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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................. 4
Colocação do problema................................................................. 4
Objetivos..........................................................................................5
Referencial Teórico.........................................................................7
Fases da Pesquisa........................................................................13
CAPÍTULO I
A proposta etnomatemática e a dimensão cultural na
escola..............................................................................................20
1.1- A proposta etnomatemática..........................................20
1.2-A cultural parental e sua relação com a cultura de
massas.............................................................................................31
1.3- A cultura escolar e a cultura dos professores............ 42
1.4-A cultura matemática...................................................... 46
CAPÍTULO II
Percebendo-se como Sujeito: Conhecendo o próprio corpo,
aprendendo a cuidar de si e de seu corpo................................. 50
2.1-Propostas do Material Didático-�Projeto Presente�
......................................................................................................59
2.2- Livro Didático..................................................................... 71
2.3- Avaliando os resultados................................................... 81
CAPÍTULO III
Percebendo-se como cidadão, aprendendo a pensar sobre o
planeta e a cuidar do meio ambiente....................................... 85
4.1- Muro das lamentações.............................................. 96
4.2- Árvore das expectativas........................................... 100
Conclusão.................................................................................. 106
Referências Bibliográficas........................................................114
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2
Resumo
A pesquisa consistiu em uma intervenção em sala de aula, junto a
crianças de 9 e 10 anos, cursando a 4ª série do Ensino Fundamental, com
o objetivo de investigar a Educação Matemática numa dimensão cultural e
da constituição da subjetividade na relação do aluno com o conhecimento
de si, de seu próprio corpo, do outro e do meio ambiente, através de uma
perspectiva ética e cidadã.
Em função das observações foi possível constatar que para estas
crianças as dificuldades com a construção do conhecimento matemático
começavam desde cedo, pois não havia relação entre a matemática
apreendida na escola e as maneiras de pensar e agir que utilizavam no
dia-a-dia.
A intenção foi procurar entender a ligação entre a constituição do
sujeito, a cultura, a construção do conhecimento e da cidadania,
fundamentando-se na idéia de que todas estas dimensões configuram-see
articulam-se em uma realidade complexa.
Cabe ao aluno construir o seu próprio conhecimento matemático,
fazendo explorações, articulando representações que facilitem a
investigação e as descobertas.Buscou-se, no Programa de Pesquisa
Etnomatemática, a possibilidade de oferecer ao aluno um contato com
uma educação matemática mais próxima as suas experiências de vida.
Para fundamentar a pesquisa foram utilizadas as obras de Ubiratan
D`Ambrósio e Edgar Morin, que foram trabalhadas a partir das categorias:
etnomatemática, educação, conhecimento, transdisciplinaridade, cultura,
subjetividade e cidadania.
3
Abstract
The research consisted in a intervention in class room, with children
of 9 and 10 years, attending the 4th series of Fundamental Teaching, with
the goal of investigating the Mathematical Education in a cultural
dimension and of the subjectivity constitution in the student's relation with
the knowledge of himself, of your own body, from others and of the
environment, through an ethical perspective and citizeness.
With the observations were possible to verify that for these children
the difficulties with the construction of the mathematical knowledge had
started early, because there was no relation between mathematics at
school and the ways to think and to act that they used everyday.
The purpose was found undestand the relation between the subject
constitution, the culture, the knowledge construction and the citizenship,
thinking that the main idea was that all dimensions configure and articulate
in the complex reality.
The research found to integrate itself to the Research
Ethnomathematics Program, once the same offers tracks to help to
comprehend as the know/do happens; The intention was to try understand
the connection between subject constitution, the culture, the knowledge
construction and of the citizenship, because we leave of the idea that both
are intimately linked.
It is responsability of the student construct yourself knowledge
matematic, articulating representations that help the investigation and the
discoveries. It sought in the Research Ethnomathematics Program the
possibility to supply the student a contact with a nearer mathematical
education his life experiences.
To base the research was used the works of Ubiratan D`Ambrósio
and Edgar Morin, who were worked from the categories:
Ethnomathematics, education, knowledge, culture, subjectivity and
citizenship.
4
INTRODUÇÃO
Colocação do Problema
A pesquisa consistiu em uma intervenção em sala de aula,
junto a crianças entre 9 e 10 anos, cursando a 4ª série do Ensino
Fundamental, durante o ano de 2005, com o objetivo de investigar
como a Educação Matemática pode adquirir uma dimensão da
cultura e da constituição da subjetividade na relação do aluno com o
conhecimento de si, de seu próprio corpo, do outro e do meio
ambiente, a partir de uma perspectiva ética e cidadã.
Através de observações feitas em grupos de alunos da 4ª
Série do Ensino Fundamental, foi possível constatar que as
dificuldades com a construção do conhecimento matemático
começavam desde cedo pois estes demonstravam perceber que não
havia relação entre a matemática apreendida na escola e as formas
de pensar e agir que utilizavam no seu cotidiano.
Por essa razão, buscou-se pesquisar de que maneira
esses alunos reagiriam se tivessem contato com uma educação
matemática que proporcionasse essa experiência, partindo do
princípio de que cabe ao aluno construir o seu próprio conhecimento
matemático, fazendo explorações, articulando representações que
facilitem a investigação e as descobertas.
Esta perspectiva fundamenta-se no Programa de Pesquisa
em Etnomatemática definido por D�Ambrósio, segundo o qual a
educação deve ser compreendida �como uma estratégia mais
importante para levar o indivíduo a estar em paz consigo mesmo e
5
com o entorno social, cultural e natural e a se localizar numa
realidade cósmica� (2000, p. 14).
Objetivos
A pesquisa integra-se em um projeto mais amplo,
denominado �Ética, subjetividade e cultura no processo de
construção do conhecimento�, desenvolvido pelos participantes da
Linha de Pesquisa: Epistemologia, Cultura e Construção do
Conhecimento, do Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e
Matemática.
Segundo Guazzelli (2005 a, p. 01):
O objetivo do projeto da linha de pesquisa é contribuir
para o pleno desenvolvimento dos sujeitos da educação,
alunos e professores, resgatando sua dimensão ética e
cidadã. Para tanto, define os seguintes objetivos
específicos:
1. Investiga o processo de construção do conhecimento
na perspectiva do pensamento complexo e da
transdisciplinaridade, estabelecendo relações entre eles
e a constituição da subjetividade, com a mediação da
cultura, na educação matemática, ambiental e cidadã.
2. Estuda a relação existente na escola entre a
construção do conhecimento e a cultura,
compreendendo esta última como uma realidade de
múltiplas dimensões, um universo no qual se cruzam
diferentes subculturas: a cultura de massas, a cultura
parental, a cultura juvenil, a cultura ilustrada, a cultura
dos educadores, a cultura institucional, entre outras.
6
3. Estimula o diálogo entre a reflexão teórica e a prática
desenvolvida pelo docente pesquisador junto aos alunos.
4.Valoriza a dimensão ética, emancipadora e cidadã do
ensino e da pesquisa, a serviço da construção de uma
sociedade mais justa, democrática e humana.
Através de uma perspectiva etnomatemática, propõe-se oferecer
condições para o desenvolvimento de cada um enquanto sujeito, na
relação com o seu corpo para conhecê-lo, valorizá-lo e compreendê-
lo, bem como em sua relação com o outro e com meio ambiente,
tendo em vista uma educação matemática integrada em uma
abordagem transdisciplinar. Pretende-se, nesta perspectiva, estudar
técnicas, habilidades de explicar, entender, lidar e de conviver com a
matemática que estejam integradas ao contexto cultural da realidade
dos alunos.
Por perspectiva etnomatemática entende-se uma busca
para compreender o saber/ fazer matemático que está inserido no
universo cultural de determinado grupo; a expressão saber/fazer foi
criada por D�Ambrósio (2002) para mostrar a relação entre o
conhecimento e a vida do dia-a-dia, inserida na cultura. A
etnomatemática valoriza o sujeito, a relação com o outro e com o
meio ambiente, percebendo a importância que essas dimensões tem
para a sua constituição e para a construção da cidadania.
A partir deste ponto de vista para que a construção do
conhecimento ocorra de forma plena, torna-se necessário trazê-la
para a realidade do aluno e isso só será possível na medida em que
ele perceba como os conteúdos matemáticos estão relacionados
com o seu dia a dia e com sua cultura. Uma das maneiras muito
interessante de se fazer essa relação é integrá-la à percepção e ao
conhecimento de si mesmo e de seu corpo. A pesquisa procurou
desenvolver uma educação matemática e uma proposta metodológi-
7
ca que contemplasse esses princípios analisando seus
desdobramentos em sala de aula.
Levando em consideração a proposta acima enunciada, a
presente pesquisa pauta-se pelos seguintes objetivos específicos:
Desenvolver a percepção da relação entre os ângulos e o
próprio corpo em movimento; desenvolver a percepção de que
o próprio corpo pode criar várias aberturas ao movimentar-se e
que a partir delas o aluno poderá perceber os graus,
relacionando-os aos diversos tipos de ângulos;
desenvolver a percepção da relação entre os gráficos e a
singularidade do próprio corpo; perceber de que maneira a sua
condição de vida interfere no seu desenvolvimento corpóreo
(peso, altura, condição física);
estabelecer comparações entre os diversos tipos físicos,
aprendendo a respeitar e valorizar a diversidade corporal,
psíquica e cultural;
perceber a relação entre a alimentação, o corpo, a saúde e as
diferentes unidades de medidas, quais os reflexos de uma
nutrição adequada para o seu desenvolvimento físico, de que
maneira o meio interfere na sua qualidade de vida;
perceber-se como sujeito e cidadão participante da
comunidade escolar e da sociedade, co-responsável pela
defesa e preservação do meio ambiente.
Referencial Teórico
Para fundamentar-se, essa pesquisa utiliza-se das obras de
Ubiratan D´Ambrósio e Edgar Morin, que são trabalhadas a partir das
8
categorias: etnomatemática, educação, conhecimento,
transdisciplinaridade, cultura, sujeito e cidadania.
Apóia-se igualmente nos trabalhos teóricos e propostas
metodológicas de Genebaldo Freire Dias sobre educação ambiental.
Apresernta-se , a seguir, aspectos centrais das categorias
estudadas.
1- A etnomatemática
A etnomatemática, para D�Ambrósio, é um programa de
pesquisa aberto, pois estabelece uma relação com a prática e a
cultura; dessa maneira ela preocupa-se com a construção do
conhecimento partindo do processo cultural em que o indivíduo está
inserido. Na perspectiva etnomatemática, busca-se desenvolver uma
proposta de conhecimento mais ampla e aberta.
Segundo D´Ambrósio:
A etnomatemática privilegia o raciocínio qualitativo. Um
enfoque etnomatemático sempre está ligado a uma
questão maior, de natureza ambiental ou de produção, e
a etnomatemática raramente se apresenta desvinculada
de outras manifestações culturais, tais como a arte e
religião. (2002, p.44).
Para este autor, pode-se definir a etnomatemática a partir da
etimologia do termo, para chegar mais perto de seu significado, tão
polêmico. Em primeiro lugar o prefixo �etno� se refere a etnia, isto é,
a um grupo de pessoas de mesma cultura, língua própria, ritos
próprios, etc., características culturais bem delimitadas que o define
como um grupo diferenciado.
Cada etnia constrói o seu etnosaber no processo de leitura do
mundo: é a construção do conhecimento para a explicação do
9
fenômeno, e, logicamente, cada uma dessas leituras é feita de forma
bem diferente. Atualmente, o termo �etnosaber� propõe a
redescoberta dos saberes de outras etnias que não aquelas
integradas à cultura ocidental. Etno, então, se refere ao sistema de
conhecimento e cognições típicas de uma dada cultura.
Segundo D´Ambrósio (2002), o Programa Etnomatemática
tem como referências categorias próprias de cada cultura, pois é
próprio da espécie humana a satisfação e o impulso pela
sobrevivência, o que a leva a uma relação de uma vida em comum
com o outro da qual brota a vida cultural.
2- O Conhecimento
Tanto na perspectiva etnomatemática como no pensamento de
Morin o conhecimento é central para se compreender a cultura, pois
ambos estão interligados. Segundo D´Ambrósio, o conhecimento do
indivíduo resulta da sua capacidade de receber informações da
realidade e transformá-las para colocá-las em prática na forma de
uma ação. Essa ação é que irá gerar um novo conhecimento, que
será compartilhado com o grupo.
A perspectiva da Linha de Pesquisa �Ética, Subjetividade e
Cultura no Processo de Construção do Conhecimento� busca
compreender um contexto urbano, a partir da idéia de escola como
um lugar onde se cruzam e se confrontam diversas perspectivas
culturais.
Não se está desconsiderando a matemática acadêmica,
entretanto o olhar é para uma Educação Matemática fundamentada
na prática e no entendimento do saber/fazer, ligado à cultura e ao
ambiente. Não podemos deixar que a matemática continue sendo
analisada como algo que cause temor; é necessário que o professor
10
proporcione aos seus alunos experiências enriquecedoras, para
tanto os futuros professores terão de repensar sua proposta com
relação à Educação Matemática, para que a matemática seja algo
vivo, desenvolvendo-se em conexão com situações reais no tempo e
no espaço, pois com essa visão irão adequar o conhecimento
matemático à realidade e, conseqüentemente, sentirão mais prazer
em ensiná-la.
3- A transdisciplinaridade
Considerando a maneira como os conhecimentos disciplinares
estão sendo desenvolvidos mostrando-se insuficientes para resolver
os problemas que são enfrentados pela sociedade e pelo planeta,
uma possibilidade é desenvolver um conhecimento que vá além da
perspectiva micro de cada disciplina, ou seja, que proporcione um
desenvolvimento holístico, para que o sujeito perceba que seu
avanço ocorre num enfoque amplo, sem se restringir apenas às par-
tes.A transdisciplinaridade favorece essa percepção do todo, levando
à compreensão do mundo na sua integralidade.
Segundo D´Ambrósio:
A transdisciplinaridade é uma atitude aberta, de respeito
mútuo e humildade em relação a mitos, religiões,
sistema de explicações e conhecimentos, rejeitando
qualquer tipo de arrogância ou prepotência. Na sua
essência, a transdisciplinaridade é transcultural (2001,
p.9).
Para Morin não é possível entender os fatos de forma isolada,
pois para ele o conhecimento é algo que progride das partes para
todo e do todo para partes.
11
Segundo Morin:
�Uma vez que todas as coisas são causadas e
causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e
imediatas, e todas estão presas por um elo natural e
imperceptível, que liga as mais distantes e as mais
diferentes, considero impossível conhecer as partes sem
conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem
conhecer, particularmente, as partes.� (2001,p.116)
4- A cultura
Guazzelli define sua concepção de cultura a partir dos
trabalhos desenvolvidos por Morin em �A Cultura de Massas no
século XX�, volumes 1 e 2.:
Para Morin (1977:75-89), a cultura é uma realidade
complexa que se organiza pela interação entre quatro
pólos constitutivos da realidade humana: a experiência
existencial, o saber, o código e os padrões de conduta
(patterns) e se constrói através de uma intricada rede de
relações na qual cada um destes pólos se desenvolve
pela mediação dos demais. A cultura está em constante
transformação: é dinâmica e favorece uma releitura em
vários momentos da vida dos indivíduos (GUAZZELLI,
2004,p.4-5).
Na perspectiva de D�Ambrósio:
Cultura é o conjunto de conhecimentos compartilhados e
comportamentos compatibilizados, inclui valores. Numa
mesma cultura, os indivíduos dão as mesmas
explicações e utilizam os mesmos instrumentos materiais
e intelectuais no seu dia-a-dia. (2002, p.35).
12
Dessa forma a cultura está intimamente ligada as atitudes e
ações do sujeito e do grupo ao qual está inserido, possibilitando uma
nova organização dos valores , e uma releitura dos aspectos que
compõe a sociedade.
5- Sujeito
Segundo Morin para constituir-se como sujeito é necessário
uma organização biológica junto a uma dimensão cognitiva, pois a
relação entre estes aspectos não podem dar-se separadamente,
uma vez que o sujeito interage com o ambiente necessitando da
cognição para compreender as informações.
Para Morin:
� Da mesma maneira, o ser vivo, seja ele dotado ou não
de um sistema neuro-cerebral , retira informações de seu
ambiente e exerce uma atividade cognitiva inseparável
de sua prática de ser vivo. Ou seja, a dimensão gognitiva
é indispensável à vida.(2001, p.119)
6-A Cidadania
Quando pensamos em cidadania, uma das primeiras
idéias que temos é que para exercer � la, precisamos oficializar o
voto; ser cidadão é muito mais que simplesmente votar, é trazer para
si a responsabilidade de discernir os direitos e deveres que lhe foram
atribuídos através das leis e das regras impostas pela sociedade.
Segundo Manzini-Covre:
Só existe cidadania se houver a prática da reivindicação,
da apropriação de espaços, da pugna para fazer valer os
direitos do cidadão. (2005, p.10)
13
O exercício da cidadania requer uma tomada de consciência no
sentido de entender que nossos atos também são responsáveis
pelas mudanças na sociedade.
Metodologia adotada para a pesquisa de campo
Em 2005, uma pesquisa-intervenção foi desenvolvida com 21
alunos da 4ª série do Ensino Fundamental, na faixa etária entre 09 e
10 anos, em uma escola particular da Região Leste do Município de
São Paulo de classe média.
