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Uma publicação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas venda proibida Ano 11 Nº 134 Maio 2006 IMPRESSO ESPECIAL CONTRATO Nº 050200487-8/2001 ECT/DR/RJ IBASE (INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS) ENVELOPAMENTO AUTORIZADO - PODE SER ABERTO PELA ECT Ibase 25 anos a luta pela democracia faz parte da nossa história FOTOMONTAGEM DA AGÊNCIA X BRASIL

Ibase 25 anos · 2017. 2. 19. · grupo – formado por 40 organizações da sociedade civil, incluindo o Ibase – tem recebido o apoio de diversas ins-tituições de todo o Brasil,

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Uma publicação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas venda proibida Ano 11 • Nº 134 • Maio 2006

IMPRESSO ESPECIAL

CONTRATO

Nº 050200487-8/2001

ECT/DR/RJ

IBASE

(INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISESSOCIAIS E ECONÔMICAS)

ENVELOPAMENTO AUTORIZADO - PODE SER ABERTO PELA ECT

Ibase 25 anosa luta pela democracia faz parte da nossa história

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2 • Jornal da Cidadania • Nº 134 • Maio 2006

[email protected] • Amigo do Ibase

Ano 11 • Nº 134 • Maio 2006

O Ibase adota a linguagem de gênero em suas publicações por acreditar que essa é uma estratégiapara dar visibilidade à luta pela eqüidade entre mulheres e homens. Trata-se de uma política editorial,fruto de um aprendizado e de um acordo entre os(as) funcionários(as) do Ibase. No caso de artigosredigidos voluntariamente por convidados(as), sugerimos a adoção da mesma política.

Direção Institucional • Cândido Grzybowski | Coordenação • Iracema Dantas | Edição • Editora: AnaCrisBittencourt | • Subeditora: Jamile Chequer | Redação • Flávia Mattar • Beatriz Gredilha (estagiária)Produção • Geni Macedo | Distribuição • Elaine Amaral de Mello | Projeto Gráfico • Mais Programação VisualDiagramação • Imaginatto Design e Marketing | Tiragem • 100.200 exemplares

Uma publicação do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

Av. Rio Branco, 124 / 8º - Centro - 20040-916 Rio de Janeiro/RJ - Tel.: (21) 2509-0660Fax: (21) 3852 3517 - [email protected] - www.ibase.br

As matérias assinadas não traduzem necessariamente a posição do Ibase

O Ibase é uma entidade pública a serviço da cidadania e da democracia. Seu estatuto é de uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, sem vinculação religiosa, suprapartidária, reconhecida como de utilidade pública Venda proibida

Conselho Editorial • Deise Benedito (Fala Preta!) • Marco Carvalho

(chargista e escritor) • Mario Osava (IPS) • Marinilda Carvalho (Observatório

da Imprensa) • Mônica Francisco Santos (Agenda Social Rio) • ProfessoresCésar de Miranda (Escola Municipal Estácio de Sá) e Jobson Lopes

(PVNC) • Professoras Sonia Américo de Mello (Ciep 037 Ernesto Guevara)

e Vanilda Paiva (educadora e escritora) • Pelo Ibase: Itamar Silva (jornalista)

• Maurício Santoro (cientista social) • Nahyda Franca (educadora)

Cássio Martorelli*

Liberdade e democracia no portal do IbaseHistoricamente, o Ibase se caracteriza por ser uma organização decidadania ativa pioneira na utilização de meios computacionais comoferramenta de trabalho e no uso da Internet. Com o objetivo de for-talecer o princípio e o uso de software livre, apostamos em novapolítica institucional de tecnologia da informação (TI), com enfoquena utilização de programas de plataforma livre – GNU/GPL.

Como parte dessa mudança – iniciada internamente em 2003, coma adoção de programas de software livre nos computadores da equi-pe –, lançamos, em maio, um novo portal, utilizando ferramentas de-senvolvidas em código aberto. Assim, afirmamos que o acessotecnológico deve ser direito de todos(as) e não privilégio de poucos(as).Ao mesmo tempo, estamos diminuindo a dependência proprietáriatecnológica que nos foi passada pelo mercado internacional de TI.

O portal do Ibase recebe, em média, 500 mil visitas únicas porano. Semanalmente, são publicados matérias e artigos que revelam eincentivam a participação da sociedade civil no fortalecimento da de-mocracia. O novo portal possibilita ao Ibase e a seus(suas) “visitantes/clientes” melhores condições para usufruir dos mais modernos serviçose recursos de desenvolvimento tecnológico para websites. Teremos pos-sibilidades de oferecer melhor design, novos serviços, conceitos dediagramação e layout de página, tudo isso de forma mais democrática.

Buscando democratizar a informação, o acesso e o compartilhamen-to do conhecimento e promover o desenvolvimento, o portal do Ibasecontinua disponibilizando todas as nossas publicações e documentos, coma novidade de que, em breve, estarão sob licença do Creative Commons(CC) – movimento que defende a idéia de que toda obra seja livre nadistribuição, mas que sua autoria seja mantida. O CC possui vários tiposde licenciamento sobre as obras criadas. Vale dar uma passada no site epesquisar <www.creativecommons.org.br>.

A mudança que promovemos tem como princípios básicos a liber-dade de escolha dos programas ou softwares a serem usados; a que-bra da monopolização dos gigantes internacionais do software; oincentivo e apoio à pesquisa voltada à tecnologia da informação e aodesenvolvimento de softwares nacionais; a segurança, a otimizaçãoe a redução dos custos com TI a médio e longo prazos.

Atualmente, o Ibase otimiza seus recursos ao não gastá-los comlicenças de programas, direcionando-os para o desenvolvimento deprogramas de código aberto, treinamento de funcionários(as) e au-mento de sua capacidade produtiva e atualização dos equipamentos.

Ao optar por essa política, a instituição pode também aproveitar aoportunidade para ocupar espaço maior na discussão sobre a utilidade eadequação desse tipo de paradigma para outras organizações da socieda-de civil e instâncias de decisão e diálogo com o poder público.

Acreditamos que não só os softwares devem ser abertos ou livres,mas as mentes e conceitos que envolvem a TI e seus recursos. Segun-do Richard Stallman, líder da Free Software Foundation, software livreé uma questão de ética, moral, liberdade e nada mais.

*Gerente de Tecnologia da Informação do Ibase

Há pouco tempo, tive contato com vossa publicação, oJornal da Cidadania, que tem sido de grande valor paraminha formação como cidadão com senso crítico e deresponsabilidade para com a realidade do país e domundo. (...) Desde novo, meu pai foi muito importantepara a minha formação sociopolítica-partidária, ele sem-pre votou na esquerda e isso me influenciou. Por isso,tenho apreço pelo trabalho do Ibase, que trata das in-

justiças sociais, morais e raciais deste país tão sofrido,e não só isso como apresenta a solução através de pro-jetos de base para as diversas entidades de classe. Issorealmente me deixa feliz e tenho sempre prazer de citaresses exemplos em conversas com amigos e colegas detrabalho. Enfim, vocês estão de parabéns e contêm co-migo para esta luta. (...)Hallen Pereira Neves – Rondonópolis/MT

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Luciano Cerqueira*

* Cientista político, pesquisador do Ibase

Em 11 de maio, foi lançada no Rio de Janeiro a segundafase da campanha elaborada pela iniciativa Diálogos con-tra o Racismo. A campanha, que teve início em dezembrode 2004, conseguiu fazer com que mui tos(as)brasileiros(as) refletissem sobre o preconceito com a per-gunta: “Onde você guarda o seu racismo”. Desde então, ogrupo – formado por 40 organizações da sociedade civil,incluindo o Ibase – tem recebido o apoio de diversas ins-tituições de todo o Brasil, como escolas, prefeituras, rádi-os, sindicatos, empresas e muitas, muitas pessoas. E tudocom bastante diálogo, principalmente por intermédio dosite <www.dialogoscontraoracismo.org.br>, que recebe di-ariamente depoimentos, mensagens de apoio, elogios ecríticas também.

Você já descobriu?Um amplo esquema de divulgação da

campanha foi alcançado ao longo de 2005(e, espera-se, prossiga com mais forçaainda este ano), com veiculação gratuitade spots publicitários em diversas redesde televisão, mas também de cinemas, paranão falar das rádios comerciais e comu-nitárias de vários estados, como Rio,Bahia, Espírito Santo, Pernambuco, Pará,Brasília, São Paulo e Rio Grande do Sul.Além disso, foram distribuídos 85 mil fo-lhetos, 10 mil bottons, 5 mil cartazes eafixados 50 busdoors e 50 outdoors.

Representantes das organizaçõesenvolvidas na iniciativa – feita em basevoluntária e aberta a qualquer pessoa interessada –tiveram ainda a oportunidade de discutir o racismo naAmérica do Sul durante as edições 2005 e 2006 doFórum Social Mundial, em Porto Alegre e Caracas.Como resultado, a campanha se tornou mais conheci-da e trouxe a possibilidade de novas parcerias, comdestaque para a região Sul, de onde chegam muitospedidos de material para se trabalhar o tema do racis-mo na parte mais “branca” do Brasil.

Relatório lançado em 2005 pelo Programa das Na-ções Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) mostra que64% da população de baixa renda no Brasil é compostapor pessoas negras, aproximadamente 25 milhões (pode-mos ver que a pobreza no Brasil tem cor); quase 80% dejovens assassinados, entre 16 e 24 anos, são negros euma mulher negra ganha quatro vezes menos que um ho-mem branco. E mais: dados coletados entre as 120 das500 companhias de maior faturamento mostram que ape-nas 3,4% de funcionários(as) em cargos executivos, 9%de gerentes, 13,5% de supervisores(as) são negros(as).Para um grupo que representa 46% da população brasi-leira, isso é pouquíssimo.

O racismo no Brasil tem suas peculiaridades, própriasda nossa cultura, do nosso povo (de origem múltipla), eprecisamos aprender a lidar com ele para que possamosextirpá-lo. A campanha “Onde você guarda o seu racismo”– tanto na primeira como na segunda fase – trata de mos-trar como o preconceito acontece no dia-a-dia, na maioriadas vezes apenas com palavras, gestos e olhares. Aqui, oracismo tem um caráter mais velado, por isso algumas pes-soas não o vêem ou não o sentem, ou até mesmo nãopercebem que o praticam - e isso causa enorme sofrimento.Não sentar ao lado de uma pessoa negra no ônibus achan-do que vai ser vítima de assalto, achar que pessoas negrassão menos capazes, dizer frases como “tinha que ser preto!”ou “preto quando não faz na entrada faz na saída”, são ati-tudes que doem tanto quanto um tapa.

Como o racismo acontece?A campanha “Onde você guarda o seu racis-mo” é um movimento de diálogo e reflexão so-bre a diversidade de pessoas e grupos queconvivem no Brasil. No primeiro ano, a discus-são girou em torno das várias formas de seguardar o racismo, demonstrando que todaselas são nocivas e destrutivas. O momento ago-ra é de aprofundar o debate, trazendo à tonasituações nas quais o racismo acontece, no co-tidiano, envolvendo pessoas de todas as faixasetárias, da pessoa idosa à criança, de diferen-tes classes sociais e estilos de vida.

