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1 I Seminário Internacional de Ciência Política 09 a 11 de setembro de 2015, Porto Alegre (RS) As mulheres e o campo político: uma análise das candidaturas femininas às prefeituras brasileiras Maria Salet Ferreira Novellino Maria Luíza Guerra de Toledo Escola Nacional de Ciências Estatísticas/IBGE

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I Seminário Internacional de Ciência Política

09 a 11 de setembro de 2015, Porto Alegre (RS)

As mulheres e o campo político: uma análise das candidaturas femininas às

prefeituras brasileiras

Maria Salet Ferreira Novellino

Maria Luíza Guerra de Toledo

Escola Nacional de Ciências Estatísticas/IBGE

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1. Introdução

A participação das mulheres na vida política está sendo aqui analisada com base na

concepção de campo político e de habitus de Pierre Bourdieu bem como nos conceitos de

oferta e demanda apropriados por teóricas feministas para analisar o processo de

recrutamento de candidatas pelos partidos.

O campo político, tal como definido por Bourdieu (2011a:195), é um microcosmo com

uma relativa autonomia, e como tal, apresenta propriedades, relações, ações e processos que

lhes são particulares. A concepção de campo político nos permite perceber o processo de

recrutamento como um jogo político, do qual fazem parte agentes e instituições e, como um

jogo que é, conta com regras, as quais vêm a determinar as condições de entrada e

permanência dos agentes bem como da distribuição dos mesmos na hierarquia do campo

político.

Só são admitidos como agentes no campo político aqueles que preenchem certas

condições de acesso (Bourdieu 2011a), as quais dizem respeito a seus capitais políticos. Dessa

forma, a entrada, a permanência e a ascensão dos agentes no campo político dependem de

seus capitais políticos. Quanto maior o capital político, maior a força e autoridade do agente

no campo político.

O capital político é a soma dos capitais acumulados ao longo da trajetória de vida dos

agentes, que são os capitais escolar, econômico, cultural e social. O capital escolar é aquele

adquirido com a educação formal, e quanto mais valorizado o curso concluído e a instituição

de ensino, maior o peso deste capital.

O capital social diz respeito à rede de relações do agente. O capital social é “o conjunto

de recursos reais ou potenciais ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou

menos institucionalizadas de interconhecimento e interreconhecimento”. (Bourdieu 1980:2) E

o peso desse capital será tanto maior quanto maior for essa rede de relações e o quanto o

agente possa efetivamente mobilizar dessas relações bem como do volume de capital

econômico, ou simbólico, como o prestígio, possuído por aqueles com os quais o agente se

relaciona. (Bourdieu 1980)

O capital cultural se apresenta objetivamente “sob a forma de bens culturais, quadros,

livros, dicionários, instrumentos, máquinas”. (Bourdieu 1979:3) Quanto maior o acesso e

exposição do agente aos bens culturais, maior o seu capital cultural. O capital econômico são

os bens materiais possuídos pelo agente. Quanto maior o capital econômico mais pode ser

investido nas campanhas eleitorais, as quais, para serem bem sucedidas, demandam grandes

recursos financeiros.

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Quanto à sua origem, o capital político (escolar, econômico, cultural e social) pode ter

sido acumulado pelo próprio agente – o pessoal, como pode ter sido delegado ou ter sido

convertido. O capital pessoal vai sendo acumulado na trajetória educacional (capital escolar) e

profissional (capital social), além dos capitais cultural e econômico transferido por herança

e/ou acumulado pelo próprio agente ao longo de sua vida.

O capital delegado é o produto da transferência de capitais institucionais, como o dos

partidos políticos, organizações profissionais e sociais bem como de cargos públicos de

destaque. (Bourdieu 1981; Miguel 2003) A esses podemos acrescentar o capital político

transferido por familiares, como de pais para filhos e entre cônjuges. O capital convertido é o

capital de notoriedade acumulada em outros terrenos, “é a popularidade conseguida em

outros campos e deslocada para a política e também a transferência do capital econômico, por

meio de campanhas eleitorais dispendiosas.” (Miguel 2003:121)

É o capital político que vai determinar a posição ocupada pelos agentes no campo

político, isto é, na hierarquia do campo político, os agentes ocupam posições relativas a seus

capitais políticos. Isto significa que nele convivem agentes com capitais desiguais. Na

hierarquia do campo político, os agentes são distribuídos primeiramente de acordo com o

volume global do capital político e em segundo lugar de acordo com o peso relativo dos

diferentes tipos de capital no volume global de seu capital político; em terceiro lugar de

acordo com a evolução, no tempo, do volume e do peso de cada componente de seu capital.

(Bourdieu 2011b)

O capital político de entrada vai sendo enriquecido à medida que o agente vai se

firmando no campo político, pelo reconhecimento dos eleitores ao ser eleito para cargos

políticos, pelo reconhecimento dos seus pares ao ser indicado para cargos da administração

pública. Esses cargos têm pesos diferentes, dependendo de suas posições na hierarquia do

campo e, consequentemente, pela possibilidade de projeção nos meios de comunicação que o

cargo lhe confere. (Bourdieu 1981, Miguel e Biroli 2010) Portanto, a acumulação de capital

político é possibilitada pela trajetória e relações dos agentes bem como por sua exposição na

mídia.

