se a mostraro respeito que o poeta sentia e o conhecimento que possuía datradição dentro da qual operava, mas dependia também da com­petência do leitor para reconhecer as novas possibilidades queDante acrescentara, na sua redistribuição particular desses ele­mentos formais tradicionais (Contini 1970, 372-90). Tanto paraautores, como para leitores, o passado representava o que PaulZumthor designou por um continuum mémoriel, um conhecimentoimplícito e comum, exterior ao discurso individual de qualquerartista (1976,320). A julgar pela abertura de muitas das nossasformas de arte contemporâneas, semelhante contínuo talvez não

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possa já ser pressuposto nestes dias de educação democratizada(mas, talvez, necessariamente menos particularizada e uniforme).

Com qualquer mudança na audiência da arte, poderemos tal­vez postular uma mudança paralela nas expectativas dos que pro­duzem a paródia. Onde encontrar, hoje, todavia, este equilíbriode poder? Quem detém o controlo de quem? O autor é uma figuraelitista que exige um leitor sofisticado? Ou o leitor inferido é,em última ap.álise aquele que detém o poder, o poder de ignorarou interpretar mal as intenções do parodista? Como observouWolfang Iser, logo que nos ocupamos dos efeitos de um texto(os efeitos do escárnio irónico, avaliador, da reverência, etc.),bem como do seu sentido, estamos a tratar de uma utilização prag­mática de sinais que «envolvem sempre alguma espécie de mani­pulação, já que deve ser obtida uma resposta do recipiente dossinais» (1978, 54). Se a resposta desejada é uma reacção ao reco­nhecimento e interpretação da paródia, então o produtor do textodeve guiar e controlar a compreensão do leitor. Fazê-Io tão aber­tamente, como o faz grande parte da ficção auto-reflexiva con­temporânea não equivale necessariamente a constranger mais oleitor do que tácticas mais disfarçadas constrangeriam. Comonos ensinou Wayne Booth (1961) há anos, todos os escritorestêm uma retórica; a sua única escolha reside naquela que utili­zam. Com efeito, como veremos já de seguida, poder-se-ia argu­mentar que a melhor maneira de desmistificar o poder é revelá-loem toda a sua arbitrariedade.

Tome-se, por exemplo, a abertura de um romance recente:

Você está prestes a começar a ler o novo romance de HaloCalvino, Se Numa Noite de Inverno um Viajante.Descontraia-se. Concentre-se. Afaste qualquer outro pen­samento. Deixe que o mundo à sua volta se esfume.É melhoi fechar a porta; a televisão está sempre ligada noquarto ao lado

É-nos dito que nos sentemos confortavelmente e nos prepare­mos para ler. O «você» a que o narrador se dirige é, supomos,nós. Claro que esta suposição, como muitas outras, acabará porse mostrar falsa, ou antes, falsa até certo ponto, pois «você»torna-setambém uma personagem (um leitor masculino) nesta divertidaparódia à história de amor padronizada. A aberta manipulação

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por Calvino dos leitores (nós e ele) demonstra alegoricamentea presença e poder da posição autorial, apesar de o seu carácteróbvio e de a nossa compreensão dos diferentes leitores envolvi­dos funcionar contra esse poder, pondo-o em questão. As obser­vações directivas do narrador são equilibradas pela percepção,no capítulo 8, por parte da personagem do romancista, Silas Flan­nery, do carácter tirânico tanto da expectativa do leitor, comodo controlo do leitor: tal como nós, ela (neste caso, definida­mente tematizada como um outro leitor feminino) pode optar pornão ler, por interromper a leitura, por comprar outro livro, etc.

Mas que tipo de leitor é requerido pela totalidade deste com­plexo texto paródico que Calvino produziu? Não só ele escreveparódias estilísticas (e não imitações, pois a distância crítica iró­nica é evidente) a muitos tipos de narrativas, da erótica japo­nesa a Pasternak, como também parodia outros sistemascodificados (da teoria derridiana do traço e rasura à preocupa­ção barthesiana com o prazer ou jouissance do texto). Todo oromance é estruturado parodicamente com base nos géneros doconto policial e do thriller. O seu título recorda ironicamenteesse outro livro que fornece muitos inícios de contos: as Mil eUma Noites. A ironia está no facto de o texto anterior também

ter finais; aqui, só ficamos com os primeiros capítulos de dife­rentes romances, cujos títulos constituem já por si uma narrativa:

Se numa noite de Inverno um viajante, às portas da cidadede Malbork, inclinando-se sobre a ravina abrupta sem medode ventos ou vertigens, olha para baixo, para a sombra acolhe­dora, num entrecruzar de linhas que se enlaçam, num entre­cruzar de linhas que se interceptam, no tapete de folhas ilu­minadas pela Lua à volta de um túmulo vazio - que históriaespera, lá em baixo, o seu fim? - perguntará ele, ansiosopor anuir a história.

(258)

A inclusão do título do romance do próprio Calvino, no iní­cio, implica todo o livro na paródia geral às convenções narrati­vas, as quais (a não ser que não demos por elas) são discutidasuma por uma pelos leitores na biblioteca, no décimo primeirocapítulo: «Acredita que cada história tem de ter princípio e fim?Nos tempos antigos uma história só podia acabar de duas manei­ras; depois de ter passado em todos os testes, o herói e a heroína

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casavam, ou então morriam» (259). Desnecessário será dizer queé dessa forma que o romance de Calvino termina, ou melhor,que é quase dessa forma que termina. As palavras finais reaissão as do leitor narrativado para a sua mulher, o outro leitor:«Só um momento, estou quase a acabar Se Numa Noite de Invernoum Viajante, do Halo Calvino» (260).

O leitor requerido por este romance é nitidamente um leitorbastante sofisticado, conquanto seja igulmente verdade que, dadaa natureza directiva do texto, qualquer leitor teria forçosamentede aprender bastante com o texto em si para «apanhar» algumasdas paródias, pelo menos. Os ecos paródicos de Flann O'Brienou Borges ou de Nabokov podem escapar, mas muitos outrossão muito mais abertos e a voz narrativa didáctica tem o cui­dado de assegurar que são compreendidos: a sua ,manipulaçãodo leitor não termina nessa primeira página. Parece haver umadiferença de grau de fé na competência do leitor entre esteromance e, por exemplo, Tristram Shandy, de Sterne. No textodo século XVIII, o narrador pode, com efeito, manejar verbal­mente o seu leitor, mas parece continuar a haver uma suposiçãotácita de que o leitor e narrador partilham um conjunto de valo­res e back-ground educacional (de forma que não há necessidadede traduzir línguas estrangeiras, por exemplo). Pouca desta féparece existir hoje, dado o didactismo de grande parte da meta­ficção contemporânea, como é o caso de A Amante do TenenteFrancês, de John Fowles. Há anos que os críticos se deliciama apontar para os elementos paródicos existentes no texto, os ecosirónicos de Scott, George Eliot, Thackeray, Arnold, Dickens,Froude e Hardy. Mas o narrado r moderno desta história vito­riana é o próprio a apontá-Io respeitosamente, juntamente comreferências a Cervantes, Proust, Brecht, Ronsard, Flaubert, Mil­ton, Radclyffe Hall, Catulo, Jane Austen, Arnold, Goethe, Dana,Tennyson e Dickens. Se há jogos literários a ser jogados como leitor deste romance, pelo menos as regras do jogo são revela­das muito claramente.

Fowles sempre trabalhou desta maneira aberta, imiscuindo oleitor dos seus romances. lhe Collector é abertamente uma dupla

paródia irónica à ficção da própria geração de Fowles dos angryyoung men e A Tempestade, de Shakespeare, e os nomes dasersonagens são a nossa primeira pista: «Ferdinand» Cleggna realidade Caliban) e Miranda. lhe Magus é mais ou menosexplicitamente construído sobre as formas parodiadas do

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Bildungsroman, o conto gótico, a pantomima teatral o psicodramae a fantasia. É em The Ebony Tower que o carácter directo davoz narrativa de The French Lieutenant's Woman é substituídopor uma alegoria temática da função da paródia. No título dahistória, como já vimos num capítulo anterior, apercebemo-nosde que há um artista que se está a servir da paródia para apoiare aprofundar a sua pintura: «por detrás da modernidade de tan­tos dos elementos de superfície havia uma homenagem e umaespécie de «torcer o nariz» a uma tradição muito antiga» (1974,18). Trata-se, precisamente, do âmbito do ethos que tenho vindoa defender em relação a toda a paródia moderna.

Ao escrever uma paródia do romance vitoriano em The FrenchLieutenant's Woman, Fowles criou aquilo a que a Bakhtin cha­mou uma forma «de voz dupla» ou híbrida: não é um pastiche,nem uma imitação. É, na sua maior parte, o narrado r modernoque impede a trivialização monológica do impulso imitativo. Nummovimento semelhante ao da arquitectura pós-modernista, Fowlessugere que um dos modos artísticos anteriores podem surgir novasformas, formas que ensinarão o leitor a ler através das lentesdos livros. Muito embora mantendo todas as preocupações moraise sociais de James e da tradição do romance inglês, Fowles podeoferecer algo de novo. Na enchente de entrevistas e artigos queacompanharam o êxito comercial deste romance, Fowles com­parou frequentemente o seu tratamento do material paródico aode obras que nos são hoje familiares: às reelaborações setecen­tistas por Stravinsky, à utilização de Velàsquez feita por Picassoe Bacon, à Sinfonia Clássica, de Prokofiev. Mas qual a funçãodesta paródia, para além de manifestar o virtuosismo do artista?

Neste romance, o leitor é nitidamente dirigido, instruído até,pela voz narrativa (tal como no romance de Calvino) mas tam­bém pelas estruturas paródicas em si. Aqui, a paródia tem aquiloa que poderíamos até chamar uma função ideológica, pois seme­lhante retratamento das convenções do passado funciona de modoa dirigir o leitor para as preocupações morais e sociais doromance. O simples tema das mudanças ao longo de um séculode evolução social e literária não seria particularmente interes­sante, mas Fowles não reclama qualquer superioridade moderna.Ele diz que trata de constantes humanas, e que as únicas mudan­ças são as do vocabulário e da metáfora. Não é, pois, a existên­cia desta aproximação temporal que é significativa, mas a suafunção. É neste ponto que a paródia adquire dimensões que ultra-

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passam os limites literários do texto, tornando-se uma metáforapara contextos mais amplos: aos leitores deste romance nuncaé permitido abster-se de reconhecerem a paródia ou de se julga­rem e questionarem a si mesmos (ao condenarem o mundo doromance como vitoriano e, logo, como uma coisa do passado).São obrigados a relacionar o passado com o presente - ao nívelsocial e moral, bem como literário.

