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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 2
DIRETORIA DA GESTÃO 2013/2014
DIRETORIA EXECUTIVA
Presidente: Mariângela Gama de Magalhães Gomes
1ª Vice-Presidente: Helena Regina Lobo da Costa
2o Vice-Presidente: Cristiano Avila Maronna
1ª Secretária: Heloisa Estellita
2o Secretário: Pedro Luiz Bueno de Andrade
1o Tesoureiro: Fábio Tofic Simantob
2o Tesoureiro: Andre Pires de Andrade Kehdi
Diretora Nacional das Coordenadorias Regionais e Estaduais: Eleonora Rangel Nacif
Assessor da Presidência: Rafael Lira
CONSELHO CONSULTIVO
Ana Lúcia Menezes Vieira
Ana Sofia Schmidt de Oliveira
Diogo Rudge Malan
Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró
Marta Saad
OUVIDOR
Paulo Sérgio de Oliveira
COORDENADORES-CHEFES DOS DEPARTAMENTOS
Biblioteca: Ana Elisa Liberatore S. Bechara
Boletim: Rogério FernandoTaffarello
Comunicação e Marketing: Cristiano Avila Maronna
Cursos: Paula Lima Hyppolito Oliveira
Estudos e Projetos Legislativos: Leandro Sarcedo
Iniciação Científica: Ana Carolina Carlos de Oliveira
Mesas de Estudos e Debates: Andrea Cristina D’Angelo
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 3
Monografias: Fernanda Regina Vilares
Núcleo de Pesquisas: Bruna Angotti
Relações Internacionais: Marina Pinhão Coelho Araújo
Revista Brasileira de Ciências Criminais: Heloisa Estellita
Revista Liberdades: Alexis Couto de Brito
Tribuna Virtual IBCCRIM: Bruno Salles Pereira Ribeiro
PRESIDENTES DOS GRUPOS DE TRABALHO
Amicus Curiae: Thiago Bottino
Código Penal: Renato de Mello Jorge Silveira
Cooperação Jurídica Internacional: Antenor Madruga
Direito Penal Econômico: Pierpaolo Cruz Bottini
Habeas Corpus: Pedro Luiz Bueno de Andrade
Justiça e Segurança: Alessandra Teixeira
Política Nacional de Drogas: Sérgio Salomão Shecaira
Sistema Prisional: Fernanda Emy Matsuda
PRESIDENTES DAS COMISSÕES ESPECIAIS
19º Seminário Internacional: Carlos Alberto Pires Mendes
Cursos com a Universidade de Coimbra: Ana Lúcia Menezes Vieira
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 4
GESTÃO DA TRIBUNA VIRTUAL IBCCRIM
Coordenador-Chefe
Bruno Salles Pereira Ribeiro
Coordenadores Adjuntos
Adriano Scalzaretto
Guilherme Suguimori Santos
Matheus Silveira Pupo
Conselho Editorial
Amélia Emy Rebouças Imasaki, Anderson Bezerra Lopes, André Adriano do Nascimento Silva, Antonio Baptista Gonçalves, Átila Machado, Camila Garcia, Carlos Henrique da Silva Ayres, Christiany Pegorari Conte, Danilo Ticami, Davi Rodney Silva, Diogo Henrique Duarte de Parra, Eduardo Henrique Balbino Pasqua, Érica Akie Hashimoto, Fabiana Zanatta Viana, Fábio Suardi D’ Elia, Francisco Pereira de Queiroz, Gabriela Prioli Della Vedova, Giancarlo Silkunas Vay, Guilherme Suguimori Santos, Humberto Barrionuevo Fabretti, Ilana Martins Luz, Janaina Soares Gallo, José Carlos Abissamra Filho, Luiz Gustavo Fernandes, Marcel Figueiredo Gonçalves, Marcela Veturini Diorio, Marcelo Feller, Matheus Silveira Pupo, Milene Maurício, Rafael Lira, Ricardo Batista Capelli, Rodrigo Dall’Acqua, Ryanna Pala Veras, Thiago Colombo Bertoncello e Yuri Felix.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 5
APRESENTAÇÃO
O IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, pauta-se, acima de tudo, pela
defesa das liberdades individuais dos cidadãos e pela proteção de seus direitos fundamentais.
Seja para abrir os caminhos entre as veredas das ciências, seja para municiar o campo de
batalha da defesa da liberdade, proporcionar meios de difusão do pensamento sempre esteve entre
as principais atividades do IBCCRM em seus 20 anos de existência. Assim o comprova o Boletim
do IBCCRIM, a Revista Brasileira de Ciências Criminais e a Revista Liberdades.
Poder falar e ouvir são pressupostos fundamentais do exercício da liberdade. É também
falando e escutando que se desenvolve o processo dialético de lapidação de ideias, maneira pela
qual se constrói a verdadeira e legítima ciência.
Na verdade, uma publicação científica é antes de tudo uma tribuna, onde o pensamento
humano se amplifica, onde as ideias se libertam e ganham voz, uma voz que não serve às palavras
do poder, mas sim ao poder de uma palavra: liberdade.
Inspirado por esses ideais surge um novo espaço de intercâmbio de ideias e de fomento do
pensamento científico adequado à modernidade tecnológica globalizada. Assim é concebido este
periódico: uma Tribuna Virtual do IBCCRIM.
Uma plataforma globalmente acessível, que tem como objetivo receber e difundir os
conhecimentos das ciências criminais para além das barreiras territoriais - essa é nossa tribuna.
Após 20 anos de incansável defesa das garantias fundamentais, esperamos que nesta
Tribuna o vigor científico surja do embate de ideias, experiências e pontos de vista plurais e
democráticos, a individualidade ceda lugar ao debate, o autoritarismo e o medo se calem e o
pensamento humano amplifique e dê sentido ao conceito de liberdade sonhado por este instituto.
Seja voz nesta tribuna.
Envie seu artigo.
“Participe por acreditar".
Coordenação da Tribuna Virtual IBCCRIM.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 6
SUMÁRIO
• Diretoria da Gestão 2013/2014.................................................. 02
• Gestão da Tribuna Virtual IBCCRIM........................................ 04
• Apresentação............................................................................... 05
• Artigos
o A propósito de Filangieri: ¿Ha muerto el Iluminismo penal?
E. Raúl Zaffaroni..........................................................................07
o Reforma penal: Codificação ou Consolidação?
René Ariel Dotti............................................................................23
o A reforma penal: crítica da disciplina legal do crime
Juarez Cirino dos Santos................................................................27
o O crime de enriquecimento ilícito no Projeto de Código Penal, em face da presunção de inocência
Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró...........................................50
o O alcance da nulidade decorrente da ausência de motivação da decisão a respeito da resposta à acusação
Cristiano Avila Maronna..............................................................76
• Normas para publicação na Tribuna Virtual IBCCRIM............. 87
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 7
A propósito de Filangieri: ¿Ha muerto el Iluminismo penal? (1)
E. Raúl Zaffaroni Profesor Emérito de la Universidad de Buenos Aires.
Sumário: 1. ¿Iluminismo en el siglo XXI? – 2. ¿El posmodernismo penal imita a Ferri? – 3. La pregunta previa: ¿Qué fue el Iluminismo penal? – 4. La naturaleza del Iluminismo penal – 5. El Iluminismo fue un movimiento europeo – 6. ¿Era Filangieri un revolucionario? – 7. El Iluminismo penal como momento de una constante – 8. La enseñanza actual del Iluminismo – 9 ¿Estamos en las puertas de un cambio? – 10. ¿Debemos elegir nuevamente?
1. ¿Iluminismo en el siglo XXI?
La reivindicación del Iluminismo penal en esta segunda década del siglo XXI no se adecua
a los actuales valores hegemónicos en la materia, dominados por el exclusivo interés por los
aspectos considerados técnicos de la dogmática jurídica y por los llamados pragmáticos en el ámbito
político y legislativo.
Menos adecuada a este marco contemporáneo resulta aún la reedición argentina de la
traducción castellana del primer tomo de la obra de Gaetano Filangieri2, única razón que justifica
nuestra osadía con alguna referencia al gran ilustrado napolitano en esta sede, pues con motivo de
esa publicación revisitamos, entre otras cosas, la biografía –un tanto novelada- de Ruggiero3 y las
actas del magnífico seminario del Castello Giuzzo de 19824.
1 El presente texto corresponde a las notas ordenadas de nuestra intervención en el seminario italo-argentino sobre “Valori, attualità e prospettive dell’Illumnismo giuridico”, Dipartimento di Scienze penalistiche, criminologiche e penitenziari, Università degli Studi di Napoli Federico II, setiembre de 2012. Con todo afecto lo dedicamos al colega y amigo Carlos Elbert, con quien compartimos muchos años de experiencia judicial y académica.
2 Ciencia de la Legislación, con presentación de Sergio Moccia, EDIAR, Buenos Aires, 2012.
3 Gerardo Ruggiero, Gaetano Filangieri. Un uomo, una famiglia, un amore nella Napoli del Settecento, Alfredo Guida Ed., Napoli, 1999.
4 Atti del Convegno “Gaetano Filangieri e l’Illuminismo europeo”, tenutosi a Vico Equense dal 14 al 16 Ottobre 1982 e organizzato dall’Istituto Suor Orsola Benincasa, dall’Istituto Italiano per gli Studi Filosofici e dall’Istituto di Filosofia del Diritto della Facoltà di Giurisprudenza dell’Università di Napoli, con introducción de Antonio Villani, Guida Ed., Napoli, 1991.
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Sin embargo, creemos que ha llegado el momento de alzar la vista por sobre los estrechos
límites que nos impone hoy el predominante academicismo y los oligopolios mediáticos -que
marcan la agenda de la política criminal en todo el mundo- y tomar consciencia de que este
posmodernismo penal que declara oficialmente muerto no sólo al Iluminismo, sino incluso al viejo y
buen derecho penal liberal, en realidad es sólo un momento en un curso histórico que debemos
considerar en su totalidad y no con la visión distorsionada que nos proporciona un puro recorte
transversal del presente.
La pretensión posmoderna de sepultar al Iluminismo y su secuela no siempre se expresa
claramente, por cierto, sino que suele presentarse como un tributo a sus protagonistas, pero de
honores póstumos, o sea, reducidos a la condición de predecesores remotos y difuntos, que ya no
tienen nada que decirnos. Para quienes ni siquiera alientan razones emotivas para recordarlos, no
pasan de ser una curiosidad, en ocasiones con tinte morboso y siempre con el acostumbrado tono
de suficiencia por parte de quien siente que el sólo paso del tiempo le permite ser más sabio.
2. ¿El posmodernismo penal imita a Ferri?
Cabe observar que nada muy diferente tuvo lugar cuando Ferri inventó la famosa escuela
clásica, pretendidamente fundada por Beccaria y acaudillada por Carrara: encerró a todos sus
protagonistas en un panteón académico, arrojó la llave al mar y proclamó que de ese modo abría
la auténtica etapa científica que, por supuesto, era la suya.
Creemos que esa fue la mejor humorada ferriana o, al menos, la más exitosa, pues
sobrevive hasta el presente, pese a que es absurdo pensar que hubo una escuela integrada por
criticistas, hegelianos, kantianos, krausistas, aristotélicos, materialistas, espiritualistas, etc., lo que
se asemejaría más a un parlamento pluripartidista que a una escuela 5.
Este antecedente de una táctica -que bien podemos llamar de renovación catastrofista, pues
pretende arrasar con todo lo anterior- debe alertarnos acerca de las partidas de defunción
ideológicas, que muchas veces se extienden a nombre de quienes gozan de perfecta salud.
5 Esto lo sostenemos desde nuestro Derecho Penal, Parte General, EDIAR, Buenos Aires, T.II, 1983.
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3. La pregunta previa: ¿Qué fue el Iluminismo penal?
Para eludir las trampas propias de esta táctica, es menester preguntarse ante todo, qué fue
el luminismo penal del siglo XVIII.
Esta cuestión presenta dos aspectos: 1) ¿Qué naturaleza tuvo, es decir, fue un movimiento
del status quo o bien, debe reconocérsele carácter revolucionario? 2) En segundo lugar, ante las
pretensiones nacionales de los diferentes países por hegemonizarlo, es necesario esclarecer su
extensión: ¿Fue un movimiento propio de algún país en particular o más bien se trató de un
fenómeno continental? ¿Podemos distinguir diferentes intensidades de aportes nacionales? ¿Vale la
pena hacerlo?
Como parte de esta segunda cuestión corresponderá analizar qué significó la intervención
napolitana y en particular la de Filangieri.
Apenas después de desbrozar el camino respondiendo a estos interrogantes, estaremos en
condiciones de evaluar sus perspectivas desde nuestra posición en el tiempo y el espacio.
4. La naturaleza del Iluminismo penal
En cuanto a la primera cuestión, esto es, la referida a la naturaleza del Iluminismo,
debemos confesar que en cierta forma sentimos que usurpamos el lugar que corresponde a otro,
pues quien en lengua castellana, en el cono sur americano y desde los albores de la segunda mitad
del siglo pasado, nos enseñó a valorar el aporte iluminista, fue Manuel de Rivacoba y Rivacoba,
penalista español y exiliado republicano6.
6 Rivacoba (1925-2000) fue profesor en la Universidad Nacional del Litoral en Santa Fe, Argentina, y luego en la Universidad de Valparaiso en Chile. Entre sus obras se destaca Krausismo y derecho, Santa Fe, 1968, su estudio sobre el iluminista español: Lardizabal, un penalista ilustrado, Santa Fe, 1964; su trabajo póstumo, Manuel de Lardizábal o el pensamiento ilustrado en derecho penal, en colaboración con José Luis Guzmán Dalbora, como Estudio preliminar al Discurso sobre las penas, publicado en Vitoria/Gasteiz en 2001.
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Cuando una cuestión ha sido explicada con acierto, lo mejor es remitirse a lo hecho,
evitando replanteos que oscurecerían lo logrado, razón por la que en los párrafos que siguen
retomaremos en buena medida las líneas que trazó Rivacoba 7.
La diferencia entre el pensamiento iluminista y el revolucionario no puede demarcarse
muy estrictamente, porque pueden seguirse dos criterios diferentes y que no siempre coinciden: el
de la actitud política individual y el ideológico.
Sin duda que es posible distinguir muy nítidamente entre dos actitudes políticas: (a) la del
déspota ilustrado, que se limitaba a proponer un reacomodamiento de las tazas en el armario para
evitar su caída total, es decir, el famoso todo para el pueblo, todo por el pueblo, pero sin el pueblo, y
(b) la del revolucionario, que aspiraba a derribar todo el armario para rehacerlo con el pueblo.
Gráficamente, corresponden respectivamente a las imágenes de unos señores con peluca
apoltronados en sillones de terciopelo y otros como Marat, arengando o asesinado en la bañera.
Por cierto que fueron varios los iluministas que se espantaron ante la violencia de los
movimientos revolucionarios y acabaron en el polo opuesto, restaurador y reaccionario.
Pero estas actitudes política personales no siempre tuvieron un exacto paralelo ideológico,
pues no reconocen límites precisos en este aspecto, dado que con frecuencia el pensamiento no era
muy diferente entre unos y otros, ni necesariamente era siempre más conservador el primero que
el segundo. Puede afirmarse que hubo un fondo ideológico común que nutrió a quienes
adoptaron una u otra actitud política o, al menos, un camino común que recorrieron ambos,
aunque algunos llegaron más lejos que otros y no necesariamente los más revolucionarios.
Esto obedece a que la deslegitimación del poder absoluto y la invocación del pueblo -o al
menos del público-, inevitablemente marcaba el ocaso del antiguo régimen. En este sentido desde
su perspectiva llevaban razón los sectores hegemónicos de la nobleza, del feudalismo y del clero,
7 En particular en La reforma penal de la Ilustración y Marat o el pensamiento revolucionario en derecho penal, ambos recopilados en Violencia y justicia. Textos escogidos por sus alumnos, Universidad de Valparaíso, 2012; también su prólogo a Verri, Observaciones sobre la tortura, Buenos Aires, 1977.
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cuando denunciaban a los iluministas e impetraban su persecución, invocando el peligro que
implicaba para ellos esa nefasta costumbre de pensar.
5. El Iluminismo fue un movimiento europeo
En el curso de la Revolución Industrial comenzó a buscarse la verdad fuera de los dogmas
teológicos y sus adyacencias. En casi todos los países hubo quienes tomaron la antorcha de la
razón para avanzar en las tinieblas del oscurantismo que prohibía pensar, sea por la vía deductiva
o por la del empirismo8.
De la mano de intelectuales que ocupaban posiciones de poder muy secundarias,
subestimados por los poderosos, comenzó esa búsqueda. Era natural que así fuese, pues otros no
podían hacerlo. El monopolio del saber se amplió a medida que los señores fueron creando las
burocracias que los asistían en la gestión de los diferentes aspectos del sujeto público. El poder que
pretendía regular la vida pública no podía manejarse con el limitado círculo de quienes sólo
habían administrado la muerte9 y, por ende, la ampliación de las burocracias generó una clase de
intelectuales segundones, algunos de los cuales comenzaron a pensar por cuenta propia.
Este proceso no se limitó a ningún país europeo en particular, sino que fue más o menos
contemporáneo en toda Europa. Las tesis iluministas se escribían en lenguas vulgares y se
traducían inmediatamente, debatiéndose desde los otros países. Los iluministas de toda Europa
discutían y dialogaban entre ellos, se reprochaban por haberse quedado atrás en el pensamiento o
por avanzar demasiado rápido. En rigor, esta discusión era el motor que los hacía avanzar en
grupo por el túnel oscuro repleto de fantasmas de los viejos dogmatismos.
Como era de esperar, en semejante explosión del pensamiento fueron muchos los escritos
y libros, de diversa extensión y naturaleza, que entraron en las discusiones del Iluminismo en
construcción y, sin lugar a dudas, la contribución napolitana, en particular por medio de la obra
de Gaetano Filangieri, fue una de los más mencionados.
8 Sobre esto, Ernst Cassirer, Filosofía de la Ilustración, México, 1972.
9 El tema fue claramente expuesto por M. Foucault.
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Sólo desde la particular perspectiva filosófica del idealismo actual se puede explicar la
subestimación de la obra de Filangieri por parte de Croce y de Gentile10, que en nada puede
menguar la prueba objetiva de su trascendencia en el debate de su tiempo, lo que se verifica por el
general interés en traducir la obra de inmediato a las otras lenguas romance europeas. Las
traducciones alemanas, las citas de Feuerbach11 y el empeño de Goethe por visitarlo
personalmente y dejar testimonio de la impresión que le produjo su trato12, son la prueba objetiva
más contundente acerca de la importancia que se le concedió a su obra en el debate iluminista.
No menos elocuente a este respecto es la conocida expresión de Napoleón Bonaparte al
calificarlo de maestro de todos nosotros, en ocasión de amparar a sus hijos y a su viuda, exiliados
después de la derrota de la República Partenopea13.
Por otra parte, Filangieri no surgió en Nápoles de la nada, no fue un brote o flor exótica
ni se hallaba en un desierto intelectual. De alguna manera fue la punta de una flecha pensante que
pasó por Gianbattista Vico y Antonio Genovesi.
6. ¿Era Filangieri un revolucionario?
Más allá de la extinción de su existencia terrena, Filangieri se prolongó en los héroes y
mártires de la República unos pocos años después y, entre ellos, en la pluma de Francesco Mario
Pagano14.
Uno de los objetivos de nuestro autor fue acabar con el régimen feudal y las potestades de
los señores, lo que le acarreó serios problemas y no pocos enemigos, aunque fueron muchos más
quienes lo miraban con desconfianza. Lógicamente, para eso debía poner en primer lugar el
10 Sobre esto el documentado trabajo de Paolo Becchi, Aspetti e figure Della recezione di Filangieri in Germania, en Atti, cit., pág. 214, nota 1.
11 Idem.
12 Idem, pág. 220.
13 Gerardo Ruggieri, op. cit., pág. 415.
14 Francisco Mario Pagano, Principios del Código Penal, con introducción y notas de Sergio Moccia y revisión de Manuel de Rivacoba y Rivacoba, Ed. Hammurabi, Buenos Aires, 2002; los trabajos de Pagano: Saggi politici dei principii, progressi e decadenza delle società, Lugano, 1836.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 13
derecho de la igualdad y elevarlo por sobre el resto de los derechos, lo que no deja de ser una
particularidad digna de tenerse en cuenta.
Esta posición dominante de la igualdad surge expresamente en el texto de elevación del
proyecto de Constitución republicana de 1799, que en este aspecto se permite enmendarle la
plana a la propia constitución francesa. Con transparente claridad puede afirmarse que se trata del
pensamiento esencial de Filangieri acerca de la igualdad como derecho fundamental.
Nos permitimos citarlo in extenso, pues de este modo podrá verificarse que parece salido
de la pluma del propio Filangieri: La cosa más egregia que se halla en las constituciones modernas
es la declaración de los derechos del hombre. Falta en las antiguas legislaciones esta base sólida e
inmutable. No nos limitamos a beneficiarnos de la declaración que encabeza la constitución
francesa, sino que además advertimos que la igualdad no es un derecho del hombre, según lo
considera esa declaración, sino la base de todos los derechos y el principio sobre los que éstos se
establecen y fundan. La igualdad es una relación y los derechos son facultades. Son las facultades
de actuar que la ley de la naturaleza, esto es, la invariable razón y conocimiento de las relaciones
naturaleza, tanto como la ley social positiva, conceden a cada uno. De esa relación de igualdad
natural que existe entre los hombres se deriva la existencia y la igualdad de los derechos cuando
los hombres son similares, pero siendo iguales entre ellos, tienen las mismas facultades físicas y
morales: cada uno tiene tanta razón para valerse de sus fuerzas naturales como su semejante. De
esto se deduce que las facultades naturales indefinidas por la naturaleza, deben ser definidas por la
razón, debiendo cada uno valerse de ella para que los otros puedan hacer lo propio. De lo que se
sigue que los derechos son iguales, puesto que tratándose de seres iguales, iguales deben ser las
facultades de actuar. He aquí, por tanto, como de la semejanza e igualdad de la naturaleza surgen
todos los derechos del hombre y la igualdad de tales derechos15.