Conseguir espaço em emissoras de televisão, jornais e revistas é determinante para

que, através da exposição pública, o agente consiga notoriedade, que permite que seja

reconhecido e, dessa forma, avançar na hierarquia do campo. (Fernandes 2006; Miguel 2003;

Miguel e Biroli 2009)

As instituições midiáticas concedem espaço e tempo aos agentes políticos segundo

critérios ideológicos ou guiadas pelo habitus. Um exemplo deste último é o desequilíbrio na

distribuição de espaço e de tempo entre homens e mulheres. Este desequilíbrio é expressão

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do que acontece no próprio campo político entre o número de candidatos e de candidatas

bem como da distribuição dos mesmos na hierarquia do campo. Portanto, a desigualdade de

gênero no número e distribuição de candidatos e de candidatas nos partidos políticos pode ser

explicada pelo conceito de habitus de Pierre Bourdieu, pois ao campo político os agentes

trazem o habitus da construção social dos papéis de gênero. ((Miguel e Biroli 2009)

O habitus refere-se às estruturas incorporadas, às disposições adquiridas, socialmente

constituídas. (Bourdieu: 1987:23) É o habitus incorporado por homens e mulheres, dentro e

fora do campo político, que molda, pelo senso comum, os papéis que cabem a cada gênero, e

que leva a que se considere o campo político um espaço de poder e de disputa por poder e,

como tal, um espaço masculino. O habitus, socialmente construído, levaria os homens a se

identificarem, mais do que as mulheres, como agentes potenciais do campo político.

O conceito de habitus ajuda a explicar porque umas mulheres não se veriam como

agentes no campo político, mesmo possuindo capital pessoal ou delegado para tal. Por outro

lado, o conceito de habitus também nos ajuda a entender porque uns homens não vêem as

mulheres como agentes no campo político mesmo que elas tenham as condições objetivas

para tal. Entre as várias abordagens na teoria feminista que tratam da questão da sub-

representação feminina na política, optamos por aquela que se volta para o processo de

recrutamento politico utilizando os conceitos de oferta e de demanda. (Paxton, Kunovich

2003; Paxton, Kunovich, Hughes 2007; Ashe; Stewart 2012)

A baixa participação das mulheres no campo político pode ser considerada da

perspectiva da oferta, isto é, do quanto as mulheres dispõem (ou não) de capital e do desejo

de participar no campo político. Tanto o capital (as carreiras que escolhem seguir) quanto a

disposição de participar do campo político são fruto de escolhas feitas pelas mulheres as quais

são moldadas pelo habitus.

A baixa participação das mulheres pode também e ao mesmo tempo ser considerada

na perspectiva da demanda, isto é, da probabilidade das mulheres serem recrutadas para

participarem do campo político. Pelo habitus, os homens, que seriam os responsáveis pelo

recrutamento, tenderiam a convocar homens. Haveria então uma forte tendência à

perpetuação deste espaço como masculino, não só em termos quantitativos, mas na qualidade

das posições que ocupam como candidatos e como dirigentes partidários.1 Portanto, pelo

habitus, e pelo senso comum dele derivado, o campo político ainda é visto como um espaço

masculino.

1 De todos os partidos políticos brasileiros, somente um tem como dirigente nacional uma mulher – o

PMN, partido classificado, pelos votos nominais recebidos, como pequeno. (Fonte: TSE)

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Na perspectiva deste trabalho, cuja base empírica é formada pelos dados secundários

disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o campo político está circunscrito às

instituições partidárias. Os agentes considerados são todos os candidatos e as candidatas ao

executivo municipal nas eleições de 2000, 2004, 2008 e 2012. A interação aqui observada

entre as instituições partidárias e os agentes diz respeito ao processo de recrutamento

político. Esse processo compreende oferta de e a demanda por candidatos e de candidatas.

A oferta diz respeito à disponibilização dos agentes para concorrerem a cargos

políticos. Quanto maior o capital possuído por um agente maior a probabilidade dele se ver e

ser reconhecido como potencial candidato. Considerando as possibilidades da nossa base de

dados, as variáveis utilizadas para medir o capital dos candidatos são grau de instrução e

ocupação. Em termos de oferta, queremos comparar os capitais acumulados de candidatas e

de candidatos.

A demanda diz respeito à escolha de candidatos pelas instituições partidárias. Em

termos de demanda, que é o recrutamento propriamente dito, queremos comparar a

distribuição dos agentes (candidatas e de candidatos) na hierarquia do campo político. Essa

hierarquia foi estabelecida levando-se em consideração os portes dos municípios, as unidades

da federação (UF) e os portes dos partidos políticos. A distribuição hierárquica está sendo

observada em cada eleição de modo a identificarmos a sua evolução no tempo.

2. O campo político: a oferta e a demanda de agentes pelas

instituições partidárias

A oferta e a demanda de agentes pelas instituições partidárias podem ser observadas

no processo de recrutamento político. De acordo com Lovenduski e Norris (1993) apud Krook

(2010) o recrutamento político se dá em quatro estágios: começando pelo (1) amplo número

de cidadãos que são elegíveis para concorrer a um cargo político; passando para (2) um

pequeno grupo de cidadãos que aspiram a concorrer a um cargo político; que se restringe a (3)

um grupo menor de cidadãos que são escolhidos para concorrer a um cargo político; e, por

fim, chegando a (4) um grupo mais reduzido de cidadãos que são eleitos para um cargo

político.

As práticas formais e informais das elites, no caso do recrutamento político, incluem

procedimentos e critérios que os partidos empregam para selecionar seus candidatos. Podem

ser vistos como as práticas institucionais que moldam as percepções de quem seria

‘qualificado’ ou ‘desejável’ como candidato. O recrutamento político compreende a oferta e a

demanda de candidatos. É na transição do estágio (1) para o estágio (2) que se pode observar

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a ‘oferta’ ou a autodisponibilização de candidatas. É na transição do estágio (2) para o estágio

(3) que se pode observar a demanda, isto é, o recrutamento político propriamente.

