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Identificação de Processos de Fraturamento no Concreto Estrutural Wang Tai Kang Túlio Nogueira Bittencourt Laboratório de Mecânica Computacional (LMC) Departamento de Engenharia de Estruturas e Fundações Escola Politécnica da USP Resumo Neste trabalho será abordada, inicialmente, a importância do emprego de diferentes níveis de observação para a análise de processos de fraturamento no concreto. Em seguida, serão apresentados seus principais mecanismos de fraturamento, sob compressão uniaxial, tração uniaxial (modo I), cisalhamento dentro do plano (modo II), modo misto (modo I e II), cisalhamento fora do plano (modo III) e estado múltiplo de tensão. Por fim, será discutido o modelo reticulado da microestrutura (Lattice Model) que é uma ferramenta poderosa para a visualização e simulação numérica, de forma realística, do fenômeno de fissuração progressiva até o colapso. O modelo reticulado simula bem os mecanismos de fraturamento e apresenta diversas vantagens sobre o modelo coesivo. O desenvolvimento desse modelo pode, ainda, guiar experimentos numéricos e físicos da macroestrutura. 1. Diferentes níveis de observação O concreto é um material de múltipla escala, constituído por cimento, areia, agregados, água e, às vezes, alguns aditivos misturados para formar um material sólido. A figura 1 mostra os diferentes níveis de observação sobre o concreto. Nota- se que na escala nanométrica (10 -9 m), pode-se distingüir a estrutura atômica de cimento e agregados. Na escala micrométrica (10 -6 m), é possível identificar grãos individuais de cimento, isto é, antes de endurecimento do cimento podem ser observados os grãos de cimento não-hidratados, enquanto no estado de endurecimento são visíveis os grãos de silicato de cálcio e hidróxido de cálcio. Nessa escala, pode ser observada ainda a estrutura complexa de poros. Na escala milimétrica (10 -3 m), podem ser distingüidas as partículas individuais de areia e agregados. Poros grandes podem ser encontrados também, e a interação entre as partículas de agregado e a pasta de cimento é uma das características básicas nesse nível de observação. Na escala métrica (10m), tem-se a escala de laboratório onde são executados os experimentos com o concreto (simples ou armado). Nesse nível nenhuma estrutura interna pode ser reconhecida e o material é assumido como apresentando propriedades idênticas em todos os pontos do corpo de prova ou da estrutura. Para escalas ainda maiores (de 10 2 a 10 3 m), encontram-se as estruturas correntes de construção na engenharia civil.

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Identificação de Processos de Fraturamento no Concreto Estrutural

Wang Tai Kang

Túlio Nogueira Bittencourt

Laboratório de Mecânica Computacional (LMC) Departamento de Engenharia de Estruturas e Fundações

Escola Politécnica da USP Resumo

Neste trabalho será abordada, inicialmente, a importância do emprego de diferentes níveis de observação para a análise de processos de fraturamento no concreto. Em seguida, serão apresentados seus principais mecanismos de fraturamento, sob compressão uniaxial, tração uniaxial (modo I), cisalhamento dentro do plano (modo II), modo misto (modo I e II), cisalhamento fora do plano (modo III) e estado múltiplo de tensão. Por fim, será discutido o modelo reticulado da microestrutura (Lattice Model) que é uma ferramenta poderosa para a visualização e simulação numérica, de forma realística, do fenômeno de fissuração progressiva até o colapso. O modelo reticulado simula bem os mecanismos de fraturamento e apresenta diversas vantagens sobre o modelo coesivo. O desenvolvimento desse modelo pode, ainda, guiar experimentos numéricos e físicos da macroestrutura.

1. Diferentes níveis de observação

O concreto é um material de múltipla escala, constituído por cimento, areia, agregados, água e, às vezes, alguns aditivos misturados para formar um material sólido. A figura 1 mostra os diferentes níveis de observação sobre o concreto. Nota-se que na escala nanométrica (10-9m), pode-se distingüir a estrutura atômica de cimento e agregados. Na escala micrométrica (10-6m), é possível identificar grãos individuais de cimento, isto é, antes de endurecimento do cimento podem ser observados os grãos de cimento não-hidratados, enquanto no estado de endurecimento são visíveis os grãos de silicato de cálcio e hidróxido de cálcio. Nessa escala, pode ser observada ainda a estrutura complexa de poros. Na escala milimétrica (10-3m), podem ser distingüidas as partículas individuais de areia e agregados. Poros grandes podem ser encontrados também, e a interação entre as partículas de agregado e a pasta de cimento é uma das características básicas nesse nível de observação. Na escala métrica (10m), tem-se a escala de laboratório onde são executados os experimentos com o concreto (simples ou armado). Nesse nível nenhuma estrutura interna pode ser reconhecida e o material é assumido como apresentando propriedades idênticas em todos os pontos do corpo de prova ou da estrutura. Para escalas ainda maiores (de 102 a 103m), encontram-se as estruturas correntes de construção na engenharia civil.