Nesta segunda fase, algumas redes de TVestão exibindo cinco spots com depoimentosde pessoas negras que sofrem manifestaçõescotidianas de racismo. São depoimentos querevelam injustiça e indignação e, infelizmente,não são casos isolados. As organizações en-volvidas na campanha acreditam que o racis-mo impede o acesso aos direitos, humilha efere, manifestando-se em uma estrutura socialque relega à população negra empregos su-balternos, com baixos salários, menor acessoaos estudos e uma moradia indigna. Por isso,um dos objet ivos da campanha é chamar aatenção para a necessidade de políticas e pro-gramas públ icos e pr ivados que contr ibuampara superar essas desigualdades. Confira, aseguir, alguns depoimentos que estão sendodivulgados na TV.

Homem negro, médico: “sempre que atra-vesso a rua com o sinal fechado, ouço o somdas portas dos carros se trancando.”

Mulher negra: “vou à praia e os meus ami-gos sempre perguntam: – Para quê? Pra quei-mar a sola do pé e a palma da mão?”

Jovem branca: “estudo numa escola parti-cular e na minha sala não tem nenhum negro.”

Homem branco: “eu nunca fui parado numa blitz.”Mulher negra professora: “todo o início de

ano, os pais que entravam na minha sala per-guntavam às minhas três auxi l iares brancasquem era a professora.”

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São essas ações e reações – na maior parte do temposutis — que precisam ser revistas, repensadas. Muita gentefaz isso todos os dias sem perceber, mas quem está dooutro lado percebe, com certeza. É possível uma mudançade comportamento, de atitude, de sentimentos, pois senão fosse assim não estaríamos nesta luta. É preciso co-meçar desde cedo, com as crianças nas escolas, ensi-nando-as a respeitar as pessoas, indiferentemente da corda pele, da origem, orientação sexual e raça. Mas issonão quer dizer que as pessoas mais maduras tambémnão possam mudar suas atitudes. Nunca é tarde demaispara mudar. Contudo, sabemos que isso só acontecerácom muito diálogo. Onde você guarda o seu racismo?Encontre-o e livre-se dele!

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AnaCris Bittencourt

Liz Ramos

Como surgiu a Campanha Nacional peloDireito à Educação e qual o seu papel?

Começou em 1999, tendo com missão principal a co-brança da efetivação dos direitos educacionais no Brasil.Para garantir o direito à educação, temos a Constituição,a LDB, que regulamenta isso tudo; o Estatuto da Criançae do Adolescente, que considera esse direito como funda-mental; o Fundef, que garante o financiamento; e o PlanoNacional de Educação, que orienta a organização das polí-ticas de educação. No plano internacional, o Brasil assi-nou a Declaração Mundial de Educação para Todos, de1990, ratificada em 2000. Apesar disso, a década de 90foi muito contraditória em termos educacionais, pois efe-tivou muitos direitos, mas houve, ao mesmo tempo, umdescompasso entre esses direitos e as políticas públicas.A campanha começou a se organizar no período prepara-tório à Conferência Mundial de Educação para Todos, emDakar, justamente por isso.

Como se dá esse descompasso entre ateoria e a prática?

Enquanto na década de 80 surge uma Constituiçãoque amplia direitos, na sua regulamentação, na décadade 90, durante o governo Fernando Henrique, ela encon-trou pela frente um Estado neoliberal, enxuto, que vaiatender a outras prioridades. Nesse sentido, um pontomuito forte incidiu sobre as políticas sociais como umtodo: em vez de políticas universalizantes, redistributivasno sentido dos direitos, passaram a ser políticas focaliza-das. Esse projeto para a educação ficou muito claro du-rante o governo FHC. Por exemplo, no momento em que

se vai regulamentar o financiamento que vai garantir aefetivação de todas essas políticas, o atendimento propri-amente dito, a regulamentação para o financiamento limi-ta-se ao ensino fundamental, deixando de fora a educaçãoinfantil, o ensino médio e a educação de jovens e adultos.Essa é uma contradição que perpassa o conjunto das políti-cas públicas brasileiras. E, além da contradição, há o fatode que os governos não respei-tam o Fundef no que diz respei-to ao valor por aluno.

Quanto deveria seresse valor hoje?

O valor mínimo anual esta-belecido pela lei fica em tornode R$ 700. Nos últimos trêsanos, a campanha tem fe i toações jurídicas cobrando dogoverno federal que o MEC es-tipule esse valor de forma queos Fundefs estaduais não pos-sam pagar menos do que isso.Só que o valor que vem sendo estipulado pelo governofederal, desde o governo FHC, também fica abaixo doque reza a própria lei do Fundef.

Temos feito também um esforço para que haja umareformulação da lei do Fundef, que passe a incluir desdea educação básica até o ensino médio, já que, do jeitoque está, causa uma série de problemas. O fato de oFundef se restringir ao ensino fundamental, fez com quetodos os outros benefícios girassem em torno disso: o

transporte escolar, a merenda, a formação de professo-res, o programa de distribuição de livros didáticos. En-fim, todas as políticas foram focalizadas para o ensinofundamental, para a faixa etária dos 7 aos 14 anos.Quem estava fora da faixa, não foi beneficiado. Foi ocaso da educação de jovens e adultos. Se a pessoa estáfazendo supletivo no ensino fundamental deveria ser

contemplada, mas, por uma questão deidade, fica de fora.

Isso só acontece no Brasil?Não, isso tem a ver com o processo

de implementação de políticas neoliberaisque aconteceu em toda a América Latina.Em geral, nesses países, o número dematrículas na educação aumentou, os go-vernos divulgam que universalizaram oensino fundamental, mas as outras moda-lidades ficaram de fora e também perce-bemos uma queda muito grande naqualidade, que está diretamente ligada àquestão dos recursos financeiros e das

desigualdades econômicas.

Como se dá essa relação recursos–qualidade de ensino?

Pegando o caso do Brasil como exemplo, o princípiodo Fundef envolve a criação de fundos estaduais com aintenção de diminuir as desigualdades estaduais. Para umestado mais pobre não ter uma diferença grande em rela-ção a um estado mais rico, a União tem que entrar com

A educação é umprocesso que se dáno ambienteescolar como umtodo, não só nasala de aula. Aeducação não se fazsó com educadores

No Brasil, cerca de 2,4 milhões de professores(as) lecionam para mais de 50 milhões deestudantes, a maior parte é do sexo feminino (83%) na faixa dos 40 anos. Baixos salários,péssimas condições de trabalho, stress e desvalorização profissional estão levando a umcrescente desinteresse da população jovem pela profissão e ao conseqüenteenvelhecimento da categoria. Os dados foram divulgados no II Fórum Social Brasileiro,realizado em Recife em abril, como parte da publicação A educação na América LatinaDireito em risco, organizada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Segundo a educadora Liz Ramos, representante da campanha no Nordeste epesquisadora do Centro de Cultura Luiz Freire, esse é o quadro encontrado em toda aAmérica Latina. “A educação nesses países ainda não é tratada como um direito humanofundamental, e isso interfere em todos os aspectos do desenvolvimento”, explica. Ela fazum balanço da campanha, criada em 1999, e comenta alguns resultados do estudo inéditosobre o CAQ (Custo Aluno Qualidade), desenvolvido nos últimos três anos – cujosresultados foram lançados na última semana de abril, em audiência pública no CongressoNacional. O CAQ determina quanto é preciso ser investido por aluno(a) para que o paísofereça uma educação básica de qualidade.

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uma parcela de complementação. Mas, desde que oFundef foi criado, isso nunca aconteceu. Enquanto algunsmunicípios do interior de São Paulo têm um custo poraluno em torno de R$ 2 mil, no Nordeste esse valor ficaem torno de R$ 600. Isso gera uma desigualdade profun-da, que se reflete nos índices de aprendizagem e nos in-dicadores de qualidade.

Uma pesquisa recente mostrou que enquanto o aces-so às creches das crianças de 0 a 3 anos de famílias maispobres, que ganham até um quarto de salário mínimo percapita, é de menos de 9%, entre famílias que recebem apartir de dois salários mínimos per capita, o percentual deacesso sobe para 70%. Outro ponto é o tempo que a crian-ça passa dentro da escola, o período mínimo estabelecidopela LDB é de quatro horas. No Norte, apenas 15,5% dascrianças ficam na escola essa carga horária. Já no Sudes-te, o percentual sobe para 70%. No Nordeste, as escolasfuncionam em três turnos diurnos de cerca de 3 horascada, além do turno noturno. Qual seráo rendimento escolar dessas crianças?São crianças pobres, de famílias po-bres, escolas pobres e professores po-bres, já que os salários também sãomuito menores. Isso tudo tem sériosimpactos na questão da qualidade.

A questão salarial doprofessorado foi um temamuito debatido no Fórum.O que está sendo feito pararesolver o problema debaixos salários?

O Brasil enfrenta uma desigualdadesalarial regional profunda. Não existe umpiso único, cada rede municipal e esta-dual tem seu próprio piso. Além disso,o piso estadual é sempre menor do queo municipal. No Nordeste, outro proble-ma muito presente é a questão do professor temporário. Nocontrato temporário, às vezes o salário ultrapassa um pou-co o salário mínimo, outras vezes fica abaixo. São pro-fissionais sem qualquer tipo de benefício social, comoférias, 13º salário, vale-transporte e também sem reconheci-mento, pois eles não participam do processo de formaçãodo aluno, ficam à margem. Não há um levantamento recen-te, mas denúncias do sindicato no estado de Pernambucoapontam para um percentual em torno de 50% de temporá-rios do total de professores contratados.

Há também uma disputa política sobre quem são ostrabalhadores da educação, que atrapalha uma discussãomais ampla sobre o piso único, nacional. A educação é umprocesso que se dá no ambiente escolar como um todo,não só na sala de aula, mas também na hora da entrada,com os porteiros, na hora da merenda e na relação dessealuno com as pessoas responsáveis pela limpeza, com osgestores. Considerar esses profissionais como parte doprocesso da educação é fundamental. A educação não sefaz só com educadores.

Qual é o perfil do(a) professor(a)brasileiro(a)?

É uma categoria profissional com uma característi-ca marcante de baixa estima por conta de um processoacentuado de desvalorização social. Uma pesquisa re-cente, realizada pela Faculdade de Pedagogia da UFPE,revelou que a maioria dos alunos não quer ensinar,não quer trabalhar em escola, não quer ser professorde ensino fundamental e médio. Não é estimulante parauma pessoa cursar uma faculdade tendo a perspectivade ganhar R$ 600. A categoria está envelhecendo poressa dificuldade de renovação. Isso tem a ver com adesvalorização da profissão, da precariedade da carrei-ra. Outro problema é a aposentadoria. As pessoas quepagam o INSS hoje já estão próximas de se aposentare não há como renovar esses quadros. Muitos municí-pios não criaram fundos de previdência e os recursosdo Fundef acabam sendo utilizados também para esse

fim, o que contribuiu para diminuir ainda mais o salá-rio de quem está na ativa.

A situação profissional na AméricaLatina é semelhante?

Sim, com exceção do Chile e da Argentina, os pro-fessores de lá ganham bem mais. Essa precarização éum traço da política regional neoliberal, que tem a vercom as organizações multilaterais, Banco Mundial, FMI.Por isso, a contratação de professores temporários nãoé também um caso isolado do Brasil.

O que é necessário para a educação serconsiderada um direito humano?