Sin duda que pocos resistirán la tentación de preguntarse qué hubiese hecho Filangieri si
la tuberculosis no hubiese acabado con su vida y hubiese llegado a los tiempos de la República.
15 Costituzione Napoletana del 1799, Rapporto del Comitato di Legislazione al Governo Provvisorio.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 14
A la luz de su resistencia a participar de la vida cortesana y a su renuncia y alejamiento de
ese medio, para el que parecía destinado por su pertenencia a una familia noble principesca,
pareciera que su actitud habría sido republicana. Pero como la historia no se escribe con
potenciales, no podemos responder afirmando que la tuberculosis le salvó del destino heroico y
trágico de sus amigos Francesco Mario Pagano y Domenico Cirillo, o del camino de regresión
seguido por su primer biógrafo y apologista, Donato Tommasi, que se inclinó ante la restauración
borbónica. Por el beneficio de la duda nos inclinamos por lo primero, aunque a veces una muerte
oportuna salva la imagen de alguien ante la posteridad.
7. El Iluminismo penal como momento de una constante
Respondidas las anteriores preguntas, podemos aproximarnos –con la brevedad del caso-
al significado o proyección del Iluminismo penal en nuestro tiempo.
La historia no es el simple relato de hechos pasados, sino el de los hechos que siguen
viviendo en nosotros, que condicionan nuestro presente, que son parte de nuestras vivencias. En
este sentido, el recordado Rivacoba afirmaba que somos hijos del Iluminismo, lo cual es verdad en
el sentido de que nuestro derecho penal de garantías arranca con éste.
Si pretendemos levantar la vista más allá de los límites que nos imponen los mezquinos y
empobrecidos tecnicismos normativistas en lo académico y la construcción mediática de la
realidad en lo político criminal, confrontamos con un panorama más amplio, en el que sin duda
está vivo el Iluminismo penal, pues no tienen otro origen las resistencias que en esta emergencia
oponemos a la multiplicación de avances autoritarios en nuestro mundo contemporáneo. En este
sentido, al menos quienes deslegitimamos los atropellos vindicativos y la improvisación legislativa,
podemos suscribir la afirmación de que somos hijos del Iluminismo.
No obstante, nuestra genealogía no se agota en éste. Por muy orgullosos que estemos de
nuestros padres iluministas, no podemos olvidar que somos también nietos de los inquisidores.
El Iluminismo no nació de la nada ni para nada, sino como contradicción frente al
pensamiento inquisitorial del antiguo régimen. La inquisición no fue un fenómeno exclusivo de la
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 15
iglesia ni del papado, sino anterior y también posterior a éste. Basta hurgar someramente en la
legislación penal romana para verificar que el procedimiento inquisitorial repuesto en la llamada
recepción era el propio del imperio16. Cuando la inquisición romana fue decayendo en su quema
de mujeres, continuó en manos de los príncipes, a tal punto que la dura crítica de Friedrich Spee
a esta práctica17 se dirige contra las combustiones ordenadas por las autoridades civiles.
Los privilegios feudales y nobles chocaron en el siglo XVIII con las pretensiones de espacio
social de una nueva clase en el marco de la revolución industrial. Los comerciantes, industriales y
banqueros, que aspiraban a participar del poder económico y político hasta entonces negado a los
plebeyos, requerían la limitación del poder punitivo, que era el instrumento del que se valía la
clase hegemónica para sostener sus privilegios.
El Iluminismo penal fue obra de los nuevos funcionarios, constructores de los dialectos
especializados de las corporaciones que se distribuían la administración de la vida pública. La
contención del impulso punitivista inquisitorial era una necesidad para la apertura del espacio
social para esta nueva clase en ascenso.
El Iluminismo desembocó en el liberalismo penal, que sirvió al ascenso de la nueva clase,
pero cuando ésta se asentó en el poder, en el curso del siglo XIX, se vio precisada a defender su
posición hegemónica de las pretensiones de las clases subalternas (movilizadas por anarquistas,
socialistas, sindicalistas, socialdemócratas, etc.) y desechó el discurso liberal, adoptando el
producido por una alianza de la emergente institución policial europea18 con la corporación
16 V. M. Ortolan, Explication historique des Instituts de l’Empereur Justinien, París, 1863, III, 727; la crítica de este proceso inqusitorial en Pagano, Principios, cit.
17 Cfr. Friedrich Spee, I processi contro le streghe (Cautio Criminalis), Roma, 2004.
18 Creemos que el origen de la policía es colonialista, pues una colonia no es más que una ocupación policial de territorio extranjero, y que luego, con la concentración urbana, la institución, dotada de un nuevo rostro, fue trasladada a Europa.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 16
médica, que dio por resultado el peligrosismo racista del positivismo penal, cuyo extremo llevó al
derecho penal totalitario del siglo XX19.
La catástrofe de la Segunda Guerra provocó un nuevo impulso de contención del poder
punitivo –o de contrapunitivismo- en la posguerra. A lo largo de la guerra fría hubo una
permanente ambivalencia de pulsiones punitivistas y contrapunitivistas y en el actual momento de
la globalización se vive una impresionante pulsión punitivista y controladora.
El Iluminismo fue un momento de esta constante lucha de pulsiones punitivistas y
contrapunitivistas, pero no por eso se trata de una etapa cerrada, dado que entre el inquisitorio y la
reacción contrapunitiva media una diferencia que no es menor: el punitivismo se legitima siempre
creando un enemigo, satanizando20 a algún grupo, por lo cual siempre cambia el contenido de su
discurso coyuntural, al compás de la creación de enemigos; en tanto que el discurso de contención
-el contrapunitivo- se va enriqueciendo ante la necesidad de desplegar nuevas precisiones contra
las novedades autoritarias, pero no cambia radicalmente su contenido, sólo lo aumenta.
En otras palabras, en tanto que el punitivismo vacía y rellena siempre su discurso, si bien
mantiene la misma estructura, la resistencia limitadora –o contrapunitivismo- incorpora las
nuevas experiencias, pero mantiene todo el contenido anterior. Por consiguiente, el Iluminismo es
parte de este atesoramiento de experiencias limitadoras del punitivismo.
8. La enseñanza actual del Iluminismo
En las últimas décadas se observa un marcado renacimiento del punitivismo y el
consiguiente retroceso de las contenciones propias de su contrario. El posmodernismo penal no es
más que un retroceso a momentos premodernos: institutos tales como el testigo de la corona, el
agente provocador, el espía judicial, la incomunicación de detenidos, etc., son todos viejos
recursos punitivos claramente rechazados por el Iluminismo y, como herencia de éste, por el
19 Es muy claro el reclamo de uno de sus últimos representantes, Filippo Grispigni, que en polémica con Mezger, reivindicaba para el positivismo la inspiración del derecho penal nacionalsocialista: Filippo Grispigni / Edmund Mezger, La reforma penal nacional-socialista, EDIAR, Buenos Aires, 2009.
20 Cabe recordar que Satán en hebreo significa precisamente enemigo.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 17
derecho penal de garantías posterior. Todo ello sin contar con la benevolencia hacia la tortura y la
desfachatez con que se confiesan o admiten los secuestros estatales, las renditions y las extraordinay
renditions o la prisión ilimitada sin proceso y la ampliación de la discrecionalidad policial.
El fantasma del terrorismo en el plano internacional, puesto en diferentes cabezas según el
país, y el de la criminalidad común en lo interior, mostrados como los únicos peligros para la vida
y la integridad del mundo actual, absolutizados por la construcción mediática de la realidad,
sumados a la aparición de las víctimas héroes, a la glorificación de los vengadores, muestra cómo la
comunicación masiva en manos de oligopolios mediáticos marca la agenda de la política criminal
de los últimos años, amedrenta y estigmatiza a quienes rechazan ese discurso, arrincona a los
políticos, impone temor a los jueces y, de este modo, avanza hacia un nuevo inquisitorio sin
tapujos.
En el plano procesal se pervierte el discurso acusatorio mediante una sobredimensión del
ministerio público en detrimento del poder judicial. Si bien el proceso acusatorio en abstracto es
el más liberal, su funcionamiento se desequilibra mediante una deformación de la infraestructura
institucional que debe sustentarlo: se agiganta la figura y el poder del ministerio público, se le
otorga la conducción de la policía en muchos países, en otros cumple también funciones de
ministerio de justicia, sus integrantes saltan a la publicidad junto a víctimas seleccionadas para
impulsar venganzas, estimula los sentimientos vindicativos y al mismo tiempo sus integrantes
actúan políticamente o se disponen a eyectarse a esa actividad; se ha llegado al extremo de que
uno de sus integrantes logró casi un juicio político al presidente del país más poderoso del mundo
por una relación sexual de estricta privacidad.
En tanto que se multiplican los tipos penales alimentando la ilusión de que por este
camino se hace desaparecer milagrosamente todo lo nocivo, molesto o desagradable, la doctrina
penal no tiene empacho en volver a sostener que la esencia del delito se halla en la violación del
deber y no en la producción de una lesión21.
21 En su momento Friedrich Schaffstein, Das Verbrechen als Pflichtverletzung, Berlín, 1935.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 18
Es obvio que quienes postulamos prudencia y contención del poder punitivo somos
estigmatizados públicamente y, si bien hoy no nos fusilan como a Pagano o a Cirillo, al menos
resulta claro que molestamos en la corte, como Filangieri.
Todo esto puede sumir en depresión al penalista liberal de nuestro tiempo, pero creemos
que eso también sería fruto de una visión limitada y reducida a un corte transversal, que pierde de
vista la dinámica histórica, que muestra otro panorama, aunque no sea muy tranquilizador.
El curso completo de los vaivenes del punitivismo nos muestra que éste toma impulso
cuando un sector social dominante pretende defender sus privilegios o su hegemonía a cualquier
precio, porque los siente amenazados. Cuanto más arbitrarios son estos privilegios mayor
resistencia provocan y, por consiguiente, mayor es el poder punitivo con que el grupo
hegemónico pretende contenerla.
Esta parece ser una constante histórica. Si pensamos que la inquisición romana
centralizaba poder en contra de las sectas disidentes que lo desconocían, que la inquisición
española lo hacía en beneficio del monarca y contra todos los disidentes o herejes que amenazaban
su poder absoluto, que el antiguo régimen se encarnizaba en la defensa de los intereses del clero y
de la nobleza, que la burguesía racista europea defendía sus derechos a la explotación de las clases
subalternas, etc., vemos que los discursos antipunitivistas siempre fueron peligrosos para estos
poderes privilegiados en sus momentos críticos y, por ende, su aparición siempre fue precedida
por el reforzamiento punitivista, pero como respuesta a la existencia de un movimiento de cambio
hacia el desbaratamiento del poder privilegiado, aunque fuera incipiente y no muy bien
estructurado.
9 ¿Estamos en las puertas de un cambio?
En este tiempo –como en todos- es difícil oficiar de augur, pero no por ello podemos
negar la lucha que hoy cunde en el seno de este poder planetario globalizado, pues la pregunta de
más ardua respuesta del momento es la siguiente: ¿Quién manda?
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En efecto: votamos a candidatos políticos, los elegimos democráticamente, dicen asumir
las funciones formalmente establecidas en nuestras constituciones, pero no ejercen todo ese poder
formal, porque frente a ellos hay corporaciones globalizadas (transnacionales) que son más fuertes
que muchos estados y que en los propios grandes estados disputan poder interno comprando
voluntades y accionando a través de lobbies.
Filangieri se exaltaba destacando que los príncipes de su tiempo se esmeraban en averiguar
cómo matar más y mejor, esbozando las líneas de lo que luego sería el universal discurso
antibélico. Hoy vemos como la industria bélica condiciona políticamente a los gobiernos de
grandes potencias y les obstaculiza la solución de conflictos para degenerar en guerras o
directamente las impulsan entre los indefensos estados precarios de la más pobre periferia del
poder mundial. Gobiernos de países en grave crisis económica invierten sumas siderales en
armamentos imaginando hipótesis bélicas insensatas o que sólo pueden convertirse en realidad
por su propia voluntad.
Nos hemos insensibilizado ante la noticia de los crímenes de estado masivos, los
pretendidos líderes mundiales han perdido la vergüenza y desfachatadamente confiesan crímenes
aberrantes y los disfrazan como errores de apreciación o pretenden cubrirse con la necesidad
justificante magnificando los peligros y los daños.
Cuando Roosevelt definía las libertades en su tiempo, una fundamental era la libertad del
miedo, el vivir sin miedo, pero hoy el mundo globalizado hace una manipulación descarada y
abierta del miedo, ejerce el poder fabricando y potenciando miedos. En este momento mundial
no sería arriesgado definir a la política como el arte de crear y manipular miedos. Machiavelli sería
un ingenuo consejero de escuela de pequeño pueblo.
Para todo esto, las grandes corporaciones cuentan con el oligopolio de la información y de
la comunicación mediática masiva, lo que les permite crear realidades temibles que se concentran
–como dijimos- en el terrorismo y en la delincuencia callejera.
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La confrontación mundial es clarísima: o mandan quienes elegimos o lo hacen las
corporaciones del financierismo, que parece ser una degeneración del capitalismo lo que, en el fondo
y en el espacio virtual, implica un neofeudalismo.
Este triste panorama no debe obnubilarnos depresivamente e impedirnos ver con claridad
el fenómeno a la luz del curso histórico del vaivén milenario de punitivismo y contrapunitivismo.
Desde esa perspectiva temporal y aplicando la regla que siempre se ha cumplido, el avance del
punitivismo importa un reforzamiento de los privilegios de minorías en riesgo que se van
volviendo intolerables.
Siempre los privilegiados, cuando vieron amenazadas sus posiciones, apelaron al
punitivismo. El rebrote brutal de las últimas décadas es un signo de que el financierismo se siente
amenazado y, además, aunque lo niegue, sus más inteligentes defensores caen en la cuenta de su
falta de futuro, sólo que lo consideran aún muy lejano, pese a que los acontecimientos se
precipitan por momentos.
El contrapunitivismo y el consiguiente reclamo de una vuelta al derecho penal liberal y de
garantías es sumamente disfuncional a las categorías privilegiadas en el mundo globalizado y, con
toda razón, al igual que los nobles, los señores feudales y el clero del siglo XVIII, lo consideran un
peligro para sus posiciones.
El estado reducido a su mínima expresión, con la sola consigna de garantizar la libertad
contractual irrestricta para las corporaciones y la represión de disidentes y excluidos, adecuado a
un modelo de sociedad con un treinta por ciento de incluidos y el resto contenido por el miedo,
es un proyecto cada día más inviable frente a los reclamos masivos y a las consecuencias genocidas
del modelo. La inviabilidad de un modelo irrealizable o sin futuro preocupa a las corporaciones y
a sus burócratas y la única solución que tienen a la mano es el brote de punitivismo
crecientemente descarado, confeso y premoderno.
Todo esto nos muestra que estamos en las puertas de un cambio, como siempre ha
sucedido en coyunturas análogas. Sólo que la historia no se repite nunca, porque hay nuevas
circunstancias y en este caso no son tranquilizadoras.
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El potencial técnico de creación de realidad mediática y de información y de destrucción
material y humana, crece en proporción geométrica y pone en manos de los privilegiados medios
de aniquilamiento que pueden llegar a límites jamás conocidos, al tiempo que la explotación
descontrolada de la capa superior y más sensible del planeta, sumado al daño ecológico de las
guerras provocadas, puede poner en riesgo la propia supervivencia de la especie humana, lo que
está lejos de ser un alarmismo gratuito, como lo pretenden las corporaciones que siguen
contaminando y obstaculizan cualquier medida internacional que detenga o lentifique el proceso.
Estas nuevas circunstancias dificultan enormemente en tiempos presentes la tarea –
siempre difícil y casi siempre fallida- de cualquier pretendido augur. De cualquier modo, lo
objetivo es que nos hallamos ante una confrontación mundial de poderes que en cada región y en
cada país se manifiestan con variables locales, a veces muy insignificantes. No obstante, la
creación mediática hace que cada país tienda a considerar sus dificultades y confrontaciones como
fenómenos locales, cuando en realidad son planetarios.
10. ¿Debemos elegir nuevamente?
Por suerte predomina una ideología penal garantista en el ámbito académico, aunque se la
trate de burlar por todos los medios, ofreciendo incluso un renovado refugio en lo técnico y
apolítico 22 o desplazando el interés académico hacia lo procesal, para pervertir luego el proceso
acusatorio y convertirlo en inquisitorio a través del desequilibrio de la base institucional, mediante
una sobredimensión del ministerio público.
No cabe duda acerca de que el penalismo volverá a dividirse, pues no faltarán los
iluministas espantados ante la irrupción de los pueblos y otros que prefieran apoltronarse en los
2222 Cabe destacar que esta fue la actitud de la mayoría de los penalistas alemanes durante en nazismo, lo que luego reivindicaron celebrando que es este modo no habían caído en la politización del derecho penal, actitud que sólo le atribuían a la escuela de Kiel, mientras ellos habías puesto todo su arsenal teórico al servicio de la más funcional interpretación de la legislación penal nazista (cfr. Senfft, Richter und Andere Bürger, 1988; Vormbaum, Einführung in die moderne Strafrechtsgeschichte, 2011; Marxen, Der Kampf gegen das liberale Strafrecht, 1975).
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sillones de terciopelo, y tampoco faltarán como en el siglo XVIII, quienes se sumen a los pueblos.
Si bien no se reiterará la historia, no por eso dejará de cumplirse la misma regla.
Por cierto que ambas decisiones serán también actitudes personales. En lo ideológico
pocos son los que legitiman desde la doctrina penal la vuelta descarada al preiluminismo, porque
por fortuna el Iluminismo sigue vivo entre nosotros, al menos como fuente de mala conciencia,
pero de todos modos llegará el momento en que sea menester adoptar alguna de la opciones como
actitudes personales y, nuevamente, esto será difícil, quizá más que en el siglo XVIII, porque
ambas implican serios riesgos.
En efecto, la historia nos enseña que quedarse en el sillón de terciopelo puede acarrear la
guillotina, en tanto que salir a arengar puede terminar en fusilamiento o puñaladas en la bañera.
En nuestro tiempo esto es más complicado, porque los antibióticos han hecho curable la
tuberculosis.
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Reforma penal: Codificação ou Consolidação?
René Ariel Dotti Professor Titular de Direito Penal.
Corredator dos projetos que se com verteram nas leis 7.209 e 7.210 de 1984. Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados.
Advogado.
1. Codificação e consolidação
Conforme a doutrina, a codificação é uma “reunião coordenada de leis, num único texto
ou corpo, em forma de código, desde que alusivas a determinado ramo do direito ou a relações
segundo critério objetivo”.1 E a consolidação é a “reunião de leis esparsas, num só corpo
legislativo, dispostas numa ordem uniforme”.2
2. A experiência no direito brasileiro
A primeira codificação no direito brasileiro ocorreu com o Código Criminal do Império
(1830), para revogar a “carnífica tortura” das do Livro V das Ordenações Filipinas impostas pelo
reino de Portugal. A Constituição Imperial (24.03.1824) ordenou que se organizasse “o quanto
antes um código civil e criminal fundado nas sólidas bases de justiça e equidade” (art. 179, § 18).
Surgiu, então, o Código Criminal, promulgado em 16 de dezembro de 1830.3
O Código Penal da primeira República (11.10.1890) resultou do projeto elaborado pelo
Conselheiro Baptista Pereira e, antes mesmo de sua promulgação, o governo baixou o Decreto
774 (20.09.1890), que: a) aboliu a pena de galés; b) reduziu a trinta anos o prazo da prisão, que
1 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 1998, vol. A-C, p. 629.
2 Idem, ibidem, p. 804.
3 Para um levantamento acerca da legislação dos períodos colonial e imperial, vide: DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal- Parte Geral, 4ª ed., rev., atual.e ampl.com a colaboração de Alexandre Knopfholz e Gustavo Britta Scandelari. São Paulo: RT, 2012. p. 264/275.
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antes era perpétua; c) computou no tempo de prisão o período da prisão preventiva; d) instituiu a
prescrição das penas.
Uma Consolidação das Leis Penais (14.12.1932) foi realizada pelo Desembargador
Vicente Piragibe, diante da profusão de leis durante o período republicano e as tendências para
rever o CP de 1890.
O CP de 1940 surgiu dos trabalhos de revisão do Anteprojeto Alcântara Machado,
realizada por uma comissão integrada por Nélson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e
Roberto Lyra, que recebeu a colaboração de Costa e Silva.
Além da reforma da Parte Geral, introduzida pela Lei 7.209/1984, houve anteprojetos de
alteração da Parte Especial em 1984, 1994 e 1999, que não foram convertidos em projeto de lei.
3. A orientação do Projeto 236/2012
A Comissão de Juristas instituída no âmbito do Senado Federal, responsável pela redação
do anteprojeto que se converteu no Projeto de Lei do Senado nº 236/2012, do Senador José
Sarney, optou por uma codificação de toda a legislação especial, em lugar de uma consolidação.