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Figura 1: Diferentes escalas de observação usadas na ciência de materiais Na área de engenharia e ciência dos materiais, usualmente empregam-se três

diferentes níveis estruturais, denominados de micro, meso e macro nível. Esses três níveis de observação são apresentados na figura 2, distingüindo as características importantes para cada nível de observação. Por exemplo, no micro nível, a estrutura interna de cimento e a pasta de cimento endurecida são as características mais relevantes, enquanto no meso nível, as partículas da estrutura tornam-se mais importantes. Nesse nível pode-se notar que a natureza heterogênea do material provoca concentração local de tensões e a existência de poros e impurezas no material reduz a resistência do material. No macro nível, nenhuma estrutura interna do material pode ser reconhecida, exceto para o concreto armado onde a armadura é geralmente levada em consideração.

Figura 2: Definição de (a) micro-, (b) meso-, e (c) macro-nível para concreto Na abordagem desses três níveis de observação, é normalmente assumido que o

comportamento num nível pode ser explicado em termos da estrutura observada no nível inferior. Por exemplo, na micro escala, conhecimentos sobre a estrutura de hidratados de cálcio-silicato, a estrutura porosa do cimento endurecido e a interação entre o cimento e água ajudam a esclarecer os fenômenos de fluência e retração do concreto. Além disso, o conhecimento sobre o comportamento mecânico da zona de transição interfacial entre agregados e a pasta de cimento, muito importante no meso nível, também pode ser obtido considerando detalhadamente a estrutura interna da pasta de cimento endurecido. Ainda, um estudo sobre interações entre a pasta de cimento e agregados, assim como interações mútuas entre agregados no meso nível, ajudam a compreender melhor o comportamento mecânico do concreto .

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2. Comportamento mecânico de concreto 2.1 Compressão uniaxial em concreto

Quando um corpo de prova de concreto é submetido a compressão axial, a curva de tensão-deformação apresenta um ramo ascendente, seguido por um pico que é conhecido como a resistência de compressão do concreto e finalmente um ramo descendente ou ramo de amolecimento (figura 3).

Figura 3: Curvas de tensão-deformação na compressão uniaxial Embora a parte inicial da curva pareça quase reta, medições mais detalhadas

mostram que existe uma ligeira curvatura desde o início de carregamento. Pois, devido aos processos de retração e endurecimento do cimento, surgem concentrações de tensões de tração na interface entre agregados e a pasta de cimento que causam microfissuras e essas microfissuras podem se propagar quando estiverem sujeitas a carregamentos externos, por menor que seja a carga. As observações experimentais mostram que essas microfissuras aparecem inicialmente na interface. Em seguida, se propagam dentro da pasta e formam macrofissuras contínuas quando a carga se aproxima da resistência de compressão.

2.1.1 Microfissuras e micromecanismo do concreto sob carregamento uniaxial de compressão

Uma das tentativas para explicar o micromecanismo sobre o crescimento de (micro)fissuras foi feito por Vile [Vile, 1968]. A situação é uma partícula de agregado embutida numa matriz mole, como mostra a figura 4a. Duas fissuras na interface foram desenvolvidas, provavelmente devido à retração diferencial. Como a matriz tem uma rigidez inferior à dos agregados, o material tende a “fluir” em torno da partícula. As microfissuras na zona de interface entre cimento e agregados são estáveis e só vão se propagar quando a carga externa for aumentada.

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Figura 4: (a) Compressão aplicada sobre uma partícula de agregado imersa na matriz

mole, (b) elemento de ruptura encontrado após ensaio de compressão uniaxial A figura 4a mostra o mecanismo de fraturamento. Primeiro, há fissuras de

quebras de ligações (de-bonding) entre a matriz e o agregado, provavelmente formadas durante o endurecimento do concreto. Em seguida, dependendo do fluxo da pasta em torno da partícula de agregado, as fissuras de quebras de ligação poderiam ficar sujeitas a carregamentos laterais de separação (splitting) e começarem a propagarem-se. A propagação só para quando são alcançados cones carregados triaxialmente, e a fratura pode originar-se pela extensão de fissuras de cisalhamento inerente do material (en-echelon) através da pasta. Isso já foi confirmado pelas observações experimentais, como mostra a figura 4b.

O modelo acima citado é ainda limitado, pois considera apenas o comportamento de uma única partícula rígida dentro de uma matriz mole. A situação poderia ser bem diferente quando for levado em consideração o composto inteiro, já que interações entre as partículas individuais de agregados ocorrem. Na figura 5, é mostrado um conglomerado de partículas de agregados, interagindo entre si.

Figura 5: (a) transferência de carga numa pilha de partículas, (b) forças laterais de separação entre quatro partículas e (c) resultado de experimento fotoelástico.

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Nesse caso, o concreto pode ser considerado como um grupo de partículas esféricas, e quando for aplicada uma tensão externa de compressão, serão desenvolvidas forças laterais de separação dentro da estrutura. Experimentos sobre discos de material fotoelástico tem mostrado que, de fato, ocorrem grandes concentrações de tensões na superfície de contato entre as diversas partículas. Em princípio, este modelo explica o aparecimento das forças laterais de separação e também as deformações laterais grandes que poderiam surgir nos testes de compressão uniaxial de concreto.