Tanto a oferta quanto a demanda são moldadas pelo habitus, pois pela socialização de

gênero grande parte das mulheres ainda teria dificuldade em se perceber como agentes no

campo político e, assim, se disponibilizarem para assumir o papel de candidatas a cargos

políticos. (Fox e Lawless 2010) Pelo habitus, a maior parte dos homens não veriam as mulheres

como potenciais agentes no campo político e, portanto, não demandariam por candidatas

(Krook 2010), a menos que elas já dispusessem de capital político significativo o bastante para

serem consideradas com chance de trazerem votos e reconhecimento para os partidos.

A oferta

A oferta de candidatas é afetada pelas estruturas e disposições incorporadas pelas

mulheres como consequência dos padrões tradicionais de socialização de gênero, levando a

que elas tenham uma probabilidade menor do que os homens de se verem como qualificadas

para participarem do campo político. (Fox; Lawless 2011) A subjetividade feminina moldada

pelo habitus, a conduz a determinadas escolhas, tais como as carreiras que seguem, os

trabalhos que escolhem, os compromissos sociais e familiares que assumem. (Park 1999, Vélez

Bautista 2007)

Fox; Lawless (2011, 2012) centraram-se na oferta de candidatas para o recrutamento

político e utilizaram os dados de uma pesquisa amostral estadunidense de 2008 com mais de

dois mil indivíduos, metade de cada sexo, para verificar em que medida homens e mulheres

com capitais políticos semelhantes (educação, profissão, renda) se sentiam aptos a entrar no

campo político. Concluíram que as mulheres, diferentemente dos homens, tem menor

probabilidade de se perceberem como qualificadas o suficiente para se lançarem como

candidatas. Elas são mais críticas que os homens em relação a seus próprios capitais políticos

bem como duvidam de suas habilidades para lidar com os mecanismos que envolvem uma

campanha política.

A demanda

A demanda por candidatas é afetada pelas estruturas e disposições incorporadas e

adquiridas pelos homens pelo habitus, que levam a que recrutadores e dirigentes dos partidos

políticos percebam o campo político como sendo e devendo continuar predominante

masculino.

Para Vélez Bautista (2007: 154) “algumas das causas mais importantes que propiciam a

sub-representação das mulheres no poder político podem encontrar-se no comportamento

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das elites políticas em seus processos de recrutamento e na dinâmica do sistema político

institucional, pois que desde sua criação tem se respaldado no modelo androcêntrico como

eixo para a realização das atividades políticas.”

3. Análise da participação das mulheres no campo político

Analisamos a participação das mulheres no campo político como resultado do

recrutamento político de candidatas ao executivo municipal em todo país realizado pelas

diversas instituições partidárias. Como vimos, o processo de recrutamento político

compreende a oferta bem como a demanda. A demanda por candidatas está sendo observada

pelas taxas de crescimento das candidaturas femininas ao longo deste século bem como pela

distribuição hierárquica das mesmas no campo político, isto é, pelas posições que lhes foram

dadas quando do recrutamento. A oferta está sendo medida pelo grau de instrução e carreira

bem como pela área de ocupação das mulheres, os quais estimamos tenham influência na

seleção realizada pelo recrutador.

Começamos esta análise pela evolução das candidaturas femininas ao longo do século

XXI. Para isso, consideramos as suas taxas de crescimento das eleições de 2000 às eleições de

2012. Em 2004, a taxa de crescimento da percentagem de candidatas às prefeituras brasileiras

foi 27%; em 2008, 17% e em 2012, 19%, evidenciando uma desaceleração desse crescimento

nas duas últimas eleições.

Gráfico 01

Taxas de crescimento das candidaturas femininas, Brasil

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

27%

17% 19%

2000-2004 2004-2008 2008-2012

7,5 - 9,5 9,5 - 11,1 11,1 - 13,2

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Além das taxas de crescimento, mostramos, na parte inferior do gráfico, as

percentagens de candidatas do total de candidatos às prefeituras brasileiras. Em 2000, essa

percentagem foi 7,5%; em 2004, 9,5%; em 2008, 11,1% e em 2012, 13,2%. A partir desses

números podemos inferir que as percentagens de candidatas vêm crescendo de modo lento e

estável, em torno de 2% de uma eleição para a seguinte. Já as taxas de crescimento evoluíram

de modo distinto. Houve um crescimento mais significativo da eleição de 2000 para a de 2004

e nas eleições seguintes as taxas foram menores e similares. Disto depreendemos que no

campo político continua a haver resistência a uma maior participação das mulheres em seu

interior.

3.1. Análise da participação das mulheres no campo político

na perspectiva da oferta

A entrada, permanência e ascensão dos agentes no campo politico dependem de seus

capitais políticos. O capital político é a soma dos capitais escolar, econômico, cultural e social

acumulados ao longo da vida. Considerando as possibilidades da nossa fonte de dados, o

capital político já acumulado pelas candidatas está sendo aqui examinado sob os seguintes

aspectos: grau de instrução e ocupação.

Educação e a constituição do capital escolar

O capital escolar já constituído pelos candidatos é medido pelo grau de instrução

máximo alcançado e, principalmente, pela carreira escolhida, pois quanto mais valorizada

socialmente ela for, maior será o peso desse capital no conjunto do capital político do

candidato. A seguir apresentamos análise dos dados sobre o grau de instrução e carreiras dos

candidatos com educação superior.

As candidatas e os candidatos foram distribuídos por seus graus de instrução. Já desde

as eleições de 2000, a percentagem de mulheres com educação superior é mais alta do que a

dos homens; a diferença entre essas percentagens que era de aproximadamente 10% nessa

eleição, quase que dobra nas eleições de 2012. A percentagem de candidatas com educação

superior é considerável: 65% em 2012. Analisando exclusivamente a escolaridade, podemos

dizer que maior percentagem de candidatas do que de candidatos haviam alcançado grau de

instrução mais alto, acumulando maior capital escolar. Diferença esta observada por Miguel e

Queiroz (2006) no Brasil e por Gagliarducci e Paserman (2012) na Itália.

