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Ibase Observatório da Cidadania · AVANÇOS NAS UNIVERSIDADES. COTAS RACIAIS, POR QUE SIM? 19 Para entender a adoção de cotas raciais,

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Uma publicação do Ibase e doObservatório da Cidadania > Rio de Janeiro

JULHO DE 2006

COTAS RACIAIS, POR QUE SIM?Uma publicação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais eEconômicas – Ibase e do Observatório da CidadaniaJulho de 2006

ORGANIZAÇÃOCristina Lopes

EDIÇÃOIracema DantasREDAÇÃOCristina LopesIracema Dantas

REVISÃOMarcelo BessaCOLABORAÇÃOCarla RamosDuda Oliveira

Nilma Lino GomesRosana Heringer

PRODUÇÃO GRÁFICAGeni Macedo

ILUSTRAÇÃO DA CAPAGuto MirandaPROJETO GRÁFICO/DIAGRAMAÇÃODotzdesign

IMPRESSÃOGráfica Stamppa

TIRAGEM30.000 exemplaresAPOIONovib

DISTRIBUIÇÃO DIRIGIDAEsta publicação também está disponível em www.ibase.br

C8822.ed.Cotas raciais: Por que sim? / uma publicação Ibase ; [organização CristinaLopes]. - 2.ed. - Rio de Janeiro : Ibase : Observatório da Cidadania, 200644p. : il. ;Inclui bibliografiaISBN 85-89447-14-61. Programas de ação afirmativa - Brasil. 2. Políticas públicas - Brasil.3. Discriminação racial - Brasil. 4. Negros - Condições sociais. I. InstitutoBrasileiro de Análises Sociais e Econômicas. II. Observatório da Cidadaniado Rio de Janeiro.06-2500. CDD 323.181

CDU 323.13(81)13.07.06 18.07.06 015308

APRESENTAÇÃO 5

RACISMO À BRASILEIRA 9

HISTÓRICO DE LUTAS E CONQUISTAS 15

POR QUE COTAS RACIAIS? 19

MUITO ALÉM DAS COTAS:

POLÍTICAS PÚBLICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA 25

PERGUNTAS E RESPOSTAS 31

PARA SABER MAIS 38

TEXTOS CONSULTADOS 41

Sumário

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COTAS RACIAIS, POR QUE SIM?

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Discutir aspectos relativos às ações afirmati-vas, especialmente cotas raciais, e oferecer ar-gumentos favoráveis à sua adoção são os obje-tivos desta cartilha – fruto de uma série de deba-tes ocorridos nos meses de maio e junho de 2005,em escolas públicas e particulares na cidade doRio de Janeiro. Algumas das questões levanta-das nesses encontros, organizados pelo Institu-to Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas(Ibase) e instituições parceiras,1 são aqui abor-dadas; e muitas dúvidas dos(as) jovens sobreas políticas de ação afirmativa são reveladas eesclarecidas ao longo da publicação.

Apresentação

1 As oficinas foram realizadas pelo Ibase em parceria com GrupoEco, Colégio Marista São José, Enda Brasil e Comitê Cidade de Deus.Agradecemos a André Guimarães, Carla Ramos, Hélio Ventura,Jocelene Ignácio, Marcio Flavio Oliveira, Robson Leite e RosanaHeringer pela disponibilidade em participar como expositores(as)dessas oficinas.

Esperamos que a cartilha Cotas raciais, porque sim? seja útil para demonstrar a importân-cia das políticas de ação afirmativa como me-canismo de inclusão social e racial, ajudando aproduzir novos argumentos e pontos de vistaque contribuam para uma sociedade mais jus-ta e democrática.

Para ilustrar a maioria das situações que expo-mos na cartilha, utilizaremos os dados da Univer-sidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Em2002, a Uerj foi a primeira universidade no país aadotar duas leis de reserva de vagas: 50% paracandidatas e candidatos vindos da rede públicade ensino e 40% para candidatas e candidatosque se declaram pretos(as) ou pardos(as) – leis3.524/2000 e 3.708/2001, respectivamente. Justa-mente por ter sido a primeira a adotar tais políti-cas, foi possível reunir informações ao longo dotempo a respeito do desempenho dos(as)alunos(as) cotistas e da política pública em geral.Esses dados são, hoje, um valioso instrumentode avaliação da política de cotas, e nós os utiliza-remos ao longo desta cartilha.