Como é sabido, microfissuras iniciais podem ocorrer devido à retração diferencial, exudação e segregação durante o lançamento. As camadas fracas desenvolvem-se preferencialmente sob as partículas de agregados maiores. Observa-se que a rigidez inicial pode ser diferente quando a direção de carregamento em relação à de lançamento for diferente (paralela ou perpendicular). A figura 6a mostra o efeito da direção de carregamento sobre as curvas de tensão-deformação para um concreto de média resistência sob carregamento uniaxial. Podem ser observadas diferenças na rigidez inicial e no comportamento pré-pico, ou seja, quando o carregamento for aplicado paralelamente à direção do lançamento, o crescimento de fissuras é mais demorado.

Figura 6: (a) Efeito da direção de lançamento de concreto em relação a direção de carrega- mento sobre o diagrama de tensão-deformação em compressão, (b) micromecanismo que explica o efeito de anisotropia inicial em concreto

Esse mecanismo pode ser explicado no meso nível, como indica a figura 6b. Quando o carregamento for aplicado paralelamente à direção de lançamento, a orientação de microfissuras é muito desfavorável à propagação de fissuras nessa direção. Em contraste, quando o carregamento for aplicado perpendicularmente à direção de lançamento, as fissuras são orientadas de forma mais vulnerável à propagação de fissuras, portanto, as fissuras se propagam mais rapidamente. Apesar desse fato, parece não haver muita influência sobre a tensão de pico ou a resistência de compressão.

Há, também, outros fatores que podem, efetivamente, afetar o comportamento do concreto sob compressão uniaxial, por exemplo, a qualidade do concreto.

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2.1.2 Comportamento pós-pico e localização das deformações

A figura 7a apresenta diversas curvas de tensão-deformação para um concreto de

média resistência (40MPa). Foram empregados prismas de diferentes taxas de esbeltez (h/d = 0.5, 1.0 e 2.0), onde h é altura do corpo de prova e d o diâmetro do corpo de prova (d = 100mm), submetidos a compressão uniaxial. Observa-se que antes do pico, as curvas são quase idênticas, mas depois do pico, as curvas apresentam inclinações decrescentes a medida que reduz a altura do corpo de prova.

Figura 7: (a) Efeito de esbeltez h/d (d = 100mm) sobre o diagrama de tensão-deformação, (b)

Fenômeno de localização no regime pós-pico Uma explanação para esse fenômeno pode ser obtida se as curvas pós-pico

forem plotadas como curvas de tensão e deslocamento. Os deslocamentos são calculados de seguinte forma: δ = εh - εpicoh. A figura 7b indica que o deslocamento necessário para fraturar os corpos de prova é praticamente igual. Em outras palavras, o processo de deformação pós-pico se localiza numa pequena zona, e não deve ser interpretado como deformação pontual (strain). Esse fenômeno de localização implica que a deformação pontual não pode mais ser usada como variável de estado nas leis constitutivas para o concreto e sim o deslocamento (δ). A localização do processo de deformação acontece pois a fratura ocorre por meio de desenvolvimento de planos inclinados de cisalhamento nos corpos de prova.

2.2 Tração uniaxial em concreto

Muitos processos descritos acima para a compressão uniaxial podem ser aplicados, também, para a tração uniaxial. Quando o concreto foi inicialmente usado como um material estrutural, não foi levada em consideração a sua resistência à tração, e por isso não foi dada a devida atenção para o mecanismo de fraturamento do concreto sob tração uniaxial. De fato, a resistência de tração é muito baixa em comparação com a de compressão (ft < fc/10). Porém, a introdução dos conceitos da Mecânica do Fraturamento e o avanço dos métodos numéricos tem alterado completamente este quadro.

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2.2.1 Microfissuras e micromecanismo

Quando um corpo de prova de concreto é submetido à tração uniaxial, o diagrama de tensão-deformação pode ser obtido, como mostra a figura 8. O diagrama apresenta, também, um ramo ascendente, um pico que corresponde à resistência de tração e um ramo descendente ou ramo de amolecimento.

Figura 8: Diagrama de tensão-deformação no ensaio de tração uniaxial

Petersson confirmou no seu estudo o fenômeno de localização nos ensaios de

tração uniaxial, e descobriu também que a largura da zona localizada depende da estrutura interna do material. Materiais com grãos maiores apresentam zonas mais amplas que os com grãos refinados, pois materiais com grãos maiores consomem mais energia. Além disso, também pode-se assumir que as microfissuras já estão presentes antes mesmo da aplicação do carregamento.

O processo de fraturamento sob tração uniaxial só se tornou mais claro depois do emprego da técnica de impregnação a vácuo e do microscópio óptico. A técnica de impregnação a vácuo permite monitorar o desenvolvimento de fissuras internas nos corpos de prova. Porém, ela é limitada e só pode detectar macrofissuras contínuas em contato com a superfície exposta do corpo de prova.

Os corpos de prova para ensaio de tração uniaxial são geralmente placas com um corte lateral. Dessa forma, a iniciação da propagação da fissura ocorre num local conhecido. As observações experimentais mostram que o crescimento das fissuras começa do lado do corte e se propaga para o lado intacto. A figura 9 mostra um gráfico da queda de carregamento (isto é, o carregamento máximo ou de pico menos o carregamento residual no regime pós-pico) em função da área fissurada. Observa-se que quando a área fissurada atinge a 100%, o corpo de prova pode ainda suportar um carregamento de até 20% da resistência do material para concretos de 16mm (diâmetro máximo de agregado). Isso indica claramente que o dano não é contínuo.

