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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 2

DIRETORIA DA GESTÃO 2013/2014

DIRETORIA EXECUTIVA

Presidente: Mariângela Gama de Magalhães Gomes

1ª Vice-Presidente: Helena Regina Lobo da Costa

2o Vice-Presidente: Cristiano Avila Maronna

1ª Secretária: Heloisa Estellita

2o Secretário: Pedro Luiz Bueno de Andrade

1o Tesoureiro: Fábio Tofic Simantob

2o Tesoureiro: Andre Pires de Andrade Kehdi

Diretora Nacional das Coordenadorias Regionais e Estaduais: Eleonora Rangel Nacif

Assessor da Presidência: Rafael Lira

CONSELHO CONSULTIVO

Ana Lúcia Menezes Vieira

Ana Sofia Schmidt de Oliveira

Diogo Rudge Malan

Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró

Marta Saad

OUVIDOR

Paulo Sérgio de Oliveira

COORDENADORES-CHEFES DOS DEPARTAMENTOS

Biblioteca: Ana Elisa Liberatore S. Bechara

Boletim: Rogério FernandoTaffarello

Comunicação e Marketing: Cristiano Avila Maronna

Cursos: Paula Lima Hyppolito Oliveira

Estudos e Projetos Legislativos: Leandro Sarcedo

Iniciação Científica: Ana Carolina Carlos de Oliveira

Mesas de Estudos e Debates: Andrea Cristina D’Angelo

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 3

Monografias: Fernanda Regina Vilares

Núcleo de Pesquisas: Bruna Angotti

Relações Internacionais: Marina Pinhão Coelho Araújo

Revista Brasileira de Ciências Criminais: Heloisa Estellita

Revista Liberdades: Alexis Couto de Brito

Tribuna Virtual IBCCRIM: Bruno Salles Pereira Ribeiro

PRESIDENTES DOS GRUPOS DE TRABALHO

Amicus Curiae: Thiago Bottino

Código Penal: Renato de Mello Jorge Silveira

Cooperação Jurídica Internacional: Antenor Madruga

Direito Penal Econômico: Pierpaolo Cruz Bottini

Habeas Corpus: Pedro Luiz Bueno de Andrade

Justiça e Segurança: Alessandra Teixeira

Política Nacional de Drogas: Sérgio Salomão Shecaira

Sistema Prisional: Fernanda Emy Matsuda

PRESIDENTES DAS COMISSÕES ESPECIAIS

19º Seminário Internacional: Carlos Alberto Pires Mendes

Cursos com a Universidade de Coimbra: Ana Lúcia Menezes Vieira

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 4

GESTÃO DA TRIBUNA VIRTUAL IBCCRIM

Coordenador-Chefe

Bruno Salles Pereira Ribeiro

Coordenadores Adjuntos

Adriano Scalzaretto

Guilherme Suguimori Santos

Matheus Silveira Pupo

Conselho Editorial

Amélia Emy Rebouças Imasaki, Anderson Bezerra Lopes, André Adriano do Nascimento Silva, Antonio Baptista Gonçalves, Átila Machado, Camila Garcia, Carlos Henrique da Silva Ayres, Christiany Pegorari Conte, Danilo Ticami, Davi Rodney Silva, Diogo Henrique Duarte de Parra, Eduardo Henrique Balbino Pasqua, Érica Akie Hashimoto, Fabiana Zanatta Viana, Fábio Suardi D’ Elia, Francisco Pereira de Queiroz, Gabriela Prioli Della Vedova, Giancarlo Silkunas Vay, Guilherme Suguimori Santos, Humberto Barrionuevo Fabretti, Ilana Martins Luz, Janaina Soares Gallo, José Carlos Abissamra Filho, Luiz Gustavo Fernandes, Marcel Figueiredo Gonçalves, Marcela Veturini Diorio, Marcelo Feller, Matheus Silveira Pupo, Milene Maurício, Rafael Lira, Ricardo Batista Capelli, Rodrigo Dall’Acqua, Ryanna Pala Veras, Thiago Colombo Bertoncello e Yuri Felix.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 5

APRESENTAÇÃO

O IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, pauta-se, acima de tudo, pela

defesa das liberdades individuais dos cidadãos e pela proteção de seus direitos fundamentais.

Seja para abrir os caminhos entre as veredas das ciências, seja para municiar o campo de

batalha da defesa da liberdade, proporcionar meios de difusão do pensamento sempre esteve entre

as principais atividades do IBCCRM em seus 20 anos de existência. Assim o comprova o Boletim

do IBCCRIM, a Revista Brasileira de Ciências Criminais e a Revista Liberdades.

Poder falar e ouvir são pressupostos fundamentais do exercício da liberdade. É também

falando e escutando que se desenvolve o processo dialético de lapidação de ideias, maneira pela

qual se constrói a verdadeira e legítima ciência.

Na verdade, uma publicação científica é antes de tudo uma tribuna, onde o pensamento

humano se amplifica, onde as ideias se libertam e ganham voz, uma voz que não serve às palavras

do poder, mas sim ao poder de uma palavra: liberdade.

Inspirado por esses ideais surge um novo espaço de intercâmbio de ideias e de fomento do

pensamento científico adequado à modernidade tecnológica globalizada. Assim é concebido este

periódico: uma Tribuna Virtual do IBCCRIM.

Uma plataforma globalmente acessível, que tem como objetivo receber e difundir os

conhecimentos das ciências criminais para além das barreiras territoriais - essa é nossa tribuna.

Após 20 anos de incansável defesa das garantias fundamentais, esperamos que nesta

Tribuna o vigor científico surja do embate de ideias, experiências e pontos de vista plurais e

democráticos, a individualidade ceda lugar ao debate, o autoritarismo e o medo se calem e o

pensamento humano amplifique e dê sentido ao conceito de liberdade sonhado por este instituto.

Seja voz nesta tribuna.

Envie seu artigo.

“Participe por acreditar".

Coordenação da Tribuna Virtual IBCCRIM.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 6

SUMÁRIO

• Diretoria da Gestão 2013/2014.................................................. 02

• Gestão da Tribuna Virtual IBCCRIM........................................ 04

• Apresentação............................................................................... 05

• Artigos

o A propósito de Filangieri: ¿Ha muerto el Iluminismo penal?

E. Raúl Zaffaroni..........................................................................07

o Reforma penal: Codificação ou Consolidação?

René Ariel Dotti............................................................................23

o A reforma penal: crítica da disciplina legal do crime

Juarez Cirino dos Santos................................................................27

o O crime de enriquecimento ilícito no Projeto de Código Penal, em face da presunção de inocência

Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró...........................................50

o O alcance da nulidade decorrente da ausência de motivação da decisão a respeito da resposta à acusação

Cristiano Avila Maronna..............................................................76

• Normas para publicação na Tribuna Virtual IBCCRIM............. 87

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 7

A propósito de Filangieri: ¿Ha muerto el Iluminismo penal? (1)

E. Raúl Zaffaroni Profesor Emérito de la Universidad de Buenos Aires.

Sumário: 1. ¿Iluminismo en el siglo XXI? – 2. ¿El posmodernismo penal imita a Ferri? – 3. La pregunta previa: ¿Qué fue el Iluminismo penal? – 4. La naturaleza del Iluminismo penal – 5. El Iluminismo fue un movimiento europeo – 6. ¿Era Filangieri un revolucionario? – 7. El Iluminismo penal como momento de una constante – 8. La enseñanza actual del Iluminismo – 9 ¿Estamos en las puertas de un cambio? – 10. ¿Debemos elegir nuevamente?

1. ¿Iluminismo en el siglo XXI?

La reivindicación del Iluminismo penal en esta segunda década del siglo XXI no se adecua

a los actuales valores hegemónicos en la materia, dominados por el exclusivo interés por los

aspectos considerados técnicos de la dogmática jurídica y por los llamados pragmáticos en el ámbito

político y legislativo.

Menos adecuada a este marco contemporáneo resulta aún la reedición argentina de la

traducción castellana del primer tomo de la obra de Gaetano Filangieri2, única razón que justifica

nuestra osadía con alguna referencia al gran ilustrado napolitano en esta sede, pues con motivo de

esa publicación revisitamos, entre otras cosas, la biografía –un tanto novelada- de Ruggiero3 y las

actas del magnífico seminario del Castello Giuzzo de 19824.

1 El presente texto corresponde a las notas ordenadas de nuestra intervención en el seminario italo-argentino sobre “Valori, attualità e prospettive dell’Illumnismo giuridico”, Dipartimento di Scienze penalistiche, criminologiche e penitenziari, Università degli Studi di Napoli Federico II, setiembre de 2012. Con todo afecto lo dedicamos al colega y amigo Carlos Elbert, con quien compartimos muchos años de experiencia judicial y académica.

2 Ciencia de la Legislación, con presentación de Sergio Moccia, EDIAR, Buenos Aires, 2012.

3 Gerardo Ruggiero, Gaetano Filangieri. Un uomo, una famiglia, un amore nella Napoli del Settecento, Alfredo Guida Ed., Napoli, 1999.

4 Atti del Convegno “Gaetano Filangieri e l’Illuminismo europeo”, tenutosi a Vico Equense dal 14 al 16 Ottobre 1982 e organizzato dall’Istituto Suor Orsola Benincasa, dall’Istituto Italiano per gli Studi Filosofici e dall’Istituto di Filosofia del Diritto della Facoltà di Giurisprudenza dell’Università di Napoli, con introducción de Antonio Villani, Guida Ed., Napoli, 1991.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 8

Sin embargo, creemos que ha llegado el momento de alzar la vista por sobre los estrechos

límites que nos impone hoy el predominante academicismo y los oligopolios mediáticos -que

marcan la agenda de la política criminal en todo el mundo- y tomar consciencia de que este

posmodernismo penal que declara oficialmente muerto no sólo al Iluminismo, sino incluso al viejo y

buen derecho penal liberal, en realidad es sólo un momento en un curso histórico que debemos

considerar en su totalidad y no con la visión distorsionada que nos proporciona un puro recorte

transversal del presente.

La pretensión posmoderna de sepultar al Iluminismo y su secuela no siempre se expresa

claramente, por cierto, sino que suele presentarse como un tributo a sus protagonistas, pero de

honores póstumos, o sea, reducidos a la condición de predecesores remotos y difuntos, que ya no

tienen nada que decirnos. Para quienes ni siquiera alientan razones emotivas para recordarlos, no

pasan de ser una curiosidad, en ocasiones con tinte morboso y siempre con el acostumbrado tono

de suficiencia por parte de quien siente que el sólo paso del tiempo le permite ser más sabio.

2. ¿El posmodernismo penal imita a Ferri?

Cabe observar que nada muy diferente tuvo lugar cuando Ferri inventó la famosa escuela

clásica, pretendidamente fundada por Beccaria y acaudillada por Carrara: encerró a todos sus

protagonistas en un panteón académico, arrojó la llave al mar y proclamó que de ese modo abría

la auténtica etapa científica que, por supuesto, era la suya.

Creemos que esa fue la mejor humorada ferriana o, al menos, la más exitosa, pues

sobrevive hasta el presente, pese a que es absurdo pensar que hubo una escuela integrada por

criticistas, hegelianos, kantianos, krausistas, aristotélicos, materialistas, espiritualistas, etc., lo que

se asemejaría más a un parlamento pluripartidista que a una escuela 5.

Este antecedente de una táctica -que bien podemos llamar de renovación catastrofista, pues

pretende arrasar con todo lo anterior- debe alertarnos acerca de las partidas de defunción

ideológicas, que muchas veces se extienden a nombre de quienes gozan de perfecta salud.

5 Esto lo sostenemos desde nuestro Derecho Penal, Parte General, EDIAR, Buenos Aires, T.II, 1983.

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3. La pregunta previa: ¿Qué fue el Iluminismo penal?

Para eludir las trampas propias de esta táctica, es menester preguntarse ante todo, qué fue

el luminismo penal del siglo XVIII.

Esta cuestión presenta dos aspectos: 1) ¿Qué naturaleza tuvo, es decir, fue un movimiento

del status quo o bien, debe reconocérsele carácter revolucionario? 2) En segundo lugar, ante las

pretensiones nacionales de los diferentes países por hegemonizarlo, es necesario esclarecer su

extensión: ¿Fue un movimiento propio de algún país en particular o más bien se trató de un

fenómeno continental? ¿Podemos distinguir diferentes intensidades de aportes nacionales? ¿Vale la

pena hacerlo?

Como parte de esta segunda cuestión corresponderá analizar qué significó la intervención

napolitana y en particular la de Filangieri.

Apenas después de desbrozar el camino respondiendo a estos interrogantes, estaremos en

condiciones de evaluar sus perspectivas desde nuestra posición en el tiempo y el espacio.

4. La naturaleza del Iluminismo penal

En cuanto a la primera cuestión, esto es, la referida a la naturaleza del Iluminismo,

debemos confesar que en cierta forma sentimos que usurpamos el lugar que corresponde a otro,

pues quien en lengua castellana, en el cono sur americano y desde los albores de la segunda mitad

del siglo pasado, nos enseñó a valorar el aporte iluminista, fue Manuel de Rivacoba y Rivacoba,

penalista español y exiliado republicano6.

6 Rivacoba (1925-2000) fue profesor en la Universidad Nacional del Litoral en Santa Fe, Argentina, y luego en la Universidad de Valparaiso en Chile. Entre sus obras se destaca Krausismo y derecho, Santa Fe, 1968, su estudio sobre el iluminista español: Lardizabal, un penalista ilustrado, Santa Fe, 1964; su trabajo póstumo, Manuel de Lardizábal o el pensamiento ilustrado en derecho penal, en colaboración con José Luis Guzmán Dalbora, como Estudio preliminar al Discurso sobre las penas, publicado en Vitoria/Gasteiz en 2001.

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Cuando una cuestión ha sido explicada con acierto, lo mejor es remitirse a lo hecho,

evitando replanteos que oscurecerían lo logrado, razón por la que en los párrafos que siguen

retomaremos en buena medida las líneas que trazó Rivacoba 7.

La diferencia entre el pensamiento iluminista y el revolucionario no puede demarcarse

muy estrictamente, porque pueden seguirse dos criterios diferentes y que no siempre coinciden: el

de la actitud política individual y el ideológico.

Sin duda que es posible distinguir muy nítidamente entre dos actitudes políticas: (a) la del

déspota ilustrado, que se limitaba a proponer un reacomodamiento de las tazas en el armario para

evitar su caída total, es decir, el famoso todo para el pueblo, todo por el pueblo, pero sin el pueblo, y

(b) la del revolucionario, que aspiraba a derribar todo el armario para rehacerlo con el pueblo.

Gráficamente, corresponden respectivamente a las imágenes de unos señores con peluca

apoltronados en sillones de terciopelo y otros como Marat, arengando o asesinado en la bañera.

Por cierto que fueron varios los iluministas que se espantaron ante la violencia de los

movimientos revolucionarios y acabaron en el polo opuesto, restaurador y reaccionario.

Pero estas actitudes política personales no siempre tuvieron un exacto paralelo ideológico,

pues no reconocen límites precisos en este aspecto, dado que con frecuencia el pensamiento no era

muy diferente entre unos y otros, ni necesariamente era siempre más conservador el primero que

el segundo. Puede afirmarse que hubo un fondo ideológico común que nutrió a quienes

adoptaron una u otra actitud política o, al menos, un camino común que recorrieron ambos,

aunque algunos llegaron más lejos que otros y no necesariamente los más revolucionarios.

Esto obedece a que la deslegitimación del poder absoluto y la invocación del pueblo -o al

menos del público-, inevitablemente marcaba el ocaso del antiguo régimen. En este sentido desde

su perspectiva llevaban razón los sectores hegemónicos de la nobleza, del feudalismo y del clero,

7 En particular en La reforma penal de la Ilustración y Marat o el pensamiento revolucionario en derecho penal, ambos recopilados en Violencia y justicia. Textos escogidos por sus alumnos, Universidad de Valparaíso, 2012; también su prólogo a Verri, Observaciones sobre la tortura, Buenos Aires, 1977.

.

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cuando denunciaban a los iluministas e impetraban su persecución, invocando el peligro que

implicaba para ellos esa nefasta costumbre de pensar.

5. El Iluminismo fue un movimiento europeo

En el curso de la Revolución Industrial comenzó a buscarse la verdad fuera de los dogmas

teológicos y sus adyacencias. En casi todos los países hubo quienes tomaron la antorcha de la

razón para avanzar en las tinieblas del oscurantismo que prohibía pensar, sea por la vía deductiva

o por la del empirismo8.

De la mano de intelectuales que ocupaban posiciones de poder muy secundarias,

subestimados por los poderosos, comenzó esa búsqueda. Era natural que así fuese, pues otros no

podían hacerlo. El monopolio del saber se amplió a medida que los señores fueron creando las

burocracias que los asistían en la gestión de los diferentes aspectos del sujeto público. El poder que

pretendía regular la vida pública no podía manejarse con el limitado círculo de quienes sólo

habían administrado la muerte9 y, por ende, la ampliación de las burocracias generó una clase de

intelectuales segundones, algunos de los cuales comenzaron a pensar por cuenta propia.

Este proceso no se limitó a ningún país europeo en particular, sino que fue más o menos

contemporáneo en toda Europa. Las tesis iluministas se escribían en lenguas vulgares y se

traducían inmediatamente, debatiéndose desde los otros países. Los iluministas de toda Europa

discutían y dialogaban entre ellos, se reprochaban por haberse quedado atrás en el pensamiento o

por avanzar demasiado rápido. En rigor, esta discusión era el motor que los hacía avanzar en

grupo por el túnel oscuro repleto de fantasmas de los viejos dogmatismos.

Como era de esperar, en semejante explosión del pensamiento fueron muchos los escritos

y libros, de diversa extensión y naturaleza, que entraron en las discusiones del Iluminismo en

construcción y, sin lugar a dudas, la contribución napolitana, en particular por medio de la obra

de Gaetano Filangieri, fue una de los más mencionados.

8 Sobre esto, Ernst Cassirer, Filosofía de la Ilustración, México, 1972.

9 El tema fue claramente expuesto por M. Foucault.

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Sólo desde la particular perspectiva filosófica del idealismo actual se puede explicar la

subestimación de la obra de Filangieri por parte de Croce y de Gentile10, que en nada puede

menguar la prueba objetiva de su trascendencia en el debate de su tiempo, lo que se verifica por el

general interés en traducir la obra de inmediato a las otras lenguas romance europeas. Las

traducciones alemanas, las citas de Feuerbach11 y el empeño de Goethe por visitarlo

personalmente y dejar testimonio de la impresión que le produjo su trato12, son la prueba objetiva

más contundente acerca de la importancia que se le concedió a su obra en el debate iluminista.

No menos elocuente a este respecto es la conocida expresión de Napoleón Bonaparte al

calificarlo de maestro de todos nosotros, en ocasión de amparar a sus hijos y a su viuda, exiliados

después de la derrota de la República Partenopea13.

Por otra parte, Filangieri no surgió en Nápoles de la nada, no fue un brote o flor exótica

ni se hallaba en un desierto intelectual. De alguna manera fue la punta de una flecha pensante que

pasó por Gianbattista Vico y Antonio Genovesi.

6. ¿Era Filangieri un revolucionario?

Más allá de la extinción de su existencia terrena, Filangieri se prolongó en los héroes y

mártires de la República unos pocos años después y, entre ellos, en la pluma de Francesco Mario

Pagano14.

Uno de los objetivos de nuestro autor fue acabar con el régimen feudal y las potestades de

los señores, lo que le acarreó serios problemas y no pocos enemigos, aunque fueron muchos más

quienes lo miraban con desconfianza. Lógicamente, para eso debía poner en primer lugar el

10 Sobre esto el documentado trabajo de Paolo Becchi, Aspetti e figure Della recezione di Filangieri in Germania, en Atti, cit., pág. 214, nota 1.

11 Idem.

12 Idem, pág. 220.

13 Gerardo Ruggieri, op. cit., pág. 415.

14 Francisco Mario Pagano, Principios del Código Penal, con introducción y notas de Sergio Moccia y revisión de Manuel de Rivacoba y Rivacoba, Ed. Hammurabi, Buenos Aires, 2002; los trabajos de Pagano: Saggi politici dei principii, progressi e decadenza delle società, Lugano, 1836.

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derecho de la igualdad y elevarlo por sobre el resto de los derechos, lo que no deja de ser una

particularidad digna de tenerse en cuenta.

Esta posición dominante de la igualdad surge expresamente en el texto de elevación del

proyecto de Constitución republicana de 1799, que en este aspecto se permite enmendarle la

plana a la propia constitución francesa. Con transparente claridad puede afirmarse que se trata del

pensamiento esencial de Filangieri acerca de la igualdad como derecho fundamental.

Nos permitimos citarlo in extenso, pues de este modo podrá verificarse que parece salido

de la pluma del propio Filangieri: La cosa más egregia que se halla en las constituciones modernas

es la declaración de los derechos del hombre. Falta en las antiguas legislaciones esta base sólida e

inmutable. No nos limitamos a beneficiarnos de la declaración que encabeza la constitución

francesa, sino que además advertimos que la igualdad no es un derecho del hombre, según lo

considera esa declaración, sino la base de todos los derechos y el principio sobre los que éstos se

establecen y fundan. La igualdad es una relación y los derechos son facultades. Son las facultades

de actuar que la ley de la naturaleza, esto es, la invariable razón y conocimiento de las relaciones

naturaleza, tanto como la ley social positiva, conceden a cada uno. De esa relación de igualdad

natural que existe entre los hombres se deriva la existencia y la igualdad de los derechos cuando

los hombres son similares, pero siendo iguales entre ellos, tienen las mismas facultades físicas y

morales: cada uno tiene tanta razón para valerse de sus fuerzas naturales como su semejante. De

esto se deduce que las facultades naturales indefinidas por la naturaleza, deben ser definidas por la

razón, debiendo cada uno valerse de ella para que los otros puedan hacer lo propio. De lo que se

sigue que los derechos son iguales, puesto que tratándose de seres iguales, iguales deben ser las

facultades de actuar. He aquí, por tanto, como de la semejanza e igualdad de la naturaleza surgen

todos los derechos del hombre y la igualdad de tales derechos15.

Sin duda que pocos resistirán la tentación de preguntarse qué hubiese hecho Filangieri si

la tuberculosis no hubiese acabado con su vida y hubiese llegado a los tiempos de la República.

15 Costituzione Napoletana del 1799, Rapporto del Comitato di Legislazione al Governo Provvisorio.

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A la luz de su resistencia a participar de la vida cortesana y a su renuncia y alejamiento de

ese medio, para el que parecía destinado por su pertenencia a una familia noble principesca,

pareciera que su actitud habría sido republicana. Pero como la historia no se escribe con

potenciales, no podemos responder afirmando que la tuberculosis le salvó del destino heroico y

trágico de sus amigos Francesco Mario Pagano y Domenico Cirillo, o del camino de regresión

seguido por su primer biógrafo y apologista, Donato Tommasi, que se inclinó ante la restauración

borbónica. Por el beneficio de la duda nos inclinamos por lo primero, aunque a veces una muerte

oportuna salva la imagen de alguien ante la posteridad.

