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IDEIAS PARA UM OUTRO BRASIL (popular e democrático) Aldemario Araujo Castro Maio de 2014 Brasília-DF

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IDEIAS PARA UMOUTRO BRASIL

(popular e democrático)

Aldemario Araujo Castro

Maio de 2014Brasília-DF

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“O Brasil figura como a sétima economia do mundo e um dos líderes

globais no quesito da exploração da maioria de sua população (estudantes,

trabalhadores, juventude e classes médias). Essa triste contradição somente

começará a ser superada quando realmente desmontar os vários e sofisticados

mecanismos institucionais de reprodução das desigualdades”.

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SUMÁRIO

I. REFORMA POLÍTICA ..............................................................................7

Por que aceitei ser pré-candidato ao Senado Federal .......................................8

Por uma reforma político-eleitoral popular e democrática ...............................13

II. COMBATE À CORRUPÇÃO ...................................................................21

O combate efetivo à corrupção exige propostas específicas .............................22

III. REFORMA TRIBUTÁRIA .....................................................................33

Quanto custa o Brasil pra você? (Parte I – Os números) .................................34

Quanto custa o Brasil pra você? (Parte II – Reforma Tributária) .......................36

IV. DIREITOS HUMANOS .........................................................................41

“Rolezinhos”: quem não pode entrar em um shopping center no Brasil? ..........42

Gás de constituição ...................................................................................46

PEC da (busca da) felicidade ......................................................................50

V. ADVOCACIA PÚBLICA .........................................................................53

Advocacia de Estado versus Advocacia de Governo .......................................54

VI. CAPITALISMO FINANCEIRO: MODELO SOCIOECONÔMICO A SER SUPERADO ............................................................................................57

Capitalismo financeiro: modelo socioeconômico a ser superado ......................58

Currículo resumido ...................................................................................83

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IdeIas para um outro BrasIl (popular e democrático)

I. REFORMA POLÍTICA

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Porque aceitei submeter o meu nome à convenção do PSOL/DF que escolherá o candidato do partido ao Senado Federal1

Fui convidado, neste mês de abril, a submeter o meu nome à convenção do PSOL/DF (1) que escolherá, em junho, o candidato do partido ao Senado

Federal. O convite partiu da corajosa pré-candidata a Vice-Presidente da República Luciana Genro, da atuante Presidente do PSOL/DF Juliana Selbach, do combativo pré-candidato a Deputado Distrital Rodolfo Mohr e da incansável pré-candidata a Deputada Federal Maria Lucia Fattorelli.

Consultei vários colegas, amigos e familiares acerca do convite. Apesar de inúmeras ponderações acerca das dificuldades e desgastes de um processo eleitoral, invariavelmente foram realizados registros de incentivo e concordância. A maior parte das manifestações apontaram para a ampla expectativa da sociedade no sentido do surgimento de pessoas dispostas a mostrar que é possível fazer política com seriedade e em bases significativamente diferentes daquelas observadas cotidianamente na grande maioria dos meios políticos tradicionais.

Esse foi um pontos mais importantes para a tomada de decisão no sentido da aceitação. Afinal, vivemos uma triste quadra de enorme deterioração dos costumes políticos e sucessão de todos os tipos possíveis e imagináveis de escândalos de corrupção. Uma das vertentes mais lamentáveis desse cenário consiste no protagonismo desses episódios por conhecidos personagens que num passado recente assumiram compromissos de lutar por uma sociedade mais justa e igualitária.

Nessa seara, não é exagero afirmar que a honestidade, retidão de caráter e vivência efetiva de um padrão moral elevado no trato da coisa pública assumem uma perspectiva revolucionária (profunda e paradigmática transformação de modelos político-sociais de atuação). Assim, a sociedade reclama, com justa razão, a apresentação de candidaturas e projetos políticos fortemente comprometidos com esses valores.

Importa afirmar e reafirmar que honestidade no campo da política não basta. Em outras palavras, a honestidade é necessária mas não é suficiente. É preciso mais, muito mais. As abissais desigualdades observadas na sociedade brasileira, definidoras de um quadro de gravíssima injustiça social, são resultados de mecanismos socioeconômicos bem definidos e cuidadosamente construídos no plano institucional.

As principais características do modelo implementado, algumas delas profundamente articuladas, são as seguintes: câmbio flutuante; metas de superávit primário e de inflação; intenso endividamento do Estado; juros

1 Texto concluído no dia 21 de abril de 2014.

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altíssimos; desnacionalização do parque produtivo; enorme concentração da propriedade rural; financiamento externo baseado na exportação de minerais e produtos agrícolas; atração de recursos financeiros oriundos da especulação internacional; sistema tributário profundamente injusto; concentração e elitização da grande mídia; elevada distorção e deterioração da estrutura político-partidária; considerável descaso com a necessidade de uma profunda e abrangente revolução educacional; degradação crescente do espaço urbano; baixíssima atenção para com os mecanismos de planejamento e gestão eficiente das ações do Poder Público, notadamente em setores estratégicos como energia, comunicação, tecnologia, agricultura familiar, transporte, saúde e saneamento; significativo desprezo pelo meio ambiente e o cultivo de uma “cultura” baseada em valores extremamente deletérios, tais como o consumismo, a ditadura da aparência e das mais mais variadas formas de futilidade e superficialidade e um considerável incentivo à violência física e simbólica.

O Brasil figura como a sétima economia do mundo e um dos líderes globais no quesito da exploração da maioria de sua população (estudantes, trabalhadores, juventude e classes médias). Essa triste contradição somente começará a ser superar quando realmente desmontar os vários e sofisticados mecanismos institucionais de reprodução das desigualdades. Não deve ser esquecida a necessidade estratégica de superação do capitalismo financeiro como modelo de sociedade fundado na mercantilização da vida social com todas as nefastas consequências daí decorrentes.

Esse é o segundo e nobre motivo para a aceitação do desafio relacionado com a candidatura ao Senado Federal. Afinal, a tribuna da Câmara alta do Parlamento brasileiro pode ser convertida num importante e privilegiado espaço de denúncia e tentativa de modificação, com os seus naturais limites, desses mecanismos e instrumentos de criação e reprodução de desigualdades, discriminações e explorações.

Existe ainda um terceiro motivo básico para a aceitação do convite. É justamente aquele que articula as duas razões anteriores. É possível construir um conjunto de propostas que materializem as preocupações anteriores já na campanha e no curso do exercício de um eventual mandato parlamentar. Destaco, nessa linha, um conjunto preliminar de ideias a serem devidamente trabalhadas, ampliadas e consolidadas em três perspectivas distintas:

I. CAMPANHA

a) total ausência de financiamento por parte de pessoas jurídicas (empresas, incluídos bancos) (2);

b) contribuições financeiras somente de pessoas físicas no limite da legislação eleitoral em vigor;

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c) divulgação eletrônica (na internet) em tempo real das finanças da campanha (contribuições e gastos);

d) campanha eleitoral baseada na cidadania ativa (onde cada eleitor-apoiador busca influenciar, num debate político de qualidade, o maior número possível de pessoas acerca da justeza da candidatura);

e) atenção direta, física e eletrônica, para cada eleitor ou conjunto de eleitores (com resposta efetiva a questionamentos e promoção de um debate político profundo e de qualidade, inclusive na forma de reuniões com qualquer número de interessados);

f) completo repúdio a todas as formas tradicionais e deletérias de fazer campanha eleitoral, notadamente aquelas fundadas no uso indiscriminado de recursos financeiros suspeitos para “compra” de cabos eleitorais, votos e espaços de influência dos eleitores.

II. ATUAÇÃO PARLAMENTAR

a) não-utilização de nenhuma “mordomia” relacionada com o exercício do mandato, especialmente carro oficial (substituído pela utilização de meu veículo particular e pelos meios públicos de transporte) e viagens em aviões da Força Aérea Brasileira (substituídos pela utilização de aviões comerciais comuns);

b) permanente prestação de contas do exercício do mandato, inclusive com a manutenção de uma estrutura de apoio que possa efetivamente responder aos questionamentos e sugestões dos cidadãos, viabilizando um constante debate político com o conjunto da sociedade;

c) utilização da tribuna do Senado para dar voz diretamente ao cidadão com a leitura de pronunciamentos elaborados pelos eleitores (que poderão registrar para o mundo político, imprensa e sociedade suas ideias, inquietações e protestos);

d) constituição de um comitê de apoio e fiscalização do exercício da atuação político-parlamentar composto por representantes de eleitores e segmentos organizados da sociedade civil buscando a construção de um mandato popular e coletivo, inclusive com a realização de assembleias periódicas;

e) utilização do mandato para dar visibilidade e consequência institucional às reivindicações dos vários segmentos sociais organizados, notadamente por intermédio de audiências públicas e instrumentos congêneres.

III. PROPOSTAS PROGRAMÁTICAS

a) atuação em defesa da implementação de uma reforma política de cunho democrático e popular (2);

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b) implementação de medidas específicas de combate à corrupção nas suas várias formas e vertentes (3);

c) combate aos vários e sofisticados mecanismos institucionalizados de subtração de recursos financeiros das políticas públicas e áreas sociais (educação, saúde, transporte, lazer, cultura, esportes, entre outros) com transferência desses valores para segmentos socioeconômicos privilegiados da sociedade brasileira, notadamente o sistema de geração e pagamento da dívida pública (4);

d) luta pela realização da auditoria da dívida pública brasileira, prevista no art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, cujo serviço tem consumido mais de 40% (quarenta por cento) dos recursos do orçamento federal a cada ano, a fim de que se constate qual é a contrapartida dessa dívida para a sociedade que arca com o seu pagamento (4);

e) defesa de uma reforma tributária pautada na realização da justiça fiscal (eliminando privilégios e equalizando a carga tributária em função da capacidade contributiva de cada segmento social) e no fortalecimento da Administração Tributária (5);

f) participação ativa na luta contra às várias e inaceitáveis modalidades de discriminações, preconceitos e opressões que tristemente são verificadas na sociedade brasileira (em razão da cor, classe, origem social, gênero, orientação sexual, opção religiosa, etc);

g) defesa de uma real transformação da segurança pública no Brasil para seu necessário alinhamento com a noção constitucional de Estado Democrático de Direito, que rejeita a militarização da polícia e da política, a criminalização da pobreza e busca um debate sério, consequente e construtivo acerca do uso e comercialização de todos os tipos de “drogas” (tabaco, álcool, maconha, etc);

h) inserção ativa no debate acerca da redução da maioridade penal, esclarecendo que tal medida não produz resultados efetivos no recuo dos níveis de criminalidade e mascara o verdadeiro problema de fundo representado por um modelo socioeconômico perverso e excludente;

i) questionamento da política econômica atual, que adota os dogmas ditados pelo sistema financeiro internacional, propondo medidas que direcionem a outro modelo no sentido da promoção do efetivo desenvolvimento socioeconômico do país e a garantia dos direitos humanos fundamentais.

O desafio foi aceito. Sou pré-candidato a Senador da República pelo PSOL/DF. Se a convenção do partido chancelar a postulação, o cenário político-eleitoral de outubro contará com uma candidatura radical.

Resgata-se, assim, o nobre, utópico e libertário sentido da palavra radical, cuidadosamente distorcido ao longo do tempo para dificultar a denúncia e a crítica que vai a raiz e a essência de uma realidade social

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radicalmente desigual, injusta e discriminatória. Em suma, será uma candidatura radicalmente orientada pela

honestidade e por forte conteúdo popular e democrático comprometido com profundas transformações no sentido da construção de uma sociedade livre, justa e igualitária.

NOTAS:

(1) PSOL – Partido Socialismo e Liberdade (http://www.psol50.org.br).(2) Por uma reforma político-eleitoral popular e democrática (http://www.aldemario.adv.br/refpolpopdem.pdf).(3) O combate efetivo à corrupção exige propostas específicas (http://www.aldemario.adv.br/corrupcaopropostas.pdf).(4) Auditoria Cidadã da Dívida (http://www.auditoriacidada.org.br).(5) Quanto custa o Brasil pra você? Parte I – Os números (http://www.aldemario.adv.br/quantoparte1numeros.pdf). Parte II – Reforma Tributária (http://www.aldemario.adv.br/quantoparte2reforma.pdf).

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Por uma reforma político-eleitoral popular e democrática1

I. DA INTRODUÇÃO

O Brasil foi literalmente sacudido por milhões de pessoas nas ruas no mês de junho do corrente ano. Em atos, passeatas e manifestações

foram reclamados os usufrutos minimamente eficientes de diversos direitos sociais, notadamente aqueles relacionados com a educação, a saúde e o transporte urbano (1).

Chamou a atenção de todos as inúmeras e recorrentes referências negativas ao mundo da política. A distância entre os cidadãos e seus representantes eleitos foi destacada fortemente. Em alguns casos, esse divórcio foi retratado com cores de forte dramaticidade.

Assim, a necessidade de uma reforma do modelo político-eleitoral vigente adquiriu contornos de urgência e importância não experimentados até então. Nessa linha, multiplicam-se os debates, discussões e iniciativas da sociedade civil em torno dessa temática relevantíssima (2). Diante de inúmeras propostas e modelos de reforma em discussão, a pergunta se impõe: qual a reforma político-eleitoral necessária?

II. DA REFORMA POLÍTICO-ELEITORAL NECESSÁRIA

Alguns importantes personagens da cena política brasileira sustentam que a reforma política é “a reforma das reformas” ou “a mãe de todas as reformas”. As afirmações são substancialmente procedentes numa certa perspectiva de análise.

Com efeito, a Constituição de 1988 ao desenhar o Estado Democrático de Direito definiu, como em praticamente todas as partes do mundo, um governo (nas chefias dos Executivos e nos Legislativos) composto por representantes eleitos pelo povo (corpo eleitoral detentor da soberania política, nos termos do art. 1o, parágrafo único, da Carta Magna).

O representante eleito exerce, por prazo certo de tempo, um mandato. Esse instituto (o mandato) significa, na essência, tanto no plano do direito civil como dos negócios públicos, um encargo por meio do qual uma pessoa recebe poderes de outra para, em nome dessa última, praticar atos ou decidir em torno de interesses.

Nesse sentido, é preciso muito cuidado com representantes políticos (notadamente parlamentares) numa sociedade profundamente

1 Texto concluído no dia 18 de novembro de 2013.

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heterogênea como a brasileira. Esse ambiente ou cenário denominado “sociedade brasileira” é o palco, desde as origens históricas no ano de 1500, de profundos e excludentes conflitos de interesses econômicos e sociais entre grupos, setores, segmentos e classes sociais. Esses conflitos, manifestados de várias formas, envolvem, entre outros aspectos, disputas pela apropriação da riqueza produzida (o conflito básico em toda sociedade razoavelmente organizada), pela ocupação institucional e simbólica do espaço social, pela produção e acesso aos bens culturais e pela construção e vivência de valores.

Portanto, não passa de ilusão, equívoco ou má-fé a defesa e a representação dos “interesses da sociedade”. Essa categoria (a sociedade) é o palco ou cenário da luta ou disputa de interesses. Rigorosamente, não existem “interesses da sociedade” profundamente desigual e conflituosa. Existem interesses de setores dentro dessa sociedade. Na ação política é preciso, por conseguinte, explicitar e adotar posições ou lados na disputa objetivamente posta. A defesa da “sociedade”, do “bem comum”, do “povo” não é a defesa de nada ou de ninguém. Pode ser, sob certo ótica, a própria defesa ou a (cômoda) defesa de interesses circunstanciais.

Infelizmente, ouve-se, com frequência, um discurso evasivo e (equivocado) no sentido da construção da representação da “sociedade”, do “conjunto da sociedade” ou do “bem comum”. Não parece viável, por exemplo, a representação concomitante (dos interesses) das elites econômicas e das classes trabalhadoras (exploradas pelas primeiras das mais variadas formas).

É sempre importante destacar que a representação política (“os políticos”) são intermediários ou veículos de interesses e posições enraizadas no tecido social. Cada político (ou conjunto de políticos) é descartável, na medida que podem ser substituído por outra pessoa ou ator social (ou conjunto deles). Assim, é preciso identificar a estrutura ou modelo econômico-social subjacente, para além do mundo mais visível da política (3). Não é de se estranhar que a grande imprensa, vinculada e partícipe da lógica dominante das estruturas de poder, incentive a colocação da classe política como responsável pelas mazelas sociais e alvo do descontentamento generalizado de largos setores da sociedade brasileira.

Acredito, por conseguinte, que a vertente fundamental da reforma político-eleitoral consiste em criar as condições ou mecanismos para facilitar e dar visibilidade a representação dos interesses sociais das classes trabalhadores, dos setores médios, dos explorados e dos marginalizados de todos os tipos. Até mesmo a explicitação e clara identificação da representação das elites econômicas e sociais é bastante salutar para as lutas travadas no cenário político institucionalizado.

Por outro lado, parece que mudanças ou transformações sociais relevantes, rumo a uma sociedade pautada pela justiça social, reclamam níveis crescentes de consciência e mobilização políticas. As estruturas institucionais político-eleitorais serão instrumentos mais ou menos

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adequados (no sentido de facilitar ou não) aos avanços perseguidos pelos setores populares, médios e marginalizados existentes na quadra atual da sociedade brasileira.

III. DAS PROPOSTAS

São dezenas as medidas propostas no âmbito da reforma político-eleitoral. Podemos arrolar, sem esgotar o rol, as seguintes proposições: a) financiamento de campanhas; b) sistemas eleitorais para composição dos parlamentos; c) voto obrigatório; d) reeleição; e) suplentes de senadores; f) candidaturas avulsas; g) cláusula de barreira; h) liberdade de manifestação político-eleitoral, notadamente na internet; i) prestação de contas; j) propaganda eleitoral; k) pesquisas eleitorais; l) fidelidade partidária; m) organização de “clubes” de eleitores; n) partidos de aluguel; o) distribuição de tempo nos programas de rádio e televisão; p) distorção, em relação à população das unidades da Federação, nas representações na Câmara dos Deputados; q) coincidência de mandatos; r) racionalização dos casos de desincompatibilização; s) bicameralismo no âmbito da União; t) utilização de “cabos eleitorais” e u) utilização da urna eletrônica (4).

Importa, no entanto, resgatar as ponderações acerca da essência da reforma político-eleitoral necessária (item II imediatamente anterior) e separar o acessório do principal. É preciso, nesse sentido, apontar quais as medidas que implicariam em efetiva e profunda mudança no ambiente político-eleitoral na perspectiva de alinhar representantes eleitos e defesa dos interesses dos representados, notadamente em relação aos setores, segmentos, camadas ou classes sociais populares, médios e marginalizados que integram a sociedade. Não custa registrar que as elites econômico-sociais possuem séculos de expertise na escolha de seus legítimos representantes e, nessa medida, podem ficar fora do campo de preocupações e reflexões.

Nesse rumo, os seguintes aspectos da reforma política são os cruciais ou decisivos: a) financiamento das campanhas eleitorais; b) sistema eleitoral para escolhas dos parlamentares; c) distribuição e forma de utilização do tempo de propaganda de televisão e rádio; d) revogação de mandatos; e) organização de “clubes” de eleitores e f) radical redução do número de cargos comissionados na Administração Pública.

Financiamento das campanhas eleitorais. Trata-se de um dos aspectos capitais das mudanças a serem implementadas no processo político-eleitoral. O atual modelo de financiamento privado das campanhas eleitorais, notadamente por (grandes) empresas, induz corrupção em larga escala e “escolhe” claramente representantes dos interesses mais mesquinhos e elitistas presentes na sociedade brasileira. Nesse sentido, os dados dos financiamentos de campanhas eleitorais nos últimos anos são estarrecedores (5).

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A rigor, independentemente de alteração legislativa, já é viável a interdição dessa nefasta prática de financiamento eleitoral por empresas. Com efeito, tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n. 4.650, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que “questiona dispositivos da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95) e da Lei das Eleições (Lei 9.504/97) e busca ver banidos da legislação eleitoral dispositivos que permitem doações por pessoas jurídicas às campanhas políticas”.

É preciso, portanto, caminhar para uma radical definição normativa de proibição do financiamento político-eleitoral por empresas e sua aceitação somente por pessoas físicas ou naturais com limites ou tetos baixíssimos de contribuição.

Sistema eleitoral para escolhas dos parlamentares. O sistema proporcional para escolha de representantes no parlamento é aquele que se apresenta como mais democrático e com melhores condições de conduzir à arena parlamentar, com mais clareza, os interesses dos vários segmentos sociais, notadamente os populares, médios e marginalizados, por força do chamado “voto de opinião” (mais consciente, politizado e disperso).

A alternativa do sistema distrital (puro ou misto) tende a reduzir a força dos votos mais “ideológicos” e reduzir a qualidade do debate político rumo a questões predominantemente locais e voltadas para satisfação de necessidades mais imediatas, dificultando a compreensão e relações dessas mesmas questões com o modelo econômico-social implantado e mais abrangente (6).

Distribuição e forma de utilização do tempo de propaganda de televisão e rádio. O tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão não pode privilegiar e reproduzir as maiorias parlamentares já formadas. Impõe-se uma distribuição igualitária dos espaços de propaganda eleitoral sem o concurso de produções visualmente mirabolantes e com privilégio de discussão de propostas e programas de ação político-governamental.

Revogação de mandatos. A adoção de um sistema de revogação de mandatos tende a aproximar a representação política dos eleitores e viabilizar, em novos termos, a identidade entre as duas partes do processo eleitoral.

Clubes de eleitores. Impõe-se construir e influenciar candidaturas, notadamente para postos legislativos, em bases completamente novas. Nesse sentido, podem ser constituídos grupos de eleitores que indiquem ou recomendem o voto em certos candidatos comprometidos formalmente com determinadas plataformas de atuação e com um padrão de comportamento ético claramente definido e publicizado. Ademais, por essa via, resta facilitado o acompanhamento e o controle sobre o exercício do mandato eleitoral.

Radical redução do número de cargos comissionados na Administração Pública. É preciso articular a aprovação de projetos de leis definidores de

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uma radical profissionalização da Administração Pública com a redução extrema dos espaços ocupados por agentes não-detentores de cargos efetivos. É importante incorporar, nessas iniciativas, instrumentos voltados para: a) reduzir influências corporativas indevidas; b) definição de critérios objetivos para ocupação dos postos de direção por servidores de carreira; c) limitação de tempo para o exercício dessas funções de direção por ocupantes de cargos efetivos e d) definição de “quarentenas”, sem o exercício de cargos comissionados, depois da ocupação desses espaços por servidores concursados (7).

Essa não é uma medida diretamente político-eleitoral. Todos os indicadores apontam, entretanto, para o triste fato de que a forma mais comum de cooptação (escusa) dos representantes eleitos consiste no “loteamento” dos cargos de livre nomeação na Administração Pública. Por essa tortuosa via, literalmente são “vendidos” apoios parlamentares a projetos, programas e propostas de governo, independentemente de seus conteúdos.

Deve ser destaca a existência de um forte e crescente movimento da sociedade civil para a concretização de uma reforma político-eleitoral consequente. Merece destaque a proposta apresentada pelo movimento “eleições limpas”, sucessor político do movimento “ficha limpa”, congregando o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entre outros relevantes atores sociais (8).

IV. DAS CONCLUSÕES

Uma reforma político-eleitoral popular e democrática é uma necessidade de enorme importância para o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito no Brasil, notadamente para viabilizar o saneamento dos costumes políticos e para a legitimação das representações eleitas.

Destaque-se que os mecanismos político-eleitorais em discussão serão apenas os instrumentos ou veículos, mais ou menos democráticos, para o trânsito dos interesses populares, médios e marginalizados presentes na sociedade brasileira. O fundamental está além das estruturas normativas e institucionais. Esse essencial consiste na consciência política em patamares superiores e a mobilização efetiva decorrente.