A educação como um direito humano precisa serconsiderada universal, não pode ter impedimentos rela-cionados à raça, sexo, idade, região, todas as pessoasprecisam ter esse direito. A educação precisa ser aces-sível a todos, ter uma oferta pública e gratuita. Masnão basta só ter acesso, é preciso ter qualidade, garantir

a aprendizagem de um currículo mínimo. Uma dascondições para que isso aconteça, passa pela valori-zação do trabalho não só do professor, mas de todosos profissionais de educação. Um esforço da campa-nha vai no sentido de ampliar as discussões sobreeducação para outros movimentos sociais. Quandodiscutimos sobre f inanciamento da educação, cadavez mais, ficamos atentos para a questão do financia-mento das políticas sociais, articulando essas ques-tões. Nenhum proje to de desenvolv imento socia l ,humano e sustentável pode ser feito sem educação. Aeducação é um direito em si e também é a base paraos outros direitos.

Quais os próximos passos da campanha?Nossas ações estão voltadas para pressionar o

Congresso Nacional para agi l i zar a aprovação doFundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Edu-

cação Básica), que tem, entre seusartigos, a questão do piso salarial. Oprojeto está em tramitação no Sena-do, a partir da sua aprovação, entra-remos em ou t ra e t apa , a daregulamentação. Foi feita uma grandepressão da sociedade civil para in-cluir as creches no Fundeb, mas sócom a regulamentação é que se podeestabelecer o valor por aluno ou aforma de calcular esse custo. É ummomento muito importante e quere-mos estar atentos. Sobre isso, emabril, a campanha divulgou os resul-tados de um estudo sobre o CustoAluno Qualidade (CAQ).

No que consiste esseestudo?

Foi resultado de uma outra pres-são que as organizações envolvidas na campanha fize-ram ao governo federal, que o Fundef incluísse umareferência, um padrão mínimo de qualidade. A propos-ta inicial do Fundef tratava de valores por alunos so-mente referendados na questão do custo. É necessáriomudar esse referencial, a questão da educação precisater como referencial a qualidade. Só assim poderemosdizer quanto o Estado e a sociedade precisam destinarpara a educação para que a gente garanta essa quali-dade. Todas as pesquisas referentes aos desafios bra-s i l e i ros pa ra t e r um fu tu ro me lhor passam pe laquestão da qualidade na educação pública. O CAQ en-volve questões como: qual o piso salarial adequado;quantas horas de aula um aluno deve ter por dia naescola; quais at ividades extra-curriculares o alunodeve ter, como esporte, cultura, lazer e práticas deconvivência; qual infra-estrutura é necessária paraisso, como biblioteca, computadores, a questão damerenda, quantos profissionais de educação são ne-cessários para isso; entre outros aspectos.

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Crianças de movimentos sociais e escolas marcaram presença no II FSB

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Canal Cultural Alfredo Boneff [Jornalista, colaborador do Ibase] – [email protected]

Criado há oito anos, o Centro de Estudos e Ações Solidári-as da Maré (Ceasm) vem desenvolvendo projetos funda-mentais para registrar e preservar o passado – e projetar ofuturo – do conjunto de 16 comunidades cariocas ondevivem cerca de 132 mil pessoas.Uma dessas iniciativas foi o RedeMemória, bem-sucedida emprei-tada de organização e cataloga-ção de documentos, fotos, vídeos,artigos de jornais e revistas e tra-balhos acadêmicos sobre diversosaspectos da vida e da história dobairro. Desdobramento desse pro-jeto, o Museu da Maré foi inaugu-rado no último dia 10 de maio. Émais um passo importante na pre-servação da história e da cultura da comunidade.

O museu foi viabilizado em parceria com o Ministérioda Cultura, dentro do programa Cultura Viva. O projetoPontos de Cultura foi criado com o objetivo de criar pólosculturais em locais periféricos das grandes cidades. Em todo

Cinema, Aids e cidadania

Memória da Maré ganha casa

o país, 214 entidades foram selecionadas e receberam sub-sídios para a instalação desses espaços. Uma das entidadescontempladas foi justamente o Ceasm. O acervo do museu– o primeiro dentro de uma favela carioca – contará com o

arquivo do projeto Rede Me-mória, que tem cerca de 3 milfotografias. Além disso, recor-tes de jornais e objetos diver-sos ajudam a reconstituir ahistória da comunidade.

Entre os objetos, autênti-cos símbolos da ocupação dafavela por pessoas das maisdiversas origens. Um deles éuma velha garrucha (arma defogo) que pertencia à Orosina

Vieira, que chegou ao Morro do Timbau na década de1940 e é considerada a primeira moradora da Maré. Háainda utensílios como um fogão da década de 1970 e cha-péus, remetendo a várias épocas. Responsável pela partevisual do museu, o cenógrafo Marcelo Pinto Vieira criou

uma palafita dentro do espaço. Os(as) visitantes poderãover essa espécie de instalação que, como os demais itens,ficará exposta permanentemente.

O acervo foi dividido em 12 módulos, relacionados ainúmeras etapas cronológicas e situações vividas pelosmoradores(as) da Maré nas últimas décadas. São módulostemáticos como o Tempo da Água; Tempo da Casa; Tempoda Migração; Tempo da Resistência; Tempo do Trabalho;Tempo da Festa; Tempo da Feira; Tempo da Fé; Tempo doCotidiano, Tempo da Criança; Tempo do Medo e, finalmen-te, Presente e Futuro. Para o coordenador da Rede Memóriae Ponto de Cultura Museu da Maré, Luiz Antonio de Olivei-ra, o projeto tem enorme significado para a comunidade. “Agente quer fortalecer nosso espaço. E isso só pode ser feitoquando positivamos nossas ações”, afirma. Os horários devisita ao museu ainda estão sendo organizados.

A terceira edição do Cinema Mostra Aids, que acontece emSão Paulo, durante o mês de maio, é uma bela oportunida-de de conferir, na tela, criações que abordam o desafio deviver com o vírus HIV. Organizado pelo Grupo Pela ViddaSão Paulo, o evento está sendo realizado em parceria como Espaço Unibanco de Cinema, Programa Municipal e Esta-dual DST/Aids de São Paulo e MTV Brasil.

Serão 27 títulos ao longo da mostra, apresentando asmais diversas visões sobre a epidemia. A realidade caóticado continente africano é mostrada em títulos como Houseof love, co-produção de Estados Unidos e Namíbia dirigidapor Cecil Moller. Realizado em 2001, o documentário fazuma espécie de mapeamento da África, região que concen-tra hoje o maior número de soropositivos(as) do mundo.

O americano Protesto contra o monopólio aborda oempenho de militantes em todo o mundo pela falta de me-dicamentos contra o vírus HIV. Obra de forte teor crítico,traz ainda a luta de governos de países pobres diante degovernos poderosos associados à indústria farmacêutica.

Outra atração da mostra é o documentário brasileiroBorboletas da vida. Filmado em Austin e Nova Iguaçu, mu-nicípios da Baixada Fluminense, o filme de Vagner deAlmeida mostra, num período de 24 horas, a vivência dejovens homossexuais que, em determinado momento,

transformam-se em mulheres. “O filme retrata as transfor-mações de gênero e por isso se chama Borboletas da vida.Porque esses meninos conseguem conviver com a homos-sexualidade deles, mas, em certo instante num fim de se-mana, entre às nove da noite e três ou quatro horas damadrugada, eles se transformam completamente em mu-lheres. E, por volta das quatro, cinco da manhã, tiram aroupa e voltam a ser rapazes. É como se despedir de umcasulo e colocar uma fantasia, que são suas asas de bor-boleta”, explica Vagner.

Um dos filmes mais esperados e ainda inédito no Bra-sil, o drama sul-africano Yesterday, de Darrel Roodt, conta ahistória da jovem Yesterday. Infectada pelo marido e porta-dora do HIV, ela enfrenta o preconceito e a ignorância dasociedade ultraconservadora que habita uma pequena al-deia. Trata-se da primeira obra cinematográfica falada emlíngua Zulu. O filme foi indicado para o Oscar de MelhorFilme Estrangeiro em 2004.

Também na ficção, alguns dos destaques da mostrasão sucessos que já estiveram em cartaz em grande circuitocomo Carandiru, Cazuza, As Horas e Tudo sobre minha mãe.Os ingressos custam R$ 5. Parte deles será distribuída gra-tuitamente entre organizações não-governamentais e servi-ços de saúde que trabalham com HIV e Aids.

Locais de exibição da mostraLocais de exibição da mostraLocais de exibição da mostraLocais de exibição da mostraLocais de exibição da mostra

Espaço Unibanco de CinemaRua Augusta, 1.475Cerqueira César – São Paulo/SPTel: (11) 3288-6780 / (11) 3287-5590

Espaço Unibanco de Cinema AnexoSala 4 – 104 lugares e Sala 5 – 51 lugaresRua Augusta, 1.470Cerqueira César – São Paulo/SPTel: (11) 32886780 / (11) 32875590Metrô Consolação

Mais informações em:www.aids.org.br

www.pelavidda.org.br

Ponto de Cultura Museu da MaréAv. Guilherme Maxwell, 26 – Maré

Tel.: (21)3868-6748Ceasm: 3105-1407 www.ceasm.org.br

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Contra ameaça deremoção, forte mobilização

Flávia Mattar

as diretrizes da política urbana que devem ser observadas noPlano Diretor, bem como a exigência de participação da po-pulação na sua elaboração, aprovação e implementação.

Durante o seminário, foi distribuído informativo doFórum Popular do Plano Diretor do Rio de Janeiro,alertando sobre as arbitrariedades que estão ocorrendo narevisão do documento:

Em uma cidade com 6 milhões de habitantes (...), aPrefeitura não divulgou um folheto sequer para expli-car o que é o Plano Diretor e qual a sua importânciapara o futuro da cidade (...) Como resultado inevitávelda não-realização dos estudos necessários e da ausên-cia de um processo de discussão com a sociedade, aproposta de Plano Diretor chama a atenção pela fragi-lidade de seu conteúdo.

Entre as reivindicações levantadas pelo Fórum Popularque deveriam ser atendidas pelo Plano Diretor estão: repu-diar qualquer tentativa de emenda à Lei Orgânica paraviabilizar a remoção de favelas; a delimitação e declaraçãocomo Áreas de Especial Interesse Social (AEIS) de todas asfavelas, loteamentos irregulares e clandestinos e imóveisocupados por população de baixa renda, com investimentospúblicos para a implementação de infra-estrutura, equipa-mentos públicos etc; a criação de um amplo Programa deRegularização Fundiária e Urbanística para as AEIS, garan-tindo a titulação de todos os imóveis e afastando as amea-ças de remoção.

Potencial popularA comunidade Arroio Pavuna, na Zona Oeste carioca, foiremovida durante o carnaval deste ano, com a derrubada de67 casas e a retirada de 268 pessoas. O presidente da Fede-ração das Associações de Favelas do Estado do Rio de Ja-neiro (Faferj), José Nerson de Oliveira, Zezinho, disse que acomunidade estava localizada em terra da Marinha e que aprefeitura pagou as pessoas removidas com cheque de em-presa privada. “Como isso pode ocorrer? Como a prefeiturapode usar cheque de terceiros?”, questionou.

“A prefeitura e a justiça estão agredindo direitos. Eagredir direitos é desconsiderar a luta da sociedade quese consolidou em uma norma constitucional. A população

precisa conhecer os seus direitos consagrados e se organizarpara que sejam respeitados. Há um desconhecimento absolu-to da lei”, ressaltou Célia Ravera, representante do Iterj, quecomplementou: “indenizar as famílias removidas é ilegal, alémdisso, não tira a responsabilidade da prefeitura de reassentaras pessoas de acordo com o que está previsto na lei”.