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Um conjunto de ações privadas e/ou políticas pú-

blicas que tem como objetivo reparar os aspectos

discriminatórios que impedem o acesso de pes-

soas pertencentes a diversos grupos sociais às

mais diferentes oportunidades. Um exemplo bem

comum pode ser observado em bancos e outros

estabelecimentos comerciais que usam filas es-

pecíficas para idosos e idosas, reconhecendo que

não seria justo submetê-los a uma longa espera.

Outra experiência já em uso é a política de cria-

ção de delegacias policiais especializadas no aten-

dimento a mulheres, pois a falta de um treina-

mento específico e de uma compreensão dos ti-

pos de crimes que mais vitimam as mulheres

influi na incapacidade de oferecer um justo aten-

dimento às vitimas e de efetivar a devida puni-

ção dos criminosos.

O QUE É AÇÃO AFIRMATIVA?

COTAS RACIAIS, POR QUE SIM?

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A identidade nacional brasileira foi construídasob o mito da democracia racial, ou seja, a cren-ça de que somos uma nação onde todas as ra-ças vivem em harmonia sem conflitos ou segre-gações. Diferentemente do que ocorreu nos Es-tados Unidos e na África do Sul, que tiveram um“racismo oficial”, a segregação racial nunca foilegalmente adotada pelo Brasil. E é essa umadas razões que fazem com que as reivindica-ções de movimentos sociais, entre elas a ado-ção de políticas públicas específicas paraafrodescendentes, pareçam absurdas para gran-de parte da população brasileira.

Mas a discriminação racial no Brasil é mes-mo bastante particular e precisa ser vista comatenção. Não tivemos apartheid,2 mas o racismoà brasileira persiste na nossa cultura e na nossa

Racismo à brasileira

2 Regime de segregação racial oficialmente adotado pelo governoda África do Sul de 1948 a 1990.

sociedade. Então, apesar da ausência de um re-gime legal de segregação racial, estudos pro-duzidos ao longo das três últimas décadas ates-tam uma profunda desigualdade entre pessoasbrancas e negras (pretas e pardas, segundo osistema de classificação utilizado pelo Institu-to Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE).

Números e indicadores sobre a desigualda-de social no Brasil evidenciam o que o movi-mento negro denuncia há décadas: a existênciade mecanismos de discriminação racial na so-ciedade brasileira que colocam em xeque omodelo de democracia racial. Wânia Sant’Anna eMarcelo Paixão, especialistas no tema, demons-tram que, se dividíssemos o país em dois (umbranco e outro negro) e analisássemos as con-dições sociais de cada um (educação, rendafamiliar e esperança de vida), seria como com-parar a Espanha ou a Argentina ao Zimbábueou ao Marrocos. Ou seja, o primeiro grupo re-presentaria uma nação de desenvolvimento mé-dio, ao passo que o segundo estaria relaciona-do a uma nação de baixo desenvolvimento.

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Outro indicador dessa desigualdade profundaé a educação superior. Apesar de representarquase metade da população brasileira, apenas14,38% das pessoas com nível superior com-pleto são negras.

Embora as políticas de ação afirmativa te-nham conquistado, nos últimos anos, enormedestaque em diferentes espaços da sociedade,isso não significa que estamos próximos(as)da solução nem longe de conflitos. Diversasformas de enfrentamento do racismo e dos seusperversos efeitos vêm sendo divulgados, masnem todos são bem-aceitos pela sociedade emgeral. Prova disso é a enorme polêmica causa-da pelo debate sobre a criação de cotas raciaisnas universidades públicas.

AFINAL, O QUE É RAÇA?

Há alguns anos, descobriu-se que a diferença gené-

tica entre os mais diferentes grupos étnicos do mun-

do é muito pequena, o que derruba um outro mito:

a existência de raças humanas. No entanto, quan-

do as pessoas que defendem as cotas raciais falam

de “raça”, estão dando um sentido político e social

ao termo. Ou seja, referem-se às pessoas que se

declaram ao IBGE como “pretas” ou “pardas”. Numa

leitura política, essas duas categorias de cores são

entendidas como o segmento “negro” da popula-

ção, pois as pesquisas mostram que as trajetórias

das pessoas “pretas” e “pardas” são muito mais

próximas do que a das “brancas”.