7. El Iluminismo penal como momento de una constante

Respondidas las anteriores preguntas, podemos aproximarnos –con la brevedad del caso-

al significado o proyección del Iluminismo penal en nuestro tiempo.

La historia no es el simple relato de hechos pasados, sino el de los hechos que siguen

viviendo en nosotros, que condicionan nuestro presente, que son parte de nuestras vivencias. En

este sentido, el recordado Rivacoba afirmaba que somos hijos del Iluminismo, lo cual es verdad en

el sentido de que nuestro derecho penal de garantías arranca con éste.

Si pretendemos levantar la vista más allá de los límites que nos imponen los mezquinos y

empobrecidos tecnicismos normativistas en lo académico y la construcción mediática de la

realidad en lo político criminal, confrontamos con un panorama más amplio, en el que sin duda

está vivo el Iluminismo penal, pues no tienen otro origen las resistencias que en esta emergencia

oponemos a la multiplicación de avances autoritarios en nuestro mundo contemporáneo. En este

sentido, al menos quienes deslegitimamos los atropellos vindicativos y la improvisación legislativa,

podemos suscribir la afirmación de que somos hijos del Iluminismo.

No obstante, nuestra genealogía no se agota en éste. Por muy orgullosos que estemos de

nuestros padres iluministas, no podemos olvidar que somos también nietos de los inquisidores.

El Iluminismo no nació de la nada ni para nada, sino como contradicción frente al

pensamiento inquisitorial del antiguo régimen. La inquisición no fue un fenómeno exclusivo de la

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iglesia ni del papado, sino anterior y también posterior a éste. Basta hurgar someramente en la

legislación penal romana para verificar que el procedimiento inquisitorial repuesto en la llamada

recepción era el propio del imperio16. Cuando la inquisición romana fue decayendo en su quema

de mujeres, continuó en manos de los príncipes, a tal punto que la dura crítica de Friedrich Spee

a esta práctica17 se dirige contra las combustiones ordenadas por las autoridades civiles.

Los privilegios feudales y nobles chocaron en el siglo XVIII con las pretensiones de espacio

social de una nueva clase en el marco de la revolución industrial. Los comerciantes, industriales y

banqueros, que aspiraban a participar del poder económico y político hasta entonces negado a los

plebeyos, requerían la limitación del poder punitivo, que era el instrumento del que se valía la

clase hegemónica para sostener sus privilegios.

El Iluminismo penal fue obra de los nuevos funcionarios, constructores de los dialectos

especializados de las corporaciones que se distribuían la administración de la vida pública. La

contención del impulso punitivista inquisitorial era una necesidad para la apertura del espacio

social para esta nueva clase en ascenso.

El Iluminismo desembocó en el liberalismo penal, que sirvió al ascenso de la nueva clase,

pero cuando ésta se asentó en el poder, en el curso del siglo XIX, se vio precisada a defender su

posición hegemónica de las pretensiones de las clases subalternas (movilizadas por anarquistas,

socialistas, sindicalistas, socialdemócratas, etc.) y desechó el discurso liberal, adoptando el

producido por una alianza de la emergente institución policial europea18 con la corporación

16 V. M. Ortolan, Explication historique des Instituts de l’Empereur Justinien, París, 1863, III, 727; la crítica de este proceso inqusitorial en Pagano, Principios, cit.

17 Cfr. Friedrich Spee, I processi contro le streghe (Cautio Criminalis), Roma, 2004.

18 Creemos que el origen de la policía es colonialista, pues una colonia no es más que una ocupación policial de territorio extranjero, y que luego, con la concentración urbana, la institución, dotada de un nuevo rostro, fue trasladada a Europa.

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médica, que dio por resultado el peligrosismo racista del positivismo penal, cuyo extremo llevó al

derecho penal totalitario del siglo XX19.

La catástrofe de la Segunda Guerra provocó un nuevo impulso de contención del poder

punitivo –o de contrapunitivismo- en la posguerra. A lo largo de la guerra fría hubo una

permanente ambivalencia de pulsiones punitivistas y contrapunitivistas y en el actual momento de

la globalización se vive una impresionante pulsión punitivista y controladora.

El Iluminismo fue un momento de esta constante lucha de pulsiones punitivistas y

contrapunitivistas, pero no por eso se trata de una etapa cerrada, dado que entre el inquisitorio y la

reacción contrapunitiva media una diferencia que no es menor: el punitivismo se legitima siempre

creando un enemigo, satanizando20 a algún grupo, por lo cual siempre cambia el contenido de su

discurso coyuntural, al compás de la creación de enemigos; en tanto que el discurso de contención

-el contrapunitivo- se va enriqueciendo ante la necesidad de desplegar nuevas precisiones contra

las novedades autoritarias, pero no cambia radicalmente su contenido, sólo lo aumenta.

En otras palabras, en tanto que el punitivismo vacía y rellena siempre su discurso, si bien

mantiene la misma estructura, la resistencia limitadora –o contrapunitivismo- incorpora las

nuevas experiencias, pero mantiene todo el contenido anterior. Por consiguiente, el Iluminismo es

parte de este atesoramiento de experiencias limitadoras del punitivismo.

8. La enseñanza actual del Iluminismo

En las últimas décadas se observa un marcado renacimiento del punitivismo y el

consiguiente retroceso de las contenciones propias de su contrario. El posmodernismo penal no es

más que un retroceso a momentos premodernos: institutos tales como el testigo de la corona, el

agente provocador, el espía judicial, la incomunicación de detenidos, etc., son todos viejos

recursos punitivos claramente rechazados por el Iluminismo y, como herencia de éste, por el

19 Es muy claro el reclamo de uno de sus últimos representantes, Filippo Grispigni, que en polémica con Mezger, reivindicaba para el positivismo la inspiración del derecho penal nacionalsocialista: Filippo Grispigni / Edmund Mezger, La reforma penal nacional-socialista, EDIAR, Buenos Aires, 2009.

20 Cabe recordar que Satán en hebreo significa precisamente enemigo.

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derecho penal de garantías posterior. Todo ello sin contar con la benevolencia hacia la tortura y la

desfachatez con que se confiesan o admiten los secuestros estatales, las renditions y las extraordinay

renditions o la prisión ilimitada sin proceso y la ampliación de la discrecionalidad policial.

El fantasma del terrorismo en el plano internacional, puesto en diferentes cabezas según el

país, y el de la criminalidad común en lo interior, mostrados como los únicos peligros para la vida

y la integridad del mundo actual, absolutizados por la construcción mediática de la realidad,

sumados a la aparición de las víctimas héroes, a la glorificación de los vengadores, muestra cómo la

comunicación masiva en manos de oligopolios mediáticos marca la agenda de la política criminal

de los últimos años, amedrenta y estigmatiza a quienes rechazan ese discurso, arrincona a los

políticos, impone temor a los jueces y, de este modo, avanza hacia un nuevo inquisitorio sin

tapujos.

En el plano procesal se pervierte el discurso acusatorio mediante una sobredimensión del

ministerio público en detrimento del poder judicial. Si bien el proceso acusatorio en abstracto es

el más liberal, su funcionamiento se desequilibra mediante una deformación de la infraestructura

institucional que debe sustentarlo: se agiganta la figura y el poder del ministerio público, se le

otorga la conducción de la policía en muchos países, en otros cumple también funciones de

ministerio de justicia, sus integrantes saltan a la publicidad junto a víctimas seleccionadas para

impulsar venganzas, estimula los sentimientos vindicativos y al mismo tiempo sus integrantes

actúan políticamente o se disponen a eyectarse a esa actividad; se ha llegado al extremo de que

uno de sus integrantes logró casi un juicio político al presidente del país más poderoso del mundo

por una relación sexual de estricta privacidad.

En tanto que se multiplican los tipos penales alimentando la ilusión de que por este

camino se hace desaparecer milagrosamente todo lo nocivo, molesto o desagradable, la doctrina

penal no tiene empacho en volver a sostener que la esencia del delito se halla en la violación del

deber y no en la producción de una lesión21.

21 En su momento Friedrich Schaffstein, Das Verbrechen als Pflichtverletzung, Berlín, 1935.

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Es obvio que quienes postulamos prudencia y contención del poder punitivo somos

estigmatizados públicamente y, si bien hoy no nos fusilan como a Pagano o a Cirillo, al menos

resulta claro que molestamos en la corte, como Filangieri.

Todo esto puede sumir en depresión al penalista liberal de nuestro tiempo, pero creemos

que eso también sería fruto de una visión limitada y reducida a un corte transversal, que pierde de

vista la dinámica histórica, que muestra otro panorama, aunque no sea muy tranquilizador.

El curso completo de los vaivenes del punitivismo nos muestra que éste toma impulso

cuando un sector social dominante pretende defender sus privilegios o su hegemonía a cualquier

precio, porque los siente amenazados. Cuanto más arbitrarios son estos privilegios mayor

resistencia provocan y, por consiguiente, mayor es el poder punitivo con que el grupo

hegemónico pretende contenerla.

Esta parece ser una constante histórica. Si pensamos que la inquisición romana

centralizaba poder en contra de las sectas disidentes que lo desconocían, que la inquisición

española lo hacía en beneficio del monarca y contra todos los disidentes o herejes que amenazaban

su poder absoluto, que el antiguo régimen se encarnizaba en la defensa de los intereses del clero y

de la nobleza, que la burguesía racista europea defendía sus derechos a la explotación de las clases

subalternas, etc., vemos que los discursos antipunitivistas siempre fueron peligrosos para estos

poderes privilegiados en sus momentos críticos y, por ende, su aparición siempre fue precedida

por el reforzamiento punitivista, pero como respuesta a la existencia de un movimiento de cambio

hacia el desbaratamiento del poder privilegiado, aunque fuera incipiente y no muy bien

estructurado.

9 ¿Estamos en las puertas de un cambio?

En este tiempo –como en todos- es difícil oficiar de augur, pero no por ello podemos

negar la lucha que hoy cunde en el seno de este poder planetario globalizado, pues la pregunta de

más ardua respuesta del momento es la siguiente: ¿Quién manda?

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En efecto: votamos a candidatos políticos, los elegimos democráticamente, dicen asumir

las funciones formalmente establecidas en nuestras constituciones, pero no ejercen todo ese poder

formal, porque frente a ellos hay corporaciones globalizadas (transnacionales) que son más fuertes

que muchos estados y que en los propios grandes estados disputan poder interno comprando

voluntades y accionando a través de lobbies.

Filangieri se exaltaba destacando que los príncipes de su tiempo se esmeraban en averiguar

cómo matar más y mejor, esbozando las líneas de lo que luego sería el universal discurso

antibélico. Hoy vemos como la industria bélica condiciona políticamente a los gobiernos de

grandes potencias y les obstaculiza la solución de conflictos para degenerar en guerras o

directamente las impulsan entre los indefensos estados precarios de la más pobre periferia del

poder mundial. Gobiernos de países en grave crisis económica invierten sumas siderales en

armamentos imaginando hipótesis bélicas insensatas o que sólo pueden convertirse en realidad

por su propia voluntad.

Nos hemos insensibilizado ante la noticia de los crímenes de estado masivos, los

pretendidos líderes mundiales han perdido la vergüenza y desfachatadamente confiesan crímenes

aberrantes y los disfrazan como errores de apreciación o pretenden cubrirse con la necesidad

justificante magnificando los peligros y los daños.

Cuando Roosevelt definía las libertades en su tiempo, una fundamental era la libertad del

miedo, el vivir sin miedo, pero hoy el mundo globalizado hace una manipulación descarada y

abierta del miedo, ejerce el poder fabricando y potenciando miedos. En este momento mundial

no sería arriesgado definir a la política como el arte de crear y manipular miedos. Machiavelli sería

un ingenuo consejero de escuela de pequeño pueblo.

Para todo esto, las grandes corporaciones cuentan con el oligopolio de la información y de

la comunicación mediática masiva, lo que les permite crear realidades temibles que se concentran

–como dijimos- en el terrorismo y en la delincuencia callejera.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 20

La confrontación mundial es clarísima: o mandan quienes elegimos o lo hacen las

corporaciones del financierismo, que parece ser una degeneración del capitalismo lo que, en el fondo

y en el espacio virtual, implica un neofeudalismo.

Este triste panorama no debe obnubilarnos depresivamente e impedirnos ver con claridad

el fenómeno a la luz del curso histórico del vaivén milenario de punitivismo y contrapunitivismo.

Desde esa perspectiva temporal y aplicando la regla que siempre se ha cumplido, el avance del

punitivismo importa un reforzamiento de los privilegios de minorías en riesgo que se van

volviendo intolerables.

Siempre los privilegiados, cuando vieron amenazadas sus posiciones, apelaron al

punitivismo. El rebrote brutal de las últimas décadas es un signo de que el financierismo se siente

amenazado y, además, aunque lo niegue, sus más inteligentes defensores caen en la cuenta de su

falta de futuro, sólo que lo consideran aún muy lejano, pese a que los acontecimientos se

precipitan por momentos.

El contrapunitivismo y el consiguiente reclamo de una vuelta al derecho penal liberal y de

garantías es sumamente disfuncional a las categorías privilegiadas en el mundo globalizado y, con

toda razón, al igual que los nobles, los señores feudales y el clero del siglo XVIII, lo consideran un

peligro para sus posiciones.

El estado reducido a su mínima expresión, con la sola consigna de garantizar la libertad

contractual irrestricta para las corporaciones y la represión de disidentes y excluidos, adecuado a

un modelo de sociedad con un treinta por ciento de incluidos y el resto contenido por el miedo,

es un proyecto cada día más inviable frente a los reclamos masivos y a las consecuencias genocidas

del modelo. La inviabilidad de un modelo irrealizable o sin futuro preocupa a las corporaciones y

a sus burócratas y la única solución que tienen a la mano es el brote de punitivismo

crecientemente descarado, confeso y premoderno.

Todo esto nos muestra que estamos en las puertas de un cambio, como siempre ha

sucedido en coyunturas análogas. Sólo que la historia no se repite nunca, porque hay nuevas

circunstancias y en este caso no son tranquilizadoras.

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El potencial técnico de creación de realidad mediática y de información y de destrucción

material y humana, crece en proporción geométrica y pone en manos de los privilegiados medios

de aniquilamiento que pueden llegar a límites jamás conocidos, al tiempo que la explotación

descontrolada de la capa superior y más sensible del planeta, sumado al daño ecológico de las

guerras provocadas, puede poner en riesgo la propia supervivencia de la especie humana, lo que

está lejos de ser un alarmismo gratuito, como lo pretenden las corporaciones que siguen

contaminando y obstaculizan cualquier medida internacional que detenga o lentifique el proceso.

Estas nuevas circunstancias dificultan enormemente en tiempos presentes la tarea –

siempre difícil y casi siempre fallida- de cualquier pretendido augur. De cualquier modo, lo

objetivo es que nos hallamos ante una confrontación mundial de poderes que en cada región y en

cada país se manifiestan con variables locales, a veces muy insignificantes. No obstante, la

creación mediática hace que cada país tienda a considerar sus dificultades y confrontaciones como

fenómenos locales, cuando en realidad son planetarios.

10. ¿Debemos elegir nuevamente?

Por suerte predomina una ideología penal garantista en el ámbito académico, aunque se la

trate de burlar por todos los medios, ofreciendo incluso un renovado refugio en lo técnico y

apolítico 22 o desplazando el interés académico hacia lo procesal, para pervertir luego el proceso

acusatorio y convertirlo en inquisitorio a través del desequilibrio de la base institucional, mediante

una sobredimensión del ministerio público.

No cabe duda acerca de que el penalismo volverá a dividirse, pues no faltarán los

iluministas espantados ante la irrupción de los pueblos y otros que prefieran apoltronarse en los

2222 Cabe destacar que esta fue la actitud de la mayoría de los penalistas alemanes durante en nazismo, lo que luego reivindicaron celebrando que es este modo no habían caído en la politización del derecho penal, actitud que sólo le atribuían a la escuela de Kiel, mientras ellos habías puesto todo su arsenal teórico al servicio de la más funcional interpretación de la legislación penal nazista (cfr. Senfft, Richter und Andere Bürger, 1988; Vormbaum, Einführung in die moderne Strafrechtsgeschichte, 2011; Marxen, Der Kampf gegen das liberale Strafrecht, 1975).

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sillones de terciopelo, y tampoco faltarán como en el siglo XVIII, quienes se sumen a los pueblos.

Si bien no se reiterará la historia, no por eso dejará de cumplirse la misma regla.

Por cierto que ambas decisiones serán también actitudes personales. En lo ideológico

pocos son los que legitiman desde la doctrina penal la vuelta descarada al preiluminismo, porque

por fortuna el Iluminismo sigue vivo entre nosotros, al menos como fuente de mala conciencia,

pero de todos modos llegará el momento en que sea menester adoptar alguna de la opciones como

actitudes personales y, nuevamente, esto será difícil, quizá más que en el siglo XVIII, porque

ambas implican serios riesgos.

En efecto, la historia nos enseña que quedarse en el sillón de terciopelo puede acarrear la

guillotina, en tanto que salir a arengar puede terminar en fusilamiento o puñaladas en la bañera.

En nuestro tiempo esto es más complicado, porque los antibióticos han hecho curable la

tuberculosis.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 23

Reforma penal: Codificação ou Consolidação?

René Ariel Dotti Professor Titular de Direito Penal.

Corredator dos projetos que se com verteram nas leis 7.209 e 7.210 de 1984. Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados.

Advogado.

1. Codificação e consolidação

Conforme a doutrina, a codificação é uma “reunião coordenada de leis, num único texto

ou corpo, em forma de código, desde que alusivas a determinado ramo do direito ou a relações

segundo critério objetivo”.1 E a consolidação é a “reunião de leis esparsas, num só corpo

legislativo, dispostas numa ordem uniforme”.2

2. A experiência no direito brasileiro

A primeira codificação no direito brasileiro ocorreu com o Código Criminal do Império

(1830), para revogar a “carnífica tortura” das do Livro V das Ordenações Filipinas impostas pelo

reino de Portugal. A Constituição Imperial (24.03.1824) ordenou que se organizasse “o quanto

antes um código civil e criminal fundado nas sólidas bases de justiça e equidade” (art. 179, § 18).

Surgiu, então, o Código Criminal, promulgado em 16 de dezembro de 1830.3

O Código Penal da primeira República (11.10.1890) resultou do projeto elaborado pelo

Conselheiro Baptista Pereira e, antes mesmo de sua promulgação, o governo baixou o Decreto

774 (20.09.1890), que: a) aboliu a pena de galés; b) reduziu a trinta anos o prazo da prisão, que

1 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 1998, vol. A-C, p. 629.

2 Idem, ibidem, p. 804.

3 Para um levantamento acerca da legislação dos períodos colonial e imperial, vide: DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal- Parte Geral, 4ª ed., rev., atual.e ampl.com a colaboração de Alexandre Knopfholz e Gustavo Britta Scandelari. São Paulo: RT, 2012. p. 264/275.

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antes era perpétua; c) computou no tempo de prisão o período da prisão preventiva; d) instituiu a

prescrição das penas.

Uma Consolidação das Leis Penais (14.12.1932) foi realizada pelo Desembargador

Vicente Piragibe, diante da profusão de leis durante o período republicano e as tendências para

rever o CP de 1890.

O CP de 1940 surgiu dos trabalhos de revisão do Anteprojeto Alcântara Machado,

realizada por uma comissão integrada por Nélson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e

Roberto Lyra, que recebeu a colaboração de Costa e Silva.

Além da reforma da Parte Geral, introduzida pela Lei 7.209/1984, houve anteprojetos de

alteração da Parte Especial em 1984, 1994 e 1999, que não foram convertidos em projeto de lei.

3. A orientação do Projeto 236/2012

A Comissão de Juristas instituída no âmbito do Senado Federal, responsável pela redação

do anteprojeto que se converteu no Projeto de Lei do Senado nº 236/2012, do Senador José

Sarney, optou por uma codificação de toda a legislação especial, em lugar de uma consolidação.

Nas palavras do relator geral do anteprojeto, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, a Comissão

“aceitou o projeto ambicioso de trazer, para um renovado Código Penal, toda a legislação

extravagante que, nestes mais de setenta anos de vigência do diploma de 1940, foi sendo editada

em nosso país. (...) Houve debate se estas leis seriam transformadas em capítulos ou títulos do

novo Código, pois muitas vezes traziam ‘microssistemas’, nos quais as normas penais

complementavam ou eram complementadas por disposições cíveis e administrativas. Sem

embargo, as mais de cento e vinte leis com dispositivos penais fora do Código Penal, provaram

mal, nestes anos. Elas conduziram a desproporcionalidades, com tipos protetivos dos mesmos

bens jurídicos, apenas com um ou outro qualificativo, mas penas díspares”.4

Segundo o método eleito, “cada crime previsto na parte especial do Código Penal atual ou

na legislação extravagante foi submetido, portanto, a um triplo escrutínio: i) se permanece

4 Anteprojeto de Código Penal. Brasília: Senado Federal, 2012. p. 5.

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necessário e atual; ii) se há figuras assemelhadas previstas noutra sede normativa; iii) se as penas

indicadas são adequadas à gravidade relativa do delito”.5

4. A crítica do IBCCrim à Reforma Penal

Na edição de outubro de 2012, o editorial do Boletim IBCCrim, após observar que a

Parte Geral ignora “complexos aspectos de dogmática penal, o que pode tornar inaplicável a nova lei,

caso o anteprojeto seja aprovado”, afirma que a Parte Especial “não teve melhor sorte. O que salta aos

olhos é a ideia de verdadeira consolidação das várias leis penais existentes hoje no País. Essa medida

esquece, contudo, que algumas leis especiais se justificam pois não se mostram unicamente como tipos

penais incriminadores, mas, sim, apresentam políticas públicas de prevenção e repressão, quando não de

tratamento de determinada situação. Essas leis vão muito além de incriminação, pura e simples. Elas se

justificam pela própria modernidade dos dias de hoje, em que há uma superação nítida da simples

noção de codificação”.6

5. A revolução dos microssistemas legais

No meu artigo Proposta para uma nova consolidação das leis penais,7 sob o verbete “A crise

das codificações” foi dito que não se poderá mais afirmar, como seria possível no começo do

século XX, que os códigos (civil, penal, comercial etc.) caracterizam instrumentos jurídicos de

segurança dos cidadãos. Essa é a lúcida conclusão de Lorenzetti, ao afirmar que “a idéia de

ordenar a sociedade ficou sem efeito a partir da perda do prestígio das visões totalizadoras; o Direito

Civil se apresenta antes como estrutura defensiva do cidadão e de coletividades do que como ‘ordem

social’. (...) “A explosão do Código produziu um fracionamento da ordem jurídica, semelhante ao

sistema planetário. Criaram-se microssistemas jurídicos que, da mesma forma como os planetas, giram

com autonomia própria, sua vida é independente; o Código é como o sol, ilumina-os, colabora com suas

vidas, mas já não pode incidir diretamente sobre eles. Pode-se também referir a famosa imagem

empregada por Wittgenstein aplicada ao Direito, segundo a qual, o Código é o centro antigo da

5 SANTOS GONÇALVES, Luis Carlos dos. Relatório, Anteprojeto..., cit., p. 5.

6 Os destaques em itálico são meus.

7 RBCCRIM, n. 28, out.-dez. 1999, p. 151 e s.

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cidade, a que se acrescentaram novos subúrbios, com seus próprios centros e características de bairro.