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Tabela 01 Distribuição das candidatas e dos candidatos por grau de instrução, por eleição, Brasil

2000 2004 2008 2012

mulheres homens mulheres homens mulheres homens mulheres homens

fundamental inc. 5,1 15,5 4,8 13,9 4,3 11,2 2,6 8,7

fundamental comp. 9,3 15,5 7,0 13,0 5,9 12,7 4,1 10,1

médio completo 37,1 29,4 33,4 32,0 32,0 33,5 28,3 34,4

superior completo 48,4 39,5 54,8 41,1 57,9 42,5 65,0 46,8

100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

O peso do capital escolar depende não só do grau de instrução, mas também da

carreira seguida pelo candidato. Para estabelecer o peso do capital escolar (as carreiras) no

capital político, das ocupações declaradas pelo conjunto de candidatos (de ambos os sexos e

de todo o país) com educação superior, ordenamos por ordem decrescente de percentagem

de eleitos (ver gráfico 02). Com isso estabelecemos as carreiras com maiores graus de

elegibilidade. Dessas carreiras de nível superior, selecionamos exclusivamente aquelas com

números absolutos de candidatos superiores a 20 indivíduos em cada e todas as eleições,

totalizando 18 carreiras. As carreiras foram ordenadas de acordo com a média das

percentagens de eleitos considerando todas as eleições, indo de 42% (veterinária) a 20%

(jornalismo).

As ocupações declaradas pelos candidatos podem referir-se às graduações cursadas

(médico, advogado, etc.), à função desempenhada (delegado, empresário, produtor

agropecuário) ou podem mencionar cargo político ocupado no momento do registro (prefeito,

vereador). Como o nosso propósito foi comparar os capitais educacionais das candidatas e dos

candidatos, excluímos aquelas e aqueles com curso superior que declararam ocupação da qual

não se poderia deduzir o que haviam cursado.

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Gráfico 02

Distribuição do percentual de eleitos por carreira

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

Na distribuição das carreiras por percentual de eleitos, identificamos três grupos: o

primeiro, com percentuais superiores a 40% (veterinária, contabilidade e agronomia); o

segundo, com percentuais na faixa dos 30% (engenharia, economia, medicina, odontologia,

administração, enfermagem, farmácia, serviço social, psicologia); e o terceiro, com percentuais

na faixa dos 20% (magistério nível fundamental, pedagogia, magistério nível médio, direito,

arquitetura, magistério nível superior e jornalismo).

No gráfico seguinte mostramos os percentuais de candidatas em cada uma dessas

carreiras.

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Gráfico 03

Representação feminina entre os candidatos de cada carreira nas eleições de 2000 a 2012, Brasil

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

Nas eleições de 2000, do total de candidatos às prefeituras brasileiras, 5,7% eram do

sexo feminino. As percentagens encontradas em algumas carreiras mostraram-se

extremamente altas: serviço social (80,9%), enfermagem (60,8%), psicologia (50%) e

magistério dos ensinos fundamental e médio (32,2%). Nas carreiras com as maiores

percentagens de eleitos, as percentagens de candidatas variou de 2% a 4%.

Nas eleições de 2004, a percentagem de candidatas foi 7,4%. As percentagens de

candidatas que seguiram as carreiras de serviço social (87,5%), psicologia (60%), enfermagem

(56,5%), pedagogia (55,3%) e magistério dos ensinos fundamental e médio (34,7%) foram

extremamente superiores ao percentual total de candidatas, assim como na eleição anterior,

aparecendo nesta eleição ‘pedagogia’, a qual não havia sido registrada na anterior. Nas

carreiras com as maiores percentagens de eleitas, as percentagens de candidatas ficou em

torno de 3%.

Nas eleições de 2008, a percentagem de candidatas foi 9,4%. As percentagens de

candidatas em algumas carreiras foram muito superiores: serviço social (83,7%), pedagogia

(67,1%), enfermagem (66,6%), psicologia (60%) e magistério do ensino fundamental (50%), as

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mesmas das eleições anteriores. Nas carreiras com as maiores percentagens de eleitos, as

percentagens de candidatas foi de 1,6% (agronomia), 5,5% (contabilidade) e 8,3% (veterinária).

Nas eleições de 2012, a percentagem de candidatas foi 11,9%. As percentagens de

candidatas em algumas carreiras foram muito superiores: serviço social (80%), pedagogia

(75%), enfermagem (72,1%), psicologia (69,2%) e magistério do ensino fundamental (51,1%).

Nas carreira com as maiores percentagens de eleitos, as percentagens de candidatas foi 4,4%

(veterinária), 7,1% (contabilidade) e 8,7% (agronomia).

Na carreira com o maior percentual de eleitos, veterinária, a percentagem de

candidatas mantem-se estável da eleição de 2000 para 2004 (em torno de 3%), mais que dobra

em 2008 e cai significativamente em 2012. Em ‘contabilidade’ mantem a mesma percentagem

nas duas primeiras eleições analisadas e cresce de modo lento e estável, em torno de dois

pontos percentuais nas eleições subsequentes. Em ‘agronomia’ aumenta um pouco de 2000

para 2004, cai em 2008 e sobe de modo significativo na eleição de 2012.