Esta pesquisa se fundamentou em estudos e em experiências
concretas acumuladas pela pesquisadora, em 12 anos de trabalho
em Educação Matemática, na 4ª série do Ensino Fundamental,
visando à interação da escola com a vivência dos alunos e a
construção do conhecimento. Nesse período, foi possível observar
que, freqüentemente, a Matemática não é vivenciada, nem faz parte
do cotidiano do aluno.
Buscou-se desenvolver uma educação de caráter
transdisciplinar, que envolvesse o saber matemático, ou seja, o que
foi aprendido na escola relacionado às experiências cotidianas, o
conhecimento de si e do próprio corpo, o desenvolvimento do aluno
enquanto sujeito, a valorização do outro e de sua cultura, a
valorização do meio ambiente em uma abordagem ecológica, e
voltada para a construção da cidadania. Através de rodas de
conversa, criou-se um espaço de diálogo e de discussão; foram
realizadas atividades que proporcionaram ao aluno perceber a
relação entre o seu mundo e o conhecimento matemático.
Observando as elocuções dos alunos, foi possível verificar se
percebiam a matemática como algo inserido no seu dia-a-dia ou se
14
ela era somente mais um conhecimento a ser adquirido para aquele
momento e nada mais.
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, na
perspectiva adotada por Lüdke e André (1986).
Segundo as autoras, referindo-se a Bogdan e Biklen:
A pesquisa qualitativa [...] envolve a obtenção de dados
descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador
com a situação estudada; enfatiza mais o processo do
que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva
dos participantes (LÜDKE ; ANDRÉ, 1986, p.13).
A pesquisa qualitativa (Ibid., p. 11-13), possui como principais
características:
- o meio ambiente natural como sendo a fonte principal de
dados;
-a predominância de dados descritivos;
- a preocupação central com o processo e não com o produto;
- a atenção aos significados que as pessoas atribuem à
realidade.
Por outro lado, a pesquisa possui uma dimensão etnográfica
uma vez que ela trabalha fundamentalmente com a cultura. Segundo
Lüdke e André, a pesquisa etnográfica é a descrição de um sistema
de significados culturais de um determinado grupo (Ibid.,p.14).
Referindo-se a Wilson (1977), as autoras apontam para duas
hipóteses fundamentais da pesquisa etnográfica:
15
A hipótese naturalista-ecológica, que afirma ser o
comportamento humano é influenciado pelo contexto em
que se situa [...] - A hipótese qualitativo- fenomenológica
que determina ser quase impossível entender o
comportamento humano sem tentar entender o quadro
referencial dentro do qual os indivíduos interpretam seus
pensamentos, sentimentos e ações (Ibid., p15).
Fundamentando-se na perspectiva metodológica apontada
pelas autoras acima citadas, definiu-se os seguintes instrumentos
para a presente pesquisa �intervenção:
1) a observação planejada, sistemática e controlada do
processo desencadeado junto aos alunos, em sala de aula e, no que
diz respeito à construção da cidadania, no espaço escolar;
2) a análise de depoimentos orais dos sujeitos da pesquisa,
colhidos em certos momentos significativos da pesquisa-intervenção,
tanto individualmente como em grupo.
3) a análise de materiais escritos produzidos pelos sujeitos da
pesquisa em certos momentos significativos da pesquisa-
intervenção, tanto individualmente como em grupo.
16
Síntese dos capítulos esboçados no texto a ser apresentado
para o Exame de Qualificação:
Capítulo I - A Proposta Etnomatemática e a Dimensão Cultural na
Escola.
Este capítulo discute, inicialmente, a proposta Etnomatemática
fundamentando-se em D�Ambrósio (2002, 1999, 1996), Knijnik (2004)
e Ferreira (2004).
Em seguida, procura analisar como a cultura de massa, da
escola, dos professores, dos adolescentes e da família exercem
papel fundamental na construção do conhecimento, partindo do
princípio de que os alunos estão procurando entender como se
constituem sujeitos tendo um universo a ser incorporado em sua
trajetória de vida.
Finalmente, foram apresentados resultados da observação
realizada em 2005, nas aulas de matemática. Embora os conteúdos
como as quatro operações, noções de geometria, sistema de
numeração decimal entre outros, tivessem sido desenvolvidos na
série anterior, não haviam sido interiorizados pelos alunos, talvez
porque não houvesse acontecido a relação entre o conteúdo e a
construção do conhecimento, levando em consideração as
experiências já vividas por eles.
Foi possível perceber também quais eram as exigências que as
famílias faziam com relação a conteúdos e as cobranças advindas da
sociedade as quais, esperava-se, deveriam ser respondidas
positivamente pela escola.
17
Capítulo II- Percebendo-se como Sujeito, Conhecendo o Próprio
Corpo, Aprendendo a Cuidar de Si e de Seu Corpo.
Como a matemática está presente em, praticamente, todos os
momentos de nossas vidas, procurou-se analisar de que forma os
alunos relacionavam as informações recebidas através dos
conteúdos matemáticos com o seu cotidiano e como se utilizavam
dessas informações. Através de observações realizadas, pôde-se
constatar que não faziam relações utilizando seu corpo como parte
do processo de construção do conhecimento.
Em rodas de conversa, foram questionados a respeito dos
movimentos que faziam e se estes movimentos traziam alguma
relação com a matemática. Embora já tivessem tido contato com a
noção de ângulos, não tinham percebido com as aberturas dos
mesmos podiam ser percebidas nos movimentos que seus corpos
realizavam. Foram estimulados a perceber, então, como podiam
conhecer melhor a si mesmos e a seu corpo partindo de atividades
que permitiam perceber como as articulações proporcionavam
movimentos e que os mesmos, podiam ser estudados em conexão
com a educação matemática.
Esse capítulo retrata, também, como a pesquisa-intervenção
buscou despertar uma reflexão nos alunos sobre como seus hábitos
alimentares interferem no desenvolvimento físico, possibilitando uma
análise crítica a respeito de sua alimentação. A cada dia que passa,
tomamos conhecimento do aumento do número de crianças e
adolescentes com problemas de obesidade e sabemos que a
alimentação inadequada é um dos maiores causadores deste
problema; acreditou-se ser necessário discutir esse assunto com os
alunos, uma vez que na turma tínhamos alunos obesos e alunos que
18
estavam abaixo da altura e peso, levando em consideração sua faixa
etária.
Partiu-se dos resultados da avaliação médica realizada na
escola nos quais são registrados o peso e altura de cada um;
analisando esses dados, iniciou-se um longo diálogo sobre quais
alimentos eram ingeridos, em quais quantidades e qual sua relação
com saúde, peso e altura. Observou-se que não havia uma
preocupação com o cardápio e sim em satisfazer os desejos, mesmo
que trouxessem danos ao desenvolvimento físico. Em uma
perspectiva transdisciplinar, os conhecimentos matemáticos foram
incorporados à educação para a saúde.
Capítulo III- Percebendo-se como Cidadão, Aprendendo a
Pensar sobre o Planeta e a Cuidar do Meio Ambiente.
Esse capítulo relata como a pesquisa-intervenção procurou
discutir as causas e conseqüências da degradação ambiental,
refletindo sobre a atuação de cada um na construção de uma
consciência ecológica, integrando estas discussões à educação
matemática.
Analisou-se como os alunos estabeleceram a relação entre as
ações humanas e as condições de vida em nosso planeta,
ressaltando a importância da apreensão matemática dos fenômenos
ambientais. Os alunos foram estimulados a tomar consciência da
importância de preservar e respeitar o ambiente, aprendendo a
interpretar informações de conteúdo matemático tanto nos livros
didáticos como na mídia, percebendo de que maneira a matemática
está ligada aos dados colhidos para análise e interpretação dos
problemas relacionados ao meio ambiente.
19
Tendo como objetivo a constituição de sujeitos que valorizem a
ética e a cidadania, buscou-se uma tomada de consciência dos
problemas ambientais utilizando as informações colhidas por
pesquisadores que demonstram os sérios riscos que estamos
correndo em decorrência da degradação ambiental; estamos vivendo
em um momento marcado por grandes problemas relacionadas ao
meio ambiente. Estudou-se o processo de aquecimento do planeta,
como é medida a temperatura; quais os fenômenos climáticos
envolvidos e a relação entre temperatura e números.
Com o objetivo de formar para a cidadania e para a
responsabilidade com relação ao meio ambiente, foram
desenvolvidas atividades no espaço escolar, envolvendo os alunos
da 4ª série em um projeto mais amplo, assumido por várias turmas
da escola na qual ocorreu a pesquisa-intervenção.
20
CAPÍTULO I
A Proposta Etnomatemática e a Dimensão Cultural na Escola
1-A proposta etnomatemática
Fundamenta-se no Programa de pesquisa em Etnomatemática o
presente trabalho propõe uma Educação Matemática que discuta o
saber/fazer matemático e o aluno como sujeito e como participante
dessa cultura, em uma perspectiva epistemológica e antropológica.
O ensino de matemática da maneira com que vinha sendo realizado
não proporcionava ao aluno perceber como aquele conhecimento
seria utilizado em sua vida levando-o a considerá-lo obsoleto e inútil.
Segundo D´Ambrósio: �Não é de se estranhar que o rendimento
esteja cada vez mais baixo, em todos os níveis. Os alunos não
podem agüentar coisas obsoletas inúteis, além de desinteressantes
para muitos� (2002,p.59).
A partir dos anos 80 novas experiências em educação
matemática foram surgindo como, por exemplo, a de Nunes e
Caraher (1982), em seu livro �Na vida dez, na escola zero�, que
descrevem as experiências de meninos vendedores de rua no Recife
, demonstrando que a cultura está presente em suas experiências e
juntamente com ela o uso da matemática, só que desta vez
relacionada a seu cotidiano, conforme observa Gerdes(2004).
Este autor mostrou que essas relações tornariam a
matemática algo mais que cálculos e conceitos, pois levariam o
aluno a construir um novo conhecimento agora nutrido de valores
enraizados em seu universo cultural.
21
Surgiram novas formas de designar essa matemática a fim de
diferenciá-la da estudada no contexto escolar.
Gerdes (2004, p.11), comenta na sua introdução do livro
�Estudos Etnomatemáticos�, como os pesquisadores tentaram
delimitar o campo da etnomatemática utilizando termos diversos que
apontaram para várias vertentes:
Zaslawsky em 1973- chama de Sociomatemática as aplicações
da matemática na vida dos povos africanos e inversamente o
estudo da influência que instituições africanas exerciam e
ainda exercem sobre a evolução da matemática.
D`Ambrósio,em 1982- denomina de Matemática espontânea os
métodos matemáticos desenvolvidos por povos na luta pela
sobrevivência.
Posner, em 1982- refere-se à Matemática informal como
aquela que se transmite e se aprende fora do sistema de
educação formal, levando em conta também o processo
cognitivo.
Caraher (1982), Gerdes (1982) e Harris (1987) - trabalham com
a idéia de uma Matemática Não Estandartizada.
Mellin-Oslen, em 1986- denomina de Matemática Popular,
aquela desenvolvida no dia a dia e que é o ponto de partida
para se chegar a matemática acadêmica.
Ferreira, 1987- chama de Matemática Codificada no saber
/fazer.
Gerdes mostra como a perspectiva etnomatemática traz consigo
um novo modo de ver a realidade como um todo, ao salientar e
analisar as influências dos fatores sócio-culturais sobre o ensino, a
aprendizagem e o desenvolvimento da Matemática.
22
Segundo Ferreira (2004,p.78), a etnomatemática apresenta-se
como um paradigma para a Educação Matemática, no sentido
definido por Khun; na ciência, um paradigma é estabelecido através
de normas e padrões, e indica algo mais fechado e sistematizado.
No entanto, esta não é a perspectiva de D�Ambrósio. A
etnomatemática, na perspectiva deste último, é um programa de
pesquisa aberto, pois estabelece uma relação com a prática e a
cultura; dessa maneira a etnomatemática preocupa-se com a
construção do conhecimento partindo do processo cultural em que o
indivíduo está inserido. Na perspectiva etnomatemática busca-se
desenvolver uma proposta de conhecimento mais ampla e aberta.
Segundo D´Ambrósio:
A etnomatemática privilegia o raciocínio qualitativo. Um
enfoque etnomatemático sempre está ligado a uma
questão maior, de natureza ambiental ou de produção, e
a etnomatemática raramente se apresenta desvinculada
de outras manifestações culturais, tais como a arte e
religião. (2002, p.44).
O que leva o ser humano a desenvolver modos, maneiras de
aprender e ensinar, lidar com a realidade, tem a ver com a forma
através da qual ele procura satisfazer as necessidades de sua
existência e a maneira pela qual ele procura não só sobreviver
como ir além dessa sobrevivência. Esse indivíduo está imbuindo de
conhecimentos e experiências que são geradas através da sua
cultura e o que ele absorve do mundo.
Segundo D�Ambrósio (2002), desde que os seres humanos
descobriram a Matemática como saber específico, dois itens
estiveram sempre presentes: os números e as formas geométricas. A
23
geometria [geo=terra, metria =medida] orientou os povos antigos
tanto na divisão das terras como na construção de objetos e
utensílios para facilitar o trabalho do homem. A dimensão
matemática presente na vida humana, no entanto é mais ampla do
que apenas números e formas geométricas.
O cotidiano está impregnado dos saberes e fazeres
próprios da cultura. A todo instante, os indivíduos estão
comparando, classificando, quantificando, medindo,
explicando, generalizando, inferindo e, de algum modo,
avaliando, usando os instrumentos materiais e
intelectuais que são próprios à sua cultura (D�Ambrósio,
2002, p.22).
Em síntese, cada etnia, no seu processo de compreensão e
intervenção no mundo, constrói sua cultura, pois o conhecimento é
construído a partir das experiências vividas e trocadas pelo grupo.
Nessa perspectiva a Etnomatemática coloca a matemática
formal e informal numa mesma escala de valor e abre a discussão
sobre o modo como uma pode completar a outra.
Etnomatemática para D´Ambrosio é a arte ou técnica de
explicar, de entender, e de agir sobre a realidade dentro de um
contexto cultural próprio. O autor afirma:
Indivíduos e povos têm, ao longo de suas existências e
ao longo da história, criado e desenvolvido instrumentos
de reflexão, de observação, instrumentos teóricos e,
associados a esses, técnicas, habilidades (teorias,
techné, ticas) para explicar, entender, conhecer,
aprender (matema), para saber e fazer como resposta a
24
necessidade de sobrevivência e de transcendência, em
ambientes naturais, sociais, e culturais (etnos) os mais
diversos. Daí chamarmos o exposto acima de programa
etnomatemática.(2002, p.60)
Como estamos inseridos em uma cultura, todos os hábitos e
costumes se traduzem em conhecimento, fazendo com que o sujeito
interiorize as experiências vividas e recebidas da cultura à qual
pertence.
A Etnomatemática tem como objetivo integrar a matemática
escolar à cultura de um grupo, pois pretende valorizar o
conhecimento matemático dos diferentes grupos sociais a partir do
seu processo histórico e social.
Partindo desse pressuposto a etnomatemática procura
problematizar a dicotomia entre o conhecimento reconhecido
oficialmente como matemático e aqueles vividos pelos grupos
sociais. Por muitos anos não se levou em consideração as maneiras
pelas quais os indivíduos construíam seu conhecimento, impondo
uma maneira de pensar e praticar a matemática como sendo a única
adequada e científica.
Knijnik (2000, p.51) afirma:
Neste sentido é que dizemos que a Etnomatemática
procura contar, ensinar, lidar com a história não oficial do
presente e do passado. Ao dar visibilidade a este
presente e a este passado, a Etnomatemática vai
entender a Matemática como uma produção cultural,
entendida não como consenso, não como a supremacia
do que se tornou legítimo por ser superior do ponto de
vista epistemológico.
25
Há também dimensões políticas e sociais dentro dessa
perspectiva, como afirma Knijnik :
A Etnomatemática encontra sua expressão mais
relevante quando expõe seu engajamento social, quando
não trata de questões culturais como elementos exóticos
e desenraizados, descomprometidos da luta política
(1999, p.282-283).
Se procuramos uma educação matemática voltada para a
experiência humana, não podemos deixar de vê-la a partir da cultura
na qual o grupo de alunos está inserido; neste contexto é preciso
levar em consideração a sua história e não apenas utilizar
conhecimentos dentro de uma visão dominante, ou seja, somente um
conjunto de técnicas e conceitos que expressem o que a classe
dominante acredita ser o ideal.
Segundo a autora acima citada, procuramos uma
educação que valorize as experiências trazidas pelo grupo, pautando
a construção do conhecimento a partir de algo que seja relevante
para sua vida e agregando os conteúdos matemáticos de maneira
que sejam relacionados às necessidades dessa cultura.
Para D´Ambrósio:
Os conteúdos e métodos de educação precisam ser
desenvolvidos para servir às necessidades básicas de
aprendizagem dos indivíduos e das sociedades,
proporcionando-lhes o poder de enfrentar seus
problemas mais urgentes- combate à pobreza, aumen
26
to da produtividades, melhora das condições de vida e
proteção ao meio ambiente- permitindo que assumam
seu papel por direito na construção de sociedades
democráticas e no enriquecimento de sua herança
cultural (2002, p. 62).