NOTAS:

(1) O Editorial do jornal “Le Monde Diplomatique Brasil”, de julho de 2013, subscrito por Silvio Caccia Bava, registra: “As históricas mobilizações do mês de junho mudaram o cenário da política brasileira. Elas introduziram na cena pública, depois de décadas de ausência, o cidadão indignado. Até agora mais de 2 milhões de pessoas foram às ruas em 438 municípios protestar contra a condição insuportável da vida nas cidades”. VAINER, Carlos. MEGA-EVENTOS, MEGA-NEGÓCIOS, MEGA-PROTESTOS. Uma Contribuição ao

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Debate sobre as Grandes Manifestações e as Perspectivas Políticas. Disponível em: <http://laurocampos.org.br/2013/06/mega-eventos-mega-negocios-mega-protestos>. Acesso em: 8 jul. 2013.(2) Fui convidado, uma vez verbalmente e duas vezes por mensagens de correio eletrônico (24 de setembro e 18 de outubro), para debater sobre o atualíssimo e importantíssimo tema da reforma política na I Semana Acadêmica de Direito, evento promovido pelo Centro Acadêmico de Direito da Universidade Católica de Brasília.Em todos os convites formulados foi registrado que o tema seria desenvolvido em conjunto com o Deputado Federal José Reguffe. A programação do evento, divulgada no facebook do CADir/UCB, consignava:Segunda-feira (28/10) – Noturno:REFORMA POLÍTICA* José Antônio Machado Reguffe (Deputado Federal/DF)* Aldemario Araújo Castro (Professor Mestre do curso de Direito da Universidade Católica de Brasília/Procurador da Fazenda Nacional)Assim, preparei minha participação para um debate sobre a reforma política. Compareci, no dia 28 de outubro do corrente, ao auditório do bloco K do campus principal da Universidade Católica de Brasília. Fui chamado, juntamente com o Deputado Reguffe, a compor a mesa por volta das 20 horas e 10 minutos.No início de sua fala, o Deputado Reguffe registrou que tinha um compromisso às 21 horas e faria uma palestra com abertura para toda e qualquer pergunta na sequência. A exposição do ilustre parlamentar terminou por volta das 21 horas. Diante do compromisso anunciado no início dos trabalhos, seguiram-se algumas perguntas e respostas do parlamentar. Essa segunda parte do evento foi concluída por volta das 21 horas e 40 minutos.Registrei publicamente que julgava prejudicada a minha participação. Afinal, não teria muito sentido fazer uma exposição de trinta a quarenta minutos a partir das 21 horas e 40 minutos. Qualquer debate estaria inviabilizado pelo avanço do horário e pela ausência do Deputado Reguffe ante a necessidade de honrar o outro compromisso registrado pelo próprio. Anunciei, também, que as minhas ponderações sobre o tema seriam divulgadas por escrito.Impõe-se consignar que o Deputado Reguffe pediu publicamente desculpas pelo desconforto verificado (desculpas aceitas publicamente) e afirmou que foi convidado para fazer uma palestra, sem nenhum tipo de referência a ocorrência de um debate sobre o assunto. O Deputado Reguffe, na condição de palestrante, discorreu diretamente e em respostas a perguntas por cerca de 1 hora e 30 minutos sobre o quadro político nacional e sobre a sua proposta de reforma política (apresentada durante a campanha eleitoral e protocolada perante a Câmara dos Deputados ainda no ano de 2011).As medidas indicadas pelo parlamentar federal são as seguintes: a) vedação de reeleição para cargos no Poder Executivo e possibilidade de somente uma reeleição para mandatos legislativos; b) adoção do voto facultativo; c) implantação do voto distrital (puro, pelo que entendi); d) implementação de sistemas de revogação de mandatos por iniciativa dos eleitores; e) financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais; f) admissão de candidaturas avulsas (sem filiação partidária) com apoio prévio mínimo de um certo número de eleitores e g) necessidade de renúncia ao mandato para o parlamentar ocupar postos no Poder Executivo.(3) Eis as principais características do modelo implementado (algumas delas profundamente articuladas): câmbio flutuante; metas de superávit primário; metas de inflação; intenso endividamento do Estado; juros altíssimos; desnacionalização do parque produtivo; financiamento externo baseado na exportação de minerais e produtos agrícolas; atração de recursos financeiros oriundos da especulação internacional; sistema tributário profundamente injusto; profunda concentração e elitização da grande imprensa; elevada distorção e deterioração da estrutura político-partidária; considerável descaso com a necessidade de uma profunda e abrangente revolução educacional; baixíssima atenção para com os mecanismos de planejamento e gestão eficiente das ações do Poder Público, notadamente em setores estratégicos; significativo desprezo pelo meio ambiente e o cultivo de uma “cultura” baseada em valores extremamente deletérios, tais como o consumismo, a ditadura da aparência e das mais mais variadas formas de futilidade e superficialidade e um certo incentivo à violência física e simbólica.(4) Trata-se de um tema extremamente sensível para a democracia representativa. “O Fórum do Voto-E declara-se uma entidade suprapartidária, abrigando pessoas dos mais diversos partidos e correntes ideológicas. Propugna por um sistema eleitoral transparente e confiável do cadastramento à apuração, sem a identificação dos votos dos eleitores e com a possibilidade de plena auditoria dos resultados. Afirma ser essa uma das bases da democracia”. Disponível em: <http://www.brunazo.eng.br/voto-e/indice.htm#indice>. Acesso em: 10 nov. 2013.(5) “Quatro gigantes da construção civil que também administram rodovias foram as empresas que mais doaram dinheiro nas seis últimas eleições realizadas no país, entre 2002 e 2012. São elas, em ordem decrescente: Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão. Segundo levantamento da Folha de S. Paulo, as quatro empreiteiras doaram, nesse período, R$ 615,5 milhões, em valores já corrigidos pela inflação. Pela legislação eleitoral, empresas que exploram concessão pública não podem contribuir com candidatos ou partidos políticos. Não há nenhum impedimento legal, no entanto, para que elas financiem as eleições por meio de outros braços de seus grupos”. Revista Congresso em Foco. Ano 2. Número 6.

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Junho/Julho de 2013. Pág. 34.“Empresas que devem quase R$ 1,5 bilhão ao governo doaram a campanhas. As principais campanhas políticas de 2010 no Brasil foram bancadas por empresas que devem dinheiro ao governo federal. De cada R$ 100 injetados naquela campanha presidencial, quase R$ 30 vieram de empresas inscritas na Dívida Ativa da União, lista de devedores que, segundo o governo, não pagaram impostos ou deixaram de recolher a contribuição para a Previdência Social. No total, as doadoras devem quase R$ 1,5 bilhão”. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/08/1321657-empresas-que-devem-quase-r-15-bilhao-ao-governo-doaram-a-campanhas.shtml>. Acesso em: 3 out. 2013.(6) “Esse sistema, em linha de comparação, é melhor, pois permite o preenchimento das vagas segundo a votação em propostas partidárias e não na simples votação candidato a candidato. Ela, em tese, leva ao fortalecimento das legendas, algo fundamental para a democracia. Se hoje muitos partidos não representam efetivamente um projeto para o país, o sistema proporcional pelo menos ajuda a que isso ocorra. (...)Os principais argumentos apresentados a favor do voto distrital são dois. Primeiro: como as eleições se dão num universo menor (em vez do estado ou do município como um todo, elas aconteceriam em cada distrito), diminuiria o custo das campanhas. Depois, o sistema permitiria maior proximidade do eleitor com os eleitos, que seriam de seu bairro ou de sua região, permitindo um acompanhamento maior do trabalho desenvolvido.Penso, no entanto, que as desvantagens do voto distrital em relação ao voto proporcional superam, em muito, as vantagens.Uma dessas desvantagens é o esmagamento dos partidos minoritários. Uma legenda que tenha, por exemplo, o apoio de 20% do eleitorado pode ficar sem representação parlamentar se não for majoritária em algum distrito.Mas há algo pior. Os eleitos seriam transformados inevitavelmente em despachantes de interesses locais, deixando em segundo plano as políticas globais. Se estas já são muito ausentes do debate no legislativo, onde prevalecem interesses paroquiais, com a adoção do voto distrital isso se elevaria à máxima potência.A eleição e a manutenção dos mandatos dependeriam quase exclusivamente dos favores que o eleito conseguisse atrair para a sua circunscrição.A grande política e os chamados candidatos de opinião desapareceriam, amesquinhando ainda mais o debate no parlamento.Seria o pior dos mundos.” (Voto proporcional ou voto distrital. Wadih Damous. Disponível em: <http://www.diariodopoder.com.br/artigos/voto-proporcional-ou-voto-distrital>. Acesso em 10 nov. 2013).(7) Percebe-se claramente na Administração Pública, em todos os níveis, a utilização de cargos comissionados, ocupados tanto por estranhos ao serviço público como por servidores de carreira, como instrumentos ou ferramentas de realização de inúmeros interesses privados e escusos. Cria-se, em larga escala, uma “cadeia de comando” disposta, em troca da remuneração do cargo comissionado, a viabilizar todo tipo de capricho ou interesse divorciado do interesse público. “Prefeituras do País criam 64 mil cargos para nomeação política em quatro anos. Prefeitos incharam a máquina com aumento de 14% das vagas sem concurso nas 5.566 cidades brasileiras; uso dos postos como moeda de troca é recorrente. Nos quatro anos de mandato entre 2008 e 2012, os 5.566 prefeitos do País criaram, em conjunto, 64 mil cargos comissionados – aqueles para os quais não é necessário fazer concurso público, e que costumam ser loteados por indicação política. Com a massiva abertura de vagas, o total de funcionários públicos municipais em postos de livre nomeação subiu de 444 mil para 508 mil. Juntos, eles lotariam os oito maiores estádios da Copa de 2014. (…) Uso político. Cargos de livre nomeação, em tese, servem para que administradores públicos possam se cercar de pessoas com quem têm afinidades políticas e projetos em comum. Na prática, no entanto, é corrente o uso dessas vagas como moeda de troca. Além de abrigar seus próprios eleitores ou correligionários, os chefes do Executivo distribuem as vagas sem concurso para partidos aliados em troca de apoio no Legislativo ou em campanhas eleitorais”. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,prefeituras-do-pais-criam-64-mil-cargos-para-nomeacao-politica-em-quatro-anos,1053212,0.htm>. Acesso em: 10 ago. 2013.(8) O projeto de lei apresentado pelo movimento “eleições limpas” merece elogios quando sustenta: a) a necessidade de financiamento público das campanhas eleitorais, afastando as doações por empresas; b) profunda reformulação do sistema de eleições proporcionais (para os parlamentos, com exceção do Senado Federal) com votação em dois turnos (“… o eleitor vota, primeiro, no partido e, depois, candidato” - conforme documento de divulgação da campanha) e c) radical ampliação do debate político-eleitoral, notadamente nos ambientes eletrônicos (como a internet e suas redes sociais).Subsiste, entretanto, um grave equívoco na proposta do movimento “eleições limpas”. Com efeito, mantém-se, nas eleições proporcionais, a possibilidade de coligações partidárias. Consta na proposta apresentada pelo movimento a seguinte redação para o art. 5o-A da Lei n. 9.504, de 1997: “Nas eleições proporcionais, será obedecido o sistema de votação em dois turnos, os quais se realizarão nas oportunidades definidas no art. 1o desta Lei.§1o No primeiro turno de votação, os eleitores votarão em favor de siglas representativas dos partidos ou coligações partidárias” (destaques inexistente no original).É possível afirmar, sem medo de errar, que as coligações partidárias nas eleições para os parlamentos

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representam um dos principais fatores de deterioração do ambiente político-eleitoral no Brasil. Com efeito, a formação de amplas coligações partidárias nos pleitos proporcionais, entre outras consequências: a) enfraquece e descaracteriza as siglas partidárias; b) permite negociações escusas relacionadas com o tempo disponível para a propaganda no rádio e televisão; c) viabiliza a eleição de candidato de partido distinto daquele sufragado pelo eleitor e d) cria condições favoráveis para a manutenção e proliferação de “partidos de aluguel”. Ademais, a proibição das coligações em eleições proporcionais é solução muito superior a fixação da chamada “cláusula de barreira” para afastar a praga dos “partidos de aluguel”. Essa via permite cortar o “oxigênio” das legendas criadas para viabilizar “negócios político-eleitorais” sem o efeito colateral de dificultar ou inviabilizar os chamados “partidos de opinião” ou “partidos ideológicos”. Esses partidos, representativos de minorias políticas (em certo momento ou até certo momento, porque podem ser a maioria de amanhã), efetivam ou concretizam o pluralismo político definido como fundamento do Estado Democrático de Direito no Brasil (art. 1o, inciso V, da Constituição). O próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu nesse sentido:“ADI 1351/DF. Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 07/12/2006. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Ementa: PARTIDO POLÍTICO - FUNCIONAMENTO PARLAMENTAR - PROPAGANDA PARTIDÁRIA GRATUITA - FUNDO PARTIDÁRIO. Surge conflitante com a Constituição Federal lei que, em face da gradação de votos obtidos por partido político, afasta o funcionamento parlamentar e reduz, substancialmente, o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário. NORMATIZAÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE - VÁCUO. Ante a declaração de inconstitucionalidade de leis, incumbe atentar para a inconveniência do vácuo normativo, projetando-se, no tempo, a vigência de preceito transitório, isso visando a aguardar nova atuação das Casas do Congresso Nacional”.Portanto, a proposta conhecida como “eleições limpas”, digna de elogios e apoios, pela consistência e capacidade de galvanizar a sociedade brasileira, precisa ser depurada, interna ou externamente, desse ponto (a manutenção da possibilidade de coligações nas eleições proporcionais – para os parlamentos). Assim, poderá alcançar o desejável fim que persegue representado na racionalização e efetiva democratização dos processos eleitorais no Brasil.

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II. COMBATE À CORRUPÇÃO

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O combate efetivo à corrupção exige propostas específicas1

No dia 4 de dezembro de 2011, concluí a elaboração do texto intitulado COMBATENDO A CORRUPÇÃO. Esse escrito, motivado por uma

“corrente” de mensagens eletrônicas contra a corrupção veiculando uma “Lei de Reforma do Congresso”, pode ser acessado no seguinte endereço eletrônico: <http://www.aldemario.adv.br/combatendo.pdf>.

Reescrevo, agora, o texto referido com ajustes e acréscimos decorrentes do singularíssimo momento vivido pela sociedade brasileira, literalmente sacudida pelo terremoto político representado pelas dezenas de manifestações populares do mês de junho do corrente (e prometem continuar ...)(2).

Parece que a busca pela justiça social foi (e é) o denominador comum das manifestações já realizadas e em curso. A defesa desse estádio superior de desenvolvimento econômico-social pode ser lida nos milhares de cartazes que pugnavam (e pugnam) por transporte público de qualidade, atendimento de saúde adequado, educação no “padrão FIFA”, e os demais direitos sociais inscritos no artigo sexto da Constituição. A sociedade livre, justa e solidária, preconizada no artigo terceiro da Carta Magna, pressupõe a fruição ampla e geral desses direitos.

Cumpre observar que um dos pleitos mais recorrentes nas manifestações populares foi (e é) o combate à corrupção. Identificam os manifestantes, com acerto, a existência de níveis alarmantes das mais diversas formas de malversação da “coisa pública” por certos agentes políticos, determinados servidores públicos e específicos integrantes do empresariado.

Percebe-se, também, que o clamor pela extinção desse deletério e repulsivo fenômeno permanece num indesejável plano de generalidade. Não se identifica um conjunto consistente de propostas específicas contra a corrupção, notadamente proposições que ataquem as causas do problema.

As reduzidas propostas concretas nessa seara estão voltadas, infelizmente, para o tratamento das consequências das várias práticas de corrupção. É possível exemplificar com a caracterização da corrupção como crime hediondo e mesmo a rejeição da PEC n. 37, que trata da investigação das infrações penais já efetivadas. A proposta, sustentada pela

1 Texto concluído no dia 13 de agosto de 2013.2 O Editorial do jornal “Le Monde Diplomatique Brasil”, de julho de 2013, subscrito por Silvio Caccia Bava, registra: “As históricas mobilizações do mês de junho mudaram o cenário da política brasileira. Elas introduziram na cena pública, depois de décadas de ausência, o cidadão indignado. Até agora mais de 2 milhões de pessoas foram às ruas em 438 municípios protestar contra a condição insuportável da vida nas cidades”. VAINER, Carlos. MEGA-EVENTOS, MEGA-NEGÓCIOS, MEGA-PROTESTOS. Uma Contribuição ao Debate sobre as Grandes Manifestações e as Perspectivas Políticas. Disponível em: <http://laurocampos.org.br/2013/06/mega-eventos-mega-negocios-mega-protestos>. Acesso em: 8 jul. 2013.

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OAB e dezenas de entidades da sociedade civil, de financiamento público do processo eleitoral é uma importantíssima exceção (como medida para combater as raízes da corrupção).

Diante desse quadro, sugeri ao Conselho Federal da OAB a articulação de um amplo movimento da sociedade civil, a exemplo daqueles realizados em torno da proposta da “ficha limpa” (3) e das “eleições limpas” (4), objetivando a construção e apresentação de um conjunto consistente de proposições contra os preocupantes e nefastos atos de corrupção.

Registro que o vocábulo “corrupção” é tomado neste escrito em sentido amplíssimo, tal como referido coloquialmente nos mais variados espaços sociais. Envolve todo tipo de malversação do dinheiro público, dilapidação do patrimônio público, atos de improbidade administrativa e outras figuras com nomenclaturas jurídicas diversas e tratamentos legais específicos (5).

Esse (a corrupção ampla e generalizada) é um dos principais problemas na atual quadra histórica da nação brasileira. Nesse sentido, apontam passeatas, correntes na internet, blogs, sites e uma intensa movimentação nas redes sociais mais concorridas. Segundo dados da Revista Veja, a corrupção abocanha cerca de R$ 82 bilhões por ano, algo em torno de 2,3% do PIB (6).

Abro um parêntesis para registrar a opinião pessoal de que temos problemas aparentemente mais graves. Cito, entre eles, o estratosférico pagamento anual de juros e encargos da dívida pública, assunto praticamente esquecido na (grande) imprensa e nos debates políticos e sociais. Dados oficiais apontam para despesas, nesse item, na casa dos R$ 124 bilhões anuais, representando cerca de 3,9% do PIB (7). Uma visão

3 "A Lei Ficha Limpa foi aprovada graças à mobilização de milhões de brasileiros e se tornou um marco fundamental para a democracia e a luta contra a corrupção e a impunidade no país. Trata-se de uma conquista de todos os brasileiros e brasileiras. Para garantir que essa vontade popular se reflita nestas e nas próximas eleições, a Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (ABRACCI), mantém o sítio Ficha Limpa – um instrumento de controle social da Lei Ficha Limpa e uma ação de valorização do seu voto!" (http://www.fichalimpa.org.br). 4 Veja a nota 21.5 Confira os sentidos mais estritos. Corrupção passiva. Art. 317 do Código Penal - “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. Corrupção ativa. Art. 333 do Código Penal - “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.6 Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/materia-de-capa-o-custo-da-corrupcao-no-brasil-r-82-bilhoes-por-ano>. Acesso em: 23 nov. 2011.7 Dados para o ano de 2009 colhidos no site do Ministério do Planejamento (http://www.planejamento.gov.br).O Jurômetro Fiesp-Ciesp (http://www.jurometro.com.br), um placar com acompanhamento em tempo real dos valores gastos com juros (nominais) pelo Governo, indica o desembolso de mais de R$ 217 bilhões no ano de 2011 (até o final de novembro). Registre-se, ainda, que o Estado brasileiro paga os juros reais mais altos do mundo. Conforme notícia da imprensa (O Globo): “Mesmo com a queda de 0,5 ponto percentual na taxa de juros Selic, anunciada nesta quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária (Copom) - de 11,5% para 11% ao ano - o Brasil ainda está na incômoda posição de país que paga os juros reais mais altos do mundo. Um ranking elaborado pela Cruzeiro do Sul Corretora mostra que o país paga juro real de 5,1%, a maior taxa entre 40 países pesquisados. (...) A Hungria, segunda colocada, paga a metade do juro brasileiro. (...) Em terceiro lugar no levantamento feito pela corretora ficaram a Indonésia e o Chile, com juro real de 1,5%”. (Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/mesmo-com-queda-da-selic-brasil-paga-juro-real-mais-alto-do-mundo-3357495. Acesso em: 2 dez. 2011).

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alternativa, e mais preocupante, aos números oficiais pode ser verificada no site da Auditoria Cidadã da Dívida (8). De todos, creio que o mais relevante dos problemas do Brasil consiste na apropriação profundamente desigual da riqueza produzida, viabilizada por um conjunto de mecanismos políticos, sociais e econômicos cuidadosamente construídos e mantidos pelas elites dirigentes (9) (10).

Cumpre observar que as mobilizações físicas (como as passeatas) e as mobilizações eletrônicas (nas redes sociais presentes na internet) são providências necessárias, mas insuficientes, no longo e penoso processo de combate à corrupção. São necessárias porque mantêm o assunto na “ordem do dia” e definem o campo social (quero crer amplamente majoritário) contra a corrupção. São insuficientes porque não atacam as condições objetivas viabilizadoras dos atos concretos de corrupção que chegam, e que não chegam, ao noticiário da (grande) imprensa.

Ademais, não é possível alimentar a ilusão de que o combate à corrupção se constitui numa cruzada ética contra os degenerados morais. Em vários casos é possível até cogitar de influências genéticas. Trata-se, é preciso afirmar e reafirmar, de desenvolver uma ação planejada, organizada, enérgica e permanente dos cidadãos e das organizações sociais comprometidas com práticas sociais sadias e de respeito à coisa pública. Somente essa ação firme dos não-corruptos poderá reduzir e (praticamente) eliminar, numa perspectiva de longo prazo, o campo de atuação dos corruptos.

Não se pode perder de vista, também, que o combate à corrupção

8 Endereço eletrônico: http://www.divida-auditoriacidada.org.br. 9 Dados do Censo 2010 (http://www.ibge.gov.br) indicam que os 10% mais pobres ganhavam apenas 1,1% do total de rendimentos. Já os 10% mais ricos ficaram com 44,5% do total. O rendimento médio no grupo do 1% mais rico: R$ 16.560,92. A renda média mensal per capita foi calculada em R$ 668. Entretanto, metade da população recebia até R$ 375 por mês, valor inferior ao salário mínimo oficial em 2010 (R$ 510).Observa-se um emblemático exemplo das profundas desigualdades sociais no Brasil a partir de vários dados de uma entrevista publicada na Revista Piauí n. 62, de novembro de 2011, com um conhecido advogado brasiliense, identificado na aludida publicação como “o protetor dos poderosos”. Lê-se no texto: a) “um amigo arrisca que seu patrimônio ultrapasse 100 milhões de reais”; b) “ficam no subsolo [da residência do advogado] uma adega de dois andares, com 4 mil garrafas de vinho, ...”; c) “A Polícia Federal fez uma batida no escritório do banqueiro e descobriu uma nota fiscal de 8 milhões de reais, relativos aos honorários do advogado. (…) 'Aliás, acho bom que isso tenha vazado porque ficam sabendo o meu preço e não tentam pechinchar” e d) “Uma vez, jantamos em três e a conta foi de 120 mil reais, acredita?”. A matéria ainda registra frase atribuída ao advogado e que teria sido proferida em público: “Deus me deu a sorte de só ter cliente inocente”. 10 Eis as principais características do modelo implementado (algumas delas profundamente articuladas): câmbio flutuante; metas de superávit primário; metas de inflação; intenso endividamento do Estado; juros altíssimos; desnacionalização do parque produtivo; financiamento externo baseado na exportação de minerais e produtos agrícolas; atração de recursos financeiros oriundos da especulação internacional; sistema tributário profundamente injusto; profunda concentração e elitização da grande imprensa; elevada distorção e deterioração da estrutura político-partidária; considerável descaso com a necessidade de uma profunda e abrangente revolução educacional; baixíssima atenção para com os mecanismos de planejamento e gestão eficiente das ações do Poder Público, notadamente em setores estratégicos; significativo desprezo pelo meio ambiente e o cultivo de uma “cultura” baseada em valores extremamente deletérios, tais como o consumismo, a ditadura da aparência e das mais mais variadas formas de futilidade e superficialidade e um certo incentivo à violência física e simbólica.

