246

Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

  • Upload
    ludover

  • View
    227

  • Download
    1

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta
Page 2: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

2

Mary Balogh

Uma Aventura Secreta

Page 3: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

3

Nascida plebeia, Hannah Reid tem sido Duquesa de Dunbarton

desde seus dezenove anos, quando casou com o velho Duque, a quem, segundo

os rumores, era constantemente infiel. Agora seu marido morreu e mais bela

que nunca aos trinta anos, Hannah conseguiu a liberdade que tanto

desejava. Para o choque de sua convencional amiga, anunciou sua intenção

de ter um amante – e não um amante qualquer senão o mais perigoso e

atraente de toda a alta Sociedade londrina: Constantine Huxtable.

A ilegitimidade de Constantine negou o título de Conde a ele, então

agora não nega nada a si próprio. Dizem que leva uma vida fácil e de

prazer carnal em sua casa de campo e que sempre escolhe como amantes às

viúvas mais recentes. Hannah se enquadra perfeitamente dentro de suas

expectativas.

Mas uma vez que estes dois apaixonados e escandalosos personagens se

cruzam descobrem que não é tão fácil se libertarem das chamas do desejo, sem

saírem chamuscados.

Page 4: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

4

CAPÍTULO 1 Hannah Reid, Duquesa de Dunbarton, era livre por fim. Livre da carga de um

matrimônio que durara dez anos e livre do interminável tédio que foi o ano de luto posterior à morte do Duque, seu marido.

Era uma liberdade que estava esperando há muito tempo. Uma liberdade que merecia uma celebração. Casara-se com o Duque cinco dias depois de conhecê-lo. Sua Excelência, impaciente por celebrar as bodas, comprou uma licença especial em

vez de esperar que corressem os proclamas. Hannah tinha dezenove anos e o Duque, setenta e tantos. Ninguém sabia exatamente, embora alguns assegurassem que se aproximava perigosamente dos oitenta.

Naquela época, a Duquesa possuía uma beleza encantadora, uma figura fina e esbelta, olhos azuis que rivalizavam com o céu estival, um rosto alegre sempre disposto a esboçar um sorriso, e uma cabeleira longa e ondulada, tão loira que quase parecia branca. Uma loira platina lustrosa.

O Duque, pelo contrário, tinha um porte e um rosto que mostravam os estragos do passar do tempo e da má vida que possivelmente levara. Além disso, sofria de gota. E de uma doença cardíaca que fazia que seu coração não pulsasse com um ritmo estável.

Hannah se casara com ele por seu dinheiro, é claro, já que esperava se converter em uma viúva muito rica em questão de um par de anos quando muito. Conseguira ser uma viúva rica, incrivelmente rica, de fato, embora tivesse que esperar mais do que pensara a princípio, para obter a liberdade e desfrutar de tal riqueza.

O velho Duque adorara até o chão que ela pisava, tal como rezava o dito popular. Dera-lhe tantas roupas que se alguma vez ocorresse vestir todas de repente, acabaria asfixiada sob seu peso. A fim de acomodar todas as sedas, cetins e peles, inclusos restos das roupas e acessórios – muito dos quais só usara uma ou duas vezes, antes de descartá-los por outros novos – viram-se obrigados a converter em um segundo roupeiro, o dormitório de hóspedes adjacente ao seu roupeiro de Dunbarton House, a residência ducal situada em Hanover Square, em Londres.

O Duque mandou construir não um, nem dois, nem três, mas até quatro cofres de segurança nas paredes do dormitório ducal, para guardar as joias que foi dando de presente a sua amada ao longo dos anos, embora ela gozasse da liberdade para abrir e fechá-los ao seu desejo e para escolher as peças que desejava usar em cada ocasião.

Foi um marido devoto e indulgente. A Duquesa sempre se vestia de maneira impecável. E sempre ia coberta de joias

ostentosas e grandes. Normalmente coalhadas de diamantes. Levava diamantes no cabelo, nas orelhas, no decote, nos pulsos e em mais de um dedo de cada mão.

Page 5: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

5

O Duque mostrava seu troféu por aonde ia, sorrindo orgulhoso e olhando-a com adoração.

Em seus anos de juventude devia ser mais alto que ela, mas a idade o tinha curvado, necessitava de bengala para caminhar e passava a maior parte do tempo sentado.

Sua Duquesa se mantinha perto dele sempre que estavam juntos, mesmo que se tratasse de uma festa e abundassem os pares de dança.

Hannah o atendia com um característico meio sorriso em seus lindos lábios. Projetando a imagem da esposa devota nessas ocasiões. Ninguém podia dizer o contrário.

Quando era impossível o Duque sair, uma situação cada vez mais frequente conforme passavam os anos, outros Cavalheiros acompanhavam a sua Duquesa aos eventos nos quais a alta Sociedade se entretinha sempre que invadia a capital. Havia três Cavalheiros em particular que serviam de acompanhantes, Lorde Hardingraye, Sir Bradley Bentley e o Visconde de Zimmer. Os três eram bonitos, elegantes e simpáticos. Era evidente que os três desfrutavam da companhia da Duquesa e vice-versa.

E ninguém duvidava nunca do que incluía tal desfrute. A única dúvida que abrigava a alta Sociedade e que se perguntavam com frequência,

embora jamais se obtivesse uma confirmação cortante, era se o Duque estava a par ou não, do muito que desfrutava sua esposa. Inclusive havia quem se perguntasse se o Duque dera seu beneplácito à situação. Entretanto, por mais delicioso que fosse o escândalo – no caso de serem verdadeiros – quase todos sentiam simpatia pelo Duque, sobretudo porque dada sua idade, despertava a pena de seus pares, e preferiam duvidar antes de vê-lo como a um pobre ancião corno.

Essas mesmas pessoas gostavam de referir-se à Duquesa como a buscadora de ouro carregada de diamantes, frequentemente com o adendo, que vai de cama em cama.

Tais pessoas costumavam ser mulheres. E de repente a deslumbrante vida social da Duquesa, seus escandalosos namoricos e o

espantoso encarceramento que supunha ser seu matrimônio com um homem velho e doente chegaram ao fim numa manhã cedo, com a inesperada morte do Duque, que sofrera um ataque do coração. Entretanto, não foi tão cedo quanto esperava, quando aceitou casar-se com ele, claro. Por fim, tinha a fortuna que ansiava, embora pagasse com acréscimo por ela. Pagara com sua juventude.

Quando o Duque morreu, Hannah completara vinte e nove anos. E tinha trinta quando abandonou o luto, depois de passar os Natais em Copeland, sua residência campestre situada em Kent. Um presente do Duque a fim de que não se visse obrigada a partir, quando seu sobrinho tomasse posse do título e das propriedades vinculadas ao ducado.

Seu nome completo era Copeland Manor, uma Mansão em toda regra, rodeada por uma extensa propriedade, e não uma residência mais modesta como a palavra Manor dava a entender. E dessa forma, aos trinta anos, passada a flor da juventude, a Duquesa de Dunbarton conseguiu por fim a liberdade. E uma fortuna imensa.

Page 6: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

6

Estava desejando celebrar tal liberdade. Depois que passou a Semana Santa foi para Londres, disposta a desfrutar da temporada social.

Instalou-se em Dunbarton House, já que o novo Duque era um agradável homem de meia idade, que preferia viver no campo contando suas ovelhas a estar na capital ocupando seu lugar na Câmara dos Lordes. Lugar ao qual deveria escutar os intermináveis discursos de seus pares, sobre assuntos talvez fossem cruciais para o país ou inclusive para o mundo, mas que não o interessavam o mínimo.

Os políticos eram uns chatos de fio a pavio, costumava dizer a qualquer um que puxasse o assunto em conversa. E posto que fosse um Cavalheiro solteiro, não tinha ninguém que assinalasse que suas obrigações na Câmara não eram a única razão para ir para Londres na primavera.

De modo que a Duquesa podia instalar-se em Dunbarton House e celebrar todos os bailes que quisesse com seu beneplácito. Assim o fez saber. Desde que, especificou, não enviasse as faturas. O último comentário era fruto de sua mesquinharia.

A Duquesa, é claro, não precisava enviar as faturas a ninguém. Tinha uma imensa fortuna em seu nome. Ela mesma poderia pagá-las. Certamente deixara para trás a flor da juventude, os trinta anos era uma idade espantosa para uma mulher, mas continuava sendo muito bonita. Ninguém poderia discutir esse fato, embora mais de uma gostasse.

Na realidade, a essa altura da vida era mais bonita que aos dezenove anos. Ganhara peso durante esses anos e tais quilos se assentaram nos lugares precisos.

Ainda era magra, mas possuía curvas generosas. Seu rosto, menos alegre e confiante que antigamente, contava com uma estrutura óssea e cútis perfeitas. Sorria com frequência, embora fosse uma expressão algo arrogante, sedutora e muito misteriosa, como se sorrisse por algum motivo pessoal, que não tivesse nada a ver com o mundo que a rodeava. Seu olhar tinha uma expressão quase sensual que sugeria quartos, sonhos e segredos. E seu cabelo, graças às mãos dos melhores peritos, sempre estava na última moda, com penteados calmos e um pouco alvoroçados que mais pareciam estar a ponto de desfazer-se a qualquer momento. O fato de que jamais acontecesse suscitava ainda mais curiosidade.

O cabelo era seu melhor traço físico, diziam muitos. Salvo possivelmente por seus olhos. Ou por sua figura. Ou por seus dentes, que eram muito brancos e bonitos. Assim era como a alta Sociedade via a Duquesa de Dunbarton, seu matrimônio com o velho Duque e sua volta a Londres convertida em uma viúva rica, que por fim, era livre. Mas ninguém sabia nada, é claro. Ninguém compartilhou seu matrimônio, nem sabia se tinha funcionado ou não. Ninguém, salvo o Duque e ela, é claro.

O Duque se encerrara cada vez mais em sua casa, sobretudo durante seus últimos anos de vida, e a Duquesa contava com uma horda de conhecidos, mas se ignorava que tivesse amizades de verdade. Contentara-se escondendo atrás da fachada de luxo e mistério que projetava.

Page 7: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

7

A alta Sociedade, que jamais se cansara de especular sobre ela durante os dez anos de seu matrimônio, voltou a fazê-lo depois do intervalo de um ano. Na realidade, converteu-se no tema de conversa preferido nos salões e durante os jantares.

A alta Sociedade se perguntava o que ia fazer a Duquesa com sua vida uma vez livre. Ninguém esquecera que quando pescara o Duque de Dunbarton e o convencera por fim a se casar, não era ninguém. Ninguém a conhecia.

O que faria a seguir? Alguém mais se perguntava o que ia fazer a Duquesa com seu futuro, mas esse alguém

o fez em voz alta e perguntou diretamente a única pessoa que podia satisfazer sua curiosidade.

Barbara Leavensworth era amiga da Duquesa desde que eram meninas, porque ambas viviam na mesma localidade de Lincolnshire.

Barbara era a filha do vigário e Hannah era a filha de um latifundiário medianamente rico e de boa família. Barbara ainda vivia no mesmo povoado com seus pais, embora fizesse um ano que deixara o vicariato, depois de seu pai se aposentar. Ela acabava de se comprometer com o novo vigário. Iriam se casar em agosto.

As duas amigas de infância tinham continuado a manter a estreita amizade, apesar da distância. A Duquesa nunca voltara para seu lar natal depois das bodas, e embora Barbara tivesse recebido numerosos convites para passar longas temporadas com ela, não costumava aceitar frequentemente. E as poucas vezes que aceitou, suas visitas foram muito mais curtas do que a Hannah gostaria.

Barbara se sentia intimidada pelo Duque. De modo que tinham continuado com sua amizade por correspondência. Enviavam-se cartas longuíssimas, ao menos uma vez por semana, e foram constantes durante onze anos. Nesse momento Barbara aceitou um convite para passar uma temporada em Londres com a Duquesa.

Hannah a convenceu assegurando que adquiririam seu enxoval no único lugar da Inglaterra onde valia a pena comprar. Coisa que para Barbara parecia perfeita, tal como reconheceu enquanto lia a carta meneando a cabeça, desde que se tivesse tanto dinheiro como tinha sua amiga, que não era precisamente seu caso. Entretanto, Hannah estava sozinha e necessitava de sua companhia, e gostaria de ter o prazer de passar umas semanas visitando Igrejas e Museus antes de estabelecer-se em seu novo lar.

O reverendo Newcombe, seu noivo, a animara a aceitar, a passar bem e a dar seu apoio a sua pobre amiga viúva. E depois, quando por fim decidiu ir, insistiu em que aceitasse uma assombrosa quantidade de dinheiro, para comprar alguns vestidos bonitos e talvez um par de chapéus. E seus pais, que eram da opinião de que passar um mês com Hannah, a quem sempre tiveram um enorme carinho, seria maravilhoso para sua filha, antes de começar uma vida como a esposa do vigário. Também ofereceram uma generosa soma de dinheiro.

Page 8: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

8

Barbara se sentiu escandalosamente rica quando chegou a Dunbarton House, depois de uma viagem durante a qual teve a impressão de que desconjuntavam todos os ossos do corpo.

Hannah a estava esperando no saguão, onde se abraçaram entre gritinhos e alegres exclamações durante uns minutos, falando ao mesmo tempo, sem se escutarem, rindo pela alegria de voltarem a estar juntas. A alta Sociedade não teria reconhecido a Duquesa se a visse, um engano justificável dado o caso.

Tinha as faces coradas, os olhos totalmente abertos e brilhantes, um sorriso de orelha a orelha, e uma voz aguda pela emoção e a alegria. A aura de mistério desaparecia por completo.

Até que reparou na silenciosa presença da governanta, que aguardava certa distância, e deixou Barbara em suas competentes mãos. Entreteve-se passeando nervosa de um lado para outro do salão, enquanto sua amiga era conduzida ao seu dormitório para que se asseasse, trocasse de vestido, se penteasse e empregasse ao seu gosto a meia hora que faltava até que se servisse o chá.

Quando desceu, voltava a ser a Barbara composta e serena de sempre. Sua leal e estimada Barbara, a quem queria mais que a ninguém no mundo, pensou

Hannah com um sorriso enquanto atravessava o salão para voltar a abraçá-la. — Estou muito contente de que tenha vindo Babs — disse. Soltou uma gargalhada —

Se por acaso não ficou claro depois de minha recepção. — Bem, pareceu-me ver certo entusiasmo sim — comentou Barbara, depois ambas

puseram-se a rir outra vez. Hannah tentou recordar nesse momento quando foi a última vez que riu, mas foi

incapaz de lembrar-se de uma só ocasião. Não importava. Ninguém ria enquanto guardava luto. Poderia pontuar-se de crueldade. Conversaram sem cessar durante uma hora, nessa ocasião prestando atenção uma à outra, antes que Barbara perguntasse aquilo que rondava sua mente desde a morte do Duque de Dunbarton, embora tivesse evitado o assunto nas cartas.

— Hannah, o que vai fazer agora? — inclinou-se para diante em sua poltrona — Deve se sentir terrivelmente só sem o Duque. Adoravam-se.

Barbara era das poucas pessoas que havia em Londres, ou talvez em toda a Inglaterra, que acreditava de coração em algo tão surpreendente. Talvez fosse a única, inclusive.

— Adorávamo-nos, sim — ela reconheceu com um suspiro. Estendeu os dedos de uma mão sobre o colo e cravou a vista nos três anéis que

adornavam seus dedos, rematados por uma bela manicura. Passou a palma da mão pela delicada musselina branca de seu vestido.

— Sinto falta dele. Passei o dia pensando nessas tolices que sempre corria para compartilhar com ele, e de repente me lembro de que já não está aqui para me escutar.

Page 9: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

9

— Sei que sofreu muito por culpa da gota — comentou Barbara com voz séria pela compaixão — e que o coração deu muitos problemas e sustos durante os últimos anos. Suponho que foi uma bênção que tenha tido um final tão rápido depois de tudo.

Hannah achou divertido o comentário, por mais inapropriada que fosse sua reação. Barbara exerceria à perfeição o papel de esposa do vigário se contava com um bom repertório de tópicos como o que acabava de soltar.

— Todos nós deveríamos contar com essa bênção quando nos chegar o momento — replicou — Mas suponho que seu ataque ao coração foi provocado em parte pelo enorme filé de vitela e taças de clarete, que desfrutou na noite anterior a sua morte. Já tinham proibido semelhantes excessos dez anos antes que eu o conhecesse, e seguiram recordando, ao menos... Hum... Uma vez ao ano durante nosso matrimônio. Sempre dizia que deveria estar criando malvas quando eu brincava com minhas bonecas. De vez em quando se desculpava por viver tanto.

— Hannah! — exclamou Barbara, meio escandalizada e com um tom de recriminação. Era evidente que não sabia o que dizer como réplica. — Afinal consegui que deixasse de fazê-lo — Seguiu Hannah — depois de compor uma

ode, muito má por certo titulada Ao Duque que deveria ter morrido. Quando a li, riu tanto que sofreu um ataque de tosse e esteve a ponto de morrer, naquele mesmo momento. Ocorreu-me escrever outra para acompanhá-la, intitulada A Duquesa que deveria ser viúva. Mas não consegui achar uma palavra que rimasse com viúva, salvo possivelmente ajuda, referida a sua gota. Mas me pareceu que ficava um pouco coxo...

Ao ver que Barbara reparava na piada e punha-se a rir, esboçou um leve sorriso. — Ai, Hannah! — Exclamou sua amiga — Você é tão má! — Sim — admitiu. E ambas estalaram de novo em gargalhadas. — O que vai fazer de verdade? — insistiu Barbara, que a olhou de forma penetrante à

espera de sua resposta. — Vou fazer o que a alta Sociedade espera de mim, é claro — respondeu ela ao

mesmo tempo em que estendia os dedos da outra mão sobre o braço da poltrona, para admirar também os anéis que usava nos dedos anular e mindinho. Adiantou um pouco a mão a fim de que a luz da janela se refletisse nos diamantes e os brilhos que viu foram muito satisfatórios — Vou arranjar um amante, Babs.

Dito em voz alta parecia um pouco... Pecaminoso. Mas não o era. Porque era uma mulher livre. Já não devia nada a ninguém. E o fato de que uma viúva se buscasse um amante, desde que a relação se levasse em segredo e com discrição, era irrepreensível. Bem, talvez estivesse exagerando ao pontuar de irrepreensível. O termo aceitável era mais acertado.

Entretanto, Barbara pertencia a um mundo muito diferente do seu. — Hannah!

Page 10: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

10

Exclamou enquanto o rubor se estendia por seu pescoço, faces e por sua fronte até desaparecer debaixo do nascimento do cabelo.

— Não vai! Disse isso para me deixar escandalizada, e a verdade é que conseguiu. Quase me deu um choque. Fale a sério.

Hannah arqueou as sobrancelhas. — Estou falando a sério — assegurou — tive um marido que já não existe. Jamais

poderei substituí-lo. Tive acompanhantes cuja presença sempre me foi agradável, mas esse acerto não consegue me satisfazer. Todos me parecem muito fraternais. Necessito alguém novo, alguém que acrescente um pouco de... Não sei um pouco de sal e pimenta na minha vida! Necessito deu um amante.

— O que precisa é alguém a quem amar — corrigiu sua amiga com voz já mais firme — De forma romântica, refiro-me. Alguém por quem se apaixone. Alguém com quem se case e tenha filhos. Sei que amava o Duque, Hannah, mas isso não era... — Guardou silêncio e voltou a ruborizar-se.

— Um amor romântico? — disse Hannah, que completou a frase por ela — Babs, de qualquer forma doeu. Perdê-lo, quero dizer. Aqui — colocou uma mão sob o peito — Além disso, o amor romântico me serviu bem pouco antes de conhecê-lo, não é verdade?

— Só era uma menina — recordou Barbara — E o que se passou não foi culpa sua. O amor chegará ao seu devido tempo.

— É possível. — Hannah deu de ombros — Mas não tenho a intenção de esperar que apareça. E tampouco tenho a intenção de buscá-lo desesperada, para acabar me convencendo de que o encontrei e me descobrir apanhada em outro matrimônio, quando acabo de me libertar de um. Sou livre e vou seguir sendo até que resolva deixar de ser, o que talvez não aconteça até dentro de muito tempo. Talvez não aconteça nunca. A viuvez tem suas vantagens, sabe?

— Hannah, fale sério — reprovou Barbara. — Assim vou arranjar um amante — insistiu — Já o decidi e estou falando muito a

sério. Será um acerto por pura diversão, sem nenhum tipo de compromisso. Procurarei um homem muito bonito e pecaminosamente atraente. Experiente e muito habilidoso nas batalhas amorosas. Alguém sem um coração para ferir e sem desejos de contrair matrimônio. Acha que existirá semelhante modelo?

Barbara voltara a sorrir e o gesto parecia sincero. — Diz-se que na Inglaterra abundam os libertinos atraentes — respondeu Barbara — E

conforme ouvi, é quase obrigatório que sejam bonitos. De fato, acredito que há uma lei que o exige. Além disso, quase todas as mulheres se apaixonam por eles... E se deixam levar pela convicção generalizada de que serão capazes de reformá-los.

— Por que gostam de acreditar nisso? — Perguntou Hannah — Por que deseja uma mulher converter um pecaminoso libertino em um Cavalheiro respeitável e aborrecido?

Ambas acabaram dobradas em risos.

Page 11: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

11

— Suponho que o Senhor Newcombe não é um libertino, não é verdade? — quis saber.

— Simon? — perguntou Barbara por sua vez entre gargalhadas — Hannah é um clérigo, e muito respeitável, além disso. Mas não é... Asseguro que não é um homem aborrecido. Nego-me a aceitar a insinuação de que os homens só podem ser ou chatos ou libertinos.

— Eu não insinuei nada — protestou Hannah — Estou muito segura de que seu vigário é um exemplar maravilhoso e perfeito de um romântico Cavalheiro.

As gargalhadas de Barbara se converteram em um risinho tolo. — Imagino o rosto que se poria nele se contasse o que acaba de me dizer! — A única coisa que quero de um amante — explicou Hannah — além das qualidades

que já mencionei – e que é claro, são obrigatórias – é que só tenha olhos para mim durante todo o tempo que permita me olhar.

— Um cãozinho de salão, em outras palavras — declarou sua amiga. — Babs, insiste em por um sem fim de palavras ridículas em meus lábios — protestou

Hannah, que ficou em pé para fazer soar a campainha da criadagem a fim de que levassem a bandeja do chá — Quero... Ou melhor, exijo justamente o contrário. Procurarei um homem dominante e muito viril. Alguém a quem é uma provocação controlar.

Barbara meneou a cabeça com o sorriso ainda nos lábios. — Bonito, atraente, escandaloso e devotado — enumerou ao mesmo tempo em que

estendia os dedos para fazer a conta — dominante e muito viril. Deixei algo para trás? — Habilidoso — respondeu. — Experiente — acrescentou Barbara, que voltou a ruborizar-se — Por Deus! Acredita

que esse tipo de homens cresce em árvores, Hannah. Tem alguém em mente? — Então, sim — respondeu, mas guardou silêncio enquanto esperava que a criada

levasse a bandeja e fechasse a porta ao sair — Embora não sei se este ano estará em Londres. Costuma aparecer todas as primaveras. Se este ano não aparecer, será um inconveniente, mas tenho outros candidatos, caso seja necessário. Deveria ser uma tarefa simples. Pareceria uma vaidosa se disser que todos os homens se voltam para me olhar por onde vou?

— É uma afirmação vaidosa, sim — respondeu uma sorridente Barbara — mas verdadeira. Sempre causou esse efeito neles, inclusive quando era uma jovenzinha. Neles e nelas. Os homens o fazem por desejo e as mulheres por inveja. Ninguém se surpreendeu ao ver que o Duque de Dunbarton decidiu fazê-la sua Duquesa de repente, apesar de ser um solteirão reconhecido. Embora as coisas não fossem realmente assim.

Barbara esteve a ponto de trazer à tona um tema proibido fazia onze anos. De fato, tinha-o ventilado algumas de suas cartas ao longo desses anos, mas Hannah

jamais respondera. — É claro que foi assim — disse — Acha que teria me olhado duas vezes se não fosse

bonita, Babs? Mas era um bom homem. E eu o adorava. Quer sair? Está muito cansada

Page 12: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

12

depois da viagem? Você não gostaria de tomar ar fresco e estirar as pernas? A essa hora o Hyde Park deve estar um formigueiro de gente, ao menos a área da moda do parque, porque todos vão se mostrar e observar os outros. É obrigatório quando se está em Londres.

— Lembro-me de uma das minhas visitas, que há mais gente no parque na hora do passeio que em nosso povoado, no dia da feira de maio — comentou Barbara — Não conhecerei ninguém e ao seu lado me sentirei como uma provinciana, mas não importa. Vamos passear de qualquer forma. Necessito de exercício com desespero.

CAPÍTULO 2

Page 13: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

13

Recolheram seus chapéus e deram um passeio pelo parque. Fazia um dia estupendo, mais até, tendo em conta que não começou o verão. Havia

espaços claros e nuvens, e corria uma ligeira brisa. Hannah se cobriu com a sombrinha branca embora os períodos de sombra fossem

mais prolongados que os de sol, afinal, para que ter uma sombrinha tão bonita se não ia se mostrar em todo seu esplendor?

— Hannah — disse Barbara com voz hesitante, enquanto atravessavam as portas do parque — não falava a sério enquanto tomávamos o chá, não é verdade? Sobre o que planejou, digo.

— É claro que o dizia a sério — respondeu — Já não sou uma jovenzinha em busca de marido nem uma mulher casada. Sou uma criatura invejada por todas as mulheres, uma viúva rica com boa posição social. E continuo jovem. Virtualmente se espera que as viúvas da alta Sociedade tenham um amante... Desde que tal amante também seja da alta Sociedade, claro. E seja solteiro.

Barbara suspirou. — Tinha a esperança de que estivesse brincando — disse — embora temesse muito

que não fosse assim. Vejo que adotou os costumes e a moral do licencioso mundo que entrou quando se casou. Não aprovo o que quer fazer. De fato, desaprovo-o por imoral, Hannah. Mas, sobretudo, por irrefletido. Você não é tão desalmada nem tão... Ai! Como se diz? Nem tão cínica, nem tão apática como se acha. É capaz de sentir muito afeto e amor. Uma aventura só provocará insatisfação, no melhor dos casos, e partirá seu coração, no pior.

Hannah soltou uma risadinha. — Vê toda esta gente que há aqui? — Perguntou à sua amiga — Babs, qualquer deles

dirá que a Duquesa de Dunbarton não tem coração para que o rompam. — Não a conhecem — replicou Barbara — Eu sim. É claro, nada do que diga a fará

mudar de opinião. De modo que só vou dizer uma coisa, amo você de qualquer forma. Sempre a amarei. Nada do que faça fará que deixe de amá-la.

— Pois eu gostaria que ao menos deixasse de falar — respondeu Hannah — porque do contrário a alta Sociedade presenciará o incrível espetáculo de ver a Duquesa de Dunbarton chorando e abraçada a sua acompanhante.

Barbara soprou com muito pouca elegância e as duas puseram-se a rir uma vez mais. — Nesse caso, pouparei saliva e me limitarei a desfrutar desta maravilhosa paisagem

— disse Barbara — Está certo, seu homem dominante, que pode ou não estar em Londres, tem nome?

— Que estranho seria se não tivesse — respondeu — Seu sobrenome é Huxtable. Constantine Huxtable. O Senhor Constantine Huxtable. É um pouco humilhante, não acha? Mais que nada porque durante estes últimos dez anos só me relacionei com Duques, Marqueses e Condes. Inclusive com o Rei. Quase me esquecia do que significava a palavra Senhor. É claro, significa que é um plebeu. Embora não de todo. Seu pai era o Conde de

Page 14: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

14

Merton... E ele é seu primogênito. Sua mãe, e digo isso para que não tire conclusões precipitadas, era a Condessa. Tudo foi fruto de uma tremenda idiotice, ao menos por parte da Condessa e de sua família.

— Embora suponha que o Conde também faria alarde de uma tremenda oposição. No final acabaram se casando sim, mas uns dias depois do primogênito nascer. Pode imaginar um desastre pior para ele? Acredito que foram dois dias. Dois dias que negaram a possibilidade de converter-se no Conde de Merton, um título que ostentaria a estas alturas, e que o converteram no humilde Senhor Constantine Huxtable.

— Que desgraça — concordou Bárbara. Diante delas a alta Sociedade se reunira em massa e fingia fazer um pouco de

exercício. As carruagens de todas as classes e cores, os cavaleiros sobre uma grande variedade de montarias e os transeuntes na última moda perambulavam por um pedacinho de terra ridículo, tendo em conta a superfície total do parque, em seu esforço por ver e mostrar-se, contar as últimas fofocas e inteirar-se dos rumores que outros divulgavam.

Era primavera e a alta Sociedade estava em plena ebulição. Hannah fez virar sua sombrinha. — O Duque de Moreland é seu primo — comentou — Se parecem muito, embora em

minha opinião o Duque só seja bonito enquanto que o Senhor Huxtable é pecaminosamente bonito. O atual Conde de Merton também é primo dele, embora o contraste entre eles seja notável. O Conde é loiro e bonito, com um ar angélico. Parece agradável e tão perigoso como uma mosca. Além disso, casou-se com Lady Paget faz um ano, quando os rumores de que esta tinha assassinado seu primeiro marido com um machado corriam por todos os salões. Chegaram inclusive a mim, e eu estava no campo. Talvez o Conde não seja tão submisso e insípido como aparenta. Espero que não seja pobrezinho. Porque é muito bonito.

— O Senhor Huxtable não é loiro? — quis saber Barbara. — Ai, Babs! — Exclamou Hannah ao mesmo tempo em que fazia virar de novo sua

sombrinha — Viu os bustos dos deuses e dos heróis gregos esculpidos em mármore branco? São lindos, mas também muito enganosos, porque os gregos viveram à beira do Mediterrâneo e é impossível que tivessem essa cor a menos que fossem fantasmas. O Senhor Huxtable é um deus grego de carne e osso... De cabelo negro, tez escura e olhos escuros. E um corpo... Enfim, julga-o por si mesma. Aí o tem.

E ali o tinha, sim, acompanhado pelo Conde de Merton e o Barão Montford, o cunhado do Conde. Estavam a cavalo.

Sim, não se enganara, decidiu Hannah enquanto observava o Senhor Huxtable com olho crítico.

Sua memória não a enganara, mesmo que fizesse dois anos sem vê-lo, já que na primavera anterior passara no campo, para cumprir seu período de luto. Tinha um corpo perfeito, ressaltado ao ir a cavalo. Era alto e magro, mas bem formado e com todos os músculos em seu lugar. Tinha pernas longas e fortes, o que sempre era uma grande vantagem em um homem. Talvez suas feições fossem algo mais duras e angulosas do que

Page 15: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

15

recordava. E esquecera do detalhe do nariz, que devia ter quebrado em algum momento de sua vida e que não colocaram bem no lugar. Entretanto, não mudou de opinião com respeito ao seu rosto. Era bastante bonito para que sentisse uma agradável moleza nos joelhos. Pecaminosamente bonito.

Tinha o bom gosto de se vestir de negro, salvo pelas calças de montar e a camisa branca, é claro.

Sua jaqueta de montar era negra e se amoldava aos poderosos músculos de seu peito, ombros e braços como uma segunda pele. As botas também eram negras, assim como a cartola. Inclusive seu cavalo era negro.

Mãe de Deus parecia muito perigoso! Pensou Hannah com aprovação. Parecia inalcançável. Parecia uma fortaleza inexpugnável. Parecia capaz de agarrá-la

com uma mão, enquanto ela tentava assaltar a fortaleza e esmagar todos os ossos do corpo. Certamente era o eleito. Ao menos para esse ano. No ano seguinte escolheria outro.

Ou talvez no ano seguinte pensasse de verdade em procurar alguém a quem amar, alguém com quem assentar a cabeça. Entretanto, ainda não estava preparada para isso. Esse ano estava preparada para algo totalmente diferente.

— Ai, Hannah! — exclamou Barbara com voz hesitante — não parece um homem muito agradável. Tomara...

— Mas me diga, quem quer um homem agradável como amante, Babs? — Perguntou ela enquanto entrava na multidão com um leve sorriso nos lábios — Um homem assim parece um chato insuportável, seja quem for.

Ali estava ele de novo, pensou Constantine Huxtable. De volta a Londres para outra temporada social. De volta ao Hyde Park, rodeado pela

maioria da alta Sociedade, com seu primo Stephen, o Conde de Merton de um lado e Monty Jasper, o Barão Montford casado com sua prima Katherine do outro.

Parecia que só passara um dia desde que pisara no Hyde Park pela última vez. Custava acreditar que tivesse transcorrido outro ano. Em algum momento chegou a pensar que não se incomodaria em aparecer por Londres nessa primavera. Pensava-o todos os anos, claro.

Mas todos os anos, voltava. Havia certa atração irresistível que o levava de volta a Londres cada primavera,

admitiu em silêncio, enquanto os três saudavam um par de anciãs, com enormes chapéus que passeavam devagar em um velho cabriolé, com um cocheiro ainda mais velho na boleia. As damas devolveram a saudação com idênticos gestos da mão e assentimentos de cabeça. Como se fossem da realeza.

Ele adorava ficar em casa, em Ainsley Park, em Gloucestershire. Jamais se sentia tão feliz como quando estava em casa, imerso na ocupada vida da granja ou nas igualmente ocupadas tarefas domésticas. Mal tinha um momento de tranquilidade quando se achava no campo. E não se podia queixar de solidão. Seus vizinhos sempre estavam ansiosos para que

Page 16: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

16

participasse das celebrações que organizavam, por mais que tivessem suas reservas a respeito das atividades ocorridas em Ainsley Park.

E quanto à Mansão em si... Enfim, a casa estava tão lotada de gente que fazia dois anos que se mudara para a residência da viúva, para desfrutar de um mínimo de intimidade... E também para que seus aposentos ficassem livres e pudessem alojar os que fossem chegando.

O acerto funcionou maravilhosamente até o inverno anterior, quando um grupo de meninas descobriu a estufa adjacente à residência da viúva e a converteu em sua sala de brinquedos.

Depois, como não, invadiram a cozinha em busca de pratos e água para fazer festa do chá de suas bonecas. E...

Bem, um dia, aproveitando a ausência do cozinheiro, Con se descobriu saqueando a cozinha em busca do pote de bolachas para elas... E então se juntando à festa do chá, pelo amor de Deus!

Era normal que escapasse para Londres todas as primaveras. Um homem necessitava um pouco de paz e tranquilidade em sua vida. Para não mencionar um pouco de prudência.

— Sempre é maravilhoso retornar à cidade, não é verdade? — perguntou Monty com tom jovial.

— Sim, mesmo que acabem de me expulsar de minha própria casa — respondeu Stephen.

— Mas as damas precisam admirar o herdeiro sem a interferência masculina — comentou Monty — Não quererá estar presente, não é verdade, Stephen? Sobretudo quando suas irmãs tiveram o trabalho de convidar uma dúzia de damas, para que admirem com elas o menino e para que o tratem com atenção e presentes, que Cassandra terá de admirar e todas terão de examinar e... ah... Elogiar com encantamento... — estremeceu de forma teatral.

Stephen sorriu. — Nisso tem razão, Monty — respondeu o Conde. Sua Condessa acabava de dar a luz a um filho varão. Seu primogênito. Um herdeiro. O

futuro Conde de Merton. Con não se importava absolutamente. Depois de seu pai, o papel de Conde coube a

seu irmão Jonathan, que o ocupou durante uns anos, e nesse momento o desempenhava Stephen. E com o tempo o título recairia ao filho de Stephen. Nos anos vindouros Cassandra e ele poderiam ter um monte de filhos varões para curar em saúde, se assim o desejavam. Para ele não mudaria nada. Nunca poderia herdar o título.

Dava no mesmo. Sempre o soube. Não importava. Detiveram-se para saudar uns conhecidos. O parque estava cheio de rostos familiares,

percebeu Con quando deu uma olhada ao redor. Quase não havia caras novas, e as únicas que havia eram as das jovenzinhas, a nova fornada de jovens com aspirações de contrair um grande matrimônio.

Page 17: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

17

Havia algumas belezas entre elas, sim. Entretanto, Con se surpreendeu, embora não foi alarmante, descobrir o asséptico que era sua análise. Não sentiu a menor atração por nenhuma delas. Poderia expressar seu interesse sem temor de parecer presunçoso. Sua ilegitimidade era uma mera formalidade legal. Impedia-o de herdar o título e as propriedades vinculadas a este, certo, mas não afetava sua posição social como filho de um Conde. Tinha crescido em Warren Hall. Recebera uma herança considerável com a morte de seu pai. Poderia participar do mercado matrimonial e contrair um matrimônio bastante vantajoso. Entretanto, em seus trinta e cinco anos tinha a incômoda impressão de que todas essas belezas eram meninas.

A maioria teria dezessete ou dezoito anos. Na realidade, era alarmante. Porque não ia rejuvenescer, não é verdade? E nunca quis

ficar solteiro. Nesse caso, quando pensava se casar? E o mais importante, com quem ia se casar? É claro, ele mesmo tinha diminuído suas possibilidades de contrair matrimônio ao comprar Ainsley Park uns anos atrás e encher a propriedade com indesejáveis nobres, vagabundos, ladrões, antigos soldados, atrasados mentais, prostitutas, mães solteiras com seus filhos e outras muitas categorias.

Ainsley Park era um enxame de atividade e para sua satisfação a propriedade era muito próspera depois dos primeiros anos de gastos... E trabalho duro.

Não obstante, uma jovem esposa, em particular se procedia de berço nobre, não apreciaria que a levasse a viver, rodeada de semelhantes pessoas e em semelhante lugar... Onde, além disso, teria que alojar-se na residência da viúva. Fazia um mês que seu salão foi designado como aposento infantil para as bonecas, que estavam muito cansadas para manter os olhos abertos, depois de tomar o chá na estufa.

— Deixe-me adivinhar — disse Monty ao mesmo tempo em que se inclinava para ele — a de verde?

Nesse momento Con percebeu que esteve olhando fixamente duas jovenzinhas acompanhadas por criadas de rostos longos, que caminhavam uns passos atrás, e as quatro se deram conta. As jovens estavam rindo baixo, muito orgulhosas, enquanto que as criadas se apressavam a cortar a distância que as afastava.

— É a mais bonita das duas — reconheceu, afastando o olhar — Embora a de rosa tem melhor corpo.

— Pergunto-me qual das duas terá um pai mais rico — declarou Monty. — A Duquesa de Dunbarton voltou para a cidade — disse Stephen enquanto os três

empreendiam a marcha — Tão bonita como de costume. Já deve ter abandonado o luto. Parece-lhes bem que vamos apresentar nossos respeitos?

— É claro — respondeu Monty — desde que pudermos nos aproximar sem que nos atropelem as seguintes seis carruagens e nos desviemos dos seguintes seis transeuntes. Insistem em abandonar o caminho apesar do perigo para sua segurança.

Page 18: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

18

Dito isto passou a avançar com habilidade entre as carruagens e os cavaleiros até que chegaram aos transeuntes, a maioria passeava tranquilamente pelo atalho habilitado para eles.

Con por fim viu a Duquesa. Que homem com dois olhos no rosto não ia se fixar nela? Era alta e magra, com uma

cútis de alabastro, faces e lábios rosados e olhos azuis, insondáveis e sempre entreabertos. Se tivesse escolhido ser uma cortesã em vez de esposa de Dunbarton, a essas alturas

seria a mais aclamada de toda a Inglaterra. E teria amealhado uma fortuna. Embora, é claro, conseguiu a fortuna de qualquer forma, ao convencer a esse velhote, para que se casasse pela primeira e única vez em sua vida. E depois passou a espremê-lo, para ficar com tudo o que não estava vinculado ao título.

Ao seu lado caminhava uma acompanhante de aspecto respeitável. Ao seu redor se reuniu um bom número de pessoas, homens em sua maioria, para render homenagem.

A Duquesa se deixava adorar com esse enigmático meio sorriso e um ou outro gesto de uma de suas mãos, com luvas brancas, em cujo indicador brilhava um diamante tão grande para abrir a cabeça do homem que tivesse a ousadia de se ultrapassar.

— Ah! — Exclamou a Duquesa, desviando o lânguido olhar de seu séquito, que em sua maior parte se viu obrigado a seguir caminho, empurrado pela multidão — Lorde Merton. Tão angélico e bonito como de costume. Espero que Lady Paget valorize o troféu que levou.

Falava com um tom suave e agradável. Era evidente que não precisava elevar a voz. Cada vez que abria a boca para dizer algo, todo aquele que a rodeava guardava silêncio para escutá-la.

Concedeu a Stephen a honra de sua mão e ele a levou aos lábios, antes de olhá-la com um sorriso.

— Agora é Lady Merton, Senhora — replicou Stephen — E eu valorizo o troféu que levei.

— Bem dito — disse a Duquesa — destes a resposta correta. E Lorde Montford. Parece muito... Domesticado. Lady Montford fez um trabalho excelente — acrescentou ao mesmo tempo em que estendia a mão.

— Absolutamente, Senhora — respondeu Monty com um sorriso depois de beijar o dorso de sua mão — bastou olhar e fui... Domesticado a primeira vista.

— Alegra-me ouvi-lo — ela comentou — embora isso não fosse o que me disse certo passarinho. E o Senhor Huxtable. Como vai?

Olhou-o com algo vizinho ao desdém, embora o fizesse com as pálpebras entreabertas e o efeito ficou um tanto embaciado... Desde que sua intenção fosse a de olhá-lo com desdém, é claro. Não estendeu a mão.

— Muito bem, Duquesa, obrigado por perguntar — respondeu ele — muito melhor agora que comprovamos que voltou para a cidade.

— Lisonjeiro — replicou ela, que descartou o comentário com um gesto da mão, fazendo reluzir o anel. Voltou-se para sua companheira, que guardava silêncio — Babs, tenho

Page 19: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

19

o prazer de apresentar o Conde de Merton, o Barão Montford e o Senhor Huxtable. Cavalheiros, a Senhorita Leavensworth é minha melhor amiga. Teve a amabilidade de me acompanhar à cidade e de ficar uns dias comigo antes de retornar ao campo, para se casar com o vigário do povoado onde ambas crescemos.

A Senhorita Leavensworth era alta e magra, tinha feições muito nórdicas, os dentes ligeiramente para fora e o cabelo loiro. Não era uma mulher desagradável à vista. Saudou-os com uma reverência. E os Cavalheiros a corresponderam de suas montarias.

— É um prazer conhecê-la, Senhorita Leavensworth — disse Stephen — vai se casar logo?

— Em agosto, Milorde — respondeu a aludida — Mas até então tenho a intenção de conhecer bem Londres. Ao menos, espero ver todos os Museus e as galerias de arte.

A Duquesa estava examinando seu cavalo, percebeu Con. E depois fez o mesmo com suas botas. E com suas coxas. E com seu... Rosto. Viu-a arquear as sobrancelhas quando descobriu que ele também a estava olhando.

— Devemos prosseguir, Babs — disse a dama — Receio que estejamos bloqueando o caminho destes Cavalheiros e estão detendo os outros cavaleiros. São tão... Grandes.

Disse isso, deu meia volta e se pôs a andar para a seguinte onda de admiradores que se aproximavam para saudá-la e para dar a boas vindas à cidade.

— Por Deus — murmurou Monty — Aí vai uma dama muito perigosa. Que acaba de se livrar das correntes.

— Sua amiga parece muito sensata — comentou Stephen. — Parece que só os Cavalheiros com título podem desfrutar da imensa honra de beijar

sua mão — disse Con. — Eu se fosse você não daria importância — aconselhou-o Monty — Talvez os

Cavalheiros sem título sejam os únicos que têm a honra de receber um escrutínio exaustivo em vez de uma mão.

— Ou talvez sejam só os Cavalheiros solteiros, Monty — acrescentou Stephen — Con, é possível que agrade à dama.

— E também é possível que não me agrade a dama — replicou ele — Nunca ambicionei compartilhar amante com a metade da alta Sociedade.

— Mmm — murmurou Monty — Acha que esse foi o caso do pobre Dunbarton? Por certo, isso me recorda que de jovem tinha fama de ser muito perigoso. A verdade é que nunca pareceu um corno enquanto esteve casado, não acham? Sempre o vi como um gato satisfeito que acabava de comer a terrina de creme com prazer.

— Acabo de me dar conta de uma coisa... — disse Stephen — o ano passado, talvez por estas mesmas datas, e neste preciso lugar, foi quando vi Cassandra pela primeira vez. Você estava comigo, Con. E se a memória não me falha, Monty, você se aproximou à cavalo com Kate enquanto a olhávamos e comentávamos que incômoda deveria se sentir vestida de negro e com véu tendo em conta o calor que fazia.

Page 20: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

20

— E no final acabaram felizes e comendo perdizes — replicou Monty. Voltou a sorrir — Está vaticinando um futuro similar a Con ao lado da muito bela Duquesa?

— Hoje está nublado — comentou Con — e não faz nem pingo de calor. E a Duquesa não está de luto. Nem passeia sozinha com sua acompanhante totalmente inadvertida para a multidão. Além disso, não estou pensando no matrimônio, assim não comece Monty.

— Mas naquela época — afirmou Stephen, meneando as sobrancelhas — eu tampouco.

Os três se puseram a rir... E nesse instante viram Timothy Hood às rédeas de um reluzente faetonte novo puxado por dois tordos. Esqueceram-se depressa da viúva vestida de branco que o olhara, nem tanto de forma desdenhosa como provocante, percebeu Con, uma vez que se deteve analisá-lo com tranquilidade. Não o interessava o mínimo.

Cada ano, quando ia à cidade, escolhia suas amantes pensando em sua comodidade durante o que restava da temporada social.

Uma mulher cujo passatempo diário consistia em reunir o maior número de adoradores possíveis, para o que possuía uma habilidade pasmosa, não daria muita comodidade.

Não gostava de dançar ao som que ditava uma mulher. Nem ser uma marionete cujos fios movessem outra pessoa. Muito menos se tratasse da infame Duquesa de Dunbarton. CAPÍTULO 3 Com o passar dos dias, Barbara se reafirmou na convicção de que o mundo que

Hannah se transladara era desconcertante e perturbador, muito diferente daquele que compartilharam no povoado de Lincolnshire. Um mundo muito mais imoral. Durante esses primeiros dias Hannah soltou um par de embustes tremendos, embora se negasse a reconhecer que fosse mentira.

Page 21: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

21

Ou que tivessem importância. A primeira ocasião teve lugar uma manhã enquanto saíam de uma chapelaria, situada

na Bond Street, seguidas por um lacaio cuja cabeça ficava oculta atrás das quatro caixas que levava nos braços. Sua intenção era que o lacaio deixasse as caixas bem seguras na carruagem, antes de ir a uma confeitaria situada nessa mesma rua para tomar um refresco. Mas o destino tinha outros planos e lhes pôs na mesma calçada que o Senhor Huxtable. Quando o viram estava a uma distância suficiente para evitar o encontro, sobretudo porque não reparara nelas, dada a multidão de transeuntes que entravam e saíam das lojas. Entretanto, Hannah se atrasou para dar tempo para que se aproximasse e as visse.

Quando o fez, o Senhor Huxtable levou a mão à aba do chapéu, antes que trocassem as saudações de rigor.

— Estamos há horas comprando — comentou Hannah com um suspiro cansado. Essa parte pelo menos não era uma mentira propriamente dita senão um exagero,

pensou Bárbara. Afinal, uma hora e meia era mais que uma hora. — E estamos mortas de sede — acrescentou sua amiga. O rumo da conversa começou a incomodar Barbara. Hannah estava tentando atrair a

atenção do Senhor Huxtable, mas por que o fazia de forma tão evidente? Entretanto, o grande embuste estava por chegar, embora Barbara não o esperasse. O Senhor Huxtable replicou com a galanteria que um verdadeiro Cavalheiro devia

mostrar em tais circunstâncias. — Há uma confeitaria ou uma padaria aqui ao lado — disse — Assim, Senhoras,

concedem-me a honra de acompanhá-las a tal estabelecimento para convidá-las a um chá? E então, em vez de parecer agradecida ou inclusive envergonhada, Hannah se mostrou

penalizada. O gesto pegou Barbara de surpresa. — Senhor Huxtable, é muito galante — disse — mas esperamos visita e devemos voltar

para casa sem demora. De modo que o cocheiro se viu obrigado a pegar as rédeas apressadamente, e o lacaio

correu a abrir a portinhola, enquanto o Senhor Huxtable aceitava a negativa com uma reverência, antes de ajudá-las a subir ao veículo.

Hannah se despediu com um elegante gesto da cabeça quando a carruagem se pôs em marcha.

— Hannah? — disse Barbara. — Nunca deve parecer ansiosa — disse sua amiga. — Mas virtualmente suplicou que a convidasse a um chá — indicou ela. — Limitei-me a comentar que estava morta de sede — precisou Hannah — Coisa que

era verdadeira. — Esperamos visita? — quis saber Barbara. — Não, que eu saiba — reconheceu Hannah — mas alguém poderia aparecer de

improviso.

Page 22: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

22

Em outras palavras, tinha mentido. Barbara reprovava as mentiras. Entretanto, guardou silêncio. Hannah estava imersa em um jogo, que ela também reprovava, mas sua amiga era uma mulher adulta. Estava em seu direito escolher o caminho que queria seguir na vida.

O segundo embuste foi pronunciado uns dias depois, na noite do baile dos Merriwether. Barbara não queria ir. Era um baile da aristocracia e o mais elegante que ela conhecia eram as festas nos salões de reunião do povoado.

— Tolices — disse Hannah quando comentou sua inquietação — Babs, mostre-me os pés.

Barbara levantou as saias à altura dos tornozelos e Hannah contemplou carrancuda seus pés.

— Tal como suspeitava— disse — Tem dois. Um direito e outro esquerdo. Perfeitos para dançar. Teria permitido que ficasse em casa se só tivesse um, minha pobrezinha. Embora haja pessoas que são uma negação para dançar até tendo dois, normalmente, costuma acontecer aos homens. Virá ao baile comigo. E não discuta isso. Não há mais que falar. Diga que sim.

Barbara, é claro, foi ao baile e chegou à conclusão de que se não tomasse cuidado, acabariam saindo os olhos das órbitas. Nunca tinha imaginado que existisse semelhante esplendor. As cartas que pensava escrever no dia seguinte seriam imensas. Depois que puseram um pé no salão de baile, a multidão rodeou-as. Ou melhor, rodeou Hannah e Barbara com ela. A transformação que sofria sua amiga, quando estava em público era surpreendente e em parte engraçada. Porque nem sequer se parecia fisicamente à pessoa que ela tinha conhecido durante toda a vida.

Parecia uma... Bem, uma Duquesa. O Senhor Huxtable também estava no salão de baile. Ao seu lado se achavam os dois

Cavalheiros com quem esteve cavalgando no parque e duas damas. Não obstante, afastou-se logo deles para circular entre os convidados e conversar com diferentes grupos.

E Hannah, conforme percebeu pôs especial cuidado em colocar-se de forma que sempre ficasse bem à vista do Cavalheiro. Cada vez que seus olhares se cruzavam, Hannah se abanava muito devagar com seu leque de penas brancas e em um par de ocasiões deu um jeito para parecer desolada. Como se sentisse desamparada entre a multidão e necessitasse que a resgatassem.

Possivelmente, pensou Barbara, houvesse um bom número de mulheres na sala desejando sentir-se tão desamparadas e necessitadas como sua amiga... O poder que Hannah ostentava sobre os homens era assombroso, sobretudo porque não parecia esforçar-se absolutamente para que assim fosse. Claro que já atraía os olhares dos homens quando mal era uma menina. Era uma das poucas criaturas realmente formosas, que abençoavam o mundo com sua presença.

O Senhor Huxtable acabou por agradar sua silenciosa súplica e atravessou a distância que os afastava.

Page 23: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

23

Saudou primeiro Barbara com uma reverência e depois fez o mesmo com Hannah. — Duquesa — disse — Seria amável de me conceder a primeira dança da noite? Hannah voltou a parecer desolada. — Temo que não possa fazê-lo — respondeu — Já prometi a outro. Como? Exclamou Barbara para si mesma, piscando. Sua amiga explicou a caminho do baile que nunca concedia nenhuma dança a um

homem com antecipação. Só o fazia com o Duque, antes que deixasse de dançar. E desde que tinham chegado a casa dos Merriwether, Barbara não a viu conceder uma dança a nenhum Cavalheiro. Entretanto, o pior estava por vir.

— A segunda, então? — Insistiu o Senhor Huxtable — Ou a terceira? — Sinto muito, Senhor Huxtable — respondeu Hannah com voz pesarosa — As tenho

todas comprometidas. Possivelmente em outra ocasião. O Cavalheiro se despediu com uma reverência e se afastou. — Hannah? — disse Barbara. — Dançarei todas as peças — assegurou sua amiga — Nunca deve parecer ansiosa,

Babs. E nesse momento voltou seu séquito, competindo por chamar sua atenção. Que embustes mais descarados e estranhos, pensou Barbara. Podia-se atrair a um homem chamando sua atenção para depois desdenhá-lo? Assim

se obtinha que um desconhecido se convertesse em um amante? Esperava que não. Porque estava convencida de que Hannah cometeria um erro

enorme se arrumasse um amante. E o Senhor Huxtable, embora parecesse o perfeito Cavalheiro, também parecia muito perigoso. O tipo de homem que se cansava depois que jogassem com ele.

Tomara que acabasse por dar as costas a Hannah quando chegasse o momento. E nesse instante seus pensamentos se viram interrompidos pela chegada de um

Cavalheiro que se mostrou interessado em conhecê-la. Assim que Hannah os apresentou, o Cavalheiro fez uma reverência sem soltar sua mão e a convidou para dançar a peça inaugural.

Esteve tentada a dar uma olhada nos pés para comprovar que, efetivamente, seguia tendo dois. De repente, secou a boca, o coração começou a pulsar com muita força e desejou estar com Simon.

— Obrigado — respondeu com um sorriso sereno, enquanto colocava a palma da mão no braço que o Cavalheiro oferecia. Não recordava seu nome.

Enquanto isso, Hannah fazia alarde do atributo mais importante que adquiriu ao longo dos últimos onze anos, a paciência. Nunca devia mostrar-se ansiosa.

Por nada. Muito menos quando estava empenhada em conseguir algo. E estava empenhada em conseguir Constantine Huxtable. Descobriu que era mais atraente do que se recordava, e estava segura de que seria um amante satisfatório. Possivelmente o termo satisfatório fosse pouco, de fato. E também sabia que ele não desejava tê-la como amante.

Page 24: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

24

Esse fato ficou muito claro durante o encontro no Hyde Park. Limitou-se a olhá-la com expressão glacial, da posição vantajosa que oferecia seu cavalo e ela chegara à conclusão de que a desprezava. Como muitos outros, é claro, que nem sequer a conheciam.

Embora, para ser justo, a culpa era só dela. Entretanto, seguiam-na. E não podiam afastar os olhos dela.

O Duque a ensinara não só a fazer-se notar, mas também a ser irresistível. Ninguém admira o acanhamento nem o recato, meu amor, disse em uma ocasião, no

começo de seu matrimônio, quando Hannah possuía um excesso de ambas as qualidades. Meu amor era sua forma de referir-se a ela. Nunca a tinha chamado de Hannah. Da

mesma forma que ela sempre o tinha chamado Duque. Aprendeu a não se mostrar tímida em nenhuma situação. A não ser recatada em nenhuma circunstância. A ser paciente. Três noites depois do baile, Hannah e Barbara se achavam em um concerto particular

na casa dos Heaton. Estavam com o resto dos convidados que chegaram cedo, em uma sala de espera oval, desfrutando de uma taça de vinho, enquanto aguardavam o momento de ocupar seus assentos na sala de música. Como sempre, rodeava-as um séquito de admiradores e amigos de Hannah. Dois deles rivalizavam pela honra de ocupar um assento ao seu lado durante a noite. Poderia ter recordado que na realidade havia dois lugares para ocupar junto a ela, mas talvez o argumento não satisfizesse a nenhum dos dois.

Hannah se abanava o rosto devagar quando reparou na chegada dos Condes de Sheringford, um casal cujo matrimônio celebrado fazia vários anos, foi a culminação de um escândalo monumental, embora o casal parecesse ter encontrado a felicidade.

A Condessa a viu e a saudou com um sorriso. O Conde também o fez, embora acrescentasse uma breve saudação com a mão. Com eles se achava o Senhor Huxtable. Claro, pensou, era da família da Condessa, que por sua vez, era a irmã do Conde de Merton.

O Senhor Huxtable saudou a Barbara e a ela, com uma inclinação de cabeça, mas sem sorrir.

O resto dos ocupantes da sala perdeu o brilho em sua presença. Tinha que ser seu amante. Seria. Negava-se a duvidar disso.

Se desejar algo, meu amor, jamais o conseguirá. Desejar é uma palavra pacata, desprezível. Implica que se está seguro de não poder conseguir o que se deseja, implica a certeza de saber-se pouco merecedor de tal desejo e de que só terá uma possibilidade se produzir-se um milagre. O que deve fazer pelo contrário é se esforçar em obter as coisas e as conseguirá. Os milagres não existem.

— Temo que não possa me sentar com você, Lorde Netherby — disse com a intenção de por fim à disputa entre seus dois admiradores — embora agradeça o convite.

Page 25: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

25

Não foi preciso elevar a voz. Todos os que se achavam ao seu redor guardaram silêncio para escutar o que estava a ponto de dizer.

— Nem tampouco sentarei ao seu lado, Sir Bertrand. Sinto muito. Vou me sentar com o Senhor Huxtable. Há uma semana foi impossível aceitar seu convite de tomar chá quando nos encontramos em Bond Street. E tampouco pude dançar com ele na festa dos Merriwether há umas noites. De modo que hoje sentarei ao seu lado.

Fechou o leque e levou a extremidade aos lábios franzidos enquanto olhava ao Senhor Huxtable.

O aludido não mostrou reação alguma. Nem surpresa, nem desdém, nem satisfação. Era evidente que não se pavoneava como costumavam fazer os outros homens, os muito tolos. Embora tampouco desse as costas e se afastasse.

O que foi um alívio. — Boa noite, Duquesa — a saudou uma vez que se aproximou dela, depois que seu

séquito se afastasse para deixá-lo passar — Isto está muito concorrido, não parece? Vejo que a sala de música está mais vazia. Quer dar um passeio até ali?

— Parece-me bem — respondeu ela ao mesmo tempo em que oferecia sua taça a um Cavalheiro situado a sua esquerda a fim de tomar o braço do Senhor Huxtable.

Os Park estavam falando com Barbara, comprovou, depois de terem sido apresentados. Seu segundo filho era clérigo, se mal não recordava.

Nesse momento reparou na solidez do braço que aceitara. Um braço vestido de negro salvo pelo engomado punho branco que se via no pulso. A mão era morena, de dedos longos e unhas bem bonitas, embora não tivesse nada de suave. Bem o contrário. Parecia ter desempenhado algum trabalho duro em algum momento. O dorso dessa mão estava salpicado de pelo escuro. Era mais alto que ela, de modo que seu ombro ficava acima do seu. Usava uma colônia que saturou seu olfato de um modo muito agradável. Não pode identificá-la.

A sala de música estava certamente quase desocupada. Este tipo de entretenimento nunca começava na hora disposta. Deram um passeio tranquilo pelo perímetro da sala.

— De modo — começou ele, voltando a cabeça para olhá-la — que me oferece o assento ao seu lado esta noite, como compensação por seus anteriores desprezos. Não é assim, Duquesa?

— Sentiu-se desprezado? — perguntou ela por sua vez. — Mais divertido — respondeu o Senhor Huxtable. Hannah voltou a cabeça para olhar os olhos tão escuros cuja expressão era impossível

de decifrar. — Divertido, Senhor Huxtable? — Arqueou as sobrancelhas. — É divertido ver um títere dirigir os fios de sua marionete e comprovar que não se

move porque tais fios não existem — respondeu ele. Ahhh! Exclamou Hannah para si mesma. Um conhecedor do jogo que se negava a seguir as regras.

Page 26: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

26

Minhas regras, precisou. Sua resposta melhorou a imagem que tinha dele. — Mas não é curioso ver como a marionete acaba se movendo apesar de tudo,

demonstrando assim que não é uma marionete, mas que se move porque adora dançar? — replicou.

— Duquesa — disse o Senhor Huxtable — acontece que a marionete não gosta de dançar no coro. Acha-o muito... Ordinário. De fato, nega-se a ser mais uma insignificante do corpo de baile em questão.

De modo que estava colocando suas próprias normas... — Poderia se arrumar o assunto para que a marionete dançasse em solitário, Senhor

Huxtable. Ou talvez, em um dueto. Sim, definitivamente um dueto seria perfeito. E se demonstrar ser um par excelente, como estou segura de que será o caso, poderia conseguir o posto de primeiro bailarino, em exclusivo para toda a temporada. Já não haveria necessidade de um corpo de baile. De fato, seria despedido.

Chegavam à parte dianteira da sala de música e seguiram caminhando entre o estrado, onde descansavam os instrumentos da orquestra e a primeira fila de cadeiras douradas com assentos de veludo.

— Isso quer dizer que a princípio terá um ensaio? — perguntou ele — uma espécie de audição?

— Não acredito que seja necessário — respondeu Hannah — Não o vi dançar, mas estou convencida de que possui um talento superlativo.

— Duquesa, é muito benévola e confiante — replicou o Senhor Huxtable — Talvez o bailarino se mostre mais precavido. Afinal, se for fazer parte de um dueto, deveria oferecer a oportunidade de examinar seu futuro par, para descobrir se é uma bailarina tão experiente como ele, e se seu estilo se ajusta ao que procura para toda uma temporada, a fim de evitar aborrecer-se às primeiras mudanças.

Hannah abriu o leque com a mão livre e começou a movê-lo diante de seu rosto. A sala de música não estava concorrida, mas o ambiente era carregado e quente.

— Aborrecer, Senhor Huxtable — repetiu — é uma palavra que a bailarina não contempla em seu vocabulário.

— Ah, mas ele sim! A réplica poderia tê-la ofendido, indignado ou ambas as coisas ao mesmo tempo.

Entretanto, sentia-se muito contente. O verbo aborrecer ocupava um lugar importante em seu vocabulário, de modo que

acabava de soltar outra mentira. Barbara se zangaria com ela se a escutasse. Menos mal que não ouvira nenhuma palavra da conversa. Sua amiga teria morrido da impressão.

Quase todos os Cavalheiros que Hannah conhecia eram aborrecidos. No fundo não deveriam colocá-la em um pedestal nem adorá-la. Os pedestais podiam ser lugares ermos e solitários, e adorar alguém era ridículo, quando se tratava de uma simples mortal.

Viraram ao chegar ao extremo e continuaram pelo lado da sala.

Page 27: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

27

— Ah! — Exclamou Hannah — Ali estão os Duques de Moreland. Quer que os saudemos?

O Duque era primo do Senhor Huxtable, que se parecia tanto a ele. De fato, poderiam passar facilmente por irmãos.

— Parece que não fica outro jeito — Ouviu-o murmurar enquanto a impelia a aproximar-se do casal.

Os Duques se mostraram muito amáveis com ela, mas muito frios com ele. Hannah acreditou recordar que havia algum tipo de distanciamento entre os primos. Entretanto, conteve-se antes de censurá-los por ter discutido sendo família.

Afinal, seria como se a frigideira dissesse à chaleira que se afastasse para não sujá-la... Sua primeira impressão foi acertada. O Duque era o mais bonito dos dois. Seus traços tinham uma perfeição clássica e contava com o surpreendente azul de uns

olhos que a priori se esperavam castanhos. Entretanto, o Senhor Huxtable era o mais atraente.

Em sua opinião, é claro, o que era perfeito, tendo em conta que o Duque era casado. — O Senhor Huxtable e eu vamos ocupar nossos assentos — disse Hannah antes que a

situação se tornasse mais tensa ainda — Estou cansada depois de passar tanto tempo em pé. Todos se despediram com sorrisos e gestos de cabeça, e o Senhor Huxtable a levou até

uma cadeira situada no centro da quarta fila. — Não é muito prometedor que a uma bailarina doam os pés por não ter se sentado

durante uma hora. — Ouviu-me dizer que seja uma bailarina? — replicou ela — Por que está zangado com

o Duque de Moreland? — A risco de parecer descortês, Duquesa — respondeu — sinto-me obrigado a dizer

que não é da sua conta. Hannah suspirou. — Mas é. Ou o será. Insistirei em conhecer tudo que se refere a sua pessoa. Os olhos escuros se cravaram nos seus. — Desde que ofereça o papel de bailarina depois da audição, não? — Senhor Huxtable — replicou ela ao mesmo tempo em que dava uns golpes com o

leque no braço — depois da audição me suplicará que aceite o papel. Embora não seja preciso que eu o diga, porque já sabe. Da mesma forma que eu sei que em seu caso a audição é desnecessária. Espero que seja um homem misterioso, com mais segredos por descobrir, além do motivo do distanciamento com seu primo. Espero-o de todo coração. Claro que estou muito segura de que não me decepcionará.

— Já vejo Duquesa — respondeu ele — que é um livro aberto. Terá que engenhar de algum jeito a fim de me manter interessado, já que não poderei revelar seus inexistentes segredos.

Hannah esboçou um leve sorriso e entreabriu as pálpebras.

Page 28: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

28

— A sala começa a encher — comentou — Acredito que o concerto começará dentro de um quarto de hora mais ou menos. Entretanto, ainda não falamos de nada importante, Senhor Huxtable. O que acha do clima que estamos desfrutando ultimamente? Muito bom para esta data, não é verdade? Acredita que pagaremos com um verão rude? Essa é a crença popular, certo? O que acha você?

— Em minha opinião, Duquesa — respondeu — um calor excessivo para a época do ano em que estamos não a assusta. Sua natureza otimista, sem dúvida espera que venham mais dias quentes à medida que a primavera dê passagem ao verão.

— Sim, devo ser um livro aberto — replicou ela — pois me entendeu por completo. Não me diga que é dos que preferem uma primavera fresca, com a esperança de que o verão seja medianamente quente. É grego!

— Meio grego — precisou o Senhor Huxtable — e meio inglês. Deixarei que decifre o que pertence a cada parte.

Os convidados começaram a ocupar as cadeiras que tinham ao seu redor e a conversa se generalizou entre a audiência até que Lorde Heaton subiu no estrado e se fez silêncio a espera do começo do concerto.

Hannah deixou que o leque pendesse de seu pulso e colocou uma mão com dissimulação no braço do Senhor Huxtable.

Tudo foi muito desconcertante. Depois de tê-lo recusado premeditadamente tanto na Bond Street como na festa dos Merriwether, decidiu dar um passo a frente nessa noite e retroceder na seguinte vez que se encontrassem.

A verdade era que não tinha pressa. As preliminares podiam ser tão emocionantes como o jogo em si. Entretanto, o Senhor Huxtable se negou a deixá-la jogar a sua maneira. E em vez de dar um passo para frente, Hannah tinha a sensação de ter avançado ao menos um quilômetro nessa noite. Sentia-se quase sem fôlego.

E transbordante de emoção. Não obstante, não ia permitir que fosse ele quem dissesse a última palavra. Não tão

cedo. De fato, jamais o permitiria. — Vejo que o Senhor Minter chegou tarde — comentou uma hora depois, durante o

intervalo, enquanto os assistentes ficavam em pé para conversar e ir em busca de uma taça de vinho — Devo ir repreendê-lo. Suplicou-me que sentasse ao seu lado esta noite e como me deu pena, aceitei. Suponho que será melhor que me sente com ele durante o resto da noite. O pobre está muito só.

— Sim — concordou o Senhor Huxtable, falando ao ouvido — suponho que será melhor que se vá Duquesa. Se seguir ao meu lado, é possível que acabe vendo-a como uma petulante.

Hannah o repreendeu dando umas batidinhas com o leque no braço e se lançou atrás do incauto Senhor Minter, que certamente nem sequer estaria a par de sua presença nessa noite no concerto.

Page 29: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

29

CAPÍTULO 4 As amantes primaveris de Con, como Monty as apelidara em uma ocasião, eram

selecionadas quase exclusivamente dentre as viúvas da alta Sociedade. Tinha como regra não visitar os bordéis, nem pagar pelos serviços de uma cortesã ou de uma atriz. É claro,

Page 30: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

30

tampouco olhava às Senhoras casadas, embora uma surpreendente quantidade de damas em tal estado civil se incomodasse em indicar sua disponibilidade. Tampouco olhava às solteiras.

Afinal Con queria uma amante, não uma esposa. Conforme descobriu, muitas viúvas não tinham pressa para voltar a se casar. Embora a

maioria acabasse fazendo-o, estavam encantadas de passar uns anos desfrutando de sua liberdade e dos prazeres sensuais de uma relação ocasional.

Ele quase sempre buscava uma amante para a temporada social. Raramente mais de uma, e nunca ao mesmo tempo. Suas amantes costumavam serem mulheres bonitas, mais jovens que ele, embora não considerasse que a beleza ou a idade fossem requisitos indispensáveis. Gostava das mulheres discretas, elegantes e bastante inteligentes, para conversarem diversos assuntos interessantes. É claro, procurava certo grau de companheirismo em uma amante, além de gratificação sexual.

E esse ano? Ele se achava na Mansão Fonteyn, em Richmond, concretamente no amplo terraço

pavimentado situado atrás da casa, embora atrás e frente fossem termos relativos nesse caso.

A fachada dianteira estava orientada para o caminho o qual chegavam as carruagens, e não era nada do outro mundo. A parte posterior, pelo contrário, tinha vistas para o Rio Tâmisa, e entre o rio e a Mansão havia um amplo espaço ocupado pelo terraço, por uma ampla escadaria ladeada por canteiros de flores de um prado em ligeiro declive, delimitado de um lado por um caramanchão e um pequeno pomar e do outro por uma fileira de estufas e outro terraço, esse pavimentado, paralelo ao rio. Um pequeno embarcadouro se internava na água para a comodidade de quem queria usar algum dos botes, que estavam amarrados de cada lado.

E nesse momento a parte posterior da Mansão, que poderia ser considerada a verdadeira fachada, estava banhada pela luz do sol embora a brisa fria impedisse que fizesse calor, como era de esperar nessa época do ano. Era uma imagem muito pitoresca e decididamente agradável.

Os Fonteyn se arriscaram muito ao organizar um almoço no jardim ao começar a temporada social, muito antes que alguém se atrevesse a contar com o tempo. É claro, a Mansão contava com um espaçoso salão de baile e com um salão igualmente espaçoso, e sem dúvida haveria outras salas bastante grandes para acomodar todos os convidados, no caso de piorar o tempo ou que chovesse.

Nesse ano havia uma viúva nova na cidade, e estava se oferecendo virtualmente numa bandeja e com pouca sutileza para ocupar o posto de sua amante. Desde que se evitasse a evidente trapaça de fazê-la inalcançável, é claro. Achou muita graça no seu comportamento na Bond Street e no baile dos Merriwether.

Page 31: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

31

Nesse instante a dama voltava à carga. Estava no prado não muito longe do pomar, segurando o braço de Lorde Hardingraye, um de seus antigos amantes, que chegou fazia meia hora.

Achavam-se rodeados por outros convidados, tanto homens como mulheres, e a Duquesa estava totalmente concentrada no grupo enquanto fazia girar uma sombrinha muito elegante. Indevidamente, era branca, como o resto de seu traje. Vestia-se quase sempre de branco, embora jamais repetisse vestido. Impressionante realização.

Não olhara nenhuma só vez para onde ele estava. Um detalhe que só podia ter duas explicações, ou não o vira ainda ou já não tinha interesse em ter uma relação de qualquer tipo com ele. Sabia perfeitamente que nenhuma dessas explicações era a verdadeira.

Estava decidida a apanhá-lo. E certamente o vira. Não estaria dando as costas com tanto empenho se não o tivesse visto.

Achou graça da situação. Deu um gole em sua bebida e seguiu a conversa que mantinha com seu grupo de

amigos. Não tinha pressa em se aproximar dela. De fato, não tinha intenção de dar o primeiro passo. Se quisesse lhe dar as costas toda a tarde não se importava.

Entretanto, começou a dar voltas à pergunta que estava preocupando-o nesses três dias enquanto ria com seus amigos e observava os recém-chegados, saudando uns com uma mão e outros com um sorriso.

De verdade queria à Duquesa de Dunbarton como amante? Respondera com um não terminante a essa pergunta no Hyde Park, e disse a sério. A maioria dos homens teria considerado que essa pergunta era ridícula, é claro. A

Duquesa era, afinal, uma das mulheres mais bonitas que viu na vida e, no caso de ser possível, tinha melhorado com a idade. Continuava relativamente jovem e sexualmente atraente. Era uma mulher solicitadíssima... E ficava aquém. Poderia escolher qualquer homem como amante, os casados inclusive.

Mas... Algo o fazia hesitar, e não sabia muito bem por que. Pelo fato de ser ela quem o escolheu? Entretanto, não havia razão para que uma

mulher não perseguisse o que desejava como um homem. Quando ele se encantava por uma mulher, sempre a perseguia com insistência até que capitulasse... Ou não. Além disso, não era lisonjeiro que uma mulher bonita e atraente, que poderia ter qualquer um, escolhesse a ele?

Devia-se então que parecesse muito disposta? Acaso não teve um sem fim de amantes em vida do falecido Duque? Não era normal que seguisse com a mesma tônica quando por fim era livre, não só do Duque, mas sim do obrigatório ano de luto? Não obstante, nunca se amedrontou pela competência. Além disso, se no final a Duquesa decidisse entreter mais amantes além dele, sempre podia cortar a relação. Afinal, não procurava amor nem nada que se parecesse com um compromisso conjugal. Só procurava uma amante. Seu coração não se envolveria.

Page 32: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

32

E durante o concerto dos Heaton insinuara que enquanto fosse sua amante, não haveria lugar para nenhum mais.

Então ela era como um livro aberto, tal como disse durante o concerto? Todo mundo a conhecia. Apesar do olhar lânguido e do leve sorriso que não abandonava seus lábios, a Duquesa não encerrava nenhum mistério, não se ocultava debaixo de múltiplas camadas que iria afastando, como as pétalas de uma rosa.

Salvo por sua roupa. Era impossível saber que aspecto teria uma mulher nua, sem importar as vezes que se

admirasse seu corpo vestido. Era impossível saber o que se sentiria ao tocá-la, como se moveria, que sons emitiria quando...

— Constantine — chamou sua tia, Lady Lyngate, a irmã de sua mãe, que se aproximou dele por trás e colocara uma mão no braço — me diga que ainda não foi até a margem. Ou se o fez, minta e diga que ficará encantado em me acompanhar.

Cobriu a mão com a sua e a olhou com um sorriso. — Não mentiria tia Maria, embora estive uma dúzia de vezes na margem, coisa que

não aconteceu — disse — Sempre é um prazer acompanhá-la aonde queira ir. Não sabia que estava na cidade. Como se encontra? Os anos e as cãs assentam maravilhosamente. Outorgam uma grande elegância.

Tampouco mentia ao dizer isso. Sua tia devia rondar os sessenta anos e ainda se voltavam para olhá-la.

— Enfim — replicou ela com uma gargalhada — acredito que é a primeira vez que elogiam minhas cãs.

Continuava com o cabelo muito escuro, mas suas têmporas começavam a branquear de um modo muito atraente. Era a mãe de Elliott, o Duque de Moreland, mas nunca deixara de saudá-lo apesar de seu filho mal falar com ele. E o mesmo acontecia com as irmãs de Elliott.

— Como está Cece? — perguntou — enquanto conduzia sua tia a escadaria que se descia até o prado. Referia-se à Cecily, a Viscondessa de Burden, a caçula da família e sua prima preferida — Terá logo seu filho?

— Tão logo que Burden e ela ficaram no campo este ano — respondeu sua tia — para o deleite de seus outros dois filhos, estou certa. É uma ideia magnífica a de colocar as mesas no terraço junto ao rio. Assim se pode desfrutar dos refrescos junto à margem.

Fizeram justo isso. Estiveram uns dez minutos sentados até que se uniram a eles três amigos de sua tia, uma dama e dois Cavalheiros.

— Lady Lyngate, teria a amabilidade de ter piedade de mim? Desde que seu sobrinho possa prescindir de sua presença — perguntou o Cavalheiro solteiro depois de um momento de conversa. — Desçamos ao terraço para dar uma volta de bote, mas sou da opinião de que três é multidão. Por favor, nos acompanhe para assim sermos quatro.

— É claro! — aceitou ela — Que ideia mais maravilhosa! Constantine desculpa-me? — Muito a contra gosto — respondeu, piscando um olho para sua tia.

Page 33: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

33

Observou-os subir em um bote que acabava de ficar livre e um dos Cavalheiros se encarregou dos remos para afastar-se pelo rio.

— Está só, Senhor Huxtable? — Perguntou uma voz conhecida as suas costas — Seria um desperdício deixar só um Cavalheiro tão disponível.

— Estava esperando que você me visse e tivesse piedade de mim — replicou ao mesmo tempo em que ficava em pé — Sente-se comigo, Duquesa.

— Não tenho fome nem sede, nem tampouco necessito de um descanso — disse ela —Leve-me às estufas. Quero ver as orquídeas.

Alguma vez alguém disse que não? Perguntou-se Con enquanto oferecia o braço. Quando anunciou no serão musical dos Heaton que se sentaria com ele durante o

concerto, ocorreu que podia acabar muito envergonhada se ele se negasse? Claro, por que temer a recusa quando até o ranzinza e arisco Duque de Dunbarton tinha sucumbido aos seus encantos, depois de ter resistindo aos das demais mulheres mais de setenta anos?

— Sinto-me ofendidíssima — ela comentou quando aceitou seu braço — Não se aproximou para me saudar ao chegar.

— Parece-me que eu cheguei antes, Duquesa. E você não se aproximou para me saudar.

