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8/4/2019 If...a proposta social de Lindsay Anderson e do Free Cinema
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If... A proposta social de Lindsay Anderson, e do Free Cinema
If... The social purpose of Lindsay Anderson and the Free Cinema
O presente artigo se coloca como uma apresentao
do que se chamou Free Cinema, movimento de
jovens cineastas que teve incio em meados da
dcada de 50 e deu visibilidade cultura europia
temticas como o conflito de classes e o trabalho
operrio sob o olhar de jovens diretores ingleses de
cinema.
Palavras chaves: novo cinema, autoritarismo, modernizao
The following article puts itself as a presentation of
what was called Free Cinema, young moviemakers
movement that beginning at the decade of 50 and
gave visibility to the European themes as the class
conflicts, the labor work under the youths' English
directors glance.
Key words: new cinema, authoritarism, modernity
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Em fevereiro de 1956 quatro jovens residentes na Inglaterra publicam um
manifesto com o impulso da vanguarda no cotidiano do cinema britnico. Ao lado do
manifesto a favor de uma liberdade de criao e de expresso, vinham os filmes: trs curtas
metragens: Momma Dont Allow (dir. Karel Reizs/Tony Richardson, UK, 1956, 22min),Together(dir. Lorenza Mazzetti, UK, 1956, 52 min) e O Dreamland(dir. Lindsay Anderson,
UK, 1953, 12 min). Os filmes foram exibidos no National Film Theatre - NFT de Londres
com a inteno de facilitar a exibio dos vrios curtas metragens feitos pelos angry young
men, grupo de jovens de esquerda. Free Cinema o nome do movimento do novo cinema
ingls.
Junto exibio vem o tal manifesto que aparece em um panfleto bastante bem
cuidado, distribudo no NFT, demonstrando aos distrados que a inteno dos autores era
produzir filmes essencialmente diferentes dos que vinham sendo feitos os conhecidosdocumentrios ingleses, em sua maioria com o formato didtico simples, e fices bastante
tradicionais. A regra comum das produes no pas at ento era a de produzir pelculas
classificadas pelos espectadores mais jovens como obras entediantes1. A Inglaterra, neste
momento, era internacionalmente conhecida por seus documentrios, edificados pela
pedagogia de um John Grierson, junto ao Estado na administrao do Empire Marketing
Board EMB.
No manifesto do novo cinema eles afirmam que a perfeio no a meta - e que
somente da atitude que nasce um estilo. Uma tentativa de trazer realidade para as telas e
quebrar, romper com o esquema de produo ingls da dcada de 50. O Free Cinema no
ficou conhecido por inventar outras normas de linguagem, principalmente alm das narrativas
disponibilizadas pelo cinema clssico americano, como aconteceu depois nos filmes da
Nouvelle Vague francesa, alguns anos mais tarde, incio da dcada de 60. No entanto, os
primeiros filmes apresentados no NFT, ao lado do manifesto explicativo dos filmes,
demonstram uma ligao bem maior dos novos autores ingleses com a baliza cinematogrfica
europia, mais especificamente aquela em que Jean Vigo e demais diretores afeitos
vanguarda experimentaram alguns anos antes. E, como no poderia ser deixado de lado, a
carga narrativa e dramtica do neo-realismo italiano.
1 Since the war most documentaries have been entirely boring because their content has been censored by thosewho have made them according to the dictates of the most static, uncreative concern possible: a concern withPrestige - either national or commercial. Cf. BERGER, John. Look at Britain. Sight & Sound, 1957. p. 12-14.
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Os curta-metragens citados e o manifesto do cinema livre abrem horizontes, bem
como faziam as vanguardas artsticas, e do o que podemos chamar de aval para dois anos
mais tarde a nova onda francesa chegar mais aguda, mais crtica e rdua na busca pela
liberdade no cinema. Na Frana, o contexto de aparecimento da poltica de autores, por
exemplo, semelhante ao dos jovens do Free Cinema. Assim como a renomada e influenterevista francesa de cinema Cahiers du Cinma era o peridico Sequence, editado pelos
tambm futuros diretores de cinema Lindsay Anderson, Karel Reisz e Gavin Lambert, na
Inglaterra.
H muito pouco traduzido ou escrito sobre essa vertente do cinema, esta que
certamente foi ofuscada pela maestria dos demais movimentos dos jovens autores da poca.
No Brasil, principalmente praticamente no h referncias. Entretanto, este artigo, embora
sem maiores pretenses tericas, tem como inteno dar uma introduo para os que no tm
conhecimento da influncia da Inglaterra, algumas narrativas ps-guerra que mostramcontradies sociais, seu modo peculiar de fazer o espectador, leitor, observador de arte
perceber seu mundo extremamente conflituoso.