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envolve um sério (seriíssimo, melhor dizendo) enfrentamento à tolerância histórica com essa prática e outros procedimentos similares. Está enraizada na formação da sociedade brasileira e na própria construção do Estado a ideia de que o “esperto”, aquele que leva todo tipo de vantagem (lícita e ilícita, em espaços públicos e privados), é merecedor de todos os elogios e é sinônimo de sucesso (11). Vigora, de forma ampla, a hipocrisia de que “os outros” são corruptos, “os meus” são “espertos”, “competentes”, “desenrolados”, “jeitosos”, “maleáveis”, “flexíveis”, “compreensivos”, “habilidosos” ou coisa que o valha. Até o conhecido “jeitinho brasileiro” em inúmeros casos e situações descamba para justificar as mazelas mais condenáveis no cotidiano da sociedade (12). Exemplifico, nessa linha, um conjunto de condutas, “socialmente aceitas”, que merecem profunda reflexão justamente em função dessa “aceitação”: “colar” em provas; copiar obras alheias sem declinar a autoria, “encomendar” a elaboração de trabalhos acadêmicos, responder chamadas escolares por colegas (13),

11 Outro exemplo emblemático: a “Lei de Gerson”. “Na cultura brasileira, a Lei de Gérson é um princípio em que determinada pessoa age de forma a obter vantagem em tudo que faz, no sentido negativo de se aproveitar de todas as situações em benefício próprio, sem se importar com questões éticas ou morais. A "Lei de Gérson" acabou sendo usada para exprimir traços bastante característicos e pouco lisonjeiros do caráter midiático nacional, associados à disseminação da corrupção e ao desrespeito a regras de convívio para a obtenção de vantagens pessoais.A expressão originou-se em uma propaganda de 1976 criada pela Caio Domingues & Associados, que havia sido contratada pela fabricante de cigarros J. Reynolds, proprietária da marca de cigarros Vila Rica, para a divulgação do produto. O vídeo apresentava o meia armador Gérson da Seleção Brasileira de Futebol como protagonista.[1][2]O vídeo inicia-se associando a imagem de Gerson como "Cérebro do time campeão do mundo da Copa do mundo de 70" sendo narrado pelo entrevistador de terno e microfone em mão, que se passa em um sofá de uma sala de visitas, este entrevistador pergunta o porque de Vila Rica, que durante a resposta recebe um cigarro de Gerson e acende enquanto ouve a resposta, que é finalizada com a frase: "Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo de um bom cigarro, gosto de levar vantagem em tudo, certo? leve vantagem você também, leve Vila Rica!".Mais tarde, o jogador anunciou o arrependimento de ter associado sua imagem ao anúncio, visto que qualquer comportamento pouco ético foi sendo aliado ao seu nome nas expressões Síndrome de Gérson ou Lei de Gérson. O diretor do comercial, José Monserrat Filho, tentando se eximir de responsabilidade passa a dizer que o público que fez interpretação errônea do seu video declarando que: "Houve um erro de interpretação, o pessoal começou a entender como ser malandro. No segundo anúncio dizíamos: “levar vantagem não é passar ninguém para trás, é chegar na frente”, mas essa frase não ficou, a sabedoria popular usa o que lhe interessa". Nos anos 80 começaram a surgir sujeiras, escândalos e a população começou a utilizar o termo "Lei de Gérson".[3]” Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Gérson>. Acesso em: 26 nov. 2011.12 Mais um exemplo emblemático. O professor Audemaro Araujo Silva, quando trabalhou na Prefeitura Municipal de Maceió, participou de grupo de trabalho voltado para identificar irregularidades na folha de pagamento da municipalidade. Uma pérola foi constatada, segundo seu relato. Em certo órgão público municipal, vários funcionários recebiam 1/3 de férias por meses a fio. Ademais, o cálculo do terço de uma remuneração de oitocentos reais passava de quatrocentos reais. Houve uma considerável reação contra o fim da “vantagem”. Afirmava-se, nos corredores do órgão público envolvido, com ênfase e convicção: "Se o presidente, governador, prefeito, roubam (e muito!), então roubemos todos. Para quem vai ficar a nossa parte?".13 Os exemplos escolares ou acadêmicos são propositais. Afinal, esses espaços de convivência são justamente onde se formam ou moldam, em grande medida, consciências e pautas de valores importantíssimas para o resto da vida. Veja a constatação de Yvonee Maggie: "Ao longo da pesquisa descobrimos que, na hierarquia produzida na escola, os nerds ou bons alunos são os mal vistos, ao contrário dos malandros que parecem gozar de privilégios entre os colegas. Por meio de um survey no qual o estudante era perguntado se já havia sofrido algum, ou visto alguém sofrer, preconceito, foi possível construir uma hierarquia de xingamentos. O bom aluno aparece em um dos primeiros lugares como objeto de preconceito ou discriminação entre os alunos enquanto os malandros, admirados pelos colegas". Nerds e marrentos, caxias e malandros. Disponível em <http://g1.globo.com/platb/yvonnemaggie/page/2/>. Acesso em: 29 nov. 2011.

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subornar autoridades de trânsito, viajar em transportes urbanos sem pagar, estacionar em fila dupla, dirigir sob a influência de bebidas alcoólicas, fabricar atestados médicos, modificar dados em documentos, “capturar” o sinal da tv a cabo, criar e alimentar várias modalidades de “gatos”, jogar (ou mais propriamente, arremessar) toda espécie de lixo nas vias públicas (14), etc, etc, etc.

Alinho algumas ideias e propostas, a serem implementadas pelos não-corruptos, para subtrair o oxigênio da corrupção. Em outras palavras, são algumas importantes providências com um considerável potencial de evitar ou reduzir os atos concretos de corrupção. Segue, sem pretensão de exaustão, um rol de medidas a serem consideradas:

a) criar grupos de acompanhamento da atuação de cada parlamentar, notadamente seus votos, pronunciamentos, projetos aprovados e formas de inserção e relacionamentos com sociedade civil (15). Esse monitoramento deve utilizar meios eletrônicos para divulgação e, preferencialmente, envolver pessoas integrantes e não-integrantes da base eleitoral do político (16);

b) criar grupos de acompanhamento da atuação de entidades que recebem recursos públicos, independentemente do formato jurídico adotado. Esse monitoramento deve utilizar, assim como mencionado no item anterior, meios eletrônicos para divulgação;

c) organização de comitês ou conselhos de controle social voltados para acompanhar a realização das despesas de órgãos públicos específicos. Esses grupos, compostos por pessoas com formações técnicas distintas, podem funcionar com intenso uso de meios eletrônicos e lançar mão de instrumentos e expedientes jurídicos já existentes, assim como o Portal da Transparência do Governo Federal (17), os portais semelhantes em outros níveis estatais, o pedido de informações e esclarecimentos (art. 5o., incisos XXXIII e XXXIV, da Constituição) e a Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527, de 2011);

d) desenvolver um controle social, nos moldes do item anterior, sobre

14 Observe-se nesse tipo de atitude um profundo desprezo pela coisa pública, pelo espaço público. Laurentino Gomes, no seu festejado livro “1808”, registrou que no Rio de Janeiro do início do século XIX o lixo era regularmente jogado às ruas pelas janelas e, com alguma frequência, um pedestre recebia o “batismo” de dejetos humanos.15 Um aspecto de fundamental importância: o parlamentar responde, mesmo que seja por sua assessoria, as comunicações escritas e eletrônicas (com críticas, observações, propostas, denúncias, etc) a ele dirigidas? 16 Confira o site “Adote um Distrital” (http://adoteumdistrital.com.br).

17 Mantido pela Controladoria-Geral da União no seguinte endereço eletrônico: http://www.portaltransparencia.gov.br. Esse importante instrumento permite consultar até mesmo às ordens de pagamento realizadas pela unidade fiscalizada. Exemplifico. Em http://www.portaltransparencia.gov.br/despesasdiarias/pagamento?documento=110161000012011OB802873, é possível constatar que a Advocacia-Geral da União pagou R$ 1.235.998,44 à empresa MULTI CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA, no dia 10 de outubro de 2011, referente à locação do prédio de uma das suas sedes. Aliás, sob a ótica da eficiência dos gastos públicos, não seria mais adequado construir um edifício para abrigar o referido órgão público?

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a atuação dos órgãos de controle interno e externo. Nesse caso, uma preocupação adicional seria verificar se existem condições mínimas em termos de recursos humanos e materiais para o desempenho adequado das atividades dessas unidades de fiscalização;

e) articular a aprovação de projetos de leis definidores de uma radical profissionalização da Administração Pública com a redução extrema dos espaços ocupados por agentes não-detentores de cargos efetivos. É importante incorporar, nessas iniciativas, instrumentos voltados para: e.1) reduzir influências corporativas indevidas; e.2) definição de critérios objetivos para ocupação dos postos de direção por servidores de carreira; e.3) limitação de tempo para o exercício dessas funções de direção por ocupantes de cargos efetivos e e.4) definição de “quarentenas”, sem o exercício de cargos comissionados, depois da ocupação desses espaços por servidores concursados (18);

f) promover uma profunda reforma na Constituição eliminando as escolhas com fortes conotações políticas (por intermédio de listas tríplices e sêxtuplas) para composição dos Tribunais (do Poder Judiciário) e dos Tribunais de Contas (19);

g) adoção de legislação específica e rígida para os chamados “anfíbios” (aqueles que transitam entre os espaços profissionais públicos e privados, em regra como veículos de informações privilegiadas e contatos das mais variadas naturezas);

h) articular a aprovação de emenda constitucional definidora de profundas restrições na discricionariedade da execução orçamentária por parte do Poder Executivo (“orçamento impositivo”) (20). É público e notório

18 Percebe-se claramente na Administração Pública, em todos os níveis, a utilização de cargos comissionados, ocupados tanto por estranhos ao serviço público como por servidores de carreira, como instrumentos ou ferramentas de realização de inúmeros interesses privados e escusos. Cria-se, em larga escala, uma “cadeia de comando” disposta, em troca da remuneração do cargo comissionado, a viabilizar todo tipo de capricho ou interesse divorciado do interesse público.“Prefeituras do País criam 64 mil cargos para nomeação política em quatro anos.Prefeitos incharam a máquina com aumento de 14% das vagas sem concurso nas 5.566 cidades brasileiras; uso dos postos como moeda de troca é recorrente.Nos quatro anos de mandato entre 2008 e 2012, os 5.566 prefeitos do País criaram, em conjunto, 64 mil cargos comissionados – aqueles para os quais não é necessário fazer concurso público, e que costumam ser loteados por indicação política.Com a massiva abertura de vagas, o total de funcionários públicos municipais em postos de livre nomeação subiu de 444 mil para 508 mil. Juntos, eles lotariam os oito maiores estádios da Copa de 2014.(...)Uso político. Cargos de livre nomeação, em tese, servem para que administradores públicos possam se cercar de pessoas com quem têm afinidades políticas e projetos em comum. Na prática, no entanto, é corrente o uso dessas vagas como moeda de troca. Além de abrigar seus próprios eleitores ou correligionários, os chefes do Executivo distribuem as vagas sem concurso para partidos aliados em troca de apoio no Legislativo ou em campanhas eleitorais” Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,prefeituras-do-pais-criam-64-mil-cargos-para-nomeacao-politica-em-quatro-anos,1053212,0.htm>. Acesso em: 10 ago. 2013.19 Observam-se, nessa seara, indevidas influências políticas (no pior sentido da palavra) e familiares, trocas de favores, pressões não-republicanas e outras práticas nefastas e condenáveis.20 Piscitelli, Roberto Bocaccio. ORÇAMENTO AUTORIZATIVO X ORÇAMENTO IMPOSITIVO. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1636/orcamento_autorizativo_piscitelli.pdf?sequence=1>. Acesso em: 10 jul. 2013.

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que a “liberação de emendas parlamentares” funciona como um escuso balcão de negócios majoritariamente avesso aos interesses públicos;

i) articular a aprovação de uma profunda reforma político-eleitoral, envolvendo: i.1) rígidos mecanismos de fidelidade partidária; i.2) modelos eleitorais que facilitem e aprofundem os vínculos dos eleitos com os eleitores, como a perda de mandato por desempenho insatisfatório ou desviado dos compromissos assumidos; i.3) divulgação ampla, notadamente em meios eletrônicos, de plataformas de atuação e gastos de campanha; i.4) apresentação de candidaturas avulsas (sem vínculo com partidos políticos); i.5) modernização e democratização das eleições para os parlamentos (com a superação do atual sistema proporcional) e i.6) o financiamento público das campanhas (21)(22)(23) ;

j) envolver os cursos de direito, por suas entidades de representação estudantil e por suas direções institucionais, nos movimentos anteriores (identificados como itens “a”, “b”, “c” e “d”). Conforme matéria do prestigiado site CONJUR – Consultor Jurídico (http://www.conjur.com.br), veiculada no dia 3 de junho de 2011, “o Brasil tem mais faculdades de Direito do que todos os países no mundo juntos. São 1.240 cursos ...” e “Atualmente, o curso de Direito é um dos que mais atrai alunos. Conforme o Censo da Educação Superior de 2009, divulgado em janeiro último pelo Ministério da Educação, está em segundo lugar, com 651 mil matrículas, atrás apenas de Administração, com 1,1 milhão de matrículas, seguido de Pedagogia (573 mil) e Engenharia (420 mil)”. Existe aí um enorme potencial de aprimoramento da formação técnica e política dos estudantes por intermédio de ações com profundas e positivas repercussões sociais;

k) fortalecer a Advocacia Pública (instituição e carreiras), notadamente nas áreas de assessoria e consultoria jurídicas, como um importantíssimo (o mais efetivo) instrumento de controle preventivo de desvios e ilícitos das mais variadas naturezas no âmbito da Administração Pública (24). Atualmente, nessa linha de ação, é preciso combater o PLP n. 205, de 2012, proposta de alteração da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União (AGU), que pretende afirmar uma odiosa Advocacia de Governo no seio da instituição com o enfraquecimento da atuação isenta dos advogados públicos federais (25);

21 Veja a “Plataforma pela Reforma do Sistema Político” (http://www.reformapolitica.org.br). 22 Veja a campanha por eleições limpas (http://eleicoeslimpas.org.br).23 “Quatro gigantes da construção civil que também administram rodovias foram as empresas que mais doaram dinheiro nas seis últimas eleições realizadas no país, entre 2002 e 2012. São elas, em ordem decrescente: Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão.Segundo levantamento da Folha de S. Paulo, as quatro empreiteiras doaram, nesse período, R$ 615,5 milhões, em valores já corrigidos pela inflação. Pela legislação eleitoral, empresas que exploram concessão pública não podem contribuir com candidatos ou partidos políticos. Não há nenhum impedimento legal, no entanto, para que elas financiem as eleições por meio de outros braços de seus grupos”. Revista Congresso em Foco. Ano 2. Número 6. Junho/Julho de 2013. Pág. 34.

24 Pouquíssimas instituições podem realizar um controle prévio efetivo sobre as mais variadas atuações do Poder Público. Nessa seara, assume especial destaque e relevo os órgãos consultivos da Advocacia Pública.25 Ver as fortes e republicanas reações ao projeto em questão em: <http://www.aldemario.adv.br/sosagu.

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l) promover um amplo e profundo conjunto de iniciativas voltadas para a formação e a afirmação social de uma pauta de valores e práticas contrárias à corrupção e procedimentos correlatos. Tal movimento precisa combater frontalmente a perversa e disseminada visão de que é positivo levar vantagem em tudo, contra tudo e contra todos, de forma lícita ou ilícita e em todos os espaços e manifestações da vida social;

m) articular a aprovação de diplomas legais específicos relacionados com as denúncias anônimas. É fundamental que as denúncias anônimas não sejam pura e simplesmente descartadas (arquivadas), em função do anonimato da origem. Importa definir procedimentos para instauração, de ofício, de investigações preliminares a partir de notícias minimamente consistentes acerca da prática de ilícitos importantes. Observe-se que os atos de corrupção e assemelhados normalmente integram um conjunto encadeado de providências e passam por inúmeros agentes públicos que não estão comprometidos com os desvios e estão dispostos, resguarda a sua segurança, em sentido amplo, a apontar as ocorrências verificadas;

n) organizar a efetiva aplicação da Lei n. 12.846, de 2013, voltada para a responsabilização objetiva, administrativa e civil, de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública (26);

o) definir um tratamento jurídico mais específico e adequado, notadamente para impedir/combater fraudes e viabilizar responsabilidades civis e penais, para as pessoas jurídicas integrantes de grupos econômicos e para as pessoas físicas (ou naturais) que integram os quadros societários dessas empresas;

p) definir um tratamento jurídico mais específico e adequado para a formação de forças-tarefas de servidores e órgãos públicos voltados, por intermédio de esforço conjunto e complementar, para o combate às várias práticas de corrupção;

q) extinção das punições que funcionam como verdadeiros prêmios, tais como as aposentadorias compulsórias;

r) reformar profundamente os sistemas recursais, nos processos civil, penal e disciplinar, mantendo o devido processo legal mas racionalizando os procedimentos, para abreviar a conclusão e a execução/efetividade das decisões/punições;

s) reformar profundamente as definições constitucionais relacionadas com a fixação de foros privilegiados, afastando o instituto nos casos de prática de infrações penais comuns (não vinculadas ao exercício dos mandatos ou cargos que exigem ampla independência funcional, como os de magistrados);

htm#5a>.26 Os arts. 16 e 17 da Lei n. 12.846, de 2013, tratam do “acordo de leniência”, celebrado “com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaboram efetivamente com as investigações e o processo administrativo”. O art. 22 da lei cria o “Cadastro Nacional de Empresas Punidas - CNEP”

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t) constituir um amplo comitê da sociedade civil organizada para acompanhar e garantir em relação à internet: t.1) a neutralidade da rede (ausência de privilégios de tráfego por critérios mercantis ou de outra natureza); t.2) a ampla acessibilidade, notadamente para evitar a exclusão digital; t.3) a ampla liberdade de comunicação e t.4) a ampla liberdade de divulgação/veiculação de ideias, pensamentos e propostas nos mais variados espaços eletrônicos possíveis;

u) constituir um amplo comitê da sociedade civil organizada para, em relação à imprensa tradicional (televisão, rádio e jornal): u.1) buscar a implementação de modelos de democratização (evitando a concentração em grandes grupos) e u.2) implementar mecanismos de crítica e controle social, sem censuras ou expedientes que atentem contra liberdade de expressão jornalística, com especial atenção para os enfoques das notícias de atos de corrupção tanto pela perspectiva passiva quanto ativa;

v) construir e influenciar candidaturas, notadamente para postos legislativos, em bases completamente novas. Nesse sentido, podem ser constituídos grupos de eleitores que indiquem ou recomendem o voto em certos candidatos comprometidos formalmente com determinadas plataformas de atuação e com um padrão de comportamento ético claramente definido e publicizado;

w) alterar a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a partir de uma ampla discussão multidisciplinar, com o objetivo de construir mecanismos de prevenção e combate aos atos de corrupção nessa seara;

x) organizar e disseminar, em todos os setores da Administração Pública, órgãos colegiados para democratização, especialização, aprimoramento e prevenção de desvios em relação a prática de importantes atos decisórios (27);

y) intensificar a utilização das sindicâncias patrimoniais (28), notadamente para os agentes públicos em posições sensíveis no processo de realização da despesa pública e na direção de órgãos e entidades da Administração Pública;

z) organizar numa rede, dentro e fora da internet, os vários blogs, sites, organizações, movimentos e iniciativas voltadas para o combate da corrupção e procedimentos correlatos (29). Assim, as ações individuais

27 A gestão de importantes áreas e interesses públicos com base em órgãos colegiados dificulta os desvios de várias ordens, potencializa a eficiência administrativa a partir de várias visões sobre os meus atos e problemas e instala ambientes democráticos e participativos, onde impera o debate e a discussão de propostas e ideias.28 Instituída pelo Decreto n. 5.483, de 2005, consiste atualmente em procedimento administrativo de investigação diante de notícia fundada ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos e disponibilidades do agente público. Pode e deve ter seu raio de ação ampliado como importante ferramenta preventiva.29 Eis algumas experiências importantes presentes na internet: Contas Abertas (http://contasabertas.uol.com.br); Transparência Brasil (http://www.transparencia.org.br); Observatório da Corrupção (http://observatorio.oab.org.br); Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (http://www.mcce.org.br) e Instituto de Cultura de Cidadania (http://www.avozdocidadao.com.br).

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e pontuais podem ser visualizadas com mais facilidade, ampliadas e potencializadas (30).

Concluo essas singelas linhas reafirmando a complexidade do processo de combate à corrupção no Brasil. Trata-se de um esforço de longo prazo que precisa mobilizar uma parcela considerável da sociedade brasileira comprometida com ações moralmente aceitáveis. Os resultados dessa dura empreitada dependem de ações planejadas, coordenadas, organizadas e enérgicas voltadas para atacar as condições objetivas e subjetivas de realização e reprodução dos atos concretos de corrupção e assemelhados.

30 Ver a Rede AMARRIBO Brasil de ONGs em http://www.amarribo.org.br."A Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade - ABRACCI - é uma rede de organizações engajadas com a missão de “contribuir para a construção de uma cultura de não corrupção e impunidade no Brasil por meio do estímulo e da articulação de ações de instituições e iniciativas com vistas a uma sociedade justa, democrática e solidária.A ABRACCI foi criada em janeiro de 2009 durante as atividades do Fórum Social Mundial com o apoio da Transparência Internacional. Hoje são dezenas de entidades integradas na luta contra a corrupção e a impunidade no Brasil, e na promoção de uma cultura de transparência e integridade" (http://www.abracci.org.br).

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III. REFORMA TRIBUTÁRIA

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Quanto custa o Brasil pra você? (Parte I – Os números)1

A indagação que dá título ao presente texto consiste na principal “chamada” da campanha desenvolvida pelo SINPROFAZ (Sindicato Nacional dos

Procuradores da Fazenda Nacional) no âmbito da Semana Nacional da Justiça Fiscal no corrente ano. A referida campanha, bem articulada pelo Presidente da entidade sindical, o PFN Anderson Bitencourt, alcançou um considerável destaque em vários setores da imprensa brasileira.

Merece ser ressaltada a existência de um site específico para a campanha no seguinte endereço eletrônico: http://www.quantocustaobrasil.com.br. Nesse espaço, o internauta pode conferir, entre outras informações, a carga tributária aproximada embutida em inúmeras mercadorias e produtos. Constatam-se, ali, os seguintes dados: a) transporte urbano: 22,98%; b) conta de água: 29,83%; c) conta de luz: 45,81%; d) conta de telefone: 47,87%; e) carne bovina: 18,63%; f) frango: 17,91%; g) peixe: 18,02%; h) arroz: 18%; i) feijão: 18%; j) açúcar: 40,40%; k) leite: 33,63%; l) café: 36,52%; m) frutas: 22,98%; n) papel higiênico: 40,50%; o) livros: 13,18%; p) mensalidade escolar: 37,68% (com ISS de 5%); q) água: 45,11%; r) refrigerante: 47%; s) computador: 38,00%; t) televisor: 44,94%; u) roupas: 34,67%; v) sapatos: 34,67%; w) gasolina: 57,03%; x) cigarro: 81,68% e y) medicamentos: 36%.

A campanha, notadamente por intermédio do site indicado, chama especial atenção para a importância dos Procuradores da Fazenda Nacional no cenário da tributação brasileira. Fica bastante claro que os PFNs são figuras indispensáveis para a realização da Justiça Fiscal. Afinal, somente com a ação desses servidores públicos, ao recuperar os créditos não-pagos, os devedores do Fisco são igualados aos contribuintes que honraram com suas responsabilidades tributárias. Nessa medida, o SINPROFAZ afirma, com a necessária energia, que as adequadas condições de trabalho dos PFNs, assim como da Administração Tributária como um todo, são fatores fundamentais para realização da Justiça Fiscal. Um dos motes da campanha acertou em cheio: quando todo mundo paga, todo mundo paga menos !!!

Registro, nestas breves linhas, que existem outras formas de responder a pergunta muito bem posta pelos PFNs, por intermédio de sua entidade representativa de classe.

Uma das formas de responder a indagação do SINPROFAZ é buscar a relação entre a arrecadação tributária bruta e o Produto Interno Bruto (PIB). Assim, a chamada carga tributária bruta permite identificar, em linhas gerais, quanto da riqueza produzida na sociedade brasileira financia a existência do Estado (nos três níveis da Federação) e de suas múltiplas e

1 Texto concluído no dia 22 de março de 2011.

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variadas despesas públicas. Nessa perspectiva, segundo dados da Receita Federal do Brasil para o ano de 2009 (http://www.receita.fazenda.gov.br), a carga tributária bruta alcançou 33,58% do PIB. Portanto, é possível afirmar que o Brasil (suas instituições políticas e seus gastos), numa ótica tributária, custa cerca de 1/3 (um terço) da riqueza produzida anualmente por sua sociedade.

Outra forma de responder ao questionamento do SINPROFAZ consiste em encontrar o valor, em reais, que cada brasileiro, em média, transfere para os cofres públicos pela via da tributação. Mais uma vez lançando mão de dados da Receita Federal do Brasil para o ano de 2009 (http://www.receita.fazenda.gov.br), verifica-se que foram arrecadados cerca de R$ 1,055 trilhão de reais em tributos federais, estaduais e municipais. Considerando que a população brasileira em 2009 envolvia quase 191 milhões de pessoas, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (http://www.ibge.gov.br), conclui-se que o Brasil, no mesmo viés anterior, custou (ou custa) cerca de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais) por ano ou R$ 460,00 (quatrocentos e sessenta reais) por mês para cada um dos seus habitantes.