Poucos são os que se visitam uns aos outros; vai-se ao centro de quando em quando para contemplar as

relíquias históricas”.8

6. A minha proposta de consolidação

Na equivocada orientação legislativa de reunir na Parte Especial do Código Penal todas as

leis extravagantes,9 assim como o fez o Projeto Sarney, abre-se oportunidade para reiteradas

alterações do Código Penal – inclusive quanto às normas de garantia da Parte Geral – na medida

em que novas leis forem sendo promulgadas para atender aos interesses de um direito penal de

ocasião. Infelizmente, isso tem sido frequente em nossos padrões legiferantes inflacionários.

Daí a minha sugestão no sentido de se promover ampla redução da Parte Especial, para

dela constar somente os delitos de especial gravidade, e de se instituir núcleos de leis extravagantes

identificáveis pela natureza do bem jurídico ofendido e pelos meios e modos de execução das

infrações. Segue uma relação parcial meramente exemplificativa: a) Lei dos Crimes contra a

Humanidade; b) Lei dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito; c) Lei dos Crimes

contra a Administração Pública; d) Lei dos Crimes de Responsabilidade; e) Lei dos Crimes

Econômicos e Financeiros; f) Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente e a Qualidade de Vida; g)

Lei dos Crimes de Trânsito; h) Lei dos Crimes contra o Sistema Previdenciário e de seguros

privados; i) Lei dos Crimes praticados por Organizações Criminosas; j) Lei dos Crimes de

entorpecentes e drogas afins; k) Lei dos Crimes contra o Patrimônio Imaterial e a Propriedade

Intelectual; l) Lei dos Crimes de Imprensa; m) Lei das Contravenções Penais.10

8 LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. Trad. da edição argentina por Vera Maria Jacob de Fradera. São Paulo: RT, 1998. p. 45 (os destaques em itálico são meus).

9 A reforma do Código Penal português (Dec.-lei 48, de 15.03.1995) não incluiu na sua Parte Especial certos delitos “de carácter mais mutável, melhor enquadráveis em lei especial, segundo, aliás, a tradição jurídica portuguesa e a ideia de que o direito penal tem uma natureza pragmática” (Item 24 da Exposição de Motivos da Parte Especial).

10 A justificação teórica e prática para cada um desses núcleos legislativos encontra-se no meu artigo Proposta para uma nova consolidação das leis penais, cit., p. 168/174.

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A reforma penal: crítica da disciplina legal do crime

Juarez Cirino dos Santos Professor de Direito Penal da UFPR.

Presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal – ICPC. Advogado.

I. A ideologia da reforma penal

Examinar a legislação é verificar a forma de existência da ideologia na sociedade, que

institui e garante a estrutura das relações materiais de produção, a base real dos sistemas jurídicos

e políticos do Estado. O exame do Projeto de Código Penal (PL 236/2012 do Senado Federal)

mostra uma ideologia conservadora e repressiva: conservadora, porque assume os valores

dominantes da formação social capitalista globalizada; repressiva, porque acredita na pena

criminal como mecanismo de solução de conflitos em sociedades desiguais. A ideologia

conservadora e repressiva do sistema penal aparece no estudo dos princípios fundamentais do

Direito Penal, definidos como bases democrático-formais para exercício do poder punitivo nas

sociedades contemporâneas.1 As lesões aos princípios fundamentais do Direito Penal não são

pontuais ou isoladas, mas ocorrem em massa, abrangendo todo o sistema de crimes e penas.

1. O princípio da legalidade foi amplamente infringido na dimensão de certeza da lei: leis

incertas ou obscuras representam o maior perigo para o princípio da legalidade, porque geram

interpretações judiciais idiossincráticas e impedem o conhecimento da proibição pelo povo.

Alguns exemplos são os crimes cibernéticos, o terrorismo, os crimes contra as finanças públicas,

contra a ordem econômica e financeira etc.

2. O princípio da culpabilidade, que exclui penas criminais em fatos realizados (a) sem

dolo ou culpa, (b) ou por sujeitos incapazes de culpabilidade, sem consciência da proibição ou em

situações de inexigibilidade, foi infringido sem nenhum constrangimento. Por exemplo: nos

crimes hediondos, ampliados para 16 tipos básicos; nos crimes qualificados pelo resultado, resquício

1 Sobre princípios fundamentais, ver CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal – Parte geral. 2. ed. Florianópolis: Editorial Conceito, 2012. p. 11-16.

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de responsabilidade penal objetiva; na reincidência, cuja revitalização irracional ameaça duplicar a

população carcerária; na responsabilidade penal das pessoas jurídicas, reconhecidas pela

incapacidade de ação e de culpabilidade.

3. O princípio da lesividade, não obstante expressa assunção pelo Projeto (art. 14), foi

violado em inúmeros tipos de injusto destituídos de bem jurídico: a intimidação vexatória (o novo

nome do bullying), o falseamento de resultado de competição esportiva, o cambismo e os crimes de

perigo abstrato etc.2

4. O princípio da proporcionalidade foi lesionado na presença massiva de penas

inadequadas, desnecessárias ou excessivas em face do desvalor da ação ou do desvalor do resultado

nos crimes em geral, em especial nos crimes hediondos, nos obstáculos da reincidência para

progressão de regimes, na reunificação da pena de prisão em 40 anos (em caso de novo crime) etc.

Não obstante, o Projeto tem alguns méritos: (a) a descriminalização da droga, no aspecto

de posse (ou de cultivo de plantas) para consumo próprio; (b) a descriminalização do aborto, nas

hipóteses de risco para vida ou saúde da mãe, de gravidez com violação da dignidade sexual ou

por métodos não consentidos, de feto anencefálico ou com anomalia grave e, finalmente, por

vontade da gestante, até a 12.ª semana de gestação, verificada ausência de condições psicológicas

para a maternidade; (c) a descriminalização da eutanásia em pacientes terminais, como ajuda

passiva mediante consentimento da vítima. Mas esses avanços poderiam ser obtidos com

alterações específicas da legislação vigente, evitando a imensa bagunça nos conceitos jurídicos, no

sistema de normas e na política criminal, que os Tribunais levarão décadas para assimilar – e

concluir que teria sido melhor deixar tudo como está.

Em suma: (a) a reforma da parte geral do Código Penal era desnecessária, com exceção de

alguns ajustes na disciplina do erro de proibição e nas hipóteses de aplicação de penas restritivas de

direitos – e mais nada; (b) a reforma da parte especial era necessária para incorporar a legislação

esparsa (princípio da codificação) – mas o Projeto perdeu a oportunidade de fazer uma verdadeira

2 Editorial: A reforma penal. Boletim IBCCRIM, n. 239, out. 2012, p. 1: “Há uma evidente perda de referencial acerca do bem jurídico”.

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reforma, mediante humanista e seletiva redução de crimes, extinção de penas e

desinstitucionalização do sistema penal.

II. A disciplina legal do crime

O estudo da disciplina legal do crime direciona a investigação para as definições

operacionais do conceito de crime como tipo de injusto e culpabilidade, com o objetivo de

descobrir a estrutura do fato punível desenhada pelo legislador no sistema legal. É um trabalho de

interpretação científica da lei penal, que tem por objeto a linguagem escrita da norma, examinada

dos pontos de vista semântico, sintático e pragmático, e por método a lógica formal, com suas

técnicas literal, sistemática, histórica e teleológica.3 Em síntese, sem abandonar as premissas

filosóficas e políticas do sistema penal, é um trabalho de natureza dogmática.

1. O conceito de crime

O Projeto define, ao lado do princípio da legalidade (art. 1.º), também o princípio da

culpabilidade (parágrafo único): a legalidade penal abrange o crime e a pena, mas a culpabilidade se limita

à pena (não há pena sem culpabilidade), sugerindo algumas questões:

a) se queria indicar que o crime é constituído de injusto e de culpabilidade, deveria

dizer que não há crime sem culpabilidade – e não, simplesmente, que não há pena sem

culpabilidade;

b) se pretendia introduzir os princípios fundamentais do Direito Penal, então perdeu

uma oportunidade histórica – porque poderia dizer: a lei penal também é regida pelos

princípios da culpabilidade, da lesividade, da proporcionalidade e da humanidade. Além

do compromisso democrático, teria um ganho sistêmico: evitaria referências aos

princípios em normas isoladas;

c) se propôs a culpabilidade como pressuposto da pena, segundo uma teoria

doméstica divulgada por Jesus4 e seus discípulos, então a crítica é outra: ignora

3 Idem, p. 31-32.

4 JESUS, Damásio E. Direito penal – Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1998, 21ª edição, p. 294.

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os componentes pessoais e emocionais do conceito de culpabilidade5 – sujeito

capaz de saber e de controlar o que faz (imputabilidade), que sabe realmente o que

faz (conhecimento do injusto) e que tem o poder de não fazer o que faz

(exigibilidade) –, esquecendo que o conceito de crime cumpre a função político-

criminal de definir o conjunto dos pressupostos da pena (ação, tipicidade,

antijuridicidade, culpabilidade, condições de punibilidade etc.) – e não o

conceito de culpabilidade.6

1.1. Tipo objetivo: causalidade e imputação

O Projeto propõe uma boa definição de fato criminoso como ação ou omissão (dolosa ou

culposa) produtora de ofensa a bem jurídico (art. 14). Mas se complica ao assumir a imputação

objetiva, introduzindo conceitos ainda em formação ou indetermináveis (parágrafo único, art. 14).

1. A teoria da imputação objetiva é assumida com a distinção entre causação do resultado

(“o resultado exigido somente é imputável a quem lhe der causa (...)”) e imputação do resultado

(“(...) e se decorrer da criação ou incremento de risco tipicamente relevante, dentro do alcance do

tipo”), como critério limitador da relação de causalidade, outrora fundamento legal exclusivo de

imputação do tipo objetivo (parágrafo único, art. 14).

Mas a linguagem da lei é imprecisa: dizer que o resultado é imputável “se decorrer da

criação ou incremento de risco tipicamente relevante, dentro do alcance do tipo”, cria perplexidades no

aplicador e no destinatário da lei. Por exemplo:

a) o verbo decorrer parece abranger correlações causais não definíveis como

realização do risco criado – e a teoria da imputação objetiva exige que o

resultado seja produto do risco criado para ser definível como obra do autor: a

morte da vítima de acidente de trânsito determinada por grosseiro erro médico

5 Ver CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 151.

6 Ver crítica semelhante em TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma da parte geral. Revista da EMERJ, v. 15, n. 60 (Edição especial), Outubro/Novembro/Dezembro – 2012, “Seminário crítico da reforma penal”, p. 182.

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também decorre da criação do risco resultante do acidente de trânsito, mas não

é imputável ao autor do acidente;

b) o substantivo incremento (de risco), embora comum na literatura e

jurisprudência, não possui suficiente clareza semântica: poderia ser substituído

por aumento (do risco), com vantagem comunicativa;

c) a locução “risco tipicamente relevante” pretende cumprir a função simpática

de limitar a imputação a riscos significativos, mas parece desnecessário: afinal,

risco tipicamente relevante é risco típico, resolvido pela relação de tipicidade; ou,

como diz TAVARES, o risco pode ser juridicamente relevante, mas não

tipicamente relevante.7

d) o conceito dentro do alcance do tipo pretende excluir resultados situados fora

da área de proteção do tipo, mas a categoria compreende uma casuística exclusiva

de resultados imprudentes – onde é, realmente, importante –, o que

desaconselha seu emprego como critério geral de imputação típica.8

2. Sobre o conceito de causa (art. 15), a seguinte observação: se o fato criminoso é

configurado por ação ou omissão (art. 14), é inexplicável a definição de causa como “conduta” sem

a qual o resultado não teria ocorrido (art. 15) – por coerência, a norma deveria dizer: “causa é a

ação ou omissão sem a qual (...)”.9

7 Idem, p. 173.

8 Nesse sentido, GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo no novo Projeto de Código Penal (Projeto de Lei n. 236/2012 do Senado Federal). Revista Liberdades, IBCCRIM, 2012, p. 42-43, sugere: substituir risco “tipicamente relevante” por risco “proibido” e excluir a expressão “dentro do alcance do tipo”; ver, também, TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 174, que conclui: “A referência ao alcance do tipo, em virtude de sua imprecisão terminológica, constitui, como está, uma clásula puramente programática sem utilidade.”

9 Ver GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 43.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 32

3. O conceito de “fato criminoso”, como definido no art. 14 e seu parágrafo único do

Projeto, é inaplicável. 10

1.2. Tipo subjetivo: dolo e culpa

Definir conceitos científicos na lei penal é temerário: estão sob constante crítica e

reformulação na ciência e nos tribunais, e a fórmula legal é logo superada pelo avanço da ciência.

Mas inscrever na lei conceitos controvertidos ou defeituosos é leviandade.

a) Dolo – A definição de dolo (art. 18, I) como querer realizar o tipo penal (dolo direto) ou

assumir o risco de realizá-lo (dolo eventual) ainda seria tolerável – objeto da vontade do agente não

é o tipo penal, mas o resultado ou fato concreto descrito no tipo –, mas acrescentar as atitudes

alternativas de consentir ou de aceitar de modo indiferente o resultado (no dolo eventual), parece

pilhéria. A disciplina legal de dolo e erro no Projeto admite as seguintes críticas:

1. Se consentir e aceitar são sinônimos, então um dos verbos está sobrando,

porque a técnica legislativa exclui sinônimos na lei; se não são sinônimos – ou

seja, corresponderiam a atitudes psíquicas distintas –, então qual a diferença

semântica entre ambos?

2. Além disso, a teoria do consentimento (originária de Mezger) e a teoria da

indiferença (originária de Engisch) trabalham com critérios fundados na

vontade, mas não são equivalentes: aquela define dolo eventual pela aprovação

do resultado típico previsto como possível; esta define dolo eventual pela

indiferença do autor em face daquele resultado típico.11 Então, temos: se as

atitudes psíquicas de aprovação e de indiferença são distintas, a definição de

10 Editorial: A reforma penal. Boletim IBCCRIM, n. 239, out. 2012, p. 1: “Ignoraram-se complexos aspectos de dogmática penal, o que pode vir a tornar inaplicável a nova lei, caso o anteprojeto seja aprovado”.

11 Assim, também, a crítica contundente de GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 45-46. No mesmo sentido, de modo exaustivo, TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 179-180. Compare CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito penal – Parte geral. 5. ed. Florianópolis: Editorial Conceito, 2012. p. 135-136;

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dolo como consentir ou aceitar de modo indiferente o resultado é contraditória ou,

no mínimo, ambígua.

3. Alternativa razoável, conforme a teoria dominante, poderia ser a seguinte: o

agente quer o fato típico (dolo direto) ou consente na realização do fato típico

representado como possível (dolo eventual).12 Simples e claro.

4. A redução da pena até um sexto no dolo eventual (art. 20) é disposição

supérflua, no lugar impróprio e ambígua: (a) supérflua, porque integra as

circunstâncias judiciais do sistema trifásico (art. 84); (b) no lugar errado, porque

seria objeto da aplicação da pena – e não da disciplina legal do fato punível; (c)

ambígua, porque não se sabe se a pena pode ser reduzida de até um sexto (de 12

anos para 2) ou em até um sexto (de 12 anos para 10).

5. O erro de tipo (art. 27) reproduz a regra do CP atual, mas aparece sob a

rubrica canhestra de erro de tipo essencial: todo erro de tipo é essencial, porque

exclui o dolo (se evitável) e exclui também a culpa (se inevitável).13

6. O erro determinado por terceiro (art. 27, parágrafo único) é hipótese de

autoria mediata e, portanto, independe de previsão legal.14 Além disso, a

redação é defeituosa: não se trata de “agente provocado” – aliás, uma expressão

leiga –, mas de autor direto do fato.

b) Culpa – Definir culpa (art. 18, II) como realizar o fato típico em razão da inobservância

dos deveres de cuidado exigíveis nas circunstâncias cria alguns problemas: primeiro, a linguagem é

relaxada, porque a teoria fala de lesão do dever de cuidado (determinável em cada caso concreto), e

não de inobservância dos deveres de cuidado exigíveis nas circunstâncias – que pressupõe prévia

definição de múltiplos deveres; segundo, a fórmula parece incluir (a) resultados típicos anormais,

12 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 71-73.

13 Ver a crítica precisa de LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação e causas de exculpação no novo Projeto de Código Penal (Projeto de Lei 236/2012 do Senado Federal). Revista Liberdades, IBCCRIM, 2012, p. 67; também CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 75-76.

14 Assim LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 67.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 34

(b) resultados situados fora da área de proteção do tipo, (c) resultados igualmente produzíveis em

ações conformes ao dever de cuidado e, finalmente, (d) resultados típicos imprevisíveis – como

observa, com propriedade, JUAREZ TAVARES15. A definição poderia ser: “quando o agente, por

lesão do dever de cuidado, produz resultado típico previsível”.

A exigência de dolo ou culpa para imputação de resultado mais grave (art. 21) é correta,

mas indica incompreensão do princípio da culpabilidade (que exclui penas se não há dolo ou

culpa) e está em contraste com a manutenção dos delitos qualificados pelo resultado (em que a pena

ultrapassa os limites do dolo e da culpa)16 – cuja modalidade mais conhecida é a lesão corporal

seguida de morte (art. 129, 4.º).

1.3. A omissão imprópria

O Projeto faz vistas grossas aos problemas constitucionais da omissão imprópria (art. 17).

A disciplina legal da omissão imprópria contém uma inversão conceitual, um defeito de redação e

uma lesão da legalidade penal:

a) a inversão conceitual (igual ao CP vigente) está na ordem dos verbos “devia e

podia” agir para evitar o resultado (art. 17, caput): a ordem correta seria podia e

devia agir, porque o poder (de agir) precede, natural e logicamente, o dever de

agir;17

b) o defeito de redação está no reflexivo “equivaler-se à causação” dessa estranha

cláusula de correspondência (parágrafo único, art. 17), que deveria dizer: a

omissão é punível se corresponder à realização por um fazer (ou: a omissão é

punível se corresponder à realização ativa do tipo legal);18

15 TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 181-182.

16 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 99-100.

17 Assim também GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 44; CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 108.

18 GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 44-45; também TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 175

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c) a lesão da legalidade penal está em definir o dever de garantia (art. 17, alíneas

a, b, c) sem delimitar a extensão da garantia imposta ao garante (igual defeito no

CP vigente): afinal (a) todos os bens jurídicos (impossível), (b) apenas os mais

importantes (quais?), (c) somente a vida e o corpo?19

A literatura mais avançada reduz a extensão da garantia à proteção da vida e do corpo,

quando não declara a inconstitucionalidade da omissão imprópria.

2. As justificações

As justificações, em ordem inversa de importância e sob a rubrica de exclusão do fato

criminoso (art. 28, I-IV), apresentam inovações criticáveis.

2.1 A rubrica exclusão do fato criminoso (art. 28) é imprópria: o fato criminoso é

constituído de injusto e de culpabilidade e as justificações excluem o injusto – portanto, a

linguagem deveria ser outra: ou exclusão do injusto, ou exclusão da ilicitude, ou (melhor ainda)

justificações. Ou seria um ato falho produzido pelo conceito de crime limitado ao tipo de injusto,

reduzindo a culpabilidade à função menor de pressuposto da pena?

2.2 A disciplina legal do estrito cumprimento do dever legal e do exercício regular de direito

(art. 28, I-II) cuja dogmática se aprofundou na segunda metade do século XX, poderia e deveria

conter limitações relativas às agressões contra a vida, o corpo e a sexualidade, excluindo

homicídios e lesões corporais graves (os famosos autos de resistência policiais), assim como estupros

nas relações conjugais. 20

2.3 A definição da legítima defesa (art. 30) mantém o conceito do CP vigente, mas deveria

conter um parágrafo sobre limitações ético-sociais, compreendendo situações em que a defesa já é

necessária, mas ainda não é permitida: agressões de incapazes (menores, loucos, bêbados etc.), ou

19 Em posição semelhante, TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 175-176; igualmente, CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 104-106; ROXIN. Strafrecht. Beck, 2003, v. II, 31, IV, n. 32, p. 637.

20 ZILIO, Jacson. Metodologia e orientação do anteprojeto de Código Penal brasileiro. Boletim IBCCRIM, n. 239, out. 2012, p. 8.

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no âmbito da família, que impõem procedimentos prévios de desvio da agressão, defesa sem danos

etc. – um acréscimo de civilização ao instituto.21

2.4 O estado de necessidade (art. 29, alíneas e parágrafo) é a justificação mais alterada – e

para pior. Em lugar de uma definição compacta (no modelo do CP vigente), o Projeto preferiu a

alternativa cômoda de distribuir os elementos do conceito em várias alíneas, mas com defeitos de

linguagem e de conceitos.

2.4.1 É criticável a mudança da locução direito (CP vigente) pelo conceito de bem jurídico

(art. 29, caput) na definição do estado de necessidade, considerando que a definição de legítima

defesa mantém o significante direito (seu ou de outrem): essa variação de linguagem prejudica a

interpretação.22

2.4.2 A exigência de exposição do bem jurídico à lesão atual ou iminente (art. 29, a)

deforma a natureza do instituto: (a) o estado de necessidade se caracteriza pelo perigo atual,

determinante da necessidade de proteção imediata – e não por lesão atual do bem jurídico

protegido, que implicaria sacrifício inútil de bens jurídicos alheios;23 (b) a lesão iminente ainda não

configura estado de necessidade – embora possa configurar o que a literatura chama de legítima

defesa preventiva.

2.4.3 A exigência de que o perigo não tenha sido provocado pelo agente (art. 29, b) reduz o

alcance da justificação: não distingue entre criação dolosa (que exclui o estado de necessidade) e

criação culposa (que admite o estado de necessidade) do perigo, como faz o CP vigente.24

2.4.4 A exclusão do estado de necessidade pelo dever de enfrentar o perigo (art. 29, c)

parece ignorar que situações de certeza ou de probabilidade de morte ou de lesão grave suspendem

21 Ver ZILIO, Jacson. Metodologia e orientação do anteprojeto... cit., p. 8; também: LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 79-80; Nesse sentido, CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 123-125.

22 Ver LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 80 e ss. (inclusive, para as críticas subsequentes).

23 Ver a crítica de LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p., p. 81; no mesmo sentido, TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 183-184.

24 TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 184; ver, também, CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 128.

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aquele dever jurídico:25 a hipótese não deveria integrar o conceito de estado de necessidade, mas

constituir um parágrafo isolado (como faz o CP vigente).