A sociedade doFree Cinema
Tambm no ano de 1956 a Unio Sovitica invadia a Hungria, fato que provoca a
desfiliao de vrios integrantes do Comunist Party na Inglaterra. Surge ento uma nova
indicao para uma esquerda mais crtica aos moldes do partido, que a Nova Esquerda (New
Left), com intelectuais como o Perry Anderson, J.B.Thompson, Raymond Williams e outros
em sua base. Essa nova esquerda, crtica de um chamado marxismo vulgar e antiquado, se
mostrava atuante tanto nos estudos como nas prticas (prxis). Thompson escreve The
Making of The English Working Class (1963), surge a New Left Review (revista da nova
esquerda) em 1960 ao lado das publicaes h uma reforma de antigos clubs. Nos anos 30
os clubs eram freqentados pelos membros do Partido Comunista ingls. Na dcada de 1960
reeditam-se, em vrias cidades, os New Left Clubs, que atraam um nmero expressivo de
freqentadores.2
Agora nos chamados de New Left Clubs, aparecem novos artistas que ganham a
alcunha de Angry Young Men, jovens que criaram no s o novo cinema, mas uma nova
2 CEVASCO, Maria E.Dez lies sobre estudos culturais. So Paulo: Boitempo, 2003. p 89
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literatura e teatro se reuniam para discutir esttica e poltica. No fosse esse clima de ebulio
da nova esquerda no haveria espaos, por exemplo, para ritmos relegados marginalidade no
pas de origem, mas que se tornaram gneros musicais bastante populares entre os jovens na
Inglaterra: o jazz e o blues americanos ritmos negros que foram , assim como o reggae na
era do punk ingls, afirmados como msicas revolucionrias pelos jovens. Na verdade, ali sedavam os primeiros passos para uma crtica no bojo dos estudos culturais.
Lindsay Anderson, um jovem nascido em Bangalore na India, encabea o
movimento do Free Cinema no pas colonizador, neste momento histrico em que h uma
forte represso por parte de governos ainda caracterizados como imperialistas, como o da
Inglaterra, ao mesmo tempo com uma miragem comunista na sia. A causa da represso dos
tais governos tradicionalistas era justamente a fantasmagrica ameaa comunista, lgica
diretamente ligada polarizao poltica posta pela guerra fria. Anderson filma com ironia
desde o incio de sua carreira: Wakefeld Express (1953),Trunk Conveyor(1954),ThursdaysChildren (junto a Guy Brenton, 1955), Foot and Much (1955), Henry (1955), antes de O
Dreamlande Every Day Except Christmas, este ltimo um documentrio sobre o Mercado de
Convent Garden, onde j se v uma pequena crtica ao trabalho. Lembremos que os filmes
documentrios da poca eram muito devedores do partido trabalhista e de toda a poltica
impressa pelo estilo da EMB.
Aps algumas produes tambm para a TV, Anderson convidado a participar de
festivais de cinema pelo mundo. volta para a Inglaterra, ele afirmaria:
Eu trabalho para o cinema, o que me proporciona uma razo mais parame sentir desalentado sempre que regresso Gr-Betanha. Devemos reconhecerque esse meio de trabalho sempre difcil, em qualquer parte do mundo, mastambm h que confessar que so muito poucos os pases nos quais se d aocinema uma utilizao to pouco significativa.3
Sua crtica vai ao snobismo ingls. Enquanto ele via um humanismo geral sendo
privilegiado nos filmes em festivais como o de Cannes, onde desde filmes de Jean Rouch at
pelculas norte americanas tinham a inovao da linguagem e o ponto de vista de uma grandeparte dos desfavorecidos do mundo, tal privilgio tico no era fundamento do cinema ingls.
Para contrapor ao humanismo dbil do nosso cinema, temos de dizerclaramente que e anti-inteligente, emocionalmente inibido e deliberadamente cego
3 ANDERSON, Lindsay.Depoimentos dos Angry Men. Lisboa: Presena, 1963. p. 201.
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s condies e problemas do momento atual, e que se dedica a um ideal nacionalcompletamente antiquado e exausto.4
J no filme If...(Lindsay Anderson 1968, dez anos depois do incio do
movimento do cinema livre), o que vemos uma tentativa de apresentar e expor a
densidade de sua poca, alm de trazer o ar ingls da ironia e realismo uma contestao
polida, porm incisiva, com traos de rompimento com o velho cinema para distrao das
massas. Ns vemos, por exemplo, em filmes como A Taste of Honey (Tony Richardson,
1961), This Sporting Life (Lindsay Anderson, 1963) e em Look Back in Anger(Tony
Richardson, 1958) a tentativa de humanizar o personagem com um discurso concernente
working class (classe trabalhadora) que a protagonista nas histrias. Em suma, os autores do
Free Cinema no nos mostram apenas personagens ou histrias no sentido convencional, mas
conflitos entre classes que no se resolvem. Com influncias do teatro de Brecht, com uma
trama episdica,If... faz do contar histrias uma magia que explicita os truques para a platia.