Subsiste uma questão de extrema relevância nas conclusões apresentadas nos parágrafos anteriores. As respostas apontadas são médias e, como tal, escondem a profunda injustiça fiscal presente no sistema tributário brasileiro atual. Com efeito, os vários agentes econômicos e setores atuantes na economia brasileira experimentam efetivamente cargas tributárias extremamente díspares. Observam-se, inclusive, a presença de importantes benefícios (ou privilégios) tributários socialmente inaceitáveis. Nessa linha de abordagem impõe-se tratar da Reforma Tributária, outra das bandeiras da campanha realizada pelo SINPROFAZ. A temática será discutida em outro texto (Parte II – Reforma Tributária), seqüência do atual.

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Quanto custa o Brasil pra você?(Parte II – Reforma Tributária)1

Na primeira parte deste escrito foram apresentadas as seguintes constatações: a) é possível afirmar que o Brasil (suas instituições

políticas e seus gastos), numa ótica tributária, custa cerca de 1/3 (um terço) da riqueza produzida anualmente por sua sociedade e b) o Brasil, no mesmo viés anterior, custou (ou custa) cerca de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais) por ano ou R$ 460,00 (quatrocentos e sessenta reais) por mês para cada um dos seus habitantes.

Destacou-se, também, que as médias referidas escondem a profunda injustiça fiscal presente no sistema tributário brasileiro atual. Com efeito, os vários agentes e setores atuantes na economia brasileira experimentam efetivamente cargas tributárias extremamente díspares. Observa-se, inclusive, a presença de importantes benefícios (ou privilégios) tributários socialmente inaceitáveis.

Impõe-se, nesta sede, apontar, ainda que sumariamente: a) os principais traços caracterizadores da tributação no Brasil e b) as principais diretrizes a serem observadas num processo de superação das mazelas identificadas (movimento amplamente conhecido como Reforma Tributária).

São dois os principais defeitos da tributação no Brasil na atual quadra histórica: a) complexidade excessiva do Sistema Tributário e b) injustiça da estrutura tributária existente, notadamente em função de definições presentes na legislação infraconstitucional.

A complexidade excessiva decorre dos seguintes fatores principais: a) quantidade de diplomas jurídico-tributários em vigor (alguns milhões!!!); b) freqüentes mudanças nessa extensa legislação, notadamente com uma perversa alternância de critérios adotados; c) instituição irracional de obrigações acessórias; d) proliferação de exigências tributárias com regramentos diferenciados e e) opções normativas que brigam com a realidade social e com a capacidade da Administração Tributária de lidar razoavelmente com tais definições.

Importa destacar, e esse registro é crucial, que a crítica formulada atinge a complexidade excessiva. Afinal, numa sociedade complexa, onde a atividade econômica experimenta as mais variadas formas de manifestação em acelerada mutação, não é viável um sistema tributário simples. Esse, a rigor, no contexto apontado, seria simplista ou simplório (a corrupção ou deturpação da simplicidade). Ademais, a simplificação exagerada, além do ponto ou limite adequado, descamba para a injustiça do sistema que não consegue flagrar as manifestações de riquezas a serem adequadamente tributadas.

1 Texto concluído no dia 24 de março de 2011.

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O outro (e mais importante) defeito da tributação no Brasil, na atual quadra histórica, consiste na profunda injustiça observada na estruturação do sistema. Nessa perspectiva, afaste-se, de logo, porque não possui a extrema relevância pretendida por muitos, a motivação básica das mais recentes propostas de Reforma Tributária voltadas para redesenhar a repartição das receitas tributárias entre os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Por conta dessa visão particular e equivocada, a Reforma Tributária tem sido sinônimo de reforma no texto constitucional, justamente a sede normativa do desenho federativo das imposições tributárias e suas destinações estatais. Afirme-se, e reafirme-se, contra incompreensões e interesses inconfessáveis: o “teatro de operações” de uma reforma tributária voltada para o combate à injustiça do sistema reside, fundamentalmente, na legislação infraconstitucional.

Com efeito, a extensa e multifacetada legislação tributária infraconstitucional em vigor no Brasil viabiliza ou promove: a) uma fortíssima pressão sobre o consumo (e o trabalho, por extensão), aliviando outras bases econômicas (como a propriedade e a renda) e b) inúmeros e perversos benefícios (ou privilégios) fiscais socialmente inaceitáveis.

Segundo dados da Receita Federal do Brasil (http://www.receita.fazenda.gov.br) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE (http://www.ocde.org), a tributação da base de incidência consumo no Brasil alcança a casa dos 50% da arrecadação total contra: a) 16,2% nos EUA; b) 18,8% no Japão; c) 27,4% na Alemanha; d) 32,6% no Reino Unido; e) 26,6% na França; f) 27,4% na Itália e g) 29,4% na Espanha. Constata-se, ademais, que os segmentos mais onerados pela tributação no Brasil são o consumidor e o trabalhador. Em outras palavras, da sociedade como um todo, as classes médias e populares e os trabalhadores arcam com a maior parte do ônus fiscal. Ademais, a excessiva tributação sobre o consumo implica em significativa oneração do produto, redução da demanda, restrição à produção, redução da oferta de empregos e prejuízo ao crescimento econômico. Segundo vários estudos, a tributação incidente sobre os salários (renda decorrente do trabalho) também atinge patamares alarmantes. Incluindo consumo e renda (impostos e contribuições previdenciárias), a pressão fiscal chega a quase 49% da remuneração justamente daqueles localizados nas mais baixas faixas de renda familiar, conforme dados do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil - SINDIFISCO NACIONAL (http://www.unafisco.org.br).

Se não bastasse a tributação mais generosa da renda decorrente do capital e do patrimônio, em relação ao consumo e a renda decorrente do trabalho, identificam-se uma série de benefícios ou favores fiscais dirigidos justamente para aqueles agentes ou segmentos econômicos com maior capacidade de contribuir para o financiamento dos gastos públicos. Eis, sem pretensão de esgotar o tema, alguns desses expedientes escusos: a) os juros sobre o capital próprio. Por essa via, a remuneração do capital do proprietário,

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nas suas várias formas jurídicas, tradicionalmente realizada como lucros e dividendos, pode ser feita como juros, reduzindo o imposto de renda. Ademais, o rendimento percebido a esse título pelo sócio ou acionista será tributado exclusivamente na fonte com a alíquota de 15%, revelando-se, assim, um tratamento profundamente injusto quando comparado aos rendimentos provenientes do trabalho. Alerte-se que esse mecanismo fiscal, introduzido pelo governo Fernando Henrique Cardoso, não possui similar em nenhum outro país; b) a isenção da distribuição de lucros e dividendos e da remessa de lucros para o exterior. Não há tributação dessas rendas na fonte ou na declaração anual de ajuste. Em torno desse assunto existe uma flagrante demonstração de tratamento tributário diferenciado para segmentos sociais distintos. Com efeito, a distribuição de lucros e resultados da empresa para os trabalhadores é considerada antecipação do imposto de renda devido na declaração da pessoa física, portanto, sujeita à tabela progressiva do imposto de renda; c) a tributação exclusiva na fonte sobre os ganhos e rendimentos de capital. Nessa modalidade de operacionalização da tributação, o tributo é retido, em caráter definitivo, pela fonte pagadora. Essa, por sua vez, entrega ao beneficiário o valor já líquido do tributo. Nessa modalidade de tributação não se aplica a tabela progressiva do imposto e não ocorre ajuste na declaração anual do imposto. Assim, tão-somente em função do segmento econômico-social beneficiado pelo rendimento foi construído um injusto mecanismo de favorecimento fiscal e d) isenção do imposto de renda para investidores estrangeiros no âmbito do mercado financeiro.

Com base nas considerações realizadas e outras que não foram exploradas, podem ser apontadas as seguintes diretrizes para uma adequada Reforma Tributária voltada para o combate à complexidade excessiva e à injustiça do sistema:

a) superação da “lógica” de que a “sede” da Reforma Tributária é o texto constitucional;

b) superação da pretensão básica, no bojo da Reforma Tributária, de redesenhar a repartição de receitas tributárias entre os entes da Federação;

c) foco da Reforma Tributária na legislação tributária infraconstitucional (as mudanças constitucionais necessárias são pontuais e de importância secundária);

d) desenvolvimento de um processo razoável de simplificação da tributação, até o ponto que não promova injustiça fiscal, com aplicação intensa da praticidade ou praticabilidade, mecanismos de substituição tributária e tributação monofásica em níveis adequados, entre outros expedientes nessa linha;

e) criação de conselhos de política tributária com participação da sociedade civil organizada para discutir e opinar, necessariamente, acerca das principais decisões e definições da política tributária, notadamente as iniciativas voltadas para a fixação e aumento da tributação da renda decorrente do trabalho e do consumo;

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f) definição de fórmulas permanentes para tratamento específico de contribuintes em dificuldades financeiras e eliminação de parcelamentos especiais periódicos;

g) profunda revisão da legislação tributária infraconstitucional para eliminação de privilégios indevidos e equalização da carga tributária sobre o consumo, a propriedade e a renda;

h) adequado aparelhamento da Administração Tributária em termos de pessoal (inclusive com carreiras de apoio específicas) e recursos materiais (incluindo modernos sistemas de informática);

i) acesso pelo Fisco aos dados de movimentações bancárias e financeiras sem entraves irrazoáveis, como a necessidade de autorização judicial prévia;

j) adequado tratamento normativo para combate às várias formas de planejamento tributário (que afetam a concorrência econômica e forçam o aumento da tributação sobre agentes econômicos mais vulneráveis);

k) desenvolvimento de programas permanentes de educação e transparência fiscais;

l) implementação do papel do Senado Federal como instância privilegiada de acompanhamento e aprimoramento do Sistema Tributário Nacional (art. 52, inciso XV da Constituição);

m) tratamento e acompanhamento adequado, por intermédio de programas especiais da Administração Tributária, dos grandes contribuintes e dos grandes devedores;

n) implementação de unidades de inteligência fiscal nos vários níveis da Administração Tributária;

o) adoção de um verdadeiro Código de Defesa do Contribuinte que explicite e defina garantias para os contribuintes e trata com o devido rigor os devedores e sonegadores ou as tentativas de burla dos deveres tributários;

p) implementação ampla e racional da técnica da não-cumulatividade nas exações tributárias, notadamente àquelas vinculadas ao consumo de bens e serviços.

Concluem-se essas rápidas considerações sobre tema tão amplo e espinhoso acentuando que a questão tributária é uma das mais relevantes no longo e difícil processo de realização dos objetivos fundamentais da sociedade brasileira (construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos – art. 3o. da Constituição). Com efeito, o sistema tributário deve ser um dos instrumentos utilizados para a aproximação contínua daqueles fins magnos, justamente retirando parte da riqueza daqueles que podem mais e reduzindo o peso tributário dos que podem menos.

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IV. DIREITOS HUMANOS

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“Rolezinhos”: quem não pode entrar em um shopping center no Brasil?1

O noticiário do final do ano de 2013 e início do ano de 2014 registrou, e registra, com intensidade crescente, a realização de vários

“rolezinhos”, as decisões judiciais favoráveis e contrárias aos mesmos, as opiniões jurídicas e não-jurídicas favoráveis e contrárias aos eventos e toda sorte de aspectos relacionados, direta ou indiretamente, com o complexo fenômeno.

“Rolezinho” é a denominação dada a um movimento, normalmente iniciado nas redes sociais da internet, em que dezenas ou centenas de jovens, em regra moradores das periferias das maiores cidades brasileiras, marcam uma “visita” coletiva a um determinado shopping center. A princípio, a “atividade” consiste num passeio pelo estabelecimento comercial como forma de entretenimento.

O “rolezinho”, dada sua considerável complexidade, sob os ângulos social, político e econômico, é algo de análise particularmente difícil. Essas ocorrências condensam uma série de fatores importantíssimos na atual quadra da sociedade brasileira. Entre outros, os seguintes aspectos são considerados: a) a crescente facilidade de comunicação e interação pela internet (e suas redes sociais); b) a profunda desigualdade econômico-social que marca a sociedade brasileira; c) os “encantos”, normalmente artificiais, da onipresente sociedade de consumo (que produz uma intensa mercantilização dos espaços públicos); d) as novas classes médias emergentes; e) os preconceitos de classe (das elites dirigentes e das classes médias tradicionais já “incomodadas” com as “invasões” dos aeroportos e das ruas (por um número cada vez maior de automóveis “populares”) e f) as “preocupações” das classes médias tradicionais que podem “perder” com a ascensão social de setores antes marginalizados.

Pretendo, neste singelo escrito, fazer um recorte da realidade multifacetada subjacente aos “rolezinhos” e tentar, sob a ótica jurídica, responder a uma pergunta (a pergunta crucial): quem não pode entrar em um shopping center no Brasil?

Não custa lembrar que o sistema jurídico (a ordem jurídica ou o ordenamento jurídico) busca regular condutas ou comportamentos humanos, mesmo quando considerados numa perspectiva coletiva ou social. Nesse sentido, o direito se apresenta como o mais importante processo de adaptação social. Afinal, as sociedade humanas, simples ou complexas, reclamam a existência de ferramentas ou instrumentos voltados para garantir um mínimo de convívio ou coexistência entre seus membros ou integrantes. A vida em sociedade não pode, e não deve,

1 Texto concluído no dia 31 de janeiro de 2014.

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ser uma espécie de guerra de todos contra todos. O convívio humano não pode descambar num vale-tudo para a satisfação de necessidades e interesses sem considerar e respeitar a profunda e essencial dignidade presente em cada figura humana.

Nesse sentido, da regulação jurídica de condutas ou comportamentos, consideram-se três possibilidades (ou modais deônticos). Define-se o que é permitido, o que é proibido e o que é obrigatório. Nessa seara, as normas jurídicas constitucionais e infraconstitucionais são os veículos de fixação das condutas esperadas. Ocorre que normalmente será preciso um significativo esforço de construção jurídica para obter a norma específica a ser aplicada a cada situação concreta. Quanto mais multifacetadas as circunstâncias fáticas mais difícil será a atividade jurídica de definir o que é permitido, proibido ou obrigatório.

Assim, a primeira questão jurídica relevante consiste em precisar a natureza do espaço conhecido como shopping center. Trata-se, na quase totalidade dos casos, de um prédio ou edifício privado, aberto ao público, onde são desenvolvidas atividades comerciais de venda de mercadorias e serviços, tudo isso em um ambiente profundamente agradável aos olhos e aos ouvidos despertando desejos e emoções.

A condição de prédio ou edifício privado, manifestação concreta do direito de propriedade, não significa que seus donos podem (no sentido de conduta juridicamente válida) criar todo e qualquer tipo de restrição ou limitação à circulação de pessoas naquele espaço físico (direito de ir, vir e ficar). Com efeito, a propriedade privada não pode ser utilizada como instrumento de discriminação, segregação e mesmo de exercício arbitrário de caprichos ou vontades. Essa afirmação decorre diretamente do Estado Democrático de Direito inscrito na Constituição, a ser construído por todos (autoridades públicas, cidadãos, proprietários de bens, etc). Eis, sem esgotá-los, alguns expressos fundamentos normativo-constitucionais para a afirmação: a) art. 1o, caput (Estado Democrático de Direito); b) art. 1o, inciso III (dignidade da pessoa humana); c) art. 3o, inciso I (construção de uma sociedade livre, justa e solidária); d) art. 3o, inciso III (erradicação da marginalização e redução das desigualdades sociais); e) art. 3o, inciso IV (ausência de preconceitos e discriminações); f) art. 4o, inciso II (prevalência dos direitos humanos); g) art. 5o, caput (igualdade); h) art. 5o, inciso XV (direito de locomoção); i) art. 5o, inciso XXIII (função social da propriedade); j) art. 6o, caput (direito social ao lazer) e k) art. 193 (bem-estar e justiça social como objetivos da ordem social).

Luís Roberto Barroso, acatadíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal, destaca, com inúmeros exemplos instigantes, o fecundo desenvolvimento teórico do constitucionalismo atual no sentido da aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas. Eis algumas das situações registradas pelo festado jurista em que o exercício do direito de propriedade

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ou da autonomia (liberal) de vontade colide com valores, princípios e normas expressos e implícitos no texto da Constituição: a) escola que não admite filhos de pais divorciados; b) demissão de empregada em caso de gravidez; c) demissão de jornalista por ter emitido opinião diversa à do dono do jornal e d) clube de futebol que impede o ingresso de jornalista em seu estádio por conta de críticas veiculas pelo profissional (1). Anote-se que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 158.215, reconheceu a necessidade de aplicação do devido processo legal às associações privadas que pretendem expulsar ou excluir seus membros em função da imputação da prática de infração às normas internas (2).

Diante dessas considerações, sustenta-se que somente as restrições ou limitações de acesso ao shopping center razoáveis e consonantes com a ordem jurídica são aceitas juridicamente como válidas. É possível identificar algumas hipóteses: a) não-pagamento de ingresso ou entrada quando essa for devidamente instituída (abstraídas as “dificuldades” comerciais); b) não-identificação pessoal quando essa for devidamente instituída (abstraídas mais uma vez as “dificuldades” comerciais); c) utilização de trajes inequivocamente inadequados (como roupas de banho); d) porte de armas ou objetos inequivocamente inadequados (bastões, latas de tinta, etc); e) quantidade excessiva de pessoas (por questões de segurança física) e f) comportamento inequivocamente agressivo para com pessoas e coisas.

Por outro lado, é claramente possível identificar hipóteses em que a restrição ou limitação não é tolerada como juridicamente válida: a) pela raça ou cor da pele; b) pela idade; c) pela condição física; d) pelas preferências em termos de vestimentas (moda); e) pelo local de moradia; f) pelas preferências sexuais e g) pela forma de chegada ao estabelecimento (veículo particular ou transporte público).

Evidentemente, a conclusão de que não é possível obstar a entrada de pessoas em um shopping center invocando as motivações antes expostas não significa a admissão de comportamentos irregulares ou criminosos, tais como: a) inequívoca afronta à tranquilidade; b) tumultos; c) agressões físicas; d) destruição de patrimônio e e) furtos. Essas condutas, inequivocamente ilícitas, podem e devem ser reprimidas, nos níveis próprios e civilizados, pela segurança dos estabelecimentos e pelas forças policiais. Nesse sentido, parece bastante equilibrada determinada decisão judicial proferida em Manaus em relação aos “rolezinhos” (3).

Cumpre, ainda, observar que movimentos análogos aos “rolezinhos”, com feições nitidamente políticas, podem ser identificados. Nesses casos, será preciso realizar um conjunto específico de raciocínios jurídicos para adequada identificação do que é permitido, proibido e obrigatório.

Os “rolezinhos” e movimentos assemelhados são excelentes demonstrações da complexidade, pluralidade e mobilidade do tecido social

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brasileiro na atualidade. Essas características da sociedade são, obviamente, transportadas para os domínios do direito e cruciais nas soluções jurídicas a serem construídas.

NOTAS:

(1) Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2a Edição. Editora Saraiva. Págs. 371 e 372.

(2) “DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa” (RE 158215/RS. Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 30/04/1996. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Publicação: DJ 07-06-1996 PP-19830. EMENT VOL-01831-02 PP-00307. RTJ VOL-00164-02 PP-00757)

(3) “A juíza de Direito Simone Laurent de Figueiredo, da Central de Plantão Cível de Manaus/AM, determinou na última sexta-feira, 24, que os participantes do 'Movimento Rolezinho Manaus' evitassem tumultos, correrias, algazarras, atos de vandalismo e uso de equipamentos de som em alto volume durante "rolezinho" no Manauara Shopping, na capital manauense”.Disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI194309,51045-Rolezinho+em+shopping+de+Manaus+e+permitido+com+restricoes. Acesso em: 28 jan. 2014).

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Gás de constituição1

Já ministrei aulas de direito constitucional nos cursos de formação da Academia da Polícia Militar do Distrito Federal. Pelo que tenho visto, lido

e ouvido, notadamente depois das ações policiais no dia 7 de setembro de 2013, preciso retomar o esforço docente com novos métodos e novos “alunos” (1)(2).

Creio que devo utilizar “Gás de Constituição” em relação ao Governador do Distrito Federal (politicamente surdo, mudo e cego), ao Secretário de Segurança Pública e ao Comandante da Polícia Militar do Distrito Federal. Deixo propositadamente de lado os subordinados de todos os níveis por motivos mais do que óbvios.

Spray 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Spray 1.1. O povo, na rua ou em casa, é a fonte de todo poder político. Aliás, também é o patrão de todas as autoridades e servidores públicos, policiais ou não.

Spray 2. É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.

Spray 2.1. O anonimato não é vedado de forma absoluta. Se fosse assim, qual seria o destino das denúncias anônimas? Não pode ser anônima a manifestação de pensamento, que enseja eventual resposta ou responsabilidade pelo excesso.

Spray 3. Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

Spray 3.1. A convicção política ou filosófica de alguém, por mais estranha ou aberrante que seja, por mais que incomode, por mais que não se concorde com ela, não é um ilícito, nem torna seu veiculador um meliante.

Spray 4. É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Spray 4.1. Todo e qualquer ato público, ou de agente público, notadamente em praça pública, pode ser registrado para posterior divulgação (comunicação). Ressalvadas, apenas, as estreitas hipóteses de sigilo.

1 Texto concluído no dia 10 de setembro de 2013.

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Spray 5. É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Spray 5.1. Na liberdade profissional inclui-se, obviamente, em qualquer democracia, a liberdade de ofício dos profissionais de imprensa.

Spray 6. É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

Spray 6.1. Todo cidadão tem o direito de ser informado acerca das manifestações populares, suas reivindicações e como as forças policiais, pagas por esse mesmo cidadão, agiram diante do exercício dos direitos constitucionais de reunião e manifestação.

Spray 7. Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente.

Spray 7.1. A reunião, o protesto, a manifestação e a passeata são direitos constitucionais. Não pratica nenhum ilícito aquele que participa de uma reunião, um protesto, uma manifestação ou uma passeata. Aliás, as forças policiais devem garantir o exercício desse direito.

Spray 7.2. Uma manifestação pacífica não pode ser “dispensada” pelas forças policiais. Trata-se, a tal dispersão, de violência policial visceralmente atentatória aos direitos constitucionais. Quem dispersa uma manifestação pacífica age como meliante.

Spray 7.3. Não existe, na via pública, salvo resguardo de direito de terceiro (como o de ir e vir), limites ou pontos que não podem ser ultrapassados. Dizendo de forma direta: é possível chegar na “porta” do Congresso Nacional. Interditada, claro, está a entrada forçada no prédio.

Spray 7.4. A leitura do acórdão do Supremo Tribunal Federal na ADIN 1969 é muitíssimo instrutiva (Eis a ementa: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO 20.098/99, DO DISTRITO FEDERAL. LIBERDADE DE REUNIÃO E DE MANIFESTAÇÃO PÚBLICA. LIMITAÇÕES. OFENSA AO ART. 5º, XVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. I. A liberdade de reunião e de associação para fins lícitos constitui uma das mais importantes conquistas da civilização, enquanto fundamento das modernas democracias políticas. II. A restrição ao direito de reunião estabelecida pelo Decreto distrital 20.098/99, a toda evidência, mostra-se inadequada, desnecessária e desproporcional quando confrontada com a vontade da Constituição (Wille zur Verfassung). III. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do Decreto distrital 20.098/99”) (3).

Spray 8. É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

Spray 8.1. Assegura-se a todos, inclusive ao preso, o respeito à integridade física e moral. As forças policiais não podem investir, com qualquer tipo de arma ou artefato, contra alguém que não pratica nenhum ilícito.

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Spray 9. Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

Spray 9.1. Assim, a ação policial é essencialmente reativa. As forças policiais reagem diante da prática de um ilícito (dano ao patrimônio público ou particular ou violência contra pessoa). Não há presunção de violência. Existe, isto sim, presunção de inocência.

Spray 10. O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial.

Spray 10.1. Cada integrante das forças policiais precisa estar claramente identificado e se identificar diante de qualquer solicitação adequada, assim como deve fazê-lo qualquer cidadão.

Spray 11. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Spray 11.1. A liberdade de imprensa compreende o ato de divulgar a informação (pelas mais variadas formas) e obter ou capturar a informação. Nenhum desses atos é ilícito e, portanto, não pode ser obstado por ação policial.

Por fim, é importante registrar que o agente público não age porque quer. O agente público age porque está investido de uma parcela do poder, que é do povo, e a utiliza da forma e no momento previsto na Constituição e na legislação para alcançar o interesse público ali apontado. Fugir desse sagrado dever caracteriza um grave e perverso ilícito chamado “desvio de finalidade” (4).

“Enquanto os homens exercemSeus podres poderesMorrer e matar de fomeDe raiva e de sedeSão tantas vezesGestos naturais...