— Agora é a mulher que deve deixar o que estiver fazendo para saudar o homem? — Tal como acaba de fazer? — perguntou por sua vez, olhando-a. Não usava chapéu nesse dia, senão um absurdo chapeuzinho, inclinado de forma

muito sofisticada sobre a sobrancelha direita e que ficava, é claro, perfeito. Os cachos loiros o rodeavam com um estilo desenvolto, que sua criada possivelmente teria demorado uma hora para conseguir. O vestido de musselina branca, conforme comprovava de perto, estava bordado com botões de rosas em um tom muito claro.

— Senhor Huxtable, é muito feio que me jogue isso no rosto — replicou ela — Que outra alternativa me deixou? Teria sido muito aborrecido voltar para casa sem falar com você.

Passearam pelo prado em diagonal, em direção às estufas. Con se deixou levar pela sensação de inevitabilidade. A Duquesa estava decidida a conquistá-lo. E apesar de suas dúvidas, reconhecia que a ideia de ser conquistado não era desagradável.

Deitar-se com ela seria uma aventura cheia de emoções fortes, não cabia a menor dúvida. Uma luta por fazer-se com o controle, talvez? E um enorme prazer mútuo enquanto lutavam?

Às vezes, pensou, as perspectivas de um prazer sensual extraordinário bastavam para começar uma relação. Os segredos de uma personalidade digna de explorar poderiam esperar até o ano seguinte, até a seguinte amante.

Estava rendendo-se sem mal opor resistência, disse-se. O que queria dizer que a Duquesa era uma perita na arte da sedução. Nada surpreendente é claro.

E não deveria virar o rosto quando começava a desfrutar ao se deixar seduzir. — Onde está a Senhorita Leavensworth esta tarde? — perguntou.

Page 34: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

34

— O Senhor e a Senhora Park a convidaram para visitar algum Museu — respondeu ela — e preferiu acompanhá-los a vir comigo a esta festa. Pode acreditar Senhor Huxtable? Depois da visita a levarão para jantar e depois irão à ópera.

Notou-a estremecer-se com delicadeza. — Alguma vez esteve na ópera, Duquesa? — Quis saber — Nem em um Museu? — É claro que sim — respondeu ela — Já sabe que não se pode parecer uma ignorante

nem idiota aos olhos de nossos pares. Deve se demonstrar interesse nos temas culturais. — Mas alguma vez desfrutou dessas visitas? — insistiu. — Gostei muito de ver a carruagem de Napoleão Bonaparte em... Bem, em algum

Museu — respondeu Hannah, agitando a mão que segurava a sombrinha para tirar importância do assunto — A carruagem que usou para transladar-se à batalha de Waterloo, quero dizer. Não pode ir montado a cavalo porque sofria de hemorróidas. Sabia? O Duque me contou isso e também me explicou o que eram as hemorróidas. Parecem muito dolorosas. Talvez o Duque de Wellington ganhou a batalha pelas hemorróidas de Napoleão. Pergunto-me se os livros de história contarão esse pequeno detalhe.

— Certamente não — replicou ele com ironia — Sem dúvida alguma a história preferirá perpetuar a versão atual, segundo a qual Wellington aparece como um herói grandioso e invencível que ganhou a batalha graças à força de sua grandeza e de sua invencibilidade.

— Nisso acredito também — concordou ela — É o que me disse o Duque. Meu Duque, refiro-me. Uma vez me levou a ver as estátuas de Lorde Elgin e não me escandalizei ao ver todos esses corpos nus. Nem sequer me impressionaram. Só era pálido mármore. Preferiria ver um homem de carne e osso. Um grego, quero dizer. Com a pele morena pelo sol, não uma fria estátua de pedra. É claro, nenhum homem real poderia ter uma beleza tão perfeita. — Suspirou e sua sombrinha voltou a girar.

Bruxa, pensou Constantine. — E o que me diz da ópera? — perguntou. — Nunca entendi o italiano — respondeu ela — Seria aborrecidíssimo se não fosse por

toda essa paixão e pela tragédia de ver que todo mundo morre sobre o palco. Deu-se conta de que os personagens moribundos cantam maravilhosamente bem antes de perecer? Que desperdício. Preferiria ver toda essa paixão dedicada à vida.

— Entretanto, isso é precisamente o que acontece, dado que as óperas se escrevem para cantores vivos e para uma audiência composta por pessoas vivas mais que para um personagem moribundo — respondeu Huxtable — A paixão se dedica à vida.

— Jamais voltarei a ver uma ópera com os mesmos olhos — afirmou a Duquesa, que fez girar a sombrinha uma vez mais antes de fechá-la ao chegar a primeira estufa — Nem a escutar da mesma maneira. Muito obrigado, Senhor Huxtable, por sua explicação. Deve me levar uma noite para poder desfrutá-la corretamente em sua presença. Convidarei algumas pessoas.

Page 35: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

35

Havia muita umidade e fazia calor dentro da estufa. A parte central estava ocupada por enormes suportes de vasos coalhados de samambaias e o perímetro, rodeado por laranjeiras que se erguiam diante das paredes de vidro. O lugar estava deserto.

— Que bonito! — Exclamou ela, que seguia junto às samambaias do centro com a cabeça para trás, para desfrutar do aroma da vegetação — Não acredita que seria maravilhoso viver para sempre em uma terra tropical, Senhor Huxtable?

— Um calor abrasador — ele indicou — Insetos. Enfermidades. — Ah! — A Duquesa abaixou a cabeça e o olhou — A fealdade em meio a beleza. É da

opinião de que sempre há fealdade? Embora algo seja muito, muito formoso? De repente, seus olhos pareceram enormes e insondáveis. E tristes. — Nem sempre — respondeu Huxtable — De fato, prefiro pensar o contrário, que

sempre há uma beleza indestrutível em meio à escuridão. — Indestrutível — repetiu ela em voz baixa — Isso quer dizer que você é otimista. — Que outra coisa se pode ser se pretendemos levar uma existência tolerável? —

replicou. — É muito fácil cair na desesperança. Sempre vivemos à beira da tragédia, não parece? — Sim — respondeu ele — O segredo consiste em não ceder nunca ao impulso de

saltar voluntariamente por esse precipício. A Duquesa seguiu olhando-o nos olhos. Não entreabriu as pálpebras, percebeu. Seus

lábios não esboçaram nenhum sorriso. Mas estavam ligeiramente entreabertos. Parecia... Diferente. A parte racional de seu cérebro disse que não havia ninguém mais nessa estufa em

concreto e que se achavam ocultos à vista dos outros. Inclinou a cabeça e roçou os lábios com os seus. Tinha-os quentes e suaves,

ligeiramente úmidos, e rendidos ao seu beijo. Percorreu com a língua a estreita abertura que havia entre eles, o contorno do lábio

superior e por último o lábio inferior, depois introduziu a língua na boca. Seus dentes não impediram o caminho. Acariciou o céu da boca com a língua antes de retirá-la e afastar a cabeça dela.

O beijo o deixou com um gosto de vinho e mulher sensual. Olhou-a nos olhos e devolveu o olhar uns instantes até que se produziu uma sutil

mudança em sua expressão. Viu-a entreabrir as pálpebras de novo e esboçar um sorriso, recuperando assim sua habitual compostura.

Teve a sensação de que estava se colocando uma máscara. O que supunha uma possibilidade muito interessante. — Senhor Huxtable, espero que cumpra a promessa implícita nesse beijo. Levaria uma

tremenda decepção se não fosse assim. — Comprovaremos esta noite — replicou. — Esta noite? — Arqueou as sobrancelhas ao escutá-lo.

Page 36: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

36

— Não deve ficar só — disse — enquanto a Senhorita Leavensworth janta fora e vai à ópera. Certamente se sentiria sozinha e aborrecida. Assim jantará comigo.

— E depois? — Manteve as sobrancelhas arqueadas. — E depois desfrutaremos de uma suculenta sobremesa em meu dormitório —

respondeu Constantine. — Oh! — Parecia estar considerando a possibilidade — Mas tenho outro compromisso

esta noite, Senhor Huxtable. Que contrariedade. Talvez outro dia. — Não — respondeu ele — nada de outro dia. Nada de jogos, Duquesa. Se me quiser,

será esta noite. Não em outro momento, quando considerar que já me torturou o bastante. — Sente-se torturado? — quis saber ela. — Virá esta noite — disse — Ou não o fará nunca. A Duquesa o olhou em silêncio um instante. — Pelo amor de Deus! Acredito que o diz a sério — comentou ela. — Assim é — assegurou. E falava a sério. Já tinha advertido que não seria sua marionete. E embora a paquera

fosse divertida, não podia alongar-se indefinidamente. — Caramba! — exclamou ela — eu adoro os homens dominantes e impacientes. É

muito emocionante, sabe? Embora não tenha intenção de me deixar dominar, Senhor Huxtable. Muito menos por um homem. Jamais. Mas acredito que vou ter que decepcionar o Cavalheiro a quem prometi ver esta noite. O certo é que só me convidou para jantar, mas sem sobremesa. Ou sem sobremesa suculenta, para ser mais exata. Soa tão delicioso que não posso resistir.

— É uma sobremesa que só pode consumir-se em casal — respondeu ele — E o consumiremos esta noite. Enviarei...

A Duquesa o interrompeu justo quando percebia que alguém abria a porta. — Mas só são samambaias — a ouviu dizer com voz desdenhosa — Posso ver

samambaias em qualquer caminho da Inglaterra. Quero ver as orquídeas. Leve-me para vê-las, Senhor Huxtable.

— Será um prazer, Duquesa — replicou ao mesmo tempo em que ela pegava seu braço.

— E depois pode me levar para tomar chá no terraço superior — continuou ela antes de trocar as saudações de rigor, com o grupo de convidados que entrava nesse momento na estufa.

— As orquídeas estão na terceira estufa, Excelência — informou a Senhorita Gorman. — Ah, obrigada. Muito amável — A Duquesa sorriu — começamos pelo extremo

errado. E assim foi como fecharam o trato, pensou Con, enquanto saíam ao sol primaveril em

busca das orquídeas. Tinha uma amante para essa temporada social. Um acordo muito satisfatório em

muitos aspectos, sobretudo porque a relação se consumaria nessa mesma noite.

Page 37: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

37

Estava celibatário há muito tempo. Mas... Não em todos os aspectos? Apesar de a Duquesa ser uma criatura formosa, atraente e fascinante que

aparentemente o desejava tanto como ele a ela? Não sabia por que esse ano parecia diferente dos outros. Sempre deve contar com o poder do inesperado, meu amor, disse o Duque em uma

ocasião a Hannah. Também deve ter em conta que não se deve usar com muita frequência, ou do

contrário já não será inesperado. — As esmeraldas, é claro, Adele — disse Hannah a sua criada. Tinha roupa e joias de todas as cores alegres imagináveis, embora raramente usasse

algo que não fosse branco. Era o que as pessoas esperavam dela, roupa branca e diamantes. E, é claro, o branco, inclusive todas as tonalidades possíveis, sempre era mais

chamativo entre a multidão que qualquer cor forte que outros usassem para exibir-se. O Duque também ensinara isso. Nessa noite, entretanto, não estaria no meio de uma

multidão. E nessa noite faria algo inesperado que desequilibraria o sempre seguro Constantine

Huxtable. Nessa noite usaria um vestido de cetim verde esmeralda. Tinha um decote muito

pronunciado e escandaloso e brilhava à luz das velas a cada movimento, criando um halo reluzente ao seu redor.

E nessa noite ia usar esmeraldas em vez de diamantes. E nessa noite, o que era ainda mais inesperado, não recolheu o cabelo no alto da

cabeça como costumava, e como costumavam a maioria das damas. Tinha recolhido na nuca com um passador de esmeraldas. Por debaixo do passador, seu cabelo caía solto pelas costas, em uma desordenada cascata de cachos e ondas.

— Não me espere acordada, Adele — disse enquanto se levantava do tamborete que ocupava em frente ao toucador, uma vez que comprovou que todas as joias estavam tal como ela queria — Voltarei muito tarde. E recorde que deve dar minha nota à Senhorita Leavensworth em mãos, quando retornar da ópera.

— Farei isso, Excelência. — A criada fez uma reverência e saiu do roupeiro. Hannah se estudou com olho crítico no espelho em pé. Ergueu as costas, endireitou os

ombros, levantou o queixo e esboçou um sorriso. Até então o penteado não conseguia convencê-la. Mas nesse momento pensou que

tinha acertado. Embora se não tivesse, tampouco importava. Assim era como escolhia apresentar-se diante de seu amante. De modo que era o acertado.

Page 38: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

38

Seu amante. Seu sorriso adquiriu um matiz quase zombeteiro. Constantine Huxtable não a olharia com sua habitual expressão inescrutável quando a

visse essa noite. Em seus olhos veria o desejo que sabia que sentia. O demônio estava a ponto de ser domesticado. Uma ideia espantosa se parasse para considerá-la. Se o domesticasse, que interesse

poderia ter para ela? Um demônio domesticado seria a criatura mais patética e miserável do mundo. Queria um amante. Queria tudo. Queria tudo o que podia oferecer esse mundo de

prazeres sensuais, embora para consegui-lo tivesse que descer aos infernos em busca do próprio demônio. Tinha trinta anos. Por que pareciam muito pior que os vinte e nove?

O que diria Barbara se a visse nesse momento? Perguntou-se enquanto dava as costas ao espelho e recolhia sua capa branca, que estava dobrada sobre o espaldar de uma poltrona. Pô-la e a abotoou ao pescoço antes de cobrir a cabeça com o capuz.

A seguir pegou sua bolsa. Não levaria leque essa noite. Não ia necessitar. Provavelmente Barbara não teria dito nada. Não seria preciso. Olharia para ela com expressão recriminatória e ligeiramente doída. Certamente

pontuava de imoralidade o que estava a ponto de fazer. Embora não fosse da mesma opinião. Já não era uma mulher casada. Além disso, sua amiga pensava que estava a ponto de empreender um caminho que partiria o coração. Uma opinião que tampouco compartilhava.

Só ia se deitar com um homem atraente, muito atraente, e também muito experiente. Envolveria todo seu corpo, não seu coração.

E seu corpo se alegraria muito. Não estava a ponto de cometer um erro. Certo que estava ocorrendo mais depressa do

que planejara. Talvez não devesse ter capitulado tão logo nessa tarde. Sua ameaça de não voltar a relacionar-se com ela se não fosse vê-lo nessa noite

seguramente não era real. Além disso, se o fosse, o que importava? Havia outros homens. Entretanto, capitulara. Porque afinal queria um homem dominante, não um

cachorrinho mulherengo, como Barbara dissera. Não, não estava a ponto de cometer um erro. Contemplou de novo seu reflexo. Sim. Coberta com a capa voltava a ir toda de branco. A carruagem que ele enviara já a esperava na porta quando Adele saiu em busca das

esmeraldas. Chegara muito pontual. O que queria dizer que ela ia alguns minutos atrasada. Como devia ser. Saiu do roupeiro e desceu as escadas até o vestíbulo, onde um criado vestido com sua

elegante libré esperava para abrir a porta.

Page 39: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

39

CAPÍTULO 5 Ao contrário do que faziam muitos Cavalheiros quando passavam temporadas em

Londres, Constantine Huxtable não tinha por costume alojar-se na área de Saint James, onde se achavam os clubes mais seletos.

O que fazia era alugar a mesma casa, todos os anos, em uma área respeitável da cidade de acordo com sua posição social, mas não muito em voga, a fim de evitar que sua intimidade se visse invadida. Ou isso supôs Hannah uma vez que o cocheiro a ajudou a apear em frente à porta da casa dele, enquanto observava a rua com curiosidade.

Ainda era dia. Iriam jantar relativamente cedo. Um criado abriu a porta da casa. Hannah ergueu as bainhas da capa e do vestido, subiu os degraus e passou ao lado do

criado. No interior descobriu um vestíbulo de planta quadrada muito espaçoso, com o chão axadrezado e paisagens com rebuscadas molduras douradas nas paredes.

Constantine Huxtable a esperava no centro da sala, vestido de negro como sempre e com uma aparência realmente demoníaca.

— Duquesa? — Saudou enquanto fazia uma elegante reverência — Bem vinda ao meu lar.

— Espero que seu chef tenha se esmerado. Não provei nada desde o almoço ao ar livre e estou esfomeada.

— Se não o fez, o despedirei amanhã mesmo, sem referências — replicou ele ao mesmo tempo em que se aproximava para tirar a capa.

— É um homem cruel — comentou sem se mover, a uns passos da porta.

Page 40: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

40

O Senhor Huxtable franziu ligeiramente os lábios e se aproximou um pouco mais para abaixar o capuz e soltar o broche que mantinha a capa fechada.

Uma vez que a tirou, estendeu ao silencioso criado sem afastar os olhos dela. Uns olhos que nesse momento a percorreram de forma deliberada de cima a baixo e de baixo para cima até voltar a pousar nos seus olhos.

Não pareceu se surpreender. Mas Hannah vislumbrou algo. Um indício de paixão, possivelmente. No fundo o surpreendera.

Nesse momento desejou ter levado um leque depois de tudo. — Duquesa, esta noite está especialmente bonita — disse enquanto oferecia o braço. Conduziu a uma sala pequena e acolhedora de planta quadrada. As grossas cortinas

que ocultavam a janela impediam a passagem da mortiça luz do entardecer. A única fonte de luz era o fogo que chispava na lareira, mais duas velas altas situadas

em candelabros de cristal sobre uma mesinha colocada no centro. Uma mesinha disposta para dois comensais.

Essa não era a sala de jantar, supôs Hannah. Escolhera um lugar mais íntimo. Viu-o se aproximar de um aparador para servir duas taças de vinho, depois puxou o

cordão da campainha. Ofereceu uma das taças a ela. — Com o estômago vazio, Senhor Huxtable? — perguntou — Quer me ver dançar em

cima da mesa? — Não estava pensando na mesa, precisamente, Duquesa — respondeu ele, que

aproximou sua taça à dela como um silencioso brinde. Hannah provou o vinho. — Necessito de pouco incentivo para dançar seja onde for — assegurou — Estará

esbanjando o vinho. — Nesse caso, espero que ao menos pareça delicioso — replicou o Senhor Huxtable. Estava delicioso, é claro. O mordomo e um criado entraram nesse momento com a comida, e eles ocuparam

seus respectivos lugares à mesa. O chef era excelente, descobriu Hannah quase imediatamente. Durante uns minutos

comeram quase em silêncio. — Senhor Huxtable — disse ela ao final — conte-me sobre seu lar. — Refere-se a Warren Hall? — Esse foi seu lar no passado — ela indicou — Mas agora pertence ao Conde de

Merton. Dá-se bem com ele? Afinal, o viu cavalgando com o Conde no parque. — Maravilhosamente — respondeu. — Onde vive agora? — perguntou Hannah. Ele fez um gesto com a mão que abrangeu a sala. — Aqui.

Page 41: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

41

— Não todo o ano, suponho — replicou — Onde vive quando não está na cidade? — Tenho uma casa em Gloucestershire — respondeu. Observou-o em silêncio enquanto retiravam as terrinas da sopa e serviam o peixe. — Não pensa em me falar dela, não é verdade? Que irritante você é. Outro segredo a

acrescentar àquele seu distanciamento com o Duque de Moreland. E ao mistério de sua maravilhosa relação com o Conde de Merton, depois de roubar o título que pertencia a você por direito.

O Senhor Huxtable soltou seus talheres sobre o prato sem fazer ruído. Olhou-a nos olhos do outro lado da mesa. Suas íris pareciam negras.

— Duquesa, está mal informada — respondeu — o título jamais poderia ser meu. Não havia a menor possibilidade de que pudesse ser. Pertenceu ao meu pai e depois ao meu irmão mais novo, e agora é de meu primo. Não tenho motivos para guardar rancor a nenhum deles. Amei muito ao meu pai e ao meu irmão. Tenho carinho por Stephen. Todos fazem parte da minha família. E se deve amar a família.

Ahhh! Exclamou Hannah para si mesma. Acabava de por o dedo em uma ferida. Embora sua voz e seus gestos fossem serenos, pareciam...

Muito serenos? — Salvo o Duque de Moreland — acrescentou ela. O Senhor Huxtable seguiu olhando-a, desprezando por completo a comida. Retiraram

os pratos para servir o seguinte. — O que me diz de sua família, Duquesa? Hannah encolheu os ombros. — Há o Duque — respondeu — me refiro ao atual. Um homem irrepreensível,

inofensivo e tão interessante como o milho e as ovelhas que adora. O Duque, meu falecido marido, tinha um exército de parentes com quem mal se relacionava.

— E sua família? — insistiu ele. Hannah pegou a taça e a fez virar muito devagar para contemplar o reflexo da luz das

velas no cristal antes de levá-la aos lábios. — Não a tenho — respondeu — Assim não posso contar nada. Não há segredos para

ocultar nem descobrir. Mas falarei de Copeland Manor, minha casa em Kent. O Duque a comprou para mim há cinco anos como um presente. Dizia que era minha rústica casinha de campo, mas não é rústica e nem uma casinha. É uma Mansão em toda regra. Rodeada por uma imensa propriedade que estende seu esplendor nas quatro direções, com terrenos de trabalho e outras áreas não cultiváveis, mas bem atendidas. Há arvoredos, pastos e um lago natural. Mas não há caramanchões, nem jardins de canteiros, nem atalhos agrestes. Tudo é muito... Rústico. Nesse sentido, o Duque não podia ter mais razão ao pontuá-la assim.

Hannah guardou silêncio enquanto cortava um pedaço de vitela, que por seu aspecto e sua brandura parecia ter sido cozida à perfeição.

— Não será talvez muito simples para você, Duquesa? — perguntou o Senhor Huxtable.

Page 42: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

42

— Às vezes receio que sim — reconheceu — Acredito que deveria impor minha vontade humana para embelezá-la um pouco, para obter o mesmo efeito que tinha esta tarde o jardim.

— Mas...? — incentivou-a explicar, esquecida de novo a comida. — Mas confesso que eu gosto dela tal como está — respondeu — A natureza precisa

ser domesticada às vezes, em altares da civilização. Mas devemos obrigá-la a ser algo diferente do que deveria ser em altares da beleza? O que é a beleza?

— A pergunta do século — replicou ele. — Deveria vê-la com seus próprios olhos e me dizer o que parece — sugeriu. — Deveria vê-la? — O Senhor Huxtable arqueou as sobrancelhas — está me

convidando a Kent? — Organizarei uma breve festa campestre, embora seja mais adiante, quando as

pessoas começarem a se cansar dos intermináveis bailes — respondeu — asseguro que tudo será muito respeitável, embora então todo mundo saberá, é claro, que somos amantes. As pessoas sempre sabem, embora às vezes não seja verdade. Que não será nosso caso. Assim me dirá o que acha da propriedade.

— E terá em conta minha opinião? — perguntou ele. — Possivelmente não — respondeu Hannah — Mas, de qualquer forma, escutarei o

que tenha a me dizer. — Sinto-me honrado. — E eu me sinto satisfeita — anunciou — Seria amável de felicitar o chef de minha

parte, Senhor Huxtable? — Sim — disse — o alegrará muito saber que não será despedido amanhã de manhã.

Aceita um pouco de queijo ou uma xícara de café? Chá, talvez? Não queria nada. Estava toda a noite tentando se distrair com a conversa. E tentando

fingir que tinha fome, coisa que deveria ser verdadeira porque não comeu desde o almoço ao ar livre, quando o Senhor Huxtable ofereceu um prato com antepastos no terraço superior.

Apoiou um cotovelo sobre a mesa, colocou o queixo na mão e olhou seu rosto. O seu ficava emoldurado pelas duas velas.

— Só a sobremesa, Senhor Huxtable — respondeu ao mesmo tempo em que sentia a deliciosa emoção do que tinha sonhado durante a segunda metade do ano de luto e do que planejara durante os meses posteriores ao Natal.

Emoção e nervosismo. Não devia mostrar o último. Pareceria uma reação imprópria dela.

Alegrava-se muito que fosse ele. Teria se sentido desiludida se o Senhor Huxtable não tivesse ido esse ano à cidade. Mas não desolada. Porque tinha outras alternativas, magníficas também. Embora nenhuma pudesse se comparar ao Senhor Constantine Huxtable.

Tinha-o por um amante extraordinário. Estava convencida de que não a desiludiria a esse respeito.

Page 43: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

43

Não faltava muito para descobrir se suas hipóteses eram certas. O Senhor Huxtable se levantou, afastara a cadeira com as pernas e estava rodeando a

mesa para oferecer a mão. Era uma mão cálida e firme, descobriu ao aceitá-la. E pareceu mais alto e mais corpulento quando ficou em pé. Sua colônia, a mesma que usava na outra ocasião, voltou a saturar seus sentidos.

— Nesse caso, vamos desfrutar dela sem mais demora — sugeriu. Hannah o olhou com as pálpebras entreabertas. — Espero que este chef em concreto tampouco me desiluda — disse. — Se o fizer, Duquesa — replicou ele — não só o despedirei pela manhã, o levarei a

algum lugar remoto e lhe darei um tiro. — Uma medida um tanto drástica — respondeu ela — E um desperdício de toda esta

beleza grega. Não acredito que seja necessário chegar a esses extremos, porque não me decepcionará. Não o permitirei.

O Senhor Huxtable a convidou a tomar seu braço e a conduziu para fora da sala. As palavras frequentemente eram insuficientes para expressar os pensamentos, fato

do qual Con foi muito consciente durante toda a noite. Que palavras podiam descrever algo que era mais belo que a beleza e mais perfeito que a perfeição?

Sempre teve a Duquesa de Dunbarton por uma mulher de beleza perfeita, por mais que nunca tivesse se sentido atraído minimamente por ela.

Nessa noite até um superlativo seria pouco. Não recordava tê-la visto nunca com outra cor que não fosse o branco. E sempre tinha

pensado que era um recurso muito engenhoso fazer de tal cor sua assinatura, para chamá-lo de algum jeito. Entretanto, o abandono da norma era igualmente engenhoso... E opressivo.

A Duquesa de Dunbarton estava... Enfim, não achava as palavras adequadas para descrevê-la. Talvez opressiva fosse a

única palavra que conseguia remotamente defini-la. Seu cozinheiro bem poderia ter servido couro e cascalho para jantar, dada a atenção

que prestara à comida. E para cúmulo teve que fazer o supremo esforço de não passar todo o jantar contemplando-a boquiaberto.

A cor de seu vestido e de suas pedras preciosas a transformava de uma rainha de gelo em uma espécie de deusa da fertilidade. E seu cabelo, que possivelmente todos os Cavalheiros sem exceção teriam sonhado vê-lo soltos sobre seus ombros, estava recolhido com um passador na nuca e caía por suas costas em uma cascata de ondas alvoroçadas.

O decote de seu vestido deixava bem pouco à imaginação, mas despertava de todas as formas. Porque se fosse um só centímetro mais baixo...

Monty a classificara de perigosa na tarde que a viram no Hyde Park. Era mais perigosa que as sereias da mitologia. A Duquesa levara o peso de uma conversa carente das habituais insinuações que

estavam acostumados a prodigalizar. De fato, quando descreveu sua casa em Kent foi... Próxima. Como se de verdade gostasse da propriedade.

Page 44: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

44

Era uma mulher esperta, muito esperta. Teria que ser muito cuidadoso com ela, pensou enquanto a conduzia em silêncio pela escada em direção ao seu dormitório.

Embora não conseguisse entender do que teria que se cuidar. Afinal, estavam a ponto de se converterem amantes e possivelmente seguiriam sendo durante toda a temporada social.

Esse seria o limite, é claro. Se a Duquesa não quisesse prolongar tanto sua relação... Pois muito bem. Ele não acabaria com o coração feito em pedacinhos, não é?

Situado no baú que ocupava um dos cantos de seu dormitório havia um candelabro com as velas acesas. A roupa da cama estava afastada, as cortinas, corridas. Junto à cama tinham disposto uma bandeja com uma garrafa de vinho e duas taças. Tudo estava preparado.

Fechou a porta atrás dele. A Duquesa de Dunbarton suspirou enquanto soltava o braço e se voltava para olhá-lo.

O som recordou o ronronar de uma gata satisfeita. — Não há nada como o prazer da espera, não é verdade? — perguntou ela — me corre

pelas veias desde esta tarde, confesso. Não me arrependo o mínimo de ter cancelado minha entrevista para aceitar seu convite.

Colocou um dedo no queixo que passou a mover com delicadeza enquanto o seguia com os olhos.

— Eu tampouco me arrependo — assegurou Con. — Espero que desfrute de cada minuto — Seguiu ela — Confio em que não se pareça

com esses homens que demonstram sua virilidade mediante a velocidade que empregam na corrida. — Olhou-o nos olhos, embora não movesse a cabeça.

— Caramba, Duquesa! — exclamou — Minha ideia era correr. Mas em meu caso será uma maratona. Conhece a história grega?

— Muitos quilômetros? — Perguntou ela por sua vez — Muitas horas? Uma resistência quase sobre humana?

— Vejo que a conhece — respondeu. A Duquesa desceu a mão até colocá-la sobre seu ombro ao mesmo tempo em que

fazia o mesmo com a outra. — Nesse caso, será melhor que não consuma mais energia falando, Senhor Huxtable —

aconselhou — Será melhor que comece com esta corrida de resistência, comece essa maratona, sem mais demora.

E seus sensuais olhos azuis o olharam com expressão sonhadora. Con inclinou a cabeça para beijá-la nos lábios. Colocou as mãos de ambos os lados de sua estreita cintura enquanto ela unia as mãos

em sua nuca e devolvia o beijo. Estava excitada, muito, apesar da clara advertência de não esquecer a importância das

preliminares.

Page 45: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

45

Não esperava descobrir uma mulher apaixonada, e talvez sua primeira impressão fosse verdadeira, uma vez metidos no assunto. Possivelmente, depois de tudo fosse uma amante experiente, habilidosa, sensual e dominante que esperava que fosse. E possivelmente fosse bastante inteligente, bastante segura de si mesma, para acrescentar umas gotas de paixão à mescla.

Nesse momento pensou que apesar de desfrutar da paixão, raramente a achava com suas amantes. A paixão requeria certos sentimentos, certa emoção, certo risco. A maioria das mulheres com quem se deitava só procurava companhia e sexo suarento. Fins que o satisfaziam plenamente. A ausência de paixão era melhor que um excesso de paixão exaltada.

Porque a paixão podia levar a estabelecer um vínculo emocional indesejado. E ele não queria ataduras desse tipo com nenhuma mulher. Não queria fazê-las sofrer.

Entretanto, seus pensamentos racionais se dissolveram imediatamente. A Duquesa tinha encostado seus seios em seu peito, e também notava seu abdômen e

suas coxas apoiadas nele. Além de seus lábios, que estavam colados aos dele. Sentiu uma intensa onda de desejo. Por fim! Passara muitos meses desde a última vez que esteve com uma mulher. Não tinha

percebido quanto estava desesperado. Levantou as mãos para tomar o rosto entre elas e a afastou um pouco, pondo fim ao

beijo. Deslizou as mãos até sua nuca para tirar o passador de esmeraldas que segurava o cabelo e o deixou cair sobre o tapete. Introduziu as mãos no cabelo para ordená-lo com prazer. A abundante cabeleira não necessitou que fizesse nada, porque rapidamente se estendeu por suas costas e por cima de seus ombros como uma reluzente nuvem de delicadas ondas.

A imagem esteve a ponto de arrancar um gemido. Parecia dez anos mais jovem. Parecia... Inocente. Com essas pálpebras entreabertas e

esses olhos que até a suave luz das velas eram azulíssimos. Uma sereia inocente... Um incitante paradoxo.

— Eu não posso fazer o mesmo — comentou a Duquesa — embora alguns afirmam que já não se usa o cabelo tão longo. De qualquer forma, não o corte. Proíbo-o.

— Devo ser seu escravo sexual, sempre dócil? — perguntou enquanto inclinava a cabeça para beijá-la atrás de uma orelha, para o que afastou o cabelo com um dedo.

No último momento decidiu passar a língua suavemente por essa área tão delicada e teve a satisfação de sentir seu estremecimento.

— Absolutamente — respondeu ela — mas fará o que me agradar porque agradará me satisfazer. Tirarei sua jaqueta já que não leva nenhum passador no cabelo.

Não era fácil. Seu valete suava muito pondo as jaquetas que, tal como ditava a moda, deviam ficar como uma segunda pele. Entretanto, ela só teve que passar os dedos por

Page 46: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

46

debaixo das lapelas e deslizá-los por seus ombros e seus braços para que o traje seguisse sem protestar o caminho marcado por suas mãos até acabar no chão, as suas costas.

Não era a primeira vez que o fazia, pensou Con. Os olhos azuis passearam por sua camisa e sua gravata, justo antes de suas mãos

atacarem a essa última para tirá-la com destreza. Desabotoou os botões do pescoço e afastou a camisa.

Observou-a todo o tempo, enquanto ela trabalhava com o olhar cravado no que suas mãos faziam e com os lábios entreabertos. Não havia pressa. Nenhuma. Tinham toda a noite e não havia nenhum prêmio dependendo do número de vezes que a possuísse. Possivelmente uma fosse suficiente, já que era sua primeira vez juntos.

— É magnífico em mangas de camisa — a ouviu dizer — Másculo e viril. Tire-a. Não ia fazê-lo ela mesma? Ele tirou as abas da calça sem afastar o olhar de seus olhos, e depois passou a

desabotoar os punhos antes de cruzar os braços para tirar a camisa pela cabeça. A Duquesa o observou com atenção e depois seus olhos percorreram devagar seus

ombros, seus braços e seu torso antes de descer até o cinto de suas calças. Apoiou as pontas dos dedos em seu peito.

Ele as afastou com o dorso das mãos, depois do que desceu o vestido pelos ombros. Em seguida, seus polegares seguiram a borda do decote e se detiveram no centro. Uma vez ali segurou o tecido com ambos os dedos e o desceu até deixar seus seios de fora. Passou todo o jantar desejando fazer justo isso.

Seus seios não eram muito generosos, mas erguidos, bonitos e firmes, com a ajuda do espartilho. Além disso, eram do tamanho perfeito para suas mãos.

Quentes e suaves. Tinha a pele muito branca, quase translúcida em comparação com a sua. Seus mamilos eram rosados e o desejo os tinha endurecido. Inclinou a cabeça e levou um à boca. Acariciou-o com a língua.

Sentiu e escutou como ela aspirava o ar com força. Desviou a atenção de seus lábios ao outro mamilo. — Mmm... — Ouviu-a murmurar. Um som rouco e satisfeito que surgiu do fundo de sua garganta enquanto passava os

dedos pelo cabelo antes de levantar a cabeça. A Duquesa tinha jogado a cabeça para trás. Tinha os olhos fechados e o cabelo caía

pelas costas enquanto aproximava os seios ao peito, enquanto se colava por completo a ele. Incentivou-o a aproximar a cabeça e afastou os lábios justo antes que os seus os roçassem.

Abraçou-a para estreitá-la com força e se entregou ao momento com abandono. Suas línguas se debateram, acariciaram-se e se exploraram. A tensão se apoderou de seus braços. A respiração se acelerou. Em um dado momento, ela o abraçou e notou que cravava os dedos em suas costas. Essas mãos desceram até deter-se em sua cintura, onde deslizaram por debaixo das calças e dos calções para acariciar as nádegas.

Page 47: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

47

— Tire — a ouviu dizer contra seus lábios enquanto esticava o dorso das mãos contra o tecido.

Uma ordem mais. Tampouco pensava tirá-la ela mesma? Claro que a essa alturas já tinha demonstrado dominar a arte do inesperado.

Observou-o enquanto tirava primeiro os sapatos e as meias, e depois as calças e os calções. Tudo isso segurando o vestido sob o peito... Até que o viu nu. Nesse momento afastou as mãos e o cetim verde esmeralda deslizou até o chão, deixando-a tão só com o espartilho, as meias de seda e o calçado. Certamente a teria possuído nesse mesmo momento, sem mais preâmbulos, se não tivesse uma ligeira ideia de quanto opressivo devia ser o espartilho e se não tivesse prometido uma maratona, claro. Pelo contrário, desatou as fitas e o asfixiante objeto acabou sobre o vestido.

A moda era um conceito estranho. Não seria de estranhar que se sentisse nua sem o espartilho, embora na realidade não o necessitasse. Seu corpo era magro, firme e bem formado. Seus seios, erguidos e juvenis. Suas pernas, longas e torneadas. Embora desse a impressão de não ser muito alta, isso era uma ilusão.

Viu-a sentar-se na beira da cama e inclinar-se para trás com as mãos apoiadas no cobertor. Em seguida levantou uma perna e ofereceu o pé. Tirou a meia e depois a outra quando ela repetiu o movimento. Inclinou-se sobre ela, impelindo a estender-se na cama, e a beijou de forma apaixonada e veemente, enquanto acariciava os seios e se acomodava entre suas coxas, que ela já tinha separado, assim como os braços que estavam estendidos sobre a cama.

— Quanto se demora a completar uma maratona? — perguntou a Duquesa quando por fim se afastou de seus lábios.

Conforme viu, tinha as faces rosadas. — Toda a noite se for necessário — respondeu ele — Embora sempre se possa fazer

trapaça, tomar um atalho se ninguém olhar, chegar à meta muito antes que a noite acabe. — Estou a favor de fazer coisas escandalosas quando ninguém olha — replicou

enquanto passava os dedos indicadores e médios pelos ombros como se estivessem caminhando.

— Pois vamos lá. No fundo foi um alívio. Porque estava tão excitado que chegava a ser desconfortável. Endireitou-se para colocar as mãos sob as costas e a levantou a fim de deitá-la ao

longo da cama, e não ao largo como estava até esse momento. Depois de deixar os lençóis e o cobertor aos pés, deitou-se ao seu lado de flanco e se apoiou em um cotovelo para olhá-la.

A Duquesa estava imóvel, com as mãos estendidas. Segurou o queixo para beijá-la enquanto sua outra mão deslizava entre seus seios,

sobre o abdômen tão plano, sobre o monte de Vênus e entre as coxas. Descobriu que estava quente e molhada. Depois de explorar com os dedos, penetrou-a ligeiramente com dois deles.

Page 48: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

48

E voltou a escutar esse murmúrio rouco que brotava do fundo de sua garganta. Ele se colocou sobre ela, afastou as coxas e depois de levar de novo as mãos sob suas

costas, penetrou-a até o fundo. Seu calor, sua umidade, a tensão de seus músculos e a suavidade de seu corpo foram um impacto aos seus sentidos.

Ele se obrigou a controlar a respiração e as reações de seu corpo. O momento de alcançar o prazer mais sublime tinha chegado, por fim, e não queria apressá-lo, apesar do estímulo que dera e ao urgente desejo que o embargava. Manteve-se imóvel e notou que a rigidez que de repente tomou conta dela começava a desaparecer à medida que se relaxava. Esperou-a.

A Duquesa de Dunbarton. A Hannah. De repente, recordou-a tal como a vira no parque aquela tarde com Stephen e Monty. Nesse momento ela o abraçou pela cintura. Suas pernas se moveram para colocar-se

sobre as dele. Seu corpo irradiava calor. Levantou a cabeça para olhá-la. O desejo obscurecia os olhos. Estava mordendo o lábio inferior. — A linha de meta já se vê — murmurou — embora ainda estejamos a certa distância. Ela não disse nada. Viu-a fechar os olhos e notou como o aprisionava em seu interior. Saiu dela e escutou uma espécie de murmúrio de protesto, mas voltou a penetrá-la

imediatamente, com força e rapidez. Repetiu o movimento até imitar o ritmo de seu próprio coração, até que todo seu ser pareceu inundar-se nessa ardente umidade.

Era uma mulher deliciosa. O momento era delicioso. Entretanto, o momento, o sexo, não se podia desfrutar a menos que se fosse

consciente da pessoa com quem se estava compartilhando tal momento. E a Duquesa demonstrou ser esperta até o final. Em vez de exibir a experiência que ele

esperava, e que até esse momento achava desejar, limitou-se a deixar-se fazer, a jazer quase de forma passiva sob seu corpo.

Con se preparara para resistir durante as preliminares, mas o tinham indultado. Claro que também teria desfrutado ao máximo se não tivesse obtido tal indulto. De modo que empregou a energia entesourada e o controle que tinha invocado nesse momento, no momento da verdade, com a mulher que seria sua amante durante os próximos meses.

O ritmo e a profundidade de suas investidas continuaram até que nublou o pensamento. Até que só ficou o doloroso prazer de afundar-se e sair dela. O abandono completo da mulher a quem possuía.

O abandono de Hannah. Seu interior estava quente e molhado, assim como o resto de seu corpo pelo efeito do

suor e do desejo. Escutava-a respirar de forma superficial. Em um momento sua resistência fraquejou e o desejo físico se transbordou até acabar

com o controle. Introduziu as mãos debaixo dela para imobilizá-la e aumentou a força e a

Page 49: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

49

rapidez de seus movimentos, afundar-se até o fundo e pressionar e... Derramar-se em seu interior. Derramar-se em seu interior!

Notou que a tensão abandonava por completo seu corpo enquanto relaxava sobre ela. A Duquesa tinha a cabeça sob seu ombro com o rosto voltado para o outro lado. Ainda o abraçava pela cintura e o rodeava com as pernas, de modo que também a notou relaxar.

Saiu dela e ao sentir o frescor do ar sobre seu corpo suarento, estendeu um braço para puxar os lençóis e o cobertor. Uma vez agasalhados, voltou a cabeça para olhá-la. Tinha o cabelo úmido, encaracolado e alvoroçado. Seus olhos azuis voltavam a estar serenos à luz da vela enquanto o olhavam por sua vez.

— Minhas hipóteses sobre você não podiam ser mais certas — concluiu ela. — Isso é bom ou é ruim? — replicou. — Para ser sincera — acrescentou — não eram de todo verdadeiras. Você é muito

melhor do que eu esperava, Senhor Huxtable. — Constantine — corrigiu ele — Con para a maioria. Deixemos as formalidades. — Sempre o chamarei Constantine — assegurou a Duquesa — Por que cortar um

nome tão maravilhoso e perfeito? Superou a audição com honras. O papel de bailarino é seu para uma longa temporada.

Longa? Perguntou-se ele. — Até o verão, refiro-me — explicou a Duquesa — Até que volte para Kent para me

instalar de novo no campo e você vá para sua propriedade em Gloucestershire — E como sabe que você superou a audição?

A pergunta fez que ela arqueasse as sobrancelhas. — Não seja tolo, Constantine — replicou. E de repente se percebeu de que não sabia se ela alcançara o clímax ao mesmo tempo

em que ele. Certamente não o fez nem antes nem depois desse momento. Teve um orgasmo ou não? E se a resposta era negativa, significava que ele falhara? Não obstante, suas palavras

indicavam justo o contrário. Veria a Duquesa o sexo como um âmbito mais onde impor seu poder e controle? E onde desfrutar, claro. Porque era evidente que tinha desfrutado do momento. Entretanto, preferiria saber se desfrutara ao máximo ou não. Isso sim, não perguntaria.

— Mais tarde repetirei a audição — disse — De momento me esgotou, Duquesa. Preciso recuperar as forças.

— Hannah — corrigiu ela — pode me chamar de Hannah. — Sim, sei — respondeu enquanto se voltava para estender-se de costas. Cobriu os

olhos com o dorso de uma mão — Duquesa. Não queria ter uma relação íntima com ela. Uma ambição absurda, dadas as

circunstâncias. Não ia iniciar uma relação emocional. A Duquesa de Dunbarton não ia controlá-lo. Nem por sonho.

Page 50: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

50

A verdade era que estava esgotado. Mas era um cansaço agradável. Relaxou satisfeito entre os lençóis. Sentia o calor que irradiava do corpo feminino quentinho ao lado. O aroma, uma mescla de perfume caro e suor. Um aroma muito erótico e agradável.

Dormiu quase no ato. E despertou sem saber o tempo que passara, para descobrir a cama vazia ao seu lado e

as cortinas abertas. A Duquesa de Dunbarton, vestida com a camisa branca que ele tirara e a cabeleira loira

platinada solta pelas costas, estava sentada no peitoril abraçando a cintura, com as pernas dobradas em frente a ela e o olhar cravado no exterior. Podia considerar-se afortunada, muito afortunada, de que as velas se consumaram em algum momento. Porque com a luz as suas costas e apesar de levar a camisa, teria sido um interessante ornamento para se contemplar da rua.

O fato de que as velas se apagaram significava, é claro, que passara quase toda a noite dormindo. Entretanto, comprovou ao olhar para o lugar que na realidade as velas não se consumaram. Compreendeu que ela teve o bom senso de apagá-las, antes de sentar-se no peitoril.

— Há algo interessante aí fora? — perguntou ao mesmo tempo em que entrelaçava os dedos sob a cabeça.

Ela se voltou para olhá-lo. — Não, nada — respondeu — o mesmo que aqui dentro. Enfim... Isso acontecia por perguntar.

CAPÍTULO 6 No exterior só se via o negrume da noite, comprovou Hannah quando abriu as cortinas

para olhar pela janela. Não havia carruagens, nem transeuntes, nem luzes nas janelas das casas de frente, salvo um breve resplendor em uma janela do andar térreo da sexta casa da fileira. Antes de abrir as cortinas, apagara as velas.

Correu de novo e se aproximou do pé da cama onde se demorou um instante. Constantine estava adormecido como um tronco, com um braço sobre os olhos. Sua

respiração era profunda e regular. Tinha uma perna dobrada pelo joelho, de forma que a roupa de cama se assemelhava a uma tenda. Apesar da penumbra, via-o com total clareza.

Page 51: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

51

Ela se perguntou se dormiria durante o que restava da noite e esboçou um sorrisinho. Conforme tinha assegurado, tinha-o esgotado, coisa que não a surpreendia.

Afinal, tinham feito uma maratona. Ela se sentia muito dolorida. Mas não era uma sensação de todo desagradável. O frio da noite provocou um calafrio e deu uma olhada em busca de seu vestido. Viu-o

no chão, debaixo do espartilho, e devia estar terrivelmente amassado. Percebeu que a camisa de Constantine também descansava no chão. Agachou-se para agarrá-la e a levou ao nariz um instante. Cheirava a sua colônia, a ele.

Passou-a pela cabeça, colocou os braços pelas mangas e se abraçou com ela posta. Por Deus, que homem grande! Exclamou para si mesma. Claro que não tinha nada que

objetar sobre seu tamanho... Considerou a ideia de voltar para a cama, agasalhar-se e aninhar-se ao seu lado para

desfrutar de seu calor corporal. Mas não queria dormir com ele. Dormir implicava uma perda de controle. E era impossível saber o que se podia dizer em sonhos ou ao despertar, antes de espreguiçar por completo. Ou o que se podia sentir durante essas horas, indefesa.

De modo que retornou junto à janela, afastou as cortinas com o dorso das mãos e examinou o peitoril. Não estava desenhado exatamente para ser um assento, de fato nem sequer era acolchoado, mas era bastante largo para sentar. Abriu as cortinas por completo e se sentou subindo os pés ao peitoril, com as pernas dobradas e abraçando-se para se aquecer. Apoiou a cabeça no vidro.

Tudo estava em silêncio. E escuro. E tranquilo. Escutava a respiração compassada de Constantine. Era um som reconfortante. Porque

evidenciava a proximidade de outro ser humano. Não se arrependia. Nunca se arrependia do que fazia, mais que nada porque jamais agia por impulso. Em sua vida tudo era planejado e controlado. Como gostava.

A única coisa que jamais poderá planejar nem controlar, meu amor, é o amor em si mesmo, advertira o Duque em uma ocasião.

Quando o achar, deve se render a ele. Mas só no caso de que se converta na única e verdadeira paixão de sua vida. Jamais faça acordo com menos ou a vida a consumirá.

Mas como vou distingui-lo? Perguntado ela. Distinguindo, foi a única resposta que se dignou a oferecer. A ideia de não achar jamais o amor a assustava um pouco. Ao menos esse tipo de

amor. Esse amor envolvente que só se apresentava uma vez na vida, mencionado pelo Duque, dado que ele o conhecia por experiência própria. Com certeza que não acontecia com todo mundo. Não podia acontecer a muitas pessoas. Talvez ela nem sequer o conhecesse.

Amou o Duque. Estremeceu-se e se abraçou com mais força. Às vezes pensava que era a única pessoa a que amou na vida. Mas isso não era de todo verdade, e havia diferentes tipos de amor. Amava Barbara.

Não, não se arrependia dessa noite.

Page 52: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

52

E não se sentia culpada. Não havia nenhuma razão de peso pela qual não pudesse estar com seu amante, em seu dormitório, depois de ter mantido relações conjugais com ele. Claro que na realidade não eram cônjuges. Seu vocabulário pecava por um excesso de puritanismo às vezes. Devia solucionar isso. Era uma mulher livre, sem compromisso, assim como ele. Podiam manter todas as relações que quisessem porque não havia capacidade para a culpa.

Deveria ter percebido que já não escutava sua respiração. Sua voz tomou-a de surpresa.

— Há algo interessante aí fora? Voltou a cabeça para olhá-lo, mas seus olhos se acostumaram a suave penumbra do

exterior e só foi capaz de distinguir uma silhueta escura. — Não, nada — respondeu — o mesmo que aqui dentro. — Está se queixando porque utilizei tanta energia que fiquei adormecido, Duquesa? — Está procurando outro elogio, Constantine? — perguntou por sua vez — Acredito

ter dito que superou com acréscimo minhas expectativas. Constantine afastara o lençol e o cobertor para sair da cama. Uma vez em pé, agachou-

se para rebuscar entre a roupa que descansava no chão, pegou os calções e depois as calças. Viu-o dar as costas e escutou o tinido do cristal. Aproximou-se dela com duas taças de vinho. Ofereceu uma antes de apoiar um ombro num batente da janela. A postura enfatizava sua altura, sua força e sua virilidade.

Atributos que ela contemplava com franca aprovação enquanto bebia um gole de vinho. Seria impossível ter escolhido um espécime mais perfeito por mais que tivesse tentado. Estava muito mais esplêndido nu, e inclusive meio nu, que vestido. Muitos utilizavam a roupa para dissimular um sem fim de imperfeições. Certamente, Constantine superava com acréscimo suas expectativas.

Por mais idiota que parecesse, dado que ainda se sentia muito dolorida, notou um palpitante formigamento só pensando no grande, duro e o satisfatório que pareceu.

Constantine cruzou uma perna em frente da outra e tomou sua taça, depois a deixou no outro extremo do peitoril.

— É espantosamente bonito — disse, enquanto o observava cruzar os braços. — Espantosamente? — Perguntou ele, arqueando as sobrancelhas — Inspiro espanto? Hannah voltou a levar a taça aos lábios. — Muitos se referem a você como ao demônio — respondeu — Suponho que sabe.

Causa certo espanto ter feito uma maratona com o próprio demônio. — E ter sobrevivido — acrescentou ele. — Ah, mas eu sempre sobrevivo! — Exclamou Hannah — E eu adoro as coisas

espantosas, porque nada me dá medo. — Sim — ele comentou — Suponho que é verdade. Observaram a rua em silêncio uns minutos enquanto ela tomava o vinho. Constantine

tirou a taça vazia dela e a deixou junto à sua.

Page 53: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

53

— Seu irmão, o Conde, era seu único irmão? — quis saber. — O único vivo — respondeu ele — o primogênito e o caçula fomos os únicos bastante

fortes para sobreviver à infância. Embora Jon morresse aos dezesseis anos. — Por quê? Qual foi a causa de sua morte? — perguntou. — Deveria ter morrido quatro ou cinco anos antes, segundo os médicos — respondeu

— Desde pequeno foi diferente dos outros, refiro aos seus traços faciais e seu físico. Meu pai o chamou de imbecil desde o começo. Igual a muitos outros. Mas não o era. A mente de Jon era mais lenta, sim, mas não era tolo muito menos. Mas bem ao contrário. E era todo amor.

Hannah seguiu sem se mover, abraçando-se com força obstinada à camisa. Constantine tinha o olhar cravado do outro lado da janela, como se a tivesse esquecido por completo.

— Não me refiro a que quisesse a todo mundo, que também o fazia — precisou — Era o amor em si mesmo. Um amor livre, incondicional e total. E morreu. Tive-o durante quatro anos mais do que o previsto.

Hannah suspeitava que sua sinceridade se devia à hora, à escuridão da noite e ao fato de acabar de despertar e de não ter tido tempo para levantar por completo suas defesas habituais. Fez bem em não adormecer.

— Queria-o muito — sussurrou. Os olhos escuros se cravaram nela. Pareciam muito negros. — E também o odiava — confessou — Porque tinha tudo o que deveria ter sido meu. — Salvo a saúde — acrescentou ela. — Salvo a saúde — repetiu — E salvo a inteligência. Porque queria a todos, inclusive a

mim. Sobretudo a mim. Hannah estremeceu outra vez, e ele se inclinou para segurá-la pelos braços e levantá-

la do peitoril como se não pesasse nada. Assim que seus pés tocaram o chão Constantine a estreitou com todas suas forças, uniu a ele e a beijou com ferocidade e paixão.

Paralisada pela surpresa em um primeiro momento, chegou à conclusão de que qualquer tentativa de resistir seria em vão. Além disso, sempre era aconselhável não provocar uma briga que não se pudesse ganhar. Na realidade, apresentaria batalha se de verdade não gostasse de nada do que estava fazendo, mas...

Enfim, era melhor deixar de pensar. E dedicar-se a desfrutar. Porque gostava dele. Desejava-o.

Ela se aproximou até que seus pés descalços roçaram os de Constantine, abraçou-o e devolveu o beijo com apaixonado ardor. Havia algo diferente nesse beijo.

Não era o mesmo jogo que jogaram às primeiras horas da noite, antes de meter-se na cama. Havia algo mais... Mais real. Mais sincero.

Deixou de pensar. Ela se achou de repente sem camisa, e a roupa de Constantine voltou a acabar no

chão. Retornaram à cama, entrelaçados e rodando sobre o colchão. Tão logo se achava em

Page 54: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

54

cima dele como giravam e investiam as posições em um frenesi de bocas, mãos e inclusive dentes. Aquilo não era um jogo. Era paixão pura e dura.

E a havia possuído por completo. Aquilo era... Deveria por fim nisso, pensou. Deveria dizer que não e Constantine se deteria imediatamente. Sabia que o faria. Não

tinha medo. Não precisava ter medo. Era seu amante. Tinha-o escolhido precisamente para isso. Mas...

Nesse instante se colocou sobre ela, afastou as pernas e o momento de detê-lo passou. De fato, não pode dizer nada.

Penetrou-a de repente. Foi como se a tivessem apunhalado em uma ferida aberta. Deu um pulo, ofegou,

tentou relaxar-se e... E ele se afastou. Bem, não se afastou de todo. Saiu dela, mas continuou sobre seu

corpo, apoiado em um cotovelo e olhando-a. Alegrou-se de ter apagado as velas. Embora uma vez que os olhos se acostumavam à escuridão era impossível ocultar algo.

— O que acontece? — perguntou ele. Hannah levantou uma mão e acariciou o peito com a ponta de um dedo. — Isso digo eu — respondeu. — Fiz mal a você? — Era hora de parar — disse — Uma vez por noite é suficiente, Constantine. Devo

voltar para casa. Não espere que fique com você toda a noite agora que somos amantes. Seria aborrecido.

— Não seria virgem, não é verdade? A pergunta foi feita em tom malicioso, claro. Entretanto, Hannah demorou um tempo

para responder, e quando o fez arqueou as sobrancelhas de forma arrogante, embora o efeito de tal gesto ficasse oculto pela escuridão.

— Era virgem? Nessa ocasião, Constantine disse muito a sério. Nem sequer foi uma pergunta em toda

regra. Tinha trinta anos. Não houve barreira física. Não houve sangue. Entretanto, continuava

sendo virgem no verdadeiramente importante. — Há alguma lei contra a virgindade? — replicou — Nunca tive um amante até que o

escolhi, Constantine. Sabia que seria magnífico e o é. É certo que não tenho ninguém com quem compará-lo, mas seria idiota se o pontuasse de medíocre.

— Esteve casada — indicou ele — Durante dez anos. — Com um ancião que não estava absolutamente interessado nesse aspecto de nosso

matrimônio — respondeu Hannah — o que me parecia estupendo, porque eu tampouco estava. Casei-me com ele por outros motivos.

— Converteu-se em Duquesa — aventurou Constantine, trazendo à tona as únicas razões aparentes — em uma Duquesa muito rica.

Page 55: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

55

— Incalculavelmente rica — concordou — E é pouco provável que acabe com esse horrendo título de Duquesa viúva porque é quase impossível que o atual Duque se case. Tem uma amante e dez filhos, cujas idades vão dos dois aos oito anos, mas a tirou de um bordel e, obviamente, não pode se casar com ela.

— Um detalhe bastante acidentado para que uma dama esteja a par — replicou Constantine.

— Por sorte, o Duque... Meu Duque — especificou — nunca me ocultou os detalhes mais suculentos de qualquer notícia. Sempre que escutava alguma fofoca picante corria para casa para me contar.

— De modo, Duquesa, que não manteve relações conjugais — indicou Constantine — Mas o que me diz da horda de amantes que teve durante seu matrimônio? Aparentemente ao menos.

— Põe muita atenção aos falatórios — respondeu Hannah — Bem, isso acontece com todos, assim melhor dizer que lhes dá muito crédito. De verdade acha que rompi meus votos matrimoniais?

— Tendo em conta que seu marido não a satisfazia? — disse ele. — Constantine, agora sou uma viúva alegre, sim — reconheceu — De fato, tenho a

intenção de passar muito bons momentos com você durante o resto da primavera, embora por esta noite tive o suficiente. Como ia dizendo, embora agora seja uma viúva alegre, fui uma esposa fiel. E antes que chegue a horrível conclusão, não o fiz porque meu marido me obrigasse a ser fiel. Porque isso teria sido espantoso. Meu Duque não era um tirano absolutamente, ao menos comigo. Eu mesma decidi ser fiel, assim como agora decidi procurar um amante. Sempre levei as rédeas de minha vida.

Constantine a olhou em silêncio um instante e pela primeira vez Hannah compreendeu que devia custar um tremendo esforço afastar-se dela, dada sua excitação, e deitar-se ao seu lado só para falar. Se tivesse negado a tempo, ele se teria detido antes e a conversa que estavam mantendo não teria lugar. Talvez o episódio a ensinasse a não voltar a titubear.

De qualquer forma, não importava. Nada mudara. Ao menos em seu caso. No de Constantine, talvez sim. Porque supôs que contava com uma amante experiente.

— Bem — o ouviu dizer em voz baixa — a rosa acaba de perder uma de suas pétalas exteriores. Ficarão muitas no centro? Pergunto eu.

Era uma pergunta retórica. De modo que Hannah não a respondeu. De qualquer forma, tampouco sabia muito bem a que se referia.

— Se soubesse, poderia ter feito a maratona de forma um pouco menos... Vigorosa — Seguiu ele — Poderia...

— Constantine — interrompeu-o — se alguma vez ocorrer mostrar-se condescendente ou delicado comigo como se fosse uma dama frágil, eu...

— você...?

Page 56: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

56

— Deixaria você — concluiu — Como se fosse um par de sapatos velhos. E no dia seguinte já teria outro amante, o dobro de bonito e o triplo de viril mais que você. Apagarei-o por completo de minha memória.

— Isso é uma ameaça? — perguntou Constantine, que não parecia se sentir muito ameaçado.

— É claro que não — respondeu com desdém — Nunca faço ameaças. Para que fazê-las? Limito-me a informá-lo de um fato. O que acontecerá se alguma vez tentar me tratar como a um ser inferior.

— Minha intenção só era a de comentar que não é o mesmo fazer o amor com uma virgem que com uma mulher experiente — precisou ele — o prazer não teria sido menor, Duquesa, talvez tivesse desfrutado mais se puder.

Ela percebeu que Constantine estava acariciando o abdômen com a mão livre. Notava mais quente que sua pele.

— Suponho que fará amor com uma virgem ao menos cada quinze dias. Distinguiu a brancura dos dentes de Constantine na escuridão e compreendeu que

tinha arrancado um sorriso. Um lucro extraordinário. Pena que não estivessem à luz do dia para vê-lo bem.

— Não gosto de fanfarronar, nem exagerar — ele assegurou — Uma vez ao mês — Inclinou a cabeça para beijá-la com delicadeza nos lábios — Sinto muito — murmurou.

Hannah deu uns tapinhas na face, talvez um pouco mais fortes. — Nunca se desculpe por algo que tenha feito — aconselhou — Nunca se arrependa.

Se fizer as coisas de forma intencional, não deve se arrepender. E se o fizer de forma acidental, não há nada pelo que desculpar-se. Em meu caso, não vou me desculpar por ter sido virgem até há umas horas. Eu escolhi sê-lo. E não vou desculpar-me por ter ocultado essa informação. Era um detalhe que não precisava conhecer. Parafraseando as palavras que me disse a noite do concerto, quando perguntei por seu distanciamento do Duque de Moreland, não era da sua conta. E, já que estamos falando do assunto, asseguro que serei fiel durante o resto da primavera, enquanto estivermos juntos. E espero que seja recíproco. Vou para casa.

— Talvez não haja mais pétalas na rosa — comentou Constantine — mas certamente o caule está cheio de espinhos. Duquesa pode estar tranquila com respeito a minha fidelidade durante os próximos meses. Fisicamente careceria de resistência para satisfazer outra mulher como você... Ou embora não fosse como você, na verdade. Continue deitada um momento enquanto eu aviso meu cocheiro. Não vai achar muito bom. Esperava que requerêssemos seus serviços à primeira hora da manhã, mas receio que continua sendo mais de madrugada que outra coisa.

Saiu da cama enquanto falava e se vestiu. Hannah seguiu deitada até que o viu abandonar o dormitório. A noite foi interessante, pensou. E não de todo relaxante. Certamente, não foi

absolutamente como planejara.

Page 57: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

57

Em primeiro lugar porque a... A experiência propriamente dita foi muito mais carnal do que imaginava. E o dobro de prazerosa, além disso! Embora a tivesse deixado bastante dolorida.

E em segundo lugar porque abrigava a incômoda suspeita de que ter um amante ia implicar algo mais que lançar indiretas subidas de tom e pular alegremente entre os lençóis. Um detalhe que não tinha esperado nem desejado. Suspeitava que o caso com Constantine Huxtable acabaria enredando-a em uma espécie de relação, como aconteceu com seu matrimônio.

E não queria uma relação. Dessa vez não. Ou talvez sim. Uma relação unilateral ou rodeada as suas próprias condições. Compreendê-lo produziu certa surpresa. A verdade era que desejara conhecer mais

coisas dele desde o começo, conhecê-lo a fundo, de fato. E o deixara claro. Era um homem enigmático e misterioso. Sabiam-se certas coisas sobre ele. Mas não sabia de ninguém que o conhecesse de verdade. Seu Duque não o conheceu, embora falasse dele de vez em quando. Conforme suspeitava seu marido, o caráter sombrio e taciturno de Constantine se devia ao ódio, e suas agradáveis maneiras, quando se desembrulhava em Sociedade se deviam ao amor. Portanto, assegurava que se tratava de um homem complexo e perigoso, possuidor de uma atração envolvente. Assim tal qual o havia dito. Possivelmente esse comentário fosse a semente de sua decisão de conseguir o Senhor Constantine Huxtable como amante.

Nessa noite admitiu odiar seu atrasado irmão mais novo. Entretanto, estava convencida de que também o amara muito. Até um ponto vizinho à dor.

O que não se dera conta até essa noite, crasso engano de sua parte, era de que não se podia manter uma relação unilateral.

Constantine descobriu mais coisas sobre ela que ela sobre ele. Pelo amor de Deus! Sua reputação acabaria feita em farrapos se ocorresse a Constantine comentar entre a

alta Sociedade o que descobriu nessa noite. Embora não o faria, claro. Entretanto, o certo era que estava a par.

E isso era muito irritante. Não queria uma relação. Só queria... Bem, devia aprender a empregar a palavra. O

Duque a tinha utilizado sempre em sua presença e ela não era dissimulada muito menos. A única coisa que queria de Constantine Huxtable era sexo.

E a verdade era que a noite, quanto ao sexo, foi gloriosa. Nem sequer notara a dor até que tudo passou. O momento em questão poderia ter se alongado durante toda a noite pelo que a ela se referia. Pobre Constantine. Teria acabado morto.

Soltou um sopro muito pouco elegante enquanto passava as pernas pela beira da cama e começava a procurar as meias.

Page 58: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

58

A Duquesa não queria que a acompanhasse, mas Con passou por cima de seus protestos. Ajudou a subir à carruagem e a seguiu ao interior. Uma vez sentados, pegou sua mão e a colocou na coxa.

Vestida com a capa branca e com a cabeça coberta pelo amplo capuz, parecia a de sempre.

Não obstante, jamais voltaria a vê-la dessa forma. O que era compreensível, claro. Vira-a sem roupa e sem seus artísticos penteados. Havia possuído seu corpo. Mas não era só isso. Ao menos em um aspecto concreto, não era a mulher que todos achavam e que todos supunham que fosse. O tipo de mulher a quem custara à própria vida para aparentar que o era.

O matrimônio com o Duque não foi consumado. Um detalhe absolutamente surpreendente. Porque, de fato, especulou-se muito sobre o assunto. Entretanto, todos esses amantes com quem passeara orgulhosa, Zimmer, Bentley, Hardingraye para nomear alguns ...

Não foram seus amantes. Ele foi o primeiro. Era uma ideia desconcertante. Nunca tinha desvirginado uma mulher. Nunca quis fazê-

lo. Deus santo! — Duquesa, necessitará de alguns dias para se recompor — disse quando a carruagem

se aproximava de Hanover Square — Fixamos um encontro para a próxima terça-feira, depois do baile dos Kitteridge?

Ela, é claro, jamais permitiria dizer a última palavra, embora cedesse no almoço ao ar livre do dia anterior. De modo que era sua vez para decidir.

— Melhor na segunda-feira à noite — respondeu — o Duque tem um camarote no teatro, mas ninguém o usa salvo eu. Prometi a Barbara que iríamos uma noite. Convidarei o Senhor e à Senhora Park e talvez também seu filho, o clérigo, se continuarem na cidade. Você será meu acompanhante.

— Um grupo perfeito — ele comentou — Um clérigo, a noiva de um clérigo, embora não o do anteriormente mencionado, os pais do tal clérigo e a Duquesa de Dunbarton com seu novo amante, a quem chamam demônio, às vezes.

— É agradável promover temas de conversa interessantes nos salões — replicou ela. Con pensou que seria uma boa meta sempre e quando se tratasse da Duquesa de

Dunbarton. Levou sua mão aos lábios ao perceber que a carruagem dobrava na esquina, depois que diminuiu a velocidade até se deter. Nesse momento inclinou a cabeça e a beijou na boca.

— Esperarei a chegada da segunda-feira à noite com ansiedade — disse. — Mas não da segunda-feira à tarde? — perguntou ela. — Terei que tolerar — comentou — Afinal, a sobremesa sempre é mais apetecível

depois de um jantar, tal como descobrimos esta noite.

Page 59: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

59

Deu umas batidinhas à portinhola para indicar ao cocheiro que estavam preparados para apear.

Alguém se tinha levantado já na casa da Duquesa. A porta se abriu justo quando ele pisava na calçada e se voltava para estender a mão a ela.

Observou-a subir os degraus, sem pressa, com as costas erguidas e a cabeça no alto. A porta se fechou em silêncio atrás dela.

Aquilo distava um pouco de sua costumeira aventura primaveril, pensou. Era um pouco menos cômoda. Mas um pouco mais erótica. Que demônios quis dizer com isso de que também o odiava? Nunca tinha odiado Jon. Jamais. Tinha-o amado muito. Ainda chorava sua morte. Às

vezes tinha a impressão de que nunca deixaria de fazê-lo. Havia um negro e enorme vazio ali onde antes estava Jon.

Também o odiava. Confessou essas palavras à Duquesa de Dunbarton, nem mais nem menos. Que demônios quis dizer? E que mais ocultava a Duquesa, além do pequeno e já descoberto detalhe de sua

virgindade? A reposta era nada, é claro. Confessara abertamente que se casara com Dunbarton

pelo título e pelo dinheiro. E nesse momento estava usando a liberdade e poder que ostentava para desfrutar do prazer sensual. Não era o mais indicado para recriminar algo.

Voltou-se e olhou carrancudo seu cocheiro, que aguardava que voltasse a subir à carruagem.

— Vá para casa — Ordenou — Eu irei caminhando. O cocheiro meneou a cabeça devagar enquanto fechava a portinhola. — Como quiser, Senhor — replicou. CAPÍTULO 7 O filho do Senhor e da Senhora Park, o clérigo, não se achava na cidade.

Page 60: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

60

Entretanto, o irmão mais novo da Senhora Park estava passando uma temporada com eles e adorou a ideia de ir como convidado ao camarote da Duquesa de Dunbarton na segunda-feira a noite, acompanhando sua irmã e seu cunhado.

Hannah também convidou os Barões Montford depois que Barbara e ela os encontraram na biblioteca de Hookham na segunda-feira pela manhã e se detiveram a conversar com o casal.

Lady Montford era prima do Senhor Huxtable. — Uma ópera e uma peça de teatro na mesma semana — disse Barbara enquanto

viajavam uma ao lado da outra na carruagem na segunda-feira à noite — Para não mencionar as galerias de arte, museus, bibliotecas e compras. Todos os dias, escrevo um livro aos meus pais e a Simon em vez de uma simples carta. Vou ficar sem tinta, Hannah.

— Tem que vir mais frequentemente à cidade — replicou ela — Embora suponha que seu insuportável vigário não deixará que escape uma vez que se casem.

— Certamente não quero escapar uma vez que nos casemos — replicou Barbara — Estou ansiosa para empreender a vida de esposa de um vigário e de retornar ao vicariato. Embora convença Simon a me trazer de vez em quando e assim nos veremos outra vez. E talvez você possa vir a... — Entretanto, guardou silêncio de repente e se voltou para olhá-la na penumbra da carruagem. Desculpou-se com um sorriso — Não, é claro que não virá — continuou — Mas tomara o fizesse. Talvez já seja hora de que...

— É hora de ir ao teatro, Babs — interrompeu. A carruagem diminuiu a marcha até se deter em Drury Lane, onde contemplaram à

multidão que perambulava pelo lugar, muitos à espera que chegassem mais pessoas para poder entrar.

Constantine Huxtable se achava entre elas, com aspecto elegante e demoníaco, devido ao seu fraque negro e sua cartola.

— Olhe, ali está — disse Barbara — Hannah, está certa de que...? — Estou, sua tonta — assegurou — Somos amantes, Babs, e ainda não terminei com

ele. Apostaria o que fosse de que esse detalhe não comentou com seu vigário nas cartas. — Nem com meus pais — acrescentou sua amiga — se preocupariam muito. É possível

que levem mais de onze anos sem vê-la, Hannah, mas continuam tendo muito carinho por você.

Deu uns tapinhas no joelho de Barbara. — Ele nos viu — disse. E de fato foi Constantine quem abriu a portinhola da carruagem e desdobrou os

degraus em vez do cocheiro. — Senhoras, boa noite — saudou-as — Temos sorte de que a chuva desta tarde tenha

cessado, ao menos de momento. Senhorita Leavensworth? Constantine ofereceu a mão a Barbara, que a aceitou e o saudou com cortesia. As maneiras de sua amiga, é claro, sempre eram impecáveis.

Page 61: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

61

Hannah inspirou fundo. Era a primeira vez que o via desde a semana anterior. A noite passada em sua casa parecia quase um sonho, salvo pelos efeitos físicos que sentiu durante os dias posteriores. E salvo pela alarmante pontada de desejo que a atravessou assim que voltou a vê-lo. E pela emoção do que estava por vir nessa noite.

Meu Deus, ele é muito bonito! Pensou. Em questão de minutos, é claro, todos os espectadores que viessem nessa noite ao

teatro saberiam, ou acreditariam saber, que Constantine era seu novo amante. Um a mais em sua longa lista de amantes.

No dia seguinte a essa mesma hora, todos que não tivessem ido ao teatro também saberiam.

O Senhor Constantine Huxtable era o novo amante da Duquesa de Dunbarton. Entretanto e pela primeira vez, estariam certos. Barbara já estava sã e salva na calçada. — Duquesa? — Estendeu a mão e seus olhos se encontraram. Jamais vira uns olhos tão escuros. Nem tão hipnóticos. Nunca vira uns olhos que

tivessem esse efeito tão letal em seus joelhos. — Espero que alguém tenha secado a calçada — disse ao mesmo tempo em que

aceitava sua mão — Não gostaria de molhar a bainha do vestido. Era evidente que alguém o fez. E que também se encarregaram de controlar a

multidão. E abrira um caminho para lhes permitir entrar no teatro. Hannah conteve um sorriso ao entrar, levada pelo braço direito de Constantine. Barbara ia segurando o braço esquerdo. O camarote ducal, que se achava no primeiro andar dos três que rodeavam o pátio de

poltronas com forma de ferradura, estava situado perto do cenário. Entrar no camarote era quase como sair a cena. Duvidava muito que algum dos presentes não se voltasse para vê-los entrar e saudar o resto dos convidados, que chegaram antes e estavam em pé, conversando, à espera de se sentar. Certamente todos repararam no detalhe de que a amiga da Duquesa se sentara entre a Senhora Park e o irmão desta, enquanto que ela o fazia junto ao Senhor Constantine Huxtable.

Seu novo favorito. O primeiro desde a morte do velho Duque e sua volta à cidade. Seu novo amante.

Foi fácil interpretar os cochichos que se escutaram por todo o teatro. Também foi fácil lançar um lento olhar ao redor com despreocupação, tal como fez em

incontáveis ocasiões enquanto o Duque era vivo. Ele a ensinara a olhar ao seu redor em vez de cravar a vista no colo. A única diferença era que nesse momento não sentia a alegre curiosidade que sempre a acompanhava ao saber que as especulações a respeito de seu acompanhante masculino eram errôneas.

Nessa noite não eram errôneas. E se alegrava muito. Colocou uma mão enluvada no braço de Constantine e se inclinou um pouco para ele.

Page 62: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

62

— Viu a escola do escândalo? — perguntou— É uma obra muito antiga. Devo tê-la visto dez ou doze vezes, mas sempre acho graça. Acredito que não achará muito aborrecida, nem muito longa.

— Diz caso eu esteja impaciente para que isso termine o quanto antes, para por fim proceder com o verdadeiro assunto desta noite, Duquesa?

— Nada disso — replicou — Mas achava que interessariam mais as tragédias. — Em consonância com meu aspecto demoníaco? — quis saber ele. — Precisamente — respondeu — Embora, é claro, já me explicaram que as tragédias

das óperas não são realmente tragédias. Fiquei mais tranquila. Suponho que o próximo será me dizerem que os heróis de tais tragédias não morrem no final.

— Também é tranquilizador, não é verdade? — replicou ele — Está linda esta noite, vestida de branco. De fato, resplandece.

Tinha um brilho estranho nos olhos... Zombeteiro, talvez. — De alegria? — inquiriu — Nunca resplandeço de alegria. Seria vulgar. Com certeza se

refere as minhas joias. — Levantou a mão esquerda — O diamante do dedo do meio foi um presente de bodas. Em seu momento não achei que fosse de verdade. Não sabia que pudessem ser tão grandes. O que uso no mindinho foi um presente de aniversário — Mostrou ambas as mãos — Recebi um anel por cada aniversário depois desse, para os diferentes dedos, até que fiquei sem dedos e tivemos que começar de novo, já que me parecia um pouco incômodo usar anéis nos pés. E também recebi um anel por cada aniversário de bodas e por um sem fim de ocasiões memoráveis.

— E pelo Natal? — perguntou Constantine. — Sempre recebia um colar e brincos no Natal — respondeu — e um bracelete para o

dia de São Valentim, que o Duque sempre celebrava, o grande tolo. Era muito generoso. — Como todo mundo pode ver — ele indicou. Hannah desceu as mãos ao seu colo e voltou a cabeça para olhá-lo de frente. — As joias são usadas para que os outros as vejam, Constantine — respondeu — Assim

como a beleza. Não penso me desculpar por ser rica ou bonita. — Ou vaidosa? — acrescentou ele. — Dizer a verdade me converte em vaidosa? — perguntou — Fui bonita desde a

infância. Certamente seguirei sendo bonita quando envelhecer, se viver até então. Disseram-me que tenho uma boa estrutura óssea. Não presumo ser responsável por minha beleza, da mesma maneira que um ator ou um músico não presume ser responsável por seu talento. Mas todos nós temos a responsabilidade de usar os dons com os que viemos a este mundo.

— A beleza é um dom? — quis saber Constantine. — É — assegurou — A beleza deveria ser fomentada e admirada. Há muita fealdade na

vida. A beleza pode trazer alegria. Por que decoramos nossas casas com quadros, vasos e tapeçarias? Por que não escondemos todas essas coisas em armários escuros, para que não se danifiquem com o tempo?

Page 63: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

63

— Detestaria que se escondesse em um armário escuro, Duquesa — replicou ele — A menos que eu pudesse me esconder com você, é claro.

A resposta esteve a ponto de arrancar-lhe uma gargalhada. Mas a risada não fazia parte de seu personagem público e não cabia a menor dúvida de que seria objeto de muitos olhares.

— A função está a ponto de começar — disse Constantine, de modo que ela se concentrou no cenário.

Não se explicara bem, não é verdade? O Duque a tinha ensinado a não amaldiçoar sua beleza, a não desconfiar dela, a não

tentar ocultá-la. E a não negá-la. Coisas que fazia em maior ou menor medida quando se casara com ele. Tinha-a ensinado a elogiar sua beleza e a celebrá-la. E a tinha celebrado. Durante dez anos foi a menina de seus olhos, e isso bastava.

Ou quase. Nesse momento se perguntava quanta alegria trouxe sua beleza. Ao seu Duque sim

trouxe alegria. Mas a alguém mais? Importava que não tivesse sido assim? O Duque era seu marido. Foi seu dever e seu gozo proporcionar alegria a ele.

Quando foi a última vez que experimentou verdadeira alegria? Esse tipo de alegria que levava às pessoas a virar com os braços estendidos e o rosto para o sol entre a relva e as flores do campo. Esse tipo de alegria que levava às pessoas a se colocarem a correr pela praia com o vento alvoroçando o cabelo.