Nas palavras do relator geral do anteprojeto, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, a Comissão
“aceitou o projeto ambicioso de trazer, para um renovado Código Penal, toda a legislação
extravagante que, nestes mais de setenta anos de vigência do diploma de 1940, foi sendo editada
em nosso país. (...) Houve debate se estas leis seriam transformadas em capítulos ou títulos do
novo Código, pois muitas vezes traziam ‘microssistemas’, nos quais as normas penais
complementavam ou eram complementadas por disposições cíveis e administrativas. Sem
embargo, as mais de cento e vinte leis com dispositivos penais fora do Código Penal, provaram
mal, nestes anos. Elas conduziram a desproporcionalidades, com tipos protetivos dos mesmos
bens jurídicos, apenas com um ou outro qualificativo, mas penas díspares”.4
Segundo o método eleito, “cada crime previsto na parte especial do Código Penal atual ou
na legislação extravagante foi submetido, portanto, a um triplo escrutínio: i) se permanece
4 Anteprojeto de Código Penal. Brasília: Senado Federal, 2012. p. 5.
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necessário e atual; ii) se há figuras assemelhadas previstas noutra sede normativa; iii) se as penas
indicadas são adequadas à gravidade relativa do delito”.5
4. A crítica do IBCCrim à Reforma Penal
Na edição de outubro de 2012, o editorial do Boletim IBCCrim, após observar que a
Parte Geral ignora “complexos aspectos de dogmática penal, o que pode tornar inaplicável a nova lei,
caso o anteprojeto seja aprovado”, afirma que a Parte Especial “não teve melhor sorte. O que salta aos
olhos é a ideia de verdadeira consolidação das várias leis penais existentes hoje no País. Essa medida
esquece, contudo, que algumas leis especiais se justificam pois não se mostram unicamente como tipos
penais incriminadores, mas, sim, apresentam políticas públicas de prevenção e repressão, quando não de
tratamento de determinada situação. Essas leis vão muito além de incriminação, pura e simples. Elas se
justificam pela própria modernidade dos dias de hoje, em que há uma superação nítida da simples
noção de codificação”.6
5. A revolução dos microssistemas legais
No meu artigo Proposta para uma nova consolidação das leis penais,7 sob o verbete “A crise
das codificações” foi dito que não se poderá mais afirmar, como seria possível no começo do
século XX, que os códigos (civil, penal, comercial etc.) caracterizam instrumentos jurídicos de
segurança dos cidadãos. Essa é a lúcida conclusão de Lorenzetti, ao afirmar que “a idéia de
ordenar a sociedade ficou sem efeito a partir da perda do prestígio das visões totalizadoras; o Direito
Civil se apresenta antes como estrutura defensiva do cidadão e de coletividades do que como ‘ordem
social’. (...) “A explosão do Código produziu um fracionamento da ordem jurídica, semelhante ao
sistema planetário. Criaram-se microssistemas jurídicos que, da mesma forma como os planetas, giram
com autonomia própria, sua vida é independente; o Código é como o sol, ilumina-os, colabora com suas
vidas, mas já não pode incidir diretamente sobre eles. Pode-se também referir a famosa imagem
empregada por Wittgenstein aplicada ao Direito, segundo a qual, o Código é o centro antigo da
5 SANTOS GONÇALVES, Luis Carlos dos. Relatório, Anteprojeto..., cit., p. 5.
6 Os destaques em itálico são meus.
7 RBCCRIM, n. 28, out.-dez. 1999, p. 151 e s.
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cidade, a que se acrescentaram novos subúrbios, com seus próprios centros e características de bairro.
Poucos são os que se visitam uns aos outros; vai-se ao centro de quando em quando para contemplar as
relíquias históricas”.8
6. A minha proposta de consolidação
Na equivocada orientação legislativa de reunir na Parte Especial do Código Penal todas as
leis extravagantes,9 assim como o fez o Projeto Sarney, abre-se oportunidade para reiteradas
alterações do Código Penal – inclusive quanto às normas de garantia da Parte Geral – na medida
em que novas leis forem sendo promulgadas para atender aos interesses de um direito penal de
ocasião. Infelizmente, isso tem sido frequente em nossos padrões legiferantes inflacionários.
Daí a minha sugestão no sentido de se promover ampla redução da Parte Especial, para
dela constar somente os delitos de especial gravidade, e de se instituir núcleos de leis extravagantes
identificáveis pela natureza do bem jurídico ofendido e pelos meios e modos de execução das
infrações. Segue uma relação parcial meramente exemplificativa: a) Lei dos Crimes contra a
Humanidade; b) Lei dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito; c) Lei dos Crimes
contra a Administração Pública; d) Lei dos Crimes de Responsabilidade; e) Lei dos Crimes
Econômicos e Financeiros; f) Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente e a Qualidade de Vida; g)
Lei dos Crimes de Trânsito; h) Lei dos Crimes contra o Sistema Previdenciário e de seguros
privados; i) Lei dos Crimes praticados por Organizações Criminosas; j) Lei dos Crimes de
entorpecentes e drogas afins; k) Lei dos Crimes contra o Patrimônio Imaterial e a Propriedade
Intelectual; l) Lei dos Crimes de Imprensa; m) Lei das Contravenções Penais.10
8 LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. Trad. da edição argentina por Vera Maria Jacob de Fradera. São Paulo: RT, 1998. p. 45 (os destaques em itálico são meus).
9 A reforma do Código Penal português (Dec.-lei 48, de 15.03.1995) não incluiu na sua Parte Especial certos delitos “de carácter mais mutável, melhor enquadráveis em lei especial, segundo, aliás, a tradição jurídica portuguesa e a ideia de que o direito penal tem uma natureza pragmática” (Item 24 da Exposição de Motivos da Parte Especial).
10 A justificação teórica e prática para cada um desses núcleos legislativos encontra-se no meu artigo Proposta para uma nova consolidação das leis penais, cit., p. 168/174.
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A reforma penal: crítica da disciplina legal do crime
Juarez Cirino dos Santos Professor de Direito Penal da UFPR.
Presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal – ICPC. Advogado.
I. A ideologia da reforma penal
Examinar a legislação é verificar a forma de existência da ideologia na sociedade, que
institui e garante a estrutura das relações materiais de produção, a base real dos sistemas jurídicos
e políticos do Estado. O exame do Projeto de Código Penal (PL 236/2012 do Senado Federal)
mostra uma ideologia conservadora e repressiva: conservadora, porque assume os valores
dominantes da formação social capitalista globalizada; repressiva, porque acredita na pena
criminal como mecanismo de solução de conflitos em sociedades desiguais. A ideologia
conservadora e repressiva do sistema penal aparece no estudo dos princípios fundamentais do
Direito Penal, definidos como bases democrático-formais para exercício do poder punitivo nas
sociedades contemporâneas.1 As lesões aos princípios fundamentais do Direito Penal não são
pontuais ou isoladas, mas ocorrem em massa, abrangendo todo o sistema de crimes e penas.
1. O princípio da legalidade foi amplamente infringido na dimensão de certeza da lei: leis
incertas ou obscuras representam o maior perigo para o princípio da legalidade, porque geram
interpretações judiciais idiossincráticas e impedem o conhecimento da proibição pelo povo.
Alguns exemplos são os crimes cibernéticos, o terrorismo, os crimes contra as finanças públicas,
contra a ordem econômica e financeira etc.
2. O princípio da culpabilidade, que exclui penas criminais em fatos realizados (a) sem
dolo ou culpa, (b) ou por sujeitos incapazes de culpabilidade, sem consciência da proibição ou em
situações de inexigibilidade, foi infringido sem nenhum constrangimento. Por exemplo: nos
crimes hediondos, ampliados para 16 tipos básicos; nos crimes qualificados pelo resultado, resquício
1 Sobre princípios fundamentais, ver CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal – Parte geral. 2. ed. Florianópolis: Editorial Conceito, 2012. p. 11-16.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 28
de responsabilidade penal objetiva; na reincidência, cuja revitalização irracional ameaça duplicar a
população carcerária; na responsabilidade penal das pessoas jurídicas, reconhecidas pela
incapacidade de ação e de culpabilidade.
3. O princípio da lesividade, não obstante expressa assunção pelo Projeto (art. 14), foi
violado em inúmeros tipos de injusto destituídos de bem jurídico: a intimidação vexatória (o novo
nome do bullying), o falseamento de resultado de competição esportiva, o cambismo e os crimes de
perigo abstrato etc.2
4. O princípio da proporcionalidade foi lesionado na presença massiva de penas
inadequadas, desnecessárias ou excessivas em face do desvalor da ação ou do desvalor do resultado
nos crimes em geral, em especial nos crimes hediondos, nos obstáculos da reincidência para
progressão de regimes, na reunificação da pena de prisão em 40 anos (em caso de novo crime) etc.
Não obstante, o Projeto tem alguns méritos: (a) a descriminalização da droga, no aspecto
de posse (ou de cultivo de plantas) para consumo próprio; (b) a descriminalização do aborto, nas
hipóteses de risco para vida ou saúde da mãe, de gravidez com violação da dignidade sexual ou
por métodos não consentidos, de feto anencefálico ou com anomalia grave e, finalmente, por
vontade da gestante, até a 12.ª semana de gestação, verificada ausência de condições psicológicas
para a maternidade; (c) a descriminalização da eutanásia em pacientes terminais, como ajuda
passiva mediante consentimento da vítima. Mas esses avanços poderiam ser obtidos com
alterações específicas da legislação vigente, evitando a imensa bagunça nos conceitos jurídicos, no
sistema de normas e na política criminal, que os Tribunais levarão décadas para assimilar – e
concluir que teria sido melhor deixar tudo como está.
Em suma: (a) a reforma da parte geral do Código Penal era desnecessária, com exceção de
alguns ajustes na disciplina do erro de proibição e nas hipóteses de aplicação de penas restritivas de
direitos – e mais nada; (b) a reforma da parte especial era necessária para incorporar a legislação
esparsa (princípio da codificação) – mas o Projeto perdeu a oportunidade de fazer uma verdadeira
2 Editorial: A reforma penal. Boletim IBCCRIM, n. 239, out. 2012, p. 1: “Há uma evidente perda de referencial acerca do bem jurídico”.
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reforma, mediante humanista e seletiva redução de crimes, extinção de penas e
desinstitucionalização do sistema penal.
II. A disciplina legal do crime
O estudo da disciplina legal do crime direciona a investigação para as definições
operacionais do conceito de crime como tipo de injusto e culpabilidade, com o objetivo de
descobrir a estrutura do fato punível desenhada pelo legislador no sistema legal. É um trabalho de
interpretação científica da lei penal, que tem por objeto a linguagem escrita da norma, examinada
dos pontos de vista semântico, sintático e pragmático, e por método a lógica formal, com suas
técnicas literal, sistemática, histórica e teleológica.3 Em síntese, sem abandonar as premissas
filosóficas e políticas do sistema penal, é um trabalho de natureza dogmática.
1. O conceito de crime
O Projeto define, ao lado do princípio da legalidade (art. 1.º), também o princípio da
culpabilidade (parágrafo único): a legalidade penal abrange o crime e a pena, mas a culpabilidade se limita
à pena (não há pena sem culpabilidade), sugerindo algumas questões:
a) se queria indicar que o crime é constituído de injusto e de culpabilidade, deveria
dizer que não há crime sem culpabilidade – e não, simplesmente, que não há pena sem
culpabilidade;
b) se pretendia introduzir os princípios fundamentais do Direito Penal, então perdeu
uma oportunidade histórica – porque poderia dizer: a lei penal também é regida pelos
princípios da culpabilidade, da lesividade, da proporcionalidade e da humanidade. Além
do compromisso democrático, teria um ganho sistêmico: evitaria referências aos
princípios em normas isoladas;
c) se propôs a culpabilidade como pressuposto da pena, segundo uma teoria
doméstica divulgada por Jesus4 e seus discípulos, então a crítica é outra: ignora
3 Idem, p. 31-32.
4 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1998, 21ª edição, p. 294.
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os componentes pessoais e emocionais do conceito de culpabilidade5 – sujeito
capaz de saber e de controlar o que faz (imputabilidade), que sabe realmente o que
faz (conhecimento do injusto) e que tem o poder de não fazer o que faz
(exigibilidade) –, esquecendo que o conceito de crime cumpre a função político-
criminal de definir o conjunto dos pressupostos da pena (ação, tipicidade,
antijuridicidade, culpabilidade, condições de punibilidade etc.) – e não o
conceito de culpabilidade.6
1.1. Tipo objetivo: causalidade e imputação
O Projeto propõe uma boa definição de fato criminoso como ação ou omissão (dolosa ou
culposa) produtora de ofensa a bem jurídico (art. 14). Mas se complica ao assumir a imputação
objetiva, introduzindo conceitos ainda em formação ou indetermináveis (parágrafo único, art. 14).
1. A teoria da imputação objetiva é assumida com a distinção entre causação do resultado
(“o resultado exigido somente é imputável a quem lhe der causa (...)”) e imputação do resultado
(“(...) e se decorrer da criação ou incremento de risco tipicamente relevante, dentro do alcance do
tipo”), como critério limitador da relação de causalidade, outrora fundamento legal exclusivo de
imputação do tipo objetivo (parágrafo único, art. 14).
Mas a linguagem da lei é imprecisa: dizer que o resultado é imputável “se decorrer da
criação ou incremento de risco tipicamente relevante, dentro do alcance do tipo”, cria perplexidades no
aplicador e no destinatário da lei. Por exemplo:
a) o verbo decorrer parece abranger correlações causais não definíveis como
realização do risco criado – e a teoria da imputação objetiva exige que o
resultado seja produto do risco criado para ser definível como obra do autor: a
morte da vítima de acidente de trânsito determinada por grosseiro erro médico
5 Ver CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 151.
6 Ver crítica semelhante em TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma da parte geral. Revista da EMERJ, v. 15, n. 60 (Edição especial), Outubro/Novembro/Dezembro – 2012, “Seminário crítico da reforma penal”, p. 182.
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também decorre da criação do risco resultante do acidente de trânsito, mas não
é imputável ao autor do acidente;
b) o substantivo incremento (de risco), embora comum na literatura e
jurisprudência, não possui suficiente clareza semântica: poderia ser substituído
por aumento (do risco), com vantagem comunicativa;
c) a locução “risco tipicamente relevante” pretende cumprir a função simpática
de limitar a imputação a riscos significativos, mas parece desnecessário: afinal,
risco tipicamente relevante é risco típico, resolvido pela relação de tipicidade; ou,
como diz TAVARES, o risco pode ser juridicamente relevante, mas não
tipicamente relevante.7
d) o conceito dentro do alcance do tipo pretende excluir resultados situados fora
da área de proteção do tipo, mas a categoria compreende uma casuística exclusiva
de resultados imprudentes – onde é, realmente, importante –, o que
desaconselha seu emprego como critério geral de imputação típica.8
2. Sobre o conceito de causa (art. 15), a seguinte observação: se o fato criminoso é
configurado por ação ou omissão (art. 14), é inexplicável a definição de causa como “conduta” sem
a qual o resultado não teria ocorrido (art. 15) – por coerência, a norma deveria dizer: “causa é a
ação ou omissão sem a qual (...)”.9
7 Idem, p. 173.
8 Nesse sentido, GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo no novo Projeto de Código Penal (Projeto de Lei n. 236/2012 do Senado Federal). Revista Liberdades, IBCCRIM, 2012, p. 42-43, sugere: substituir risco “tipicamente relevante” por risco “proibido” e excluir a expressão “dentro do alcance do tipo”; ver, também, TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 174, que conclui: “A referência ao alcance do tipo, em virtude de sua imprecisão terminológica, constitui, como está, uma clásula puramente programática sem utilidade.”
9 Ver GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 43.
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3. O conceito de “fato criminoso”, como definido no art. 14 e seu parágrafo único do
Projeto, é inaplicável. 10
1.2. Tipo subjetivo: dolo e culpa
Definir conceitos científicos na lei penal é temerário: estão sob constante crítica e
reformulação na ciência e nos tribunais, e a fórmula legal é logo superada pelo avanço da ciência.
Mas inscrever na lei conceitos controvertidos ou defeituosos é leviandade.
a) Dolo – A definição de dolo (art. 18, I) como querer realizar o tipo penal (dolo direto) ou
assumir o risco de realizá-lo (dolo eventual) ainda seria tolerável – objeto da vontade do agente não
é o tipo penal, mas o resultado ou fato concreto descrito no tipo –, mas acrescentar as atitudes
alternativas de consentir ou de aceitar de modo indiferente o resultado (no dolo eventual), parece
pilhéria. A disciplina legal de dolo e erro no Projeto admite as seguintes críticas:
1. Se consentir e aceitar são sinônimos, então um dos verbos está sobrando,
porque a técnica legislativa exclui sinônimos na lei; se não são sinônimos – ou
seja, corresponderiam a atitudes psíquicas distintas –, então qual a diferença
semântica entre ambos?
2. Além disso, a teoria do consentimento (originária de Mezger) e a teoria da
indiferença (originária de Engisch) trabalham com critérios fundados na
vontade, mas não são equivalentes: aquela define dolo eventual pela aprovação
do resultado típico previsto como possível; esta define dolo eventual pela
indiferença do autor em face daquele resultado típico.11 Então, temos: se as
atitudes psíquicas de aprovação e de indiferença são distintas, a definição de
10 Editorial: A reforma penal. Boletim IBCCRIM, n. 239, out. 2012, p. 1: “Ignoraram-se complexos aspectos de dogmática penal, o que pode vir a tornar inaplicável a nova lei, caso o anteprojeto seja aprovado”.
11 Assim, também, a crítica contundente de GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 45-46. No mesmo sentido, de modo exaustivo, TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 179-180. Compare CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito penal – Parte geral. 5. ed. Florianópolis: Editorial Conceito, 2012. p. 135-136;
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 33
dolo como consentir ou aceitar de modo indiferente o resultado é contraditória ou,
no mínimo, ambígua.
3. Alternativa razoável, conforme a teoria dominante, poderia ser a seguinte: o
agente quer o fato típico (dolo direto) ou consente na realização do fato típico
representado como possível (dolo eventual).12 Simples e claro.
4. A redução da pena até um sexto no dolo eventual (art. 20) é disposição
supérflua, no lugar impróprio e ambígua: (a) supérflua, porque integra as
circunstâncias judiciais do sistema trifásico (art. 84); (b) no lugar errado, porque
seria objeto da aplicação da pena – e não da disciplina legal do fato punível; (c)
ambígua, porque não se sabe se a pena pode ser reduzida de até um sexto (de 12
anos para 2) ou em até um sexto (de 12 anos para 10).
5. O erro de tipo (art. 27) reproduz a regra do CP atual, mas aparece sob a
rubrica canhestra de erro de tipo essencial: todo erro de tipo é essencial, porque
exclui o dolo (se evitável) e exclui também a culpa (se inevitável).13
6. O erro determinado por terceiro (art. 27, parágrafo único) é hipótese de
autoria mediata e, portanto, independe de previsão legal.14 Além disso, a
redação é defeituosa: não se trata de “agente provocado” – aliás, uma expressão
leiga –, mas de autor direto do fato.
b) Culpa – Definir culpa (art. 18, II) como realizar o fato típico em razão da inobservância
dos deveres de cuidado exigíveis nas circunstâncias cria alguns problemas: primeiro, a linguagem é
relaxada, porque a teoria fala de lesão do dever de cuidado (determinável em cada caso concreto), e
não de inobservância dos deveres de cuidado exigíveis nas circunstâncias – que pressupõe prévia
definição de múltiplos deveres; segundo, a fórmula parece incluir (a) resultados típicos anormais,
12 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 71-73.
13 Ver a crítica precisa de LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação e causas de exculpação no novo Projeto de Código Penal (Projeto de Lei 236/2012 do Senado Federal). Revista Liberdades, IBCCRIM, 2012, p. 67; também CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 75-76.
14 Assim LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 67.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 34
(b) resultados situados fora da área de proteção do tipo, (c) resultados igualmente produzíveis em
ações conformes ao dever de cuidado e, finalmente, (d) resultados típicos imprevisíveis – como
observa, com propriedade, JUAREZ TAVARES15. A definição poderia ser: “quando o agente, por
lesão do dever de cuidado, produz resultado típico previsível”.
A exigência de dolo ou culpa para imputação de resultado mais grave (art. 21) é correta,
mas indica incompreensão do princípio da culpabilidade (que exclui penas se não há dolo ou
culpa) e está em contraste com a manutenção dos delitos qualificados pelo resultado (em que a pena
ultrapassa os limites do dolo e da culpa)16 – cuja modalidade mais conhecida é a lesão corporal
seguida de morte (art. 129, 4.º).
1.3. A omissão imprópria
O Projeto faz vistas grossas aos problemas constitucionais da omissão imprópria (art. 17).
A disciplina legal da omissão imprópria contém uma inversão conceitual, um defeito de redação e
uma lesão da legalidade penal:
a) a inversão conceitual (igual ao CP vigente) está na ordem dos verbos “devia e
podia” agir para evitar o resultado (art. 17, caput): a ordem correta seria podia e
devia agir, porque o poder (de agir) precede, natural e logicamente, o dever de
agir;17
b) o defeito de redação está no reflexivo “equivaler-se à causação” dessa estranha
cláusula de correspondência (parágrafo único, art. 17), que deveria dizer: a
omissão é punível se corresponder à realização por um fazer (ou: a omissão é
punível se corresponder à realização ativa do tipo legal);18
15 TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 181-182.
16 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 99-100.
17 Assim também GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 44; CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 108.
18 GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 44-45; também TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 175
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 35
c) a lesão da legalidade penal está em definir o dever de garantia (art. 17, alíneas
a, b, c) sem delimitar a extensão da garantia imposta ao garante (igual defeito no
CP vigente): afinal (a) todos os bens jurídicos (impossível), (b) apenas os mais
importantes (quais?), (c) somente a vida e o corpo?19
A literatura mais avançada reduz a extensão da garantia à proteção da vida e do corpo,
quando não declara a inconstitucionalidade da omissão imprópria.
2. As justificações
As justificações, em ordem inversa de importância e sob a rubrica de exclusão do fato
criminoso (art. 28, I-IV), apresentam inovações criticáveis.
2.1 A rubrica exclusão do fato criminoso (art. 28) é imprópria: o fato criminoso é
constituído de injusto e de culpabilidade e as justificações excluem o injusto – portanto, a
linguagem deveria ser outra: ou exclusão do injusto, ou exclusão da ilicitude, ou (melhor ainda)
justificações. Ou seria um ato falho produzido pelo conceito de crime limitado ao tipo de injusto,
reduzindo a culpabilidade à função menor de pressuposto da pena?
2.2 A disciplina legal do estrito cumprimento do dever legal e do exercício regular de direito
(art. 28, I-II) cuja dogmática se aprofundou na segunda metade do século XX, poderia e deveria
conter limitações relativas às agressões contra a vida, o corpo e a sexualidade, excluindo
homicídios e lesões corporais graves (os famosos autos de resistência policiais), assim como estupros
nas relações conjugais. 20
2.3 A definição da legítima defesa (art. 30) mantém o conceito do CP vigente, mas deveria
conter um parágrafo sobre limitações ético-sociais, compreendendo situações em que a defesa já é
necessária, mas ainda não é permitida: agressões de incapazes (menores, loucos, bêbados etc.), ou
19 Em posição semelhante, TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 175-176; igualmente, CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 104-106; ROXIN. Strafrecht. Beck, 2003, v. II, 31, IV, n. 32, p. 637.
