Iconicidade Verbal

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Teoria da Iconicidade Verbal, aplicações.

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  • TEORIA DA ICONICIDADE VERBAL: APLICAES.

    Darcilia Marindir Pinto Simes1 (UERJ/PUC/UFC)

    RESUMO: Busca-se o desenvolvimento da competncia de leitura e de produo escrita. Traz-se a semitica phane-roscpica para o espao da descrio lingstica de modo a levantar-lhe as pistas icnicas e indiciais que podem orientar a anlise e a estruturao verbal. A produo de uma Teoria da Iconicidade Verbal surgiu da necessidade de criar-se uma base terica, que observasse o signo em sua materialidade (sonora ou visual). A ateno para a materialidade do signo surge quando se considera a mediao da interao comunicativa. Seja oralmente, seja por escrito, d-se uma materializao de signos. Cremos na premissa de que qualquer signo se funda a partir de uma imagem mental de algo. Essa imagem primeira um co-ne. Dela se toma conhecimento por intermdio de sua representao por um cone de segunda (hipocone) que busca re(a)presentar o objeto pensado por um sinal material sonoro (na fala) ou grfico (na escrita). Disso possvel deduzir que temos por premissa que o cone fonte primria do signo. Prova disso est na prpria origem da comunicao humana, uma vez que as primeiras linguagens humanas fundaram-se na imagem. Percebida a relevncia da imagem e da iconicidade na comunicao e expresso humanas, enfatizamos o signo visual por termos por objeto formal o texto verbal escrito.

    Palavras-chave: teoria da iconicidade verbal leitura e produo de textos pesquisa e ensino.

    SEMITICA E LINGUSTICA: CINCIAS COMPLEMENTARES

    Trouxemos as contribuies da Semitica de Peirce (1839-1914) para o mbito dos estudos lingusticos, com vistas a aprofundar as possveis relaes entre categorias, classes, funes gramaticais e processos cognitivos. Vemos a Semitica norte-americana como fonte prodigiosa para subsidiar a anlise e produo de processos de aperfeioamento e reeducao dos mecanismos de percepo dos signos.

    Diferentemente de Saussure, para Peirce, um signo pode ser qualquer coisa, no necessariamente uma palavra escrita ou pronunciada. Na Semitica de Peirce, no a lingustica que se estende para abarcar outros tipos de cdigos; a Semitica que estuda todos os demais sistemas de signos, inclusive os lingusticos. Por isso, tenta-se dar ao signo verbal escrito um tratamento assemelhado ao que se d a qualquer signo visual, ainda que ressalvadas as diferenas decorrentes da mxima convencionalidade do signo verbal. Assim Peirce [1894] (apud Uxa Rivas, 1999) categoriza os signos em relao ao que representam. H trs classes de signos. Primeiramente, pelas semelhanas, tem-se os cones, que servem para transmitir idias das coisas que representam simplesmente imitando-as. Em segundo lugar, h indicaes ou ndices, que mostram algo sobre as coisas por estar fisicamente conectados com elas. Em terceiro lugar, h smbolos, ou signos gerais, que foram associados com seu significado pelo uso. Renem-se nessa categoria a maior parte das palavras, e as frases, e o discurso, e os livros, e as bibliote-cas.

    1 Lder do Grupo de Pesquisa Semitica, Leitura e Produo de Textos SELEPROT (criado em 2002), Coordena-dora do Laboratrio Multidisciplinar de Semitica LABSEM e do Projeto de Extenso Publicaes Dialogarts (criado em 1994).

  • Vimos ento um terreno frtil nesse universo sgnico disponvel e entramos a examinar at que ponto a Semitica lgico-filosfica do autor de Collected Papers po-deria contribuir para um melhor entendimento do signo lingustico.