O professor Miguel Baldez, da Ucam, chamou a aten-ção para o fato de as comunidades não poderem contarcom os poderes federal, estadual e municipal, bem comocom o Poder Judiciário. “A cidade foi apropriada pelo capi-tal, não nos iludamos. A produção da cidade só poderá serfeita na medida em que sirva ao enriquecimento de quemparticipa do poder econômico. Não há como pensar que ospoderes federal, estadual e municipal irão se articular paradesenvolver trabalho que atenda aos interesses comunitári-os”. Acrescentou que vê como saída e grande desafio “umagrande mobilização popular, a construção de um poder po-pular que vá confrontar os poderes econômico e adminis-trativo local, estadual ou federal”.

Zezinho fez um levantamento, tendo como fonte a listade 14 comunidades ameaçadas de remoção divulgada peloMinistério Público em outubro de 2005 e a lista de 16favelas que poderão ser removidas devido aos Jogos-PanAmericanos Rio 2007. Segundo ele, 18.500 casas seriamderrubadas, atingindo 74 mil pessoas. Entre as comunida-des listadas pelo MP, a maioria tem mais de 40 anos nolocal, sete têm título de propriedade e seis passaram peloProjeto Favela Bairro.

Essa foi uma iniciativa da Agenda Social Rio/Ibase, daFrente Estadual contra a Remoção e da Ucam. Não é aprimeira vez que o Ibase se envolve na organização deum evento como esse. Em junho do ano passado, foirealizado o seminário Favela é cidade. Não à remoção!,uma iniciativa da Agenda Social Rio/Ibase, Caixa Econô-mica Federal e UN-Habitat.

O encontro na Ucam contou com a presença de cerca de150 pessoas. Entre os(as) palestrantes estiveramacadêmicos(as), vereadores(as), presidentes de federações defavelas e bairros e representantes da Pastoral de Favelas e doInstituto Estadual de Terras e Cartografia do Estado do Rio deJaneiro (Iterj). Não houve participação de representante doMinistério das Cidades, algo importante para que as pessoaspudessem ouvir as diretrizes que emanam do governo federalsobre a ameaça de remoção das favelas do Rio de Janeiro.

Há duas semanas, a Prefeitura do Município do Rio deJaneiro divulgou proposta para a revisão do Plano Diretor –lei municipal que deve orientar o desenvolvimento urbano,fazendo cumprir as funções da cidade e da propriedade. OEstatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/2001, estabelece

Confira outras informações sobre o tema em<www.ibase.br>.

O fortalecimento do movimento popular ea pressão para que a revisão do PlanoDiretor do Rio de Janeiro contemple asclasses menos favorecidas foram osprincipais pontos ressaltados no seminárioFavela é cidade! Direito à moradia egarantia de posse – realizado naUniversidade Cândido Mendes (Ucam),Rio de Janeiro, nos dias 17 e 18 de abril.

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Jamile Chequer

Trajetória de atos e fatosO Ibase – fundado em 1981 por Herbetde Souza (Betinho), Carlos Afonso eMarcos Arruda – está completando 25anos. Ao longo deste tempo, a instituiçãoteve como missão a construção dademocracia, combatendo desigualdadese estimulando a participação cidadã.

Para o diretor geral da instituição, sociólogo CândidoGrzybowski, quando o Ibase foi fundado, a democracia nãoera pensada como algo tático. Seus fundadores viram ademocracia como algo estratégico, como um valor. “Conce-ber o Ibase foi como redirecionar energia militante-políticapara outro espaço”, explica. Segundo Cândido, essa ener-gia foi direcionada para a cidadania, para a sociedade, paraa cultura política.

“Eles apostaram ser necessário mudar primeiro a soci-edade e, imagino, projetaram o Ibase como uma espécie defermento transformador no campo das idéias, da práticademocrática, dos princípios éticos, dos direitos. É toda umareconstrução de imaginário, de projetos, de propostas e,claro, de prática política.”

O economista João Sucupira, também diretor do Ibase,ressalta a postura de vanguarda. “A instituição sempre tevea característica de iniciar processos e projetos queagendaram a discussão no debate público”, diz ele, fazen-do referência à Campanha Nacional pela Reforma Agrária,no final da década de 1980; ao Movimento pela Ética naPolítica, que culminou no impeachment do então presi-dente Fernando Collor de Mello, em 1992; e à Ação daCidadania contra a Miséria e pela Vida, em 1993, entreoutros momentos.

A historiadora e diretora do Ibase Dulce Pandolfi,encontra no papel do instituto de intervir no debate públi-co e provocar discussões sobre temas importantes umadas suas características mais fortes. “Essa é a sua missão.Monitorar as políticas públicas, ser propositivo, contri-buir com pesquisas, estudos e posicionamentos para as-sessorar o movimento social. Ter posição crítica em relaçãoà conjuntura nacional e até internacional, ter papel-chaveno Fórum Social Mundial, que continua sendo espaçoimportante de articulação dos movimentos sociais e parapensar alternativas ao projeto neoliberal que domina oplaneta”, aposta.

Também faz parte das comemorações de 25 anos um perío-do de reflexão sobre a trajetória da instituição. “Se em 25anos nada mudou na sociedade, ela está morrendo. Podeter ficado pior ou melhor, mas nunca estará igual, e o Ibaseé parte dessa história. A sociedade mudou e as circunstân-cias também nos fazem mudar”, avalia Cândido.

Por isso, hoje, a instituição tem o desafio de fazer sua“refundação”. De acordo com o sociólogo, essa “refundação”significa rever o que é possível melhorar. Ele chama a aten-ção para o fato de ser correto dizer que o Ibase é parte dahistória da redemocratização e construção democrática noBrasil. Mas questiona: “o Ibase poderia ter feito mais? Emalguns momentos, acredito que sim”. E continua: “Fez maisdo que se esperava? Em muitos momentos, sim. Mas aindaassim, esse ‘instituto para a base’, que era o nome do Ibasequando foi concebido, tem uma tarefa com a base que aindanão está completa”, reflete.

Cândido explica que a “refundação” do Ibase tem aver com a tarefa estratégica da própria instituição: a cons-trução democrática. É uma reflexão a partir do que é aquestão democrática hoje. Não há mais ditadura, mas ain-da há uma sociedade não-democrática. Se o Estado tende

Início da ditaduramilitar.

Betinho partepara o exílio.

Marcos Arruda,Betinho e C.A.começam apensar o Ibase.

Betinho volta doBetinho volta doBetinho volta doBetinho volta doBetinho volta doexílio – exílio – exílio – exílio – exílio – Betinhotrouxe do exterior aexperiência de umnovo modo deorganização dasociedade civil quenão passava pelospartidos políticos epelos sindicatos.

Ibase é criado –Ibase é criado –Ibase é criado –Ibase é criado –Ibase é criado –uma instituição deutilidade públicafederal, sem finslucrativos, semvinculação religiosae a partido político.

Início da CampanhaInício da CampanhaInício da CampanhaInício da CampanhaInício da CampanhaNacional pelaNacional pelaNacional pelaNacional pelaNacional pelaReforma Agrária –Reforma Agrária –Reforma Agrária –Reforma Agrária –Reforma Agrária –as discussões sobreesta campanhacomeçaram no Ibase.A idéia era vinculara reforma agrária àconsolidação dademocracia no país.

Diretas Já – Diretas Já – Diretas Já – Diretas Já – Diretas Já – foi ummovimento civil dereivindicação poreleições presidenciaisdiretas no Brasil. Omovimento pelas Diretasteve grande importânciana redemocratização dopaís. Suas liderançaspassaram a formar anova elite políticabrasileira. Houve muitasmanifestações popularescomo a do Vale doAnhangabaú, em SãoPaulo, que reuniu 1,7milhão de pessoas.Em 15 de janeiro de1985, em Brasília,Tancredo Neves ganhou,por meio de eleiçõesindiretas. Tancredoacabou falecendo àsvésperas da posse. Issofez com que o vice-presidente eleito, JoséSarney, fosse o primeirogovernante civil apósduas décadas deregime militar.

Nova Constituição éNova Constituição éNova Constituição éNova Constituição éNova Constituição épromulgada –promulgada –promulgada –promulgada –promulgada – oIbase participaativamente doprocesso,promovendocampanhas pelaaprovação deemendas populares,com destaque para aquestão agrária.

Eleições diretaspara Presidência.

Linha do tempo

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a ser bem melhor do que antes, ser um Estado de direito,a sociedade brasileira ainda é uma sociedade de exclusãosocial e desigualdades.

“A democracia é a construção da igualdade social pelacidadania. A idéia de cidadania é uma idéia de igualdade dedireitos e isso não acontece entre desiguais, portanto nãosomos democráticos. Estamos no caminho, mas ainda te-mos uma gigante tarefa. O Ibase não está mais combatendouma ditadura, mas uma sociedade injusta, e temos que trans-formar isso pela democracia. Isso significa mudar o atualmodelo de desenvolvimento”, afirma.

Ainda que o tema nunca tenha sido abandonado peloIbase, o desenvolvimento também nunca foi o centro. “Eracomo se democratizando as instituições e o Estado, estivés-semos mudando o modelo de desenvolvimento”, diz Cândi-do. Mas, na verdade, o modelo de desenvolvimentotornou-se neoliberal. “As organizações da sociedade civilnão chegaram a ver com clareza o quanto isso é estratégico.Hoje, a maior ameaça à democracia é a não-democratizaçãodo desenvolvimento e é isso que está excluindo, que é au-toritário”, revela.

João Sucupira concorda. Ele diz que hoje o paísestá estabilizado, está mais democrático, mas que oIbase deve continuar na sua trajetória de buscar cami-nhos para o Brasil. “Nesse sentido, a questão do de-senvolvimento é outro exemplo de que o Ibase estánovamente puxando uma discussão fundamental. Nãopodemos ficar eternamente administrando uma estabili-dade que foi obtida”, diz. Por isso, a instituição estátrabalhando de forma mais aprofundada nesse tema.

ExposiçãoUma das atividades que marcarão os 25 anos do Ibase é a exposição A luta pela democracia faz parte danossa história, lançada em 19 de maio, no Museu da República, Rio de Janeiro. A idéia central é trazer aopúblico os 25 anos de história do Ibase com os marcos da história do Brasil e do mundo. “Atravessamos ahistória do Brasil e alguns aspectos da história mundial, mostrando de que maneira a instituição participou daslutas em torno de um mundo mais democrático”, revela Dulce Pandolfi, diretora do Ibase. A exposição começacom a derrubada do regime de João Goulart e segue em sentido cronológico até os dias de hoje. Ela mostraa luta pela democracia do Ibase, do Brasil, de cidadãos e cidadãs.

“Começamos em 1964 porque é no contexto do regime militar que o Ibase é criado. É durante o exílio queBetinho começa, com um grupo de companheiros, a pensar na idéia da construção de uma entidade quesubsidiasse os movimentos sociais com informações. Ele começa a preparar sua volta ao Brasil juntamentecom a fundação dessa instituição”, lembra Dulce Pandolfi. A idéia é que essa exposição seja itinerante e que,no futuro próximo, seja apresentada em escolas, estações de metrô, Central do Brasil etc.

“Discutimos o desenvolvimento com um viés muito con-creto, a partir do projeto Democratização dos Vetores doDesenvolvimento”, conta o economista.

Dulce Pandolfi aposta na continuidade da missão doIbase e na ampliação de seu raio de atuação. “A institui-ção amadureceu. Por isso, uma das propostas é que agente enfrente mais a fundo a questão do desenvolvi-mento. O país está crescendo, está se desenvolvendo,mas a que custo? A que preço? Temos que nos pergun-tar”, questiona a historiadora.