Figura 9: Queda de carregamento em função da área fissurada para experimentos de impregnação sobre argamassa (2mm) e concreto (16mm)

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Observando mais detalhadamente a geometria da fissura em ω = 100µm, onde ω é a abertura de fissuras (figura 10), pode-se notar que neste estágio os corpos de prova já estão totalmente fissurados, mas as tensões residuais não são nulas. Os quatro detalhes de fissuramento deixam claro que as fissuras não são contínuas, mas existem superposições (overlaps) e ramificações (branches). O aparecimento dessas superposições de fissuras não é um evento isolado, e já foi detectado em grande número de ensaios. O tipo de superposição observada na figura 10 é conhecida como “ligações entre as faces das microfissuras” (crack face bridges). Essencialmente, as duas faces fissuradas são conectadas pelo ligamento entre as pontas de fissuras (por meio de partícula de agregados, por exemplo). Dessa forma, permite a transferência de carregamento entre as faces fissuradas. O mecanismo é mostrado sistematicamente na figura 11, onde as fissuras individuais aproximam-se uma a outra, mas invés de unirem-se, elas parecem estar evitando se aproximarem uma à outra. A fratura final acontece quando uma das pontas da fissura propaga e se une com a segunda.

Figura 10: Exemplos de ligações entre as faces das fissuras com ω = 100µm em argamassa de

2mm (a), concreto normal de 16mm (b), concreto de alta resistência (c) e concreto leve (d)

O mecanismo de superposição, também, foi confirmado com o uso do microscópio ótico. Esse comportamento pode, também, ser observado para outros materiais frágeis e heterogêneos.

Figura 11: Mecanismo de superposição de fissuras em concreto (a) e ruptura final (b)

Resumindo, o mecanismo de crescimento de fissura do modo I em concreto está

ilustrado na figura 12, onde o fraturamento apresenta as seguintes características: microfissuração distribuída, zonas de superposições e ramificações e finalmente macrofissuração. A figura mostra também que a definição da ponta de fissura é extremamente difícil. Os estudos experimentais não dão evidência sobre a existência de tensão de atrito dentro do concreto.

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Figura 12: Identificação de mecanismos no fraturamento do modo I

Há outros fatores que podem influenciar o amolecimento na tração, por exemplo: tamanho e tipo de partículas, taxa de água/cimento, porosidade e condições de cura, etc.

2.3 Cisalhamento no concreto

Em estruturas de concreto, a força cortante também é importante, e em princípio pode ser considerada como um estado de tensão bi-axial de tração-compressão. Isso pode ser observado por uma simples rotação de eixos de coordenadas.

Basicamente, há duas abordagens sobre o fraturamento no cisalhamento. Uma delas origina-se da Mecânica do Fraturamento Elástico Linear Clássico, onde assume-se que uma fissura deve iniciar-se e propagar-se sob tensão de cisalhamento uniforme. Baseando-se nessa hipótese, Bazant e Pfeiffer [Bazant, 1986] definiram uma fissura de cisalhamento como mostrada na figura 13a. Na ruptura, as fissuras inclinadas se juntam para formar um plano de cisalhamento. Uma segunda abordagem é uma extensão do modelo de fissura fictícia não-linear de Hillerborg para cisalhamento. Nessa abordagem, uma zona de processos – originalmente definida como uma região de microfissuração distribuída em frente da macrofissura – é submetida ao cisalhamento no plano (figura 13b). Uma terceira situação ocorre quando a zona de cisalhamento não é suficientemente confinada, isto é, quando se desenvolve um estado de tensão do modo misto. Nesse caso, a fissura não apresenta mais linearidade e se propaga numa trajetória curva (figura 13c). De fato, no modo II, o desenvolvimento de fissura deve ser confinado a um plano.

Como já foi comentado, na abordagem da MFEL de Bazant e Pfeiffer, a idéia é que a propagação de fissuras é confinada a uma região estreita, preferencialmente a uma linha. Porém, Ingraffea e Panthaki levantaram dúvidas sobre o fraturamento do Modo II puro. Pois, de acordo com as suas observações experimentais, duas fissuras foram desenvolvidas a partir dos cortes superior e inferior do corpo de prova como mostram as figuras 14a e 14b. Observações similares foram feitas por Swartz e Taha [Swartz, 1990]. Nos experimentos deles, as fissuras curvas foram mais próximos entre si devido ao confinamento lateral da viga (figura 14c).

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Figura 13: Crescimento de fissura do modo II por juntar microfissuras inclinadas do modo I (a), zonas de processo sujeita a cisalhamento (b), e propagação de fissuras curvas sobre

modo misto (modo I e II) (c)

Além disso, Ingraffea e Panthaki ainda concluiu, a partir das análises numéricas que quando as fissuras curvas foram totalmente desenvolvidas, uma fissura inclinada de tração de separação (splitting) levaria a ruptura completa da estrutura (figura 14). Então, em resumo, fissuras curvas do modo I (ou talvez do modo misto de I e II) se desenvolvem a partir dos cortes e as fissuras de tração de separação (no modo I) finalmente leva à ruptura completa da viga. Isso está longe do fraturamento do modo II puro.