    A TEORIA DA ICONICIDADE VERBAL

    A partir da relao entre signo e objeto (cone, ndice e smbolo), vimos desen-volvendo a Teoria da Iconicidade Verbal. Esta tem como objetivo maior subsidiar o entendimento da semiose textual e das consequncias semiticas derivadas da interao entre sujeito e texto, sob as interferncias do contexto de produo da interlocuo.

    Os esquemas mentais acionados para interpretao de textos independente-mente da natureza do signo que o compem (SIMES, 1994 e 2003) so transfer-veis; e operando com signos verbais e no-verbais temos conseguido construir modelos facilitadores da leitura e da produo de textos. O entendimento da trama gramatical (SIMES, 2000b), a partir da educao do raciocnio lgico e da explorao de objetos visuais ou auditivos tomados como textos (SIMES, 2000c), vem produzindo resulta-dos positivos j documentados no s em dissertaes e teses defendidas na Universi-dade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sede de nossas investigaes e orientaes. O mesmo ocorre na produo tcnico-terica dos membros do SELEPROT.

    A base do construto terico a iconicidade. Entendemos que o domnio da ico-nicidade facilita a depreenso dos mecanismos e relaes que estruturam os signos (SI-MES & ABREU, 1999 e 2004) e garantem a compreenso do texto. Por isso, os proje-tos de pesquisa, que arriscaram a aplicao da Teoria da Iconicidade Verbal, conse-guiram demonstrar sua eficincia ao recortarem o objeto-texto sob vrias perspectivas e verificar o quanto dialogam os processos cognitivos e a estruturao textual; e at que ponto possvel identificar nos textos marcas que permitam de alguma forma inferir o(s) projeto(s) comunicativo(s) subjacentes. Diz-se projeto ou projetos porque os textos polissmicos permitiro a captura de vrias matrizes interpretativas, ressalvados os limi-tes da trama sgnica que compe o texto. Para ns, o texto uma unidade comunicativa, cuja anlise demanda domnio gramatical (considerada a variao lingustica), estilstico (tendo em conta os gneros textuais e a variao lingustica) e semntico-pragmtico (observando a contextualizao das interlocues).

    POR QUE UMA TEORIA DA ICONICIDADE VERBAL?

    A produo de uma Teoria da Iconicidade Verbal (Simes, 2007-2009) surgiu da necessidade de criar-se uma base terica, que observasse o signo em sua materialida-de (sonora ou visual). A ateno para a materialidade do signo surge quando se conside-ra a mediao da interao comunicativa. Seja oralmente, seja por escrito, d-se uma materializao de signos. Cremos na premissa de que qualquer signo se funda a partir de

  • uma imagem mental de algo. Essa imagem primeira um cone. Dela se toma conheci-mento por intermdio de sua representao por um cone de segunda (hipocone) que busca re(a)presentar o objeto pensado por um sinal material sonoro (na fala) ou grfico (na escrita). Disso possvel deduzir que temos por premissa que o cone fonte prim-ria do signo. Prova disso est na prpria origem da comunicao humana, uma vez que as primeiras linguagens humanas fundaram-se na imagem.

    Uma vez percebida a relevncia da imagem e da iconicidade na comunicao e expresso humanas, enfatizamos o signo visual por termos por objeto formal o texto verbal escrito2.

    Fazemos um recorte e passamos iconicidade diagramtica. Diferentemente do construto saussuriano, o enfoque paradigmtico e sintagmtico no eixo semitico repor-ta-se s relaes simblicas possveis extradas da superfcie textual e que servem de indutores da interpretao. No se levam em conta aqui as relaes em presena e em ausncia to relevantes para o pesquisador genebrino. Na perspectiva semitica aqui adotada, os signos produzem sua semiose a partir da relao imediata emergente de sua participao nos textos. No se desprezem as inferncias, ilaes, implicaturas etc., mas a produo do signo interpretador do signo interpretado brota do signo em contexto, uma vez que tudo pode ser signo de tudo (cf. SIMES, 2007 p.42).