A desigualdade e a discriminação raciais precisam

ser corrigidas com políticas públicas e não só com

a idéia de que somos um “paraíso racial”. Por isso,

a política de cotas tem adotado o critério da

autoclassificação, dentro de um contexto de cons-

trução da identidade negra.

COTAS RACIAIS, POR QUE SIM?

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A luta pelo fim do racismo e de seus efeitosperversos sobre toda a sociedade não é umanovidade. O movimento negro brasileiro, espe-cialmente a partir da década de 1970, vem pres-sionando o Estado para a implementação depolíticas de combate à discriminação racial. Ain-da que de maneira tímida e com caráter poucoabrangente, algumas medidas foram imple-mentadas. O fato que melhor ilustra a mudan-ça da abordagem do Estado em relação à ques-tão racial foram as manifestações ocorridas em1995, quando o movimento negro brasileiro deuvisibilidade às comemorações pelos 300 anosde resistência contra o racismo. A data foi es-colhida por marcar os 300 anos da morte deZumbi, líder negro do Quilombo dos Palmares,assassinado em 1695.

Em 1995, o então presidente da República Fer-nando Henrique Cardoso admitiu que o Brasil éum país racista. No ano seguinte, organizou-se

Histórico de lutas e conquistas

um seminário que reuniu intelectuais do Brasile do exterior para pensar soluções para as desi-gualdades entre negros(as) e brancos(as) nopaís. Apesar dos avanços alcançados, foi só em2001 – com a participação do Brasil na 3a Con-ferência Mundial contra o Racismo, a Discrimi-nação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatasde Intolerância, promovida pela Organizaçãodas Nações Unidas (ONU), de 31 de agosto a 7de setembro, na cidade de Durban, na África doSul – que o governo brasileiro passou a se com-prometer publicamente com a luta contra a dis-criminação racial. Pressionado pelo movimen-to negro, o governo brasileiro, ainda sob a lide-rança de Fernando Henrique Cardoso, iniciouuma série de ações para o desenvolvimento depolíticas de ações afirmativas voltadas para apopulação negra brasileira, as quais se intensi-ficaram no governo do presidente Luiz InácioLula da Silva.

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A abertura do governo brasileiro em lidar com a

questão racial, mesmo que tímida, foi intensifica-

da por um movimento dentro e fora das universi-

dades públicas, algumas das quais adotaram as

cotas raciais como uma modalidade de ação afir-

mativa. A imple-mentação das cotas raciais varia

de uma universidade para a outra, de acordo com

sua organização interna: a postura dos conselhos

universitários e das diferentes reitorias diante de

demandas sociais. Mesmo assim, é possível afir-

mar que as cotas raciais, como uma modalidade

de ação afirmativa, já são uma realidade no ensi-

no superior brasileiro. Até 2005, já são 15 as uni-

versidades públicas (federais e estaduais) que ado-

tam políticas de ação afirmativa. A Uerj, a Univer-

sidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), a

Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e a Uni-

versidade de Brasília (UnB) foram as pioneiras

nesse trabalho.

AVANÇOS NAS UNIVERSIDADES

COTAS RACIAIS, POR QUE SIM?

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Para entender a adoção de cotas raciais, éimportante relembrar como o conceito de raçafoi construído e utilizado ao longo do tempo.Dessa maneira, será mais fácil entender por queé necessária uma política específica para parteda população que foi, e ainda é, tratada de for-ma desigual e negativa. Vamos relembrar partedessa história?

Desde o início do século XX, cientistas tenta-vam explicar por que algumas raças eram domi-nadas enquanto outras dominavam, buscando,com isso, estabelecer uma hierarquia inter-racial.Um dos grandes problemas com essa “classifi-cação” era ter, como referência, valores europeusda época. Se algum país tivesse hábitos alimen-tares, crenças religiosas e saberes diferentes doseuropeus, seria considerado atrasado. Dessa for-ma, idéias e teorias foram formadas promoven-do as “maravilhas” dos avançados europeus àscustas da desvalorização de muitas culturas,

Por que cotas raciais?

entre elas as africanas. Assim, surgiram “pré-conceitos”: idéias negativas sobre pessoas ougrupos de pessoas pelo simples fato de elaspossuírem uma determinada característica comoa cor da pele, por exemplo. Em suma: o precon-ceito tal qual é entendido hoje.