2.4.5 A avaliação da razoabilidade de sacrifício do bem jurídico protegido, fundada na

natureza ou valor dos bens jurídicos em conflito, introduz na lei a distinção entre (a) estado de

necessidade justificante, se o sacrifício não é razoável (art. 29, d) e (b) estado de necessidade

exculpante, se o sacrifício é razoável (art. 29, parágrafo único) – com a alternativa de redução de

pena. Esse critério justifica a proteção de bem jurídico superior e reduz a pena na proteção de bem

jurídico inferior, mas não elimina controvérsias na hipótese de equivalência de bens jurídicos,

especialmente no conflito vida contra vida, porque os argumentos permanecem: ou exculpação,

porque a vítima não tem o dever de tolerar a ação – ou justificação, porque nenhuma lei pode

anular o instinto de sobrevivência?26

2.4.6 Enfim, a disciplina legal do art. 29 e alíneas omite elementos essenciais para

caracterizar o estado de necessidade:

2.4.6.1 Primeiro, retira do conceito a locução “nas circunstâncias” (prevista no

CP vigente), com os efeitos (a) de cancelar o contexto concreto do conflito de

bens jurídicos, (b) de reduzir a avaliação do estado de necessidade à natureza e

ao valor do bem jurídico protegido (alínea d) e (c) de suprimir os elementos

subjetivos (por exemplo, a vontade da mãe, no aborto) e os elementos objetivos

(a intensidade do perigo, a probabilidade da lesão etc.) do estado de

necessidade.27

2.4.6.2 Segundo, exclui a ausência de alternativa da fórmula “inevitável de outro

modo” (prevista no CP atual), indispensável para avaliar a necessidade da

proteção imediata do bem jurídico (ainda que contra lesão futura), mediante

ponderação de todas as circunstâncias concretas do fato, que afastaria (a) a livre

25 Idem, p. 136.

26 Idem, p. 136.

27 LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 81.

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escolha de meios de proteção (que desconsidera os interesses do agredido) e (b)

o próprio estado de necessidade, se disponível ajuda eficaz do Estado.28

2.5 O princípio da insignificância, desenvolvido como negação do princípio da lesividade,

introduz a seguinte lógica: se o princípio da lesividade exige lesão relevante do bem jurídico para

fundamentar a tipicidade penal, então lesões insignificantes de bens jurídicos são insuficientes

para a tipicidade penal – limitando o Direito Penal à proteção (subsidiária) de bens jurídicos

contra lesões graves. A introdução do princípio da insignificância é um avanço, mas com um

desvio topográfico e uma distorção político-criminal:

2.5.1 O desvio topográfico é a inserção do princípio da insignificância como

justificação (art. 28, § 1.º) – e não como exclusão da tipicidade, segundo a

literatura.29

2.5.2 A distorção político-criminal é representada por exigências cumulativas

excessivas ou indevidas: (a) são excessivas porque esterilizam a aplicação prática

do instituto: mínima ofensividade, reduzidíssima reprovabilidade e

inexpressividade da lesão – exige a lei; (b) são indevidas porque a ofensividade e a

reprovabilidade da conduta pertencem ao desvalor da ação, enquanto o princípio

da insignificância é definido pelo desvalor do resultado – ou seja, exclusivamente

pela lesão jurídica produzida.30

3. A culpabilidade

A culpabilidade é um juízo de reprovação erigido sobre fundamentos pessoais, intelectuais

e emocionais do sujeito, assim estruturado: (a) o sujeito é capaz de saber e de controlar o que faz –

28 Ver a crítica contundente de LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 81-2.

29 Assim ZILIO, Jacson. Metodologia e orientação do anteprojeto... cit., p. 8; também: LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 85; sobre a teoria, CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 54.

30 JOFFILY, Tiago. O princípio da lesividade na reforma penal. Revista da EMERJ, v. 15, n. 60 (Edição especial), Outubro/Novembro/Dezembro – 2012, “Seminário crítico da reforma penal”, p. 47-50, faz exaustiva critica ao princípio da insignificância no Projeto.

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imputabilidade, excluída ou reduzida em menores de 18 anos e doentes mentais; (b) o sujeito

sabe, realmente, o que faz – conhecimento do injusto, excluído ou reduzido nas situações de erro

de proibição; (c) o sujeito tem o poder de não fazer o que faz – exigibilidade de comportamento

diverso, excluído ou reduzido por conflitos psíquicos entre exigências normativas e emoções

humanas (instintos, impulsos ou afetos) determinadas por condições anormais do tipo de injusto.

Identificados os elementos estruturais do conceito, a disciplina legal deve indicar as

situações excludentes ou redutoras desses elementos estruturais, que excluem ou reduzem o juízo

de reprovação. O Projeto começa bem, definindo as hipóteses gerais de exclusão da culpabilidade

(art. 31, I-III): inimputabilidade, erro de proibição inevitável e situações de inexigibilidade – mas

se perde por desinformação científica sobre o conteúdo do conceito.

3.1 Imputabilidade – A imputabilidade continua engessada numa fórmula capenga, que

trabalha as dimensões de saber e de controlar o que faz somente em relação aos inimputáveis e

semi-imputáveis por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado – incluída

a embriaguez completa, fortuita ou de força maior, pelo álcool ou análogos –, definidos pela

incapacidade (total ou parcial) de compreender o ilícito do fato e de determinar-se conforme a

compreensão (art. 32, I-II e parágrafo único, I-II).31 Apesar da controvérsia sobre doença mental

em Psiquiatria, as anormalidades funcionais (psicoses e neuroses) ou constitucionais (oligofrenias)

do aparelho psíquico são definidas por categorias psiquiátricas – e não há o que discutir.

Mas, em relação aos imputáveis, a subsistência ou redução do estado de imputabilidade

nas hipóteses de emoção ou de embriaguez intencional ou imprudente, pelo álcool ou análogos,

não são examinadas nas dimensões de saber e de controlar o que faz – uma falha somente

explicável por razões de secular política criminal troglodita. Por isso, o Projeto também não exclui

a imputabilidade penal nas hipóteses (a) de emoção ou paixão e (b) de embriaguez, voluntária ou

culposa, pelo álcool ou análogos (art. 33, I-II). Não obstante, um mínimo de informação sobre

Psicologia ou Sociologia mostra a irracionalidade dessa posição, como se demonstra.

31 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 158-162.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 40

3.1.1 Emoção – Os impulsos, instintos ou afetos (pathos para os gregos, ou passio para os

romanos – donde, paixão para indicar sentimento ou amor intenso) são emoções, como

excitações psicossomáticas produzidas por reações químico-neurônicas ligadas à sobrevivência

individual, que informam os pensamentos e as decisões da psicologia individual, como forças

motoras primárias predominantemente inconscientes das ações humanas, cuja influência nos atos

psíquicos e sociais dos seres humanos é reconhecida em legislações penais modernas.32

A dinâmica de formação e manifestação agressiva de emoções ou afetos constitui grave

perturbação psíquica não patológica que, como outras situações extremas de esgotamento ou

fadiga, pode excluir ou reduzir a capacidade de culpabilidade – como admitem outras

legislações.33 Não é mais possível confundir emoções fundadas no instinto de destruição (as

chamadas emoções fortes de ira ou ódio), com emoções fundadas no instinto de sobrevivência (as

emoções fracas de medo ou susto), cujo poder bloqueador ou redutor da capacidade de conhecer e,

especialmente, de controlar o que faz não pode ser desconsiderado pelo Direito Penal.34 Aliás,

todas as hipóteses de inexigibilidade configuram conflitos psíquicos emocionais que excluem ou

reduzem a dirigibilidade normativa – ou seja, as emoções deixaram de ser irrelevantes para o

Direito Penal. Nessa linha, o § 33 do Strafgesetzbuch alemão, em vez da atitude intolerante de

reprimir as emoções, exime de pena o excesso de legítima defesa determinado por perturbação,

medo ou susto.35

Se a emoção pode excluir ou reduzir a capacidade de conhecer e, sobretudo, de controlar o

que faz, então por que a atitude repressiva do Projeto, pela qual a emoção (ou a paixão) não exclui

a imputabilidade penal? O maior problema dessa rejeição irracional da emoção é o seu reflexo nas

situações concretas de inexigibilidade, todas fundadas em conflitos emocionais do ser humano.

32 Idem, p. 162; Instrutivo, FREUD, O ego e o Id, p. 25-83, esp. 80-83; do mesmo, Além do princípio do prazer, p. 17-85.

33 ROXIN, Claus. Strafrecht, 1997, § 20, p. 761-4; WESSELS/BEULKE. Strafrecht, 1998, p. 117.

34 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 163.

35 § 33 do CP alemão dispõe: “Não é punível o autor que exceda os limites da legítima defesa por perturbação, medo ou susto.”

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3.1.2 Embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou análogos – A embriaguez,

intencional ou imprudente, pelo álcool ou análogos, deve ser examinada no contexto da actio

libera in causa, definida pela dinâmica de duas ações vinculadas: 1) na ação anterior, o sujeito se

coloca em estado de autoincapacitação temporária (a) com o propósito de cometer (dolo), ou (b)

sendo previsível cometer (imprudência) crime determinado; 2) na ação posterior (em estado de

autoincapacitação), o sujeito realiza o crime determinado (a) com dolo, ou (b) com imprudência.

É tudo muito simples: fora das hipóteses de dolo (representação e vontade de crime

determinado) e de imprudência (previsibilidade de crime determinado em ações socialmente

perigosas) da ação anterior, com realização dolosa ou imprudente desse crime determinado pela

ação posterior, não existe actio libera in causa e, portanto, não há como imputar o fato por dolo ou

por imprudência ao autor.

Então, surge o problema prático: como resolver milhares de fatos violentos anuais, como

homicídios e lesões corporais graves, realizados em estado de inimputabilidade por embriaguez

(ou seja, de incapacidade de saber e/ou de controlar o que faz), mas indefiníveis como hipóteses de

actio libera in causa (não existe uma ação anterior de dolo ou de imprudência em relação a fato

determinado), sem violentar o princípio da culpabilidade e, portanto, sem quebrar as regras

definidas pelo Estado para aplicação de penas criminais?

O Legislador alemão descobriu uma alternativa menos drástica, evitando a aplicação de

penas absurdas a inimputáveis por embriaguez intencional ou imprudente: criou um tipo de

injusto chamado embriaguez plena (§ 323a Vollrausch), aplicável aos crimes cometidos em estado

de inimputabilidade por embriaguez intencional ou imprudente – mas excluídos das hipóteses de

actio libera in causa –, com prisão até cinco anos, ou multa.36

36 § 323 a Vollrausch – “(1) Wer sich vorsätzlich oder fahrlässig durch alkoholische Getränke oder andere berauschende Mittel in einen Rausch versetzt, wird mit Freiheitsstrafe bis zu fünf Jahren oder mit Geldstrafe bestraft, wenn er in diesem Zustand eine rechtswidrige Tat begeht und ihretwegen nicht bestraft werden kann, weil er infolge des Rausches schuldunfähig war oder weil dies nicht auszuschliessen ist.

(2) Die Strafe darf nicht schwerer sein als die Strafe, die für die im Rausch begangene Tat angedroht ist”.

Tradução livre: (1) Quem coloca-se em embriaguez, de modo intencional ou imprudente, por bebidas alcoólicas ou outros meios embriagantes, será punido com pena privativa de liberdade até cinco anos, ou com

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A supressão do art. 33, I e II, do Projeto e a criação de um tipo de injusto semelhante ao

Vollrausch, representaria grande avanço político-criminal do Sistema de Justiça Criminal brasileiro

– que pune pessoas transitoriamente incapazes de saber e de controlar o que fazem, violando o

princípio da culpabilidade e o fundamento democrático do Estado de Direito.

3.2 Conhecimento do injusto – O conhecimento do injusto, definido pela consciência real da

punibilidade do fato (teoria moderna), ou da lesão concreta do bem jurídico protegido no tipo

(teoria dominante),37 é excluído ou reduzido em situação de erro de proibição (art. 31, II) –

estado psíquico em que não se configura aquela imagem conceitual –, classificado em uma escala

gradativa de inevitabilidade (art. 35 e § 1.º), por sua vez avaliada conforme condições pessoais de

ter ou atingir esse conhecimento, nas circunstâncias (art. 35, § 2.º).

De novo, o Projeto começa bem: eliminou a regra fascista de que o desconhecimento da lei é

inescusável (art. 21 do CP vigente) – regra inválida (a) porque incompatível com o princípio da

culpabilidade em matéria de erro de proibição direto, na modalidade de desconhecimento da lei e (b)

porque mutila o modelo proposto pela teoria da culpabilidade em qualquer de suas variantes

(estrita ou limitada).38

3.2.1 Erro de proibição – Admitido que o erro de proibição exclui ou reduz a

culpabilidade – porque exclui ou reduz o conhecimento do injusto –, o Projeto poderia ter

introduzido aquisições científicas consensuais da literatura, indicando as principais modalidades de

erro de proibição, cuja natureza inevitável ou evitável exclui ou reduz a culpabilidade. Afinal, a lei

não se limita a dizer que a legítima defesa, o estado de necessidade etc. excluem o “fato criminoso”

(rectius, exclui a ilicitude do fato), mas define as justificações específicas – logo, por coerência e

razões de política criminal, deveria definir as principais hipóteses de erro de proibição: (a) erro de

proibição direto sobre a existência, a validade e o significado da lei; (b) erro de proibição indireto

pena pecuniária, quando nesta situação comete um fato antijurídico e não pode ser punido porque, por consequência da embriaguez, era incapaz de culpabilidade, ou porque isto não era de ser excluído.

(2) A pena não deve ser mais grave do que a pena cominada ao fato cometido em embriaguez.

37 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 166-168.

38 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito penal cit., p. 309-315; também CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 171-174.

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sobre a existência de justificação inexistente e sobre os limites jurídicos de justificação existente;

(c) erro de tipo permissivo, como representação errônea de situação justificante. Assim, além de

indicar situações consensuais negativas do conhecimento do injusto, assumiria posição de

vanguarda em face de modelos contemporâneos de legislação penal.

3.2.2 Erro de tipo permissivo: um retrocesso. Por último, outra recaída lamentável do

Projeto: a disciplina do erro de proibição abandona o critério mais democrático e mais prático da

teoria limitada da culpabilidade (adotada pelo CP atual), que atribui ao erro de tipo permissivo

(suposição de situação de fato que legitimaria a ação, se existente), evitável ou inevitável, o efeito

de excluir o dolo – porque as representações do autor coincidem com as representações do

legislador, com punição por imprudência se existir o tipo legal –, para retornar ao critério

ultrapassado da teoria estrita (ou extrema) da culpabilidade, em que todas as modalidades de erro

de proibição são resolvidas do mesmo modo: o erro inevitável exclui e o erro evitável reduz a

culpabilidade (art. 35, § 3.º). E tudo pelo capricho de evitar uma hipótese de “tentativa de crime

culposo”, ou por causa da artificialidade de tratar como culposo um crime doloso – como diz

Leite.39 A alternativa é reinstituir a norma sobre descriminantes putativas do CP atual (§ 1.º do

art. 20).

3.3 Exigibilidade – O conceito de exigibilidade/inexigibilidade se fundamenta na situação

de normalidade/anormalidade de realização do tipo de injusto, dentro de uma escala polarizada

por circunstâncias normais (com plena exigibilidade) e por circunstâncias anormais (com plena

inexigibilidade) de conduta diversa, intermediadas por todas as correlações possíveis de maior ou

de menor exigibilidade:40 circunstâncias crescentes de anormalidade (do tipo de injusto)

determinam a ampliação crescente do nível de inexigibilidade, expressas em situações de

exculpação excludentes ou redutoras da dirigibilidade normativa, que fundamenta o moderno

conceito de culpabilidade, na dimensão empírica de capacidade de autodireção e na dimensão

normativa de autodireção conforme normas.41

39 LEITE, Alaor. Erro, causas de justificação… cit., p. 72-3.

40 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 177-8.

41 Idem, p. 156-157.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 44

O Projeto retoma o conceito de inexigibilidade numa perspectiva generosa, mas não teve

ousadia para realizá-la: a ideia de excluir a culpabilidade – além dos casos pacíficos de coação

moral e de obediência hierárquica – também nas “outras hipóteses de inexigibilidade de conduta

diversa” (art. 31, III), tropeçou no medo de indicar essas “outras hipóteses de inexigibilidade”, que a

literatura e a jurisprudência conhecem – e os autores do projeto não ignoram. Uma simples

indicação exemplificativa (o excesso de legítima defesa, real e putativa, por medo, susto ou

perturbação; o fato de consciência; a provocação da situação de legítima defesa – se não há saída

possível; a desobediência civil; o conflito de deveres) – e poderíamos ter um avanço na matéria.

4. Concurso de pessoas

4.1 No Projeto, a disciplina legal do concurso de pessoas chama a atenção por duas

características incomuns:

a) primeiro, a junção do velho com o novo – para usar a imagem de GRECO:42

por um lado, todos os dispositivos que disciplinam a matéria no CP atual são

mantidos; por outro lado, a inserção de novos dispositivos reproduz, no todo ou

em parte, a disciplina legal da matéria – de modo que as mesmas situações são

duplamente reguladas;

b) segundo, o hibridismo teórico resultante da integração de todas as teorias: a

teoria unitária, que considera autores todos os que concorrem para o crime (art.

38); a teoria objetivo-formal, que define autor pela realização do tipo (art. 38, §

1.º, I, a); a teoria subjetiva, que considera autores quem manda, promove etc. a

realização do crime (art. 38, § 1.º, I, b); a teoria do domínio do fato, que

distingue autores de partícipes pelo controle da realização do tipo (art. 38, § 1.º,

I e II).43

42 Ver GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 50.

43 Exposição de Motivos, p. 227: “Foi mantida a fórmula tradicional segundo a qual ‘quem concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade’, própria da teoria monista mitigada (...). Houve a avanço nas definições ao se afirmar que autor não é somente aquele que realiza a conduta típica segundo postulados da teoria objetivo-formal, mas também aquele que, de outras formas,

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A dupla disciplina da matéria (junção da velha com a nova disciplina legal), agravada pelo

hibridismo teórico na abordagem do tema, explica todos os problemas dogmáticos e político-

criminais do concurso de pessoas no Projeto.

4.2 Com todas as limitações, a disciplina legal do concurso de pessoas no CP vigente, que

trabalha com um (flexibilizado) conceito unitário de autor, é simples:

a) a norma principal (art. 29 do CP) determina punição, conforme a

culpabilidade, de todos os sujeitos que “concorrem para o crime”, diferenciáveis

como autores ou partícipes segundo teorias modernas;

b) normas complementares permitem (art. 29, § 2.º, do CP) limitar a

punibilidade ao fato objeto do dolo do sujeito na autoria coletiva, com aumento

da pena desse fato até metade, se previsível o resultado mais grave, bem como

(art. 29, 1.º, do CP) reduzir a pena da participação de menor importância no

tipo de injusto.

A teoria unitária do CP atual é limitada, mas é coerente: as premissas das conclusões são

conhecidas, admitindo crítica lógica; a teoria híbrida do Projeto é tudo, menos coerente: as

premissas das conclusões são incognoscíveis, inviabilizando a crítica – qualquer conclusão pode ser

justificada a partir de qualquer teoria.

4.3 A superposição de normas com o mesmo objeto permite a seguinte crítica: se o

Projeto adota o conceito unitário de autor do CP vigente, com punição equivalente para todos os

sujeitos que “concorrem para o crime” (art. 38), que podem ser diferenciados entre autores e

partícipes segundo os postulados da teoria do domínio do fato, então a indicação de hipóteses de

autoria e de participação (art. 38, §§ 1.º e 2.º) é casuística, supérflua e tautológica:

a) casuística, porque um critério empírico substitui um critério científico para

distinguir autoria e participação: autores não são definidos pelo domínio do fato,

mas por indicações empíricas (art. 38, § 1.º I, a, b, c, d); partícipes não são

possui o domínio do fato. A proposta acenou para variantes subjetivas, próprias da promoção, organização (...)” (grifos nossos).

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definidos pela ausência de domínio do fato, mas por contribuírem “de qualquer

outro modo” para o crime (art. 38, § 1.º, II, a, b);

b) supérflua, porque se o domínio do fato define o autor e a ausência de domínio

do fato define o partícipe, então todas aquelas hipóteses casuísticas são

definíveis como autoria ou participação por esses critérios – independentemente

da indicação legal;

c) tautológica, porque se incide nas penas “quem, de qualquer modo, concorre

para o crime” (art. 38), então todas aquelas hipóteses específicas – ou outras não

especificadas – já estão contidas na definição legal, como autores ou partícipes

sobre os quais incidem penas.

4.4 A proposta não pode ser outra: supressão do § 1.º do art. 38, cujo conteúdo é melhor

definível pela literatura e jurisprudência – economizando, assim, o constrangimento da correção

da linguagem e de outras impropriedades técnicas desse dispositivo inútil,44 que redefine segundo

múltiplas teorias o que já está definido pelo art. 38, segundo a flexibilizada teoria unitária de

autor. A prática judicial não precisa do casuísmo do Projeto para distinguir autor e partícipe, ou

para definir as situações de autoria direta, mediata ou coletiva, segundo conceitos científicos.

4.5 Além disso, a inserção das causas de aumento no concurso de pessoas (art. 38, § 4.º)

cria outros problemas:

a) primeiro, confunde (a) circunstâncias legais genéricas de agravação da pena

(que ampliam o conteúdo do tipo de injusto e/ou a reprovação de culpabilidade

do autor) com fundamentos legais de atribuição da responsabilidade penal pelo

fato, como autores e/ou partícipes do tipo de injusto;

b) segundo, os limites legais abusivos de aumento de pena (de um sexto a dois

terços) deformam ou perturbam a valoração judicial de circunstâncias legais

genéricas, fixadas em valores situados entre um quinto e um sexto da pena base

44 Sobre isso, ver a crítica exaustiva de GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 50-51.

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(portanto, em níveis muito inferiores), segundo prática judicial consagrada

pelos princípios da proporcionalidade e da culpabilidade.

4.6 Enfim, as normas sobre (a) exclusão da comunicação de circunstância ou condição

pessoal, exceto se elementar do tipo (art. 39) e (b) exclusão da punibilidade dos atos preparatórios,

em todas as hipóteses (art. 40), são desnecessárias reproduções do CP atual – no último caso,

piorada com cansativa indicação de formas de autoria coletiva do fato (ajuste, mandado,

induzimento, determinação, instigação e auxílio), que poderiam ser substituídas pelos conceitos

de coautoria e participação, compreensivos daquelas hipóteses.45

5. Tentativa

A definição de tentativa começa bem, mas ao introduzir o conceito de início de execução

mete os pés pelas mãos.

5.1 Conceito – A definição de tentativa adota o modelo do CP vigente: o fundamento

objetivo do início de execução e o elemento negativo da exclusão do resultado por circunstâncias

alheias à vontade do agente (art. 22, II). Até aqui, nenhuma crítica.