(C)

Figura 14: Crescimento de uma fissura inclinada de tração de separação (a), crescimento de

fissuras curvas de cortes num ensaio de cisalhamento(b) e efeito de confinamento axial sobre espaçamento entre as fissuras curvas no ensaio de cisalhamento (c)

Por isso, há inclusive discussões sobre a existência do fraturamento do modo II

puro no concreto. Pois, as observações experimentais parecem indicar que nos experimentos de fraturamento do modo II, as fissuras tendem a se nuclearem e se propagarem em modo I. Mas, estudos mais detalhados mostram que o plano de cisalhamento, de fato, existe e se desenvolve quando o corpo de prova for devidamente confinado. Esse confinamento pode ser aplicado por adicionar fibras no concreto, por exemplo. Baseando nisso, foram realizados ensaios com SIFCON (Slurry Infiltrated Fiber Concrete) recentemente, e os resultados experimentais indicam que o fraturamento no cisalhamento é possível. Porém, deve-se lembrar que o material fora da zona de cisalhamento deve ser devidamente confinado para evitar extensão de fissuras fora da zona. Faixas de cisalhamento podem, também, ser desenvolvidas sob confinamento externo nos ensaios multiaxiais. Outra situação onde o fraturamento com cisalhamento pode ocorrer é talvez na aplicação de carregamento dinâmico.

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2.4 Modo misto I e II Um Round Robin teste desenvolvido pela RILEM committee 89 – FMT pode ser

empregado para medir a energia de fraturamento do modo misto de concreto, como mostra a figura 15. Observa-se que uma fissura cresce numa trajetória curva dentro da viga, como foi prevista para o modo misto. Carpinteri et al. [Carpinteri, 1989] realizaram muitos ensaios desse tipo e concluiram que a energia de fraturamento do modo misto foi praticamente 30% maior que a do modo I. Porém, estudos recentes mostram que esse acréscimo é provocado pelas forças de atrito nos apoios.

Figura 15: Round Robin teste proposto por RILEM 89 para medir a energia de fraturamento do modo misto no concreto

2.5 Modo III

Informações sobre o fraturamento do modo III do concreto, ou seja,

fraturamento fora do plano são hoje ainda muito limitadas. Já foram realizados testes com cilindros com ou sem entalhe, como mostra a figura 16. Em corpos de prova sem entalhe, a fissura se desenvolve na direção perpendicular à da tensão principal de tração na viga, enquanto um entalhe profundo poderia forçar a fissura a crescer no plano.

Muitos autores concordam que um entalhe é necessário para confinar o concreto numa seção transversal. Assim, eles apresentaram resultados em termos de Gf

III, que é computada das curvas completas de momento de torção e rotação. Porém, os mesmos pesquisadores descobriram que Gf

III depende do tamanho do cilindro.

Figura 16: Teste de fraturamento do modo III sobre cilindros (a) sem corte e (b) com corte

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2.6 Estado multiaxial de tensão Basicamente, o mesmo micromecanismo desenvolvido na compressão uniaxial

acontece também no estado multiaxial de tensão, só que com uma tensão de compressão lateral σ2 aplicada perpendicularmente à tensão vertical σ1. A tensão externa σ2 é contra a força lateral de separação causada por tensão vertical. Por isso, a força lateral de separação desenvolvida entre as partículas de concreto é reduzida (ver figura 17). Quando uma outra tensão σ3 de confinamento for aplicada na outra direção (fora do plano), o mesmo mecanismo pode ser desenvolvido naquela direção. Como conseqüência, a resistência de compressão do material aumenta e será necessária uma tensão maior para fraturar o mesmo corpo de prova.

Figura 17: Interações entre as partículas sob compressão biaxial Na figura 18, podem-se observar os dois modos típicos de fratura de corpos de

prova sob compressão multiaxial. O primeiro modo parece com o de compressão uniaxial e o fraturamento ocorre nas duas direções. O segundo modo assemelha-se com o de compressão biaxial (σ1 = σ2), onde a fratura ocorre numa única direção. Na figura 19, pode-se notar que com confinamento baixo, a faixa de cisalhamento foi completamente desenvolvida, enquanto com confinamento alto, apenas uma faixa parcial de cisalhamento pode ser vista. Observa-se, também, que a estrutura interna do material pode afetar a largura da faixa de cisalhamento. Por exemplo, na figura 18a, há uma faixa larga de cisalhamento na parte inferior do corpo de prova, isso provavelmente é devido à presença de uma partícula grande de agregado.

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Figura 18: Modos de fraturamento de concreto sob compressão triaxial. (a) fratura uni- direcional sob taxa de tensão –1/-0.33/-0.05 e (b) fratura bidirecional sob taxa de tensão –1/-0.1/-0.05

Figura 19: Propagação de faixas de cisalhamento. (a) faixas totalmente desenvolvidas com u1/u2 = -1/-0.33 e σ1/σ2 = -1/-0.05, e (b) faixas parcialmente desenvolvida sob u1/u2 = -1/-0.33 e σ1/σ2 = -1/-0.10.