No Brasil, a partir da década de 1910, acredi-tando que a inferioridade dos(as) negros(as)estava “cientificamente” comprovada e que nãoproduziam cultura alguma, um dos grandesdesafios para as “mentes brilhantes” era comoconstruir uma nação avançada tendo essa enor-me população negra. Uma das soluções apre-sentadas foi a de “embranquecer” a populaçãobrasileira e, assim, “melhorá-la”. Não coinci-dentemente, foram adotadas pelo governo po-líticas que estimularam a vinda de imigrantesda Europa para o Brasil.

Acreditava-se que, com o passar dos anos, apopulação negra desapareceria, e o Brasil seria,enfim, uma nação desenvolvida e branca – opaís do futuro, como dizemos até hoje. A ver-dade é que, enquanto não for reconhecido o

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esforço de cada grupo étnico que compõe nos-sa população – o quanto cada um deles contri-buiu e contribui para a formação dessa vastaextensão de terra chamada Brasil –, seremossempre o país do amanhã. Enquanto não hou-ver uma igualdade de oportunidade para todosos grupos étnicos, a concretização do Brasilcomo nação verdadeiramente democrática es-tará cada vez mais distante.

VALORIZAÇÃO DACULTURA NEGRA

A associação de qualidades negativas à imagem

da população negra alimenta o preconceito, até

mesmo entre negros(as). Afinal, não é nada agra-

dável ser sempre percebido(a) como sujo(a), po-

bre ou feio(a). Os livros escolares também não

contribuem para uma educação que contemple a

diversidade de alunos(as) que os utilizam. Neles,

negros(as) são sempre escravos(as), passivos(as)

e nunca sujeitos da história. A população negra

só aparece em livros didáticos que tratam do Bra-

sil Colônia. Fora desse período histórico, simples-

mente não é retratada! Desaparece como que num

passe de mágica. Negros e negras vão de

escravos(as) a inexistentes. É preciso que muita

coisa mude para que a vergonha que muitos(as)

sentem se transforme em orgulho e impulsione

mudanças sociais concretas. Necessitamos valo-

rizar a cultura negra, resgatando a auto-estima

dessa população.

VALORIZAÇÃO DA CULTURA NEGRA

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COTAS RACIAIS, POR QUE SIM?

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O principal objetivo das ações afirmativas édar um novo significado à noção de justiça so-cial. São medidas que buscam garantir um tra-tamento universal por parte do Estado a todosos seus cidadãos e cidadãs – como descrito noArtigo 5o da Constituição, o qual afirma que to-das as pessoas são iguais perante a lei. No“universalismo”, criou-se a noção de que “jus-to” é tratar todas as pessoas de maneira unifor-me. O problema, porém, está no fato de quetratamento universal não significa tratamentoigual. Se os(as) cidadãos(ãs) são desiguais, oresultado é a desigualdade. Na vida cotidiana,pessoas com diferentes recursos, não apenasfinanceiros, acabam tendo oportunidades eacessos diferenciados a direitos e serviços.

É necessário destacar que as cotas são ape-nas uma das formas de ação afirmativa. Trata-se

Muito além das cotas: políticaspúblicas de ação afirmativa

de uma estratégia de correção de desigualda-des, dando um tratamento próprio a um grupocuja particularidade ou diferença é tratada histo-ricamente de forma desigual na sociedade.

Diferentes tipos de ações afirmativas ocor-rem há muitas décadas em países como Esta-dos Unidos, Índia e África do Sul. Graças àsmudanças promovidas com essas políticas, foipossível observar a mobilidade social positivade segmentos da sociedade. Nos Estados Uni-dos, por exemplo, dados levantados em pes-quisas mostram um quadro positivo, com umaumento significativo da população negraingressante na educação superior. A percenta-gem de negros e negras matriculada passou de13%, em 1967, para 30,3%, em 2000, naquelepaís. A população negra matriculada no ensinosuperior representava 4,4% do total em 1966;dez anos depois, a proporção para 9,6%.