Existe, também, uma longa tradição na literatura paródica decolocar os leitores em posições delicadas e obrigá-Ios a abrir cami­nho por si mesmos. As regras, se o autor joga honestamente,encontram-se geralmente no próprio texto. Podem não ser tãoaberta e didacticamente apresentadas como nas obras de Calvinoe Fowles, mas os leitores podem inferir alguma intenção paró­dica uma vez que tenham percebido as marcas da presença codi­ficada do discurso «de orientação dupla». Claude Simon escreveuo seu romance, Triptyque (1973), depois de ter visto uma expo­sição de Francis Bacon, em Paris. Inspirado pela estruturaçãoformal deste pintor da arte e pelo seu desafio à representação,Simon parece ter escolhido parodiar as convenções relaciona­das, nas novelísticas, da descrição. As coisas descritas nesta obratrocam, portanto, de identidade ontológica através do texto.O mesmo objecto seria o sujeito de uma narrativa, uma pintura,um cartaz, um filme, etc., de primeiro nível, mas tudo recon­tado num romance, claro. Perto do final do texto, uma persona­gem completa um puzzle da imagem com a qual o romancecomeça - uma alegoria do complexo e exigente acto de inter­pretação e reconhecimento da paródia interdiscursiva pelo leitor.

Muita da metaficção paródica actual trabalha deliberadamenteno sentido ou de orientar ou de desorientar o leitor. Um dos efeitos

de ambos os tipos de manobra é estabelecer aquilo que um crí­tico designa por uma «relação dialéctica entre identificação e dis­tância que con'1leguelevar a audiência à contradição» (Belsey 1980,97). Tal como o Verfremdungseffekt, de Brecht, a paródia tra­balha no sentido de distanciar e, ao mesmo tempo, de envolvero leitor numa actividade hermenêutica participativa. Claro quehá muitas maneiras de conseguir isto - da agressão à sedução.Por outras palavras, conseguir que sintamos que estamos a par­ticipar activamente na geração do sentido não é garantia de liber­dade; os manipuladores que nos fazem sentir no controlo nãose acham menos presentes apesar da sua cuidadosa dissimula­ção. Alguns romancistas chegam a deliciar-se com este dis-

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farce: Severo Sarduy, como muitos dos escritores do nouveaunouveau roman francês, defende, por um lado, a expulsão do autorcomo centro único ou emissor omnipotente do texto, mas, poroutro, tem o prazer de se vangloriar das armadilhas escondidase «mecanismos secretos» codificados nas suas obras - alguns paraos seus amigos, alguns apenas para ele mesmo (1972,43). O maisnotório destes autores é talvez Jean Ricardou, cuja produção crí­tica (ver, por exemplo, 1972) se dedica em grande parte a expli­car os seus próprios romances, romances cuja interpretação eleinsiste ser apenas tarefa do leitor. Infelizmente, sem as pistaspara os enigmas criptogramáticos - pistas fornecidas pelo pró­prio autor - semelhante tarefa torna-se quase impossível. Aqui,o autor está claramente a exercer um controlo, não só sobre oleitor, mas sobre o leitor, como crítico.

Mas até que ponto este controlo é real? Poderá qualquer leitornão optar por ignorar tais afirmações intencionais, por ignorarreferências paródicas? Mas continuaríamos então a falar de paró­dia? Como todos os códigos (Eco 1979, 7), os códigos paródi­cos têm, afinal, de ser compartilhados para que a paródia sejacompreendida como paródia. Quer a paródia se pretende sub­versora de cânones estabelecidos, quer força conservadora, quervise elogiar ou humilhar (Yunck 1963, 30) o texto original, emqualquer dos casos, o leitor tem de o descodificar como paródiapara que a intenção seja plenamente realizada. Os leitores sãoco-criadores activos do texto paródico de uma maneira mais explí­cita, e talvez mais complexa, do que os críticos da recepção da(reader-response) argumentam serem na leitura de todos os tex­tos. Conquanto toda a comunicação artística só possa ter lugarem virtude de acordos contratuais tácitos entre codificador e des­

codificador, faz parte da estratégia particular tanto da paródiacomo da ironia que os seus actos de comunicação não possamser considerados completos, a não ser que a intenção codifica­dora precisa seja realizada no reconhecimento do receptor. Poroutras palavras, além dos códigos artísticos vulgares, os leito­res devem também reconhecer que o que estão a ler é uma paró­dia, até que ponto o é e de que tipo. Devem também, eviden­temente, conhecer o texto ou as convenções que estão a ser paro­diadas, para que a História seja lida como outra coisa que nãoqualquer peça de literatura - isto é, qualquer peça não paródica.

Isto torna-se claro a partir de um estudo conduzido por psicó­logos (Miller e Bacon 1971) que examinaram a reacção a uma

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paródia à Playboy, no Harvard Lampoon, em que o nu desdo­brável do centro era apresentado com as áreas bronzeadas e bran­cas do biquini ao contrário. Os investigadores consideraram, noentanto, apenas duas coisas na determinação da resposta dosobjectos da sua experiência: o seu conhecimento (a partir de obser­vação de experiência) dos padrões de bronzeamento e os resul­tados de um teste psicológico medido pelo que é conhecido porEscala de Dogmatismo, de Rokeach. A razão disto foi o seu desejode estudar o reconhecimento da resposta ao humor paródico emtermos de largueza ou estreiteza de espírito. Aquilo que não con­sideraram - mas deviam ter considerado - foi que os jovensestudantes observados poderiam não ter compreendido o que eraa paródia como género ou que podiam não conhecer o códigooriginal (Playboy) suficientemente bem para reconhecer o humorpleno, tal como ele é. Na situação óptima, o sujeito sofisticadoconheceria bem as obras que serviriam de fundo e dariam ori­gem a uma sobreposição de textos por mediação dessa obra paro­diada sobre o acto da visão ou da leitura. Este acto encontrar-se-ia

em paralelo com a síntese do próprio parodista e completaria ocircuito do sentido. É esta partilha de códigos ou coincidênciade intenção e reconhecimento na paródia, bem como na ironia,que cria aquilo a que Booth chamou «comunidades amigáveis»(Booth 1974, 28) entre codificadores e descodificadores. O lei­tor ou observador obtém aquilo que um crítico designa por «umincentivo extra» ao prazer de completar a sua parte do circuitodo sentido (Worchester 1940, 42). Isto, é claro, também deixatanto a ironia como a paródia abertas a acusações do eHtismo -o grande ponto de ataque contra muita da metaficção actual.

Vimos que, se aos leitores escapa uma alusão paródica, limitar­-se-ão a ler o texto como qualquer outro: o ethos pragmático serianeutralizado pela recusa ou incapacidade de partilhar o códigomútuo necessário que permitiria ao fenómeno surgir. Enquantoque «recusa» sugere vontade e intenção, «incapacidade» faz sur­gir a questão da competência do leitor. Tem sido defendido quea ironia requer do seu leitor uma competência tripla: linguística,retórica ou genérica e ideológica (Kerbrat-Orecchioni 1980, 116).A necessidade básica de competência linguística é mais que evi­dente no caso da ironia, em que o leitor tem de entender o queestá implícito, bem como aquilo que é realmente afirmado. Seme­lhante sofisticação linguística seria como um dado pressupostopor um género como a paródia que empregasse a ironia como

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mecanismo retórico. A competência genérica ou retórica do lei­tor pressupõe um conhecimento das normas retóricas e literá­rias que permitem o reconhecimento do desvio a essas normasque constituem o cânone, a herança institucionalizada da línguae da literatura. Se o leitor não consegue reconhecer uma paródiacomo paródia (já por si uma convenção estética canónica) e comouma paródia a uma certa obra ou conjunto de normas (no todo ouem parte), então falta-lhe competência. Talvez seja por esta razãoque a paródia é um género que, como vimos, parece florescer essen­cialmente em sociedades democráticas culturalmente sofisticadas.

Deveremos recordar que pouco ou nenhum material paródico foiencontrado na literatura hebraica ou egípcia muito antiga, ao passoque ele floresceu obviamente na Grécia, nas peças satíricas e,ainda mais obviamente, nas comédias de Aristófanes.

O terceiro tipo de competência é o mais complexo e pode serdesignado por ideológico, no sentido mais vasto da palavra.A paródia é frequentemente acusada de ser uma forma de dis­curso elitista, em grande parte porque a sua dimensão pragmá­tica implica que, pelo menos, parte do lugar do valor estéticoe sentido tem sido colocada na relação do leitor com o texto -por outras palavras, que a paródia existe potencialmente em pala­

vra~ «de voz dupla» (resultado de sobreposição textual) - masé realizada ou actualizada apenas pelos leitores que preenchemcertas condições requeridas, tais como capacidade ou treino.É neste sentido que existe uma competência ideológica, bem comogenérica, implícita: nos termos de Todorov (1978a, 291),encontramo-nos no domínio do contexto paradigmático (e nãosintagmático) do conhecimento partilhado pelos dois locutorese também pela sociedade a que pertencem. O leitor que não «apa­nha» a paródia é aquele cujas expectativas previstas são de algumaforma deficientes. Da paródia, como da ironia, pode, pois, dizer­-se qpe requerem um certo conjunto de valores institucionaliza­dos - tanto estéticos (genéricos), como sociais (ideológicos) ­para ser compreendida ou até para existir. A situação interpre­tativa ou hermenêutica é uma situação baseada em normas acei­tes, mesmo que essas normas existam apenas para seremtransgredidas, como vimos no último capítulo.