Ao observarmos as percentagens de candidatas por suas carreiras verificamos que elas

se distribuem de modo absolutamente desigual. Esses números indicam que as candidatas se

concentravam, ao longo de todo o século XXI, em carreiras tipicamente femininas, as quais são

carreiras de menor prestígio e de menor remuneração sem indicação de qualquer alteração na

distribuição hierárquica no campo político no período analisado. Isto indica a reprodução da

segregação ocupacional de gênero no campo político.

Ainda em relação à oferta, uns candidatos declararam como ocupação um cargo

político anterior: vereador, prefeito, deputado. Sob esse conjunto de ocupações aparece uma

alta percentagem de eleitos, apresentando uma média de eleitos (47,3%) superior mesmo à

veterinária. Isto indica que a entrada no campo político para o exercício de um mandato

favorece a permanência do agente no campo. Em termos de elegibilidade teríamos três

carreiras de nível superior e uma área de atuação, a carreira política.

A percentagem de candidatas em 2000 que já haviam exercido um cargo político foi

9,1%; 17% em 2004; 14,8% em 2008 e 16,9% em 2012. Os números acima indicam que as

mulheres que já atuam no campo político têm maiores chances de serem recrutadas, visto

terem sido previamente aceitas no campo. Além disso, aqueles agentes que já haviam

cumprido mandato têm maiores chances de serem eleitos, pela visibilidade que um cargo

político lhes confere. (Pinto 2013)

Outra ocupação declarada e nesse caso só por candidatas foi ‘dona-de-casa’; do total

de candidatas às prefeituras em 2000, 6,5% declararam-se donas-de-casa; em 2004 foram

3,8%; em 2008 foram 5,7% e em 2012 foram 4,8%. Na variável ocupação há também a

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categoria ‘sacerdote ou membro de ordem ou seita religiosa’, sob a qual não há um registro

sequer de candidata em nenhuma das eleições analisadas.

3.2. Análise da participação das mulheres no campo político na

perspectiva da demanda

A demanda, isto é, o recrutamento propriamente, foi analisado a partir da distribuição

das candidatas, por comparação aos candidatos, na hierarquia do campo político. A hierarquia

no campo político no que tange às candidaturas femininas pode ser estabelecida a partir das

seguintes variáveis: porte do município, unidade da federação e o tamanho do partido. Quanto

maior o município e maior o PIB da unidade da federação e o tamanho do partido maior a

visibilidade da candidata e maior a possibilidade de acumulação de capital político, que

garantiria a permanência no campo.

O número de candidatas por comparação ao número de candidatos deixa claro que

recruta-se muito mais homens do que mulheres. Constatado isto, vamos examinar a qualidade

deste recrutamento, isto é, para quais posições em termos de importância do município, da

unidade da federação e do partido político as mulheres vêm sendo recrutadas. Essas

distribuições são examinadas a seguir.

Porte dos municípios

Os municípios foram categorizados em micros, pequenos, médios e grandes2. Os

municípios brasileiros, de acordo com seu porte, estão assim distribuídos: 45,2% deles são

micros, 43,9% são pequenos, 5,8% são médios e 5,1% são grandes. Com essa categorização,

podemos verificar se as mulheres vêm avançando no campo político, pois na hierarquia dos

cargos políticos, quanto maior o município, maior a importância do cargo, maior a visibilidade

do candidato e maior a possibilidade de acumular capital político.

2 Micros são aqueles com até 10 mil habitantes, pequenos são aqueles cujas populações vão de 10.001 a

50 mil habitantes, médios de 50.001 a 100 mil habitantes e grandes os que têm populações superiores a 100.001 habitantes. Os dados sobre os tamanhos dos municípios foram extraídos do Censo 2010.

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Gráfico 03 Taxas de crescimento das candidaturas femininas por porte dos municípios, Brasil

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

Os municípios micro, juntamente com os pequenos foram os que apresentaram as

maiores taxa de crescimento nas eleições de 2004. A taxa cai em 2008 e volta a subir em 2012;

nesta eleição, a maior taxa ocorreu nos municípios micro. Entre os pequenos, a maior taxa de

crescimento ocorreu na eleição de 2004. Nas eleições que se seguiram, as taxas foram

menores e semelhantes entre si. Nos municípios médios, a maior taxa foi a de 2004, caiu

significativamente em 2008 e subiu um pouco em 2012.

Nas eleições de 2004, os municípios grandes apresentaram, juntos, a maior taxa de

crescimento em comparação com os outros tipos de município. A taxa caiu um pouco em 2008

e em 2012 apresentou uma taxa de decrescimento.

Em todas as eleições, as maiores taxas de crescimento se deram nos municípios micros

e pequenos; seguidas pelas taxas dos médios. As menores taxas ocorreram nos grandes e na

última eleição houve um decrescimento na taxa de candidatas. As taxas caem à medida que

aumenta o porte do município. Isto significa que no recrutamento político, as mulheres o estão

sendo para cargos menos importantes e menos disputados.

Unidades da Federação e Produto Interno Bruto

Os municípios foram distribuídos pelas unidades da federação as quais foram

classificadas segundo seu Produto Interno Bruto (PIB). 3 Tomamos como pressuposto que na

3 O PIB é o total dos bens e dos serviços produzidos, sendo equivalente à soma dos valores gerados

pelas diversas atividades econômicas acrescida dos impostos. (IBGE. Contas regionais do Brasil. Rio,

2010)

34%

26%

18%

14%15%

19%

8%10%

30%

18%

12%

-1%micro pequeno médio grande

2000-2004 2004-2008 2008-2012

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hierarquia do campo político, os cargos mais valorizados seriam aqueles em municípios das

unidades da federação com os PIBs mais altos e, consequentemente, com maiores

arrecadações e quanto maior o PIB da UF, maior será o poder econômico do cargo. É nas

unidades da federação com maiores PIBs (São Paulo e Rio de Janeiro) que estão os cinco

jornais diários com maior tiragem, além das principais emissoras de TV aberta do Brasil. Os

candidatos nos municípios grandes e nas capitais dessas UFs têm garantida uma exposição na

mídia, gerando incremento no capital político e, por esse motivo, esses cargos estão no topo

da hierarquia do campo político.