    E mais. Signo tudo o que possa ser conhecido, tudo o que reconhecvel. Mas, para que um signo potencial possa atuar como signo, deve estar relacionado com um objeto, deve ser interpretado e produzir um interpretante na mente do sujeito implicado. Este processo interpretativo denominado semiose. E a iconicidade que se ressalta nes-te estudo a potencialidade de materializar nas mentes interpretadoras signos-referncia, que deflagrem o processo interpretativo independentemente do cdigo em uso. (SIMES ibidem)

    Destarte, o edifcio da Teoria da Iconicidade Verbal parte das seguintes pre-missas: (1) o signo verbal uma imagem (sonora ou visual); (2) a seleo e a combina-o produzem a iconicidade textual no nvel diagramtico; (3) o projeto comunicativo funda-se na verossimilhana e visa eficcia textual; (4) o texto deve tambm ser anali-sado em seus atributos plsticos; (5) a eficincia do projeto de dizer a comunicao de uma mensagem verdadeira ou falaciosa; (6) h intima relao entre a iconicidade da imagem textual e a cognio e (7) as imagens textuais ativam imagens mentais (espaos cognitivos) que deflagram raciocnios.

    Cumpre ento explicitar o caminho terico em evoluo, buscando avanar a ca-da dia no entendimento e na descrio do signo verbal na expresso do pensamento.

    2 Contudo, toda a abordagem da materialidade plstica do signo pode ser estendida ao texto verbal oral, em que o signo ento um sonoro.

  • COMO IDENTIFICAR A ICONICIDADE DOS SIGNOS VERBAIS?

    Entendemos que a compreenso de textos procede de uma negociao entre i-magens mentais construdas por um enunciador e reconstrudas por um co-enunciador (leitor ou intrprete). Tais imagens so traduzidas em signos verbais e no-verbais com-binados na cadeia falada (quando o texto oral) e na folha de papel (no caso do texto escrito). Essa produo sgnica constri uma entidade plstica (sonora ou visual) cuja imagem pode ser identificada por interlocutores dotados de competncias e habilidades de enfrentamento do signo e de captura de suas funes e valores. Na trade cone, ndi-ce e smbolo, funes e valores emergem de sua potencialidade expressivo-sugestiva. Tanto a enunciao quanto a co-enunciao refletem mundos particulares mediados (no caso do texto lingustico) pelo cdigo verbal. Para ns, a plasticidade textual refern-cia de iconicidade e pode funcionar como base para a conduo do intrprete mensa-gem bsica inscrita no texto.

    Descontada a arbitrariedade original dos signos verbais, os funcionalistas vm fortalecendo passo a passo a existncia de iconicidade nas gramticas das lnguas, de-monstrando a existncia de uma correlao um-a-um entre forma e interpretao semn-tico-pragmtica pautada numa motivao funcional imanente aos aspectos estruturais observados.

    Para melhor entender-se tal perspectiva, cumpre explicitar o que iconicidade. Trata-se de uma propriedade semitica fundada na plasticidade propriedade da mat-ria de adquirir formas sensveis por efeito de uma fora exterior (SIMES, [1994]2009). Como a capacidade cognitiva humana confere faculdade da imaginao a condio de uma fbrica de imagens de entes e seres reais ou fictcios, torna-se poss-vel aplicar a iconicidade em nveis concretos e abstratos. No nvel concreto, verificam-se as iconicidade diagramticas sintagmticas e paradigmticas; no nvel abstrato, observam-se as modalidades imagtica e metafrica. As primeiras se nos dizem concre-tas uma vez que tomam por baliza os sistemas sgnicos dos quais resultam. No plano lingustico, dicionrios e gramticas atuam como reguladores dessa relao concreta. J as ltimas sero resultantes de operaes subjetivas, uma vez que decorrem de interpre-taes individuais (mesmo os interpretantes coletivos so individuados em funo das culturas que representam), seja no plano icnico-indicial da imagem, seja no plano ic-nico-simblico da metfora.