Para Cândido, “refundar” o Ibase é construir estrategi-camente uma perspectiva que mantenha os princípios, valo-res éticos, patrimônio da democracia, tendo como medidaos direitos humanos, à luz da questão que se apresentapara a democracia, que é o desenvolvimento. “Em vez de

usar o índice Bovespa, deveríamos dizer quanto de direitoshumanos temos. Isso até soa utópico, mas esse é o nosso‘inegociável’. É possível negociar a Bolsa, mas não os direi-tos humanos”, enfatiza.

Fazer 25 anos para o Ibase está sendo um processode busca de respostas, de olhar para a sociedade e en-contrar na instituição o reflexo de suas necessidades.“Espero que o Ibase seja capaz de não viver do passado,mas tirar dele a ousadia que tivemos nos momentos cer-tos. Temos que nos perguntar se estamos sendo sufici-en temen te ousados ho je . Es tamos indo a l ém doconvencional? Temos que refletir. Temos que criar ques-tões provocantes para a instituição e para a sociedade.Temos que ser capazes de nos auto-questionar, questio-nar a sociedade”, conclui o diretor.

Movimento TMovimento TMovimento TMovimento TMovimento Terraerraerraerraerrae Democracia –e Democracia –e Democracia –e Democracia –e Democracia –manifestaçõesrelacionando terra edemocracia noAterro do Flamengo,no Rio de Janeiro.200 mil pessoasparticipam do evento.

Campanha Não deixeCampanha Não deixeCampanha Não deixeCampanha Não deixeCampanha Não deixesua cor passar emsua cor passar emsua cor passar emsua cor passar emsua cor passar embranco – branco – branco – branco – branco – criadapara contribuircom o últimorecenseamentodo século. Seusobjetivos eramsensibilizar pessoaspara quedeclarassemsua cor a partir doreferencial étnico;recuperar a auto-estima cultural epolítica da populaçãonegra e construirindicadores sobrecondiçõessocioeconômicasdessa população.

Movimento pelaMovimento pelaMovimento pelaMovimento pelaMovimento pelaÉtica na Política –Ética na Política –Ética na Política –Ética na Política –Ética na Política –este movimentoculminou noimpeachment deFernando Collor deMello, em setembrodo mesmo ano.

Ação da CidadaniaAção da CidadaniaAção da CidadaniaAção da CidadaniaAção da Cidadaniacontra a Miséria econtra a Miséria econtra a Miséria econtra a Miséria econtra a Miséria epela Vida – pela Vida – pela Vida – pela Vida – pela Vida – acampanha foipensada em trêsetapas: formação doscomitês em todo opaís, com a intençãode minimizar oproblema da fome,de formaemergencial; criaçãode novos empregose geração de renda;e, finalmente, ademocratização daterra, etapa quenunca saiu do papel.Pouco tempo depoisdo lançamento dacampanha, o governofederal cria oConselho Nacionalde SegurançaAlimentar.

Jornal da CidadaniaJornal da CidadaniaJornal da CidadaniaJornal da CidadaniaJornal da Cidadania– criado,inicialmente, parapara divulgar asações da campanhaAção da Cidadaniacontra a Miséria epela Vida

Agenda Social Rio –Agenda Social Rio –Agenda Social Rio –Agenda Social Rio –Agenda Social Rio –por ocasião dacampanha pelacandidatura do Rio deJaneiro à sede dasOlimpíadas de 2004,Betinho lançou aAgenda Social Rio –cujo objetivo foi o decriar um compromissosocial ligado a essacandidatura,envolvendo sociedadecivil e governo emtorno de cinco metasbásicas a seremalcançadas até 2004.Acabou tornando-seum projeto queincorpora o ponto devista das classespopulares – emespecialmoradores(as) defavelas do Rio deJaneiro – na reflexãosobre o espaço urbanoe investe na formaçãode atores estratégicosde movimentos sociaise comunitários.

Campanha pelaCampanha pelaCampanha pelaCampanha pelaCampanha peladivulgação dodivulgação dodivulgação dodivulgação dodivulgação doBalanço Social –Balanço Social –Balanço Social –Balanço Social –Balanço Social –última iniciativaliderada por Betinho,que falece em agostodo mesmo ano. Acampanha estimulaas empresas queatuam no Brasil apublicar seusbalanços sociais nomodelo Ibase –demonstrativodivulgadoanualmente, reunindoinformações sobreprojetos, benefíciose ações sociais eambientais. Tambémhá modelos para queorganizações decidadania ativa ecooperativaspubliquem seusbalanços.Este ano foi definidonovo critério depublicação (leiasobre o assunto napágina 14).

Fórum SocialFórum SocialFórum SocialFórum SocialFórum SocialMundial Mundial Mundial Mundial Mundial – o Fórumsurgiu comoresposta dasociedade civilorganizada ao FórumEconômico Mundial,realizado em Davos,Suíça, quandorepresentantes dospaíses maispoderosos seencontram paratomar decisões queafetam todos ospovos do planeta.Tornou-se referênciana organização e nofortalecimento de ummovimento decidadania dedimensõesplanetárias e noenfrentamento aoneoliberalismo. Temcontribuído para umanova cultura políticade valorização dadiversidade e dodiálogo.

Lançamento daLançamento daLançamento daLançamento daLançamento dacampanha “Ondecampanha “Ondecampanha “Ondecampanha “Ondecampanha “Ondevocê guarda o seuvocê guarda o seuvocê guarda o seuvocê guarda o seuvocê guarda o seuracismo?”–racismo?”–racismo?”–racismo?”–racismo?”–realizada pelosDiálogos contra oRacismo, umainiciativa que reúnecerca de 40instituições dasociedade civil –inclusive o Ibase –na luta pelaigualdade racial noBrasil (leia mais napágina 3).

Ibase completa25 anos.

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A onda de vitórias da esquerda na América Latina promo-veu a revitalização dos processos de integração regional,mas há um longo caminho a percorrer para formular ummodelo aberto à participação cidadã e às questões sociais eambientais. Essas foram as principais conclusões do debateIntegração solidária e democracia na América Latina: osdesafios para o Brasil, organizado pelo Ibase, pela Articula-ção de Mulheres Brasileiras e pelo SOS Corpo no II FórumSocial Brasileiro.

A discussão foi coordenada pela diretora do Ibase,Dulce Pandolfi, e contou com a participação de ativistasde vários países latino-americanos, como Lilian Celiberti(Uruguai, Cotidiano Mujer e Art iculación FeministaMarcosur), Magnólia Said (Brasil, Esplar – Centro de Pes-quisa e Assessoria), Maria Betânia Ávila (Brasil, SOS Cor-po) e Virgínia Vargas (Peru, Centro Flora Tristán eArticulación Feminista Marcosur).

As palestrantes concentraram a análise no período re-cente dos processos de integração, destacando altos e bai-xos do Mercosul na primeira década do século 21. MariaBetânia Ávila afirmou que as vitórias da esquerda na Amé-rica Latina são conseqüência dos problemas trazidos poruma década de neoliberalismo, como o aumento do desem-prego e da marginalização social. Desiludida com esse mo-delo, a população buscou alternativas.

Contudo, nem sempre as políticas de integração apre-sentadas pelos governos correspondem a esses anseios.Magnólia Said criticou as grandes obras de energia e

Conquistas e desafiosrumo à integração

Maurício Santoro*

transportes colocadas em prática pelaIniciativa para a Integração RegionalSul-Americana (I IRSA), criada em2000: “são projetos que beneficiam asgrandes empresas transnacionais e asorganizações financeiras internacio-nais, como o Banco Interamericano deDesenvolvimento. O objetivo é facili-tar as exportações do agronegócio”.Ela ressal tou que esse modelo édestrutivo para o meio-ambiente e estámuito distante das concepções defen-didas pela sociedade civil, como o for-talecimento da agricultura familiar.

L i l i an Ce l i -bert i apontou ascontradições entreo discurso demo-

crático dos governos que formam oMercosul e o comportamento, muitasvezes autoritário e pouco transparen-te, sobretudo no que toca à difusãode informações: “a maioria das deci-sões do Grupo Mercado Comum, opr inc ipa l ó rgão execu t i vo doMercosul, permanece secreta. Isso valeaté mesmo para os resultados de umaconsultoria sobre participação socialno bloco”.

Lilian afirma que “o Mercosul viveseu pior momento” e evidencia para atensão entre o modelo de liberalizaçãocomercial – que norteou a criação dobloco na década de 1990 – e os objetivos sociais: “meupaís, o Uruguai, é muito pequeno. Não tem espaço nummundo de mercados. Mas, ainda assim, tem cultura, histó-ria, tradições políticas que são importantes para nós”. Oproblema aumenta no contexto de disputas comerciais entreos dois principais membros do Mercosul, Brasil e Argenti-na, que, às vezes, ignoram as dificuldades dos sócios me-nores, Uruguai e Paraguai.

Movimentos em conflitoAlém dos conflitos entre governo e sociedade civil, as pa-lestrantes abordaram as disputas entre movimentos sociaisdentro do bloco. Lilian comentou o caso das empresas de

No debate, foramlevantadas questõescomo a importânciada cultura para oprocesso deintegração,valorizando aprodução literária,musical eaudiovisual dospaíses do continente

* Jornalista, pesquisador do Ibase

celulose, que querem se instalar no Uruguai, na fronteiracom a Argentina. Trata-se de um tipo de indústria muitopoluente, que trará danos ecológicos aos dois países.Ambientalistas das duas nações estão contra o projeto, masos sindicatos uruguaios querem as firmas, por conta dosempregos que serão criados. Os protestos chegaram a pro-vocar o fechamento da fronteira, o contrário do que deveriaser um processo de integração.

Virgínia Vargas lembrou episódios dramáticos dahistória peruana para reforçar esse ponto. Em 1995, du-rante a guerra entre Peru e Equador, feministas de am-bos os países tentaram assinar uma declaração conjuntaem favor da paz . “Fomos a t acadas como sendoantipatriotas”, conta Virgínia. Não foi o único exemplo.

Nos anos 1980, o grupo guerri-lheiro peruano Sendero Lumino-so assassinou uma importante lídernacional do movimento das mulhe-res. As feministas peruanas pedirama colegas da América Central quefizessem um gesto de repúdio a essecrime. Mas as ativistas, a maioriaoriunda de organizações de luta ar-mada, preferiram não condenar aber-tamente o Sendero.

Virgínia falou das eleiçõesperuanas, em pleno andamento. Oprimeiro turno, realizado em 9 deabril, culminou com a vitória doscandidatos Ollanta Humala e AlanGarcía. Para a feminista peruana,“Humala tem pontos muito posi-tivos e outros muito negativos e

autoritários, mas também faz parte da onda progressistana América Latina”. Ela refere-se às denúncias de que ocandidato teria torturado militantes do Sendero quandoera oficial do Exército peruano.

No debate com a platéia foram levantadas questõescomo a importância da cultura para o processo deintegração, valorizando a produção literária, musical eaudiovisual dos países do continente. O público elogiouiniciativas como a criação da Telesur – uma emissora deTV dedicada a notícias sobre a América Latina, financiadapelos governos da Venezuela e da Argentina.