20 ZILIO, Jacson. Metodologia e orientação do anteprojeto de Código Penal brasileiro. Boletim IBCCRIM, n. 239, out. 2012, p. 8.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 36
no âmbito da família, que impõem procedimentos prévios de desvio da agressão, defesa sem danos
etc. – um acréscimo de civilização ao instituto.21
2.4 O estado de necessidade (art. 29, alíneas e parágrafo) é a justificação mais alterada – e
para pior. Em lugar de uma definição compacta (no modelo do CP vigente), o Projeto preferiu a
alternativa cômoda de distribuir os elementos do conceito em várias alíneas, mas com defeitos de
linguagem e de conceitos.
2.4.1 É criticável a mudança da locução direito (CP vigente) pelo conceito de bem jurídico
(art. 29, caput) na definição do estado de necessidade, considerando que a definição de legítima
defesa mantém o significante direito (seu ou de outrem): essa variação de linguagem prejudica a
interpretação.22
2.4.2 A exigência de exposição do bem jurídico à lesão atual ou iminente (art. 29, a)
deforma a natureza do instituto: (a) o estado de necessidade se caracteriza pelo perigo atual,
determinante da necessidade de proteção imediata – e não por lesão atual do bem jurídico
protegido, que implicaria sacrifício inútil de bens jurídicos alheios;23 (b) a lesão iminente ainda não
configura estado de necessidade – embora possa configurar o que a literatura chama de legítima
defesa preventiva.
2.4.3 A exigência de que o perigo não tenha sido provocado pelo agente (art. 29, b) reduz o
alcance da justificação: não distingue entre criação dolosa (que exclui o estado de necessidade) e
criação culposa (que admite o estado de necessidade) do perigo, como faz o CP vigente.24
2.4.4 A exclusão do estado de necessidade pelo dever de enfrentar o perigo (art. 29, c)
parece ignorar que situações de certeza ou de probabilidade de morte ou de lesão grave suspendem
21 Ver ZILIO, Jacson. Metodologia e orientação do anteprojeto... cit., p. 8; também: LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 79-80; Nesse sentido, CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 123-125.
22 Ver LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 80 e ss. (inclusive, para as críticas subsequentes).
23 Ver a crítica de LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p., p. 81; no mesmo sentido, TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 183-184.
24 TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 184; ver, também, CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 128.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 37
aquele dever jurídico:25 a hipótese não deveria integrar o conceito de estado de necessidade, mas
constituir um parágrafo isolado (como faz o CP vigente).
2.4.5 A avaliação da razoabilidade de sacrifício do bem jurídico protegido, fundada na
natureza ou valor dos bens jurídicos em conflito, introduz na lei a distinção entre (a) estado de
necessidade justificante, se o sacrifício não é razoável (art. 29, d) e (b) estado de necessidade
exculpante, se o sacrifício é razoável (art. 29, parágrafo único) – com a alternativa de redução de
pena. Esse critério justifica a proteção de bem jurídico superior e reduz a pena na proteção de bem
jurídico inferior, mas não elimina controvérsias na hipótese de equivalência de bens jurídicos,
especialmente no conflito vida contra vida, porque os argumentos permanecem: ou exculpação,
porque a vítima não tem o dever de tolerar a ação – ou justificação, porque nenhuma lei pode
anular o instinto de sobrevivência?26
2.4.6 Enfim, a disciplina legal do art. 29 e alíneas omite elementos essenciais para
caracterizar o estado de necessidade:
2.4.6.1 Primeiro, retira do conceito a locução “nas circunstâncias” (prevista no
CP vigente), com os efeitos (a) de cancelar o contexto concreto do conflito de
bens jurídicos, (b) de reduzir a avaliação do estado de necessidade à natureza e
ao valor do bem jurídico protegido (alínea d) e (c) de suprimir os elementos
subjetivos (por exemplo, a vontade da mãe, no aborto) e os elementos objetivos
(a intensidade do perigo, a probabilidade da lesão etc.) do estado de
necessidade.27
2.4.6.2 Segundo, exclui a ausência de alternativa da fórmula “inevitável de outro
modo” (prevista no CP atual), indispensável para avaliar a necessidade da
proteção imediata do bem jurídico (ainda que contra lesão futura), mediante
ponderação de todas as circunstâncias concretas do fato, que afastaria (a) a livre
25 Idem, p. 136.
26 Idem, p. 136.
27 LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 81.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 38
escolha de meios de proteção (que desconsidera os interesses do agredido) e (b)
o próprio estado de necessidade, se disponível ajuda eficaz do Estado.28
2.5 O princípio da insignificância, desenvolvido como negação do princípio da lesividade,
introduz a seguinte lógica: se o princípio da lesividade exige lesão relevante do bem jurídico para
fundamentar a tipicidade penal, então lesões insignificantes de bens jurídicos são insuficientes
para a tipicidade penal – limitando o Direito Penal à proteção (subsidiária) de bens jurídicos
contra lesões graves. A introdução do princípio da insignificância é um avanço, mas com um
desvio topográfico e uma distorção político-criminal:
2.5.1 O desvio topográfico é a inserção do princípio da insignificância como
justificação (art. 28, § 1.º) – e não como exclusão da tipicidade, segundo a
literatura.29
2.5.2 A distorção político-criminal é representada por exigências cumulativas
excessivas ou indevidas: (a) são excessivas porque esterilizam a aplicação prática
do instituto: mínima ofensividade, reduzidíssima reprovabilidade e
inexpressividade da lesão – exige a lei; (b) são indevidas porque a ofensividade e a
reprovabilidade da conduta pertencem ao desvalor da ação, enquanto o princípio
da insignificância é definido pelo desvalor do resultado – ou seja, exclusivamente
pela lesão jurídica produzida.30
3. A culpabilidade
A culpabilidade é um juízo de reprovação erigido sobre fundamentos pessoais, intelectuais
e emocionais do sujeito, assim estruturado: (a) o sujeito é capaz de saber e de controlar o que faz –
28 Ver a crítica contundente de LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 81-2.
29 Assim ZILIO, Jacson. Metodologia e orientação do anteprojeto... cit., p. 8; também: LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 85; sobre a teoria, CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 54.
30 JOFFILY, Tiago. O princípio da lesividade na reforma penal. Revista da EMERJ, v. 15, n. 60 (Edição especial), Outubro/Novembro/Dezembro – 2012, “Seminário crítico da reforma penal”, p. 47-50, faz exaustiva critica ao princípio da insignificância no Projeto.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 39
imputabilidade, excluída ou reduzida em menores de 18 anos e doentes mentais; (b) o sujeito
sabe, realmente, o que faz – conhecimento do injusto, excluído ou reduzido nas situações de erro
de proibição; (c) o sujeito tem o poder de não fazer o que faz – exigibilidade de comportamento
diverso, excluído ou reduzido por conflitos psíquicos entre exigências normativas e emoções
humanas (instintos, impulsos ou afetos) determinadas por condições anormais do tipo de injusto.
Identificados os elementos estruturais do conceito, a disciplina legal deve indicar as
situações excludentes ou redutoras desses elementos estruturais, que excluem ou reduzem o juízo
de reprovação. O Projeto começa bem, definindo as hipóteses gerais de exclusão da culpabilidade
(art. 31, I-III): inimputabilidade, erro de proibição inevitável e situações de inexigibilidade – mas
se perde por desinformação científica sobre o conteúdo do conceito.
3.1 Imputabilidade – A imputabilidade continua engessada numa fórmula capenga, que
trabalha as dimensões de saber e de controlar o que faz somente em relação aos inimputáveis e
semi-imputáveis por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado – incluída
a embriaguez completa, fortuita ou de força maior, pelo álcool ou análogos –, definidos pela
incapacidade (total ou parcial) de compreender o ilícito do fato e de determinar-se conforme a
compreensão (art. 32, I-II e parágrafo único, I-II).31 Apesar da controvérsia sobre doença mental
em Psiquiatria, as anormalidades funcionais (psicoses e neuroses) ou constitucionais (oligofrenias)
do aparelho psíquico são definidas por categorias psiquiátricas – e não há o que discutir.
Mas, em relação aos imputáveis, a subsistência ou redução do estado de imputabilidade
nas hipóteses de emoção ou de embriaguez intencional ou imprudente, pelo álcool ou análogos,
não são examinadas nas dimensões de saber e de controlar o que faz – uma falha somente
explicável por razões de secular política criminal troglodita. Por isso, o Projeto também não exclui
a imputabilidade penal nas hipóteses (a) de emoção ou paixão e (b) de embriaguez, voluntária ou
culposa, pelo álcool ou análogos (art. 33, I-II). Não obstante, um mínimo de informação sobre
Psicologia ou Sociologia mostra a irracionalidade dessa posição, como se demonstra.
31 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 158-162.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 40
3.1.1 Emoção – Os impulsos, instintos ou afetos (pathos para os gregos, ou passio para os
romanos – donde, paixão para indicar sentimento ou amor intenso) são emoções, como
excitações psicossomáticas produzidas por reações químico-neurônicas ligadas à sobrevivência
individual, que informam os pensamentos e as decisões da psicologia individual, como forças
motoras primárias predominantemente inconscientes das ações humanas, cuja influência nos atos
psíquicos e sociais dos seres humanos é reconhecida em legislações penais modernas.32
A dinâmica de formação e manifestação agressiva de emoções ou afetos constitui grave
perturbação psíquica não patológica que, como outras situações extremas de esgotamento ou
fadiga, pode excluir ou reduzir a capacidade de culpabilidade – como admitem outras
legislações.33 Não é mais possível confundir emoções fundadas no instinto de destruição (as
chamadas emoções fortes de ira ou ódio), com emoções fundadas no instinto de sobrevivência (as
emoções fracas de medo ou susto), cujo poder bloqueador ou redutor da capacidade de conhecer e,
especialmente, de controlar o que faz não pode ser desconsiderado pelo Direito Penal.34 Aliás,
todas as hipóteses de inexigibilidade configuram conflitos psíquicos emocionais que excluem ou
reduzem a dirigibilidade normativa – ou seja, as emoções deixaram de ser irrelevantes para o
Direito Penal. Nessa linha, o § 33 do Strafgesetzbuch alemão, em vez da atitude intolerante de
reprimir as emoções, exime de pena o excesso de legítima defesa determinado por perturbação,
medo ou susto.35
Se a emoção pode excluir ou reduzir a capacidade de conhecer e, sobretudo, de controlar o
que faz, então por que a atitude repressiva do Projeto, pela qual a emoção (ou a paixão) não exclui
a imputabilidade penal? O maior problema dessa rejeição irracional da emoção é o seu reflexo nas
situações concretas de inexigibilidade, todas fundadas em conflitos emocionais do ser humano.
32 Idem, p. 162; Instrutivo, FREUD, O ego e o Id, p. 25-83, esp. 80-83; do mesmo, Além do princípio do prazer, p. 17-85.
33 ROXIN, Claus. Strafrecht, 1997, § 20, p. 761-4; WESSELS/BEULKE. Strafrecht, 1998, p. 117.
34 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 163.
35 § 33 do CP alemão dispõe: “Não é punível o autor que exceda os limites da legítima defesa por perturbação, medo ou susto.”
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 41
3.1.2 Embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou análogos – A embriaguez,
intencional ou imprudente, pelo álcool ou análogos, deve ser examinada no contexto da actio
libera in causa, definida pela dinâmica de duas ações vinculadas: 1) na ação anterior, o sujeito se
coloca em estado de autoincapacitação temporária (a) com o propósito de cometer (dolo), ou (b)
sendo previsível cometer (imprudência) crime determinado; 2) na ação posterior (em estado de
autoincapacitação), o sujeito realiza o crime determinado (a) com dolo, ou (b) com imprudência.
É tudo muito simples: fora das hipóteses de dolo (representação e vontade de crime
determinado) e de imprudência (previsibilidade de crime determinado em ações socialmente
perigosas) da ação anterior, com realização dolosa ou imprudente desse crime determinado pela
ação posterior, não existe actio libera in causa e, portanto, não há como imputar o fato por dolo ou
por imprudência ao autor.
Então, surge o problema prático: como resolver milhares de fatos violentos anuais, como
homicídios e lesões corporais graves, realizados em estado de inimputabilidade por embriaguez
(ou seja, de incapacidade de saber e/ou de controlar o que faz), mas indefiníveis como hipóteses de
actio libera in causa (não existe uma ação anterior de dolo ou de imprudência em relação a fato
determinado), sem violentar o princípio da culpabilidade e, portanto, sem quebrar as regras
definidas pelo Estado para aplicação de penas criminais?
O Legislador alemão descobriu uma alternativa menos drástica, evitando a aplicação de
penas absurdas a inimputáveis por embriaguez intencional ou imprudente: criou um tipo de
injusto chamado embriaguez plena (§ 323a Vollrausch), aplicável aos crimes cometidos em estado
de inimputabilidade por embriaguez intencional ou imprudente – mas excluídos das hipóteses de
actio libera in causa –, com prisão até cinco anos, ou multa.36
36 § 323 a Vollrausch – “(1) Wer sich vorsätzlich oder fahrlässig durch alkoholische Getränke oder andere berauschende Mittel in einen Rausch versetzt, wird mit Freiheitsstrafe bis zu fünf Jahren oder mit Geldstrafe bestraft, wenn er in diesem Zustand eine rechtswidrige Tat begeht und ihretwegen nicht bestraft werden kann, weil er infolge des Rausches schuldunfähig war oder weil dies nicht auszuschliessen ist.
(2) Die Strafe darf nicht schwerer sein als die Strafe, die für die im Rausch begangene Tat angedroht ist”.
Tradução livre: (1) Quem coloca-se em embriaguez, de modo intencional ou imprudente, por bebidas alcoólicas ou outros meios embriagantes, será punido com pena privativa de liberdade até cinco anos, ou com
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 42
A supressão do art. 33, I e II, do Projeto e a criação de um tipo de injusto semelhante ao
Vollrausch, representaria grande avanço político-criminal do Sistema de Justiça Criminal brasileiro
– que pune pessoas transitoriamente incapazes de saber e de controlar o que fazem, violando o
princípio da culpabilidade e o fundamento democrático do Estado de Direito.
3.2 Conhecimento do injusto – O conhecimento do injusto, definido pela consciência real da
punibilidade do fato (teoria moderna), ou da lesão concreta do bem jurídico protegido no tipo
(teoria dominante),37 é excluído ou reduzido em situação de erro de proibição (art. 31, II) –
estado psíquico em que não se configura aquela imagem conceitual –, classificado em uma escala
gradativa de inevitabilidade (art. 35 e § 1.º), por sua vez avaliada conforme condições pessoais de
ter ou atingir esse conhecimento, nas circunstâncias (art. 35, § 2.º).
De novo, o Projeto começa bem: eliminou a regra fascista de que o desconhecimento da lei é
inescusável (art. 21 do CP vigente) – regra inválida (a) porque incompatível com o princípio da
culpabilidade em matéria de erro de proibição direto, na modalidade de desconhecimento da lei e (b)
porque mutila o modelo proposto pela teoria da culpabilidade em qualquer de suas variantes
(estrita ou limitada).38
3.2.1 Erro de proibição – Admitido que o erro de proibição exclui ou reduz a
culpabilidade – porque exclui ou reduz o conhecimento do injusto –, o Projeto poderia ter
introduzido aquisições científicas consensuais da literatura, indicando as principais modalidades de
erro de proibição, cuja natureza inevitável ou evitável exclui ou reduz a culpabilidade. Afinal, a lei
não se limita a dizer que a legítima defesa, o estado de necessidade etc. excluem o “fato criminoso”
(rectius, exclui a ilicitude do fato), mas define as justificações específicas – logo, por coerência e
razões de política criminal, deveria definir as principais hipóteses de erro de proibição: (a) erro de
proibição direto sobre a existência, a validade e o significado da lei; (b) erro de proibição indireto
pena pecuniária, quando nesta situação comete um fato antijurídico e não pode ser punido porque, por consequência da embriaguez, era incapaz de culpabilidade, ou porque isto não era de ser excluído.
(2) A pena não deve ser mais grave do que a pena cominada ao fato cometido em embriaguez.
37 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 166-168.
38 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito penal cit., p. 309-315; também CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 171-174.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 43
sobre a existência de justificação inexistente e sobre os limites jurídicos de justificação existente;
(c) erro de tipo permissivo, como representação errônea de situação justificante. Assim, além de
indicar situações consensuais negativas do conhecimento do injusto, assumiria posição de
vanguarda em face de modelos contemporâneos de legislação penal.
3.2.2 Erro de tipo permissivo: um retrocesso. Por último, outra recaída lamentável do
Projeto: a disciplina do erro de proibição abandona o critério mais democrático e mais prático da
teoria limitada da culpabilidade (adotada pelo CP atual), que atribui ao erro de tipo permissivo
(suposição de situação de fato que legitimaria a ação, se existente), evitável ou inevitável, o efeito
de excluir o dolo – porque as representações do autor coincidem com as representações do
legislador, com punição por imprudência se existir o tipo legal –, para retornar ao critério
ultrapassado da teoria estrita (ou extrema) da culpabilidade, em que todas as modalidades de erro
de proibição são resolvidas do mesmo modo: o erro inevitável exclui e o erro evitável reduz a
culpabilidade (art. 35, § 3.º). E tudo pelo capricho de evitar uma hipótese de “tentativa de crime
culposo”, ou por causa da artificialidade de tratar como culposo um crime doloso – como diz
Leite.39 A alternativa é reinstituir a norma sobre descriminantes putativas do CP atual (§ 1.º do
art. 20).
3.3 Exigibilidade – O conceito de exigibilidade/inexigibilidade se fundamenta na situação
de normalidade/anormalidade de realização do tipo de injusto, dentro de uma escala polarizada
por circunstâncias normais (com plena exigibilidade) e por circunstâncias anormais (com plena
inexigibilidade) de conduta diversa, intermediadas por todas as correlações possíveis de maior ou
de menor exigibilidade:40 circunstâncias crescentes de anormalidade (do tipo de injusto)
determinam a ampliação crescente do nível de inexigibilidade, expressas em situações de
exculpação excludentes ou redutoras da dirigibilidade normativa, que fundamenta o moderno
conceito de culpabilidade, na dimensão empírica de capacidade de autodireção e na dimensão
normativa de autodireção conforme normas.41
39 LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 72-3.
40 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 177-8.
41 Idem, p. 156-157.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 44
O Projeto retoma o conceito de inexigibilidade numa perspectiva generosa, mas não teve
ousadia para realizá-la: a ideia de excluir a culpabilidade – além dos casos pacíficos de coação
moral e de obediência hierárquica – também nas “outras hipóteses de inexigibilidade de conduta
diversa” (art. 31, III), tropeçou no medo de indicar essas “outras hipóteses de inexigibilidade”, que a
literatura e a jurisprudência conhecem – e os autores do projeto não ignoram. Uma simples
indicação exemplificativa (o excesso de legítima defesa, real e putativa, por medo, susto ou
perturbação; o fato de consciência; a provocação da situação de legítima defesa – se não há saída
possível; a desobediência civil; o conflito de deveres) – e poderíamos ter um avanço na matéria.
4. Concurso de pessoas
4.1 No Projeto, a disciplina legal do concurso de pessoas chama a atenção por duas
características incomuns:
a) primeiro, a junção do velho com o novo – para usar a imagem de GRECO:42
por um lado, todos os dispositivos que disciplinam a matéria no CP atual são
mantidos; por outro lado, a inserção de novos dispositivos reproduz, no todo ou
em parte, a disciplina legal da matéria – de modo que as mesmas situações são
duplamente reguladas;
b) segundo, o hibridismo teórico resultante da integração de todas as teorias: a
teoria unitária, que considera autores todos os que concorrem para o crime (art.
38); a teoria objetivo-formal, que define autor pela realização do tipo (art. 38, §
1.º, I, a); a teoria subjetiva, que considera autores quem manda, promove etc. a
realização do crime (art. 38, § 1.º, I, b); a teoria do domínio do fato, que
distingue autores de partícipes pelo controle da realização do tipo (art. 38, § 1.º,
I e II).43
42 Ver GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 50.
43 Exposição de Motivos, p. 227: “Foi mantida a fórmula tradicional segundo a qual ‘quem concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade’, própria da teoria monista mitigada (...). Houve a avanço nas definições ao se afirmar que autor não é somente aquele que realiza a conduta típica segundo postulados da teoria objetivo-formal, mas também aquele que, de outras formas,
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 45
A dupla disciplina da matéria (junção da velha com a nova disciplina legal), agravada pelo
hibridismo teórico na abordagem do tema, explica todos os problemas dogmáticos e político-
criminais do concurso de pessoas no Projeto.
4.2 Com todas as limitações, a disciplina legal do concurso de pessoas no CP vigente, que
trabalha com um (flexibilizado) conceito unitário de autor, é simples:
a) a norma principal (art. 29 do CP) determina punição, conforme a
culpabilidade, de todos os sujeitos que “concorrem para o crime”, diferenciáveis
como autores ou partícipes segundo teorias modernas;
b) normas complementares permitem (art. 29, § 2.º, do CP) limitar a
punibilidade ao fato objeto do dolo do sujeito na autoria coletiva, com aumento
da pena desse fato até metade, se previsível o resultado mais grave, bem como
(art. 29, 1.º, do CP) reduzir a pena da participação de menor importância no
tipo de injusto.
A teoria unitária do CP atual é limitada, mas é coerente: as premissas das conclusões são
conhecidas, admitindo crítica lógica; a teoria híbrida do Projeto é tudo, menos coerente: as
premissas das conclusões são incognoscíveis, inviabilizando a crítica – qualquer conclusão pode ser
justificada a partir de qualquer teoria.
4.3 A superposição de normas com o mesmo objeto permite a seguinte crítica: se o
Projeto adota o conceito unitário de autor do CP vigente, com punição equivalente para todos os
sujeitos que “concorrem para o crime” (art. 38), que podem ser diferenciados entre autores e
partícipes segundo os postulados da teoria do domínio do fato, então a indicação de hipóteses de
autoria e de participação (art. 38, §§ 1.º e 2.º) é casuística, supérflua e tautológica:
a) casuística, porque um critério empírico substitui um critério científico para
distinguir autoria e participação: autores não são definidos pelo domínio do fato,
mas por indicações empíricas (art. 38, § 1.º I, a, b, c, d); partícipes não são
possui o domínio do fato. A proposta acenou para variantes subjetivas, próprias da promoção, organização (...)” (grifos nossos).