    Em palavras simples, o cone uma representao plstica, modelar (por simila-ridade), de uma ideia ou ideologia; ao passo que o ndice um signo vetorial que con-duz o raciocnio a uma interpretao por contiguidade. De sua parte, o smbolo uma manifestao sgnica que generaliza uma apreenso-interpretao, transformando o sig-no em referncia ecossistmica e, algumas vezes, pansistmica (capacidade de sobrepor-

  • se a sistemas diversos). Do ponto de vista da anlise verbal, a iconicidade pode ser ob-servada no s no plano da estruturao gramatical, mas tambm num plano maior, mais abrangente, da trama textual. observvel: a seleo vocabular como representati-va de usos e costumes diversos; a colocao dos termos nos enunciados como imagem das opes de enfoque ou das posies discursivas; a eleio do gnero e do tipo textual como indicador da relevncia dos itens temticos e lexicais contemplados no texto, etc. Tambm o projeto do texto, sua arquitetura visual ou sonora, material icnico a ser observado.

    As funes da linguagem propostas no funcionalismo hallidiano participam da construo da iconicidade. Isto porque o processo de comunicao sofre intervenincias do enquadre do texto (materializao do discurso) no contexto de produo e no contex-to de apresentao. Cumpre ressaltar que Simes prope uma distino entre contexto de produo e contexto de apresentao. Aquele, j tratado por vrios estudiosos (Van Dijk, Koch, Sautchuk etc.), opera com as variveis que atuam durante a composio do enunciado; j o contexto de apresentao o cenrio que emoldura o ato de fala (hic et nunc). (cf. SIMES & GARCIA, 2008)

    Geraldi (1997: 167) assevera que o texto se oferece ao leitor, e nele se realiza a cada leitura, num processo dialgico cuja trama toma as pontas dos fios do bordado tecido para tecer sempre o mesmo e outro bordado, pois as mos que agora tecem tra-zem e traam outra histria. Logo, a atividade de leitura uma co-produo textual que precisa ser negociada entre os parceiros (autor/enunciador e leitor/enunciatrio/co-autor). Tal negociao deflagrada pelas marcaes lingustico-icnicas que se apresen-tam ao leitor como elementos mapeadores do texto, uma vez que revelam a organizao das microestruturas que se combinam e constroem o tecido textual; ao mesmo tempo que ativariam esquemas mentais indispensveis captao dos possveis referenciais do enunciador, associando-os (ou no) aos referenciais do leitor, construindo o que se cos-tuma denominar como conhecimento compartilhado (conjunto de proposies mem-ria semntica que so aceitas tanto por falante quanto por ouvinte [cf. MOURA, 2000:17 e BONINI, 2002: 35]).

    Entendemos que as pistas lingusticas existentes (cones e ndices) na superfcie textual levam o leitor s diferentes leituras. A concatenao de ideias num texto no depende exclusivamente da seleo lexical e dos conectores gramaticais (conjunes, preposies, pronomes relativos, advrbios etc.), mas tambm dos processos e meca-nismos sintticos por meio do que se elaboram as frases. Tratamos ento de determinar vrios nveis em que se pode buscar a iconicidade, a saber: 1 diagramtica; 2 lexical; 3 isotpica; 4 - alta ou baixa iconicidade; 5 - eleio de signos orientadores ou desori-entadores. Passemos ento ao estudo desses nveis ou tipos de iconicidade.

  • NVEIS OU TIPOS DE ICONICIDADE

    Na busca da plasticidade, fala-se de nveis ou tipos de iconicidade. Isto conse-quncia de ser o cone o modelo mais primitivo de signo, que se constri a partir das similaridades e que busca reapresentar no objeto-significante as qualidades do objeto-mental-referente. Mesmo sendo produto da elaborao individual, o cone (degenerado, de segunda ou hipocone) guarda traos primrios do objeto imediato que pretende re-presentar. Por isso, a iconicidade se nos apresenta como caminho mais primitivo para o enfrentamento textual, como se segussemos pegadas (signos naturais) que nos levariam s mensagens inscritas nos textos (signos culturais, artificiais, convencionais).