Não se pretende excluir a matemática considerada oficial, mas
sim dar a oportunidade de incluir no currículo, uma matemática que
contemple os grupos com distintas perspectivas culturais e que a
partir daí passe a valorizar os conhecimentos expressados nas
brincadeiras, nos jogos, nas atividades relacionadas a grupos rurais,
urbanos, bem como aos povos indígenas.
Conforme afirma Knijnik:
A Matemática, precisamente por ser produzida pelo
grupo social legitimado como o que pode /deve/é capaz
de produzir �ciência� é a que, do ponto de vista social
vale mais. Portanto, não se trata de falar, ingenuamente,
em diferentes Matemáticas, mas sim considerar que tais
Matemáticas são, em termos de poder, desigualmente
diferentes (2004, p.259).
Acredito que seja necessário desvincular a seleção dos
conteúdos matemáticos da relação de poder, pois o que acontece é
que a preocupação é �ensinar� segundo pressupostos de quem
�manda�; se buscamos uma educação que proporcione a formação
crítica do cidadão, precisamos nos preocupar em que expresse,
resgate, valorize e principalmente problematize os saberes dos mais
variados grupos sociais. Por essa razão, acredito que a
Etnomatemática possa tornar possível esse resgate, uma vez que
27
fornece subsídios que possibilitam uma nova compreensão de vida,
a fim de diminuir as injustiças às quais estão submetidos os grupos
menos favorecidos, criando alternativas de análise e mudanças em
suas condições de vida.
Contudo, para que a Etnomatemática seja inserida no contexto
escolar tornar-se necessária mudança tanto na escola como na
formação dos professores, pois hoje a escola passa por uma
transformação na qual não está definido o seu papel. Em alguns
momentos é solicitado que ela �produza� conhecimentos a serem
utilizados pela classe dominante e em outros que ela desenvolva o
senso crítico, a criatividade e principalmente que os saberes
escolares estejam relacionados aos saberes do cotidiano; para
definir qual procedimento será escolhido, tem que estar claro o que
se pretende com a construção do conhecimento pelos alunos.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a conexão entre os
saberes e o cotidiano aparece em vários textos; afirma-se, inclusive:
�Assim, tanto a História da Matemática como os estudos da
Etnomatemática são importantes para explicitar a dinâmica da
produção desse conhecimento, histórica e socialmente�
(MEC/SEF,p.80 a 82 ).
A pesquisa �intervenção mostrou que para que essa educação
se modifique, é importante mudar o enfoque dado à escola e, por
conseguinte à formação dos professores, pois a escola precisa se
tornar um espaço onde a diversidade e a ética sejam respeitadas;
exige-se compromisso tanto com os valores e desejos individuais
como com os coletivos, resgatando assim os deveres e direitos para
a efetivação da democracia.
28
Nessa perspectiva a Etnomatemática procura uma escola que
se volte para o processo de construção de conhecimento presente
no cotidiano, e na cultura com o intuito de aprender e enriquecer o
seu verdadeiro papel social.
Outro aspecto importante para que a escola se torne um
espaço de mudança é a participação da comunidade, na qual ela
está inserida, pois somente assim oferecerá condições de atender à
diversidade cultural preservando a integridade intelectual de seus
membros.
Segundo Monteiro (2004, p.440) a ligação entre os saberes do
cotidiano e da cultura também foi pensada por autores importantes
da sociologia e antropologia como: Mafessoli, Balandier e De
Certeau;para estes autores,o cotidiano é um lugar privilegiado, onde
emerge o próprio sentido da existência.
Segundo Balandier:
O estudo da vida cotidiana se centra no sujeito, naquilo
que o rodeia diretamente: os familiares, os vizinhos, os
amigos, os companheiros...e em todas aquelas práticas,
representações, simbolizações por meio das quais o
sujeito se organiza e se relaciona com a sociedade, com
a cultura e com os acontecimentos (BALANDIER, 1984,
p. 104, apud Monteiro, 2004, p. 440).
Percebe-se a partir desses autores, a importância de se levar
em conta a história que acompanha o sujeito, uma vez que através
dela conseguimos fazer uma análise sobre a sua vivência e como ela
poderá auxiliar na construção do conhecimento.
29
O processo educacional, nessa perspectiva, necessita
reorganizar a escola, suas relações no que se refere ao
tempo/espaço, à possibilidade de viver as diversidades, para
compreender o currículo como um conjunto envolvendo valores que
possibilite a escolha das identidades e principalmente que permita
aos professores e alunos fazerem parte desse processo.
O sujeito se constitui através da herança cultural, assim sua
formação está imbuída de valores que lhe são atribuídos pela cultura
parental, e que por sua vez recebe através da experiência de vida,
uma série de novas informações que serão transformadas através da
sua subjetividade.
A presente pesquisa buscou mostrar como a cultura de massa,
a cultura parental, a cultura dos professores, a cultura da instituição e
a cultura adolescente estão presentes no cenário escolar.
Para Morin, a cultura nos possibilita perceber quem somos, pois
é através dela que nos caracterizamos como sujeito.
A pesquisa intervenção apontou para diversas culturas
presentes no ambiente escolar,o que gera uma série de conflitos: de
um lado temos a cultura adolescente que está preocupada em
preservar o que é passado pela cultura de massa e por outro
encontramos a cultura da escola e a dos professores que estão
preocupados em mostrar aos alunos a importância de se adquirir
conhecimento e de fazê-los perceber que a construção do
conhecimento é necessária. Observamos um enorme confronto entre
essas culturas uma vez que o que é importante para uma não é para
a outra.
A pesquisa mostrou como é necessário proporcionar no
ambiente escolar condições que favorecessem aos alunos um maior
30
contato com a cultura da escola e a cultura dos professores através
de um diálogo crítico e amistoso, proporcionando assim condições
para que se efetivasse a construção do conhecimento.
Morin define a cultura como sendo �Um corpo complexo de
normas, símbolos, mitos e imagens que penetram em sua intimidade,
estruturam os instintos, orientam as emoções. (1981:15)�.
Para ele recebemos as informações e as transformamos,
tornando-as mais próximas daquilo que acreditamos e levando em
consideração a nossa subjetividade. Através da cultura, estamos em
contato com o real e o imaginário, pois ambos estão intrinsecamente
ligados.
Morin compreende a cultura como sendo um sistema simbiótico-
antagônico de múltiplas culturas, pois nenhuma cultura se isenta das
informações e influências recebidas de outras culturas.
Através da análise das múltiplas culturas presentes na escola,
foi possível perceber como predomina a cultura de massa, que é a
cultura dominante, uma vez que as posturas adotadas retratam
exatamente o que é imposto por ela, desconsiderando os valores e
principalmente a justiça, deixando em um segundo plano o que seria
necessário para termos uma sociedade justa e emancipada.
Como o sujeito está inserido numa cultura, todos os elementos
que fazem parte da mesma são instrumentos que possibilitam a
construção do conhecimento, da cidadania e do sujeito, dando-lhe
significado.
A pesquisa foi desenvolvida em uma escola particular situada
na região da Penha, com 11 anos de funcionamento, oferecendo as
seguintes modalidades de ensino: Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Ensino Médio; este ano conta com 500 alunos, com
31
aproximadamente 80 profissionais da educação, atendendo alunos
de vários bairros da Penha, de classe média.
As classes são organizadas na Educação Infantil com 15
alunos, Ensino Fundamental I, com 25 alunos e Ensino Fundamental
II e Médio com 30 alunos. Por possuir uma visão sócio -construtivista
desenvolve uma proposta pedagógica que tem como pressuposto
tratar o conhecimento a partir das experiências e história de vida dos
alunos.
A escola se preocupa em dar um atendimento de qualidade
aos seus alunos, o que favorece sua permanência da Educação
Infantil ao Ensino Médio e o fortalecimento da relação entre a escola
e os mesmos.
2- A cultura parental e sua relação com a cultura de
massas
Com relação aos pais é possível observar que estão buscando
uma escola que se diferencie das outras, principalmente na questão
do vínculo com o aluno. Entretanto, é fácil perceber que eles
confundem o papel que a escola deve exercer sobre a formação de
seus filhos, com o papel da família, pois acabam passando àquela
toda responsabilidade da formação, tanto no que se refere ao
conhecimento, como o dos valores.
Por sua vez a escola procura conscientizar os pais sobre qual
deve ser efetivamente a sua participação na formação desse
cidadão, porém encontra uma certa dificuldade na parceria, pois os
mesmos não tem definido quais são as prioridades na formação de
seus filhos, deixando-os confusos sobre a real importância que a
escola têm em suas vidas. Se os pais tivessem clareza sobre a
32
importância da instituição escolar na construção do conhecimento e
da formação do sujeito como cidadão, seria possível que seus filhos
sentissem a importância da escola na vida. Se estamos procurando
uma escola que proporcione a construção do conhecimento, da
subjetividade e da cidadania, precisamos antes de qualquer coisa
definir as relações entre família e escola, o papel de cada uma e a
interação entre diferentes perspectivas culturais.
Essa análise sobre a realidade dos pais é muito importante
porque mostra a influência da cultura na vida dos alunos, uma vez
que os mesmos percebem como os pais estão sendo profundamente
influenciados pela cultura de massas, principalmente pela mídia.
A cultura de massa caracteriza-se por padrões, modelos, saber
fragmentado, códigos, uma vez que o sujeito vive muito no
imaginário e pouco na realidade, sendo assim não está preparado
para o sofrimento e procura um referencial para viver.(Morin, 1981)
Como é uma cultura transmitida pela mídia e pelos outros
meios de comunicação exerce grande influência na vida das
pessoas, fazendo com que haja uma constante renovação e
alteração nas experiências vividas, modificando-se e sendo
apropriadas pelas novas gerações.
A cultura de massa se pauta por um imaginário, mas esse
imaginário influencia o seu dia-a-dia, embora pareçam contraditórias,
estão intimamente ligadas.
Para Morin:
A cultura extrai da existência a experiência que permite
assimilar e eventualmente estocar; de outra parte,
fornece à existência os quadros e estruturas que
33
assegurarão, dissociando ou misturando a prática e o
imaginário (1997, p.77-78).
Essa cultura de certa maneira possibilita ao sujeito retornar ao
egocentrismo, pois tem o �poder� de torná-lo cada vez mais o centro
do universo, em função de que a mídia e os outros meios de
comunicação exercem muita influência na mudança de
comportamento, alterando assim os princípios existentes inicialmente
na formação desse indivíduo.
�(...) Concebemos a cultura como um sistema
metabolizante, isto é, que assegura mudanças (variáveis
e diferenciadas segundo as culturas) entre os indivíduos,
entre o indivíduo e a sociedade, entre a sociedade e o
cosmos, etc.� (...) �Este sistema deve ser articulado ao
sistema social em seu conjunto� (MORIN, 1977,p.79).
A Cultura de Massa não se preocupa em educar para
atividades produtivas, para o trabalho, pois não é essa a sua
tônica.(MORIN,1981)
Percebe-se que os pais destes alunos perderam certas
características que normalmente se atribui à cultura parental como,
por exemplo, a preocupação com a educação, são pais jovens que
aparentemente não tem mais a compreensão do que seria educar os
filhos, delegando essa função para escola, pois já foram criados e
educados na cultura de massa; como é uma cultura que não ensina
como educar os filhos, eles se vêm com o direito de pagar e delegar
essa função à escola, perdendo a ligação importantíssima entre a
família, educação e cultura.
34
Para compreender a cultura parental é preciso entender como
esse processo ocorreu ao longo da história.
Segundo Guazzelli, na Idade Média a educação dos filhos não
era função dos pais; esses delegavam essa educação a outras
famílias, com a intenção de prepará-los para uma profissão.
Segundo a mesma autora, foi a partir do século XVII que se
iniciou o processo de escolarização de forma muito lenta e somente
no final do século XIX as instituições escolares começaram a crescer
e a maioria das crianças passou a freqüentá-las, fazendo com que o
sistema de aprendiz desaparecesse e se iniciasse a escolarização
(GUAZZELLI; MACIEL;CARVALHO, 2005 ).
A idéia das famílias cuidarem dos filhos é muito recente; por
outro lado, a influência da cultura de massa é muito forte uma vez
que a cultura parental foi perdendo seus valores.
Guazzelli trabalha a idéia de uma cultura parental a partir de
uma definição apresentada por Feixa:
Pode-se trabalhar com a idéia de uma cultura parental,
tal como tem sido discutida por carlos Feixa (FEIXA,
1999), isto é, a cultura da família, que se insere, por sua
vez, em contextos culturais mais amplos, organizados
em torno de uma certa identidade, seja esta étnica, de
classe social ou de uma comunidade de origem. A
cultura parental se organiza em torno de normas de
conduta, valores, padrões, percepções e experiências,
estilos de vida, vivências, mediados e transmitidos pela
família, mas que se inserem em universos culturais mais
amplos (GUAZZELLI, 2004, p.9).
35
O importante para os pais dos alunos com os quais se
desenvolveu a pesquisa é proporcionar aos seus filhos um bom nível
econômico, satisfazer as necessidades materiais e garanti-las, mas
não se vêem como educadores.
Percebe-se um conflito entre a visão da escola, que enxerga a
realidade e a educação de forma mais abrangente e mais reflexiva, e
a visão dos pais, que por estarem inseridos na cultura de massa, não
valorizam a construção do conhecimento, da subjetividade e da
cidadania, fazendo com que os alunos também tenham dificuldades
de lidar com essa construção.
Por este motivo é tão importante analisar a cultura de massas,
cultura parental, cultura dos professores e a cultura dos
adolescentes, no contexto escolar, numa perspectiva
etnomatemática.
Ao analisarmos os comportamentos dos alunos não podemos
deixar de observar o contexto cultural no qual estão inseridos, pois é
a partir das experiências vividas pelos pais que a criança inicia o seu
processo de construção, referente aos valores, gostos, atitudes e,
principalmente, as escolhas que farão no seu caminho; se o seu
cotidiano estiver associado a exemplos que não valorizam o papel da
escola, dificilmente conseguiremos conscientizá-los da sua
importância sobre a construção do conhecimento.
Como se sabe a cultura de massa procura convencer as
pessoas da necessidade de se ter ou fazer, o que na visão de quem
esta dominando é o mais importante.
Na escola tanto a cultura de massa, como a cultura parental é
observada nos pais, no momento em que passam aos seus filhos os
valores formadores de suas condutas.
36
Como é possível uma criança construir seu conhecimento se
para a família isso de fato não é importante? Se fosse, os mesmos
achariam tempo e forma de participar; entretanto parece que eles
estão convencidos de que não é importante, que é uma exigência da
escola, na tentativa de fugir das suas responsabilidades, tendo uma
visão da escola como algo totalmente desvinculado das suas vidas,
embora o discurso seja outro, uma vez que sabem que
posteriormente serão cobrados. Uma preocupação forte que eles tem
é com relação à promoção; o conhecimento não é priorizado e sim o
status de se estar na série seguinte, para manter uma imagem
perante os outros.
A cultura de massa propõe o individualismo, a competição e a
superioridade, está vinculada a aspectos considerados positivos
como, por exemplo, o sucesso, o bem estar material, o poder e o
prestígio. Na verdade, essa é a cultura dos pais, e influência
profundamente os filhos, pois ao desenvolver esse processo de
construção de conhecimento estão sempre sendo solicitados a fazer
alguma coisa diferente do que o professor propõe, porque aquilo que
a família de fato quer é que ele acerte o máximo de respostas, que
seu rendimento seja o melhor, não dando valor à construção do
conhecimento. Como a família demonstra esse sentimento, aos
poucos a criança também vai perdendo o interesse em construir o
seu conhecimento, entrando em conflito, sem saber o que é
realmente importante para sua vida ou se o importante é competir
para naquele momento ter um resultado que satisfaça à família e por
alguns instantes a si próprio. A maior dificuldade é fazê-los entender
que o resultado faz parte de um processo que facilitará a constituição
do sujeito.
37
Na perspectiva da cultura parental, os alunos estariam
preocupados em cumprir os créditos para obter um status perante a
sociedade não valorizando a construção do conhecimento.
Como parte do processo passo a analisar o resultado de
algumas observações que são importantes para mostrar como essa
cultura influencia diretamente as famílias e os alunos da escola onde
a pesquisa está sendo desenvolvida.
Observação 1
Na escola onde a pesquisa está sendo desenvolvida, cada
aluno possui um prontuário para acompanhamento do processo
pedagógico.
Quando recebi a relação dos alunos que fariam parte da minha
turma, busquei esse documento para fazer uma análise pedagógica
e enumerar quais intervenções seriam necessárias para o
desenvolvimento pedagógico dos alunos, levando em consideração o
processo de construção do conhecimento.
No momento em que peguei a documentação de Paulo,
observei que foi matriculado a partir 2ª série e que foram realizadas
as triagens com a fonoaudióloga e psicóloga da Instituição, tendo
sido solicitada a intervenção de um especialista de fonoaudiologia ,
pois o mesmo apresentava várias trocas que não eram mais
pertinentes à série e suas produções ainda se apresentavam muito
confusas e sem nenhuma estruturação.
Outro aspecto que estava mencionado nesses documentos era
a falta de compromisso com as atividades enviadas para casa, que
freqüentemente vinham sem fazer ou quando feitas eram de maneira
inadequada, demonstrando a falta de acompanhamento pelos
responsáveis.
38
Mesmo após várias solicitações da escola a família não havia
iniciado o tratamento.