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3. Modelo reticulado (Lattice Model) da microestrutura para a análise do comportamento do fraturamento no concreto

Atualmente, a maioria dos modelos numéricos empregados para simulações de fraturamento de concreto são modelos macromecânicos e são baseados no modelo coesivo de Hillerborg et al.[BARPI,1996]. A hipótese básica deste modelo é que se forma, como prolongamento da fissura real, uma fissura fictícia, denominada zona de processos inelásticos, onde o material embora danificado ainda transmite tensões. A zona de processos inelásticos é uma região onde há dissipação de energia. Essa região começa a propagar-se quando a tensão principal de tração alcança a resistência última do material em direção perpendicular à direção da tensão principal de tração. Na extremidade da fissura fictícia a tensão é sempre igual ao valor da resistência última à tração e não são consideradas tensões tangenciais nessa zona (ver figura 20).

Figura 20: Fraturamento no modelo coesivo

Nesses modelos coesivos, a energia de fraturamento é utilizada como uma

propriedade do material. Porém, ainda há dúvidas sobre a validade dessa hipótese. Além disso, o modelo coesivo não consegue simular o início do fraturamento, ou seja a formação de microfissuras, pois ele simula apenas a propagação de fissuras a partir de uma macrofissura já existente. Por isso, foi desenvolvido recentemente um modelo numérico reticulado (Lattice Model) no nível da microestrutura para simular de forma mais realística o fraturamento de estruturas de concreto desde a microfissuração até seu colapso. A técnica usada já foi proposta por Hrennikoff [VERVUURT 1996] e ultimamente tem recebido muita atenção.

No modelo reticulado, o material é considerado como frágil, e é levada em consideração a sua microestrutura heterogênea em vez de assumí-lo como homogêneo com a inclusão do amolecimento. Neste modelo reticulado, o material é idealizado como um reticulado formado de pequenos elementos de barra. O formato escolhido é triangular, mas outros formatos também são possíveis (ver por exemplo Herrman et al. (1989)). Os elementos de barra são conectados nos nós. Eles podem transmitir força axial, força cortante e momentos fletores.

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Nos processos de fraturamento, ocorrem primeiro microfissuras. Essas microfissuras crescem gradualmente e começam a se localizar em uma fissura principal. Porém, a fissura principal não é contínua, pois existem superposições ou ligações entre as faces das microfissuras (crack face bridges), Van Mier (1990).

O material entre essas microfissuras superpostas sofre rotação como é mostrado na figura 21a e a ruptura final do material ocorre por flexão das ligações (bridges) e da propagação de uma das microfissuras.

Figura 21: Rotação do material nas ligações entre as faces de fissuras, experimental (a) e exemplo numérico fictício (b)

O fraturamento é simulado no reticulado de barras pequenas, removendo-se em

cada etapa de carregamento um elemento da treliça que esteja com a maior tensão de tração relativa à sua resistência. Isto implica fratura frágil de um elemento de barra. A determinação de tensões em cada elemento é derivada de uma análise elástica linear por meio do método dos elementos finitos. Isso significa que uma fissura cresce através do material, seguindo a direção que é definida pela combinação da máxima resistência de tração e a ligação mais vulnerável no material, que é resultado da heterogeneidade existente no material. Seguindo este simples procedimento, podem ser obtidas fissuras como mostradas na figura 21b.

Todas as idéias para o desenvolvimento dos modelos reticulados bidimensionais também podem ser empregadas para modelos tridimensionais. Para reduzir o tempo de processamento de dados, apenas a parte da estrutura onde fissuras são esperadas é modelada como reticulado. Para a parte restante, são utilizados elementos contínuos. Nota-se que o início do comportamento não-linear da estrutura é forte indício de processos de microfissuração.

Para simular processos de fraturamento em materiais heterogêneos, uma certa desordem tem que ser implementada. A maneira mais direta é atribuir diferentes propriedades para todos os elementos de barra. O parâmetro mais óbvio a atribuir é a resistência dos elementos de barra. Os valores de resistência dos elementos de barra podem ser escolhidos aleatoriamente de uma distribuição normal, por exemplo. Contudo, outros parâmetros e outras funções de distribuição também podem ser empregadas. Em Herrmann et al. (1989), por exemplo, são mostrados exemplos com parâmetros escolhidos aleatoriamente de uma distribuição de Weibull.

O concreto é um material heterogêneo cuja heterogeneidade é claramente definida por sua microestrutura e pode ser considerado como um material bifásico que consiste de agregados graúdos embutidos na argamassa. Então, outro método bastante usado para implementar a desordem é adotar a heterogeneidade já existente. Primeiro, a estrutura de grãos do material é gerada. Como as simulações são bidimensionais, tem que ser adotada uma hipótese para a distribuição dos diâmetros

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dos círculos de interseção (partículas de agregados são assumidas como esferas perfeitas) numa seção transversal de concreto. Para a distribuição das partículas de agregados no concreto, foi escolhida a curva de Fuller.

A equação 1 é uma descrição da curva de Fuller na qual p indica a porcentagem por peso passando por uma peneira com abertura de diâmetro D e Dmax é o diâmetro da maior partícula do agregado. Esta curva representa um nível de partícula de agregado que resulta em densidade e resistência mais prováveis.

p DD=

100

max. (1)

Usando uma função de distribuição acumulativa, para um certo concreto, pode

ser gerada a distribuição de diâmetros dos círculos numa certa seção transversal. Para isso, é usada a equação 2 derivada por Walraven (1980). Esta função representa a probabilidade Pc de um ponto arbitrário no concreto, num plano de interseção, ficar localizado num círculo de interseção com o diâmetro D < D0.