    Lanando mo da ideia de Sautchuk sobre leitor interno e leitor externo (destina-trio potencial), entendemos haver um dilogo interior do eu bifurcado em enunciador e leitor interno. Ento a produo textual passaria por instncias de avaliao mediante os seguintes quesitos: (a) o texto referencial; (b) a variedade lingustica a padro, culta; (c) o projeto comunicativo de veracidade ou de falsidade; (d) em caso de veracidade, deve pautar-se na denotao; (e) em caso de falsidade, deve pautar-se na conotao; (f) na falsidade, a conotao deve simular denotao; (g) as imagens diagramticas na mi-croestrutura devem privilegiar a ordem lgica (direta); (h) as imagens paradigmticas na macroestrutura (escolha de formas lexicais e gramaticais, ou mesmo os modos e tempos verbais) devem propiciar analogias; (i) as imagens metafricas devem aproximar-se do senso comum, com vistas a no dificultar a leitura. Com esta seleo de traos, supomos poder formular esquemas de avaliao textual em que seja possvel identificar desvios decorrentes de impercia expressional ou, ao contrrio, de astcia redacional, nos se-guintes nveis ou tipos de iconicidade.

    1. Diagramtica - qualidade atinente ao projeto visual ou sonoro do texto e estrutura-o dos sintagmas.

    A produo imagtica se desenrola conforme o projeto de raciocnio. Pode ser dedutiva ou indutiva. Esta vai reunindo um a um os signos de que se constitui o texto de modo a compor o seu significado global; enquanto aquela parte do todo do texto e tenta decomp-lo em partes menores que possam referendar a ideia global que lhe fora atribu-da.

    A semiose do significado (ou mensagem) do texto facilitada por essas estrat-gias da cognio, a qual, por sua vez, apoia-se nas marcas formais com que se manifesta o texto. Quando oral, a entonao e os acentos produzem a iconicidade diagramtica e conduzem o interlocutor na produo da semiose, que a deduo ou induo dos signi-ficados ativados pelo enunciador, da qual nasce o sentido do texto. Quando escrita, a iconicidade diagramtica se manifesta em mais de um nvel: (1) grfico ou do design textual (que consiste na distribuio dos signos na folha de papel) e (2) sintagmtica e

  • paradigmtica (que opera nos eixos de seleo e combinao dos signos, conforme pro-pusera Saussure (1910-1913). Assim sendo, a iconicidade diagramtica constri a simi-laridade entre o signo e o objeto imediato de modo estrutural ou relacional, algo como uma correspondncia entre uma ordem natural das proposies e a ordem dos eventos a que representam.

    Entendemos que a iconicidade diagramtica verbal se funda originalmente a par-tir das escolhas lxicas do enunciador para a produo de seu texto; e estas, a seu turno, seriam provocadas pelo elemento deflagrador da produo: um comando formal (tarefa escolar, questo de prova, etc.) ou um estmulo informal (inteno de falar de algo, tema provocador, etc.). A nosso ver, a iconicidade ser to mais eficiente (no que concerne representao de seu objeto) quanto mais adequada for a seleo de itens lxicos (pala-vras e expresses) por parte do enunciador.

    A iconicidade material no texto escrito se mostra, por exemplo, na distribuio do contedo textual em pargrafos; a apresentao do texto por um ttulo e das pores ou sees internas do texto por subttulos. O uso de maisculas, de capitulares etc. Os recursos grficos como itlico, negrito, os travesses, parnteses, colchetes, aspas etc. constituem material constitutivo da plasticidade material, objetiva, do texto.

    A iconicidade diagramtica sintagmtica e a paradigmtica vo atuar combina-das com o tipo que lhe imediato: a iconicidade lexical.