Após ter lido essa documentação, aguardei o início do ano
letivo para poder conversar com os pais e verificar a possibilidade de
a partir desse ano dar início as intervenções necessárias.
Por volta do início de março de 2005, percebi que as
dificuldades que o aluno Paulo havia apresentado nos anos
anteriores continuavam, principalmente na elaboração de textos
diversos e no desenvolvimento das atividades que eram enviadas
para casa.
Após ter conversado várias vezes com o aluno, solicitei a
presença da família para podermos juntos buscar uma forma de
conseguirmos sanar as dificuldades apresentadas por Paulo.
Para iniciar a conversa com seu pai e responsável, relatei que
Paulo demonstrava em suas produções de textos dificuldades de
elaboração, estruturação, trocas ortográficas e principalmente uma
falta de compromisso com o desenvolvimento das atividades.
O pai afirmou participar com freqüência das atividades de seu
filho; entretanto, o material que foi mostrado pela professora
contrariava essa afirmação, uma vez que as atividades propostas ou
estavam sem fazer ou feitas de maneira inadequada, demonstrando
que esta participação não existia.
No momento em que percebeu que sua fala estava
contrariando o que estava sendo demonstrado pela professora, o pai
procurou subterfúgios para justificar o que a família havia deixado de
fazer, criando uma fantasia que demonstrava uma família perfeita e
delegando para a escola a responsabilidade pela dificuldade do
filho; foi possível perceber que a imagem que o pai tentava passar
na escola era totalmente diferente daquela que a criança
demonstrava no seu dia-a-dia em sala de aula.
39
Observação 2-
O aluno de que se trata a observação 2, está conosco desde a
pré-escola, é uma criança que demonstra ter excelentes recursos de
análise e reflexão.
Entretanto apresenta uma dificuldade muito grande em
relacionar-se e principalmente em lidar com qualquer tipo de situação
que possa aparecer na resolução de situações problema.
Uma das maiores dificuldades com esse aluno era fazê-lo
entender que todos cometemos erros e que podemos nos utilizar
desses erros para aprimorarmos a construção do conhecimento sem
ter vergonha; que todas essas fases fazem parte do processo de
construção. Mesmo assim demonstrava insatisfação só de pensar na
possibilidade de em algum momento não ser o �melhor�.
Em um determinado momento esse aluno se viu diante da
situação que para ele parecia impossível de acontecer e seu
comportamento foi o descrito abaixo.
Durante a execução de uma atividade de matemática que
envolvia as quatro operações, através de situações problema, um
aluno que estava acostumado a receber os melhores conceitos, se
deparou com uma realidade diferente, pois lhe foi atribuído um
conceito que não estava habituado.
No momento que recebeu a atividade a professora percebeu
seu desapontamento e perguntou se havia algo que gostaria de
perguntar.
Ele respondeu que não, mas seu comportamento contrariava
sua resposta.
Tal não foi a surpresa, que em sua agenda no dia seguinte
havia a solicitação de seu responsável para conversar com a
professora.
No dia e hora marcada a mãe e responsável pelo Amauri
esteve na escola.
40
Ela iniciou a conversa dizendo que só estava lá pela insistência
de seu filho, pois encontrava-se desolado com o conceito que lhe
fora atribuído, que para ela não fazia a menor diferença. Entretanto
demonstrava a insatisfação de ter que lidar com uma situação que
mais cedo ou mais tarde faria parte da vida do filho.
Em uma de suas falas mencionou:
�- A preocupação dele era manchar o boletim com um conceito�
B �, e o que os seus colegas iriam dizer!�
Comentário e análise:
Diante do relato percebemos como a família também tem
dificuldade em lidar com a situação de conflito vivida pelos seus
filhos, uma vez que está embutida na formação dos mesmos a
necessidade de mantermos um status, que muitas vezes é imposto
pela sociedade; não fazemos uma análise para sabermos se
queremos viver em função da competição e da mudança de valores
que descarta o respeito às diferenças e à individualidade.
A criança interioriza a necessidade de ser o melhor, pela
valorização que a família atribui a esta posição e pelo status perante
a escola e os colegas de classe.
Em alguns momentos pudemos perceber essa influência
também nos relatos dos alunos, pois para eles essa competição
também é importante para demonstrar a superioridade em relação ao
grupo.
Uma preocupação presente na escola relaciona-se com a
questão dos erros e dos acertos, o que gera um conflito entre a
escola, os alunos e os familiares.
No contexto escolar nos confrontamos com a quantidade e não
com a qualidade que a produção de cada um tem a oferecer,
estamos sempre em contato com a competição e não com análise do
41
que produzimos, existe ainda uma grande busca em manter a
condição de superioridade.
Deparamos nos ainda com situações onde não se verifica o
processo e sim o resultado, esse fato aconteceu durante a pesquisa
como podemos observar a seguir.
Observação 3
Durante a devolução de uma atividade de matemática que
envolvia a questão de interpretação e cálculos, é comum os alunos
conversarem a respeito de seus acertos ou erros,contar quantos
erros e acertos, sem analisar as questões, pois a única preocupação
pelo menos naquele momento é a comparação e a competição com
relação aos conceitos atribuídos.
Foi exatamente o que ocorreu com a atividade em questão,
seguida da seguinte pergunta, por um aluno que tem dificuldade de
lidar com a possibilidade de sentir-se inferiorizado com relação aos
conceitos.
__Professora, porque eu tirei B se só errei duas questões,
sendo que o Carlos também errou duas e tirou �O�?
__Olha a minha resposta está parecida com a dele, porque
você não considerou do mesmo jeito?
A situação acima demonstra a necessidade de valorizar somente
o conceito e não o processo que esta inserido na construção individual
e posteriormente coletiva do conhecimento.
Ficou óbvio que o aluno em questão estava preocupado com o
status que não poderia assumir naquele momento, pois tinha a
necessidade de lidar com a possibilidade de estar em condição
inferior com relação ao conceito atribuído, o que lhe trouxe uma
�cegueira�, não o deixando ver e valorizar o que havia aprendido,
42
importando somente o que tinha errado e o deixado em conflito com
o grupo classe.
3- A cultura escolar e a cultura dos professores.
Está presente neste contexto a cultura dos professores, que
valorizam o processo de construção do conhecimento e não seu
resultado; de certa maneira encontra-se em conflito com a cultura de
massa e a parental, pois para eles necessita-se resgatar a
importância da construção do conhecimento tanto com as famílias
como com os alunos.
Para Guazzelli, a cultura dos professores foi sendo construída
ao longo de sua história.
Segundo a mesma autora:
Muito do que se entende por �Educação� é fruto desta
cultura; seus projetos, suas práticas, suas experiências e
descobertas, seus mitos e seus heróis, construídos pelos
professores ao longo de sua história, suas perspectivas
com relação à importância da escola na sociedade,
constituem elementos de uma cultura que tem um papel
a desempenhar frente à realidade cultural de nosso
tempo,por sua riqueza e complexidade. (2005, p.6)
Os professores procuram nortear seu trabalho fundamentando-
se no que acreditam e buscando alternativas que os aproximem dos
alunos, procurando trazer à tona o interesse dos mesmos por esse
espaço de troca de experiências e aprendizagem que é a escola.
É importante esclarecer que os professores não devem
renunciar ao que acreditam; entretanto tornar-se-á necessário
encontrar uma estratégia que os aproxime dos alunos.
43
Guazzelli afirma que:
Nem a instituição escolar nem tão pouco os professores
devem renunciar às suas especificidades culturais para
identificarem-se com as culturas adolescente-juvenis;
falta a estas últimas densidade antropológica e uma
perspectiva de vida mais abrangente e mais rica que só
a experiência e a maturidade oferecem ao ser humano.
(2005,p.8)
Entender essas interferências não é fácil, entretanto
necessitamos mergulhar nesse mundo cultural, social e econômico
dos jovens para podermos nos aproximar e a partir daí tentar
compartilhar um conhecimento que possibilite a relação entre esses
�mundos� os quais ao mesmo tempo que parece distantes estão tão
próximos.
Apesar dos jovens tentarem um afastamento do mundo adulto,
quando necessitam de ajuda e amparo buscam aconchego em
alguém que possa protegê-los e dar-lhes a segurança de que
precisam.
Neste contexto é difícil achar o meio termo, pois da mesma
maneira que os professores estão preocupados com o processo de
construção do conhecimento, eles sabem da cobrança que a
sociedade exerce na conquista de bons resultados, na realidade os
professores encontraram-se em conflito com o que precisam ensinar,
de um lado a perspectiva de se ter um sujeito consciente e crítico de
outro o que lhe é pedido pelos órgãos oficiais, com o interesse de se
obter resultados que nem sempre condizem com a realidade vivida
no cotidiano escolar.
Segundo Guazzelli (2005), historicamente a cultura dos
professores teve sua origem nos Estados Unidos em meados do
44
século XIX e no Brasil, a partir do início do século XX, com a
implantação dos sistemas nacionais de ensino.
Trata-se de uma cultura que compreende seus projetos, suas
práticas, suas experiências e descobertas, seus mitos e seus heróis,
suas perspectivas com relação à importância da escola e da
educação na sociedade.
A cultura dos professores procura esclarecer a importância da
escola na vida e na formação do sujeito como ser e principalmente
como a interação desse sujeito com o mundo interfere na construção
da sociedade; por sua vez tem com o objetivo proporcionar uma
visão critica e emancipatória .
Através da observação, a visão cultural dos professores é
contra a visão da mídia, pois procura fazer uma análise crítica,
questionando os aspectos relevantes dessa cultura produzida pela
elite, a qual não demonstra nenhuma preocupação em informar e
formar aqueles que a recebem; é neste momento que a cultura dos
professores se confronta com a cultura de massas e parental, na
medida em que os coloca frente a frente e provoca uma discussão
que proporciona uma reflexão e por conseqüência as possibilidades
de discernimento, a fim de gerar um conhecimento representativo e
de qualidade.
A preocupação dos educadores da escola em que foi realizada
a pesquisa-intervenção é proporcionar aos seus alunos
possibilidades de análises críticas e fundamentadas para que os
mesmos tornem-se cidadãos atuantes, com condições de decisões
pautadas em fatos reais e sem disfarces.
Com relação à Cultura da Escola é importante mencionar o
papel desempenhado pela diretora pedagógica que organizou e
esteve à frente da proposta por 10 anos, preocupando-se em
desenvolver um trabalho muito próximo aos professores e aos
45
alunos, possibilitando uma ampla discussão sobre a proposta na qual
a equipe estava inserida.
Demonstrou ser uma profissional que preocupava -se em
participar integralmente das atividades desenvolvidas na escola,
estando sempre disposta a compartilhar os momentos bons e os não
muito agradáveis.
Certamente a escola tem muito do seu jeito, na medida em que
sempre se preocupou em proporcionar aos alunos um ensino de
qualidade, buscando conciliar as exigências do sistema de ensino,
não deixando de lado a formação holística do cidadão. Acreditava
que o cidadão se constituía a partir da sua história, e a partir dela
seria capaz de ampliá-la através das experiências vividas em
sociedade, possibilitando a sua formação enquanto sujeito.
Dentro desta perspectiva, a direção procurou desenvolver
projetos que tivessem como foco a construção de um cidadão capaz
de refletir e analisar de maneira crítica, e mantendo o mesmo grupo
de professores, a fim de possibilitar interação dos docentes, pois um
grupo que desempenha um trabalho com seriedade estabelece um
vínculo com a instituição. Demonstrou ser uma direção transparente
sem postura ambígua, não descaracterizando sua funções e
finalidades dentro da proposta pedagógica.
Quando há envolvimento entre a equipe de professores, os
pais e os alunos, é possível perceber a concretização dos objetivos
essenciais na construção de uma escola que visa a construção do
conhecimento, da cidadania e do sujeito.
Esta escola, durante todos esses anos tem buscado
alternativas para inserir as famílias no processo educacional, mas
tem encontrado dificuldades, uma vez que as mesmas estão vivendo
uma crise de valores, e não sabem bem o que será melhor para os
seus filhos.
46
A corrida pela sobrevivência e a manutenção do status tem
distanciado os pais da vida dos filhos, deixando-os cada vez mais
sob olhares de outras pessoas, sem uma participação efetiva na vida
escolar, assim as crianças tem perdido o laço de afetividade ficando
cada vez mais sozinhas e por conseqüência mais isoladas dos
valores mínimos de uma convivência saudável.
É comum observar nos alunos um comportamento hostil e de
poucos amigos; apresentam dificuldade de demonstrar os seus
sentimentos e de se relacionar.
Para que se tenha uma mudança de comportamento torna-se
necessário uma parceria entre a escola e a família, levando-se em
consideração a diversidade existente, tentando resgatar os valores
que foram aos poucos se distanciando da vida e do cotidiano das
pessoas, somente assim daremos início a uma retomada de
consciência para delinear as prioridades com relação à formação e
construção do sujeito aluno.
4- A cultura matemática
Finalmente, segundo Alves Dias, é importante pensar em uma
cultura matemática enquanto realidade cultural específica que está
presente no universo escolar, embora não se reduza apenas a esta
dimensão.
Menciona Alves Dias¹ : 1�Não se pode deixar de citar a Cultura Matemática,
uma vez que é através dela que se tenta, aqui,
compreender as mudanças ocorridas no processo de
ensino aprendizagem dessa disciplina, as diferentes
escolhas que podem ser efetuadas e procura-se, ainda,
1 Essa análise foi apresentada pela autora Profª Dra. Marlene Aves Dias em uma entrevista realizada em
Abril/2006.
47
verificar se essas mudanças estão relacionadas a
mudanças culturais e sociais ao longo de sua história�.
Verifica-se, que no Brasil, é somente a partir da
metade da década de 80, que os pesquisadores iniciaram
um movimento para
compreender as dificuldades relacionadas ao ensino
aprendizagem de matemática. Pode-se considerar que as
pesquisas apresentadas a partir dessa época estão
baseadas em duas grandes vertentes, uma que tenta
compreender como os professores de matemática
manifestavam seus conhecimentos e suas idéias sobre o
processo de ensino aprendizagem, e a outra sobre como
os alunos apreendiam e compreendiam as diferentes
noções matemáticas.
É também a partir dos anos 80, que surge, no Brasil,
estudos que tentam estabelecer os conhecimentos
profissionais dos professores, partindo do pressuposto de
que os professores produzem, na prática, saberes práticos
sobre a Matemática escolar, currículo, atividade, ensino
aprendizagem. Esses estudos mostram que esses saberes
práticos se transformam, tornando-se uma prática reflexiva
ou investigativa. Pode-se considerar que seria uma forma
que os professores utilizam para tentar compreender as
dimensões que envolvem as culturas matemática e
matemática de massa.
Sendo assim, pode-se dizer que essa prática reflexiva
ou investigativa, muitas vezes implícita em seu trabalho,
seria uma das formas que os professores utilizam para
compreender as dimensões culturais dos diferentes
contextos em que estão inseridos. Deve-se lembrar que,
em geral, o professor se encontra em um determinado
contexto, no qual a cultura predominante lhe é totalmente
desconhecida e para realizar seu trabalho ele precisa
refletir sobre essa cultura para encontrar os meios que
possibilitem atingir o público com o qual está trabalhando.
48
Além disso, é importante ressaltar que poderão existir
conflitos uma vez que o professor nem sempre escolhe o
grupo com o qual deseja trabalhar e poderá levar um certo
tempo para operar essa adaptação. É dessa forma que se
supõe que os professores estariam buscando
compreender as dimensões que envolvem a cultura
matemática e a cultura matemática de massa através de
uma prática reflexiva e interpretativa.
Sendo assim, segundo Alves Dias, utiliza-se o termo
�cultura matemática� para a formação especifica de
matemática do bacharel e licenciado nesta área e cultura
matemática de massa, a matemática que serve de
ferramenta para o indivíduo compreender e tomar
decisões nos diferentes contextos onde é obrigado a
aplicar os seus conhecimentos matemáticos.
Considerando essas duas culturas, pode-se observar
que o professor, não importa o nível de escolaridade em
que esteja trabalhando, deve ter acesso à cultura
matemática não podendo realizar seu trabalho centrado
apenas na cultura matemática de massa, pois seu objetivo
primeiro é fazer com que os alunos participem do processo
de ensino aprendizagem de matemática. Portanto, é a
cultura matemática que irá auxiliá-lo na tentativa de
encontrar o caminho que poderá ser seguido, pois é ela
que permitirá reconhecer os conhecimentos disponíveis de
seu grupo de alunos e a partir desses encontrar as
diferentes formas de ampliar esses conhecimentos na
tentativa de introduzir esses alunos nessa nova cultura
que é a cultura matemática, mesmo que essa seja
basicamente escolar, mas que poderá auxiliá-los a
resolver problemas reais para os quais a falta de
conhecimentos básicos de matemática não os permite
exercer seu papel de cidadão.
Deve-se observar, ainda, que ao introduzir o aluno na
cultura matemática escolar o professor também deve se
49
preocupar com os que desejam ultrapassar o nível de
conhecimentos básicos para sua sobrevivência, isto é, o
conhecimento associado apenas à cultura matemática de
massa, e levar também em conta aqueles que desejam
realmente compreender a evolução do mundo das
ciências, onde a matemática, em geral, é uma ferramenta
que auxilia a explicação do fenômeno que está sendo
estudado.