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 46
definidos pela ausência de domínio do fato, mas por contribuírem “de qualquer
outro modo” para o crime (art. 38, § 1.º, II, a, b);
b) supérflua, porque se o domínio do fato define o autor e a ausência de domínio
do fato define o partícipe, então todas aquelas hipóteses casuísticas são
definíveis como autoria ou participação por esses critérios – independentemente
da indicação legal;
c) tautológica, porque se incide nas penas “quem, de qualquer modo, concorre
para o crime” (art. 38), então todas aquelas hipóteses específicas – ou outras não
especificadas – já estão contidas na definição legal, como autores ou partícipes
sobre os quais incidem penas.
4.4 A proposta não pode ser outra: supressão do § 1.º do art. 38, cujo conteúdo é melhor
definível pela literatura e jurisprudência – economizando, assim, o constrangimento da correção
da linguagem e de outras impropriedades técnicas desse dispositivo inútil,44 que redefine segundo
múltiplas teorias o que já está definido pelo art. 38, segundo a flexibilizada teoria unitária de
autor. A prática judicial não precisa do casuísmo do Projeto para distinguir autor e partícipe, ou
para definir as situações de autoria direta, mediata ou coletiva, segundo conceitos científicos.
4.5 Além disso, a inserção das causas de aumento no concurso de pessoas (art. 38, § 4.º)
cria outros problemas:
a) primeiro, confunde (a) circunstâncias legais genéricas de agravação da pena
(que ampliam o conteúdo do tipo de injusto e/ou a reprovação de culpabilidade
do autor) com fundamentos legais de atribuição da responsabilidade penal pelo
fato, como autores e/ou partícipes do tipo de injusto;
b) segundo, os limites legais abusivos de aumento de pena (de um sexto a dois
terços) deformam ou perturbam a valoração judicial de circunstâncias legais
genéricas, fixadas em valores situados entre um quinto e um sexto da pena base
44 Sobre isso, ver a crítica exaustiva de GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 50-51.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 47
(portanto, em níveis muito inferiores), segundo prática judicial consagrada
pelos princípios da proporcionalidade e da culpabilidade.
4.6 Enfim, as normas sobre (a) exclusão da comunicação de circunstância ou condição
pessoal, exceto se elementar do tipo (art. 39) e (b) exclusão da punibilidade dos atos preparatórios,
em todas as hipóteses (art. 40), são desnecessárias reproduções do CP atual – no último caso,
piorada com cansativa indicação de formas de autoria coletiva do fato (ajuste, mandado,
induzimento, determinação, instigação e auxílio), que poderiam ser substituídas pelos conceitos
de coautoria e participação, compreensivos daquelas hipóteses.45
5. Tentativa
A definição de tentativa começa bem, mas ao introduzir o conceito de início de execução
mete os pés pelas mãos.
5.1 Conceito – A definição de tentativa adota o modelo do CP vigente: o fundamento
objetivo do início de execução e o elemento negativo da exclusão do resultado por circunstâncias
alheias à vontade do agente (art. 22, II). Até aqui, nenhuma crítica.
5.2 Início de execução – Todas as críticas para a definição de início de execução (art. 24),
que acopla, como critérios alternativos, a teoria objetiva formal e uma versão cabocla da teoria
objetiva individual, com lesão da legalidade penal em prejuízo dos acusados.
5.2.1 A primeira parte do artigo adota a teoria objetiva formal, que define tentativa pelo
início de execução (critério objetivo) da ação típica (critério formal):46 início de execução pela
realização de uma das condutas constitutivas do tipo. Se o artigo terminasse aqui, teríamos um
critério democrático, embora incompleto (as teorias objetivas formal e material não trabalham
com o dolo, essencial para definir tentativa).
45 Ver GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 54.
46 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 211-213.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 48
5.2.2 Mas não termina aqui: a segunda parte do artigo mostra que o Projeto não sabe o
que faz, porque adota, como critério alternativo (?), a versão dominante da teoria objetiva
individual,47 acrescentando: “(...) ou, segundo seu plano delitivo, pratica atos imediatamente
anteriores à realização do tipo, que exponham a perigo o bem jurídico protegido.” Ora, a teoria
objetiva individual conjuga a teoria subjetiva da representação do fato (ou seja, do “plano delitivo”)
com a teoria objetiva material, que antecipa a tentativa para ações imediatamente anteriores ao tipo
legal, produtoras de perigo para o bem jurídico (critério material).48
A fusão desses critérios tem as seguintes consequências: primeiro, projeta a fase final da
tentativa para dentro do tipo legal, mediante início de execução de condutas constitutivas do tipo,
segundo a teoria objetiva formal – até aqui conforme à legalidade penal; depois, recua a fase inicial
da tentativa para fora do tipo legal, incluindo ações atípicas mediante a alternativa: “ou, segundo
seu plano delitivo, pratica atos imediatamente anteriores à realização do tipo”, conforme a teoria
objetiva individual, lesiva da legalidade penal. Em outras palavras: o Projeto amplia,
retroativamente, o leque da tentativa, antecipando o início de execução para atos imediatamente
anteriores à realização do tipo (ações preparatórias), punindo ações atípicas. Ou o Projeto não sabe
o que faz, ou quer ampliar a punibilidade, de modo inconstitucional.
5.2.3 A disciplina legal da tentativa deve integrar os elementos objetivos e subjetivos do
comportamento, na linha da versão minoritária da teoria objetiva individual: (a) na dimensão
subjetiva, representação do fato (como plano do autor); (b) na dimensão objetiva, substituição da
teoria objetiva material (punibilidade fora do tipo) pela teoria objetiva formal (punibilidade
dentro do tipo), desse modo: verifica-se o início de execução quando o autor realiza, segundo o plano
do fato, conduta constitutiva do tipo legal.49 Simples e democrático.
47 O § 22 do Strafgesetzbuch alemão, assim define a teoria objetiva individual: “Tenta um fato punível quem, segundo sua representação do fato, se posiciona imediatamente para realização do tipo”.
48 TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 188; Compare CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 214-215.
49 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 214-215.
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5.3 Desistência e arrependimento – O Projeto aderiu ao princípio da culpabilidade (art. 1.º,
parágrafo único) – logo, é supérfluo o parágrafo único do art. 25, que limita a isenção de pena aos
agentes que desistiram ou se arrependeram eficazmente (que, aliás, está contido no caput do
dispositivo).
5.4 Crime impossível – A manutenção da regra sobre crime impossível (art. 26) merece
aplauso: exige perigo objetivo de lesão do bem jurídico, excluindo as teorias subjetivas do
indefinível abalo de confiança (no Direito) ou do sentimento de segurança (da população).50
6. Conclusão
Argumentos científicos e razões de política criminal parecem aconselhar a rejeição do
Projeto. A natureza e a extensão dos defeitos são maiores do que eventuais méritos, tornando o
Projeto imprestável: é impossível emendar, retificar ou corrigir. 51 O maior problema é a
contaminação do sistema penal por uma ideologia conservadora, ou a normatização de uma
concepção autoritária de política criminal, ou a tentativa de garantir com crimes e penas uma
sociedade desigual e injusta.
50 Idem, p. 218.
51 Editorial: A reforma penal. Boletim IBCCRIM, n. 239, out. 2012, p. 1: “Não se trata de situação de correção de um ou outro tópico, mas de prejuízo ao conjunto global da obra. A postura do IBCCRIM é, assim, contrária à proposta apresentada. Os erros e equívocos nela presentes não permitem correções pontuais, mas, sim, a necessidade de repúdio à sua aprovação”.
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O crime de enriquecimento ilícito no Projeto de Código Penal, em face
da presunção de inocência
Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró Livre-Docente, Doutor e Mestre em Direito Processual Penal pela USP.
Professor Associado de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da USP. Advogado Criminalista.
Sumário: – 1. Introdução – 2. Os exemplos do direito estrangeiro – 3. Os crimes de suspeita – 4. A presunção de inocência e a construção dos tipos penais – 5. A corrupção passiva e a prova da prática de ato de ofício na nova visão do Supremo Tribunal Federal – 6. Conclusões.
Introdução
Um dos temas que tem gerado polêmica no Projeto de Código Penal é a criação do tipo
penal de enriquecimento ilícito, o que a Comissão de Reforma do Código Penal justifica, na
Exposição de Motivos, como decorrência da necessidade de dar cumprimento a tratados e
convenções internacionais firmados pelo Brasil.
O art. 277 do Projeto de Código Penal tipifica o crime de enriquecimento ilícito:
“Adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, utilizar ou usufruir de maneira não eventual
de bens ou valores móveis ou imóveis, cujo valor seja incompatível com os rendimentos auferidos
pelo funcionário público em razão de seu cargo ou por outro meio lícito”.
A figura penal proposta será apenada com “prisão, de um a cinco anos, além da perda dos
bens, se o fato não constituir elemento de outro crime mais grave”. O parágrafo único do
dispositivo em análise traz uma causa de aumento de pena: “As penas serão aumentadas de
metade a dois terços se a propriedade ou a posse dos bens e valores for atribuída fraudulentamente
a terceiras pessoas”.
Os diplomas internacionais referidos na Exposição de Motivos do Projeto de Código
Penal são a Convenção Interamericana contra a Corrupção e a Convenção das Nações Unidas
contra a Corrupção.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 51
No âmbito regional, a Convenção Interamericana contra a Corrupção, que integra o
ordenamento nacional por força do Decreto 4.410, de 07.10.2002, em seu art. IX, dispõe:
“Enriquecimento ilícito. Sem prejuízo de sua Constituição e dos princípios fundamentais de seu
ordenamento jurídico, os Estados Partes que ainda não o tenham feito adotarão as medidas necessárias
para tipificar como delito em sua legislação o aumento do patrimônio de um funcionário público
que exceda de modo significativo sua renda legítima durante o exercício de suas funções e que não
possa justificar razoavelmente.’’
Por outro lado, no plano global, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção,
incorporada pelo Decreto 5.687, de 31.01.2006, prevê, em seu art. 20: “Enriquecimento ilícito.
Com sujeição a sua Constituição e aos princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, cada
Estado Parte considerará a possibilidade de adotar as medidas legislativas e de outras índoles que sejam
necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, o enriquecimento ilícito,
ou seja, o incremento significativo do patrimônio de um funcionário público relativo aos seus ingressos
legítimos que não podem ser razoavelmente justificados por ele”.
Ressalte-se, desde já, que não há em tais previsões determinações de criminalização que
imponham obrigação absoluta de tipificação de tais condutas. Aliás, por não serem poucos os
problemas para criação do crime de enriquecimento ilícito, as próprias convenções preveem que
tal se dê com sujeição à Constituição e aos princípios fundamentais dos Estados Partes. A
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de forma ainda mais cautelosa, estabeleceu
que cada Estado Parte “considere a possibilidade” de adotar medidas legislativas para qualificar
como delito o enriquecimento ilícito. Por outro lado, a Convenção Interamericana contra a
Corrupção, mesmo sendo mais enfática, determinando que os Estados Partes “adotarão as
medidas” para tipificar como delito tal conduta, também faz a ressalva de observância das regras
constitucionais e princípios fundamentais de cada Estado Parte. Assim sendo, os Estados Partes
podem, sem desrespeitar qualquer norma convencional regional ou internacional, deixar de
tipificar o enriquecimento ilícito, se tal criminalização for incompatível com princípios maiores de
seus ordenamentos jurídicos internos.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 52
Justamente por isso, diante da proposta de novo tipo penal, pretende-se verificar a sua
compatibilidade ou não com a garantia constitucional da presunção de inocência, que além de
estar prevista na Constituição brasileira (art. 5.º, inc. LVII), também é assegurada na Convenção
Americana de Direitos Humanos (art. 8.2) e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
(art. 14.2).
2. Os exemplos do direito estrangeiro
Sem a pretensão de exaurir o tema, é interessante transcrever os crimes de enriquecimento
ilícito em alguns dos países que os tipifica.
A exposição se centrará em países europeus, latino-americanos e na legislação chinesa. Da
Europa, serão analisadas as leis da Itália, Portugal e França. Na América do Sul, com regimes mais
próximos ao brasileiro, serão expostos os tipos penais da Argentina, Chile, Colômbia, El Salvador,
Equador e Costa Rica. Por fim, serão analisados os tipos penais da China e das Regiões
Administrativas Especiais de Hong Kong e de Macau.
Na Itália, a questão foi discutida a partir da Lei 356 de 1992, que no secondo comma do
art. 12-quinquies, na disciplina da “Transferência fraudulenta e posse injustificada de valores”,
criou a figura penal punida com pena de dois a cinco anos de prisão, além do confisco dos bens
do acusado. Tratava-se de crime próprio, praticado por “aquele que estava sendo investigado” por
algum dos crimes mencionados no próprio tipo, ou que “estava submetido à aplicação de medida de
prevenção pessoal” e, “ainda que por interposta pessoa física ou jurídica, resultem ser titulares ou ter a
disponibilidade, a qualquer título, de dinheiro, bens ou outra utilidade de valor desproporcional ao
próprio rendimento declarado para fins de imposto de renda, ou a própria atividade econômica, e em
relação aos quais não possam justificar a legítima proveniência”.1
1 O tipo penal é: “2. Fuori dei casi previsti dal comma 1 e dagli articoli 648, 648-bis e 648-ter del codice penale, coloro nei cui confronti sono svolte indagini per uno dei delitti previsti dai predetti articoli o dei delitti in materia di contrabbando, o per delitti commessi avvalendosi delle condizioni previste dall’articolo 416-bis del codice penale ovvero al fine di agevolare l’attività delle associazioni previste dallo stesso articolo, nonchè per i delitti di cui agli articoli 416-bis, 629, 630, 644 e 644-bis del codice penale e agli articoli 73 e 74 del testo unico delle leggi in materia di disciplina degli stupefacenti e sostanze psicotrope, prevenzione, cura e riabilitazione dei relativi stati di tossicodipendenza, approvato con decreto del Presidente della Repubblica 9
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 53
Todavia, pouco tempo depois do início de vigência da lei, a Corte Constitucional italiana,
por meio da Sentença 48, de 9 de fevereiro de 1994, declarou inconstitucional tal tipo penal, por
considerar que ele implica uma violação da garantia constitucional da presunção de inocência. De
se esclarecer, porém, que se considerou haver contrariedade ao art. 27.2 da Constituição italiana
não em razão de o tipo penal implicar inversão do ônus da prova, mas porque a condição de uma
pessoa estar sendo submetida a procedimento penal não admite que se extraia “suspeita” ou
“presunção” que permita qualificar uma conduta que o legislador considere criminosa.
Em Portugal, também se passou situação semelhante. O crime de enriquecimento ilícito
foi criado pelo Decreto 37/XII, que acrescentou ao Código Penal português o art. 335-A
(enriquecimento ilícito)2 e o art. 386 (enriquecimento ilícito por funcionário público); bem como
inseriu o art. 27-A à Lei 34, de 16.07.1987 (enriquecimento ilícito referente a titular de cargo
político ou alto cargo público).3 Os três tipos penais têm estruturas semelhantes, sendo que com
ottobre 1990, n. 309 ovvero nei cui confronti si procede per l’applicazione di una misura di prevenzione personale, i quali, anche per interposta persona fisica o giuridica, risultano essere titolari o avere la disponibilità a qualsiasi titolo di denaro, beni o altre utilità di valore sproporzionato al proprio reddito dichiarato ai fini delle imposte sul reddito, o alla propria attività economica, e dei quali non possano giustificare la leggittima provenienza, sono puniti con la reclusione da due a quattro anni e il denaro, beni o altre utilità sono confiscati”.
2 “Art. 335.º-A. Enriquecimento ilícito. 1 – Quem por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão até três anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 2 – Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por património todo o ativo patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluindo o património imobiliário, de quotas, ações ou partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aeronaves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações financeiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no estrangeiro. 3 – Para efeitos do disposto no n. 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos todos os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada. 4 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 não exceder 100 salários mínimos mensais a conduta não é punível. 5 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 exceder 350 salários mínimos mensais o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos”.
3 “Art. 27.º-A. Enriquecimento ilícito. 1 – O titular de cargo político ou de alto cargo público que durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão de 1
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 54
vistas à comparação com o delito projetado da legislação brasileira, se transcreverá apenas o crime
do art. 386 do Código Penal:
“Art. 386.º. Enriquecimento ilícito por funcionário
1 – O funcionário que, durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos
seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva,
adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com
os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se
pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2 – Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por património todo o ativo
patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluindo o património imobiliário, de
quotas, ações ou partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre
barcos, aeronaves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações
financeiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a
aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no
estrangeiro.
3 – Para efeitos do disposto no n. 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos todos os
rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas
devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada,
designadamente os constantes em declaração de património e rendimentos.
a 5 anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 2 – Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por património todo o ativo patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluindo o património imobiliário, de quotas, ações ou partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aeronaves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações financeiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no estrangeiro. 3 – Para efeitos do disposto no n. 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos todos os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada, designadamente os constantes em declaração de património e rendimentos. 4 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 não exceder 100 salários mínimos mensais a conduta não é punível. 5 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 exceder 350 salários mínimos mensais o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 55
4 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 não exceder 100 salários mínimos
mensais a conduta não é punível.
5 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 exceder 350 salários mínimos mensais
o agente é punido com pena de prisão de um a oito anos.”
Todavia, recentemente, o Tribunal Constitucional de Portugal, por meio acórdão
179/2012, declarou a inconstitucionalidade dos três dispositivos supracitados, por considerá-los
violadores da presunção de inocência, por implicar inversão do ônus da prova, quanto ao
elemento do crime “sem origem lícita determinada”.
Assim sendo, atualmente, entre os países europeus, apenas na França há incriminação do
enriquecimento ilícito. O art. 321-6 do Código Penal francês, introduzido pela Lei 2006-64, de
23.01.2006, prevê o crime de “não justificação de rendimentos”:
“Art. 321-6. O fato de não poder justificar os recursos que correspondam ao seu nível de
vida ou não poder justificar a origem de um bem que tem a detenção, enquanto há uma
relação habitual com uma ou mais pessoas ou que se dediquem à comissão crimes ou delitos
puníveis com pena de prisão de pelo menos cinco anos e de proporcionar-lhes um benefício
direto ou indireto, ou que sejam as vítimas destes crimes, é punível com três anos de prisão e
75 000 euros”.
De se ressaltar que, no sistema francês, o delito de “não justificação de rendimentos” não
se insere entre os crimes contra a administração pública, ou como uma modalidade equiparável à
corrupção, mas se encontra na seção dos crimes “assimilados ou conexos à receptação”.
Além disso, é importante destacar que a regra do Code Pénal que incrimina o
enriquecimento ilícito exige que se demonstre um relacionamento entre o agente e outras pessoas
condenadas por crimes graves, além de depender da prova de um benefício direto ou indireto para
o agente.
Passando para a legislação asiática, o crime de enriquecimento ilícito é encontrando na
legislação chinesa, seja no próprio código penal chinês, seja na legislação das regiões
administrativas especiais de Hong Kong e de Macau.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 56
O art. 395 do Código Penal da China, que integra o capítulo sobre os crimes de
corrupção, prevê:
“Art. 395. Qualquer funcionário do Estado cujos bens ou despesas manifestamente excedam
os seus proventos legítimos, se tal diferença for muito grande, pode ser notificado para
explicar a proveniência dos bens. Se não conseguir explicar a proveniência legítima, a
parte que exceda os seus legítimos proventos será considerada como ganho ilegal, será
condenado em pena de prisão não superior a cinco anos ou em detenção criminal e
recuperada a parte que exceda os legítimos rendimentos”.
O tipo penal somente criminaliza bens ou despesas que “manifestamente” excedam os
proventos legítimos, reforçando-se ainda tal ideia ao exigir ainda que “se tal diferença for muito
grande”, o funcionário público será notificado a explicar a proveniência dos bens. Existe,
portanto, a necessidade de uma prévia notificação do funcionário público e, somente se este não
conseguir explicar a proveniência lícita dos bens, na medida em que excedente aos seus proventos,
haverá o crime.
Há, pois, uma clara inversão do ônus da prova, sendo elementos do crime a notificação do
funcionário e o insucesso do servidor na explicação do patrimônio manifestamente excedente aos
seus rendimentos.
Com relação à Região Administrativa Especial de Macau, o art. 28 da Lei n.º 11/2003, de
28.07.2003, prevê o crime de “riqueza injustificada”, nos seguintes termos:
“1. Os obrigados à declaração nos termos do artigo 1.º que, por si ou por interposta pessoa,
estejam na posse de patrimônio ou rendimentos anormalmente superiores aos indicados nas
declarações anteriores prestadas e não justifiquem, concretamente, como e quando vieram
à sua posse ou não demonstrem satisfatoriamente a sua origem lícita, são punidos com pena
de prisão até três anos e multa até 360 dias.
2. O patrimônio ou rendimentos cuja posse ou origem não haja sido justificada nos termos
do número anterior, pode, em decisão judicial condenatória, ser apreendido e declarado
perdido a favor da Região Administrativa Especial de Macau”.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 57
Cabe observar que o tipo penal de riqueza injustificada traz o elemento normativo
“anormalmente”. Assim, como somente o patrimônio “anormalmente” superior caracteriza crime,
sendo de pequena monta a superioridade patrimonial do funcionário, em relação ao constante na
declaração, não haverá incidência penal.4
Na Região Administrativa Especial de Hong Kong, a Prevention of Bribery Ordinance, de
1971, dispõe, na section 10(1):
“10. (1) Qualquer pessoa que, sendo ou tendo sido nomeado funcionário:
(a) mantém um nível de vida superior ao que é compatível com a sua remuneração
funcional, presente ou passada; ou
(b) está no controle de recursos pecuniários ou bens desproporcionais a sua remuneração
funcional, presente ou passada, poderá, a menos que dê uma explicação satisfatória para o
tribunal da forma como ele foi capaz de manter um padrão de vida ou como tais recursos
pecuniários ou bens caíram sob seu controle, ser considerado culpado de um crime”.
O tipo penal de Hong Kong, inserido na legislação de combate à corrupção, estabelece
duas alternativas caracterizadoras do crime: o estilo de vida (standard of living) ou a posse de
patrimônio desproporcional aos rendimentos recebidos pelo funcionário. Prevê, também, que ele
poderá ser chamado a justificar a posse de tais bens perante um tribunal, e que se não der uma
explicação satisfatória (satisfactory explanation) para a corte, estará caracterizado o crime.