Eu quero aproximarO meu cantar vagabundoDaqueles que velamPela alegria do mundo

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Indo e mais fundoTins e bens e tais...

Será que nunca faremosSenão confirmarNa incompetênciaDa América católicaQue sempre precisaráDe ridículos tiranosSerá, será, que será?Que será, que será?Será que essaMinha estúpida retóricaTerá que soarTerá que se ouvirPor mais zil anos...” (Caetano Veloso)

NOTAS:

(1) Relatório da OAB/DF aponta inúmeros casos de truculência e erros da PMDF. Disponível em: <http://www.oabdf.org.br/slide/relatorio-da-oabdf-aponta-inumeros-casos-de-truculencia-e-erros-da-pmdf>. Acesso em: 9 set. 2013.Conduta de capitão do "Pode denunciar" não será investigada pela PM. Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2013/09/09/interna_cidadesdf,387143/conduta-de-capitao-do-pode-denunciar-nao-sera-investigada-pela-pm.shtml>. Acesso em: 9 set. 2013.Após truculência em protesto, ato público vai pedir afastamento de capitão. Disponível em: <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2013/09/09/interna_cidadesdf,387045/apos-truculencia-em-protesto-ato-publico-vai-pedir-afastamento-de-capitao.shtml>. Acesso em: 9 set. 2013.‘Porque eu quis’, diz PM questionado por jogar gás em jovens no DF; veja. Disponível em: <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2013/09/porque-eu-quis-diz-pm-questionado-por-jogar-gas-em-jovens-no-df-veja.html>. Acesso em: 9 set. 2013.Governo do DF diz que houve 'no mínimo um excesso' na atuação de policial no Sete de Setembro. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/governo-do-df-diz-que-houve-no-minimo-um-excesso-na-atuacao-de-policial-no-sete-de-setembro-9887579>. Acesso em: 9. set. 2013. (2) Relato de uma colega advogada pública federal que protestava contra a tramitação do PLP n. 205/2012 (proposta que reorganiza a AGU em bases não-republicanas): “A polícia desceu o cacete geral nas pessoas. Dispersou geral!!!! Com uma violência desnecessária!! Eu e (...) estávamos no fim da tarde, umas 17h depois da Biblioteca Nacional (mais próximos da Rodoviária) e o helicóptero da polícia pousou em cima da terra vermelha do gramado central em frente à Catedral e soltou VÁRIAS BOMBAS DE GÁS LACRIMOGÊNIO. Nós, que estávamos longe, saímos correndo, mas não conseguimos evitar de respirar aquela m..... olhos lacrimejando, engolimos aquela fumaça, meu ouvido está meio que entupido até agora. Só quero dizer que estou CHOCADA!! CHOCADA COM TANTA VIOLÊNCIA GRATUITA DA POLÍCIA!!! NÃO TEVE A MENOR EXPLICAÇÃO!! PQ ESTAVAM TRATANDO AS PESSOAS DAQUELE JEITO??? Vcs não imaginam como estava O CLIMA ALI à tarde!!!! Estou horrorizada e gostaria de dividir com vcs a minha impressão de que ESTAMOS, DE FATO, VIVENDO UMA DITADURA DISFARÇADA... se não é ditadura, está se aproximando a cada dia. O que rolou hoje foi um comportamento deliberado de que IRIAM SIM IMPEDIR A POPULAÇÃO DE SE MANIFESTAR!! FOI A TÁTICA DO AMEDRONTAMENTO. DEU CERTO... infelizmente, tinham muito mais policiais, carros de polícia, cavalo, moto e sei lá mais o quê do que pessoas”.(3) Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=484308>.(4) Art. 37, caput, da Constituição (princípio da impessoalidade na vertente da finalidade pública).

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PEC da (busca da) felicidade1

No dia 6 de maio do corrente, em palestra para os integrantes do curso de Direito da Universidade Católica de Brasília, o Senador Cristovam

Buarque defendeu uma de suas propostas legislativas conhecida como “PEC da Felicidade”.

A proposição em questão pretende que o art. 6o da Constituição assuma o seguinte formato: “São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Segundo o autor da proposta de mudança, a nova redação humaniza a Constituição e concorre para uma profunda revisão de paradigmas civilizatórios. O parlamentar, em escrito sobre a proposta, destaca que: “... a PEC coloca o Brasil em sintonia com visões que estão surgindo no mundo, contra a idéia de que o consumo substitui a felicidade. Por exemplo, no Butão, um país da Ásia, há a substituição do PIB pelo FIB – Felicidade Interna Bruta, que orienta o governo, até mesmo a negar certos investimentos. (…) Pela PEC, o bem-estar seria considerado mais pela eficiência do transporte público do que pelo número de automóveis engarrafados que serve como entulho à felicidade de quem quer chegar cedo ao trabalho ou em casa, ou na casa da namorada ou do pai e da mãe”.

O projeto rivaliza, digo eu, com a idéia corrente de que a felicidade pode ser comprada, que consiste basicamente numa atitude voltada para o consumo, para a futilidade das aparências e do sucesso como reconhecimento social de ter se galgado posições de poder público e privado por intermédio do conhecido e dominante jogo de pragmatismos, favores, conveniências e vassalagens dos tempos modernos.

Não se trata, e o Senador enfatiza, de uma (futura) norma jurídica que gera um direito subjetivo à felicidade, oponível contra o Estado, a sociedade, o empregador, o pai, a mãe, o cônjuge, o namorado, a namorado, o amigo, a amiga, o professor, em suma, o outro, que de qualquer forma ou em algum momento seja um “obstáculo” a felicidade de alguém (na ótica desse alguém) !!!

A proposição do ilustre parlamentar é acertada, positiva e construtiva. Com efeito, cada pessoa humana busca, em seus atos, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, a felicidade. Ela (a felicidade) pode ser entendida, embora assuma contornos subjetivos, como um estado de satisfação ou bem-estar físico, psicológico, material e social. Nesse sentido, a Constituição aponta como objetivo fundamental do Estado brasileiro “promover o bem de todos” (art. 3o., inciso IV). A leitura da palavra “bem” pode e deve assumir a conotação de “felicidade”.

1 Texto concluído em 5 de junho de 2011.

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Inúmeros setores da imprensa nacional, e até internacional, tratam a proposta com um indevido e preocupante ar de deboche. Posta de lado a incompreensão decorrente da superficialidade da análise, fica clara a força política, econômica, social e ideológica daqueles valores consumistas e correlatos antes destacados, ameaçados por uma abordagem fundada em valores “alternativos”, menos mesquinhos, menos mercantilistas.

Não custa frisar que no berço do constitucionalismo moderno admitiu-se expressamente a busca de felicidade como (talvez) o mais importante fator de motivação das ações e esforços humanos ao longo da vida. Consta na primeira declaração norte-americana de direitos humanos, editada em 1776: “Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, por nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança”.

Recentemente, mais precisamente no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.277, onde se concluiu pela caracterização de entidade familiar da união estável entre pessoas do mesmo sexo, o Supremo Tribunal Federal, na voz de inúmeros dos seus membros, destacou a busca da felicidade como importantíssima (ou essencialíssima) dimensão humana devidamente juridicizada, ao menos implicitamente na Constituição de 1988.

O Ministro Luiz Fux asseverou: “De volta ao caso em apreço, o silêncio legislativo sobre as uniões afetivas nada mais é do que um juízo moral sobre a realização individual pela expressão de sua orientação sexual. É a falsa insensibilidade aos projetos pessoais de felicidade dos parceiros homoafetivos que decidem unir suas vidas e perspectivas de futuro, que, na verdade, esconde uma reprovação”.

O Ministro Ayres Britto registrou: “Ambiente primaz, acresça-se, de uma convivência empiricamente instaurada por iniciativa de pessoas que se vêem tomadas da mais qualificada das empatias, porque envolta numa atmosfera de afetividade, aconchego habitacional, concreta admiração ético-espiritual e propósito de felicidade tão emparceiradamente experimentada quanto distendida no tempo e à vista de todos”.

Já o Ministro Marco Aurélio afirmou: “Vale dizer: ao Estado é vedado obstar que os indivíduos busquem a própria felicidade, a não ser em caso de violação ao direito de outrem, o que não ocorre na espécie”.

Eis as considerações do Ministro Ricardo Lewandowski: “Com efeito, a ninguém é dado ignorar – ouso dizer - que estão surgindo, entre nós e em diversos países do mundo, ao lado da tradicional família patriarcal, de base patrimonial e constituída, predominantemente, para os fins de procriação, outras formas de convivência familiar, fundadas no afeto, e nas quais se valoriza, de forma particular, a busca da felicidade, o bem estar, o respeito e o desenvolvimento pessoal de seus integrantes”.

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O Ministro Celso de Mello fez mais de uma dezena de menções à busca da felicidade. Entre elas, merecem destaque: “É por tal razão que o magistério da doutrina - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) (…) dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (...) Reconheço que o direito à busca da felicidade – que se mostra gravemente comprometido, quando o Congresso Nacional, influenciado por correntes majoritárias, omite-se na formulação de medidas destinadas a assegurar, a grupos minoritários, a fruição de direitos fundamentais – representa derivação do princípio da dignidade da pessoa humana, qualificando-se como um dos mais significativos postulados constitucionais implícitos cujas raízes mergulham, historicamente, na própria Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 04 de julho de 1776”.

Portanto, o que pretende o Senador Cristovam Buarque, destacado pensador da realidade brasileira, com uma extensa folha de idéias e ações voltadas para o avanço da sociedade contra a discriminação e a desigualdade, é tão-somente explicitar no texto constitucional aquilo que já o integra implicitamente. Não será a “salvação da lavoura” e nem mudará radical e imediatamente a vida dos brasileiros. Concorrerá, no entanto, se aprovada a proposição, para a construção, o processo (demorado e penoso), de melhoria das condições de vida dos brasileiros, na medida em que obrigará a reflexão sob a perspectiva da felicidade nas ações do Poder Público e dos vários atores sociais, assim como reforçará o arsenal de instrumentos jurídicos mobilizados contra significativas e profundas mazelas sociais.

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V. ADVOCACIA PÚBLICA

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Advocacia de Estado versus Advocacia de Governo1

O longo e penoso processo de construção de uma Advocacia Pública Federal em novas bases, com valores e paradigmas alinhados à

modernidade e procedimentos adequados aos novos tempos, experimenta momentos de avanços e de recuos. A exata e mais radical (no sentido de profunda) compreensão e efetivação da condição de instituição de Estado da Advocacia-Geral da União não é um movimento dos mais fáceis.

Nessa dura caminhada, um dos aspectos de maior relevo envolve a identidade do advogado público federal. Aqui, o termo “identidade” aparece como delimitação e consciência do papel desempenhado, notadamente nas relações com os gestores ou governantes (a face visível do “cliente”).

Identificar, com precisão, o “cliente” é o primeiro passo na construção da identidade do advogado público e, de certo modo, condiciona as definições seguintes mais importantes. São duas as possibilidade básicas: a) o “cliente” é o Governo ou b) o “cliente” é o Estado. Ademais, como fator adicional de dificuldade, ouvem-se vozes no sentido de que não existe uma diferença efetiva entre os dois conceitos.

O festejado jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto formulou com precisão e maestria, em estrita consonância com o Texto Maior, a concepção das Procuraturas Constitucionais (Advocacia Pública em sentido amplo). Identificou:

a) a advocacia da sociedade, viabilizada pelo Ministério Público, relacionada com a defesa de interesses sociais com várias dimensões subjetivas, da ordem jurídica e do regime democrático;

b) a advocacia dos necessitados, operacionalizada pela Defensoria Pública, voltada para a defesa dos interesses daqueles caracterizados pela insuficiência de recursos;

c) a advocacia do Estado (ou Advocacia Pública em sentido estrito), instrumentalizada pela Advocacia-Geral da União e pelas Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, vocacionada para a defesa dos interesses públicos primários e secundários (com a clara prevalência dos primeiros em relação aos últimos, em caso de conflito, em homenagem à construção responsável do Estado Democrático de Direito).

Importa, pois, delinear a essência da advocacia de Estado e apartá-la, se for possível, e é possível, da advocacia de Governo (ou dos governantes).

Perceba-se que o advogado público pauta sua atividade, quer contenciosa, quer consultiva, na legalidade em sentido amplo (ou juridicidade). Na atuação contenciosa são defendidas políticas públicas e

1 Texto concluído no dia 3 de abril de 2010.

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atos administrativos sob os argumentos de serem fundados em leis e estarem em consonância com a Constituição. É certo, registre-se, a persistência de uma séria dificuldade, a ser operacionalmente superada, quanto à defesa, ou não, dos atos administrativos reputados ilegais ou inconstitucionais, considerados e devidamente tratados os espaços de razoabilidade e as convicções pessoais acerca das matérias jurídicas envolvidas. Na atuação consultiva são reconhecidas, ou não, a constitucionalidade e a legalidade de políticas públicas e atos administrativos. Ainda nessa seara podem e devem ser apontados os caminhos ou soluções que afastem os ilícitos de todas as ordens para a consecução da decisão política adotada. Esses são os traços mais salientes de uma advocacia de Estado.

Alguns aspectos da atuação dos advogados públicos somente alcançarão um patamar qualitativamente adequado e um padrão de harmonia com a construção de um Estado Democrático de Direito num ambiente de exercício, de prática efetiva, de uma advocacia de Estado.

O exercício da independência técnica (relativa) dos advogados públicos e o viés construtivo das manifestações consultivas e contenciosas reclamam um certo distanciamento dos “interesses imediatos” (e dos “humores imediatos”) dos gestores e administradores. Não é concebível, salvo dentro da triste lógica da advocacia de Governo, uma relação hierárquica, de subordinação, do advogado público em relação à “cadeia de comando” funcional de determinado órgão, ministério ou entidade.

A não-obrigatoriedade de recorrer de todas as decisões judiciais contrárias ao Poder Público também reclama um “olhar” distanciado dos “humores” imediatistas dos gestores. O cálculo de viabilidade de reversão de tendências jurisprudenciais ou de esgotamento da argumentação razoável em torno de determinadas matérias deve ser efetivado substancialmente pelos advogados públicos com estreita convivência com a problemática. Não deixa de ser salutar a criação de um espaço institucional para desenvolver o “diálogo final” entre gestores e advogados públicos em torno do racional encerramento da litigiosidade em relação a certos temas recorrentes.

A defesa de atos de autoridades públicas não pode ser efetivada de forma acrítica, em todos os casos e em quaisquer circunstâncias. Afinal, existem inúmeras situações onde impera a ilegalidade, a imoralidade, a improbidade, a má-fé e o dolo. Esse olhar criterioso está em harmonia com a advocacia de Estado. A tal advocacia de Governo não consegue trabalhar bem a transgressão jurídica (pontual ou “patológica”) do gestor. Nesse sentido, a Portaria AGU n. 408, de 2009, editada pelo então Advogado-Geral da União José Antônio Dias Toffoli, bem demonstra o processo de construção de uma advocacia de Estado. O aludido ato, entre outras hipóteses, não viabiliza a defesa judicial de autoridades quando: a) não tenham sido os atos praticados no estrito exercício das atribuições constitucionais, legais ou regulamentares; b) não tenha havido a prévia análise do órgão de consultoria e assessoramento jurídico competente,

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nas situações em que a legislação assim o exige; c) tenha sido o ato impugnado praticado em dissonância com a orientação, se existente, do órgão de consultoria e assessoramento jurídico competente, que tenha apontado expressamente a inconstitucionalidade ou ilegalidade do ato, salvo se possuir outro fundamento jurídico razoável e legítimo; d) ocorra incompatibilidade com o interesse público no caso concreto; e) identificada conduta com abuso ou desvio de poder, ilegalidade, improbidade ou imoralidade administrativa, especialmente se comprovados e reconhecidos administrativamente por órgão de auditoria ou correição.

Na advocacia de Governo (ou dos governantes), o advogado público federal é chamado para, diante de uma decisão pronta e acabada (não há participação na “construção” da solução, frise-se), necessariamente atestar a constitucionalidade e a legalidade da pretensão. Invariavelmente, não existe um chamamento direto nesse sentido. Não é dada uma “ordem” para a elaboração de uma manifestação “interessada”. Os “caminhos” são mais sutis, incluindo uma “cuidadosa” seleção de advogados, inclusive públicos, “sensíveis” aos reclamos mais “mesquinhos” do poder.

Observe-se que a advocacia de Governo é tão indesejável e repulsiva que chega a se caracterizar como ilícita, justamente por afrontar a independência técnica (relativa) do advogado público, consagrada, pelo menos, na Constituição, no Estatuto da OAB e em pareceres vinculantes da AGU. Ademais, o padrão de comportamento ínsito à advocacia de Governo não se coaduna com a construção de um Estado Democrático de Direito informado pelo princípio da supremacia do interesse público (primário).

Vislumbra-se, neste momento, a necessidade de ser percorrido um longo e penoso caminho no sentido de fazer valer a prática da advocacia de Estado: a) nas hostes da Advocacia Pública e b) no trato institucional dos diversos órgãos e autoridades com as várias instâncias da Advocacia Pública.

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VI. CAPITALISMO FINANCEIRO: MODELO SOCIOECONÔMICO A SER SUPERADO

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Capitalismo financeiro: modelo socioeconômico a ser superado

1. A GLOBALIZAÇÃO

A globalização, quando analisada numa perspectiva científica, apresenta consideráveis dificuldades. Dois aspectos em particular assumem

especial relevo. O primeiro deles consiste no fato de estarmos diante de um processo historicamente recente. O que se tem chamado de globalização remonta, no máximo, ao início da década de 1980. Por outro lado, o processo apresenta-se multifacetado. É possível mencionar a existência de uma globalização econômica, de uma globalização política, de uma globalização cultural e assim por diante. Formular, neste contexto, uma definição, uma noção, uma idéia de globalização é tarefa das mais espinhosas.

1.1. A globalização no tempoExiste alguma controvérsia em torno da tentativa de definir o marco

temporal inicial do fenônemo identificado como globalização. Até mesmo a denominação utilizada não é uniforme1.

Certas considerações apontam o início da globalização na década de 19802. Outros consideram a década de 1990 como o momento inicial do processo de globalização. Encontramos, ainda, aqueles que sustentam que a globalização é um processo extremamente antigo3.

Adotamos a década de 1980 como marco inaugural da globalização. Com efeito, as “reformas” sistemáticas protagonizadas pelos governos Thatcher (Grã-Bretanha) e Regan (Estados Unidos) parecem fornecer um delimitador político-econômico adequado para o fenômeno em análise4.

1 Eis algumas formas alternativas de denominar o fenômeno: “aldeia global”, “economia-mundo”, “capitalismo global”, “fim da história”, “fim da geografia”, “mundo sem fronteiras” e “mundialização”.2 “Nas três últimas décadas, as interacções transnacionais conheceram uma intensificação dramática, desde a globalização dos sistemas de produção e das trasferências financeiras, à disseminação, a uma escala mundial, de informação e imagens através dos meios de comunicação social ou às deslocações em massa de pessoas, quer como turistas, quer como trabalhadores migrantes ou refugiados”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 25.3 “A tradição da globalização é para alguns muito mais longa. Por exemplo, Tilly distingue quatro ondas de globalização no passado milênio: nos séculos XIII, XVI, XIX e no final do século XX.” SANTOS, Boaventura de Souza. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 36.4 Cf. Perry Anderson, os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre rendimentos altos, aboliram controles sobre fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, reduziram gastos sociais e lançaram um amplo plano de privatização.“Assim, os conservadores, após suas vitórias eleitorais de 1979 na Grã-Bretanha e de 1980 nos EUA, levantaram dogmas de política econômica totalmente diferentes, como lema de sua política: o chamado neoliberalismo, dentro da concepção de economistas como o conselheiro de Reagan, Milton Friedman, e do mentor do governo Thatcher, Friedrich August von Hayek. A variante de política monetária dessa doutrina

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Reinaldo Gonçalves identifica o “fator determinante” da globalização, iniciada na década de 1980, como a “insuficiência de demanda agregada” nos países desenvolvidos. Segundo o referido economista, a crise doméstica de acumulação do capitalismo maduro poderia ser respondida com quatro iniciativas básicas5:

a) a “saída keynesiana”, viabi l izada por intermédio de investimentos públicos significativos e da administração de déficits nas contas estatais;

b) a “saída schumpeteriana”, realizada por meio de ondas de inovações tecnológicas e organizacionais (processos de destruições criadoras);

c) a distribuição de renda e riqueza, de alcance mais limitado em economias mais desenvolvidas;

d) a transformação das exportações no elemento de dinamização das economias nacionais.

A solução “escolhida”, a “saída preferencial”, de que somos testemunhas históricas privilegiadas, foi exatamente a busca, a partir do início da década de 1980, por maior inserção nos mercados internacionais de bens, serviços e capitais.

1.2. Definição de globalizaçãoDefinir globalização é, como foi dito anteriormente, uma tarefa das

mais difíceis. São múltiplas as visões sobre o fenônemo, assim como múltiplas são as suas facetas6. Não é exagerado, nem inapropriado, falar em globalização econômica, globalização política, globalização cultural, globalização ambiental e assim por diante7.

Ademais, subsiste um razoável consenso entre os mais variados cientistas sociais quanto à ausência de um marco teórico consiste e uniforme

também foi designada de monetarismo”. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 153.5 Cf. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 29-35.6 “O segundo conjunto de determinantes envolve os fatores de ordem política e institucional vinculados à ascensão das idéias liberais ao longo dos anos 80, tendo como marco de referência os governos Thatcher na Grã-Bretanha e Reagan nos Estados Unidos. O resultado dessa ascensão foi uma onda de desregulamentação do sistema econômico em escala global”. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 29. “Uma revisão dos estudos sobre os processos de globalização mostra-nos que estamos perante um fenómeno multifacetado com dimensões económicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo. Por esta razão, as explicações monocausais e as interpretações monolíticas deste fenómeno parecem pouco adequadas”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 26.“A globalização é, na realidade, um tema de múltiplas dimensões, que dificultam significativamente a elaboração conceitual ou teórica”. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 23. 7 Liszt Vieira em sua obra Cidadania e Globalização identifica cinco dimensões da globalização, a saber: econômica, política, social, ambiental e cultural.As “outras” dimensões ou facetas da globalização, para além do “lado” econômico do processo, suscitam importantes questões. Eis alguns exemplos: a globalização cultural não seria uma ocidentalização ou americanização? Estaria sendo formada, ou emergindo, uma cultura global?

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para o trabalho científico em torno da idéia de globalização8. Esta fragilidade decorre, em grande parte, da ausência de teorização

hábil sobre as novas realidades. Afinal, as categorias teóricas utilizadas para o entendimento do fenômeno foram construídas num momento histórico com características substancialmente distintas das atuais. A rigor, o instrumental teórico para apreender e entender os novos tempos estão em lento e penoso processo de criação.

Adotando a formulação de Anthony Giddens, reconhecida por inúmeros teóricos do fenômeno, a exemplo de Boaventura de Sousa Santos9, David Held e John Gray, identifica-se a globalização “como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que os acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa”10. Em suma, o traço mais fundamental da globalização é justamente a interferência nos assuntos e definições locais, regionais e nacionais de decisões adotadas fora destes âmbitos geográficos, mais precisamente no cenário mundial ou internacional. Em suma, sucumbem as barreiras nacionais e a clássica divisão entre o espaço interno e o externo.

Discute-se, numa outra ordem de considerações, se a globalização inicia um novo modelo de organização social, uma novo estágio da sociedade capitalista11. Neste sentido, cogita-se acerca da possibilidade de ser definida como uma nova etapa na história da humanidade. Aparentemente, ainda é muito cedo para conclusões tão decisivas12.

8 “Além disso, em que pese a profícua produção bibliográfica sobre o tema, sobretudo nos últimos quatro anos, ainda não foi produzido um marco teórico que possibilitasse a leitura da globalização de forma cabal”. LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização Econômica, Política e Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 12.9 No ensaio “Os processos da globalização”, Boaventura de Souza Santos busca expressamente a definição de globalização oferecida por Giddens e registra que “para o Grupo de Lisboa, a globalização é uma fase posterior à internacionalização e à multinacionalização porque, ao contrário destas, anuncia o fim do sistema nacional enquanto núcleo central das actividades e estratégias humanas organizadas”. Formula, logo a seguir, a sua dfinição de “modo de produção de globalização”: “é o conjunto de trocas desiguais pelo qual um determinado artefacto, condição, entidade ou identidade local estende a sua influência para além das fronteiras nacionais e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outro artefacto, condição, entidade ou identidade rival”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 26-63.10 Cf. Abili Lázaro Castro de Lima em sua obra Globalização Econômica, Política e Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 124.11 “Para os arautos da nova ordem global, como Ohmae (1995), Korten (1995), Strange (1996), Forrester (1997) ou Martin e Schumann (1999), a globalização pode ser definida como uma nova fase de expensão capitalista, marcada pelo crescente domínio das grandes empresas multinacionais, do sistema financeiro e do mercado de capitais sobre o poder político”. BAGANHA. Maria Ioannis. A cada Sul o seu Norte: Dinâmicas migratórias em Portugal. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 136-137. 12 “A natureza precisa deste período e deste modelo está no centro dos debates actuais sobre o caráter das transformações em curso nas sociedades capitalistas e no sistema capitalista mundial como um todo. Defendi atrás que o período actual é um período de transição a que chamei o período do sistema mundial em transição (...) Trata-se, pois, de um período de grande abertura e indefinição, um período de bifurcação cujas transformações futuras são imperscrutáveis”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 89.