    2. Iconicidade Lexical potencial de ativao de imagens mentais.

    Nesse nvel ou tipo, discute-se a seleo dos itens lexicais ativados no texto.

    Entendemos que o projeto comunicativo que subjaz a qualquer interao produz uma energia mental capaz de ativar signos que possam representar (cones) ideias ou conduzir (ndices) o interlocutor mensagem bsica da comunicao. Assim sendo, to maior ser a iconicidade textual quanto mais hbil seja o enunciador na ativao de itens lxicos. Essa habilidade demanda domnio razovel da lngua-objeto, assim como largo repertrio. O domnio da lngua o esqueleto sistmico para a estruturao textual; e o repertrio amplo condio para disponibilizao de itens lxicos suficientes expres-so das ideias de forma icnica. A representao do pensamento ser to mais icnica quanto mais proficiente for o enunciador; da mesma forma que a comunicao ser to mais efetiva quanto mais proficientes forem os interlocutores.

    Para ns, o vocabulrio ativado no texto (emergente do paradigmtico para o sintagmtico) organiza-se em pistas icnicas (representativas, fundadas na similaridade, de fundo analgico) e indiciais (indutoras, fundadas na contiguidade, consecutivas). Explicamos a estruturao sinttica como o arranjo das peas icnicas e indiciais de

  • cuja combinao formar-se-o as imagens semntico-pragmticas que subsidiaro a leitura e a compreenso.

    Para Haensch, Wolf, Ettinger & Werner (1982, p. 25), a forma do signo pode conter elementos que representem, mediante um tipo de imagem, o contedo da mensa-gem ou alguns de seus elementos. E isso que perseguimos no plano lexical. Para os autores, a comunicao se faz por um processo intersubjetivo, ou seja, a intersubjetivi-dade das experincias da realidade e a denominaes comuns que designam ideias inter-subjetivas possibilitam, conjuntamente, o funcionamento de uma lngua. Portanto, possvel pensar-se em uma iconicidade intersubjetiva presente no lxico das lnguas, uma vez que essa poro lexical se faz icnica por pertencer maioria dos falantes da lngua em foco. De posse dessa base comum do componente lxico da lngua, os falan-tes esto preparados para compreender e interpretar mensagens, por estarem aptos a produzir imagens mentais que subsidiem a traduo da mensagem em outras palavras, para assentar a compreenso.

    3. Iconicidade Isotpica - demarcadora das isotopias subjacentes ao texto.

    Decorrente das duas anteriores (diagramtica e lexical), a iconicidade isotpica funciona como trilha temtica para a formao de sentido.

    Antes de tudo, cumpre esclarecer que entendemos isotopia como propriedade de um enunciado ser substitudo por equivalente no plano do contedo, embora sejam diferentes no plano da expresso. Dessa forma tem-se a isotopia numa tomada sinonmica. Todavia, possvel ampliar-lhe a noo e defini-la como a possibilidade de um recorte temtico. Para objetivar, podemos lembrar do romance machadiano Dom Casmurro que sustenta severas discusses orientadas por duas isotopias principais: (1) a traio; (2) o cime.

    No plano da anlise de textos em geral, a iconicidade isotpica se faz no rastre-amento de palavras e expresses que possam sustentar esse ou aquele tema. A garantia dos recortes isotpicos propostos para esse ou aquele texto se assenta exatamente na possibilidade de identificao de itens lxicos (palavras ou expresses) que constituam campos lexicais ou campos semnticos que ratifiquem a opo temtica proposta.