+

)−

P D D P D D D D D Dc k( ) ( , , ,,max

,max max< = × ⋅ ⋅ − ⋅ ⋅ + ⋅ ⋅− −

0 00 5 0 5

02 2

04 41 455 0 50 0 036

0 (2) 006 0 002 0 00106 6

08 8

010 10, , ,max max max⋅ ⋅ + ⋅ ⋅ + ⋅ ⋅− −D D D D D D

Usando esta função, pode ser gerada a distribuição de diâmetros de círculos numa certa seção transversal para um certo concreto. Por exemplo na figura 22, a estrutura de grãos é mostrada com uma seção transversal de 125 × 125 mm2. O tamanho máximo de agregado Dmax na argamassa é de 16mm. A taxa entre o volume total de agregado e o volume de concreto é de 0,75. A distribuição dos diâmetros de círculos é mostrada na Tabela 1. Os círculos são posicionados aleatoriamente na área com os maiores círculos, ver figura 22a. A distância mínima entre os centros de dois círculos A e B é tomada 1,1 × (DA+DB)/2 de acordo com Hsu (1963). Círculos com diâmetros pequenos são excluídos da estrutura de grãos , porque o comprimento dos elementos de barra deve ser pelo menos duas ou três vezes menor que o menor diâmetro de círculo.

(a) (b) (c)

Figura 22: Estrutura de grãos (a); projeção de reticulado triangular (b); definição de barras de

agregado, interface e argamassa (c).

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Tabela 1. Distribuição de partículas em estrutura de grão

D (mm) 1* 2* 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16

No. 771* 455* 155 71 37 21 13 8 5 3 2 1 0 0 0 0

• D = 1 e D = 2mm não são colocados na estrutura de grão da figura 22a

Um reticulado triangular é, então, projetado sobre o topo de uma estrutura de

grãos (figura 22b), e diferentes resistências e valores de rigidez são atribuídas aos respectivos elementos de barras (figura 22c). Quando um elemento de barra estiver situado dentro de uma partícula de agregado, será atribuída a resistência de ruptura do agregado a esse elemento e se um elemento de barra estiver localizado no contorno entre agregado e argamassa, terá a resistência da interface quando for simulado o fraturamento do concreto. Resistências da argamassa serão atribuídas àquelas barras projetadas sobre a argamassa no material bifásico gerado. A curva de Fuller também pode ser empregada para gerar estruturas de grãos tridimensionais, como mostra a figura 23.

Figura 23: Estrutura de grãos gerada em 3-D Um ensaio realizado sobre uma chapa de concreto simples com uma fenda lateral

(single-edge-notched plate) carregada sob tensão axial por Van Mier (1990, 1991a) (figura 24) mostra claramente a introdução do modelo reticulado na área fissurada, enquanto que a parte restante da estrutura é modelada com elementos contínuos. A figura 25 mostra a evolução do fraturamento na simulação.

Figura 24: Ensaio de uma chapa com uma fenda lateral carregada sob tensão axial

(a); mapeamento da malha reticulada sobre a microestrutura (b)

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Figura 25: Evolução do fraturamento no ensaio uniaxial da chapa por meio do modelo reticulado.

4. Principais parâmetros do modelo reticulado

No modelo reticulado, os parâmetros podem ser divididos em dois grupos. O primeiro grupo está relacionado com a rigidez elástica do reticulado como um todo, enquanto o segundo grupo está associado à resistência de fraturamento das barras do reticulado.

4.1 Parâmetros relacionados com propriedades elásticas do reticulado

O primeiro passo é determinar o comprimento das barras que depende

diretamente do tamanho da mínima dimensão característica do material que foi incluído no modelo. O comprimento não deve ser muito pequeno, pois uma redução exagerada do tamanho acarreta na inclusão de muitos elementos no modelo, e consequentemente exige um enorme esforço computacional. Em geral, o comprimento das barras deve ser menor que 1/3 do diâmetro da menor partícula de agregado. A figura 26 mostra um exemplo com taxas de (dmin / l) diferentes, e dmin = 3mm, onde l é o comprimento da barra.

Figura 26: Malhas deformadas de três simulações com comprimentos das barras diferentes: (a) l = 2.5mm, (b) l = 1.667mm e (c) l = 1.0mm

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Observa-se que para l = 5/2mm, muitos detalhes e partículas menores foram perdidos no modelo e a situação melhora com a redução do comprimento das barras. Para l = 5/3 e 5/5, já não há muita diferença no comportamento de tensão-deformação (ver figura 27).

Figura 27: Curvas de tensão-deformação para três simulações com comprimentos das barras diferentes: (a) l = 5/2 mm, (b) 5/3 mm e (c) 5/5 mm

Uma vez determinado o comprimento das barras, a área da seção transversal, também, pode ser determinada. Na análise 2D, em geral usam-se seções transversais retangulares, enquanto na análise 3D é mais conveniente usar seções transversais circulares. Na análise 2D, os valores de altura (h) e espessura (b) devem ser escolhidos de tal forma que o módulo de elasticidade e coeficiente de Poisson do reticulado como um todo apresentem os mesmos valores medidos no material real. Para um reticulado triangular aleatório, a relação entre h/l e o coeficiente de Poisson pode ser obtida de seguinte forma [Schlangen,1996]:

( )

⋅+=ν 1

3lh34

A relação acima foi apresentada graficamente na figura 28 e pode-se observar que ν varia entre 1/3 para h/l = 0 e –1 para h/l grande. Para h/l > 1, ν fica negativo. Isso significa que a barra vai encolher-se na direção lateral sob compressão uniaxial, o que não é aceitável para o concreto. Por isso, deve-se escolher com cuidado a relação h/l.