Universidades dos Estados Unidos – comoa da Califórnia e a do Texas, em Austin – rede-finiram sua concepção de mérito, tornando-amais inclusiva, à medida que a avaliação de

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candidatos(as) levou em conta a capacidadede superar dificuldades e obstáculos que en-contraram na vida, como ter que trabalhar eestudar ao mesmo tempo, o que teria exigidode tais candidatos(as) um esforço maior do queaquele dispensado por outros(as) que experi-mentaram condições mais favoráveis comopoder se dedicar só aos estudos.

Balanços preliminares realizados pela Unebe pela Uerj, no início de 2004, mostram que aimplementação de políticas de cotas pode ge-rar resultados positivos semelhantes no Brasil.Na Uerj, por exemplo, 49% dos alunos e alunasingressantes pelo sistema de cotas teriam pas-sado de ano sem nenhuma dependência, con-tra 47% dos alunos e alunas escolhidos pelosistema vestibular universal. A evasão entre alu-nas e alunos negros, no primeiro ano, foi de5%; entre os(as) demais, de 9%. Na Uneb, aevasão entre alunas e alunos negros tambémfoi menor: 1,9% contra 2,7% (Souza, 2004).

Esses dados comprovam que a entrada dealunos e alunas cotistas não influi na queda da

qualidade de ensino. A universidade pública hádécadas está em crise, e sua estrutura passapor constantes desgastes, mas ainda assim éum espaço de excelência restrito a uma peque-na parcela da população. O debate sobre a qua-lidade de ensino precisa ser mais amplo. Paraisso, é necessário analisar propostas que forta-leçam a universidade como produtora de co-nhecimentos e tecnologias, dialogar constan-temente com a sociedade e, de forma mais in-clusiva possível, representar em seu quadro dealunos e alunas a diversidade presente na po-pulação brasileira.

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Desde a 3a Conferência Mundial contra o Racis-

mo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas

Correlatas de Intolerância em Durban (África do

Sul), em setembro de 2001, a rejeição ao racismo

ganhou força normativa dentro do Direito brasi-

leiro. De acordo com o professor da Faculdade de

Direito da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior, não

há mais controvérsia sobre a constitucionalidade

das ações afirmativas. Para ele, a política não pode

ser considerada contrária ao princípio da igualda-

de, já que tem por objetivo remediar situações

desvantajosas, ainda que implique tratamento

favorável a um grupo social. Outra prerrogativa é

a autonomia universitária assegurada pela Cons-

tituição brasileira. Isso dá à instituição a liberdade

de adotar regras próprias nas áreas administrati-

va e acadêmica.

DIREITO GARANTIDO

COTAS RACIAIS, POR QUE SIM?

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Perguntas e respostas

A seguir, apresentamos as perguntas maiscomuns sobre a adoção de cotas. As respos-tas reforçam o objetivo desta publicação, ofe-recendo argumentos favoráveis às políticas deação afirmativa como forma de construção deum mundo mais justo e democrático para to-dos e todas.

Esse negócio de cotas pra negros(as) não é ra-cismo ao contrário?A inclusão de políticas de ação afirmativa tantono debate público como na pauta do governo éuma conquista de segmentos do movimentonegro, que há anos denunciam a desigualdadesocial e racial no Brasil em vários setores: saú-de, educação, mercado de trabalho, moradia,entre outros. Tratar de maneira diferenciada umgrupo que teve menos oportunidades – e, por-tanto, que está em situação de desvantagem – éuma tentativa de diminuir essas desigualdades,

restituindo direitos há muito negados. Não éum privilégio. É, na realidade, o exercício dademocracia, respeitando a diversidade étnico-racial da nossa população e revelando a formadesigual como essa diversidade tem sido trata-da pelo Estado e pela sociedade brasileira aolongo dos séculos.

Pessoas negras são menos inteligentes que asbrancas?Não. Todos(as) nós, negros(as) e brancos(as),temos a mesma capacidade intelectual, masnem todos(as) temos ou tivemos as mesmasoportunidades sociais e educacionais. A gran-de diferença está na existência de um abismosocial e racial que nega condições iguais deacesso a saúde, trabalho, educação etc. paranegros(as) e brancos(as). A diferença não estána cor de pele. Além disso, a desigualdade raci-al não é recente. É preciso lembrar do históricoda escravidão e da ausência de políticas públi-cas pós-abolição para integração dos(as) des-cendentes de africanos(as) escravizados(as).