Ao codificar parodicamente um texto, os produtores devempressupor tanto um conjunto de códigos cultural e linguísticocomum, como a familiaridade do leitor com o texto parodiado;se o não fizerem, ou suspeitarem que não devem fazer essa pres-

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suposição, o que se nos depara são esses textos abertamente didác­ticos de Calvino e Fowles. Quando Carmela Perri (1978, 300)reescreve as regras ilocutivas de referência de John Searle (1969,94-6), adequando-as ao acto de aludir, a primeira regra é queo autor da alusão e a sua audiência partilhem a mesma lingua­gem e tradição cultural. Como a paródia é uma forma de alusãoirónica particular e complexa, a subsequente listagem que elafez das fases do «efeito perlocutivo» da alusão sobre o leitor tam­bém tem interesse para nós. É dito que o leitor compreende asignificação literal (não alusiva ou não paródica) daquilo que eladesigna por indicador da alusão; reconhece-o, então, como umeco de uma fonte passada (intratextual ou intertextual), apercebe­-se de que é necessária a «construção», e recorda-se, assim deaspectos da «compreensão» do texto fonte que podem depois serrelacionados com o texto alusivo - ou paródico - de modo acompletar o sentido do indicador (Perri 1978, 301). Esta descri­ção dos efeitos de uma alusão efectuada com êxito não toma,contudo, em consideração a resposta ao processo em si: o pra­zer do reconhecimento, o deleite na diferença crítica, ou, tal­vez, na inteligência de uma tal sobreposição de textos.É interessante que, nas muitas descrições que Bakhtin faz da exu­berância carnavalesca e dos seus modos paródicos, pouco sen­tido existe da inteligência e do humor. Uma das razões desta falhaé, provavelmente, o populismo utopista de Bakhtin: é como seele estivesse determinado a minimizar as características que

pudessem sugerir exclusividade irónica ou elitismo erudito.Muito embora eu tenha mencionado anteriormente o facto de

não termos, hoje uma maneira coerente de tratar a produção tex­tual que satisfaça as necessidades de uma teoria da paródia, tam­bém não deixa de ser verdade que os críticos das formas de artevanguardistas paródicas - e difíceis - escolhem com frequên­cia aquilo a ~ue um deles chama uma «concentração fenomeno­lógica nos processos mentais do artista» (Butler 1980, 5). Há umregresso à intenção hirscheana para explicar a complexidade dostextos que são considerados. Desta perspectiva, ChristopherButler (1980, 115, 120-1) argumenta que, ao passo que todasas formas vanguardistas se pretendem elitistas por natureza e têmsido tradicionalmente província do antiburguês (pelo menos naEuropa), os modos pós-modernistas particulares de hoje são maiseclécticos, igualitários e acessíveis. Sem dúvida que a paródiaexige do parodista (real e inferido) muita perícia, saber, enten-

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dimento crítico e, muitas vezes, finura. Ele ou ela têm de ser«enciclopédicos, eruditos, obsessivamente cultivados [... ] sobre­carregados com as ruínas do tempo, com lixo e refugo cultu­rais» (Poirier 1968, 347). Mas também o leitor deve partilharuma certa quantidade desta sofisticação, se não desta perícia, poisé o leitor que tem de efectuar a descodificação dos textos sobre­postos, por meio da sua competência genérica. Não se trata deuma questão (como na intertextualidade) de capacidade geral parainvocar que se leu mas, é antes uma especificidade do texto ouconvenções particulares que estão a ser parodiados. Para algunsartistas, semelhante confiança no leitor poderia ser interpretadacomo funcionamento de uma maneira quase terapêutica, comouma espécie de aposta no êxito de um acto de exorcismo artís­tico (Kennedy 1980). O acto paródico estrutural de incorpora­ção e síntese (cuja estratégia ou função para o leitor,recordemo-lo, é paradoxalmente de contraste ou separação iró­nicos) poderia ser visto como o meio de alguns escritores se liber­tarem de influências estilísticas, de dominarem e ultrapassaremum precursor influente: pensemos em L 'Affaire Lemoine, deProust. A paródia seria, então, mais um modo a acrescentar aocatálogo de Harold Bloom de maneiras pelas quais os escritoresmodernos suportam a «ansiedade da influência» (Bloom 1973).

Muitos romancistas realistas tradicionais, por exemplo, pare­cem ter começado ou terminado as suas carreiras a escrever paró­dias irónicas: as melhores obras de Jane Austen começaram comNorthanger Abbey e as de Flaubert com Bouvard et Pécuchet.Este fenómeno sugere uma necessidade, por parte do artista, dechegar a acordo nalgum ponto da sua carreira - ainda que ape­nas através da ironia - com as convenções literárias formais ecom o passado. A paródia poderia, então, ser vista como umacto de emancipação: ironia e paródia podem actuar no sentidode assinalar distância e controlo no acto de codificação. Talvezfosse isto que o André Gide pretendia: a sua maior paródiaà forma do romance é paradoxal e ironicamentea única das suasobras que ele rotulou de romance: Les Faux-Monnayeurs(Os Moedeiros-Falsos). Em As I Lay Dying (Na Minha Morte),Faulkner não se limitava a testar os limites técnicos do génerodo romance; estava também a chegar a acordo com o passadoda literatura americana. A passagem em que Addie Bundren des­creve o seu caso com o reverendo Whitfield constitui um sinalpara que o leitor veja as dramatis personae de The Scarlet

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Letter (A Letra Escarlate), de Hawthorne, vestidos de ironiamoderna (ou aqui, despidos): Addie é uma Hester não castigada;Whitfield, como o seu nome sugere, o seu convenientemente arre­pendido Dimmesdale; a sua progénie adúltera é uma Jewel,não sendo uma Pearl. A exclamação egoísta de Addie de que«os meus filhos foram só meus» nada tem da nobre integridadeda recusa de Hester em denominar o seu amante e companheirode pecado. A sátira mistura-se, aqui, com a paródia a desafiaras perspectivas morais modernas, e a conexão com o clássicoanterior e também as diferenças significativas em relação a elesão os veículos literários para o ataque satírico.

No seu livro, Poetic Artifice: A Theory of Twentieth-CenturyPoetry (1978), Veronica Forrest-Thomson argumenta que o poetado nosso século age como um mediador entre os códigos quenormalmente reconhecemos e utilizamos e os que surgem de umaassimilação e transformação desses códigos ou linguagens (XIV).Através da paródia pode estabelecer-se um elo de ligação com apoesia do passado, um elo com um «mundo do discurso aceite» (81).Por outras palavras, um poeta como Eliot pode agir como «media­dor tribal», recordando as formas e valores do passado sem asmudar; com efeito, o seu valor reside na sua capacidade de resis­tência, na sua qualidade inalterável. A paródia, em especial naforma reverente, torna-se, pois, uma forma de preservar a con­tinuidade na descontinuidade. A continuidade é aquilo a que cha­mámos o impulso conservador da paródia. Mas o seu posto, o'esforço revolucionário defendido pelos formalistas russos, faza sua aparição na forma da complexidade que deriva da «vozdupla», da incorporação paródica que leva à renovação atravésda síntese. Por outras palavras, os dois impulsos da paródia queestudámos separadamente no último capítulo podem ser agoravistos operando em conjunto no verso modernista e, diria, tam­bém na ficçã-o pós-modernista.

Também é, muitas vezes, possível inferir a partir de um textoparódico uma certa réplica competitiva, revitalizante, por partedo codificador, ao passo da sua arte. Fazendo conscientementeo que o tempo faz de forma mais lenta, a paródia pode distorceras formas de arte, sintetizando a partir delas e do presente do .codificado r uma nova forma - não sobrecarregada, mas enri­quecida, pelo passado. Em II male oscuro, Giuseppe Berto apre­senta um narrador-escritor que parece, a princípio, funcionarcomo qualquer narrador que fosse (dentro da história) uma perso-

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nagem envolvida numa situação psicanalítica. Só muito maisadiante no livro é que este narrado r , na qualidade de escritor,admite, autoconscientemente, que tudo o que alguma vez soubede psicanálise apreendeu-o com o romance de Italo Svevo,A Consciência de Zeno, e com os próprios comentários de Svevo.A obra de Berto adopta e adapta temas e estruturas do romanceanterior, mas o narrador esclarece que se apercebe de não poderrepetir a obra de Svevo, ainda que partilhe os problemas de Zeno(psicológicos e literários). Em termos temáticos, é importanteque o narrador seja «curado» da sua «obscura doença» quandoqueima os primeiros capítulos do romance muito tradicional queescreveu. Nesse ponto, o romance de Berto tem, de terminar tam­bém: a nova forma paródica suplantou, literalmente, a antiga ea sua obra está agora completa também. De uma paródiatão extensiva como esta não se pode dizer que seja ocasional.Não é como as curtas peças na Punch ou no New Yorker; nãoenvelhece mais depressa que outros géneros, porque incorporaliteralmente (e didacticamente) e transcende dialéctica e ironi­camente o passado literário do parodista.

Este exemplo, tal como o dos romances de Fowles e Calvinoque examinámos anteriormente, é absolutamente aberta nos seusensinamentos ao leitor, e, como tal, é típica de grande parte daescrita pós-modernista. Os textos modernistas não aparecem, con­tudo, de forma tão acomodatícia, como vimos. A forma enig­mática e complexa da obra de Eliot, Pound, Yeats ou Mallarmépoderia sugerir uma preocupação menos directa pela acomoda­ção do leitor. Ou limitar-se-á a implicar uma maior confiançana competência do leitor do que aquela a que se podem entregaros escritores hoje em dia? Por certo que Dante podia pressupormais, em relação ao seu pequeno número de leitores e à sua posi­ção dentro de uma cultura literária do que, por exemplo, Donne;e Donne, por seu turno, podia pressupor mais que Eliot. Mastalvez Elliot pudesse pressupor mais do que um romancista comoFowles, hoje em dia, pode ousar fazer. Talvez a nossa culturaactual, apesar de todos os seus aspectos de aldeia-global, careça,de facto, dessa coesão e estabilidade que Herman Meyer lamen­tava (1968, 20). É fácil demais virarmo-nos para os clichés dorealismo de Eliot ou do fascismo de Pound para afirmar o seuelitismo, a sua nostalgia conservadora de um conjunto de nor­mais sociais e culturais. Mas também poderíamos facilmente argu­mentar que o processo de leitura de lhe Waste Land, de ter de

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recordar (ou aprender) as obras do passado a que o poema alude,é, em si, a maneira como a situação das zonas estéreis «<wastelands») da nossa civilização será remediada. A paródia reverentee séria de Eliot à sua herança literária e cultural - apresentadade uma forma tão nova e inabitual para a maioria dos seus leito­res contemporâneos - poderia ser tomada como marcando a suaconfiança última no leitor: uma confiança, se não na sua com­petência presente, pelo menos na vontade de trabalhar no sen­tido de adquirir uma vastidão e profundidade de cultura quetornasse a compreesão do texto possível. Esta é uma das manei­ras de inferir a intencionalidade desse poema, maneira que com­plica esta questão consideravelmente, uma vez que se podeconsiderar que o elitismo sugere menos uma falta de igualita­rismo democrático do que a fé numa capacidade de aprender,numa abertura aos ensinamentos da arte, sejam eles abertos oudisfarçados. Tal como em relação a Joyce e a Mano, pode dizer-sede Elliot que ele se serviu da paródia para capitalizar a partirdo seu carácter duplo, «para harmonizar, dentro da arte, os cis­mas correspondentes dentro da cultura» (Kiremidjian 1969, 242).Tal como eles, podemos vê-Io a trabalhar para a continuidadede uma tradição cultural que garantisse uma certa comunidadede horizontes culturais, que actuasse como um «esteio contra oresvalamento de centros de crença» (Benamou 1977, 4). Na artepós-modernista, esta função cooptante da paródia pode mudar,mas a sua forma mantém-se, activando no leitor ou espectadoressa participação colectiva que permite que qualquer coisa maispróxima da «performance» activa substitua a «teia bem urdida»da clausura modernista.