    A essa altura da discusso sobre iconicidade, evoca-se a fala de Eco quanto possibilidade de abertura de uma obra estar delimitada pela trama sgnica que a consti-tui. Segundo o semioticista italiano, interpretar um texto significa explicar porque es-sas palavras podem fazer vrias coisas (e no outras) atravs do modo pelo qual so interpretadas. Assim, em uma anlise textual, existe ao menos um caso em que se pode afirmar que uma dada interpretao no adequada (ECO, [1992] 2001, 80). Eco desta-ca um componente o tesouro social que promove as mediaes entre leitor e texto e

  • que precisa ser levado em conta quando da produo do texto, caso esteja clara a desti-nao do texto. Eco ainda nos alertou ao dizer que um texto potencialmente no tem fim no significa que todo ato de interpretao possa ter um final feliz (ECO, [1992] 2001, 28). As palavras do semioticista reiteram a necessidade de buscar-se algo nos textos que possam funcionar como garantias mnimas de uma interpretao. Em nossa teoria, criamos a figura das ncoras textuais, que so palavras-chave que norteiam iden-tificao de uma isotopia.

    Diante de um mundo acometido simultaneamente pela insuficincia e pe-lo excesso de significados, como delinear critrios equilibrados que norteiem o sentido? Segundo Bauman (1998, p. 135) a arte e a realidade no-artstica funcionam nas mes-mas condies, como criadoras de significado e portadoras de significado. Dito isto, ressalte-se a importncia da malha icnica como elemento norteador e garantidor de interpretaes menos ousadas deste ou daquele texto, atendo-lhe trama sgnica como fronteira da imaginao criadora.

    A discusso das ncoras textuais poder ser realizada por meio do levantamento de semas, pela semntica componencial proposta por Pottier (1978), por exemplo. da identificao das ncoras textuais que se pode inferir a alta ou baixa iconicidade textual.

    Se as isotopias se mostram na superfcie do texto, isto , so perceptveis ao leitor a partir da captao da posio discursiva manifesta na seleo lexical, no modelo gramatical, no gnero ou no tipo textual, na diagramao (ou projeto visual3 do texto) etc. pode-se classificar o texto como de alta iconicidade. Isto porque facilitar a produo de inferncias, ilaes, dedues, etc. No entanto, se h opacidade mxima na organizao textual, verifica-se ento a baixa iconicidade. Pode-se analisar a alta e a baixa iconicidade em outras dimenses: 1) da progresso textual (considerando a relao entre o dado e o novo); 2) da eficincia comunicativa 2.1.) por conduo mensagem bsica, ou eficcia; 2.2.) por despistamento, ou falcia.

    4. Alta ou Baixa Iconicidade - potencialidade de cumprir ou no cumprir o projeto comunicativo previsto para o texto.

    Partindo da premissa de que a comunicao um processo que permite a veicu-lao de ideias entre sujeitos e de que subjaz ao projeto de dizer uma inteno de fazer-fazer (cf. SEARLE, 1984). Cremos que o projeto de dizer, em ltima anlise, a apre-sentao e defesa de um ponto de vista, ou de uma tese sobre algo. Logo, a inteno originria de persuadir algum a aceitar algo como vlido e, por conta disso, passar a proceder de uma dada maneira (cf. SIMES, 2007, p. 57).

    3 No caso do texto oral, a diagramao ser substituda pela ordem de apresentao dos enunciados.

  • Sintetizando, temos como alta iconicidade a realizao de um projeto comunica-tivo, porm, sem compromisso com valores de verdade. J a baixa iconicidade resul-tante do mau uso do cdigo lingustico. Para concretizar a alta iconicidade, impe-se domnio verbal tal que permita a eleio dos signos adequados ao cumprimento do pro-jeto do texto.

    A subjetividade interpretativa controlada pelas codificaes sociais. Logo o texto um construto que pode conter sinais que conduzam o intrprete a certa semiose. Se assim no fosse, os textos eminentemente informativos, de funo administrativa, no seriam textos possveis (SIMES, 2007). De leituras inadequadas de textos infor-mativos, administrativos, resultam aes inadequadas. Assim sendo, o texto, indepen-dentemente de sua funo pragmtica, tem de ser inteligvel. E quanto maior for a ex-pectativa comunicativa projetada sobre o texto, mais forte tem de ser a presena de sig-nos orientadores em sua superfcie, ou seja, a iconicidade dever ser mais alta. (id. Ib.)