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As cotas para as universidades ajudarão a dimi-nuir o racismo?Esperamos que sim! As cotas têm um papel alémda promoção do ingresso de uma populaçãoespecífica na universidade. As cotas estimulamo debate sobre a questão racial, que no Brasilchega com mais de um século de atraso, questi-onam a diversidade dentro de instituições deensino e nos fazem refletir nas conseqüênciasdo nosso passado escravo marcado pela ausên-cia de políticas públicas pós-abolição. As atuaisdisparidades entre pessoas brancas e negras nopaís são também conseqüência da ausênciadessas políticas. Além disso, a adoção de cotasraciais nos convida a repensar antigos precon-ceitos e estereótipos, o que incomoda e torna aquestão polêmica, mas não menos necessária.

Por que não são suficientes as cotas para alu-nas e alunos vindos de escolas públicas?A adoção de cotas para estudantes da rede pú-blica de ensino é importante, mas não atendediretamente a população negra. Esse tipo de

medida reforça duas idéias equivocadas. A pri-meira é que não existem mecanismos de exclu-são racial no Brasil. Assim, se abrirmos cami-nhos para a inclusão das pessoas pobres, esta-ríamos resolvendo o problema da maioriados(as) negros(as) – o que não é verdade.Mesmo entre pobres, assistiríamos a uma maiorinclusão dos(as) brancos(as).

Na maioria dos casos, as escolas tanto pú-blicas como particulares não mostram as pes-soas negras como agente de uma história ante-rior a sua chegada ao Brasil. A rica contribuiçãohistórica e cultural dessa população não é tra-balhada em sala.

Desde sempre, as crianças, negras ou não,aprendem a ver o(a) negro(a) de uma formanegativa. A diferença é que, para as criançasnegras, o impacto é maior: sua auto-estima ficacomprometida pela ausência de modelos ne-gros. Ou seja, a escola não dispõe de uma es-trutura que valorize a população negra fazendocom que as crianças negras, mesmo receben-do um ensino de “boa qualidade”, ainda assim

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apresentem resultados mais baixos que cole-gas de classe brancos(as).

A segunda idéia nos faz crer que essa medidalevaria a uma melhora da qualidade da escolapública. Essa melhora já é apontada como ne-cessária pelos mais diversos segmentos da so-ciedade, mas muito pouco foi proposto, e me-nos ainda foi elaborado nesse sentido. Apesarde acreditarmos também que essa melhoria sefaz necessária, não podemos esperar mais dezanos para que ela aconteça, e, aí sim, alunas ealunos negros vindos de escolas públicas pos-sam competir com alunas e alunos de escolasparticulares. Seriam mais dez anos de exclusão.Outro dado muito importante é o da duraçãodessa forma de política de ação afirmativa queestamos discutindo. As cotas têm um “prazo devalidade”. Queremos, sim, a melhora das esco-las públicas, mas, como o processo de exclusãotende a se perpetuar, o Estado precisa fazer valeruma medida temporária que ajude a diminuiressa diferença. Então, ao mesmo tempo, o go-verno trabalha na melhoria do ensino público, e

a sociedade civil organizada faz seu papel ele-gendo políticos que representem seus interes-ses, monitorando o seu trabalho, reivindicandoseus direitos de uma forma geral. As cotas re-presentam uma medida urgente e, ao mesmotempo, temporária, passível de avaliação cons-tante para o seu aperfeiçoamento.

Não é injusto, para alunos(as) que tiraram notamaior, que negros(as) tenham preferência no in-gresso das universidades públicas?Todos(as) os(as) candidatos(as) ao vestibular– cotistas ou não – devem atingir uma notamínima para serem classificados(as). Na Uerj,por exemplo, o vestibular ocorre em duas fa-ses. A primeira é composta por até duas provasde múltipla escolha (exame de qualificação). O(a)candidato(a) faz a primeira prova e tem a opor-tunidade de fazer uma segunda caso tenha per-dido a anterior ou esteja insatisfeito(a) com suapontuação. Vale a maior nota. Nesse exame,o(a) candidato(a) não opta por concorrer novestibular com reserva de vaga. Faz a prova

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como qualquer outro(a) aluno(a), independentede ser negro(a) ou branco(a), estudante de es-cola pública ou particular, sendo avaliado pelosistema da universidade.