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Integração regional, tema forte em todas as edições do processo FSM

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João Roberto Lopes Pinto*

Se é verdade que, na maioria dos casos, a constituição doempreendimento é uma resposta à crise do assalariamento,não é igualmente evidente que a solidariedade dependa decrises para se manter viva. Para defensores do livre mercado,é uma ilusão ou mesmo ingenuidade se pensar na produçãoou continuidade de laços sociais em meio a um ambientemarcadamente competitivo e individualista. Mas quem são ospaladinos do mercado para falar de ilusões? O atual processode acumulação se alimenta da economia sem lastro do setorfinanceiro, da simulação de um ambiente de bem-estar emmeio à miséria e no consumismo gerador da descartabilidadedos produtos e, portanto, da destruição de recursos naturais.

O mapeamento mostra que a maior parte dos empre-endimentos solidários tem origem em vínculos comunitá-rios e em relações de reciprocidade, particularmente noque se refere à composição dos recursos e patrimônionecessários para iniciar o empreendimento. Além do que,apresentam um envolvimento com movimentos e ações co-munitárias. Ou seja, a dinâmica mesma do empreendimen-to tende a impactar o entorno, valorizando e potencializandorecursos materiais e humanos disponíveis no território.

Outro aspecto contra a i lusão do mercado é arequalificação do sentido do trabalho e do consumo quan-do a solidariedade atinge as relações de produção e distri-buição. A possibi l idade da cooperação implica oreconhecimento da interdependência de percepções, sabe-res e fazeres, favorecendo o enriquecimento intelectual ecriativo a partir do trabalho. Tal interdependência tende aser reconhecida também na relação público consumidor/produtor(a) e mesmo entre consumidores(as). Assim, o atode consumir passa a ser visto como estando baseado emvalores e opções com conseqüências para o bem viver decada pessoa. A solidariedade não se traduz em sacrifício daindividualidade ao coletivo, mas sim a sua promoção na epela coletividade.

Não é pequeno o esforço que agentes públicos e priva-dos precisam fazer para manter a ilusão do mercado emfuncionamento para o benefício de cada vez menos pessoas.Cabe, então, indagar: se essa trágica ilusão merece tal es-forço, o que dizer de uma realidade que aposta na associa-

Economia solidáriacontra a ilusão do mercado

A repolitização da economia ou a reivindicação da ci-dadania nas relações econômicas precisa ganhar corpo nasociedade. Reivindicam-se ações públicas estatais e não-estatais que repercutam sobre a institucionalidade do mer-cado, nas regras que balizam a oferta e a demanda. Comose vê, a economia solidária não está contra o mercado esim contra a ilusão do livre mercado.

Novos instrumentos de política pública precisam seracionados para se avançar nessa direção. Deve-se avançarna criação de mecanismos de aproximação do agente públi-co em relação às necessidades e potencialidades existentesno território. Promover a cidadania econômica no sentidodo desenvolvimento de oportunidades de geração de rique-za a partir do trabalho associado. Isso exige, necessaria-mente, um Estado que atue em favor da descentralizaçãoeconômica. Mas não se trata apenas de disponibilizar osfatores e incentivos produtivos, mas induzir e fortalecer for-mas integradas e combinadas de aplicação desses recursos.

A atuação pública sobre o mercado cabe igualmente àsorganizações civis. Aos sindicatos, acostumados às reivindi-cações salariais; às organizações não-governamentais, volta-das normalmente à assistência, formação e comunicação; eàs universidades, geradoras de um conhecimento que poucodialoga com os movimentos sociais. Tais organizações têmum papel fundamental na disseminação de práticas, conheci-mentos e valores em favor da auto-organização econômica detrabalhadores(as) e consumidores(as). A ativação de uma cul-tura associativa na sociedade é condição indispensável paraque se forje relações de mercado promotoras do bem-estar eda emancipação dos indivíduos.

ção, na ação coletiva, para gerar ocupações, resgatar adignidade do trabalho, revalorizar o consumo em favor daqualidade de vida e preservar o meio-ambiente? Faz-se, pois,urgente direcionar o Estado e organizações civis para a pro-moção do direito ao trabalho associado, conforme defendi-do pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES).Particularmente neste momento, em que se prepara a Con-ferência Nacional de Economia Solidária – a se realizar emBrasília, de 26 a 29 de junho. Com a conferência, que tempor eixo a “Economia solidária como estratégia e políticade desenvolvimento”, pretende-se avançar na construção depolíticas públicas voltadas para o setor.

Nesta direção, o movimento da economia solidária tra-balha com uma agenda voltada à superação dos principaisgargalos existentes para a consolidação e ampliação das prá-ticas econômicas solidárias: logística e canais de comerciali-zação e distribuição da produção; acesso e organização dosserviços de crédito; reconhecimento jurídico de suas organi-zações e atividades desenvolvidas; formação e assistência téc-nica e desenvolvimento tecnológico. Em cada um dessespontos está presente a necessidade de estender a dimensãoassociativa para além do grupo, cooperativa ou associação,buscando a potencialização e agregação de valor por meio dearranjos cooperativos entre empreendimentos no território.

Nova categoria socialUm primeiro e grande esforço foi exatamente o mapeamentonacional realizado pela Secretaria Nacional de EconomiaSolidária em parceria com o FBES. Com o mapeamento, oempreendimento econômico e solidário se afirma como umanova categoria social, favorecendo o direcionamento depolíticas públicas. Mas é fundamental que o mapeamentopermita a visibilidade pública do direito ao trabalho associ-ado. Um dos caminhos para que isso aconteça é a difusãodos princípios, valores e práticas da economia solidárianas escolas públicas e privadas do país. Apresentar aos(às)jovens alternativas de inserção socioeconômica que não sereduzam ao horizonte cada vez mais estrei to doassalariamento nem tampouco ao empreendedorismo quealcança sobrevida em relações terceirizadas.

A economia solidária, ou melhor, as práticas econômicas baseadas no trabalhoassociado e na gestão coletiva, está se fortalecendo no Brasil. Segundo recentemapeamento nacional, são mais de 15 mil empreendimentos, compreendendoaproximadamente 1 milhão 300 mil trabalhadores(as) associados(as), dos quais 70%foram constituídos a partir da década de 1990. São grupos de produção e consumo,cooperativas e associações nos mais diferentes ramos de atividade.

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Feira de Economia Solidária durante o FSM 2006

* Coordenador do Programa de EconomiaSolidária do Ibase

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12 • Jornal da Cidadania • Nº 134 • Maio 2006

Marina Maria*

Acesso ao lazer e à cultura, distanterealidade para pessoas com deficiência

Nenhum ser humanotem mais ou menosdireito do queo outro. Quandoo acesso ao lazer éinviabilizado, o fatodeve ser denunciado

Curtir um cineminha no fim de semana, passear por um parque, freqüentar restaurantes,visitar exposições de artes, assistir a uma peça de teatro ou a um concerto musical sãoalgumas atividades de lazer que tanto renovam e estão presentes no cotidiano das pessoas.A Constituição Federal vem somar-se a essa valorização do lazer e o define – assim comoa educação, a saúde, o trabalho, a moradia e a segurança – como um direito social tãoimportante para o completo exercício do direito à cidadania que está previsto também emoutras normas jurídicas.

Apesar disso, diversos grupos sociais têm sido impedidos de ter acesso a bens eserviços de cultura e entretenimento. E não estamos falando de um aspecto econômicoapenas, dos altos preços cobrados em cinemas e teatros que impedem a presença dasclasses mais populares. Estamos falando da não-garantia a todas as pessoas do direitobásico de ir e vir e de ter acesso ao lazer e à informação.

Isso é visível quando pensamos em crianças, adolescentes, jovens, adultos(as) e idosos(as)com deficiência, seja física, sensorial ou cognitiva, que têm esse direito constitucional violadoem função de os espaços culturais de uso coletivo não estarem preparados para atendê-los(as).O que ocorre é que esses espaços restringem o público que visam atender por se basearem nummodelo de ser humano que não chega perto de dar conta e muito menos de ratificar o valor dadiversidade humana. Assim, reforçam e propagam a discriminação de longas datas.

Ciclo de invisibilidadeSegundo dados da ONU, vivem no planeta cerca de 600 milhões de pessoas com deficiên-cia, das quais 400 milhões estão nos países com baixo Índice de Desenvolvimento Humano(IDH), como o Brasil, com aproximadamente 24,5 milhões. Ou seja, 15% dos(as)brasileiros(as) têm alguma deficiência. Onde estão essas pessoas?

Certamente, inseridas num ciclo de invisibilidade que determina que sua existência esuas necessidades passem despercebidas pela própria comunidade em que vivem, além deserem excluídas de investimentos privados, governamentais e não-governamentais destina-dos a combater as desigualdades sociais em regiões em desenvolvimento. E não seriadiferente a resposta no caso dos locais que oferecem atividades culturais. Eles estão prepa-rados para atender às necessidades específicas de pessoas com deficiência? Como era de seesperar, a resposta é negativa.

Isso foi confirmado e denunciado pelo programa de rádio Oficineiros da Inclusão,veiculado aos domingos na Rádio MEC AM 800 e produzido por jovens de projeto homô-nimo – desenvolvido desde 2003 pela organização da sociedade civil Escola de Gente –Comunicação em Inclusão.

Atenta a essa violação de direitos humanos, a equipe criou, entre os quadros doprograma, o Ação nas Ruas, e circulou pelo Rio de Janeiro para conferir se centros cultu-rais, museus, teatros, shoppings, cinemas e outros estabelecimentos de lazer estão prepara-dos para receber qualquer público.

A referência para essa investigação foi o Decreto Federal nº 5296, de 2 de dezembro de2004, que regulamenta a Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, e a Lei nº 10.098, de19 de dezembro de 2000, que discorrem sobre a prioridade de atendimento às pessoas comdeficiência e mobilidade reduzida e sobre normas gerais e critérios básicos para a promo-ção da sua acessibilidade.

As observações não foram nada satisfatórias. Nenhum local visitado asseguracompletamente a acessibilidade de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzidaque, segundo definição do decreto, é a possibilidade e condição de alcance para

utilização, com segurança e autonomia, dosespaços, mobiliários e equipamentos urbanos,das edificações, dos transportes e dos siste-mas e meios de comunicação.

Entre as infrações mais comuns está aausência de intérprete de Libras, a língua desinais brasileira, o que impossibilita a comu-nicação de pessoas surdas, seja para solicitarinformações, acompanhar peças, filmes, fazercompras etc. Isso implica dizer que os(as)atendentes de locais de acesso ao público de-vem ser capacitados(as) para saber a Libras.

O direito das pessoas surdas de esco-lherem se querem ou não freqüentar esses espaços e de terem acesso a bens e serviçosculturais é negado, sem se relevar o fato de a Libras ser um meio oficial de comunica-ção e expressão, tão legítimo quanto o português, inglês, espanhol etc., reconhecidopela Lei nº 10.436/02.

Na tentativa de assegurar, de alguma forma, esse acesso, um dos centros culturaisvisitados criou seções especiais para pessoas surdas aos sábados, disponibilizando legendaoculta em filmes nacionais. Tal medida não é inclusiva porque, além de não tornar todos osfilmes acessíveis, não disponibiliza a tradução para a Libras no canto da tela, imprescindí-vel já que a taxa de analfabetismo entre as pessoas surdas é alta e nem todas são oralizadasou compreendem a língua portuguesa.

Outras infrações têm sido verificadas, como a falta de material impresso em braile coma programação das atividades, a proibição da entrada e permanência de cão-guia acompa-nhando pessoa com deficiência visual, assentos inadequados, instalações inacessíveis, faltade adaptação à condição física de quem anda em cadeira de rodas, banheiros para pessoascom deficiência sem distinção para homens e mulheres etc.