5.2 Início de execução – Todas as críticas para a definição de início de execução (art. 24),

que acopla, como critérios alternativos, a teoria objetiva formal e uma versão cabocla da teoria

objetiva individual, com lesão da legalidade penal em prejuízo dos acusados.

5.2.1 A primeira parte do artigo adota a teoria objetiva formal, que define tentativa pelo

início de execução (critério objetivo) da ação típica (critério formal):46 início de execução pela

realização de uma das condutas constitutivas do tipo. Se o artigo terminasse aqui, teríamos um

critério democrático, embora incompleto (as teorias objetivas formal e material não trabalham

com o dolo, essencial para definir tentativa).

45 Ver GRECO, Luiz. Princípios fundamentais e tipo… cit., p. 54.

46 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 211-213.

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5.2.2 Mas não termina aqui: a segunda parte do artigo mostra que o Projeto não sabe o

que faz, porque adota, como critério alternativo (?), a versão dominante da teoria objetiva

individual,47 acrescentando: “(...) ou, segundo seu plano delitivo, pratica atos imediatamente

anteriores à realização do tipo, que exponham a perigo o bem jurídico protegido.” Ora, a teoria

objetiva individual conjuga a teoria subjetiva da representação do fato (ou seja, do “plano delitivo”)

com a teoria objetiva material, que antecipa a tentativa para ações imediatamente anteriores ao tipo

legal, produtoras de perigo para o bem jurídico (critério material).48

A fusão desses critérios tem as seguintes consequências: primeiro, projeta a fase final da

tentativa para dentro do tipo legal, mediante início de execução de condutas constitutivas do tipo,

segundo a teoria objetiva formal – até aqui conforme à legalidade penal; depois, recua a fase inicial

da tentativa para fora do tipo legal, incluindo ações atípicas mediante a alternativa: “ou, segundo

seu plano delitivo, pratica atos imediatamente anteriores à realização do tipo”, conforme a teoria

objetiva individual, lesiva da legalidade penal. Em outras palavras: o Projeto amplia,

retroativamente, o leque da tentativa, antecipando o início de execução para atos imediatamente

anteriores à realização do tipo (ações preparatórias), punindo ações atípicas. Ou o Projeto não sabe

o que faz, ou quer ampliar a punibilidade, de modo inconstitucional.

5.2.3 A disciplina legal da tentativa deve integrar os elementos objetivos e subjetivos do

comportamento, na linha da versão minoritária da teoria objetiva individual: (a) na dimensão

subjetiva, representação do fato (como plano do autor); (b) na dimensão objetiva, substituição da

teoria objetiva material (punibilidade fora do tipo) pela teoria objetiva formal (punibilidade

dentro do tipo), desse modo: verifica-se o início de execução quando o autor realiza, segundo o plano

do fato, conduta constitutiva do tipo legal.49 Simples e democrático.

47 O § 22 do Strafgesetzbuch alemão, assim define a teoria objetiva individual: “Tenta um fato punível quem, segundo sua representação do fato, se posiciona imediatamente para realização do tipo”.

48 TAVARES, Juarez. O projeto de código penal. A reforma... cit., p. 188; Compare CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 214-215.

49 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Manual de direito penal cit., p. 214-215.

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5.3 Desistência e arrependimento – O Projeto aderiu ao princípio da culpabilidade (art. 1.º,

parágrafo único) – logo, é supérfluo o parágrafo único do art. 25, que limita a isenção de pena aos

agentes que desistiram ou se arrependeram eficazmente (que, aliás, está contido no caput do

dispositivo).

5.4 Crime impossível – A manutenção da regra sobre crime impossível (art. 26) merece

aplauso: exige perigo objetivo de lesão do bem jurídico, excluindo as teorias subjetivas do

indefinível abalo de confiança (no Direito) ou do sentimento de segurança (da população).50

6. Conclusão

Argumentos científicos e razões de política criminal parecem aconselhar a rejeição do

Projeto. A natureza e a extensão dos defeitos são maiores do que eventuais méritos, tornando o

Projeto imprestável: é impossível emendar, retificar ou corrigir. 51 O maior problema é a

contaminação do sistema penal por uma ideologia conservadora, ou a normatização de uma

concepção autoritária de política criminal, ou a tentativa de garantir com crimes e penas uma

sociedade desigual e injusta.

50 Idem, p. 218.

51 Editorial: A reforma penal. Boletim IBCCRIM, n. 239, out. 2012, p. 1: “Não se trata de situação de correção de um ou outro tópico, mas de prejuízo ao conjunto global da obra. A postura do IBCCRIM é, assim, contrária à proposta apresentada. Os erros e equívocos nela presentes não permitem correções pontuais, mas, sim, a necessidade de repúdio à sua aprovação”.

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O crime de enriquecimento ilícito no Projeto de Código Penal, em face

da presunção de inocência

Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró Livre-Docente, Doutor e Mestre em Direito Processual Penal pela USP.

Professor Associado de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da USP. Advogado Criminalista.

Sumário: – 1. Introdução – 2. Os exemplos do direito estrangeiro – 3. Os crimes de suspeita – 4. A presunção de inocência e a construção dos tipos penais – 5. A corrupção passiva e a prova da prática de ato de ofício na nova visão do Supremo Tribunal Federal – 6. Conclusões.

Introdução

Um dos temas que tem gerado polêmica no Projeto de Código Penal é a criação do tipo

penal de enriquecimento ilícito, o que a Comissão de Reforma do Código Penal justifica, na

Exposição de Motivos, como decorrência da necessidade de dar cumprimento a tratados e

convenções internacionais firmados pelo Brasil.

O art. 277 do Projeto de Código Penal tipifica o crime de enriquecimento ilícito:

“Adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, utilizar ou usufruir de maneira não eventual

de bens ou valores móveis ou imóveis, cujo valor seja incompatível com os rendimentos auferidos

pelo funcionário público em razão de seu cargo ou por outro meio lícito”.

A figura penal proposta será apenada com “prisão, de um a cinco anos, além da perda dos

bens, se o fato não constituir elemento de outro crime mais grave”. O parágrafo único do

dispositivo em análise traz uma causa de aumento de pena: “As penas serão aumentadas de

metade a dois terços se a propriedade ou a posse dos bens e valores for atribuída fraudulentamente

a terceiras pessoas”.

Os diplomas internacionais referidos na Exposição de Motivos do Projeto de Código

Penal são a Convenção Interamericana contra a Corrupção e a Convenção das Nações Unidas

contra a Corrupção.

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No âmbito regional, a Convenção Interamericana contra a Corrupção, que integra o

ordenamento nacional por força do Decreto 4.410, de 07.10.2002, em seu art. IX, dispõe:

“Enriquecimento ilícito. Sem prejuízo de sua Constituição e dos princípios fundamentais de seu

ordenamento jurídico, os Estados Partes que ainda não o tenham feito adotarão as medidas necessárias

para tipificar como delito em sua legislação o aumento do patrimônio de um funcionário público

que exceda de modo significativo sua renda legítima durante o exercício de suas funções e que não

possa justificar razoavelmente.’’

Por outro lado, no plano global, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção,

incorporada pelo Decreto 5.687, de 31.01.2006, prevê, em seu art. 20: “Enriquecimento ilícito.

Com sujeição a sua Constituição e aos princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, cada

Estado Parte considerará a possibilidade de adotar as medidas legislativas e de outras índoles que sejam

necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, o enriquecimento ilícito,

ou seja, o incremento significativo do patrimônio de um funcionário público relativo aos seus ingressos

legítimos que não podem ser razoavelmente justificados por ele”.

Ressalte-se, desde já, que não há em tais previsões determinações de criminalização que

imponham obrigação absoluta de tipificação de tais condutas. Aliás, por não serem poucos os

problemas para criação do crime de enriquecimento ilícito, as próprias convenções preveem que

tal se dê com sujeição à Constituição e aos princípios fundamentais dos Estados Partes. A

Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de forma ainda mais cautelosa, estabeleceu

que cada Estado Parte “considere a possibilidade” de adotar medidas legislativas para qualificar

como delito o enriquecimento ilícito. Por outro lado, a Convenção Interamericana contra a

Corrupção, mesmo sendo mais enfática, determinando que os Estados Partes “adotarão as

medidas” para tipificar como delito tal conduta, também faz a ressalva de observância das regras

constitucionais e princípios fundamentais de cada Estado Parte. Assim sendo, os Estados Partes

podem, sem desrespeitar qualquer norma convencional regional ou internacional, deixar de

tipificar o enriquecimento ilícito, se tal criminalização for incompatível com princípios maiores de

seus ordenamentos jurídicos internos.

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Justamente por isso, diante da proposta de novo tipo penal, pretende-se verificar a sua

compatibilidade ou não com a garantia constitucional da presunção de inocência, que além de

estar prevista na Constituição brasileira (art. 5.º, inc. LVII), também é assegurada na Convenção

Americana de Direitos Humanos (art. 8.2) e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

(art. 14.2).

2. Os exemplos do direito estrangeiro

Sem a pretensão de exaurir o tema, é interessante transcrever os crimes de enriquecimento

ilícito em alguns dos países que os tipifica.

A exposição se centrará em países europeus, latino-americanos e na legislação chinesa. Da

Europa, serão analisadas as leis da Itália, Portugal e França. Na América do Sul, com regimes mais

próximos ao brasileiro, serão expostos os tipos penais da Argentina, Chile, Colômbia, El Salvador,

Equador e Costa Rica. Por fim, serão analisados os tipos penais da China e das Regiões

Administrativas Especiais de Hong Kong e de Macau.

Na Itália, a questão foi discutida a partir da Lei 356 de 1992, que no secondo comma do

art. 12-quinquies, na disciplina da “Transferência fraudulenta e posse injustificada de valores”,

criou a figura penal punida com pena de dois a cinco anos de prisão, além do confisco dos bens

do acusado. Tratava-se de crime próprio, praticado por “aquele que estava sendo investigado” por

algum dos crimes mencionados no próprio tipo, ou que “estava submetido à aplicação de medida de

prevenção pessoal” e, “ainda que por interposta pessoa física ou jurídica, resultem ser titulares ou ter a

disponibilidade, a qualquer título, de dinheiro, bens ou outra utilidade de valor desproporcional ao

próprio rendimento declarado para fins de imposto de renda, ou a própria atividade econômica, e em

relação aos quais não possam justificar a legítima proveniência”.1

1 O tipo penal é: “2. Fuori dei casi previsti dal comma 1 e dagli articoli 648, 648-bis e 648-ter del codice penale, coloro nei cui confronti sono svolte indagini per uno dei delitti previsti dai predetti articoli o dei delitti in materia di contrabbando, o per delitti commessi avvalendosi delle condizioni previste dall’articolo 416-bis del codice penale ovvero al fine di agevolare l’attività delle associazioni previste dallo stesso articolo, nonchè per i delitti di cui agli articoli 416-bis, 629, 630, 644 e 644-bis del codice penale e agli articoli 73 e 74 del testo unico delle leggi in materia di disciplina degli stupefacenti e sostanze psicotrope, prevenzione, cura e riabilitazione dei relativi stati di tossicodipendenza, approvato con decreto del Presidente della Repubblica 9

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Todavia, pouco tempo depois do início de vigência da lei, a Corte Constitucional italiana,

por meio da Sentença 48, de 9 de fevereiro de 1994, declarou inconstitucional tal tipo penal, por

considerar que ele implica uma violação da garantia constitucional da presunção de inocência. De

se esclarecer, porém, que se considerou haver contrariedade ao art. 27.2 da Constituição italiana

não em razão de o tipo penal implicar inversão do ônus da prova, mas porque a condição de uma

pessoa estar sendo submetida a procedimento penal não admite que se extraia “suspeita” ou

“presunção” que permita qualificar uma conduta que o legislador considere criminosa.

Em Portugal, também se passou situação semelhante. O crime de enriquecimento ilícito

foi criado pelo Decreto 37/XII, que acrescentou ao Código Penal português o art. 335-A

(enriquecimento ilícito)2 e o art. 386 (enriquecimento ilícito por funcionário público); bem como

inseriu o art. 27-A à Lei 34, de 16.07.1987 (enriquecimento ilícito referente a titular de cargo

político ou alto cargo público).3 Os três tipos penais têm estruturas semelhantes, sendo que com

ottobre 1990, n. 309 ovvero nei cui confronti si procede per l’applicazione di una misura di prevenzione personale, i quali, anche per interposta persona fisica o giuridica, risultano essere titolari o avere la disponibilità a qualsiasi titolo di denaro, beni o altre utilità di valore sproporzionato al proprio reddito dichiarato ai fini delle imposte sul reddito, o alla propria attività economica, e dei quali non possano giustificare la leggittima provenienza, sono puniti con la reclusione da due a quattro anni e il denaro, beni o altre utilità sono confiscati”.

2 “Art. 335.º-A. Enriquecimento ilícito. 1 – Quem por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão até três anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 2 – Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por património todo o ativo patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluindo o património imobiliário, de quotas, ações ou partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aeronaves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações financeiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no estrangeiro. 3 – Para efeitos do disposto no n. 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos todos os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada. 4 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 não exceder 100 salários mínimos mensais a conduta não é punível. 5 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 exceder 350 salários mínimos mensais o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos”.

3 “Art. 27.º-A. Enriquecimento ilícito. 1 – O titular de cargo político ou de alto cargo público que durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão de 1

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vistas à comparação com o delito projetado da legislação brasileira, se transcreverá apenas o crime

do art. 386 do Código Penal:

“Art. 386.º. Enriquecimento ilícito por funcionário

1 – O funcionário que, durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos

seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva,

adquirir, possuir ou detiver património, sem origem lícita determinada, incompatível com

os seus rendimentos e bens legítimos é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se

pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por património todo o ativo

patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluindo o património imobiliário, de

quotas, ações ou partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre

barcos, aeronaves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações

financeiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a

aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no

estrangeiro.

3 – Para efeitos do disposto no n. 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos todos os

rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas

devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada,

designadamente os constantes em declaração de património e rendimentos.

a 5 anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 2 – Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por património todo o ativo patrimonial existente no país ou no estrangeiro, incluindo o património imobiliário, de quotas, ações ou partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aeronaves ou veículos automóveis, carteiras de títulos, contas bancárias, aplicações financeiras equivalentes e direitos de crédito, bem como as despesas realizadas com a aquisição de bens ou serviços ou relativas a liberalidades efetuadas no país ou no estrangeiro. 3 – Para efeitos do disposto no n. 1, entendem-se por rendimentos e bens legítimos todos os rendimentos brutos constantes das declarações apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como outros rendimentos e bens com origem lícita determinada, designadamente os constantes em declaração de património e rendimentos. 4 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 não exceder 100 salários mínimos mensais a conduta não é punível. 5 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 exceder 350 salários mínimos mensais o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.”

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4 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 não exceder 100 salários mínimos

mensais a conduta não é punível.

5 – Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 exceder 350 salários mínimos mensais

o agente é punido com pena de prisão de um a oito anos.”

Todavia, recentemente, o Tribunal Constitucional de Portugal, por meio acórdão

179/2012, declarou a inconstitucionalidade dos três dispositivos supracitados, por considerá-los

violadores da presunção de inocência, por implicar inversão do ônus da prova, quanto ao

elemento do crime “sem origem lícita determinada”.

Assim sendo, atualmente, entre os países europeus, apenas na França há incriminação do

enriquecimento ilícito. O art. 321-6 do Código Penal francês, introduzido pela Lei 2006-64, de

23.01.2006, prevê o crime de “não justificação de rendimentos”:

“Art. 321-6. O fato de não poder justificar os recursos que correspondam ao seu nível de

vida ou não poder justificar a origem de um bem que tem a detenção, enquanto há uma

relação habitual com uma ou mais pessoas ou que se dediquem à comissão crimes ou delitos

puníveis com pena de prisão de pelo menos cinco anos e de proporcionar-lhes um benefício

direto ou indireto, ou que sejam as vítimas destes crimes, é punível com três anos de prisão e

75 000 euros”.

De se ressaltar que, no sistema francês, o delito de “não justificação de rendimentos” não

se insere entre os crimes contra a administração pública, ou como uma modalidade equiparável à

corrupção, mas se encontra na seção dos crimes “assimilados ou conexos à receptação”.

Além disso, é importante destacar que a regra do Code Pénal que incrimina o

enriquecimento ilícito exige que se demonstre um relacionamento entre o agente e outras pessoas

condenadas por crimes graves, além de depender da prova de um benefício direto ou indireto para

o agente.

Passando para a legislação asiática, o crime de enriquecimento ilícito é encontrando na

legislação chinesa, seja no próprio código penal chinês, seja na legislação das regiões

administrativas especiais de Hong Kong e de Macau.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 56

O art. 395 do Código Penal da China, que integra o capítulo sobre os crimes de

corrupção, prevê:

“Art. 395. Qualquer funcionário do Estado cujos bens ou despesas manifestamente excedam

os seus proventos legítimos, se tal diferença for muito grande, pode ser notificado para

explicar a proveniência dos bens. Se não conseguir explicar a proveniência legítima, a

parte que exceda os seus legítimos proventos será considerada como ganho ilegal, será

condenado em pena de prisão não superior a cinco anos ou em detenção criminal e

recuperada a parte que exceda os legítimos rendimentos”.

O tipo penal somente criminaliza bens ou despesas que “manifestamente” excedam os

proventos legítimos, reforçando-se ainda tal ideia ao exigir ainda que “se tal diferença for muito

grande”, o funcionário público será notificado a explicar a proveniência dos bens. Existe,

portanto, a necessidade de uma prévia notificação do funcionário público e, somente se este não

conseguir explicar a proveniência lícita dos bens, na medida em que excedente aos seus proventos,

haverá o crime.

Há, pois, uma clara inversão do ônus da prova, sendo elementos do crime a notificação do

funcionário e o insucesso do servidor na explicação do patrimônio manifestamente excedente aos

seus rendimentos.

Com relação à Região Administrativa Especial de Macau, o art. 28 da Lei n.º 11/2003, de

28.07.2003, prevê o crime de “riqueza injustificada”, nos seguintes termos:

“1. Os obrigados à declaração nos termos do artigo 1.º que, por si ou por interposta pessoa,

estejam na posse de patrimônio ou rendimentos anormalmente superiores aos indicados nas

declarações anteriores prestadas e não justifiquem, concretamente, como e quando vieram

à sua posse ou não demonstrem satisfatoriamente a sua origem lícita, são punidos com pena

de prisão até três anos e multa até 360 dias.

2. O patrimônio ou rendimentos cuja posse ou origem não haja sido justificada nos termos

do número anterior, pode, em decisão judicial condenatória, ser apreendido e declarado

perdido a favor da Região Administrativa Especial de Macau”.

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Cabe observar que o tipo penal de riqueza injustificada traz o elemento normativo

“anormalmente”. Assim, como somente o patrimônio “anormalmente” superior caracteriza crime,

sendo de pequena monta a superioridade patrimonial do funcionário, em relação ao constante na

declaração, não haverá incidência penal.4

Na Região Administrativa Especial de Hong Kong, a Prevention of Bribery Ordinance, de

1971, dispõe, na section 10(1):

“10. (1) Qualquer pessoa que, sendo ou tendo sido nomeado funcionário:

(a) mantém um nível de vida superior ao que é compatível com a sua remuneração

funcional, presente ou passada; ou

(b) está no controle de recursos pecuniários ou bens desproporcionais a sua remuneração

funcional, presente ou passada, poderá, a menos que dê uma explicação satisfatória para o

tribunal da forma como ele foi capaz de manter um padrão de vida ou como tais recursos

pecuniários ou bens caíram sob seu controle, ser considerado culpado de um crime”.

O tipo penal de Hong Kong, inserido na legislação de combate à corrupção, estabelece

duas alternativas caracterizadoras do crime: o estilo de vida (standard of living) ou a posse de

patrimônio desproporcional aos rendimentos recebidos pelo funcionário. Prevê, também, que ele

poderá ser chamado a justificar a posse de tais bens perante um tribunal, e que se não der uma

explicação satisfatória (satisfactory explanation) para a corte, estará caracterizado o crime.

Por fim, cabe analisar as experiências dos países sul-americanos.

Na Argentina, a Lei 25.188, de 26 de outubro de 1999, acrescentou ao Código Penal o

Capítulo IX bis, sobre “enriquecimento ilícito de funcionários e empregados”, sendo o tipo penal

previsto no art. 268 (2):5

4 GODINHO, Jorge A. F. Do crime de “riqueza injustificada” (artigo 28.º da Lei n. 11/2003). Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, ano XI, n. 24, 2007, p. 20.

5 Além disso, o sistema de punição do enriquecimento ilícito é completado pelo art. 268(3), que prevê: “Será reprimido con prisión de quince días a dos años e inhabilitación especial perpetua el que, en razón de su cargo, estuviere obligado por ley a presentar una declaración jurada patrimonial y omitiere maliciosamente hacerlo”.

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“Art. 268.2. Será punido com reclusão ou prisão, de dois a seis anos, multa de cinquenta

por cento a cem por cento do valor do enriquecimento e inabilitação absoluta perpétua,

aquele que, ao ser devidamente requerido, não justifique a procedência de um

enriquecimento patrimonial apreciável seu ou de interposta pessoa para dissimulá-lo,

ocorrido após a assunção de um cargo ou emprego público e até dois anos depois de ter

cessado seu desempenho.

Entender-se-á que houve enriquecimento não só quando o patrimônio tiver sido

incrementado com dinheiro, coisa ou bens, mas também quando tiverem sido canceladas

dívidas ou extintas obrigações que o afetavam.

A pessoa interposta para dissimular o enriquecimento será punida com a mesma pena que o

autor do fato”.

Do tipo penal argentino se observa a necessidade de que tenha havido uma negativa de

justificação por parte do funcionário público quanto ao enriquecimento. Além disso, não é

qualquer acréscimo patrimonial que caracteriza o tipo penal, que se vale do elemento normativo

“apreciável”, para qualificar o enriquecimento ou aumento patrimonial. Assim sendo, deve ser um

aumento relevante, significativo, e não qualquer acréscimo ou ampliação de menor importância.

No Chile, o crime de enriquecimento ilícito de funcionários públicos passou a ser previsto

no art. 241-bis do Código Penal, acrescido pela Lei 20.088, de 05.01.2006, nos seguintes termos:

“Art. 241 bis. O empregado público que durante o exercício de seu cargo obtenha um

incremento patrimonial relevante e injustificado, será sancionado com multa equivalente

ao montante do incremento patrimonial indevido e com a pena de inabilitação absoluta

temporal para o exercício de cargos e ofícios públicos em seus graus mínimos e máximos”.

O tipo penal chileno é bastante semelhante ao argentino, exigindo que a ampliação

patrimonial seja “relevante” e “injustificada”, o que implica, para sua caracterização, a não

apresentação de justificativa pelo funcionário público.