Como vimos no último capítulo, devemos ter o cuidado de nãoequacionar automaticamente palavras como transgressão commudança revolucionária positiva; nem devemos, também, par­tir do princípio de que o elitismo é necessariamente um termonegativo. O status ideológico da paródia não pode ser perma­nentemente fixado e definido: «Paródia, ou «arte reflexiva», deste

tipo, em que os significantes se referem a outros significantesprévios num jogo formal de intertextualidade, não tem nenhumarelação necessária com inovação radical, quer a um nível van­guardista formal, quer a um nível vanguardista político» (Nichols1981, 65). Tal como não implica necessariamente qualquer noçãoantidemocrática e negativa de elitismo. Haverá realmente umacontradição entre o socialismo radical de Edward Bond e o seu

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«elitismo encorajador» (Rabinowitz 1980, 263) nas referênciasshakespeareanas em Lear? Os códigos partilhados da paródiapodem ser utilizados para muitos fins diferentes; em cada caso,a intenção inferida deve ser determinada individualmente. Nãohá qualquer dúvida de que a paródia, como a alusão e a citação,podem actuar como uma espécie de «distintivo de saber», tantopara codificadores como para descodificadores (Marawski 1970,690), de que podem trabalhar no sentido de manter a continui­dade cultural. Mas também seria impossível argumentar, comofizeram os formalistas russos, que, ao fazê-Io, a paródia tornapossível a mudança - até a mudança radical.

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CONCLUSÃO:O MUNDO, O TEXTO PARÓDICO

E O TEORIZADOR

É a perda de memória, e não o culto da memória, quenos tornará prisioneiros do passado.

Paolo Portoghesi

O título deste capítulo é, obviamente, uma reelaboração (paró­dica) de The World, the Text, and the Critic, de Edward Said(1983). Nesse livro, Said defende uma teoria literária que toma­ria em consideração aquilo a que ele chama «a situação do textono mundo» (151). Dada a sua crença de que toda a arte é especí­fica em relação ao discurso - isto é, não pode fugir ao seu con­texto históricb, social e ideológico - a sua posição é que todosos textos, mesmo os paródicos, são «mundanos; até certo ponto,são acontecimentos e, mesmo quando parecem negá-Io (comonos textos paródicos auto-reflexivos), fazem, não obstante, partedo mundo social, da vida humana e, evidentemente, dos momen­tos históricos nos quais são localizados e interpretados» (4). Estecapítulo é uma tentativa de fazer o que Said pede aos críticose teorizadores: «que leiam e escrevam com um sentido da maioraposta na eficácia histórica e política que os textos literários,bem como outros, têm tido» (225). Fazê-Io, espera-se, equivale a

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trabalhar no sentido de uma desmarginalização da literatura ­e da teoria.

Nos últimos cinco capítulos, o status «mundano» ou ideoló­gico da paródia foi aflorado uma série de vezes. Muita da paró­dia, como vimos, mostrou ser conservadora ou normativa na suafunção crítica. Isto é especialmente verdade em relação ao tiporidicularizador que é, geralmente, o único tipo a que é permi­tido chamar paródia. Segundo uma estética romântica, tais for­mas de arte são, por definição, parasíticas. Mesmo hoje em dia,esta mesma avaliação negativa persiste e a sua base, tal comoé traída pela sua linhagem, é frequentes vezes ideológica numsentido muito geral: dizem-nos que a paródia procura dominartextos, mas que continua a ser, em última análise, periférica eparasítica (Stierle 1983, 19-20).

Mas também vimos que existe outro tipo de paródia, diferentedo tipo escarnecedor tradicional que é, muitas vezes, simulta­neamente limitado em tamanho e específico em relação ao texto(ou ocasional). Este outro tipo, ou modo, possui um âmbito maisvasto de ethos pragmático e a sua forma é consideravelmentemais extensa. A paródia, na maior parte da arte do século xx,é um modo maior de estruturação temática e formal, envolvendoaquilo que designei anteriormente por processos de modelaçãointegrantes. Como tal, trata-se de uma das formas mais frequen­temente adoptadas pela auto-reflexividade no nosso século. Assi­nala a intersecção da criação e da recriação, da invenção e dacrítica. A paródia «deve ser entendida como um modo de colo­cação estética em primeiro plano no romance. Define uma formaparticular de consciência histórica, por meio da qual a forma écriada para se interrogar face a precedentes significantes; é ummodo sério» (Burden 1979, 136). É esta «consciência histórica»da paródia que lhe dá o potencial para, simultaneamente, enter­rar os mortos, por assim dizer, e também para lhes dar nova vida(Bethea e Davydov 1981, 8).

A paródia é, pois, uma via importante para que os artistasmodernos cheguem a acordo com o passado - através da reco­dificação irónica ou, segundo o meu bizarro neologismo descri­tivo, «transcontextualizem». Os seus antecedentes históricos sãoas práticas clássicas e renascentistas da imitação, se bem que commaior ênfase na diferença e na distância do texto original ou con­junto de convenções. Dado que defini a paródia actual como repe­tição com diferença, coloquei-a inevitavelmente dentro de todo

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um debate pós-estruturalista sobre a natureza da repetição. Noquarto capítulo argumentei que a paródia pressupõe tanto umalei como a sua trangressão, ou simultaneamente repetição e dife­rença, e que aí reside a chave para o seu potencial duplo: elapode ser simultaneamente conservadora e transformadora, «mis­tificadora» (Roseler 1983,204) e crítica. Este ponto de vista nãose enquadra em nenhum dos dois campos do debate contempo­râneo (ver Cobley 1984). A paródia não é repetição que acentuea uniformidade e a estase; não é vista essencialmente como umagente estabilizador que possa unificar ou realçar (Kawin 1972).Contudo, a paródia também não é simplesmente um tipo dife­rencial ou relacional pós-estruturalista de repetição que acentueapenas a diferença. A paródia pode, por certo, ser disruptiva edesestabilizadora; foi nesse sentido que os formalistas russos lhederam o seu papel principal na evolução das formas literárias.Segundo Gilles Deleuze, a repetição é sempre, por natureza,transgressão, excepção, singularidade (1968, 12). No entanto,a paródia, embora por vezes subversiva, também pode ser con­servadora; com efeito, a paródia é, por natureza, paradoxalmente,uma transgressão autorizada. Não pode ser explicada apenas emtermos de dijférance, divergência, ainda que seja verdade hojeque, para muitos artistas e teorizadores, uma acentuação da irre­solução tenha substituído várias preocupações prévias pela uni­dade estética, mesmo na diversidade (Derrida 1978; 1968, 46,51,57). A paródia é, ao mesmo tempo, duplicação textual (queunifica e reconcilia) e diferenciação (que coloca em primeiro planoa oposição irreconciliável entre textos e entre texto e «mundo»).

Um exemplo abertamente «mundano» tornará talvez este para­doxo mais claro. Hymnen: Hinos para Sons Electrónicos e Con­cretos, de Karlheinz Stockhausen, serve-se de hinos nacionaisconhecidos porque os seus ouvintes, que os conhecem bem, serãoentão mais facilmente capazes de ouvir como eles são reelabo­rados. Mas ele também se serve de hinos porque eles estão «car­regados» de tempo e história. Nas anotações da capa (DeutscheGrammophon Gesellschaft, 2707 039) Stockhausen explica a suaintenção de repetir para unificar e integrar o antigo e familiarcom o novo (ruídos de multidões, rádios de ondas-curtas, dis­cursos e vários sons electrónicos). No entanto, o ouvinte, comoo compositor está ciente, é tão atingido pela separação, o isola­mento - a diferença, em resumo - como o é pela intermodula­ção de fragmentos. Na repetição paródica, quando não em toda

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repetição (Rimmon-Kenan 1980, 152), a diferença é uma carac­terística definidora necessária; mas a monotonia não é, apesarde tudo, meramente obliterada. A paródia consegue inscrevercontinuidade, permitindo, ao mesmo tempo, distância crítica emudança.

Ao longo deste estudo, a minha forma de abordar uma teoriada paródia foi começar da mesma maneira com a ubiquidade ea importância da paródia moderna (numa variedade de formasde arte) e, a partir daí, trabalhar no sentido da formulação deuma teoria que explicasse o tipo de fenómeno complexo que éa paródia. Basta-nos pensar numa obra como as Variações Bar­rocas, de Lukas Foss, para ver esta complexidade. Toda a peçamusical é uma espécie de glosa a Bach, um comentário quer ànossa visão da tradição passada, que é a inevitável e imutávelfonte de muitas ideias musicais, quer, também, à nossa expe­riência do presente, a individualidade de cada execução. Há umasecção chamada Phorion, que quer dizer «bens roubados». Talcomo Brecht que brinca reverentemente, mas não servilmente,com Shakespeare, Foss mostra o seu respeito e boa vontade aoreelaborar a música de figuras de culto. O próprio compositorchama-lhe um «acto particular de amor-violência». As observa­ções de Foss na capa do disco da Nonesuch (H-71202) explicaque se serve das notas dos textos originais, mas depois os frag­menta e rasura. A primeira variação é aquela a que chama «Handelperfurado!» (Concerto Grosso, Op. 6, n. o 12). Na segunda, umjogo sobre a Sonata n. o 23, de Scarlatti, o cravo em fundo tocaa peça inteira, enquanto que os instrumentos em primeiro planoa fragmentam. Segundo Foss, trata-se de «um abuso, uma home­nagem». Só a secção Phorion (que parodia a Partita em Mi Maiorpara Violino Solo) acrescenta algumas piadas paródicas tradi­cionais, quando um xilofone soletra o nome de Johann Sebas­tian Bach em código Morse.