A beleza era um dom como o talento musical? E de onde procedia esses pensamentos tão deprimentes quando estavam

representando uma comédia no palco? Os espectadores riram em uníssono e ela abanou o rosto. Desfrutara muito no dormitório de Constantine na semana anterior. Mas experimentara alegria?

Essa noite o faria. Talvez ficasse com ele toda a noite. Seria estranho dormir com um homem. Despertar ao seu lado. E...

— Duquesa — ele sussurrou e seu quente fôlego roçou a orelha — está sonhando acordada?

— Constantine — murmurou sem afastar o olhar do palco — está me observando em vez de ver a peça?

Constantine não respondeu. Con manteve uma breve conversa com Monty no camarote antes de retornar ao

vestíbulo para esperar a chegada da Duquesa e da Senhorita Leavensworth. Enquanto isso, Katherine estava falando com o Senhor e a Senhora Park e com o irmão desta, que também faziam parte do grupo.

Page 64: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

64

— Deixa que adivinhe, Con — disse Monty — A Senhorita Leavensworth, não é verdade? Não está mau, certo, mas... Que vergonha! Acredito recordar que está comprometida. Com um vigário.

— A Senhorita Leavensworth não, Monty, como muito bem sabe — replicou ele. O aludido retrocedeu, fingindo surpresa. — Não irá dizer-me que se trata da Duquesa, não é verdade? — perguntou — depois

do que disse no parque quando o olhou de cima a baixo, mas não estendeu a mão para que a beijasse?

— Um homem está em seu direito de mudar de opinião de vez em quando — replicou. — De modo que a Duquesa vai ser sua amante durante esta temporada social —

Monty sorriu e meneou a cabeça — Perigoso, Con. Perigoso. — Acredito que sou capaz de me desviar dos perigos que me ponha no caminho —

assegurou. — Ah! — Exclamou Monty arqueando as sobrancelhas — Mas poderá ela se desviar de

tudo o que você ponha no seu, Con? Vai ser uma primavera muito interessante. Sim, seria, pensou Con no final da noite enquanto sua carruagem seguia a da Duquesa

até Hanover Square, já que ela insistia, como era lógico, em retornar a Dunbarton House com sua amiga. Subiria a sua carruagem assim que chegassem ali.

Sim, seria uma primavera interessante. Ao menos seria gratificante do ponto de vista sensual, não cabia a menor dúvida. A espera desde a semana anterior foi interminável, e estava convencido de que seu apetite sexual pela Duquesa de Dunbarton ficaria satisfeito, antes que chegasse o momento de cada um retornar as suas respectivas casas campestres para passar o verão. Não retomariam sua aventura no ano seguinte, é claro. Nenhum dos dois iria querer fazer isso.

Mas estava cometendo um erro esse ano? Era bonita, desejável e vaidosa. Era rica, arrogante e deliciosamente superficial. Até esse momento não se tinha por um homem capaz de evitar esse tipo de

considerações em altares da luxúria. Entretanto, a luxúria era o único motivo pelo qual aceitara a Duquesa como amante. Embora também o movesse certa fascinação. Uma fascinação que compartilhava com a metade da população masculina da alta Sociedade, é claro, e também com uma grande parte da metade feminina, embora por diferentes motivos. Não obstante, só conhecia um fato muito interessante sobre ela, que chegara aos trinta anos de idade sem manter relações sexuais.

Ainda custava a acreditar. Sua carruagem se deteve atrás da Duquesa, e viu como as duas damas entravam na

casa. A porta se fechou. A carruagem da Duquesa desapareceu, de modo que a sua se aproximou mais dos degraus de entrada. A porta principal permaneceu fechada durante dezoito minutos. Recostou-se no assento e se perguntou quanto tempo teria que esperar e quantas pessoas o estariam observando ocultas atrás das cortinas das janelas às escuras de toda a praça, preparadas para convertê-lo no bobo do dia seguinte.

Page 65: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

65

A ideia o divertiu em vez de pô-lo furioso. A Duquesa não ia ceder nem um ápice de controle, não é verdade? Ele se perguntou se teria levado o falecido Duque pela rua da amargura. Isso sim, não

foi infiel. Quanto tempo ia esperar? Perguntou-se. Ao fim de dezoito minutos a porta de Dunbarton House voltou a se abrir e a Duquesa

saiu, vestida com a capa branca da semana anterior e com a cabeça coberta pelo capuz. Ela trocara de roupa? Saiu da carruagem, estendeu uma mão e a ajudou a subir. Subiu atrás dela e se sentou

ao seu lado. O cocheiro fechou a portinhola e a carruagem se inclinou um pouco quando o homem retornou à boleia. Em seguida se pôs em marcha, rodeando a praça e pegando uma rua.

Ele se virou para olhá-la na escuridão. Nenhum deles tinha falado. Estendeu as mãos para desabotoar a capa, depois tirou o capuz e afastou o mesmo.

Outra vez levava o cabelo solto, que mantinha afastado do rosto com uns passadores coalhados de pedras preciosas, colocados por cima das orelhas. O vestido era de cor escura, azul ou púrpura, possivelmente. Azul marinho, viu quando um raio de luz procedente de uma das luzes o iluminou ao passar junto a ela. Tinha um decote muito pronunciado e o talhe alto. Os diamantes tinham desaparecido de seu pescoço e de suas orelhas.

Era uma mulher preparada para receber a seu amante. Inclinou a cabeça e a beijou. Seus lábios estavam quentes e ligeiramente entreabertos,

rendidos. Passou uma mão pelas costas e a outra sob os joelhos para levantá-la e colocá-la no

colo. Voltou a beijá-la e ela o abraçou. Sim! Pensou. Havia luxúria de sobra. E talvez algo mais? Seus esforços para racionalizar o que acontecia eram os culpados de estar imaginando

coisas. A relação com a Duquesa não se apoiava, embora fosse de forma parcial, no companheirismo, como costumava acontecer com suas aventuras. No seu caso era pura luxúria.

Sexo. Algo que iriam desfrutar com vigor em questão de uma hora. Isso bastava. O verão, o

outono e o inverno foram longos. De modo que não seria tão desatinado que sentisse um pouco de luxúria desatada durante a primavera.

Não trocaram uma só palavra desde que saíram do teatro.

Page 66: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

66

Não ia levá-la carregada ao seu dormitório e atirá-la sobre a cama sem mais, descobriu Hannah quando entraram em sua casa e Constantine disse ao mordomo que se retirasse por essa noite, já que não ia necessitar dele.

Constantine a pegou pelo cotovelo e a levou a mesma sala onde jantaram na semana anterior. A mesa estava posta uma vez mais, com frios, queijo, pão e vinho nessa ocasião. Uma solitária vela brilhava no centro da mesa. E o fogo crepitava de novo na lareira.

Era um alívio e uma decepção ao mesmo tempo, pensou. Embora não tivesse muita fome. Nem necessitasse de uma taça de vinho. E estivesse

desejando-o com loucura toda a noite. Mal pode se concentrar na representação, uma de suas preferidas. Além disso, o desejo se desatara na carruagem, sobretudo depois de que a sentou em seu colo.

Que maravilhosamente forte tinha que ser para tê-la levantado sem mais, sem ofegar sequer pelo esforço. Afinal, não era, como se diz, uma pena. Alegrava-se de que o desejo não tivesse prevalecido de todo. Uma ideia muito estranha.

Porque estava fazendo tudo isso por luxúria, não? Nessa primavera era livre para buscar um amante, decidiu procurar um com toda

deliberação e escolheu com supremo cuidado Constantine Huxtable. Só para descobrir que a luxúria não bastava em si mesma. Que irritante! Uma pessoa deveria ser capaz de tomar uma decisão com respeito a um objetivo em

concreto e seguir trabalhando inexoravelmente até consegui-lo, sobretudo uma vez que escolhera tal objetivo e pusera um empenho diligente e cuidadoso em sua consecução. Seu objetivo era desfrutar da pessoa de Constantine Huxtable até que o verão a impelisse a voltar para Kent e a levasse a retornar a esse ponto indeterminável de Gloucestershire onde se situava seu lar.

Que grande segredo ocultava esse lugar que Constantine se negava a falar? Perguntou-se.

E nesse momento começava a se dar conta de que sua pessoa, tão formosa e perfeita como era, talvez não fosse suficiente. Talvez estivesse cansada. E também continuasse excitada. E se alegrava de que fossem jantar algo antes... Embora não comesse nada.

Constantine tirou a capa, para o que se colocou atrás dela. Suas mãos quase não a tocaram.

— Duquesa — ele disse ao mesmo tempo em que assinalava a cadeira em que se sentou na semana anterior — quer se sentar?

Serviu o vinho enquanto ela se sentava e enchia o prato com um pouco de tudo. — Gostou da representação? — perguntou. — Estive distraído durante a maior parte — respondeu Constantine — Mas acredito

que foi divertida. — Barbara estava muito contente — comentou — É claro, ela vê o cenário que é

Londres através de olhos inocentes.

Page 67: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

67

— Alguma vez esteve na cidade? — quis saber ele. — Sim, esteve antes — respondeu Hannah — Enquanto estive casada consegui

convencê-la alguma ou outra vez para que passasse um par de semanas comigo, embora quase sempre me visitasse no campo, não na cidade. E nunca ficou muito tempo. O Duque a aterrava.

— Tinha motivos para isso? — perguntou ele. — Era um Duque — replicou — Ostentava o título desde os doze anos. Foi Duque

durante mais de sessenta anos quando me casei com ele. Claro que tinha motivos para estar aterrada, embora ele sempre se esforçasse por ser amável com ela. É a filha de um vigário, Constantine.

— Mas você não tinha medo? — Eu o adorava — respondeu Hannah ao mesmo tempo em que pegava a taça com a

mão e fazia virar seu conteúdo. — Como o conheceu? Como era possível que a conversa tivesse tomado esse rumo? Esse era o problema das

conversas. — Tinha uma família a que adorava descrever como prodigiosamente extensa e

aborrecida — respondeu ela — Evitava-a sempre que podia o que era grande parte do tempo. Mas também tinha um enorme sentido do dever. Foi às bodas de um parente, que era o décimo quarto na linha sucessória ao título. Em uma ocasião me explicou que se sentia obrigado por qualquer um que estivesse acima do vigésimo posto na linha sucessória. Eu também fui ao casamento. Conhecemo-nos ali.

— E se casaram pouco depois — concluiu ele — Deve ter sido amor a primeira vista. — Se não tivesse detectado o tom irônico de sua voz — replicou — teria dito que não

fosse tolo. Constantine a olhou em silêncio um bom tempo. — Sua juventude e beleza frente a sua posição e riqueza? — sugeriu. — Uma explicação aplicável a milhares de matrimônios — comentou Hannah ao

mesmo tempo em que dava uma mordidinha no queijo — Faz que o Duque e eu pareçamos muito comuns, Constantine.

— Estou convencido de que não necessita que assegure que foram um casal muito extraordinário, mas o farei de qualquer forma.

— Era esplêndido, não é verdade? — perguntou ela — Cerimonioso, elegante e aristocrático até dizer chega. E com um porte que atraía os olhares, mas que mantinha a maioria das pessoas a certa distância. Poucos se atreviam a aproximar-se dele. Seguramente foi magnífico quando jovem! Acredito que teria me apaixonado sem remédio por ele se o tivesse conhecido naquele tempo.

— Sem remédio? — repetiu ele. — Sim — Suspirou — Teria sido uma absoluta perda de tempo. Não me teria olhado

sequer.

Page 68: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

68

— Custa-me acreditar, Duquesa — respondeu — Mas suponho que de qualquer forma estava um pouco apaixonada por ele.

— Amava-o — ela corrigiu — E ele me amava. Não acha que a alta Sociedade se assombraria se soubesse que desfrutamos de um matrimônio feliz? Mas não, não se assombraria. Simplesmente não daria crédito. As pessoas acreditam no que querem... Mesmo você.

— Já demonstrou que me enganava de parte a parte faz pouquíssimo tempo — concordou Constantine.

— Esta noite disse que sou vaidosa — replicou — quando na realidade só sou sincera. — Seria absurdo que fosse pela vida dizendo que é feia. — E uma mentira tremenda — acrescentou ela. Bebeu a taça enquanto Constantine a olhava do outro extremo da mesa. — E esta noite me chamou avarenta — continuou. Viu-o arquear as sobrancelhas. — Duquesa, espero ser bastante cavalheiresco para não acusar outra pessoa de

avarenta, muito menos à dama que é minha amante. — Mas o insinuou — insistiu — No teatro, enquanto examinava minhas joias com

atitude zombeteira e me escutava falar delas. E agora mesmo acaba de supor que conhece os motivos que me impulsionaram a me casar com o Duque.

— E me engano? — perguntou ele. Hannah estendeu as mãos de ambos os lados de seu prato, sobre a mesa. Tirara todas

as joias ao chegar em casa e as guardou em suas respectivas caixas fortes. Entretanto, colocou outros anéis. Para falar a verdade, sempre se sentia estranha sem eles. Todos seus dedos reluziam, à exceção dos polegares.

Tirou-os um a um e os deixou no centro da mesa, junto ao candelabro. — Quanto vale no total? — perguntou a Constantine quando tirou todos — Só as

pedras preciosas. Constantine olhou os anéis, olhou-a e voltou a olhar os anéis. Estendeu uma mão e

pegou o maior. Sustentou-o entre o polegar e o indicador, fazendo-o virar para que captasse a luz.

Por Deus! Pensou Hannah. Que inesperadamente erótico era ver essa mão morena de dedos longos pegar um de seus anéis.

Constantine deixou esse anel e pegou outro. Viu-o separar os anéis com a ponta de um dedo a fim de estendê-los sobre a mesa. E depois deu uma cifra que demonstrava que estava familiarizado com os diamantes.

— Não — replicou. Constantine dobrou a quantidade. — Frio, frio — assegurou ela. Viu-o encolher os ombros. — Rendo-me — disse ele.

Page 69: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

69

— Cem libras. Constantine se encostou para trás e a olhou nos olhos. — São falsos? — perguntou — Imitações em cristal? — Estes sim — respondeu — Alguns são autênticos, os que recebi nas ocasiões mais

especiais. Todos os diamantes que usava esta noite no teatro eram autênticos. Uns dois terços das pedras preciosas que possuo são falsas.

— Dunbarton não era tão generoso como parecia? — Era a generosidade personificada — assegurou — teria me dado a metade de sua

fortuna, e certamente o fez, embora a maior parte estivesse vinculada ao título, é claro. Bastava eu admirar algo para que fosse meu. Bastava eu não admirar algo para que fosse meu.

Constantine não tinha nada a dizer. Olhou-a em silêncio. — Eram autênticas quando me deu de presente — continuou Hannah — Fiz que

substituíssem os diamantes com imitações de cristal. São umas imitações muito boas. — De fato, é possível que tenha dado uma cifra muito baixa por esses anéis. É possível

que valham duzentas libras. Talvez um pouco mais. Fiz com o conhecimento do Duque. Consentiu isso a contra gosto, mas como ia negar-se? Tinha me ensinado a ser independente, a pensar por mim mesma, a decidir o que queria e a me negar a aceitar um não por resposta. Acredito que estava orgulhoso de mim.

Constantine tinha o cotovelo apoiado na mesa e o queixo, entre o polegar e o indicador.

— Há certos... Projetos nos que estou interessada — acrescentou ela a modo de explicação.

— Doou a pequena fortuna que obteve pela venda de seus diamantes a certos projetos, Duquesa? — perguntou — Embora não acredito que fosse pequena, na verdade.

Ela encolheu os ombros antes de responder. — Uma gotinha insignificante em um oceano enorme. Constantine, neste mundo sobra

sofrimento para satisfazer as inclinações filantrópicas de milhares de ricos, que gostam de acreditar que têm consciência e que podem aplacá-la doando um pouco de dinheiro.

Hannah mordeu a língua para não continuar falando. Sem dúvida alguma não a entenderia. Ou acreditaria ser uma sentimental sem remédio. E talvez o fosse. Por que havia sentido a necessidade de compartilhar com ele o pouco que havia dito? Constantine a via como uma mulher frívola, rica e mimada, como todos outros. Achava que era uma caça fortunas, uma mulher que utilizava sua beleza para enriquecer.

Embora, em certo sentido, era assim. Mas havia muito mais. Até o momento não havia sentido a necessidade de se justificar diante de ninguém. Ao

menos, não nos últimos onze anos. Sentia-se muito segura de sua personalidade. Gostava-se o bastante. O Duque também gostara dela. Importava um nada o que os outros pensassem dela. De fato, sempre desfrutara muito enrolando e enganando a alta Sociedade.

Page 70: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

70

Constantine era diferente porque se tratava de seu amante? Dele só esperava a mútua entrega de seus corpos. Não procurava nada mais. Entretanto, colocou esses anéis com toda deliberação. Tinha desejado que ele

soubesse. Ele a chamara de vaidosa e virtualmente também a chamou avarenta. Importava o que ele pensasse? Que irritante se fosse assim. Resultaria essa aventura primaveril menos prazerosa do que tinha pensado?

Constantine ficou em pé e rodeou a mesa. Estendeu uma mão. — Não viemos aqui para falar de causas filantrópicas nem de consciências, Duquesa —

disse. — Achava que se esquecera — replicou ao mesmo tempo em que ficava em pé. E ao fim de um momento a estava beijando com determinação, colando ao seu corpo

do rosto até os joelhos. Hannah jogou os braços ao pescoço e se converteu em uma participante ativa. Tinha um corpo tão forte, masculino e jovem...! Não se arrependia de nada. Isso era o que desejava acima de todas as coisas, ao menos

durante essa primavera. Tinha que recuperar muito tempo perdido, tinha muitos prazeres para explorar.

Constantine ergueu a cabeça e a olhou, e nesse momento ela voltou a fixar-se em quão escuros eram seus olhos e quão bem ocultavam sua verdadeira identidade. Não era preciso conhecê-lo. Entretanto, sempre quis fazê-lo. Afinal, Constantine não era só um corpo masculino a ser utilizado para seu prazer. Tomara que fosse. A vida seria muito mais simples. E também teria muito menos estímulo.

Percorreu o nariz dele com um dedo. — Como aconteceu? — perguntou. — O nariz quebrado? — precisou ele — Uma briga. — Constantine — repreendeu-o — não comece. Não me faça insistir. — Com Moreland, embora ainda não fosse Moreland — explicou — Com meu primo.

Elliott. Éramos crianças. — E você levou a pior parte? — quis saber. — Meu primo passou todo um mês com pinta de salteador de caminhos com máscara

— respondeu — Por desgraça, os hematomas não necessitam que alguém os endireite porque se vão sozinhos. As fraturas de nariz sim o necessitam, e a minha não endireitaram bem. O médico era um médico rural ruim.

— É mais bonito precisamente pelo nariz — assegurou Hannah — Talvez esse médico ruim soubesse muito bem o que estava fazendo. Por que brigaram?

— Deus saberá — respondeu ele — Recorremos aos punhos em mais de uma ocasião enquanto crescíamos. Essa briga foi uma das melhores.

— Isso quer dizer que sempre foram inimigos? — perguntou — Ou que foram amigos?

Page 71: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

71

— Vivíamos a poucos quilômetros de distância — respondeu ele — e tínhamos quase a mesma idade. Elliott era... É, na realidade, três anos mais velho que eu. Fomos muito bons amigos, salvo quando brigávamos.

— Mas em um dado momento brigaram e não fizeram as pazes — indicou. — Algo assim — replicou Constantine. — O que aconteceu? — Comportou-se como um imbecil pomposo e, eu me comportei como um idiota

teimoso. E certamente não devo usar o passado. Segue sendo um imbecil pomposo. — E você segue sendo um idiota teimoso? — Ele me chamaria algo pior. — Não deveriam se falar? — Olhou-o com o cenho franzido. — Não — respondeu com firmeza — Não deveríamos nos falar absolutamente,

Duquesa. E você tampouco deveria estar falando. Deveríamos estar na cama, concentrados em nos dar prazer.

— Ah, mas assim estamos desfrutando da emoção que supõe a espera. — Ao diabo com a espera — replicou ele, que desceu as mãos, pegou-a nos braços e

saiu da sala com ela. — Um homem dominante — comentou com aprovação ao mesmo tempo em que o

abraçava pelo pescoço uma vez mais — Estou certa de que me arrastaria pelos cabelos escada acima se resistir.

— Com uma clava na mão livre — acrescentou ele — Quer resistir? — Nem pensar — respondeu Hannah — Poderia andar mais depressa? Ou subir os

degraus de dois em dois? Suas respostas conseguiram arrancar uma gargalhada, por fim! — Terá sorte se ficarem forças quando chegarmos ao meu dormitório — advertiu

Constantine. — Nesse caso economize o fôlego, idiota — Ordenou. Entretanto, não pareceu que faltassem as forças nem o fôlego quando por fim a deixou

no chão de seu dormitório. Hannah se agarrou a ele e o abraçou com força antes de suspirar de contentamento. O

desejo e a emoção aceleravam o coração de forma que o sangue corria pelas veias como uma corrente.

— Se quiser, pode continuar se mostrando dominante e me atirar à cama para me devorar. E se não quiser, também.

Constantine voltou a pegá-la nos braços e a obedeceu. Literalmente. Ricocheteou três vezes sobre o colchão antes de ficar deitada. Sim, certamente que escolhera o homem adequado. Passou a devorá-la sem se preocupar com a roupa, salvo ali onde era imprescindível

tirá-la. — Mmm — murmurou quando Constantine se afastou dela.

Page 72: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

72

Quando tudo terminou, Hannah pensou que valeu a pena sacrificar seu vestido de noite azul marinho, embora fosse um de seus preferidos. Devia ter ficado em um estado lamentável.

E ela estava infelizmente envolvida em sua aventura primaveril. Ao fim de um instante tinha a cabeça apoiada em seu ombro e estava aninhada contra

ele, agasalhada com o lençol e o cobertor, apesar de não saber como tinham chegado até ali. Adormeceu na hora. CAPÍTULO 8

Page 73: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

73

Hannah estava sentada no peitoril acolchoado de seu gabinete particular em Dunbarton House, com as pernas dobradas na frente. Era uma de suas posturas preferidas quando não se achava em público, mas fez recordar a primeira noite que passou em casa de Constantine na semana anterior. Seu peitoril era mais largo e era acolchoado, além disso, era dia e a janela dava para um extenso jardim, com coloridos canteiros de flores, não à rua. Fazia um dia estupendo... E ela e Barbara estavam encerradas em casa.

— Tem certeza de que não quer sair, Babs? — perguntou ao mesmo tempo em que voltava a cabeça para olhar a sua amiga.

Como era habitual, enquanto ela se sentava sem fazer nada, Barbara estava direita como um pau, diligentemente ocupada com um complicado bordado.

— Estou culpada por mantê-la encerrada. — Estou encantada — replicou Barbara — Tudo foi um torvelinho de atividade desde

que cheguei à cidade, Hannah, e me sinto quase aflita pelos acontecimentos. Agrada-me passar um dia tranquilo.

— Mas esta noite será o baile dos Kitteridge — recordou — Está certa de que quer ir? — É claro — respondeu sua amiga — Se eu não for, você não poderá ir. — Porque não teria acompanhante? — perguntou Hannah com um sorriso. — Nem sequer você se atreveria a ir a um baile sozinha — replicou sua amiga,

erguendo a vista. — Poderia mandar uma nota urgente ao Lorde Hardingraye ou ao Senhor Minter, ou a

um bom número de Cavalheiros, e teria um acompanhante disposto em seguida — replicou. — Não ao Senhor Huxtable? — Barbara arqueou as sobrancelhas. — Depois de termos aparecidos juntos no teatro, apesar da companhia do Senhor e

Senhora Park e seu irmão, dos Barões Montford e também de você, estou muito certa de que todas as conversas que se mantiveram esta tarde, em todos os salões londrinos, nos catalogaram como amantes. Devemos nos rodear disso que chamam decoro, Babs. O Senhor Huxtable não me acompanhará esta noite, bem como ninguém mais, assim estou condenada a ficar em casa.

— Ah! Por Deus, então irei — disse Barbara, que retomou seu trabalho — Não há necessidade de que escreva a nenhum Cavalheiro.

— Só se quiser de verdade — indicou — Não é minha dama de companhia, Babs. É minha amiga. E se quer ficar esta noite em casa, eu também o farei.

— Devo confessar que depois de ter ido a um baile da alta Sociedade com você — respondeu Barbara — estou ansiosa para ir a outro. Acha que me estou convertendo em uma pessoa... Imoral?

Hannah olhou o alto da cabeça de sua amiga com um sorriso. — Fica muito caminho para percorrer antes de poder aplicar-se esse qualificativo —

assegurou — Que não é o meu caso.

Page 74: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

74

Estava um pouco sonolenta devido ao calorzinho do sol, que entrava em torrentes pela janela. Despertou às cinco da manhã e despertara Constantine para que a levasse a casa, mas eram mais das seis quando por fim se puseram em marcha.

Esteve certa sobre os perigos de dormir com um homem, sobretudo se esse homem se levantasse a noite sem despertá-la e se despisse. De modo que pela manhã se acharam muito quentinhos, sonolentos e amorosos. E abraçados. Demoraram uma hora muito prazerosa para sair da cama.

— Foi muito difícil deixar para trás à mulher que foi para se converter no que é agora, Hannah? — perguntou Barbara depois de uns minutos de silêncio, com a cabeça inclinada sobre a costura — Refiro-me a depois de se casar.

Demorou um momento em responder. Barbara nunca tinha feito essa pergunta antes. — Absolutamente — respondeu afinal — Tive um professor excelente. O melhor, de

fato. Eu não gostava da minha antiga forma de ser. Gostava da pessoa em que me converti. O Duque me ensinou a amadurecer, a me valorizar enquanto me formava. E me ensinou a ser uma Duquesa, esse foi seu presente. Ensinou-me a ser independente e autossuficiente. Ensinou a não necessitar de ninguém.

Essa última parte não era estritamente verdadeira. Não foi consciente do muito que o necessitava até que morreu. Seu Duque nunca disse que não necessitava de ninguém. Mas bem foi ao contrário. Havia dito que necessitava de amor e ao precioso grupo de pessoas que acompanharia o amor quando o encontrasse, uma pequena comunidade unida pela sensação de pertença, tinha-o chamado. Tinha assegurado que algum dia o acharia. Ensinou a não ser dependente enquanto esperava, mas utilizar sua força interior para não cair na tentação de aferrar-se a um pálido substituto do amor.

Como o sexo, pensou nesse momento, fechando os olhos um instante. Era muito mais aditivo do que tinha imaginado. Seria muito simples aferrar-se a ele,

viver para as horas que passava na casa de Constantine, para esses momentos nos quais via satisfeitas todas suas necessidades.

Bem, não todas. Não devia esquecê-lo. Não devia cometer o erro de acreditar que as necessidades que Constantine satisfazia eram as necessidades fundamentais de seu ser. Porque tais necessidades não tinham nada que ver com o amor.

Constantine não tinha nada a ver com o amor. — Eu gostava, Hannah — disse Barbara — De fato, amava-a muito. Lembro-me muitas

vezes de que era maravilhoso tê-la sempre tão perto, a um simples passeio através de um campo semeado e um prado. E adoraria que continuasse vivendo ali.

— Pois se esse fosse o caso, não demoraria a me ver abandonada — replicou — vai se casar com seu vigário dentro de pouco tempo.

— Não é exclusivamente meu vigário — recordou sua amiga com um sorriso, sem afastar o olhar da costura — embora seja exclusivamente meu Simon. Amo-o muito, sabe? Adora ler, é inteligente e quase incapaz de manter uma conversa frívola, embora o

Page 75: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

75

pobrezinho o tente. Usa óculos e começa a ter entradas nas têmporas, embora ainda não tenha completado trinta e cinco anos.

— Talvez seja um par de centímetros mais baixo que eu, embora quando use botas de montar, fique da mesma altura. E tem o sorriso mais doce do mundo inteiro... Todos dizem isso. Mas para mim tem um sorriso especial. Que me chega justo ao coração — Barbara deixou a agulha no ar.

Seguiu com a vista cravada no bordado, com as faces um pouco ruborizadas e os olhos brilhantes, contemplando um homem que fisicamente se achava muito longe dali.

Hannah sentiu uma pontada de inveja. — Me alegro muito por você, Babs — disse — Sei que até agora a via conformada com

o celibato, apesar dos pretendentes adequados que teve ao longo dos anos. Mas esperou até achar o amor.

— Hannah, alguma vez desejou ter esperado? — perguntou sua amiga, com a agulha ainda suspensa no ar.

O rubor se estendeu por suas faces e desceu uma vez mais a agulha. — Não — respondeu em voz baixa — Nunca, em nenhum momento. — Mas... — Barbara deixou o tecido em seus joelhos sem ter dado um só ponto mais

— Mas não estava em condições de tomar uma decisão tão importante naquele preciso momento. Estava muito alterada. E com toda a razão do mundo.

— Tive um anjo da guarda — explicou — que era o Duque de Dunbarton. Em uma ocasião o disse. E quase se engasgou com o Porto.

— Mas, Hannah — insistiu sua amiga — era tão... Velho. Ai, por Deus, me perdoe! — Só tinha cinquenta e quatro anos a mais que eu — recordou com um leve sorriso —

Apenas bastante velho para ser meu avô. De fato, uma vez me mostrou umas contas nas quais demonstrava que poderia ter sido sua bisneta. Deixa-o já, Babs. Nunca admitirei ter me casado com ele sem refletir e ter me arrependido depois. Casei-me com ele muito depressa e jamais me arrependi, em nenhum momento. Por que ia me arrepender? Mimou-me e me cobriu de ouro, e subi até entrar neste mundo — Abrangeu a sala com um gesto da mão — E agora sou livre.

Voltou a rosto para a janela a toda pressa. Lágrimas? Lágrimas? — Hannah, deveria voltar para casa — aconselhou Barbara — Deveria... — Já estou em casa — interrompeu e sua amiga a olhou com expressão triste. — Venha ao meu casamento — suplicou — Pode ficar com meus pais. Nossa casa não

é absolutamente com o que está acostumada, mas sei que adorariam acolhê-la. E o dia de minhas bodas seria perfeito se minha melhor amiga estivesse presente. Sei que Simon quer conhecê-la. Por favor, venha.

— Perderão a vontade de me conhecer quando souber no que me converti — assegurou — Além disso, estaria enganando seus pais se ficasse sob seu teto tal como sou.

Page 76: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

76

Seu mundo é diferente do meu, Babs. Vivem em um mundo mais inocente, em um mais decente.

— Venha de qualquer forma — insistiu sua amiga — Irão querer você por si mesma, assim como eu. Sou muito puritana e dissimulada, Hannah. Sigo sendo uma solteirona que cresceu junto à Igreja. Estive a ponto de ficar para vestir Santos, mas em meu caso o dito quase é certo. Detesto o que se tem feito durante estes últimos dias, porque não acredito que seja feliz. E acredito que sua infelicidade crescerá à medida que sua relação com o Senhor Huxtable progredir. Acha que quer prazer, quando na realidade quer achar o amor. Mas já falei muito e tinha prometido não dar sermão. Venha ao meu casamento de qualquer forma. Não parece que é hora de retornar? Passaram-se mais de onze anos.

— Precisamente por isso — replicou — Babs, agora levo uma vida totalmente diferente, em um universo diferente. Todo o anterior deixou de existir para mim. Não quero que exista.

— E no que me converte isso? — Perguntou sua amiga — Em um fantasma? — Ai, Babs! — Exclamou, e teve que voltar de novo a cabeça para ocultar as lágrimas

que inundavam os olhos — Não me abandone nunca. Escutou o frufrú da seda as suas costas e, em seguida, viu-se envolvida em um forte

abraço. Agarraram-se uma à outra um bom tempo, enquanto ela se sentia como uma idiota. E

por estranho que parecesse, tão penalizada como no dia que o Duque morreu. — Olhe que é tonta — disse Barbara com uma voz um tanto trêmula — Como quer

que deixe de ser sua amiga quando é tão rica e me leva aos bailes da alta Sociedade e insiste em comprar um frívolo chapéu, cada vez que a enrolo para que me convide a vir a Londres?

Hannah desceu as pernas do peitoril da janela e alisou as saias do vestido de musselina.

— Era um chapéu esplêndido, não é verdade? — replicou — se não tivesse me deixado comprá-lo ontem, teria comprado eu, e onde o teria metido? Já tenho todo o roupeiro e o quarto de hóspedes adjacente arrebentando de roupa... Ou isso se murmura, e todo mundo sabe quão confiáveis são os rumores.

— Estou no quarto de hóspedes adjacente ao seu roupeiro — comentou Barbara ao mesmo tempo em que se endireitava e virava para dobrar o tecido.

— Pois me compadeço de você — disse — Deve ser dificílimo passar pela porta, mesmo se vai de lado.

Barbara soltou uma gargalhada. — Virá ao meu casamento? — perguntou em voz baixa. Hannah suspirou em silêncio. Tinha abrigado a esperança de que tivesse esquecido o

tema. — Não posso, Babs — respondeu — Não voltarei. Mas talvez você e seu vigário

possam passar parte de sua lua de mel comigo em Kent.

Page 77: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

77

Uma criada entrou nesse momento, levando o chá, e a conversa derivou para outros temas.

Não era infeliz, disse-se Hannah. Barbara estava muito enganada. E sua infelicidade não aumentaria. Como iria fazê-lo quando nem sequer era infeliz? Estava desejando que chegasse a noite, o momento posterior ao baile.

O desejo que sentia talvez fosse superficial, mas também era muito poderoso. A possibilidade de chegar a se cansar, algum dia, da forma como Constantine fazia

amor, era inconcebível. Claro que tudo teria que acabar assim que terminasse a temporada social. Mas para isso faltava muito tempo. Nem sequer valia a pena pensar nisso nesse momento. Ficou de pé e serviu o chá.

Na primeira hora da tarde chegou uma nota a casa de Con, da parte de Cassandra, a Condessa de Merton e esposa de Stephen, para convidá-lo para jantar em Merton House antes do baile dos Kitteridge. Não tinha compromissos prévios, de modo que se alegrou de responder que iria.

Ao longo dos anos tentara muitas vezes guardar rancor, inclusive odiar Stephen, que tinha herdado o título de Jon e que se apresentara aos dezessete anos em Warren Hall como seu novo proprietário, acompanhado de suas irmãs. Os quatro eram então uns desconhecidos para ele, e nem sequer sabia de sua existência, até que Elliott e seus advogados estudaram a árvore genealógica, em busca de um herdeiro longínquo. E, inclusive, depois de ter localizado esse ramo familiar, não foi nada fácil encontrá-los no lugarejo perdido de Shropshire, onde viviam.

O ódio o consumiu antes de conhecê-los. Iriam invadir seu lar, pisotear suas lembranças, apoderar-se de algo que deveria ter sido dele. Mas o pior era que Jon estava enterrado nas terras que pertenciam a um desconhecido.

Odiou-os durante um tempo antes de conhecê-los. Mas como odiar Stephen uma vez que o conhecia? Seria como odiar os anjos. E

igualmente difícil era odiar suas irmãs. Os quatro se alegraram muito quando descobriram sua existência. Acolheram-no como a um filho pródigo. Todos compreenderam como devia se sentir pela sucessão.

Ao chegar a Merton House, Con descobriu que Margaret e Duncan, o Conde de Sheringford, também foram convidados ao jantar. Margaret era a mais velhas das três irmãs, a que se ocupara para que a família continuasse unida depois da morte de seus pais. Tinha mantido seu celibato com teimosia até que seus irmãos ficaram maiores.

E então se casara. Sua escolha de marido pareceu desastrosa em seu momento, mas logo o matrimônio tinha sobrevivido e também parecia ter florescido.

Con relaxou e desfrutou do jantar. A comida era boa e a companhia e a conversa, agradáveis. Não suspeitou sequer que pudesse existir um motivo oculto para tê-lo convidado, até que se retiraram ao salão depois de jantar, uma hora antes de chegar o momento de sair para o baile.

Page 78: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

78

— Cassandra e eu fomos à casa de Kate, esta manhã — comentou Margaret enquanto Cassandra servia o chá — Nessie nos acompanhou. Kate está grávida outra vez depois de tanto tempo. Sabia, Constantine? Está muito contente e também um pouco enjoada de manhã — Disse que Jasper e ela passaram uma noite muito agradável.

Ah! Pensou Con. — Não estava a par de sua gravidez — respondeu — Suponho que os dois estão muito

contentes. Tinham falado dele durante essa visita matinal, não coube a menor dúvida. Esperou

que o confirmassem. — Estivemos falando de você — continuou Margaret. — De mim? — Repetiu, fingindo assombro — Devo me sentir adulado? — Já tem mais de trinta anos — indicou Margaret. Perguntou-se como abordariam o tema. Não podiam dar um sermão abertamente por

aceitar à Duquesa de Dunbarton como amante, não é verdade? Como damas de boa educação, não podiam admitir estar a par de semelhante acerto, nem sequer de suspeitá-lo.

É claro, Margaret era a encarregada de falar. Cassandra fingia estar muito ocupada com o bule. Stephen e Sherry tratavam de

aparentar que a conversa não tinha nada de extraordinário. — Enfim — replicou ele com um suspiro — Deus não quer que fiquemos parados nos

vinte anos, Margaret. Que pouca consideração de sua parte. Todos se puseram a rir, Margaret inclusive, mas sua prima não se deixou desviar de

seu objetivo, fosse qual fosse. — Constantine, todos estamos de acordo em que deveria começar a pensar no

matrimônio. É nosso primo e... — Segundo primo — corrigiu com ênfase — E no caso de Cassandra, só por lei. — Esta noite está de bom humor, Meg — comentou Cassandra — Não está taciturno,

assim não pensa tomar nada a sério. Stephen bebeu um gole de chá. Con trocou um olhar exasperado com Sherry. — Tomo muito a sério a ideia do matrimônio — assegurou — Sobretudo do meu. E,

sobretudo quando a ideia parte de um comitê formado pelas mulheres de minha família. Porque há um comitê, não? Há também alguma dama em particular que queiram que tenha em conta?

Margaret abriu a boca para falar e voltou a fechar. Cassandra se limitou a sorrir. Seus respectivos maridos se limitaram a seguir bebendo

chá. — Ou uma em particular que queiram que não tenha em conta? — corrigiu-se. Cassandra soltou uma gargalhada. — Disse que cheiraria logo do que ia tudo isto, Meg — comentou — Mas, Con,

asseguro— que só pensamos em sua felicidade. Nem sequer levo um ano nesta família, mas também quero vê-lo feliz.

Page 79: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

79

— Cuidado com uma mulher felizmente casada — disse ele — Confabulará e intrigará até obter que todos os outros também sejam felizes.

Stephen sorriu e Sherry se pôs a rir. — O que tem isso de mau? — perguntou Margaret, claramente aborrecida. Estava olhando para Sherry. — Katherine percebeu do assunto ontem à noite no teatro, não é verdade? —

perguntou Con — Não gostou do que viu. E todas deram a razão esta manhã. Seria interessante saber se Vanessa também o fez.

— Todos os anos tem uma favorita, Constantine — recordou Margaret quando se sentou em sua poltrona, com a xícara e o pires nas mãos — até agora, todas foram damas agradáveis. Agradou-me muito a Senhora Hunter, no ano que Duncan e eu nos casamos.

Margaret ficaria vermelha se pedisse que explicasse a que se referia exatamente com "favorita", pensou Con.

— Também me agradava — replicou — Por isso foi minha favorita nesse ano. Mas espero que não vá pedir-me que pense nela como minha futura esposa. Casou-se com Lorde Lund há dois verões.

— E deu-lhe um herdeiro no ano passado, acredito — disse Sherry — Fez bem em esquecê-la, Con.

Margaret lançou um olhar indignado ao seu marido. — A Duquesa de Dunbarton é bonita — disse — Ninguém pode negar. Atrai todos os

olhares aonde vai, e não é só por sua beleza. É uma mulher fascinante. — Acredito que agora vem um ‘mas...’ — disse Con. Cassandra tomou a palavra. — Kate está convencida de que a Duquesa decidiu convertê-lo em seu favorito, Con —

disse — E se a Duquesa quer algo, ao que parece costuma conseguir. Embora se diga que é muito inconstante em suas preferências. Na semana que vem ou na seguinte poderia ter outro favorito. — Cassandra parecia muito desconfortável.

Olhou com o cenho franzido para Stephen, que por sua vez a olhava com um sorriso. — Constantine, não me negará que tem reputação de promíscua — atravessou

Margaret — E acredito que bem merecida. O que diriam se lhes contasse que a Duquesa fora virgem até fazia pouco mais de uma

semana e que perdera tal virgindade com ele? Perguntou-se. — E teme que acabe ferido e com o coração destroçado se sucumbir as suas más artes

nesta semana e talvez na seguinte? — Quis saber — Teme que não seja rival para alguém a... Experiência da Duquesa, embora digam que sou a personificação do demônio? Comove-me sua preocupação.

A situação era muito engraçada. — Ai, Deus! — Exclamou Cassandra ao mesmo tempo em que soltava a xícara e o pires

com mais força do que a conta — Não tínhamos planejado falar do assunto desta maneira, não é, Meg? Kate vai se zangar muito conosco. É claro que foi capaz de dirigir Sua Excelência

Page 80: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

80

e se converter-se em sua... Isto... Favorita. De fato, estou certa de que há várias pessoas que estão aconselhando não relacionar-se com você. O que queríamos dizer, ou sugerir ou insinuar, movidas pelo afeto que temos, não tenha a menor dúvida, é que talvez tenha chegado a hora de se deixar de paqueras e relações esporádicas e se concentre no matrimônio. É um grande partido. E muito bonito, além disso, embora não esteja certa de que seja a palavra adequada para descrevê-lo. Converte-se no centro dos olhares aonde vai... Assim como a Duquesa.

— Estragamos tudo, Constantine — admitiu Margaret — Queríamos dar um sutil empurrãozinho para que empreendesse o caminho para o matrimônio em vez de... Enfim.

— Talvez deveríamos falar do tempo que fará amanhã, meu amor — sugeriu Sherry — Ou do que fará a semana que vem. Ou o mês que vem.

Margaret sorriu um instante antes de soltar uma gargalhada que parecia sincera. — Que tal lhes parece que nos esqueçamos dos últimos cinco minutos e comecemos

de novo? — perguntou. — Não, Por Deus! — disseram Sherry e Stephen ao mesmo tempo. — Pois eu quero saber o que disse Vanessa a respeito — disse Con. Vanessa, a segunda das irmãs, era uma boa amiga dele até se casar com Elliott, o

Duque de Moreland. Pouco depois das bodas e em seu esforço de vingar-se de Elliott, de forma tão estúpida e pueril, como encarava naquele tempo o longo enfrentamento que os afastava, tinha feito mal sem querer, embora de um modo previsível e a humilhara. E Vanessa mal tinha dirigido a palavra depois.

Aquela não foi sua melhor época. De fato, admitia que foi uma das piores de sua vida. Para falar a verdade, cada vez que via Vanessa ou que pensava nela se sentia afligido pela culpa e pela vergonha.

— Na realidade ela estava no quarto das crianças enquanto falávamos do assunto. Foi levar um presente ao Hal e admirar Jonathan — comentou Margaret — Cassandra o levou consigo.

Hal era o filho de Katherine e Monty, que já tinha quatro anos. Stephen tinha escrito uma carta depois do nascimento de seu próprio filho para

perguntar se incomodaria muito que chamassem Jonathan ao bebê. Con se incomodara muito, tanto que quase lhes respondeu negando-se em redondo. Mas se deteve ao pensar no muito que teria gostado seu irmão. Imaginou suas alegres e escandalosas gargalhadas com tal clareza que foi como se as escutasse. De modo que o novo herdeiro do título se chamava Jonathan.

Por estranho que parecesse, a ideia foi reconfortante quando depois de chegar a Londres foi conhecer o bebê.

— Não deveríamos ter dito nada — continuou Margaret — Duncan e Stephen estão todo este tempo rindo descaradamente, e você não se comportou muito melhor, Constantine. Levou isso na brincadeira.

— Muito melhor que exagerar a importância, Maggie — comentou Sherry.

Page 81: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

81

— Verá, Con, o problema é que minhas irmãs esperavam se fazer de casamenteiras, durante anos, comigo — explicou Stephen — Mas tive a falta de vergonha de me apaixonar por Cassandra o ano passado, com apenas vinte e cinco anos, quase um bebê, virtualmente. Você é o único parente que fica, embora só seja um primo de segundo grau, de modo que vai ter que suportar todo seu... Afeto, até que se case com uma mulher digna de você e viva feliz para sempre. Se fosse inteligente se casaria este ano e viveria em paz para sempre.

— Salvo pelo detalhe de que estaria casado — indicou Constantine. — Já basta! — Margaret ficou em pé de um salto — Temos que ir a um baile e

detestaria chegar tão tarde que os anfitriões já não estivessem na porta para nos receber. E com isso, pensou Con, resolvia-se o assunto. De momento, ao menos. Mas sua família não aprovava sua amante primaveril. Ou a sua favorita, para empregar o eufemismo com o que as damas poderiam sentir-se

medianamente confortáveis.

Page 82: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

82

CAPÍTULO 9 Chegaram tarde ao baile dos Kitteridge, mas não foram os últimos. A Duquesa de

Dunbarton chegou depois deles, embora isso fosse o normal. Con estava falando com um grupo de conhecidos quando percebeu a chegada dela

pela leve mudança nas conversas. O comentário de Margaret não podia ser mais acertado. A Duquesa atraía os olhares aonde ia, e essa noite não foi exceção. Só teve que passar

em frente à linha de recepção com sua amiga para que todo mundo se voltasse e a olhasse. Voltava a ir de branco resplandecente. Rendas com fios prateados sobre seda branca.

Levava o cabelo encaracolado e recolhido em um complicado coque, embora algumas mechas caíssem pelas têmporas e pelo pescoço, a fim de atrair olhares e incitar à imaginação. O penteado era coroado por uma pequena tiara de reluzentes diamantes. Os diamantes que adornavam suas orelhas, decote, pulsos e dedos enluvados cintilavam e resplandeciam a luz das velas. Percebeu-se de que também levava diminutos enfeites de diamantes bordados nas laterais de seus sapatos brancos.

Ou talvez não fossem diamantes... Na noite anterior desfolhara outra pétala da rosa, de modo que se perguntou se

haveria mais depois de tudo. Vendera dois terços de seus diamantes, sem dúvida alguma em troca de uma soma exorbitante, porque queria contribuir em certos projetos de seu interesse. Projetos beneficentes, se não tivesse entendido mau. A dama tinha um coraçãozinho, portanto, e consciência social.

A seu modo também foi uma revelação surpreendente, do mesmo modo que foi sua virgindade. Porque abrigava a inquietante suspeita de que julgara mal a Duquesa, de que talvez não fosse uma pessoa superficial depois de tudo. Entretanto, não era o único que achava isso dela, tal como demonstraram as palavras de Margaret. De modo que não podia recriminá-la.

Atravessou o salão de baile em direção à Duquesa, consciente de que seu avanço suscitava o interesse dos convidados. Muito poucos dos presentes ignorariam que a Duquesa era sua nova amante ou que ele era o novo amante da Duquesa, segundo a perspectiva de cada um. Era impossível que dois membros da alta Sociedade mantivessem uma aventura em segredo.

Saudou as damas com uma reverência, convidou a Duquesa para dançar uma das valsas da noite e a Senhorita Leavensworth, a primeira dança. Então o séquito de admiradores habituais se reuniu em torno dela.

Acompanhou à Senhorita Leavensworth à pista assim que viu que se formavam as filas. Convidou-a para dançar porque era amiga da Duquesa, sua convidada, e também porque conversara uns minutos com ela na noite anterior, durante a noite no teatro, e descobriu que

Page 83: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

83

o agradava. Parecia uma mulher sensata e inteligente. A verdade era que não tinha nenhum motivo oculto para dançar com ela, ao menos não a princípio. Perguntou por seu lar ao pensar que talvez sentisse nostalgia, sobretudo porque seu noivo se achava no povoado que deixara atrás.

— O problema de passar a temporada social em Londres é que por muito que alguém se divirta — comentou enquanto esperavam que a música soasse — Sempre se sente nostalgia pelo campo. Acontece-me isso. Com você também?

— Certamente, Senhor Huxtable, embora pareça um tanto ingrato admitir isso — respondeu ela com seriedade — É maravilhoso estar aqui e nunca esquecerei que vim a bailes da alta Sociedade, assisti ao teatro e à ópera, e que visitei os Museus e as galerias de arte mais famosas durante minha vinda. E o melhor é que o fiz com Hannah, a quem vejo muito pouco. Até ir às compras foi mais emocionante do que imaginava. Mas tem razão, confesso que sinto muito a falta de minha família e de meu noivo.

— E seu povoado? — perguntou. — Também sinto falta do povoado — admitiu — Londres é tão... Grande. E nesse momento viu a forma de satisfazer uma vaga curiosidade. Ou possivelmente

não fosse tão vaga. Todos sabiam que a Duquesa utilizara sua beleza para sair do anonimato e converter-se na esposa de um Duque, que continuava solteiro aos setenta anos. Um conto de fadas em toda regra, salvo pelo detalhe de que a enorme diferença de idade tinha privado à história de romantismo, convertendo-a em algo sórdido. Não obstante, nada se sabia sobre a vida anônima de onde tinha saído a Duquesa. E quando perguntou por sua família, ela se limitara a encolher os ombros e a responder que não tinha. Porém, em algum momento de sua vida teve família.

— De que povoado é você? — perguntou à Senhorita Leavensworth. — De Markle — respondeu ela — fica em Lincolnshire. Ninguém ouviu falar dele, salvo

os que vivem a menos de vinte quilômetros ao redor. Mas é tranquilo e muito bonito, e é meu lar.

— Seus pais ainda vivem? — Sim. Tenho essa sorte. Meu pai era o vigário, mas já se aposentou e vivemos em

uma casinha nos subúrbios do povoado. É menor que o vicariato, mas muito acolhedora. Meus pais são muito felizes nela. E eu também, embora me mude para o vicariato quando casar em agosto.

— E nessa ocasião será a Senhora da casa — comentou Huxtable — não a filha. — Sim — Sorriu — irá me parecer estranho. Embora esteja desejando com todas

minhas forças que chegue o momento. — Markle... — disse Con, carrancudo — me lembra algo. A que aristocrata pertencem

as terras? — Conhece Sir Colin Young? — Perguntou ela por sua vez ao mesmo tempo em que

oferecia a resposta — Vive em Elm Court, muito perto do povoado. Com Lady Young e seus cinco filhos. De fato, Lady Young é... — Guardou silêncio de repente e se ruborizou.

Page 84: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

84

Con esperou um instante e arqueou as sobrancelhas, mas ela não acrescentou nada mais.

— Acho que a dança está a ponto de começar — disse. — Sim! — Exclamou sua companheira com alegre entusiasmo — Tem razão. Olhe

todas essas flores! E todas as velas que há nos lustres. Haverá centenas. E tantos convidados... Sonharei com este momento quando voltar para casa.

Con supôs que não era das mulheres que se deixavam levar pelo entusiasmo. Algo a tinha chateado. Suas perguntas, possivelmente, sobretudo a última. E as respostas que dera. Inclusive a que deixara pela metade. Teria percebido que na realidade tentava surrupiar-lhe informação?

Foi um gesto muito feio de sua parte. Mas quem era Lady Young? Jamais ouvira falar de Markle, nem de Sir Colin Young.

Provavelmente era um Baronete, mas o homem não devia ter se relacionado muito com a Sociedade londrina.

A peça inaugural era uma elegante contradança de passos complicados e majestosos. A Senhorita Leavensworth era uma boa bailarina.

A Duquesa devia ter crescido também em Markle. Seria ali onde conheceu Duque de Dunbarton? E de quem era o casamento a que o Duque fora? De Young?

A essas alturas tinha conseguido incomodar à Senhorita Leavensworth. E se tinha recriminado por isso. De modo que não tinha desculpas para seguir indagando.

Mas continuou. — Sir Colin Young... — disse quando os passos da dança os uniram ao menos um

minuto — Não é parente do Duque de Dunbarton? — Um primo longínquo, acredito — respondeu ela. O décimo quarto na linha de sucessão, se não estava enganado. Era impossível perguntar como era o sobrenome de solteira da Duquesa. Entretanto,

supôs que sua família devia ocupar um posto mais baixo na escala social que o de Young, porque do contrário, a Senhorita Leavensworth a teria mencionado como a família mais importante da área. A menos que a Duquesa fosse uma irmã ou uma filha do tal Young. Uma possibilidade que não podia descartar. De qualquer forma, teria ultrapassado todas as esperanças depositadas nela ao caçar um Duque, embora fosse um ancião. Ou talvez precisamente por isso. Casar-se com ele foi um modo muito engenhoso de ganhar posição e fortuna, além da promessa da iminente liberdade.

É claro, essa era a opinião generalizada que se tinha sobre a Duquesa de Dunbarton. Entretanto... Entretanto, vendera a maior parte das pedras preciosas que Dunbarton lhe dera para

doar esse dinheiro a certos projetos de seu interesse. E conservava o resto das joias por seu valor sentimental. No caso de poder acreditar nela, claro. Mas acreditava.

Seria a Duquesa uma mulher misteriosa depois de tudo? Por que estava se fazendo todas essas perguntas?

Page 85: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

85

Que interesse podia ter ele em descobrir quem era de verdade... Ou quem foi? Nunca havia sentido semelhante compulsão com nenhuma de suas amantes. E nesse momento percebeu algo. Como se sentiria ele se a Duquesa remexesse nos cantos secretos de sua vida?

Não devia fazer mais perguntas. Acabavam de chegar à cabeça de suas respectivas filas, e era sua vez de passar entre

ambas virando para voltar para o final e começar de novo. A Senhorita Leavensworth riu a gargalhadas enquanto giravam, e Con sorriu.

Não obstante, foi incapaz de deter o rumo de seus pensamentos. A Duquesa e a Senhorita Leavensworth eram amigas de infância. Um detalhe ao qual não dera importância até esse momento. A Senhorita Leavensworth era uma mulher de família e aspirações modestas, a filha de um vigário aposentado, noiva de um vigário em ativo.

Entretanto, a Duquesa tinha mantido sua amizade ao longo dos dez anos do matrimônio que a elevara até uma posição imensamente mais elevada que a que ocupava a filha do vigário. Ocorreu outra pergunta.

— Mantém a Duquesa e você correspondência quando não se vêem? — perguntou assim que os passos da dança voltaram a brindar a oportunidade de falar.

— Escrevemos uma vez por semana, no mínimo! — exclamou — Às vezes mais se houver algo interessante que contar. Hannah e eu somos umas consumadas redatoras de cartas.

— A Duquesa não a visita? — Não — respondeu. Sem acrescentar mais explicação. — Mas estou tentando convencê-la de que vá ao meu casamento em agosto —

declarou ao fim de um momento — Para mim significaria muito contar com a presença de minha melhor amiga. Disse-me que não, mas ainda não perdi a esperança.

De modo que não pensava voltar para Markle, nem sequer para a ocasião das bodas de sua amiga... A Duquesa de Dunbarton que ele tinha acreditado conhecer, a que todo mundo achava conhecer, ficaria encantada em voltar para casa com um séquito de criados, para exibir título e fortuna diante dos toscos entre os quais tinha crescido.

Seria verdade então que não tinha família? — Não tem família com a que alojar-se? — perguntou. — Pode ficar com meus pais — respondeu a Senhorita Leavensworth — Ficariam

encantados de que o fizesse. O que podia ser um sim ou um não. Devia deixá-lo já. Sentia-se um pouco culpado.

Possivelmente mais que um pouco. Estava bisbilhotando. — Já visitou a Torre de Londres? — perguntou mudando de assunto. — Ainda não — respondeu ela — Mas espero fazê-lo antes de retornar a casa. — Se parecer bem, ficaria encantado de acompanhá-las uma tarde.

Page 86: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

86

— Oh, é muito amável, Senhor Huxtable! Entretanto, não sei se Hannah irá se interessar...

— Recordarei que poderá se colocar no mesmo lugar que cortaram a cabeça de Ana Bolena, entre muitas outras pessoas ao longo dos anos. Estou certo de que isso despertará seu interesse.

O comentário a fez rir. — Possivelmente tenha razão — reconheceu — Entretanto, eu evitarei esse lugar de

forma intencional. — Falarei com a Duquesa para organizar a visita — disse. E se concentrou nos passos da dança. Uma atividade que sempre gostara. Deu uma

olhada pela fila das damas e viu que estavam todas suas primas, Vanessa inclusive, e também Averil e Jessica, as irmãs de Elliott. A única ausente era Cecily, que se achava no campo, esperando sua terceira gestação.

A Duquesa também dançava, e sua beleza era espantosa. Ao seu lado se achava a Condessa de Lanting, a irmã mais nova de Monty. E é claro,

também estavam todas as jovenzinhas que foram apresentadas nessa temporada em Sociedade e lançadas ao mercado matrimonial. Algumas pareciam alegres e contentes, outras fingiam a expressão enfastiada que estava tão em voga, como se a situação fosse cotidiana para elas e se aborrecessem como ostras.

Na fila da qual ele fazia parte se achavam os Cavalheiros. A orquestra tocava uma melodia muito alegre. Os pés dos bailarinos ressonavam sobre

o assoalho, um som que sempre o incitava a seguir o ritmo com o pé embora não se encontrasse na pista, mas observando em um lado. O ambiente estava carregado com o aroma das flores, perfume e suor.

Os Kitteridge deviam estar respirando aliviados. Sua filha, bastante jovem, estava dançando com o Visconde de Douram, um jovem candidato que não cabia dúvidas, foi escolhido conscientemente para a ocasião. De modo que podiam considerar o baile como um grande êxito.

Nesse momento, tanto ele como a Senhorita Leavensworth, se aproximavam de novo à cabeça da fila.

Hannah dançou a peça inaugural com Lorde Netherby, a segunda com Lorde

Hardingraye, um amigo íntimo com quem podia relaxar e falar em confiança. Estava nervosa e emocionada. Porque depois dançaria uma valsa com Constantine. Só dançaria essa peça com ele, mas seria suficiente. Não havia dança mais fascinante que a valsa quando se contava com um par atraente, e ninguém era mais atraente que Constantine Huxtable.

Dançaria a valsa com ele e depois, quando a festa acabasse, iria segui-la em sua carruagem como na noite anterior e partiria com ele para passar a noite em sua casa, ou o que restasse da noite.

Page 87: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

87

Essa seria a tônica de seus dias, e de suas noites, durante o resto da primavera. Tomara fosse para sempre! Desejou. Pela primeira vez na vida não ansiava a chegada do verão. Que demorasse tudo o que

quisesse. E tampouco se sentia culpada com respeito à Barbara. Afinal, não ia desatendê-la. Passariam todos os dias juntas.

Que maravilhoso parecia tudo, depois da tristeza do ano anterior! Porque foi muito triste.

O Duque não teria gostado que fingisse o contrário. Tinha-o chorado, ainda o fazia, mas chorá-lo em solidão, literalmente falando e levar

luto durante um ano inteiro foi aborrecidíssimo. O Duque teria aconselhado que saísse para desfrutar da vida, estava convencida disso. Entretanto, só saíra para cavalgar pela propriedade e pelos terrenos próximos a Copeland Manor, e para visitar seus amigos do Fim do Mundo em todos os poucos dias. Foi uma esposa fiel em vida do Duque. E foi uma viúva fiel durante o ano de luto.

E nesse momento... Pois estava se divertindo muito. Não pensava fingir o contrário. Tinha sonhado com isso, tinha-o planejado e estava acontecendo. E o melhor de tudo era que o Duque a aplaudiria. Estava muito segura.

— Excelência, poderia dizer-se que está resplandecente desde sua volta a Londres — disse Lorde Hardingraye — De fato, se resplandecesse um pouco mais, me veria obrigado a proteger os olhos com uma tela e me acusariam de ser um excêntrico.

— Já é um excêntrico — replicou ela com um sorriso — Todo mundo o diz. Os olhos de Lorde Hardingraye a olharam com um brilho alegre. Constantine estava dançando com Lady Fornwald. Barbara estava... Barbara não estava no salão de baile. Lançou um olhar pela sala, mas

não viu sua amiga em nenhum lado. Nem sequer escondida em algum canto tranquilo. Recordava que se desculpara depois da peça inaugural para ir ao toucador de Senhoras, mas isso fazia séculos.

A música chegou ao seu fim e Barbara continuava sem aparecer. Olhou a multidão para assegurar-se de que não a via antes de ir a sua busca no toucador. Era impossível que ainda estivesse ali.

Entretanto, estava. Sentada em um canto de costas à porta, ignorando a um grupo de jovenzinhas

faladeiras que por sua vez a ignoravam enquanto riam e falavam com gritinhos. Em outro canto viu uma silenciosa criada que aguardava se, por acaso, alguém

necessitasse ajuda com uma bainha descosturada ou com algum cacho que devia devolver ao seu lugar.

— Babs? — Hannah se sentou junto a sua amiga — Encontra-se mau? Barbara nem sequer a olhou. Tinha um lenço nas mãos que não parava de retorcer.

Não havia rastro de lágrimas em suas faces, mas parecia estar à beira do pranto. — Vai me odiar — assegurou — Não voltará a confiar em mim.

Page 88: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

88

— Babs? — repetiu Hannah. — Traí você — confessou Barbara — Sei quanto valoriza sua privacidade e a traí. Que afirmação mais estranha! Esperou que sua amiga terminasse de se explicar. — Disse ao Senhor Huxtable o nome de nosso povoado — Seguiu Barbara — Falei que

o S... Sir Colin Young. Estive a ponto de falar sobre... Sobre Dawn! Mordi a língua no último momento. E disse que Sir Colin era um primo longínquo do Duque de Dunbarton.

— A isso chama traição? — Perguntou Hannah depois de uma breve pausa — Deu toda essa informação por iniciativa própria?

— Não — reconheceu sua amiga — Ele me perguntou. E eu respondi. Sinto muito, Hannah. Sei que não poderá me perdoar. Sei que esses nomes estão proibidos, inclusive entre nós. E de qualquer forma os soltei alegremente... Ao Senhor Huxtable.

— Foram perguntas à ligeira? — Quis saber — Refiro às que ele fez. — Não acredito — respondeu Barbara enquanto enchiam os olhos de lágrimas que

acabaram escorregando por suas faces — Não, não acredito. Queria informação, assim interrogou uma camponesa recém-chegada do campo, que ignora por completo as argúcias da alta Sociedade. Sinto muito.

— Que idiota que é — disse ao mesmo tempo em que colocava uma mão sobre sua nuca, já que sua amiga tinha inclinado a cabeça

— O que disse só são dados básicos que poderia ter averiguado com suma facilidade por qualquer outro meio. Nem que houvesse dito que sou uma assassina, uma bígama ou uma... Que outra coisa poderia ter dito que fosse uma terrível revelação?

— Um salteador de estradas? — sugeriu Barbara entre soluços. — Uma bandoleira — corrigiu-a — Apenas não disse nada. E a verdade é que

tampouco há muito que dizer, não parece? Um monte de tolices bastante sórdidas. Não é um terrível segredo. Protegi os detalhes de meu passado porque gostava disso. Não tenho nada que ocultar. Nem do que me ocultar.

— Então, por que...? — perguntou Barbara. — Não estou me ocultando, Babs — a interrompeu — Agora tenho uma vida nova que

eu gosto imensamente mais que a anterior. Decidi não olhar para trás, fazer ouvidos surdos às lembranças, evitar algo que possa revivê-la.

— Está zangada — indicou Barbara, cujo pranto se intensificou. — Estou — admitiu — Mas não com você — Esfregou a nuca com mais força — Estou

zangada por você. Estou zangada com certo Cavalheiro que esta noite terá que buscar outra para dançar a valsa. Porque certamente que comigo não vai dançá-la.

Barbara enxugou as lágrimas e assou o nariz. — Deveria ter voltado antes ao salão de baile com um sorriso nos lábios — disse —

Sabe que não aprovo sua relação com o Senhor Huxtable, mas não gostaria de ser a causadora de alguma desavença entre vocês.

— Se produzir alguma desavença — replicou — você não será a causadora, Babs. Minha mãe! Tem os olhos vermelhos. Até o nariz está como um tomate.

Page 89: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

89

— Sempre evito chorar — assegurou Barbara — Porque no final me acontece isto. Sobretudo o nariz.

Hannah soltou uma súbita gargalhada. — Lembra-se de como nos aproveitávamos disso quando éramos pequenas? Como

quando quebramos a janela da estufa porque estávamos jogando muito perto com a bola e vimos que o jardineiro se aproximava soltando fumaça pelas orelhas?

— Lembro que me disse que chorasse — Barbara sorriu apesar das lágrimas. — Ficou com o rosto vermelho quase imediatamente — continuou — Todo mundo se

compadecia de você. Assim era impossível que me castigassem, enquanto a consolavam e diziam que foi um acidente e que não se preocupasse.

— Ai, Deus, éramos um par de descaradas! Ambas se se puseram a rir. De fato, por uns instantes se assemelharam muito ao grupo

de jovenzinhas que já retornara ao salão de baile. A música voltava a soar. A terceira peça tinha começado.

Hannah ficou em pé. Tinha conseguido tranquilizar Barbara, mas continuava zangada. Melhor, furiosa.

— Iremos para casa — disse — Estou cansada e você tem o nariz como um tomate. São motivos mais que suficientes.

— Mas Hannah... — protestou Barbara com expressão contrita. Entretanto, ela estava falando com a criada que não demorou a sair do toucador para

comunicar que a Duquesa requeria sua carruagem na porta principal. — Vamos para casa — repetiu ao mesmo tempo em que se voltava para Barbara com

um sorriso — Tomaremos um chá e desfrutaremos de um tempinho prazeroso antes de irmos para a cama. Não a terei ao meu lado por muito tempo mais, a menos que queira escrever ao seu vigário para dizer que mudou de opinião com respeito a se converter em sua esposa e decidiu ficar comigo para sempre, claro.

— Ai, Hannah! — Ora — replicou ela com um suspiro teatral — Sabia que não quereria fazê-lo. Assim

tenho que desfrutar de sua companhia enquanto possa. — Vai... Vai por fim a sua relação com o Senhor Huxtable? — perguntou Barbara. — Amanhã me encarregarei dessa relação e do Senhor Huxtable — respondeu

enquanto saía da sala. Barbara a seguiu. A Duquesa de Dunbarton tinha voltado aos joguinhos, decidiu Con. Viu-a abandonar

cedo o salão de baile e quando foi à sala de jogos em sua busca antes que desse começo a quarta peça, a valsa que tinha prometido, descobriu que tampouco se achava ali.

Tampouco havia rastro da Senhorita Leavensworth.

Page 90: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

90

Ele ficou até o final. Dançou todas as peças, inclusive a valsa. E depois se foi direito para casa e dormiu durante o que restava da noite.

Que jogasse o que quisesse. Isso sim, a bola estava em seu telhado. Não pensava ir atrás dela. A Duquesa madrugou para fazer seu movimento seguinte. Na manhã seguinte, Con achou uma nota junto ao prato de seu café da manhã, além

do extenso informe semanal do Harvey Wexford, o administrador de Ainsley Park. Descobriu que a letra da Duquesa era grande e de traço grosso. E que por escrito se

expressava tal qual falava. A saudação de cortesia brilhava por sua ausência, a única coisa que tinha escrito era seu nome no título.

“Espero vê-lo entre meus restantes convidados ao chá desta tarde. Depois me levará a

dar um passeio de carruagem pelo parque. H.DUQUESA de Dunbarton” Franziu os lábios. Aquilo não era um convite. Era uma ordem. Teriam recebido os

outros convidados, notas similares à sua? Obedeceram-na todos? Ele obedeceria? É claro que sim. Ainda não estava disposto a renunciá-la. Estava desfrutando muito de

sua aventura, apesar do surpreendente descobrimento da primeira noite, e ainda restavam muitos prazeres sensuais para compartilhar, antes de seguir cada qual por seu caminho. Mas a razão primitiva era que o intrigava, e isso o pegou de surpresa. Queria descobrir o que escondia debaixo desse aparentemente frívolo exterior.

Que sentido tinha que uma mulher entregasse dez anos de sua vida em troca de posição e riqueza, para acabar doando parte de tal riqueza a certos projetos? Por que se manteve sempre fiel, se seu matrimônio fora uma farsa? Por que criar a impressão de que inclusive se afeiçoara ao velho Duque? O que levara uma mulher sensata como a Senhorita Leavensworth a manter-se fiel a sua amizade durante todos esses anos? Por que escrevia a Duquesa todas as semanas, mantendo dessa forma uma amizade que não contribuía nada do ponto de vista material?

E por que se fazia tantas perguntas? Não. Não estava preparado para renunciá-la. Obedeceria a ordem e iria essa tarde a tomar o chá em Dunbarton House. E depois a

levaria em sua carruagem a dar um passeio pelo parque. E a noite... Enfim, já veria o que fariam. Até então se concentrou no informe de Wexford, que sempre devorava com um puxão

antes de relê-lo com atenção, detendo-se nos detalhes.

Page 91: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

91

CAPÍTULO 10 Quando Con chegou a Dunbarton House, descobriu que já havia vários convidados no

salão, a quem conhecia em maior ou menor profundidade. Entretanto, só viu realmente dois, Elliott e Vanessa, os Duques de Moreland.

Hannah se aproximou dele com a mão direita estendida. Esboçava seu característico sorriso arrogante e tinha as pálpebras entreabertas.

— Senhor Huxtable — saudou-o — é uma gentileza que tenha vindo. — Duquesa. — Fez uma reverência enquanto aceitava sua mão, apesar de ela tê-la

soltado antes que pudesse levar aos lábios. — Suponho que já conhece todos — comentou — Por favor, sirva-se um pouco de chá

e massas. Assinalou com gesto vago a mesa, onde uma criada estava servindo o chá. E se afastou

para reunir-se com Elliott e Vanessa, com quem se sentou e conversou, desentendendo do resto dos convidados.

Era uma atitude deliberada? Perguntou-se Constantine. É claro que era. Elliott, que se esticara grandemente ao vê-lo entrar, somou-se com presteza à

conversa. Parecia relaxado, interessado e feliz. Certamente sorria muito mais do que o costume. Embora fosse inevitável que se encontrassem com relativa frequência na mesma sala, durante a temporada social e que inclusive se vissem obrigados de vez em quando a manter um bate-papo cordial, Con raramente olhava para seu primo, seu antigo amigo, de um tempo a essa parte. Mas sua impressão era certa, já que se tinha percebido muito antes, embora não o analisara. Elliott era feliz. Estava há nove anos casado, tinha três filhos que iam dos oito anos até uns poucos meses de vida, e estava contente.

Recordava uma época em que Elliott considerava o matrimônio como uma tortura a evitar na medida do possível. Até que chegasse o momento se limitava a desfrutar da vida ao máximo. Os dois o tinham feito. Quanto mais perigosa era uma aventura, mais gostavam. A morte do pai de Elliott mudou tudo... E também mudou para seu primo. Porque de repente se converteu em Visconde, no herdeiro a um ducado... E no tutor legal do Jonathan, o Conde de Merton. E de um dia para outro se transformou em um homem sério e sem senso de humor, em um homem consumido por uma devoção absoluta pelo dever.

Con pegou um prato e uma xícara de chá e se uniu ao resto dos convidados, como haviam dito que fizesse. Dava-se bem em relacionar-se com os outros. Claro que dama ou Cavalheiro bem educado não se dava bem? A habilidade para ter conversas banais era um atributo indispensável entre as classes altas. O problema das conversas banais, entretanto, era que permitiam que a mente divagasse e ficasse pensando em algo que gostasse.

Vanessa estava envelhecendo bem. Já teria passado dos trinta. Não era tão bonita como suas irmãs, mas sempre foi carinhosa, vivaz e simpática, e todas essas qualidades transcendiam a beleza física.

Page 92: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

92

Agradou-lhe desde o começo. Quando chegou a Warren Hall com Stephen e suas irmãs pouco depois da morte de Jon, ele se achava consumido pelo ódio e ressentimento. Ficou para recebê-los só porque Elliott ordenou que se fosse. Entretanto, sentia algo estranho com respeito à morte de Jon, e era como se seu irmão não desaparecera quando enterraram seu corpo no cemitério. Transladou-se a uma parte de si mesmo que receava muito que era seu coração, de modo que era impossível olhar certas coisas ou certas pessoas sem vê-las tal como Jon as teria visto. Jon teria se encantado em descobrir que tinha novos primos. Novas pessoas para amar. E foi muito fácil se afeiçoar a Vanessa porque era impossível odiá-la.

Fazia anos tentando não pensar nela. Tinha feito mal a ela. Apresentara-a com toda deliberação à antiga amante de Elliott no teatro, pouco depois de se casar, e depois acompanhou essa mulher a um baile a casa de Elliott e Vanessa. A alta Sociedade em cheio foi testemunha do momento. Fizera para envergonhar seu primo, é claro. Mas no final humilhara Vanessa e provocara um sofrimento inexprimível. Depois, Elliott contou barbaridades sobre ele, e com a mesma resolução e franqueza com que parecia abordar todos os problemas da vida, Vanessa o levou a uma parte dos jardins de Vauxhall numa noite e soltou sem papas na língua o que pensava dele, acrescentando que esperava não voltar a vê-lo nunca e que não voltaria a dirigir a palavra por vontade própria a ele, no que lhe restasse de vida. Uma promessa que tinha mantido.

A lembrança daquela conversa seguia remoendo a consciência. E não podia fazer absolutamente nada para mudar. Em seu momento se desculpou por tê-la exposto deliberadamente a semelhante humilhação. Vanessa se negou a perdoá-lo. Não havia nada mais que dizer a respeito.

Por que havia convidado a Duquesa aos Duques nessa tarde se sabia que não se falavam? A que estava jogando? E durante quanto tempo ia permitir ele que ela seguisse o jogo?

Não muito, decidiu. Deixaria isso bem claro mais tarde, quando a acompanhasse ao parque. Embora ali não pudesse manter uma conversa em particular. Assim teria que procurar a oportunidade de fazê-lo.

A Duquesa não passou todo o tempo com Elliott e Vanessa. Circulou entre o resto de seus convidados e demonstrou ser uma anfitriã amável e acolhedora. Con tinha assistido a algum ou outro baile organizado por ela no passado, mas nunca esteve em uma de suas reuniões mais íntimas. Lorde Enderby a convidou com grande deferência a levá-la a dar um passeio pelo parque mais tarde.

— Sinto muito recusar seu convite, Lorde Enderby — recusou ela — Já aceitei o convite do Senhor Huxtable.

Con percebeu que todos os olhares se cravavam nele. No caso de alguém ter descartado por impossível o rumor que devia estar circulando desde uma semana, certamente já não teria dúvidas a respeito. Porque não a tinha convidado durante esse chá e todos se deram conta. De modo que ficou claro que o tinham acordado de antemão.

— Talvez em outra ocasião — disse ela a Enderby.

Page 93: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

93

Suas palavras atuaram a modo de sinal para que os convidados partissem. Con ficou junto a uma das janelas, com a vista cravada no exterior e as mãos

entrelaçadas às costas enquanto a Duquesa se despedia de seus convidados. — Vou por meu chapéu e nos vemos na calçada — disse ela quando ficaram as sós. E partiu antes que ele pudesse dar meia volta. Era imaginação sua ou havia um tom gelado em sua voz? Que sentido tinha semelhante atitude? Entretanto, soube de repente. Ou esteve quase certo de saber. Que idiota foi ao não

se dar conta antes, de fato... Nessa mesma manhã, assim que recebeu sua parca nota. Ou na noite anterior, assim que desapareceu sem dirigir a palavra.

Fizera umas perguntas indiscretas a sua amiga durante o baile e ela descobriu de algum jeito.

Além disso, onde estava a Senhorita Leavensworth nessa tarde? Desceu as escadas. Percebeu que seu tílburi já estava diante da porta. — Onde está a Senhorita Leavensworth esta tarde? — perguntou Constantine

enquanto a ajudava a subir ao alto assento de seu tílburi, depois que rodeou a carruagem, para se sentar junto a ela e tomar conta das rédeas.

Hannah adorava passear em tílburi. Mas o passeio dessa tarde não era por diversão. Estava de mau humor. Abriu a sombrinha e se cobriu com ela.

— Esta manhã recebeu uma carta de uns parentes do reverendo Newcombe, seu noivo — respondeu — vão passar uns dias na cidade e a convidaram para visitar os jardins de Kew com eles e com seus filhos.

— Será uma excursão agradável — replicou ele — E o tempo não podia ser mais propício. Não faz muito calor, nem muito vento.

— Suponho que poderíamos falar do tempo até que cheguemos ao parque, Senhor Huxtable — disse Hannah assim que Constantine saiu da praça — Eu, pelo contrário, prefiro deixar perceber como me sinto aborrecida com você.

— Sim — replicou ele, que voltou a cabeça para olhá-la — Já tinha me dado conta. — Ontem à noite, no meio da festa, encontrei Barbara à beira do pranto no toucador. — Ah — disse ele antes de cravar a vista à frente. — Achava ter traído minha confiança — explicou — Temia que desse por terminada

nossa amizade. Mas, como é uma dama de moral inquebrável e rígida, sentia-se na obrigação de me confessar o que tinha feito em vez de me ocultar isso.

Constantine não perguntou a que se referia. Limitou-se a guiar com habilidade os cavalos para se adiantar a uma carreta que circulava mais devagar que eles.

— Cresci no povoado de Markle, em Lincolnshire — Seguiu — Era a filha do Senhor Joseph Delmont, um Cavalheiro de escassa importância social ou fortuna. Tinha uma irmã, Dawn. Agora é Lady Young, a esposa de Sir Colin Young, um Baronete. Foi nas bodas de um

Page 94: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

94

primo dele, agora falecido, onde conheci o Duque de Dunbarton, com quem me casei cinco dias depois. Não voltei para Markle nem mantive contato algum com nenhum membro de minha família depois. Quer saber algo mais, Senhor Huxtable?

Constantine seguia com o olhar fixo à frente. Uma enorme e antiga carruagem avançava para eles pelo centro do meio fio, apesar dos impropérios que proferiam os transeuntes ao distraído cocheiro. De modo que se viu obrigado a se afastar para evitar uma colisão. Tinha os lábios apertados.