Um outro fato importante é a dificuldade de se desenvolver um
trabalho interdisciplinar, pois o grupo de professores precisa estar
preparado para as possíveis dificuldades que possam aparecer no
desenvolvimento do projeto.
Menciona Alves Dias:
Verifica-se, aqui, uma outra dificuldade associada ao
trabalho do educador matemático, pois é necessário um
trabalho interdisciplinar que só pode ser realizado
levando em conta as especificidades de cada membro
do grupo que deseja realizar esse trabalho, isto é, trata-
se de um trabalho em grupo onde cada integrante deve
dar conta da parte que lhe é mais adequada e ser capaz
de compreender seus limites.
50
CAPÍTULO II
PERCEBENDO-SE COMO SUJEITO:
CONHECENDO O PRÓPRIO CORPO, APRENDENDO A CUIDAR DE SI e
DE SEU CORPO.
Uma segunda dimensão da pesquisa, apresentada e discutida
neste capítulo, procurou trabalhar a educação etnomatemática
integrada ao conhecimento do sujeito sobre si mesmo e sobre seu
corpo, bem como nas relações com os outros colegas dentro da
turma. Inicialmente, apresenta-se uma reflexão sobre os
fundamentos teóricos do conhecimento na perspectiva de Morin
para, em seguida, analisar o desenvolvimento da pesquisa-
intervenção.
Sujeito e conhecimento na perspectiva de Morin
Segundo Morin (2000, p.35) o conhecimento do mundo, como
mundo, é necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital;
necessitamos articular e organizar o conhecimento para poder
entender, reconhecer e conhecer os problemas colocados pelo
mundo presente; para que isso aconteça, precisamos reformar o
pensamento. A educação deveria desenvolver a inteligência geral
como abertura para todos os conhecimentos.
Para Morin (2000, p.39) �... a educação deve ao mesmo tempo
utilizar os conhecimentos existentes e superar as antinomias
decorrentes do progresso nos conhecimentos especializados�, nesta
concepção, aproveita-se todas as informações trazidas pelos indiví-
51
duos, ampliando e possibilitando a construção do conhecimento,
desenvolvendo-o nos sujeitos e nos grupos em conexão com a
vida.
Segundo Morin �cada um de nós é uma multiplicidade: somos
vários e somos um�, ou seja, estamos inseridos num contexto onde
as heranças fazem parte da construção do sujeito; ele as transforma
a partir de suas experiências de vida.
Essa afirmação de Morin foi confirmada pelas
observações realizadas durante a pesquisa-intervenção: a escola da
pesquisa é um ambiente repleto de múltiplas culturas; observamos
como elas se entrelaçam e dão origem à transformação do sujeito.
Para Morin, o sujeito move-se entre a liberdade e o
determinismo, entre o tudo e o nada, entre a autonomia e a
dependência (GUAZZELLI, 2003). Ser sujeito é estar em constante
mudanças e reflexões para poder nutrir a ação emancipatória e
cidadã; para compreender as mudanças pelas quais está passando,
precisa refletir e construir um novo pensamento acerca do seu
cotidiano.
Segundo Morin, é preciso colocar o sujeito em destaque,
pois a ele estão conectados os conhecimentos, as ciências e os
saberes.
Enquanto as ciências normais, inclusive cognitivas, se
fundam no princípio disjuntivo que exclui o sujeito
(cognoscente) do objeto (conhecimento), isto é exclui o
cognoscente do seu próprio conhecimento, o
conhecimento deve enfrentar o paradoxo de um
conhecimento que não é o seu próprio objeto senão
52
porque emana de um sujeito. [...] Não se trata de
resvalar para o subjectivismo: trata-se muito pelo
contrário de enfrentar esse problema complexo em que o
sujeito cognoscente se torna objecto do seu
conhecimento ao mesmo tempo que permanece
sujeito.�(MORIN, l988, p. 25)�.
Entendo que para que essa relação aconteça precisamos
compreender a complexa relação que há entre sujeito e objeto, em
todos os âmbitos do conhecimento, pois essa relação só acontecerá
quando o sujeito entender que o objeto faz parte de si; condição
necessária para se perceber de forma plena.
Segundo Morin, a educação do futuro precisará situar-se na
condição humana, ou seja, deverá dar ao sujeito (indivíduo) a
importância que ele realmente tem para a construção de um mundo
melhor.
Morin menciona: Conhecer o humano é, antes de mais nada,
situá-lo no universo,e não separá-lo dele (2000, p.47).
Para que esse sujeito esteja inserido neste universo, será
preciso fazê-lo perceber a sua importância. Precisará refletir qual é o
seu papel neste mundo e de que maneira sua existência modifica e
interfere na condição humana bem como no planeta e no cosmos..
Se somos parte desse universo como podemos nos sentir
muitas vezes alheio a ele?
Morin comenta:
Somos originários do cosmos, da natureza, da vida, mas
devido à própria humanidade, à nossa cultura, à nossa
mente, à nossa consciência, tornamo-nos estranhos a
53
este cosmo, que nos parece secretamente íntimo.(2000,
p.51)
Diante das circunstâncias, por muitas vezes parecemos
estranhos a nós mesmos, tomamos atitudes que sequer
reconhecemos, de certa maneira somos reflexos das ações
exercidas por outros, deixamos de discernir sobre o que é bom e o
que não o é.
Em segundo lugar, conhecer a condição humana é perceber
que compomos um circuito formado por indivíduo/sociedade/espécie,
que estão intimamente relacionados, conforme esquema abaixo:
Indivíduo
Espécie Sociedade(Morin, 2000, p.54)
Segundo Morin:
No sentido antropológico a sociedade vive para o
indivíduo, o qual vive para sociedade; a sociedade e o
indivíduo vivem para a espécie, que vive para o indivíduo
e para a sociedade.
Nesta perspectiva, cada termo é ao mesmo tempo meio e fim,
pois estão intrinsecamente ligados para organizar a vida e perpetuar
a cultura.
54
Dessa forma para que a vida tenha continuidade precisaremos
estar seguros da nossa participação, na consciência que deveremos
ter para garantir a diversidade dos indivíduos, dos povos, das
culturas, enfim dar prosseguimento a construção de uma sociedade
mais justa e humana.
Morin menciona que para se chegar à noção de sujeito é
preciso pensar que toda organização biológica necessita de uma
dimensão cognitiva.(2001, p.119)
Segundo Guazzelli (2003), para Morin a dimensão cognitiva é
indispensável à vida, pois é através dela que o sujeito se estabelece
como tal. Segundo o autor essa dimensão cognitiva pode ser
denominada de computacional, ou seja, o tratamento que é dado aos
estímulos, aos dados, aos signos, aos símbolos, as mensagens que
possibilita agir dentro do universo exterior e interior. (sujeito
ação/reflexão).
Para Morin
Essa computação do ser individual é a computação que
cada uma faz de si mesmo, por si mesmo e para si
mesmo. É um cômputo. O cômputo é o ato pelo qual o
sujeito se constitui posicionando-se no centro de seu
mundo para lidar com ele, considerá-lo, realizar nele
todos os atos de preservação, proteção, defesa,
etc.(2001,p.120)
Morin conclui que: �O sujeito não é uma essência, não é
uma substância, mas também não é uma ilusão�.(2001, p.128)
55
Para compreender como os alunos reagem frente às situações
em que são colocados, procurei ajuda também na teoria de Henri
Wallon , pois através da sua teoria é possível entender algumas das
situações que ocorrem na sala de aula.
Como a pesquisa foi desenvolvida com crianças entre 9 e 10
anos, com uma carga relevante de influências adquiridas através dos
valores da família e da mídia, busquei na Teoria de Henri Wallon os
estágios que norteariam melhor as atitudes do grupo pesquisado.
Henri Wallon propôs cinco estágios para o desenvolvimento,
são eles: Impulsivo: emocional; sensório-motor e projetivo;
personalismo; categorial e puberdade e adolescência.
Para Wallon ,o estágio categorial desenvolve entre os 6 e 11
anos; neste estágio ocorre a diferenciação entre o eu e o outro,
dando condições para a exploração mental do mundo físico, através
de atividades de agrupamento, classificação, seriação, possibilitando
ver-se através de si; no que se refere ao desenvolvimento motor , os
gestos estão mais precisos e localizados, de forma que ela pode
selecionar o gesto adequado à ação que deseja realizar, pode
planejar mentalmente o movimento e prever etapas e conseqüências
do deslocamento o que garante uma melhor desempenho na
exploração do ambinete e nas atividades de conquista do mundo
objetivo.(2000,p.52).
O Estágio da Puberdade e Adolescência, de 11anos em
diante, leva à exploração de si mesmo, como uma identidade
autônoma,mediante atividades de confronto, auto-afirmação,
questionamentos, ao mesmo tempo que se submete e se apóia nos
56
grupos de pares, contrapondo-se aos valores tal como são
interpretados pelos adultos com quem vive (2000,p.13).
Através da análise desses estágios de desenvolvimento
segundo Wallon, pude perceber como as ações advindas dos grupos
nos quais os alunos estão inseridos são fatores preponderantes para
a formação de sua personalidade.
Segundo Wallon:
Os meios onde a criança vive e os que ambiciona são o
molde que dá cunho à sua pessoa. Não se trata de um
cunho passivamente suportado.
O meio de que depende começa certamente por dirigir
suas condutas, e o hábito precede a escolha, mas a
escolha pode impor-se, quer para resolver discordâncias,
quer por comparação de seus próprios meios com
outros.(2000, p.53)
Neste sentido, é após os 9/10 anos que a criança consegue
identificar, analisar, definir e classificar os objetos ou situações em
que está inserida e discernir que atitude a ser tomada.
Tornando-se capaz de resolver as situações, seu pensamento
se organiza em torno dos fatores que organizam os dados da
realidade; são eles: a noção de tempo, espaço e de causa.
Os conceitos necessários para definir as coisas, para dar
a nosso pensamento das coisas um conteúdo estável e
bem-definido devem interpor-se como uma tela sobre a
qual toda realidade teria um contorno invariável, entre
57
dois oceanos móveis: o das coisas que se transformam,
o das idéias que se formam.(2000, p.57)
Dentro desta perspectiva percebemos como os alunos estão
cercados de situações que exigem um confronto constante entre o
que é coerente perante o grupo em que está inserido e o que para
ele parece ideal; a todo momento o aluno está em contato com essa
diversidade e lhe é cobrada uma atitude, que muitas vezes,não está
sendo compreendida por ele.
Portanto, torna-se necessário estabelecer uma relação
que possibilite perceber os valores que estão inseridos na sociedade
a fim de torná-la mais, justa e igualitária.
O desenvolvimento da pesquisa-intervenção
As atividades foram organizadas em duas Unidades que se
completam uma à outra. A 1ª. Unidade trabalhou a percepção de si
como sujeito integrada ao conhecimento do próprio corpo,
relacionando-a ao estudo dos ângulos e dos movimentos. A 2ª
unidade desenvolveu estratégias e conteúdos relativos à relação
entre a alimentação, o próprio corpo, o corpo dos colegas, pesos,
medidas e gráficos.
Esta abordagem, bem como os conteúdos de ensino e
aprendizagem explorados, fundamentam-se nos objetivos gerais
da Matemática para o Ensino Fundamental Matemática-
MEC/SEF, 1997, bem como nos objetivos específicos a cada ciclo.
Segundo os PCNs (páginas 80 a 82), os objetivos de Matemática
para o segundo ciclo (3ª e 4ª séries) são:
58
Ampliar o significado do número natural pelo seu uso
em situações -problema e pelo reconhecimento de
relações e regularidades.
Interpretar e produzir escritas numéricas, considerando
as regras do sistema de numeração decimal e
estendendo-as para a representação dos números
racionais na forma decimal.
Resolver problemas, consolidando alguns significados
das operações fundamentais e construindo novos, em
situações que envolvam números naturais e, em alguns
casos, racionais.
Ampliar os procedimentos de cálculo-mental, escrito,
exato, aproximado -pelo conhecimento de regularidades
dos fatos fundamentais, de propriedades das operações
e pela antecipação, verificação de resultados.
Estabelecer pontos de referência para interpretar e
representar a localização e movimentação de pessoas
ou objetos, utilizando terminologia adequada para
descrever posições.
Recolher dados e informações, elaborar formas para
organizá-los e expressá-los, interpretar dados
apresentados sob formas de tabelas e gráficos e
valorizar essa linguagem como forma de comunicação.
Utilizar diferentes registros gráficos-desenhos,
esquemas, escritas numéricas como recurso para
expressar idéias, ajudar a descobrir formas de resolução
e comunicar estratégias e resultados.
Construir o significado das medidas, a partir de
situações-problema que expressem seu uso no contexto
social e em outras áreas do conhecimento e possibilitem
a comparação de grandezas de mesma natureza.
59
Utilizar procedimentos e instrumentos de medida
usuais ou não, selecionando o mais adequado em
função da situação-problema e do grau de precisão do
resultado.
Demonstrar interesse para investigar, explorar e
interpretar, em diferentes contextos do cotidiano e de
outras áreas do conhecimento, os conceitos e
procedimentos matemáticos abordados neste ciclo.
Vivenciar processo de resolução de problemas,
percebendo que para resolvê-los é preciso compreender,
propor e executar um plano de solução, verificar e
comunicar a resposta.
Esses objetivos têm como finalidade proporcionar aos
professores e aos alunos a possibilidade de vivenciar a construção
do conhecimento partindo das experiências trazidas pelo grupo.
Considerando a necessidade de encontrar um material
didático que desse suporte a uma construção do conhecimento
pautada nos objetivos citados, estamos desenvolvendo na escola um
trabalho com uma coleção denominada �Projeto Presente� (Editora
Moderna, 2004) que demonstra a preocupação de elaborar um
material que possibilite a reflexão e a participação do aluno como
agente na construção do conhecimento.
Propostas do Material Didático - �Projeto Presente�
As autoras, Daniela Padovam, Isabel Cristina Guerra e
Ivonildes Milan, dentro do projeto curricular procuraram mostrar o
que e como ensinar, elaborando atividades que exijam mais do que
60
simplesmente memorização, sabendo que os alunos de hoje
precisam de procedimentos de busca e de interpretação de
informações, precisam saber pesquisar e comunicar suas idéias,
conhecer técnicas e dominar estratégias.
Para elas, aprender fatos e conceitos significa ser capaz de
identificar, reconhecer, classificar, descrever e comparar objetos,
acontecimentos ou idéias, aprender um procedimento significa ser
capaz de utilizá-lo em diversas situações e de diferentes maneiras,
aprender um valor significa ser capaz de regular o próprio
comportamento de acordo com o princípio normativo estipulado por
esse valor, aprender uma norma significa ser capaz de comportar-se
de acordo com a mesma, aprender uma atitude significa mostrar uma
tendência consistente e perseverante e comportar-se de determinada
maneira perante situações, objetos, acontecimentos ou pessoas.
(PADOVAN, D. ; GUERRA, I. C. ; MILAN, I. 2004, p.08-10).
Para que o material didático esteja em consonância com
os Parâmetros Curriculares Nacionais, a proposta está estruturada
em quatro grandes blocos de conteúdos: números e operações;
espaço e forma; grandezas e medidas; tratamento da informação.
Números e operações - Apresenta o sistema de
numeração decimal esua complexidade, evitando simplificações e
fragmentações prejudiciais à compreensão pelos alunos; sendo
assim, propõe atividades com situações contextualizadas e de uso
dos números, com diferentes funções que eles assumem (quantificar,
medir, ordenar, codificar) e com números naturais e racionais
(representados na forma decimal e fracionária) e de diferentes
61
ordens de grandezas. Tem como intenção que os alunos consigam
compará-los e estabelecer relações de semelhança e diferenças
entre eles, podendo observar as regularidades do sistema de
numeração decimal e se apropriar através de suas diferentes formas
de representação.
Prioriza neste ciclo as idéias da multiplicação e da
divisão, valorizando as estratégias próprias para a resolução de
problemas e o uso de algarismos não convencionais, uma vez que
os procedimentos pessoais podem ser mais facilmente entendidos
por aqueles que os criam (PADOVAN, D. ; GUERRA, I. C. ; MILAN,
I. 2004, p. 11).
Grandezas e medidas-Tem como objetivo levantar os
conhecimentos prévios dos alunos acerca do que é medir, o que se
pode medir e como.
Possibilita o contato com textos que contam a história das
medidas, para demonstrar a variedade de recursos que já foram
utilizados e a construção de instrumentos cada vez mais precisos
(Ibid., p.12).
Espaço e forma: este eixo tem como objetivo que o aluno
aprenda a reconhecer, no espaço em que vive, figuras geométricas,
planas e não planas, realizando atividades de observação, análise,
construção, representação e comunicação, procura-se explorar
atividades que trabalham a lateralidade, deslocamento no espaço
(Ibid. p. 13)
De acordo com os Paramentos Curriculares Nacionais -
Matemática (MEC / SEF, 1997, páginas 55 e 56):
62
A Geometria é um campo fértil para se trabalhar com
situações - problema e é um tema pelo qual os alunos
costumam se interessar naturalmente. O trabalho com
noções geométricas contribui para a aprendizagem dos
números e medidas, pois estimula a criança a observar,
perceber semelhanças e diferenças, identificar
regularidades e vice-versa.
Além disso, se esse trabalho for feito a partir da
exploração dos objetos do mundo físico, de obras de
arte, pinturas, desenhos, esculturas e artesanato, ele
permitirá ao aluno estabelecer conexões entre a
Matemática e outras áreas do conhecimento.