A acessibilidade arquitetônica desses locais deve passar pela idéia de desenho universal,uma concepção de espaços e artefatos que vise atender todas as pessoas. Essas transforma-ções requerem uma mudança de atitude, iniciada ainda no sistema educacional infantil, garan-tindo um ensino de qualidade e escolas que propiciem a convivência entre alunos(as) com esem deficiência, assim como a implementação de políticas públicas inclusivas.

Nenhum ser humano tem mais ou menos direito do que o outro, muito menos se podedefinir a quem é assegurado, como tem acontecido no caso do direito a bens e serviços decultura negados às pessoas com deficiência. Quando o acesso ao lazer é inviabilizado pelaausência de adaptações necessárias, pelo poder público ou privado, o fato deve ser denun-ciado ao Ministério Público Estadual. Cabe a esta instância tratar de assuntos de interesselocal, verificando se os estabelecimentos cumprem as normas de acessibilidade e expedindoalvará de funcionamento ou não.

Isso vale também para os espaços destinados ao lazer dentro de instituições de ensinode qualquer modalidade e nível, que devem proporcionar condições de acesso em todos osambientes de uso coletivo, inclusive nas salas de aula, bibliotecas, auditórios, quadras deesportes, laboratórios e sanitários.

* Jornalista, assistente de projetos da Escola de Gente –Comunicação em Inclusão

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Maio • Jornal da Cidadania • Nº 134 • 13

AnaCris Bittencourt

O grupo cultural Maracatu Nação Erê foi criado pelo Cepoma(Centro de Educação Popular Maílde Araújo), em 1993. Éformado por 80 crianças e adolescentes, de 3 a 13 anos deidade, da Favela Brasília Teimosa – comunidade localizadana Praia de Boa Viagem, área nobre da cidade, que vem, aolongo dos anos, resistindo a todas as formas de remoção.

“Nossa intenção era fazer com que essas crianças apren-dessem sobre a história, a ancestralidade e toda a riquezada cultura negra pernambucana”, explica a coordenadora doCepoma, Maria Tenório Sousa. Ela conta que o grupo sur-giu para estudar e valorizar essa cultura, mas também levá-la para outras comunidades. E, deu certo. Esse foi o primeiromaracatu infantil de Pernambuco, e contribuiu para queoutros 10 grupos semelhantes surgissem no estado.

Para fazer o cadastro dos(as) candidatos(as), o Cepomamantém uma articulação com escolas públicas próximas àcomunidade. Mas também oferece, para crianças de 3 a 5anos, a pré-escola e a oportunidade de participar do Na-ção Erê. “Essas crianças menores chegam até nós encami-nhadas por suas famílias, que já conhecem o trabalho que

Força juvenil no II FSBrealizamos há 24 anos. São as mais pobres da comunidade.Em geral, seus pais estão desempregados ou são pescado-res “, afirma Maria Tenório.

A partir dos 14 anos, quando saem do Nação Erê, os(as)adolescentes são encaminhados para outros projetos cultu-rais desenvolvidos pelo Cepoma. Para essa faixa etária, mes-mo com o cuidado de transmitir uma visão mais nacionalda cultura, há também o investimento na cultura regional. Éaí que entra o projeto Maracatu nas práticas educativas, queest imula os(as) adolescentes a ler sobre a cul turapernambucana, os mitos africanos e a entender a importân-cia de se respeitar e valorizar o ser humano, a partir doconhecimento dos direitos.

“Isso é um orgulho. Essa criançada aprende a valorizarsua história, fortalecendo a identidade negra. Elas crescemcom uma mentalidade diferente de uma criança que não temessa oportunidade. Por isso, estamos participando da mar-cha, temos essa responsabilidade”, anima-se Maria Tenório,que também participou com as crianças do Fórum SocialNordestino, realizado em 2004. Na opinião de Maria, o pro-cesso Fórum é uma oportunidade de as crianças aprende-rem a participar como cidadãs e, desde cedo, perceberemque é possível mudar o país. Atualmente, 200 crianças eadolescentes e suas famílias são beneficiadas pelo Cepoma.

Vindos do complexo populacional Bomba do Emetério,que reúne várias favelas na zona norte da cidade, o grupocultural Boi Mimoso, formado por 35 meninos e adolescen-tes e cinco meninas, a partir dos 3 anos de idade, marcousua presença na marcha de abertura do Fórum desde a con-centração, quando fizeram uma apresentação.

“Os pais e mães dessas crianças são 90% negros, es-tão desempregados ou sobrevivem como catadores de pa-pel, são pessoas excluídas que vivem com menos de R$ 1por dia e que mantêm uma cultura de origem de resistên-cia, como maracatu e caboclinhos”, explica o educador po-pular que coordena o grupo, Jodilenon Ferreira, conhecidocomo Lenon.

A dança do boi existe na comunidade desde 1935, comgrupos formados principalmente por pessoas adultas. É umabrincadeira que sempre acontece na rua, uma forma de acomunidade ser vista como um espaço de valor e de cultu-ra, algo que envolve lazer, sem que ninguém tenha quepagar por isso.

“As crianças queriam participar do boi, mas sendo pro-tagonistas em um grupo no qual pudessem comandar. O re-sultado é que o único adulto do grupo sou eu, dou umaorientação, mas as decisões são todas delas, mesmo as core-ografias e as roupas”, diz Lenon. O grupo conta com o apoiodo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua(MNMMR) e da Gambiarra Imagens – uma ONG de comuni-cação que produziu um DVD com suas apresentações, como

parte de um projeto de valorização da cultura das periferias.Mas há todo um cuidado para que as crianças mantenhamsua autonomia. “Eles não se consideram bailarinos e simartistas populares, que dançam por amor e botam o boi narua para se divertir”, completa. Além de Lenon, as criançasaceitam a colaboração das mães na confecção das roupas,feitas com materiais reciclados. Mas quem desenha e costu-ra a maior parte delas é o adolescente Ricardo Estevão deOliveira Filho, de 17 anos.

“Eu faço as roupas, mas todos os meninos ajudam nahora da costura e também arrumando materiais para fazer-mos as fantasias. Eu sempre gostei muito de desenhar eficava olhando o pessoal do Boi Teimoso, o boi mais antigoda Bomba, fazendo suas fantasias. Meus pais também parti-cipavam. Assim, eu criei esse boi pra gente”, afirma Ricardo,que está cursando a 8ª série do ensino fundamental e pla-neja fazer um curso de desenho.

O estudante vê no grupo uma forma de valorização dascrianças dentro da comunidade: “quando nosso boi surgiu,todo mundo dizia que não tinha como dar certo, mas estamosaí, e hoje o pessoal da comunidade gosta muito de nossasapresentações”, diz. Outro ponto importante é que suas co-reografias funcionam como denúncia dos problemas queenfrentam, como a questão das drogas, do tráfico, do abu-so sexual e da violência.

Segundo Ricardo, a predominância de meninos no gru-po (as cinco meninas que participam não estavam presentesna marcha) se dá pelo próprio desinteresse delas pela ativi-dade, mas têm sido feitas reuniões semanais do grupo parabuscar aumentar essa participação.

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Nação Erê, 1º maracatu infantil de Pernambuco

Ricardo, fundador do Boi Mimoso

Segundo dados do IBGE, em Recifeexistem 560 favelas, que abrigam doisterços da população da cidade, entre asquais 40% da população infanto-juvenil.Essas crianças e adolescentes vivem emmoradias sem acesso a esgoto (quase70%) e abastecimento de água adequado(em torno de 30%) e suas famílias têmrenda de até um salário mínimo. Durantea marcha do Fórum de Abril, dois gruposculturais, formados por crianças eadolescentes dessa periferia, deixaramsua marca de irreverência, ousadia ealegria, mostrando que a arte é umaresposta ao preconceito e à exclusão.

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Beatriz Gredilha [email protected]

Novo portalda cidadaniaO Ibase está inaugurando um novo portal. Alémde melhorar a apresentação dos conteúdos e for-talecer a troca com os(as) leitores(as), o portalvem reafirmar a política do uso de software li-vre, adotada há três anos. O lançamento faz par-te das comemorações pelos 25 anos do instituto.Dentre as mudanças está a criação de umarevista online, a Agência Ibase, na qual textosjornalísticos e analíticos estarão disponíveis;um novo grupo de colunistas que contribuirãopara a disseminação das conjunturas nacional e internacional, além de páginas em portu-guês, inglês e espanhol. Mas as novidades não param por aí. Os(as) visitantes poderãofazer downloads das pesquisas e relatórios divulgados no portal e conhecer as campanhas,redes e fóruns das quais o Ibase participa. Vale a pena conferir. O endereço continua omesmo: www.ibase.br.

Exclusão infantilem cenaO filme Crianças invisíveis (All the invisible children), em cartaz desde 31 de marçodeste ano, reúne sete episódios que contam a história de personagens em diferentespaíses, inclusive o Brasil. O longa pretende chamar a atenção de governos, da socieda-de civil e de cada cidadão e cidadã para milhões de crianças que vivem à margem dasociedade em todo o mundo. “O que vemos na tela deve nos mover para alguma açãoconcreta”, afirmou o ator Danny Glover, embaixador do Unicef.

De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a infância, que apoiou a produ-ção do filme, crianças invisíveis são as 500 mil meninas e meninos que nascem todosos anos e não têm acesso ao registro civil; cerca de 10 milhões de crianças e adoles-centes que vivem no semi-árido em situação de pobreza; quase 3 milhões de criançasexploradas no trabalho infantil; crianças negras, indígenas e adolescentes envolvidosno tráfico de drogas. O longa-metragem, distribuído pela Paris filmes, foi dirigido poralguns dos maiores diretores de cinema da atualidade. Nomes como John Woo, RidleyScott e Spike Lee integraram o grupo.

Selo mais rigorosoFicou mais difícil a obtenção do selo Balanço Social Ibase/Betinho, que certifica asações de responsabilidade social das empresas. Agora, organizações da sociedade civilvão legitimar as práticas empresariais antes que elas recebam o aval do instituto.

Na prática, o Ibase vai submeter os balanços sociais das empresas à análise deorganizações da sociedade civil das áreas de direitos trabalhistas, meio-ambiente,defesa do público consumidor, diversidade de gênero e movimento negro. Alémdisso, as informações prestadas pelas empresas ficarão à disposição para críticas edenúncias de qualquer pessoa interessada.

Segundo Ciro Torres, coordenador do Ibase, o selo era entregue antes da divulgaçãooficial do balanço social, e o instituto precisava checar se não havia equívocos nasinformações apresentadas. “Agora, viramos a mesa. As empresas devem provar o quefazem antes de receber o selo. A sociedade civil faz denúncias e críticas, e nós apuramos.Se houver fundamento, não há selo”, afirma. As empresas podem enviar a solicitação doselo ao Ibase até o dia 31 de maio. As consultas públicas acontecem até o final de julhoe, em agosto, serão divulgados os nomes das empresas agraciadas com o selo.

Para críticas ou denúncias, o endereço eletrônico é: <www.balancosocial.org.br>

As crianças decidem?Um estudo realizado pela TNS InterScience, empresa paulista que se dedica a pesquisasde mercado, revelou que crianças entre 2 e 14 anos são as responsáveis pelas decisõesde pais e mães na hora de comprar. A pesquisa ouviu 1,5 mil mães de meninos emeninas e constatou que os(as) filhos e filhas, cada vez mais, controlam os gastos deseus responsáveis.