Tabela 02 Percentuais de candidatas pelas unidades da federação ordenadas de acordo com o

PIB, Brasil

2000 2004 2008 2012

UF PIB % M % M % M % M SP 32,1 7,1 9,2 10,0 13,4

RJ 11,5 9,6 9,8 9,7 12,2

MG 9,2 5,6 6,9 7,8 10,2

RS 6,3 4,4 5,5 8,0 8,8

PR 5,8 5,2 7,8 9,0 11,5

SC 4,0 5,3 4,2 7,5 9,1

BA 3,8 8,7 10,4 11,6 13,4

GO 2,8 9,4 11,4 11,6 11,9

PE 2,7 6,4 8,2 11,0 12,6

ES 2,4 4,3 6,6 9,8 10,8

CE 2,1 12,6 13,9 13,7 15,9

PA 2,1 9,6 12,5 11,1 14,3

MT 1,8 5,6 8,0 10,3 14,4

AM 1,5 2,8 6,1 9,9 9,3

MA 1,3 12,3 14,8 17,3 19,6

MS 1,2 9,1 11,7 11,1 13,7

PB 0,9 10,3 12,9 16,6 20,7

RN 0,9 10,3 14,3 14,0 21,4

AL 0,7 12,0 15,0 18,0 16,7

RO 0,7 10,3 12,7 13,4 12,2

PI 0,6 10,2 13,6 14,6 14,5

SE 0,6 6,5 12,5 17,0 16,1

TO 0,4 9,5 12,4 15,2 20,5

AC 0,2 11,0 6,0 7,0 13,3

AP 0,2 10,2 15,4 17,1 14,9

RR 0,2 11,1 11,5 12,7 23,4

Fontes: Tribunal Superior Eleitoral e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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Na primeira coluna da tabela acima listamos as UFs e, por ordem decrescente do PIB;

na segunda apresentamos as percentagens do PIB4; e nas quatro colunas seguintes, as

percentagens de candidatas por eleição para cada UF. As maiores percentagens de candidatas

encontram-se, nas eleições de 2012, em UFs cujos PIBs são inferiores a 1% do PIB nacional,

sendo a maior percentagem a de Roraima, cujo PIB é o mais baixo do país: 0,2%. Nas eleições

de 2008, as UFs com as maiores percentagens de candidatas têm como PIB 0,2%, 0,6% e 1.3%.

Em 2004, 0,2%; 0,9% e 1,3%. Em 2000, 1,3% e 2,1%.

Abaixo, apresentamos gráfico com as taxas de crescimento de candidatas nas unidades

da federação com os maiores PIBs: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul,

Paraná e Santa Catarina.

Gráfico 04 Taxas de crescimento de candidatas nas UFs com os maiores PIBs, Brasil

Fontes: Tribunal Superior Eleitoral e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

As taxas são bastante irregulares, demonstrando não haver um padrão de

crescimento. Considerando o total de candidatas no país, as taxas de crescimento foram 27%

de 2000 para 2004, 17% de 2004 para 2008, 19% de 2008 para 2012. Dessa forma, a maior

taxa foi a de 2000 para 2004. Observando as UFs com os maiores PIBs. Mas entre as UFs

analisadas as evoluções das taxas se deram de maneira diferente tanto do geral como entre

4 Utilizamos as percentagens do PIB referentes ao ano de 2012, pois verificamos que não houve variação

significativa entre os anos 2000, 2004, 2008 e 2012 no que se refere às percentagens do PIB das UFs.

29,6

1,8

22,8 25,1

49,7

-21,8

8,7

-1,2

12,2

45,7

16,7

79,0

3426,5

31,3

9,8

26,621,9

SP RJ MG RS PR SC

2000-2004 2004-2008 2008-2012

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elas. São Paulo apresentou taxas maiores de 2000 para 2004 e de 2008 para 2012;

acontecendo o mesmo para Minas Gerais e Paraná. No Rio de Janeiro a taxa de 2000 para

2004 foi muito baixa, a taxa de 2004 para 2008 foi negativa e apresentou uma taxa bem mais

alta de 2008 para 2012. Outra UF que apresentou taxa negativa foi Santa Catarina, aliás, uma

impressionante taxa negativa, -21,8%, de 2000 para 2004. Esta UF teve taxa bem alta, a mais

alta de todas as UFs e eleições (79% de 2004 para 2008). O Rio Grande do Sul apresentou taxas

mais altas das eleições de 2000 para 2004 e de 2004 para 2008 e uma taxa pequena de 2008

para 2012, sendo bem menor do que as outras UFs. Por conta dessas irregularidades nas taxas

de crescimento não podemos afirmar que as mulheres vêm ocupando mais espaço no campo

político de forma estável; esse avanço é lento e imprevisível.

Partidos Políticos

Nesta seção analisamos as taxas de crescimento das candidaturas femininas nos

partidos políticos, os quais foram agregados e classificados como nanicos, pequenos,

intermediários e fortes. Foram classificados como fortes aqueles partidos que em pelo menos

uma das eleições analisadas obtiveram votos nominais superiores a 9% (inclusive); como

intermediários 8,9% a 4%; pequenos 3,9% a 1%; nanicos aqueles que em nenhuma das

eleições consideradas conseguiu alcançar 1% dos votos nominais. Procuramos, dessa forma,

verificar o peso das candidaturas femininas considerando a força dos partidos políticos

tomando como pressuposto que o capital político de um agente está fortemente relacionado

ao peso político do partido pelo qual concorre e o qual é dado pela extensão da clientela que

podem mobilizar. (Bourdieu 1977; Bourdieu 2011a) Quanto maior a quantidade de votos

nominais que o partido político tenha recebido, maior será o capital por ele delegado às

candidatas que recruta.