Outro eixo trabalhado pelas autoras é: Tratamento da
informação. - Tem como objetivo explorar diferentes formas de
organizar e comunicar informações numéricas, bem como iniciar um
trabalho de exploração de algumas noções estatísticas e de
frequência. O tratamento da informação é utilizado em todos os
conteúdos como ferramenta importante para que os alunos
procedam à análise, percebam regularidades (PADOVAN, D. ;
GUERRA, I. C. ; MILAN, I. 2004, p. 13).
A partir das orientações dos PCNs e das possibilidades abertas
pelos livro didático foram desenvolvidas as duas unidades acima
apresentadas, com os seguintes objetivos:
Desenvolver a percepção da relação entre os ângulos e o
próprio corpo em movimento; desenvolver a percepção de que
o próprio corpo pode criar várias aberturas ao movimentar-se e
que a partir delas o aluno poderá perceber os graus,
relacionando-os aos diversos tipos de ângulos;
63
desenvolver a percepção da relação entre os gráficos e a
singularidade do próprio corpo; perceber de que maneira a sua
condição de vida interfere no seu desenvolvimento corpóreo
(peso, altura, condição física);
estabelecer comparações entre os diversos tipos físicos,
aprendendo a respeitar e valorizar a diversidade corporal,
psíquica e cultural;
perceber a relação entre a alimentação, o corpo, a saúde e as
diferentes unidades de medidas, quais os reflexos de uma
nutrição adequada para o seu desenvolvimento físico, de que
maneira o meio interfere na sua qualidade de vida;
Foram desenvolvidas estratégias e atividades que deram
suporte à construção do conhecimento partindo de uma análise e
reflexão dos movimentos executados por eles.
A partir de rodas de conversa e de atividades físicas centradas
em movimentos que provocavam aberturas com diversos ângulos, foi
possível perceber que os alunos não tinham consciência da
complexidade e espontaneidade oferecida pelo corpo; para eles o
corpo estava lá para ser �usado�, sem qualquer relação com a vida e
consigo mesmos; era como se os movimentos executados por eles
fossem uma mera função e que conhecer como aconteciam não
tinha a menor importância, pois era função dele e pronto. Não havia
a preocupação em se olhar e sim a convicção de que os movimentos
aconteciam porque eles queriam sem nenhuma relação entre o corpo
e o conhecimento de si.
64
Segundo Morin, a consciência que o sujeito adquire a partir de si
próprio é uma consciência que está ligada com o corpo, ou seja, o
sujeito se reconhece a partir dessa relação.
Comecei a questioná-los e solicitei que fizessem alguns
movimentos tais como pular, abrir os braços, correr, abrir as pernas;
foram desenvolvidas várias atividades envolvendo movimentos
diversos das pernas e braços, para a percepção das articulações
existentes nestes membros; nesse momento solicitei que
observassem de que maneira os movimentos aconteciam e através
dos questionamentos como: qual perna abriu primeiro? Que partes
do corpo movimentaram para que acontecessem os movimentos?
Pude perceber que eles executavam os movimentos sem nenhuma
análise, como se aquilo fosse simplesmente um deslocamento, sem
interferência de quem estava executando; foi então, nesse momento,
que pedi a eles que fizessem o movimento observando
cuidadosamente as manifestações do corpo; o interessante é que a
partir dessa fase do trabalho houve uma tomada de consciência
sobre o movimento e sua relação consigo mesmo. Depois,
executamos uma atividade individualmente com a articulação do
quadril, para que eles percebessem que o corpo faz movimentos de
frente e trás, direita, esquerda, embaixo e para cima. Ao final da
atividade, tínhamos juntos descoberto vários movimentos que
fazíamos sem uma reflexão e sem a percepção do corpo; o
fascinante nesta atividade foi perceber que a partir desse processo
conseguimos �olhar� o corpo como algo mais do que uma estrutura
entendendo como, com ele e através dele nos constituímos como
sujeitos.
65
Solicitei que abrissem o livro didático e perguntado se já haviam
tido contato com o conteúdo mostrado, disseram que no ano anterior
a professora havia comentado sobre ângulos e semi-retas, mas que
esse conteúdo seria desenvolvido na próxima série e que naquele
momento era somente para tomar conhecimento com as expressões.
Diante dos relatos solicitei que observassem a abertura que o
Lucas havia feito e que descrevessem de que maneira estava o
braço em relação ao corpo.
Thiago disse :
__ Como o braço dele, está esticado dá para visualizar duas
retas, sendo que uma está para baixo e a outra está para a
lateral e essas retas estão unidas pelo final do braço e início do
corpo.
Aproveitando essa observação expliquei que essa abertura
existente entre o braço e o início do corpo era conhecida em
matemática como ângulo e que ângulos são formados por duas
semi-retas; dependendo da abertura entre elas tínhamos diferentes
medidas; essas medidas eram chamadas de graus que
determinavam vários tipos de ângulos e esses ângulos eram
conhecidos com retos, obtusos, agudos e rasos.
Para perceber se o que tínhamos feito com o corpo, mais as
discussões em relação às aberturas e nomenclaturas haviam sido
interiorizadas, saímos para alguns espaços da escola como quadra,
pátio, corredores e sala de aula, para observarmos se nesses locais
conseguiríamos encontrar semelhanças com as atividades que
havíamos desenvolvido, deixei-os livremente por esses espaços e
aos poucos vinham buscar-me para ver o que tinham descoberto.
66
Um dos alunos percorrendo a quadra esportiva observou que a
trave possuía uma emenda que se assemelhava com um ângulo
raso, pois em uma das partes havia uma solda que separava dois
segmentos, formando duas semi-retas opostas que é a característica
para se obter um ângulo com esse nome.
Continuando nossa exploração pelos espaços da escola,
pudemos encontrar nas paredes, nas portas, nas carteiras, nos
brinquedos da pré-escola, nos cadernos, aberturas que
possibilitaram associar as descobertas feitas inicialmente com o
corpo.
Certamente essa observação só foi possível, pois no
desenvolvimento anterior das atividades puderam explorar diversas
formas de construir o conhecimento a partir de si mesmos em
relação a seu corpo, processo necessário para contextualizar com o
que está a seu redor.
Em uma terceira etapa, solicitei que verificassem no material
didático se havia algo relacionado com o que tínhamos feito com o
corpo e com a realidade escolar.
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LIVRO DIDÁTICO
No material didático trabalhamos os conteúdos: o que são os
ângulos, as ligações dos ângulos com o corpo, como eles se
apresentam no cotidiano.
Em primeiro lugar o material didático classifica os ângulos
usando como recurso relógios. Para relacionar essa atividade com o
cotidiano dos alunos, inicialmente discutimos se eles tinham contato
com aquele tipo de relógio. Embora todos possuíssem esse objeto, o
contato com o relógio analógico era distante do seu dia-a-dia, uma
vez que todos utilizavam-se do relógio digital; aproveitando esse
momento, conversamos a respeito das leituras referente às horas e
de como elas se apresentam através de diversos instrumentos; a
partir daí, demos início as observações contidas nas propostas do
material didático relacionadas aos ângulos.
Um outro enfoque utilizado pelo material didático é com relação
ao giro dado pelos ponteiros, demonstrando giro completo, metade e
um quarto, para que os alunos tivessem contato com essa
experiência, solicitei a eles que fizessem os movimentos descritos no
material e dessem seus relatos.
No momento em que os alunos desenvolveram os movimentos,
um dos questionamentos presentes foi que, se déssemos um giro de
360º conforme mostrado, não sairíamos do lugar; nesse momento
aproveitei a oportunidade para comentar que é comum ouvirmos
dizer que um indivíduo deu uma mudança na vida de 360ºgraus e
que certamente se fala isso por não saber que infelizmente não há
mudança de espaço se fizermos esse movimento. Nota-se que isso
ocorre porque somente verbalizamos e não experimentamos para
saber se há mudança ou não. Mais uma vez, foi possível perceber
que utilizamos as expressões matemáticas, sem tê-las vivenciado.
72
Embora o material didático seja muito interessante, percebe-se
que em alguns momentos os exemplos fornecidos não fazem parte
da vida dos alunos, como foi o caso dos relógios analógicos;
lembramos que é um material distribuído para todo o território
nacional, muitos alunos não tem contato com os objetos
mencionados, seria importante levar em consideração a diversidade
cultural e os diferentes contextos nos quais vivem os alunos.
Seria conveniente que os exemplos fossem tirados das
experiências vividas pelos mesmos, tornando a prática pedagógica
mais atraente.
Ao analisar o material didático foi possível perceber, também,
que as informações partem do pressuposto de que os alunos já
conhecem, neste caso os ângulos, o que é até provável; entretanto
como recebemos alunos de diversas regiões, de culturas diferentes,
temos que ter cuidado de perceber, se os mesmos já tiveram contato
com as várias leituras e se houve a integração dos conteúdos com a
sua vida prática.
Torna-se necessário, por parte do professor, estar atento a
essa diversidade de experiências anteriores para não cair novamente
em uma matemática que priorize somente o conteúdo, sem a
preocupação de que os conhecimentos sejam contextualizados com
a realidade do professor e a do aluno.
Um outro aspecto trabalhado na pesquisa-intervenção
procurou levar os alunos a compreender como a alimentação
interfere no desenvolvimento corpóreo e psíquico, comparando peso,
altura, condição física e relacionando estes diferentes indicadores
73
com a qualidade de vida. Foram estabelecidas relações entre a
alimentação, o corpo, a saúde e as diferentes unidades de medida e
os gráficos.
Buscou-se estimulá-los a valorizar uma nutrição adequada
para o seu desenvolvimento físico discutindo a respeito de alimentos
ricos e pobres em nutrientes, relacionando com a leitura e
interpretação de rótulos em alimentos.
No início do ano letivo, os alunos passam por uma avaliação
médica para a liberação da prática esportiva; essa prática é
acompanhada pelos professores de Educação Física e os
professores responsáveis pelas turmas; também é feito um relatório
onde consta a idade, o peso e a altura; esse documento é entregue
aos professores. Quando recebi esse relatório observei que alguns
alunos estavam com a altura e o peso desfavoráveis em relação à
faixa etária.
Acreditei ser necessário estabelecer um diálogo a respeito da
conduta que tinha com relação a sua alimentação; para dar início
ao processo solicitei que um aluno fizesse o contorno do outro em
um papel no qual marcamos, depois, o nome, data, peso e altura, a
partir das informações obtidas pela avaliação médica.
Os alunos puderam comparar atentamente os valores
atribuídos e estabelecer relações entre altura e peso partindo do
princípio de que, apesar de terem idades aproximadas, cada um
era diferente.
Após essa atividade, demos início a uma grande discussão
sobre o que ingeriam durante o dia; houve um registro de cada um,
em forma de cardápio, e a partir desse registro foi possível
74
perceber a quantidade de produtos industrializados que são
consumidos por eles; legumes e verduras parecia algo
desconhecido por muitos, entretanto o consumo em restaurantes e
estabelecimentos de Fast Food preenchiam quase que 70% do
cardápio semanal.
Para tentar conscientizar a respeito da importância da
alimentação para uma vida saudável, solicitei que trouxessem para
escola as embalagens dos produtos que eram consumidos por eles
durante uma semana. Fizemos, então, uma análise dos alimentos
observando os dados que constavam nas embalagens como peso,
calorias, vitaminas, gordura e outros nutrientes. Após essa análise,
construímos um cartaz colando todas as embalagens trazidas por
eles com o título: �Os produtos consumidos pelos alunos da 4ª
Série B�; também fizemos uma relação de como o consumo
acontece, constituição do alimento e de como esses alimentos são
escolhidos.
Discutimos, então, a importância de se ter uma alimentação
que fosse composta por nutrientes essenciais para o
desenvolvimento físico e mental, pois a alimentação é fator
primordial para um desenvolvimento saudável.
Entretanto, a mudança de hábito é algo que dependerá de uma
ação que muitas vezes exigirá um extremo �sacrifício� tanto da
família como da criança, uma vez que os alimentos são adquiridos
pela família e indiretamente determinam o padrão de alimentação
que terão; a tomada de consciência dependerá da alteração da
conduta dos responsáveis para se ter um sujeito no futuro mais
cuidadoso como o desenvolvimento do seu organismo.
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Através dessa unidade, foi possível conseguir algumas
alterações no comportamento no que se relaciona à alimentação,
pois a partir do momento em que perceberam que somos aquilo
que comemos e que o funcionamento do organismo está atrelado a
uma alimentação saudável, os alunos passaram a observar melhor
o que estavam comendo e trazendo para a escola. Uma outra
mudança que ocorreu foi o consumo de água durante o período da
aula; anteriormente, não tinham esse hábito e restringiam-se a
sucos e refrigerantes. Acredito que essa mudança ocorreu pelo fato
de observarem que a professora durante todo o período de aula
ingeria muita água; essa atitude os motivou, pois perceberam que
podiam trazer para a sala de aula suas garrafas e que teriam
acesso a essa prática sem restrições.
É importante relatar que quando eles puderam trazer esse
objeto para a prática diária, os pais manifestaram preocupações
com as possíveis saídas para encher as garrafas e de se utilizar o
banheiro mais vezes em decorrência de estarem ingerindo líquido
em maior quantidade. É possível notar que essas manifestações
estão relacionadas à possibilidade de estar ausente no momento
da explicação ou de se perder algo relacionado aos conteúdos.
Aparentemente não houve preocupação com a necessidade de se
ter o hábito de beber água, como sendo algo essencial para a
saúde e sobrevivência humana.
Sabemos que as mudanças são lentas, mas acontecem a partir
do momento em que tomam consciência da importância e da
necessidade de se ter hábitos que garantam um bem estar físico e
mental.
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Com uma Educação Matemática ligada ao corpo é possível
desenvolver habilidades tais como: interpretação e análise das
informações, fazendo a relação com o cotidiano, tendo uma leitura
crítica e a partir dessa reflexão são capazes de discernir embora de
maneira ainda restrita o que é bom ou ruim.
Para relacionar essa educação matemática com os conteúdos
matemáticos desenvolvemos atividades que envolvessem peso,
medidas de massa, noção de frações, que compõem o material
didático que está sendo utilizado durante esse ano da pesquisa,
confeccionamos e interpretamos gráficos e tabelas, o que
possibilitou uma reflexão acerca da forma como os conteúdos são
apresentados e como é possível torná-los acessíveis desde que se
tenha uma proposta metodológica que se preocupe em resgatar
inicialmente os conhecimentos adquiridos pelos alunos e a partir
disso possibilitar a construção do conhecimento para que o sujeito
se sinta valorizado e em condições de discernir o que é mais
aconselhável para sua vida.
Uma das propostas do material didático era de se trabalhar
com a preocupação de obter uma alimentação saudável fazendo as
trocas de alimentos e demonstrando como alguns alimentos são
extremamente calóricos e desprovidos dos principais nutrientes e
que é possível comer bem e não ter problemas com o aumento de
peso e, conseqüentemente, ter qualidade de vida.
Para relacionar o que tínhamos feito com os conteúdos
matemáticos utilizamos o material didático para observar a
contextualização. Seguem abaixo as atividades desenvolvidas
dentro da proposta desse material.
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O texto citado na página 68 e 69 possibilitou uma ampla
discussão com relação aos alimentos ingeridos por eles e suas
calorias; simulamos uma série de trocas de alimentos e os cálculos
para verificar se estavam comendo a mesma quantidade ou se com
as trocas estavam comendo mais e com mais variedade.
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Pegamos novamente o cartaz dos alimentos que são ingeridos
por eles e discutimos alguns critérios para melhorar o hábito
alimentar, demonstrando que podemos comer um pouco de tudo se
nos preocuparmos com a qualidade de vida.
Avaliando os resultados
Posteriormente fomos convidados para visitar uma empresa de
telefonia celular e tivemos a oportunidade de conhecer o sistema
operacional. Quando o engenheiro começou a fazer a exploração
sobre o procedimento de comunicação, havia alguns desenhos de
como acontecia o processo de transmissão.Foi quando nesse
momento Thiago perguntou se para haver transmissão seria
necessário se ter ângulos, o profissional responsável pela explicação
ficou surpreso e comentou:
__Por que você está dizendo isso?
Thiago disse:
__Observe o trajeto que as linhas de transmissão estão
fazendo para encontrar uma torre com a outra; aparece duas semi-
retas fazendo uma abertura que chamamos de ângulo. Foi quando
o profissional mencionou que não havia feito essa relação, e que a
partir daquele momento conseguia enxergar algo a mais do que
somente uma ligação entre uma torre e a outra.
Após essa observação feita pelo Thiago, outros alunos
comentaram que também estavam conseguindo enxergar o mesmo
que ele.
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Com isso pude notar que houve a internalização do
conhecimento, uma vez que puderam relacionar o que haviam feito
com o corpo, com o ambiente, e com o conteúdo oferecido pelo
material didático. Houve uma contextualização que possibilitou que
os conhecimentos construídos pudessem ser utilizados em diversas
situações cotidianas e não somente na aquisição de um conteúdo
exigido pelo currículo escolar.
A partir da observação do Thiago, e das outras imagens
mostradas pela empresa que estávamos visitando,os demais alunos
começam a observar com mais atenção e puderam também
relacionar com o que haviam vivenciado na escola. Embora o
processo seja coletivo, há diferenças na maneira com que os
indivíduos reagem em relação a interiorização dos conhecimentos,
apresentando-se de forma mais ou menos intensa.