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Relevante destacar, ainda, que o § 2.º do art. 241-bis prevê que “A prova do

enriquecimento injustificado a que se refere este artigo será sempre a cargo do Ministério

Público”.6

A legislação colombiana também prevê o crime de enriquecimento ilícito no art. 412 do

Código Penal:

“Art. 412. Enriquecimento ilícito. O servidor público que durante sua vinculação com a

administração, ou quem tenha desempenhado funções públicas e, nos dois anos seguintes a

sua desvinculação, obtenha, para si ou para outrem, incremento patrimonial injustificado,

sempre que a conduta não constitua outro delito, incorrerá em prisão de seis (6) a dez (10)

anos, multa equivalente ao dobro do valor do enriquecimento, sem que supere o equivalente

a cinquenta mil salários mínimos legais mensais vigentes, e inabilitação para o exercício de

direitos e funções públicas de seis (6) a dez (10) anos”.

Em El Salvador, o art. 333 do Código Penal prevê o crime de enriquecimento ilícito nos

seguintes termos:

“Art. 333. O funcionário, autoridade pública ou empregado público, que durante o cargo

ou suas funções obtiver incremento patrimonial não justificado será sancionado com prisão

de três a dez anos.

Na mesma pena de prisão incorrerá a pessoa interposta que simular o incremento

patrimonial não justificado”.

No Equador, o Capítulo VIII.1, denominado “Enriquecimento Ilícito”, foi acrescido ao

Título III do Código Penal, que disciplina os “Crimes contra a Administração Pública”, e prevê:

“Art. (296.1). Constitui enriquecimento ilícito o incremento injustificado do patrimônio

de uma pessoa, produzido por ocasião ou como consequência do desempenho de um cargo ou

função pública, gerado por atos não permitidos por lei, e que, em consequência, não seja

resultado de ingressos legalmente percebidos.

6 O que, como se verá na sequência, no item 4, não impede que haja inversão do ônus da prova, com violação da presunção de inocência.

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Art. (296.2). O enriquecimento ilícito se sancionará com a pena de um a cinco anos de

prisão e a restituição do dobro do montante do enriquecimento ilícito, sempre que não

constitua outro delito”.

Por fim, mencione-se, ainda, a Costa Rica, cujo art. 45 da Lei contra a Corrupção e o

Enriquecimento Ilícito na Função Pública (Lei 8.422, de 06.10.2004), prevê:

“Artigo 45. - Enriquecimento ilícito. Será sancionado com prisão de três a seis anos quem,

aproveitando ilicitamente o exercício da função pública ou a custódia, a exploração, o uso

ou a administração de fundos, serviços ou bens públicos, sob qualquer título ou modalidade

de gestão, por si ou por interposta pessoa, física ou jurídica, aumente seu patrimônio,

adquira bens, goze de direitos, cancele dívidas ou extinga obrigações que afetem seu

patrimônio ou o de pessoas jurídicas, em cujo capital social tenha participação, seja

diretamente ou por intermédio de outras pessoas jurídicas”.

Com vistas à análise do tipo penal brasileiro, o que se pode extrair da comparação com os

crimes de enriquecimento ilícito previstos nas legislações supramencionadas é que não é elemento

comum a exigência de que o aumento patrimonial seja desproporcional aos rendimentos do

funcionário público. Por outro lado, em todos os tipos penais, com exceção do enriquecimento

ilícito costa-riquenho, é elemento do tipo que o aumento ou incremento patrimonial seja

“injustificado” ou, “não justificado”, ou ainda, que o funcionário público “não justifique a

procedência”. Essa ausência de justificação, embora não explícita no tipo penal do art. 277 do

Projeto de Código Penal, acaba sendo exigível, ainda que de maneira mais sutil ou disfarçada, ao

se prever que não haja “outro meio lícito”.

Por outro lado, há países que, a despeito de terem ratificado a Convenção das Nações

Unidas contra a Corrupção, não instituíram crimes de enriquecimento ilícito em seus

ordenamentos jurídicos, justamente por considerarem que tal figura penal, na forma propugnada

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pela Convenção, violaria a presunção de inocência, com é o caso da Finlândia, do Reino-Unido e

dos Estados-Unidos da América.7

3. Os crimes de suspeita

A discussão da compatibilidade ou não da incriminação do enriquecimento ilícito, com a

garantia da presunção de inocência, remete à antiga questão, objeto de intensa polêmica na

doutrina italiana, sobre os chamados “crimes de mera suspeita”.8

Sempre lembradas como exemplos de “crimes de suspeita”, são as contravenções penais

previstas nos arts. 7079 e 70810 do Código Penal italiano. Explica Manzini que esses crimes não

são comissivos nem omissivos, “enquanto não constituem um fato nem positivo nem negativo, mas

simplesmente um estado individual, que por isso mesmo não constitui infração de qualquer comando

ou vedação penal, mas que é incriminado simplesmente pela suspeita desta”.11

7 Tais justificativas podem ser encontradas nos textos referentes aos citados países no item “Mechanism for the Review of Implementation of the United Nations Convention against Corruption”, disponível em <http://www.unodc.org/unodc/en/treaties/CAC/IRG.html>.

8 MANZINI, Vincenzo. Trattatto di diritto penale italiano. Totino: Utet, 1950. v. 1, p. 602. Em sentido contrário, Delitala Giacomo (Il reato nella teoria generale de reato. Padova, 1930, p. 139, citado na reprodução contida in Giacomo Delitala, Diritto penale. Raccolta degli scritti. Milano: Giuffrè, 1976, p. 105), afirma que não se trata de “reato di sospetto, ma un sospetto di reato”, o que Manzini (Trattato... cit., v. 1, p. 603, nota 2) qualificou de “giochetto di parole”.

9 “Art. 707. Possesso ingiustificato di chiavi alterate o di grimaldelli. Chiunque, essendo stato condannato per delitti determinati da motivi di lucro, o per contravvenzioni concernenti la prevenzione di delitti contro il patrimonio, o per mendicità, o essendo ammonito o sottoposto a una misura di sicurezza personale o a cauzione di buona condotta, è colto in possesso di chiavi alterate o contraffatte, ovvero di chiavi genuine o di strumenti atti ad aprire o a sforzare serrature, dei quali non giustifichi l'attuale destinazione è punito con l'arresto da sei mesi a due anni.” A Corte Constitucional italiana, na Sentença n. 14, de 1971, declarou a ilegitimidade constitucional do art. 707, na parte em que exige as condições pessoais de condenado por mendicância, de admoestado, de submetido a medida de segurança pessoal ou caução de boa conduta.

10 “Art. 708. Possesso ingiustificato di valori. Chiunque, trovandosi nelle condizioni personali indicate nell'articolo precedente, è colto in possesso di denaro o di oggetti di valore, o di altre cose non confacenti al suo stato, e dei quali non giustifichi la provenienza, è punito con l’arresto da tre mesi a un anno.” A Corte Constitucional italiana, na Sentença n. 110, de 19.07.1968, declarou a ilegitimidade constitucional do art. 708, na parte em que se exige as condições pessoais de condenado por mendicância, de advertido, de submetido a medida de segurança pessoal ou caução de boa conduta”.

11 Trattato... cit., v. 1, p. 602.

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Não é preciso entrar na tormentosa discussão se os chamados crimes de mera suspeita são

ou não “crimes sem ação”,12 nem se tais delitos são integrados somente pela omissão representada

pela ausência de justificação, ou pela simples posse, presumida ilícita, salvo prova em contrário.13

A questão não pode ser falaciosamente abordada como se tudo não passasse de um mero

problema de direito substancial, a ser resolvido a partir da definição da natureza jurídica da “não

justificação da origem lícita”. Há diversas posições, ora caracterizando-a como elemento negativo

do tipo, ora como condição objetiva de punibilidade. Outros, ao contrário, consideram-na uma

causa de justificação a afastar o caráter criminoso da conduta.14

Tudo isso pode ter sentido no âmbito abstrato da construção de normas que definam um

crime. Porém, o relevante para efetivação do preceito penal e para possibilitar o exercício do

direito de defesa dos acusados de carne e osso, é definir qual deverá ser o conteúdo concreto da

narrativa do “fato criminoso com todas as suas circunstâncias” a ser feito na denúncia. Superada

essa questão, em um segundo momento, o importante é definir se, estando o juiz em dúvida sobre

a justificação prestada quanto à licitude da origem dos bens, o resultado do processo deverá ser

absolutório ou condenatório.

Sob essa ótica, no primeiro momento, não há como exigir do Ministério Público que

exponha na denúncia um rol interminável de possíveis meios lícitos diversos dos rendimentos do

funcionário que não se verificaram no caso concreto. Certamente o acusador se limitará a

12 Na doutrina italiana, essa posição recebeu severa crítica de: DELITALA, Il fato... cit., p. 139.

13 Para referências doutrinárias, cf.: ILLUMINATI, Giulio. La presunzione d’innocenza dell’imputato. Bologna: Zanichelli, 1979. p. 142, nota 152.

14 A crítica é feita por Franco Cordero (Il giudizio d’onore. Milano: Giuffrè, 1959. p. 151 e ss.) que propõe uma “remeditazione di conetti penalistici nello scocio del processo”. E, analisando o crime de enriquecimento ilícito, afirma, com razão, Godinho (Do crime de “Riqueza Injustificada”... cit., p. 34): “Surge pois como extremamente claro que a questão da justificação da origem é uma contraprova, ou seja, trata-se de ilidir uma presunção e assim afastar a suspeita de corrupção que pesa sobre o arguido. A figura de que se trata é, de modo inarredável, de cariz processual. É falacioso pretender ver no ónus de justificar a origem uma causa de justificação do ‘facto’ ― até porque, conforme se deixou referido, não há sequer qualquer facto concreto, praticado em certa hora, dia e local, a que a acusação se refira, mas apenas uma alegação genérica. O que existe é o desfazer de uma suspeita, através de prova em contrário”.

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asseverar que o valor do patrimônio em posse do funcionário é superior ou desproporcional aos

seus rendimentos, e que – genericamente – também não há “outro meio lícito” que o justifique.

De outro lado, e o mais relevante para a análise do tema, é a constatação geral da doutrina

de que nos “crimes de suspeita” há uma inversão do ônus da prova, bastando para que a acusação

se desincumba de seu ônus probatório de demonstrar a posse e eventuais condições, objetivas ou

subjetivas, que a tornam ilegítima. Isso já seria suficiente para a condenação, se o acusado não

produzisse a prova liberatória, justificando a posse da coisa. Ou seja, partindo de tais premissas, é o

acusado que suporta o risco da ausência de prova sobre os elementos que justificariam a posse

presumida ilegítima pelo legislador.15

Exemplo dos chamados “crimes de suspeita”, previsto no ordenamento jurídico brasileiro,

é a contravenção penal do art. 25 da Lei de Contravenções Penais, denominada “Posse não

justificada de instrumento de emprego usual na prática de furto”, assim definida: “Ter alguém em

seu poder, depois de condenado, por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada

ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos

empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima”

(destaques nossos).16

15 Cf. bibliografia citada, infra, nas notas 17 e 20. De se destacar, porém, que a Corte Constitucional Italiana, na Sentença n. 14, de 1991 e na Sentença n. 46, de 1992, considerou que as contravenções penais dos arts. 707 e 708 do Código Penal italiano, não violam o art. 27, secondo comma, da Constituição italiana, por considerar que tais normas incriminadoras “não exigem a prova da legitimidade da destinação e da proveniência, limitando, ao invés [o acusado], a prestar uma atendível e circunstanciada explicação, a ser valorada no caso concreto em cada um dos tipos, segundo o princípio da liberdade da prova e do livre convencimento”.

16 Ressalte-se que o STF, no julgamento do RE 583.523, Rel. Min. Gilmar Mendes, reconheceu a repercussão geral sobre a discussão da constitucionalidade da referida contravenção. Do tema 113 da repercussão geral consta: “Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 3º, IV; e 5º, caput, LVII, da Constituição Federal, a revogação, ou não, do art. 25 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei n. 3.688/41), que prevê punição criminal a quem tem em seu poder, depois de condenado por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove a destinação legítima, pela Constituição de 1988”. Pelos motivos que serão expostos no item seguinte, entendemos que há evidente afronta à garantia constitucional da presunção de inocência, pelo que a referida contravenção penal deve ser considerada não recepcionada pela Constituição de 1988.

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Há, em tal dispositivo contravencional, o que Manoel Pedro Pimentel denomina “critério

de habitualidade presumida”.17 E, na prática, a doutrina entende que há uma inversão do ônus da

prova quanto ao elemento “destinação legítima dos objetos”, cabendo ao acusado demonstrar que

se destinavam a fim lícito.18

Todos os problemas gerados com os crimes de suspeita voltaram a ser discutidos,

recentemente, com o surgimento do crime de enriquecimento ilícito.

4. A presunção de inocência e a construção dos tipos penais

A Comissão de Reforma do Código Penal, certamente preocupada com as críticas de

inconstitucionalidade do crime de enriquecimento ilícito, por violação da presunção de inocência,

em razão da inversão do ônus da prova, antecipou-se em justificar que não há no tipo proposto tal

inversão. Fê-lo nos seguintes termos:

“Não cabe ignorar que o amealhamento de patrimônio incompatível com as rendas

lícitas obtidas por servidor público, é indício de que houve a prática de

antecedente crime contra a administração pública. Notadamente a corrupção e o

peculato mostram-se caminhos prováveis para este enriquecimento sem causa. A

riqueza sem causa aparente mostra-se, portanto, indício que permitirá a

instauração de procedimentos formais de investigação, destinados à verificar se não

houve aquisição patrimonial lícita. Não há inversão do ônus da prova,

17 Contravenções penais. São Paulo: RT, 1978. p. 90. Por vez, Bento de Faria (Das contravenções penais. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1942. p. 99) lembra que quem é encontrado nas condições previstas no art. 25 “tem contra si a presunção da inclinação de delinquir contra o patrimônio”.

18 Segundo Bento de Faria (Das contravenções... cit., p. 100), o agente “há de provar o motivo da posse, o qual deve ser justo, e o uso que fez ou deveria fazer do aludido instrumento. (...) Des que a lei exige a prova da legitimidade do destino atual desloca o seu ônus para o agente, consagrando assim a presunção da – ilegitimidade, juris tantum” (destaque no original). No mesmo sentido: Sady Cardoso de Gusmão, Das contravenções penais. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1942. p. 141. Mais recentemente, Valdir Sznick (Contravenções penais. 4. ed. São Paulo: Leud, 1993. p. 129) afirma que, quanto à legítima destinação dos objetos, “a falta de prova leva à infração. Dada a condição pessoal do agente (já infrator), cabe à ele provar a destinação legítima (por exemplo, a sua profissão de serralheiro, chaveiro). Assim, incumbe-lhe o ônus. Não é necessário prove a acusação que o agente, com aqueles apetrechos, vai cometer crime; ele, o possuidor, terá de provar o uso legítimo”.

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incumbindo à acusação a demonstração processual da incompatibilidade dos bens

com os vencimentos, haveres, recebimentos ou negociações lícitas do servidor público.

Não se pode olvidar que o servidor público transita num ambiente no qual a

transparência deve reinar, distinto do que ocorre no mundo dos privados, que não

percebem recursos da sociedade. Daí obrigações como a entrega da declaração de

bens a exame pelo controle interno institucional e pelo Tribunal de Contas. O crime

de enriquecimento ilícito, especificamente diante da corrupção administrativa, na

qual corruptor e corrupto guardam interesse recíproco no sigilo dos fatos, sinaliza

política criminal hábil, buscando consequências e não primórdios (a exemplo da

receptação e da lavagem de dinheiro). É criminalização secundária, perfeitamente

admitida em nosso direito”.

Não é possível concordar com tal justificativa que, ao contrário, somente reforça e

explicita que o novo crime significa uma resposta, no plano do direito material, às dificuldades

processuais enfrentadas na investigação e na comprovação de casos de corrupção passiva.

Transcrevemos, novamente, o tipo penal proposto: “Adquirir, vender, emprestar, alugar,

receber, ceder, utilizar ou usufruir de maneira não eventual de bens ou valores móveis ou imóveis,

cujo valor seja incompatível com os rendimentos auferidos pelo funcionário público em razão de

seu cargo ou por outro meio lícito”.

Esse moderno delito, porém, não se afasta das características dos antigos “crimes de

suspeita” que, como explica Ferrajoli, são “tipos penais que não consistem em condutas consideradas

pela lei em si mesmas como lesivas de bens jurídicos”, mas como condutas suficientes, “em

circunstâncias idôneas, juntamente com determinadas condições pessoais, a suscitar a suspeita (de

delitos cometidos, mas não provados)”.19 Por exemplo, o fato de adquirir, alugar ou utilizar coisas

(condutas suficientes), cujo valor é incompatível com os rendimentos e não justificado por outro

meio lícito (circunstância idônea), sendo funcionário público (condição pessoal), gera a suspeita

do cometimento prévio de um crime, geralmente de corrupção, que não se conseguiu provar.

19 Diritto e ragione. Teoria del garantismo penale. Roma-Bari: Laterza, 1998, p. 737.

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Como já exposto, nos chamados “crimes de suspeita” há uma clara e inegável inversão do

ônus da prova, exatamente quanto ao elemento do crime, relativo à posse injustificada de coisas,

dinheiro ou valores.20 Isso porque, será o acusado que terá o ônus de provar a origem lícita de tais

bens ou valores, demonstrando uma causa justa que lhe permita estar na posse de tais coisas. Isso

porque a figura penal normalmente traz um elemento negativo da “ausência de justificativa lícita”

ou a “não comprovação da destinação legítima”, ou outra expressão equivalente.

No art. 277 do Projeto de Código Penal não há elementos semelhantes. O tipo penal não

exige, expressamente, que o funcionário público justifique a origem lícita da coisa que integra seu

patrimônio, em desproporção com os rendimentos percebidos, como ocorre em vários exemplos

do crime congênere dos ordenamentos estrangeiros. Em razão da não previsão de tal necessidade

de justificação, teria deixado de haver inversão do ônus da prova, sendo, pois, o tipo compatível

com a presunção de inocência? A resposta negativa impõe. No futuro Código Penal brasileiro,

para caracterização do crime de enriquecimento ilícito, bastará que o funcionário público tenha

ou usufrua, de modo não eventual, de um bem “cujo valor seja incompatível com os rendimentos

auferidos ... em razão de seu cargo ou por outro meio lícito”. Embora o tipo penal proposto não exija

expressamente uma “justificativa da origem do patrimônio”, ao prever que o valor do bem seja

incompatível com os “rendimentos auferidos” ou com “outro meio lícito”, chega-se ao mesmo

resultado. O “outro meio lícito”, invariavelmente, deverá ser indicado e provado pelo acusado,

“justificando” a origem lícita do bem.

20 Analisando as contravenções penais de posse injustificada de chave adulterada ou de gazua (art. 707) ou de posse injustificada de valores (art. 708), Francesco Antolisei (Manuale di diritto penale. Parte speciale. 4. ed. Milano: Giuffrè, 1960. v. 1, p. 311) explica que a lei, invertendo o ônus da prova, obriga o agente, no caso do art. 707, a justificar a destinação da chave adulterada ..., e no do art. 708, a justificar a proveniência do dinheiro ou outro objeto não condizente com seu estado e, se por qualquer motivo o agente não fornece tais justificações, estará caracterizada a infração penal. Mais enfático, Silvio Ranieri (Manual de derecho penal. Parte especial. Bogotá: Temis, 1975. v. 6, p. 366 e 368-369) afirma, em relação à contravenção do art. 707, que a ilegitimidade da destinação das coisas “se presume”, dada a qualidade pessoal do sujeito, e esta presunção só pode ser afastada ante a prova em contrário que seja produzida pelo acusado. Da mesma forma, no caso do art. 708, assevera que “a presunção de ilegitimidade da procedência das coisas de que se trata, dada a qualidade pessoal do sujeito, pode ser desvirtuada pela prova contrária de que este consiga apresentar acerca da origem das coisas possuídas, ainda que não correspondam ao seu estado” (op. cit., p. 368-369).

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O crime de “enriquecimento ilícito” brasileiro traz um tipo penal mais elaborado, que não

escancara a inversão do ônus da prova, mas nem por isso deixa de realizá-la, ainda que por meio

de um subterfúgio. Cabe analisar de forma mais esmiuçada o tipo penal e seus reflexos na

atividade probatória.

O primeiro elemento do crime a ser considerado é uma das ações nucleares do tipo

previstas alternativamente: “adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, utilizar ou usufruir

de maneira não eventual de bens ou valores móveis ou imóveis”. Assim, poderá ter havido, por

exemplo, a aquisição de um helicóptero, ou o aluguel de uma casa de praia. Situações como estas,

muitas vezes, poderão ser comprovadas pela simples juntada de documentos. Haverá casos, no

entanto, em que essa prova será mais difícil, como, por exemplo, usufruir de forma usual de uma

lancha ou de uma casa de campo, o que poderá demandar prova testemunhal ou mesmo um

conjunto robusto e coerente de indícios.

O segundo elemento do crime é que os bens móveis ou imóvel tenham sido adquiridos,

alugados etc. por “valor ... incompatível com os rendimentos auferidos pelo funcionário público em

razão de seu cargo”. Por exemplo, tal ocorrerá quando os rendimentos de um funcionário público

não lhe permitirem comprar um helicóptero de milhões de reais ou alugar uma casa de praia

pagando alugueres mensais de mais de uma dezena de milhares de reais. Nestes casos, imagina-se

que a prova da incompatibilidade se dará pela simples obtenção da declaração de imposto de

renda do funcionário público. Aliás, atualmente, no caso de órgãos públicos que cumpram a Lei

12.527/2011 – Lei do acesso à informação –, os rendimentos estarão disponíveis publicamente,

para consulta de qualquer interessado!

O terceiro elemento do crime é a inexistência de “outro meio lícito” que poderia justificar a

compra, o aluguel, a fruição ... do bem. Exatamente neste último elemento é que se opera a

inversão do ônus da prova e, consequentemente, se fulmina a presunção de inocência, como regra

de julgamento ,21 bem como o seu consectário, o direito ao silêncio do acusado.

21 José Joaquim Gomes Canotilho e Vidal Moreira (Constituição da República Portuguesa anotada. São Paulo: RT; Coimbra, PT: Coimbra Ed., 2007. v. 1, p. 518) apontam como elemento do conteúdo adequado da presunção de inocência a “proibição de inversão do ônus da prova em detrimento do arguido”.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 68

Explica-se: como não há um conjunto delimitado de outras fontes ou meios lícitos de

recebimento de valores, são infindáveis as maneiras de se “adquirir, vender, emprestar, alugar,

receber, ceder, utilizar ou usufruir de maneira não eventual de bens ou valores” tendo por origem

“outro meio lícito” que não os insuficientes “rendimentos auferidos pelo funcionário público”. O

funcionário público pode ter sido premiado em uma loteria; ou sido contemplado em um sorteio

de final de ano; se casado com pessoa rica; recebido vultosa herança; sido contemplo por doação

de amigo próximo; recebido presentes caros de amante; recebido elevada remuneração por se

prostituir; ganho valores significativos em carteado com amigos etc. Os exemplos poderiam seguir

a depender da criatividade de cada um.