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Uma perspectiva de fundamental importância de abordagem da globalização diz respeito a identificação, no seu seio, de um processo conflituoso. Assim, como diz Boaventura de Sousa Santos, os traços mais visíveis do processo de globalização são, em verdade, características de uma globalização dominante ou hegemônica (de-cima-para-baixo) em convívio com uma globalização contra-hegemônica (de-baixo-para-cima)13.

Boaventura identifica dois processos principais de resistência à globalização hegemônica:

a) o cosmopolitismo e b) o patrimônio comum da humanidade. O primeiro apresenta-se como uma luta contínua contra a exclusão,

a inclusão subalterna, a dependência, a desintegração e a despromoção14.

“A teoria social tem vindo a dar conta de que as novas formas de que se reveste o político e o social nas sociedades contemporâneas dificilmente se enquadram nos padrões da modernidade. As designações utilizadas para caracterizar esta fase das sociedades podem ser distintas – modernidade tardia, pós-modernidade, segunda modernidade, modernização reflexiva, sociedade gobal, globalização cultural, glocalização, sociedade do conhecimento e da informação, etc. -, mas na base de todas elas está o reconhecimento de que a incerteza, o paradoxo e o risco marcam o futuro das nossas sociedades. Esta passagem de um período de certezas e de crises, que podem ser controladas, para um período de crise profunda de natureza civilizatória, ao mesmo tempo acompanhada de uma ‘criatividade social e política radicalmente nova’, constituiria, segundo alguns autores, o cerne de uma verdadeira transição paradigmática que já está em curso (Santos, 1995: 258)”. HESPANHA, Pedro. Mal-estar e risco social nu mundo globalizado: Novos problemas e novos desafios para a teoria social. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 163-164. 13 “... torna-se claro que as características dominantes da globalização são as características da globalização dominante ou hegemónica. Mais adiante faremos a distinção, para nós crucial, entre globalização hegemónica e globalização contra-hegemónica (...) Nestes termos, não existe estritamente uma entidade única chamada globalização; existem, em vez disso, globalizações; em rigor, este termo só deveria ser usado no plural. Qualuqer conceito mais abrangente deve ser de tipo processuale não substantitivo. Por outro lado, enquanto feixes de relações sociais, as globalizações envolvem conflitos e, por isso, vencedoes e vencidos. Frequentemente, o discurso sobre globalização é a história dos vencedores contada pelos próprios”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 55-56.“... a globalização predatória (Falk, 1999) ocorre simultaneamente com a emergência de movimentos sociais transnacionais que são expressões parcelares de uma experimentação contra-hegemónica da globalização”. PUREZA, José Manuel. Para um internacionalismo pós-vestefaliano. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 233. “O sistema econômico global alimenta-se da dissenção social entre os países e dentro deles. A unidade de propósitos e a coordenação em âmbito mundial entre diversos grupos e movimentos sociais é crucial. E necessária uma grande investida, que una os movimentos sociais de todas as principais regiões do mundo em torno de um objetivo e de um compromisso comuns para a eliminação da pobreza e uma duradoura paz mundial”. CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 23.14 “Trata da organização transnacional da resistência de Estados-nação, regiões, classes ou grupos sociais vitimizados pelas trocas desiguais de que se alimentam os localismos globalizados e os globalismos localizados, usando em seu benefício as possibilidades de interacção transnacional criadas pelo sistema mundial de transição, incluindo as que decorrem da revolução nas tecnologias de informação e de comunicação. A resistência consiste em transformar trocas desiguais em trocas de autoridade partilhada, e traduz-se em lutas contra a exclusão, a inclusão subalterna, a dependência, a desintegração, a despromoção. As actividades cosmopolitas incluem, entre muitas outras: movimentos e organizações no interior das periferias do sistema mundial; redes de solidariedade transnacional não desigual entre o Norte e o Sul; a articulação entre organizações operários dos países integrados nos diferentes blocos regionais ou entre trabalhadores da mesma empresa multinacional operando em diferentes países (o novo internacionalismo operário); redes internacionais de assistência jurídica alternativa; organizações transnacionais de direitos humanos; redes mundiais de movimentos feministas; organizações não governamentais (ONG’s) transnacionais de militância anticapitalista; redes de movimentos indígenas,

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O segundo movimento gira em torno da desmercantilização de recursos considerados essenciais para a sobrevivência digna da humanidade15.

Deve ser destacado, para posterior desenvolvimento, o papel estratégico de resistência desempenhado por uma série de organizações não-governamentais (ONGs), em particular a ATTAC - Associação para uma Taxação de Transações Financeiras para Auxílio aos Cidadãos.

1.3. As principais características da globalizaçãoAs principais características ou aspectos da globalização, notadamente

em seu viés econômico, verdadeiro fio condutor das demais facetas, reclamam uma análise mais cuidadosa. Assim, identificadas suas marcas mais salientes e dimensionada a força do processo no âmbito da sociedade

ecológicas ou de desenvolvimento alternativo; movimentos literários, artísticos e cinetíficos na periferia do sistema mundial em busca de valores culturais alternativos, não imperialistas, contra-hegemónicos, empenhados em estudos sob perspectivas pós-coloniais ou subalternas”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 55-67.15 “Trata-se de lutas transnacionais pela protecção e desmercadorização de recursos, entidades, artefactos, ambientes considerados essenciais para a sobrevivência digna da humanidade e cuja sustentabilidade só pode ser garantida à escala planetária. Pertencem ao património comum da humanidade, em geral, as lutas ambientais, as lutas pela preservação da Amazônia, da Antártida, da biodiversidade ou dos fundos marinhos e ainda as lutas pela preservação do espaço exterior, da lua e de outros planetas concebidos também como património comum da humanidade. Todas essas lutas se referem a recursos que, pela sua natureza, têm de ser geridos por outra lógica que não a das trocas desiguais, por fideicomissos da comunidade internacional em nome das gerações presentes e futuras”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 70.Eis alguns registros acerca da batalha, em curso, no sentido da mercantilização, ou não, dos conhecimentos produzidos pelo homem: “O software desempenha um papel singular na atual Sociedade do Conhecimento. Entre as manifestações da informação como bem econômico, político e jurídico mais relevante do mundo moderno seguramente o programa de computador é a mais estratégica. Afinal, o processamento automático das informações relacionadas com as mais diversas e cruciais atividades humanas, realizado nos sistemas de informática, depende necessariamente de softwares cada mais complexos. Não é sem razão que inúmeros atores sociais, entre eles cientistas, juristas, políticos, sociológicos e jornalistas, apontam a batalha em torno do modelo de distribuição e de comercialização do software como a mais aguda dos tempos atuais. Esta batalha, em outras palavras, significa uma disputa em torno da forma de controle ou apropriação daquilo que é o mecanismo mais significativo de geração e de acumulação de riquezas na sociedade contemporânea: a informação na forma de software. Uma importantíssima consideração teórica em torno do papel-chave do software nas relações mantidas na sociedade atual está representada na "Teoria do Código" formulada por Lawrence Lessing. Segundo o conhecido professor da Harvard Law School, o software condiciona e controla os comportamentos na medida em que reconhece identidades e define maneiras de agir. Assim, ao elaborar o programa de computador (o código) o programador, ou quem o remunera, pode estabelecer e limitar tudo o que pode ser feito e como pode ser feito”. CASTRO, Aldemario Araujo. Informática Jurídica e Direito da Informática. Disponível em: < http://www.aldemario.adv.br/infojur/conteudo26texto.htm>. Acesso em: 18 abr. 2006."No âmbito dessa sociedade ("sociedade informacional"), como o próprio nome indica, o eixo, a estrutura e a base dos poderes econômico, político e cultural residem, essencialmente, na geração, no controle, no processamento, na agregação de valor e na velocidade da disseminação da informação técnica e especializada". FARIA. José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 2002. Malheiros Editores. p. 75."Seja o que for que as corporações pensam quando ganham dinheiro - ou economizam dinheiro - com o GNU/Linux, uma coisa é para mim certa: esta é a batalha política mais importante que está sendo travada hoje nos campos tecnológicos, econômicos, sociais, culturais. E pode mesmo significar uma mudança de subjetividade que vai ter conseqüências decisivas até para o conceito de civilização que vamos usar no futuro (breve)." (Viana. Hermano. Apresentação do Livro Software Livre e Inclusão Digital. 2003. Conrad Livros. Pág. 9).

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internacional, será possível formular uma proposta de entendimento da sua influência em searas mais restritas ou específicas, como a da tributação. Vejamos, então, aqueles fenômenos, flagrados pelas análises científicas mais agudas dos tempos atuais, que conferem identidade ao processo denominado de globalização.

1.3.1. O enfraquecimento dos Estados nacionaisExiste um razoável consenso científico em torno da idéia de que o

Tratado de Westphalia, firmado em 1648, inaugurou e definiu as linhas básicas do sistema interestatal moderno16. As premissas mais salientes foram as seguintes:

a) exclusividade dos Estados como sujeitos do Direito Internacional; b) inexistência de legislação internacional que interferisse nas

soberanias estatais; c) ausência de poderes de polícia e de sanção de âmbito internacional e d) relativa liberdade no uso da força e da guerra. Uma das premissas básicas do “Consenso de Washington”17, marco

político da globalização, consiste na tentativa de estabelecer Estados fracos, em nítida reação a Westphalia. Segundo o pensamento dominante, claramente uma retomada das teses liberais, daí a denominação de neoliberalismo, a força da sociedade civil e das relações estabelecidas no seu interior pressupõe uma espaço de “movimentações” deixado pelo Estado18.

Importa identificar para quem os Estados nacionais, em ambiente globalizado, perdem poder. Afinal, “alguém” ganha força, influência e importância com o “recuo” das posições estatais construídas ao longo de décadas de história.

Os espaços de poder deixados pelo enfraquecimento dos Estados nacionais são ocupados, numa formulação ampla, pelos mercados, notadamente o mercado financeiro de âmbito internacional. Neste campo, os atores privilegiados são as empresas transnacionais e as instituições financeiras multilaterais.

O processo de enfraquecimento dos Estados passou (e passa) pela superação do chamado Estado-Providência. Com efeito, no século XX os Estados mais importantes efetivaram uma série de políticas públicas voltadas para a proteção social, sobretudo dos trabalhadores. As políticas

16 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 36.17 Ver, adiante, o tópico 2.3.5.18 “Como vimos acima, a real dimensão do enfraquecimento das funções regulatórias do Estado-nação é hoje um dos debates nucleares da sociologia e da economia políticas. Inquestionável é apenas o facto de que tais funções mudaram (ou estão a mudar) dramaticamente e de um forma que questiona o dualismo tradicional entre regulação nacional e internacional”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 92.

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referidas importaram em significativos movimentos de transferências de recursos para os setores mais frágeis da sociedade. O conserto neoliberal trazido pela globalização investiu com especial interesse e atenção contra as conquistas sociais, em particular contra os ganhos previdenciários19.

Um dos fenômenos mais significativos dos tempos atuais consiste na tendência de formação de blocos regionais de Estados, a exemplo da União Européia, NAFTA e MERCOSUL. No interior destes processos os Estados buscam restabelecer sua força tradicional, inclusive e curiosamente, pela via de soberanias conjuntas ou partilhadas.

Em suma, como muito bem acentua Boaventura de Sousa Santos, as práticas e interações transnacionais solaparam a capacidade do Estado-nação de orientar e controlar os fluxos de pessoas, bens, capital e idéias, como ocorria em passado recente20.

1.3.2. A ampliação e o fortalecimento do papel social desempenhado pelas empresas transnacionais

As empresas transnacionais21 substituem progressivamente o Estado como principal ator de ordenação sócio-econômica. A tradicional soberania do Estado-nação encontra fortíssima limitação na ação (ou na verdadeira

19 “A globalização de modelo de providência estatal liberal implicou a adopção deste, tanto por países que se submeteram à nova ortodoxia neoliberal, como foi o caso ‘pioneiro’ do Clube de Pinochet, como pelas agências financeiras multilaterais (Banco Mundial, FMI, etc). Em 1994, o Banco Mundial publicou o seu célebre relatório sobre ‘A Crise do Envelhecimento’ em que se propunham reformas radicais nos sistemas de segurança social, no sentido da remercadorização a protecção social e da privatização dos sistemas de pensões de reforma, substituindo os regimes de repartição pelos de capitalização individual. O conjunto das propostas ficou conhecido por modelo neoliberal de segurança social e nos anos que seguiram foi activamnente promovido, quando não imposto, aos países intervencionados pelas políticas de ajustamento estrutura” (...) Em 1998, o conhecido economista norte-americano e, ao tempo, vice-presidente do Banco Mundial, Joseph Stiglitz, desfere o primeiro ataque ao Consenso de Washington e propõe um pós-Consenso de Washington e en finais de 1999 leva mais longe ainda a sua crítica, afirmando que o modelo do Banco Mundial de segurança social (o modelo neoliberal), para além de ter causado muito sofrimento humano e contribuído para o agravamento das desigualdades sociais a nível mundial e no interior de cada país, é um modelo cientificamente errado uma vez que as supostas verdades em que assenta não passam de mitos. O próprio Stiglitz se encarrega de demonstrar isto mesmo desmontando um a um os 10 mitos em que, em seu entender, assenta o modelo do Banco Mundial”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 82-83.“A instauração desta novíssima ordem global implica necessariamente que os Estados ocidentais passem de Estados-Providência a meros agentes económicos em busca de vantagens competitivas nos mercados globais”. BAGANHA. Maria Ioannis. A cada Sul o seu Norte: Dinâmicas migratórias em Portugal. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 136-137. “Face a um sistema económico que destrói o trabalho e produz desemprego, parece estar a quebrar-se, nesta era de capitalismo global, a aliança histórica entre a sociedade de mercado, o Estado-Providência e a democracia que fundou o projecto de modernidade do Estado nacional (...) O próprio modelo social europeu está hoje sob ameaça. Os regimes de bem-estar e as formas de Estado-Providência que têm servido de suporte ao exercício dos direitos de cidadania são alvo crescente de críticas e começaram a sofrer reformas cada vez mais profundas”. HESPANHA, Pedro. Mal-estar e risco social nu mundo globalizado: Novos problemas e novos desafios para a teoria social. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 162. 20 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 36.21 Organizações ou empresas com gestão centralizada, notadamente dos aspectos financeiros e tecnológicos, e atuação operacional em escala planetária.

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guerra) das empresas transnacionais por mercados. Elas escolhem seu palco de atuação em função de fatores como mercado de trabalho, sistema tributário, marcos regulatórios da atividade econômica e condições de infraestrutura. Neste ambiente, negociações em torno de investimento direto e ameaças de “retirada” influenciam diretamente as decisões sobre as políticas de governo.

Boaventura de Souza Santos, apoiado em escrito de Tony Clarke, datado de 1996, destaca dados que demonstram a enorme importância das empresas transnacionais no cenário econômico globalizado22. Revela-se que:

a) 70% (setenta por cento) do comércio mundial é controlado por 500 (qüinhentas) empresas multinacionais;

b) 1% (um por cento) das empresas multinacionais detêm 50% (cinqüenta por cento) do investimento estrangeiro direto;

c) mais de um terço do produto industrial mundial é produzido pelas empresas multinacionais.

Na direção das empresas transnacionais surge, segundo várias analistas, uma nova classe social: a burguesia de executivos23. Além de dirigir diretamente os conglomerados internacionais, os quadros pertencentes a nova classe realizam um frenético movimento de ocupação e desocupação dos postos chaves do Estado. Na Administração Pública cuidam de estabelecer e formalizar, em políticas públicas e decisões de governo, os rumos do Estado segundo seus interesses e os interesses de suas empresas (de onde saem e para onde retornam)24.

John Kenneth Galbraith destaca, na sociedade moderna, a transferência do poder dos donos das empresas para os administradores. Segundo o renomado economista, na dinâmica da vida empresarial os executivos sempre prevalecem25. 22 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 31.23 “Becker e Sklar, que propõem a teoria do pós-imperialismo, falam de uma emergente burguesia de executivos, uma nova classe social saída das relações entre o setor administrativo do Estado e as grandes empresas privadas ou privatizadas. Esta nova classe é composta por um ramo local e por um ramo internacional. O ramo local, a burguesia nacional, é uma categoria socialmente ampla que envolve a elite empresarial, os directores de empresas, os altos funcionários do Estado, líderes políticos e profissionais influentes. Apesar de toda a heterogeneidade, estes diferentes grupos constituem, de acordo com os autores, uma classe, ‘porque os seus membros, apesar da diversidade dos seus interesses sectoriais, partilham uma situação comum de privilégio sócio-económico e um interesse comum de classe nas relações do poder político e do controlo social que são intrínsecas ao modo de produção capitalista,. O ramo internacional, a burguesia internacional, é composta pelos gestores das empresas multinacionais e pelos dirigentes das instituições financeiras internacionais”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 32.24 “Examinada de forma séria, a propalada divisão entre os setores público e privado não faz sentido. Não é realidade, é retórica. Uma parte grande, vital e cada vez maior do que é chamado de setor público está, para todos os efeitos práticos, no setor privado”. (...) De uns tempos para cá, a ostensiva intrusão do setor privado no chamado setor público se tornou lugar-comum. Com autoridade total sobre as grandes empresas modernas, seria natural que os administradores estendessem sua influência para a política e o governo”. GALBRAITH, John Kenneth. A economia das fraudes inocentes: verdades para o nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 52-54.25 “Um ponto menos importante: o que é central na argumentação que apresentarei é o papel dominante das empresas na sociedade da economia moderna, e a transferência do poder de seus donos, os acionistas

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Uma das mais marcantes conseqüências da força e da presença global das empresas transnacionais consiste na desnacionalização das economias, particularmente aquelas que ainda não completaram, de forma consistente, um ciclo de amadurecimento26.

– atualmente chamados, de forma mais condescendente, de investidores -, para os administradores. Essa é a dinâmica da vida empresarial. Os executivos sempre prevalecem.” (...) “Nas empresas modernas, quem detém o poder real não são os donos do capital, mas – como enfatizaremos mais tarde – os administradores”. (...) “A empresa controlada por administradores é a peça central do sistema econômico moderno, mas não é todo o sistema. Há também pequenos negócios, em geral no setor de serviços ao consumidor. Existem empresas, sobretudo nas áreas de tecnologia e finanças, em que um fundador, não um proprietário, mantém o comando, E ainda há empreendimentos agrícolas e varejistas de pequena escala e serviços pessoais. Mas o mundo econômico moderno está centrado nas empresas com estrutura de controle; que ninguém se esqueça da palavra: na burocracia”. (...) “Tendo o capitalismo aberto o caminho para a administração cum burocracia, é necessário criar uma ilusão de importância para os donos. Eis a fraude./Essa fraude tem assumido aspectos cerimoniais. Um deles é um Conselho de Administração escolhido pelos próprios executivos e a les inteiramente submisso, mas ouvido como a voz dos acionistas. Isso inclui homens e a indispensável presença de uma ou duas mulheres, que necessitam apenas de um conhecimento passageiro da empresa; de modo geral se pode confiar em sua aquiescência. Por um jetom e uma ou outra refeição, os membros do Conselho são de tempos em tempos informados pelos administradores sobre o que já foi decidido ou sobre o que já é sabido. A aprovação é certa, inclusive quanto à remuneração dos administradores, estabelecida por eles mesmos e que pode ser, é óbvio, generosa”. (...) “Que ninguém duvide: em qualquer empresa de certo porte, os acionistas – os proprietários – e os Conselhos de Administração que supostamente os representam são de todo submissos aos administradores. Embora se dê a impressão de autoridade dos donos, ela não existe de fato. Um farude aceita”. GALBRAITH, John Kenneth. A economia das fraudes inocentes: verdades para o nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 10-46.26 “O crescimento dos fluxos de investimento externo direto (IED) e o avanço das empresas de capital estrangeiro (ECE) na economia brasileira foram inusitados a partir de 1995. (...) A participação do capital estrangeiro no valor da produção da economia brasileira pode ter aumentado de 10% em 1995 para um número da ordem de, pelo menos, 15% em 1998. (...) Qualquer que seja o número (15% - 18%), o fato é que não há dúvida de que houve um intenso processo de desnacionalização da economia brasileira ao longo da segunda metade dos anos 90, período esse que tem sido marcado pela globalização econômica. (...) A desnacionalização da economia brasileira ocorre no contexto do processo de globalização econômica, que se manifesta, dentre outras formas, pelo crescimento extraordinário dos fluxos internacionais de capitais e pela crescente integração entre economias nacionais. (...) Há um intenso processo de desnacionalização, pois se verifica que uma parcela crescente do aparelho produtivo nacional está sob controle de estrangeiros (ou não-residentes) e, mais particularmente, nas mãos das empresas transnacionais. Como primeiro indicador do processo de desnacionalização da economia brsileira, vale mencionar a relação entre o estoque de IED e o PIB. Esta relação aumentou de 6,3% em 1995 para 9,2% em março de 1998. Isso representa, na realidade, um crescimento de 50% do grau de desnacionalização da economia brasileira. Se consideramos o IED ao longo de 1998, principalmente o vinculado às privatizações do sistemas Telebrás, o estoque de IED chegaria a 90 bilhões de dólares e o coeficiente IED/PIB seria da ordem de 11,2%.De fato, a desnacionalização da economia brasileira vai do controle dos setores de produção de panelas à extração de titânio, da produção de aço a bancos, da navegação de cabotagem às telecomunicações, de supermercados à aviação, de chocolates a satélites, do transporte à eletricidade. Praticamente nenhum setor produtivo tem escapado ao avanço das empresas estrangeiras sobre a economia brasileira. Esse tema é tratado em mais detalhes nos próximos capítulos.A contrapartida desse aumento da desnacionalização da economia brasileira tem sido o crescimento praticamente exponencial das remessas de lucros e dividendos para o exterior. Em 1994 as remessas totais foram de 2,9 bilhões, passaram para 3,8 bilhões em 1996, e chegaram a 6,5 bilhões de dólares em 1997”. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 14-76.“... há um ambiente bastante propício para uma ampla desnacionalização de nosso sistema produtivo. E por isso que estou inquieto. Vejamos: - muitos de nossos grupos empresariais, sem escala e fragilizados na relação com os concorrentes internacionais quanto a capital, tecnologia e custos, ainda atuam de forma diversificada, um partido da década passada e que se tornou ineficaz;- é grande o número de importantes empresas com problemas societários e de sucessão;- há o inexorável fenômeno do envelhecimento de acionistas e gestores principais, que traz consigo a natural indisposição para enfrentar novos desafios; para experimentar o desconhecido; para correr os riscos do

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A desnacionalização da economia instala um indesejável ambiente de vulnerabilidade externa, aqui entendida como a reduzida capacidade de resistência do conjunto das atividades econômicas de um país às pressões e influências, de todas as ordens, vindas do exterior27.