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Gráfico 05 Taxas de crescimento por classes de partidos políticos, Brasil

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

De acordo com o gráfico acima, as taxas de crescimento foram caindo a cada eleição.

Acontecendo o mesmo entre os pequenos. Na eleição de 2004, a taxa de candidatas no

conjunto dos partidos nanicos aumentou em 62,9%; mas foi negativa na eleição de 2008 e

apresentou a menor taxa na eleição de 2012. As candidaturas femininas nos partidos

pequenos aumentaram um pouco a cada eleição. Nos intermediários, as taxas caíram a cada

eleição. No conjunto de partidos fortes, a taxa de 2008 foi menor do que a de 2004 e

aumentou em 2012. A seguir apresentamos análise realizada com os maiores partidos políticos

brasileiros: PMDB, PSDB e PT.

-20,0

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

forte intermediário pequeno nanico

2000-2004

2004-2008

2008-2012

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Gráfico 06 Taxas de crescimento dos maiores partidos políticos, Brasil

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

A taxa de crescimento de candidatas de 2000 para 2004 considerando o total dos

municípios foi de 27%; as taxas de crescimento de candidatas no PMDB e no PSDB foram

similares e no PT houve um decrescimento de 5%. A taxa de 2004 para 2008 considerando o

total dos municípios foi 17%; foi superior no PMDB, similar no PSDB e a taxa foi mais uma vez

negativa no PT. A taxa de 2008 para 2012 foi de 19%; foi de maior valor no PMDB e bem mais

alta no PSDB e o PT apresentou taxa similar à geral.

As Capitais

Candidaturas a cargos majoritários nas capitais pode propiciar uma visibilidade maior

às candidatas; claro que variando de acordo com a localização regional da capital bem com o

partido político pelo qual se está concorrendo.

Gráfico 13

Taxas de crescimento das candidaturas femininas nas capitais, Brasil

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

26%28%

-5%

26%

19%

-4%

26%

31%

21%

PMDB PSDB PT

2000-2004 2004-2008 2008-2012

67%

12%

-11%

2000-2004 2004-2008 2008-2012

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No topo da hierarquia do campo político estão os cargos no executivo municipal das

capitais e enquanto na eleição de 2004 houve um crescimento de 67% no número relativo de

candidatas em relação ao pleito anterior, em 2012 em relação à 2008 essa taxa foi negativa em

-11%. Da eleição de 2004 para a de 2008 a taxa de crescimento havia caído consideravelmente

quando comparada com a taxa de crescimento 2000-2004.

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4. Análise estatística

A análise estatística realizada neste estudo teve como objetivo identificar os fatores

associados à candidatura e eleição feminina no período do estudo (2000-2012), de modo que

se possa entender o efeito de cada fator estudado. Cada candidato constituiu a unidade de

investigação das análises, e em cada um, as variáveis explicativas investigadas (com seus

respectivos níveis categóricos) foram:

• Ano da eleição:

o 2000

o 2004

o 2008

o 2012

• Região da candidatura:

o Sudeste

o Sul

o Norte

o Nordeste

o Centro-Oeste

• PIB da UF da candidatura:

o Até 5% do PIB nacional

o Entre 5% e 10% do PIB nacional

o Acima de 10% do PIB nacional

• Porte do município da candidatura:

o Micro

o Pequeno

o Médio

o Grande

• Porte do partido da candidatura:

o Nanico

o Pequeno

o Intermediário

o Forte

• Grau de instrução do candidato:

o Fundamental incompleto

o Fundamental completo

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o Ensino médio completo

o Ensino superior completo

Modelagem de regressão logística foi utilizada para a análise dos dados. Ajustou-se um

modelo de regressão logística binária, tendo como variável resposta o Sexo do candidato. A

adequação do modelo foi analisada pelo teste de Hosmer-Lemeshow, e o software

estatístico Minitab 15 foi utilizado para análise dos dados.

4.1. Resultados e discussão

A Tabela 3 apresenta os resultados do ajuste do modelo de regressão logística, que incluem

estimativas pontuais e intervalares (com 95% de confiança) para as razões de chance, e o

valor-p associado a cada comparação. Pode-se observar que todas as 6 variáveis explicativas se

mostraram significativas no modelo, ao nível de significância de 0,10. O evento de referência

da variável resposta foi definido como Sexo=Feminino.

Tabela 03

Regressão logística multivariada binária dos fatores associados ao Sexo dos candidatos

Variáveis Razão de

chance

IC 95% para a

Razão de chances

Valor-p

Constante 0,000*

Ano da eleição 2000 (Referência) 1,00 2004 1,22 1,10-1,35 0,000* 2008 1,42 1,28-1,57 0,000* 2012 1,73 1,57-1,92 0,000*

Região Sudeste (Referência) 1,00 Sul 0,88 0,80-0,98 0,019* Norte 1,89 1,59-2,23 0,000* Nordeste 1,97 1,69-2,29 0,000* Centro-Oeste 1,51 1,27-1,79 0,000*

PIB da UF Até 5% 0,77 0,65-0,91 0,002* Entre 5% e 10% 0,85 0,76-0,94 0,001* Acima de 10% (Referência) 1,00

Porte do município Micro 1,23 1,11-1,36 0,000* Pequeno 1,04 0,94-1,15 0,423 Médio 1,02 0,89-1,16 0,804 Grande (Referência) 1,00

Porte do partido Nanico 0,81 0,51-1,27 0,347 Pequeno 1,26 0,97-1,64 0,082* Intermediário 0,93 0,80-1,07 0,294 Forte (Referência) 1,00

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Grau de instrução Fundamental incompleto 0,24 0,21-0,27 0,000* Fundamental completo 0,35 0,32-0,39 0,000* Ensino médio 0,70 0,66-0,74 0,000* Ensino superior (Referência) 1,00

Fonte: Software Estatístico Minitab 15 – valores-p com (*) indicam categorias

significativas ao nível de significância de 0,01.