O social explcito uma espcie de cinema poltico
Os conflitos nos filmes chamam a ateno para uma sociedade que se v enraizada
em suas castas, onde praticamente no existe a mobilidade entre seus universos esse o
cerne da revolta constante contra a grandeza ritualista da monarquia britnica, presente nos
roteiros dos autores do Free Cinema. Enquanto uns personagens vivem conforto outros no
saem da condio de oprimidos, como veremos mais adiante no filme analisado.
Em tempo, bom ressaltar que o personagem, em filmes, apesar de possuir toda a
carga de uma herana da literatura que o cinema carrega, , em narrativas esquemticas, um
epicentro da ateno do espectador. Neste mbito, uma grande e vasta teoria sobre a
percepo e da situao do espectador diante do aparato cinematogrfico (sala escura, tela
grande, projeo, recepo social, etc.), no conjunto com a poca de If... nos elucida a crtica
proporcionada com os artifcios prprios da fragmentao do olhar e do posicionamento
poltico diante da criao, elaborao e difuso de uma histria que contada em textoaudiovisual. Edgar Morin, antroplogo, abre espao na dcada de 50 para uma discusso
desse aparato cinematogrfico e sua realidade, termo bem usado pela crtica francesa, chave
para, por exemplo, a teoria de Andr Bazin.
4Id. Ibdem. p. 202.
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Segundo Morin5, o cinema nos instiga a pensar um humano imaginrio,
provvel prolongamento do humanismo, base da noo de realismo to preocupada com a
tica ocidental. Ainda que em alguns filmes esse pressuposto ocidental e cannico seja posto
em evidncia, a percepo humana atuaria no imaginrio como entorno de vrias criaes
artsticas. Por isso a preocupao bsica de boa parte da crtica em focalizar os personagens eelaborar o mundo no qual ele vive, ou seja, a realidade flmica categorizada pelo termo
diegese (aquilo que faz parte unicamente do universo narrativo do filme).
Os personagens expressados pelo grupo do Free Cinema, so, em geral:
1)- de uma classe mdia baixa com inspirao aristocrtica opo, que na
maioria das vezes aparece justamente como um n das narrativas no conflito de interesses
com outros personagens, cujo desenvolvimento narrativo se d na falta de dilogo e teleologia
da histria; 2)- os outros tipos que entram no conflito so trabalhadores, operrios,
marginalizados ou prejudicados pela sociedade moderna capitalista que os exclui. Nestesltimos personagens se v um engajamento contra as estruturas bastante fincadas
culturalmente pela tradio conservadora que aparece forte na Inglaterra fato que d
maioria dos filmes um teor dramtico social. Tal diviso de caracteres tambm basilar em
vrias obras crticas modernidade industrial que se desenvolvia no mundo ps-guerra, ponto
que adquiria, em certa medida, abrangncia universal em terminologias marxistas, bem
comuns nas dcadas de 50 a 60.
Peguemos como exemplo o filme A Taste of Honey. Uma me deixa a filha
adolescente para viver com um senhor de uma classe mais abastada que a sua, coisa que a
menina no aceita, muito menos ns, espectadores que nos identificamos com a personagem
principal. O crescimento dela, sua chegada na etapa adulta, sua gravidez inesperada a obriga a
resolver tudo como uma mulher j experiente. Vive ento em um apartamento pequeno
dividido com um novo amigo homossexual vendedor de sapatos na marginalidade e sem
dinheiro. A me seria um tipo que se doa a um sistema de tradies, ao lado de um marido de
classe mais alta que a sua, que ignora a menina, e o adulto que representa a ostentao de
poder, com resqucios do conservadorismo vitoriano. A adolescente ao contrrio: no se
adapta porque no desgarra de seu passado rstico e presente rude. Por este motivo a garota,
personagem principal do filme, sente ojeriza ao mundo adulto, o tradicional e velho, e em
contrapartida uma empatia pela infantilidade, vis supostamente mais livre de toda a angstia
do mundo moderno. Vemos ento conflitos da esfera social, ainda que sob as regras do
5 Cf. MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginrio. Lisboa: Moraes,1980. pp.155-158
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psicolgico, familiar, casos que enriquecem a crtica que se propunha pelo grupo de jovens
cineastas.