— Sobre o motivo pelo qual nunca voltei para casa, por exemplo? — sugeriu. Sentia os fortes batimentos do coração no peito. Estavam troando nos ouvidos. Nesse momento Hannah percebeu que a carruagem pertencia à Condessa viúva de

Blackwell e de que a dama em questão a saudava com um régio gesto da cabeça de uma das janelas. Devolveu a saudação com um sorriso e um gesto da mão.

— Pois direi o porquê — disse, falando intimidadora de novo e disposta a responder a pergunta embora ele não a fizesse — Durante tais bodas, descobri que Colin Young, meu noivo, achava-se atrás do caramanchão com minha irmã, em uma situação que só poderia qualificar-se de comprometedora se não quer ferir a sensibilidade do interlocutor com uma linguagem mais descritiva. E depois de se... Separarem e se arrumarem, ambos se mostraram desafiantes e na defensiva em vez de envergonhados e contritos, ou horrorizados, por tê-los descoberto. Dawn me disse que se cansou de estar sempre a minha sombra, de que nunca se fixassem nela porque todo mundo queria olhar a mim. Que estava farta de se sentir feia.

— Queria Colin e Colin a queria, e me assegurou que eu não podia fazer nada para mudar esse fato. Colin me disse que minha irmã tinha razão. Chegara fazia relativamente pouco à vizinhança e minha beleza o cegou a princípio, antes de conhecer Dawn e de dar-se conta de que a personalidade era muito mais importante que qualquer outra coisa. E que o amor também era. Acrescentou que sentia muito, mas que decidiu que queria a uma mulher de verdade, em vez de uma simples beldade. Sua intenção não era a de me ofender, claro. Porque realmente eu era bonita. Colin esperava que compreendesse sua situação e que o liberasse de uma obrigação que se convertera em uma carga para ele. Como se eu não fosse real. Como se eu fosse incapaz de sentir amor ou companheirismo. Como se fosse incapaz de me sentir doída porque era bonita. E, depois, quando arrastei meu pai à biblioteca e me joguei em seus braços em busca de consolo e apoio, disse-me com um suspiro que minha beleza levava toda a vida sendo uma pesada carga para ele... Ao menos desde que minha mãe morrera quando eu tinha treze anos. Disse-me que sempre fui a preferida de minha mãe, mas que ele era muito consciente de que tinha duas filhas. Que todas as jovens me admiravam e queriam ser minhas amigas, de modo que virtualmente evitavam Dawn, e que todos os jovens me rondavam e brigavam para chamar minha atenção, sem reparar sequer em minha irmã.

— Perguntou-me que por que devia invejar sua felicidade quando acabara encontrando o amor depois de tudo. Assegurou-me que se me preocupasse minimamente por minha irmã, teria percebido a situação semanas atrás. Perguntou-me se ia ser egoísta,

Page 95: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

95

como sempre, e me ia negar a liberar Colin Young de uma promessa que fez sem pensar e da qual se arrependera quase imediatamente, se não era capaz de pensar em outra pessoa que não fosse eu mesma ao menos uma vez na vida. Porque, segundo ele, eu acharia outro homem quando quisesse.

— Entretanto, eu levava toda a vida tentando me parecer com as demais. Queria a minha irmã e tentava que outros a quisessem também. Nunca entendi por que as pessoas não a apreciavam. Além disso, não a obrigava a estar a minha sombra. De verdade que não. De vez em quando conseguia me tirar amigos e admiradores, e desfrutava depois. Nem sempre nos dávamos bem. Tivemos algumas brigas memoráveis, e estou certa de que fui tão irritante como ela. Mas era minha irmã. Amava-a! Jamais pensei que pudesse arrebatar meu noivo. Existia um compromisso. Os jogos se acabaram. Talvez eles tivessem razão. Talvez tudo fosse culpa minha. Talvez... — Hannah se deteve para tomar ar. De fato, estava ofegando. A porta de entrada do parque se achava muito perto.

— Duquesa — disse Constantine. Entretanto, ergueu uma mão para silenciá-lo. Ainda não tinha terminado. — Amava-o — afirmou — Não pensei que tivesse que proteger meu coração. Só tinha

olhos para ele. Sabia que minha beleza podia ser uma desvantagem às vezes. Sabia que às vezes as demais jovens me invejavam. Tentei não ser bonita. Tentei-o inclusive de menina porque me envergonhava que minha mãe elogiasse minha beleza diante de Dawn e de outras meninas, que me olhasse agradada e me aparasse os cachos para me por mais bonita. Quando fui bastante maior para escolher minha própria roupa, tentei ter vestidos discretos e me pentear com simplicidade. Tentei abaixar a cabeça e me manter calada quando estava com mais pessoas. Tentei demonstrar que não era vaidosa. Mas com o Colin, me achei livre para amar e para ser eu mesma por fim. Não tenho palavras para descrever como me senti quando meu pai me deixou sozinha e me disse que devia por bom rosto e sorrir... O vazio, a solidão, o pânico... E nesse momento descobri que não estávamos sós na biblioteca. O Duque de Dunbarton esteve presente todo o tempo. Retirara-se para a biblioteca, aborrecido pela celebração e estava sentado em uma poltrona que tinha aproximado a uma janela, colocando-se de costas à sala. Não percebi sua presença até que fiquei chorando com tanta força que achei que ia morrer. Mas morrer de verdade.

Constantine fez passar o tílburi pela porta do parque, mas tinha diminuído a marcha. — Sempre recordarei as primeiras palavras que me dirigiu — continuou ela, fechando

os olhos — querida Senhorita Delmont, disse-me com essa voz enfastiada e algo rouca tão sua, nenhuma mulher pode ser muito bonita. Vejo que vou ter que me casar com você e repetir essa lição até que a acredite com convicção. Será você meu último projeto na vida. E por estranho que pareça, por incrível que soe, pus-me a rir e a chorar ao mesmo tempo. A presença do Duque nas bodas tinha aterrados a todos. Tínhamos evitado na medida do possível por medo de que nos matasse com um só olhar se nos atrevíamos a cruzar em seu caminho ou a pousar os olhos em sua ilustre pessoa. Entretanto, ali estava me dizendo que ia ter que se casar comigo, que ia se encarregar de minha educação e que me ia converter no

Page 96: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

96

último projeto de sua vida, me dando seu delicado lenço de linho com uma expressão bastante triste.

Constantine tinha diminuído tanto o passo que os cavalos quase se detiveram. — Já está satisfeito? — perguntou. — Sim — respondeu ele com um suspiro — me pôs em meu lugar, Duquesa. De fato,

não poderia ter encontrado melhor maneira de me castigar que responder todas as perguntas que o tato e a delicadeza não me deixaram fazer ontem à noite. E conseguiu que me pese muito a rabugice das perguntas que fiz. Peço desculpas, embora seja consciente de que as desculpas costumam ser inadequadas. Estaria pedindo perdão se não me tivessem descoberto? Não sei, embora já me arrependesse em seu momento, quando me dei conta de que a Senhorita Leavensworth se sentia desconfortável com minhas perguntas e de que eu não estava sendo muito cavalheiresco ao fazer a ela em vez de a você.

Hannah achou que eram desculpas bastante decentes. — Se me permitir, irei ver a Senhorita Leavensworth amanhã e me desculparei com ela

em pessoa — continuou Constantine. Apesar do passo de tartaruga que levavam, logo se achariam imersos em meio da

multidão que se congregava pela tarde no parque. — E agora o que? — Quis saber Constantine — Quer que a leve de volta a casa?

Prefere que não sigamos com nossa relação? Essa última pergunta a sobressaltou. Preferia? A noite anterior ou essa mesma manhã teria respondido que sim. Inclusive a primeira

hora dessa tarde. Mas no fim de contas, a única coisa que fez Constantine foi formular umas quantas perguntas sobre sua vida. Tão diferentes eram? Ela também queria saber coisas sobre Constantine.

Embora sempre pensara surrupiar em pessoa. — Não! — Exclamou com um giro decidido de sua sombrinha — Necessito de uma

aventura. Não um matrimônio. Ainda não, ao menos, e talvez nunca o necessite. Não posso me libertar da convicção de que continuo casada com o Duque, embora esteja morto há mais de um ano.

— Amava-o — afirmou ele. Voltou a cabeça para olhá-lo, em busca de um gesto irônico. Entretanto, não achou

rastro de ironia em sua expressão nem tampouco escutara um tom estranho em sua voz. — Amava-o sim — confessou — com todo meu coração. Foi minha âncora e minha

segurança durante dez anos. Ele me queria de forma incondicional, com toda a alma. Adorava-me, e eu adorava a ele. Ninguém acreditará, é claro, mas a verdade é que não me importa — percebeu-se com horror de que tremia ligeiramente a voz.

— Eu acredito em você — assegurou em voz baixa. — Obrigada — replicou — Necessito de um amante, Constantine. É muito cedo para

algo mais... Amor, matrimônio ou o que seja. E em certo sentido, em um sentido muito

Page 97: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

97

concreto, os anos de meu matrimônio me deixaram esfomeada. Se deixá-lo agora, terei que começar do zero para achar outro amante, e isso seria muito tedioso.

— Isso quer dizer que me perdoou? — quis saber ele — Não voltarei a fazer perguntas, Duquesa. Pode conservar os segredos que restam se acaso restar algum. Não tentarei desentranhá-los.

— Não quer me conhecer? — Perguntou Hannah — Não quer averiguar tudo o que se pode saber sobre mim?

— Assim como você Duquesa — respondeu ele — só quero uma amante, não uma esposa. Não voltarei a me deixar levar pela curiosidade.

— Pois eu quero averiguar tudo o que se pode saber sobre você — assegurou — Afinal, um amante não é um objeto inanimado. Nem só um corpo, embora definitivamente seja um corpo esplêndido e faça o amor de forma mais que satisfatória.

Quando o olhou, percebeu-se de que Constantine estava sorrindo, algo que não fazia frequentemente.

Essa expressão alterou de forma muito estranha a sua respiração. — O perdão tem um preço, Constantine — continuou — Está em dívida comigo. Vai

responder a algumas perguntas esta noite depois de me fazer amor. — Venha para casa comigo, agora. — Voltou a cabeça para olhá-la. — Barbara estará de volta para o jantar — explicou — e não aceitei nenhum convite

para esta noite. Vamos passar uma maravilhosa noite em casa, conversando e desfrutando de nossa mútua companhia. Amo-a mais que a ninguém no mundo agora que o Duque morreu, sabe? Envie-me sua carruagem às onze.

— Alguém a desobedece alguma vez, Duquesa? Olhou-o com um sorriso arrogante. — Não quer me ver esta noite? — Perguntou por sua vez — Nem me fazer amor? Constantine sorriu de orelha a orelha. — Enviarei minha carruagem às onze — respondeu — Estará preparada à hora em

ponto. Se não estiver em minha casa às onze e quinze, eu pessoalmente fecharei com chave. Soltou uma gargalhada ao escutá-lo. E se viram envolvidos pela multidão. De repente, Hannah se sentiu incrivelmente feliz. Barbara estava cansada depois de sua excursão aos jardins de Kew, embora tivesse

desfrutado muito e descrito tudo a Hannah, em especial a arquitetura, que era uma das estruturas mais bonitas que vira na vida. E também passara maravilhosamente bem com os primos de Simon, a quem não conhecia. Tinham-na tratado como se já fizesse parte da família, e ela os fez rir procurando semelhanças entre Simon e eles. Tinha brincado de esconder com as crianças, embora já tivessem doze anos. Eram gêmeos, um menino e uma menina. Estava ansiosa por escutar os detalhes do chá que Hannah realizara, uma ideia

Page 98: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

98

organizada a toda pressa pouco depois do café da manhã. E escutou com expressão desolada que Constantine se apresentaria em casa na manhã seguinte para se desculpar por seu comportamento da noite anterior.

— Deve dizer que está perdoado — disse Barbara — porque está. Estou certa de que não tinha más intenções, Hannah. Só queria saber mais coisas sobre você, e o admiro por isso, já que sugere que a valoriza como pessoa. Talvez esteja apaixonado por você. Talvez...

Entretanto, Hannah se pôs a rir. — Embora diga ser uma solteirona que ficou a ponto de vestir Santos, não me engana.

Continua a mesma romântica empedernida de sempre. Por que foi esperar até rondar os trinta para escolher seu companheiro? Os sentimentos de Constantine Huxtable por mim não têm nada a ver com o romantismo, asseguro. E me parece perfeito, que saiba, porque o meu para ele tampouco.

— Não deixe que deva falar comigo amanhã — suplicou sua amiga — Morreria de vergonha.

— Tentarei convencê-lo de que não o faça — prometeu carinhosamente Hannah. Barbara se deitou pouco depois das dez. A carruagem chegou às onze menos cinco. Hannah, que estava preparada desde as dez e meia, esperou quinze minutos antes de

sair de casa. Quando a carruagem chegou à casa de Constantine pouco depois das onze e quinze, a

porta estava fechada com chave. Tentou abri-la ela mesma ao se dar conta de que não se abria como sempre assim que

chegasse e que a discreta chamada do cocheiro tampouco recebia resposta. — Ah! — exclamou dividida entre a risada e a mortificação. E, como se acabasse de pronunciar a palavra mágica, a porta se abriu de par em par.

Entrou na casa e Constantine fechou a porta atrás dela. Quando se voltou para olhá-lo, viu-o sustentando uma enorme chave com a ponta de um dedo.

— Tirano! — replicou. — Bruxa! Os dois puseram-se a rir e Hannah se aproximou para passar os braços pelo pescoço e

beijá-lo com paixão. Constantine a abraçou pela cintura com força e devolveu o beijo, com mais paixão se

fosse possível. Seus pés mal tocavam o chão quando terminaram. Ou quando terminaram com as

preliminares, para ser mais exato. — Cometeu um erro tático — disse Hannah — se queria deixar firme sua postura, não

deveria ter aberto a porta. — E se você queria deixar firme a sua — replicou Constantine — não deveria ter

descido da carruagem nem subir nas pontas dos pés os degraus para tentar abrir a porta. — Não subi nas pontas dos pés — protestou — Subi com elegância.

Page 99: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

99

— Seja como for, demonstrou que estava desesperada por chegar até mim — respondeu ele.

— E exatamente o que fazia atrás da porta com a chave na mão? — perguntou — Porque não queria que chegasse até você? E por que abriu a porta?

— Tive piedade de você — respondeu. — Ah! — E nesse momento seus pés abandonaram o chão quando voltaram a se beijar

— Quero fazer algumas perguntas — disse assim que pode — Pensei em fazer uma lista, mas não encontrei uma folha suficientemente grande.

— Mmm — murmurou ele enquanto a deixava no chão. — Pergunte o que queira, Duquesa. — Seus olhos escuros adotaram uma expressão ligeiramente suspicaz.

— Ainda não — replicou — Podem esperar até depois. — Depois? — Arqueou as sobrancelhas. — Depois de me fazer amor — respondeu — depois de eu ter feito amor. Depois de

termos feito amor. — Três vezes? Que aspecto terei amanhã, Duquesa? Preciso descansar. — Estará muito mais atraente e bonito sem fazê-lo — assegurou Hannah. Constantine deixou a chave no console do vestíbulo e estendeu a mão. Uma vez que a

aceitou, caminharam de mãos dadas para a escada. Por Deus! Exclamou Hannah para si mesma, continuava sentindo-se feliz. Deveria alegrar-se por isso. Passou todo o inverno desejando essa aventura primaveril

com grande emoção. E no plano físico superava todas suas expectativas com acréscimo. Então, por que não se alegrava? Pelos sarcasmos, brincadeiras e risadas que

compartilhavam? Porque tinha a estranha sensação de que nesse dia transpassaram a barreira que afastava os simples amantes das pessoas mergulhadas em uma espécie de relação?

Porque se sentia feliz? Acaso não podia ser feliz e alegrar-se por isso ao mesmo tempo? Pensaria nisso depois, decidiu ao entrar no dormitório em penumbra, enquanto

Constantine fechava a porta atrás deles. Às vezes havia coisas melhores que fazer que pensar. CAPÍTULO 11

Page 100: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

100

Na primeira vez fizeram amor com frenesi. Na segunda, com sensual frouxidão, se acaso podia se aplicar o termo frouxidão ao ato em si. Em todo caso, ambos estavam exaustos quando acabaram.

Hannah se colocou de lado sobre a cama, dando-lhe as costas, e ele se aninhou atrás dela, passando um braço sob a cabeça e o outro pela cintura.

Hannah se colou a ele e colocou sua mão sob a face. Ao fim de um momento ficou adormecida. Con não dormiu. Os remorsos de consciência eram a semente perfeita para a insônia. Perguntou se todo mundo era como ele. Se todo mundo cometia terríveis enganos ao

longo de sua vida dos quais depois se arrependia. Se a vida dos outros consistia em uma confusa e contraditória mescla de culpa e inocência, ódio e amor, naufrágio e tranquilidade, e demais sentimentos diametralmente opostos. Ou se a maioria das pessoas se catalogava dentro de uma descrição concreta, boa ou má, alegre ou irascível, generosa ou miserável, etc., etc..

Em sua juventude odiara Jon, seu irmão mais novo. A pessoa a quem mais amou na vida. Tinha odiado Jon por seu caráter alegre e carinhoso, pela inocência que demonstrava apesar da dificuldade de sua vida, porque era um menino gordo, torpe e de traços faciais que o assemelhavam mais aos asiáticos que aos ingleses. E porque seu cérebro trabalhava mais devagar. E porque morreria cedo. Odiava-o porquê não podia fazer nada para melhorar sua vida. E porque era algo que ele de qualquer forma nunca tinha ambicionado. O herdeiro.

Como era possível odiar de forma tão atroz e ao mesmo tempo amar tão profundamente? Partira de casa quando teve idade suficiente e fizera todas as loucuras da juventude que foi possível, a maioria com Elliott. Naquele tempo não gostava de como o tratava a vida e nem lhe importavam as pessoas que deixara para trás.

Que motivos tinha para que não fosse assim? Entretanto, sabia que Jon sentia muito sua falta e por isso o odiou mais que nunca, mas voltou para casa porque o queria mais que a sua vida e sabia que não desfrutaria dele durante muito tempo mais.

Seria a vida dos outros um amálgama de contradições como a sua? Certamente que não. Do contrário, a prudência brilharia por sua ausência no mundo.

Quando seu pai morreu e Jon se converteu no Conde de Merton aos treze anos de idade, Con se encarregou do manejo da propriedade, assim como do resto de suas responsabilidades, embora seu pai, fazendo demonstração de sua questionável sensatez, tivesse nomeado seu cunhado, o pai de Elliott, como tutor legal de Jon. Mas o pai de Elliott morreu dois anos depois e Elliott herdou o título e a responsabilidade de ser o tutor de Jon. Assim foi como Elliott, seu primo e melhor amigo, converteu-se em seu pior adversário. Porque decidiu tomar seu papel com grande seriedade e o obrigou a pôr-se de lado, ao contrário do pai dele, que cedeu as rédeas desde o começo. E assim começou a grande inimizade, o amargo distanciamento que durou depois disso. Porque Elliott se negou peremptoriamente a confiar em que ele pudesse levar as rédeas da propriedade como era devido e ocupar-se adequadamente de seu próprio irmão.

Page 101: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

101

Intrometeu-se e não demorou a descobrir que faltava uma enorme fortuna em joias, embora nenhuma delas estivesse vinculada ao título. De modo que não teve que refletir muito para chegar à conclusão mais óbvia e começaram a voar as acusações.

Con o mandou ao diabo. Não quis explicar nada, não quis confiar em seu primo. Isso teria sido muito fácil. Além

disso, Elliott não perguntara nada a respeito do que aconteceu, nem tinha convidado a se explicar. Limitou-se a chegar a uma conclusão lógica, ou ao que ele pensava que era uma conclusão lógica. E o chamou de ladrão, um ladrão da pior índole. Um ladrão capaz de roubar um irmão com atraso mental, que o amava com loucura e que confiava nele cegamente e porque o pobre não viveria por muito tempo.

A verdade seja dita, já guardava rancor de Elliott antes que fizesse o mencionado descobrimento e a acusação. Porque seu primo, que acabava de ser nomeado Visconde de Lyngate depois da morte de seu pai, era um cruel aviso de que ele não se converteria no Conde de Merton depois da morte do seu irmão, embora também fosse o primogênito.

Em qualquer caso, mandou Elliott para o diabo. E diferente do que aconteceu em outras ocasiões depois de uma briga, foram

incapazes de se dar murros e acabar sorrindo, enquanto admitiam que o passasse bem. Embora sangrassem o nariz e levassem os dedos aos olhos para aliviar a dor do inchaço.

Porque não era desse tipo de disputas. Era uma situação irremediável. Em vez de recorrer aos punhos, Constantine decidiu converter a vida de Elliott em um

inferno, ao menos sempre que estivesse em Warren Hall. E ia frequentemente. Utilizou Jon para que brincasse com seu primo, embora este achasse sua atitude

aborrecida, frustrante e em mais de uma ocasião humilhante. Ao Jon, pelo contrário, parecia divertidíssima. De modo que esses jogos alongaram a brecha existente entre eles. Às vezes, por exemplo, dizia a Jon que se escondesse quando Elliott chegava, de modo que seu primo perdia um tempo valioso enquanto o buscava. Ele se limitava a observar a cena de braços cruzados, apoiado na ombreira de alguma porta, sorrindo com desdém.

As rixas conseguiam que aflorasse o pior das pessoas. Ao menos, assim era em seu caso.

Nem sequer a essas alturas se arrependia, embora devesse fazê-lo, por ter se comportado de forma tão pueril. Porque Elliott, que o conhecia desde que eram pequenos, tinha acreditado e ainda o acreditava capaz de roubar seu próprio irmão, pela simples razão de que era fácil aproveitar-se dele. Essa súbita falta de confiança doera muito. Ainda doeria se não tivesse transformado essa dor em ódio.

Entretanto, em muitos aspectos ele era tão mau como Elliott. A essa altura, com o corpo morno e relaxado de Hannah colado ao dele e os olhos cravados na parede situada frente à cama, nem sequer tentava negá-lo. Em vez de sentar com Elliott para discutir sobre a tutela de seu irmão como o fariam dois homens, dois amigos que tinham chegado aos vinte anos, mostrara-se frio, distante e sarcástico muito antes inclusive de terem sentido falta das joias. E Elliott se mostrara frio, distante e despótico.

Page 102: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

102

Na realidade, tudo foi muito pueril. De ambas as partes. Possivelmente o tivessem superado se não fossem pelas ditosas joias. Umas joias que evidentemente tinham desaparecido, de modo que Elliott e ele jamais superaram o problema.

Os dois eram culpados em partes iguais. Mas nem por isso Con odiava menos seu primo. Afundou o nariz no cabelo de Hannah. Era suave, fragrante e morno, como ela. Pensou

em despertá-la com um beijo para ver se dessa forma punha fim aos seus pensamentos, mas estava adormecida como um tronco. A noite anterior a alterou. Nessa mesma tarde continuava alterada por seu comportamento. E também tinha alterado a Senhorita Leavensworth, que era de todo inocente.

Da mesma forma que alterara Vanessa pouco depois de se casar com Elliott. Fazia as pessoas esse tipo de coisas? Tinham outros vergonhosos e incômodos

esqueletos em seus respectivos armários? Era um monstro. Era a encarnação do demônio. As pessoas tinham razão ao compará-

lo com ele. Talvez um de seus piores pecados, um muito recente, fosse sua negativa a aceitar tudo

o que sabia que era inerente à condição humana. As pessoas, todas as pessoas, eram um complexo produto, fruto de sua herança, de seu entorno, de sua infância, de sua educação e do amontoado de experiências que conferia a vida, da mesma maneira que eram fruto de seu caráter e da personalidade com que se nascia. Todo mundo possuía uma infinidade de pétalas superpostas. E todo mundo possuía algo no mais profundo de seu interior de valor incalculável.

Ninguém era superficial. Não de todo. Entretanto, tinha decidido acreditar que a Duquesa de Dunbarton era diferente do

resto dos seres humanos. Tinha decidido acreditar que sob a beleza, vaidade e a arrogância externa não havia nada para descobrir. Que era um recipiente vazio, não de todo humana.

Isso era o que as pessoas tinham decidido acreditar dela durante toda sua vida. Salvo, aparentemente, o falecido Duque, seu marido. Comportara-se tão mal como os membros de sua própria família, os quais possivelmente a teriam querido ao seu modo, mas quem também tinha suposto que sua beleza tirava a sensibilidade, outorgava mais autossuficiência que a sua irmã, uma jovem normal e comum. O pai se compadecera de sua filha menor, achando que a primogênita estaria melhor preparada para se desviar, por si mesma, das vicissitudes da vida.

Por que supunham as pessoas que os mais bonitos só necessitavam de sua beleza para alcançar a felicidade?

Por que supunham que por trás da beleza não havia nada, salvo um recipiente vazio e insensível?

Por que o tinha suposto ele? Ele se negara a reconhecer a totalidade de sua pessoa porque era bonita?

Page 103: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

103

Começava a doer a cabeça. E começava a ficar adormecido o braço sobre o que descansava a cabeça de Hannah. E precisava coçar o ombro porque sentia uma repentina irritação. Não ia dormir nada. Era evidente. Nem tampouco iria fazer amor outra vez. Não até que tivesse refletido a fundo.

Afastou a mão com cuidado debaixo de sua face e fez o mesmo com o braço sobre o que descansava sua cabeça. Escutou-a murmurar em sonhos enquanto colocava a cabeça sobre o travesseiro.

— Constantine... — Ouviu-a dizer, mas não despertou. Saiu da cama em direção ao roupeiro. Vestiu-se, embora não pôs a jaqueta nem

tampouco se incomodou em meter a camisa pelas calças. Depois se aproximou da cama para olhar Hannah. Estava meio acordada e piscou várias vezes enquanto o olhava.

— Fique aqui — disse — Já volto — inclinou-se para beijá-la nos lábios. Devolveu-o beijo com frouxidão. — Aonde vai? — perguntou. — Já volto — repetiu, e partiu para a cozinha, o que teve que descer dois lances da

escada. Acendeu o fogo avivando as brasas da noite anterior, encheu até a metade o pesado

bule de ferro e pôs a água a ferver. Fez uma incursão na despensa em busca de algo para comer, e colocou algumas bolachas em um prato. Não demorou muito a subir de novo as escadas, com uma bandeja em que levava um enorme bule de porcelana, coberto por uma grossa toalha para evitar que o chá esfriasse, uma jarra de leite, açúcar, xícaras, pires, colheres e o prato com as bolachas. Deixou a bandeja no gabinete adjacente ao seu dormitório e foi em busca de Hannah.

Continuava meio adormecida. Con voltou para o roupeiro e saiu com um longo robe de lã que só usava nas noites

mais geladas quando estava só em casa e a única coisa que queria era esticar-se em uma poltrona com um bom livro.

— Venha — disse solícito. — Aonde? Apesar da pergunta, levantou-se e se sentou na beira da cama. Ao ver que ele

levantava o robe, ficou em pé. Colocou os braços pelas mangas e a envolveu com ele antes de atar o cinto. A roupa parecia tê-la tragado.

— Mmm — murmurou enquanto aproximava o nariz do pescoço — Cheira a você. — E isso é bom? — Uhum — murmurou de novo como resposta. A culpa voltou a assaltá-lo. Pegou o candelabro e a precedeu ao gabinete. As poltronas

da sala eram grandes, escolhidas com cuidado. Grandes, macias e cômodas. Porque nessa sala a elegância e a pose não importavam. Era um lugar onde se deitava a vontade, sem arriscar de sofrer um dano irreparável nas costas.

Ali era onde relaxava.

Page 104: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

104

Por estranho que parecesse, jamais convidou alguém a esse gabinete. Nenhuma de suas antigas amantes tinha posto um pé ali.

Hannah se sentou em uma fofa poltrona de couro, dobrou as pernas para colocá-las no assento, apoiou-se no espaldar e se envolveu com o robe. Enquanto ele servia o chá, observou-o com as pálpebras entreabertas, embora não com a expressão habitual nela. Nessa ocasião estava sonolenta de verdade. Era uma expressão satisfeita, ou assim parecia.

— Leite? Açúcar? — perguntou. — Ambos — respondeu ela. Colocou sua xícara e seu pires na mesinha que tinha ao lado e ofereceu o prato de

bolachas. Hannah pegou uma para provar. — Constantine, é um anfitrião estupendo — disse — Viril. E generoso. Encheu-me a

xícara até a borda. Vamos ver se consigo não derramar nada. Nunca vira o sentido no costume de encher uma xícara pela metade. Para começar, as

xícaras já eram muito pequenas por si mesmas. Sentou-se em frente a ela, muito perto, com uma bolacha em uma mão e a xícara na

outra. Acomodou-se na poltrona e cruzou as pernas, colocando o tornozelo em cima do joelho contrário.

Fingia que estava relaxado. — Bem Duquesa — disse — me diga o que quer saber. De repente pareceu abrir-se em seu interior um buraco negro, enorme e vazio. E

sentiu uma imensa vulnerabilidade. Entretanto, essa era a única maneira de se redimir. Hannah estava impressionada. A maioria dos homens teria demorado o assunto

quanto fosse possível. E quando Constantine saiu da cama, estava adormecida. Certamente teria continuado dormindo toda a noite. Entretanto, tinha decidido recordar que estava em seu direito de perguntar sobre ele e de esperar uma resposta.

Suspeitava que fosse um homem cheio de segredos e duvidava que tivesse dito algum de forma voluntária alguma vez, nem sequer aos seus próximos ou a seus seres queridos. Era um homem muito reservado.

Quem seriam seus próximos e seus seres queridos? Seus primos? Os que tinham usurpado o que deveria ter sido seu por direito? Seria um homem solitário?

De repente, suspeitava que o fosse. E, ao que parecia, também era um homem de palavra. Comportara-se mal com a pobre Barbara, sabia e se arrependia disso. E nesse momento pensava se redimir da única forma que sabia. Respondendo a todas suas perguntas.

Dadas as circunstâncias seria uma crueldade fazê-lo, obrigá-lo a desvelar os segredos de uma vida que com tanto zelo tinha guardado. Nesse instante não parecia tão enigmático, elegante e perigoso como de costume. De fato, estava sentado de forma muito pouco elegante... Como ela. Estava muito bonito.

Sentiu algo batendo em seu coração. Mas negou a entrada.

Page 105: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

105

Comeu a bolacha. — Deveria saber que responderia com surpreendente astúcia a minha oferta de contar

tudo — disse ele. Hannah arqueou as sobrancelhas ao escutá-lo. — Guardando silêncio — concluiu Constantine. E nesse momento compreendeu que se escolhera Constantine Huxtable para que fosse

seu primeiro amante, não o fez só por seu atraente físico, por muito considerável que este fosse. Sentiu-se atraída por essa reserva, que deixava transparecer a profundidade de seu caráter e que, embora indicasse uma segura escuridão em seu interior, também podia ocultar um universo de luz.

Sentiu-se atraída pelo mistério que irradiava, embora carecesse de evidências de que realmente existisse algum mistério.

Foi consciente de tudo isso desde o começo, é claro. Antes que se convertessem em amantes tinha assegurado que insistiria em conhecer tudo o que devia conhecer sobre ele. Entretanto, naquele momento não compreendia o que dizia. Porque pensava que seu principal interesse em Constantine radicava no plano físico. Já não era assim? Carecia de experiência para compará-lo com outro. Mas estava certa de que não havia nenhum homem que pudesse agradá-la tanto como ele. Uma ideia nada esperançosa para os anos vindouros.

Tinha começado com o melhor, de modo que... O que chegaria depois? Não tinha suficiente no plano físico? Esse afã por conhecê-lo... Não deveria ter refletido a respeito antes que fosse muito

tarde? Muito tarde para que? — Ainsley Park — o ouviu dizer de repente ao mesmo tempo em que soltava a xícara e

o pires na mesa que tinha ao lado — Assim se chama minha propriedade em Gloucestershire. A Mansão e os terrenos circundantes não podem comparar-se com Warren Hall, mas também são impressionantes. Até a residência da viúva tem um tamanho considerável. A granja que abastece à propriedade também é grande. Além disso, ampliei-a ao não arrendar duas das partes que tinham ficado vazias. É uma propriedade próspera, um formigueiro de atividade.

— Era de seu pai? — quis saber Hannah. — Não — respondeu ao mesmo tempo em que negava também com a cabeça —

Todas as propriedades de meu pai estavam vinculadas ao título. São de Merton. — E pôde se permitir comprá-la? Constantine esboçou um lento sorriso. — Essa é a pergunta que todos meus conhecidos querem que responda desde que a

comprei — respondeu — Sobretudo Moreland, que sabe. Ou melhor, acredita saber. — E? — incentivou-o, ao mesmo tempo em que soltava a xícara para depois introduzir

as mãos nas mangas do robe, cruzando os braços. — Não a comprei — respondeu Constantine — Ganhei.

Page 106: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

106

— Ganhou? — Quando parti de casa, dediquei-me a apostar nas mesas de jogo, tal como

costumam fazer os Cavalheiros ociosos — explicou — Sempre acabava perdendo tudo, salvo a roupa que levava posta, entretanto, não era tão idiota para apostar mais do que levava em cima, que tampouco é que fosse muito. Tinha uma atribuição mensal, mas meu pai me trazia em rédeas curtas. Entretanto, a aposta a que me refiro teve lugar depois de sua morte, quando Jon já era Conde, e dessa vez procurei de forma deliberada uma mesa onde as apostas fossem altas e não se desse quartel, para dizê-lo de algum jeito. E apostei com dinheiro que na realidade não me pertencia, mas que consegui pela venda de certa joia. Algo de que ambos sabemos muito, Duquesa. Tal dinheiro não me pertencia, e acho que jamais senti um terror semelhante ao que senti quando me sentei à mesa para jogar e apostei a quantidade que meus competidores esperavam de mim.

Hannah fechou os olhos. — Ao fim de dez minutos — Seguiu Constantine — ganhara Ainsley Park. Não era a

casa Senhorial vinculada ao título do homem que a jogou e perdê-la por uma má mão não pareceu incomodá-lo em excesso.

— O que o incomodou, tanto a ele como a seus amigos, foi que pegasse meus lucros e abandonasse a partida. Ameaçaram-me não voltar a me incluir jamais em seu venerado círculo. Não sei se teriam cumprido a ameaça ou não. Certamente sim. Depois disso não tornei a apostar, salvo quantidades pequenas em bailes e em festas particulares, suponho.

— E o dinheiro da venda da joia? — perguntou ela. — Empregou-se para o que se supunha que se devia empregar — respondeu. — E ninguém sabe como adquiriu Ainsley Park? — Que pensem o que quiserem— respondeu. — E o que é que costumam pensar? — Que a comprei com dinheiro ilícito, suponho — respondeu ao mesmo tempo em

que dava de ombros — Não andam muito desencaminhados. — Vive só na propriedade? — quis saber. Parecia muito triste que se afastasse de sua família e de seus amigos dessa maneira. Constantine soltou uma breve gargalhada. — Não precisamente — respondeu — De fato, a casa... Ou melhor, a Mansão, está tão

lotada de gente, que não resta nenhum aposento livre para mim. Assim vivo na residência da viúva. E inclusive esse remanso de paz está sendo invadido de forma lenta, mas inexorável.

Hannah moveu as pernas de modo que as plantas de seus pés ficaram apoiadas no assento. Abraçou as pernas e colocou o queixo sobre os joelhos.

— Constantine, vai ter que me explicar isso ou passarei toda uma semana sem dormir pela curiosidade. Além disso, deve-me isso. Quem são essas pessoas que vivem em sua propriedade?

— Comecei levando mulheres — respondeu — Mulheres cujo caráter e reputação estavam pelo chão, porque aqueles para quem trabalhavam ou seus superiores, do ponto de

Page 107: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

107

vista social, consideravam entre os direitos que Deus lhes outorgou, o de dispor à vontade das mulheres que desejavam muito. Mulheres acompanhadas por seus filhos bastardos. Em Ainsley Park têm um lar e um trabalho honesto para desempenhar na casa ou na granja. Além disso, recebem formação como costureiras, chapeleiras, cozinheiras ou qualquer outra profissão que seja interessante, desde que achem alguém que compartilhe esses conhecimentos em troca de um alojamento, de um prato de comida e de um salário módico. Ao final buscamos um posto de trabalho com pessoas que estão dispostas a aceitá-las. A elas, aos seus bastardos e as suas reputações.

— Por quê? — Quis saber Hannah — Por que esse tipo de mulher em concreto? A expressão de Constantine se tornou séria e meditabunda. — Digamos que... — começou — Digamos que conheci algumas mulheres nessas

circunstâncias e o homem que lhes tirou tudo, salvo a vida. Sabia o que elas perderam, trabalhos, famílias, o respeito de todos os conhecidos dela. Sabia o que padeceram, o ostracismo. E sabia que com o pouco dinheiro que eu podia dar de vez em quando, não as ajudava a mudar tais circunstâncias. Tinha muito claro que não podia oferecer minha ajuda abertamente, porque as pessoas chegariam a certas conclusões, e isso teria piorado a situação delas. Se acaso pudesse piorar, claro. Eu conheci o homem que lhes ocasionou tudo isso e que foi despedindo-as uma a uma de seus postos de trabalho e esquecendo-as ao substituí-las por outras, que possivelmente acabaram sofrendo o mesmo destino.

Hannah se abraçou as pernas com mais força. Deus santo! Exclamou para si mesma. Seu pai? Abriu a boca para perguntar em voz alta, mas era impossível perguntar algo assim. — Elliott, o Duque de Moreland, diria que esse homem era eu — continuou ele. — Chegou a acusá-lo? — Sim. — E você não o negou? — Não. Por Deus! Voltou a exclamar para si. Tirar informação era como tentar obter sangue

espremendo uma pedra. — Por que não? Constantine lançou um olhar muito sério. — Foi meu amigo — respondeu — Era meu primo, quase meu irmão. Nossas mães

eram irmãs. Nem sequer deveria ter me exposto isso. Eu jamais teria perguntado algo assim. Porque seria muito claro que a resposta era não. Fizemos muitas selvagerias em nossa juventude, mas jamais tomamos uma mulher contra sua vontade.

— Mas não negou quando perguntou — indicou isso ela. — Não perguntou — precisou Constantine — Afirmou. Não sei como, mas descobriu o

que tinha acontecido a essas mulheres e seus filhos. Assim me jogou isso na cara. Quando se faz uma acusação, nem sempre, ou melhor, nunca, pergunta-se de forma educada, Duquesa.

— Que idiota é — replicou — E esse é o motivo de sua rixa?

Page 108: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

108

— Entre outras coisas. Hannah decidiu não indagar mais. — Poderiam ter esclarecido tudo com uma simples negativa de sua parte — recordou

— mas seu orgulho impediu isso. — A situação não deveria ter requerido nenhuma negativa — concluiu ele — Moreland

era, e continua sendo, um imbecil pomposo. — E você um idiota teimoso — acrescentou Hannah — Você mesmo usou essas

descrições em uma ocasião, e agora vejo que estava certo. Constantine ficou em pé, afastou a toalha e encheu de novo ambas as xícaras. Quando

voltou a sentar, recordou que Hannah gostava com leite e açúcar, de modo que voltou a levantar-se para acrescentar ambos à sua xícara. Uma xícara transbordando de chá. Mais inclusive que a primeira. Ofereceu uma bolacha, mas ela o recusou.

— Disse que começou levando mulheres a Ainsley Park — recordou. — Um dia vi um rapaz aqui em Londres, em um açougue — disse Constantine — me

detive na calçada, fora do estabelecimento, porque o menino me recordava muito Jon. Tinha os mesmos traços faciais e o mesmo físico, e supus que seus pais também haveriam dito quando nasceu que não ultrapassaria os doze anos de vida.

— Teria seguido meu caminho, mas no minuto escasso que me detive reparei em dois detalhes, que o rapaz se esforçava para agradar, mas que não agradava absolutamente. Nesse breve lapso de tempo, recebeu duas bofetadas. Uma da parte de um cliente e outra da parte do açougueiro por desgostar o cliente. De modo que entrei e paguei o açougueiro uma soma estipulada pelo aprendiz. Ele por sua vez tirara o menino de um orfanato, virtualmente grátis, suponho. Uns dias depois, quando voltei para Ainsley Park, levei a criança, Francis, comigo. Demos a ele trabalho na cozinha e na granja, e se converteu em objeto de adoração de todas as mulheres, sobretudo da cozinheira. Morreu ao fim de um ano, aos treze anos de idade, mais ou menos, porque o pobre desconhecia sua data de nascimento. Acredito que foi um ano muito feliz para ele.

Guardou silêncio para tomar um gole de chá com a vista cravada na xícara. Hannah se entreteve com sua própria xícara a fim de conceder uns minutos para que

recuperasse a compostura. O brilho que tinha acreditado ver em seus olhos era muito real, assim como a nota trêmula de sua voz. Tinha chorado por causa do menino do açougue, Francis. O menino que tanto recordara seu irmão.

— Descobrir Francis me fez compreender que para conseguir que o projeto de Ainsley Park se financiasse por si mesmo e não fosse um constante peso, para meus limitados recursos econômicos, deveria conseguir que a granja funcionasse com pleno rendimento. Os terrenos tinham sofrido anos de negligência. Para pô-la em marcha e para que fosse rentável, necessitava de trabalhadores, em sua maior parte homens, que realizassem as tarefas mais pesadas. E como devia contratar homens, decidi que escolheria aqueles a quem fosse impossível achar emprego em outro lugar. Duquesa se surpreenderia saber quantos homens há em tais circunstâncias. Homens com falhas físicas ou mentais, soldados

Page 109: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

109

aposentados ou licenciados que perderam algum membro ou algum olho ou inclusive a prudência na guerra e já não são úteis para ninguém em tempos de paz, salvo para si mesmos. São vagabundos ou inclusive ladrões que se vêem obrigados a delinquir porque não encontram trabalho, mas que precisam comer. Se quisesse, poderia encher vinte propriedades como Ainsley Park.

Não, não se sentia surpresa absolutamente. — Alguns são capazes de realizar outros trabalhos além de trabalhar nas terras, e de

fato aspiram a fazer algo mais. Assim, os instrui para que sejam ferreiros, carpinteiros, pedreiros e inclusive contadores e secretários. E depois buscam um emprego de modo que fiquem estabelecidos em Ainsley Park. Alguns dos homens e das mulheres se casam, e os casais partem em busca de uma nova vida.

— E não falou a ninguém sobre isto? — perguntou ela — Só a mim? Constantine meneou a cabeça antes de sorrir. — Bem, sim — respondeu — Disse-o ao Rei. — Ao Rei? — Foi antes que se convertesse em Rei, na verdade — explicou — Ainda era Príncipe

de Gales. Prinny. Uma noite, já de madrugada, estávamos os dois sentados nesse ostentoso Palácio que tem em Brighton, depois dos outros se deitarem. Não recordo exatamente como surgiu o tema. O caso é que nó dois estávamos bêbados e uma coisa levou a outra e no final acabei falando de Ainsley Park. Acredito que... Não, não acredito porque o recordo bem. Abraçou-me com tanta força que achei que me ia partir todos os ossos e que acabaria me esmagado contra sua bojuda figura. Esteve a ponto de me afogar com suas lágrimas. É um sentimental.

— Declarou-me um santo, um mártir. Porque me acreditou um mártir, não me explicou. E acrescentou um sem fim de elogios mais, cada qual mais exagerado. Depois prometeu me ajudar, me recompensar e informar a todo o reino do que fazia, entre outras coisas espantosas. Por sorte, depois que recuperou a sobriedade, esqueceu-se de tudo. Acredito que inclusive se esqueceu de minha pessoa.

— Conheço-o bem — disse Hannah — O Duque era seu amigo apesar de o Príncipe, agora o Rei, tirar-lhe do sério. É impossível que não agrade, por mais que seja ridículo às vezes. O que mais anseia na vida, acima de qualquer outra coisa, é que o queiram. Se o antigo Rei e a Rainha o tivessem querido desde o começo, hoje seria uma pessoa diferente. Um homem muito mais seguro de si mesmo.

— E mais magro? — acrescentou ele — Sua necessidade de comer seria menor? Olhou-o com um sorriso. E acabou soltando uma gargalhada. Constantine também

sorriu e depois arqueou as sobrancelhas. Foi um momento estranho. Passara onze anos adquirindo conhecimentos e exercitando a disciplina, dez deles às

mãos de um homem que ganhara ambos os atributos graças às experiências de uma longa vida. Conhecimento e disciplina. Onze anos escondendo sua verdadeira personalidade, essa

Page 110: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

110

valiosa criatura que era na realidade, como uma larva em um casulo de serenidade oculta debaixo de milhares de máscaras.

A vida mesma se convertera em um segredo. Ninguém estava a par da vida que levava por trás das aparências. Porque as aparências eram tudo para aqueles que a rodeavam. Era a única coisa que conheciam. Entretanto, em seu caso o importante era a realidade oculta atrás da fachada. Mas de repente essa larva se via ameaçada. Tinha escolhido um homem só pelos prazeres sensuais que podia oferecer e se havia... Que palavra podia empregar para definir o que Constantine era para ela? Não se tinha apaixonado por ele, mas...

Bem, de algum modo estavam envolvidos de uma forma íntima. Era seu amante, sim. Entretanto, um amante se podia descartar, esquecer, substituir. Podia-se manter a uma distância segura do coração. Os amantes eram para o prazer, para divertir.

Constantine era mais que seu amante. Desde o começo desse ano se havia dito que ia entregar se ao prazer e que não ia

procurar o amor e a felicidade permanente. Havia-se dito que despacharia Constantine, que o esqueceria assim que acabasse a temporada social. E o faria, é claro. Porque não restava mais remédio, na realidade. Sabia muito bem que ele procurava uma amante diferente cada ano.

Mas... Mas suas emoções tinham acabado implicadas de alguma forma no que supostamente

ia ser uma experiência só física. O casulo de serenidade que protegia à larva, a seu coração, agitou-se. O Duque tinha razão. Tinha advertido de que algum dia aconteceria, de que os casulos

só serviam para proteger a fragilidade de uma nova vida, até que estivesse pronta para sair e florescer com todo seu esplendor.

Deveria ter pensado melhor antes de escolher um homem misterioso que a intrigava. Porque, evidentemente, sua personalidade estava oculta sob um sem fim de camadas. Uma parte de tal personalidade não era nada agradável. Como exemplo bastava o

impertinente interrogatório ao qual tinha submetido a Barbara no baile dos Kitteridge. Ou esse ridículo orgulho que durante anos tinha perpetuado de forma desnecessária numa rixa com seu primo, que também era seu melhor amigo. Mas outra parte... Enfim, poderia chegar a amar o homem cuja compaixão pelos desafortunados era tão profunda que lhes abriu seu lar, o coração de sua privacidade e de sua paz. E tudo pela simples satisfação de fazer o correto. Em vez de procurar elogios, não tinha falado a ninguém de seu lar nem do que estava fazendo nele. Salvo ao Rei, em um momento de embriaguez compartilhada. E nesse momento a ela, porque o devia.

Ai, que perto estava de cometer um erro absurdo do qual se arrependeria o resto de sua vida! Porque Constantine Huxtable não era o homem adequado para algo permanente. De repente, a ausência do Duque se converteu em um enorme vazio. Tomara que pudesse voltar para casa, zombá-lo, deixar que zombasse dela, e colocar sua mão sobre essa mão anciã e artrítica que tanta segurança oferecia. E pedir conselho. Ou sua opinião sobre o que

Page 111: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

111

estava acontecendo. Entretanto, tinha a ensinado a ser autossuficiente, e até esse momento pensava que tinha aprendido bem a lição. O Duque não quereria que dependesse sempre dele. Nem tampouco o quereria ela.

Eles estavam se olhando nos olhos em silêncio, Constantine e ela, e nenhum dos dois sorria ainda.

— Poderiam nos pendurar por traição se nos ouvisse falar assim — disse. — Ou acabar com a cabeça cortada — acrescentou ele — Por certo, disse à Senhorita

Leavensworth que falaria com você para organizar uma visita à Torre de Londres porque ainda não esteve nela. Virá?

— Faz anos que eu tampouco vou — respondeu. — Passará alguns dias em Copeland Manor se organizar uma breve festa campestre?

— Está me convidando, Duquesa? — Perguntou Constantine por sua vez — Não é uma ordem?

— Bem, você me convidou a ir à Torre, assim eu não vou ser menos quanto à amabilidade.

— Não estará pensando em convidar Moreland e sua esposa, não é verdade? — Não — respondeu e negou também com a cabeça — Mas não deveria falar com ele

de qualquer forma, algum dia? — Fazer as pazes e nos dar a mão? — Replicou Huxtable — Acredito que não. — De modo que seguirá vivendo com essa tristeza e só por uma simples questão de

orgulho. — Vê-me triste? — perguntou Constantine. Abriu a boca para responder, mas voltou a fechá-la. — E você, Duquesa, vai voltar para Markle possivelmente para as bodas da Senhorita

Leavensworth e falar com seu pai, com sua irmã e com seu cunhado? Seguirá afastada deles por uma questão de orgulho?

— São dois temas diferentes — respondeu ela. — Ah, sim? Durante um instante se olharam em silêncio e com seriedade, ou melhor, com fúria, e

nenhum dos dois quis ser o primeiro em afastar o olhar. Ao final foi Constantine quem o fez. — E assim seguirá vivendo com essa tristeza e só por uma simples questão de orgulho

— sussurrou. Touchée, pensou Hannah. Entretanto, Constantine ignorava a magnitude do que

estava pedindo. — Quero ir para casa, a Dunbarton House — disse — É tarde. Ou cedo, conforme se

olhe. Constantine ficou em pé e se aproximou dela. Apoiou-se nos braços da poltrona,

inclinou-se e a beijou. Foi um beijo horrível por sua ternura e sua delicadeza. Horrível porque ainda era de

noite, porque tinha feito amor com ele e tinha adormecido ao seu lado, e porque se sentara

Page 112: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

112

a falar com ele e a essas alturas não sabia onde estavam suas defesas. Se pudesse achá-las, armaria de novo e se envolveria com elas para ficar outra vez a salvo. Mas a salvo do que? Perguntou-se.

Constantine levantou a cabeça e a olhou nos olhos. Os seus pareciam muito escuros e tinham uma expressão velada.

— Nesse caso será melhor que se vista — disse — meu cocheiro poderia se escandalizar se a visse dessa maneira, embora vá coberta do queixo até a ponta dos pés.

— Constantine, se me visse obrigada a sair assim — replicou — Seu cocheiro só veria a Duquesa. Acredite-me. Eles só veem o que eu quero que veja.

— Isso ensinou Dunbarton? — Sim, e foi um grande professor — respondeu Hannah. — Acredito que sim — reconheceu Constantine — Sempre que a vi ao longo dos anos,

vi à Duquesa. Uma Duquesa muito bela e muito rica. Agora é quando começo a descobrir quão equivocado estava.

— Isso é bom? Ou ruim? Constantine se endireitou. — Ainda não decidi — respondeu — Via-a como uma rosa, mas sem múltiplas pétalas.

Acabo de compreender que estava enganado. Tem mais camadas que a rosa mais exuberante. Mas ainda não cheguei ao coração da rosa. Começo a acreditar que há um coração. De fato, sei que há. Vá se vestir, Duquesa. É hora de levá-la para casa.

E por estranho que parecesse, dado que foi ela quem o tinha dito em primeiro lugar, sentiu-se recusada. Como se ele não quisesse que ficasse. E se sentiu comovida. Via-a como a uma rosa e pouco a pouco, pétala a pétala, estava descobrindo o caminho do seu coração. Se ela o permitisse. Mas... Como ia impedi-lo se onze anos de disciplina e de firmeza corriam o perigo de desmoronar apenas umas semanas depois de ter tomado seu caminho solitário na vida.

Não aconteceria. Porque Constantine não podia ser ele. Não podia ser esse homem que o Duque tinha prometido que algum dia acharia. Quando por fim encontrasse esse homem, seu coração teria que estar intacto. Talvez não devesse ter ficado tonta com a sensualidade. Ficou em pé e se aproximou da porta.

— Pela mãozinha, como se fosse uma menina? — Replicou com altivez — vim sozinha em sua carruagem. Voltarei sozinha nela. Assegure-se que esteja na porta dentro de dez minutos.

Seu gesto triunfal ficou um pouco deslustrado por culpa de certo risinho.

Page 113: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

113

CAPÍTULO 12 Como no dia seguinte esteve chovendo, Con passou grande parte da manhã

escrevendo a Harvey Wexford, o administrador de Ainsley Park. Tinha que responder algumas perguntas e decidir sobre alguns detalhes insignificantes. Mas o mais importante era enviar uma série de mensagens particulares a vários residentes de Ainsley Park, coisa que

Page 114: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

114

fazia todas as semanas. Embora deixasse sua gestão, sua formação e seu bem estar nas mais que capazes e compassivas mãos de Wexford, não se esquecia de sua gente quando se ia de casa, e estava decidido a se fazer saber.

Nessa ocasião tinha que felicitar à Megan, a filha de Phoebe Penn, por seu quinto aniversário... E tinha que mandar o livro que tinha comprado antes do almoço porque tanto mãe como filha estavam aprendendo a ler. E tinha que felicitar Winford Jones, um antigo trombadinha, a quem tinham declarado apto como ferreiro e que conseguiu um posto como ajudante em uma ferraria de Dorsetshire. E também tinha que felicitar Jones e Bridget Hinds, que iriam se casar antes de partir com o pequeno Bernard, o filho de Bridget. Pensava enviar outro livro para Bernard, porque em seus sete anos já sabia ler.

Além disso, tinha que expressar seu pesar a Robbie Atkinson, que tinha caído do mezanino onde armazenavam o feno e quebrado um tornozelo. E dar seus bons desejos à cozinheira, que chegara ao inusitado extremo de ficar dois dias de cama por culpa de um forte resfriado, embora tivesse continuado dirigindo a cozinha com mão de ferro de seu leito. Como o tempo melhorara um pouco, passou a tarde nas corridas com alguns amigos, e a noite transcorreu em um serão em casa de Lady Carling, a sogra de Margaret, em Curzon Street.

Foi uma dessas ocasiões nas quais encontrou Vanessa e Elliott, mas como Lady Carling tinha habilitado mais de uma sala para seus convidados, puderam ficar em diferentes aposentos a maior parte do tempo, evitando sua mútua existência de um modo muito efetivo. Recordou que Hannah aconselhara na noite anterior que falasse com Elliott... Para que não estivesse tão triste.

Achou engraçado imaginar a reação de seu primo se fosse em sua busca e sugerisse que se sentassem para solucionar suas diferenças nesse preciso momento. Não tinham nada do que falar. Elliott acreditava o pior dele e Con não se importava.

Um imbecil e um idiota. Duas caras da mesma moeda. Era assim simples. Hannah não foi ao serão. Con partiu depois, considerou a ideia de passar um momento no White’s, mas no final

foi para sua casa. Ter uma amante podia causar esse efeito em um homem, escolher uma noite de sono em vez de passar uma noite com os amigos quando se apresentava a oportunidade.

Na manhã seguinte foi a Dunbarton House. Receava muito que as damas continuassem deitadas ou que tivessem saído às compras. Entretanto, achavam-se em casa.

O mordomo, que foi em pessoa comprovar se as damas estavam disponíveis, conduziu-o à biblioteca, um lugar insólito onde achar a Duquesa. Descobriu-a com um livro aberto no colo enquanto sua amiga estava sentada na escrivaninha, escrevendo certamente uma carta ao seu vigário.

A Duquesa fechou o livro, soltou-o e ficou em pé. — Constantine — saudou-o ao mesmo tempo em que se aproximava dele com uma

mão estendida.

Page 115: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

115

— Duquesa — Fez uma reverência e permitiu pela primeira vez que levasse sua mão aos lábios — Senhorita Leavensworth.

A aludida soltou a pena e se voltou para ele, com as faces muito rosadas. — Senhor Huxtable — replicou com seriedade. — Senhorita Leavensworth, quero que saiba que a convidei a dançar no baile dos

Kitteridge porque desejava dançar com você — assegurou — Minha mal educada indagação a respeito das origens da Duquesa foi fruto do momento e também foi uma ideia espantosa. Rogo que me desculpe por tê-la alterado.

— Obrigada, Senhor Huxtable — disse a Senhorita Leavensworth — Foi um prazer dançar com você.

— Que saiba que não me esqueci que deseja ver a Torre de Londres antes de retornar a Markle, e que a Duquesa faz séculos que não a vê. O tempo melhorou muito hoje. De fato, acredito que o sol está a ponto de abrir caminho entre as nuvens. Quer me acompanhar a visitá-la esta tarde? Talvez pudessem tomar um sorvete no Gunter’s depois.

— Um sorvete? — A Senhorita Leavensworth arregalou os olhos — Ah, não os provei na vida, mas ouvi que são deliciosos.

— Pois assunto arrumado, iremos ao Gunter’s depois — Sentenciou e olhou Hannah. É claro, ela diria que tinham um compromisso prévio essa tarde. — Estaremos prontas às doze e meia — disse ao contrário O que certamente queria dizer que estariam prontas às treze e quarenta e cinco. — Não as entretenho mais, vou para que possam seguir com a leitura e com a carta —

disse, enquanto se despedia com um gesto da cabeça. Partiu sem dizer nada mais. Enquanto deixava a praça para trás, Con rememorou a aparência da Duquesa. Levava

um simples vestido de algodão em cor azul clara, um tom mais claro que seus olhos. Sem joias. E com o cabelo recolhido em um simples coque na nuca.

Simples e sem adornos. Estava arrebatadora. A Duquesa é claro. Quando voltou para sua porta às doze e meia em ponto, seu aspecto era o de sempre.

Nessa ocasião foi em sua carruagem, já que os três iriam mais cômodos que no tílburi e havia bastante distância até a Torre de Londres.

As duas damas estavam preparadas. Talvez se a excursão fosse para ela sozinha, a Duquesa o teria feito esperar por questão de princípios, mas não era assim, e a Senhorita Leavensworth parecia emocionada e alegre. Chegou à conclusão de que a Duquesa de Dunbarton queria muito à sua amiga.

Havia muito que ver na Torre de Londres. Não obstante, nenhuma das damas se mostrou interessada nas velhas masmorras, nem nas câmaras de tortura nem nos instrumentos de execução. De fato, a Duquesa estremeceu com o que parecia verdadeiro espanto quando um dos guardas reais os convidou a visitar a exposição.

Page 116: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

116

De modo que visitaram o zoológico e passaram muito tempo admirando os exóticos animais selvagens, em especial os leões.

— São esplêndidos — disse a Senhorita Leavensworth — Agora entendo por que dizem que são os reis da selva. E você, Hannah?

Entretanto, a Duquesa não era tão fácil de agradar. — Mas onde está a selva? — Perguntou por sua vez — Pobres criaturas. Como podem

ser reis quando estão encerrados em uma jaula? É preferível ser um humilde coelho, uma tartaruga ou uma toupeira e ser livre.

— Mas suponho que os alimentam bem — replicou a Senhorita Leavensworth — E aqui estão protegidos dos elementos. E são muito admirados.

— E é claro tal admiração compensa uma multidão de pecados — respondeu a Duquesa.

— Pois eu me alegro de tê-los visto — declarou a Senhorita Leavensworth, negando-se a aceitar as críticas de sua amiga — até agora só pude ler sobre eles nos livros e vê-los em desenhos. E os livros nunca transmitem os aromas, não é? Uf!

— vamos ver as joias da Coroa? — ele sugeriu. A Senhorita Leavensworth ficou fascinada ao vê-las. E por casualidades da vida, os parentes de seu noivo, junto com seus filhos,

apareceram cinco minutos depois deles chegarem. Houve exclamações de surpresa e deleite, e também alguns abraços, depois dos quais se produziram as apresentações. De modo que Con conheceu o Senhor e a Senhora Newcombe e Pamela e Peter, já que a Duquesa os tinha conhecido uns dias antes quando foram a sua casa para recolher a Senhorita Leavensworth a caminho aos jardins de Kew.

— Necessito um pouco de ar fresco — anunciou a Duquesa ao fim de uns minutos — Constantine prometeu me levar às ameias da Torre Branca, Babs, e agora é o momento perfeito, já que você tem pânico de alturas. Voltaremos em seguida.

— Ficaremos com Barbara enquanto você admira as vistas, Excelência — assegurou a Senhora Newcombe — Tome seu tempo. Só ficam por ver as masmorras, por insistência de nossos filhos, e não temos pressa.

A Duquesa pegou seu braço e subiram juntos até as ameias da Torre Branca, o ponto mais alto à exceção das quatro torres situadas nas esquinas.

— Esta noite? — perguntou assim que puderam afastar-se de outros. — Sim — respondeu ela — me virá muito bem. Esta noite tenho que ir a um jantar e a

uma recepção no Palácio de Saint James e seguramente será um aborrecimento. Mas já sabe que quando se recebe um convite real, não se pode recusar porque parece ruim, embora seja a Duquesa de Dunbarton. Barbara vai jantar com os Park. Pode me enviar sua carruagem às onze.

Saíram às ameias da Torre e descobriram que todas as nuvens tinham desaparecido, deixando um céu azul e um sol radiante.

Page 117: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

117

A Duquesa abriu sua sombrinha e se cobriu com ela. Nesse dia levava um chapéu, amarrado com uma fita debaixo do queixo. Menos mal, porque o vento soprava bastante forte nessa altura.

Percorreram o perímetro das ameias, admirando as diferentes vistas da cidade e da campina que se estendia além dos edifícios, e depois se detiveram para contemplar o Tâmisa.

A Duquesa jogou a sombrinha para trás e ergueu o rosto para o céu. Um dos corvos pelos que era tão famosa a Torre de Londres voava sobre eles nesse momento.

— Constantine, alguma vez pensou que seria maravilhoso voar? Estar só na imensidão, com o vento e o céu?

— A única dimensão que o homem ainda não conquistou? — replicou — Seria interessante admirar o mundo da perspectiva de um pássaro. Claro que sempre pode montar em um globo aerostático.

— Mas isso tira a liberdade — replicou Hannah — Eu quero ter asas. Mas não importa. De momento este lugar está bastante alto. Não é lindo?

Con voltou a cabeça para sorrir. Não era muito habitual escutar semelhante entusiasmo por parte da Duquesa, nem ver uma expressão tão emocionada em seu rosto. Apoiara os braços nas ameias e tinha a vista cravada no rio. Sua sombrinha estava apoiada contra a muralha.

— Talvez devesse partir para algum lugar exótico e distante — continuou ela — o Egito, a Índia, China... Alguma vez quis vê-los?

— Escapar de mim mesmo? — precisou. — Não, não de você mesmo — respondeu a Duquesa — Mas com você. É impossível

deixar sua essência para trás, vá aonde vá. É uma das primeiras coisas que me ensinou o Duque depois de nos casar. Disse-me que nunca poderia escapar da jovem que fui. Que só podia convertê-la em uma mulher em cujo corpo e mente me sentisse feliz.

E, entretanto, comportava-se como se tivesse escapado de sua infância. Negava-se inclusive a voltar para seu lar, a retornar junto às pessoas que deixara para trás quando se casara com Dunbarton.

— Quando era jovem — confessou — expus-me a ideia de me fazer ao mar. Mas ficaria ausente durante meses, inclusive anos. Não podia me separar tanto tempo de Jon.

— O irmão a quem odiava? — Não o... — Não — o interrompeu a Duquesa — Sei que não o odiava. Queria-o mais do que quis

a alguém na vida. E o odiava porque foi incapaz de mantê-lo com vida. Ele se apoiou nas ameias junto a ela. Afinal a Duquesa não era tão superficial como

parecia. Como tinha chegado a ser tão intuitiva? — Ainda tenho a impressão de que o abandonei — confessou — Quando passo um dia,

ou mais tempo, sem pensar nele. Vou a Warren Hall de vez em quando para visitá-lo. Está

Page 118: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

118

enterrado junto à capela que há na propriedade. É um lugar muito tranquilo. Alegro-me de que esteja ali. Vou falar com ele.

— E para escutá-lo? — perguntou ela. — Isso seria absurdo. — Não mais absurdo que falar com ele — indicou a Duquesa — Acredito que está vivo

em seu coração, mesmo que não pense nele de forma consciente. Acredito que sempre ocupará esse lugar. E é uma boa parte de você.

Con se inclinou mais para frente para ver o que tinham justo debaixo e depois voltou a cravar a vista no rio.

— Isto não tem sentido — comentou — Nunca falo de Jon. Por que o faço com você? — Conhecia a existência de Ainsley Park? — quis saber ela. O que estava acontecendo? Também nunca falava de Ainsley Park. Soltou um

profundo suspiro. — Sim — respondeu — Foi ideia dele... Não o de apostar nas mesas de jogo, é claro,

mas sim o de comprar um lar seguro para mulheres e crianças que ninguém mais queria. Um lugar onde pudessem trabalhar e formar-se para procurar um trabalho permanente no futuro. Estava tão entusiasmado pela ideia que havia noites que nem dormia. Queria vê-lo com seus próprios olhos. Mas morreu antes que houvesse algo tangível para ver.

Nesse momento se deu conta de que a Duquesa tinha movido a mão para colocá-la em cima da sua... E de que tirara a luva.

— Foi uma morte dolorosa? — perguntou. — Dormiu e não despertou — respondeu — Foi na noite de seu décimo sexto

aniversário. Tínhamos brincado de esconder durante umas horas de tarde e riu tanto que certamente debilitou seu coração. Quando fui apagar sua vela me disse que me queria mais que a ninguém no mundo. Disse-me que me queria muito, muito, muito. Amém. Uma tolice que sempre achava muita graça. E morreu em poucas horas.

— Sim, mas esse amor ainda perdura. Seu irmão o queria como o Duque me queria. O amor não morre com a pessoa. Apesar da dor que sofre os que seguem vivendo.

Como demônios chegaram a esse ponto? Perguntou-se Constantine. Menos mal que se achava em um lugar público, embora de momento desse a sensação

de que tinham as ameias para seu uso exclusivo. Se tivessem em um lugar particular, era muito possível que a tivesse abraçado e se pusesse a chorar em seu ombro. Uma ideia alarmante, certamente. Para não dizer humilhante.

Voltou a cabeça para olhá-la. Ela também o estava olhando, com os olhos totalmente abertos e sem sorrir, sem rastro de suas habituais máscaras. E nesse instante se deu conta de que gostava dela. Não era uma revelação transcendental... Ou não deveria sê-lo. Mas o era.

Quando a Duquesa de Dunbarton se convertera em sua amante, esperava abrigar todo tipo de sentimentos por ela. O fato de que gostar dela não era um deles.

Cobriu a mão com a sua.

Page 119: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

119

— Estou convencido de que a Senhorita Leavensworth e os parentes de seu noivo ficaram sem assunto de conversa. E também estou convencido de que as crianças estão a ponto de subir pelas paredes que protegem as joias da Coroa. Será melhor que voltemos para resgatá-los... E para levá-la a tomar seu primeiro sorvete no Gunter’s.

— Sim — concordou ela — Seria horrível chegar e descobrir que já fecharam. Babs ficaria desconsolada. Claro que nunca o admitiria. Diria-nos com um sorriso que não se importa absolutamente, que a tarde foi maravilhosa embora não tenha provado seu primeiro sorvete. É uma mártir.

Con ofereceu o braço depois que ela calçou a luva e colocou um enorme anel de diamantes, verdadeiros ou não, no indicador e recolheu sua sombrinha.

Quase era meia noite quando Hannah chegou à casa de Constantine. Sua intenção não era a de chegar tarde, entre outras coisas porque decidiu que se

acabaram os jogos com ele. Entretanto, não se podia abandonar o Palácio de Saint James antes do tempo, com a desculpa de que se tinha um encontro com o amante às onze. Muito menos se mantinha uma conversa em particular com o Rei durante dez minutos, precisamente quando o relógio marcava essa hora.

Constantine não fechara com chave. Mas abriu a porta em pessoa quando sua carruagem se deteve diante da casa. Não havia nem rastro dos criados. Provavelmente os tivesse mandado à cama.

Hannah não ofereceu explicação sobre seu atraso... Não pensava chegar tão longe. Limitou-se a jogar os braços em seu pescoço e beijá-lo, e ele a levou para a cama sem mais demora. Pouco mais de uma hora depois estavam de novo em seu gabinete.

Constantine usava uma camisa e calças, e ela, seu robe. Na mesinha auxiliar situada entre eles descansava uma bandeja com chá, pão, manteiga e queijo. Poderia acostumar-se a isso, pensou ela... A esse agradável companheirismo depois da extenuação e o prazer de fazer o amor.

Poderia acostumar-se a ele. No ano seguinte ele teria outra amante, e talvez ela também o tivesse, embora não

estava segura de querer repetir a experiência. A ideia surgiu em sua cabeça sem premeditação alguma. Haveria outra mulher sentada em seu lugar, talvez vestida com esse mesmo robe. E ele também estaria ali, olhando a essa mulher com uma expressão sonolenta, em uma postura relaxada e com o cabelo alvoroçado.

Franziu o cenho... E nesse momento sorriu. — O Rei não se esqueceu do Ainsley Park — comentou — nem de você. — Por Deus! — Exclamou ele com uma careta — Não terá ocorrido recordar-lhe, não é

verdade? — Estava se queixando do Palácio de Saint James, que diz aborrecê-lo com todas suas

forças, e perguntando se Buckingham House poderia converter-se em uma residência real

Page 120: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

120

muito mais imponente. Sugeri a Torre de Londres e mencionei que a visitara hoje mesmo com minha melhor amiga e com você, como acompanhantes.

— Prinny como amo e Senhor da Torre de Londres — murmurou ele — A ideia em si mesmo provoca suores frios. Certamente reabriria a Porta do Traidor e faria que todos seus inimigos desfilassem por ela a caminho das masmorras.

— A Inglaterra ficaria vazia — acrescentou ela — Não ficaria ninguém para levar as rédeas do governo, salvo o próprio Rei. O Parlamento seria pasto de morcegos e fantasmas. E a Torre de Londres estaria cheia, transbordando.

Os dois se puseram a rir ao pensar nisso e Hannah, que já dera boa conta de seu pão com manteiga, queijo e chá, cruzou os braços introduzindo as mãos nas mangas do robe. Nenhum dos sonhos nem dos planos que esboçara durante o inverno, incluía alegres brincadeiras e gargalhadas por um tema que se poderia considerar como traição à Coroa.

Constantine era muito bonito quando ria, mais ainda com essa expressão sonolenta. — E como passaram de falar da Torre de Londres a falar de Ainsley Park? —

perguntou. — Quando mencionei seu nome, o Rei franziu o cenho e fez expressão pensativa —

respondeu — e depois pareceu recordar quem era. Uma pena, disse-me, que não pode se converter em Conde de Merton, embora afirmasse ter muito afeto ao Conde atual. Disse-me que tinha algo importante que recordar sobre você. De fato, esteve procurando lembrar até que mencionou o nome de Ainsley Park sem necessidade de que o recordasse, estava encantado consigo mesmo, como se acabasse de achar uma ameixa no pudim de Natal. Um homem maravilhoso declarou... E se referia a você, Constantine. Que saiba que tem intenção de oferecer sua ajuda em seus projetos beneficentes e de honrá-lo pessoalmente quando considerar mais adequado.

Constantine meneou a cabeça. — Estava bêbado? — Não até o ponto de ficar ridículo — respondeu Hannah — Mas bebeu uma

quantidade alarmante diante dos meus olhos. E estou certa de que bebeu o mesmo, pode ser que mais, enquanto não o olhava.

— Nesse caso só cabe esperar que se esqueça... De novo. — Estava acabando de dizer a última frase justo quando se iluminou seu olhar ao ver

uma mulher gordinha com um vestido passado de moda e saiu correndo. Esqueceu-me por completo. Abandonou-me. Era como se eu não existisse. Que humilhante Constantine.

— O Rei sempre teve um gosto um pouco excêntrico em questão de mulheres — replicou ele — para dizê-lo delicadamente. Peculiares seria um qualificativo menos delicado. Estranhos seria a verdade. Todo mundo evitou sua existência?

— Claro que não — respondeu — Sou a Duquesa de Dunbarton. — Assim eu gosto, Duquesa — disse ele, e esses olhos muito escuros a olharam com

um sorriso.

Page 121: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

121

Foi muito desconcertante e perturbador. Porque o resto de seu rosto não sorriu. Entretanto, não tinha a sensação de que estivesse zombando dela. Tinha a sensação de que estava brincando... De que o agradava estar com ela. Gostava de Constantine?

E ele gostava dela? Gostar, não apenas desejar. — Se tivesse roubado todas as joias da Coroa esta tarde e as tivesse dado à Babs, em

vez de comprar um sorvete no Gunter’s — comentou — não teria dado nem a metade de contentamento.

— Estava contente, não é verdade? — Replicou Constantine — conheceu seu vigário? Merece-a?

— Entre outras virtudes menores — respondeu Hannah — tem um sorriso especial que reserva para ela. Um que chega justo ao coração.

Olharam-se por cima da mesa. — Acredita no amor? — perguntou — Refiro a essa classe de amor. — Sim — respondeu ele — Em outro tempo teria dito que não. É fácil ser um cínico, a

vida nos oferece muitas evidências, de que não se pode ser outra coisa e continuar sendo honesto. Mas tenho quatro primos, primos de segundo grau, que cresceram no campo, virtualmente na pobreza e, que irromperam na cena social depois da morte de Jon. Uns camponeses, nem mais nem menos, que esperava que fossem mal educados, ridículos e vulgares. Odiei-os inclusive antes de vê-los, sobretudo ao flamejante Merton. No final aconteceu que não eram nada disso, e um a um contraíram matrimônios, que deveriam ter sido um desastre. Entretanto, todas as provas apontam de que meus primos, converteram seus respectivos matrimônios em uniões por amor. Todos eles. É inegável e extraordinário.

— Inclusive a prima que se casou com o Duque de Moreland? — perguntou. — Sim — respondeu ele — inclusive Vanessa. E sim, acredito no amor. — Mas não para você? Constantine deu de ombros. — Devo trabalhar para encontrá-lo e consolidá-lo? — Perguntou por sua vez — As

experiências de meus primos parecem sugerir que é assim. Não estou certo de estar preparado para fazer o esforço necessário. Como saber que não será em vão? Se o amor chegar aos meus braços, completamente formado, me alegrarei muito. Mas não lamentarei se não aparecer. Estou contente com minha vida tal qual é.

Não obstante, Hannah teve a impressão de que Constantine parecia melancólico enquanto falava. Tinha, pensou com certa tristeza, muito amor em seu interior para oferecer à mulher adequada. Um amor que moveria montanhas ou universos.

— E você, Duquesa? Amou um homem quando era muito jovem e sofreu muito por isso. Amou Dunbarton, embora não acredito que se tratasse de um amor romântico. Acredita no tipo de amor que a Senhorita Leavensworth achou?

— Acredito que aos dezenove anos estava apaixonada pelo amor — respondeu — Entretanto, não me deram a oportunidade de descobrir que profundo, ou superficial, teria sido tal amor. Todas as coisas acontecem por um motivo, ou isso me ensinou o Duque. E eu

Page 122: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

122

estou de acordo. Talvez descobrir Colin e Dawn juntos fosse o melhor que me pode acontecer.

Que estranho, pensou. Jamais tinha considerado essa ideia antes. O que teria se passado se não tivesse descoberto a verdade até que fosse muito tarde?

Como teria sido sua vida? E o que teria acontecido se Colin não tivesse amado Dawn? Seguiria amando-o a essas alturas? Estaria contente ao seu lado? Era impossível saber.

Entretanto, percebeu-se de que já não sentia a dor de sua perda. Possivelmente a teria superado há muito tempo. A única coisa que sentia era a dor da traição e da recusa. Essa ainda perdurava.

— Mas mesmo que não contasse com o exemplo de Barbara, saberia que o verdadeiro amor existe — assegurou — Refiro a esse amor único, a essa comunhão de almas, que pouquíssimas pessoas encontram e que à maioria costuma negar. O Duque o conhecia de primeira mão e me contou sua experiência.

— Dunbarton esfregou uma antiga amante? — perguntou ele — Caso fosse antiga, claro.

— Estava há um ano de luto quando o conheci e me casei com ele — respondeu — o pior já deveria ter acontecido e talvez fosse assim. Mas nunca deixou de chorar sua perda. Nem um só instante. Foi um amor que sobreviveu mais de cinquenta anos, um amor que definiu toda sua vida. Permitiu querer a mim.

Constantine cruzou os braços e a olhou fixamente durante um bom tempo. — Apesar de tudo não se casou com ela — indicou — E a manteve tão em segredo que

não houve nem um só rumor sobre sua existência entre a alta Sociedade. — Seu amante era seu secretário pessoal — disse Hannah — e foi durante toda sua

vida de adulto. Por isso puderam estar juntos e viver sob o mesmo teto sem despertar suspeitas. Embora deviam ser muito discretos. Nem sequer os criados estavam a par da verdade, ou eram tão leais ao Duque que nunca falaram fora de casa do que sabiam. Continuam sendo.

— Dunbarton te falou disso? — Sim, antes de nos casarmos. Enquanto me explicava que não tinha motivos ocultos

para casar-se comigo salvo me afastar dali e me ensinar a ser uma Duquesa e a ser uma beleza orgulhosa e independente no pouco tempo que restava de vida. Disse-me que foi incapaz de afastar os olhos de mim durante as bodas, não porque despertasse sua luxúria, mas sim porque tinha um aspecto tão angelical que não conseguia assimilar que fosse humano. Segundo suas próprias palavras, um grupo de caipiras não tinha direito a romper o coração de um anjo... Sua história me escandalizou profundamente. Nem sequer sabia que podia existir algo como o que ele descrevia. Mas acreditei em sua bondade. Talvez fosse uma tolice... Sem dúvida alguma, eu era uma idiota. Mas às vezes é bom ser tolo. Durante os anos que estivemos juntos me falou livremente do amor de sua vida. Acredito que para ele era um consolo poder fazê-lo depois de tantos anos de segredos e silêncio. E me prometeu que algum dia acharia esse tipo de amor, embora não com alguém de meu mesmo sexo.