A TV é um incentivo ao consumismo do público infantil. Uma criança brasileirapassa, aproximadamente, cinco horas em frente à TV todos os dias, de acordo com oPainel Nacional de Televisão do Ibope. Com todo esse tempo, elas são capazes demanter-se atualizadas sobre as novidades pensadas pelos fabricantes exclusivamentepara agradá-las.

Integraçãonas escolas

A proposta do livro Educação inclusiva: o queo professor tem a ver com isso? é comparti-lhar experiências e conhecimentos sobre comoas escolas podem promover a integração decrianças com deficiência. O projeto foi baseadoem um levantamento fornecido pela Rede Saci– rede eletrônica criada pela CoordenadoriaExecutiva de Cooperação Universitária e de Ati-vidades Especiais (Cecae) da Universidade deSão Paulo (USP) –, para difusão de informa-ções sobre deficiência. Educação inclusiva éde autoria da jornalista e escritora Lia Crespo,tem ilustrações de Ricardo Ferraz e integra oselo Imprensa Social, da Imprensa Oficial doEstado de São Paulo.

O livro faz um alerta: para a inclusão social tornar-se uma realidade, énecessário que pais e mães conheçam os direitos de seus(suas) filhos(as) e queos(as) professores(as) tenham acesso a tecnologias, estratégias e recursos pe-dagógicos. A obra conclui também que os(as) alunos(as) precisam trabalhar emequipe para complementar suas habilidades e talentos. E aborda a importânciade adaptações arquitetônicas para acolher pessoas com deficiência. O lançamen-to tem o apoio da Fundação Telefônica, da Ashoka Empreendedores Sociais e daprópria Cecae/USP.

Educação inclusiva: o que o professor tem a ver com isso?,de Lia Crespo, R$ 15,00

Pedidos: www.imprensaoficial.com.br

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Entrevista: Rosangela Costa de Araújo Flávia Mattar

Qual o elo entre violência e educação?Muitas vezes, a violência tem como base a ausência

de reconhecimento ou a invisibilidade das humanidades,o que torna tênue a existência da vida, torna descartáveiscertos segmentos. A escola tem sido, historicamente, umimportante instrumento de reprodução das exclusões.Quando penso em educar, penso no cuidar, utilizando umtermo bem africano. É necessário cuidar para garantir avida de crianças, a dignidade de nossos jovens, garantirque, apesar das diferenças e exclusões, a educação cons-trua um caminho que seja libertário.

Quando falamos de problemas noacesso à educação, de jovens vítimasde violência, não podemos esquecer dapopulação negra, não é mesmo?

Sem sombra de dúvida. Uma das razões do aces-so ao sistema de ensino não resolver questões maiscomplexas é que ele não atende às estruturas de for-

mação e fortalecimento identitários.Ex is tem ques tões es t ru tu ra is quefazem com que a administração damiséria e da pobreza pelas famíliasc o m c r i a n ç a s n e g r a s p a s s e p e l oroubo da infância. Por outro lado,s a b e m o s q u e a e s c o l a c r i a u m acor t ina que invis ibi l i za e , quandonão o faz, atua de maneira perversana redução da iden t idade dessesjovens. Costumo brincar que o me-l h o r l u g a r d a e s c o l a é o p o r t ã oapontado para o lado de fora. É aporta no sentido da saída. A crian-ça e o jovem negro enfrentam difi-culdades traduzidas em maus-tratoso u e m o m i s s ã o d i a n t e d e s s e smaus- t ra tos . A esco la não repre-

senta determinados segmentos. Não representa e nãovaloriza a questão da identidade. Ela culpabiliza aonão en tender a s i tuação de rac ismo que a t i rou amaioria da população negra a determinada situação.É como responsabilizar as vítimas por um crime quea sociedade comete.

A forma de tratamento da populaçãonegra nas escolas éuma cultural?

Vejo como uma questão po-l í t ica. A maioria das leis anti-r a c i s t a s n o B r a s i l , d e s d e oper íodo do Impér io , es tá cen-trada na área de educação, sejano acesso, se ja na permanên-c ia . As lu t as con temporâneasdo mov imento an t i - rac is ta noBrasil denunciam a ausência derepresentatividade e a presençade expressões de discriminaçãoe de racismo que livros didáti-c o s a i n d a s u s t e n t a m . É u m aques tão po l í t i ca ma is do quecultural. Falamos muito de ex-clusão, mas, se pensarmos emuma via de mão dupla, podería-m o s d i z e r q u e e s t a m o s d i a n t e d e u m a i n c l u s ã odesassistida, inclusão periférica, uma subcidadania.Essa inclusão desassistida e periférica é importantedo ponto de vista das manipulações políticas. O ra-cismo alimenta um status quo.

Como vê a atuação do governo Lula noque diz respeito à educação?

O governo Lula tem agido timidamente diante dapromoção qualitativa da população negra, mas, feliz-mente, tem agido. Embora ainda lutemos pela formula-ção federal das políticas de ação afirmativa para a populaçãonegra em todos os âmbitos, ele tem se mostrado sensível

na construção desse percurso. Hoje, temos pequenosavanços, diferente do que ocorreu ao longo de toda ahistória da República no Brasil.

A criação da Secretaria Especial de Políticas dePromoção da Igualdade Racial e as próprias políticasdo Ministério da Cultura e suas imbricações com o Mi-nistério da Educação têm permitido que um cidadãocomum ou que agentes de culturas populares – que,ao longo de muitos anos, têm agido como educadorespara a maioria dessa população – digam: “hoje, seiidentificar onde está o governo, sei identificar a exis-tência de determinados ministérios e secretarias”.

Nesse sentido, alguns passos foram dados. Mas énecessário, sem sombra de dúvida, que o grande pas-so ocorra, que é a promoção do Estatuto da IgualdadeRacial. Não há mudanças sem a existência de um fun-do de reparação. O que buscamos é construir um ca-minho possível e, como diz uma música do Olodum:“se o poder é bom, eu também quero”.

Como é a relação de organizaçõesnegras com as demais?

Quando falamos das organizações da sociedadecivi l e pensamos nas questões raciais, vemos queestamos sós de fato. Estamos totalmente sós. Nosanos 1990, surgiu o movimento de mulheres negras.

Su rg iu da não-con temp lação nomovimento femin is ta da ques tãoracia l e da não-contemplação nomovimento negro da ques tão degênero. Ainda existe uma dificulda-de grande de lidar com a temáticar ac i a l . É como se es t i v éssemoscondenados a resolver, e ainda porcima sendo tratados como minoria,um problema que a sociedade de-clara ser simplesmente nosso. Porisso, fazemos questão de ampliaro entendimento de que não é pos-sível ter direitos humanos no Bra-s i l sem t ra ta r da questão rac ia l .Não é possível fa lar em constru-ção democrática com 45% da po-p u l a ç ã o , d e t a l e n t o s , s e n d odesperdiçada, assassinada.

É possível falar de direito humano semfalar em educação? A educação é umdireito humano?

Sim, sem dúvida. Mas precisamos falar de uma edu-cação plural, que não se converta em uma arma apontadacontra as nossas cabeças. Que não seja um dispositivo decontrole, mais um processo de normatização.

Não é possível terdireitos humanosno Brasil semtratar da questãoracial. Não épossível falar emconstruçãodemocrática com45% da populaçãosendo desperdiçada

Presente na conferência Educação,cultura e diversidade, realizadadurante o Fórum Mundial deEducação (FME) de Nova Iguaçu,Rosangela Costa de Araújo, daorganização da sociedade civilGeledés, fala do elo entre violência eeducação; da exclusão educacional,ou inclusão desassistida, vivida pelapopulação negra; e faz uma avaliaçãodo governo Lula. Quando pensa emeducação de qualidade, Rosangelaressalta: “precisamos falar de umaeducação plural, que não se convertaem uma arma apontada contra asnossas cabeças. Que não seja umdispositivo de controle, mas umprocesso de normatização”.

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Confira outras notícias no portal do Ibase<www.ibase.br>.

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É instigante, mas ao mesmo tempo desesperante, cobrir jornalisticamente um fórum social,seja nacional ou mundial. São ofertas demais em tão pouco tempo, com muitos debatesinteressantes ocorrendo simultaneamente, tornando torturante a escolha.

Foi assim no II Fórum Social Brasileiro, em Recife, de 20 a 23 de abril. Havia 296atividades inscritas, das quais falharam uns 15%, segundo uma das organizadoras. Tudoconcentrado em dois dias e meio, já que o primeiro foi dedicado à marcha de abertura nocentro de Recife e o último se limitou a uma sessão de manhã. Aconteceram, portanto, 36eventos, em média, em cada um dos sete horários disponíveis para os chamados “diálo-gos”, desta vez sem nenhuma classificação hierárquica. E um repórter tem de reservaralgum momento do dia para escrever suas matérias e entrevistar pessoas, reduzindo suaspossibilidades de presenciar debates.

Educação foi o tema mais presente no II FSB, ocupando pelo menos 43 atividades.Estiveram em discussão desde o “Bairro Escola” – experiência de Nova Iguaçu que tratade oferecer ensino em tempo integral, recorrendo a equipamentos e recursos humanosdo bairro e não só da escola – a propostas de educação popular, acesso à universida-de, arte-educação e ensino de pessoas adultas. Questões de gênero, racismo, cultura,juventude, saúde, política e os movimentos sociais foram outros temas que somaramdezenas de diálogos.

Uma presença surpreendente foi a dos quilombolas, como tema ou organizadores depelo menos seis atividades. É que Recife está perto de muitos quilombos, ao contrário dePorto Alegre, sede do Fórum Social Mundial de anos anteriores. Além disso, o movimentonegro ganhou visibilidade e se sente fortalecido com o reconhecimento dos quilombos, as

Um olhar sobre o Fórum de Abrilcotas nas universidades e o ensino de história e cultura africanas nas escolas, explicouUbiraci Matildes, da União de Negros pela Igualdade (Unegro). Esses fóruns são estimulan-tes pela variedade de experiências e idéias reunidas num espaço de troca, um excelenteexercício para abrir a cabeça, ampliar conhecimentos e superar preconceitos. Também porpermitir o encontro de muita gente interessante, que pode não estar fazendo a revoluçãomundial, mas, como destacava Betinho, está fazendo a sua parte. É o caso de AlecsandraOliveira, jovem professora em Riacho das Almas, no interior de Pernambuco. Ela se deuconta da perversidade com que inclusive muitas das suas colegas justificam a necessidadede meninas e meninos do campo freqüentarem a escola. É para que “não sejam iguais aospais” agricultores(as). Numa frase, incutem nas crianças a desvalorização do trabalho e davida camponesa, estimulam o êxodo rural e identificam o estudo com a “negação da iden-tidade” daquelas famílias, observou Alecsandra, que luta com a dificuldade de ter alunos(as)de primeira a terceira série, juntando crianças e adolescentes de até 15 anos numa mesmasala. Suas acuradas observações compuseram uma monografia e ela achou maneiras deaproveitar os mitos e lendas locais em suas aulas.

Mas o II FSB, ou Fórum de Abril, foi também palco de discussões sobre questõesglobais, como a criação de taxas internacionais para financiar o desenvolvimento de paísespobres, e de temas como “o futuro da esquerda latino-americana”. E houve espaço paratemas bem locais, como o hip hop nordestino.

*Jornalista, correspondente da IPS e Amigo do Ibase

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