Por fim, cabe analisar as experiências dos países sul-americanos.
Na Argentina, a Lei 25.188, de 26 de outubro de 1999, acrescentou ao Código Penal o
Capítulo IX bis, sobre “enriquecimento ilícito de funcionários e empregados”, sendo o tipo penal
previsto no art. 268 (2):5
4 GODINHO, Jorge A. F. Do crime de “riqueza injustificada” (artigo 28.º da Lei n. 11/2003). Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, ano XI, n. 24, 2007, p. 20.
5 Além disso, o sistema de punição do enriquecimento ilícito é completado pelo art. 268(3), que prevê: “Será reprimido con prisión de quince días a dos años e inhabilitación especial perpetua el que, en razón de su cargo, estuviere obligado por ley a presentar una declaración jurada patrimonial y omitiere maliciosamente hacerlo”.
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“Art. 268.2. Será punido com reclusão ou prisão, de dois a seis anos, multa de cinquenta
por cento a cem por cento do valor do enriquecimento e inabilitação absoluta perpétua,
aquele que, ao ser devidamente requerido, não justifique a procedência de um
enriquecimento patrimonial apreciável seu ou de interposta pessoa para dissimulá-lo,
ocorrido após a assunção de um cargo ou emprego público e até dois anos depois de ter
cessado seu desempenho.
Entender-se-á que houve enriquecimento não só quando o patrimônio tiver sido
incrementado com dinheiro, coisa ou bens, mas também quando tiverem sido canceladas
dívidas ou extintas obrigações que o afetavam.
A pessoa interposta para dissimular o enriquecimento será punida com a mesma pena que o
autor do fato”.
Do tipo penal argentino se observa a necessidade de que tenha havido uma negativa de
justificação por parte do funcionário público quanto ao enriquecimento. Além disso, não é
qualquer acréscimo patrimonial que caracteriza o tipo penal, que se vale do elemento normativo
“apreciável”, para qualificar o enriquecimento ou aumento patrimonial. Assim sendo, deve ser um
aumento relevante, significativo, e não qualquer acréscimo ou ampliação de menor importância.
No Chile, o crime de enriquecimento ilícito de funcionários públicos passou a ser previsto
no art. 241-bis do Código Penal, acrescido pela Lei 20.088, de 05.01.2006, nos seguintes termos:
“Art. 241 bis. O empregado público que durante o exercício de seu cargo obtenha um
incremento patrimonial relevante e injustificado, será sancionado com multa equivalente
ao montante do incremento patrimonial indevido e com a pena de inabilitação absoluta
temporal para o exercício de cargos e ofícios públicos em seus graus mínimos e máximos”.
O tipo penal chileno é bastante semelhante ao argentino, exigindo que a ampliação
patrimonial seja “relevante” e “injustificada”, o que implica, para sua caracterização, a não
apresentação de justificativa pelo funcionário público.
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Relevante destacar, ainda, que o § 2.º do art. 241-bis prevê que “A prova do
enriquecimento injustificado a que se refere este artigo será sempre a cargo do Ministério
Público”.6
A legislação colombiana também prevê o crime de enriquecimento ilícito no art. 412 do
Código Penal:
“Art. 412. Enriquecimento ilícito. O servidor público que durante sua vinculação com a
administração, ou quem tenha desempenhado funções públicas e, nos dois anos seguintes a
sua desvinculação, obtenha, para si ou para outrem, incremento patrimonial injustificado,
sempre que a conduta não constitua outro delito, incorrerá em prisão de seis (6) a dez (10)
anos, multa equivalente ao dobro do valor do enriquecimento, sem que supere o equivalente
a cinquenta mil salários mínimos legais mensais vigentes, e inabilitação para o exercício de
direitos e funções públicas de seis (6) a dez (10) anos”.
Em El Salvador, o art. 333 do Código Penal prevê o crime de enriquecimento ilícito nos
seguintes termos:
“Art. 333. O funcionário, autoridade pública ou empregado público, que durante o cargo
ou suas funções obtiver incremento patrimonial não justificado será sancionado com prisão
de três a dez anos.
Na mesma pena de prisão incorrerá a pessoa interposta que simular o incremento
patrimonial não justificado”.
No Equador, o Capítulo VIII.1, denominado “Enriquecimento Ilícito”, foi acrescido ao
Título III do Código Penal, que disciplina os “Crimes contra a Administração Pública”, e prevê:
“Art. (296.1). Constitui enriquecimento ilícito o incremento injustificado do patrimônio
de uma pessoa, produzido por ocasião ou como consequência do desempenho de um cargo ou
função pública, gerado por atos não permitidos por lei, e que, em consequência, não seja
resultado de ingressos legalmente percebidos.
6 O que, como se verá na sequência, no item 4, não impede que haja inversão do ônus da prova, com violação da presunção de inocência.
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Art. (296.2). O enriquecimento ilícito se sancionará com a pena de um a cinco anos de
prisão e a restituição do dobro do montante do enriquecimento ilícito, sempre que não
constitua outro delito”.
Por fim, mencione-se, ainda, a Costa Rica, cujo art. 45 da Lei contra a Corrupção e o
Enriquecimento Ilícito na Função Pública (Lei 8.422, de 06.10.2004), prevê:
“Artigo 45. - Enriquecimento ilícito. Será sancionado com prisão de três a seis anos quem,
aproveitando ilicitamente o exercício da função pública ou a custódia, a exploração, o uso
ou a administração de fundos, serviços ou bens públicos, sob qualquer título ou modalidade
de gestão, por si ou por interposta pessoa, física ou jurídica, aumente seu patrimônio,
adquira bens, goze de direitos, cancele dívidas ou extinga obrigações que afetem seu
patrimônio ou o de pessoas jurídicas, em cujo capital social tenha participação, seja
diretamente ou por intermédio de outras pessoas jurídicas”.
Com vistas à análise do tipo penal brasileiro, o que se pode extrair da comparação com os
crimes de enriquecimento ilícito previstos nas legislações supramencionadas é que não é elemento
comum a exigência de que o aumento patrimonial seja desproporcional aos rendimentos do
funcionário público. Por outro lado, em todos os tipos penais, com exceção do enriquecimento
ilícito costa-riquenho, é elemento do tipo que o aumento ou incremento patrimonial seja
“injustificado” ou, “não justificado”, ou ainda, que o funcionário público “não justifique a
procedência”. Essa ausência de justificação, embora não explícita no tipo penal do art. 277 do
Projeto de Código Penal, acaba sendo exigível, ainda que de maneira mais sutil ou disfarçada, ao
se prever que não haja “outro meio lícito”.
Por outro lado, há países que, a despeito de terem ratificado a Convenção das Nações
Unidas contra a Corrupção, não instituíram crimes de enriquecimento ilícito em seus
ordenamentos jurídicos, justamente por considerarem que tal figura penal, na forma propugnada
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pela Convenção, violaria a presunção de inocência, com é o caso da Finlândia, do Reino-Unido e
dos Estados-Unidos da América.7
3. Os crimes de suspeita
A discussão da compatibilidade ou não da incriminação do enriquecimento ilícito, com a
garantia da presunção de inocência, remete à antiga questão, objeto de intensa polêmica na
doutrina italiana, sobre os chamados “crimes de mera suspeita”.8
Sempre lembradas como exemplos de “crimes de suspeita”, são as contravenções penais
previstas nos arts. 7079 e 70810 do Código Penal italiano. Explica Manzini que esses crimes não
são comissivos nem omissivos, “enquanto não constituem um fato nem positivo nem negativo, mas
simplesmente um estado individual, que por isso mesmo não constitui infração de qualquer comando
ou vedação penal, mas que é incriminado simplesmente pela suspeita desta”.11
7 Tais justificativas podem ser encontradas nos textos referentes aos citados países no item “Mechanism for the Review of Implementation of the United Nations Convention against Corruption”, disponível em <http://www.unodc.org/unodc/en/treaties/CAC/IRG.html>.
8 MANZINI, Vincenzo. Trattatto di diritto penale italiano. Totino: Utet, 1950. v. 1, p. 602. Em sentido contrário, Delitala Giacomo (Il reato nella teoria generale de reato. Padova, 1930, p. 139, citado na reprodução contida in Giacomo Delitala, Diritto penale. Raccolta degli scritti. Milano: Giuffrè, 1976, p. 105), afirma que não se trata de “reato di sospetto, ma un sospetto di reato”, o que Manzini (Trattato... cit., v. 1, p. 603, nota 2) qualificou de “giochetto di parole”.
9 “Art. 707. Possesso ingiustificato di chiavi alterate o di grimaldelli. Chiunque, essendo stato condannato per delitti determinati da motivi di lucro, o per contravvenzioni concernenti la prevenzione di delitti contro il patrimonio, o per mendicità, o essendo ammonito o sottoposto a una misura di sicurezza personale o a cauzione di buona condotta, è colto in possesso di chiavi alterate o contraffatte, ovvero di chiavi genuine o di strumenti atti ad aprire o a sforzare serrature, dei quali non giustifichi l'attuale destinazione è punito con l'arresto da sei mesi a due anni.” A Corte Constitucional italiana, na Sentença n. 14, de 1971, declarou a ilegitimidade constitucional do art. 707, na parte em que exige as condições pessoais de condenado por mendicância, de admoestado, de submetido a medida de segurança pessoal ou caução de boa conduta.
10 “Art. 708. Possesso ingiustificato di valori. Chiunque, trovandosi nelle condizioni personali indicate nell'articolo precedente, è colto in possesso di denaro o di oggetti di valore, o di altre cose non confacenti al suo stato, e dei quali non giustifichi la provenienza, è punito con l’arresto da tre mesi a un anno.” A Corte Constitucional italiana, na Sentença n. 110, de 19.07.1968, declarou a ilegitimidade constitucional do art. 708, na parte em que se exige as condições pessoais de condenado por mendicância, de advertido, de submetido a medida de segurança pessoal ou caução de boa conduta”.
11 Trattato... cit., v. 1, p. 602.
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Não é preciso entrar na tormentosa discussão se os chamados crimes de mera suspeita são
ou não “crimes sem ação”,12 nem se tais delitos são integrados somente pela omissão representada
pela ausência de justificação, ou pela simples posse, presumida ilícita, salvo prova em contrário.13
A questão não pode ser falaciosamente abordada como se tudo não passasse de um mero
problema de direito substancial, a ser resolvido a partir da definição da natureza jurídica da “não
justificação da origem lícita”. Há diversas posições, ora caracterizando-a como elemento negativo
do tipo, ora como condição objetiva de punibilidade. Outros, ao contrário, consideram-na uma
causa de justificação a afastar o caráter criminoso da conduta.14
Tudo isso pode ter sentido no âmbito abstrato da construção de normas que definam um
crime. Porém, o relevante para efetivação do preceito penal e para possibilitar o exercício do
direito de defesa dos acusados de carne e osso, é definir qual deverá ser o conteúdo concreto da
narrativa do “fato criminoso com todas as suas circunstâncias” a ser feito na denúncia. Superada
essa questão, em um segundo momento, o importante é definir se, estando o juiz em dúvida sobre
a justificação prestada quanto à licitude da origem dos bens, o resultado do processo deverá ser
absolutório ou condenatório.
Sob essa ótica, no primeiro momento, não há como exigir do Ministério Público que
exponha na denúncia um rol interminável de possíveis meios lícitos diversos dos rendimentos do
funcionário que não se verificaram no caso concreto. Certamente o acusador se limitará a
12 Na doutrina italiana, essa posição recebeu severa crítica de: DELITALA, Il fato... cit., p. 139.
13 Para referências doutrinárias, cf.: ILLUMINATI, Giulio. La presunzione d’innocenza dell’imputato. Bologna: Zanichelli, 1979. p. 142, nota 152.
14 A crítica é feita por Franco Cordero (Il giudizio d’onore. Milano: Giuffrè, 1959. p. 151 e ss.) que propõe uma “remeditazione di conetti penalistici nello scocio del processo”. E, analisando o crime de enriquecimento ilícito, afirma, com razão, Godinho (Do crime de “Riqueza Injustificada”... cit., p. 34): “Surge pois como extremamente claro que a questão da justificação da origem é uma contraprova, ou seja, trata-se de ilidir uma presunção e assim afastar a suspeita de corrupção que pesa sobre o arguido. A figura de que se trata é, de modo inarredável, de cariz processual. É falacioso pretender ver no ónus de justificar a origem uma causa de justificação do ‘facto’ ― até porque, conforme se deixou referido, não há sequer qualquer facto concreto, praticado em certa hora, dia e local, a que a acusação se refira, mas apenas uma alegação genérica. O que existe é o desfazer de uma suspeita, através de prova em contrário”.
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asseverar que o valor do patrimônio em posse do funcionário é superior ou desproporcional aos
seus rendimentos, e que – genericamente – também não há “outro meio lícito” que o justifique.
De outro lado, e o mais relevante para a análise do tema, é a constatação geral da doutrina
de que nos “crimes de suspeita” há uma inversão do ônus da prova, bastando para que a acusação
se desincumba de seu ônus probatório de demonstrar a posse e eventuais condições, objetivas ou
subjetivas, que a tornam ilegítima. Isso já seria suficiente para a condenação, se o acusado não
produzisse a prova liberatória, justificando a posse da coisa. Ou seja, partindo de tais premissas, é o
acusado que suporta o risco da ausência de prova sobre os elementos que justificariam a posse
presumida ilegítima pelo legislador.15
Exemplo dos chamados “crimes de suspeita”, previsto no ordenamento jurídico brasileiro,
é a contravenção penal do art. 25 da Lei de Contravenções Penais, denominada “Posse não
justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto”, assim definida: “Ter alguém em
seu poder, depois de condenado, por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada
ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos
empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima”
(destaques nossos).16
15 Cf. bibliografia citada, infra, nas notas 17 e 20. De se destacar, porém, que a Corte Constitucional Italiana, na Sentença n. 14, de 1991 e na Sentença n. 46, de 1992, considerou que as contravenções penais dos arts. 707 e 708 do Código Penal italiano, não violam o art. 27, secondo comma, da Constituição italiana, por considerar que tais normas incriminadoras “não exigem a prova da legitimidade da destinação e da proveniência, limitando, ao invés [o acusado], a prestar uma atendível e circunstanciada explicação, a ser valorada no caso concreto em cada um dos tipos, segundo o princípio da liberdade da prova e do livre convencimento”.
16 Ressalte-se que o STF, no julgamento do RE 583.523, Rel. Min. Gilmar Mendes, reconheceu a repercussão geral sobre a discussão da constitucionalidade da referida contravenção. Do tema 113 da repercussão geral consta: “Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 3º, IV; e 5º, caput, LVII, da Constituição Federal, a revogação, ou não, do art. 25 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei n. 3.688/41), que prevê punição criminal a quem tem em seu poder, depois de condenado por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove a destinação legítima, pela Constituição de 1988”. Pelos motivos que serão expostos no item seguinte, entendemos que há evidente afronta à garantia constitucional da presunção de inocência, pelo que a referida contravenção penal deve ser considerada não recepcionada pela Constituição de 1988.
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Há, em tal dispositivo contravencional, o que Manoel Pedro Pimentel denomina “critério
de habitualidade presumida”.17 E, na prática, a doutrina entende que há uma inversão do ônus da
prova quanto ao elemento “destinação legítima dos objetos”, cabendo ao acusado demonstrar que
se destinavam a fim lícito.18
Todos os problemas gerados com os crimes de suspeita voltaram a ser discutidos,
recentemente, com o surgimento do crime de enriquecimento ilícito.
4. A presunção de inocência e a construção dos tipos penais
A Comissão de Reforma do Código Penal, certamente preocupada com as críticas de
inconstitucionalidade do crime de enriquecimento ilícito, por violação da presunção de inocência,
em razão da inversão do ônus da prova, antecipou-se em justificar que não há no tipo proposto tal
inversão. Fê-lo nos seguintes termos:
“Não cabe ignorar que o amealhamento de patrimônio incompatível com as rendas
lícitas obtidas por servidor público, é indício de que houve a prática de
antecedente crime contra a administração pública. Notadamente a corrupção e o
peculato mostram-se caminhos prováveis para este enriquecimento sem causa. A
riqueza sem causa aparente mostra-se, portanto, indício que permitirá a
instauração de procedimentos formais de investigação, destinados à verificar se não
houve aquisição patrimonial lícita. Não há inversão do ônus da prova,
17 Contravenções penais. São Paulo: RT, 1978. p. 90. Por vez, Bento de Faria (Das contravenções penais. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1942. p. 99) lembra que quem é encontrado nas condições previstas no art. 25 “tem contra si a presunção da inclinação de delinquir contra o patrimônio”.
18 Segundo Bento de Faria (Das contravenções... cit., p. 100), o agente “há de provar o motivo da posse, o qual deve ser justo, e o uso que fez ou deveria fazer do aludido instrumento. (...) Des que a lei exige a prova da legitimidade do destino atual desloca o seu ônus para o agente, consagrando assim a presunção da – ilegitimidade, juris tantum” (destaque no original). No mesmo sentido: Sady Cardoso de Gusmão, Das contravenções penais. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1942. p. 141. Mais recentemente, Valdir Sznick (Contravenções penais. 4. ed. São Paulo: Leud, 1993. p. 129) afirma que, quanto à legítima destinação dos objetos, “a falta de prova leva à infração. Dada a condição pessoal do agente (já infrator), cabe à ele provar a destinação legítima (por exemplo, a sua profissão de serralheiro, chaveiro). Assim, incumbe-lhe o ônus. Não é necessário prove a acusação que o agente, com aqueles apetrechos, vai cometer crime; ele, o possuidor, terá de provar o uso legítimo”.
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incumbindo à acusação a demonstração processual da incompatibilidade dos bens
com os vencimentos, haveres, recebimentos ou negociações lícitas do servidor público.
Não se pode olvidar que o servidor público transita num ambiente no qual a
transparência deve reinar, distinto do que ocorre no mundo dos privados, que não
percebem recursos da sociedade. Daí obrigações como a entrega da declaração de
bens a exame pelo controle interno institucional e pelo Tribunal de Contas. O crime
de enriquecimento ilícito, especificamente diante da corrupção administrativa, na
qual corruptor e corrupto guardam interesse recíproco no sigilo dos fatos, sinaliza
política criminal hábil, buscando consequências e não primórdios (a exemplo da
receptação e da lavagem de dinheiro). É criminalização secundária, perfeitamente
admitida em nosso direito”.
Não é possível concordar com tal justificativa que, ao contrário, somente reforça e
explicita que o novo crime significa uma resposta, no plano do direito material, às dificuldades
processuais enfrentadas na investigação e na comprovação de casos de corrupção passiva.
Transcrevemos, novamente, o tipo penal proposto: “Adquirir, vender, emprestar, alugar,
receber, ceder, utilizar ou usufruir de maneira não eventual de bens ou valores móveis ou imóveis,
cujo valor seja incompatível com os rendimentos auferidos pelo funcionário público em razão de
seu cargo ou por outro meio lícito”.
Esse moderno delito, porém, não se afasta das características dos antigos “crimes de
suspeita” que, como explica Ferrajoli, são “tipos penais que não consistem em condutas consideradas
pela lei em si mesmas como lesivas de bens jurídicos”, mas como condutas suficientes, “em
circunstâncias idôneas, juntamente com determinadas condições pessoais, a suscitar a suspeita (de
delitos cometidos, mas não provados)”.19 Por exemplo, o fato de adquirir, alugar ou utilizar coisas
(condutas suficientes), cujo valor é incompatível com os rendimentos e não justificado por outro
meio lícito (circunstância idônea), sendo funcionário público (condição pessoal), gera a suspeita
do cometimento prévio de um crime, geralmente de corrupção, que não se conseguiu provar.
19 Diritto e ragione. Teoria del garantismo penale. Roma-Bari: Laterza, 1998, p. 737.
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Como já exposto, nos chamados “crimes de suspeita” há uma clara e inegável inversão do
ônus da prova, exatamente quanto ao elemento do crime, relativo à posse injustificada de coisas,
dinheiro ou valores.20 Isso porque, será o acusado que terá o ônus de provar a origem lícita de tais
bens ou valores, demonstrando uma causa justa que lhe permita estar na posse de tais coisas. Isso
porque a figura penal normalmente traz um elemento negativo da “ausência de justificativa lícita”
ou a “não comprovação da destinação legítima”, ou outra expressão equivalente.
No art. 277 do Projeto de Código Penal não há elementos semelhantes. O tipo penal não
exige, expressamente, que o funcionário público justifique a origem lícita da coisa que integra seu
patrimônio, em desproporção com os rendimentos percebidos, como ocorre em vários exemplos
do crime congênere dos ordenamentos estrangeiros. Em razão da não previsão de tal necessidade
de justificação, teria deixado de haver inversão do ônus da prova, sendo, pois, o tipo compatível
com a presunção de inocência? A resposta negativa impõe. No futuro Código Penal brasileiro,
para caracterização do crime de enriquecimento ilícito, bastará que o funcionário público tenha
ou usufrua, de modo não eventual, de um bem “cujo valor seja incompatível com os rendimentos
auferidos ... em razão de seu cargo ou por outro meio lícito”. Embora o tipo penal proposto não exija
expressamente uma “justificativa da origem do patrimônio”, ao prever que o valor do bem seja
incompatível com os “rendimentos auferidos” ou com “outro meio lícito”, chega-se ao mesmo
resultado. O “outro meio lícito”, invariavelmente, deverá ser indicado e provado pelo acusado,
“justificando” a origem lícita do bem.
20 Analisando as contravenções penais de posse injustificada de chave adulterada ou de gazua (art. 707) ou de posse injustificada de valores (art. 708), Francesco Antolisei (Manuale di diritto penale. Parte speciale. 4. ed. Milano: Giuffrè, 1960. v. 1, p. 311) explica que a lei, invertendo o ônus da prova, obriga o agente, no caso do art. 707, a justificar a destinação da chave adulterada ..., e no do art. 708, a justificar a proveniência do dinheiro ou outro objeto não condizente com seu estado e, se por qualquer motivo o agente não fornece tais justificações, estará caracterizada a infração penal. Mais enfático, Silvio Ranieri (Manual de derecho penal. Parte especial. Bogotá: Temis, 1975. v. 6, p. 366 e 368-369) afirma, em relação à contravenção do art. 707, que a ilegitimidade da destinação das coisas “se presume”, dada a qualidade pessoal do sujeito, e esta presunção só pode ser afastada ante a prova em contrário que seja produzida pelo acusado. Da mesma forma, no caso do art. 708, assevera que “a presunção de ilegitimidade da procedência das coisas de que se trata, dada a qualidade pessoal do sujeito, pode ser desvirtuada pela prova contrária de que este consiga apresentar acerca da origem das coisas possuídas, ainda que não correspondam ao seu estado” (op. cit., p. 368-369).