É claro que se tal fonte lícita diversa da remuneração normal for incluída na declaração de

rendimentos do funcionário público, provavelmente não se cogitará de crime algum. O problema

surgirá quando o servidor omitir tal dado de sua declaração de rendas, seja por acreditar

desnecessário declará-lo – por exemplo, um carro de luxo ganho num sorteio natalino de shopping

center –, seja por evidente constrangimento – no caso de favores sexuais remunerados –, seja para

não produzir prova contra si mesmo.

Embora a acusação possa demonstrar facilmente a incompatibilidade do valor do bem

com os rendimentos funcionais, dificilmente saberá se há ou não “outro meio lícito”. E, neste

caso, havendo dúvida se existe ou não um dos elementos do tipo – outro meio lícito – o acusado

será condenado ou absolvido?

Um posicionamento que preserve a presunção de inocência responderá, facilmente e com

segurança: in dubio pro reo! Mas se assim o for, o novel tipo penal será de uma inutilidade total.22

Isso porque, sempre será possível se cogitar de uma eventual – entre infindáveis – fonte lícita a

lançar dúvida razoável sobre o espírito do julgador e impor a absolvição. A condenação será

praticamente impossível!

22 Embora se referindo às contravenções penais dos arts. 707 e 708 do Código Penal italiano, mas em passo igualmente aplicável aos crimes de enriquecimento ilícito ou injustificado, Cordero (Il giudizio d’onore... cit., p. 159) afirma que a omissão do prévio acertamento da legítima proveniência “representa o centro gravitacional do esquema legal, e não menos que o motivo político que caracteriza a norma”.

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De outro lado, quem busca uma maior eficácia da persecução penal no combate à

corrupção e a outros crimes funcionais se posicionará no sentido de que, se o acusado sequer

invocou qualquer outra fonte lícita, não haverá dúvida sobre sua existência e, neste caso, a

condenação se imporá.

Essa última postura, além de permitir a condenação com base na dúvida sobre um dos

elementos do tipo penal, em flagrante desrespeito à garantia constitucional da presunção de

inocência, em seu aspecto de regra de julgamento, também estará a impor ao acusado um dever de

colaboração com a descoberta da verdade, o que é incompatível com a garantia constitucional do

direito ao silêncio (CR, art. 5.º, inc. LXIII).23

Certamente se argumentará que não se poderá fazer pesar sobre os ombros da acusação o

ônus da prova de que “não há outro meio lícito” que pudesse justificar tal patrimônio, porque isso

seria exigir-lhe uma probatio diabolica, vez que os fatos negativos não podem ser provados.

A premissa não será correta. A regra negativa non sunt probanda não pode ser aceita, na

medida em que basta transformar a afirmação de um fato negativo na forma positiva

inversamente correspondente, para que a prova se torne possível.24 Impossível é produzir prova de

alegações de fatos indeterminados,25 sejam eles positivos ou negativos.26 Por outro lado, é

perfeitamente possível provar o fato negativo determinado.27 A comprovação da inocorrência de

23 Lembra Antonio Magalhães Gomes Filho (Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 41) que, além do in dubio pro reo, uma segunda decorrência da garantia constitucional da presunção de inocência, “em relação à matéria probatória, diz respeito à impossibilidade de se obrigar o acusado a colaborar na investigação do fatos”. No mesmo sentido, na doutrina portuguesa, cf.: ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra Ed., 1992. p. 125.

24 Por exemplo, é possível provar que “não estava no Rio de Janeiro, no dia 10 de fevereiro de 2012, às 20:00 horas”, comprovando que em tal dia e horário, estava na cidade de São Paulo.

25 Por exemplo: “não costumo falar alto” (fato negativo indeterminado), ou “normalmente sou pontual” (fato positivo indeterminado).

26 Cf. LESSONA, Carlo. Teoria delle prove nel diritto giudiziario civile italiano – parte generale: confessione e interrogatorio. Firenze: Fratelli Camelli, 1895. p. 133; SARACENO, Pascoale. La decisione sul fatto incerto nel processo penale. Padova: Cedam, 1940, p. 161.

27 Cf. GIANTURCO, Emanuele. Istituzioni di diritto civile italiano. 4. ed. Firenze: G. Barbera, 1895. p. 189; LESSONA, Teoria delle... cit., p. 132; BONNIER, Eduardo. Tratado teórico y práctico de las pruebas en

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um fato negativo determinado pode ser feita pela prova de fatos positivos contrários ou

incompatíveis.28

Mas, voltando ao crime de enriquecimento ilícito, no que se refere ao elemento do tipo

“outro meio lícito”, elemento negativo indeterminado. Como pode existir conjunto infindável e

ilimitado de possíveis meios lícitos diversos dos rendimentos dos funcionários públicos, tal

procedimento hipotético de exclusão do fato negativo, pela demonstração do fato positivo

incompatível, não tem como ser realizado. Não haverá como transformar – porque indeterminado

– a afirmação do fato negativo em uma afirmação de fatos positivos incompatíveis e, com isso

demonstrar que não existiu este ou aquele outro meio lícito.

Justamente por isso é que a construção de um tipo penal que trabalhe com um elemento

indeterminado – “outro meio lícito” –, que poderá ser conhecido apenas pelo acusado, implicará,

inevitavelmente, a inversão do ônus da prova. Havendo dúvida sobre esse elemento do delito, o

acusado não será absolvido, com base no in dubio pro reo. Ao contrário, será condenado, porque

ao não colaborar com a investigação ou instrução, indicando outra fonte lícita, terá feito pesar

sobre si o ônus da prova quanto a existência desse outro meio lícito. Ou seja, a acusação terá

apenas que provar a ocorrência de uma das operações indicadas nos verbos-tipos, que teve por

objeto um bem cujo valor era incompatível com os rendimentos do funcionário público. Por

outro lado, o acusador não terá o ônus de provar que inexistiam outras fontes lícitas.

Demonstrado pela acusação apenas que a operação envolvia valor “incompatível com os

rendimentos auferidos pelo funcionário em razão de seu cargo”, passará a ser do servidor o ônus

de demonstrar que ele tinha “outro meio lícito” que lhe permitiu ter tal bem ou valor em seu

derecho civil y en derecho penal. Trad. José Vicente y Caravantes. Madrid: Reus. 1928. t. I, p. 48; CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 3. ed. Napoli: Jovene, 1965. p. 784; FOSCHINI, Amedeo. Il dubbio sulla prova delle eccezioni nel processo penale. Archivio Penale, v. 2, p. I, 1946, p. 201; SABATINI, Guglielmo. Principi di diritto processuale penale. 3. ed. Catania: Casa del Libro, 1948. v. 1, p. 472. Mais modernamente, cf. TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Milano: Giuffrè, 1992. p. 117. Na doutrina nacional, cf. SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código De Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976. v. 4, p. 31.

28 Cf. CASTRO, Francisco Augusto das Neves e. Theoria das provas e sua aplicação aos actos civis. Porto: Livraria Internacional de Ernesto Chardron, 1880. p. 39; BONNIER, Tratado... cit., p. 48; LESSONA, Teoria delle... cit., p. 132; SARACENO, La decisione... cit., p. 145; TARUFFO, La prova... cit., p. 117.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 71

patrimônio. E se não o fizer, será condenado. Isto significa que, em relação ao elemento do crime

“outro meio lícito”, inverte-se o ônus da prova29 e vigorará o in dubio contra reum! Não será o

acusador que terá o ônus de demonstrar que a operação desproporcional aos vencimentos do

acusado “não tinha outro meio lícito”, mas será o acusado que deverá demonstrar que a operação

“teve outro meio lícito”. Ou seja, mais fácil criar um tipo penal que inverte o ônus da prova,

exigindo-se a prova positiva do acusado.30

Por outro lado, ainda que fosse possível superar o óbice da presunção de inocência, e se

admitisse a inversão do ônus da prova, cabendo ao acusado demonstrar a origem lícita dos bens,

outro problema surgiria: o acusado se desincumbiria de tal ônus apenas gerando dúvida sobre a

licitude ou teria que prová-la plenamente? As duas posições são encontradas na doutrina. Há

quem se contente com uma justificação ou explicação sobre a licitude da origem dos bens,

bastando uma prova capaz de gerar dúvida sobre a licitude.31 Assim, não se exigiria uma “prova

além de qualquer dúvida razoável” da origem lícita dos bens, mas uma circunstanciada e

convincente explicação, valorada no caso concreto, a justificar a existência de um patrimônio

desproporcional com os rendimentos do funcionário público. Outros, contudo, vão além,

considerando que “o ônus da prova incumbe por inteiro ao acusado; quando o juiz estiver na dúvida,

se impõe uma pronúncia condenatória”.32

29 BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. A criminalização do enriquecimento ilícito de funcionário público. Lições ao Brasil sobre o perigo de retrocesso do direito penal ao período pré-iluminista. RBCCRIM, São Paulo: RT, n. 98, set.-out. 2012, p. 536.

30 Lembre-se que Manzini (Trattato... cit., v. 1, p. 603) em relação à contravenção do art. 708 do CP italiano, afirmava que “a origem ou a razão de tal posse não tem importância constitutiva, mas somente eventualmente descriminante”. Desnecessário destacar que, para um inimigo da presunção de inocência, que a considerava “paradoxal”, o ônus da prova das descriminantes pesava sobre o acusado! Ao mesmo resultado chega Delitala (Il reato... cit., p. 103), embora considerando que a ausência de justificação da posse caracteriza “uma causa de licitude (o crime não subsiste, se a posse é justificada), cuja prova está a cargo do acusado”, acrescentando, ainda: “a insubsistência de prova não redunda em benefício, mas em prejuízo do acusado, a quem incumbe assim o ônus da prova da legitimidade da posse” (op. cit., p. 103, nota 20).

31 Cf.: SARACENO, La decisione... cit., p. 256-257; CHIAVARIO, Mario. La Convenzione Europea dei Diritti dell’uomo nel sistema delle fonti normative in materia penale. Milano: Giuffrè, 1969. p. 386-387.

32 CORDERO, Il giudizio d’onore... cit., p. 162. No mesmo sentido, cf. BETTIOL, Giuseppe. Sulle presunzioni nel diritto e nel processo penale. Scritti Giuridici. Padova: Cedam, 1966. t. I, p. 362.

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Em suma, do ponto de vista da garantia constitucional da presunção de inocência, não

parece possível a construção de um tipo penal que confira, explícita ou implicitamente, ao

acusado o ônus de justificar a origem lícita do bem ou valor e provar a sua licitude, o que implica

uma presunção de culpabilidade,33 com a consequência de que mesmo na dúvida sobre um dos

elementos do tipo, o acusado seja condenado.

Analisando a questão exclusivamente sob a ótica da presunção de inocência, o problema

deixaria de existir caso a lei se limitasse a proibir a propriedade ou posse de determinados bens ou

valores incompatíveis com os rendimentos do funcionário público, sem qualquer presunção de

ilicitude.34 Todavia, sob a ótica da proteção de bens jurídicos, seria muito difícil justificar a

criação de um tipo penal com tal conteúdo.35 Não se trataria de punir alguém por um fato que

praticou (um concreto ato de corrupção), mas pelo que ele é (um funcionário público

desonesto).36 E, como destaca Figueiredo Dias, “se há princípio indiscutivelmente aceito em matéria

de dogmática jurídico penal e de construção do conceito de crime é o de que todo o direito penal é

direito penal do facto, não direito penal do agente”.37

5. A corrupção passiva e a prova da prática de ato de ofício na nova visão do Supremo Tribunal Federal

33 ILLUMINATI, La presunzione d’innocenza... cit., p. 144.

34 No âmbito não criminal, tal conduta caracteriza ato de improbidade administrativa, que importa enriquecimento ilícito. Dispõe o art. 9.º, inc. VII, da Lei 8.429/1992: “Art. 9.º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1.º desta lei, e notadamente: (...) VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público”. Além disso, no plano administrativo, o art. 13, caput, da referida lei, prevê: “Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente”.

35 ILLUMINATI, La presunzione d’innocenza... cit., p. 144. Na doutrina nacional: BECHARA, A criminalização do enriquecimento ilícito... cit., p. 536.

36 GODINHO, Do crime de “riqueza injustificada”... cit., p. 28.

37 Direito penal. Parte geral. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Ed., 2004. t. I, p. 221.

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Toda a discussão sobre a necessidade – do ponto de vista da tão propalada “eficiência” da

persecução penal – de se criar um tipo penal de enriquecimento ilícito, sempre foi a dificuldade

decorrente de se exigir que, no crime de corrupção passiva, o Ministério Público imputasse na

denúncia,38 e depois provasse, além de qualquer dúvida razoável, a prática de um ato de ofício e o

seu nexo causal.39

Todavia, muitas vezes não se conseguia demonstrar tal nexo entre o recebimento ou

solicitação da vantagem indevida e um específico ato de ofício que tivesse sido praticado, não se

punindo, por corrupção, funcionários públicos que demonstravam “sinais exteriores de riqueza”

aparentemente incompatíveis com seus rendimentos.

Nesse contexto, a discussão sobre a necessidade de tipificação do crime de enriquecimento

ilícito, como um crime subsidiário da corrupção, tinha sentido.

Tal panorama pode ter se alterado com o julgamento da Ação Penal 470/DF, pelo

Supremo Tribunal Federal, no qual se adotou a tese da possibilidade de condenação de

funcionário público por corrupção passiva independentemente da comprovação do ato de ofício.

Ou seja, o que não se conseguiu no plano legislativo – e, se for implementado, será

inconstitucional –, obteve-se jurisprudencialmente, abrandando-se os rigores do que deve conter

uma imputação certa e determinada no crime de corrupção, impedindo o exercício da ampla

defesa, que não saberá de que ato de ofício se defender, tudo para facilitar a atividade probatória

da acusação na luta contra a corrupção.

38 O STF decidiu que: “A denúncia é uma exposição narrativa do crime, na medida em que deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias. Orientação assentada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que o crime sob enfoque não está integralmente descrito se não há na denúncia a indicação de nexo de causalidade entre a conduta do funcionário e a realização de ato funcional de sua competência. Caso em que a aludida peça se ressente de omissão quanto a essa elementar do tipo penal excogitado. Acusação rejeitada” (STF, Inq 785/DF, Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 08.11.1995, m.v.).

39 Cf., por exemplo, o seguinte acórdão do STF: “Improcedência da acusação. Relativamente ao primeiro episódio, em virtude não apenas da inexistência de prova de que a alegada ajuda eleitoral decorreu de solicitação que tenha sido feita direta ou indiretamente, pelo primeiro acusado, mas também por não haver sido apontado ato de ofício configurador de transação ou comércio como segundo, ao terceiro e ao quarto acusados” (STF, APn 307-3-DF, 2.ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 13.12.1994, m.v.).

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Quem pretendia combater a corrupção, criando um novo tipo penal que violaria a

presunção de inocência, caso o precedente do Supremo Tribunal Federal venha a se confirmar,

agora pode combatê-la, mediante uma jurisprudência que impede a ampla defesa. O preço que se

paga pela ineficiência investigatória dos atos de corrupção e a supressão de garantias individuas,

pouco importa, se a presunção de inocência ou a ampla defesa.

6. Conclusão

Há diversos ordenamentos jurídicos que criminalizaram o enriquecimento ilícito, na

maioria deles, como crime funcional, consistindo o delito, em suma, na posse ou propriedade de

bens, em valores incompatíveis com os rendimentos recebidos pelo funcionário público, sem que

haja outra justificação legítima para que tal bem integre seu patrimônio.

O Brasil, por força de obrigações internacionais assumidas com vistas ao combate à

corrupção, tem a obrigação de verificar a compatibilidade da criminalização do enriquecimento

ilícito, desde que tal crime seja compatível com as garantias da Constituição brasileira e os

princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico.

O Projeto de Código Penal prevê, em seu art. 277, o crime de enriquecimento ilícito. O

tipo penal proposto, contudo, é incompatível com a presunção da inocência, na medida em que,

com relação a um dos seus elementos – a incompatibilidade do valor com “outro meio ilícito” –,

acaba por inverter o ônus da prova, fazendo pesar sobre o acusado a demonstração da licitude da

fonte pela qual obteve o bem ou valor.

A previsão de um elemento negativo indeterminado – no caso a inexistência de outro

meio lícito –, viola a garantia constitucional da presunção de inocência, por criar um tipo penal

em relação ao qual não será possível fazer recair sobre a acusação o ônus da prova sobre todos os

elementos do tipo penal. Embora seja possível a prova de fatos negativos, é impossível demonstrar

a inocorrência de um fato negativo indeterminado, isso porque, não sendo ele individualizável,

para fins probatórios, não há como convertê-lo em um fato positivo incompatível que,

comprovado, afastaria a inexistência do elemento negativo do tipo.

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Não se questiona o propósito firme de combate à corrupção, o que é uma exigência de

todos, seja para preservação do bom funcionamento da administração pública, seja para a própria

formação do senso ético da sociedade.

Há mecanismos de controle não criminais que podem e devem ser implementados, seja no

plano administrativo-funcional, seja no campo de verificação contestante da regularidade dos atos

administrativos. Por outro lado, técnicas tributárias de controle e imposições de sanções fiscais,

como por exemplo, em relação aos sinais exteriores de riquezas, podem ser também um

importante mecanismo de alerta contra funcionários públicos corruptos. Finalmente, a punição

por improbidade administrativa deverá ser também efetivamente utilizada contra servidores que

enriquecem ilicitamente. Antes de criar novos delitos, é preciso fazer funcionar as soluções não

criminalizadoras.

O que não se pode aceitar é uma cômoda criação do tipo penal de enriquecimento ilícito,

como forma de punir o funcionário público que, a partir de seu patrimônio desproporcional, se

presume corrupto, até prova em contrário de sua inocência.

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O alcance da nulidade decorrente da ausência de motivação da decisão a

respeito da resposta à acusação

Cristiano Avila Maronna Mestre e doutor em direito penal pela USP.

Diretor do IBCCRIM. Advogado.

Entre as mudanças legislativas promovidas nos últimos anos na área do processo penal,

uma das que mais suscitou – e continua a suscitar – polêmicas é a que introduziu inovação

procedimental consistente na apresentação, pela defesa, de resposta à acusação, conforme arts. 396

e seguintes do Código de Processo Penal, com a redação determinada pela Lei 11.719/2008.

“O art. 396-A é a complementação da profunda inovação que trazia o anteprojeto

enviado ao Congresso. Na previsão original, seria aberta a possibilidade de o

acusado apresentar uma defesa escrita para afastar o recebimento da denúncia.

Assim, pode-se dizer que o Projeto pretendia que, após o oferecimento da denúncia e

antes de o juiz decidir pelo seu recebimento, ao acusado fosse aberto prazo para

apresentar as razões que impediriam o desenvolvimento da relação jurídica

processual. Entretanto, não foi esta a opção do legislador quando da finalização do

Projeto. Esta defesa escrita será o momento para que o acusado apresente as suas

teses defensivas, bem como todo o resto que possa contribuir para a sua defesa,

inclusive o rol de suas testemunhas com o respectivo requerimento de intimação,

quando necessário. Pretende ser diferente da defesa prévia do antigo sistema, que,

na prática, salvo nos casos de manifesta inocência do acusado, limitava-se a dizer

que provaria a improcedência da denúncia ofertada ao final do procedimento e,

para tal, arrolava as testemunhas que entendia importantes. Em verdade, a única

importância da peça prevista no art. 395 era a de arrolar as testemunhas, sob pena

de preclusão, pois, de resto, a sua apresentação ou não pouco acrescentava no

convencimento do magistrado. Pela nova sistemática, a defesa escrita será muito

parecida com a contestação do processo civil. Não há, contudo, a aplicação do

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princípio da eventualidade, mas é nesta fase do processo que o acusado deverá

apresentar de maneira mais ampla possível a sua defesa escrita. Neste momento,

deverá o acusado juntar os documentos que comprovem sua inocência e especificar

as provas que pretende produzir, como as periciais, por exemplo” (SANTOS,

Leandro Galluzi dos; MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis (Coord.). As

reformas no processo penal. São Paulo: RT, 2008. p. 324-325).

Conforme destacam Antonio Scarance Fernandes e Mariângela Lopes, na nova sistemática

procedimental, há dois momentos distintos para a análise a respeito do recebimento da inicial

acusatória (juízos de formulação progressiva): o primeiro antes da resposta do réu, no qual o

julgador emite um juízo provisório e preliminar a respeito da admissibilidade da acusação; o

segundo após a resposta do acusado (O recebimento da denúncia no novo procedimento. Boletim

IBCCRIM, São Paulo, n. 190, set. 2008, p. 2).

A respeito deste último momento, observam os ilustres autores citados que:

“O outro recebimento pode ocorrer depois de ser facultada ao acusado a

possibilidade de apresentar a sua resposta, na qual poderá alegar tudo que deseja

em sua defesa e postular a rejeição da acusação ou a sua absolvição sumária. O

juiz pode seguir três caminhos: rejeita a acusação, absolve sumariamente ou recebe a

denúncia ou queixa. (...) Não teria sentido abrir oportunidade ao acusado para

a sua resposta, na qual pode alegar qualquer matéria em sua defesa, inclusive as

que possibilitam a rejeição da denúncia ou queixa, se o juiz não pudesse mais

rejeitar a acusação” (op. cit. – grifos da reprodução).

Com efeito, o art. 396 do Código de Processo Penal dispõe que o juiz, ao receber a

denúncia ou queixa, ordenará a citação do acusado para responder por escrito à acusação.

É o momento para, conforme dispõe o art. 396-A do mesmo diploma legal, o acusado

arguir preliminares, oferecer documentos e justificações, arrolar testemunhas, especificar provas

que pretenda produzir, enfim, ocasião para alegar “tudo o que interessa à sua defesa”.

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Após a resposta defensiva há um novo juízo de admissibilidade da acusação, que deve ser

feito pelo juiz, do qual decorrem três possibilidades: rejeição da denúncia (art. 395 do CPP),

absolvição sumária do acusado (art. 397 do CPP) ou a designação de audiência de instrução e

julgamento (art. 399 do CPP).

Nas palavras de Amalia Gomes Zapala:

“Há um duplo juízo de admissibilidade da denúncia, resultado de dois juízos com

cognições diferentes. Há um juízo de admissibilidade inicial com a possibilidade de

uma rejeição liminar da denúncia ou queixa. Superado o primeiro filtro, oferecida

a resposta à acusação, haverá um novo juízo de viabilidade da denúncia, a fim de

se evitar a continuidade inútil do processo. Trata-se de exame mais aprofundado, de

um segundo filtro da acusação, dele podendo resultar ainda a absolvição do

acusado, extinguindo-se o processo com julgamento do mérito” (Apreciação judicial

da resposta à acusação no procedimento do júri. Boletim IBCCRIM, São Paulo,

ano 17, n. 201, p. 14-15, ago. 2009).