Page 123: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

123

— E você acreditou nele? — Acreditei na possibilidade de que isso acontecesse, embora fosse pouco provável.

Constantine, meu mundo é artificial. Inclusive eu. Sobretudo eu. Ensinou-me a ser uma Duquesa, a ser uma fortaleza inexpugnável, a ser a guardiã de meu próprio coração. Entretanto, admitiu que não podia me ensinar nem como nem quando permitir que alguém penetrasse na fortaleza, nem em que momento libertar meu coração. Disse que aconteceria sem mais.

— De fato, prometeu-me que aconteceria sem mais. Mas como vai me achar o amor na suposição de que esteja me procurando? — Sorriu.

Que conversa mais estranha para manter com seu amante! Ficou em pé e rodeou a mesa.

— Mas enquanto isso, não penso esperar sentada algo que talvez nunca aconteça. Tê-lo como amante é algo que desejava que acontecesse... Não, algo que decidi que aconteceria assim que finalizasse o ano de luto. E o que me oferece é mais que suficiente para esta primavera.

— Já tinha decidido antes de retornar a Londres que eu seria o eleito? — perguntou— Constantine, arqueando as sobrancelhas.

— Sim — respondeu — Não se sente adulado? Desatou o cinto do robe, abriu a roupa e se colocou escarranchada sobre ele na

enorme poltrona enquanto se inclinava para beijar nos lábios. — Assim Dunbarton ensinou a conseguir tudo o que quer, não? — perguntou ele ao

mesmo tempo em que deslizava o robe pelos ombros e braços, depois do que o jogou no chão.

— Sim. E consegui você. — Olhou-o nos olhos e esboçou um sorriso deslumbrante. — Como uma marionete — apostilou. — Não — meneou a cabeça — A condição era que você também o desejasse. E o

deseja. Diga-me isso. — Não posso demonstrar isso sem mais? — perguntou, e o brilho risonho voltou a

aparecer nesses olhos escuros. — Diga-me — ordenou. — Vulnerável Duquesa? — Formulou a pergunta sussurrando junto aos seus lábios,

um gesto que provocou em Hannah um calafrio — Desejo-a. Muito. Desejo-a. Muito. E passou a desabotoar as calças, a agarrá-la pelos quadris para levantá-la um pouco e a

afundar-se nela de uma só investida. Hannah sempre tinha achado que os encontros em sua cama provocavam um prazer

quase insuportável. Nessa ocasião o quase não fez ato de presença. De joelhos na poltrona, escarranchada sobre ele, fez amor com tanto desenfreio e paixão como demonstrava. Sentiu-o no mais profundo de seu ser, escutou o som de seus corpos ao unir-se, contemplou os traços afiados desse rosto tão moreno, enquanto ele apoiava a cabeça no espaldar da poltrona, com os olhos fechados e o cabelo revolto.

Page 124: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

124

Entretanto, quando a dor chegou a um ponto quase crítico durante o qual Constantine deveria tê-la segurado com força para por fim ao seu clímax, não terminou, mas sim se intensificou até tornar-se insuportável... E converter-se em uma glória tão absoluta que não haveria palavras para descrevê-la embora as tivesse procurado.

Limitou-se a gritar. E depois, trêmula e estremecida, desabou-se sobre ele, apoiou a cabeça em seu ombro

e sentiu uma irresistível necessidade de dormir. Constantine a abraçou com força enquanto recuperava o fôlego e depois saiu dela e a

pegou nos braços, cobrindo-a ao mesmo tempo com o robe, para levá-la até seu dormitório. Beijou-a antes de deixá-la na cama. — Diga que foi tão bom para você como acho que foi — disse. — Necessita adulações? — perguntou com voz sonolenta — foi bom. Constantine foi

estupendo! Escutou-o rir entre dentes. Aninhou-se na cama e já estava quase adormecida quando ele se deitou ao seu lado e

a agasalhou. Joias, pensou Hannah antes de atravessar a barreira do sono. As joias da Coroa que havia dito, em brincadeira, que roubasse para Barbara. Suas próprias joias vendidas para financiar o que desejava de todo coração. As joias meio roubadas e convertidas em dinheiro que contadas e sonantes, que

Constantine apostou para ganhar Ainsley Park. De quem eram as joias? De Jonathan? Para que as tinha vendido? Para financiar a ideia de Jonathan de criar um lar para

mães solteiras com seus filhos? Teriam perseguido Jonathan e Constantine o mesmo objetivo que ela? Não só com a venda de uma joia, mas com mais?

Tanto se pareciam Constantine e ela? Tudo acontecia por um motivo, havia dito o Duque, e ela tinha chegado a acreditar

nele. Não existiam as coincidências, tinha repetido muitas vezes. Mas ela não conseguia

acreditar nele. O amor a acharia no dia menos pensado, quando não estivesse pendente, tinha

assegurado. Não o esperava. Tinha medo de esperá-lo. Entretanto, sua mente era incapaz de lutar com o que a primeira vista pareciam tantas

coincidências seguidas. Ela dormiu logo que Constantine a abraçou e a colou ao seu corpo.

Page 125: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

125

CAPÍTULO 13 Hannah era muito consciente de que a alta Sociedade chegara há muito à conclusão de

que o novo amante da Duquesa de Dunbarton era o Senhor Constantine Huxtable. Teria chegado a tal conclusão embora não fosse verdadeira, tal como o tinha feito com muitos outros homens que o precedeu, quase todos amigos seus ou do Duque. Também era consciente que se esperava que se fartasse dele ao fim de uma semana ou duas no máximo e que o substituísse por outro.

Sua reputação não importava. De fato, esforçara-se para fomentá-la ao longo dos anos de seu matrimônio. Fazia parte do casulo em cujo interior se ocultava e nutria seu verdadeiro ser.

Na realidade, não achava que a alta Sociedade fosse por completo hostil, nem sequer as damas. Convidavam-na a todas as partes, e seus convites eram aceitos quase em sua totalidade. Nas festas que ia acolhiam em qualquer grupo que estivesse conversando e a cujo bate papo queria somar-se. De modo que foi uma surpresa receber a recusa ao seu convite a breve festa campestre que ia fazer em Copeland Manor, em primeiro lugar dos Condes de Merton, em segundo dos Barões Montford e em terceiro dos Condes de Sheringford. Os únicos membros dessa família de quem não recebeu uma negativa foram os Duques de Moreland, e talvez se devesse ao fato de que não foram convidados.

As coincidências não existem, costumava dizer o Duque. Teria que ser imbecil para atribuir essas recusas a uma coincidência.

Constantine confessara sentir carinho por seus primos. Eles pareciam corresponder aos seus sentimentos. Por isso os havia convidado, embora pensando melhor, talvez não tivesse sido uma boa ideia mesmo que tivessem aceitado. Sobretudo se tivessem aceitado. Afinal, Constantine não a estava cortejando. Eram amantes.

Page 126: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

126

Devia ser precisamente esse fato o motivo da recusa generalizada. Quase os imaginava falando em particular, com as cabeças muito juntas, decidindo que o convite padecia um terrível mau gosto. Ou que era ela quem padecia de tal mau gosto. Possivelmente temiam que corrompesse Constantine. Ou que fizesse mal a ele. Ou que o convertesse em um bobo.

Possivelmente se devesse à última opção. Entretanto, tinham-na ensinado, e o aprendera muito bem, a não dar importância ao

que outros pudessem opinar dela. Salvo no caso do Duque, claro. Possivelmente a olhara com expressão reprovadora duas ou três vezes, durante os dez anos de seu matrimônio, embora nunca levantasse a voz, e em cada uma de tais ocasiões Hannah havia sentido que o mundo se desmoronava ao seu redor. E salvo no caso da criadagem de Dunbarton House e de suas outras propriedades campestres, os criados sempre sabiam como eram de verdade seus Senhores, quem eram, e para ela era importante ganhar sua apreciação. Achava tê-lo conseguido.

E nesse momento descobria, com grande irritação, que não gostava de ser recusada por três famílias que tinham importado um nada, até que seu primo se convertera em seu amante.

O porquê de não gostar era um mistério, além do desconforto de ter que convidar outras pessoas em seu lugar.

— A terceira negativa — disse enquanto segurava no alto a nota da Condessa de Sheringford durante o café da manhã. — E agora nenhum deles virá a Copeland Manor, Babs. Faz-me sentir um pouco como se fosse uma leprosa. Acha que se deve ao meu costume de vestir sempre de branco? Dá-me um aspecto doentio?

Barbara levantou a vista com expressão distraída da carta que estava lendo. Uma carta muito longa. Devia ser do reverendo Newcombe.

— Não vai ninguém? — perguntou — Mas, Hannah, achava que já tinha recebido algumas respostas aceitando o convite.

— Nenhuma da família de Constantine — precisou — Do ramo paterno da família, refiro-me. Parecem ser os mais chegados a ele. Mas todos recusaram o convite.

— É uma lástima — comentou Barbara — Convidará outras pessoas em seu lugar? Ainda há tempo, não?

— Acreditarão de mau gosto ir a Copeland Manor porque Constantine e eu somos amantes? — perguntou-se Hannah enquanto observava carrancuda, o ofensivo pedaço de papel que tinha na mão — Sempre houve falatórios sobre meus amantes, embora não fossem verdadeiros, mas jamais me deram as costas. Nem sequer enquanto estava casada.

Barbara soltou a carta, resignada à interrupção. — Está alterada? — perguntou. — Eu nunca me altero por nada — respondeu Hannah, que soltou a carta e deu de

presente a sua amiga um sorriso abatido — Bem, um pouco, sim. Tinha muita vontade de que fossem todos.

Page 127: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

127

— Por quê? — quis saber Barbara — Por que se for levar seu amante a sua festa campestre quer que traga também sua família?

Era uma boa pergunta e ela mesma a tinha feito fazia escassos minutos. — Não parece que é um pouco como convidar a família à lua de mel? — perguntou ela

por sua vez. Ambas se puseram a rir. — Mas nos comportaríamos com suma discrição, é claro — afirmou — Por Deus! Como

não íamos fazê-lo? Você estará lá e outros muitos convidados igualmente respeitáveis. — Nesse caso, os primos de Constantine perderão uns agradáveis dias no campo —

Sentenciou Barbara ao mesmo tempo em que colocava uma mão sobre a carta — Eles perdem.

— Mas desejo que venham — Hannah replicou, consciente no último momento de que petulante tinha parecido.

De novo usara essa palavra contra a qual o Duque a advertira. Desejar algo embora não se pudesse obter.

Enfim, nem sempre pode conseguir o que deseja, esperava que dissesse Barbara antes de seguir lendo a carta de amor de seu vigário. Entretanto, sua amiga disse outra coisa.

— Hannah, não está se comportando como o modelo que quer imitar, a aristocrata cínica que desfruta de um novo amante. Está se comportando como uma mulher apaixonada.

— Como? — exclamou quase gritando. — Não parece um tanto peculiar que esteja preocupada em causar uma boa impressão

à família de seu amante? — perguntou Barbara, que de repente parecia a filha de um vigário da cabeça aos pés.

— Não me preocupa... — começou a protestar, mas se deteve — Não estou apaixonada, Babs. Grande tolice! Acha que porque você está eu também devo estar?

— Acaba de dizer que sempre houve falatórios sobre seus amantes, embora fossem falsos. Alguma vez foi verdade, Hannah? Jamais teria acreditado em você. A Hannah que eu conhecia nunca teria desonrado seus votos matrimoniais, embora as circunstâncias de seu matrimônio fossem... Incomuns.

Suspirou ao escutá-la. — Não, é claro que jamais houve um ápice de verdade nos rumores — assegurou. — Nesse caso, o Senhor Huxtable é seu primeiro amante — continuou Barbara. Era

uma afirmação, não uma pergunta — Não acredito que a Hannah que eu conhecia, ou a Hannah que agora conheço, possa assumir esse fato à ligeira. Além disso, vi vocês juntos na Torre de Londres e na sorveteria. Tem carinho por ele.

— Bem, é claro que tenho carinho — reconheceu com uma nota zangada na voz. Desde quando se permitia mostrar-se zangada? Perguntou-se. — Não poderia desprezar, desdenhar, nem me mostrar distante com meu amante,

fosse quem fosse, não parece?

Page 128: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

128

Mas por que não mostrar um pouco de distanciamento ao menos? Era o que pensava fazer a princípio.

— Não conheço quase nenhum aristocrata e conheço muito pouco o Senhor Huxtable — disse Barbara — mas descobri que gostei muito mais do que esperava, quando nos acompanhou à Torre de Londres. Deu-me a impressão de que ele também lhe tem carinho, Hannah. Embora não sei. Assusta-me tudo isto. Assusta-me que acabe ferida. Com o coração quebrado.

— Babs, nunca acabo ferida — assegurou — E nunca, jamais dos jamais, acabo com o coração quebrado.

— Eu não gostaria que acontecesse qualquer uma dessas duas coisas — replicou Barbara — Mas gosto muito menos do fato de que isso seja impossível. Porque isso significaria que não entendeu absolutamente o motivo pelo qual o Duque de Dunbarton se casou com você e a quis tanto.

Hannah cravou os olhos em sua amiga. De repente, estava gelada. E tinha medo de mover embora fosse um só músculo.

— O motivo? — perguntou em voz baixa. — Sim, ajudá-la a se recompor — respondeu Barbara — E prepará-la para o amor, para

o amor verdadeiro, quando aparecesse. Hannah, o Duque não só viu sua beleza. Disse que era um anjo, não? Percebeu sua bondade inata, e a alegria que ficou destroçada no dia que descobriu a verdade sobre Dawn e Colin. Continua sem ver que especial você é, não é verdade? O Duque sim o viu.

A figura de Barbara se tornou imprecisa de repente, momento que compreendeu que tinha os olhos coalhados de lágrimas. Ficou em pé com tanta brusquidão que esteve a ponto de derrubar a cadeira em seu afã por retirá-la.

— Vou sair — disse — Irei a casa da Condessa de Sheringford. Preferiria ir sozinha. Não se importa, não é verdade?

— Ontem só tive tempo para escrever umas poucas linhas a papai, mamãe e a Simon — comentou sua amiga — Esta manhã tenho que escrever cartas mais longas. Começo a me sentir como uma egoísta e uma ingrata.

Hannah se apressou a sair da sala. Ir à casa da Condessa do Sheringford? Para que? Tobías Pennethorne, Toby, o filho de oito anos de Sheringford e de Margaret por

adoção, tinha desenvolvido um interesse insaciável pela geografia do mundo, e Con descobriu o presente perfeito na vitrine de uma loja em Oxford Street, embora seu aniversário ficasse bastante longe.

Não importava. De qualquer forma comprou o enorme globo terrestre. E como não podia demonstrar o menor favoritismo por uma criança tendo três, à

pequena Sarah, que tinha três anos, comprou um colorido pião, e acrescentou um

Page 129: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

129

estrondoso chocalho de madeira para o caçula, Alexander, que tinha um ano. Levou seus presentes à residência do Marquês de Claverbrook, situada em Grosvenor Square, onde Margaret e Sheringford se alojavam durante suas estadias na capital.

Sherry era o neto do Marquês e seu herdeiro. Ali passou uma hora muito agradável no quarto das crianças, com a Margaret e as crianças, já que Sherry não estava em casa. Começou a ter dúvidas a respeito da idoneidade do chocalho, quando Sarah se apropriou dele e decidiu que o jogo dessa manhã consistiria em perfurar os tímpanos de todos os presentes, inclusive os mesmos. O bebê, por sua parte, parecia fascinado pelo pião, embora detivesse seu agradável movimento e zumbido cada vez que alguém o fazia virar em seu afã por agarrá-lo. Cada vez que o pião se detinha, punha-se a chorar.

Toby localizou todos os continentes, os países, os rios, os oceanos e as cidades do mundo, para não mencionar os polos, as cordilheiras, os paralelos e os meridianos, e insistiu em que tanto sua mãe como seu tio Con se aproximassem, para observar cada um de seus descobrimentos. O globo começava a assemelhar-se a um instrumento de tortura.

Em comparação, os chás que se faziam na estufa de Ainsley Park eram muito tranquilos, pensou com ironia. E dadas às circunstâncias, descobriu, como uma assombrosa revelação, que gostava das crianças.

Claro que por acaso não tinha brincado horas e horas de esconder com Jon, esse menino eterno?

Umas batidinhas na porta, que ouviram de forma milagrosa, precederam a chegada de um criado que lhes anunciou que Sua Excelência a Duquesa de Dunbarton solicitava ver Lady Sheringford e que Sua Senhoria o Marquês a tinha convidado a passar ao salão.

A Duquesa? Em Claverbrook House? Perguntou-se Con. — Ai, Deus! — Exclamou Margaret — O avô jamais recebe alguém. Isto é irritante. — Irritante? Arqueou as sobrancelhas e viu que Margaret se ruborizava e que não era capaz de

confrontar seu olhar. — Convidou-nos a passar quatro dias em sua casa de Kent — explicou ela — E

recusamos seu convite, com uma desculpa. — Por quê? Quis saber Constantine enquanto o som do chocalho se erguia em um crescendo

acompanhado pela expressão inocente de Sarah, por um alarido de protesto por parte de Alex que havia tornado a deter o pião e por um emocionado convite de Toby, para que se aproximassem para ver Madagascar.

— Não queremos deixar as crianças durante tanto tempo — disse Margaret enquanto fazia virar de novo o pião e Sarah se aproximava para ver Madagascar armada com o chocalho.

A Duquesa reagira a essa negativa apresentando-se em pessoa em Claverbrook House? Certamente não tolerava bem a recusa. Embora não era algo que experimentasse frequentemente.

Page 130: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

130

Conseguiria ganhar Margaret? Era esse o motivo de sua visita? Sarah estava fazendo virar o globo terrestre sob o atento olhar de Toby e o bebê tinha

encontrado outro brinquedo potencial pelo que caminhava desviando-se dos móveis, já esquecido a manha de criança... E o pião.

— Constantine — disse Margaret, que por fim o olhou nos olhos — não podemos viver sua vida por você, nem sequer desejamos fazê-lo. Mas podemos nos negar a aceitar sua relação com uma mulher que é uma desumana... Depredadora.

Con levou as mãos às costas e entrelaçou os dedos. — São umas palavras muito duras — disse. — Sim — reconheceu ela — são. — Lembra uma época em que diziam coisas assim duras sobre Sherry — replicou — e

que isso não a impediu que se relacionasse com ele, que se comprometesse com ele e que acabasse sendo sua esposa.

— Isso foi diferente — protestou Margaret — Não era culpado de nenhuma das acusações que se verteram em contra ele.

— Talvez a Duquesa de Dunbarton tampouco o seja — indicou Con — Culpada das acusações que se verteram contra ela, refiro-me.

— Não me venha com essas! — exclamou ela. Con percebeu que estava a ponto de perder o controle. Afastou o olhar de Margaret. O

bebê pegou um dos livros de Toby e estava disposto a comê-lo Assim atravessou a sala a toda pressa, resgatou o livro e evitou o iminente desastre, colocando Alex sobre os ombros.

— Deve estar preso dela se pensar assim — comentou Margaret — E vejo que temos motivos para nos preocupar.

— Temos — repetiu, recalcando o uso do plural — Os outros também receberam convites?

— Nessie e Elliott não — respondeu Margaret — Mas os outros sim. — Vou ver se adivinho, também recusaram seus respectivos convites? Margaret teve o bom tino de voltar a afastar a vista. — Sim — respondeu. Alex estava puxando o cabelo enquanto gritava de alegria. — Vamos deixar um par de coisas claras — disse enquanto escapava das mãos do bebê

e o deixava junto a uma caixa que continha blocos de madeira — Monty era o maior descarado da Inglaterra. Afirmo-o porquê sei de primeira mão. Katherine se casou com ele. Já comentamos o caso de Sherry. Casou-se com ele. Cassandra a acusavam de ter assassinado seu primeiro marido... Com um machado, embora na realidade Paget morreu com um tiro, não com a cabeça cortada. Stephen se casou com ela. E agora acredita com convicção em tudo que foi dito da Duquesa de Dunbarton, mesmo que não tenha nenhuma só prova que o demonstre?

— Como sabe que não temos provas? — perguntou Margaret por sua vez.

Page 131: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

131

— Porque não há prova alguma — respondeu — Amava o Duque de Dunbarton embora não fosse um amor romântico. Foi fiel aos seus votos matrimoniais até o dia da morte de seu marido, e continuou sendo fiel durante o ano de luto. Sei Margaret, porque eu tenho a prova.

A fúria o fez falar de forma irrefletida. Margaret mordeu o lábio superior. — Ai, Constantine! — exclamou — Afeiçoou-se a ela. Precisamente é isso o que

temíamos. Mas... Tem certeza de que não caiu em suas redes? — Con não respondeu nem tampouco afastou o olhar de sua prima. — Tem a prova.

Margaret fechou os olhos e quando os abriu tinha recuperado a compostura. Voltava a estar serena e à altura da situação. A irmã mais velha que tinha criado virtualmente sozinha seus irmãos e que fez um magnífico trabalho com todos eles antes de procurar sua felicidade.

— Será melhor que eu desça para vê-la — disse — Ai, Meu Deus! O avô a terá comido a estas alturas. É o tipo de mulher superficial que o tira do sério. Isso também é uma ilusão? Sua frivolidade?

— Prefiro deixar que seja você quem faça certas descobertas — respondeu ele. Margaret puxou o cordão da campainha do serviço e a babá apareceu imediatamente. Toby pediu que se aproximasse para ver a Índia, Sarah levantou o chocalho e o agitou

com um floreio e Alex começou a golpear dois blocos de madeira entre si enquanto ria. Con saiu do quarto infantil com Margaret. Esteve a ponto de partir, mas não pôde

resistir a tentação de ver Hannah enfrentando um dos aristocratas mais ásperos e resmungões de toda a Inglaterra. Além de um ermitão.

Esperava que não a tivesse comido viva. Embora apostasse por ela. Que fazia exatamente nesse lugar? Perguntou-se Hannah uma vez que o criado a

convidou a passar a Claverbrook House e viu como um velho mordomo afastava seu subordinado virtualmente com uma cotovelada no abdômen ao escutar seu nome.

Saudou-a com uma reverência... Que suscitou um rangido. Uma tolice levar espartilho nessa idade, que seria compreendida entre os setenta e os cem.

Para que fora? Para rebaixar-se? Para exigir uma explicação? Para tratar de convencer a Lady Sheringford de que trocasse de opinião?

Não a fizeram esperar muito. O criado que evitara por um fio de cabelo a cotovelada no abdômen subiu para comprovar se Lady Sheringford se achava em casa, e realizou seu encargo com grande agilidade. Apareceu ao fim de uns instantes para informar ao mordomo em voz baixa de que Sua Excelência devia esperar no salão.

Hannah seguiu o mordomo a uma velocidade que se assemelharia a de uma tartaruga reumática. Alegrou-se de ter colocado a armadura completa composta por um vestido de musselina branca, uma jaquetinha branca e um chapéu também branco. Inclusive levava alguns de seus diamantes autênticos nas orelhas e nos dedos. Tudo fazia parte da fachada

Page 132: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

132

atrás da qual se ocultava. Embora se seu objetivo fosse o de impressionar a Condessa, talvez devesse ter escolhido um traje mais simples e inclusive mais colorido.

Já era tarde para ter semelhantes pensamentos. O salão só tinha um ocupante, conforme comprovou quando a convidaram a passar depois que o mordomo a anunciasse com sua voz solene e pomposa como se dirigisse a uma numerosa audiência. O ocupante em questão não era a Condessa de Sheringford.

— Sim, sim, Forbes — disse com impaciência o velho Cavalheiro que ocupava uma poltrona próxima à lareira — já sei quem é. Disse-me isso Bindle. Onde está?

Hannah procurava ter sua famosa dignidade e se envolveu com ela a fim de estar preparada para seu encontro com a Condessa. Entretanto, abandonou-a assim que escutou a voz, já que se apressou a atravessar a sala para plantar-se diante da poltrona do Marquês de Claverbrook.

Uma vez ali, estendeu ambas as mãos enluvadas e esboçou um sorriso carinhoso. — Aqui estou — disse — E aqui está o Senhor. Devem ter passado anos. O Marquês foi um dos amigos de Duque. Hannah o vira em algumas ocasiões antes que o ancião se encerrasse em sua casa

depois do enorme escândalo protagonizado por seu neto. Após isso o Marquês se convertera em um recluso que nem saía, nem recebia visitas. Sempre foi um homem áspero e impaciente, mas nunca com ela. Porque cada vez que a olhava e conversava com ela, o fazia com um brilho alegre nos olhos. Hannah sempre acreditara que a apreciava. Da mesma forma que ela apreciava a ele.

O Marquês afastou as mãos do cabo de prata de sua bengala e aceitou as suas. Hannah se percebeu que tinha os dedos rígidos e dobrados. Deu um afetuoso aperto

com muito cuidado para não fazer mal. Evitou inclusive roçá-lo com os anéis. — Hannah — disse ele — aqui está sim. Mais bonita inclusive que quando era uma

menina e o velho Dunbarton a achou em algum lugar perdido da mão de Deus e se casou com você. Esse velho vagabundo. Nenhuma outra mulher conseguiu interessá-lo em sua vida, até que você apareceu quando já mal podia andar.

— Algumas coisas são obra do destino — replicou ela. O Marquês resmungou enquanto dava um aperto em suas mãos. — Suponho que se casou com ele por seu dinheiro. Que por certo tinha a cestas. — E também porque era um Duque e assim eu me convertia em Duquesa —

acrescentou ela — Que não se esqueça. — Nesse caso suponho que eu não teria a menor oportunidade mesmo se a tivesse

visto antes — comentou o ancião — Só sou um Marquês. — E seguramente não tão rico como o Duque — acrescentou com um sorriso. O Marquês tinha pouco cabelo e o pouco que ficava era branco. Ao contrário de suas

sobrancelhas, que embora brancas eram muito grossas. Tinha o cenho permanentemente franzido, uns olhos que pareciam dispostos a fulminar a qualquer e o nariz aquilino. Seu aspecto era o típico de um ancião ranzinza.

Page 133: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

133

— Amei-o muito — reconheceu — E ainda choro por ele. Se pudesse conhecer meus avós, teria gostado que fossem como meu Duque. Mas como não tinha nenhum e tive a imensa sorte de conhecer meu Duque, casei-me com ele.

O Marquês resmungou algo de novo. — E com certeza o fez dançar ao som que tocava durante seus últimos anos, não é

verdade, Hannah? — É claro que sim! — reconheceu — Embora se negasse a seguir dançando depois de

completar os setenta e oito, uma decisão muito pouco alegre de sua parte. Entretanto, todos os dias achávamos algo de que nos rir. A risada é o melhor remédio, sabe?

— Hum! — Resmungou outra vez o ancião — De qualquer forma morreu no final. — Conforme me disseram, seu remédio chegou pelas mãos de sua neta por lei — ela

comentou — me disseram que não consente nenhuma tolice e que se converteu em sua pessoa preferida. Além disso, sei de boa fonte que adora seus bisnetos e me disseram que se alojam aqui durante a temporada social. Grande ermitão parece! Eu diria que isso é fazer embustes.

— Hannah lembro que era uma coisinha tímida quando Dunbarton se casou com você — respondeu o Marquês — Desde quanto é tão desembaraçada?

— Desde que me casei com ele — respondeu — me ensinou que as pessoas como o Senhor são só gatinhos fingindo ser leões.

O comentário arrancou uma gargalhada do Marquês e Hannah o olhou com expressão maliciosa.

— Dunbarton era um tipo estupendo em sua juventude — afirmou o ancião — Falou daquela época alguma vez? Ele sim não era um gatinho, Hannah. Walsh, que há muito nos deixou, cruzou o rosto com uma luva numa manhã no meio da sala de leitura do White’s e o desafiou a duelo por tê-lo feito um corno com sua esposa. Se encontraram em algum páramo ermo, não recordo o lugar com exatidão. Coisas da velhice... Mas lembro que estive lá. A mão de Walsh tremia como se fosse uma folha no meio de um vendaval, e errou o tiro pelo menos em um quilômetro.

— Dunbarton o apontou com mão firme e levou seu tempo, mas no último instante dobrou o braço e disparou para o ar. Teria sido uma completa decepção se não fosse pela elegância do momento. O pobre Walsh se manteve dois ou três anos oculto no campo com o rabo entre as pernas. Teria gostado mais que Dunbarton atravessasse um ombro com uma bala ou que voasse a parte superior de uma orelha. E poderia tê-lo feito, bem sabe Deus. Tinha uma pontaria endemoniada.

— Era muito compassivo para disparar no pobre homem — ela indicou. — Compassivo? — O Marquês estava muito animado a essas alturas da conversa —se

decantou pela solução mais cruel de todas, Hannah. Demonstrou o desprezo que sentia por Walsh. Humilhou-o. Inclusive sugeriu que o cirurgião o deitasse sobre a relva e administrasse alguns sais para reanimá-lo. Foi um magnífico espetáculo. Além disso, todos nós sabíamos que quem desfrutava dos favores de Lady Walsh era Jackman, não Dunbarton. Certamente

Page 134: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

134

que o próprio Walsh sabia, mas Jackman era um homem baixinho e magricela, e desafiá-lo a duelo cruzando a rosto com uma luva o teria convertido em um bobo. Assim esperou até que Dunbarton dançou uma noite com sua esposa e na manhã seguinte fez o numerozinho no White’s Suponho que teria vontade de morrer. Ou que tinha uma pedra por cérebro. Possivelmente se devesse ao último.

Hannah seguiu olhando-o com um sorriso. — Ah, que tempos aqueles! — Exclamou o Marquês com um suspiro — Dunbarton era

um homem dos pés à cabeça. O próprio demônio. Todas as jovenzinhas o queriam, e não porque fosse um Duque e possuísse uma fortuna descomunal, asseguro. Mas ele não queria saber nada de nenhuma. Deveria tê-lo conhecido naquele tempo...

— Parece-me que meus pais nem sequer se conheciam... — replicou ela. E o Marquês estalou de novo em gargalhadas. — Mas no final o pescou — disse — Domesticou-o, Hannah. Estava caidinho por você. — Sim — ela reconheceu — é verdade. A partir dos oitenta se esquecem as boas

maneiras além da convocação dos antigos. Não vai me convidar a me sentar nem a tomar uma xícara de chá?

O Marquês voltou a dar um aperto nas mãos. — Pode se sentar aonde quiser — respondeu — mas se quiser chá, é melhor que antes

puxe o cordão da campainha. Se tiver que esperar que eu chegue até ali, em vez do chá trarão o almoço.

— Já ordenei que tragam o chá, avô — disse uma voz da porta. Lady Sheringford entrou no salão. Constantine estava no vão da porta. Hannah não sabia há quanto tempo estavam ali. Sentou-se em um sofá. — Sinto muito tê-la feito esperar, Excelência. Desculpou-se Lady Sheringford, dirigindo-se a ela, — Estava ocupada com as crianças no quarto infantil. — Precisamente as crianças são o motivo de minha visita — assegurou Hannah —

Tenho a impressão de que não fui bastante específica ao redigir o convite que enviei há uns dias. Seus filhos estão incluídos. Assim como os do resto dos convidados. Nada mais longe de minha intenção de separar os pais de seus filhos, embora só seja durante quatro dias. Copeland Manor tem uma extensa galeria em uma das plantas superiores, que estou certa que foi desenhada para o uso das crianças durante os dias chuvosos. Além disso, há os prados, os bosques e o lago, um paraíso para as crianças se não chover. Vários de meus vizinhos também têm filhos para quem seria uma maravilha poder brincar com outras crianças. Estou a um tempo ocupada planejando uma festa infantil. Será divertidíssimo. Não estou suplicando que reconsidere sua resposta. Talvez tenha outros compromissos prévios para esses dias, que não se sente livre de cancelar. Entretanto, se sua preocupação se deve exclusivamente às crianças, por favor, reconsidere-o.

Page 135: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

135

— Copeland Manor — disse o Marquês — Não recordo essa propriedade, Hannah. — Fica em Kent — indicou ela — o Duque me comprou para que tivesse um lar próprio

quando ele não estivesse. — É muito amável — disse Lady Sheringford — Importa-se que fale com meu marido? — E possivelmente também com Katherine e Monty, e com Stephen e Cassandra —

atravessou Constantine ao mesmo tempo em que entrava na sala e se sentava em uma poltrona não muito longe de Hannah — Acaba de me dizer que eles também aborrecem a ideia de separar-se das crianças.

— Farei-o — assegurou a Condessa — Avô, conhece Constantine, não é verdade? — Constantine Huxtable? — Precisou o Marquês — o neto de Merton? Conheci seu

avô. Um bom homem. Embora ele não dissesse o mesmo de seu filho. Seu pai, suponho. Não se parece com ele, o que é uma sorte. Deve ter saído a sua mãe. Grega, não é verdade? A filha de um Embaixador?

— Sim, Senhor — respondeu Constantine. — Estive na Grécia quando era jovem — Seguiu o Marquês — E na Itália e em todos

esses lugares que se supunha que os jovens deviam ir antes que as guerras danificassem tudo. O Grand Tour pela Europa, como o chamávamos. Eu gostei muito do Parthenon. Não recordo muitos detalhes, salvo a imensidão do mar azul. E o vinho, claro. E as mulheres, embora evite o assunto em presença das damas.

A conversa se prolongou de forma amigável durante meia hora, até que Hannah se levantou para partir.

— Tem que vir me ver outra vez, Hannah — disse o Marquês — Ver seu precioso rosto me alegra o coração. E não deixe que esse velho tolo que tenho por mordomo lhe diga que não estou em casa.

— Se alguma vez ocorrer semelhante disparate — replicou ela enquanto se aproximava para tomar uma mão entre as suas — darei um empurrão para penetrar, subirei correndo as escadas e aparecerei sem me anunciar. E depois, quando partir, poderá dar um bom sermão e ameaçá-lo com a demissão.

— Não se iria — assegurou o ancião — tentei que se aposente oferecendo uma generosa pensão e uma casa onde viver. Tentou Duncan. Tentou Margaret. Despedi-lo não serviria de nada. Nega-se a ser despedido.

— Cuidar e proteger sua casa de qualquer invasão é o que o mantém ativo e com vontade de viver, avô — aduziu Lady Sheringford — Excelência, agradeço muito que tenha vindo nos ver. Enviarei uma resposta definitiva amanhã a primeira hora se puder. Todos o faremos.

Hannah se inclinou sobre a poltrona que ocupava o Marquês do Claverbrook e o beijou na face, depois do que se endireitou e soltou a mão.

— Obrigada — disse a Lady Sheringford. — Duquesa, irei acompanhá-la em casa, se me permitir — ofereceu Constantine —

Embora tenha vindo a pé.

Page 136: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

136

O que ele estava fazendo ali? Perguntou-se Hannah. A Condessa acabava de abandonar o quarto infantil. Constantine esteva também com

elas? Com as crianças? — Obrigada, eu também — disse, e o precedeu para abandonar o salão. Uma vez na rua, pegou seu braço e caminharam um momento em silêncio. A manhã foi estranha, pensou. Ainda não tinha muito claro o motivo de sua visita a Claverbrook House. Mas foi

estupendo voltar a ver o Marquês. Um dos contemporâneos do Duque. — O Marquês me falou sobre um duelo no qual o Duque participou há uma batelada

de anos — disse afinal — pela honra da esposa de outro homem que o acusava de ter cometido adultério. Engraçado, não é? O Marquês me assegurou que meu Duque era o próprio demônio naquele tempo...

— Mas acrescentou que o domesticou — replicou Constantine — Escutei. — Isso também é engraçado — comentou ela — Quando decidi fazê-lo meu amante,

disse-me que ia domesticar o demônio. Ignorava que já o tinha feito... Com outro homem. E se pôs a rir. — Também me domesticou? — quis saber ele. — Caramba, Constantine! — exclamou — o mais exasperante de tudo isto é que no

final resultou que não é um demônio. Assim não posso domesticar algo que não existe. Voltou a cabeça para sorrir. — Desiludi você? Tinha-o feito? Perguntou-se. A vida seria muito mais fácil, imensamente mais fácil, tal como tinha planejado que

fosse, se na realidade fosse o demônio cruel, perigoso e sensual por quem o tomara. Dessa maneira se teria encontrado com o desafio que representava uma luta de engenhos, uma conquista e o desfrute em geral. Dessa forma, deixá-lo e esquecê-lo quando chegasse o verão teria sido o mais fácil do mundo.

Mas a tinha desiludido? Ou tinha encontrado outras provocações inesperadas? A provocação de conquistá-lo, afinal. E a provocação de conquistar-se a si mesma, à pessoa em que até esse momento acreditava ter-se convertido.

Já não estava segura de quem era. Não era a jovenzinha que uma vez foi, isso com certeza. Essa jovenzinha desapareceu há muito. Mas tampouco era a mulher em que acreditava ter se convertido. E descobriu a vida pertencente a essa mulher assim que começara a viver a sós. Não era tão dura como devia ser essa mulher. Nem tampouco estava tão segura de seu destino nem da rota exata que devia tomar para alcançá-lo. Entretanto, o Duque não ensinara nem a ser dura nem a estar segura além de toda dúvida. Ensinara a querer-se a si mesma, a fazer-se responsável por sua vida, a ser imune às invejas e aos falatórios que certamente a seguiriam aonde fosse.

A esperar a esse homem que daria significado a sua vida. Era Constantine esse homem?

Page 137: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

137

Entretanto, sua mente se deteve, consternada, com o rumo de seus pensamentos. Pelo amor de Deus! Depois de onze anos seguia sem desenvolver o instinto de

sobrevivência? Claro que Constantine não era o demônio. Dava a impressão de ter a cabeça feita uma confusão. — Isso é um sim? — perguntou Constantine a fim de obter uma resposta. À pergunta de que se sentia desiludida. — Absolutamente — respondeu — prometi-me o melhor amante da Inglaterra e não

tenho motivos para pensar que não o encontrei. Durante este ano, ao menos. — Bem dito, Duquesa — a elogiou enquanto a olhava com uma expressão risonha

embora o resto de seu rosto permanecesse em repouso. Não era um gesto zombeteiro, decidiu, era mais... Afetuoso? Ora! Exclamou. Afetuoso? Uma vez mais, assaltou a sensação de ter a cabeça feita uma confusão. — Diga-me, o que é tudo isso de festa infantil em Copeland Manor? — Ouviu-o

perguntar. Ah, sim! A festa infantil. Um plano fruto da improvisação que devia se tornar realidade. Ela nunca recorria ao improviso. Jamais fazia algo de forma impulsiva. Salvo visitar a Condessa de Sheringford. E se assegurar de organizar uma festa infantil

em Copeland Manor. Constantine soltou uma leve gargalhada. — Duquesa — disse — tomara que pudesse ver o rosto que pôs. — Será a melhor festa da história — replicou ela com altivez. E Constantine riu de novo.

Page 138: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

138

CAPÍTULO 14 Hannah partiu para Copeland Manor com Barbara três dias antes que começassem a

chegar os convidados à festa campestre. Embora sua presença não fosse necessária, é claro. A governanta era uma mulher muito competente que tinha um férreo controle sobre a criadagem e o manejo da casa. Claro que contava com a vantagem de ser uma pessoa muito agradável e querida por todos os criados.

Enquanto perambulava nervosa pela casa durante esses três dias, Hannah era muito consciente de que certamente estaria incomodando todo mundo e pondo-os nervosos. Na realidade, foi muito irritante descobrir que sua casa funcionava tão bem, mesmo com a pressão de uma festa campestre iminente, que sua presença não era necessária. Em alguns momentos tinha a impressão de que seria feliz se achasse um pedacinho de chão para poder esfregar.

Grande surpresa levaria a alta Sociedade, e quantas risadas daria às suas costas, se soubesse que a Duquesa de Dunbarton estava nervosa.

E emocionada. O Duque a presenteara com Copeland Manor quando já era muito mais velha. Tinham

passado algumas temporadas na propriedade. Inclusive convidado alguns vizinhos para tomar o chá. Hannah também recebera convidados durante o ano de luto que passou ali, mas não foi algo frequente nem tampouco foram ocasiões formais.

Naquele tempo estava muito triste e muito contente em passar quase todo o tempo sozinha. Essa ia ser sua primeira festa campestre em Copeland Manor.

Queria que tudo fosse perfeito. Invejava a tranquila e alegre atitude de Barbara, embora também a irritasse um pouco.

Juntas passearam pelo exterior e também pelo interior durante o terceiro e chuvoso dia, o último antes que chegassem os convidados. Sua amiga passava horas e horas bordando, lendo ou escrevendo.

— E se chover amanhã? — perguntou Hannah enquanto passeavam pela galeria nesse último dia.

A chuva golpeava os vidros das janelas de ambos os lados da galeria. — Pois todo mundo se apressará a entrar em casa assim que descer das carruagens —

respondeu Barbara com muito bom senso — É impossível que chova tanto que os caminhos fiquem impraticáveis.

— Mas quero que todos vejam Copeland Manor em todo seu esplendor — replicou Hannah.

— Nesse caso levarão uma agradável surpresa quando o sol brilhar no dia seguinte de sua chegada — respondeu Barbara — Ou no seguinte.

Page 139: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

139

— E se chover todos os dias? — insistiu. Barbara voltou a cabeça para olhá-la com atenção e pegou seu braço. — Hannah, Copeland Manor é um lugar lindo em qualquer circunstância. Você é linda

em qualquer circunstância. É bonita, simpática e inteligente. Certamente a esta altura já organizou infinidade de festas.

— Mas nunca aqui— disse — Babs, como será ter crianças em Copeland Manor? Nunca fiz festas com crianças.

— Serão maravilhosas — assegurou Barbara — E em última instância será responsabilidade de seus pais, não sua.

— Mas a festa... — resmungou em voz baixa — Nunca na a vida organizei uma festa infantil.

— Mas foi a um bom número delas quando éramos meninas — recordou sua amiga, e não pela primeira vez — E eu estive a cargo de algumas enquanto meu pai continuava sendo o vigário, quando minha mãe não se achava bem para organizar. Fez preparativos de sobra para mantê-los a todos ocupados e entretidos em cada minuto da festa.

— Tenho a cabeça confusa — disse. Barbara a conduziu a um banco que estava situado perto de uma das janelas, obrigou a

sentar, acomodou-se a seu lado e pegou a mão. — Lamento vê-la tão nervosa, Hannah — assegurou — Mas não sei, embora pareça

estranho, também me alegra vê-la assim. Acredito que estou presenciando como se converte na pessoa que sempre devia ser. Nos dias que passaram desde que cheguei a Londres tem melhor cor de rosto, brilham os olhos e sua expressão é alegre. Vai celebrar uma festa a que virão famílias, não um grupo de aristocratas privilegiados, e quebrou a cabeça procurando a forma de entreter a todos e fazer que estejam contentes. E acredito que...

Hannah arqueou as sobrancelhas. Barbara suspirou. — Não deveria dizer — acrescentou sua amiga — Vai se zangar. Nem sequer estou

certa de querer dizê-lo. Acredito que está se apaixonando. Ou que já fez isso. Hannah afastou as mãos na hora. — Tolices! — Exclamou com secura — Olhe Babs! Enquanto estávamos sentadas,

descampou. E olhe, o sol brilha por trás das nuvens. Amanhã vai brilhar o sol e a relva, as árvores e as flores brilharão, e tudo parecerá mais fresco graças à chuva — ficou em pé e se aproximou da janela.

Estava tentada a passar por cima do que Barbara havia dito a respeito das mudanças que tinha experimentado, mas nesse momento recordou que o Duque sempre quis que chegasse ao ponto no qual por fim poderia revelar sua verdadeira personalidade. E ser ela mesma.

Por fim se atrevia a ser a pessoa que o Duque queria que fosse, ainda um pouco nervosa e insegura de si mesma, mas disposta e ansiosa por achar a vida e a alegria em vez de proteger-se atrás da máscara de Duquesa.

Page 140: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

140

Por fim se estava convertendo na pessoa que ela escolhia ser. — Babs, o que ponho amanhã? — perguntou — me refiro à cor. Branco? Ou algo

mais... Colorido? E por que perguntava? Era algo que devia decidir por si mesma. Era algo que estava debatendo há três dias,

ou talvez mais. Como se o rumo do mundo dependesse dela tomar a decisão correta. Pôs-se a rir. — Não é preciso que me responda — disse — o decidirei eu. O que vai por você? Um

de seus vestidos novos? — Quero que Simon seja o primeiro a me ver com eles — respondeu Barbara com um

tom sonhador — Embora esteja certa de que deveria estreá-los aqui, rodeada de tantos convidados ilustres.

— Seu vigário deve ser o primeiro a vê-los — Sentenciou Hannah, voltando-se para olhar para sua amiga com carinho — Tem uns vestidos muito bonitos além dos novos.

Não ia pensar no que Barbara acabava de dizer, decidiu. Negava-se a pensar nisso. Tinha passado três dias e três noites desde a última vez que vira Constantine. E sabia

que embora quisesse que tudo fosse perfeito para os convidados, que vissem Copeland Manor em todo seu esplendor quando chegassem no dia seguinte, também queria que tudo fosse um pouquinho mais perfeito para ele.

A perfeição não podia se aperfeiçoar. Mas isso era o que ela queria. Para ele. Não se atreveu a analisar os motivos. — Morro de fome — disse — vamos tomar um chá. Copeland Manor se achava a vários quilômetros ao norte de Tunbridge Wells, em Kent.

A carruagem atravessou campinas, pomares, campos de cereais e pastagens com seus rebanhos.

Con se fixou mais do que o costume na paisagem enquanto viajava com Stephen e Cassandra. Embora devesse ter deixado o bebê com sua babá, que viajava em outra carruagem, parecia-lhes muito pequeno e valioso para estar afastados dele, salvo quando era estritamente necessário.

Stephen o levou nos braços grande parte do caminho enquanto falava como se fosse um adulto em miniatura. O bebê o olhava com expressão solene, até que seus olhos fecharem e ele adormecer. Cassandra o agasalhou com a manta, colocou bem o gorrinho e olhou para Stephen com um sorriso.

A situação era um pouco desconcertante. Não porque fosse testemunha das evidentes e embaraçosas manifestações de afeto entre marido e mulher, mas talvez porque não as vivenciasse.

Page 141: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

141

Stephen e Cassandra se sentiam comodíssimos um com o outro, e saltava à vista que o pequeno Jonathan era todo seu mundo. A cena era incrivelmente... Doméstica.

E Stephen, segundo seus cálculos, teria uns vinte e seis anos. Era nove anos mais novo que ele.

Assaltou-o uma vaga sensação de inquietação. E de inveja. Deveria meditar a sério o assunto de procurar uma mulher adequada com quem se

casar. Talvez no ano seguinte. Esse ano estava muito enredado com a Duquesa. Mas se queria ter filhos, nesse ano, talvez pela primeira vez, sentia um ligeiro interesse por ter filhos próprios, seria melhor que começasse com sua família antes de completar os quarenta anos.

Já era mais velho do que gostaria. Distraiu-se com um pouco de conversa e com uma leitura mais exaustiva do último

informe sobre Ainsley Park que Harvey Wexford tinha enviado e que só pode olhar durante o café da manhã.

Um dos cordeiros tinha morrido, já tinha nascido muito fraco. Os outros cresciam com normalidade. Assim como os bezerros, salvo por dois que tinham nascido mortos. Haveria uma boa colheita, já que fez calor durante um mês e a chuva apareceu quando era necessária, embora viria bem que chovesse um pouco mais nesse momento.

Roseann Thirgood, a professora que em outra época trabalhou em um bordel londrino, comprara alguns livros novos para a sala de aula já que vários de seus alunos, tanto crianças como adultos, podiam ler quase de cor os textos elementares, que compraram no ano anterior. A Kevin Hurdle, tiraram um molar estragado e depois disso perambulava pela casa e pela granja com um enorme lenço que cobria o queixo e amarrara na cabeça, e que começava a amarelar.

Dotty, a filha pequena de Winifred Baker, tinha percorrido todo o caminho do galinheiro à cozinha dando saltos, com a cesta dos ovos na mão, e disso resultou que o chão da cozinha que Betty Ulmer acabava de esfregar, ficara cheio de gema e clara de ovo, e a cesta ficou para jogar fora. Uma raposa estava realizando visitas noturnas à granja, embora de momento tivesse que partir com a fome que chegou. Um dos cavalos de tiro começara a coxear, mas tinham encontrado e extraído o ditoso espinho debaixo de sua ferradura, de modo que o animal estava se recuperando. Winford Jones e sua flamejante esposa agradeciam enormemente o presente de bodas que o Senhor Huxtable lhes enviara, em um pacote à parte a última vez que escreveu.

Fechou os olhos e, assim como o bebê, dormiu um momento. E pouco depois chegaram. A carruagem tomou uma curva pronunciada e passou entre

os pilares de pedra da entrada, fazendo que todos despertassem, ou isso acreditou, com exceção de Stephen, que segurava seu filho com grande concentração, enquanto mantinha o ombro quieto para que a face direita de Cassandra descansasse sobre ele.

A carruagem prosseguiu por uma avenida muito reta, flanqueada por olmos, que se alinhavam como soldados em um desfile. O caminho transcorria plano um bom tempo antes de subir ligeiramente pela saia de uma colina em cujo topo se erguia a casa de pedra cinza.

Page 142: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

142

Uma casa, uma Mansão... Poderia chamar-se das duas maneiras. Era mais ou menos do mesmo tamanho que Ainsley Park, de planta quadrada, com um

pórtico no centro da fachada e um terraço delimitado por uma balaustrada de pedra esculpida. As janelas altas e estreitas foram minguando de tamanho conforme subia do primeiro ao segundo andar e do segundo ao terceiro. Era uma bonita e curiosa mescla dos estilos jacobino e georgiano. As paredes estavam cobertas de hera.

Os terrenos da propriedade se estendiam da casa em todas as direções. Prados, terrenos semeados e arvoredos cheios. Ao longe se via o brilho da água. De momento a avenida de entrada, com seus olmos, era o único toque formal que se apreciava em Copeland Manor.

Gostava do que via. — É tudo lindo! — Exclamou Cassandra — Parece um lugar muito tranquilo. — O paraíso para um menino — comentou Stephen — Agora entendo ao que se

referia a Duquesa quando o disse à Meg. Também é o paraíso para um adulto. Embora goste muito de Londres, agrada-me escapar ao campo de vez em quando. Esta festa campestre foi uma genialidade por parte da Duquesa. Não parece Con?

— Certamente. O ar cheira a limpo — ele comentou — embora levemos as janelas fechadas.

A avenida terminava em um pátio quadrado com cascalho situado aos pés da ampla escadaria e das impressionantes colunas.

A Senhorita Leavensworth estava no prado que se estendia de um lado do pátio, com os Park e os Newcombe, a quem Con conhecera na Torre de Londres.

Katherine e Monty se achavam do outro lado do pátio, com o pequeno Hal sentado nos ombros de seu pai.

Sherry estava a pouca distância deles, segurando as mãos de Alex por cima de sua cabeça enquanto o menino dava uns passinhos pela relva com o destino incerto. Margaret e algumas pessoas a quem não conhecia, não, uma delas era sua filha, Sarah passeavam rumo a água. Toby, o filho maior de Margaret e Sherry, estava trepado em uma árvore com um menino maior, o filho dos Newcombe.

Seu grupo era, supôs, o último a chegar. Hannah se achava no meio da escadaria. Levava um vestido amarelo. E um penteado

que parecia a ponto de desfazer-se a qualquer momento... Embora apostasse o que fosse que os cachos ficariam em seu lugar. E também tinha um sorriso deslumbrante, as faces rosadas e os olhos reluzentes.

Tomou uma repentina baforada de ar e desejou que ninguém se desse conta. Estava há três dias sem vê-la. Partira para o campo com antecedência para se assegurar de que tudo estava preparado para seus convidados. Entretanto, tinha a sensação de que tinha passado três semanas.

Parecia uma jovem. Não, uma dama muito jovem recém-saída para mundo e cheia de otimismo, esperança e alegria.

Page 143: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

143

Viu-a descer ao pátio enquanto o cocheiro abria a portinhola da carruagem, desdobrava os degraus e ajudava Cassandra a descer.

— Lady Merton — a saudou Hannah — Bem vinda a Copeland Manor. Embora estivesse muito preocupada com vocês, tranquilizei-me quando Lady Montford me explicou que tinham que fazer mais paradas no caminho que o resto dos convidados já que está amamentando seu filho. Alegra-me muito que meus últimos convidados chegaram sãos e salvos.

Estendeu a mão direita e Cassandra a aceitou. — Eu também me alegro muito de estar aqui — replicou Cassandra — Que acertado

escolher este lugar para construir uma casa. Não imagino um lugar mais maravilhoso. — Eu tampouco — concordou a Duquesa e se voltou para Stephen — Lorde Merton,

bem vindo. Oh, o bebê! — aproximou-se do menino e o olhou com cautela — Que bonito é! Exclamou com sinceridade, e não porque essa reação fosse a esperada em uma mulher

que observasse o bebê de outra. — É mais bonito ainda se pega-lo nos braços — assegurou Stephen com um sorriso

antes de colocar seu filho nos braços. Hannah pareceu se surpreender, assustar-se e... De repente Con viu uma expressão

tão sincera e nua em seu rosto que ficou sem palavras. A Duquesa já não sorria. Não era preciso. Depois voltou a sorrir... Muito devagar. — É uma riqueza! — exclamou ela — Acho que me apaixonei. Como se chama? — Jonathan — respondeu Stephen. — Oh! — A Duquesa olhou seu primo e depois a ele. — Com a permissão de Con — acrescentou o pai do pequeno, que voltou a tomar

conta do bebê — meu predecessor, o irmão de Con, também se chamava Jon. Ele contou? — Sim — respondeu ela. E por fim se voltou para ele e estendeu ambas as mãos —

Constantine. Bem vindo. — Duquesa — disse — obrigado. Pegou as mãos e a beijou em uma face. E sorriu. Ela devolveu o sorriso. E... Por Deus! Exclamou para si mesma. Por Deus! Soltou as mãos e deu uma olhada ao seu redor. Inspirou fundo muito devagar. — Agora entendo por que gosta tanto de Copeland Manor e por que quer alardear sua

propriedade — comentou — É um lugar estupendo. — Sim — sussurrou ela com uma nota ansiosa na voz. Sarah apareceu correndo a frente de Margaret e de seu grupo, levando um ramalhete

de margaridas em uma mão. — Tio Con! — gritou — Para você, Excelência — Obrigou Hannah a aceitar as

margaridas — Tio Steve. Deixe-me ver o bebê.

Page 144: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

144

Con olhou de novo para Hannah, que estava contemplando suas margaridas com um sorriso. Um sorriso que assentava melhor que os diamantes que costumava exibir. Quando levantou a vista e seus olhos voltaram a se encontrar, ambos sorriram.

Depois de tudo, talvez não fosse uma boa ideia, pensou ele. Não se perguntou a que se referia. A Hannah pareceu que passara um século, uma eternidade desde a última vez que viu

Constantine. E depois, quando por fim o viu, percebeu o muito que mudara com o tempo, a

percepção que tinha dele. Já não era esse desconhecido tão atraente, sombrio, misterioso e possivelmente perigoso, de que foi consciente durante anos, esse homem que durante o inverno decidira que fosse seu primeiro amante, esse homem distante e um tanto malicioso que conheceu no Hyde Park nos princípios da primavera, cavalgando com Lorde Montford e o Conde de Merton. Já não era essa provocação emocionante e difícil que achou durante seus primeiros escândalos, antes que ele se fizesse com o controle no terceiro encontro e a obrigasse a iniciar sua aventura naquela mesma noite, muito antes do prazo que ela fixara para a consumação.

Como em Londres o via todo o dia, não percebeu muito como mudara, desde aquela noite, a percepção que tinha dele. Nesse dia em concreto observou a chegada da carruagem do Conde de Merton sabendo que Constantine se achava em seu interior e sentiu como acelerava o coração. E conforme saudava primeiro a Condessa e depois o Conde, inclusive enquanto segurava nos braços o milagre que era seu primogênito recém-nascido, sentia a presença de Constantine como um quente brilho em seu interior.

E então, por fim, pode voltar-se para ele, olhá-lo e estender as mãos. E só viu o Constantine. Não se achava em situação de analisar esse pensamento tão pouco profundo. De fato,

não queria analisá-lo. Mas sentia uma queimação no peito e na garganta, como se estivesse contendo o pranto.

Deu as boas vindas, sorriu e se alegrou de não ter analisado seus sentimentos nem graças a Deus, de ter derramado umas lágrimas quando se afastou dela com frieza e elogiou educadamente a propriedade. Por um instante desejou ter posto um vestido branco depois de tudo e ter se adornado com diamantes, para interpretar à pessoa que vivia salva graças à máscara da Duquesa de Dunbarton.

Mas não, no fundo não o desejava. Durante esses quatro dias escolheu ser ela mesma, libertar à larva do casulo que a protegia. Por estranho que parecesse, era importante para ela causar uma boa impressão aos familiares de Constantine.

Não como a Duquesa de Dunbarton, mas sim como Hannah. Como ela mesma.

Page 145: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

145

Custava admitir que a recusa inicial ao seu convite doera, sobretudo porque fazia muito tempo que decidira não se deixar ferir pelo comportamento ou a opinião ou a recusa, dos outros. Mas talvez nessa ocasião tivesse ardido um pouquinho. Não sabia muito bem por que.

Entretanto, mudaram de opinião e aceitaram. Devido a sua visita a Claverbrook House? Supunha que esse era o motivo. Devido ao fato de ter incluído também as crianças? Haveria dito o Marquês algo depois de ela ter partido? Haveria dito Constantine algo? Impossível. Muito temia que o desagrado que sentiam por ela se devia aos seus desejos de que Constantine encontrasse uma mulher menos notória.

Fosse o que fosse, tinham dado uma segunda oportunidade e queria impressioná-los. Demonstrar que era... Humana. Demonstrar-lhes que não era a adventícia arrogante, desalmada e fria que se murmurava que era. Demonstrar que podia ser uma anfitriã carinhosa e amável.

E justo depois de saudá-lo o Conde de Merton pôs nos braços seu bebê. E a filha pequena de Lorde Sheringford deu de presente o ramalhete de margaridas que recolheu junto ao lago antes de sair correndo atraída pela presença de seu primo, como se ela não fosse nada do outro mundo.

Era maravilhoso ser alguém que não era nada do outro mundo. Alguém a quem uma menina não ficava olhando embevecida. Poria as margaridas em um vaso e as colocaria em sua mesinha de noite. Pareciam

muito mais valiosas que as rosas... Ou os diamantes. — Ordenarei que os acompanhem aos seus aposentos — disse aos Condes e a

Constantine — E depois nos reuniremos no terraço ocidental para tomar o chá. Faz uma temperatura bastante agradável e as crianças podem comer conosco e brincar no prado se preferirem ao quarto infantil.

Aceitou o braço que oferecia Constantine e precederam ao resto do grupo pela escadaria. Por que nunca tinha ocorrido incluir crianças em suas festas, fosse na cidade ou no campo? Além de ter chegado aos trinta anos sem ter filhos, evitava todo contato com crianças.

Até esse preciso momento nem sequer percebera do muito que tinha desejado ter filhos durante todos esses anos. Claro que, do que teria servido admiti-lo? Estava casada com um ancião que só teve um amante em toda sua vida... Um homem, aliás.

— Espero que o trajeto de Londres tenha sido agradável — disse a Constantine. — Muito agradável, obrigado, Duquesa — replicou ele. Como se fossem um par de desconhecidos muito educados. Seria da mesma maneira quando se encontrassem no ano seguinte? Pensaria nisso

quando chegasse o ano seguinte. De momento viveria o presente. — Alegra-me sabê-lo — disse.

Page 146: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

146

A Duquesa, pensou Con, parecia ter rejuvenescido dez anos nos três dias que tinham passado desde a última vez que a vira. E ter tirado dez camadas de armaduras e máscaras.

Seu vestido resplandecia com a cor do sol. Seus sorrisos deslumbravam. E ao vê-la nesse entorno rural, descobriu com surpresa que parecia mais a vontade do que estava em Londres.

Era impossível que estivesse mais bonita. Mas assim era. Todos se reuniram no terraço adjacente ao salão para tomar o chá, um momento onde

Hannah brilhou como anfitriã e depois, uma vez terminado o chá e as massas, Toby, o filho de Margaret, e Thomas Finch, o filho do meio de Hugh Finch, exigiram jogar bola. Ao que parecia, havia uma bola... Que Margaret e Duncan levaram.

As crianças que chegaram com seus pais, cujas idades estavam compreendidas entre os poucos meses do filho de Stephen e Cassandra e os doze anos dos gêmeos dos Newcombe, não se contentaram jogando entre eles, como era de esperar. Não quando havia um grupo de adultos ociosos sentados respeitavelmente no exterior e ardendo com desejo de fazer algo enérgico e divertido. Os pais, ao menos, deviam jogar com eles.

E como os pais concluíram que não deviam ser os únicos em sofrer as consequências só pelo fato de ter engendrado seus filhos sem saber o que os esperava, exigiram que outros Cavalheiros se somassem ao exercício, Con, Sir Bradley Bentley e Lawrence Astley.

Afinal, estiveram encerrados em suas respectivas carruagens quase todo o dia e ali estavam, sentados de novo como se não tivessem nada melhor que fazer.

Chegados a esse ponto algumas das mães se sentiram ofendidas porque as consideravam incapazes de lançar uma bola sem cair no ridículo e a Senhorita Julianna Bentley, a irmã de Sir Bradley, indicou que ela também passara quase todo o dia sentada em uma carruagem, igual aos Cavalheiros. A irmã de Astley, a Senhorita Marianne Astley, apoiou-a em voz baixa. A Senhorita Leavensworth recordou à Duquesa todas as partidas de criquet que tinham jogado no prado do povoado quando eram pequenas e também que a ela sempre a colocavam no extremo mais afastado do campo de jogo quando a sua equipe tocava apanhar a bola, já que escapavam muito poucas, e, além disso, era muito boa lançadora. E a Duquesa apontou que ela também era uma boa lançadora embora aqueles odiosos meninos só a tinham permitido lançar de vez em quando.

— Sim — concordou a Senhorita Leavensworth — foi capaz de lançar a bola com um efeito estranho de modo que não havia alguém a rebater. Ninguém conseguia porque todos pensávamos que seria uma bola reta, e de repente traçava uma curva e derrubava os alvos.

— Venha, vamos jogar — disse ao mesmo tempo em que ficava em pé. A Duquesa de Dunbarton? Jogando bola? Con percebeu que Katherine e Sherry a olhavam com certa surpresa antes de desviar o

olhar para ele. Puseram-se a andar pelo suave declive que partia do terraço até chegar a uma área

bastante plaina para jogar. Toby e Thomas, que tinham ido à busca da bola, voltaram correndo, salvo por aqueles que insistiram em se fazerem de espectadores para que o jogo

Page 147: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

147

não desmerecesse. Todos formaram um enorme círculo ao redor de um centro que Toby se apressou a ocupar porque, afinal, a bola era sua. Foram atirando a bola uns aos outros enquanto tentavam golpear as pernas de Toby no processo. A pessoa que o conseguia passava a ocupar o centro e o jogo voltava a começar.

Con pensou que possivelmente fora um dos jogos mais idiotas que jamais se inventaram. Entretanto, provocou muitos gritos, vivas e risadas... E algum ou outro pranto quando Sarah se colocou no centro e foi golpeada pela primeira bola que lançaram. Esteve chorando até que Hannah correu a socorrê-la e a pegou nos braços.

— Isso foi embuste — exclamou com uma voz muito pouco adequada para uma Duquesa — golpeou Sarah no joelho, não por debaixo do joelho. Vamos ver se agora podem me dar.

E demonstrou ser bastante ágil apesar dos gritos de Sarah, que se tinha agarrado a seu pescoço como se fosse sua tábua de salvação, e apesar de não parar de rir de tal forma que mal podia respirar. Saltou e esquivou-se da bola até que Lawrence Astley deu no tornozelo. Se tivesse apostado com alguém, Con teria perdido. Um cacho escapou das forquilhas e outro mais caiu sobre o ombro da Duquesa enquanto esta deixava Sarah no chão, na parte externa do círculo e Astley se dispunha a ocupar seu lugar. Viu-a colocar a mecha rebelde debaixo das outras, mas ao fim de um instante voltou a soltar-se.

Tinha o rosto corado. Como todos os outros, salvo os espectadores. O jogo terminou de forma natural quando Sir Bradley Bentley, a quem acabavam de

golpear, estendeu-se na relva no centro do círculo e declarou que se alguém pronunciasse a palavra exercício npelo resto do dia, iria se retirar ao seu dormitório e só sairia dois dias depois.

Se saísse! O pequeno Hal, o filho de Monty, saltou sobre ele. A pequena Valerie Finch, que tinha

cinco anos, imitou-o. Em um abrir e fechar de olhos Bentley tinha desaparecido sob uma maré de crianças que gritavam e riam.

— Acho que necessitamos de mais chá no salão — disse a Duquesa — Ou algo mais forte. Definitivamente, algo mais forte. Babs, importa-se de se encarregar? Vou arrumar um pouco o cabelo.

Todos subiram a encosta até a casa... Salvo a Duquesa, que ficou onde estava tentando arrumar o penteado enquanto os observava afastar-se.

E salvo ele, que ficou onde estava olhando-a. — Pareço um desastre — comentou Hannah enquanto se voltava para olhá-lo. — Pois sim — concordou ele. — Isso não foi muito galante — replicou ela com um sorriso. — Era um elogio. — Ah! — Hannah baixou as mãos e inclinou a cabeça — Nesse caso foi muito galante.

Não acredito que precise passar pelo salão para fiscalizar o chá. Babs irá se encarregar de

Page 148: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

148

que todo mundo beba algo e depois os convidados irão querer se retirar aos seus aposentos para descansar um pouco antes que chegue a hora do jantar. Deixe-me mostrar o lago.

— Senti sua falta — confessou Con em voz baixa. Tanto que a ideia o assustava. — E eu a sua — disse ela — Não tinha nem ideia de que ter um amante seria tão...

Maravilhoso. Sempre é assim? Olhou-a com um sorriso. — Ou quer que dê de presente os ouvidos, Duquesa, ou acaba de me fazer uma

pergunta impossível de responder. — Venha ver o lago — repetiu ela e pegou seu braço antes mesmo que pudesse

oferecer. Quem em seu perfeito juízo teria pensado que a Duquesa de Dunbarton, nada mais e

nada menos, seria uma ingênua? Não tinha nem ideia de que ter um amante seria tão... Maravilhoso. Sempre é assim? Era? Perguntou-se. Era maravilhoso nessa ocasião? Era sempre maravilhoso? Não tinha por costume

comparar amantes. Nem analisar o que só eram sensações físicas. — Vê a que me refiro? — Perguntou ela enquanto caminhavam entre os troncos das

antigas árvores a caminho do lago. — Deixei que as árvores ladeassem o caminho. Deveria ter mandado derrubar algumas

para que se pudesse construir uma avenida como Deus manda, unindo a casa com o lago. Flanqueada por rododendros para conseguir uma vista linda da casa. Com um embarcadouro no lago para rematá-la. E barcos flutuando na água, é claro. E uma bonita ilha artificial no centro do lago. Também deveria ter modificado a forma do lago como se fosse um rim ou um ovalóide, ou algo assim.

— Com um pequeno templo ou cabana ornamental na outra margem — acrescentou ele — Colocada de tal forma que da Mansão parecesse estar no centro da avenida e pudesse ver-se seu reflexo sobre a água.

— Sim. — Mas não o fez. — Não o fiz — admitiu com tristeza — Constantine, gosto de me deixar guiar pela

natureza. Por que destruir um carvalho que está crescendo nesse lugar há trezentos ou quatrocentos anos para obter uma bela vista da casa?

— Certamente, por quê? — concordou — Sobretudo porque a casa está há menos tempo aqui que a árvore, segundo meus cálculos.

— E por que levantar uma construção ornamental sem sentido? Para que? Nunca entendi. É um...

— Sem sentido? — sugeriu Con quando a viu descrever círculos no ar com a mão direita como se fosse incapaz de achar a palavra que procurava.

Page 149: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

149

— Você o disse. As construções ornamentais sem sentido são isso, um sem sentido. Está rindo de mim, Constantine.

— Sim — admitiu quando chegaram à borda do lago e se detiveram. A Duquesa se pôs a rir. — Mas tenho razão ou não? — quis saber. — Você gosta de Copeland Manor tal como é? — perguntou por sua vez. — Sim — respondeu ela — Rústico e natural desse jeito. Eu gosto. E embora o terreno

e a paisagem sejam perfeitas para o traçado de um atalho agreste, resisti com unhas e dentes a desenharem e construírem um. Como vai considerar agreste algo feito pelo homem? É uma contradição.

— E ao escolher entre a agreste e a arte, fica com o agreste — respondeu. — Sim — respondeu — Tenho razão ou não? — Estou desconcertado — disse — A Duquesa de Dunbarton está perguntando a outra

pessoa, a mim, para ser exato, se tem razão ou não? Hannah suspirou. — Verá, Constantine, o caso é que necessito algo agreste e selvagem em minha vida.

Assim, bem pode ser meu jardim. Ai está, decidi-me. Não terão avenidas, pequenos templos sem sentido, paisagens artificiais nem atalhos novos em Copeland Manor. Agradeço sua opinião e seu conselho.

Impeliu a virar-se para ele, abraçou-a e a beijou com força, separando os lábios. Ela arrojou os braços no pescoço e devolveu o beijo. Senti-la de novo contra ele era uma sensação maravilhosa. Saboreá-la. Cheirá-la. — Enfim — disse quando ergueu a cabeça — se houvesse uma avenida da casa, agora

mesmo estaríamos perfeitamente emoldurados no centro e todos seus convidados estariam grudados às janelas do salão admirando a vista.

— Certamente — replicou ela, e deu de presente um de seus deslumbrantes sorrisos — Mas como não há...

Voltou a beijá-la, introduzindo a língua na boca enquanto ela afundava os dedos em seu cabelo e arqueava o corpo para amoldar-se a ele quando a estreitou pela cintura.

Ele se perguntou o que aconteceria caso se apaixonasse por Hannah, a Duquesa de Dunbarton.

Não tinha a menor ideia. Talvez sua vida se convertesse em um caos. Ou em um paraíso. Para não mencionar o que poderia acontecer ao seu coração. Sem dúvida alguma seria mais sensato não comprovar isso.

Page 150: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

150

CAPÍTULO 15 Os convidados de Hannah ficariam durante três dias completos. Tinha decidido não

sobrecarregar tais dias de atividades. Afinal, todos chegavam de Londres, onde a temporada

Page 151: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

151

social estava em pleno apogeu e abundavam os entretenimentos. E tinha a impressão de que todos precisavam relaxar sem mais, no tranquilo entorno rural.

De qualquer forma, para o primeiro dia tinha programado algumas atividades. Um passeio matutino até o vilarejo para os que queriam ver a Igreja e fazer um pouco de exercício, um lanche campestre no lago, e uma partida de cartas a noite motivo pelo qual convidara vários vizinhos. Alguns membros do grupo os entreteriam com uma interpretação musical. Tiveram a sorte de desfrutar de um dia quente e ensolarado.

Quando chegou ao fim e os últimos vizinhos partiram, Hannah pensou que o dia completo foi um êxito. Sir Bradley Bentley, seu amigo e mais frequente acompanhante durante seu matrimônio, o Duque foi amigo do avô deste, passou o dia inteiro paquerando Marianne Astley, e Julianna Bentley passou grande parte de seu tempo com Lawrence Astley. Tal como ela esperava. Embora sua intenção não fosse a de exercer de casamenteira, tinha ocorrido convidar Sir Bradley depois que Barbara e ela tomaram um chá com o Cavalheiro uma manhã na Bond Street e ele contara que sua irmã tinha debutado em Sociedade no ano anterior, mas que ainda não encontrara um pretendente sério. A melhor amiga da jovem era Marianne Astley, cujo irmão rondava os vinte e cinco.

De modo que decidiu que sua festa campestre necessitava de gente jovem. Adultos jovens, solteiros e sem compromisso. E convidou os quatro.

O resto do grupo parecia achar-se muito cômodo entre si, embora alguns dos convidados nem sequer se conhecessem ao chegar. Tratava-se dos Park, os Newcombe, o casal Finch, que foram vizinhos do Duque toda a vida, assim como seus respectivos pais antes deles, e os jovens já mencionados. Além de Barbara, é claro. E de Constantine, seus primos e seus cônjuges. E de dez crianças e algum ou outro bebê.

A tarde do terceiro dia era dedicada à festa infantil, de modo que seria uma jornada muito ocupada. Entretanto, o segundo dia não havia nada planejado a fim de que os convidados se entretivessem como quisessem. Durante a manhã Hannah passeou pelo jardim, que se estendia pelas fachadas, oriental e setentrional da casa, com a Senhora Finch, a Condessa de Merton e Lady Montford, que estava branca como o leite.

Alarmada, Hannah perguntou por seu estado de saúde, e a dama soltou uma gargalhada não muito alegre.

— Não é para preocupar-se, Excelência — respondeu — Não é meu estado de saúde o que me faz ter náuseas. É meu estado em geral. Estou esperando outro bebê.

— Oh! — exclamou Hannah, que de repente sentiu uma dolorosa pontada de inveja. — Tínhamos a intenção de ter outro filho quando Hal completasse os dois anos —

explicou Lady Montford — Mas o Senhor dispôs outra coisa. Alegro-me de que por fim tenha cedido.

— Deve ser de minha idade ou mais jovem — comentou Hannah — E se lamenta por ter tido que esperar tanto para ter seu segundo filho? — De repente, compreendeu com mortificação que tinha feito a pergunta em voz alta.

Page 152: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

152

A Senhora Finch estava inclinada sobre uma rosa, que segurava com cuidado entre as mãos. Lady Merton e Lady Montford se voltaram para olhá-la, ambas com idênticas expressões...

Compassivas? Perguntou-se. — Tenho trinta anos — acrescentou, sentindo-se ainda mais tola. — Eu tinha vinte e oito quando me casei com Stephen no ano passado — comentou

Lady Montford enquanto tomava Hannah pelo braço... Um gesto que a surpreendeu muito — Também era viúva, Excelência. E não tinha filhos, só quatro bebês mortos pelos quais seguia chorando. Sempre os chorarei, mas agora tenho Jonathan e esperamos encher o quarto infantil de crianças, antes que chegue aos quarenta. A esperança sobrevive inclusive nos momentos de maior desespero, quando parecemos estar à beira de perdê-la para sempre.

A Senhora Finch se endireitou. — Tinha dezessete quando me casei — disse — e dezoito quando tive Michael.

Thomas chegou dois anos depois e Valerie dois anos depois do segundo. Agora tenho vinte e sete. Adoro meus filhos, e meu marido, mas às vezes me assalta o horrível pensamento de que perdi minha juventude muito cedo. Talvez não exista um caminho fácil para trilhar a vida. Cada qual deve trilhar o seu e tirar o máximo proveito.

— Sábias palavras — disse Lady Montford ao mesmo tempo em que dava a Hannah uns tapinhas no braço.

Continuaram passeando, desfrutando da vista e do aroma das flores, para o que empregaram uma hora embora o jardim não fosse muito extenso.

Hannah se sentia... Como se sentia? Abençoada? Tinha acabado compartilhando seu tempo com um grupo de mulheres que falavam

sobre as alegrias e as penas do matrimônio, da maternidade e do passar do tempo. A conversa foi breve, mas se havia sentido incluída. Durante os anos que durou seu matrimônio fez parte da Sociedade, sempre rodeada de admiradores, quase sempre do gênero masculino. Entretanto, não recordava nenhuma outra ocasião em que tivesse passeado por um jardim pelo braço de outra mulher que não fosse Barbara. E duas dessas mulheres tinham recusado seu convite em um primeiro momento.

— Mmm — murmurou Lady Merton depois de respirar fundo, justo antes de retornar ao interior da casa. — Isto é perfeito. Não imagino melhor modo de passar alguns dias entre baile e baile.

— Sente-se melhor? — perguntou Hannah a Lady Montford. — Sim — respondeu a aludida — Ao sair pensei que tinha cometido um erro ao

passear entre as flores, por seu aroma. Mas o ar fresco me assentou bem. Ficarei perfeitamente bem durante o resto do dia. Até amanhã pela manhã. Embora tantas perturbações são por uma boa causa. As náuseas matinais remeterão breve.

Lady Sheringford estava descendo as escadas quando elas entravam no vestíbulo.

Page 153: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

153

— Acabo de deitar Alex para que durma uma sesta — disse — Está cansado, fez um arranhão no joelho e ficou chateado. Depois do curativo, anticéptico com o beijo correspondente e de secagem de lágrimas com beijos, ficou impaciente. Kate tem melhor cor de rosto. Encontra-se melhor?

— Sim — respondeu Lady Montford — Sua Excelência nos esteve mostrando o jardim e me assentou maravilhosamente.

Lady Sheringford olhou para Hannah, que nesse momento estava pensando em que maravilhoso seria poder beijar um joelho arranhado e umas faces úmidas pelas lágrimas.

— Deveria usar cores mais frequentemente — disse a recém-chegada, dirigindo-se a ela. — Não me refiro de que o branco assente mau, mas assim parece mais... Mmm, como o diria?

— Acessível? — Sugeriu a Senhora Finch, talvez não com muito tato — Estou pensando o mesmo desde que a vi ontem com esse lindo vestido amarelo, Excelência.

— Enfim — atravessou Lady Sheringford — o caso é que parece algo mais. Algo bom, refiro-me. Esse tom de verde em particular assenta muito bem com seu cabelo loiro.

— Entramos para tomar um café — comentou Hannah com um sorriso — Quer unir-se a nós?

Percebeu que estava feliz. Nunca teve amigas, salvo Barbara, que sempre estava longe. Nunca tinha pensado que possivelmente as necessitasse ou que as desejasse sequer.

Nesse dia podia viver com a ilusão de que essas mulheres eram suas amigas. As nuvens apareceram na última hora da manhã e o gelado vento que aumentou de

repente obrigou a todo mundo a entrar na casa antes do esperado. Um prolongado temporal os manteve no interior depois do almoço, embora ninguém parecesse especialmente aborrecido pelo contratempo.