Para tratar deste tipo complexo e alargado de paródia em ter­mos do «mundo», bem como em termos estéticos, verificámosque precisávamos de ir para além dessas definições redutorasda paródia dos dicionários, sob dois aspectos importantes. Pri­meiro, devemos reconsiderar a natureza e direcção do chamado«alvo» da paródia. Na maior parte dos casos, o texto parodiadonão se encontra, hoje, de todo, sob ataque. É, com frequência,~espeitado e utilizado como modelo - por vias que não as artís­ticas. Por exemplo, o recente filme, Carney, é uma paródia à

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famosa fita Freaks (A Parada de Monstros); trata-se, com efeito,de uma inversão carnavalesca bakhtiniana de um filme que é,já por si, uma inversão carnavalesca. A jovem loura de Carneyé, basicamente, uma personagem positiva, ainda que se verifi­que ser causa de rivalidades na amizade entre dois homens.A inversão do original, aqui, consiste no facto de a loura Freaksser uma personagem negativa, causa de rivalidade no amor dedois anões, um masculino e outro feminino. O filme modernoé acerca da ligação entre homens, e não acerca do amor heteros­sexual, que é, por sua vez, invertido em Freaks pelo aparentecaso travesti entre o anão do sexo masculino e a mulher grandee normal. Em ambos os filmes há uma mutilação ritualística,embora na nova versão ela seja, afinal, uma ilusão. Em ambosos casos, contudo, verifica-se que a loura pertence ao mundodo carnaval, se bem que por razões diferentes. Em Freaks, elaé literalmente tornada um monstro carnavalesco mutilado; claroque o filme torna evidente que é ela, e não os vários anões eoutros executantes fisicamente deformados, que é o verdadeiromonstro, o verdadeiro inadaptado social, a personagem realmentemá, a ser temida. Em Carney, um polícia anuncia que os espec­táculos de hoje não podem exibir mais monstros; mas as pes­soas normais prosseguem na sua função. Aqui, a loura pertenceao mundo do carnaval porque aprende a sua ética. Ela é, comoa diferença de título torna claro, uma carney (de carnival) e nãoum freak (monstro).

A necessidade de reconsiderar o «alvo» da paródia envolve umasegunda fase de afastamento em relação às definições padroni­zadas da paródia: temos de alargar o âmbito do ethos pragmá­tico ou das respostas intencionadas pela paródia. Ao fazê-Io, temosde considerar o papel da ironia, como fizemos nos segundo eterceiro capítulos. Considerar, desta maneira, tanto a produçãoinferida com~ a recepção real de textos paródicos é tomar emconsideração a «situação do texto no mundo». Existe, de facto,uma tendência recente na crítica alemã da paródia para vê-Ia comouma Ideologiekritik (Karrer 1977; Rose 1979; Freund 1981) quetanto pode ser utilizada à custa da ideologia do texto original comoerguer essa ideologia como padrão ético (Freund 1977). Desteponto de vista, a paródia actua como um expediente de elevaçãoda consciência, impedindo a aceitação dos pontos de vista estrei­tos, doutrinários, dogmáticos de qualquer grupo ideológico.No entanto, como muitos parodistas «conservadores» provaram,

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não é necessariamente este o caso. O que se pretende em seme­lhante teoria é uma noção mais clara das diferenças e da interac­ção da paródia com a sátira, bem como uma consciencializaçãodo status paradoxal da ideologia da paródia como transgressãoautorizada.

Apresentar uma teoria da paródia que seja pragmática, bemcomo formalistas, é, pois, sugerir que existe uma conexão «mun­dana», pelo menos a dois níveis separados: ao nível da relaçãoda paródia com a sátira, e ao nível da necessidade de considerartodo o acto enunciativo em qualquer consideração da paródia.A lição de grande parte da paródia de hoje é que temos de termuito cuidado ao separar a paródia da sátira. Alguns dos traba­lhos mais interessantes sobre a paródia acabam por se tornar con­fusos, para não dizer turvos, por falta de uma tal distinção(Morson 1981; Rose 1979). Nos segundo e terceiro capítulosvimos que a interacção da paródia com a sátira é uma interacçãocomplexa, mas não confusa ou confundível, dados os seus dife­rentes «alvos» (intramurais e extramurais) e as suas diferentesafinidade com o tropo retórico mais comum a ambas: a ironia.

A sátira é, por certo, uma das maneiras de conduzir o «mundo»à arte, e a sátira paródica e a paródia satírica permitem igual­mente à paródia ser «mundana», ainda que de uma maneira muitoóbvia. A obra de Bertolt Brecht tem sido, talvez, o melhor modelomoderno para a utilização da paródia com fins satíricos (Weiss­tein 1970-1) e teve, indubitavelmente, uma influência importantena popularidade da paródia na literatura alemã moderna (Freund1981,95, 105). Brecht não foi só um ideólogo; foi também ummestre parodista que podia utilizar a paródia para fazer implo­dir toda a temática da representação teatral (Pfrimmer 1971, 75).A sua Drei Groschenoper (Ópera dos Três Vinténs) (Brecht 1979)termina com uma paródia tematizada ao final operático padro­nizado: «Como isto é ópera, e não vida, verão / a justiça cederperante a Humanidade. / Portanto, agora, para parar a nossa his­tória no seu curso / Entra o oficial real a cavalo» (2, lI, 78). E,claro, Brown entra, de facto, em cena com a comutação da penade Macheath e até com um pariato da rainha. Kurt Weill afir­mou, no entanto, que não se trata de paródia no sentido escarne­cedor tradicional da palavra. Trata-se, antes, de «uma instânciada própria ideia de «ópera» a ser utilizada para resolver um con­flito, isto é, à qual é dada uma função no estabelecer do enredo»(99). Brecht transpõe, igualmente, o período de tempo da obra

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original de Gay para os tempos vitorianos burgueses em que agrande ópera e o capitalismo andavam de mãos dadas. Mas oque Handel foi para Gay, Wagner foi para Brecht e Weill.A música moderna choca com o cenário vitoriano, tal comoos mendigos que querem dar uma imagem de respeitabilidadevitoriana recaem muitas vezes na vulgaridade, em especialnas suas canções, e as grandiosas maneiras caem por terra. EmArturo Vi, Brecht serviu-se da paródia como modo de distancia­ção para criar a atitude crítica do teatro épico. Destrói a motivaçãopsicológica com a qual a audiência poderia explicar, sem voltara preocupar-se com isso, a realidade brutal da corrupçãoe violência que tem, com efeito, de ser enfrentada (Pfrimmer1971, 83).

Na obra de Brecht, a paródia e a sátira interactuam de umamaneira complexa e particularmente eficiente. Também na fic­ção moderna, a paródia permite a distância crítica que pode gerarcontacto com o «mundo», mais uma vez através da sátira.Em No Laughing Matter, de Angus Wilson, as paródias à famí­lia dinástica à la Galsworthy e às convenções da linguagem dra­mática (entendendo-a como próxima da linguagem da interacçãosocial) minam (imitando-as ao mesmo tempo) as convenções dorealismo. Há no romance a sugestão de que as deslocações for­mais pretendem espelhar a desintegração do mundo social emque essas convenções funcionam de formas menos alargadas.No romance auto-conscientemente paródico de David Lodge, TheBritish Museum is Falling Down, o herói, que trabalha no MuseuBritânico em Bloomsbury, observa: «Perto de Westminster, orelógio da Sr. a Dalloway batia a meia-hora. Tinha, pensava ele,mudando de posição no seu assento, qualquer coisa de metemp­sicose, a maneira como a sua humilde vida recaía em moldespreparados pela literatura» (1965, 37). A paródia ao estilo deVirginia Woolf e à sua técnica de misturar o trivial e o signifi­cativo para criar realismo psicológico é engenhosa, pois não pode­mos deixar de recordar o jantar em To the Lighthouse (Rumoao Farol) em que a Sr. a Ramsay serve o seu sacramental boeufen daube: «Tinha, achava ela, servindo cuidadosamente aoSr. Bankes um pedaço especialmente tenro, qualquer coisa deeterno.» Se fizermos essa ligação, todavia, recordaremos tam­bém que a essa comunhão epifânica estava presente o académicoestéril Charles Tansley, que finalmente se revela inadequado,como, com efeito, pode revelar-se o herói, desta vez fértil,

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do romance de Lodge. A uma escala maior, são os valores «mun­danos», de Bloomsbury, bem como seu estilo, que estamos arecordar. O British Museum pode estar a cair, mas a desinte­gração daquilo que representa é lamentada e não ridicularizada.Trata-se do mesmo tipo de paródia satírica que encontramos emlhe French Lieutenant's Woman, de Fowles, ou, mais recente­mente, noutro romance que parodia o romance vitoriano como fito de revelar o que o mundo vitoriano ocultava: A Bloods­moor Romance, de Joyce Carol Oates. Esta obra foi chamadade «melodrama revisiollÍsta» (Mars-Jones 1983, 79) na sua paródiaà recusa da forma do romance em ser mais aberto e na sua sátira

da sociedade que fazia o mesmo.No entanto, sob alguns aspectos, esta mescla de paródia e sátira

não é nova no romance. Os leitores das obras de Samuel Richardsonestavam habituados à convenção do uso de asteriscos em vez denomes, presumivelmente para preservar o anonimato. Nas mãosde Sterne, em Tristram Shandy, o uso dos asteriscos torna-seredundante, pois ele fornece-nos informação suficiente para iden­tificar facilmente a pessoa ou o lugar. Ou usava-os como meiode censura ou de criar suspense. Muitas vezes, a prática parecetão arbitrária que Tristram parece servir-se das estrelinhas paraevitar aborrecer-se a escrever o discurso. Geralmente, contudo,as omissões são sugestivas - sexualmente sugestivas. É, talvez,a lubricidade subjacente da reticência de Richardson que é sati­rizada através da paródia de Sterne à convenção.

Esta interacção paródia/sátira não é, portanto, nova noromance; não é sequer única na literatura. O bicentenário dosEstados Unidos da América inspirou uma torrente de paródiasa pinturas patrióticas como o retrato de George Washington, deGilbert Stuart, ou A Batalha de Bunker 's RiU e A Assinatura daDeclaração de Independência, de Trumbull. O título de AnOutline of History, de Larry Rivers, parodia uma instituição ame­ricana, ao passo que a pintura em si é apenas literalmente umesboço (outline) da Assinatura, de Trumbull. E entre as assina­turas encontra-se a de Bob Morris, um artista conhecido pelasua independência. As sátiras de Ad Reinhardt da cena artísticanova-iorquina dos anos cinquenta adoptou uma forma paródica,mas a sua conexão «mundana» era nítica: ele queria que os pin­tores parassem de vender o mundo da arte por dinheiro (Hess1974,51). A pintura de Jasper John, White Flag, satiriza o cultoda América pela sua bandeira. Nela encontramos parodiadas as

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familiares estrelas e faixas em tecido, mas esta bandeira é fixae plana, e não pode flutuar no ar. As suas cores evocativas foramtambém descoradas. John esvazia a forma da bandeira do seu

impacto emocional; «abstrai-a», transformando-a numa pintura(Hugues 1980,340-1). Ao fazê-Io, dá-nos a entender que as ban­deiras são, em certo sentido, apenas formas abstractas a cuja uti­lização social foi conferido sentido. A paródia de John faz comque elas deixem de funcionar socialmente.