Figura 28: Relação entre o coeficiente de Poisson e a taxa (h/l)

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Para o reticulado regular triangular, Schangen e Garboczi propõem uma outra forma para o cálculo de ν, a partir da relação entre o coeficiente de Poisson, área da seção transversal e momento de inércia. Dessa maneira obtém-se a seguinte fórmula:

( )( )2

2

lh3l

h1

+

−=ν

Definida a altura das barras, pode-se determinar a espessura delas, associando-se

a rigidez individual das barras com a rigidez total do modelo reticulado. Como a seção transversal das barras (b x h) e os módulos de elasticidade delas afetam a rigidez total do modelo reticulado, então, os módulos de elasticidade das barras individuais devem, também, ser devidamente ajustados. Normalmente, adotam-se as seguintes relações: Ea/Em = 70/25 e Em/Eb = 25/25, onde Ea ,Em e Eb são módulos de elasticidade dos agregados, da matriz e da interface, respectivamente.

Tabela 2. Resumo do processo de mapeamento das propriedades elásticas num reticulado em 2D Passo 1 Comprimento de barra (l) A partir da menor dimensão do material, por exemplo menor tamanho de

agregado: l < dmin/3 Passo 2 Altura de barra (h) A partir da relação (h/l) com o coeficiente de Poisson (ν) do modelo reticulado Passo 3 Espessura de barra (b) A partir da relação da rigidez individual das barras com o módulo de elasticidade

global do modelo Passo 4 Rigidez elástica das barras Taxa de Ea /Em é definida de acordo com os dados experimentais de tração

uniaxial sobre agregados e materiais que compõem a matriz. A rigidez na zona de interface é considerada, aproximadamente, igual a da matriz: Em = Eb.

4.2 Parâmetros de fraturamento

A determinação dos três parâmetros de resistência (ft,m ,ft,b e ft,a ,onde t indica

fraturamento de tração, m, b e a representam matriz, interface e agregado, respectivamente) é baseada nos ensaios macroscópicos da resistência de tração da matriz, da interface e dos agregados. Para o concreto normal, usualmente adotam-se relações de: ft,m /ft,a = 5/10 e ft,b /ft,a = 1.25/10. Para concretos de alta resistência e leves, devem-se usar relações diferentes.

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Com os parâmetros de entrada definidos, pode ser feita uma comparação entre simulação numérica e um ensaio de tração uniaxial. O corpo de prova é um pequeno prisma (50 × 60 × 150 mm3), com dois cortes de 5mm de profundidade na meia altura. O comprimento das barras é de 1.667mm, e apenas partículas entre 3 e 8mm são incluídas na malha. Na figura 29a, uma comparação dos diagramas de tensão-deformação entre o modelo numérico e o experimental é mostrada. Observa-se que o diagrama do modelo computacional é mais frágil em relação ao experimental. Isso provavelmente é causado pela negligência das partículas pequenas, a não consideração do efeito de porosidade e do efeito 3D.

Figura 29: Calibração do modelo a um ensaio de tração uniaxial sobre um prisma de concreto

5. Conclusões

Este estudo mostra que o comportamento mecânico da macroestrutura, muitas vezes, pode ser explicado num nível de observação inferior. Isso ficou bastante claro na análise dos micromecanismos do concreto ativados por diferentes tipos de carregamentos.

Diferentes experimentos têm mostrado, também, que o modelo reticulado é muito poderoso na simulação de mecanismos de fraturamento no concreto. O fenômeno de ligações entre as faces de fissuras (crack face bridging) assim como crescimento de fissuras é previsto com boa concordância com as observações experimentais. O modelo tem muitas aplicações:

• um estudo com modelo reticulado oferece conhecimento sobre as partes mais fracas

no material. Ademais, tais análises podem indicar que mudanças no material levam a um melhor comportamento ao fraturamento.

• simulações com o modelo oferecem mais detalhes sobre como corpos de prova se

comportam nos experimentos para a determinação das propriedades do material. Dessa forma, podem ser elaborados os melhores arranjos experimentais.

• resultados de simulações com um modelo micromecânico (Lattice Model) podem

ser usados para determinar os parâmetros de entrada para um modelo macromecânico.

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Referências Van Mier, J.G.M. [1997], Fracture Processes of Concrete: assesment of material parameters for fracture models, CRC Press, Inc. Schlangen, E. [1993], Experimental and Numerical Analysis of Fracture Processes in Concrete, Heron, 38 (2), pp. 1-117. Vervuurt, A., Schlangen, E. and Van Mier, J.G.M., Tensile Cracking in Concrete and Sandstone: part 1 – basic instruments, Matériaux et Constructions/ Materials and Structures, vol. 29, January-February 1996, pp. 9–18.

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