É apenas na segunda fase que o(a) candi-dato(a) deverá optar: vestibular com ou semreserva de vagas. É aí que ocorre a autodecla-ração. Os(as) alunos(as) que optam por cotasconcorrem entre si, ou seja, disputam aquelapercentagem de vagas destinadas a cotas es-pecíficas para qual se inscreveram. Por exem-plo, os(as) alunos(as) que se declaramnegros(as) disputam somente as vagas desti-nadas a esses(as) candidatos(as). As cotasajudam a universidade pública a discutir eredefinir a noção de mérito. Ao levar em contacandidatos(as) que não puderam se dedicarexclusivamente ao estudo, a universidade ten-de a se tornar mais inclusiva.

COTAS RACIAIS, POR QUE SIM?

Afirma Comunicação e Pesquisa

Articulação de Mulheres Negras Brasileiraswww.mulheresnegras.org.br/home.htm

Campanha Diálogos contra o Racismowww.dialogoscontraoracismo.org.br

Observa – Acompanhando as AçõesAfirmativas no Ensino Superior

www.observa.ifcs.ufrj.br

Instituto Brasileiro de Análises Sociais eEconômicas (Ibase)

www.ibase.br

Museu do Apartheid (apenas em inglês)www.apartheidmuseum.org

Centro de Articulação de PopulaçõesMarginalizadas (Ceap)

Rua da Lapa, 200, sala 813, CentroRio de Janeiro – RJ – CEP 20021-180Tel.: (21) 2232-7077

Para saber mais

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Telefax: (21) 2232-5128/2224-8530E-mail: [email protected]: www.alternex.com.br/~ceap/

Centro de Estudo das Relações do Trabalho eda Desigualdade (Ceert)

Rua Duarte de Azevedo, 737 – SantanaSão Paulo – SP – CEP 02036-022Tel.: (11) 6978-8333Fax: (11) 6950-1332E-mail: [email protected]: www.ceert.org.br

CriolaAv. Presidente Vargas, 482, sobreloja 203,CentroRio de Janeiro – RJ – CEP 20071-000Telefax: (21) 2518-6194 / 2518-7964E-mail: [email protected]: www.criola.org.br

Geledés – Instituto da Mulher NegraRua Santa Isabel, 137, 40andar,Vila BuarqueSão Paulo – SP – CEP 01221-000Telefone: (11) 3333-3444E-mail: [email protected]: www.geledes.org.br

Instituto de Pesquisa da Cultura Negra (IPCN)

Laboratório de Políticas Públicas da Uerj

Programa Políticas da Cor na Educação BrasileiraRua São Francisco Xavier, 524, 2o andar, bloco B,sala 2001 – Rio de Janeiro – RJ – CEP 20550-900Tel.: (21) 2565-7569/2234-1869/2587-7963,ramais 36, 37, 38, 40, 41 e 42Fax: 2587-7963, ramal 30E-mail: [email protected]: www.politicasdacor.net

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Além do edital do concurso de seleção paraingresso nos cursos de graduação da Uerj e daUenf no ano de 2005, foram consultados osseguintes textos:

GOMES, J. B. Ação afirmativa & princípio cons-titucional da igualdade. Rio de Janeiro: Reno-var, 2001.

HERINGER, Rosana (Org.). A cor da desigual-dade: desigualdades raciais no mercado de tra-balho e ação afirmativa no Brasil. Rio de Janei-ro: Iere, 1999.

MOEHLECKE, S. Ação afirmativa no ensinosuperior: entre a excelência e a justiça racial.Educação & Sociedade, Campinas, vol. 25, n. 88,p. 757-776, 2004.

SOUZA, M. Cota leva mais de sete mil ne-gros à universidade. O Estado de S. Paulo, SãoPaulo, 28 jan. 2004.

Textos consultados

Anotações

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Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

Ibase

Avenida Rio Branco, 124, 8o andar, CentroCEP 20040-916

Tel.: (21) [email protected]

Rio de Janeiro – RJFax: (21) 3852-3517www.ibase.br