Existe um nível semelhante de comentário satírico nos filmesde Brian de Palma. Dressed to Kill (Vestida para Matar) é umaparódia a Psycho, de Hitchcock, mas o psicopata ou assassinoé, significativamente, o psiquiatra. Blowout, como o título sugere,transpõe o código visual de Blow-Up, de Antonioni, para umcódigo auditivo, com a mesma focalização política. O filme abrecom uma paródia deliberadamente má a Psycho, de Hitchcock,que actua como sinal, tal como o título, para que a audiênciaprocure textos paródicos em fundo. Dentro da paródia má, umgrito de mulher é tão desajeitado que tem de ser gravado de novo;dentro do próprio filme, o grito final de dor real é silencioso.No fim, a dimensão política não pode ser separada da estética,paródica neste filme.

A sátira, contudo, não é a única via através da qual se podever o «mundo» invadir a paródia, como notámos. Existem, pelomenos, dois outros níveis menos óbvios de «mundaneidade» naparódia, um com raízes na bidireccionalidade da legitimidadeda paródia (quarto capítulo) e o outro baseado na partilha doscódigos paródicos (quinto capítulo). O status ideológico da paró­dia é paradoxal, pois a paródia pressupõe autoridade e transgres­são da mesma ou, como acabámos de ver, repetição e diferença.As implicações deste paradoxo relativamente às artes visuaisforam examinadas por Benjamim BucWoh (1982). Ele argumentaque a apropriàção paródica por Picabia do estilo de desenho deplanos e diagramas de engenharia é, em última análise, conser­vadora: limita-se a fazer com que os desenhos lineares do artistaindividual pareçam o projecto de um técnico anónimo. Por outraspalavras, embora parecendo contestar aquilo que designei porestética romântica, esta obra não cancela realmente a presençado artista, ou pelo menos não o faz da mesma maneira que ourinol de Duchamp faz. No seu desafio à validade de todo o sis­tema de arte, este último substitui um simulacro individualmentemanufacturado por um objecto real produzido em massa num

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espaço real (Buchloh 1982, 30). Buchloh argumenta que a paró­dia pode ser simultaneamente um modo de cumplicidade essen­cial e reconciliação secreta e também uma maneira real derevolucionar a arte. Ele aponta Sigmar Polke e Gerhard Richtercomo pintores alemães dos anos 60 que se serviram da paródia,como fizeram os artistas pop americanos, para confrontar ahistória e a tecnologia, combinando uma apropriaÇão irónicade formas culturais baixas com uma apropriaçã6 estilísticada arte elevada, justapondo «código rei ficado e codificação sub­versiva» (33).

Muito embora admitindo que a paródia actua, muitas vezes,como autorização conservadora da tradição, Buchloh admiteigualmente que ela tem potencial para <<negara validade da práftica da arte como individuação» (34). Ao dizer isto, ele refere-sea mais do que ao desafio da paródia à estética romântica e atéao conceito do «sujeito»; ele pretende, também, ligar a apropriaçãoou a paródia a um desafio à visão capitalista da arte como indi­vidualidade e logo como propriedade privada. Afinal de contas,

a raiz latina da palavra apropriaçãp é proprium, propriedade- aquilo que pertence a uma pessoa. Mas, conquanto seja ver­

dade que o empréstimo ou roubo ~aródico desafia isto, e quea paródia pode, certamente, aproprIar-se do passado com o fimde efectuar uma crítica cultural, também é verdade que qualquerconceito de apropriação textual deve, implicitamente, dar umcerto valor ao original. Com efeito, houve quem argumentasseque o passado é pirateado, com frequência, pela vanguarda, comoforma de suavizar e dar simultaneamente sentido à radicalidade:o novo só pode chocar quando subscrito pelo velho. Teriam asfotografias alteradas de Arnold Rainer do seu próprio rosto dis­torcido algum sentido ou impacto sem a longa tradição de auto­-retratos que remonta, através das auto-imagens realçadasexpressionisticamente de Van Gogh e Kokoschka, os seus pre­cursores em Rembrandt e muitos outros (Hughes 1980,253, 4)?Aquilo que designei anteriormente por transgressão autorizadada paródia poderia, igualmente, ser vista como uma «não con­vencionalidade convencional», «uma posse da História com o fimde assegurar um lugar próprio na História» (Barber 1983-4, 32).

Uma segunda forma de a paródia manifestar a sua «munda­neidade» é a que foi examinada no quinto capítulo. Ao argumentarque qualquer teoria da paródia se deve basear numa considera­ção de todo o acto de énonciation (a produção e recepção con-

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textualizadas de textos), quis sublinhar que a «situação do textono mundo» envolvia a partilha de códigos num acto de comuni­cação entre codificador e descodificador. lonathan Culler revelainteresse apenas pela última (e apenas numa definição limitadada paródia) quando afirma: «Ao chamar paródia a alguma coisa,estamos a especificar a forma como deveria ser lida, libertando­-nos das exigências da seriedade poética, e tornando inteligíveistraços curiosos da paródia» (1975, 152). A paródia, por esta defi­nição, torna-se um acto essencial de cooptação, um fazer sen­tido do ininteligível, por imposição do código da paródia. Estesublinhar da importância do acto interpretativo do receptor dotexto tem sido reforçado pelas visões pós-modernistas da paró­dia como perjormance, como envolvendo um aumento do tra­balho e participação do descodificador, obrigado a recorrerextensivamente à sua memória artística. Mas penso que é ideo­logicamente ingénuo afirmar que tal participação é necessaria­mente mais democrática, como afirma lohn Sturrock (1979, 17).Como vimos no quinto capítulo, o poder da manipulação esté­tica do receptor existe; é apenas uma questão da medida em quenos tornam conscientes disso, ou da liberdade que nos fazemsentir.

David Caute (1972) argumentava que, se a arte deseja levar­-nos a questionar aquilo a que tenho vindo a chamar o «mundo»,deve questionar-se a expor-se a si mesma em nome da acçãopública. Deve tornar-se, segundo os seus termos, «dialéctica»(33) e deve centrar-se, em literatura, tanto no escritor como noleitor (145), como deve fazê-l0 a crítica que dela se ocupa.Eu diria que devemos dar mais um passo. Devemos tomar emconsideração todo o acto enunciativo: o texto e as «posições sub­jectivas» de codificador e descodificador, mas também os várioscontextos (histórico, social, ideológico) que medeiam esse actocomunicativo. O Romantismo centrava-se quase exclusivamenteno autor; por reacção, o formalismo dirigia-se ao texto; a teoriada recepção (reader-response) considera apenas o texto e o lei­tor. A paródia de hoje aponta a necessidade de ir para além des­sas limitações. Repetir, mesmo com diferença crítica, é fazerparte desse desafio pós-estruturalista contemporâneo à noção dosujeito como fonte individual de sentido. Compositores comoGeorge Rochberg trabalham consciosamente no sentido de sub­verter essa ideologia do ego e do estilo pessoal, frequentementeassociado historicamente ao capitalismo (ver as notas da capa

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do seu Quarteto de Cordas n. 03, Nonesuch H-71283). A paró­dia literária participa também na moderna contestação estrutu­ralista da noção de transparência linguística. Se há textos quese referem a outros, toda a noção de referência deve ser reexa­minada.

a terceiro debate contemporâneo que implica a paródia de umamaneira directa é o que envolve o questionar dos conceitos deobjectividade e clausura. A metaficção actual subverte as noçõesformalistas de clausura pelo seu deleite auto-referencial na arbi­trariedade paródica. Na música de hoje, a paródia ofereceu umasaída da clausura modernista, mais uma vez através da auto­-reflexividade. Face ao isolamento causado pela perda de umasintaxe musical comum, os compositores voltam-se, muitas vezes,para o estabelecimento de elos explícitos com tradições musi­cais mais antigas que oferecem «uma espécie de ressonância his­tórica» (Morgan 1977, 46). George Crumb, por exemplo, invocaa música medieval e oitocentista através da alusão; as composi­ções vocais de Penderecki utilizam materiais semelhantes ao can­tochão. Para estes compositores, o sentido da tradição musicalfoi transformado pela paródia: «Em vez de ser alguma coisa quepassou por uma evolução contínua de geração em geração, a pró­pria tradição torna-se «contextual». Tal como o sistema musi­cal, ela define-se em relação a cada composição individual,que adquire as suas próprias correspondências históricas únicas»(Morgan 1977, 46). É, por outras palavras, o contexto enuncia­tivo da paródia que altera a história artística e o sentido. Estescompositores também demonstraram a necessidade de modifi­car toda a noção de contexto no sentido de incluir até mesmoconsiderações ideológicas. a trabalho de Adorno sobre a socio­logia da música é citado, com frequência, como apresentandouma via para destruir o isolamento e clausura da música ociden­tal, para impedir o solipsismo, apesar da perda, quer de lingua­gem comum, quer da necessária individualidade de estruturas.

Talvez paradoxalmente, é a paródia que indica esta necessi­dade de «situar» a arte, tanto no acto da énonciation, como noscontextos históricos e ideológicos mais vastos, implícito nesseacto. Na crítica literária, foi exactamente esta dimensão que foibanida pelo anterior New Criticism (ver Lentricchia 1980) e, maisuma vez, pelas teorias formalista, fenomenológica, hermenêu­tica e pós-estruturalista actuais (ver Eagleton 1983). Isto sugeri­ria, pois, que uma teoria da paródia moderna deve ir além destas

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ortodoxias particulares, no sentido de não dever começar den­tro de nenhumas destas perspectivas, se é que espera explicara complexidade paradoxal da paródia. A paródia não é o exem­plo arquetípico da clausura formalista ou da introversão textualque muitos tentaram fazer dela. Foi Bakhtin, o valorizador daparódia, que defendeu também que «o signo não pode ser sepa­rado da situação social sem renunciar .~.sua natureza como signo»[(Bakhtin) Volosinov 1973, 95]. abril coisa que a paródia nãoé é um paradigma infinitamente expansível da ficcionalidade ouda textualidade. a «mundo» pode ser mais a localização de for­ças textuais que aquilo que Said admite, mas a prática paródicado século xx não parece, realmente, autorizar uma extensãonietzscheana da paródia àquilo que, em última análise, se tornaum sistema do mundo (ver Gilman 1976, 21-8).