    Considerados do ponto de vista da eficincia comunicativa, tem-se que a falcia (falsidade) ser to mais rica quanto mais baixa a iconicidade de superfcie, ou quanto maior sua capacidade de despistamento. Em contraponto, a eficcia (veridicidade) implica alta iconicidade. No entanto, h que se considerar que h eficincia, no atingimento de objetivos falaciosos. Quando a superfcie textual apresenta abundantes elementos orientadores, comum concluir-se por ser o texto de alta iconicidade. Nos textos jornalsticos, nos textos tcnico-cientficos, a alta iconicidade qualidade esperada. J no texto literrio, o que se espera um jogo inteligente entre alta e baixa iconicidade, para que o texto resulte de fato polissmico, pluridimensional.

    5. Eleio de Signos Orientadores ou Desorientadores - presena de signos que condu-zem ou no o interlocutor pela superfcie textual.

    A produo da superfcie textual implica conhecimentos e habilidades para com o cdigo eleito para a comunicao. Segundo Beaugrande e Dressler (1981 cf. Koch e Travaglia, 1995: 31), a coerncia textual decorre da continuidade de sentidos entre os conhecimentos ativados pelos signos atualizados na produo textual e que deve ser percebida na produo (cf. leitor interno v. Sautchuk) como na compreenso (cf. in-trprete v. Peirce). Portanto, texto coerente o que faz sentido para seus usurios.

    Os signos expressos, o posto, devem ser capazes de ativar mecanismos cogniti-vos que ampliem a cooperao (cf. CHAROLLES, 1987 apud KOCH op. cit.) entre os interlocutores de modo a auxiliar-lhes a descoberta de sentidos subjacentes ao texto-objeto em leitura (seja oral, seja escrito). Em outras palavras, o texto dever produzir cones e ndices que permitiro ao interlocutor compreender o raciocnio do enunciador. Uma vez concludo, transforma-se em smbolo preferencialmente aplicvel interpreta-o de outros objetos similares. A descoberta de sentidos destaca a importncia do do-

  • mnio do vocabulrio da lngua, como tambm a competncia de seleo dos significa-dos mais adequados ao texto em foco.

    Considerado o projeto comunicativo, cumpre lembrar que um texto pode ser produzido deliberadamente para enganar o leitor. Para dar conta desse projeto, o enun-ciador deve ser muito hbil na operao com o cdigo lingustico. Formular caminho de certezas honestas ou desonestas demanda competncia. Desta podem resultar efeitos de univocidade, ambiguidade, plurivocidade ou equivocidade segundo o projeto de co-municao. Em outras palavras: quando falamos da adequao do processo de seleo lexical, vamos alm do simples repertrio do falante e tentamos chegar ao projeto co-municativo subjacente ao texto. Segundo Sautchuk (2003), a produo do texto resul-tado do trabalho de um sujeito que se divide (inelutavelmente) em um Escritor Ativo e um Leitor Interno. Um e outro integrantes do duplo enunciador vo operar na constru-o de uma superfcie textual icnica que conduza o destinatrio (Leitor Externo). E aqui que se comea a lucubrar acerca do projeto comunicativo. At que ponto um proje-to comunicativo intenta de fato informar algo a algum? Quando se manifesta um pen-samento tem-se o desejo subjacente (e s vezes inconsciente) de persuadir (cf. PEREL-MAN, 1996), outrem a partilhar da ideia apresentada. Logo, possvel subentender que a inteno de persuadir pode sustentar-se na desinformao ou na informao errada do Leitor Externo, para com isso manipul-lo e lev-lo a uma concluso premeditada pelo enunciador. Todavia, a produo de textos com tal astcia demanda ampla competncia do enunciador

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