Um outro aspecto a ser analisado é que embora tenham
atividades esportivas não há relação dessa prática com a relação
dos movimentos que o corpo executa; para que tenha essa
consciência torna-se necessário que o mediador dessa prática
esportiva desenvolva e tome consciência de si próprio, construa a
sua subjetividade, a partir desse processo de autoconhecimento e
reconhecimento é possível demonstrar ao sujeito a importância que o
corpo exerce na sua formação enquanto ser.
Foi possível perceber essa distância, quando em 2001 estava
buscando uma maneira de ensinar um grupo de alunos da 4ª série
sobre a construção de ângulos de uma forma que os mesmos
pudessem observar, entender e construir a partir de algo que fosse
significativo para eles.
83
Nesse momento tive a oportunidade de conversar com uma
professora de nado sincronizado que desenvolvia essa atividade na
mesma instituição por mais de 10 anos, e que tinha como
procedimento filmar os treinamentos e apresentações para depois
efetuar uma análise sobre os movimentos, cabe dizer que essa
análise tinha como finalidade somente observar as falhas dos
movimentos a fim de se chegar ao movimento perfeito.
Durante o encontro solicitei que me emprestasse a fita para
que pudesse desenvolver com os meus alunos um conteúdo
matemático, e foi nesse momento que ela me disse que com aquele
trabalho não havia possibilidade de desenvolver nada relacionado à
matemática, pedi que víssemos a fita juntas e fiz alguns
questionamentos sobre as aberturas efetuadas pelas atletas que
poderiam segundo minha perspectiva estar relacionada aos
conteúdos matemáticos, e o que ela me disse é que não conseguia
enxergar nenhuma relação, a partir dessa fala, solicitei que
mexessem seu corpo utilizando suas articulações e a partir daí fui
demonstrando como o corpo poderia ajudá-la a construir os
movimentos e chegar à perfeição que tanto queria, pois quando se
conhece e se percebe do que somos capazes de fazer a elaboração
da prática fica mais fácil.
Obviamente quando desenvolvi esse trabalho em 2001, não tinha
como finalidade desenvolver uma pesquisa intervenção, pois essa
possibilidade somente aconteceu em 2004, mas o importante é que
esse procedimento já estava acontecendo e que agora está
fortalecido pelo embasamento teórico / prático que dá suporte a essa
pesquisa, pois o conhecimento passa pelo autoconhecimento.
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Durante o desenvolvimento dessa unidade foi possível
perceber que de uma forma precoce há uma preocupação com o uso
do corpo para a reprodução do que a mídia passa como ser
importante, como por exemplo, o uso de maquilagem, para estar
dentro dos padrões estabelecidos de uma sociedade capitalista, sem
levar em consideração como o corpo se desenvolve e de como ele é
parte integrante da formação do sujeito.
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Capítulo III
PERCEBENDO-SE COMO CIDADÃO, APRENDENDO A
PENSAR SOBRE O PLANETA E A CUIDAR DO MEIO AMBIENTE.
Este capítulo apresenta reflexões sobre a educação
etnomatemática integrada à perspectiva da cidadania e do respeito
pela vida e pelo ambiente. Trata-se de uma 3ª Unidade da pesquisa-
intervenção que possibilitou uma análise reflexiva sobre os
problemas que o planeta está passando e de que forma uma atitude
consciente e ecológica pode oferecer mudanças no comportamento
do grupo e por conseqüência da comunidade em que estão
inseridos.
Ter uma atitude consciente é perceber como sua ação
interfere nas condições de vida do planeta.
Objetivos: �Perceber a relação entre as ações humanas e as condições
de vida em nosso planeta -> relacionar com a importância da
apreensão matemática dos fenômenos ambientais.
�Tomar consciência da importância de preservar e respeitar o
ambiente -> relacionar com aprender a interpretar informações de
conteúdo matemático na mídia.
�Perceber-se como sujeito agindo e modificando o ambiente -
> relacionar com atitudes cidadãs, como a análise interpretação
matemática da produção do próprio lixo.
Quando percebemos que somos parte integrante desse
planeta e que nossas ações estão intimamente ligadas às causas ou
soluções para resgatar a condição de vida humana, trazendo tanto
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para essa geração como para as gerações futuras condições de
sobrevivência, fica mais visível como o �cidadão� pode transformar
comportamentos anteriormente tidos como imutáveis.
Durante muito tempo ouvimos dizer que o que estava sendo
destruído não poderia ser resgatado, hoje sabemos que isso pode
sim ser alterado desde que tenhamos consciência do que é fazer
parte desse planeta.
A questão ecológica tem muito a ver com a cultura
tecnológica que se desenvolveu no decorrer do século XX; devido à
profunda crise econômica pela qual o mundo estava passando;
pouco se falava em preservar; o que mais importava era se obter
uma condição de sobrevivência, não se preocupando com os danos
que isso acarretaria ao longo dos anos.
No Brasil, a partir da Lei 6.983/81, começou-se a situar a
Educação Ambiental como um dos princípios que garantem a
preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental
propícia à vida, visando assegurar ao país condições de
desenvolvimento socioeconômico, relacionados aos interesses da
segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.
Outra preocupação foi de incluir nos currículos escolares a
Educação Ambiental levando-se em consideração as
particularidades de cada região.
Na década de 90, mais precisamente em 1992, houve a
realização da Conferência �Rio 92�, que deu origem a um documento
denominado �Agenda 21�, que lançou bases importantes para se
tratar das questões ambientais como a biodiversidade, as mudanças
climáticas e, sobretudo o desenvolvimento sustentável.
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A partir desse momento houve uma divulgação mais
abrangente sobre os sérios problemas ambientais e a necessidade
de uma participação mais ativa da população.
Como uma preocupação da escola é desenvolver
projetos também com o objetivo de conscientizar os alunos da
importância de preservar e criar alternativas de sobrevivência no
Planeta Terra, conversamos sobre como estavam as condições
climáticas e de que maneira poderíamos colher essas informações;
uma das sugestões foi a de procurar em jornais. Pegamos esse
material e localizamos os dados; fizemos uma leitura a respeito das
informações escritas e desenhadas, recortamos e colamos no
caderno para fazer a interpretação da informação.
Com a finalidade de analisar de que forma os alunos
enxergavam os algarismos e de como a questão ecológica estava
inserida na vida, solicitei que lessem o texto: �Cada vez mais quente�
e marcassem todas as informações numéricas, pois estamos em
contato com várias informações que são colocadas de maneiras
diferentes como: porcentagens, frações, números naturais e
racionais, escritos por extenso ou com algarismos, levando a
conscientização de que a leitura não deve ser feita simplesmente de
forma mecânica sem análise e reflexão; para que se tenha mudança
no comportamento torna-se necessário sentir-se parte do processo.
Após a leitura iniciamos as discussões, primeiramente
solicitando que fizessem comentários sobre o que eles achavam que
as pessoas poderiam fazer para diminuir as ameaças ecológicas,
depois que observassem as informações e de que maneiras elas
estavam sendo apresentadas. As respostas foram os seguintes:
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-As pessoas precisam parar de jogar lixo em qualquer lugar;
-Se eles continuarem a destruir as florestas, ficaremos sem
ar, pois vimos que temos apenas 7% da Floresta Amazônia e mesmo
assim ela é considerada �um pulmão�;
-Aconselhar as pessoas sobre o que estão fazendo;
- Informar através da televisão sobre os problemas
ambientais, usando propagandas.
-Controlar a poluição dos rios;
-Diminuir as queimadas;
- Nossa como tem números no texto!
- Nem parece que o assunto é sobre o ambiente!
- Será que precisa de tantos números assim, para falar sobre
os problemas da Terra?
Através das observações ficou claro que os alunos num
primeiro momento não tinham percebido que as informações
contidas no texto eram dados numéricos, pois até o início da
discussão quando solicitei que observassem e buscassem no texto
palavras que se relacionavam com números ou com a Matemática,
eles ficaram confusos para colher essas informações; sublinharam
temperatura média; quando questionei por que tinham mencionado
essas palavras, me disseram que temperatura tem a ver com número
e que eu tinha solicitado que marcassem os números. Então disse a
eles que, embora para saber a temperatura usamos números, neste
caso a expressão �temperatura média�, não se reportava a um
número e sim a um conjunto de informações para se obter a
temperatura relativa a um período. Neste momento, ficou mais
evidente que para eles, Matemática precisa ter números e contas,
pois se não for assim, é tudo, menos matemática. Quando
estávamos concluindo a discussão surgiram as seguintes
observações:
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- �Olha como tem matemática nesse texto! e como ela
faz parte da vida das pessoas! Será que a gente iria conseguir
entender essas informações se não tivessem os números?�
- �Pro! A matemática está sempre na vida da gente não é?!�.
- �Sabe, eu não tinha percebido que usamos a matemática,
mesmo em textos que não falam só de matemática�.
A partir desses comentários, pude notar como é preciso
refletir sobre como os conteúdos de matemática são abordados, pois
se estamos discutindo com alunos de uma quarta série do Ensino
Fundamental, que em média já estão freqüentando a escola pelo
menos há 5 anos, e se depararam com várias informações utilizando
os números ou a matemática sem conseguir fazer essa relação,
como podemos querer que haja construção de conhecimento?
Levanta-se a possibilidade de que, anteriormente, não havia ligação
entre o que se aprendia e que se vivia.
D´Ambrósio (2000), acredita ser necessária uma
mudança na estrutura do Ensino de Matemática, em que a ênfase no
conteúdo e na quantidade de conhecimento que a criança adquire
deva ser substituída por uma metodologia que desenvolva atitude,
capacidade de problematizar situações reais, de criar teorias
adequadas para as situações mais diversas, uma metodologia que
permita identificar o tipo de informação adequada para uma certa
situação e condições para que sejam encontrados, em qualquer
nível, os conteúdos e métodos adequados.(1986,14-15).
Com a pesquisa pretendi mostrar que temos condições de
aproximar a realidade dos alunos dos conteúdos matemáticos
desafiando-os na busca de conhecimento que são interiorizados e
que podem auxiliá-los a compreender esse saber/fazer de uma
90
maneira mais feliz, pois acredito em uma educação que prepare para
a vida.
O material didático que está sendo utilizado fornece a
possibilidade de discussão sobre os problemas que o
planeta vem enfrentando em razão da falta de conhecimento sobre
as questões ambientais, desafiando os alunos a perceberam quanto
a ação do homem tem danificado o planeta, mostrando através do
uso da matemática, as conseqüências da falta de cuidado, e de que
forma podemos procurar amenizar essa situação.
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A partir do mencionado na atividade 1, propus aos alunos que
procurassem situações que se assemelham às propostas pelas
autoras do material didático; após alguns minutos trouxeram
exemplos como:
- �Meu pai comentou que por causa da febre aftosa o
Brasil vai deixar de exportar milhares de cabeças de gado o que trará
um grande prejuízo para a nossa economia�.
- �No texto fala que se modificar os combustíveis vamos
ter uma economia bem grande. Olha! eu fiz a conta em reais seria
mais ou menos um trilhão de reais�.
Na atividade 2, discutimos quais são os fatores que
favorecem a elevação da temperatura e de como isso interfere em
nossas vidas.
Outro aspecto observado por eles foi com relação a forma de
se medir a temperatura; houve a curiosidade de saber se só se
media em Celsius ou se havia outra forma de expressar essa medida
em graus. Neste momento fomos até o laboratório de informática e
efetuamos uma pesquisa sobre as formas de medir as temperaturas
e como podíamos transformá-las seguindo uma tabela de conversão.
Pudemos perceber que temos possibilidade de desfrutar
de um conhecimento amplo e aberto se deixarmos as nossas
curiosidades aflorar e irmos a busca de saciar essas vontades.
Temos a oportunidade de ampliar os nossos conhecimentos
porque possuímos um leque de opções para satisfazer as nossas
curiosidades.
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Segundo Alves Dias
Deve-se ressaltar que o trabalho com a matemática
nos diferentes contextos e com situações variadas exige
uma flexibilidade do professor em relação ao
conhecimento matemático, pois esse deverá articular os
conhecimentos matemáticos dentro da própria matemática
e fora dela exigindo muitas vezes um trabalho
interdisciplinar ainda mais amplo e que parece ser mais
acentuado no ensino fundamental no 1º ciclo, onde o
professor das diferentes disciplinas é o mesmo.
Após essas discussões, percebi a necessidade de se
fazer um registro sobre o que pensavam ser importante a respeito
das questões ambientais e de que maneira os cidadãos poderiam
interferir na tomada de consciência para transformar o planeta em
lugar com possibilidades de sobrevivência.
Sugeri que construíssemos um �muro� e que a ele
déssemos o nome de �muro das lamentações�, e que neste registro
colocássemos tudo o que nos incomodava.
Conversamos também que só reclamar não adiantaria e que
era necessário pensar quais seriam nossos sonhos em relação ao
planeta e à sociedade. Foi quando pensamos em usar como símbolo
uma �árvore� que representaria o crescimento, a vida, e uma nova
possibilidade de mudança; então demos início à confecção desse
símbolo o qual denominamos da �árvore das expectativas�.
A seguir apresento o material coletado durante a
pesquisa intervenção, na realização destas duas atividades.
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�Muro das Lamentações�
-- �Enchentes alagando casas� (Bianca; Carla). -- �Que a camada de ozônio se dissolva� (Vinicius).
-- �Que as pessoas não respeitem o meio ambiente� (Paulo) . -- �Poluição� (Catherine). -- �Que ainda haja pessoas que não reciclam o lixo�. (João)
-- �Eu lamento que os homens estejam destruindo a natureza�. (Pedro) -- �Eu lamento que a Terra seja tão poluída� (Carmem; Ricardo) -- �Eu lamento o que aconteceu na atmosfera�. (Antonio) -- �Desmatamento� . (Rogério) -- �Saber que os homens estão acabando com as matas e animais�. ( Mariana) -- �Do mundo estar acabando pouco a pouco�. (Laura) -- �Que a mata Atlântica esteja destruída�. (Amauri) -- �Por termos uma cidade poluída�. ( Maira ) -- �Eu lamento o homem destruir o Planeta�. (Maria Carolina)
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-- �Que as pessoas não tenham conhecimentos sobre o mundo�. ( Raquel)
As lamentações mencionadas pelos alunos torna possível
perceber que os mesmos sabem dos problemas enfrentados pelo
mundo, só não sabem com agir perante essas situações.
Segundo Morin (2000, p.106) a ética está associada à antropo-
ética, ou seja, indivíduos/sociedade/espécie estão ligados
intimamente, emergindo assim a consciência e o espírito
humano,elementos essenciais para que se desenvolva a ética do
futuro.
O mesmo autor menciona que para que se caracterize a
antropo-ética é preciso assumir os três elementos citados, na
complexidade do ser, ter consciência pessoal e assumir o destino
humano em suas contradições e plenitude (2000,p.106).
Para torná-la possível Morin acredita que precisamos assumir a
missão antropológica do milênio que pressupõe:
-trabalhar para a humanização da humanidade;
-efetuar a dupla pilotagem do planeta:obedecer à vida ,
guiar a vida;
-respeitar o outro, ao mesmo tempo, a diferença e a
identidade quanto a si mesmo;
desenvolver a ética da solidariedade;
-desenvolver a ética da compreensão;
-ensinar a ética do gênero humano.(2000,p.106)
O muro das lamentações possibilitou análises sobre esses
aspectos mencionados por Morin, pois as citações estão intimamente
ligadas às reações dos alunos a respeito do que está sendo discutido
no cotidiano deles, lembrando que essas informações constam de
98
suas vidas mas não são discutidas e colocadas como situações que
alteraram o desenvolvimento dos mesmos.
Quando Morin menciona que devemos desenvolver a ética da
solidariedade, da compreensão, nos faz refletirir como situações do
cotidiano escolar estão intrinsecamente relacionadas, pois embora
os alunos mencionem que não devemos poluir, não usam essa fala
para transformar as suas atitudes; mediante isso torná-los
conscientes de que também são membros dessa sociedade
poluidora, certamente favorecerá a tomada de consciência.
A pesquisa sobre suas lamentações trouxe à tona reflexões
sobre o fato de precisarmos sair do discurso e começarmos por em
prática as atitudes necessárias para a transformação do planeta.
O entendimento do que Morin classifica como antropoética é
permitir que se tenha a esperança da compreensão por parte da
humanidade, possibilitando a consciência e a cidadania.
Para Morin, compreender significa aprender junto, é nessa
perspectiva que acredito ser possível alterar esses comportamentos
que destroem a humanidade e tornar possível uma vida mais
harmônica com o planeta.
Segundo D´Ambrósio (1999) para entender as angústias que
os seres humanos tem com relação à sobrevivência no planeta, o
qual vem sendo destruído pela ganância, inveja, avareza,
prepotência, poder, arrogância e indiferença, é necessário termos
como ponto de partida o entendimento sobre o fenômeno da vida, o
qual esta imbuído de incertezas e contradições.
Para entender esses aspectos D`Ambrosio utiliza o que chama
de Triângulo da Vida:
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INDIVÍDUO NATUREZA
OUTRO(S) SOCIEDADE
Para ele os três componentes, o indivíduo, o outro e a natureza
são extremamente importantes para que a vida acontece e que
nenhum consegue sobreviver individualmente.