A paródia historia, colocando a arte dentro da história da arte;a sua inclusão de todo o acto enunciativo, e a sua paradoxal trans­gressão autorizada de normas, permite certas considerações ideo­lógicas. A sua interacção com a sátira dá abertamente espaçopara dimensões sociais acrescidas. Zetig, de Woody Allen, é umaparódia a um filme anterior, They Might Be Giants (EncontroMarcado), à qual não falta um paciente do sexo masculino comuma mania (pensa que é Sherlock Holmes) e uma psiquiatra(o Df. Watson, evidentemente). É também, e de modo mais sig­nificativo, uma paródia à forma do documentário televisivo e cine­matográfico, que faz do seu herói ficcional o fulcro da sua época,inserindo-o em cenas históricas reais e comentando a sua impor­tância histórica através das palavras de pessoas reais (SusanSontag, Saul Bellow, Irving Howe). A história do homem quemudou fisicamente (de nacionalidade, de raça, de tamanho) paraser amado, para se adaptar, intersecta-se com a ascensão de Hitlere com a morte horrível dos que não se adaptavam. A interacçãoda paródia com a sátira, aqui, é quase brechtiana na sua eficiên­cia ideológica.

Mas a paródia implica, também, outro tipo de conexão «mun­dana». a facto de se apropriar do passado, da História, o ques~tionar do contemporâneo, «referenciando-o» com um conjuntode códigos diferente, é uma forma de estabelecer continuidadeque pode, em si mesma, ter implicações ideológicas, a corolá­rio da estética de autonomia e formalismo do modernismo foi

o seu isolamento da prática sócio-política (Buchloh 1982, 28).Através dos seus objectos anódinos e dos seus métodos tecnoló-

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gicos de reprodução mecânica, a arte pop paródica de Warhole Rauschberg sugere um ataque ao discurso da arte elevada eao seu isolamento da realidade social. (Isto não quer dizer quea nossa cultura capitalista não seja capaz de cooptar até mesmoestes desafios, tornando-se produções individuais da arte elevadae propriedade privada dispendiosa.) Citando os termos, um tantobizarros, de Benjamin Buchloh:

A apropriação parodística revela a situação de rotura doindivíduo na prática artística contemporânea. O indivíduotem de reclamar a constituição do eu em elocuções primá­rias originais, achando-se embora dolorosamente conscientedo grau de determinação necessário para inscrever a elo­cução nas convenções e regras de codificação dominantes;a prática significante reinante deve ser subvertida e a suadesconstrução situada num sistema de distribuição (o mer­cado), numa forma de circulação (a mercadoria), e num sis­tema de legitimação cultural (as instituições de arte).

(1982, 30)

Também na literatura dos nossos dias, é o esteticismo «elitista»,associado ao modernismo, que é com frequência o fulcro da paró­dia que se pretende comentário ideológico. No primeiro capí­tulo, vimos que o Hugh Selwin Mauberley, de Ezra Pound, existianum inferno dantesco, uma inversão irónica do mundo estéticoe moral da Divina Comédia. A utilização subsequente, porTimothy Findley, do texto de Pound como fundo paródico parao seu romance, Famous Last Words, acrescenta outro nível decomplexidade à função ideológica da paródia. Os «obscuros deva­neios/ da contemplação interior» do anti-herói de Pound são asso­ciados no poema à destruição, mas no romance de FindleyMauberley morre, literalmente, com um furador de gelo numolho. Os soldados de Pound, caminhando «de olhos mergulha­dos no inferno» em campos de morte que excedem as «histerias,confissões de trincheira,/riso saído de barrigas mortas» da guerra,reaparecem no romance de Findley para servirem de testemu­nhas da confissão daquele que ignorou esse horror em nome dabeleza. O amor impotente no poema de Pound (parodiando a castadevoção de Dante por Beatriz) é mais uma vez invertido noromance na relação do Mauberley ficcional com a historicamentereal Duquesa de Windsor. Não podemos separar a paródia da

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história neste romance; nem podemos ignorar o comentário ideo­lógico sobre o silêncio do esteticismo.

A literatura, o cinema, as artes visuais e a música podem, todoseles, servir-se hoje da paródia para comentar o «mundo» dealguma maneira. Mas a forma de arte que mais aberta e maisprogramaticamente se apropriou do passado para fins ideológi­cos é nitidamente a arquitectura que é, em certo sentido, a maispública das artes. Ao fazê-Io, ela toma parte num desejo pós­-modernista geral de estabelecer um diálogo com o passado (Kris­teva 1980b; Calinescu 1980). Na poesia, este diálogo tomou aforma de experiências com textos linguísticos preformados «paradescobrir se era possível chegar ao novo e significativo atravésdo uso do antigo e do trivial» (Antin 1980, 131). Tal como oscompositores, pintores, romancistas e poetas, também os arqui­tectos procuraram dar outras significações a trabalhos prévios,por meio da paródia que reestrutura ou «transcontextualiza» opassado. Os que são conhecidos hoje pelo rótulo de arquitectospós-modernistas são um grupo ecléctico que tem de comum umsentido histórico e um desejo de devolver à arquitectura um sen­tido de comunicação e de comunidade. A sua precursora nestaúltima finalidade é, talvez, a escola de arquitectura de Amester­dão do período de 1915-1930 (Piet Kramer, Michel de Klerk),que queria restaurar no século xx, através da arquitectura,o espírito de comunidade da Idade Média. (Não optaram, toda­via, por copiar ou parodiar formas medievais.)

Paolo Portoghesi não é o único, entre os arquitectos pós­-modernistas, a dar uma forte ênfase à importância da comuni­dade e da função (1974, VIII). Todos vêem a arquitectura comouma força humanizante, uma força que parodia o passado parafins ideológicos. Mas o passado não pode deixar de ser impor­tante para um arquitecto que trabalha em Roma, confrontado nãosó com as cam~das da História, mas com o exemplo das formasdos arquitectos barrocos tratarem esse passado. Para Portoghesi,esta consciência histórica paródica é a fonte da continuidade ­tanto estética como social. Ele vê o pós-Modernismo baseadona interacção da memória histórica com o novo; por outras pala­vras, essa interacção revela a necessidade de «transcontextuali­zar», de dar aos edifícios uma nova relação, quer com o passado,quer com o seu meio ambiente presente (1982, 29).

Charles Jencks e Paolo Portoghesi são os maiores teorizado­res porta-vozes do pós-Modernismo arquitectónico. Foi Jencks

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quem defendeu que a arquitectura devia ser vista como transmi­tindo sentido através da linguagem e da convenção e que, con­sequentemente, devíamos olhar para o passado para alargar ovocabulário da forma a que temos acesso. O nosso discurso como passado, afirma, não é uma linguagem integrada como a daRenascença ou do Barroco; é antes pluralista e ecléctica (1980a,16). Mas é, decididamente, duplamente codificada ou (para uti­lizar aqui os meus termos) paródica. O objectivo da arquitec­tura pós-modernista, afirma Jencks:

Fornecer um discurso público digno do nosso tempo, umdiscurso articulado e dignificado que não só nos leve a vero nosso passado de uma maneira nova e reparadora, masque também nos fale coerentemente acerca da variedade dediferentes crenças, modos de vida e funções de construção.

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A apropriação estética do passado é, pois, motivada aqui poruma reacção contra a influência redutiva e destrutiva do altoModernismo no nosso ambiente urbano. As consequências doModernismo são epitomadas, para Jencks, pelo desprezo pelolugar e função do projecto habitacional Pruitt-Igoe em St. Louis.A sua destruição literal assinalou o malogro da ideologia moder­nista que afirmava que a forma estética pura conduziria neces­sariamente a uma conduta social apropriada (1977, 9).

Também para Portoghesi, o inimigo é o Modernismo, mas eleestá igualmente consciente da relação edipiana do arquitecto como seu passado imediato - da sua necessidade de romper comele, mas também da sua tentação simultânea de extrair dele osmateriais elementares da construção futura (Portoghesi 1982, 3).Daí a utilização da paródia, o código duplo do pós-Modernismo.O Modernismo separou, consciente e deliberadamente, a arqui­tectura do seu passado; era simultaneamente elitista e obscuro.Na análise de Portoghesi, diz-se que o Modernismo sobreviveutanto tempo (e tem sido tão universal como tem sido) por causado apoio que lhe é fornecido pela sua aliança com o poder, como sistema industrial (1982, 3). Também Jencks liga o Moder­nismo aos monopólios e grandes empresas, com exposições inter­nacionais que encorajaram padrões de aceitabilidade de massas,com esses mega-edifícios que substituíram fábricas e lojas - oscomplexos industriais e centros comerciais que os arquitectos

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modernistas construíram sem conta (1977, 26-37). Os novos feitosde engenharia que a tecnologia tornou possíveis levaram àquiloque muitos vêem como a fetichização pelo Modernismo dos meiosde produção - em termos de tecnologia e de materiais de cons­trução. Assim, o Modernismo tinha de rejeitar o historicismoe a experiência do passado para poder impor a sua estética(e ideologia) analítica, geométrica, racionalista (portoghesi 1982, 4).Este ignorar da memória colectiva interrompeu o processo con­tínuo da reciclagem do passado que constituía a transformaçãocriativa de toda a arquitectura (17).

Esta rejeição da História teve uma componente abertamenteideológica: a arquitectura tornou-se uma parte importante do mitomoderno da reforma social. Presumia-se que a rejeição elitistamodernista de tudo o que não fosse a forma pura viria a ter bonsefeitos sociais. Não foi, de facto, esse o caso, como o documentahabilidosamente Jane Jacobs em The Death and Life of GreatAmerican Cities (1961). No entanto, o Modernismo via-se como«profético, severo e prescritivo» (Portoghesi 1982,29), utópicona sua crença de que a arquitectura podia modelar o comporta­mento social das massas, especialmente através de estruturascolectivas ou do que Jencks (1982, 50) alcunhou de Slick-Techou Corporate Ejjidency. O arquitecto era o médico ou salvadorda sociedade. Mais tarde, no exagero das tendências do Moder­nismo que Jencks rotula de «modernismo tardio» (Late­-Modernism), o arquitecto tornou-se um prestador de serviços,com a sugestão de que há qualquer coisa de igualitário e agnós­tico no fabrico de cimento, aço e vidro.