1.3.3. Os movimentos transnacionais de capitais em volumes extraordinários

Os movimentos transnacionais de capitais, sobretudo financeiros, assumem proporções gigantescas e gozam de irrestrita liberdade28. Estima-se em cerca de 1,5 (um vírgula cinco) trilhão de dólares por dia as transações cambiais, sendo que 95% (noventa e cinco por cento) delas são meramente especulativas manuseando mecanismos financeiros complexos

crescimento; para admitir o desconforto de um programa de vida atribulado e estressante; e- há, finalmente, a valorização dos ativos a atrair investidores a concorrentes internacionais dispostos a fazer ofertas bastante sedutoras. (...)Não defendo protecionismos ilégítimos nem me movem nacionalismos arcaicos. Mas não quero ver, no futuro, nossos filhos e nossos netos só trabalhando em empresas multinacionais ou porque lhes faltarão opções ou porque não soubemos preservar as empresas nacionais. (...)O que estou propondo discutir, portanto, não é a construção de trincheiras para defender nossas organizações, mas a realidade inequívoca de que, no Brasil, já não há isonomia competitiva e, pior, não consigo perceber qualquer movimento que vise corrigir este curso – com prioridade e com eficácia. (...)Entendo a desnacionalização dos sistemas produtivos dos países em desenvolvimento mais como uma questão política do que como uma questão econômica. Sua principal consequenciade curto prazo é a mudança dos centros decisórios para pontos do planeta onde estão em pauta nossos probelmas específicos. Entretanto, o maior problema de uma desnacionalização do setor produtivo está no longo prazo. (...)E os grandes grupos internacionais têm raízes, têm origens e têm suas principais bases político-estratégicas onde estão seus principais acionistas e onde se concentra sua principal força político-estratégica. Como as aves migratórias, saberão voltar ao local de abrigo de seus interesses principais, de seus compromissos históricos – tão logo as condições de permanência lhes apareçam desvantajosas”. ODEBRECHT, Emilio. Revista Brasileira de Comércio Exterior, n. 57, out.-dez. de 1998, p. 52. Cf. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999, pp. 207 e 208.“Por falta de cuidados e excesso de pressa, a globalização escancarou as portas de nossa economia e de nosso mercado, sem que aplicássemos aqui pelo menos algumas das exigências e cautelas que economias desenvolvidas – e abertas – adotam para defender seus negócios e seus empregos. (...)A globalização atropoleu forte e já temos alguns setores econômicos – como o de autopeças, por exemplo – em que o previsível processo de desnacionalização já se tornou inexorável. Urge que a sociedade reaja e o Governo proteja o que restou do vendaval desnacionalizante, que arrasou esta área”. STEINBRUCH, Benjamin. O Globo. Dia 25/05/1998, p. 10. Cf. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 215.27 “Houve, a partir de 1995, um aumento extraordinário da vulnerabilidade externa do Brasil, com ritmo, profundidade e amplitude nunca antes observados na história do país. (...) Assim, a desnacionalização econômica aumenta a vulnerabilidade externa do país por meio do que poderia se chamar de a economia política internacional do capital estrangeiro”. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 13-17.28 “A partir de uma maior integração financeira ocorrida nas décadas de 1980 e 1990, com a abertura financeira das economias, com o advento de novas tecnologias na área da informática e das telecomunicações e com a constituição dos chamados ‘mercados emergentes’, pode se observar a emergência de um novo ciclo nas finanças internacionais.Este novo ciclo é marcado pela liberdade com que grandes fluxos de capitais, muito superiores à produção de bens e serviços das economias, cruzam as fronteiras dos países de forma instantânea, em busca das melhores oportunidades de ganhos em taxas de juros e, sobretudo, com variações nas taxas de câmbio.Do imediato pós-guerra até a primeira metade da década de 1970, praticamente todos os países restringiam ou proibiam o livre fluxo de capitais estrangeiros, adotando controles de entrada e saída de moeda estrangeira. Somente a partir de meados da década de 1970, é que as economias desenvolvidas começam a adotar maior liberdade aos fluxos estrangeiros”. PUDWELL, Celso A. M. Fluxos de Capitais: Liberdade ou Controle? Disponível em: <http://www.brde.com.br/estudos_e_pub/2003-01FluxosdeCapitais.doc>. Acesso em: 20 jun. 2003.

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baseados nos mercados futuros e de ações29. As recentes revoluções da informática e das comunicações forneceram as bases tecnológicas para a criação e o aperfeiçoamento de um verdadeiro “cassino global”30.

Os números relacionados com os fluxos financeiros internacionais ganham cores dramáticas quando comparados com dados do avanço da pobreza em escala mundial. Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas - ONU31:

a) cerca de um bilhão e meio de pessoas (1/4 da população mundial) vivem na pobreza absoluta com rendimento inferior a um dólar por dia;

b) outros dois bilhões vivem com apenas o dobro do rendimento referido no item anterior.

29 “O que acontece nos mercados financeiros segue à risca uma lógica largamente comprovável e é provocado pelos próprios governos dos grandes países industrializados. Em nome da doutrina da intocabilidade do mercado livre, desde a década de 1970 eles vêm demolindo as cancelas que permitiam administrar o trânsito de dinheiro e ofluxo de capitais na passagem das fronteiras. Agora se queixam, como aprendizes de feiticeiro desnorteados por não poderem mais controlar os espíritos que eles e seus antecessores invocaram”. MARTIN, Hans-Peter e SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998, p. 70.Cf. Hans-Peter Martin e Harald Schumann na obra A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social, John Gray na obra Falso amanhecer: os equívocos do capitalismo global e Jurandi Borges Pinheiro na obra Direito Tributário e Globalização. Ensaio crítico sobre preços de transferência.30 “Embora tenham grande poder nos mercados financeiros, esses ‘administradores de dinheiro’ são cada vez mais afastados de funções empresariais na economia real. Suas atividades (que escapam da regulamentação do Estado) incluem transações especulativas no mercado de futuros e derivativos e a manipulação de mercados monetários. Os grandes operadores financeiros estão rotineiramente envolvidos em ‘depósitos de hot money, nos ‘mercados emergentes’ da América Latina e do Sudoeste Asiático, sem falar na lavagem de dinheiro e no estabelecimento de ‘bancos privados’ (especializados em ‘dar assessoria a clientes ricos’) em muitos paraísos bancários do exterior. O movimento diário de transações com divisas estrangeiras é da ordem de US$ 1 trilhão por dia, do qual apenas 15% correspondem efetivamente ao comércio de commodities e fluxos de capital. Nessa trama financeira global, o dinheiro transita em alta velocidade de um paraíso bancário no exterior para outro, na forma de transferências eletrônicas. Atividades comerciais ‘legais’ e ‘ilegais’ ficaram cada vez mais entrelaçadas e grandes somas de riqueza privada não-declaradas têm sido acumuladas”. CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 15-16.“A globalização pode ser definida como a interação de três processos ditintos, que têm ocorrido ao longo dos últimos vinte anos, e afetam as dimensões financeira, produtivo-real, comercial e tecnológica das relações econômicas internacionais. Esses processos são: a expansão extraordinária dos fluxos internacionais de bens,serviços e capitais; o acirramento da concorrência nos mercados internacionais; e a maior integração entre os sistemas econômicos nacionais.O primeiro processo refere-se à expansão extraordinária dos fluxos internacionais de bens, serviços e capitais. No caso dos fluxos de capitais, os dados mostram que os empréstimos internacionais mais o investimento de portfólio aumentaram de aproximadamente 400 bilhões em 1987 para 1,6 trilhões de dólares em 1996. Nesse período os empréstimos e os investimentos de portfólio cresceram a uma taxa média anual de aproximadamente 17%. De fato, houve uma extrordinária expansão dos fluxos de capitais em todo os mercados que compõem o sistema financeiro internacional (títulos, ações, empréstimos, financiamentos, moedas e derivativos) (...)A especificidade da globalização econômica do final do século XX consiste na simultaneidade dos processos de crescimento extraordinário dos fluxos internacionais, acirramento da concorrência no sistema internacional e integração crescente entre os sistemas econômicos nacionais. E, ademais, esse processo ocorre sem o contramovimento protecionista, intervencionista e regulador, que marcou, por exemplo, o final do século XIX. Essa especificidade é particularmente importante e, portanto, merece um nome específico: globalização”. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 24-28.31 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 33.

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Curiosamente, a completa liberdade dos fluxos financeiros internacionais contrasta com as profundas restrições presentes nas regras do “sistema de Bretton Woods”.

Segundo os registros da história econômica mais recente, os principais países vencedores da Segunda Guerra Mundial, reunidos nas montanhas do Estado americano de Wisconsin, localidade de Bretton Woods, ajustaram as premissas básicas de uma nova ordem econômica internacional. Duas definições se destacaram:

a) valia, para as moedas de todos os países, uma paridade fixa em relação ao dólar (garantido por reservas em ouro);

b) fiscalização estrita sobre as transações significativas com divisas.O sistema desenhado em Bretton Woods, no ano de 1944, sustentou

cerca de três décadas de estabilidade econômica, em contraponto às crises vivenciadas nas décadas de 1920 e 1930.

A partir de 1970, sob fortes pressões das elites financeiras, vários países, entre eles os Estados Unidos, a Alemanha e o Canadá, abandonaram os controles sobre os fluxos de capitais. As taxas de câmbio passaram a ser “negociadas” no mercado. Assim, o “sistema de Bretton Woods” literalmente caiu. Em levas sucessivas, outros tantos países caminharam para a referida liberdade econômica e financeira32.

Importa destacar uma das características fundamentais do mercado financeiro internacional na atualidade. Com efeito, apenas 2 (dois) a 3% (três por cento) dos negócios estão voltados para o financiamento da atividade econômica produtiva (indústria, comércio e serviços)33. A denominação “cassino global”, antes referida, não é inadequada. Afinal, dominam amplamente os mercados certos “jogos educados”34.

Nos contratos próprios destes “jogos”, os agentes econômicos envolvidos pagam uma pequena entrada e limitam o risco, por ocasião do vencimento, por intermédio de uma série de contratos paralelos. Forma-se, assim, um monumental mercado de derivativos35 divorciado

32 “Enfim, foi por ação política e legislação direcionada, da parte de goverrnos democraticamente eleitos, que se desenvolveu o sistema econômico hoje independente chamado ‘mercado financeiro global’, ao qual cientistas políticos e economistas já atribuem o caráter de ‘um poder superior’. As nações do mundo estão interligadas não tanto por ideologia, cultuta pop, cooperação internacional ou mesmo ecologia, como pela máquina de dinheiro dos bancos, seguradoras e fundos de investimento, unidos entre si por via eletrônica”. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 72.33 Cf. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 77.34 “Vamos apostar que o índice Dow Jones em um ano estará 250 pontos acima do nível de hoje. Do contrário eu pago ...”. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 77.35 “Um derivativo é um contrato definido entre duas partes no qual se definem pagamentos futuros baseados no comportamento dos preços de um ativo de mercado (normalmente as chamadas commmodities). Em resumo, podemos dizer que um derivativo é um contrato cujo o valor deriva de um outro ativo (...) Na Bíblia, Gênesis, capítulo 29, é possível encontrar o primeiro negócio de opções e o primeiro calote em derivativos. Quando Labão lançou uma opção de compra do ativo Raquel, sua filha, para Jacó, com preço de exercício de sete anos de trabalho. No vencimento da opção Jacó optou por exercer seu direito,

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do mundo da produção de bens e serviços36.O objetivo básico, ao se operar com derivativos, é conseguir ganhos

financeiros que compensem perdas em outras atividades econômicas. Assim, situações de prejuízos certos como a desvalorização cambial e as variações bruscas nas taxas de juros podem significar ganhos para quem protegeu os investimentos por meio de derivativos.

A força dos derivativos é tão grande que consegue mudar o perfil dos bancos na economia globalizada. Perdem importância com velocidade crescente as funções tradicionais de administração de poupanças e fornecimento de crédito para a atividade econômica produtiva. Paralelamente, ganham importância crescente os rendimentos obtidos no “jogo do mercado”37.

Em 1995, no âmbito da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE, foram iniciadas as conversações para a elaboração de um Acordo Multilateral de Investimentos – AMI. O ajuste em questão pretende estabelecer um marco jurídico para a regulação dos fluxos financeiros internacionais em tempos de globalização.

Para o Acordo Multilateral de Investimentos – AMI, em gestação38, a noção de investimentos é bastante elástica. Estariam incluídos, além do tradicional investimento externo direto, os “investimentos”:

porém Labão não entregou sua filha, primeiro default neste mercado”. WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Derivativo&oldid=1438070>. Acesso em: 10 abr. 2006.“Ademais, a instabilidade gerada pela ruptura do sistema de Bretton Woods, num primeiro momento, e pasl políticas monetária e cambial dos países desenvolvidos a partir de então, provocou um processo de inovação e adaptação institucional no sistema financeiro internacional. Nesse sentido, pode-se mencionar o desenvolvimento de novos instrumentos financeiros de proteção ante riscos e incertezas. O exemplo de maior destaque é o desenvolvimento do mercado de derivativos de moedas e taxas de juros, principalmente, a partir dos anos 80”. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 30.36 “Com os negócios de derivativos, ‘o mundo financeiro teria se desligado da esfera real’, julgou Thomas Fischer, que como chefe desse segmento em diversos bancos alemães, durante anos entrou na maratona do mercado. Juros básicos e outras relações econômicas objetivas estão perdendo terreno. O que mais conta é a expectativa, o jogo do sobe-e-desce. A faixa de oscilação de todas as cotações, no jargão financeiro chamada de ‘volatilidade’, aumentou drasticamente”. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 78.37 “O Deutsche Bank sozinho lucra anualmente com os derivativos quase 1 bilhão de marcos”. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 78.38 “As discussões a respeito do AMI têm sido bastante controversas. As organizações não-governamentais têm feito pressões crescentes no sentido de dar mais transparência às negociações e divulgação ao escopo e importância de compromissos políticos associados à adesão ao AMI. Ademais, vários países desenvolvidos (e.g., os EUA) não têm-se manifestado de forma firme quanto ao seu interesse no AMI. Isso pode ser explicitado pelo fato de que os EUA já têm acordos bilaterais (e.g., com o Brasil) e plurilaterais (e.g., com México e Canadá, no âmbito do NAFTA), que lhes asseguram os principais direitos mencionados no AMI. Outros países , como a França, parecem não estar inclinados a prosseguir com as negociações sobre o AMI. Neste sentido, consta que as maiores pressões para a aprovação do AMI têm origem na Holanda e na Grã-Bretanha, países onde as empresas multilaterais têm uma forte presença. Países como o Brasil, Argentina e Chile têm participado com observadores oficiais das negociações do AMI no âmbito da OCDE, aparentemente, com o intuito de aderir ao aocordo tão logo ele seja promulgado. Há ainda a possibilidade de se transferir as negociações do AMI do âmbito da OCDE para a OMC”. GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e Desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 211.

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a) de portfólio, de difícil delimitação, embora normalmente identificados com aplicações de curto prazo;

b) imobiliários;c) em qualquer tipo de ativo financeiro;d) em ativos intangíveis.Os objetivos principais do Acordo Multilateral de Investimentos – AMI

seriam:a) a liberalização, em escalas nunca vistas, dos fluxos de investimentos

estrangeiros;b) a proteção dos investimentos realizados;c) a fixação de procedimentos para a solução de conflitos entre os

Estados e os investidores estrangeiros.1.3.4. A nova divisão internacional do trabalhoA globalização configura uma nova divisão internacional do trabalho.

Enquanto as unidades de decisões estratégicas, de ordem política e econômica, permanecem sediadas fisicamente nos países centrais, os recursos para a produção são obtidos ao redor do mundo. São criados sistemas de produção extremamente flexíveis e dispensos em inúmeras operações em diversos países. As tecnologias de ponta, nos campos da comunicação e da informática, permitem “organizar” a cadeia produtiva em escala global.

As principais atividades econômicas relacionadas com a produção, a distribuição e o consumo estão organizadas em escala mundial de forma muito peculiar. Segundo Manuel Castells, as estruturas tradicionalmente hierarquizadas, vivenciadas no interior das organizações públicas e privadas, são substituídas, com enorme ganho de eficiência, por estruturas em redes39, desprovidas do traço de verticalidade próprio dos desenhos anteriores40.

39 “Ademais, à medida que novas tecnologias de geração e distribuição de energia tornaram possível a fábrica e a grande corporação como os fundamentos organizacionais da sociedade industrial, a Internet passou a ser a base tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação: a rede. Uma rede é um conjunto de nós interconectados”. CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a Internet, os Negócios e a Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 7.40 “Além disso, a Cisco também organiza sua produção on-line, um ambiente de fabricação em rede montado na forma de uma extranet, Manutacturing Connection Online (MCO), inaugurado em junho de 1999 e acessado por fornecedores, empregados da empresa e parceiros logísticos. Sendo uma das companhias industriais mais ricas do mundo, ela fabrica muito pouco por si mesma, tendo terceirizado mais de 90% de sua produção para uma rede de fornecedores autorizados. Mas a Cisco controla rigorosamente sua rede de fornecimento, integrando forncedores-chave a seus sistemas de produção, automatizando o roteamento de transferência de dados através de EDIs, automatizando a coleta de informação sobre dados de produto a partir dos fornecedores e descentralizando os procedimentos de testagem no ponto da produção, sob padrões e métodos rigorosamente controlados por engenheiros da Cisco. Assim, a Cisco é realmente um fabricante, mas baseado numa fábrica virtual, global, pela qual tem a responsabilidade final em termos de pesquisa e desenvolvimento, engenharia de protótipo, controle de qualidade e marca. (...) O modelo de empresa em rede, propelido pela Internet, não se restrige à indústria tecnológica. Está se expandindo rapidamente em todos os setores de atividades”. CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a Internet, os Negócios e a Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 61-63.

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José Eduardo Faria identifica e qualifica as profundas mudanças observadas na operacionalização da economia globalizada como uma verdadeira “desterritorialização da produção” na “economia-mundo”, marcada pela dispersão geográfica da produção com o objetivo de aproveitar as vantagens comparativas de cada local41.

Importa destacar que a consolidação de uma economia de mão-de-obra barata global, além de importante componente do processo de pauperização de amplas parcelas da população mundial, representa uma das fortes contradições e limitações da globalização em curso. Com efeito, a busca por novos mercados consumidores, em escala planetária, esbarra justamente na redução paulatina do poder de compra dos trabalhadores.

1.3.5. As políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de superação de conquistas sociais

A implantação de um conjunto de políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de superação de inúmeras conquistas sociais marcam a chegada da globalização. Estas políticas são conhecidas em seu conjunto como doutrina ou ideologia neoliberal. Elas estão baseadas na premissa básica de que o mercado deve regular a sociedade e, por via de conseqüência, o papel e a presença do Estado devem ser reduzidos42. O Estado não deve atenuar as desigualdades promovidas pelo mercado, mas assegurar a ordem fundada no livre comércio ou livre mercado. Admite-se, no máximo, que o Estado se ocupe de certas políticas compensatórias voltadas para setores sociais lançados na mais completa pobreza.

As principais diretrizes a serem observadas para o futuro da economia mundial, para as políticas de desenvolvimento econômico e particularmente para o papel do Estado nas relações sociais e econômicas são conhecidas, conforme referência anterior, como “Consenso de Washington”.

41 Cf. FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 34-87.42 Cf. Perry Anderson, a Sociedade de Mont Pèlerin, berço do pensamento neoliberal, tinha o “propósito de combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases para um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro”. Para Hans-Peter Martin e Harald Schumann em sua obra A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social: “A integração é acompanhada da ascensão de uma doutrina redentora da economia, que um exército de consultores econômicos constantemente leva à política: o neoliberalismo. Simplificando, eis a sua tese básica: o mercado é bom e interferências do Estado são ruins”.“Este ensaio abordará como grandes sistemas econômicos e políticos – a partir das pressões pecuniárias e políticas e dos modismos de nossa época – cultivam sua própria versão da verdade, que não tem, necessariamente, relação alguma com a realidade. Ninguém é particularmente culpado; tendemos a acreditar no que é conveniente. Deveriam estar atentos a esse fato todos os que estudaram economia, todos os que hoje são estudantes e todos os que têm algum interesse na vida econômica e política. É a ele servem – ou a ele não se opõem – os influentes interesses econômicos, políticos e sociais”. GALBRAITH, John Kenneth. A economia das fraudes inocentes: verdades para o nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 11.“A integração global é acmpanhada da ascensão de uma doutrina redentora da economia, que um exército de consultores econômicos constantemente leva à política: o neoliberalismo. Simplificando, eis sua tese básica: o mercado é bom e interferênias do Estado são ruins”. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 17.

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A implementação do “Consenso de Washington” contou (e conta) com a decisiva ação de certas agências multilaterais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional - FMI e a Organização Mundial do Comércio - OMC.

As diretrizes do “Consenso de Washington” aparecem nos cenários internos das sociedades subjugadas com denominações pomposas e forte apelo saneador: “política de ajustamento estrutural”, “política de estabilização macroeconômica”, entre outras43. Estas políticas envolvem medidas como:

a) liberalização de mercados;b) privatização de empresas estatais e dos serviços prestados por elas;c) “flexibilização” das relações entre o capital e o trabalho;d) redução e privatização dos sistemas de previdência social, dentro

de uma quadro mais amplo de enfraquecimento dos direitos sociais;e) reformas educacionais voltadas para a profissionalização em

detrimento da cidadania e introdução do pagamento direto, parcial ou total, nas instituiçõs públicas;

f) “independência” do Banco Central em relação às instâncias políticas legitimadas pelo voto popular, notadamente a parlamentar44.

A implementação das políticas do “Consenso de Washington” inviabiliza a construção de economias nacionais pelos países em desenvolvimento. A internacionalização das economias dos países “emergentes” cria “territórios econômicos abertos” munidos de importantes “reservas” de mão-de-obra barata e recursos naturais.

Segundo Michel Chossudovsky, temos uma verdadeira guerra econômica e financeira em curso. Trata-se, no entanto, de uma guerra em novos moldes ou novas bases. Não é mais preciso o uso da força militar, a invasão ou a ocupação física. A nova “conquista” envolve o controle, a distância, sobre os processos produtivos45.

1.3.6. O processo de cobrança de dívidas em escala mundialAs políticas social e econômica dos governos dos países menos

43 “O mesmo cardápio de austeridade orçamentária, desvalorização, liberalização do comércio e privatização é aplicado simultaneamente em mais de cem países devedores. Estes perdem a soberania econômica e o controle sobre a política monetária e fiscal; seu Banco Central e Ministério da Fazenda são reorganizados (frequentemente com a cumplicidade das burocracias locais); suas instituições são anuladas e é instalada uma ‘tutela econômica’. Um ‘governo paralelo’ que passa por cima da sociedade civil é estabelecido pelas instituições financeiras internacionais (IFIs). Os países que não aceitam as ‘metas de desempenho’ do FMI são colocados na lista negra”. CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 28.44 “Outra importante condição imposta pelo FMI é que ‘a independência do Banco Central seja mantida também em relação ao Parlamento’, ou seja, uma vez nomeados, os altos funcionários do Banco Central não têm de prestar contas nem ao governo nem ao Parlamento. Eles estão cada vez mais subordinados às IFIs. Em muitos países em desenvolvimento, são mesmo antigos integrantes dos quadros dessas instituições e dos bancos de desenvolvimento regionais”. CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 50.45 CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999, p. 289-290.

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desenvolvidos são afetadas em função de um processo bem definido de cobrança de dívidas em escala mundial.

O processo mencionado envolve as agências financeiras internacionais (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional - FMI e Organização Mundial do Comércio - OMC) que, operando segundo os interesses econômicos dominantes, supervionam e condicionam as economias nacionais. A rigor, impõem-se programas de ajustamento econômico estrutural como condições (as chamadas “condicionalidades”) para a renegociação das dívidas externas.

Cumpre registrar que os “programas de estabilização macroeconômica” definidos pelas agências financeiras internacionais para os chamados “países em desenvolvimento” produzem resultados sociais dramáticos, notadamente o empobrecimento de milhões de pessoas.

Mesmo os países desenvolvidos são envolvidos e aplicam o receituário gestado no interior das agências financeiras internacionais. As providências mais visíveis nestes países são os cortes de gastos sociais e a eliminação de benefícios conquistados ao longo de décadas e caracterizadores do do Estado de bem-estar social.

Michel Chossudovsky afirma e demonstra com firmeza esta triste realidade46. Boaventura de Sousa Santos também reconhece claramente a existência deste processo47. Hans-Peter Martin e Harald Schumann também constatam o perverso papel das agências financeiras internacionais48.

Michel Chossudovsky reconhece que as chamadas “condicionalidades”, manejadas com eficiência pelo Fundo Monetário Internacional - FMI e pelo Banco Mundial no âmbito dos processos de renegociação das dívidas externas, ampliaram seu raio de ação para outras searas das relações internacionais, notadamente na regulação do comércio internacional49.

46 “O FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC) são estruturas administrativas, são órgãos reguladores operando dentro de um sistema capitalista e respondendo a interesses econômicos e financeiros dominantes. O que está em jogo é a capacidade dessa burocracia internacional para supervisionar as economias nacionais por meio da deliberada manipulação das forças do mercado”. CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 12.47 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. <aqui>.48 “Para tanto, o FMI era o foro ideal, porque em seu comitê relator os governos do G-7 têm voz decisiva. Não importa onde o FMI tenha concedido créditos, isso sempre foi vinculado ao compromisso de tornar a respectiva moeda conversível e abrir o país à circulação internacional de capitais”. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 72.