As crianças menores acabaram no quarto infantil para dormir a sesta, enquanto os outros foram conduzidos à galeria, para que se entretivessem com um jogo idealizado pelo Senhor Newcombe e o Conde de Sheringford.

Alguns adultos permaneceram no salão conversando e outros foram à biblioteca para ler ou escrever cartas. De alguns não havia nem rastro, e Hannah supôs que tinham subido aos seus aposentos para descansar. O grupo mais numeroso se achava na sala de bilhar. Ali se dirigiu em busca de Constantine.

Não estava jogando. Encontrou-o em pé bem ao lado da porta, com os braços cruzados diante do peito, observando os outros.

— É uma lástima que só tenha uma mesa de bilhar — ela comentou. — Não se preocupe por isso, Excelência — a tranquilizou o Senhor Park — Sou muito

melhor jogador quando observo os outros que quando jogo. De fato, jamais erro e acabo colocando todas as bolas.

O comentário suscitou um coro de gargalhadas.

Page 154: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

154

— Eu vim para comprovar com meus próprios olhos que as bolas que Jasper me assegurou ter metido são verdadeiras e não um produto de sua imaginação — disse Lady Montford.

— Meu amor! — Exclamou o aludido a modo de protesto de certa distância, já que sua esposa não se incomodou em abaixar a voz — Alguma vez exagero? Alguma vez me vanglorio de algo?

— Kate — atravessou nesse momento o Conde de Merton enquanto esfregava com o giz o extremo de seu taco, depois de ter se inclinado sobre a mesa para se concentrar — esse é o tipo de momento que se aplica a máxima de que em boca fechada não se entra moscas.

— Enfim, Stephen, não é para se vangloriar na vida — disse Lorde Montford um tempo depois quando viu que o Conde errava o tiro — se não for capaz de superar isso, mereço qualquer insulto que Kate resolva me dedicar.

Hannah roçou levemente o braço de Constantine. — Você gostaria de dar um passeio a cavalo? — perguntou em voz baixa. — Agora? Não está chovendo? Arqueou as sobrancelhas ao mesmo tempo em que olhava para a janela e comprovou

que efetivamente não chovia, antes de segui-la ao corredor. — Sempre tenho cavalos preparados para montar no estábulo — disse enquanto

Constantine fechava a porta da sala de bilhar — Suponho que deveria ter perguntado se a alguém gostaria de nos acompanhar, mas todos parecem contentes com o que estão fazendo e eu gostaria de mostrar uma coisa.

— A mim só? — perguntou Constantine com um olhar risonho. — Direi a Barbara que se encarregue de servir o chá mais tarde — comentou Hannah

sem responder. — Só — respondeu a si mesmo e acrescentou depois de inclinar a cabeça para ela —

Que sorte tenho. — Subirei para me trocar — disse ela — Nos vemos no estábulo dentro de quinze

minutos. E se voltou para subir a toda pressa. Vestiu um de seus trajes de montar mais velhos e simples, seu preferido, de fato. Sua

cor original era celeste. Nesse momento era um azul esvaído. Disse a Adele que recolhesse o cabelo com um simples coque na nuca de modo que pudesse colocar bem o chapéu. Depois de calçar as luvas, olhou-se satisfeita no espelho do roupeiro. Não levava nenhuma só joia.

Nessa tarde era importante parecer uma pessoa simples, não a Duquesa de Dunbarton, diante da qual todo mundo devia inclinar-se e fazer reverências. Começava a desejar voltar a ser uma pessoa simples, mas com todas as vantagens que outorgavam a confiança, a disciplina e a autoestima que aprendeu do Duque. Ou, mais concretamente, do amor do Duque.

Page 155: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

155

Esperava que Constantine apreciasse o que ia mostrar, que não se aborrecesse nem se sentisse incomodado. Que não interpretasse mal e achasse que era uma sentimental ou, pior ainda, uma pessoa superficial que gostava de fazer grandes gestos.

Entretanto, não achava que isso iria acontecer. Sabia que se acaso alguém pudesse entendê-la, seria ele. Mas estava terrivelmente nervosa. Um milhar de mariposas revoava em seu estômago enquanto atravessava o terraço e percorria o caminho de cascalho que conduzia ao estábulo. Desejou não ter comido tanto durante o almoço.

Esse era justo o motivo, pensou, por que queria que Constantine fosse ao seu lar. Esse era o motivo por que tinha planejado a festa campestre, de modo que o fato de convidá-lo não suscitasse falatórios. Isso era importante para ela. Sua reação era importante para ela.

Quando chegou ao estábulo, Constantine já estava ali, selando no cavalo que ela costumava montar, enquanto um cavalariço colocava seus arreios de amazona em outro. Não obstante, teve que admitir que Jet era o único cavalo bastante grande para que ele o montasse.

Constantine se trocara e usava a calça de montar de cor bege, jaqueta negra, botas de montar negras e uma cartola. Tinha o mesmo aspecto que no dia que o viu no Hyde Park pela primeira vez nessa primavera. Mas tudo era diferente.

Nesse momento era Constantine. Seu amante. Embora levassem uma semana sem manter relações íntimas. E seguiriam sem manter

até retornar a Londres, porque seria uma falta de respeito para cm seus convidados, retomar sua aventura sob seu próprio teto. Parecia uma eternidade ter que esperar tanto. Não obstante, sua menstruação teve o detalhe de aparecer justo no dia que partira de Londres. Faltava um mês para que voltasse a repetir-se.

— Duquesa? — perguntou ele enquanto se voltava para observá-la da cabeça aos pés. Soube que a admiração que leu em seus olhos e em seus lábios franzidos era genuína. Foi estranha, sobretudo porque ia muito desalinhada. Imitou seu escrutínio, incluindo

o gesto de franzir os lábios, e viu como ele sorria. — Bruxa — disse. Ao fim de uns minutos abandonaram a cavalo o pátio do estábulo e rodearam a casa

para continuar através do prado em vez de tomar a avenida e o caminho, tal como teriam feito se tivessem viajado de carruagem. Não parecia que fosse chover... De momento. As nuvens se afastavam e o azul ia ganhando terreno no céu.

— Aonde vamos? — Perguntou Constantine — A algum lugar em concreto? — Ao Fim do Mundo — respondeu — Mas não pense que vamos cruzar a Inglaterra a

galope até chegar em Devon ou na Cornualha, fique tranquilo. O Fim do Mundo é o nome que alguém sugeriu para uma casa em ruínas que comprei faz uns anos e que converti em um lugar muito decente, com jardins tão elegantes para satisfazer aqueles que gostam de impor a arte à natureza. A primeira sugestão para o nome foi O Fim da Vida, mas ninguém secundou a ideia, de modo que insisti em que fossem os primeiros inquilinos da casa, os que decidissem seu nome por maioria. E quando um deles propôs O Fim do Mundo e explicou

Page 156: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

156

que além da terra firme, se achava a paz eterna do fundo marinho, todos aceitaram. De minha parte, confesso que nunca vi o mar dessa forma e que tampouco sei nadar. Entretanto, como meu voto não contava, a propriedade ficou com o nome do Fim do Mundo.

— É um lar para anciões? — perguntou Constantine. — Sim — respondeu ela. Cavalgaram em silêncio durante uns minutos. — Este é o projeto para o que vendeu os diamantes? —Sim. — Você gosta dos anciões? Hannah sorriu. — Sim. Quis muito a um ancião. Ao final de sua longa vida desfrutou de todas as

comodidades possíveis por se sentir bem. Há milhares que não estão no mesmo caso. — Duquesa, você é uma fraude — replicou ele. — É claro que não! — exclamou, irritada — o que eram esses diamantes para mim a

não ser um aviso do muito que me quiseram durante dez anos? Conservo os suficientes para que me sigam recordando isso, por mais que no fundo não necessite de nenhum aviso, porque para isso existem as lembranças.

Tinham chegado a uma ampla clareira, uma extensa planície a que sempre ansiava chegar cada vez que cavalgava até O Fim do Mundo.

Percebeu que Constantine a estava olhando. Entretanto, não virou a cabeça para devolver o olhar. Não era uma sentimental. Queria a essas pessoas. Durante o ano anterior fora vê-las em todos os poucos dias, antes de partir para Londres, passada a Semana Santa, e tais visitas tinham aliviado sua dor. Já tinha estado cinco dias antes, justo depois de retornar da capital. Tinha-o feito porque gostava, porque o necessitava, não porque quisesse aplausos ou elogio.

Que tolice pensar algo assim, Por Deus! — Este lance do caminho é aborrecido para ir a trote — disse — mas muito

emocionante se galopar. Vê o pinheiro alto ali ao longe? — Assinalou a árvore com o chicote. — O que tem a copa torcida? — precisou ele. — Desafio-o a uma corrida até ali — disse a modo de resposta e esporeou seu cavalo a

galope mesmo antes de acabar de falar. Se tivesse montado Jet teria tido uma oportunidade de ganhar, até com o

impedimento da sela de amazona. Entretanto, montava Clover, uma égua que gostava de galopar, mas que não tinha um só fio de competitiva. Perderam a corrida de forma vergonhosa.

Quando chegou junto a Constantine, recebeu-a com um sorriso. — Duquesa, isso a ensinará a não me desafiar com outra corrida — disse — Nem

sequer tínhamos combinado o prêmio antes que tentasse se aproveitar do elemento surpresa para ganhar uma vantagem injusta. Isso significa, segundo leis internacionais, que acredito poder reclamar o prêmio que mais desejar.

Page 157: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

157

— Existem leis internacionais? — Perguntou ela entre gargalhadas — o que escolheria se de verdade contasse com o apoio da lei?

— Fique quietinha enquanto penso — respondeu Constantine, que impeliu seu cavalo a aproximar-se dela.

Hannah notou que cravava o joelho na coxa e nesse momento se inclinou para ela e a beijou nos lábios.

Jet soprou e se afastou. O beijo possivelmente foi o mais breve e decepcionante de todos os que tinham

compartilhado. Mas foi precisamente o que a informou do que já sabia há um tempo e tinha evitado reconhecer.

Estava apaixonada. Um descuido e uma imprudência de sua parte. Que talvez ocasionassem certo

sofrimento ao final da temporada social se não conseguisse então desenamorar-se dele. Não obstante, era incapaz de lamentar-se. Tinha a sensação de que os últimos onze

anos de sua vida tinham desaparecido e voltava a ser jovem e feliz. E voltava a estar apaixonada. Não apaixonada por amor nessa ocasião, mas sim de um homem real a quem apreciava como pessoa e a quem poderia amar profundamente se decidisse fazê-lo. Um amor incondicional, dos que chegavam até a alma.

Não cometeria semelhante erro. Mas que maravilhoso era ter um amante e estar apaixonada durante a primavera!

Dava vontade de descer de um salto de Clover para ficar a dançar no prado, sob o pinheiro, olhando ao céu com os braços estendidos.

Que maravilhoso era ser jovem! — Pode sorrir — Ouviu que dizia Constantine — foi o prêmio mais lamentável que

recebeu o ganhador de uma carreira hípica, Duquesa. E antes que o dia acabe, vou exigir um beijo muito mais satisfatório que esse.

Hannah adotou seu porte de Duquesa para lançar seu olhar mais altivo. — Senhor Huxtable, terá que me apanhar primeiro — disse — Olhe. Daqui se pode ver

O Fim do Mundo. Indicou à frente e se puseram em marcha ao mesmo tempo e cavalgando ao mesmo

tempo e ao mesmo passo. Vislumbrava-se a propriedade entre as árvores. Uma Mansão compacta,

absolutamente destacável por seu desenho arquitetônico, mas que para ela era tão valiosa como Copeland Manor.

— Como financia Ainsley Park? — perguntou. — Não vivo na pobreza — respondeu Constantine, dando de ombros — meu pai me

deixou uma grande herança. — Mas apostaria o que fosse de que não o bastante grande — replicou — Tenho certa

ideia a respeito do que custa manter um projeto deste tipo. Ajudou seu irmão? Conforme disse, a ideia foi totalmente sua.

Page 158: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

158

Num primeiro momento acreditou que não responderia. Por um instante sua aparência voltou a ser sombria e taciturna. Mas acabou soltando uma boa gargalhada.

— O mais engraçado de tudo é que o fizemos exatamente igual a você, Duquesa — disse — Salvo que você o fez com a bênção de Dunbarton, embora desse isso a contra gosto. Nós não consultamos o tutor de Jon, cuja bênção indubitavelmente não teríamos contado. Refiro ao meu tio antes de sua morte e depois a Elliott, que possui um sentido do dever bastante mais estrito e que é muito mais perspicaz.

— Fala em plural — indicou — Mas de quem foi a ideia de vender as joias, de Jonathan ou sua?

Constantine voltou a cabeça para olhá-la com seriedade. — As joias dos Huxtable não eram minhas para que eu tomasse essa decisão ou para

sugerir que se vendessem — respondeu — Eram de Jon, e embora eu não fosse seu tutor legal, tomava tal responsabilidade muito a sério. Meu irmão não era idiota muito menos, mas às vezes via as coisas de uma forma diferente do resto do mundo. Assim que descobriu a verdade sobre nosso pa... Vá Por Deus! Embora suponha que já o tinha adivinhado sozinha. Assim que Jon descobriu a verdade sobre essa pessoa a que tinha querido durante toda sua vida e cuja morte tinha chorado, perdeu a alegria, a vontade de comer e passou vários dias sem dormir. Nunca o vira assim. E se negava a me falar de seu sofrimento. A única coisa que fazia era me exigir uma e outra vez que guardasse o segredo. Porque se negava de que outros conhecessem a verdade sobre nosso pai. Entretanto, não queria que a dor que tinha ocasionado ficasse impune. Como Jon era muito consciente de sua condição de Conde de Merton, chegou à conclusão de que seu dever era arrumar as coisas. Fui incapaz de parar os pés, embora deva acrescentar que eu mesmo levava anos sentindo o mesmo, além de muita impotência, por certo.

— Tomara que o tivesse conhecido — disse ela em voz baixa — Refiro a Jonathan. — E então chegou uma manhã ao meu dormitório dando saltos e despertou me

sacudindo. Asseguro que não exagero. Estava louco de contentamento, transbordante de alegria, rindo sem parar. Teve uma ideia genial. E nada o satisfaria até que tivesse dado com o modo de fazer realidade seu sonho. Eu fui o eleito para pô-lo em marcha. Era impossível raciocinar com ele quando colocava algo na cabeça, Duquesa. E isto era muito mais importante para ele que qualquer outra coisa na vida. Era tão teimoso como...

— Como seu irmão? — supriu ela — Não se parecia por acaso ao seu irmão mais velho?

— Era dez vezes pior — respondeu Constantine — Só poderia detê-lo se tivesse ido com meu tio até ele. Mas, enfim, eu também queria o mesmo que Jon e minha posição era muito fraca para fazer o que sem dúvida era o correto. Tinha passado anos, enojado pelo que Jon acabava de descobrir. Acredito que toda a vida. Via como minha mãe adoecia pela tristeza e pela contínua perda de seus filhos, enquanto meu pai abusava de tudo que levasse saias. Não era um homem agradável, Duquesa. E odiava Jon, a quem chamava imbecil, às vezes em sua própria cara. Perdoe-me. Não se deve criticar os pais diante de outras pessoas.

Page 159: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

159

Em qualquer caso, nenhuma das joias que vendi estava vinculada ao título. Claro que várias delas estavam há gerações na família e todas estavam devidamente registradas nos arquivos da propriedade. Se tivesse apresentado uma reclamação formal, Jon teria perdido, já que na realidade não tinha direito de dispor de tais joias sem o consentimento de seu tutor. E mesmo que tivesse chegado a sua maioridade, o teriam declarado incompetente para tomar decisões por si mesmo.

— Estava-se roubando a si mesmo? — perguntou Hannah. — Jon sabia muito bem o que fazia — respondeu ele — Não era imbecil. Às vezes tinha

a impressão de que era o único inteligente entre todos nós. O que é mais importante, essas joias antigas que estavam bem guardadas em Warren Hall? Ou as pessoas que vivem em Ainsley Park?

Hannah soltou uma gargalhada. — Acredito que já sabe qual é minha resposta, não é verdade? Estavam se aproximando do Fim do Mundo. Só lhes faltava cruzar um pasto e

chegariam ao prado que se estendia até um dos lados da casa. — Não falou de tudo isto a ninguém? — quis saber ela — Só a mim? — Caramba— respondeu ele — Nem sequer ao Rei. — De modo que todos acreditam em um vilão que roubou seu necessitado irmão a fim

de comprar uma propriedade em Gloucestershire, onde vive rodeado de luxos. Constantine deu de ombros. — Acredito que Elliott manteve a boca tão fechada como eu, salvo para contar a

Vanessa. Do contrário, não acredito que nem Stephen nem suas irmãs iriam querer me dirigir a palavra, não parece?

— Nem tampouco tentariam protegê-lo de mim — acrescentou ela. Constantine a olhou e sorriu antes de inclinar-se para abrir a grade que afastava o

pasto da propriedade. Entraram em passo tranquilo e ele se voltou para fechar. — Talvez devesse contar ao Conde de Merton o que me contou — sugeriu Hannah —

me parece um homem honrado e compreensivo. Constantine arqueou uma sobrancelha com gesto zombeteiro e a olhou de esguelha. — Acha que me perdoaria? — Acho que diria que não há nada a perdoar — respondeu ela — Em qualquer caso,

Jonathan seria a pessoa a quem teriam que perdoar, certo? Sua pergunta fez que Constantine atiçasse seu cavalo para que apertasse o passo,

adiantando-se de modo que ela teve que fazer o esforço de alcançá-lo. — Isso é o que dá medo? — Quis saber — Que ninguém seja capaz de perdoar seu

irmão? Talvez devesse ter um pouco mais de fé neles. Constantine se voltou para olhá-la nos olhos com expressão muito tensa. Seus olhos

pareceram muito negros. — Falou a alguém disto? — Perguntou, assinalando a casa com a cabeça — Só contou

a mim?

Page 160: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

160

— Só a você — respondeu Hannah. — Por quê? Por que não convidou os outros a vir esta tarde? — Constantine, tenho uma reputação a proteger — disse. — Exato. Eu também. O demônio e a Duquesa. Somos iguais. Perante os olhos do mundo ou... Referia-se a parecerem feitos um para o outro?

Perguntou-se em silêncio. — Se não estivéssemos tão perto da casa — Seguiu Constantine — enumeraria todas

as razões pelas quais deveria voltar para casa, Duquesa. Refiro-me a Markle. Hannah se inclinou para dar uns tapinhas no pescoço de Clover quando se pararam

frente ao estábulo. Um cavalariço se apressou a atendê-los. — Touchée — replicou.

Page 161: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

161

CAPÍTULO 16 Enquanto observava Hannah durante a hora e meia seguintes, Con tentou vê-la como

a Duquesa de Dunbarton que sempre tinha conhecido, que encontrou no Hyde Park nos princípios da primavera, no baile dos Merriwether, no concerto dos Heaton e no almoço no jardim dos Fonteyn. Era muito desconcertante dar-se conta de que não podia.

Era incapaz de vê-la como se fosse a mesma pessoa. Não era só porque levava um traje de montar desgastado, quase estragado, de cor

azul. Nem porque tinha o cabelo recolhido de forma simples e um pouco alvoroçado depois de tirar o chapéu para entrar na casa. Tampouco era porque colocou um enorme avental, que a aguardava pendurado num gancho atrás da porta do escritório da encarregada. Não tinha absolutamente nada a ver com seu aspecto.

Tinha a ver com a mulher que se ocultava atrás da fachada, a mulher a quem não vira até depois de se converterem em amantes e que só tinha vislumbrado de vez em quando. No Fim do Mundo essa mulher estava a plena vista, como uma mariposa que revoava fora de seu casulo, formosa, enérgica, reluzente de alegria e distribuindo tal alegria em qualquer parte.

Estava, simples e sinceramente, enfeitiçado. Também, e para sua consternação, estava apaixonado. Sua beleza, sua energia e sua alegria não eram dedicadas a ele, embora sorrisse cada

vez que o olhava e o incluía em sua aura de magnético encanto. Apresentou-o à Senhora Broome, a encarregada, uma dama de meia idade, de

presença agradável e gestos serenos, e juntos começaram o percurso pela casa. Entretanto, não durou muito. Um ancião sentado no salão dos residentes pegou o braço da Duquesa, chamou-a de Senhorita Hannah, como faziam todos, e passou a contar as últimas travessuras de seus netos. Eram imaginações suas, explicou a Senhora Broome, enquanto prosseguia caminho com ele, deixando atrás à Duquesa, mas ao ancião agradava contar essas histórias a quem estivesse disposto a escutá-las. Pouco depois, duas anciãs que estavam sentadas juntas no amplo vestíbulo do andar de cima quiseram saber, depois de serem apresentadas, se o Senhor Huxtable tinha acompanhado à Senhorita Hannah, já que tinham escutado que acabava de chegar. Quando admitiu que assim era, quiseram saber se ia se casar com ela.

A Senhorita Hannah merecia a alguém tão jovem e tão bonito como ele, decidiram as anciãs, que se puseram a rir quando ele lhes sorriu, piscou um olho e disse que teria que perguntar a ela. Enquanto isso, alguém reclamou a atenção da Senhora Broome para uma emergência.

Page 162: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

162

A partir desse momento Con perambulou sozinho, ficando no primeiro andar, onde quase todos os quartos pareciam ser comuns e estavam abertos para o uso de todos os residentes, embora a Senhora Broome explicara que todos tinham quartos próprios, onde podiam desfrutar de intimidade e onde não se podia entrar a menos que se chamasse e se recebesse permissão. Era uma das poucas regras da casa.

— É um verdadeiro lar —acrescentara a encarregada — Não é uma instituição de caridade, Senhor Huxtable. Há muito poucas regras, e todas têm que ser primeiro propostas pelos residentes e depois submetidas a votação.

— Talvez pareça um método destinado ao caos, e eu tinha minhas dúvidas quando Sua Excelência insistiu que assim fosse, mas devo confessar que por algum motivo funciona às mil maravilhas. Suponho que as pessoas são menos propensas a burlar as regras que elas mesmas impõem, ao contrário do que acontece com as regras impostas por alguma figura despótica completamente alheia por ela.

Deteve-se em várias ocasiões para conversar com os anciões enquanto passeava e também com alguns membros do pessoal que atendia as necessidades deles.

A Duquesa continuava escutando o velho Cavalheiro com seus netos imaginários quando retornou ao andar térreo. Tinha-o pegado por uma mão e o olhava com muita atenção.

Na vez seguinte que a viu, estava em uma estufa cheia de plantas, dando de comer com infinita paciência a uma anciã de olhar perdido, e nessa ocasião era ela quem falava, sorria e gesticulava como se a mulher pudesse entendê-la e replicar. Quem poderia dizer o contrário? Talvez a entendesse. Pouco depois a viu no terraço que havia junto à estufa, passeando pelo braço de um ancião muito magro. Tinha a cabeça inclinada para ele e ria. O ancião se deteve para olhá-la e também se pôs a rir.

À medida que uma pessoa se fazia mais velha, pensou Constantine, mais simples era acreditar que todas as vidas estavam traçadas desde o início, que todas as coisas aconteciam por um motivo. Não por obra do destino exatamente. Porque nesse caso não haveria capacidade para o livre arbítrio e a vida se converteria em uma farsa. Mas sim era verdade que uma força invisível conduzia cada pessoa para a lição que precisava aprender, para a vida que devia levar, para a plenitude que tinha que alcançar. E talvez para a felicidade suprema. Os desastres da vida, uma vez que se olhava para trás, podiam considerar-se frequentemente verdadeiras bênçãos.

Tinham quebrado o coração da Hannah aos dezenove anos, de um modo especialmente cruel. Perdera ao mesmo tempo o homem que amava, o futuro que planejara com ele e a confiança que depositara em sua única irmã. E seu pai tinha falhado, embora o homem se achasse de repente em uma situação muito difícil. E depois se casara com alguém muito mais velho, com idade para ser seu avô, que morreu dez anos depois, quando a flor da juventude a tinha abandonado.

Entretanto, durante todo esse processo não só tinha aprendido a proteger-se daqueles que queriam aproveitar-se de sua beleza ou que a invejavam sem ver a pessoa que havia por

Page 163: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

163

trás dela, e a controlar sua vida em vez de deixá-la em mãos de outras pessoas que depois acabariam culpando-a por ser tão bonita e tão vulnerável. Também descobriu o que possivelmente fosse o verdadeiro propósito de sua vida, um profundo amor pelos que eram mais necessitados que ela, em especial pelos anciões.

E essa descoberta tinha libertado essa parte de seu ser que talvez tivesse permanecido oculta atrás de sua beleza ou depois de seu casamento com Young, caso se casassem. Uma parte de seu ser que, tinha muita certeza, era muito mais terna e vital que a pessoa que foi quando se comprometera com Sir Colin Young.

Ao longo dos últimos onze anos, a vida da Duquesa tinha seguido um caminho muito bem esboçado, coisa que jamais teria imaginado nem planejado doze anos antes. Esses anos não foram um lapso em sua vida, não tinham significado a perda de sua juventude. Ao contrário, foram uma parte integral de tal vida e uma juventude muito bem investida. Não foi uma coincidência que Hannah descobrisse a verdade a respeito de seu noivo e de sua irmã nessas bodas em concreto, nem que Dunbarton tivesse ido e se escondido na sala onde ela procurou o consolo de seu pai. Tudo foi como uma representação teatral disposta de antemão.

Uma representação orquestrada pelo professor dos produtores. Com um enredo que não estava acabado.

É claro, Hannah continuava tendo medo. Medo de acabar escondendo-se atrás da máscara de sereia que era a Duquesa de Dunbarton. Entretanto, isso fazia parte do caminho esboçado. Continuava frágil. Como se fosse uma pessoa apanhada em um edifício em chamas que se aferrasse à cornija de um dos andares superiores, dava medo dar esse último salto para a segurança da manta que seguravam em pé na rua.

Necessitava que dessem tempo para fazê-lo a seu ritmo, quando estivesse preparada. Mas quem era ele para julgá-la? Além disso, seria uma lástima que a Duquesa de Dunbarton desaparecesse por

completo. Era uma criatura magnífica e fascinante. Nesse momento retornou ao interior com o ancião e, ao vê-lo ali em pé, deu de

presente um cálido sorriso. — Quer sentar-se um momento na estufa para desfrutar do sol, Senhor Ward? —

perguntou ao homem. — vou me retirar ao meu aposento para descansar um pouco — respondeu o aludido

— me esgotou, Senhorita Hannah. Acho que vou dormir e sonhar com você e que volto a ser um homem jovem, como este Cavalheiro.

— Conhece o Senhor Huxtable? — quis saber ela — veio comigo. É meu amigo. — Senhor — Con saudou-o inclinando a cabeça — Quer que o ajude a chegar ao seu

quarto? — Posso chegar sozinho, jovem — assegurou o Senhor Ward — só tem que me dar a

bengala que está apoiada nessa cadeira. Agradeço sua amabilidade, mas eu gosto de fazer as coisas sozinho, enquanto puder. Poderia ter dado o passeio com minha bengala, mas não ia

Page 164: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

164

recusar fazê-lo pelo braço de uma dama, não é? Muito menos depois de ter sido um humilde estivador.

Soltou uma gargalhada e Con sorriu. — É hora de ir — disse a Duquesa enquanto o ancião se afastava devagar — Espero

que não tenha se aborrecido. — Absolutamente — afirmou. Dez minutos depois voltavam a cavalo para Copeland Manor. Não falaram até que

deixaram para trás o prado, fecharam o portão e se internaram no pasto. — Duquesa, acho que essa casa está cheia de gente feliz — disse. Ela se voltou para olhá-lo com um sorriso. — A Senhora Broome é a encarregada perfeita — comentou — E seu pessoal é

magnífico. E ela era feliz quando se achava nessa casa, pensou Con. O matrimônio com o velho Duque era o que a levara até ali. Uma vida traçada. No caso de Jon, sua vida o tinha conduzido até Ainsley Park, embora não tivesse vivido

para vê-lo. E em seu caso? Tinha chegado ao mundo dois dias antes do tempo, antes que seus pais

se casassem, com o fim de nascer ilegítimo e não poder herdar o título? Tinha encontrado dessa forma um propósito muito mais profundo e proveitoso que se tivesse convertido em Conde de Merton? Estava melhor, era mais feliz que se sua vida tivesse sido outra? Era uma ideia esmagadora.

Depois de tudo, talvez as circunstâncias de seu nascimento não tivessem embaciado toda sua vida. Talvez a secreta relação que mantinha com o sonho de Jon era justo o que a vida devia lhe proporcionar. Talvez se tivesse se beneficiado de Ainsley Park na mesma medida que as pessoas que passaram por lá.

— Está muito pensativo — a ouviu dizer. — Absolutamente. É meu aspecto mediterrâneo. — Que é esplêndido, por certo — replicou ela, com um tom mais próprio da antiga

Duquesa — Sem seu aspecto, é impossível parecer tão pensativo. Suas palavras arrancaram uma gargalhada. Cavalgaram mergulhados em um silêncio cômodo até que se aproximaram de

Copeland Manor. — Agora vou levá-lo por outra rota — disse ela — Quero que veja algo. — Outro projeto? — perguntou Constantine. — Melhor não — respondeu — Justamente o contrário. É um capricho em toda regra. E em vez de entrar na propriedade e tomar a rota mais curta para a casa, rodearam

pelo perímetro de modo que se afastaram bastante da Mansão, segundo seus cálculos. — A partir deste ponto é melhor ir caminhando — disse ela depois de deter sua

montaria — e levar os cavalos pelas rédeas.

Page 165: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

165

Antes que pudesse desmontar para ajudá-la, Hannah já o tinha feito. Deu uns tapinhas no focinho do cavalo, enganchou-se as rédeas em uma mão e passou a internar-se entre as árvores. Seguiu-a e depois teve a sensação de achar-se no meio do nada, muito longe da civilização.

Hannah se deteve afinal e ergueu o rosto para os altos ramos que tinha por cima. Ficaram mais de cinco minutos sem dizer nada.

— Preste atenção e me diga o que escuta — disse ela. — Silêncio? — comentou ao cabo de um momento. — Não! — exclamou ela — Nunca há silêncio absoluto, Constantine, e a maioria das

pessoas nunca o aceitaria se houvesse. Parece-me que seria aterrador, como a escuridão absoluta. Seria uma espécie de vazio. Tente de novo.

E nessa ocasião escutou um sem fim de sons, a respiração de seus cavalos, os gorjeios dos pássaros, o zumbido dos insetos, o movimento das folhas balançadas pela suave brisa, o distante mugido de uma vaca e outros sons da natureza que não conseguia identificar.

— É o som da paz — sussurrou ela pouco depois. — Acho que tem razão. — O atalho agreste, em caso de que houvesse algum, passaria por aqui — Seguiu

Hannah — o lugar é perfeito para esse tipo de traçado. Haveria bancos, construções ornamentais, coloridas plantas, vistas e só Deus sabe o que mais. Seria fácil de transitar e lindo. Mas não seria um lugar sereno. Não tanto como é agora. Agora mesmo fazemos parte deste lugar, Constantine. Não somos uma espécie dominante. Não o controlamos. Já há bastante controle em minha vida. Aqui venho em busca de paz.

Con atou as rédeas a um ramo baixo e tirou as suas da mão para fazer o mesmo. Em seguida, pegou-a pelo braço, a fez virar até que apoiou as costas dela no tronco de uma árvore e se juntou a ela. Tomou o rosto entre as mãos e a beijou na boca.

Maldição , estava apaixonado por ela! Acreditou-se a salvo com ela. Mais a salvo que com qualquer outra amante. Tomara-a

por uma mulher vaidosa e superficial. A seu lado só esperava achar luxúria e paixão. Havia luxúria a cestas. E paixão, certamente que sim. Mas não estava a salvo absolutamente. Porque era mais

que luxúria. Dava medo admitir que pudesse ser muito mais. A Duquesa devolveu o beijo, jogou os braços no seu pescoço e em questão de

segundos já não estava apoiada na árvore, senão entre seus braços, e os beijos se tornaram mais urgentes e febris. Deu uma olhada ao chão do bosque e se deu conta de que como cama seria tão incômodo como qualquer outro chão. Segurou-a pelo traseiro e a juntou a sua ereção. Ouviu a suspirar contra sua boca antes que afastasse a cabeça.

— Constantine, seria uma falta de respeito para meus convidados que fizesse amor com você em Copeland Manor.

Page 166: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

166

— Fazer amor? — Repetiu, olhando com eloquência o chão — Nesta cama? Acho que não. Só reclamei o meu prêmio. E admito que foi um prêmio muito generoso. Estarei encantado de desafiá-la em outra corrida, quando quiser, Duquesa.

— Da próxima vez eu montarei Jet e você montará Clover. E veremos quem ganha. — Nem em um milhão de anos. E se ganhar, se lhe permitir ganhar, que prêmio

reclamará? — Olhou-a com um sorriso indolente. — Se me permitir ganhar? — De repente, voltava a ser a altiva Duquesa — se me

permitir isso, Constantine? — Esquece o que disse — disse — Que prêmio reclamaria? — Iria obriga-lo a publicar uma nota na imprensa londrina na qual informaria à alta

Sociedade que a Duquesa de Dunbarton ganhou de você em uma corrida equestre por seus próprios méritos, não porque você deixou.

— Iria me converter em um bobo? — Se um homem tiver medo de que uma mulher o ganhe alguma vez, não é digno dela

em nenhum sentido. Nem sequer como seu amante. — Acaba de me pôr em meu lugar, Duquesa — comentou — Assim que peço

humildemente perdão. Estou perdoado? Hannah se pôs a rir e o estreitou com força enquanto voltava a beijá-lo. — Alegro-me de que estejamos aqui — disse — Cada vez sou mais consciente de que a

vida rural me faz mais feliz que a vida na capital. Estou desfrutando muito destes dias. E você?

— Bem, a verdade é que estão sendo uns dias muito sem sexo, mas de qualquer forma, estou passando bem.

Abraçou-a pela cintura com mais força, levantou-a do chão e a fez virar um par de vezes antes de soltá-la de novo e olhá-la com um sorriso. Efetivamente, para sua desgraça não havia sexo.

Nesse caso, por que se sentia tão animado? Tão... Feliz? Olharam-se um bom tempo e de repente a tensão das palavras que tinham deixado

sem pronunciar crepitou no ar. Umas palavras que Constantine temia pronunciar se por acaso depois descobrisse que se apressara. Umas palavras que ela poderia ter pronunciado em voz alta, mas que não disse.

Estaria imaginando que ela tinha algo para dizer? Haveria algo mais que a simples euforia de estar apaixonado? Não sabia. Nunca esteve apaixonado. E não estava familiarizado com esse algo mais, com o amor que excedia a euforia. Com

esse sentimento supostamente eterno. Como se sabia que tinha chegado a esse sentimento? As dúvidas fizeram com que não pronunciasse as palavras. Ao menos da parte dele. E

talvez também da dela. Voltaram a pegar as rédeas e caminharam entre as árvores até sair a campo aberto em um dos extremos do lago.

Page 167: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

167

Andavam cotovelo com cotovelo, embora teria sido mais fácil caminhar em fila. Foram de mãos dadas. Com os dedos entrelaçados.

Era muito mais íntimo que um abraço. Hannah não tinha planejado nada em concreto para essa noite. Supunha que seus

convidados agradeceriam por uma noite tranquila na qual fariam o que quisessem. Entretanto, Marianne Astley sugeriu jogar charadas depois que os Cavalheiros se reunissem às damas no salão, após o jantar, e todo mundo ficou encantado de participar.

Estiveram jogando um par de horas até que alguns convidados desistiram e declararam sua intenção de limitar-se a observar.

Lady Merton se aproximou de Hannah. — Se não se importar, vou sair ao terraço em busca de ar fresco — disse Cassandra ao

mesmo tempo em que assinalava as janelas francesas que estavam abertas — quer me acompanhar?

Hannah deu uma olhada ao redor. Sua presença não seria necessária durante um bom tempo.

Barbara, ruborizada e sorridente, interpretava nesse momento uma frase para sua equipe, cujos membros gritavam suas respostas, arrancando gargalhadas e alguns comentários inteligentes aos da equipe contrária.

— Faz um pouco de calor aqui, sim — concordou. O terraço era fresco, mas não era tão desagradável sobre os braços nus para fazê-las

retornar ao interior em busca de seus xales. Lady Merton pegou seu braço enquanto passeavam pelo terraço, inclusive desceram

ao prado, mas não se afastaram muito, só até onde chegava a luz procedente do salão. — A Senhorita Leavensworth é uma dama encantadora — disse Cassandra — Antes

nos contou que vocês são amigas de toda a vida. — Sim — replicou Hannah — tive muita sorte. — Mas vive muito longe de você grande parte do ano — continuou a Condessa — É

uma pena. Minha melhor amiga foi minha preceptora durante uma época de minha vida e depois se converteu em minha dama de companhia. Mas foi minha amiga todo tempo, a única pessoa em quem podia confiar por completo. Casou-se o ano passado, justo antes que Stephen e eu. É um matrimônio por amor, pelo que me alegro muito, e vivem em Londres quase todo o ano. Mesmo assim, sinto falta dela. As amigas íntimas precisam estar perto.

— Eu estarei eternamente agradecida aos inventores do papel, da tinta, da pena... E da escrita — disse Hannah.

— Certo — concordou Cassandra — Mas na primavera passada me teria sentido muito só se não tivesse contado com a companhia constante de Alice. Eu era viúva, todo mundo achava que tinha assassinado meu marido, e a família de meu falecido marido me dera às costas como meu irmão, embora tenha sido só por um tempo.

Page 168: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

168

Nesse momento Hannah percebeu que não era uma conversa superficial. — Sentia-me sozinha até contando com a companhia de Alice — prosseguiu a

Condessa — Até que conheci Stephen, é claro, e sua família me adotou. Como se pode imaginar, não me aceitaram de boa vontade de primeira. Mas suas irmãs são umas mulheres únicas. Cresceram em um vilarejo muito humilde, quase na pobreza, e parecem mais aptas que o resto da alta Sociedade, na hora de analisar um assunto e reparar no verdadeiramente importante. E muito mais capazes de mostrar compaixão, compreensão e amizade verdadeira.

— Teve muita sorte, Lady Merton — disse. — Pode me chamar de Cassandra se quiser — sugeriu a aludida. — Cassandra — repetiu — É um nome lindo. Sou Hannah. Detiveram-se e ambas olharam a lua, que acabava de sair por trás de uma nuvem.

Estava em quarto minguante e parecia um pouco torcida. — Hannah — disse Cassandra — Cometemos um erro. — Como diz? — perguntou. — Stephen e suas irmãs nem sequer sabiam da existência de Constantine até que

chegaram a Warren Hall e o conheceram — Seguiu a Condessa de Merton — Amaram-no desde o começo e se compadeceram muito dele, porque acabava de perder seu único irmão. Entenderam que para ele devia ser muito difícil ver como se apropriavam de seu lar e ver como Stephen herdava o título que até fazia pouco tinha pertencido ao seu irmão. E depois havia todo esse assunto de ter nascido dois dias antes do tempo, de modo a não poder herdar. Constantine é um homem muito reservado e misterioso, e mantém uma longa rixa com Elliott, que também se estende a Vanessa, mas os outros o querem muito e só desejam vê-lo feliz.

— Não tenho intenção de me casar com ele — assegurou Hannah sem afastar o olhar da lua — Nem de romper seu coração. Temos uma aventura, Cassandra. Estou certa de que a família estará a par, mas o coração não tem nada a ver.

Não sabia se era de todo certo, mas no caso de Constantine, certamente era assim, e isso era o único que importava a sua família. Embora essa tarde...

— Mas esse é o problema — respondeu Cassandra com um suspiro — Estávamos preocupados, Hannah. Embora Constantine tenha mais de trinta anos e é mais que capaz de se cuidar, você é diferente de outras mulheres. Acreditávamos que era muito possível que brincasse com seus sentimentos, que o humilhasse e que inclusive fizesse mal a ele. Não achamos necessário protegê-lo de você, teria sido absurdo, mas acreditamos que era necessário demonstrar nosso repúdio sempre que fosse possível.

— E por isso recusaram meu convite — indicou — Estava em seu direito. Não temos por que aceitar convites que não queiramos. Eu jamais aceito. O Duque me ensinou a demonstrar minha firmeza nesse tipo de situações. Ensinou a não sofrer um aborrecimento desnecessário e a não aguentar idiotas por obrigação, quando não há obrigação alguma. Não

Page 169: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

169

me deve uma explicação sobre os motivos de sua negativa a vir, nem tampouco sobre os que os levaram a mudar de opinião depois.

— Hannah, as pessoas me julgaram muito mal quando cheguei a Londres no ano passado, deram-me as costas — respondeu Cassandra — Não há nada pior que isso, por muito que uma pessoa se diga que não importa. Em seu caso, a Sociedade não lhe dá as costas. Justamente o contrário, de fato. Mas sim a julga mau.

— Talvez me interesse que as pessoas me julguem mal — replicou Hannah ao mesmo tempo em que levava a Condessa para um banco situado sob um carvalho próximo — me consola um pouco saber que tenho um pouco de intimidade, inclusive na situação mais pública, que me posso esconder a plena vista.

Sentaram-se e Cassandra soltou uma gargalhada. — Além do que já contei: Quando cheguei a Londres no ano passado estava arruinada

— disse — e tinha outras pessoas a meu encargo. Decidi que a única maneira de sobreviver era procurar um homem rico que me mantivesse. E por isso fui a um baile para seduzir Stephen, que me parecia um anjo. Cometi o erro de acreditar que os anjos são por definição, fracos e fáceis de dirigir... Mas essa é outra história. Lembro que estava no salão de baile, rodeada por um espaço vazio. Aos olhos dos outros, foi um escândalo que tivesse ido sem convite, e esse atrevimento me tinha tão mortificada que ardia no desejo de que me engolisse a terra. Entretanto, tirei forças do fato de que ninguém me conhecia de verdade, de que ninguém conhecia a pessoa que se ocultava por trás da fachada da assassina do machado, ruiva que todo mundo via.

— Mas o Conde de Merton dançou com você — ela recordou. — Essa também é outra história — disse Cassandra — Eu melhor que ninguém deveria

me ter dado conta ao vê-la a princípios da primavera de que não estava vendo a verdadeira Duquesa de Dunbarton.

— Aí se equivoca — replicou — Eu sou a Duquesa de Dunbarton. Casei-me com o Duque com dezenove anos, e as pessoas sempre acreditarão que se casou comigo por minha juventude e minha beleza e que eu me casei com ele por seu título e sua riqueza, fui sua esposa. E agora sou sua viúva. Ensinou-me a ser uma Duquesa, a manter a cabeça bem alta, a controlar minha vida e a não deixar que ninguém se aproveitasse de mim, por minha beleza ou por qualquer outro motivo. Eu gosto da pessoa que ajudou a criar, Cassandra. Sinto-me confortável como a Duquesa de Dunbarton.

— Expressei-me mal — respondeu a Condessa — Queria dizer que ao olhá-la, deveria me ter dado conta de que não estava vendo-a por completo. Embora tenha muito presente que no fundo não a conheço absolutamente, claro. Entretanto, Margaret nos contou quão amável foi com o avô de Duncan quando foi vê-la em Claverbrook House e que se despediu dele com um beijo na face. E também nos contou que convidou nossos filhos à festa campestre, apesar de todos termos recusado o convite. E durante estes dois dias, vi uma faceta sua que ninguém pode ver quando está na cidade. É uma pessoa amável, hospitaleira,

Page 170: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

170

generosa e carinhosa, Hannah, e queria que soubesse que me apressei ao julgá-la. Todas nós queríamos que soubesse.

— Isso quer dizer que a escolheram para ter esta conversa comigo? — perguntou Hannah, sem ter muito claro se a situação era divertida ou se sentia um pouco doída.

— Absolutamente — respondeu Cassandra — Mas sim é verdade que falamos do assunto longa e extensivamente, enquanto você e Constantine estavam fora, aproveitando que as crianças estavam dormindo ou brincando. E chegamos à conclusão de que devíamos achar o modo de dizer que estamos muito arrependidas de tê-la recusado com tão poucas provas.

— Não têm por que se sentirem obrigadas a fazer isso — replicou. — Claro que não — concordou a Condessa — Mas todas queremos oferecer nossa

amizade, se a aceitar, depois de um começo tão acidentado. — Com a condição de que não faça mal a Constantine? — perguntou. — Esse assunto não tem nada a ver com isto — assegurou Cassandra — Constantine

pode se cuidar sozinho. E já sabemos que não é o tipo de pessoa capaz de brincar com seus sentimentos ou de humilhá-lo. Se ele der por terminada a relação no final da temporada ou se você o fizer, ou se separam de mútuo acordo, é um assunto que só concernirá a vocês dois. Mas acredito que eu gostaria de tê-la como amiga, Hannah, e Margaret e Katherine são da mesma opinião. E se serve de algo, Vanessa nos disse na semana passada que sempre a agradou e que sempre a admirou, que era muito paraa Constantine. — A Condessa soltou outra gargalhada.

Isso teria que acabar, essa rixa absurda, pensou Hannah. O Duque de Moreland teve parte de culpa ao tirar conclusões precipitadas sobre seu

primo, que também era seu melhor amigo, e ao acusá-lo de delitos espantosos, é claro. Mas Constantine também era culpado de ter-se ofendido até tal ponto que nem sequer tentou explicar que mau o tinha julgado.

Quão mau o julgaram. Outra vez esse conceito. Acabavam de oferecer a amizade de três mulheres que estava convencida de que

agradariam. Talvez de quatro. A Duquesa de Moreland havia dito que a admirava e a agradava.

E aparentemente estavam oferecendo uma amizade incondicional. —Alguéns nos descobriram — anunciou Cassandra, de modo que Hannah ergueu a

vista e viu que o Conde de Merton e Constantine cruzavam o prado para elas — Um anjo e um demônio. Assim foi como os qualifiquei a primeira vez que os vi durante um passeio pelo Hyde Park no ano passado. E Stephen é um verdadeiro anjo.

Deu um salto o coração... Embora acabava de ver Constantine no salão há menos de quinze minutos. A abstinência estava fazendo estragos com suas emoções. Não só porque ansiava fazer amor, que era verdade, mas sim porque a obrigava a pensar em sua relação. E não gostava do rumo que estavam tomando seus pensamentos.

Page 171: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

171

Enfim, gostava sim, mas... Mas o que ele esteve a ponto de dizer no bosque essa tarde, por mais que no fim

tivesse guardado silêncio? Foi mais que evidente que tinha as palavras na ponta da língua. Assim como ela. No final acabaria destroçada. Fazia mal ao acreditar que podia brincar com fogo sem se

queimar. Ou que talvez não acabasse destroçada. Talvez... — Viemos em busca de felicitações por ganhar — disse o Conde quando estiveram

bastante perto para que o escutassem — Embora aqui as damas presentes não tenham sido testemunhas da vitória.

— Os perdedores nos acusaram de ganhar só porque tínhamos à Senhorita Leavensworth em nossa equipe. Mas isso soa a pura inveja.

— Eu estava na equipe perdedora — recordou Cassandra — Não acredito que nenhum de meus companheiros sejam invejosos. E qualquer equipe que conte com a Senhorita Leavensworth em suas filas teria uma vantagem injusta.

— Ah! Por Deus! — Exclamou seu marido — Cass, não está sendo objetiva. Assim será melhor que mudemos de assunto antes de chegar aos punhos. — Colocou um pé no banco junto a sua esposa e apoiou um braço na perna levantada.

Constantine apoiou um ombro no tronco da árvore, junto a ela, e cruzou os braços diante do peito.

— Que maravilhoso é este silêncio — comentou o Conde de Merton ao fim de um momento.

— Não há silêncio, Stephen — contradisse-o Constantine — se prestar atenção, escutará o sussurro do vento entre as árvores, o gorjeio de um rouxinol e as risadas procedentes do salão, entre outros sons. Todos contribuem à sensação de paz e bem estar. Hannah me ensinou isso esta tarde enquanto dávamos um passeio pelo bosque.

Todos aguçaram os ouvidos. Salvo Hannah. Acabava de chamá-la por seu nome de batismo. Pela primeira vez. Ali estava ela, fazendo parte de um grupo relaxado, desfrutando da calidez do

momento. Não se achava no centro, como uma rainha rodeada de sua corte, como costumava acontecer.

Era parte dele. Se evitasse os últimos vestígios de suas defesas, até podia acreditar que fazia parte de

um grupo composto por dois casais. Apertou as mãos com força sobre seu colo. Era incapaz de abandonar totalmente suas

defesas. A potencial dor da perda e a possibilidade de acabar com o coração destroçado, seria muito para ela.

O outro casal estava casado. Seu filho recém-nascido dormia no quarto infantil. Quando acabasse a festa campestre, retornariam a Londres juntos. Quando acabasse a primavera, retornariam para casa juntos.

Page 172: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

172

Inclusive nessa noite dormiriam abraçados. — Tem toda a razão do mundo, Con — disse o Conde depois de uns minutos e parecia

surpreso. Constantine pôs uma mão em um ombro. Hannah tinha vontade de chorar. Ou de ficar em pé de um salto e começar a dançar sob a luz da lua. CAPÍTULO 17 Na manhã seguinte todos os convidados pareciam muito emocionados pela festa

infantil que se faria a tarde, inclusive os que não tinham filhos. Depois do café da manhã, alguns Cavalheiros, liderados pelo Senhor Park, saíram para

sinalizar um campo de criquet não muito longe do lago. Julianna Bentley e Marianne Astley partiram com Katherine, que não estava muito

pálida, para reclamar um lugar em um suave declive situado justo ao lado do prado onde se fariam as corridas.

Barbara Leavensworth encabeçou um comitê criado por ela mesma com o fim de planejar uma caça ao tesouro. Lawrence Astley e Sir Bradley Bentley se ofereceram para experimentar o barco, que foi pintado e reparado no ano anterior, mas que na realidade nunca se usara.

Page 173: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

173

Jasper, Lorde Montford, levou as crianças maiores para montar a cavalo com a intenção de tirá-los um pouco do meio. Algumas mães, acompanhadas por Stephen e pelo Senhor Finch, ficaram no quarto infantil para entreter os menores.

Um total de vinte e duas crianças de várias idades procedentes dos arredores chegariam pouco depois do almoço. Seus pais também estavam convidados a tomar o chá ao ar livre, junto ao lago.

Hannah estava na cozinha consultando-se com a cozinheira, algo desnecessário na opinião de Con. Ela era a mais emocionada de todos. Durante o café da manhã estava resplandecente. Tinha as faces ruborizadas e os olhos brilhantes.

Ia a caminho para experimentar o barco com Bentley e Astley, mas teve que atrasar-se pela chegada de uma carta remetida pelo Harvey Wexford. O carimbo era de Londres.

Poderia ter adiado a leitura, mas como acabava de receber um informe de Ainsley Park uns dias antes, não esperava receber outro tão cedo. A curiosidade ganhou a partida, assim se deteve no terraço para lê-la.

Hannah o achou ali mesmo quando saiu do salão pelas portas francesas. Sua intenção era ir ao lago para ver como iam os preparativos.

Con a olhou com um sorriso e dobrou a carta. — Sua cozinheira tem tudo sob controle? — perguntou. — É claro. Ofereceu-me um quente recebimento e me convidou a ficar desde que não

me internasse muito em seus domínios nem a estorvasse. — Soltou uma gargalhada e o olhou.

Depois olhou o ocupado grupo que se achava um pouco afastado da casa. E depois cravou o olhar na carta.

— aconteceu algo? — Não, nada. — Voltou a sorrir. Hannah se sentou no banco, a seu lado. — Constantine — disse — O que aconteceu? Insisto que me conte. — Ah, sim, Duquesa? — replicou, olhando-a com os olhos entrecerrados. Ela se limitou a olhá-lo em silêncio. — Assim é impossível manter uma relação — disse ao final. — A nossa é uma relação? — respondeu ele — Deitamos juntos e nos satisfazemos um

ao outro. Não acredito que isso possa catalogar-se como uma relação. Hannah o olhou com expressão inescrutável durante um bom momento. — Deitávamos — disse ela — Satisfazíamos um ao outro. No passado. Ficou em pé e se pôs a andar em direção ao lago sem pronunciar mais outra palavra e

sem olhar atrás. Tinha-o gravado na medula dos ossos, não é verdade? Ele se perguntou. Tinha gravada a profunda necessidade de proteger-se de qualquer dano recorrendo à

introversão. Desde sua mais tenra infância, conforme recordava foi consciente de que não cumpria as expectativas, de que não era adequado. Tinha abandonado o ventre de sua mãe

Page 174: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

174

muito antes, duas semanas antes do esperado, dois dias antes que seu pai pudesse comprar uma licença especial e se casar com sua mãe. Sua mãe o reprovara, talvez com o convencimento de que era muito pequeno para entendê-la, que se tivesse esperado um pouco para nascer quando devia, suas gravidezes anuais, seus abortos e seus partos prematuros não teriam sido necessários. Seu pai o tinha reprovado, quando era mais que evidente que era bastante grande para entendê-lo, que os fracassos de sua esposa não seriam tão fastidiosos se tivesse esperado uns dias mais para nascer como filho legítimo. Até sua boa saúde foi um defeito. Porque responsabilizava seus pais de seus contínuos fracassos, para engendrar um herdeiro são e legítimo.

E depois havia Jon, a quem tinha odiado porque ele é quem teria feito melhor papel como Conde de Merton à morte de seu pai. E o incomensurável amor que sentia por ele. E a culpa de sentir ódio quando Jon só queria amor. Quando ele só dava amor.

E depois chegou a necessidade de proteger o ambicioso plano de Jon para Ainsley Park, de assegurar-se que nada, nem ninguém o deteriam, pelo simples motivo de que aos olhos do mundo era um imbecil. E a negativa de incluir Elliott no segredo, porque seu primo, surpreso pela precipitação com a que tinha herdado o título de seu pai e suas responsabilidades, certamente teria escolhido proteger Jon dele.

E depois se produziu a terrível traição de Elliott, suas acusações em vez de suas perguntas.

Claro que, teria respondido a tais perguntas com sinceridade se as tivesse formulado? Talvez não. Provavelmente não. De qualquer forma, Elliott teria sentido a necessidade de por fim ao plano de Jon. Teria considerado oportuno proteger a propriedade, mantê-la intacta. Nisso consistia o trabalho dos tutores legais.

O problema não era que Elliott carecesse de coração, mas sim depois da repentina morte de seu pai, tinha submetido tal coração ao dever. Ao menos naquela época. Porque desde que se casara com Vanessa parecia tê-lo redescoberto. Claro que o dano já acontecera.

Jon estava morto, e uma amizade de toda a vida tinha acabado destroçada. De modo que o segredo e a introversão se converteram em parte de sua natureza. E

nesse momento acabava de ser cruel com alguém que não merecia sua crueldade. Deus santo, amava-a! Grande forma de demonstrar. Fazia também parte de sua natureza a crueldade e o

desapego? Tanto se parecia com seu pai? Ele ficou em pé para segui-la. Entretanto, não percebeu que Hannah dera meia volta e estava quase diante dele.

— Sinto muito — se desculpou. — Não só nos deitamos, Constantine — o corrigiu ela — Não só nos satisfazemos um

ao outro. Há muito mais, queira admitir ou não. Não vou por um nome. Não estou certa de poder fazê-lo. Mas há mais, e não suporto que me mantenha às cegas, quando se trata da dor mais enraizada em seu coração. Você conhece a minha. Mas em caso de não ter sido muito explícita a respeito, esclareço isso agora. Cresci odiando minha beleza porque me

Page 175: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

175

distanciava das pessoas a quem só queria amar. Minha irmã me invejava, embora eu passasse a vida tentando não dar motivos e ao final me fez um dano terrível, talvez porque eu o fiz antes a ela. Talvez sempre quisesse Colin. Ou talvez o quisesse só porque o amava e o consegui. Meu pai se achava entre as duas e não soube o que fazer depois de minha mãe morrer, assim, acabou me defraudando de uma forma espantosa ao ficar do lado de Dawn, quando deveria ser claro que era ela quem se comportou mau, que acabava de me destroçar o coração. Sim, reconheço, talvez não sejam vilões de livro, nem sequer Colin! Talvez todos achavam que estavam fazendo e dizendo o correto. Quem sabe? Mas deveriam ter tido em conta meus sentimentos, deveriam ter considerado que eu era tão frágil como a jovem mais feia do mundo, porque a beleza não é um repelente contra a dor e o sofrimento. Estou agradecida a Deus e não pronuncio seu nome em vão, por ter me dado Barbara, que me apoiou e me amou durante toda minha vida, e por me ter dado o Duque, que foi capaz de ver além de meu físico e de reconhecer à menina assustada e destroçada que perturbava a paz que tinha procurado naquela biblioteca com seus indignos e escandalosos soluços.

— Duquesa... — disse. — Ensinou-me a resgatar, a cuidar e a fortalecer à pessoa destroçada que vivia em

meu interior para que voltasse a ser forte — Seguiu ela — me ajudou a voltar a me valorizar e me querer, sem vaidade, senão aceitando à pessoa que existia na realidade por trás desse físico que sempre tinha atraído os outros de uma forma tão superficial. Assegurou-me que podia voltar a amar, e de fato amei, e que podia confiar no amor, como acabei confiando no seu. Ainda sou um pouco frágil, mas estou pronta para estender outra vez as asas. Essa era minha dor, Constantine. Segue sendo minha dor. Por trás da invulnerável armadura da Duquesa de Dunbarton, há uma pessoa que bate as asas com insegurança.

Con engoliu em seco para desfazer o nó que tinha na garganta. — O sonho de Jon está a ponto de converter-se em um pesadelo — disse ao mesmo

tempo em que segurava a carta, que ainda tinha na mão — Jess Barnes, um dos trabalhadores de Ainsley Park, que sofre um atraso mental, deixou aberta uma noite a porta do galinheiro. Com a má sorte, entrou uma raposa e matou dez ou doze galinhas. Meu administrador assegura que a reprimenda não foi muito dura, Jess se esforça tudo o que pode para fazer as coisas bem e é um dos trabalhadores mais diligentes da granja. Mas Wexford disse que eu levaria uma decepção ao me inteirar de seu descuido. De modo que na noite seguinte Jess entrou no galinheiro de meu vizinho mais próximo e roubou quatorze galinhas. E agora está consumindo-se no cárcere, apesar das galinhas terem sido devolvidas sãs e salvas, junto com seu valor monetário como compensação e com Jess se desculpando entre lágrimas. Esse vizinho em particular não nos viu nunca com bons olhos, nem ao meu projeto nem a mim. Jamais perde a oportunidade de se queixar por algo. E agora tem as provas que necessita para demonstrar que o projeto supõe um grande risco e que está condenado ao fracasso.

Hannah tirou a carta e a deixou na mesa, depois pegou as mãos dele. Não se dera conta do como as tinham frias até que notou o calor das suas.

Page 176: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

176

— O que acontecerá ao pobre rapaz? — perguntou. — O pobre rapaz tem quarenta anos mais ou menos — ele indicou — Wexford o

arrumará. Está claro que Jess não quis roubar, mas sim sua intenção era a de me agradar emendando o erro que cometera. Além disso, Kincaid foi generosamente recompensado, embora não o culpo por se zangar. O maior temor de meus vizinhos sempre foi a insegurança de ter tão perto gente de má reputação. De qualquer forma, não suporto pensar que o pobre Jess está no cárcere, sem saber sequer muito bem por que está ali. Será melhor que vá a Ainsley Park quando voltarmos a Londres na semana que vem.

— Quer ir hoje? — ela sugeriu. — Isso suscitaria muitas perguntas — respondeu olhando-a nos olhos — E quero

passar o resto do dia com você embora insista em que nos abstenhamos de... Satisfazer-nos um ao outro.

Sorriu. Mas Hannah não devolveu o sorriso. — Obrigada, Constantine — disse pelo contrário. — Obrigada por me contar isso. Maldição! Acabavam de encher os olhos de lágrimas, Por Deus! Afastou as mãos das de Hannah com brusquidão e se voltou para pegar a carta de

Wexford. Esperava que ela não se desse conta. Isso era o que acontecia quando uma pessoa se abria um pouco e se desafogava com alguém. Não deveria tê-la arrasado com seus problemas. Muito menos quando estava preparando uma festa.

— Amo-o — a ouviu dizer. Con voltou a cabeça com rapidez, esquecidas repentinamente as lágrimas, e a olhou,

perplexo. — É verdade — sussurrou Hannah — Não tome como algo ameaçador. O amor não

impõe correntes ao ser amado. Está aí sem mais. E com essas palavras se deu meia volta e atravessou o prado de novo. Nessa ocasião

não voltou. Maldição! Até que ponto seria idiota, todo assustado? Não seria fascinante para a alta Sociedade,

a notícia de que o amor dava medo ao próprio demônio? Apesar disso talvez ter um certo sentido, do ponto de vista teológico, refletiu com sarcasmo.

Amo-o, Con. Quero-o mais que a ninguém no mundo. Quero-o muito, muito, muito. Amém.

Essas foram as palavras do Jon a noite de seu décimo sexto aniversário. Na manhã seguinte o achou morto.

Amo-o, acabava de dizer Hannah. Fechou os olhos. E suplicou a Deus que Wexford tivesse conseguido tirar Jess do

cárcere a essas alturas. E foi uma oração de verdade. A primeira que rezava em muito, muito tempo.

Page 177: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

177

A festa infantil foi longa, caótica e espantosamente ruidosa. As crianças se divertiram muito, salvo possivelmente o bebê de Cassandra e outro mais

que ainda não sabia andar. Ambos passaram a maior parte do tempo dormindo como se o que estava acontecendo não tivesse nada de especial.

Os adultos pareciam um pouquinho cansados quando os vizinhos por fim levaram seus filhos para casa depois de terem recolhido todos os brinquedos e os trastes para voltarem com seus próprios filhos.

— Se depois de uma festa infantil — disse a Senhora Finch — se acaba tão cansado que é impossível por um pé diante do outro sem fazer um grande esforço, é que a festa foi um grande êxito. Sua festa foi magnífica, Excelência.

Todos riram, exaustos, para dar razão. Hannah estava feliz e orgulhosa de si mesma enquanto se arrumava para o jantar por

volta de uma hora mais tarde. Envolveu-se nos jogos com as crianças durante toda a tarde em vez de manter-se em um segundo plano, como poderia ter feito se tivesse exercido o papel de anfitriã elegante. Inclusive tinha participado de uma corrida de três pernas acompanhando uma menina de dez anos que não tinha parado de gritar em nenhum momento, deixando-a um pouco surda do ouvido mais próximo e um tanto dolorida em mais de um lugar pelas numerosas quedas que tinham sofrido. Estava feliz.

Confessara a Constantine que o amava e não se arrependia. Amava-o e era algo que tinha que dizer. Não esperava nada em troca, ou ao menos tentava convencer-se disso. Porque ao longo da vida se deixavam muitas coisas no tinteiro que, se dissessem, poderiam supor um antes e um depois.

Havia dito que o amava. Mal se tinham falado durante a tarde. E não porque queriam se evitar. Mais porque

tinham passado todo o tempo brincando com as crianças e falando com os vizinhos, de modo que apenas se cruzaram.

Claro que Hannah tampouco se esforçara para se cruzar com ele. Sentia-se um pouco envergonhada, na verdade. Sabia que Constantine não zombaria dela por confessar algo assim, mas...

E se risse? Perguntou-se. Não pensava dar mais voltas ao assunto. Era a última noite de sua festa campestre, e

embora com certeza todos estivessem cansados, tinha a impressão de que adorariam passar uma relaxante noite no salão. Estava desejando relaxar com todos eles.

Além disso, tinha a impressão de que contava com umas amigas, que assim continuariam sendo, uma vez que todos voltassem para Londres. Amigas além de Barbara, é claro.

Tinha percebido tal amizade essa tarde. Com Cassandra e suas duas cunhadas, e inclusive com a Senhora Park e a Senhora Finch. Tanto Lady Montford como a Condessa de Sheringford tinham encontrado um momento para convidá-la para que as chamasse pelo nome de batismo. A partir de então seriam Katherine e Margaret.

Page 178: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

178

Tomara em Londres pudesse achar coragem para ser quem realmente era, além de se mostrar como a Duquesa de Dunbarton.

A vida era complicada. E emocionante. E incerta. E... Enfim, valia a pena vivê-la. — Adele, assim está perfeito — disse ao mesmo tempo em que voltava a cabeça de

um lado e ao outro para ver-se no espelho. Levava o cabelo encaracolado e recolhido de forma muito simples. Tinha escolhido um

vestido de cor rosa escuro. A princípio pensou em descartar as joias, mas o pronunciado decote da blusa necessitava algo para não parecer muito nua. Decidiu-se por um simples diamante, autêntico nesse caso, que pendia de uma corrente de prata. Na mão esquerda ficou seu anel mais prezado, seu presente de bodas, junto com sua aliança.

— Isso é tudo, obrigada — acrescentou e continuou olhando-se no espelho depois que sua criada partiu.

Tal como costumava fazer de vez em quando, tentou ver-se como a viam outros. Em Londres, é claro, assegurava-se de que outros a vissem de certo modo. Mas em Copeland Manor? Tinha percebido amizade durante os últimos dias. Além do fato de ser a anfitriã, havia se sentido como se ninguém a visse como alguém mais especial que o resto das damas.

Seria pela roupa? Não se tinha vestido de branco nenhuma só vez. Ou talvez fosse o cabelo? Nessa noite levava um penteado mais sofisticado que nas anteriores noites, mas não era tão elegante como os que costumava usar em Londres. Ou se devia mais à relativa escassez de joias? Seria outra coisa? Teriam visto seus convidados ao longo desses dias o mesmo que ela via nesse instante? A ela mesma?

Seria capaz de inspirar amor, ou ao menos simpatia e respeito, como ela mesma? Afinal, não era a única mulher bonita do mundo. Nem sequer nesse momento.

Cassandra e suas cunhadas eram espantosas. A Senhora Finch era bonita. Assim como Marianne Astley e Julianna Bentley. Barbara era linda.

Suspirou e ficou em pé. Alegrava-se muito de ter organizado a festa campestre. Tinha desfrutado como não recordava ter desfrutado com nada em muito tempo. Além disso, ainda restava uma noite. No dia seguinte voltaria para Londres.

Constantine e ela poderiam passar a noite juntos. A menos, claro estava, que ele sentisse a necessidade de ir imediatamente a Ainsley Park para comprovar que o assunto de seu trabalhador se arrumara.

Esperava pelo bem de ambos, do homem e de Constantine, que a situação se resolvesse logo.

— Amanhã de noite — disse Con enquanto contemplava as estrelas, tão numerosas

que seria impossível contá-las — Minha carruagem esperará às onze em ponto. Espero-a em minha casa às onze e quinze. Nem um minuto depois. E a quero em minha cama às onze e vinte. Não precisamente para dormir. Prepare-se para uma orgia como nenhuma outra.

Hannah riu baixo, com a cabeça apoiada em seu braço.

Page 179: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

179

Estavam estendidos à margem do lago. Todos estavam agradavelmente cansados depois da festa infantil e do lanche ao ar livre, assim receberam com agrado a ideia de passar a noite sentada no salão, conversando ou escutando qualquer um que tivesse a pretensão de tocar piano ou de cantar.

A Duquesa por sua parte não teve o menor reparo em deixar seus convidados por si mesmos quando Constantine a convidou a dar um passeio. De fato, seus primos tinham trocado alguns sorrisinhos indulgentes.

Suas primas, para mais gestos, a chamavam de Hannah e, além disso com intimidade, conforme se tinha percebido com o passar do dia.

— Não penso protestar absolutamente — replicou ela — Mas o advirto que depois de semelhante fanfarronada, terá que estar à altura. Exijo que o esteja.

— Irei a Ainsley Park na manhã seguinte — informou — Devo ir. Possivelmente tudo esteja solucionado a esta altura, mas devo ir pessoalmente para acalmar os ânimos de Kincaid e de outros vizinhos. E para agradecer a Wexford que se encarregou do assunto em meu nome. E para assegurar a Jess que não me decepcionou absolutamente. Talvez não nos vejamos em uma semana.

— Será muito aborrecido — respondeu Hannah — Mas suponho que sobreviverei. E suponho que você também. Deve ir.

De repente, o final da temporada social parecia muito próximo. De fato, se não tivesse sido por sua aventura com a Duquesa, possivelmente teria decidido que não valia a pena voltar para Londres. Entretanto, de momento era incapaz de expor-se a possibilidade de acabar com a aventura. Porque talvez...

Enfim, concluiria o pensamento em outra ocasião, decidiu. Nessa manhã tinha confessado que o amava. O que tinha querido dizer exatamente?

Não era uma pergunta que pudesse formular em voz alta, embora adoraria conhecer a resposta.

— Enquanto isso... — disse enquanto afastava o braço sobre o que descansava a cabeça de Hannah. Endireitou-se, apoiando-se no cotovelo e olhando-a nos olhos — Não sei, mas acredito que falta muito para que chegue amanhã. — Inclinou a cabeça e a beijou.

Foi uma exploração lânguida, primeiro com os lábios e depois com a língua, que introduziu em sua boca.

— Sim — concordou ela com um suspiro quando se afastou de seus lábios. Con esfregou o nariz com o seu. — Respeitarei seus desejos, Duquesa — assegurou — embora seja possível que seus

convidados tenham certas ideias com respeito ao que estamos fazendo aqui fora. Permita-me amá-la sem desonrar seus desejos.

— Como? — Hannah levantou uma mão e colocou o indicador no ponto onde seu nariz se torcia.

— Não haverá penetração — respondeu — prometo isso.

Page 180: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

180

— E dessa forma preservaremos a respeitabilidade — replicou ela — Algo menos a penetração, e nossos convidados pensando o pior. É a história de minha vida...

Con ficou de joelhos e se colocou escarranchado sobre ela. Abaixou o vestido pelos ombros, deixando descobertos seus seios que passou a acariciar com delicadeza antes de capturar seus mamilos com o indicador e o polegar. Ao fim de um momento se inclinou para levar à boca, primeiro um e depois outro. Voltou a beijá-la na boca enquanto afundava as mãos no cabelo, introduziu a língua para que a sugasse e a incitou a fazer o mesmo.

Hannah colocou as mãos sob a camisa, e foi abaixando até as deixar por debaixo dos calções.

Ela ardia de paixão. E ele palpitava de desejo. Descobriu que não foi uma boa ideia depois de tudo. Além disso, que diferença haveria

se a penetrava e ambos alcançavam o clímax? Era o que ambos desejavam. Estavam com muita saudade em muitos dias com suas correspondentes noites. Moveu-se para deitar-se ao seu lado sem afastar-se de seus lábios, e introduziu uma

mão por debaixo de sua saia. Deixou para trás a suavidade da meia de seda, a ardente pele da face interna de suas coxas e chegou...

— Não. Por surpreendente que fosse, essa voz era a sua. Retirou a mão, desceu a saia e levantou a cabeça. — Maldito seja, Constantine! — escutou-a exclamar com grande surpresa. E depois

acrescentou — Mas obrigada. Em seguida, jogou os braços ao pescoço e puxou-o para beijá-lo. Foi um beijo delicado e terno. Con sentia como pulsava o coração no peito, percebia o ardor de sua paixão, o grande

esforço que estava realizando para manter o beijo dentro dos limites do decoro. — Obrigado — repetiu ela ao fim de uns minutos, estreitando-o com força —

Obrigado, Constantine. Não sei se teria sido capaz de me conter. É tão irresistível... Acertei com você desde o começo.

Queria dizer isso que de ter insistido teriam acabado...? Alegrava não tê-lo feito. Mas maldição! Merecia-se uma medalha de honra ou algo parecido. Certamente não havia nenhuma só pessoa no salão que não imaginasse desfrutando

de tudo o que tinha para desfrutar com Hannah. A Duquesa possuía um estranho, embora ternamente maravilhoso sentido da honra. Retornaram à casa de braços agarrados, enquanto rememorava as palavras que havia

dito essa manhã. E que não tinha repetido depois. Possivelmente porque não as tinha correspondido? Poderia corresponder? Faria?

Eram as duas palavras mais perigosas que existiam, se as uniam na mesma frase. Porque eram irrevogáveis.

Teria que refletir sobre a possibilidade de dizer-lhe.

Page 181: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

181

Talvez durante a noite seguinte. Ou quando voltasse de Ainsley Park. Ou nunca. Uma covardia. Uma amostra de inteligência. — Terei que subir ao meu dormitório antes de retornar ao salão, assim ordenarei que

levem a bandeja do chá — disse — Com certeza tenho pedaços de relva da cabeça aos pés. E meu cabelo deve parecer-se com um ninho. Como se tivesse tido uma boa transa.

— Tomara — replicou ele com um sentido suspiro. Hannah soltou uma gargalhada. — Amanhã a noite — disse — Não esquecerei a orgia prometida. Acompanhou-a até seu dormitório e seguiu até o seu a fim de pentear-se e de

assegurar-se que ele tampouco parecia recém-saído de um palheiro. Hannah sacudiu o vestido, arranjou bem a blusa, lavou as mãos e arrumou o cabelo o

melhor que pode sem desfazer-se o penteado. Uma vez preparada, olhou-se com certas dúvidas no espelho de sua penteadeira. Teria as faces tão coradas como parecia? Brilhavam muito os olhos?

Era horrível, mas desejaria que Constantine não se mantivesse fiel a sua promessa. Dessa forma teria desfrutado do prazer sem ter que aceitar sua parte de culpa. Inclusive poderia tê-lo repreendido depois.

Um pensamento horrível, na verdade. Alegrava-se muito, muito, de que Constantine tivesse mantido sua promessa. Como o amava!

Cruzou correndo o roupeiro e estava a ponto de segurar o trinco quando alguém bateu na porta e a abriu antes que ela pudesse fazê-lo.

Que homem mais impaciente! Sorriu antes de reparar em dois detalhes. Constantine estava branco como o leite. E desde que a deixou na porta de seu

dormitório trocara de roupa. Levava um capote longo e botas de montar. Em sua mão viu uma cartola.

— Duquesa, devo pedir um favor — disse ao mesmo tempo em que entrava no roupeiro e fechava a porta atrás dele — Não vim em minha carruagem. Vim com Stephen e Cassandra. Devo pedir emprestado um cavalo. Jet, se não se importar, para voltar para Londres. Dali seguirei em minha carruagem.

— A Gloucestershire? — perguntou — Já? Agora? Por absurdo que parecesse, só podia pensar na possibilidade de que Constantine não

desejasse depois de tudo a orgia que tinha prometido. — Tinha uma carta me esperando no dormitório — respondeu ele — vão enforcá-lo. — Como? — replicou boquiaberta.

Page 182: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

182

— Por roubo. Para dar exemplo a outros possíveis ladrões — Seguiu Constantine — Tenho que ir.

— O que vai fazer? — Salvá-lo. Fazer que qualquer dos responsáveis entre em razão. Pelo amor de Deus,

Hannah! Não sei o que vou fazer. Tenho que ir. Posso levar Jet? Seus olhos pareciam muito negro enquanto a olhava com desespero e passava uma

mão pelo cabelo. — Irei com você — ela se ofereceu. — Nem pensar — recusou —empresta seu cavalo? — A carruagem — o contradisse antes de abrir a porta e sair ao corredor, deixando-o

para trás — Vou dar as ordens precisas. Vá em minha carruagem diretamente a Ainsley Park. Isso poupará ao menos meio dia de viagem.

Ela mesma foi até o estábulo e a garagem, como se sua presença pudesse contribuir a acelerar todo o processo. Tanto os cavalos como a carruagem demoraram muito pouco a estarem preparados, embora para ela foi um processo agonizantemente lento, assim como para Constantine, que não cessava de passear de um lado para outro como um animal enjaulado.

Voltou a pegar suas mãos quando viu que a carruagem quase estava preparada, e que o cocheiro já se aproximava, vestido com seu libré.

Entretanto, não ocorreu nada para dizer. O que se dizia nessas circunstâncias? Que tenha uma boa viagem ou Espero que chegue a tempo? A tempo do que? Tomara os convença de que não enforquem Jess. É improvável que o consiga. Levou suas mãos ao rosto e as deixou sobre suas faces. Voltou a cabeça e beijou as

palmas, primeiro uma e depois a outra. Sentia um doloroso nó na garganta, mas não pensava chorar.

Olhou-o nos olhos. Ele a olhou com expressão inescrutável. Nem sequer estava segura de que a estivesse vendo.

— Amo-o — sussurrou Hannah. Isso fez que Constantine prestasse atenção. — Hannah... — disse. Outra vez seu nome. Era quase uma declaração de amor, embora não estivesse

pensando em semelhantes trivialidades de forma consciente, é claro. Constantine se voltou, subiu à carruagem e assim que fechou a portinhola o veículo se

pôs em marcha e se afastou. Hannah levantou uma mão, mas ele não apareceu. A presença de Constantine em Ainsley Park não implicaria nenhuma mudança, refletia

Hannah com a alma nos pés enquanto a carruagem desaparecia a grande velocidade pela avenida reta. Esse pobre homem morreria enforcado por ter roubado. E Constantine jamais

Page 183: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

183

se perdoaria por tê-lo levado a viver em Ainsley Park e depois falhar de algum modo na hora de evitar qualquer mal. Provavelmente jamais se recuperaria disso por mais que, é claro, não fosse o responsável.

Tinha que ter um modo de salvar Jess Barnes. Levou quatorze galinhas do galinheiro de um vizinho, mas as havia devolvido e se desculpara.

O administrador de Constantine tinha pago o valor de tais galinhas mesmo que tivessem sido devolvidas. E por isso um homem estava a ponto de perder a vida... Para dar exemplo a outros.

Às vezes o sistema judicial parecia capaz das decisões mais desatinadas e aterradoras. De repente, recordou um antigo refrão, Se forem pendurar por roubar um cordeiro,

melhor roubar uma ovelha. No final também enforcavam as pessoas por roubar galinhas. Com certeza havia alguém que pudesse ser de ajuda. Alguém com influência. Apesar

de sua linhagem, Constantine era um plebeu. Mas certamente havia alguém... Olhou para a casa e se pôs a andar quase correndo, erguendo as saias. Teria chegado antes se a tivesse rodeado e tivesse entrado no salão pelas portas

francesas, pensou enquanto subia a toda pressa os degraus do pórtico e atravessava a porta principal.