O pós-Modernismo assinala uma rejeição consciente desta ideo­logia. Hoje, o arquitecto é visto mais como um activista ou umrepresentante. Mas o facto de a forma pós-moderna ser sempre,por definição, de código duplo é uma garantia de que o Moder­nismo não será rejeitado sem mais: ele é criticamente revisto,selectivamente parodiado. Este tipo de arquitectura é, de facto,duplamente paródico: é uma reelaboração do modernismo e,igualmente, de outra tradição. Nos edifícios públicos, em quea ideologia é talvez mais visível, a outra tradição parodiada émuitas vezes a da arquitectura clássica. A razão disto é dada peloarquitecto Robert Stern:

Na busca de uma base mais ampla para a forma, a tradiçãoclássica oferece um conjunto de referências que continuam

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a ser significativas para o público e demonstram ainda asua utilidade de composição para os arquitectos. Reconhe­cendo isto, não defendemos necessariamente um regressoou uma revivência do passado, mas antes um reconheci­mento da continuidade do passado no presente.

(Citado por Jencks 1980b, 35)

Mesmo na habitação privada, os arquitectos procuraram acres­centar uma dimensão pública, fundindo estilos domésticos locaiscom o classicismo: o Matthews St. House Project, de ThomasGordon Smith, e as suas Tuscan e Laurentian Houses constituembons exemplos deste tipo de paródia dupla. Não se trata apenasde uma citação ou resemantização elitista de linguagens arqui­tectónicas prévias. Até os modernistas fIzeram o mesmo, em espe­cial nos interiores que desenhavam para serem reproduzidas nasrevistas destinadas aos consumidores (Jencks e Chaitkin 1982,74,77,83). Também não se trata de revivalismo directo, comonas casas de campo inglesas da classe alta de Quinland Terry.Encontra-se, aqui, envolvida uma distância irónica necessária nofacto de ser o guardião do legado arquitectónico. Na sua absor­ção de códigos em conflito, o pós-Modernismo é pluralista e iró­nico. Podemos vê-lo na significação dupla do uso que faz doornamento. Qualquer uso do ornamento é imediatamente anti­modernista; contudo, as colunas e fontenários de Charles Moorena sua Piazza d'Italia, apesar de toda a sua ornamentação clás­sica, são pré-fabricadas. Não é decoração feita à mão; a indivi­dualidade romântica e a mestria gótica foram substituídas pelaimpessoalidade modernista que utiliza máquinas-ferramentas. Mastudo isto está inserido no contexto de uma celebração de identi­dade pública (a da comunidade italiana de Nova Orleães). O com­plexo de Édipo do arquitecto, em relação ao seu passadomodernista, é evidente.

A paródia arquitectónica, neste sentido, tem implicações ideo­lógicas porque, como diz Jencks (Jencks e Chaitkin 1982, 178),ela é e representa simultaneamente. Assinala um retorno, nãosó ao passado, mas, simultaneamente, ao que o passado repre­sentava, quer em relação à função, quer à comunicação. Nãoé de surpreender que muitos pós-modernistas vejam em EdwinLutyens o seu precursor, o antimodernista contemporâneo deFrank Lloyd Wright, cujas paródias estilísticas a fontes históricas

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e contemporâneas foram postas à disposição, e segundo o desejo,de quem efectivamente habitasse as suas criações.

O retorno à função e à comunicação é o que permite que oelemento da ideologia entre na paródia arquitectónica pós­-modernista. No seu trabalho em Las Vegas, os Venturis, que­rem, segundo Jencks:

Expressar, de uma forma branda, uma apreciação mistapelo American Way of Life. Respeito ressentido, mas nãoaceitação total. Eles não são adeptos de todos os valoresde uma sociedade de consumo, mas querem falar a essasociedade, ainda que parcialmente em dissidência.

(1977, 70)

A arquitectura pós-moderna revela tudo, desde um irreverente«torcer o nariz» fowlesiano a uma «homenagem» ao passado, querao passado estético quer ao social. Mas, como toda a paródiamoderna, fá-lo sempre através de repetição com diferença crí­tica. Mais uma vez, é Robert Stern quem melhor o expressa:

A nossa atitude perante a forma, que se baseia num amorpela História e numa consciência dela, não implica repro­dução exacta. É ecléctica e é utilizada como uma técnicade colagem e justaposição, para dar novo sentido a for­mas conhecidas e parte, desse modo, em novas direcções.A nossa fé está no poder da memória (História), combi­nada com riqueza e sentido. Se a arquitectura pretendeobter êxito na sua tentativa de participar criativamente nopresente, é necessário que vença o iconoclasmo dos últi­mos cinquenta anos do movimento moderno ou o forma­lismo limitado de tantos trabalhos recentes, e que reclameuma base cultural e uma leitura o mais completa possíveldo passado.

(Citado por Portoghesi 1982, 89)

Essa leitura do passado pode ser feita em muitos estados deespírito e com vários graus de complexidade. O seu alcance énítido na obra de Robert Venturi. A sua reciclagem paródica eirónica das formas históricas visa não só uma codifIcação dupla,

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(1978, 25)

mas uma comunicação dualista, quer em relação à minoria dearquitectos e historiadores que verão todo este jogo paródico,quer ao público em geral. Pretende provocar reacção em todosos espectadores.

Neste contexto, não é por acaso que Jencks (1980a, 181) decidemencionar T. S. Eliot, juntamente com o desejo pós-modernistade mudar a nossa maneira de ver o passado. Tal como na poesiade Eliot, existe um alto grau de empenhamento do descodifica­dor, combinado com um elevado grau de complexidade textual.E a paródia é central a ambos. Se os teóricos pós-modernistasnão utilizam com frequência a palavra paródia, eu diria que épor causa da forte interdição negativa sob a qual a paródia seencontra ainda e por causa da sua trivialização, devida à inclu­são do ridículo na sua definição. Estes arquitectos não querem,evidentemente, fazer pouco do passado. A sua «visão da inter­conexão» (Russell 1980, 189) é o que os torna parte não só deuma recente consciência pós-modernista, mas da consciência esté­tica de todo o nosso século.

A paródia é hoje dotada do poder de renovar. Não precisa deo fazer, mas pode fazê-Io. Não nos devemos esquecer da natu­reza híbrida da conexão da paródia com o «mundo», da misturade impulsos conservadores e revolucionários em termos estéti­cos e sociais. O que tem sido tradicionalmente chamado paródiaprivilegia o impulso normativo, mas a arte de hoje abunda igual­mente em exemplos do poder da paródia em revitalizar. Citandoas palavras de Leo Steinberg:

Há casos sem conta em que o artista investe a obra emque se vai basear de relevância renovada; ele concede-lheuma viabilidade até então insuspeitada; actualiza as suaspotencialidades, como um Brahms tomando temas de Han­deI ou Haydn. Ele pode limpar as teias de aranha e dotarde frescura coisas que se consumiam no esquecimento ou,o que é pior, que se haviam tornado banais através de umafalsa familiaridade. Alterando o seu ambiente, um artistados nossos dias pode emprestar a imagens moribundas umrecomeço de vida.

Que esta renovação pode ter implicações sociais é tão patentena arquitectura pós-modernista como o é em romances como The

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French Lieutenant's Woman ou Famous Last Words. Como acre­

dito que não existem definições completamente trans-histó­ricas possíveis da paródia, segue-se que o status social ou«mundano» da paródia também não pode nunca ser fixado, oufinal e permanentemente definido. Mas o «mundo» não desa­parece no «tráfico interarte» que é a paródia. Através da interac­ção com a sátira, através da necessidade pragmática decódigos comuns entre codificado r e descodificador, e atra­vés do paradoxo da sua transgressão autorizada, a apropriaçãoparódica do passado estende-se para além da introversão textuale do narcisismo estético, dirigindo-se à «situação do texto nomundo».

Se isto é verdade, então certamente que a paródia terá deser tomada mais a sério do que o permitem alguns críticos.Jonathan Culler, por exemplo, descreve o «espírito» da paródiadesta forma: <<Vejocomo este poema funciona; vejam como éfácil expor a verbosidade deste poema; os seus efeitos sãoimitáveis e logo artificiais; a sua proeza é frágil e dependede as convenções de leitura serem tomadas a sério» (1975,153). O que se requer é uma noção mais ampla das convençõesda leitura, e uma noção assim alargada deve basear-se, até certoponto, nos tipos de textos lidos. Por outras palavras, é noacto de olhar realmente para os textos paródicos didácticosda arte moderna que podemos chegar a descobrir o verdadeiro«espírito» da paródia. É por isso que a minha chamada «teoria»da paródia deriva dos ensinamentos dos textos em si, e nãode qualquer estrutura teórica imposta do exterior. A paródiade hoje não pode ser explicada totalmente em termos estrutu­ralistas de forma, no contexto hermenêutico de resposta,num enquadramento semiótico-ideológico ou numa absorção pós­-estruturalista de tudo pela textualidade. Todavia, as complexasdeterminantes da paródia envolvem, de certa forma, todas estasperspectivas críticas coerentes - e muitas mais. Assim é quea paródia pode, quiçá inadvertidamente, servir uma outrafunção útil hoje: pode pôr em dúvida a tendência para o monoli­tismo na teoria moderna. Se há muitas perspectivas que nosajudam a compreender este fenómeno moderno universal, masnenhuma é suficiente em si, como poderíamos, então, afirmarque uma abordagem estruturalista, semiótica, hermenêuticaou desconstrutiva fosse em si totalmente inadequada à tarefa?Não se trata tanto de uma defesa do pluralismo crítico quanto

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de um apelo à teoria, para que se constitua como uma respostaàs realidades estéticas.

As nossas paródias terminaram. Estes nossos autores,Como vos dissemos, eram todos espíritos eEsfumaram-se no ar, no jiníssimo ar.E, tal como a infundada textura destes versos,A baforada do crítico, o anúncio do comércio,A promessa do patrono, e o aplauso do Mundo,Sim, todas as esperanças dos poetas, - se dissolverãoE, como esta insubstancial fábula fadou,Não deixarão um vintém atrás de si!

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165

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1'\, !;!

ÍNDICE

Agradecimentos 9

1

Introdução 11

2

Definição de paródia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

3

O alcance pragmático da paródia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

4

O paradoxo da paródia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .. 89

5

Codificação e descodificação: os códigoscomuns da paródia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 107

6

Conclusão: o mundo, o texto paródico eo teorizador .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 127

Bibliografia 149