49 “A imposição das prescrições políticas do FMI-Banco Mundial deixou de depender apenas dos acordos de empréstimo de nível nacional (que não são documentos ‘geradores de obrigação legal’). Muitas das cláusulas do PAE (por exemplo, a liberalização do comércio e o regime de investimento estrangeiro) foram inseridas de forma permanente nos artigos do acordo da OMC. Esses artigos têm servio de base para ‘controlar’ países (e impor ‘condicionalidades’) de acordo com a lei internacional”. CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 28.

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Deve ser destacado o papel das agências financeiras de rating. Estes organismos, com suas avaliações dirigidas aos investidores ou especuladores internacionais, conseguem interferir efetivamente na formulação de políticas internas dos Estados mais vulneráveis. Chossudovsky aponta exemplos emblemáticos desta realidade50.

1.3.7. Os movimentos (ou processos) globais paralelos A globalização, ou o processo da globalização, convive com movimentos

ou acontecimentos significativos em escala mundial. São processos históricos distintos, em suas causas mais remotas, mas profundamente entrelaçados, com inegáveis influências mútuas. Os mais relevantes destes processos são:

a) o fim da “guerra fria” entre a União Soviética e os Estados Unidos da América;

b) as profundas inovações nas tecnologias de comunicação e de informação;

c) a proclamação da democracia liberal como regime político universal51;

d) a imposição do mesmo modelo de lei de proteção da propriedade intelectual52.

Vale destacar o papel estratégico das inovações tecnológicas. Aliás, a nova economia é informacional porque, segundo inúmeros autores, a produtividade e a competitividade estão fundadas na capacidade de geração e de aplicação da informação baseada em conhecimento53.

50 “O rebaixamento de categoria da dívida consolidada da Suécia em 1995 pela Moody’s foi instrumental para a decisão do governo social-democrata de minoria de cortar programas de bem-estar social essenciais, entre eles a pensão das crianças e o seguro-desemprego. Da mesma forma, a classificação do crédito da dívida pública do Canadá pela Moody’s foi um dos principais fatores na adoção do PAE desse país em 1995-1996, que envolveu grandes cortes nos programas sociais e demissões de funcionários públicos”. CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 13.“Entre as agências anônimas do poder mundial do mercado financeiro, goza de especial influência aquela estabelecida em um prédio compacto de onze andares, situado em Nova York na Church Street, 99. A sombra das duas torres do World Trade Center, trabalham os 300 analistas bem remunerados da Moody’s Investors Service, a maior e mais solicitada consultoria de investimentos do planeta. Na parede do saguão de entrada, um relevo de mais de 12m2 banhado em ouro resume a filosofia da empresa: ‘Crédito é o sopro de vida no moderno sistema de livre comércio moderno. Contribuiu cerca de mil vezes a mais para a riqueza das nações do que as minas de metais preciosos possam ter proporcionado’. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 95.51 O fenômeno pode ser observado no Afeganistão e no Iraque. Nestes países, apesar do milenar legado histórico, os modelos de democracia liberal ocidental são postos ou impostos como paradigmas universais para o trato das relações políticas.52 Ver a nota 18.53 “..., o sistema global funciona em rede, ancorado em nódulos centrais que, apoiados nas novas tecnologias de comunicação e de informação, penetram em áreas cada vez mais recônditas do planeta, cristalizando no processo o domínio nos nódulos centrais sobre a imensa e crescente periferia (Castells, 1996). A novidade do sistema advém de ele se basear no controlo do conhecimento e da informação, pelo que a localização física dos agentes que comandam o processo é simultaneamente concentrada, isto é, tende a afluir nos nódulos centrais, e difusa, isto é, está dispersa, embora ligada permanentemente em rede a partir dos nódulos centrais a todos as crescentes áreas que vai integrando no sistema global (Sassen, 1994)”. BAGANHA. Maria Ioannis. A cada Sul o seu Norte: Dinâmicas migratórias em Portugal.

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As modernas tecnologias de comunicação e informação, além de viabilizarem os frenéticos movimentos internacionais de capitais especulativos:

a) permitem contatos diretos e instantâneos entre os locais de produção e as matrizes corporativas;

b) promovem uma extraordinária redução dos custos operacionais e dos custos das operações em escala mundial;

c) reduzem dramaticamente a necessidade de mão-de-obra em certos setores produtivos em função das técnicas de automação.

A democracia liberal como regime político universal cumpre o relevante papel de viabilizar um ambiente político que não ameaça os postulados básicos da globalização hegemônica. Em verdade, os mecanismos políticos tradicionais são instrumentalizados pelas forças do mercado, notadamente por intermédio da grande imprensa devidamente alinhada, para conformarem um quadro de legitimação formal do ambiente político-econômico voltado para nutrir os interesses globais dominantes54.

1.4. Os espaços jurídicos tradicionais e a globalizaçãoA globalização desferiu um poderoso golpe na formação dos espaços

jurídicos tradicionais. A crescente participação política no âmbito do Estado Social, territorialmente definido, conduziu a conquistas de inúmeros e variados direitos conhecidos como de segunda e terceira gerações. Ocorre que a globalização reduziu o espaço público de atuação política na medida em que alargou a importância do mercado55. As decisões políticas

In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 137.“O recurso econômico básico – ‘os meios de produção’, para usar uma expressão dos economistas – não é mais o capital, nem os recursos naturais (a ‘terra’ dos economistas), nem a ‘mão-de-obra’. Ele é e será o conhecimento. As atividades centrais de criação de riqueza não serão nem a alocação de capital para usos produtivos, nem a ‘mão-de-obra’ – os dois pólos da teoria econômica dos séculos dezenove e vinte, quer seja clássica, marxista, keynesiana ou neoclássica. Hoje o valor é criado pela ‘produtividade’ e pela ‘inovação’, que são aplicações do conhecimento ao trabalho”. DRUCKER, Peter. Sociedade Pós-Capitalista. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. p. XVI. 54 “Prejudicado pelos conflitos de interesses, o sistema de governo no Ocidente está em crise, como resultado de sua relação ambivalente com preocupações econômicas e financeiras privadas. Nessas condições, a prática da democracia nos países desenvolvidos tornou-se também um ritual. Nenhuma política alternativa é oferecida para os eleitores. Como em um Estado monopartidário, os resultados das urnas não têm virtualmente qualquer impacto sobre a real conduta da política econômica e social do Estado”. CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza: Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. p. 21.55 “Vimos ainda que na medida em que a participação política foi se incrementando no âmbito do Estado moderno, ou seja, quando o espaço político encontrava-se territorialmente delimitado pelas fronteiras do Estado, ocorreu, paralelamente, o crescimento das conquistas de direitos e da sua defesa.Na medida em que a globalização econômica e o neoliberalismo implementaram-se, ocorreu uma crescente interconexão em vários níveis da vida cotidiana a diversos lugares longínquos no mundo, tornando as fronteiras dos Estados obsoletas, resultando no retraimento da esfera pública, ampliando-se, de forma crescente, o espaço do mercado. Tal processo resultou na transnacionalização da esfera política, desterritorializando-se a política, consoante vimos no item anterior, ou seja, quando a política perde o seu referencial espacial delimitado, que constituía uma característica da política moderna e do Estado moderno.Essa situação desencadeou o declínio da participação política e outras conseqüências negativas no âmbito da política na contemporaneidade, conforme tivemos oportunidade de constatar no item anterior, bem como na conquista e na defesa dos direitos que foram obtidos ao longo de vários séculos de lutas”.

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globalizadas, tomadas para além das fronteiras nacionais, enfraqueceram a participação política e modelaram várias formas de exclusão social. Assistimos, nesta quadra histórica, a “dissipação”, a “flexibillização” e a “desregulamentação” de direitos duramente conquistados em décadas de lutas sociais56. As forças de mercado, notadamente em suas feições internacionais, reinam hegemônicas e com resistências políticas e sociais somente em fase inicial de articulação no cenário mundial.

Neste panorama, o direito, o marco jurídico, o marco regulatório, vem sendo moldado com grande facilidade para fornecer novos e úteis instrumentos formais para a consolidação e o desenvolvimento dos interesses do mercado transnacional57.

Fenômeno digno de nota no ambiente de globalização consiste na enorme visibilidade adquirida pela solução judicial dos mais agudos problemas políticos e sociais vivenciados pelas sociedades modernas. Seria, como sugere Boaventura de Sousa Santos, a manifestação de uma das máximas do “Consenso de Washington”: o primado do direito e da resolução judicial dos conflitos58.

Não obstante a importância do direito para a solução dos conflitos surgidos nos espaços sociais globalizados, identifica-se uma crescente

LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização Econômica, Política e Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 306. 56 “A sujeição às diretrizes do setor financeiro torna-se um assalto à democracia. Cada cidadão continua tendo um voto. Os políticos ainda precisam procurar obter um equilíbrio de interesses entre todas as camadas sociais para conseguir maioria, seja na Suécia, nos EUA ou na Alemanha. Após a eleição, entretanto, as decisões são tomadas com base no ‘direito de voto monetário’, como foi apelidado eufemisticamente pelos economistas.Não é nenhuma questão moral. Os administradores profissionais do dinheiro apenas cumprem sua tarefa, exigindo o máximo rendimento pelo capital que lhes foi confiado. Contudo, com sua atual supemacia, podem colocar a perder mais de cem nos de árduas lutas e conquistas sociais”. MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A Armadilha da Globalização. O assalto à democracia e ao bem-estar social. 3. ed. São Paulo: Globo, 1998. p. 100.Jagdish Bhagwati em sua obra Em Defesa da Globalização. Como a globalização está ajudando ricos e pobres afirma que os resultados benéficos são a “tendência central” da globalização. Atribui o sentimento antiglobalização a uma trilogia de insatisfações representada pelo anticapitalismo de vários matizes, pela direita nacionalista e pelo antiamericanismo.57 “O consenso sobre o primado do direito e do sistema judicial é uma das componentes essenciais da nova forma política do Estado e é também o que melhor procura vincular a globalização política à globalização económica. O modelo de desenvolvimento caucionado pelo Consenso de Washington reclama um novo quadro legal que seja adequado à liberalização dos mercados, dos investimentos e do sistema financeiro. (...) Nos termos do Consenso de Washington, a responsabilidade central do Estado consiste em criar o quadro legal e dar condições de efectivo funcionamento às instituições jurídicas e judiciais que tornarão possível o fluir rotineiro das infinitas interacções entre os cidadãos, os agentes económicos e o próprio Estado”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 43.58 “Este estado de coisas começou a mudar na década de oitenta e rapidamente os tribunais passaram a ocupar as primeiras páginas dos jornais, a sua actividade converteu-se numa curiosidade jornalística e os magistrados tornaram-se figuras públicas (...) Chamamos a este processo de despolitização, judicialização da política. Em terceiro lugar, esta judicialização da política, que foi, na sua génese, um sintoma da crise da democracia, alimentou-se desta. A legitimidade democrática que antes assentava quase exclusivamente nos órgãos políticos eleitos, o parlamento e o executivo, foi-se transferindo de algum modo para os tribunais”. SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da globalização. In: Boaventura de Sousa Santos (Organizador). A Globalização e as Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 87-88.

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dificuldade das ciências jurídicas, e das ciências sociais em escala mais ampla, de explicar e resolver adequadamente os problemas postos. Com efeito, as teorias e categorias jurídicas fundamentais atualmente em uso foram construídas tendo como referência básica as sociedades nacionais controladas por Estados relativamente fortes. Atualmente, com a força dos fenômenos e atores de índole internacional, as teorias existentes mostram-se insuficientes para o tratamento das novas realidades59.

2. AS CONSTATAÇÕES

O longo item 1 anterior é a primeira parte da minha dissertação de mestrado exatamente como escrita no ano de 2006.

O trabalho versou sobre AS REPERCUSSÕES DA GLOBALIZAÇÃO NA TRIBUTAÇÃO BRASILEIRA e suas principais conclusões são apresentadas nos próximos parágrafos.

2.1. Conclusões da dissertaçãoNa atualidade, o fenômeno da globalização assume importância

fundamental na busca de explicações para os processos sociais mais significativos. Não obstante a relevância do tema, identificam-se dificuldades de denominação, de "localização" histórica, de definição e de construção de um marco teórico para os estudos científicos.

O traço mais marcante da globalização é justamente a interferência nos assuntos e definições locais, regionais e nacionais de decisões adotadas fora destes âmbitos geográficos, mais precisamente no cenário mundial ou internacional.

As principais características da globalização são as seguintes: o enfraquecimento dos Estados nacionais, a ampliação e o fortalecimento do papel social desempenhado pelas empresas transnacionais, os movimentos

59 “Neste cenário altamente cambiante, o direito positivo – tal qual em sido entendido convencionalmente, como o ordenamento jurídico do Estado-nação – passou a enfrentar um dilema cruel: se permanecer preocupado com sua integridade lógica e com sua racionalidade formal, diante de todas essas mudanças profundas e intensas, corre o risco de não acompanhar a dinâmica dos fatos, de ser funcionalmente ineficaz e, por fim, de acabar sendo socialmente desprezado, ignorado, e (numa situação-limite) até mesmo considerado descartável; caso se deixe seduzir pela tentativa de controlar e disciplinar diretamente todos os setores de uma vida social econômica e política cada vez mais tensa, instável, imprevisível, heterogênea e complexa, substituindo a preocupação com sua unidade dogmática pels ênfase a uma eficiência instrumental, diretiva e regulatória, corre o risco de ver comprometida sua identidade sistêmica e, como consequência, de terminar sendo desfigurado como referência normativa. De que modo sair deste impasse? Por quanto tempo mais o direito positivo pode persistir nessa situação dilemática, uma vez que muitas das condições sociais, poíticas, econômicas e culturais que lhe deram origem já desapareceram ou estão em fase de desaparecimento? (...)Que dificuldades teóricas e que problemas analíticos essas mudanças podem trazer para um pensamento jurídico construído e organizado justamente em torno de conceitos, princípios e categorias como soberania, legalidade, validez, hierarquia das leis, direitos subjetivos, igualdade formal, cidadania, segurança e certeza? Até que ponto uma realidade em profunda e continua transformação, como a contemporânea, tem condições de ser apreendida pelos modelos doutrinários até agora prevalecentes no âmbito desse pensamento?” FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 9.

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transnacionais de capitais em volumes extraordinários, a nova divisão internacional do trabalho, as políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de superação de conquistas sociais e o processo de cobrança de dívidas em escala mundial.

Cumpre destacar que a globalização manifesta-se como um fenômeno essencialmente conflituoso. Seus traços mais salientes revelam um processo dominante ou hegemônico em convívio com iniciativas de resistência contra-hegemônica.

Identificam-se movimentos (ou processos) globais paralelos e com influências recíprocas no fenômeno da globalização. Os mais relevantes são: o fim da “guerra fria” entre a União Soviética e os Estados Unidos da América, as profundas inovações nas tecnologias de comunicação e de informação, a proclamação da democracia liberal como regime político universal e a imposição do mesmo modelo de lei de proteção da propriedade intelectual.

A globalização desferiu um poderoso golpe na dinâmica dos institutos jurídicos tradicionais ao reduzir o espaço público de atuação política na medida em que alargou a importância do mercado.

A globalização conduziu a inserção internacional ao centro das preocupações tributárias. Identificam-se inúmeros conseqüências e ações no campo da tributação em decorrência dos vários fatores determinantes da globalização. Trata-se de um fenômeno que pode ser denominado de globalização tributária.

Na seara da globalização tributária podem ser destacados os seguintes acontecimentos principais: a tendência de redução das cargas tributárias nacionais com perversas conseqüências sociais, a regulação dos países com tributação favorecida ou “paraísos fiscais”, o tratamento dos “preços de transferência”, a preocupação com o planejamento tributário internacional, a proliferação dos tratados internacionais em matéria tributária, a tributação da renda em bases universais, a formação de blocos econômicos e a aproximação tributária realizada no interior deles, a idéia da Taxa Tobin para tributar as transações financeiras internacionais e o fenômeno do nomadismo fiscal.

Um dos principais e mais perversos traços da globalização tributária consiste na crescente injustiça e regressividade dos sistemas tributários. Com efeito, a diferenciação da carga tributária por segmentos econômicos considera, agora, o âmbito geográfico de atuação do agente econômico. Os atores globalizados, pelo uso dos mais variados expedientes, notadamente com viés internacional, suportam uma tributação relativamente menor que os atores não globalizados, sujeitos, ademais, ao controle mais estrito dos Estados nacionais.

O Estado brasileiro adotou, em decisões governamentais conscientes, notadamente porque consagradas em medidas legislativas, os principais cânones da globalização tributária.

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Por um lado, o legislador incorporou na ordem jurídica brasileira uma série de instrumentos, já consagrados no plano internacional, para combater os aspectos mais negativos, sobretudo quanto à erosão dos fluxos fiscais, da competição tributária internacional. Nesta linha, foram consagrados: a tributação em bases universais, o tratamento dos “preços de transferência”, a regulação dos dos “paraísos fiscais”, a adoção de uma norma geral antielisiva e a participação em inúmeros tratados internacionais versando sobre matéria tributária. Identifica-se, ainda, a presença do Estado brasileiro num difícil processo de aproximação tributária no âmbito do MERCOSUL.

Por outro lado, a regressividade do sistema tributário brasileiro em ambiente globalizado foi definida e acentuada com base em explícitos mecanismos de favorecimento fiscal para os segmentos econômicos com maior capacidade contributiva e nitidamente com atuação globalizada. Destacam-se, para alcançar este objetivo, os seguintes expedientes legais: os “juros sobre o capital próprio”, a isenção da distribuição de lucros e dividendos e da remessa de lucros para o exterior, a tributação exclusiva na fonte sobre as várias formas de rendimentos de capital, a isenção da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira – CPMF nas mudanças de investimento no sistema financeiro, a isenção do Imposto de Renda – IR e da da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira – CPMF para investidores estrangeiros e a oneração tributária do trabalho no âmbito da regulação da não-cumulatividade da COFINS e do PIS/PASEP.

Constata-se, no tocante ao perfil da carga tributária brasileira, a preponderância da pressão fiscal sobre o consumo e os rendimentos decorrentes do trabalho. Já os rendimentos do capital e o patrimônio restam beneficiados na tributação.

É preciso, ainda, destacar que o enorme esforço fiscal exigido preponderantemente dos setores mais despossuídos e não globalizados financia os compromissos financeiros do Poder Público para com credores do sistema financeiro nacional e internacional. Assim, o modelo financeiro-tributário construído no Brasil sob os influxos da globalização viabiliza a transferência de enormes quantidades de riquezas dos setores mais desvalidos da sociedade para os segmentos econômicos mais privilegiados por intermédio do pagamento de encargos financeiros (juros e amortizações da dívida interna e externa).

Portanto, a pesquisa, a sistematização e o estudo empreendidos confirmam as hipóteses levantadas na introdução deste trabalho.

Para a hipótese 1, no sentido de que “as recentes alterações processadas na legislação tributária brasileira relacionadas com fatos econômicos de perfil internacional foram adotadas de forma reflexa, ou seja, como incorporação na ordem jurídica brasileira de definições desenvolvidas pelos países desenvolvidos”, restou claro que o legislador brasileiro incorporou fórmulas desenvolvidas em outros países, cuidadosamente gestadas,

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sugeridas e impostas por organismos internacionais representativos dos interesses centrais do capitalismo atual.

Para a hipótese 2, no sentido de que “as modificações operadas atingiram de forma distinta os vários agentes econômico-sociais, privilegiando certos segmentos em detrimento de outros”, também restou comprovado que o legislador introduziu instrumentos tributários na ordem jurídica brasileira, alguns originais, em claro benefício de segmentos econômicos com maior capacidade tributária e trânsito no mundo globalizado. Em contraponto, os segmentos não globalizados da sociedade brasileira, notadamente os consumidores e os trabalhadores, não favorecidos pelos benefícios tributários, suportam uma carga tributária fortemente injusta.

2.2. Outra importante conclusão Existe uma outra fundamental conclusão decorrente do trabalho

intelectual realizado. Trata-se da constatação de que os mais profundos avanços libertários do ser humano não serão possíveis nos marcos do atual capitalismo financeiro internacional (cuja faceta mais recente é identificada como globalização).

Os inúmeros mecanismos descritos no trabalho (e outros não abordados diretamente) são estruturas básicas do modelo socioeconômico vigente (ou modo de produção). São os principais e mais poderosos instrumentos realizadores, em escala planetária, de injustiças sociais, explorações, degradações e praticamente todos os demais processos nocivos observados na atualidade.

Assim, um novo estádio de desenvolvimento humano reclama o desmonte desses instrumentos e, portanto, a superação do modelo socioeconômico atualmente vigente (o capitalismo financeiro de caráter internacional fundado predominantemente na acumulação de dinheiro e obtenção de lucros por intermédio do mercado financeiro e seus produtos, representados por ações, títulos, derivativos e câmbio).

A nova sociedade surgida da superação do capitalismo financeiro internacional será uma sociedade socialista e democrática. O mercado e a perversa mercantilização das relações humanas não serão os valores dominantes. Essa nova sociedade surgirá quando as condições sociais, políticas e econômicas estiveram postas. A história humana registrará o momento da virada.

O novo modelo de sociedade deverá ser construído sob o império das mais caras liberdade humanas, conquistas universais inafastáveis. Não é admissível ou aceitável substituir a opressão sufocante do capital por qualquer outro tipo de dominação espúria. Os erros do passado são profundas lições a serem permanentemente lembradas na trajetória de construção de uma sociedade verdadeiramente plural, libertária, justa, fraterna e emancipadora de todos os potenciais humanos, atualmente tolhidos pela hegemonia dos valores decorrentes do capital.

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Não existem fórmulas prontas e acabadas. A construção do socialismo com liberdade é um processo que exigirá o melhor das energias criativas dos trabalhadores do campo e da cidade, da juventude, da intelectualidade progressista e das classes médias mais consequentes. Será preciso conformar inovadoras formas coletivas de organização das forças produtivas e das relações de produção.

O futuro, na forma de um socialismo efetivamente democrático, descortinará a mais bela página da utopia humana. Será um tempo sem senhores, poderosos, bilionários, exploradores e opressores de qualquer tipo. Vale a pena lutar por ele ...

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Currículo resumido

I. DADOS PESSOAIS

Nome: Aldemario Araujo CastroPai: Audemaro Araujo SilvaMãe: Janice Araujo CastroCompanheira: Luciana Hoff

Filhos:Amanda Feitosa CastroCarolina Araujo Castro FeitosaGabriel Araujo Castro Feitosa

Enteadas:Catarina Hoff VieiraVictoria Hoff Corrêa

Data de nascimento: 30 de abril de 1966Local de nascimento: Maceió, Alagoas

II. ATIVIDADES ATUAIS

l Procurador da Fazenda Nacional (desde junho/1993) l Professor da Universidade Católica de Brasília - UCB (desde fevereiro/2001) Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB (desde fevereiro/2013) l Editor da Revista da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN (desde 2011)

III. ATIVIDADES ANTERIORES

l Advogado-Geral da União (Interino, de 2 a 7/janeiro/2008) l Corregedor-Geral da Advocacia da União (de abril/2007 a outubro/2009) l Procurador-Geral Adjunto da Fazenda Nacional (de abril a outubro/2003) l Coordenador-Geral da Dívida Ativa da União da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional do Ministério da Fazenda (de abril/1999 a fevereiro/2001) l Presidente da Comissão Nacional de Advocacia Pública do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB (de março/2013 a fevereiro/2014)

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l Coordenador do Curso de Especialização (a distância) em Direito do Estado da Universidade Católica de Brasília Virtual - UCB Virtual (2006 a 2008) l Membro do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União (de abril/2002 a abril/2004 e de abril/2007 a outubro/2009) l Vice-Presidente do Conselho de Administração da Fundação Assistencial dos Servidores do Ministério da Fazenda - ASSEFAZ (1998/2003) l Procurador-Chefe da Fazenda Nacional em Alagoas (de fevereiro/1994 a maio/1998) l Presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional - SINPROFAZ (de julho/2004 a junho/2005) l Diretor do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional - SINPROFAZ (2001/2003)

IV. TÍTULOS ACADÊMICOS

l Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL l Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília - UCB

V. CONDECORAÇÕES

l Medalha do Pacificador (Exército Brasileiro)

VI. EXPOSITOR

l Expositor em mais de 100 (cem) palestras, conferências, congressos, cursos, debates e congêneres

VII. AUTOR

l Autor de mais de 200 trabalhos escritos entre textos, artigos, capítulos de livros e livros

VIII. PRESENÇA NA INTERNET

l Site (ativo desde novembro/1997): http://www.aldemario.adv.br l E-mail: [email protected] Facebook: http://www.facebook.com/aldemario.araujo