É importante lembrar que para que a vida continue são
necessários alguns valores e que a prática dos mesmos estejam
presentes em nossas ações diárias. São eles: cooperação, respeito e
solidariedade com o outro, pois como observamos no diagrama
elaborado por D´Ambrósio, não continuaremos existindo como ser,
caso não tenhamos consciência de que somente juntos somos
capazes de alterar as situações vividas pelo país e o mundo.
Outro aspecto discutido foi a necessidade de �enxergar� que
apesar da situação ser grave, precisaríamos ter expectativas e
mudanças comportamentais a fim de alterar os aspectos citados no
Muro das Lamentações. Após várias reflexões sobre os problemas
vividos pela nossa sociedade e o mundo, resolvermos construir um
símbolo ao qual demos o nome �Árvore das Expectativas�, onde
colocaríamos todos os nossos anseios para uma vida planetária
melhor.
Abaixo estão relacionados alguns dos desejos para uma vida
melhor.
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A Árvores das Expectativas
--- �Que limpem o rio Tietê�. (Thaís) --- �Que os animais sejam respeitados�. (Elaine) --- �Espero que todos colaborem com o meio ambiente�. ( Luana ,Saulo, Celso) --- �Espero que tenha menos poluição no mundo�.
(Silas,Felipe Augusto,Paulo César,Guilherme, Jaqueline) --- �Espero que o mundo melhore�. ( Claudia,Anne, Gustavo) --- �Espero que o mundo fique limpo, que não tenha mais lixo pra todos
os lados�. ( Nicole, Mariana) --- �Espero que os animais em extinção consigam ser respeitados�. (Jonas, Antonio) -- �Espero que as pessoas não matem animais�. ( Cibele) --- �Espero ter mais flores no mundo�. Stefani --- �Tenho a esperança de que um dia o mundo melhore�. Gisele --- �A conscientização das pessoas sobre a natureza�. (Daniela)
101
--- �Cuidar da natureza�. (Vagner,Regis) --- �Melhorar o mundo�. (Mateus) --- �Do reflorestamento do mundo�. ( Priscila)
--- �Que não tenha mais pobreza no mundo�.
( Fernanda) --- �Que o homem tome consciência da importância da natureza�. ( Natacha) -- �Que a camada de ozônio não suma�. (Celso) --- �Que a água do mundo não acabe�. (Everton) --- �Que a Tailândia se recupere do Tsunami�. (César) --- �Que acabem as erosões�. (Vivian) --- �Que os rios sejam limpos, principalmente o Tietê e o Pinheiros�. ( Vanderley ) --- �Que não exista mais fenômenos naturais, como tsunami, furacões,
tornados, etc�. (Anderson) --- �Eu gostaria que a terra fosse purificada�. (Giovane) --- �Espero que um dia o mundo seja colorido, ou seja, não tenha coisas
ruins�. (Erick)
102
--- �Não tenha mais desmatamento e animais em extinção�. ( Douglas, Mariana) --- �Não tenha mais enchentes�. (Clovis) --- �Espero que as plantas cresçam mais no mundo�. (Jonathan) --- �Que os cidadãos parem de gastar água�. Gustavo --- �Que as pessoas tomem consciência da questão ambiental�. Agatha --- �Que a população ajude a despoluir os rios e mares�. Lia --- �Que parem de cortar as árvores�. Thiago Expectativas relacionadas a outros aspectos sociais
-- �Que não haja mais fome no Brasil�. (João, Mayara) --- �Espero que crianças saiam das ruas�. (Bianca ) --- �Espero que pare de ter guerras�. ( Bruna, jamili, Pedro) --- �Espero que as pessoas não usem drogas�. (Beatriz) --- �Espero que a violência diminua bastante�. (Breno,George, Thamara)
103
--- �Espero que as crianças e adultos tenham abrigo e não fiquem em
faróis�. ( Bárbara, Maria) --- �Tomara que esses vândalos parem de pichar muros, paredes de
casas, etc�. (Leonardo) --- �Espero que um dia tenha paz�. (Catherine, Rucardo, Carla) --- �E que todos um dia sejam felizes�. (Thereza) -- �Espero que não haja mais políticos corruptos�. ( José ) --- �Espero que o Brasil seja um país de primeiro mundo�. ( Rogério) --- �Direitos iguais para todos�. (Rita) --- �Harmonia entre os povos�. (Felipe) --- �Pessoas honestas�. Helton --- �Eu queria que não existisse armas e drogas�. (Jorge) --- �Que encontrem a cura para algumas doenças como o HIV�. (Thalita) -- �Que tenha muitos médicos, nos hospitais�. ( Mara) --- �Que não tenham idosos sendo mal tratados�. (Michelle) --- �Que as pessoas tenham mais conhecimento� (Rafaela)
104
--- �Que as pessoas tenham informações sobre o mundo e etc�. (Antonieta) -- �Respeito a si e ao próximo�. (Sonia) --- �Que acabe a fome e a miséria no mundo�. (Lauro) --- �Que as pessoas sejam solidárias�. (Alexandre) --- �Espero que tenham mais solidariedade�. ( Igor) --- �Espero que a discriminação acabe�. (Karol) --- �Espero que o mundo seja melhor�. ( Jéssica ) --- �Espero que todos sejam cidadãos�. ( Mayra ) --- �Espero que todos tenham muito amor, carinho e respeito no
coração!� (Ana, Amanda) --- �Espero que o preconceito acabe�. ( Nicolas) --- �Espero que haja igualdade social�. ( Carolina, Sophia) --- �Melhoria na educação�. ( Maria Carolina) --- �Espero que a população pare de estragar tudo�. ( Renata) --- �Que o mundo fique melhor�. (Thales) --- �Cidadãos conscientes�.
105
( Débora) --- �Educação para todos�. ( Doris)
As expectativas dos alunos passam por todas as situações
que estão sendo vividas pelo nosso país e pelo mundo, aspectos que
para nós e eles são relevantes para continuar a vida na Terra.
Segundo Morin :
A Humanidade deixou de constituir uma noção
abstrata: é realidade vital, pois está doravante, pela
primeira vez, ameaçada de morte; A humanidade deixou
de constituir uma noção somente de ideal, tornou-se
uma comunidade de destino e somente a consciência
desta comunidade pode conduzi-la a uma comunidade
de vida; A Humanidade é, daqui em diante, sobretudo,
uma noção ética: é o que deve ser realizado por todos e
em cada um. (2000,p.114)
De certa maneira está evidente que se não dermos a nossa
participação rumo a uma sociedade que veja e sinta o planeta como
o lugar que garanta a nossa sobrevivência, estamos descartando
qualquer possibilidade de vida e o que é pior sem a consciência de
fomos nós que o destruímos.
Para D´Ambrósio:
Só será atingido o exercício pleno da cidadania, num
regime democrático, quando a população exigir ação dos
seus representantes eleitos, no sentido de proporcionar
á população e à humanidade como um todo um padrão
106
de qualidade de vida. Isto significa a satisfação, com
segurança e dignidade, das necessidades básicas
materiais e culturais. (2001, p.61).
Pudemos perceber que as questões ambientais estão
intimamente ligadas aos valores que são adquiridos pelos cidadãos,
pois anteriormente essas questões não eram tratadas como sendo
relevantes para a sobrevivência, hoje percebemos que sem uma
mudança de comportamento, não conseguiremos ter qualidade de
vida.
Um aspecto importante para a mudança de comportamento
foi perceber que as informações não ficam mais restritas a textos
exclusivos para essa finalidade, e sim tomamos conhecimento
através de várias literaturas, principalmente através do que
chamamos de textos matemáticos, atualmente temos facilidade de
encontrar materiais que priorizam a informação e a discussão que se
relacionam com a postura cidadã e o conhecimento a ser adquirido.
Felizmente a Matemática está se voltando para a necessidade
de relacionar os conteúdo a fatos que interferem na vida cotidiana.
Através da pesquisa intervenção foi possível observar o
processo de consciência que eles devem desenvolver sobre o
mundo e de como percebem os problemas; quais as possibilidades
de se enxergar um mundo melhor e de que maneira podem
transformar suas expectativas em ações.
Discutimos muito a necessidade da tomada de consciência,
pois é através dela que poderão visualizar um futuro diferente.
Durante o desenvolvimento da pesquisa-intervenção pude
perceber que em vários momentos os alunos se sentiam �à parte� da
situação, como se esses fatores não os afetassem; a impressão que
se tinha era que os problemas aconteciam em algum lugar que
nunca se aproximaria deles; quando começamos a relacionar os
107
acontecimentos citados com as conseqüências, houve um certo
pânico, uma vez que começaram perceber que eram parte da
situação, mesmo que ela acontecesse em um lugar distante de onde
eles estavam. Puderam perceber que as questões ambientais,
sociais e culturais estão intrinsecamente relacionadas e que as
atitudes conscientes trazem resultados melhores. Perceberam
também que agir depende de uma postura cidadã, pois exige
consciência, discernimento e decisão.
108
Considerações Finais
No capítulo I, a dissertação buscou entender quais os desafios
colocados pela escola, pelas famílias e pela sociedade que nos
tornam cada vez mais determinados em buscar possibilidades
para construirmos uma escola que valorize o sujeito e
principalmente o faça entender a sua importância na construção
da cidadania.
Por diversos momentos durante a realização da
pesquisa-intervenção, um aspecto esteve muito presente: a relação
do aluno e de sua família com a cultura de massa, cultura parental,
cultura adolescente e, por outro lado, a relação da cultura do
professor com a constituição do sujeito, a construção do
conhecimento e da cidadania, como esses segmentos encontravam-
se em conflito em relação ao que realmente queriam e o que seria
�cobrado� por essas culturas; havia uma insegurança sobre qual
atitude seria a mais adequada; relevante também foi observar como
a cultura de massa exerce influência na tomada de decisão e como
essa cultura está permeada de poder, poder esse que manipula e
�cega� o sujeito acerca das suas atitudes.
Analisando o contexto escolar, pude observar a necessidade
de aproximar a matemática escolar da matemática que está inserida
no cotidiano dos alunos, levando em consideração as experiências e
as representações trazidas da sua cultura, a partir da interação com
a cultura de massa, cultura adolescente, cultura juvenil e a cultura da
escola.
109
Percebi o conflito vivido entre a perspectiva da escola e dos
professores, de um lado e, de outro, as expectativas das famílias a
respeito de uma escola que valorizasse as conquistas obtidas pelos
filhos e ao mesmo tempo desse ênfase aos conteúdos pois se
preocupavam com as cobranças que a sociedade faria no momento
de colocá-los no mercado de trabalho.
Outro aspecto importante que a pesquisa possibilitou
visualizar diz respeito da cultura dos professores que estão tentando
conscientizar pais e alunos da real importância da escola na
construção do conhecimento, fazendo-os compreender que não se
pode deixar de lado as experiências construídas por sua
subjetividade e que, a partir delas, somos capazes de entender as
mudanças sociais e culturais, possibilitando uma análise e reflexão
da necessidade de desenvolvimento do sujeito para a construção de
uma sociedade mais justa e igualitária.
Foi possível perceber a necessidade que a escola tem de
manter e concretizar seus objetivos, trazendo os alunos para perto
de si; do outro lado, a preocupação da família em criar um ambiente
que estimule a necessidade de ser o melhor e de competir. Os
professores sentem-se em meio a um �fogo cruzado�; como possuem
sua própria cultura, tentam, por sua vez, desenvolver uma educação
que consideram crítica e emancipadora.
A pesquisa ajudou a constatar como, na escola, estamos
em contato com a diversidade cultural e social, tornando a
construção do conhecimento algo mais que somente conteúdos que
devam ser apreendidos em um determinado momento. A escola está
envolvida num processo muito mais amplo que exige uma participa -
110
ção intensiva de seus membros na construção de um espaço crítico,
criativo e principalmente emancipatório.
Proporcionou observar que tanto a escola como os pais
estão buscando situar-se frente a essa diversidade, e enquanto isso,
os alunos estão sendo cada vez mais engolidos por uma cultura de
massas que os manipula de forma grosseira, sem se preocupar com
os danos futuros.
Tanto D´Ambrosio como Morin compartilham da idéia de
que a cultura deva ser respeitada, pois é ela que dá suporte à
constituição do sujeito, à construção do conhecimento e da
cidadania.
A etnomatemática, enquanto proposta de investigação da
realidade sócio-cultural, torna possível aproximar os conteúdos
matemáticos da realidade dos alunos levando em consideração a
sua cultura e, a partir das experiências que ele tem, transformar o
conhecimento em algo que mais que absorção de conteúdos.
Através da pesquisa foi possível analisar como a etnomatemática
pode auxiliar na construção do conhecimento valorizando as
experiências vividas pelo grupo conforme analisado no Capítulo II e
III, com relação às atividades desenvolvidas pelos alunos da 4ª Série
do Ensino Fundamental, articuladas ao conhecimento de si próprio,
do outro, do meio ambiente e da cidadania.
Através das propostas de atividades e o uso do material
didático, foi possível perceber o sujeito como autor principal no
processo de construção do conhecimento e de como este
conhecimento deve estar articulado a atitudes e a possibilidades de
agir com relação a si mesmo, aos outros e ao meio ambiente. O
trabalho desenvolvido com o corpo e a alimentação auxiliou na
111
reflexão de como somos pouco atentos com relação à qualidade de
vida, e que por muitas vezes fazemos exatamente o que nos pedem
sem levar em consideração o que é bom ou ruim para a nossa vida.
Em muitos momentos pude perceber que o comportamento
era gerado pela força que a mídia exercia, descartando os valores
sociais e culturais pelo simples fato de se estar em sintonia com o
que a maioria estava fazendo.
Um outro aspecto importante que a pesquisa pôde oferecer
foi a proposta de mudança nos hábitos dos alunos, principalmente no
que se refere à ingestão de líquidos, atitude que antes parecia
impossível de alterar uma vez que a maior preocupação dos pais era
com as possíveis perdas que os alunos teriam caso precisassem
ausentar-se da sala de aula. Com relação à alimentação foi possível
fazê-los perceber que para se ter um corpo saudável é necessário
adquirir hábitos alimentares que favoreçam essa condição, e que
somos aquilo que comemos, embora não tenha ocorrido, durante a
realização da pesquisa-intervenção, uma mudança significativa de
hábitos alimentares.
O capítulo III permitiu observar como foi possível qual era a
visão dos alunos com relação ao uso da matemática e quais eram as
relações possíveis com o seu cotidiano. Um momento muito
interessante vivido na pesquisa foi quando desenvolvemos algumas
leituras que tinham como foco a degradação ambiental, pois parecia
que até aquele momento essa questão não tinha nenhuma ligação
com os conteúdos matemáticos; quando começamos a discutir sobre
as questões ambientais através da análise dos dados, um dos
questionamentos foi que, anteriormente, não haviam percebido como
a matemática estava inserida em tudo que nos cerca.
112
A pesquisa intervenção proporcionou observar como os
alunos encaram o mundo em que estão vivendo, pois durante as
discussões não se sentiam parte do meio; demonstravam em suas
atitudes que conheciam os problemas ambientais, sociais e culturais
que estavam ocorrendo, entretanto parecia que tudo estava muito
distante deles.
Quando discutimos as questões ambientais e de que
maneira seriam afetados, a reação foi de que jamais as
conseqüências da degradação e da injustiça social chegariam até
eles; a impressão que se tinha era de que todos esses problemas
estavam muito distantes, como se o planeta do qual estávamos
falando fosse outro e não aquele do qual faziam parte.
As reflexões feitas durante a pesquisa intervenção
propiciaram uma análise acerca desses comportamentos e a tomada
de consciência de como são parte integrante desse processo de
mudança também no que se refere à consciência ecológica e cidadã.
Quando decidimos fazer o levantamento das lamentações
e expectativas notamos como era ausente a consciência de que
fazíamos parte desse mundo e de que maneira as nossas ações
refletiriam nas conseqüências ambientais e sociais. O agradável
nessa pesquisa foi poder vivenciar as descobertas feitas por eles e
como as reações iam surgindo. No momento da exposição de suas
idéias para os demais alunos, notei o prazer que estavam sentindo
em demonstrar as mudanças já iniciadas com relação às atitudes
que tinham em relação ao espaço que ocupavam dentro do ambiente
escolar e como poderiam colaborar com o melhor desempenho da
escola.
Foi possível analisar também a crise de valores que
vivem os pais, os filhos, os professores, na tentativa de discernir
quais os aspectos que devam ser relevantes na formação do sujeito,
113
que será inserido na sociedade para que tenha condições de se
tornar um cidadão com condições de pensar, agir, criar e construir
seu conhecimento nutrido de elementos que o façam perceber a sua
importância na construção de uma sociedade, capaz de valorizar a
sua cultura e através dela transformar o universo em um lugar
possível de se viver com qualidade de vida, estabelecendo uma
relação de harmonia entre ele, o outro e o meio ambiente.
De um lado estávamos em contato com reflexões sobre a
real importância da cidadania e de outro com as contradições vividas
por todos que faziam parte da pesquisa, pois tínhamos consciência
de que éramos um grão de areia neste imenso oceano de pessoas
que não estavam preocupadas com o planeta e muito menos com
esses cidadãos; a maior esperança após a realização da pesquisa
intervenção é de que esta semente que foi plantada floresça e que
os frutos sejam colhidos pelas novas gerações.
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