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O crime de “enriquecimento ilícito” brasileiro traz um tipo penal mais elaborado, que não
escancara a inversão do ônus da prova, mas nem por isso deixa de realizá-la, ainda que por meio
de um subterfúgio. Cabe analisar de forma mais esmiuçada o tipo penal e seus reflexos na
atividade probatória.
O primeiro elemento do crime a ser considerado é uma das ações nucleares do tipo
previstas alternativamente: “adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, utilizar ou usufruir
de maneira não eventual de bens ou valores móveis ou imóveis”. Assim, poderá ter havido, por
exemplo, a aquisição de um helicóptero, ou o aluguel de uma casa de praia. Situações como estas,
muitas vezes, poderão ser comprovadas pela simples juntada de documentos. Haverá casos, no
entanto, em que essa prova será mais difícil, como, por exemplo, usufruir de forma usual de uma
lancha ou de uma casa de campo, o que poderá demandar prova testemunhal ou mesmo um
conjunto robusto e coerente de indícios.
O segundo elemento do crime é que os bens móveis ou imóvel tenham sido adquiridos,
alugados etc. por “valor ... incompatível com os rendimentos auferidos pelo funcionário público em
razão de seu cargo”. Por exemplo, tal ocorrerá quando os rendimentos de um funcionário público
não lhe permitirem comprar um helicóptero de milhões de reais ou alugar uma casa de praia
pagando alugueres mensais de mais de uma dezena de milhares de reais. Nestes casos, imagina-se
que a prova da incompatibilidade se dará pela simples obtenção da declaração de imposto de
renda do funcionário público. Aliás, atualmente, no caso de órgãos públicos que cumpram a Lei
12.527/2011 – Lei do acesso à informação –, os rendimentos estarão disponíveis publicamente,
para consulta de qualquer interessado!
O terceiro elemento do crime é a inexistência de “outro meio lícito” que poderia justificar a
compra, o aluguel, a fruição ... do bem. Exatamente neste último elemento é que se opera a
inversão do ônus da prova e, consequentemente, se fulmina a presunção de inocência, como regra
de julgamento ,21 bem como o seu consectário, o direito ao silêncio do acusado.
21 José Joaquim Gomes Canotilho e Vidal Moreira (Constituição da República Portuguesa anotada. São Paulo: RT; Coimbra, PT: Coimbra Ed., 2007. v. 1, p. 518) apontam como elemento do conteúdo adequado da presunção de inocência a “proibição de inversão do ônus da prova em detrimento do arguido”.
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Explica-se: como não há um conjunto delimitado de outras fontes ou meios lícitos de
recebimento de valores, são infindáveis as maneiras de se “adquirir, vender, emprestar, alugar,
receber, ceder, utilizar ou usufruir de maneira não eventual de bens ou valores” tendo por origem
“outro meio lícito” que não os insuficientes “rendimentos auferidos pelo funcionário público”. O
funcionário público pode ter sido premiado em uma loteria; ou sido contemplado em um sorteio
de final de ano; se casado com pessoa rica; recebido vultosa herança; sido contemplo por doação
de amigo próximo; recebido presentes caros de amante; recebido elevada remuneração por se
prostituir; ganho valores significativos em carteado com amigos etc. Os exemplos poderiam seguir
a depender da criatividade de cada um.
É claro que se tal fonte lícita diversa da remuneração normal for incluída na declaração de
rendimentos do funcionário público, provavelmente não se cogitará de crime algum. O problema
surgirá quando o servidor omitir tal dado de sua declaração de rendas, seja por acreditar
desnecessário declará-lo – por exemplo, um carro de luxo ganho num sorteio natalino de shopping
center –, seja por evidente constrangimento – no caso de favores sexuais remunerados –, seja para
não produzir prova contra si mesmo.
Embora a acusação possa demonstrar facilmente a incompatibilidade do valor do bem
com os rendimentos funcionais, dificilmente saberá se há ou não “outro meio lícito”. E, neste
caso, havendo dúvida se existe ou não um dos elementos do tipo – outro meio lícito – o acusado
será condenado ou absolvido?
Um posicionamento que preserve a presunção de inocência responderá, facilmente e com
segurança: in dubio pro reo! Mas se assim o for, o novel tipo penal será de uma inutilidade total.22
Isso porque, sempre será possível se cogitar de uma eventual – entre infindáveis – fonte lícita a
lançar dúvida razoável sobre o espírito do julgador e impor a absolvição. A condenação será
praticamente impossível!
22 Embora se referindo às contravenções penais dos arts. 707 e 708 do Código Penal italiano, mas em passo igualmente aplicável aos crimes de enriquecimento ilícito ou injustificado, Cordero (Il giudizio d’onore... cit., p. 159) afirma que a omissão do prévio acertamento da legítima proveniência “representa o centro gravitacional do esquema legal, e não menos que o motivo político que caracteriza a norma”.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 69
De outro lado, quem busca uma maior eficácia da persecução penal no combate à
corrupção e a outros crimes funcionais se posicionará no sentido de que, se o acusado sequer
invocou qualquer outra fonte lícita, não haverá dúvida sobre sua existência e, neste caso, a
condenação se imporá.
Essa última postura, além de permitir a condenação com base na dúvida sobre um dos
elementos do tipo penal, em flagrante desrespeito à garantia constitucional da presunção de
inocência, em seu aspecto de regra de julgamento, também estará a impor ao acusado um dever de
colaboração com a descoberta da verdade, o que é incompatível com a garantia constitucional do
direito ao silêncio (CR, art. 5.º, inc. LXIII).23
Certamente se argumentará que não se poderá fazer pesar sobre os ombros da acusação o
ônus da prova de que “não há outro meio lícito” que pudesse justificar tal patrimônio, porque isso
seria exigir-lhe uma probatio diabolica, vez que os fatos negativos não podem ser provados.
A premissa não será correta. A regra negativa non sunt probanda não pode ser aceita, na
medida em que basta transformar a afirmação de um fato negativo na forma positiva
inversamente correspondente, para que a prova se torne possível.24 Impossível é produzir prova de
alegações de fatos indeterminados,25 sejam eles positivos ou negativos.26 Por outro lado, é
perfeitamente possível provar o fato negativo determinado.27 A comprovação da inocorrência de
23 Lembra Antonio Magalhães Gomes Filho (Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 41) que, além do in dubio pro reo, uma segunda decorrência da garantia constitucional da presunção de inocência, “em relação à matéria probatória, diz respeito à impossibilidade de se obrigar o acusado a colaborar na investigação do fatos”. No mesmo sentido, na doutrina portuguesa, cf.: ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra Ed., 1992. p. 125.
24 Por exemplo, é possível provar que “não estava no Rio de Janeiro, no dia 10 de fevereiro de 2012, às 20:00 horas”, comprovando que em tal dia e horário, estava na cidade de São Paulo.
25 Por exemplo: “não costumo falar alto” (fato negativo indeterminado), ou “normalmente sou pontual” (fato positivo indeterminado).
26 Cf. LESSONA, Carlo. Teoria delle prove nel diritto giudiziario civile italiano – parte generale: confessione e interrogatorio. Firenze: Fratelli Camelli, 1895. p. 133; SARACENO, Pascoale. La decisione sul fatto incerto nel processo penale. Padova: Cedam, 1940, p. 161.
27 Cf. GIANTURCO, Emanuele. Istituzioni di diritto civile italiano. 4. ed. Firenze: G. Barbera, 1895. p. 189; LESSONA, Teoria delle... cit., p. 132; BONNIER, Eduardo. Tratado teórico y práctico de las pruebas en
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 70
um fato negativo determinado pode ser feita pela prova de fatos positivos contrários ou
incompatíveis.28
Mas, voltando ao crime de enriquecimento ilícito, no que se refere ao elemento do tipo
“outro meio lícito”, elemento negativo indeterminado. Como pode existir conjunto infindável e
ilimitado de possíveis meios lícitos diversos dos rendimentos dos funcionários públicos, tal
procedimento hipotético de exclusão do fato negativo, pela demonstração do fato positivo
incompatível, não tem como ser realizado. Não haverá como transformar – porque indeterminado
– a afirmação do fato negativo em uma afirmação de fatos positivos incompatíveis e, com isso
demonstrar que não existiu este ou aquele outro meio lícito.
Justamente por isso é que a construção de um tipo penal que trabalhe com um elemento
indeterminado – “outro meio lícito” –, que poderá ser conhecido apenas pelo acusado, implicará,
inevitavelmente, a inversão do ônus da prova. Havendo dúvida sobre esse elemento do delito, o
acusado não será absolvido, com base no in dubio pro reo. Ao contrário, será condenado, porque
ao não colaborar com a investigação ou instrução, indicando outra fonte lícita, terá feito pesar
sobre si o ônus da prova quanto a existência desse outro meio lícito. Ou seja, a acusação terá
apenas que provar a ocorrência de uma das operações indicadas nos verbos-tipos, que teve por
objeto um bem cujo valor era incompatível com os rendimentos do funcionário público. Por
outro lado, o acusador não terá o ônus de provar que inexistiam outras fontes lícitas.
Demonstrado pela acusação apenas que a operação envolvia valor “incompatível com os
rendimentos auferidos pelo funcionário em razão de seu cargo”, passará a ser do servidor o ônus
de demonstrar que ele tinha “outro meio lícito” que lhe permitiu ter tal bem ou valor em seu
derecho civil y en derecho penal. Trad. José Vicente y Caravantes. Madrid: Reus. 1928. t. I, p. 48; CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 3. ed. Napoli: Jovene, 1965. p. 784; FOSCHINI, Amedeo. Il dubbio sulla prova delle eccezioni nel processo penale. Archivio Penale, v. 2, p. I, 1946, p. 201; SABATINI, Guglielmo. Principi di diritto processuale penale. 3. ed. Catania: Casa del Libro, 1948. v. 1, p. 472. Mais modernamente, cf. TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Milano: Giuffrè, 1992. p. 117. Na doutrina nacional, cf. SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código De Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976. v. 4, p. 31.
28 Cf. CASTRO, Francisco Augusto das Neves e. Theoria das provas e sua aplicação aos actos civis. Porto: Livraria Internacional de Ernesto Chardron, 1880. p. 39; BONNIER, Tratado... cit., p. 48; LESSONA, Teoria delle... cit., p. 132; SARACENO, La decisione... cit., p. 145; TARUFFO, La prova... cit., p. 117.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 71
patrimônio. E se não o fizer, será condenado. Isto significa que, em relação ao elemento do crime
“outro meio lícito”, inverte-se o ônus da prova29 e vigorará o in dubio contra reum! Não será o
acusador que terá o ônus de demonstrar que a operação desproporcional aos vencimentos do
acusado “não tinha outro meio lícito”, mas será o acusado que deverá demonstrar que a operação
“teve outro meio lícito”. Ou seja, mais fácil criar um tipo penal que inverte o ônus da prova,
exigindo-se a prova positiva do acusado.30
Por outro lado, ainda que fosse possível superar o óbice da presunção de inocência, e se
admitisse a inversão do ônus da prova, cabendo ao acusado demonstrar a origem lícita dos bens,
outro problema surgiria: o acusado se desincumbiria de tal ônus apenas gerando dúvida sobre a
licitude ou teria que prová-la plenamente? As duas posições são encontradas na doutrina. Há
quem se contente com uma justificação ou explicação sobre a licitude da origem dos bens,
bastando uma prova capaz de gerar dúvida sobre a licitude.31 Assim, não se exigiria uma “prova
além de qualquer dúvida razoável” da origem lícita dos bens, mas uma circunstanciada e
convincente explicação, valorada no caso concreto, a justificar a existência de um patrimônio
desproporcional com os rendimentos do funcionário público. Outros, contudo, vão além,
considerando que “o ônus da prova incumbe por inteiro ao acusado; quando o juiz estiver na dúvida,
se impõe uma pronúncia condenatória”.32
29 BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. A criminalização do enriquecimento ilícito de funcionário público. Lições ao Brasil sobre o perigo de retrocesso do direito penal ao período pré-iluminista. RBCCRIM, São Paulo: RT, n. 98, set.-out. 2012, p. 536.
30 Lembre-se que Manzini (Trattato... cit., v. 1, p. 603) em relação à contravenção do art. 708 do CP italiano, afirmava que “a origem ou a razão de tal posse não tem importância constitutiva, mas somente eventualmente descriminante”. Desnecessário destacar que, para um inimigo da presunção de inocência, que a considerava “paradoxal”, o ônus da prova das descriminantes pesava sobre o acusado! Ao mesmo resultado chega Delitala (Il reato... cit., p. 103), embora considerando que a ausência de justificação da posse caracteriza “uma causa de licitude (o crime não subsiste, se a posse é justificada), cuja prova está a cargo do acusado”, acrescentando, ainda: “a insubsistência de prova não redunda em benefício, mas em prejuízo do acusado, a quem incumbe assim o ônus da prova da legitimidade da posse” (op. cit., p. 103, nota 20).
31 Cf.: SARACENO, La decisione... cit., p. 256-257; CHIAVARIO, Mario. La Convenzione Europea dei Diritti dell’uomo nel sistema delle fonti normative in materia penale. Milano: Giuffrè, 1969. p. 386-387.
32 CORDERO, Il giudizio d’onore... cit., p. 162. No mesmo sentido, cf. BETTIOL, Giuseppe. Sulle presunzioni nel diritto e nel processo penale. Scritti Giuridici. Padova: Cedam, 1966. t. I, p. 362.
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Em suma, do ponto de vista da garantia constitucional da presunção de inocência, não
parece possível a construção de um tipo penal que confira, explícita ou implicitamente, ao
acusado o ônus de justificar a origem lícita do bem ou valor e provar a sua licitude, o que implica
uma presunção de culpabilidade,33 com a consequência de que mesmo na dúvida sobre um dos
elementos do tipo, o acusado seja condenado.
Analisando a questão exclusivamente sob a ótica da presunção de inocência, o problema
deixaria de existir caso a lei se limitasse a proibir a propriedade ou posse de determinados bens ou
valores incompatíveis com os rendimentos do funcionário público, sem qualquer presunção de
ilicitude.34 Todavia, sob a ótica da proteção de bens jurídicos, seria muito difícil justificar a
criação de um tipo penal com tal conteúdo.35 Não se trataria de punir alguém por um fato que
praticou (um concreto ato de corrupção), mas pelo que ele é (um funcionário público
desonesto).36 E, como destaca Figueiredo Dias, “se há princípio indiscutivelmente aceito em matéria
de dogmática jurídico penal e de construção do conceito de crime é o de que todo o direito penal é
direito penal do facto, não direito penal do agente”.37
5. A corrupção passiva e a prova da prática de ato de ofício na nova visão do Supremo Tribunal Federal
33 ILLUMINATI, La presunzione d’innocenza... cit., p. 144.
34 No âmbito não criminal, tal conduta caracteriza ato de improbidade administrativa, que importa enriquecimento ilícito. Dispõe o art. 9.º, inc. VII, da Lei 8.429/1992: “Art. 9.º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1.º desta lei, e notadamente: (...) VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público”. Além disso, no plano administrativo, o art. 13, caput, da referida lei, prevê: “Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente”.
35 ILLUMINATI, La presunzione d’innocenza... cit., p. 144. Na doutrina nacional: BECHARA, A criminalização do enriquecimento ilícito... cit., p. 536.
36 GODINHO, Do crime de “riqueza injustificada”... cit., p. 28.
37 Direito penal. Parte geral. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Ed., 2004. t. I, p. 221.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 73
Toda a discussão sobre a necessidade – do ponto de vista da tão propalada “eficiência” da
persecução penal – de se criar um tipo penal de enriquecimento ilícito, sempre foi a dificuldade
decorrente de se exigir que, no crime de corrupção passiva, o Ministério Público imputasse na
denúncia,38 e depois provasse, além de qualquer dúvida razoável, a prática de um ato de ofício e o
seu nexo causal.39
Todavia, muitas vezes não se conseguia demonstrar tal nexo entre o recebimento ou
solicitação da vantagem indevida e um específico ato de ofício que tivesse sido praticado, não se
punindo, por corrupção, funcionários públicos que demonstravam “sinais exteriores de riqueza”
aparentemente incompatíveis com seus rendimentos.
Nesse contexto, a discussão sobre a necessidade de tipificação do crime de enriquecimento
ilícito, como um crime subsidiário da corrupção, tinha sentido.
Tal panorama pode ter se alterado com o julgamento da Ação Penal 470/DF, pelo
Supremo Tribunal Federal, no qual se adotou a tese da possibilidade de condenação de
funcionário público por corrupção passiva independentemente da comprovação do ato de ofício.
Ou seja, o que não se conseguiu no plano legislativo – e, se for implementado, será
inconstitucional –, obteve-se jurisprudencialmente, abrandando-se os rigores do que deve conter
uma imputação certa e determinada no crime de corrupção, impedindo o exercício da ampla
defesa, que não saberá de que ato de ofício se defender, tudo para facilitar a atividade probatória
da acusação na luta contra a corrupção.
38 O STF decidiu que: “A denúncia é uma exposição narrativa do crime, na medida em que deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias. Orientação assentada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que o crime sob enfoque não está integralmente descrito se não há na denúncia a indicação de nexo de causalidade entre a conduta do funcionário e a realização de ato funcional de sua competência. Caso em que a aludida peça se ressente de omissão quanto a essa elementar do tipo penal excogitado. Acusação rejeitada” (STF, Inq 785/DF, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 08.11.1995, m.v.).
39 Cf., por exemplo, o seguinte acórdão do STF: “Improcedência da acusação. Relativamente ao primeiro episódio, em virtude não apenas da inexistência de prova de que a alegada ajuda eleitoral decorreu de solicitação que tenha sido feita direta ou indiretamente, pelo primeiro acusado, mas também por não haver sido apontado ato de ofício configurador de transação ou comércio como segundo, ao terceiro e ao quarto acusados” (STF, APn 307-3-DF, 2.ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 13.12.1994, m.v.).
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 74
Quem pretendia combater a corrupção, criando um novo tipo penal que violaria a
presunção de inocência, caso o precedente do Supremo Tribunal Federal venha a se confirmar,
agora pode combatê-la, mediante uma jurisprudência que impede a ampla defesa. O preço que se
paga pela ineficiência investigatória dos atos de corrupção e a supressão de garantias individuas,
pouco importa, se a presunção de inocência ou a ampla defesa.
6. Conclusão
Há diversos ordenamentos jurídicos que criminalizaram o enriquecimento ilícito, na
maioria deles, como crime funcional, consistindo o delito, em suma, na posse ou propriedade de
bens, em valores incompatíveis com os rendimentos recebidos pelo funcionário público, sem que
haja outra justificação legítima para que tal bem integre seu patrimônio.
O Brasil, por força de obrigações internacionais assumidas com vistas ao combate à
corrupção, tem a obrigação de verificar a compatibilidade da criminalização do enriquecimento
ilícito, desde que tal crime seja compatível com as garantias da Constituição brasileira e os
princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico.
O Projeto de Código Penal prevê, em seu art. 277, o crime de enriquecimento ilícito. O
tipo penal proposto, contudo, é incompatível com a presunção da inocência, na medida em que,
com relação a um dos seus elementos – a incompatibilidade do valor com “outro meio ilícito” –,
acaba por inverter o ônus da prova, fazendo pesar sobre o acusado a demonstração da licitude da
fonte pela qual obteve o bem ou valor.
A previsão de um elemento negativo indeterminado – no caso a inexistência de outro
meio lícito –, viola a garantia constitucional da presunção de inocência, por criar um tipo penal
em relação ao qual não será possível fazer recair sobre a acusação o ônus da prova sobre todos os
elementos do tipo penal. Embora seja possível a prova de fatos negativos, é impossível demonstrar
a inocorrência de um fato negativo indeterminado, isso porque, não sendo ele individualizável,
para fins probatórios, não há como convertê-lo em um fato positivo incompatível que,
comprovado, afastaria a inexistência do elemento negativo do tipo.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 75
Não se questiona o propósito firme de combate à corrupção, o que é uma exigência de
todos, seja para preservação do bom funcionamento da administração pública, seja para a própria
formação do senso ético da sociedade.
Há mecanismos de controle não criminais que podem e devem ser implementados, seja no
plano administrativo-funcional, seja no campo de verificação contestante da regularidade dos atos
administrativos. Por outro lado, técnicas tributárias de controle e imposições de sanções fiscais,
como por exemplo, em relação aos sinais exteriores de riquezas, podem ser também um
importante mecanismo de alerta contra funcionários públicos corruptos. Finalmente, a punição
por improbidade administrativa deverá ser também efetivamente utilizada contra servidores que
enriquecem ilicitamente. Antes de criar novos delitos, é preciso fazer funcionar as soluções não
criminalizadoras.
O que não se pode aceitar é uma cômoda criação do tipo penal de enriquecimento ilícito,
como forma de punir o funcionário público que, a partir de seu patrimônio desproporcional, se
presume corrupto, até prova em contrário de sua inocência.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 76
O alcance da nulidade decorrente da ausência de motivação da decisão a
respeito da resposta à acusação
Cristiano Avila Maronna Mestre e doutor em direito penal pela USP.
Diretor do IBCCRIM. Advogado.
Entre as mudanças legislativas promovidas nos últimos anos na área do processo penal,
uma das que mais suscitou – e continua a suscitar – polêmicas é a que introduziu inovação
procedimental consistente na apresentação, pela defesa, de resposta à acusação, conforme arts. 396
e seguintes do Código de Processo Penal, com a redação determinada pela Lei 11.719/2008.
“O art. 396-A é a complementação da profunda inovação que trazia o anteprojeto
enviado ao Congresso. Na previsão original, seria aberta a possibilidade de o
acusado apresentar uma defesa escrita para afastar o recebimento da denúncia.