A resposta defensiva só assume sua finalidade de garantia se levado em consideração pelo

juiz tudo o que for alegado pelo acusado no interesse de sua defesa, o que exige, por consequência,

que a decisão exarada após a apresentação da resposta seja fundamentada.

Daí a necessidade de motivação, como já bem asseverou a Ministra Maria Thereza de

Assis Moura: “a inauguração da instância, por representar significativo gravame ao status dignitatis,

deve, sim, ser motivada. Tal decorre, mesmo, para que o réu possa compreender o processo mental pelo

qual passou o magistrado ao identificar a justa causa para a sujeição do acusado à persecutio criminis

in judicio” (STJ – HC 99.247 – Rel. para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe

17.05.2010).

Nesse sentido a doutrina de Márcio Orlando Bártoli:

“Abre-se parêntese para reafirmar a necessidade imperiosa de fundamentação dessa

decisão, como estabelecido pelo art. 93, IX da Constituição Federal. Não basta o

modelo standard do antigo carimbo padrão, nem o modelo hoje arquivado no

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computador, sem fundamentação adequada, ambos amplamente utilizados sob

o fundamento falacioso de impossibilidade de ‘ingresso no mérito da ação penal

nessa fase inicial do processo’, para evitar o exame da correspondência da

denúncia com os elementos contidos no inquérito e assim impedir o excesso e

abuso de acusação, cujo exame é agora obrigatório. (...) Se há possibilidade de o

juiz reapreciar e rejeitar a denúncia, e absolver sumariamente o acusado, a única

conclusão lógica que se extrai é de que deve haver julgamento fundamentado

acolhendo ou rejeitando a defesa. Se não for proferida decisão nesses termos, por

que motivo o CPP teria aberto a oportunidade de apresentação da resposta do

acusado? Teria a lei criado uma armadilha para ser antecipada a tese defensiva a

ser desenvolvida no curso do processo? A ausência de decisão sobre a resposta

escrita representa ofensa à garantia constitucional do contraditório, porque

tudo o que é alegado pelas partes deve ser julgado pelo juiz” (Recebimento e

rejeição da denúncia, e absolvição sumária. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano

17, n. 202, p. 7, set. 2009, grifos da reprodução).

Realmente, seria uma profunda contradição a lei processual permitir ao acusado a

apresentação de resposta escrita, podendo alegar tudo o que interessar à sua defesa, e não haver

decisão motivada a respeito, postergando-se o exame dos argumentos defensivos para a fase da

sentença de mérito.

Na verdade, se o juiz deve justificar a absolvição sumária do acusado, a fortiori deve expor

a razão da rejeição dos argumentos defensivos, sob pena de nulidade do decisum.

A ausência de motivação da decisão que aprecia a resposta defensiva representa violação da

regra constitucional segundo a qual toda decisão judicial deve ser fundamentada, sob pena de

nulidade (art. 93, inciso IX, da CF).

Antônio Magalhães Gomes Filho, ao analisar o mandamento constitucional do art. 93,

IX, da Carta Política, observa, com precisão, que:

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 80

“Na redação adotada, dois pontos fundamentais merecem ser desde logo ressaltados,

(...). O primeiro diz respeito à extensão do dever judicial de motivar: ao referir-se a

todas as decisões, o constituinte evidentemente pretendeu incluir nessa exigência

todo e qualquer pronunciamento jurisdicional que contenha uma carga decisória,

mínima que seja, só estando excluídos, portanto, os denominados despachos de

expediente. O segundo está relacionado à previsão da sanção de nulidade no

próprio texto constitucional: além de constituir uma novidade, tanto no nosso

ordenamento como em relação ao direito constitucional comparado, isso revela a

gravidade dos vícios de motivação, pois a falta de motivos ou a fundamentação

deficiente ou contraditória mutilam a própria integridade do ato judicial” (A

motivação das decisões penais. São Paulo: RT, 2001. p. 71-72).

Decisões genéricas e carimbáticas, que simplesmente atestam que “as questões apresentadas

pela Defesa são de mérito e serão analisadas no momento oportuno”, não se coadunam com o preceito

do art. 93, IX, da CF, pois carecem da devida motivação que propicia, nas palavras de Rogério

Lauria Tucci:

“com as indispensáveis clareza, lógica e precisão, a perfeita compreensão da

abordagem de todos os pontos questionados e, conseqüente e precipuamente, a

conclusão atingida” (Direitos e garantias individuais. São Paulo: Saraiva, 1993. p.

262).

Na jurisprudência, apesar de algumas oscilações iniciais, consolidou-se o entendimento de

que a ausência de apreciação motivada das teses articuladas na resposta à acusação caracteriza

nulidade.

Sobre a questão do alcance decorrente do reconhecimento de referida nulidade, há

decisões em sentidos diversos, que merecem análise detida.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por exemplo, reconheceu a necessidade de

fundamentação da decisão judicial que analisa resposta à acusação, sem contudo determinar a

anulação do feito a partir da ocorrência da nulidade, sob o entendimento de que seria possível

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 81

saná-la a qualquer momento antes da prolação da sentença de mérito, com arrimo no princípio

do aproveitamento dos atos processuais. Veja-se:

“[...] 3. Se o réu, na resposta escrita de que trata o artigo 396-A do Código de

Processo Penal, formula alegações de inépcia da denúncia e de ausência de justa

causa para a ação penal, deve o juiz apreciá-las, não podendo escusar-se a conta de

que, se o fizesse, estaria concedendo habeas corpus contra ato próprio. 4. Se o artigo

397 do Código de Processo Penal, em sua redação atual, autoriza o juiz a até

mesmo absolver o réu sem proceder à instrução probatória, com muito mais razão o

dispositivo permite a apreciação de questões processuais capazes, em tese, de levar à

rejeição da denúncia. 5. A decisão de recebimento da denúncia, prevista no artigo

396 do Código de Processo Penal, constitui mero juízo de delibação, é proferida

com base em cognição sumária e tem caráter provisório, não sendo sequer razoável

que produza preclusão pro judicato” (2.ª T., HC 0000139-

44.2011.4.03.0000/SP, Rel. Des. Federal Nelton dos Santos, m.v., j.

29.03.2011).

No corpo deste acórdão está dito que:

“Em tema de nulidades processuais, um dos princípios mais importantes é o do

aproveitamento dos atos, de acordo com o qual só restam afetados pela declaração de

nulidade aqueles cuja preservação seja incompatível com a própria declaração.

Desse modo, cabe ao juiz da causa, ao apreciar as questões suscitadas pela defesa,

examinar se há, dentre os atos posteriores à decisão de f. 530-532 dos autos

principais (f. 563-665 destes autos), algum ou alguns que precisem ser repetidos ou

renovados. O caso é, portanto, de afastar-se o óbice apontado pela juíza impetrada e

determinar-se que profira decisão sobre as questões suscitadas nas respostas e ainda

não apreciadas. (...) A prolação de tal decisão, todavia, não necessariamente

compromete os atos de instrução e tampouco a realização dos interrogatórios,

devendo a autoridade impetrada aferir, em concreto e à vista do princípio do

aproveitamento dos atos processuais, a necessidade de renovação ou repetição”.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 82

Em sentido oposto, o Tribunal de Justiça de São Paulo, entendendo que o acusado tem

direito à apreciação fundamentada das preliminares e matérias arguidas em sede de resposta à

denúncia, anulou ação penal desde a ocorrência da nulidade, porquanto o magistrado não

explicitou os motivos da rejeição do pedido de absolvição sumária. Confira-se:

“Processo penal. Art. 399. Prosseguimento do feito. Fundamentação da decisão.

Necessidade. Defesa que alegou tudo o que interessava na fase do art. 396-A do

CPP. Direito à apreciação fundamentada das preliminares e matérias arguidas em

sede de resposta à denúncia. Resposta que exige do magistrado decisão complexa e

fundamentada. Decisão que não explicitou os motivos da rejeição do pedido de

absolvição sumária. Nulidade. Ordem concedida” (TJSP, 14.ª Câm., HC

990.09.123605-5, rel. Des. Hermann Herschander, v.u., j. 13.08.2009,

ementa não oficial, Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 17, n. 203, p. 1, out.,

2009, caderno de jurisprudência).

No corpo do v. aresto citado restou consignado que:

“Não há dúvida de que o direito à resposta preliminar conferido à Defesa pela

nova sistemática processual tem como consectário inarredável o direito à

apreciação fundamentada das preliminares e matérias ali argüidas, quaisquer

que sejam. Portanto, a resposta oferecida exigia do MM. Juiz decisão complexa

e acuradamente fundamentada. (...) Todavia, a defesa foi rejeitada nos seguintes

termos: ‘Com o novo rito procedimental trazido pela Lei n, 11.719/08, a defesa

escrita passou a ser peça essencial de ataque do réu às imputações lhe são feitas na

peça acusatória. Por meio dela, deve o defensor alegar toda a matéria que venha a

diminuir as pretensões opostas pelo órgão acusatório, visando, com isso, a absolvição

sumária. Ao que noto, as defesas e documentos de fls. 105/144 não tem esse condão,

razão pela qual entendo que não se trata de hipótese de absolvição sumária’. Data

venia, é manifesta a carência de fundamentação do aludido despacho. Como

vimos, uma das teses suscitadas pela Defesa dizia respeito exatamente a hipótese

legal de absolvição sumária; entretanto, a decisão se limita a dizer que ‘não se trata

de hipótese de absolvição sumária’, sem explicitar os motivos desse entendimento.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 83

Quanto às preliminares e ao requerimento defensivo, a digna Autoridade coatora

nada diz. Ora, se ao Juiz somente fosse imposta a apreciação de matérias

pertinentes às hipóteses de absolvição sumária, não se compreenderia a razão

pela qual a lei faculta à Defesa, nesse momento, a argüição de preliminares. (...)

Temos que a solução adequada à hipótese é a anulação do feito a partir da

decisão que rejeitou a resposta preliminar. (...) Assim, caberá ao MM. Juiz

apreciar todas as teses defensivas, na forma devida. Não cabe alegar que, já

antes recebida a denúncia pelo MM. Juiz, não lhe caber apreciar a tese de

ausência de justa causa, pois ultrapassada. Desde logo cabe destacar que a

Defesa não fora chamada a manifestar-se antes do recebimento da denúncia;

portanto, a resposta preliminar é o primeiro momento em que a falta de justa

causa pode ser por ela suscitada. A par disso, sendo a falta de justa causa

questão cuja relevância permite até mesmo a rejeição de plano da denúncia ou

da queixa, não faz sentido impedir que, caso ela venha a ser constatada a

seguir, através de elementos trazidos pela resposta preliminar, o Magistrado a

reconheça e obste o infrutífero prosseguimento do feito, através de juízo de

retratação do recebimento da denúncia.É por tal razão que, embora não

vislumbremos na norma do artigo 399 do CPP um segundo recebimento da

denúncia, consideramos que ela pretende significar a manutenção do recebimento

anterior, quando não abalado pelas alegações trazidas pela defesa prévia. Em outros

termos: oferecida a denúncia ou queixa, se não vislumbrar desde logo hipótese de

rejeição liminar, o juiz a receberá, determinando a citação. Mais tarde, após a

resposta defensiva, o juiz deverá manter ou retratar o recebimento da denúncia.

Esta última hipótese ocorrerá quando a resposta trouxer elementos, antes não

vislumbrados pelo Juiz, que imponham a rejeição. Basta supor, por exemplo,

hipótese em que a resposta defensiva hospede preliminar que convença o juiz da

inépcia da exordial, antes não constatada. Ele não estará impedido de reconhecê-la.

Portanto, deve o Magistrado nessa fase, para manter o recebimento da

denúncia, rejeitar fundamentadamente eventuais alegações defensivas relativas

às hipóteses de rejeição, previstas no artigo 395 do CPP. Anula-se o feito,

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 84

portanto, a partir da decisão que rejeitou a defesa prévia, por carência de

fundamentação” (grifos da reprodução).

No Superior Tribunal de Justiça, recentes julgados vêm agasalhando a tese de que a

nulidade decorrente da ausência de motivação da decisão que aprecia resposta à acusação tem

como efeito a invalidação retroativa de todos os atos processuais praticados. Nessa direção, os

seguintes precedentes:

“Habeas corpus. Crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Evasão de

divisas. Designação de audiência de instrução e julgamento antes da

manifestação prevista no artigo 397 do código de processo penal. Ilegalidade.

Ordem concedida.

1. Com o advento da Lei n. 11.719/08, o recebimento da denúncia passou a

tratar-se de ato complexo, a ser exercido em duas fases distintas. Assim, após o

recebimento da denúncia o juiz ordenará a citação do acusado para oferecer

resposta à inicial acusatória, devendo se manifestar sobre as razões deduzidas na

resposta à acusação. 2. A inobservância do disposto no art. 397 do Código de

Processo Penal contraria o devido processo legal, sendo evidente o prejuízo

ocasionado ao paciente, que não teve as suas razões previamente analisadas pelo

magistrado de origem. 3. ‘Se não fosse necessário exigir que o Magistrado apreciasse

as questões relevantes trazidas pela defesa – sejam preliminares ou questões de

mérito – seria inócua a previsão normativa que assegura o oferecimento de resposta

ao acusado’ (HC 138.089/SC, Rel. Ministro Félix Fischer, DJe 02.03.2010). 4.

Habeas corpus concedido para anular o processo desde a apresentação da resposta à

acusação, determinando-se que o Juízo de primeiro grau analise as matérias

arguidas pela defesa, nos termos do art. 396 e seguintes do Código de Processo

Penal” (STJ, 5.ª T., HC 183.355, Rel. Adilson Macabu, m.v., 03.05.2012).

“Habeas corpus. Processual penal. Roubo duplamente circunstanciado. Recebimento da denúncia.

Ato despido de conteúdo decisório. Desnecessidade de substancial fundamentação. Nova

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sistemática implementada pela Lei n. 11.719/2008. Resposta à acusação. Imprescindibilidade de

manifestação do juiz acerca de seu conteúdo. Nulidade configurada.

1. De acordo com o entendimento jurisprudencial sedimentado nessa Corte de

Justiça e no Supremo Tribunal Federal, o ato judicial que recebe a denúncia, ou

seja, aquele a que se faz referência no art. 396 do CPP, por não possuir conteúdo

decisório, prescinde de substancial fundamentação, na forma exigida pelo art. 93,

inciso IX, da Constituição da República. 2. A reforma legislativa introduzida pela

Lei 11.719/2008, trouxe como consequência profunda alteração no que antes se

definia como defesa prévia, consistente em manifestação de conteúdo limitado e

reduzido, circunscrita basicamente à apresentação do rol de testemunhas do

acusado. 3. A partir da nova sistemática, tem-se a previsão de uma defesa robusta,

ainda que realizada em sede preliminar, na qual o acusado poderá ‘arguir

preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e

justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as

e requerendo sua intimação, quando necessário’. 4. Não haveria razão de ser na

inovação legislativa se não se esperasse do magistrado a apreciação, ainda que

sucinta e superficial, das questões suscitadas pela defesa na resposta à acusação. 5.

No caso, o magistrado de piso, após recebida a resposta à acusação, em que se

debatiam diversas questões, preliminares e de mérito, apenas proferiu despacho

determinando a designação de audiência, concluindo, assim, pelo prosseguimento do

feito, sem que se manifestasse minimamente sobre as teses defensivas, o que enseja

inarredável nulidade. (...) 7. Ordem concedida para anular o processo de que se

cuida a partir do despacho que designou a audiência de instrução e julgamento,

devendo o juiz de primeiro grau manifestar-se fundamentadamente acerca da

resposta à acusação, nos termos do art. 397 do CPP” (STJ, 6.ª T., HC 232.842,

rel. Min. Og Fernandes, j. 11.09.2012, v.u.).

Por se tratar de questão de ordem pública, que envolve as garantias constitucionais do

contraditório, ampla defesa e motivação das decisões judiciais, atingindo a essência do que se pode

chamar de devida marcha procedimental, a nulidade pode (e deve) ser reconhecida a qualquer

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 86

tempo e grau de jurisdição, inclusive após o trânsito em julgado, uma vez que a matéria em foco

não se sujeita à preclusão.

O alcance da irregularidade, portanto, não está condicionado à eventual demonstração

concreta de prejuízo, uma vez que se trata de nulidade absoluta.

Trata-se da única interpretação possível a respeito da sistemática procedimental instituída

pela novel legislação – que em tudo se coaduna com o processo penal de estrutura cooperatória

que se realiza por intermédio do contraditório como método de busca da verdade baseado na

contraposição dialética1 –, no sentido do efetivo controle judicial da legalidade da acusação e da

concretização da ideia de paridade de armas.

1 GRINOVER, Ada Pellegrini. “Defesa, Contraditório, igualdade e par condicio na ótica do professo de estrutura cooperatória” in O processo constitucional em marcha, São Paulo, Max Limonad, 1985, p. 9).

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA TRIBUNA VIRTUAL IBCCRIM

1) IBCCRIM se reserva ao direito de publicar em seu site apenas os artigos que estejam em

conformidade com os princípios que nortearam sua criação, expressamente especificados em

seu Estatuto (veja o Estatuto na seção "QUEM SOMOS").

2) Os trabalhos deverão ser enviados para o e-mail [email protected], em formato

de processador de textos (“.doc” ou “.docx”).

3) Os trabalhos deverão ter até 25 páginas. Os parágrafos devem ser justificados. Não devem ser

usados recuos, deslocamentos, nem espaçamentos antes ou depois. Não se deve utilizar o

tabulador para determinar os parágrafos; o próprio já determina, automaticamente, a sua

abertura. Como fonte, usar a Times New Roman, corpo 12. Os parágrafos devem ter

entrelinha 1,5; as margens superior e inferior 2,5 cm e as laterais 2,5 cm. A formatação do

tamanho do papel deve ser A4.

4) Os trabalhos podem ser escritos em português, espanhol ou inglês. Em qualquer caso, deverão

ser indicados, em português e em inglês, o título do trabalho, o resumo e as palavras-chave.

5) Os trabalhos deverão apresentar:

5.1. Título, nome do autor (ou autores) e principal atividade exercida;

5.2. Informações referentes à situação acadêmica, títulos, instituições às quais pertença,

ficam a critério do autor, devendo seguir o seguinte formato:

Iniciar com a titulação acadêmica (da última para a primeira); caso exerça o magistério,

inserir os dados pertinentes, logo após a titulação; em seguida completar as informações

adicionais (associações ou outras instituições de que seja integrante) – máximo de três;

finalizar com a função ou profissão exercida (que não seja na área acadêmica).

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 88

Exemplo:

Pós-doutor em Direito Público pela Università Statale di Milano e pela Universidad de

Valencia. Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor em Direito

Processual Civil na Faculdade de Direito da USP. Membro do IBDP. Juiz Federal em

Londrina.

5.3. Os trabalhos deverão ser precedidos por um breve Resumo (10 linhas no máximo) em

português e em outra língua estrangeira, preferencialmente em inglês;

5.4. Palavras-chaves (máximo de 10) em português e em outra língua estrangeira,

preferencialmente em inglês: palavras ou expressões que sintetizam as ideias centrais do

texto e que possam facilitar posterior pesquisa ao trabalho.

6) Não serão aceitos trabalhos publicados ou pendentes de publicação em outro veículo, seja em

mídia impressa ou digital.

7) As referências bibliográficas deverão ser feitas de acordo com a NBR 10520/2002 (Norma

Brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT).

8) As referências legislativas ou jurisprudenciais devem conter todos os dados necessários para sua

adequada identificação e localização. Em citações de sites de Internet, deve-se indicar

expressamente, entre parênteses, a data de acesso.

9) Todo destaque que se queira dar ao texto deve ser feito com o uso de itálico ou negrito.

Jamais deve ser usada a sublinha. Citações de textos de outros autores deverão ser feitas entre

aspas ou em itálico.

10) A seleção e análise dos trabalhos para publicação é de competência do Conselho Editorial da

Tribuna Virtual IBCCRIM. Os trabalhos recebidos para análise fisicamente não serão

devolvidos.

10.1. Após a verificação do atendimento das normas de publicação, o trabalho será

submetido à análise prévia da Coordenação, para verificação de adequação à linha editorial

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 89

do IBCCRIM. Após essa avaliação, o artigo terá suprimidos os elementos que permitam a

identificação de seu autor e será remetido à análise de três pareceristas, membros do

Conselho Editorial da Tribuna Virtual IBCCRIM, para avaliação qualitativa de sua forma

e conteúdo, seguindo o sistema do duplo blind peer review e atendendo os critérios

constantes do formulário de parecer.

10.1.1. Os pareceres anônimos ficam à disposição dos autores, que serão cientificados

de eventual rejeição dos trabalhos, a fim de que possam adaptar o trabalho ou

justificar a manutenção do formato original. Em todo caso, a decisão final sobre a

publicação ou não dos artigos em que o autor manteve o formato original cabe à

Coordenação da Tribuna Virtual IBCCRIM.

10.1.2. Em casos excepcionais, poder-se-á encaminhar o trabalho a parecerista

estranho ao Conselho Editorial da Tribuna Virtual IBCCRIM, desde que a

especificidade do tema e o notório conhecimento do parecerista na área assim o

justifique.

10.2. Independentemente de blind peer review e do atendimento ao formato padrão de

publicação, a Coordenação da Tribuna Virtual IBCCRIM poderá excepcionalmente

aceitar trabalhos de autores convidados, sempre que se considerar a contribuição do autor

de fundamental importância para o tema.

11) Não serão devidos direitos autorais ou qualquer remuneração, a qualquer título, pela

publicação dos trabalhos. Ainda observa-se que o IBCCRIM não se responsabiliza pelo

conteúdo dos textos publicados, que são de exclusiva responsabilidade de seus autores e não

representam necessariamente as opiniões do Instituto.

12) Serão aceitos trabalhos redigidos em língua portuguesa, inglesa e espanhola. Trabalhos

redigidos em outras línguas deverão ser traduzidos para alguma das três línguas aceitas.

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Tribuna Virtual – Ano 01 – Edição nº 01 – Janeiro/Fevereiro de 2013. 90

12.1. Textos escritos em outros idiomas deverão ser remetidos com a respectiva

"chamada" (Headline) em português, pois o sistema de busca do site foi desenvolvido para

realizar pesquisas neste idioma.

13) Os trabalhos que não se ativerem a estas normas poderão ser reenviados para novo processo de

seleção, efetuadas as modificações necessárias. A Tribuna Virtual IBCCRIM não se

responsabilizará por realizar quaisquer complementos aos trabalhos, que serão de elaboração

exclusiva do autor do artigo.

14) Caso os artigos não sejam aprovados, ficam à disposição para publicação em outros órgãos

de divulgação. Uma vez publicados, os artigos só poderão ser publicados em outros órgãos

com menção expressa à publicação anterior na Tribuna Virtual IBCCRIM.

15) Demais dúvidas serão dirimidas pela Coordenação da Tribuna Virtual IBCCRIM.

Atenciosamente,

Coordenação da Tribuna Virtual IBCCRIM.