Deus santo devia ser tarde! Todos estariam perguntando-se por ela e pela bandeja do chá. Todos estavam cansados. Todos continuavam no salão, comprovou ao entrar, assim um criado se apressou a cumprir seu encargo ao vê-la abriu a porta. Todos se voltaram para olhá-la com curiosidade.

Compreendeu muito tarde que devia apresentar um aspecto desalinhado e que estaria ruborizada... Outra vez.

Alguns dos presentes ficaram em pé. Barbara se aproximou correndo a ela. — Hannah? — disse — o que aconteceu? Ouvimos uma carruagem. Agarrou suas mãos. Hannah deu um forte aperto enquanto procurava o Conde de Merton com o olhar. — Lorde Merton — disse — eu gostaria de falar em particular com você, se não se

importar. Por favor. Por favor, depressa! Por sorte havia uma cadeira atrás dela, porque se desabou de repente soltando as

mãos de Barbara. Assaltou-a um tremor incontrolável. Tocavam castanholas os dentes. Sua cabeça era um formigueiro de pensamentos. Compreendeu, com certa mortificação, que tinha perdido a compostura.

Nesse momento percebeu que o Conde de Merton estava em frente a ela, com um joelho fincado no chão e tomando suas mãos com firmeza.

— Excelência — o ouviu dizer — diga o que aconteceu. Trata-se de Con? Teve algum acidente?

— Há. Se... Se foi — respondeu. Fechou os olhos um instante a fim de recuperar um pouco de autocontrole.

Page 184: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

184

— Sinto muito que não tenham podido tomar o chá ainda. Babs, por favor, importa-se de ordenar que o traga? Lorde Merton, podemos falar lá fora? — perguntou ao mesmo tempo em que dava um aperto nas mãos.

Ninguém se moveu. — Hannah — disse Barbara — nos diga o que aconteceu. Todos estamos preocupados.

Discutiu com o Senhor Huxtable? Não, deve ser algo muito pior. As mãos do Conde continuavam cálidas e firmes. Hannah olhou os olhos azuis. — No que posso ajudá-la? — perguntou ele. O Conde não sabia nada. Nenhum deles sabia nada. Ai, que erro mais idiota o de

Constantine por ter mantido tudo em segredo durante tantos anos! Não correspondia a ela divulgá-lo. Mas já não era momento para guardar segredos. — Foi-se a Ainsley Park — disse — sua residência em Gloucestershire. E a residência de

um bom número de mães solteiras, de pessoas impedidas, de criminosos reformados e de outros muitos recusados pela Sociedade. Um dos impedidos, acredito que deve sofrer um atraso mental similar ao do irmão de Constantine, deixou aberta a porta do galinheiro e quando descobriu que a raposa tinha matado algumas galinhas, tentou remediar a perda roubando as de um vizinho para as substituir e assim evitar que Constantine se sentisse decepcionado com ele. Depois as devolveu com uma desculpa, e além disso o administrador do Ainsley Park indenizou ao dono com o valor das mesmas, mas de qualquer forma sentenciaram o pobre Jess à forca.

Ofegou em busca de ar. Não estava segura de ter respirado absolutamente durante sua explicação.

Alguns dos presentes imitaram seu gesto. Algumas damas levaram as mãos à boca e fecharam os olhos. Hannah não foi consciente de muito mais, entretanto, porque estava concentrada nos penetrantes olhos do Conde de Merton.

— Assim é isso o que Constantine esteve fazendo em Gloucestershire — sussurrou Lady Sheringford.

Hannah se inclinou um pouco para o Conde. — Levou minha carruagem — disse — Acredita que pode salvar o pobre homem, mas é

muito provável que não seja capaz de fazê-lo. Permite-me usar sua carruagem? Acompanhará-me a Londres?

— Eu mesmo irei a Ainsley Park desde que alguém me diga em que parte de Gloucestershire se encontra — respondeu o Conde — Farei tudo o que esteja em minha mão...

— Tinha pensado no Duque de Moreland... — interrompeu-o Hannah. — Em Elliott? — A expressão do Conde se tornou mais intensa. — Por Deus! — Exclamou ela, embora mais se parecesse a um lamento — Tomara meu

Duque estivesse vivo. Salvaria Jess com um simples olhar na direção correta. Mas está morto. A palavra do Duque de Moreland terá muito peso.

Page 185: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

185

— Elliott e Con foram inimigos acérrimos desde antes que os conhecesse — indicou o Conde.

— Porque Constantine vendeu as joias de Merton para financiar o projeto por ordem de seu irmão — revelou Hannah — Tudo foi ideia de seu irmão, embora ele o apoiasse por completo. Entretanto, o Duque de Moreland o acusou de roubar a seu próprio irmão e de ser um relaxado que se aproveitou de muitas mulheres, que nesse momento eram mães solteiras. Constantine não o contradisse, em parte porque temia que o Duque acabasse com o sonho de seu irmão, mas principalmente por orgulho. O Duque o acusou em vez de perguntar.

O Conde de Merton respirou fundo, reteve o ar uns instantes e o soltou lentamente. — Excelência, não tenho certeza de que Elliott se mostre disposto a ajudar — replicou

— me permita... Entretanto, Lady Sheringford ficou em pé e atravessou o salão enquanto o

interrompia. — É claro que ajudará, Stephen — assegurou com brusquidão — É claro que o fará!

Não se teria passado tantos anos zangado com ele se não o quisesse bem. E em caso de que titubeie, Nessie o convencerá de que o ajude. A ela será mais fácil convencer. Sempre está disposta em acreditar no melhor dos outros. Estou há anos suspeitando que seria capaz de perdoar Con em um abrir e fechar de olhos se pedisse perdão pelo que seja que tenha feito.

— Devo ir — disse Hannah, que ficou em pé e afastou as mãos das do Conde — Talvez já seja muito tarde — levou as mãos às faces — Mas tenho convidados em casa!

De repente, o problema se dissolveu como por arte de magia. Os convidados partiriam todos juntos, uns a Londres e outros a Ainsley Park, se seguissem o impulso inicial, declarou alguém.

Talvez fosse Lorde Montford. Entretanto, suporiam um estorvo. De modo que ficariam em Copeland Manor e Stephen partiria com a Duquesa.

A Condessa de Sheringford afirmou que graças ao seu cuidadoso planejamento tudo iria muito bem em Copeland Manor e que sua presença não seria necessária até que partissem, coisa que planejavam fazer no dia seguinte pela manhã. Além disso, acrescentou que a Senhorita Leavensworth a substituía perfeitamente como anfitriã durante o chá do dia anterior e que voltaria a fazê-lo durante o café da manhã na manhã seguinte. Conforme assegurou Lady Montford, seria maravilhoso que a Senhorita Leavensworth voltasse com eles a Londres no dia seguinte. Um convite que a Senhora Newcombe pontuou de generosa, embora eles mesmos teriam estado encantados de levar Barbara, embora a pobre tivesse viajado muito apertada entre eles e os gêmeos.

Barbara acrescentou que podia partir muito tranquila. E incentivou— a fazer isso sem perda de tempo.

No final aconteceu que o Senhor Newcombe conhecia a localização de Ainsley Park. Embora nunca esteve na propriedade, mas distava trinta quilômetros de seu lar. Inclusive ouvira falar muito bem dos aprendizes que saíam de suas oficinas. O que ignorava era que o

Page 186: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

186

dono e o Senhor Huxtable, com quem tinha encontrado na festa campestre, fossem a mesma pessoa. Do contrário, teria encantado falar com ele longo e extensamente sobre o assunto.

Cassandra tinha partido do salão a toda pressa. Ela ia acompanhá-los e devia subir para avisar à babá de que preparasse o bebê para a iminente partida.

— Vamos, Hannah — disse Barbara, tão serena e eficiente como de costume — Deve trocar de roupa e ordenar que preparem uma bolsa de viagem. Eu me encarregarei de todo o resto.

Lorde Sheringford tinha saído para ordenar que preparassem a carruagem de Lorde Merton.

Uma hora mais tarde Hannah ia a caminho de Londres, sentada em frente do Conde de Merton e de Cassandra. Sua Senhoria levava nos braços o bebê, que estava adormecido.

Ao que parecia, Cassandra o tinha amamentado antes de partir. Onde estaria Constantine nesse momento? Quanto caminho teria percorrido? Chegaria a tempo? Influiria em algo que o fizesse? Iria o Duque de Moreland? Chegaria a tempo? Seria sua influência tão poderosa para por fim à loucura de enforcar um atrasado

mental cujo único delito foi tentar reparar um erro produzido por um descuido? Tomara que seu Duque estivesse vivo. Porque ninguém teria ousado contrariá-lo. Hannah não conhecia ninguém que ostentasse tanto poder como tinha ostentado o

velho Duque de Dunbarton. Salvo o Rei, possivelmente. O Rei. O Rei! Deixou-se cair no canto do assento e fechou os olhos com força. Iria se atrever fazer isso? Iria se atrever fazer isso? Era a Duquesa de Dunbarton, não era? CAPÍTULO 18 O Duque de Moreland estava tomando o café da manhã em sua residência londrina de

Cavendish Square quando informaram que Sua Excelência, a Duquesa de Dunbarton, e o Conde de Merton se achavam no salão saguão e solicitavam vê-lo para tratar com ele um assunto urgente.

Sua esposa acabava de sentar-se à mesa. Era cedo. O Duque tinha que ir à Câmara dos Lordes e gostava de passar sempre uma

hora com seu secretário para discutir os assuntos do dia antes de ir ao encontro.

Page 187: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

187

A Duquesa ainda tinha que abandonar a cama a uma hora indecente reclamada por seu voraz filho de oito meses, que ainda não tinha aprendido a esperar uma hora mais civilizada para pedir seu café da manhã.

Os dois apareceram no salão antes que Hannah estabelecesse uma rota satisfatória para passear pela sala. Trocara de roupa ao chegar a Londres fazia umas horas, mas não tinha dormido. Teria ido bater na porta do Duque muito antes se não se impusesse o bom senso. O Conde de Merton teve a amabilidade de chegar a Dunbarton House dez minutos antes do que tinha prometido.

— Stephen — saudou a Duquesa ao seu irmão ao mesmo tempo em que o abraçava. Quando se afastou, olhou-o no rosto e depois olhou a ela com certa curiosidade.

— Duquesa? Stephen? Bom dia. O Duque os olhou com expressão penetrante. Hannah não esperou que terminassem as formalidades. — Tem que ajudar Constantine — apressou-o, dando uns passos para ele — Por favor.

Tem que fazer isso. — A Con? — Os olhos do Duque se posaram nela... Uns olhos azuis que brilhavam

nesse rosto moreno de feições austeras e expressão despótica. Tão parecido com o de Constantine e tão diferente — Tenho que ajudá-lo, Senhora?

— Constantine? — Perguntou a Duquesa de Moreland ao mesmo tempo — Está em apuros?

— Vão enforcar um homem em Gloucestershire — explicou Hannah, quase sem fôlego, como se tivesse realizado o trajeto até ali correndo, em vez de na carruagem do Conde — E Constantine foi para salvá-lo. Mas não poderá fazê-lo. Não tem autoridade alguma. Você sim. Você é o Duque de Moreland. Tem que ir lá sem demora e ajudá-lo. Por favor.

Para ela a explicação tinha muito sentido. — Elliott... — disse o Conde de Merton, mas o Duque ergueu uma mão para silenciá-lo. — Vanessa, teria a amabilidade de pedir que tragam um pouco de café para a

Duquesa? — Perguntou a sua esposa sem afastar os olhos de Hannah — E também para Stephen, meu amor. Os dois parecem recém-chegados de Kent e acredito que não tomaram o café da manhã.

— Direi que tragam algumas torradas também — acrescentou a Duquesa antes de partir.

O Duque pegou Hannah por um cotovelo e indicou uma cadeira próxima. Ela se deixou cair sobre o assento.

— Fale-me sobre o homem a quem vão pendurar — disse — E sobre sua relação com meu primo.

O que havia dito até esse momento? Perguntou-se. Certamente não o suficiente. Tinha querido ser o mais concisa possível para que o Duque partisse para Ainsley Park sem perda de tempo.

Page 188: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

188

— Roubou umas galinhas — explicou — porque temia decepcionar Constantine. Acontece que deixou a porta do galinheiro aberta e penetrou uma raposa, mas não entendia que estava roubando até que o explicaram, e depois se desculpou e devolveu as galinhas, além disso, também compensaram ao dono com o valor dos animais, mas um estúpido juiz pensou que devia dar exemplo com seu caso e o sentenciou a morrer enforcado. Por favor, irá impedi-lo?

Onde estava a controlada e loquaz Duquesa de Dunbarton quando mais a necessitava? Ela se perguntou.

Os olhos do Duque se desviaram para o Conde justo quando Hannah levava a enorme surpresa de sentir que puxava sua mão e dava um aperto.

— Stephen? — Ouviu-o perguntar. A Duquesa retornou nesse instante. — Elliott, parece que Con comprou essa propriedade em Gloucestershire a instâncias

de Jon — explicou o Conde de Merton — para dar proteção a mães solteiras e aos seus filhos. Desde que se pôs em marcha, expandiu seu alcance a pessoas com atraso mental ou com problemas físicos, e a outros despejados pela Sociedade. Soube que os formam para achar um trabalho decente em outra parte. O homem em questão sofre um atraso mental e tem muito carinho a Con, pelo que me contaram. Foi o responsável pela raposa ter comido as galinhas, de modo que procurou outras galinhas no galinheiro de um vizinho para substituí-las. Certamente isso parecia lógico. Mas o prenderam e nem sequer a devolução das galinhas, nem a compensação econômica, além de uma desculpa, evitaram a condenação a morte.

— É possível? — Perguntou a Duquesa de Moreland com os olhos totalmente abertos — Podem enforcar a um homem por algo tão insignificante?

— Não se costuma aplicar a lei de forma tão estrita como poderia se fazer — respondeu o Duque — Mas as vezes isso acontece e o juiz está em todo seu direito.

Por que estavam perdendo o tempo falando? Perguntou-se Hannah. Lançou mão da escassa dignidade que ficava, desejando não estar tão cansada nem

tão desconcertada. — Constantine quer bem a essas pessoas — disse — Dedicou grande parte de sua vida

de adulto. Se enforcarem esse homem, ficará destroçado. Encontrará a maneira de se culpar. Sei que o fará. Embora esteja certa de que diria que ele não é o importante agora mesmo, que o que importa é esse pobre desventurado. Excelência, sei que mantêm uma rixa. Mas as rixas são absurdas em situações como esta. A vida de um homem está em jogo. Sua influência pode salvá-lo. Estou convencida de que é assim. Sei que a influência de meu Duque o teria salvado, e em muitos aspectos você recorda a ele. Tem um porte parecido ao dele. Por favor, irá a Ainsley Park?

O Duque a olhou fixamente. — Não posso inventar de mudar a lei, Senhora — disse.

Page 189: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

189

— Mas a sentença para este tipo de delito é desproporcional — insistiu Hannah — Você mesmo o disse, embora não com as mesmas palavras. A sentença poderia mudar. Não tem que morrer por ter roubado umas galinhas, sobretudo quando nem sequer era plenamente consciente de que estava roubando.

— É muito possível que qualquer juiz argumente que um homem capaz de roubar sem ser consciente do que faz é um homem perigoso, com muitas probabilidades de reincidir, inclusive, de ferir alguém no processo.

— Fez isso porque quer bem a Constantine — argumentou Hannah — porque não suportava a ideia de decepcioná-lo pelo incidente da raposa. Vai me dizer que merece morrer?

— Estou certo de que não merece, Senhora — respondeu — Mas... — Não irá nem sequer por Constantine? — Hannah decidiu não voltar atrás — É seu

primo. Foi seu amigo até que, e cito textualmente, você se comportou como um imbecil pomposo e ele se comportou como um idiota teimoso.

O Duque arqueou as sobrancelhas. — Suponho que devo agradecer que tenha me descrito de forma tão pejorativa como

fez. — Elliott — disse sua esposa, que cruzou a sala para colocar uma mão no braço — tem

que ir. Sei que tem que fazê-lo. Se você não for, irei eu. E sabe muito bem que aonde eu vou, Richard vem comigo, para que o pobre não morra de fome, e que Belle e Sam terão de vir também para que não se sintam abandonados por sua própria mãe. Entretanto, minha influência não será maior que a da Duquesa de Dunbarton. Muito menor, de fato. Ela tem uma personalidade muito mais resolutiva que eu.

— Meu amor, acaba de dizer uma fileira de tolices — respondeu o Duque, que levou a mão de sua esposa aos lábios — Mas deixou clara sua postura. Con por fim me necessita e irei ajudá-lo. Certamente me dará um murro no nariz pela perturbação e assim nos pareceremos ainda mais.

— Eu o acompanharei, Elliott — atravessou o Conde de Merton. Hannah o olhou surpresa. — Cass insistiu que o acompanhasse antes que pudesse perguntar se incomodaria

muito que o fizesse — explicou. Hannah ficou em pé de um salto quando um criado entrou na sala com uma enorme

bandeja nas mãos. Deus, que não se sentem a tomar o café da manhã agora mesmo! Pensou. — Vou para casa preparar a bagagem — disse o Conde. — Passarei para recolhê-lo em uma hora — comentou o Duque. E ambos abandonaram a sala. — Tomar o café da manhã possivelmente seja a última coisa que quer fazer agora —

comentou a Duquesa de Moreland — Mas tome uma torrada ao menos. Eu vou fazê-lo. Acabava de me sentar quando chegaram — disse enquanto servia duas xícaras de café.

Page 190: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

190

— Sinto muito tê-los importunado com meus problemas — se desculpou Hannah. — Não sabia que fosse a culpada dos problemas — replicou a Duquesa, enquanto

deixava a xícara e seu pires em frente a ela, depois do que foi em busca do prato onde tinha colocado uma torrada com manteiga, cortada pela metade — Ama Constantine?

— Eu... — Foi uma pergunta muito indiscreta — a interrompeu a Duquesa com um sorriso —

me permita expressá-lo de outra maneira. Quer bem a Constantine. Estava vendo vir desde o começo da temporada social. Inclusive cheguei a me compadecer um pouco de você.

Hannah a olhou enquanto dava uma dentada a sua torrada. — Quero-o bem — admitiu afinal — lamento que você não o faça. Disse-me que pouco

depois de se conhecerem fez algo que a machucou. — Sim — corroborou a Duquesa — E foi algo muito cruel. Algo pensado para

envergonhar Elliott, mas que acabou por humilhar a mim. A verdade é que foi algo muito infantil, mas os homens podem ser muito infantis às vezes. Claro que as mulheres também. Neguei-me a aceitar suas desculpas. Decidi que era imperdoável, e é algo que lamentei depois. Mas quando se desculpou, o achava responsável por algo muito pior que a travessura que cometera. Elliott se equivocava a esse respeito, não é verdade?

— Sim — respondeu — Mas porque Constantine foi muito orgulhoso e muito arrogante para explicar-se.

— Os homens raramente tomam o caminho mais simples — comentou a Duquesa — Embora as vezes recorrem aos punhos, quebrando o nariz e ficando com os olhos roxos em vez de falar como pessoas civilizadas. Às vezes acredito que o poder da palavra é um desperdício nos homens. Ai, Por Deus! Não pense que tenho tão má opinião deles, por favor. Sirvo mais café?

Sua xícara estava vazia, percebeu Hannah. Tinha o gosto do café na boca, mas não se lembrava de tê-lo bebido.

— Não — respondeu ao mesmo tempo em que ficava em pé — Agradeço, mas devo ir. Tenho que atender outro assunto urgente esta manhã e tampouco quero impedir que passe um pouco de tempo com seu marido antes que se vá. Tomara que pudesse ir com ele e com o Conde de Merton! Mas minha presença só serviria para atrasá-los.

— Certo — A Duquesa sorriu — E não seria apropriado, nem sequer para a Duquesa de Dunbarton. Elliott pode ser muito despótico quando se propõe, Duquesa. Não aceitará um não por resposta em Gloucestershire assim simples. Nem Stephen. Às vezes dá a errônea impressão de que é um homem tímido, inclusive um pusilânime, porque é muito amigável e tem a aparência de um anjo, mas pode ser um anjo vingador quando se propõe. Ele se proporá pelo bem de Constantine.

— Obrigada — replicou Hannah. A Duquesa a acompanhou à porta, quando se deu conta de que seu irmão se fora na

carruagem. Entretanto, Hannah não permitiu que mandasse preparar outro veículo.

Page 191: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

191

— Irei andando — insistiu — o ar fresco me assentará bem e corre uma brisa agradável.

A Duquesa a surpreendeu ao abraçá-la com força antes que se fosse. — Tem que vir uma tarde tomar chá — disse — Mandarei um convite. Aceitará?

Sempre desejei conhecê-la melhor. — Obrigada — respondeu — Será um prazer. Onde estava Constantine nesse momento? Perguntou-se enquanto voltava para casa a

toda pressa. Estava muito certo de que teria viajado toda a noite, detendo-se unicamente para pagar nas estalagens e trocar de cavalos. Tinha advertido ao seu cocheiro que esperasse uma viagem sem paradas. Teriam chegado já? Ou seguiria no caminho, perguntando-se se chegaria a tempo, perguntando-se se poderia salvar a seu protegido?

E a que hora poderia apresentar-se no Palácio de Saint James sem ofender a ninguém para pedir uma audiência com o Rei?

Ele a receberia? Chegariam a dizer que fora vê-lo? Mas é claro que a receberia. Era a Duquesa de Dunbarton, a viúva do Duque de

Dunbarton. Conte com algo tinha ensinado o Duque, e será seu. De modo que contou falar pessoalmente com o Rei em breve. Mas primeiro tinha que

chegar a casa para usar sua melhor armadura. Nem um diamante falso veria a luz essa manhã. E não haveria mais cor que o branco. Con chegou a Ainsley Park no meio de uma tarde chuvosa, exausto e sem se barbear.

Encontrou todo mundo com rosto muito sério e desconsolado, desde Harvey Wexford até Millie Carver, a ajudante da cozinheira a quem resgatara aos dez anos de um bordel londrino a ponto de ser vendida ao melhor proponente para desvirginá-la.

Tinham já passado dois anos disso. Para Jess Barnes restava uma semana de vida. Banhou-se, barbeou-se e trocou de roupa, mas não dormiu antes de partir a cavalo a

prisão, situada no vilarejo a uns seis quilômetros de distância. Jess estava sujo, mas salvo por isso parecia que o cuidavam bem. Pôs-se a chorar ao vê-lo, mas não porque fosse morrer, mas sim porque tinha falhado ao seu benfeitor e esperava que desse uma boa reprimenda.

Con o abraçou, sem importar a sujeira e os piolhos, e disse que o queria bem acima de tudo e de todos.

Depois de escutá-lo, Jess o olhou com um sorriso deslumbrante e se tranquilizou. — Todo mundo manda lembranças — disse — A cozinheira enviou quase todos seus

pratos preferidos, assim ficará como um tonel se comer isso tudo. Vou tirá-lo daqui, Jess, e levá-lo para casa. Mas hoje não. Tem que ser paciente. Pode fazer isso?

Ao que parecia, Jess podia fazer se o Senhor Huxtable dizia que tinha que fazer.

Page 192: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

192

Embora tampouco houvesse outro remédio. Con passou o dia seguinte tentando inutilmente que retirassem as acusações contra

Jess, que a condenação fosse suspensa, que comutassem a pena, que admitissem a loucura em sua defesa... Algo que salvasse sua vida e que, se possível, devolvesse-o a Ainsley Park.

Kincaid, o ofendido vizinho que tinha conseguido recuperar suas galinhas e seu valor em dinheiro todo e sonante, negou-se a olhá-lo na cara, mas reafirmou em que a dureza do castigo era necessária tanto para erradicar o mal da vizinhança, como para evitar que outros residentes de Ainsley Park se convertessem em futuras ameaças a paz e a segurança da área. Acrescentou que se pudesse achar a maneira de demandá-lo pessoalmente por colocar em perigo de forma tão temerária seus vizinhos ou algo assim, o faria. E por último disse que estava consultando o assunto com seus advogados.

A maioria dos vizinhos recebeu-o com amabilidade, inclusive com compaixão, mas nenhum estava disposto a enfrentar Kincaid. Suspeitava que uns poucos inclusive aplaudissem ao homem em segredo.

Um advogado advertiu de que esgrimir a loucura como defesa não serviria de nada, já que Jess Barnes não mostrava sinais de loucura, somente de padecer um atraso mental. Não tinha negado o roubo. Tinha admitido que sabia que roubar era ruim. Na realidade, não tinha defesa, só podiam pedir clemência.

O próprio juiz o recebeu com cortesia, inclusive com certo bom humor. Mas se negou a mudar de opinião no caso de Jess Barnes. Segundo ele, era uma ameaça para a Sociedade. O condado, todo o país de fato, se alegraria de livrar-se dele quando o enforcassem. Assinalou que poderia tê-lo condenado a vários anos de trabalhos forçados se estivesse em seu são julgamento, mas que dadas as circunstâncias... E concluiu dizendo que foi muito esperto ao encher seus campos e sua casa com mão de obra barata e mulheres de pouca moralidade, para manter todos os homens contentes, incluído ele, e que devia esperar que de vez em quando acontecessem alguns incidentes desse tipo. Como dois homens de mundo que eram, acrescentou, não podia pegar nenhum deles de surpresa.

Em casa, Wexford era incapaz de fazer algo produtivo. Disse a Con que se pudesse trocar-se pelo Jess, faria sem vacilar. Que tudo era culpa sua. Porque havia dito a Jess que o Senhor Huxtable se sentiria decepcionado acreditando que isso o ensinaria a não voltar a ser descuidado. Pelo contrário, tinha provocado toda essa confusão... E nem sequer era verdade. Porque o Senhor Huxtable nunca se sentia decepcionado com nenhum dos habitantes de Ainsley Park, salvo com aqueles que partiam por própria vontade, relutantes em trabalhar em troca de sua manutenção e em respeitar as poucas regras necessárias, para que a comunidade fosse feliz e produtiva.

Con apertou seu braço, era o único consolo que podia oferecer. Os outros estavam virtual e igualmente desanimados. Jess era o preferido da maioria. Na manhã seguinte, Con estava desesperado. Nem sequer recordava a última vez que

tinha dormido... Ou comido. Foi ver de novo Jess e depois voltou para casa. Já não sabia o que fazer. Não recordava ter se sentido tão impotente na vida.

Page 193: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

193

Certamente havia algo que pudesse fazer. Ficou no estábulo para escovar seu cavalo. Escutou a carruagem antes de vê-la. Uma

dolorosa esperança fez que desse um tombo o estômago. Seria Kincaid? Teria mudado de ideia depois de tudo? Serviria para que o juiz também mudasse de

opinião? Aproximou-se da porta do estábulo e olhou para o caminho quando a carruagem ficou

perto. Tentou não ter ilusões. Era uma carruagem impossível de confundir com outra. Levava um brasão ducal de ambos os lados. O cocheiro e o lacaio que ocupavam a

boleia exibiam as librés ducais. A carruagem devia ter causado sensação enquanto cruzava a Inglaterra... E enquanto cruzava o povoado a caminho de Ainsley Park.

Era a carruagem do Duque de Moreland. A carruagem de Elliott. Con estava muito cansado para se surpreender. A fúria o invadiu, embora foi um

sentimento moderado. Elliott fora desfrutar. Nem sequer tentou analisar o motivo que o levara a fazer semelhante trajeto só para esse fim.

Pôs-se a andar para a casa, seguindo à carruagem cujas rodas rangiam sobre o cascalho até que se deteve diante da porta principal.

O lacaio saltou da boleia com agilidade e se dispôs a subir os degraus para bater na porta.

— Não é preciso — disse Con — Estou aqui. O homem se voltou, fez uma reverência e retornou junto à carruagem para abrir a

portinhola e desdobrar os degraus. Elliott saiu da carruagem e a fúria de Con se desatou. — Perdeu-se — disse com secura — Seu cocheiro se enganou com as direções. Deveria

perguntar na estalagem do povoado o caminho correto. Elliott permaneceu imóvel e se olharam um momento em silêncio. — Estou procurando Con Huxtable — replicou seu primo — Você parece uma versão

suja e desalinhada dele. Alguém mais desembarcou da carruagem. Stephen. Con o olhou. — Não pôde manter a boca fechada, não é verdade? — perguntou com amargura. — Refere-se à Duquesa de Dunbarton? — Replicou Stephen — Estava morta de

preocupação, Con, não só por você, mas também por esse pobre homem a quem condenaram. Suplicou-me que a acompanhasse a Londres para poder falar com Elliott. Achava que ele poderia ajudar. Continuamos não sendo necessários? Pode por fim a esta loucura sem nós?

— Não — respondeu Constantine — Mas não necessito de ajuda, Stephen. Nem a sua nem a de Moreland. A casa está cheia. Não há quartos livres. E sugiro que não fiquem na

Page 194: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

194

estalagem do povoado, é melhor que sigam caminho até uma casa de postas mais respeitável.

Estava se comportando mal. Sabia, mas era incapaz de remediá-lo. Estava exausto. E furioso. E apavorado.

— Um idiota teimoso — comentou Elliott — ele se descreveu bem, Stephen, não parece? Mas este imbecil pomposo não veio de Londres só para que o mandem à casa de postas mais próxima. Vai por em prática toda sua influência... Valha o que valer.

Idiota teimoso. Imbecil pomposo. Hannah esteve falando, não havia dúvida. — Não o necessito, Moreland — assegurou — E está em minha propriedade. Saia

daqui. — Sei que você não me precisa — replicou Elliott — Mas talvez Jess Barnes sim. Não

posso prometer que serei de ajuda. Mas vim tentar e penso ficar até que tenha feito isso, embora para isso tenha que dormir na carruagem do outro lado das portas de sua propriedade.

— Con — disse Stephen — nos importa. E a muitas outras pessoas também. Por que não nos falou deste lugar quando chegamos a Warren Hall? Por que convertê-lo em um assunto tão secreto?

— Stephen, este lugar se levantou graças as suas joias, ou às que se teriam convertido em suas joias — confessou Constantine — se elas não tivessem sido usadas, agora mesmo seria muito mais rico do que é.

— Acha que isso teria me importado? — Respondeu Stephen — De verdade, Con? Acha que teria importado a Meg? Ou à Nessie ou à Kate? Não acha que deveria ter nos contado isso em honra à lembrança de seu irmão?

— Não — respondeu — Jon não fez isso para impressionar ninguém. Fez porque queria, porque era o correto. E se houvesse dito isso a você, Elliott teria sido informado e teria feito tudo o que estivesse em sua mão para desfazer o conseguido. Naquele tempo, este projeto estava em sua primeira etapa e era muito frágil.

— Não acredito que tivesse reagido dessa forma se o tivesse explicado — contradisse-o Stephen — Teria feito Elliott?

Ambos olharam seu primo, que tinha a vista cravada no chão e uma expressão tensa. Produziu-se um longo silêncio.

Seu primo, pensou Con. Seu melhor amigo durante grande parte de sua vida. Seu companheiro de correrias

quando se mudaram a Londres para desfrutar a vida. Mas depois que o pai de Elliott morreu de repente, apenas meses depois de que Jon fizesse o espantoso descobrimento sobre as atividades de seu falecido pai e decidisse tornar realidade seu sonho em Ainsley Park, que o fez prometer que não o diria a ninguém. Venderam algumas joias, Elliott tinha percebido seu desaparecimento e ao mesmo tempo se inteirara da existência dessas mulheres e de seus respectivos filhos na área. De modo que o sórdido escândalo lhes tinha estalado na cara.

Page 195: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

195

Um imbecil pomposo e um idiota teimoso. Con sentiu uma opressão no peito enquanto esperava que Elliott respondesse a

pergunta de Stephen. — Queria muito Jonathan — disse seu primo ao final, sem levantar a vista — Era um

amor um pouco doloroso. E depois meu pai morreu, me fazendo responsável por ele. Sabia que era mais que capaz de cuidar dele e de atender seus assuntos, Con. Mas era jovem e estava afligido pelo dever, e me sentia obrigado a fazer tudo como era devido, a entender bem os assuntos econômicos de Jon antes de me desentender deles e deixar tudo em suas mãos tal como meu pai tinha feito. E então foi que descobri que faltavam muitas joias e você se negou a me explicar por que e me mandou ao diabo quando perguntei isso...

— Não me perguntou — o interrompeu com voz seca. Seu primo ergueu a vista e o olhou com o cenho franzido e expressão impaciente. — Claro que perguntei — insistiu — Con, era impossível que passasse por cima de algo

assim. — Não me perguntou — repetiu — me disse que era um ladrão. — Eu não disse isso — protestou Elliott. — Sim, disse. — Sorriu com amargura — Disse, não disse, fez, não fez... Soa algo,

Elliott? Passamos a metade da infância nos dizendo isso. Costumávamos terminar a murros e depois nos dávamos risadas. Mas desta vez não foi assim. Mas dá no mesmo. Mesmo se me tivesse perguntado e eu tivesse respondido e você tivesse me acreditado, não teria permitido que o projeto continuasse. Teria detido Jon e teria arruinado o que aconteceu ser o trabalho de sua vida. Seu legado.

— Não acredito que... — atravessou Stephen. Entretanto, Elliott o estava olhando com uma expressão inescrutável. — É muito provável que o tivesse feito — admitiu o aludido — meu instinto era

proteger Jonathan, inclusive de si mesmo. Sempre me assombrou que o tratasse como a uma pessoa normal e que se relacionasse com ele pondo-se a seu nível. Assombrava-me que brincasse horas e horas com ele, mesmo que já não fosse um menino. Pensei que minhas responsabilidades para ele deviam levar-se ao fim com grande seriedade. Mas você convertia tudo em um jogo e isso me enfurecia. E o fazia de propósito. Não tem nem ideia do muito que... — interrompeu-se de repente e meneou a cabeça, apertando e afrouxando os punhos aos flancos — Tem razão, o teria detido. Teria suposto que não tinha nem ideia do que estava fazendo. Mas Jon era muito consciente do que fazia, não é verdade? Con, sempre dizia que Jon era amor. Não que queria bem às pessoas, mas sim era amor em estado puro. Também tinha razão nesse sentido. E estava em seu direito a não responder a minhas perguntas... Se é que fiz isso tal como estou convencido de que aconteceu. Tinha direito de conservar seus segredos. Tinha direito de se comportar como um idiota teimoso.

— Não nos mande embora, Con — disse Stephen — Talvez Elliott possa ajudar. Talvez, eu também posso ajudar. Ou não. Mas não nos mande embora. Somos sua família e nos necessita embora não se dê conta. Além disso, a Duquesa de Dunbarton nos enviou e

Page 196: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

196

acredito que romperá o coração se nos mandar embora sem sequer tentarmos ser de alguma ajuda.

Con o olhou com expressão pensativa. Hannah os tinha enviado. Hannah. A opressão que sentia no peito se intensificou. — Há quartos livres na residência da viúva — disse ao mesmo tempo em que apontava

para o Leste, onde se vislumbrava uma casa situada entre as árvores não muito longe do lago artificial que o anterior proprietário tinha construído — É onde vivo. Se não for muito humilde para seus gostos, podem ficar.

Fez o convite à contra gosto. Não sabia se ficava alegre de vê-los ou não, por mais que não importasse como se sentisse. Ele não era importante nesse assunto.

Jess sim. Poderia Elliott ajudar? Elliott, com seu bendito ducado e seus aristocráticos ares de

grandeza? Elliott, com sua honestidade? — Fiquem comigo, por favor — acrescentou antes que seus primos pudessem

responder — antes de nada, necessitam um banho, descanso e um pouco de comida. Por aqui.

— Quando...? — começou Elliott. — Quatro dias — respondeu Constantine com secura — Temos todo o tempo do

mundo. — E se pôs a andar pelo caminho de cascalho que conduzia à residência da viúva. Quatro dias. Escutou-os caminhar atrás dele.

Page 197: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

197

CAPÍTULO 19 Elliott e Stephen foram visitar o juiz na manhã seguinte, ambos vestidos com suma

elegância. Elliott não permitiu que Constantine os acompanhasse. É claro, nem Stephen nem ele poderiam tê-lo impedido se tivesse querido ir, mas teve que admitir à contra gosto que certamente seria melhor ficar em casa.

Elliott foi falar com ele a sós antes de partir. — Estive dando uma olhada por aqui e falei com alguns de sua gente. Vai bem. Faz

tempo que vai bem. Con o olhou com os lábios apertados. — Soou condescendente? — Perguntou seu primo com um suspiro — Não era minha

intenção. Estou assombrado e impressionado. E arrependido. E envergonhado. Você não teve nada a ver com essas mulheres, não é verdade? Foi... Meu tio? Seu pai?

Ele não respondeu. — O meu não era melhor — Seguiu Elliott — Cresci acreditando que era um modelo de

virtudes, que estava entregue em corpo e alma a minha mãe, as minhas irmãs e a mim. Foi depois de sua morte que me inteirei da amante que levava anos mantendo e da extensa família que teve com ela. Sabia de sua existência? Parecia que o resto do mundo estava ao par, inclusive minha mãe.

— Não — respondeu. — Depois da vida desenfreada que levara durante vários anos — continuou Elliott —

aterrava-me a ideia de me converter em alguém como ele, de me converter em um libertino, de decepcionar minha mãe e minhas irmãs como ele tinha feito. De modo que perdi meu senso de humor e todo sentido de proporção. E quando você se rebelou contra minha intromissão, tal como a considerava, nos assuntos do Jon e fez tudo o que esteve em sua mão para me incomodar, a única coisa que conseguiu foi me irritar ainda mais. Sobretudo quando me dava conta de que as coisas não eram como deveriam ser em Warren Hall, quando compreendi que meu pai tinha descuidado de seu dever em mais outra faceta de sua vida.

Con supôs que era uma espécie de desculpa. — Jonathan descobriu a verdade a respeito de seu pai? — quis saber Elliott. — Sim. Duas mulheres, duas irmãs, foram falar com ele um dia quando eu não estava

— respondeu — Nunca o vira tão alterado, tão desiludido. Nem tão emocionado como no dia que idealizou seu grande plano. Duvido muito que tivesse sido capaz de negar minha ajuda na elaboração do plano, por mais que não estivesse de acordo com ele. O que não era o caso. Eu sabia da situação fazia anos. Levava anos enojado pela situação. Mas o pouco que pude fazer equivalia a por uma minúscula atadura sobre um ventre aberto em canal.

Page 198: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

198

— Con — disse Elliott depois de um breve silêncio — não é inocente no que diz respeito ao nosso distanciamento. Estou quase certo de que perguntei isso. Mas mesmo que não o tivesse feito, teria podido negar as acusações e me obrigar a escutar a verdade. Teria acreditado. Pelo amor de Deus, éramos amigos! Éramos quase como irmãos.

— Mas não queria que soubesse. Não queria que acreditasse. Admitiu-o ontem. Porque em qualidade de tutor legal do Jonathan não teria permitido que continuasse empobrecendo sua propriedade em benefício do que naquele momento parecia uma loucura. E teria tido razão ao fazê-lo. Não devia permitir que atuasse com essa impulsividade.

— Mas me teria equivocado ao mesmo tempo. Muito. Claro que nenhum dos dois poderia ter predito naquele momento. Não teria sido fácil para mim, Con. Ao calar a verdade, possibilitou que Jonathan e você fizessem o correto. Mas no processo aniquilou nossa amizade e me converteu no vilão da obra. Em um imbecil pomposo.

— Comportou-se como tal — indicou Constantine. — E você como um idiota teimoso. Olharam-se em silêncio. Um olhar que ameaçava converter-se em um duelo até que

Elliott danificou a pose ao permitir que tremessem os lábios. — Alguém deveria nos retratar assim — disse — Seríamos uma caricatura incrível. — Está fazendo isto só por Jess? — perguntou. — E pela Duquesa de Dunbarton — respondeu Elliott — E por Vanessa. Está desejando

perdoar e ser perdoada, Con. — Ser perdoada? — Repetiu com o cenho franzido — Fui eu quem se comportou mal

com ela. Muito mal. — Mas se desculpou — precisou Elliott — e ela se negou a perdoá-lo. Sei que depois

disso se sente mal pelo que aconteceu. Quando a Duquesa veio nos ver com Stephen, Vanessa viu uma oportunidade para sua redenção. Talvez para a de todos. Se tiver vindo por alguém, foi por ela. Amo-a.

— Sei — disse Constantine. — E também vim por você — acrescentou Elliott, que afastou a vista com brusquidão

— apesar de tudo, é alguém a quem uma vez quis. Talvez alguém a quem ainda quero. Pelo amor de Deus, Con, senti sua falta! Pode acreditar nisso? Achava-o capaz de todas essas barbaridades, mas continuava sentindo sua falta.

— Isso está começando a ficar vergonhoso — comentou. — Certo — concordou Elliott — E Stephen certamente está me esperando. Antes que

me reúna com ele, Con, me dá sua mão? — Quer as pazes com um beijo? — perguntou. — Se não se importar, prefiro saltar o beijo — respondeu seu primo, estendendo a

mão direita. Con a olhou e a estreitou. — Tal como eu o recordo — disse — não me perguntou, Elliott. Deu-o por certo. Mas

tal como você recorda, perguntou-me e eu o mandei ao diabo. Nunca saberemos quem tem

Page 199: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

199

razão. Possivelmente seja melhor assim. Mas você acabava de perder a confiança em seu pai e eu estava desesperado por proteger o sonho de Jon. Alguma vez nos deu bem falar sobre o sofrimento, não é certo?

— Um Cavalheiro nunca admite sentir isso — respondeu Elliott enquanto se davam um forte aperto de mãos — E agora tenho que desdobrar toda minha pomposidade, contudo, tentarei não me comportar como um imbecil. Farei tudo o que esteja em minhas mãos para conseguir o indulto do Barnes. Tomara seja suficiente.

— Eu também o desejo — disse seu primo fervorosamente. Ainda doía ter que ficar em Ainsley Park, de braços cruzados e impotente. Entretanto,

de momento, o melhor era deixar que seus primos fossem ver o juiz e obtivessem o que ele não tinha conseguido. Ou que ao menos o tentassem.

E se fracassassem? Pensaria nisso quando chegasse o momento. Quando chegasse o momento? Não no caso de que chegasse? Encaminhou-se à granja que abastecia a propriedade com a esperança de achar

alguma tarefa pesada com a qual poderia matar o tempo. Ao longo das três horas e meia seguintes, Constantine percebeu que se convertera no

centro de atenção de Ainsley Park. Estava cortando madeira junto aos estábulos. Tirara a camisa e tinha toda sua atenção, sua força e sua energia postas na tarefa.

Nada no mundo importava mais que empilhar madeira suficiente para passar o próximo inverno... E talvez também o seguinte.

Os lacaios e os cavalariços estavam trabalhando no estábulo. Nenhum tomou um descanso, nem sequer ao meio dia. Todos e cada um deles acharam um motivo para passar pelo pátio do estábulo com suspeita regularidade. Ao menos três mulheres estavam arrancando as ervas daninhas da horta da cozinha, embora um par de dias antes Con tinha comprovado que não havia nenhuma. Talvez por isso estivessem demorando tanto, porque lhes custava achá-las. Dois meninos passavam os troncos para que os cortasse, embora era evidente que um bastava. Millie lhes levou duas vezes uma bandeja com bebidas e bolachas de aveia, e também ficou para ajudar um dos meninos a empilhar a lenha junto à parede do estábulo durante sua segunda viagem.

A cozinheira saiu pela porta lateral, supostamente para averiguar por que se atrasava tanto Millie. Entretanto, em vez de chamar a ou de retornar à cozinha quando se deu conta de que estava ocupada, ficou um momento onde estava, secando as mãos com o avental. Seguramente quando terminou eram as mãos mais secas de toda a Inglaterra. Roseann Thirgood estava dando uma aula de leitura no exterior, possivelmente porque fazia um dia ensolarado e corria uma suave brisa que os obrigava a segurar os livros com ambas as mãos para evitar que as páginas voassem. Outra das mulheres achou necessário sacudir o

Page 200: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

200

espanador pela janela de um dos lados da casa todos os poucos minutos e aparecer para ver onde caía o pó.

Todos sabiam, é claro, que Elliott e Stephen tinham ido falar com o juiz, embora não o havia dito ninguém. E todos sabiam por que Constantine estava cortando lenha com tanta ferocidade. Ninguém falou. Nem tampouco falaram entre eles. Salvo Roseann com seus alunos, supôs, embora não escutou nenhum.

E depois todos os que tinham desaparecido um instante, reapareceram, todos os que tinham estado ocupados ou tinham fingido que o estavam, deixaram o que estavam fazendo, inclusive, as mulheres que tiravam as ervas daninhas, ficaram em pé. Millie deixou cair os dois lenhos que levava nas mãos. A cozinheira soltou o avental.

Con se deteve com o machado por cima do ombro. Cavalos. E rodas de uma carruagem. Abaixou o machado muito devagar e se voltou. A mesma carruagem ducal do dia anterior. O mesmo cocheiro e o mesmo lacaio, com

suas reluzentes librés, escovadas com brio para o novo dia. Con inclusive se esqueceu de respirar por um instante. Se tivesse dado de refletir sobre

esse detalhe, teria apostado que outros também se esqueceram de fazê-lo. A carruagem não prosseguiu até a porta principal. Deteve-se junto ao estábulo.

Possivelmente seus ocupantes tinham visto todos concentrados no pátio, em cujo centro estava Con.

Stephen foi o primeiro em sair, sem esperar que desdobrassem os degraus. Olhou ao seu redor e depois para Con, que estava parado no chão. Não dera um só passo para a carruagem.

— A coisa pende de um fio — disse Stephen, erguendo a voz para fazer-se ouvir. Uma desafortunada escolha de palavras. Elliott também apeou sem a ajuda dos degraus. — O juiz vai considerar o assunto — disse, também bastante forte para que todos se

inteirassem — Seu veredicto final ainda não é firme, mas no caso de que indulte a Jess Barnes, fará-o deixando-o sob minha custódia e com a condição de que o leve bem longe daqui e de que não retorne jamais a Gloucestershire.

Con estava quase certo de ter escutado um suspiro coletivo. Ou talvez só escutou o seu. Soltou o machado junto a um monte de madeira sem cortar e se aproximou de seus primos, que por sua vez se aproximou dele.

— Elliott esteve incrível, Con — disse Stephen — Quase me pus a tremer ao escutá-lo. — Não nada disso — contradisse Elliott — Estava muito ocupado gotejando seu

legendário encanto, Stephen. Estive a um passo de ficar obnubilado. — Mas o juiz não se decidiu — disse Con. — Para ser justo, tem caráter — disse Elliott — me deu a impressão de que se

arrepende cada vez mais da dureza da sentença à medida que se aproxima o fatídico dia,

Page 201: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

201

mas que não encontra uma saída digna. Seguramente sua intervenção o abrandou. Queria nos conceder o que pedíamos, mas se nega a dar a impressão de ter se deixado avassalar por dois aristocratas sem autoridade real sobre ele.

— Acha que soltará Jess? — perguntou Con. — Acredito — respondeu — Mas não posso assegurar. Não. — Disse quando tomará uma decisão? — quis saber. — Amanhã — respondeu Stephen. — Mas seja como for, Con — disse Elliott — Jess não voltará para Ainsley Park. Sinto

muito. A melhor solução que me ocorreu foi prometer que o levaria comigo. Con assentiu com a cabeça. E seus olhos voaram por cima do ombro de Elliott, mais à

frente da carruagem, até o caminho que corria por trás. Um cavaleiro solitário se aproximava a trote.

Os outros também o tinham escutado. Voltaram-se ao mesmo tempo. O juiz já tinha tomado uma decisão? Era uma visita ao azar? Entretanto, conforme se aproximava o cavaleiro, viram que exibia uma brilhante libré

e que parecia estar um pouco cansado. Era evidente que tinha percorrido um longo trajeto, possivelmente sem fazer paradas salvo para trocar de cavalos e tomar algo.

— Por Deus! — Exclamou Stephen — É a libré real. Não havia a menor dúvida a respeito. O cavaleiro era um mensageiro do Rei. O recém-chegado deteve o cavalo atrás da carruagem e olhou ao seu redor com

expressão altiva antes de reparar em Elliott. — Tenho ordens de entregar uma mensagem ao Senhor Constantine Huxtable — disse. — Sou eu — Con ergueu um braço, um braço nu salpicado com aparas de madeira, e

deu um passo à frente. A expressão do mensageiro se tornou mais altiva se fosse possível. — Dou fé de sua identidade — atravessou Stephen, com certa ironia — Sou Merton. O mensageiro procurou em seu alforje e tirou dois pergaminhos lacrados com o selo

real. — Senhor, primeiro devo entregar esta por ordem expressa de Sua Majestade, o Rei. E ofereceu um dos pergaminhos a Con, que o olhou como se assim pudesse

desentranhar seus segredos. Intercambiou um olhar com o Elliott e Stephen, rompeu o selo e desdobrou o pergaminho.

O sangue foi aos pés. Umedeceu os lábios. O pergaminho tremeu entre seus dedos. Ergueu a vista.

— Um perdão — sussurrou. E depois levantou a cabeça, olhou ao seu redor e ergueu a voz. Sustentou o pergaminho no alto — Um perdão. Um perdão real para Jess. O Rei revogou a sentença.

— Se me indicar como chegar até o juiz em questão, Senhor — disse o mensageiro — levarei uma cópia desse documento sem mais demora.

Page 202: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

202

Ninguém fez conta. Houve uma onda de vivas, risadas e aplausos. E todo mundo ficou falando ao mesmo tempo. O volume de suas vozes aumentou ao se dar conta de que ninguém escutava aos outros porque todos estavam falando ao mesmo tempo. Quase todos. Duas das mulheres que tiravam ervas daninhas ficaram dançando agarradas pelas mãos, gritando enquanto davam voltas. A cozinheira havia coberto o rosto com o avental. Millie estava soluçando sem disfarces enquanto as lágrimas escorregavam por suas faces.

Con fechou os olhos com força e levantou o rosto ao céu. — Aquela bruxa — murmurou com carinho. — Enfim — disse Elliott — já vejo que necessária era minha presença, Con. Entretanto, estava sorrindo quando Con o olhou, aproximou-se e o aprisionou com um

abraço de urso. — Era necessária — assegurou — É necessário Elliott. Sempre é necessário — E em

seguida caiu no ridículo ao começar a chorar com a testa apoiada no ombro de Elliott. Sentiu que seu primo colocava uma mão na nuca. — Maldição! — exclamou ao mesmo tempo em que retrocedia um passo e limpava as

lágrimas com o dorso da mão — Droga! Elliott pôs um lenço de linho branco na mão. — O amor é permitido, Con — disse. Stephen assuou o nariz com seu próprio lenço. O mensageiro real pigarreou. — A seguir tenho ordens de dar isso ao Senhor — disse, oferecendo o segundo

pergaminho. Con olhou ao cavaleiro enquanto o aceitava. Mas só era um mensageiro, não a

mensagem em si. Que mais tinha que dizer o rei? Ora, ora, não o disse a sério... Jess Barnes vai morrer! Pensou. Rompeu o selo, desdobrou o pergaminho e o leu. E depois o leu uma segunda vez. E depois soltou um risinho. E depois se pôs a rir enquanto o passava a Elliott, que o leu,

também duas vezes, e o passou a Stephen antes de olhá-lo e somar-se a suas gargalhadas. — Caramba! — disse Stephen ao cabo de um momento — Caramba! E os três ficaram a rir muito enquanto os outros os olhavam e se perguntavam no que

achavam tanta graça. — O que acontece com o tempo, Babs? — Perguntou Hannah que estava sentada em

seu lugar preferido, o peitoril acolchoado de seu gabinete particular — Quando o estamos passando bem, voa como um pássaro ansioso por chegar ao seu lar depois de um longo inverno, e assim como o dito pássaro, é impossível detê-lo. Em outras ocasiões se arrasta como uma tartaruga a quem tivessem dado láudano.

Page 203: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

203

Barbara estava bordando. — Não existe o que chamamos tempo — replicou — Só existem nossas reações ao

inexorável curso da vida. Hannah cravou a vista no alto da cabeça de sua amiga. — Babs, acha que se fingisse estar desfrutando de seguir na pobreza receberia notícias

imediatamente? Será tão simples como isso? Por favor, me diga que sim. Barbara levantou a cabeça e sorriu. — Temo que não — respondeu — Porque a ilusão do tempo faz que o tempo exista.

Nossas reações são muito fortes para detê-lo de tudo. Somos infelizmente humanos. E maravilhosamente humanos também.

— Não terá aprendido tudo isto com seu vigário, não é verdade? — perguntou com receio.

— Pois sim, graças a algumas discussões — admitiu Barbara — E através de minhas reflexões íntimas e de algumas leituras que Simon me sugeriu.

— Se não posso deter a ilusão do tempo nem tampouco posso deter a realidade — disse — de nada serve saber que se trata de uma ilusão, não parece? Nem tampouco é necessário definir essa realidade. Agora me está dando voltas a cabeça, ou isso também é só uma ilusão?

Barbara se limitou a soltar uma gargalhada e a retomar o trabalho. — O Rei prometeu ajudar, Hannah — recordou. — Mas todo mundo sabe que a memória do Rei é muito volúvel — replicou — Tem

boas intenções, mas se distrai muito facilmente. Não fui a única pessoa que pediu algo nessa manhã, nem a última. O fato de que se pusesse a chorar ao ouvir minha história não quer dizer nada. Chora por algo que seja minimamente emotivo.

— Deve confiar nele — insistiu sua amiga — E no Duque de Moreland e no Conde de Merton. E no próprio Senhor Huxtable.

Hannah suspirou e pegou uma almofada que abraçou contra seu peito. — É muito difícil confiar em outra pessoa que não seja em si mesmo — respondeu. — Fez tudo o que pode — disse Barbara — Muito mais. Hannah olhou de novo o alto da cabeça de sua amiga. Considerou a ideia de se

levantar e começar a passear pela sala... Outra vez. Considerou a possibilidade de sair para dar um passeio vigoroso, mas estava chovendo e o vento soprava com força, e Barbara insistiria em acompanhá-la. E certamente pegaria um resfriado e teriam que cuidá-la durante um par de semanas para que não acabasse as portas da morte.

Às vezes, Barbara podia ser um aborrecimento considerável. — Supunha que ia voltar para casa assim que retornássemos de Kent — comentou —

Ansiava voltar para casa, embora seja muito educada para dizê-lo. Entretanto, aqui está, calada e paciente, Babs. Eu subiria pelas paredes se estivesse em seu lugar.

Page 204: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

204

— Não, não o faria — Sua amiga voltou a levantar a cabeça — É muito melhor pessoa do que aparenta Hannah. Se estivesse em meu lugar, ficaria comigo todo o tempo que a necessitasse. Somos amigas. Queremo-nos.

Hannah escutou o soluço que entupia a garganta e engoliu em seco. Arregalou os olhos para que não enchessem de lágrimas. De uns tempos para cá

custava muito não se pôr a chorar. Convertera-se em uma espécie de reclusa desde sua visita ao Palácio de Saint James. Embora suas novas amigas tivessem a amabilidade de ir vê-la na tarde anterior.

Tinham ido todas juntas, as três irmãs Huxtable e sua cunhada, e tinham ficado durante uma hora e meia, muito mais do que requeria uma visita de cortesia. Estavam quase tão ansiosas como ela por receber notícias.

— Ama seu vigário — disse — Deveria estar com ele, Babs. — E estarei — respondeu Barbara — Vamos nos casar em agosto e viveremos juntos o

resto de nossas vidas. Quando receber notícias suas, estou certa de que me dirá que fiz o correto ao ficar com você. Embora hoje já não receba nada. Com certeza que amanhã sim.

Barbara continuou bordando e ela soltou um profundo suspiro. E ao fim de um momento conteve o fôlego enquanto Barbara deixava a agulha

suspensa sobre o tecido. Ambas escutaram o distante som da aldrava da porta principal. — Visitas — disse Hannah em um esforço para fingir despreocupação — Dirão que não

estou em casa. Entretanto, aguçou o ouvido ao escutar passos do outro lado da porta, e quando os

ouviu, esticou-se e pôs a almofada junto ao corpo como se devesse protegê-lo com sua própria vida.

— Um Cavalheiro pergunta pela Senhorita Leavensworth, Excelência — disse seu mordomo quando abriu a porta.

— Diga que... Pergunta por Barbara? — O reverendo Newcombe, Excelência — respondeu o mordomo, olhando Barbara —

Devo dizer que não se encontra em casa? — Simon? — perguntou Barbara em voz baixa. Tinha a agulha suspensa sobre o tecido. De repente, pensou Hannah, sua amiga estava muito bonita. — Faça-o entrar, por favor — Ordenou ao mordomo. Nunca recebia visitas em seu gabinete particular. Abaixou as pernas ao chão e soltou a almofada quando o mordomo se retirou. Seu

primeiro instinto foi sair da sala a toda pressa, deixar o campo livre para o reencontro dos apaixonados. Mas foi incapaz de resistir ao impulso de ficar, para presenciá-lo e conhecer o noivo de Barbara.

Sua amiga recolheu calma e metodicamente seu trabalho, depois comprovou o estado de seu cabelo e se assegurou de que não ficasse sobre seu vestido, nem rastro das bolachas que acompanhara o chá. Olhou para Hannah.

Page 205: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

205

— Por isso hoje não recebi sua carta — disse — veio pessoalmente. Sua beleza era radiante. Tinha os olhos enormes e brilhantes. Era a expressão do amor, pensou Hannah. Tinha-o visto em seu próprio espelho de uns tempos ate agora. E o que tinha servido... A porta voltou a se abrir depois da batida de rigor. — O reverendo Newcombe para ver a Senhorita Leavensworth — anunciou o

mordomo. E em seguida entrou o Cavalheiro mais comum que Hannah poderia imaginar. Era justo

como Barbara o havia descrito, de fato. Não era alto, nem forte nem bonito. Seu traje era sóbrio e decente, sem adornos. Mas

assim que seus olhos se posaram em Barbara, sorriu... E Hannah soube por que sua amiga, que tinha recusado vários pretendentes mais que adequados ao longo de sua juventude, tinha entregado seu coração a esse homem.

Barbara sorria de orelha a orelha. Por Deus! Pensou Hannah, se estivesse no lugar de sua amiga teria cruzado a sala

correndo com um grito ensurdecedor para lançar-se sobre ele. — Barb — disse o reverendo. — Simon. Depois dessa enorme demonstração de afeto, ambos recuperaram suas boas maneiras

e se voltaram para ela. — Hannah tenho a honra de apresentar o reverendo Newcombe — disse sua amiga —

Simon, apresento a Duquesa de Dunbarton. O vigário fez uma reverência. Hannah correspondeu com uma inclinação de cabeça. — Veio pessoalmente para levar Barbara para casa — aventurou — Não o culpo

absolutamente, Senhor Newcombe. Fui muito egoísta. — Excelência, vim porque meu futuro sogro teve a amabilidade de me substituir nos

ofícios do domingo, para assim poder tomar umas curtas férias em Londres, embora desfrutarei de outras depois de minhas núpcias. Vim porque me parecia que passaram anos, e não semanas, desde a última vez que vi Barbara. E vim porque você está angustiada e pensei que talvez possa oferecer consolo espiritual.

Hannah mordeu o lábio inferior. Rir não seria apropriado. Embora fosse certo que em parte ansiasse fazer isso, outra parte mais nobre de seu ser se sentia comovida.

— Agradeço. É um momento de grande ansiedade. A vida de um homem pende por um fio e me preocupa muito, embora não o conheça pessoalmente e é provável que nunca chegue a conhecê-lo. Alguém próximo a mim está muito envolvido emocionalmente neste assunto, e eu estou muito envolvida emocionalmente com esta pessoa.

Não tinha sido sua intenção se expressar desse modo. Mas já tinha pronunciado as palavras, e eram verdadeiras. Sempre devia contar a verdade a um clérigo.

— Entendo, Excelência — replicou o reverendo, e teve a impressão de que era verdade.

Page 206: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

206

— Tenho que atender um assunto urgente em outra parte da casa — comentou — assim receio que não poderei ser uma anfitriã perfeita, já que devo me ausentar agora mesmo. Mas o deixarei com Barbara. Estou certa de que fará tudo o que esteja em sua mão para entretê-lo em minha ausência.

— Estou certo de que o fará, Excelência — concordou ele. Sorriu e o reverendo devolveu o sorriso com tão bom humor que se poderia ter

apaixonado por ele se seu coração fosse livre. Sorriu-lhe, piscou a Barbara um olho que o reverendo Simon Newcombe não podia ver

e saiu da sala como se na realidade tivesse uma infinidade de tarefas pendentes. O que estaria acontecendo em Gloucestershire? E por que ninguém escrevia?

Page 207: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

207

CAPÍTULO 20 Depois do longo trajeto até Londres, o mais interessante que ocorreu ao reverendo

Newcombe fazer durante seu primeiro dia foi ir a uma livraria situada na Oxford Street que ainda recordava seus dias de estudante.

Antes passou por Dunbarton House a fim de convidar Barbara e Hannah para que o acompanhassem. Barbara estava entusiasmada pela ideia.

Hannah observava o casal enquanto tomavam café no salão. Aquilo era extraordinário. Nem sequer era uma livraria de livros novos. Certamente estava cheia de pó. E indubitavelmente cheia de antigos volumes, tão deteriorados pelo passar do tempo que suas folhas estariam se desintegrando para criar mais pó.

— Hannah, tem que vir conosco — suplicou Barbara — Está há vários dias sem aparecer sequer à rua e hoje faz um dia ensolarado. Se acha que vai estorvar, asseguro que não é assim. — ruborizou-se.

— Nem me passara pela cabeça — assegurou Hannah — Ambos são muito educados para admitir em particular, que minha presença seria um estorvo. Esta tarde irei passear no Hyde Park, receberei meu séquito e me inteirarei de todos os novos falatórios que circulam para entretê-la durante o jantar. Senhor Newcombe, jantará conosco?

— Obrigado, Excelência — respondeu o aludido, inclinando a cabeça — Mas... Alguém bateu na porta do salão e o interrompeu. — Excelência, os Condes de Merton desejam saber se está em casa — disse o

mordomo ao abrir a porta. Hannah ficou em pé de um salto. Cassandra? E o Conde também? — Faça-os entrar — replicou. Custou a própria vida não sair correndo atrás dele e adiantar-se a ele na escada para

chegar ao vestíbulo em primeiro lugar e inteirar-se do que tinha acontecido. — O Conde de Merton foi a Ainsley Park com o Duque de Moreland para ver se

podiam interceder pelo condenado — explicou Barbara ao seu vigário. — Sim — replicou o reverendo Newcombe — lembro os nomes porque os mencionou

em sua carta, Barb. E agora o Conde voltou, talvez com notícias. Esperemos que sejam boas novas. Excelência, a preocupação que demonstra por uma pobre alma desencaminhada é elogiável. Mas não me surpreende. Barbara me contou...

Page 208: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

208

Hannah deixou de escutá-lo nesse ponto. Não por um gesto deliberado de má educação, se não porque seus pensamentos se converteram em um torvelinho descontrolado.

Aproximou-se da porta tudo o que pode sem arriscar-se a que dessem com ela no nariz quando voltassem a abri-la e entrelaçou as mãos à altura da cintura. Tentou recorrer a toda a dignidade que pode.

O Duque de Moreland não acompanhava o Conde? Nem Constantine? A porta voltou a se abrir depois de uma batidinha. — Os Condes de Merton, Excelência — anunciou o mordomo. A aparência do Conde delatava que tinha realizado uma longa viagem. Embora sua

roupa não estivesse amassada e se barbeara, notava-se o cansaço nos olhos e Hannah teve a impressão de que se deteve em Merton House, justo para ver sua esposa.

Cassandra, por sua parte, sorria de orelha a orelha. — Tudo saiu bem — disse ao mesmo tempo em que se apressava a se aproximar dela

para abraçá-la — Tudo saiu bem, Hannah. Hannah se deixou abraçar e se apoiou na Condessa, aliviada. — Excelência, suponho que já sabia — disse o Conde — Deve ter sido você quem

convenceu o Rei para que interviesse. Embora imagine que estará ansiosa por saber que o perdão real chegou a tempo. Três dias antes do prazo final, de fato.

Só três dias? Perguntou-se ela. — Foi um perdão completo — acrescentou — Jess Barnes é um homem livre. Quando

parti, prometi a Con que a faria saber ao chegar a Londres. Além disso, tomei a liberdade de voltar em sua carruagem, Excelência. Con voltará com Elliott mais tarde.

— Com o Duque de Moreland? — Hannah arqueou as sobrancelhas — Os dois juntos na mesma carruagem?

O Conde de Merton sorriu. — Nem sequer acredito que cheguem aos punhos — comentou — Nem que viajem

sem dirigir a palavra. — Solucionaram sua absurda rixa? — quis saber. — Sim — respondeu o Conde — Pela primeira vez desde que os conheço pude vê-los

tal como deviam ser durante grande parte de suas vidas. Não param de falar e de brincar. E inclusive de discutir. Se por acaso necessitar de algum argumento para convencê-la, direi que Con escolheu o ombro de Elliott para chorar depois de ler o perdão real e olhe que o meu estava tão perto e igualmente disponível.

— Oh! — Hannah uniu as mãos e levou as pontas dos dedos aos lábios. Depois de fechar os olhos imaginou Constantine chorando. Que envergonhado deveria

ter se sentido! E que furioso ficaria se soubesse que seu primo estava contando! Os homens tinham posturas muito ridículas nessas questões.

Page 209: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

209

Que estranho era que alguém pudesse julgar tão mal a outra pessoa. Em seu intimo sempre o tinha chamado de demônio. Pela aparência sombria e perigosa que justificava o apelido. E na realidade era justo o contrário.

Era todo luz, amor e compaixão. Bem, e talvez um pouco de sombra e de perigo. De fato, era uma confusa mescla de

qualidades humanas. Como a maioria das pessoas. Amava-o tanto que quase doía! Que idiota era. Pensamentos muito inadequados para o momento em questão. Levantou a cabeça,

sorriu e se voltou para realizar as apresentações entre o reverendo Newcombe e os Condes. O reverendo e Barbara estavam em pé. Sua amiga tinha os olhos brilhantes pelas

lágrimas, embora não estivesse chorando, quando se aproximou para abraçá-la. — Sabia que o Rei não o esqueceria — disse Barbara. Hannah se perguntou se esse seria o final. O Conde acabava de dizer que Constantine

voltaria para a cidade com o Duque de Moreland. Mas e se mudasse de opinião e ficasse em Ainsley Park já que a temporada social já

dava suas últimas notas? E se precisasse ficar, tal como era sua intenção a princípio, para consolar Jess e aplacar os ânimos entre seus vizinhos? E se já que estava longe dela decidia que era um momento oportuno para por fim a sua relação?

Confessara que o amava. Isso deveria persuadi-lo a manter as distâncias com ela ao menos durante um par de anos.

Voltaria? Retomariam sua relação como se a interrupção não tivesse tido lugar? Retomaria para ela? Não pensou até esse preciso instante. Que não era o mais adequado. Tinha dois casais

de convidados para atender, embora Cassandra estivesse dizendo nesse instante que partiam a fim de informar Vanessa do que acontecera e para dizer que o Duque retornaria breve.

Continuaria vivendo em sua casa durante o dia e iria a casa de Constantine a noite para fazer amor?

Ansiava fazer amor. Que Constantine a amasse. Ela era sua amante. Ele era seu amante. Seria suficiente? Era o que acordaram. Era o que ela tinha desejado para esse primeiro ano de

liberdade. De fato, ela iniciou tudo. Mudara de opinião tão cedo? A essa altura não podia suportar a idéia de não seguir sendo amantes. Mas tampouco suportava a idéia de seguir sendo.

Porque o amava. Confessara a verdade, embora talvez não tivesse sido o mais acertado.

Por que amá-lo e ser sua amante pareciam duas situações mutuamente excludentes?

Page 210: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

210

Ai, Deus! Exclamou para si mesma enquanto se despedia dos Condes de Merton e agradecia a visita. Ao que parecia estava tão nervosa e tão à deriva de suas emoções como quando tinha dezenove anos. Como se os onze anos que a afastavam daquele momento não tivessem existido.

Salvo que nesse instante era consciente da alternativa que tinha em frente aos seus olhos e de que só ela podia escolher. De forma serena e racional. Desde que Constantine não escolhesse por ela, claro, ao ficar em Ainsley Park.

Continuariam amantes durante o que restava de temporada social? Ou não? A escolha não podia ser mais simples. Decidir-se era outra questão. — Hannah, vem conosco? — perguntou Barbara uma vez que voltaram a ficarem os

três sós no salão. — Já não tem que permanecer em casa para esperar notícias, não é? Já chegaram e

não podiam ter sido melhores. — Por que não? — replicou olhando primeiro a um e depois à outra — vamos celebrar

o folheando livros velhos. O reverendo Newcombe esboçou um sorriso deslumbrante. Con ficou mais quatro dias em Ainsley Park depois que Jess foi libertado e de que

Stephen partisse para Londres na carruagem da Duquesa. Sentia a necessidade de estar com sua gente uns dias até que todos se recuperassem

da terrível ansiedade que passaram e retomassem o ritmo cotidiano do dia a dia. Sentia necessidade de visitar seus vizinhos e de falar com eles pessoalmente sobre a situação de Ainsley Park.

Não podia lhes prometer que jamais se repetiriam situações incômodas como a acontecida, mas lhes recordou e enfatizou que o incidente protagonizado por Jess foi o primeiro desse tipo em todos os anos que o projeto estava funcionando. Além disso, explicou-lhes que sua gente valorizava a segunda oportunidade que lhes brindava a vida e que estavam fazendo todo o possível para converter-se em pessoas respeitáveis e trabalhadoras.

Deixou bem claro que ele não dirigia um ninho de ladrões... Nem um bordel. Nem sequer o pobre Jess era um ladrão por natureza, senão um homem que tinha tentado emendar um erro sem refletir sobre o que estava fazendo. E Jess ia partir. Jamais voltaria a pisar em Ainsley Park. A maior parte de seus vizinhos o recebeu com educação. Alguns inclusive com simpatia. Outros se reservaram sua opinião.

Kincaid não ocultou seu cepticismo, embora não se mostrasse abertamente hostil. O tempo o faria mudar, ao menos isso achava, e esperava Constantine.

Page 211: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

211

Também quis ficar esses dias para que Jess se recuperasse um pouco do calvário e se acostumasse à idéia de que sua aprendizagem em Ainsley Park tinha acabado e de que foi promovido a um posto com o qual sempre tinha sonhado. O de cavalariço.

O Duque do Moreland o tinha oferecido, de modo que partiria para Rigby Abbey, a casa Senhorial de Sua Excelência.

Con explicou que seria muito duro para todos que partisse, mas o Duque era seu primo e se fosse obrigado a deixá-lo ir subir em sua vida trabalhista, preferia que partisse com um parente a que o fizesse com um desconhecido. Além disso, poderia vê-lo de vez em quando, sempre que visitasse o Duque, e assim levar notícias de todos seus amigos de Ainsley Park.

Con nunca esteve em Rigby Abbey. Surpreendeu-o que Elliott decidisse ficar também em Ainsley Park, embora saltasse à

vista que o aborrecia estar longe de sua mulher e de seus filhos. Ficou para renovar sua amizade. Não podia ter mais motivos. E a renovaram, de forma hesitante a princípio e com crescente facilidade à medida que foram passando os dias.

Ter Elliott de volta era como um presente, como um bálsamo para a alma. Não se dera conta do muito que sentira falta dele. A perda de seu primo e a perda de Jon se mesclaram em seu interior até formar um tremendo vazio e uma solidão terrível.

Mas tinha recuperado Elliott. E falaram muito sobre Jon. Compartilharam lembranças. Não as tristes, mas as anteriores, as que abrangiam os primeiros quinze anos de sua vida.

Esses quatro dias foram para ele cicatrizantes e relaxantes, embora em parte o afligisse a impaciência por voltar para Londres. Entretanto, tentava manter Hannah o mais longe possível de sua mente. Ainda não estava preparado para pensar.

Hannah tinha confessado que o amava. Quando por fim voltou para Londres na luxuosa carruagem de Elliott, com Jess sentado

na boleia junto ao cocheiro, enquanto o lacaio os seguia a cavalo, tinham transcorrido duas semanas desde que deixara a cidade.

Devia ir agradecer à Duquesa que tivesse intervindo para ajudar Jess, porque não podia pontuar de intromissão, e que tivesse emprestado a carruagem. Entretanto, descobriu certa relutância a realizar tal visita.

O que aconteceria a partir desse momento? Voltariam à situação anterior? Voltaria ela a ser sua amante? Voltaria ele a ser?

Desejava-a. Tinham passado quase três semanas desde a última vez que fizeram amor. Estavam mantendo uma aventura. Tinham uma relação sexual. Passageira, até o final

da temporada social. Gratificante para ambos. Pelo amor de Deus! O que tinham na realidade? Porque pensado assim parecia muito... Que palavra estava procurando? Vulgar?

Sórdido? Insatisfatório? A última opção, certamente. Possivelmente também as duas primeiras. Mas isso era estranho. Nunca tinha pensado em suas anteriores aventuras nesses termos. Tinha desfrutado delas pelo que eram, tinha posto fim chegado o momento e esquecera-as.

Page 212: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

212

Uma aventura com Hannah, é claro, não era suficiente. Amava-a. Mal tinha pensado nela durante a última semana e meia. Ao menos não de forma

consciente. Entretanto, ela esteve presente a cada momento de cada dia. Fazendo parte dele.

A bendita ideia era alarmante. Ou não? Havia dito que o amava antes de partir de Copeland Manor. Haveria dito isso de

verdade? Referia-se a um amor verdadeiro? Maldição! Nem sequer tinha experiência com o amor. Com esse tipo de amor, concretamente. Embora talvez isso acontecesse a todo mundo, até que o amor aparecia de repente e golpeava justo entre os olhos. Que transpareciam os atos da Duquesa? Demonstravam suas palavras?

O que tinha feito depois de ele partir... Em sua carruagem? Tinha voltado para Londres arrastando Stephen consigo, tinha abordado Elliott em sua

casa, convencê-los para que fossem os dois a Gloucestershire e depois se preparara para mobilizar o Rei.

E tudo isso... Por um atrasado mental a quem não conhecia de nada? Nem pensar, por muito compassiva que fosse, que indubitavelmente era. Elliott, que estava sentado no assento oposto ao seu na carruagem, bocejou. — Con, quando dormi tinha o olhar perdido no infinito — comentou — e agora que

acordei vejo que continua igual. Está preocupado com Jess, não é verdade? Foi muito convincente quando assegurou que se graduou com honras em Ainsley Park e que foi promovido a Rigby Abbey. Por minha parte, quando me esqueço de me comportar como um Duque despótico, sou capaz de ser amável com meus empregados.

Con o olhou. — Estou em dívida com você — disse — Por tudo. Elliott sorriu. — Em algum momento chegou a pensar que vou permitir que o esqueça? — replicou

seu primo. Riu entre dentes ao escutá-lo. — Não — respondeu — Já nos conhecemos. — Vai se casar com ela? — perguntou Elliott. Aí estava. A ideia que sua mente estava evitando há dias. Queria se casar. Queria ter filhos. Queria todas as coisas que tinha evitado durante

anos. Queria assentar a cabeça. Mas... Com a Duquesa de Dunbarton? Com Hannah? Era como pensar em duas pessoas diferentes. Não obstante, eram a mesma. Era tanto

a Duquesa que sempre tinha conhecido como a Hannah que descobriu, desde que se fizeram amantes. Era impossível descrevê-la com uma só palavra ou com uma frase.

Nem sequer com um parágrafo.

Page 213: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

213

Nem com um livro nem com uma biblioteca. Era uma mulher enérgica, complexa e única, e a amava.

— Nem me passou pela cabeça — respondeu. — Mentiroso! — Elliott continuava sorrindo. — O que foi que o fez saber sem o menor indício de dúvida que queria se casar com

Vanessa? — perguntou a seu primo. — O meu não foi assim — respondeu — Foi ela que me propôs matrimônio e me

deixou tão assombrado, que disse sim antes de saber o que estava fazendo. Assim não restou mais remédio que manter minha palavra.

— Se não queria me contar — respondeu — podia ter dito isso sem mais. Elliott levantou a mão direita. — É a pura verdade — assegurou seu primo — Quando descobri que a queria mais que

a minha vida, já estava casado com ela e não sofri a agonia de decidir como, quando, onde e, sobretudo se me declarava.

— Poderia rir em meu rosto — indicou Constantine. — É muito possível — reconheceu Elliott depois de meditar uns instantes — É uma

mulher formidável, não é verdade? Para não mencionar sua beleza. Certamente pode conseguir qualquer solteiro do reino a quem lance o olho. Poderia rir de sua proposta. Ou também poderia chorar. Esse seria um resultado muito mais prometedor.

— Elliott, é a Duquesa de Dunbarton — recordou — Devo ter perdido a cabeça. — Por quê? — Replicou seu primo — Con, tem muito que oferecer, e hoje é um

melhor partido do foi que há uma semana — Voltou a sorrir. Constantine deu de ombros sem dizer nada. — Vanessa jura que debaixo de toda essa camada branca de gelo há paixão — Seguiu

Elliott — e que quando descobrir algo para chegar a essa paixão, isso será tão constante como a estrela Polar. E ela conhece muito destas coisas. Jamais me ocorreria contrariá-la em algo assim. Porque acabaria descobrindo minha falha e evitaria se gabar, sendo cortês. E eu me sentiria como um idiota.

— Mmm — murmurou. — Se por acaso serve de esclarecimento — acrescentou seu primo — assegura a ela no

que você se converteu. Por certo, será melhor que venha comigo a Moreland House assim que cheguemos à cidade e que faça as pazes com Vanessa antes de ir a Dunbarton House.