Assim, pode-se dizer que o Projeto pretendia que, após o oferecimento da denúncia e
antes de o juiz decidir pelo seu recebimento, ao acusado fosse aberto prazo para
apresentar as razões que impediriam o desenvolvimento da relação jurídica
processual. Entretanto, não foi esta a opção do legislador quando da finalização do
Projeto. Esta defesa escrita será o momento para que o acusado apresente as suas
teses defensivas, bem como todo o resto que possa contribuir para a sua defesa,
inclusive o rol de suas testemunhas com o respectivo requerimento de intimação,
quando necessário. Pretende ser diferente da defesa prévia do antigo sistema, que,
na prática, salvo nos casos de manifesta inocência do acusado, limitava-se a dizer
que provaria a improcedência da denúncia ofertada ao final do procedimento e,
para tal, arrolava as testemunhas que entendia importantes. Em verdade, a única
importância da peça prevista no art. 395 era a de arrolar as testemunhas, sob pena
de preclusão, pois, de resto, a sua apresentação ou não pouco acrescentava no
convencimento do magistrado. Pela nova sistemática, a defesa escrita será muito
parecida com a contestação do processo civil. Não há, contudo, a aplicação do
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 77
princípio da eventualidade, mas é nesta fase do processo que o acusado deverá
apresentar de maneira mais ampla possível a sua defesa escrita. Neste momento,
deverá o acusado juntar os documentos que comprovem sua inocência e especificar
as provas que pretende produzir, como as periciais, por exemplo” (SANTOS,
Leandro Galluzi dos; MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis (Coord.). As
reformas no processo penal. São Paulo: RT, 2008. p. 324-325).
Conforme destacam Antonio Scarance Fernandes e Mariângela Lopes, na nova sistemática
procedimental, há dois momentos distintos para a análise a respeito do recebimento da inicial
acusatória (juízos de formulação progressiva): o primeiro antes da resposta do réu, no qual o
julgador emite um juízo provisório e preliminar a respeito da admissibilidade da acusação; o
segundo após a resposta do acusado (O recebimento da denúncia no novo procedimento. Boletim
IBCCRIM, São Paulo, n. 190, set. 2008, p. 2).
A respeito deste último momento, observam os ilustres autores citados que:
“O outro recebimento pode ocorrer depois de ser facultada ao acusado a
possibilidade de apresentar a sua resposta, na qual poderá alegar tudo que deseja
em sua defesa e postular a rejeição da acusação ou a sua absolvição sumária. O
juiz pode seguir três caminhos: rejeita a acusação, absolve sumariamente ou recebe a
denúncia ou queixa. (...) Não teria sentido abrir oportunidade ao acusado para
a sua resposta, na qual pode alegar qualquer matéria em sua defesa, inclusive as
que possibilitam a rejeição da denúncia ou queixa, se o juiz não pudesse mais
rejeitar a acusação” (op. cit. – grifos da reprodução).
Com efeito, o art. 396 do Código de Processo Penal dispõe que o juiz, ao receber a
denúncia ou queixa, ordenará a citação do acusado para responder por escrito à acusação.
É o momento para, conforme dispõe o art. 396-A do mesmo diploma legal, o acusado
arguir preliminares, oferecer documentos e justificações, arrolar testemunhas, especificar provas
que pretenda produzir, enfim, ocasião para alegar “tudo o que interessa à sua defesa”.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 78
Após a resposta defensiva há um novo juízo de admissibilidade da acusação, que deve ser
feito pelo juiz, do qual decorrem três possibilidades: rejeição da denúncia (art. 395 do CPP),
absolvição sumária do acusado (art. 397 do CPP) ou a designação de audiência de instrução e
julgamento (art. 399 do CPP).
Nas palavras de Amalia Gomes Zapala:
“Há um duplo juízo de admissibilidade da denúncia, resultado de dois juízos com
cognições diferentes. Há um juízo de admissibilidade inicial com a possibilidade de
uma rejeição liminar da denúncia ou queixa. Superado o primeiro filtro, oferecida
a resposta à acusação, haverá um novo juízo de viabilidade da denúncia, a fim de
se evitar a continuidade inútil do processo. Trata-se de exame mais aprofundado, de
um segundo filtro da acusação, dele podendo resultar ainda a absolvição do
acusado, extinguindo-se o processo com julgamento do mérito” (Apreciação judicial
da resposta à acusação no procedimento do júri. Boletim IBCCRIM, São Paulo,
ano 17, n. 201, p. 14-15, ago. 2009).
A resposta defensiva só assume sua finalidade de garantia se levado em consideração pelo
juiz tudo o que for alegado pelo acusado no interesse de sua defesa, o que exige, por consequência,
que a decisão exarada após a apresentação da resposta seja fundamentada.
Daí a necessidade de motivação, como já bem asseverou a Ministra Maria Thereza de
Assis Moura: “a inauguração da instância, por representar significativo gravame ao status dignitatis,
deve, sim, ser motivada. Tal decorre, mesmo, para que o réu possa compreender o processo mental pelo
qual passou o magistrado ao identificar a justa causa para a sujeição do acusado à persecutio criminis
in judicio” (STJ – HC 99.247 – Rel. para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe
17.05.2010).
Nesse sentido a doutrina de Márcio Orlando Bártoli:
“Abre-se parêntese para reafirmar a necessidade imperiosa de fundamentação dessa
decisão, como estabelecido pelo art. 93, IX da Constituição Federal. Não basta o
modelo standard do antigo carimbo padrão, nem o modelo hoje arquivado no
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 79
computador, sem fundamentação adequada, ambos amplamente utilizados sob
o fundamento falacioso de impossibilidade de ‘ingresso no mérito da ação penal
nessa fase inicial do processo’, para evitar o exame da correspondência da
denúncia com os elementos contidos no inquérito e assim impedir o excesso e
abuso de acusação, cujo exame é agora obrigatório. (...) Se há possibilidade de o
juiz reapreciar e rejeitar a denúncia, e absolver sumariamente o acusado, a única
conclusão lógica que se extrai é de que deve haver julgamento fundamentado
acolhendo ou rejeitando a defesa. Se não for proferida decisão nesses termos, por
que motivo o CPP teria aberto a oportunidade de apresentação da resposta do
acusado? Teria a lei criado uma armadilha para ser antecipada a tese defensiva a
ser desenvolvida no curso do processo? A ausência de decisão sobre a resposta
escrita representa ofensa à garantia constitucional do contraditório, porque
tudo o que é alegado pelas partes deve ser julgado pelo juiz” (Recebimento e
rejeição da denúncia, e absolvição sumária. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano
17, n. 202, p. 7, set. 2009, grifos da reprodução).
Realmente, seria uma profunda contradição a lei processual permitir ao acusado a
apresentação de resposta escrita, podendo alegar tudo o que interessar à sua defesa, e não haver
decisão motivada a respeito, postergando-se o exame dos argumentos defensivos para a fase da
sentença de mérito.
Na verdade, se o juiz deve justificar a absolvição sumária do acusado, a fortiori deve expor
a razão da rejeição dos argumentos defensivos, sob pena de nulidade do decisum.
A ausência de motivação da decisão que aprecia a resposta defensiva representa violação da
regra constitucional segundo a qual toda decisão judicial deve ser fundamentada, sob pena de
nulidade (art. 93, inciso IX, da CF).
Antônio Magalhães Gomes Filho, ao analisar o mandamento constitucional do art. 93,
IX, da Carta Política, observa, com precisão, que:
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 80
“Na redação adotada, dois pontos fundamentais merecem ser desde logo ressaltados,
(...). O primeiro diz respeito à extensão do dever judicial de motivar: ao referir-se a
todas as decisões, o constituinte evidentemente pretendeu incluir nessa exigência
todo e qualquer pronunciamento jurisdicional que contenha uma carga decisória,
mínima que seja, só estando excluídos, portanto, os denominados despachos de
expediente. O segundo está relacionado à previsão da sanção de nulidade no
próprio texto constitucional: além de constituir uma novidade, tanto no nosso
ordenamento como em relação ao direito constitucional comparado, isso revela a
gravidade dos vícios de motivação, pois a falta de motivos ou a fundamentação
deficiente ou contraditória mutilam a própria integridade do ato judicial” (A
motivação das decisões penais. São Paulo: RT, 2001. p. 71-72).
Decisões genéricas e carimbáticas, que simplesmente atestam que “as questões apresentadas
pela Defesa são de mérito e serão analisadas no momento oportuno”, não se coadunam com o preceito
do art. 93, IX, da CF, pois carecem da devida motivação que propicia, nas palavras de Rogério
Lauria Tucci:
“com as indispensáveis clareza, lógica e precisão, a perfeita compreensão da
abordagem de todos os pontos questionados e, conseqüente e precipuamente, a
conclusão atingida” (Direitos e garantias individuais. São Paulo: Saraiva, 1993. p.
262).
Na jurisprudência, apesar de algumas oscilações iniciais, consolidou-se o entendimento de
que a ausência de apreciação motivada das teses articuladas na resposta à acusação caracteriza
nulidade.
Sobre a questão do alcance decorrente do reconhecimento de referida nulidade, há
decisões em sentidos diversos, que merecem análise detida.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por exemplo, reconheceu a necessidade de
fundamentação da decisão judicial que analisa resposta à acusação, sem contudo determinar a
anulação do feito a partir da ocorrência da nulidade, sob o entendimento de que seria possível
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 81
saná-la a qualquer momento antes da prolação da sentença de mérito, com arrimo no princípio
do aproveitamento dos atos processuais. Veja-se:
“[...] 3. Se o réu, na resposta escrita de que trata o artigo 396-A do Código de
Processo Penal, formula alegações de inépcia da denúncia e de ausência de justa
causa para a ação penal, deve o juiz apreciá-las, não podendo escusar-se a conta de
que, se o fizesse, estaria concedendo habeas corpus contra ato próprio. 4. Se o artigo
397 do Código de Processo Penal, em sua redação atual, autoriza o juiz a até
mesmo absolver o réu sem proceder à instrução probatória, com muito mais razão o
dispositivo permite a apreciação de questões processuais capazes, em tese, de levar à
rejeição da denúncia. 5. A decisão de recebimento da denúncia, prevista no artigo
396 do Código de Processo Penal, constitui mero juízo de delibação, é proferida
com base em cognição sumária e tem caráter provisório, não sendo sequer razoável
que produza preclusão pro judicato” (2.ª T., HC 0000139-
44.2011.4.03.0000/SP, Rel. Des. Federal Nelton dos Santos, m.v., j.
29.03.2011).
No corpo deste acórdão está dito que:
“Em tema de nulidades processuais, um dos princípios mais importantes é o do
aproveitamento dos atos, de acordo com o qual só restam afetados pela declaração de
nulidade aqueles cuja preservação seja incompatível com a própria declaração.
Desse modo, cabe ao juiz da causa, ao apreciar as questões suscitadas pela defesa,
examinar se há, dentre os atos posteriores à decisão de f. 530-532 dos autos
principais (f. 563-665 destes autos), algum ou alguns que precisem ser repetidos ou
renovados. O caso é, portanto, de afastar-se o óbice apontado pela juíza impetrada e
determinar-se que profira decisão sobre as questões suscitadas nas respostas e ainda
não apreciadas. (...) A prolação de tal decisão, todavia, não necessariamente
compromete os atos de instrução e tampouco a realização dos interrogatórios,
devendo a autoridade impetrada aferir, em concreto e à vista do princípio do
aproveitamento dos atos processuais, a necessidade de renovação ou repetição”.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 82
Em sentido oposto, o Tribunal de Justiça de São Paulo, entendendo que o acusado tem
direito à apreciação fundamentada das preliminares e matérias arguidas em sede de resposta à
denúncia, anulou ação penal desde a ocorrência da nulidade, porquanto o magistrado não
explicitou os motivos da rejeição do pedido de absolvição sumária. Confira-se:
“Processo penal. Art. 399. Prosseguimento do feito. Fundamentação da decisão.
Necessidade. Defesa que alegou tudo o que interessava na fase do art. 396-A do
CPP. Direito à apreciação fundamentada das preliminares e matérias arguidas em
sede de resposta à denúncia. Resposta que exige do magistrado decisão complexa e
fundamentada. Decisão que não explicitou os motivos da rejeição do pedido de
absolvição sumária. Nulidade. Ordem concedida” (TJSP, 14.ª Câm., HC
990.09.123605-5, rel. Des. Hermann Herschander, v.u., j. 13.08.2009,
ementa não oficial, Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 17, n. 203, p. 1, out.,
2009, caderno de jurisprudência).
No corpo do v. aresto citado restou consignado que:
“Não há dúvida de que o direito à resposta preliminar conferido à Defesa pela
nova sistemática processual tem como consectário inarredável o direito à
apreciação fundamentada das preliminares e matérias ali argüidas, quaisquer
que sejam. Portanto, a resposta oferecida exigia do MM. Juiz decisão complexa
e acuradamente fundamentada. (...) Todavia, a defesa foi rejeitada nos seguintes
termos: ‘Com o novo rito procedimental trazido pela Lei n, 11.719/08, a defesa
escrita passou a ser peça essencial de ataque do réu às imputações lhe são feitas na
peça acusatória. Por meio dela, deve o defensor alegar toda a matéria que venha a
diminuir as pretensões opostas pelo órgão acusatório, visando, com isso, a absolvição
sumária. Ao que noto, as defesas e documentos de fls. 105/144 não tem esse condão,
razão pela qual entendo que não se trata de hipótese de absolvição sumária’. Data
venia, é manifesta a carência de fundamentação do aludido despacho. Como
vimos, uma das teses suscitadas pela Defesa dizia respeito exatamente a hipótese
legal de absolvição sumária; entretanto, a decisão se limita a dizer que ‘não se trata
de hipótese de absolvição sumária’, sem explicitar os motivos desse entendimento.
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 83
Quanto às preliminares e ao requerimento defensivo, a digna Autoridade coatora
nada diz. Ora, se ao Juiz somente fosse imposta a apreciação de matérias
pertinentes às hipóteses de absolvição sumária, não se compreenderia a razão
pela qual a lei faculta à Defesa, nesse momento, a argüição de preliminares. (...)
Temos que a solução adequada à hipótese é a anulação do feito a partir da
decisão que rejeitou a resposta preliminar. (...) Assim, caberá ao MM. Juiz
apreciar todas as teses defensivas, na forma devida. Não cabe alegar que, já
antes recebida a denúncia pelo MM. Juiz, não lhe caber apreciar a tese de
ausência de justa causa, pois ultrapassada. Desde logo cabe destacar que a
Defesa não fora chamada a manifestar-se antes do recebimento da denúncia;
portanto, a resposta preliminar é o primeiro momento em que a falta de justa
causa pode ser por ela suscitada. A par disso, sendo a falta de justa causa
questão cuja relevância permite até mesmo a rejeição de plano da denúncia ou
da queixa, não faz sentido impedir que, caso ela venha a ser constatada a
seguir, através de elementos trazidos pela resposta preliminar, o Magistrado a
reconheça e obste o infrutífero prosseguimento do feito, através de juízo de
retratação do recebimento da denúncia.É por tal razão que, embora não
vislumbremos na norma do artigo 399 do CPP um segundo recebimento da
denúncia, consideramos que ela pretende significar a manutenção do recebimento
anterior, quando não abalado pelas alegações trazidas pela defesa prévia. Em outros
termos: oferecida a denúncia ou queixa, se não vislumbrar desde logo hipótese de
rejeição liminar, o juiz a receberá, determinando a citação. Mais tarde, após a
resposta defensiva, o juiz deverá manter ou retratar o recebimento da denúncia.
Esta última hipótese ocorrerá quando a resposta trouxer elementos, antes não
vislumbrados pelo Juiz, que imponham a rejeição. Basta supor, por exemplo,
hipótese em que a resposta defensiva hospede preliminar que convença o juiz da
inépcia da exordial, antes não constatada. Ele não estará impedido de reconhecê-la.
Portanto, deve o Magistrado nessa fase, para manter o recebimento da
denúncia, rejeitar fundamentadamente eventuais alegações defensivas relativas
às hipóteses de rejeição, previstas no artigo 395 do CPP. Anula-se o feito,
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 84
portanto, a partir da decisão que rejeitou a defesa prévia, por carência de
fundamentação” (grifos da reprodução).
No Superior Tribunal de Justiça, recentes julgados vêm agasalhando a tese de que a
nulidade decorrente da ausência de motivação da decisão que aprecia resposta à acusação tem
como efeito a invalidação retroativa de todos os atos processuais praticados. Nessa direção, os
seguintes precedentes:
“Habeas corpus. Crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Evasão de
divisas. Designação de audiência de instrução e julgamento antes da
manifestação prevista no artigo 397 do código de processo penal. Ilegalidade.
Ordem concedida.
1. Com o advento da Lei n. 11.719/08, o recebimento da denúncia passou a
tratar-se de ato complexo, a ser exercido em duas fases distintas. Assim, após o
recebimento da denúncia o juiz ordenará a citação do acusado para oferecer
resposta à inicial acusatória, devendo se manifestar sobre as razões deduzidas na
resposta à acusação. 2. A inobservância do disposto no art. 397 do Código de
Processo Penal contraria o devido processo legal, sendo evidente o prejuízo
ocasionado ao paciente, que não teve as suas razões previamente analisadas pelo
magistrado de origem. 3. ‘Se não fosse necessário exigir que o Magistrado apreciasse
as questões relevantes trazidas pela defesa – sejam preliminares ou questões de
mérito – seria inócua a previsão normativa que assegura o oferecimento de resposta
ao acusado’ (HC 138.089/SC, Rel. Ministro Félix Fischer, DJe 02.03.2010). 4.
Habeas corpus concedido para anular o processo desde a apresentação da resposta à
acusação, determinando-se que o Juízo de primeiro grau analise as matérias
arguidas pela defesa, nos termos do art. 396 e seguintes do Código de Processo
Penal” (STJ, 5.ª T., HC 183.355, Rel. Adilson Macabu, m.v., 03.05.2012).
“Habeas corpus. Processual penal. Roubo duplamente circunstanciado. Recebimento da denúncia.
Ato despido de conteúdo decisório. Desnecessidade de substancial fundamentação. Nova
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 85
sistemática implementada pela Lei n. 11.719/2008. Resposta à acusação. Imprescindibilidade de
manifestação do juiz acerca de seu conteúdo. Nulidade configurada.
1. De acordo com o entendimento jurisprudencial sedimentado nessa Corte de
Justiça e no Supremo Tribunal Federal, o ato judicial que recebe a denúncia, ou
seja, aquele a que se faz referência no art. 396 do CPP, por não possuir conteúdo
decisório, prescinde de substancial fundamentação, na forma exigida pelo art. 93,
inciso IX, da Constituição da República. 2. A reforma legislativa introduzida pela
Lei 11.719/2008, trouxe como consequência profunda alteração no que antes se
definia como defesa prévia, consistente em manifestação de conteúdo limitado e
reduzido, circunscrita basicamente à apresentação do rol de testemunhas do
acusado. 3. A partir da nova sistemática, tem-se a previsão de uma defesa robusta,
ainda que realizada em sede preliminar, na qual o acusado poderá ‘arguir
preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e
justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as
e requerendo sua intimação, quando necessário’. 4. Não haveria razão de ser na
inovação legislativa se não se esperasse do magistrado a apreciação, ainda que
sucinta e superficial, das questões suscitadas pela defesa na resposta à acusação. 5.
No caso, o magistrado de piso, após recebida a resposta à acusação, em que se
debatiam diversas questões, preliminares e de mérito, apenas proferiu despacho
determinando a designação de audiência, concluindo, assim, pelo prosseguimento do
feito, sem que se manifestasse minimamente sobre as teses defensivas, o que enseja
inarredável nulidade. (...) 7. Ordem concedida para anular o processo de que se
cuida a partir do despacho que designou a audiência de instrução e julgamento,
devendo o juiz de primeiro grau manifestar-se fundamentadamente acerca da
resposta à acusação, nos termos do art. 397 do CPP” (STJ, 6.ª T., HC 232.842,
rel. Min. Og Fernandes, j. 11.09.2012, v.u.).
Por se tratar de questão de ordem pública, que envolve as garantias constitucionais do
contraditório, ampla defesa e motivação das decisões judiciais, atingindo a essência do que se pode
chamar de devida marcha procedimental, a nulidade pode (e deve) ser reconhecida a qualquer
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 86
tempo e grau de jurisdição, inclusive após o trânsito em julgado, uma vez que a matéria em foco
não se sujeita à preclusão.
O alcance da irregularidade, portanto, não está condicionado à eventual demonstração
concreta de prejuízo, uma vez que se trata de nulidade absoluta.
Trata-se da única interpretação possível a respeito da sistemática procedimental instituída
pela novel legislação – que em tudo se coaduna com o processo penal de estrutura cooperatória
que se realiza por intermédio do contraditório como método de busca da verdade baseado na
contraposição dialética1 –, no sentido do efetivo controle judicial da legalidade da acusação e da
concretização da ideia de paridade de armas.
1 GRINOVER, Ada Pellegrini. “Defesa, Contraditório, igualdade e par condicio na ótica do professo de estrutura cooperatória” in O processo constitucional em marcha, São Paulo, Max Limonad, 1985, p. 9).
Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 87
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Iniciar com a titulação acadêmica (da última para a primeira); caso exerça o magistério,
inserir os dados pertinentes, logo após a titulação; em seguida completar as informações
adicionais (associações ou outras instituições de que seja integrante) – máximo de três;
finalizar com a função ou profissão exercida (que não seja na área acadêmica).
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Exemplo:
Pós-doutor em Direito Público pela Università Statale di Milano e pela Universidad de
Valencia. Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor em Direito
Processual Civil na Faculdade de Direito da USP. Membro do IBDP. Juiz Federal em
Londrina.
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português e em outra língua estrangeira, preferencialmente em inglês;
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texto e que possam facilitar posterior pesquisa ao trabalho.
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identificação de seu autor e será remetido à análise de três pareceristas, membros do
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constantes do formulário de parecer.
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de eventual rejeição dos trabalhos, a fim de que possam adaptar o trabalho ou
justificar a manutenção do formato original. Em todo caso, a decisão final sobre a
publicação ou não dos artigos em que o autor manteve o formato original cabe à
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de fundamental importância para o tema.
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