Pela análise da Tabela 3, observa-se que a razão de chances entre a proporção de

candidatas e a proporção de candidatos aumentou ao longo do período avaliado. Tendo como

base o ano de 2000, na eleição de 2012 a razão de chances entre os sexos aumentou em 73%.

Esse resultado evidencia o crescimento da participação feminina no campo político, entre

2000 e 2012, se comparada à participação masculina.

Há diferenças significativas na participação feminina no que se refere também às regiões.

Enquanto a razão de chances entre as proporções de candidatas pela proporção de candidatos

é menor na Região Sul quando comparada com o Sudeste, essa razão é maior nas regiões

Norte, Nordeste e Centro-Oeste, tomando a região Sudeste como referência. Ou seja, a

participação feminina na política, em relação à participação masculina, é menor nas Regiões

Sudeste, e principalmente na Região Sul.

Outra associação forte aparece quando se avalia o PIB da Unidade Federativa da

candidatura. A participação feminina é significativamente menor em estados cujo PIB é mais

baixo. Por exemplo, em estados cujo PIB representa até 5% do PIB nacional, a proporção de

candidatas pela proporção de candidatos é 13% menor do que naqueles estados em que a

representação no PIB é alta (acima de 10% do PIB nacional).

O efeito do porte do município também se mostrou significativo: municípios menores

(classificados como micro) tem uma razão entre o número de candidatas e candidatos 23%

maior se comparados aos municípios classificados como grandes. Além disso, considerando-se

o porte do partido, a representação feminina é 26% maior em partidos pequenos, do que em

partidos classificados como fortes. Logo, a candidatura feminina está menos presente em

municípios e partidos maiores, em relação à participação masculina.

Ao se avaliar o efeito da variável explicativa Grau de instrução, assumindo o Ensino

Superior como nível de referência, todas as razões de chance são significativamente menores

do que 1. Por exemplo, a razão entre o número de candidatas e candidatos com ensino

fundamental completo é 65% menor do que a mesma razão, considerando Ensino Superior

completo. Em outras palavras, as candidatas tendem a ter maior escolaridade do que os

candidatos.

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24

5. Considerações finais

O arcabouço teórico deste artigo foi construído a partir da concepção de campo

político e de habitus de Pierre Bourdieu bem como nos conceitos de oferta e demanda

apropriados por teóricas feministas para tratar do recrutamento de candidatas pelos partidos.

Para a análise empírica do processo de recrutamento e de alocação das candidatas na

hierarquia do campo político utilizamos os dados secundários disponibilizados pelo Tribunal

Superior Eleitoral (TSE) referentes às eleições ao executivo municipal de 2000, 2004, 2008 e

2012.

A demanda por candidatas foi observada pelas taxas de crescimento das candidaturas

femininas ao longo deste século bem como pela distribuição hierárquica das mesmas no

campo político. A oferta foi medida pelo grau de instrução e carreira das mulheres.

Inicialmente consideramos as taxas de crescimento das candidaturas femininas ao longo do

século XXI e constatamos ter havido uma desaceleração desse crescimento nas duas últimas

eleições.

Na perspectiva da oferta analisamos o capital de candidatas e os candidatos por grau

de instrução e carreira seguida. A percentagem de mulheres com educação superior é mais

alta do que a dos homens. Analisando exclusivamente a escolaridade, podemos dizer que

maior percentagem de candidatas do que de candidatos haviam alcançado grau de instrução

mais alto, acumulando maior capital escolar. Mas o peso do capital escolar depende não só do

grau de instrução, mas também da carreira seguida pelo candidato. Das carreiras declaradas

pelo conjunto de candidatos (de ambos os sexos e de todo o país) com educação superior,

estabelecemos as carreiras com maiores graus de elegibilidade, que são: veterinária,

contabilidade e agronomia. Mas as candidatas concentram-se nas carreiras de menor

elegibilidade, que são: serviço social, pedagogia, enfermagem e magistério do ensino

fundamental, indicando a reprodução da segregação ocupacional de gênero no campo político.

A hierarquia no campo político foi estabelecida a partir das seguintes variáveis: porte

do município, unidade da federação e o tamanho do partido. As maiores taxas de crescimento

se deram nos municípios micros e pequenos; seguidas pelas taxas dos médios; as menores

taxas ocorreram nos grandes e na última eleição houve um decrescimento na taxa de

candidatas. As maiores percentagens de candidatas encontram-se, nas eleições de 2012, em

UFs cujos PIBs estão em torno de 1% do PIB nacional. Esses números indicam que no

recrutamento político, as mulheres o estão sendo para cargos menos importantes e menos

disputados.

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Mas, se, como diz Bourdieu (1977:89) o campo político é um campo de luta entre os

grupos e as classes, podemos esperar algumas mudanças nessa hierarquia. O campo político é

tanto um campo de forças como um campo de lutas que visam transformar as relações de

força que conferem a esse campo sua estrutura em um momento dado. (Bourdieu 1981:3)

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