— De acordo — aceitou antes de apoiar a cabeça no espaldar e de fingir que dormia para evitar que a conversa prosseguisse.

Dormiu enquanto se perguntava se Hannah riria ou choraria no caso de propor matrimônio.

Ou se daria a opção de reagir de qualquer das duas maneiras.

Page 214: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

214

CAPÍTULO 21 Hannah acreditou estarem certos seus temores de que Constantine ficou em Ainsley

Park para evitar enfrentar o estado de sua relação e às palavras que tão incautamente ela pronunciara em Copeland Manor. Não retornou a Londres no dia posterior à volta do Conde de Merton, nem no seguinte. Entretanto, conforme descobriu três dias depois, tampouco o fez o Duque de Moreland. Ambos continuavam fora da cidade.

Hannah soube uma tarde durante uma visita à Katherine em que se encontrou com a Duquesa de Moreland, já que ambas estavam preocupadas com a possibilidade de que continuasse padecendo de náuseas matutinas.

De modo que havia a possibilidade de que retornasse.

Page 215: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

215

O Duque certamente que o faria. Enquanto isso, Hannah se inteirou quase imediatamente de que se cansara de seu

último favorito quase tão rápido como todo mundo tinha prognosticado. Conforme se assegurava, tinha-o despachado sem piedade. Tanto era assim que ele partira ao campo para lamber as feridas. Nesse instante procurava um novo amante, que desfrutaria de seu momento de glória, antes que se desfizesse dele. Todos se perguntavam quem seria.

Não faltavam aspirantes ansiosos. Esse era o rumor que circulava pelos clubes e salões londrinos. Teria achado graça se

não fosse pela ansiedade que provocava a possibilidade de ser ela a abandonada. Entretanto, não podia fazer nada salvo interpretar o papel que se esperava dela

enquanto aguardava. Porque não pensava ficar em casa como uma reclusa mais tempo. Numa ensolarada tarde colocou seu vestido de musselina branca mais deslumbrante e

um chapéu a jogo, acrescentou enormes diamantes muito ostentosos as suas orelhas, em seus dedos enluvados e em um de seus pulsos, cobriu-se com a sombrinha de renda e saiu para dar um passeio pelo Hyde Park à hora marcada pela alta Sociedade.

Barbara e o reverendo Newcombe a acompanharam. Ia ser seu último dia em Londres. No dia seguinte retornariam a Markle. Barbara o faria em carruagem com sua criada, e o reverendo cavalgaria ao seu lado para guardar as aparências. Hannah tinha sugerido que saíssem a algum lugar para passar sua última tarde a sós de fato, tinha sugerido Richmond Park, mas tinham insistido em acompanhá-la.

Depois se viram rodeados de pessoas, a maioria Cavalheiros. Margaret e Katherine passeavam juntas em um cabriolé e se detiveram para conversar

um momento. Katherine, ao inteirar-se de que Barbara partiria no dia seguinte, insistiu em que Hannah fosse jantar em sua casa. E Margaret a convidou a ir à ópera com eles na noite seguinte.

— Quase convencemos o avô de Duncan para que nos acompanhe, mas ainda resiste — disse — Hannah, se souber que fará parte do grupo, com certeza virá.

— Então terá que dizer que aceito com a condição de que ele também vá — replicou ela — Diga que se não for, me apresentarei em Claverbrook House na manhã seguinte para exigir uma explicação.

Barbara e o reverendo Newcombe estavam falando com os Park e com outro casal. O cabriolé prosseguiu caminho e Hannah se viu rodeada pelo círculo de suas antigas

amizades, algumas das quais também eram possíveis pretendentes, e por algum ou outro novo admirador. Era muito agradável, pensou ao fim de uns minutos, retomar sua antiga armadura, interpretar o papel da Duquesa de Dunbarton, ao mesmo tempo em que protegia a frágil pessoa de Hannah Reid em seu casulo como se tratasse de uma larva.

E, entretanto, era um papel que não podia interpretar indefinidamente. Não se dera conta desse fato até esse instante. Era um fato que ignorava no começo da temporada social. Interpretar esse papel foi fácil e inclusive divertido enquanto o Duque estava vivo. Teve sua

Page 216: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

216

companhia, seu companheirismo e, sim, seu amor para desfrutar quando não estavam em público. Mas nesse momento?

A única coisa que achava ao chegar a casa era a solidão. E Babs partiria no dia seguinte. Seria suficiente com suas amizades, novas e antigas, nos dias e nos meses vindouros...

Nos anos vindouros? Ai, Constantine! Onde está? Iria me evitar, quando voltar, acaso voltasse? Estava rindo por algo que havia dito Lorde Moodie e dando uns tapinhas no braço

quando seu séquito se abriu para deixar caminho a um cavalo. De repente, fez-se um estranho silêncio.

Era um cavalo negro. O cavalo de Constantine. Hannah ergueu a vista e virou a sombrinha com tanta força que provocou uma

corrente de ar ao redor de sua cabeça. Constantine. Vestido todo de negro salvo pela camisa. O rosto alongado. Os olhos

escuros. Sem sorrir. Com aspecto quase sinistro. Quase demoníaco. Seu amado. Por Deus! De onde tinham saído essas palavras tão românticas? De umas bodas? — Senhor Huxtable? — Arqueou as sobrancelhas. — Duquesa. Seu séquito estava pendente de suas palavras como se estivessem recitando um longo

monólogo. — Vejo que por fim se dignou a aparecer de novo por Londres — respondeu ela. Seu séquito soltou um suspiro satisfeito quase evidente pelo desdém que acabava de

demonstrar ao homem que tinha retornado depois que ela o recusara. Acabara o tempo, queria dizer esse suspiro quase silencioso.

Quanto antes se afastasse, levando consigo seu coração quebrado e certa dignidade, melhor para todos os envolvidos.

Constantine se limitou a estender uma mão como resposta, calçada cm uma luva de couro negro. Os olhos escuros se cravaram nos seus com tal intensidade que foi impossível afastar o olhar.

— Coloque seu pé em minha bota — disse. Como? Pensou Hannah. — Caramba! — protestou um Cavalheiro sem se identificar — Huxtable, não se dá

conta de que Sua Excelência...? Hannah não estava prestando atenção. Achava-se liberando uma batalha de vontades

com Constantine. Levava um traje muito incômodo para montar a cavalo. Se queria falar com ela, seria mais simples e imensamente mais galante de sua parte

desmontar. Mas Constantine queria ver e queria que a alta Sociedade visse como caía no ridículo. Queria dar à alta Sociedade um escândalo do qual falar durante um mês.

Page 217: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

217

Queria demonstrar ao mundo inteiro que ele era o amo e Senhor, que só tinha que estalar os dedos para que ela se aproximasse correndo.

Voltou a virar a sombrinha e o olhou com ironia. Produziu-se outro suspiro apenas audível em sinal de aprovação. Se tivesse olhado ao

seu redor, teria se dado conta de que seu séquito tinha aumentado em número e de que não só se compunha de Cavalheiros. Já tinham suscitado bastante isca como para que a conversa nos salões não decaísse durante duas semanas.

Muito devagar e com movimentos extremamente precisos fechou a sombrinha antes de dá-la sem mediar palavra a Lorde Hardingraye, que se achava ao seu lado. Deu dois passos para frente, recolheu a bainha do vestido com uma mão, colocou seu delicado escarpam branco na reluzente bota de montar negra de Constantine e estendeu o braço livre para agarrar sua mão.

Seda branca contra couro negro. Em um abrir e fechar de olhos, sem que tivesse que fazer nada mais, viu-se sentada de

lado diante de Constantine, rodeada por seus fortes braços e bem segura pela frente e por trás, de modo que mesmo se fosse naturalmente temerosa, teria se sentido protegida.

E ela não era naturalmente temerosa. Voltou a cabeça e olhou os olhos tão escuros, que quase ficavam à mesma altura que

os seus. Constantine estava indicando ao cavalo que se voltasse e a multidão se afastou para

deixá-lo passar. A multidão também tinha muito que dizer e o estava fazendo. Dizia ele a ela ou ela a ele, ou falavam entre si. Hannah nem sequer tentou prestar

atenção ao que se dizia. Não importava absolutamente. Constantine estava em Londres. E fora reclamá-la. Ou não? — Foi muito melodramático — disse. — Sim, não é verdade? — replicou ele — Ao retornar à cidade, coisa que aconteceu faz

um par de horas, por certo, inteirei-me de que era seu pretendente recusado e desprezado. Para proteger meu orgulho, tinha que fazer um gesto extravagante.

— Certamente que foi extravagante — concordou enquanto ele deixava para trás cavalos e carruagens em um caminho meio entupido.

— É verdade? — perguntou. — Que foi desprezado? — perguntou Hannah por sua vez. — Recusado. — É meu pretendente — completou — Gosto de considerá-lo como meu pretendente.

Acabarei com o vestido destroçado, Constantine. Cheirará a cavalo o que restar de existência.

Ainda não tinham deixado para trás a multidão. Seguiam estando muito à vista. E certamente seriam muito poucos os que estavam passando por cima a oportunidade de observá-los com prazer.

Page 218: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

218

De qualquer maneira, beijou-a... Nos lábios e com a boca aberta. E não foi um beijo breve, quase simbólico. Durou um bom tempo, e nas circunstâncias nas quais se achavam foi quase uma eternidade.

E já que de qualquer forma devia suportá-lo, já que não se achava em condições físicas de recusá-lo, devolveu-o beijo, prolongando o momento um pouco mais.

— Pronto — disse ele quando ergueu a cabeça, olhando-a fixamente nos olhos. Foi impossível escapar desse olhar, que chegou à alma e a conquistou. Ela o olhou por

sua vez com a mesma expressão. — Agora está totalmente comprometida, Duquesa. — Certo — admitiu com um suspiro — E o que pensa fazer a respeito? — arrependeu-

se de tê-lo perguntado assim que as palavras saíram de sua boca. Pareciam-se muito a um ultimato.

— Sou um Cavalheiro, Duquesa — respondeu Constantine — vou me casar com você. Sua resposta foi engolir saliva com enorme dificuldade, tanto que quase engasgou.

Afastou o olhar e percebeu que tinham deixado para trás a multidão e que nesse momento estavam virtualmente sós no caminho, rodeados de árvores. Tentou colocar-se de novo a armadura que tinha resultado tão cômoda fazia apenas uns minutos.

— Sério? — Perguntou com frieza — E vai perguntar minha opinião a respeito ou, dado que se pode dizer que me levou carregada durante o processo, pensou que não é preciso me consultar.

— Esperava isso — respondeu ele — Suponho que todos os homens temem o momento de fazer a pergunta em questão, quando estão mergulhados em sua própria história de amor. Mas já vejo que não vai me deixar as coisas fáceis, nem quer que prescindamos do momento, Duquesa. Suponho que terei que fincar um joelho no chão, coisa que não posso fazer neste preciso instante. Embora tenhamos deixado a multidão para trás, não me cabe a menor dúvida de que acudiriam correndo de todos os cantos do parque se desmontar, iria ajudá-la a descer e depois passar a me fincar de joelhos aqui mesmo. Assim vamos ter que deixá-lo para outra ocasião.

Muito a seu pesar, Hannah se pôs a rir. — Parece muito seguro de seu êxito — replicou. — Não me conhece muito bem — comentou Constantine — Duquesa, se me

conhecesse melhor, daria conta de que estou tagarelando sem tom nem som e de que meu coração pulsa a um ritmo errático. Vamos mudar de assunto. Jess está livre e se encontra muito feliz e muito orgulhoso, e tudo graças a você, acredito. Em circunstâncias normais o Rei não se teria informado do apuro no qual estava.

Estava mudando de assunto? Depois de dizer que ia se casar com ela, ficava a falar de Jess Barnes e do Rei? Enfim...

Deu uma olhada a seu redor com expressão distante.

Page 219: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

219

— Vi-o por acaso — assegurou — e surgiu a possibilidade de falar do assunto. Pôs-se a chorar. Claro que se teria posto a chorar se houvesse dito que rasgara meu lenço de renda preferido.

Constantine soltou uma gargalhada. — Viu-o por acaso — repetiu — Suponho que enquanto passeava pela Bond Street. — Constantine — disse ao mesmo tempo em que fechava um instante os olhos — de

verdade está a salvo Jess Barnes? Seus vizinhos não quererão fazer justiça pelas suas mãos? — Vai a caminho de Rigby Abbey — respondeu — A casa Senhorial de Elliott. Foi

promovido de jornaleiro a cavalariço. E é o homem mais feliz e mais orgulhoso de toda a Inglaterra.

— Elliott — sussurrou — O Duque. Isso quer dizer que se reconciliou com ele? — Acredito que chegamos à mútua conclusão de que nós dois nos comportamos como

um par de imbecis de cabo a rabo — respondeu — E admitimos que talvez devesse acontecer assim para que o sonho de Jon se cumprisse. Tivemos que sacrificar nossa amizade para conseguir tal fim... E voltaria a fazê-lo de novo se fosse necessário. Assim como Elliott, que tentaria proteger Jon de si mesmo e também tentaria proteger a herança de Stephen de sua impulsividade. Mas voltamos a ser amigos. Voltamos a ser primos.

— E quase irmãos? — quis saber Hannah. — E quase irmãos — respondeu — Sim. Isso também. Sorriu e ela devolveu o sorriso. Derreteu-lhe o coração. Constantine abriu a boca para falar. E um trio de jovens cavaleiros que se aproximava deles assobiou ao passar ao seu lado

e lhes lançou comentários jocosos. Hannah levantou o queixo e desejou ter sua sombrinha com ela para fazê-la virar.

Constantine olhou com um sorriso aos Cavalheiros, todos conhecidos. — Será melhor que a leve para casa, Duquesa — disse — Tenho que ir ver Vanessa e

averiguar se está disposta a fazer as pazes. Elliott queria que passasse primeiro por lá, mas por casualidade escutei os rumores que estavam correndo e, que explicavam minha repentina marcha de Londres no meio da temporada social, e me senti obrigado a corrigir essa má impressão, sobretudo depois que seu mordomo me informou que estava dando um passeio pelo parque.

— Não a faça esperar mais tempo — disse Hannah — Nestas duas semanas nos fizemos amigas.

E retornaram a Dunbarton House para o assombro e delícia de todas as pessoas com quem se cruzaram pela rua, das que receberam algum ou outro comentário. Constantine a deixou diante da porta esperou que subisse os degraus de entrada, viu-a entrar na casa e partiu.

Sem dizer palavra! Se tivesse tido consigo sua sombrinha, pensou Hannah enquanto subia as escadas em

direção a seu dormitório, a teria estampado na cabeça antes de afastar-se dele.

Page 220: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

220

Um homem não dizia a uma mulher que ia se casar com ela, não a pedindo depois em casamento.

Não a menos que tal homem fosse Constantine Huxtable. Suponho que todos os homens temem o momento de fazer a pergunta em questão,

quando estão mergulhados em sua própria história de amor. Recordou as palavras de Constantine e subiu correndo os últimos degraus. Sua própria história de amor. E se deteve de repente. A cena que Constantine tinha interpretado no parque devia

ser a coisa mais extravagante e romântica que tinha acontecido na vida. Era impossível que o tivesse feito só para demonstrar que a tinha dominada. Amava-a. Ela se pôs a rir. Os gestos românticos não tinham terminado. Na manhã seguinte, por volta de uma hora depois que Barbara partira e quando

Hannah se sentia um pouco abatida, entregaram uma solitária rosa branca em Dunbarton House. Ia sem cartão. Ao mesmo tempo chegou um enorme buquê de flores de diversas cores, adornado com laços amarelos e acompanhado por sua sombrinha e uma florida nota de Lorde Hardingraye, com quem podia flertar desavergonhadamente e sem temor de que a levasse a sério, já que Hannah sabia de um detalhe do Cavalheiro, compartilhava os mesmos gostos que seu Duque.

O ramo foi deixado em um vaso situado no centro do salão, para que todas as visitas que recebesse nos dias vindouros pudessem desfrutá-lo. A rosa acabou em seu dormitório, onde só ela poderia desfrutá-la.

Uma hora mais tarde o mordomo entregou uma nota em sua bandeja de prata. Tinha uma mensagem muito breve e não ia assinada.

Desejo-a. Talvez não fosse muito romântica, mas Hannah sorriu quando a releu pela enésima

vez... Depois de se assegurar que seu autor não a entregou pessoalmente e que não estava esperando-a no vestíbulo. Reconheceu o que era o começo de um jogo.

Nessa noite jantou com os Montford e desfrutou de sua companhia e conversa, assim como do Senhor e Senhora Gooding e os Condes de Lanting, já que as damas eram as irmãs de Lorde Montford.

Na manhã seguinte chegou uma dúzia de rosas brancas a Dunbarton House, uma vez mais sem cartão. Acabaram em seu gabinete particular.

Uma hora mais tarde o mordomo levou uma nota em sua bandeja. De novo ia sem assinar. Estou apaixonado por você, escrevia nessa ocasião. Hannah a levou aos lábios, fechou os olhos e sorriu.

Page 221: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

221

Vagabundo... Grande vagabundo parecia. Acaso não pensava em seus nervos? Por que não aparecia sem mais? Embora já conhecesse a resposta. Constantine havia dito a verdade no Hyde Park.

Duquesa, se me conhecesse melhor, daria conta de que estou tagarelando sem tom nem som e de que meu coração pulsa a um ritmo errático.

O grande tolo estava nervoso. Que prolongasse o quanto quisesse, por mais que a espera estivesse parecendo eterna. O nervosismo dava um toque muito romântico.

Nessa noite assistiu à ópera com os Sheringford e o Marquês de Claverbrook, e passou grande parte da noite com a mão apoiada no braço do Marquês enquanto conversavam. A beleza da voz da soprano fez que enchessem os olhos de lágrimas.

Ao Marquês, pelo contrário, encheram os olhos de lágrimas por sua beleza, sem mais. Sua Senhoria riu baixo quando ela soltou uma gargalhada.

— Mas não por sua voz? — perguntou. — Sua voz só me dá dor de cabeça, Hannah. Grande parte dos espectadores estava pendente de seu camarote, e Hannah se

perguntou de passada se ao dia seguinte circulariam rumores de que já tinha posto o olho em outro aristocrata rico e velho. A ideia a divertiu.

Na manhã seguinte recebeu duas dúzias de rosas... Vermelhas. É claro, não havia nota. Chegou uma hora depois.

Amo-a, minha rosa de múltiplas pétalas. Sem assinatura. Hannah chorou e desfrutou de cada lágrima. Ao meio dia supostamente devia ir ao café da manhã veneziano que celebravam os

Carpenter. Contra o que sugeria seu nome, esse tipo de acontecimentos não se fazia de manhã. Embora desse no mesmo. Não foi.

Colocou um vestido que só usara em uma ocasião há três anos. Não havia tornado a colocar porque fazia que se sentisse como uma mulher tão escandalosa, como o vermelho do tecido com o qual estava confeccionado, e porque era um disfarce muito evidente, inclusive para ela. De qualquer maneira, o adorava. E nessa ocasião o tom ia de pérolas com o ramo de rosas. Só colocou um diamante que tinha pendurado ao pescoço, uma lágrima que nem se secaria nem perderia seu brilho. Não levava mais joias.

Esperou. Era impossível melhorar duas dúzias de rosas vermelhas. Não podia dizer-se nada mais em papel. Inclusive tinha escrito as duas primeiras palavras de sua última nota em maiúsculas. O resto devia dizê-lo em voz alta, cara a cara.

Se conseguisse reunir a coragem necessária. Ai, seu pobre e amado demônio! Domesticado pelo amor. É claro que reuniria a

coragem. E seria esplêndido... Quando fosse vê-la. De modo que esperou.

Page 222: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

222

CAPÍTULO 22 Con descobriu ao longo dos últimos dias que todo esse assunto de amor podia

acovardar o mais valente. Agora olhava aos homens casados com renovado respeito, já que deviam ter sofrido, presumivelmente, o calvário que ele estava sofrendo nesse momento.

Menos Elliott, é claro, a quem tinham proposto matrimônio, afortunado ele. Reconciliar-se com Vanessa foi fácil. — Não diga nenhuma palavra — soltou sua prima enquanto atravessava o salão de

Moreland House para ele assim que cruzou a porta. Elliott seguiu junto à lareira, com um cotovelo apoiado na cornija e uma sobrancelha

arqueada com gesto brincalhão. — Nenhuma só. Vamos nos perdoar, esquecer e recuperar o tempo perdido. Fale-me

de suas prostitutas. Elliott riu entre dentes. — Antigas prostitutas — declarou ela — Não se atreva a rir de mim, Constantine,

muito menos agora que acabamos de nos reconciliar. Fale-me delas e dos ladrões e dos vagabundos e das mães solteiras.

Pegou seu braço e o impeliu a se sentar junto dela em um sofá, enquanto Elliott os observava com uma expressão risonha nos olhos e um sorriso nos lábios.

— Se dispuser de tempo... De cinco ou seis horas... — replicou. — Sete se for necessário. Ficará para o jantar — Ordenou Vanessa — E não há mais

que falar. A menos que tenha um encontro com Hannah. Uma escolha de palavras algo desafortunada. Com que Hannah, não? Pensou.

Page 223: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

223

— Não — assegurou — Tenho que assimilar a ideia de que vou fincar um joelho no chão e soltar um apaixonado discurso, assim necessitarei algo mais de tempo. E de coragem, é claro.

Elliott voltou a rir baixo. — Mas tudo isso valerá a pena, verá! — exclamou Vanessa com os olhos brilhantes e

as faces rosadas — Elliott estava esplêndido quando o fez. E a relva estava úmida, por certo. Con lançou um olhar de recriminação a seu sorridente primo. — Foi depois de ela me propor matrimônio — esclareceu o aludido ao mesmo tempo

em que levantava a mão direita — Não podia permitir que dissesse a última palavra, não? — Demorou menos que eu em me dar o sim. A sua devia ser uma história digna de conhecer, pensou Con. A impulsiva visita a Dunbarton House que fez duas horas depois de sua chegada a

Londres teria solucionado todo o assunto com Hannah. Entretanto, ao se inteirar de que tinha saído e de que estava no Hyde Park, decidiu ir

em sua busca e descobriu sem necessidade de pensar sequer a forma perfeita de se declarar. Claro que não tinha ocorrido sequer que ela se negasse a subir a seu cavalo. De fato,

não se negou. Uma vez que a teve diante dele, nem sequer ocorreu que podia recusar sua proposta

matrimonial enquanto a estava beijando, nem enquanto devolvia o escandaloso beijo em público.

Mas tampouco o tinha recusado. O problema era que não tinha perguntado. E não se percebeu desse detalhe até que ela o indicou. Maldição! Era muito diferente perguntar de afirmar e ele se limitou a afirmar. Com a estupidez de um adolescente. Por que não ensinavam na universidade a melhor forma de pedir em casamento a

mulher escolhida? Acaso todos os homens acabavam embrulhando tanto o assunto como ele?

De modo que estava há três dias tentando emendar o erro. Ou melhor, adiando o assunto. Conforme quisesse ser sincero consigo mesmo ou não. Não obstante, assim que começou com o plano de três dias se viu obrigado a

continuar. Não podia lançar-se para propor matrimônio depois de mandar a solitária rosa e a nota onde confessava que a desejava, não é verdade?

No caso de Hannah ter a intenção de recusá-lo, levava três dias fazendo o ridículo mais espantoso. Entretanto, compreendeu que era absurdo pensar nisso enquanto se arrumava para ir a Dunbarton House na tarde do terceiro dia. A essas alturas já era impossível não por fim ao calvário, independente do resultado.

E se Hannah não se achasse em casa? Podia ter mil e uma razões para que tivesse saído. Lanches campestres, festas ao ar livre, excursões aos jardins de Kew ou Richmond

Page 224: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

224

Park, compras, passeios pelo parque... Para citar algumas possibilidades. De fato, pensou enquanto batia na porta, o estranho seria que estivesse em casa.

Uma parte de sua cabeça, a mais covarde, fez desejar que não estivesse. Isso sim, jamais poderia voltar a passar pelo mesmo. O mordomo, como era habitual, desconhecia quem se achava em seus domínios. Teve

que ir ao andar superior com toda a tranquilidade do mundo, para ver se a Duquesa de Dunbarton estava ou não estava em casa.

Estava em casa. E ao que parece ia recebê-lo. O mordomo o convidou a segui-lo escada acima. Estaria com a Senhorita Leavensworth? Deixaram para trás a porta do salão e subiram outro lance de escadas. Detiveram-se

diante de uma porta de uma só folha e o mordomo bateu muito discretamente antes de abrí-la para anunciá-lo.

Era um gabinete ou uma saleta, não um dormitório. Hannah estava sozinha. Na mesa situada junto à porta descansava um vaso de cristal com uma dúzia de rosas

brancas. E na que ocupava o centro da sala havia um vaso de prata com duas dúzias de rosas vermelhas. O perfume adocicado de ambos os ramos flutuava no ar.

A Duquesa estava sentada de lado no peitoril acolchoado de uma janela, com as pernas dobradas e abraçando a cintura. Estava linda e resplandecente com um vestido vermelho, cujo tom era quase o mesmo que o das rosas. Seu cabelo, liso e lustroso na parte superior da cabeça, estava recolhido na nuca com uns delicados cachos.

Algumas mechas caíam pelas têmporas e pelas orelhas. Estava olhando para o interior da sala. Seus olhos azuis se cravaram nele com expressão sonhadora.

A imagem recordou a de seu próprio dormitório na noite que se converteram em amantes. Salvo que naquele tempo Hannah usava sua camisa e tinha o cabelo solto.

O mordomo fechou a porta e partiu. — Duquesa — disse Con. — Constantine... Hannah sorriu um gesto também sonhador, ao ver que ele não falava. — Necessito que me proteja — ouviu-a dizer — estive recebendo bilhetes anônimos. — Ah, sim? — replicou. — Alguém diz que me deseja. — Iria desafiá-lo a um duelo com pistolas ao amanhecer — se ofereceu. — Também afirma que está apaixonado por mim — acrescentou ela. — Isso é fácil de dizer — respondeu — É um sentimento pouco profundo, não é

verdade? Todo euforia e romantismo. — Mas é um dos sentimentos mais bonitos do mundo — ela assegurou —

Possivelmente o mais bonito. Da minha parte, também estou loucamente apaixonada por ele.

Page 225: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

225

— Que tipo mais afortunado — replicou — Definitivamente penso em desafiá-lo a duelo.

— Diz que me ama — continuou Hannah e sua expressão sofreu uma mudança, quase imperceptível, mas assombrosa, e passou de sonhadora a radiante.

— O que se supõe que significa isso? — perguntou ele. — Porque me ama de corpo e, sobretudo, de alma — respondeu ela. — A parte do corpo também é importante. — Pois sim — concordou ela com um fio de voz — é. — Sem defesas — precisou — Sem máscaras nem disfarces. Sem medos. — Sem nada — respondeu ela, meneando a cabeça — Sem segredos. Dois indivíduos

unidos em um só ser indivisível. — Isso é o que dizem as cartas anônimas? — Com letras maiúsculas. — Um tipo ostentoso. — Certamente. Só terá que fixar-se na quantidade de rosas que me enviou. — Hannah... — disse. — Sim. Ainda continuava parado junto à porta. Atravessou a sala e Hannah estendeu a mão

direita. Tomou entre as suas e a levou aos lábios. — Amo-a — confessou — Com letras maiúsculas, com minúsculas e de todas as formas

possíveis. Ou impossíveis. Ouviu-a tomar ar devagar. Tinha chegado o momento. E já não estava nervoso. Fincou um joelho no chão sem

soltar sua mão. Seus rostos ficaram à mesma altura. Viu que tinha as faces ruborizadas. Os lábios, entreabertos. Os olhos, brilhantes e muito azuis. Como o pedaço de céu do

outro lado da janela. — Hannah — repetiu — quer se casar comigo? Estava há três longos dias ensaiando uma declaração. Não recordava nenhuma só

palavra. — Sim — respondeu ela. Até esse momento estava convencido de que ia torturá-lo, de que representaria o

papel de Duquesa de Dunbarton ao menos durante um momento antes de capitular. Se acaso capitulasse, claro. De fato, estava tão convencido que mal reparou em sua resposta.

Ao menos com os ouvidos. Porque com o coração era outra história. Sim, havia dito, e não havia nada mais que acrescentar. Olharam-se nos olhos e voltou a levar sua mão aos lábios. — Costumava-me falar muito disto — disse Hannah — o Duque. Falava-me do amor.

Prometia-me que algum dia eu também saberia o que era. Confiei e acreditei em suas palavras cada minuto de cada dia de minha vida, desde que nos conhecemos até que exalou

Page 226: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

226

seu último fôlego, Constantine, mas nesse sentido jamais fiz muito caso. Sim achava que ele tinha conhecido um amor extraordinário durante mais de cinquenta anos, mas me dava medo acreditar que isso mesmo me aconteceria, chegado o momento. Meus medos eram infundados e suas afirmações, verdadeiras. Amo-o.

— E o fará por mais de cinquenta anos? — perguntou. — Meu Duque costumava dizer que o amor era para toda a eternidade — respondeu

— E acredito que tinha razão. Sorriu e Hannah devolveu o sorriso até que inclinou a cabeça para beijá-la nos lábios. Tinham passado quase três semanas desde a última vez que fizeram amor e teve a

impressão de que a tinha desejado de forma constante durante cada minuto desse tempo. De qualquer forma, não se beijaram com desejo sexual. Senão com... Bem, até esse momento sempre tinha beijado com apetite sexual, de forma que não

tinha palavras para descrever o que estava acontecendo. Afeto? Muito insosso. Amor? Um termo muito gasto. Fosse o que fosse, beijaram-se com esse algo. E nesse momento se abraçaram e pegou-a para levantá-la do peitoril a fim de sentar-

se com ela no colo. E foi quando descobriu a palavra. Ou ao menos a que mais se aproximava.

Beijaram-se com alegria. E quando se separaram e se olharam nos olhos, sorriram como se fossem os primeiros

a beijarem-se desse modo. Com alegria. Com um amor eterno. — Tem certeza de que está disposta a sacrificar seu título só pelo prazer de se casar

comigo, Duquesa? — E ser simplesmente a Senhora Huxtable? — acrescentou ela — Dessa forma terá

que me chamar sempre de Hannah e gosto disso. — Ou Condessa... — sugeriu. Hannah o olhou sem compreender. — Isso seria um pouco tolo, na verdade — replicou. — Nem tanto — assegurou Constantine — O Rei mandou redigir dois decretos reais

depois de sua visita, sabe? Bem, é possível que não saiba. O primeiro era o perdão de Jess. Hannah se endireitou em seu colo ao ver que guardava silêncio e o olhou com o cenho

franzido. — E o outro? — perguntou. — Acaba de aceitar a proposta matrimonial de Constantine Huxtable, primeiro Conde

de Ainsley — respondeu — me concedeu o título pelo extraordinário serviço que prestei aos mais pobres e queridos súditos de Sua Majestade. Acredito que o citei quase ao pé da letra.

Hannah o olhou, boquiaberta.

Page 227: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

227

E depois jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada. O flamejante Conde de Ainsley se pôs a rir com ela.

Na noite seguinte se realizava um baile organizado pelos Condes de Merton em sua

residência londrina para comemorar o seu baile de compromisso. Tinham convidado a família para jantar antes que o baile começasse, as três irmãs de

Stephen com seus respectivos maridos, o irmão de Cassandra, Sir Wesley Young, com sua noiva, a Senhorita Julia Winsmore, Constantine, dado que era primo de Stephen.

E também estava convidada a Duquesa de Dunbarton apesar de não ser da família. — Stephen — dizia Cassandra ao seu marido enquanto esperavam no salão que

chegassem seus convidados — espero que a esta altura não seja abrupto que a tenhamos convidado. Con está há quase uma semana em Londres e Hannah está aqui desde que a trouxemos de Copeland Manor. Ela foi quem persuadiu Elliott para que fosse a Ainsley Park e depois falou inclusive com o próprio Rei. Virtualmente foi ela quem solucionou o assunto sem ajuda de ninguém. Mas ainda não aconteceu nada. Acha que se sentirão desconfortáveis esta noite?

— Por que iriam ficar desconfortáveis? — Perguntou Stephen por sua vez — A Duquesa é sua amiga e é perfeitamente plausível que se convide para jantar os amigos. Pensa que nossa intenção é a de anunciar esta noite o novo título de Con, e Hannah desempenhou um papel essencial nesse assunto. Tenho certeza de que sabe que Con está convidado, assim suponho que se incomodar sua presença, iria se limitar a enviar suas desculpas e não viria. Embora acredite que a Duquesa não se incomoda com isso.

— A cena do parque — recordou Cassandra — Para Meg foi muito engraçada e para Kate, incrivelmente romântica. E depois as pessoas falaram do episódio. Mas... Ainda não aconteceu nada!

— Que nós saibamos — ele indicou — Ainda não se anunciou nada. Mas não sabemos se aconteceu algo. Cass, ambos têm direito a desfrutar de um pouco de intimidade.

Cassandra suspirou. — Todas nos horrorizamos quando descobrimos que tinha uma aventura com ela —

recordou — Claro que supostamente não deveríamos nos inteirar dessas coisas. Esse tipo de relações devem se manter em segredo. Parecia tão pouco adequada para ele, tão...

— Arrogante? — supriu Stephen. Cassandra franziu o cenho. — Sim, na verdade — reconheceu — Mas as aparências enganam em muitas ocasiões,

não é assim? Eu deveria saber melhor que ninguém. Possivelmente sempre foi uma pessoa... Bem, uma pessoa carinhosa e alegre, uma pessoa a que eu adoro ter como amiga. Uma boa pessoa. Por que não estão comprometidos?

Stephen se aproximou dela e deu um beijo nos lábios.

Page 228: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

228

— Poderia perguntar a eles mesmos assim que chegarem — sugeriu — Poderia falar do assunto durante o jantar. Estou certo de que minhas irmãs terão algo a dizer a respeito. Parecem ter tomado à Duquesa sob suas asas, assim como você. Inclusive, Nessie.

Cassandra se pôs a rir enquanto o golpeava de forma brincalhona no braço. — Seria uma boas vindas maravilhosa — disse — Assim que entrem pela porta,

poderia lhes perguntar, por que não estão comprometidos?. Stephen, não é que me queira fazer de casamenteira, mas Con está muito só e Hannah está muito sozinha.

— Portanto, parecem feitos um para o outro — acrescentou ele. — Portanto nem por mais, nem por menos! — Replicou ela com aspereza — É que

parecem feitos um para o outro. Há que ser cego e tolo para não dar-se conta depois de ter estado com eles em Copeland Manor.

A chegada de Vanessa e Elliott, seguida por Wesley e Julia, evitou que a conversa se prolongasse. Pouco depois chegaram Katherine e Jasper, e Margaret e Duncan.

— Con virá? — perguntou Elliott enquanto degustavam suas bebidas. — Disse que sim — respondeu Stephen. — E Hannah? — perguntou Margaret. E retomaram o tema. — Minha mãe diz que não têm mais remédio que se casar depois do modo como a

beijou no parque — comentou Julia Winsmore — Eu o vi com meus próprios olhos. A verdade é que foi muito escandaloso — ruborizou-se.

— E também muito romântico — acrescentou Sir Wesley — Ou isso foi o que me disse naquele momento, é claro.

— Não acredito que a Duquesa se deixe levar pelo argumento de que não há mais remédio a não ser aceitar, seja o que for — replicou Elliott.

— Está claro que ama Constantine — declarou Katherine — o torturará antes de dar o sim.

Seu marido trocou um olhar aflito com Duncan depois de escutar semelhante mostra de lógica feminina.

— Ou não — a contradisse Margaret. — Con não é idiota — recordou Stephen — Não dança ao som que tocam. — Mas está apaixonado — respondeu Cassandra. E isso pôs ponto final à conversa. O silêncio se prolongou uns instantes. O mordomo apareceu então e sussurrou a Cassandra que o jantar estava preparado.

Entretanto, replicou também com um sussurro que devia esperar um pouco. Supôs que suas palavras provocariam um grande desconcerto na cozinha. E ao fim de um momento chegaram os dois últimos convidados. Juntos e com algo

mais de cinco minutos de atraso. Pareciam tão radiantes de felicidade que os outros quase jogaram os sinos no alto. Ao

menos as damas que os tinham estado esperando no salão. E Cassandra os perdoou imediatamente por tê-la posto em uma situação tensa com a cozinheira.

Page 229: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

229

A Duquesa de Dunbarton estava deslumbrante com um vestido de suave cor turquesa e com muito poucas joias. Não necessitava de nenhuma para brilhar. De qualquer forma conseguiria atrair os olhares durante toda a noite. O brilho e o resplendor que costumavam acompanhá-la por fora os irradiava essa noite do interior de sua pessoa.

— Se chegamos tarde é por minha culpa — informou Hannah antes que pudessem saudá-los — Já estava pronta muito antes que Constantine chegasse, mas justo quando o ouvi bater na porta decidi que não queria por meu vestido de festa branco preferido. Nem tampouco os diamantes que fazem jogo com ele. Assim me troquei enquanto ele mordia as unhas e rilhava os dentes no vestíbulo — Olhou a seu redor com um sorriso deslumbrante.

— Jamais rilho os dentes — protestou Constantine com serenidade — se o fizesse cada vez que tenho que esperá-la, a esta altura não ficaria nem rastro deles. Terei que cultivar essa grande virtude que é a paciência. Terei que aprender a achar graça na espera. Entretanto, desaconselho-a que chegue tarde no dia das bodas. Recordo que traz má sorte.

Desse modo se responderam todas as perguntas sem necessidade de formular nenhuma.

O jantar se atrasou outro quarto de hora enquanto recebiam abraços, beijos, palmadas nas costas e apertos de mãos, enquanto Hannah declarava que a situação era degradante, mas que aceitaria, de qualquer forma, que a degradassem de Duquesa a Condessa.

— Embora também teria assentado maravilhosamente bem ser só Senhora Huxtable — acrescentou com outro de seus deslumbrantes sorrisos.

Brilhavam os olhos pelas lágrimas e acabava de morder o lábio inferior. Constantine passou um braço por seus ombros e Cassandra sugeriu que todos fossem

à sala de jantar antes que a cozinheira apresentasse sua renúncia imediata. CAPÍTULO 23 Estavam discutindo desde o dia anterior sobre o lugar onde se realizaria o casamento.

Embora talvez discutir não fosse o termo correto, já que ambos estavam decididos a ceder aos desejos do outro.

Constantine achava que deveriam se casar em Copeland Manor, já que se tratava do lar de Hannah e que era evidente que o adorava. As noivas deviam sair de sua casa no dia das bodas.

Page 230: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

230

Teve o bom tino de não mencionar Markle em nenhum momento. Hannah achava que deveriam se casar em Ainsley Park, já que se tratava do lar de

Constantine e era evidente que o adorava. Além disso, o mais adequado era que o novo Conde de Ainsley se casasse em sua casa Senhorial.

Afinal concordaram que a Igreja de Saint George seria o lugar mais conveniente. Estava situada em Hanover Square, a um tiro de pedra de Dunbarton House. A noiva poderia chegar andando. A alta Sociedade iria em peso. Talvez inclusive o fizesse o Rei. E era o lugar de moda para contrair matrimônio.

Entretanto, embora nenhum dos dois estivesse disposto a admitir, não queriam se casar em Saint George.

Teria que ser em Copeland Manor. Ou em Ainsley Park. Ou talvez na Igreja de Saint George. — Excelência, nos fale das bodas — disse a Senhorita Winsmore assim que estiveram

sentados à mesa em Merton House — Quando e onde se celebrará? — O antes possível, para responder a primeira pergunta — respondeu Hannah — E

ainda não decidimos o lugar, e isso responde a segunda. Acabava de tomar ar para acrescentar que preferia que se celebrasse em Ainsley Park,

sabendo de que a família de Constantine a respaldaria, mas o Conde de Merton se adiantou. — Con, deve se casar em Warren Hall — disse — É seu lar e sempre o será. Lá é onde

nasceu e onde cresceu. A capela particular sempre se usou para as bodas, batismos e os... Funerais — acrescentou em voz mais baixa.

— Oh, seria lindo! — Exclamou Cassandra enquanto lhes serviam o primeiro prato — Mas, Stephen, possivelmente Hannah tenha outras ideias. Afinal também é suas bodas, não só a de Con. — Não obstante, olhou à aludida com expressão suplicante.

— Elliott e eu nos casamos ali — indicou Vanessa — assim como Cassandra e Stephen, que o fizeram o ano passado. É um lugar lindo para um casamento. A capela está situada em um lugar muito tranquilo da propriedade, no meio de um arvoredo, e é pequenina, assim com alguns convidados parece estar transbordando. Além disso, tem uma aura de intimidade familiar única porque está rodeada pelo cemitério. Ali está a história da família.

Hannah chegou à conclusão de que ali estaria enterrado Jon. E de repente soube que tinham que se casar em Warren Hall. Sentiu que era o lugar correto antes sequer de olhar o outro lado da mesa para Constantine e ver a expressão tensa e séria de seu rosto.

— Stephen, agradeço que esteja disposto a nos prestar a capela — o ouviu dizer — mas acredito que deveríamos permitir a Hannah...

— Que escolha por si mesma? — supriu interrompendo-o — Nesse caso, eu escolho. Obrigada. Vou escolher — Sabia que o sorriso de Constantine era forçado e que estava custando muito mantê-lo — Escolho Warren Hall — acrescentou, olhando-o nos olhos, e teve a impressão de que se afogava neles ao ver que o sorriso desaparecia.

— Tem certeza? — perguntou ele.

Page 231: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

231

— Muita certeza — respondeu, e era verdade — Será em Warren Hall. Obrigada, Lorde Merton. É muito amável.

— Acredito que de agora em diante, será melhor que me chame de Stephen e que fale com intimidade — replicou o Conde — Acredito que todos deveríamos nos chamar pelo nome.

E de repente todos começaram a falar ao mesmo tempo, enquanto davam boa conta do jantar.

Margaret, Vanessa e Katherine tinham decorado o enorme salão de baile de Warren Hall, assim como a capela, antes inclusive que retirassem o prato principal. Cassandra tinha organizado o menu para o banquete de bodas, antes que chegasse a sobremesa.

— Con, será melhor que relaxe e as deixe decidir — advertiu Elliott — Já fez seu trabalho. Pediu Hannah em casamento e ela aceitou. O resto fica nas mãos das damas.

Hannah foi informada que nos dias anteriores às bodas se alojaria em Finchley Park, uma das propriedades de Duque do Moreland, precisamente em que cresceu, que confinava com o Warren Hall. Também se alojariam nela outras pessoas, incluindo Vanessa e Elliott, seus filhos, a mãe e as irmãs de Elliott e a qualquer pessoa que Hannah quisesse convidar.

Vanessa assegurou que não tinha que preocupar-se com a presença de tanta gente. Disse que também havia a residência da viúva, uma casa linda situada em um lugar isolado à beira do lago, que foi o lugar onde Elliott e ela passaram a lua de mel. E que seria o lugar onde a passariam eles. Acrescentou que não conhecia nenhum outro lugar mais romântico para começar a vida matrimonial.

— Lembra-se dos narcisos? — perguntou a Elliott. E a pergunta fez que o sério Duque de Moreland piscasse um olho diante de todos. O olhar de Hannah se cruzou com o de Constantine, sentado do outro lado da mesa, e

trocaram um sorriso que talvez passasse inadvertido para outros. A caminho do jantar, Constantine a tinha advertido que suas primas formavam um trio de armas tomadas e que Cassandra estava demonstrando ser uma valiosa adição às suas filas. Segundo ele, se não andasse com cuidado, tirariam as bodas das mãos dela e se ocupariam de tudo.

E isso antes de saber que o casamento se realizaria em seus domínios, em Warren Hall. — Ai, Por Deus! — Exclamou de repente Katherine, e seu tom de voz silenciou a todos

os comensais. — Já estamos outra vez. Hannah, crescemos em um vilarejo pequeno, éramos as filhas

do vigário. Sempre havia coisas que fazer e organizar. E sempre fomos nós as que nos oferecíamos a fazê-lo. A vida rural pode converter-se em um aborrecimento sem fim a menos que alguém se ocupe desse tipo de coisas. Entretanto, embora faça muito tempo que deixamos essa vida atrás, não perdemos o costume de organizar.

— É verdade — admitiu Margaret com um suspiro — Hannah, ninguém a tem por uma mulher indecisa e necessitada. Suponho que leva todo este tempo rindo de nós em silêncio. Talvez tenha o casamento preparado e não necessite de nossa ajuda.

Page 232: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

232

Hannah era consciente de que todos os olhos estavam cravados nela. Os das damas com tristeza, os dos Cavalheiros com ironia.

— Não estou rindo — assegurou — Justamente o contrário — E a verdade era que teve que piscar várias vezes para não acabar chorando — Nunca planejei um casamento, tive um que planejaram por mim. Ontem aceitei me casar com Constantine, mas vejo que também vou me casar com sua família, e isso me faz tão feliz que não posso expressar com palavras.

O Duque tinha assegurado que quando encontrasse o amor, acharia também a sensação de pertença que sempre o acompanhava.

Faltava pouco para que se desse começo ao baile. Os Cavalheiros não continuaram na sala de jantar quando as damas o abandonaram,

mas as acompanharam ao salão de baile para esperar a chegada dos primeiros convidados. Hannah sabia que o novo título de Constantine se anunciaria no transcurso do baile. E

também se anunciaria seu compromisso. O começo de uma nova era. Olhou o lindo vestido turquesa que levava e se alegrou de ter tirado o branco, embora isso a tivesse feito chegar tarde. Já não tinha que seguir se escondendo. Não tinha que apresentar-se atrás de uma armadura de gelo e diamantes.

Era a Duquesa de Dunbarton e depois se converteria na Condessa de Ainsley. Mas acima de tudo, era Hannah. Era ela mesma tal como a tinham moldado a vida, sua personalidade e suas vivencias. Amava-se. E estava apaixonada.

Era feliz. Quando os convidados começaram a chegar, Constantine pegou sua mão e a colocou

em seu braço. Passearam juntos pelo salão de baile, detendo-se brevemente com algumas amizades. Ambos estavam muito sorridentes.

— Notou que todos que entram no salão a olham duas vezes, a primeira com franca admiração por sua beleza e a segunda, com assombro quando a reconheciam? — perguntou Constantine.

— Acho que é a você a quem olham — contradisse — Está muito bonito quando sorri. — Alegra-se de realizar as bodas em Warren Hall? — quis saber Constantine. — Sim — respondeu — Estará rodeado por toda sua família. Jonathan inclusive. — Sim, mas e a sua? Olhou-o enquanto o sorriso desaparecia de seus lábios. — Estará rodeada por sua família? — insistiu ele. — Convidarei Barbara e o Senhor Newcombe — respondeu — Talvez queira se por

outra vez a caminho para vir a minhas bodas. — Quando você não vai à sua? — Assinalou Constantine — Isso é uma verdadeira

amizade?

Page 233: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

233

Por que tinha trazido o assunto à baila nesse momento? O salão de baile começava a encher-se de gente. O ambiente estava um pouco quente. Os membros da orquestra estavam afinando seus instrumentos.

— Muito bem — claudicou, levantando o queixo e o leque, um gesto que a converterá na Duquesa de Dunbarton — Convidarei meu pai, minha irmã, meu cunhado e meus sobrinhos. Inclusive convidarei os Leavensworth. E irei ao casamento de Barbara. Nós dois iremos. Está satisfeito?

— Estou — respondeu ele e acrescentou — Meu amor. E deu um beijo fugaz e discreto, embora tenha sido todo um escândalo, ainda mais

porque ainda não se fizera nenhum anúncio. — Terá que se casar comigo depois disto, Senhor — o ameaçou. — Maldição! — Exclamou Constantine com um sorriso — Não vai ficar mais jeito se

não o de fazer isso. — Não virá ninguém — advertiu-o — Salvo Barbara, possivelmente. E inclusive, nem

sequer ela. — Meu amor, o que conta é que vai estender-lhes a mão — replicou ele — Não pode

fazer outra coisa. É o máximo que podemos fazer. Vamos dançar. E depois acatarei com grande relutância todas as regras e dançarei só uma peça a mais com você. A posterior à pausa e ao anúncio. Será uma valsa. Tive que lutar com Stephen e imobilizá-lo contra o chão até que aceitou que fosse uma valsa.

Ela se pôs a rir ao escutá-lo. — E se já prometi essa peça em concreto? — perguntou. — Lutarei com seu par e o imobilizarei contra o chão até que recorde que calça

sapatos novos que provocaram umas terríveis bolhas nos dedos — respondeu. — Que tolice— replicou Hannah entre gargalhadas. Outro assunto que também ficaram discutindo desde o dia anterior era o lugar onde

estabeleceriam sua residência uma vez que se casassem. Esse tema foi muito mais fácil de resolver.

Con tinha abandonado Ainsley Park para instalar-se na residência da viúva a fim de deixar espaço para novos residentes. A residência da viúva satisfazia perfeitamente suas necessidades de solteiro, mas, entretanto, seria pequena para acrescentar uma esposa e, tomara acontecesse, uma família. Além disso, se desalojasse seus aposentos, explicou a Hannah, também poderiam utilizar-se todas as salas da casa.

Talvez como alojamento para o administrador ou para os instrutores. Eles só necessitariam de uma suíte em que instalar-se durante suas visitas.

Porque pensava ir a Ainsley Park algumas vezes ao ano, claro. Essas pessoas eram muito importantes para ele, e achava que seus sentimentos eram correspondidos.

Page 234: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

234

Iriam se estabelecer em Copeland Manor como seu lugar de residência, Hannah estaria perto do Fim do Mundo e dos anciões aos quais tanto carinho tinha. E a propriedade em si seria seu refúgio particular. Um lugar lindo, com seus terrenos agrestes e a Mansão situada em uma suave colina de onde se desfrutava maravilhosas vistas em qualquer direção. Nos anos vindouros seria o paraíso para qualquer criança. E estava perto de Londres.

Que seria, é claro, o lugar onde passariam a primavera todos os anos. Porque no ano seguinte, Constantine teria que ocupar sua cadeira na Câmara dos Lordes. E se alojariam na casa que tinha alugada, embora não estivesse na parte mais elegante da capital. Podiam prescindir da ostentação.

De modo que Copeland Manor seria seu lar. E se alegrava por isso, pensou Con enquanto dançava e observava Hannah dançar. De

fato, iria se alegrar de viver, inclusive em um chiqueiro com ela. Embora talvez fosse melhor não comprová-lo.

A hora da pausa chegou em um abrir e fechar de olhos, e Stephen anunciou à alta Sociedade que seu primo, Constantine Huxtable, seria honrado por Sua Majestade, o Rei, com o título de Conde de Ainsley antes que a temporada social chegasse ao fim. E que o novo Conde de Ainsley converteria em sua Condessa à Duquesa de Dunbarton pouco depois que isso acontecesse, em uma cerimônia particular que se celebraria em Warren Hall.

Con tentou contar as semanas que tinham passado desde o dia que viu Hannah no Hyde Park depois de dois anos, enquanto cavalgava com Monty e Stephen, e sofreu seu repúdio. Não eram muitas, mas custava recordar a imagem que tinha dela naquele tempo. Era surpreendente o muito que mudavam as pessoas quando se conhecia o interior, além do exterior.

Já naquele momento estava se expondo o assunto do matrimônio. Quem ia dizer enquanto a observava aquele dia no parque que acabaria se casando com ela?

Que seria ela. Seu amor verdadeiro. O baile demorou para começar. Todos queriam felicitá-los e expressar seus bons

desejos. Muitos homens juraram que levariam braceletes negros em sinal de luto no dia seguinte. Hannah os golpeou com força com o leque no braço.

E chegou o momento da valsa. Uma dança que Con gostava muito, Desde que pudesse escolher com quem a dançava,

é claro. Por sorte, os homens desfrutavam de um maior controle do assunto. Entretanto, Hannah não parecia contrariada ao ter que dançar com ele quando a tirou

para pista de dança. — Está contente? — perguntou enquanto rodeava a cintura com o braço direito e

pegava a mão com a esquerda. — Sim, estou! — Respondeu Hannah com um suspiro — Embora não sei se vou

desfrutar muito com todos os preparativos para as bodas. Possivelmente deveríamos ter fugido.

Page 235: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

235

— Minhas primas jamais nos perdoariam — replicou ele com um sorriso. — Sei. Mas a única coisa que quero é estar com você. De sua parte, levava todo o tempo tratando de evitar esse tipo de desejo. — Quer vir a minha casa esta noite, depois do baile? — perguntou. Hannah o olhou nos olhos uns instantes antes de suspirar outra vez. — Não — respondeu — Já não sou sua amante, Constantine. Sou sua noiva. Há uma

grande diferença. Sua resposta o decepcionou... E o aliviou. Porque havia uma grande diferença. — Seremos bons, pois — respondeu — E nos consolaremos com a ideia da noite de

núpcias. — Sim — concordou ela — Mas não é só isso. É que estou desejando... Ai, não sei

como dizer! Estou desejando ser sua esposa. Olhou-a com um sorriso. — E acabo de recordar uma coisa — acrescentou Hannah, cuja expressão recuperou a

alegria — o Duque me ensinou que jamais usasse o verbo desejar, porque implica uma falta de segurança em mim mesma e é porta à decepção. Não desejo ser sua esposa. Vou ser, assim me lançarei totalmente a ajudar Margaret e às demais com os preparativos do casamento, para que o tempo passe mais depressa. Ai, Constantine! É maravilhoso ter uma família que se preocupe com minhas bodas, embora em parte preferisse fugir.

Nesse instante começou a música. E sem deixar de olharem-se nos olhos dançaram sob a luz das velas dos lustres, entre os arranjos florais e as frondosas samambaias, entre o resto dos casais que formavam um reluzente redemoinho de cetins, sedas e joias de variadas cores.

Con compreendeu que sempre tinha vivido nas margens da vida, observando as vidas dos outros, ajudando-os inclusive a caminhar por ela. A morte de Jon foi um golpe tão forte porque tinha tentado viver a vida de seu irmão e tinha acabado descobrindo que era impossível. Jon tinha que morrer só. E a essa altura era um fato que assumia como natural e justo. Jon tinha vivido sua vida, viveu-a com intensidade, e morreu quando chegou a hora. E por fim tinha chegado sua vez, reconheceu. De repente e pela primeira vez, achava-se no centro de sua vida, vivendo e desfrutando dela.

Amando a mulher que ocupava tal centro ao seu lado. Amando Hannah. Que o olhava com um sorriso. Fê-la virar ao chegar a um dos cantos do salão de baile e a devolveu.

Page 236: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

236

CAPÍTULO 24 O casamento de Hannah Reid, Duquesa de Dunbarton, com Constantine Huxtable,

Conde de Ainsley, era um acontecimento íntimo aos olhos da alta Sociedade. E o mais surpreendente, ao menos para Hannah, era que se tratava de um acontecimento familiar, com crianças brincando de correr por toda parte, que iriam tanto à cerimônia que se celebraria na capela de Warren Hall como ao banquete de bodas que teria lugar depois na Mansão.

Entretanto, era mais surpreendente se sabia que não só ia a família de Constantine. Seu pai também fora. Assim como Dawn e Colin, sua irmã e seu cunhado, com seus cinco filhos, Louisa, de dez anos, Mary, de oito, Andrew, de sete, Frederick, de cinco, e Thomas, de três.

E Barbara se apresentou com seus pais, já que o reverendo Newcombe não podia abandonar suas responsabilidades depois de sua recente escapada e antes de suas próprias bodas e sua lua de mel.

Seu pai mal tinha mudado, descobriu Hannah quando chegou a Finchley Park um dia antes das bodas. Não podia dizer o mesmo de Colin nem de Dawn, os dois ganharam volume e pareciam bem mais velhos. Colin tinha perdido muito cabelo e seu aspecto viçoso. Dawn, pelo contrário, tinha as faces coradas e parecia contente... Embora não no momento de sua chegada.

Devia ter custado muito tomar a decisão de ir, supôs Hannah. Tinha decidido de antemão comportar-se como se não tivesse havido distanciamento

algum, e ao que parecia eles tinham tomado a mesma decisão. Abraçaram-se, saudaram-se e sorriram. E ocultaram a vergonha que deviam estar sentindo todos se concentrando nas crianças, que nesse momento saíam de outra carruagem.

Tinha duas sobrinhas e três sobrinhos de quem não sabia virtualmente nada, pensou Hannah enquanto via como iam saudando-a com as reverências de rigor. Nunca tinha permitido que Barbara falasse de sua família.

Em outras circunstâncias bastante diferentes, estaria casada uns dez anos com Colin. Nesse momento parecia muito com um estranho a quem tinha conhecido de passagem há muito tempo.

— Entrem, por favor — disse — Há chá e bolachas para todos. — Tia Hannah — disse Frederick, que a pegou pela mão quando se voltou para a casa

— tenho sapatos novos para as bodas. São de um tamanho maior que os velhos.

Page 237: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

237

— E meus — acrescentou Thomas, que ficou a sua altura quando entraram na casa. — Nesse caso me alegro muito de realizar um casamento — replicou — Todos

necessitamos de um bom motivo para estrear sapatos novos de vez em quando. Encolheu-o coração. Muito mais tarde teve por fim uma oportunidade para falar com

seu pai em particular. Viu-o passeando pelo prado junto a casa, depois de tomar o chá, embora o imaginasse descansando em seu quarto, como faziam quase todos os outros.

Hesitou um momento antes de reunir-se a ele. Tinha chegado até esse ponto na reconciliação, pensou. Por que deter-se a essa altura?

Seu pai levantou a vista quando a viu aproximar-se e se deteve. Tinha as mãos entrelaçadas às costas.

— Vejo que está muito bem, Hannah — disse. — Sinto-me maravilhosamente — assegurou. — E vai casar-se com outro aristocrata — continuou seu pai — Mas com um homem

mais jovem nesta ocasião. Este Cavalheiro proporcionará um pouco de felicidade ao menos? Acaso seu pai tinha interpretado mal a situação todos esses anos? — Amo-o — afirmou — e ele me ama. Espero achar muita felicidade em meu

matrimônio com Constantine. Irá conhece-lo mais tarde. Vem no jantar. Mas, papai, também encontrei muita felicidade em meu primeiro matrimônio. O Duque foi amável comigo... Muito mais que amável. E eu o adorava.

— Era velho — insistiu seu pai — Poderia ter sido meu próprio pai. Nunca perdoei minha parte de culpa nos acontecimentos que levaram a agir de uma forma tão impulsiva, ao se casar com ele, Hannah. Não fiz nada para impedir isso. Suponho que em seu momento me pareceu uma solução fácil a um problema desagradável. Minhas duas filhas queriam o mesmo homem, e eu queria que as duas fossem felizes. Pensava que você se recuperaria antes e que acharia a felicidade com outra pessoa, porque todos os jovens preferiam a você, de modo que me pus do lado de Dawn. Fui muito ignorante, não é verdade? Casou-se com um ancião a quem não conhecia nada, partiu de casa e nunca voltou, nem escreveu nem... Enfim, tampouco tive coragem de escrever, não é verdade?

— Casar com o Duque foi o melhor que fiz na vida — replicou Hannah — E a julgar pelo que vi durante o chá, casar-se com Colin foi o melhor que fez Dawn em sua vida.

— Parecem bastante felizes — reconheceu seu pai — E meus netos são minha vida. Talvez... — interrompeu.

— Sim, talvez — concordou — Só tenho trinta anos, papai. E a única coisa que preciso é um filho para que minha felicidade seja completa.

— Obrigado — disse seu pai com certo desconforto — por nos convidar as suas bodas, Hannah.

— Constantine não tem irmãos, mas tem primos de ambos os ramos familiares — explicou — E todos mantêm uma relação muito estreita. Diria que todos são carinhosos e muito agradáveis. Abriram suas vidas e seus corações para me incluir. Com certeza pode comprová-lo durante o chá, com Elliott e Vanessa, os Duques de Moreland, e com sua mãe e

Page 238: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

238

suas irmãs. Eles me fizeram ver a importância da família. E Constantine me convenceu para que me pusesse em contato com vocês de novo. Não estava certa de que viessem. Acho que esperava que não o fizessem.

Seu pai soltou um suspiro sentido. — Chorei ao receber sua carta — confessou — Ah, não me achava capaz de admiti-lo

diante de ninguém. Sinto-me... Perdoado. Hannah deu um passo à frente e apoiou a cabeça no ombro de seu pai. Sentiu que

rodeava a cintura com as mãos e a abraçava. Não teve oportunidade de falar com Dawn até a manhã seguinte... No próprio dia de

seu casamento. Estava em seu roupeiro, com a cabeça muito quieta para que Adele domasse um cacho rebelde sobre sua têmpora até deixá-lo como ela queria.

Usava um vestido de cor rosa claro, um tom que não se imaginara escolher para suas bodas. Mas quando foi às compras em busca do tecido, apaixonara-se por essa tonalidade em concreto. Usaria um chapéu de palha a jogo, adornado com botões de rosa, raminhos verdes e fitas rosas um pouco mais escuras que o vestido.

O céu, conforme via pela janela, estava límpido. Não havia nenhuma só nuvem no horizonte.

E nesse momento os convidados foram vê-la antes de partir à Igreja. Vanessa, junto com Averil e Jessica, as irmãs de Elliott, exclamaram encantadas ao vê-

la. Sorriram e afirmaram que não a abraçavam para não amassar o vestido nem danificar

o penteado. Todas concordaram que Cecily, a irmã mais nova de Elliott que estava a ponto de dar a luz, ia arrancar os cabelos por perder a cerimônia. A Senhora Leavensworth levou as mãos ao peito e declarou que não foi mais feliz em toda sua vida, embora certamente o seria ainda mais em questão de três semanas, quando Barbara se casasse.

Barbara importou-se muito pouco em amassar o vestido ou despenteá-la. Abraçou-a com força e sem dizer nada durante um minuto inteiro. Depois se afastou e a olhou com atenção.

— Estava há muito tempo esperando isto, Hannah — disse — Inclusive rezei para que acontecesse. Ria se quiser. Há muito amor em seu interior para que o esbanje com uma simples paquera. E o Senhor Huxtable... Bem, o Conde de Ainsley é o homem adequado. Pensei nisso quando estávamos em Copeland Manor. Estava quase certa quando subiu à garupa de seu cavalo no parque. E quando os vi ontem à noite no jantar... Enfim, não ficou a menor dúvida. E agora que soltei este sermão, será melhor que vá à Igreja com meus pais, antes que a noiva chegue. — se pôs a rir.

— Babs — disse e a abraçou de novo — O que teria sido de mim se não a tivesse tido todos estes anos?

Page 239: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

239

— O mesmo que teria sido de mim se não houvesse tido a você, suponho — respondeu sua amiga — Ah, Dawn, aqui está. Minha mãe e eu já vamos, assim terá mais espaço.

E todos se foram à exceção de Dawn, que permanecia em pé com expressão desconfortável junto à porta.

— Já estou preparada, Adele — disse Hannah — Porei o chapéu eu mesma antes de ir. Sua criada partiu da sala. — Não sei como o faz, Hannah — soltou Dawn quase zangada — mas está mais bonita

agora do que estava há onze anos. — Estou apaixonada — replicou com um sorriso — e é o dia de minhas bodas. É fácil

estar bonita nestas circunstâncias. — Não é só isso — respondeu Dawn — Antes pensava que só era seu aspecto. Mas

sempre foi o que tinha dentro. E agora há ainda mais. O Conde de Ainsley é muito bonito, não é verdade? Embora seja uma pena aquele nariz. Suponho que deveria chamá-lo Constantine, como ontem à noite me pediu que fizesse, mas me parece presunçoso fazê-lo. Foi muito bom, embora certamente que pareceu que o velho Duque ia viver eternamente. Deve ter sido uma tortura para você.

— Suponho que é nisso que acreditam as pessoas — disse Hannah — Não é verdade, mas não me importa que não saiba ninguém, salvo eu... E Constantine. E agora vou me casar com um homem que amo com toda a alma. Se alguma vez olhar para trás e sentir uma pontada de culpa, Dawn, não o faça. Todas as coisas acontecem por um motivo... Às vezes por um motivo mais importante do que acreditamos no momento. O que aconteceu me levou até o Duque e desfrutei de dez anos de surpreendente felicidade. E me casar com o Duque me trouxe pouco a pouco até este dia.

— Não me sinto culpada — assegurou Dawn — Poderia ter tido qualquer um que desejasse muito. Escolheu Colin e ele esteve encantado por sua beleza durante um tempo, como acontece com todos os homens quando a vêem. Mas me amava, e eu o amava. Temos um bom matrimônio e também uns filhos sadios e estupendos... Que é mais do que você tem. Não me sinto culpada.

Sorriu ao escutar a sua irmã. — Estou alegre de que seja feliz — replicou ao mesmo tempo em que dava um passo

para ela — E seus filhos são maravilhosos. Espero poder conhecê-los melhor com o tempo. Irei a Markle para ir ao casamento de Barbara. Vamos ficar na casa de papai.

— Barbara causará sensação — disse Dawn — ao ter uns Condes por convidados. Não se falará de outra coisa em um mês.

Hannah deu outro passo à frente e abraçou sua irmã. Era uma espécie de reconciliação, pensou quando Dawn devolveu o abraço. Certamente sua relação fraternal nunca seria muito estreita. Talvez Dawn guardasse

um pouco de rancor, embora no final ficasse com Colin, a quem parecia querer de verdade. E tinha cinco filhos, que eram muito doces e bem educados. Mas ao menos tinham feito as

Page 240: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

240

pazes. Ao menos podiam começar a construir uma nova relação a partir desse momento. Tinham todo o futuro pela frente. Sempre havia lugar para a esperança.

— Será melhor que vá — disse Dawn — Colin e as crianças estarão me esperando. Hannah a viu afastar-se antes de fechar a porta do roupeiro. Ainda ficava uma coisa

por fazer antes de colocar o chapéu e descer as escadas para reunir-se com seu pai. Procurou na lateral de sua bolsa de viagem e tirou um pequeno estojo quadrado.

Abriu-o e o deixou na penteadeira enquanto contemplava a aliança que tinha no dedo e a tirava. Sustentou-a um momento e a levou aos lábios.

— Adeus, meu querido Duque — sussurrou — Hoje se alegraria muito por mim, se sentiria muito feliz, não é verdade? Predisse que chegaria. E talvez também se sentisse um pouco triste. Eu sou feliz. E me sinto um pouco triste. Mas agora está com seu amor e eu estarei com o meu. E uma parte de cada um sempre pertencerá ao outro.

Deixou o anel no estojo, hesitou um instante e fechou a tampa com gesto firme antes de devolvê-lo ao baú. Pegou seu chapéu.

E de repente a assaltou tal nervosismo que tremeram os dedos enquanto atava as fitas sob a orelha direita.

A capela estava a transbordar de convidados, como Constantine sabia que estaria

embora quase todos eles fizessem parte de suas respectivas famílias. As suas costas escutava o murmúrio das conversas, assim como as corridas e as vozes agudas das crianças.

Havia muitas. A família estava crescendo. E ainda continuava a crescer. Katherine e Monty estavam a ponto de aumentar sua família. Cecily daria a luz a qualquer momento.

E não só aumentava a família. A esposa de Phillip Grainger estava gravidíssima e tinha outras duas crianças sentadas

ao seu lado. Phillip, um de seus amigos mais antigos, era seu padrinho. De certa forma, era uma situação muito cômoda. Família. E nesse dia ele mesmo se

converteria em um homem casado. Em um homem de família. Tomara que se convertesse em um homem de família!

Mas ainda não estava casado sequer. Hannah se atrasaria? Seria estranho que não o fizesse. De qualquer forma, ainda restavam cinco minutos antes que pudesse dizer que estava

se atrasando. O que foi que comentou a respeito de cultivar a paciência? Tomara que tivesse tomado um pouco do café da manhã. Embora agradecesse não tê-lo feito. E maldição, mas começava a ficar nervoso. E se tivesse dúvidas? E se tivesse aparecido um velho Duque em algum canto de Finchley Park e fugira com

ele?

Page 241: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

241

Mas nesse momento escutou as rodas de uma carruagem... Depois de todos os convidados terem chegado. Só faltavam três minutos para as onze.

A carruagem se deteve. O normal, porque o caminho só conduzia à capela! Fez-se o silêncio na Igreja. Todo mundo escutou o mesmo que ele. E nesse instante o

vigário apareceu na porta e ordenou aos presentes que ficassem em pé. E depois se pôs a andar para o altar pelo corredor, deixando livre a porta para Delmont, o pai da noiva, e para Hannah.

A beleza personificada vestida de rosa claro. Sua noiva. Por Deus! Sua noiva. Esteve a ponto de dar um passo para ela, mas se deteve. Supunha-se que devia esperá-

la onde se achava. Que ela devia aproximar-se dele. De modo que ficou quieto até que chegou a sua altura, caminhando pelo braço de seu

pai e olhando-o com um sorriso através do véu rosa que caía da aba de seu chapéu de palha. Devolveu o sorriso. Por que tinham passado tanto tempo discutindo onde se casariam e quantos

convidados iriam? Não entendia. O lugar onde se achavam não importava. E nesse momento não importava absolutamente quem fosse testemunha da troca de votos que os uniriam durante o resto de suas vidas a olhos da lei e graças ao amor.

Não importava. — Sim, quero — respondeu quando o vigário perguntou se queria aceitar Hannah por

esposa. — Sim, quero — disse ela por sua vez. E pouco depois estava recitando seus votos, a instâncias do vigário, e depois chegou a

vez de Hannah. E Phillip entregou-lhe a aliança de ouro e ele a colocou no dedo de Hannah. E de repente... Caramba! E de repente tudo acabou, a emoção e os nervos, os medos infundados. Eram marido e mulher. E o que Deus tinha unido, nenhum homem poderia jamais separar. — Hannah. Afastou o véu do rosto e a olhou nos olhos. Devolveu o olhar com expressão aberta e

sincera. Sua esposa. De repente foi consciente dos murmúrios e dos movimentos, da voz melodiosa de um

menino, de uma tosse discreta. E voltou a ser consciente de onde se achavam e com quem. Alegrou-se de que a família e os amigos estivessem presentes para celebrar o momento com eles.

Sentiu um golpe de pura felicidade. Hannah, sua esposa, olhou-o com um sorriso, e quando quis devolver o gesto, deu-se

conta de que já sorria.

Page 242: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

242

Não havia nenhuma carruagem esperando-os às portas da capela. Retornariam todos caminhando a Warren Hall, com os noivos abrindo a marcha.

Mas não imediatamente. Quando saíram da Igreja, Hannah olhou seu belo marido e se soltou de seu braço para

agarrar a mão. — Sim — murmurou como se ele houvesse dito algo. Seu marido. Era seu marido! E juntos, como se o tivessem falado de antemão, encaminharam ao cemitério

adjacente à Igreja. Detiveram-se ao pé de um montinho de relva. Estava marcado por uma lápide em que rezavam cinco linhas,

"Jonathan Huxtable, Conde de Merton, morto em 8 de novembro de 1812, à idade de 16 anos, RIP".

Contemplaram o túmulo com as mãos entrelaçadas, um junto do outro. — Jonathan, obrigado por levar uma vida cheia de amor — disse ela em voz baixa —

Obrigado por seguir vivendo no coração de Constantine e em seu sonho de Ainsley Park. Con apertou a mão com tanta força que quase a machucava. — Jon — disse, com um fio de voz — teria sido muito feliz hoje. Mas você sempre foi

feliz. Vá em paz, irmão. Retive-o muito tempo. Sempre fui muito egoísta. Vá em paz. Uma lágrima escorregou pela face de Hannah e caiu sobre o decote de seu vestido.

Enxugou os olhos com os dedos enluvados da mão livre. — Amo-a, Hannah — disse Con sem erguer a voz. — Eu também o amo — replicou ela. E juntos retornaram a seus convidados, que os aguardavam no caminho de entrada da

capela, conversando e rindo. As crianças brincavam de correr de um lado para outro e suas vozes agudas se erguiam sobre as demais.

Con entrelaçou os dedos com os de Hannah enquanto retornavam junto a sua família e seus amigos, sorridentes e transbordantes de alegria.

E do céu começaram a chover pétalas de rosa.

Page 243: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

243

Epílogo

Por volta de um dia outonal perfeito, por mais que não fosse perfeito para a babá. Se deixassem a babá fazer como queria, os temores dela a impediria de tirar o bebê de casa até que completasse ao menos um ano. Se a deixassem fazer como queria, iria converter o bebê em uma planta de estufa. E em muitos outros aspectos se fizesse como queria, já que contava com uma enorme experiência como babá e era evidente que queria o menino como se fosse sua avó.

Hannah a tinha encontrado quando sua anterior família prescindiu de seus serviços porque já não eram necessários e ela solicitou um emprego no Fim do Mundo, embora durante a entrevista admitiu se dar melhor com as crianças que com os anciões.

Não obstante, acrescentou na ocasião, na falta de pão, boas são as tortas. O dia era perfeito.

Page 244: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

244

O calor do verão tinha desaparecido, mas o vento ainda não estava frio. Não havia nenhuma só nuvem que pressagiasse chuva no céu, de fato, não havia nuvem alguma à vista. E o vento estava de férias. Inclusive a ligeira brisa que soprava no dia anterior. O céu era um caleidoscópio de cor. Não em si mesmo, é claro, já que era de um azul uniforme, mas os ramos das árvores que se erguiam para ele. Os tons vermelhos se mesclavam com os amarelos, com os alaranjados, com um sem fim de marrons e com alguns tons de verde. Entretanto, muito poucas folhas tinham caído no chão.

Teria sido um dia lindo para cavalgar. Para galopar pelo campo e para fazer uma corrida. Hannah conservava a esperança de ganhar de Constantine algum dia. Embora estivesse há vários meses sem subir em um cavalo, claro. Nem sequer para dar um tranquilo passeio.

Constantine não o teria permitido mesmo se ela houvesse se sentido inclinada a correr o risco. Que não foi o caso.

Viajavam tranquilamente na carruagem. Na carruagem fechada. Os desejos da babá foram ignorados, embora nem todos. A mulher tinha experiência, eles não.

Era um trajeto que estavam acostumados a fazer com os cães. Pouco depois das bodas, tinham decidido que um acolhedor cantinho do estábulo se dedicasse aos cães.

Constantine pensava que os anciões que residiam no Fim do Mundo necessitavam mais estímulos, além de sua companhia e da de outras pessoas. E certamente a visita dos cães era o ponto alto de seus dias.

Hannah e Constantine os levavam às vezes. Mas o normal era que o fizesse Cyril Williams. Era um menino de dez anos que tinha roubado a carteira de Constantine em Londres, pouco depois de retornarem do casamento de Barbara com o reverendo Newcombe.

Um menino sujo e esfarrapado que não parava de tremer, que tinha perdido uns meses antes sua mãe, a única família que ficava com vida, e que depois disso passara do mero desespero à sobrevivência animal.

Cyril e os cães se davam maravilhosamente. Alimentava-os e cuidava deles, tirava-os para que fizessem exercício, adestrava-os e os queria.

E às vezes os colocava às escondidas em seu dormitório, ocasião nas quais a criadagem e os Senhores sofriam estranhos episódios de cegueira e surdez.

Os cães o adoravam e o seguiam como se fossem sua sombra. Comportavam-se muito bem com ele e passavam o dia, abatidos no estábulo, quando o menino estava fora, não por gosto, mas na escola do povoado.

Nesse dia em concreto não levavam os cães para que alegrassem os anciões. Nesse dia levavam Matthew Huxtable com seus quatro meses de vida, um bebê que na

opinião de seus pais era o mais bonito do mundo, embora admitissem não serem objetivos. Tinha herdado o tom escuro de cabelo e de pele de seu pai, e os olhos azuis e o alegre

sorriso de sua mãe.

Page 245: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

245

Nesse dia os anciões desfrutaram muito quando Constantine deixou Matthew nos braços de um para que o embalassem e às vezes lhes dedicava um desdentado sorriso, com ajuda de seu pai, que fazia cócegas em sua barriguinha.

Enquanto isso, Hannah conversou com aqueles que não podiam pegar o bebê, que não falavam ou que nem sequer respondiam aos estímulos que os rodeavam.

De qualquer forma, contou a eles algumas coisas sobre as três semanas que suas duas sobrinhas e um de seus sobrinhos tinham passado em Copeland Manor durante o verão, depois que sua mãe retornara a Lincolnshire com os dois menores por ter passado uma temporada com Hannah para ajudá-la durante a última etapa de sua gravidez e durante o parto.

Também lhes falou da filha dos Barões Montford, a que esperava conhecer antes do Natal, antes que completasse um ano. E sobre a nova penca de cãozinhos, para os quais Cyril estava procurando um lar.

Quando a visita acabou, Hannah se sentou ao lado de Constantine na carruagem e o observou enquanto colocava Matthew no colo, sustentando a cabeça com as mãos, depois começando a fazer bajulações e a dizer tolices.

O bebê fechou os olhos. Não estava com humor para rir. Quem ia pensar que um homem como Constantine Huxtable ia se converter em um pai

tão carinhoso e devoto? Perguntou-se Hannah. O demônio, domesticado. Salvo que nunca foi um demônio. Nada mais longe da realidade. Foi um homem cheio de segredos. Um homem cheio de amor. Colocou a face em seu ombro e ele voltou a cabeça para olhá-la. — Estava tentando recordar o rosto da Duquesa de Dunbarton — comentou ele —

mas o de Hannah não para de se interpor no meio. — A Duquesa foi de grande ajuda — confessou. — Sinto-me alegre de que já não a necessite. Hannah exalou um suspiro de contentamento. — Eu também me alegro — reconheceu — Matthew está dormindo. Deixe-me pegá-lo. Constantine se voltou e o deixou em seus braços sem despertá-lo. Depois seguiu olhando-os, primeiro ao menino e depois à mãe. — Disse que a amo? — perguntou. — Sim — respondeu ela. Constantine acariciou a cabeça de seu filho com cuidado e se acomodou no assento. — Mas pode repetir — acrescentou Hannah — De fato, insisto em que o faça agora

mesmo. Constantine soltou uma gargalhada baixa.

Page 246: Huxtable quinteto 05 - uma aventura secreta

246

FIM