Anlise deIf...
Todos os personagens emIf... so estudantes de uma mesma escola, convivem em
um mesmo territrio fechado. A distino social exibida com clareza, de maneira quase
caricatural, havendo uma forte represso exercida pelos alunos e suas diferenciaes de
mrito de nascimento (castas, ou classes sociais) e no pelos professores. Isso demonstra
uma autoridade que pode ser exercida de maneira consensual dentro de uma estrutura maior, e
que a punio aparece, nestes casos, quando convm a um tipo de indivduo, e no num
intuito pedaggico. Os professores ou diretores do colgio no atuam na punio sem a
intermediao dos alunos superiores. este o ponto chave do filme. As roupas, trejeitos, o modo de falar e at mesmo o
olhar evidenciam a distino de classes em If... . As ordens de uns alunos monitores,
denominados seniors, que agem como ces de guarda da administrao autoritria, o colgio
como reflexo desse governo, valem para todos os que estudam no local. EmIf... o colgio tem
a aparncia de uma instituio reformadora de jovens infratores. Neste bojo que o
autoritarismo aparece como chave central: a escola um brao do Estado, com o aval e
presena determinante de uma tica religiosa. O College House de If..., segundo o prprio
diretor Lindsay Anderson, uma amlgama de trs escolas pblicas diferentes, dentre elas
uma que ele estudou a Cheltenham College, que somente desiste de ceder suas locaes
quando descobre o contedo do filme. Algo de lrico se v no filme autoral de Anderson.
J a imagem da autoridade se d, neste caso, portanto, no pelo exerccio da fora
com base na tradio e na igreja, junto ao Estado, mas pelo medo da punio. Medo este que
brota da maioria: s no dos mais inconformados, como a brigada do personagem Mick
Travis o revolucionrio de Lindsay, que surge como heri para o diretor em seus filmes.
Ainda que se veja a insatisfao de alguns alunos, que tambm, no geral, so os que compem
a estrutura. O poder institudo visvel pela atuao dos seniors, e da diretoria do colgio,
enquanto falta na maioria dos alunos. Essa sobra de poder daqueles que confirmam e
compem a estrutura est em todos os espaos da instituio como uma fora fantasmagrica,
desde o ginsio at o dormitrio.
O conflito de classes nos filmes do Free Cinema se d tambm nas entrelinhas,
espontneo, e se aproxima dos estudos da sociedade inglesa da poca. Aproxima-se do que
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realmente acontecia o ttulo If... (algo como E se...) j induz uma ligao direta com o
mundo em guerra intil, contra qualquer que se dissesse socialista. Junto ao anticomunismo, o
autoritarismo arcaico do tradicionalismo europeu, vitoriano, no caso ingls, aquele
profundamente rejeitado pelos estudantes na dcada de 60. A citao do poeta muito
conhecido e controverso na Gr Betanha, Rudyard Kipling, autor da famosa histria domenino Mogli, adaptada pela Disney.
O Free Cinema como movimento jovem no mais existia em 68. Porm, Lindsay,
um dos mentores dos panfletos e exibies na dcada de 50, continua com a contestao
evidente em seus filmes. Partimos dos recursos estilsticos que inquietavam o espectador pela
soluo final dada no filme, e pela aproximao que h entre o narrado pela diegese e a
sociedade de 68.
Verdade6
As semelhanas entre Zero de Conduite (Jean Vigo, 1933) e If... no parecem ser
ao acaso. Na verdade a revolta dos alunos do filme de Vigo gritando palavras de ordem rumo
liberdade e as tticas de luta guerrilheira em If... so prticas ficcionais, metforas de uma
situao: violncia que o Estado proporciona com sua autoridade via fora e a luta de jovens
contra o tradicionalismo, o antigo. No seria exagero comparar a instituio educacional de
Zero de Conduite priso de crianas e adolescentes de um outro filme como Sciusci
(Desvio de Conduta, Vittorio de Sica, 1945). Nesta linha vem-se diretores que questionam a
educao em formatos autoritrios e sectrios, que segmentam a juventude num projeto de
sociedade tambm excludente e segmentada. Acontece em propores e rigidez diferentes,
mas que marcam poca, pois no havia a concordncia com tal exerccio da fora coercitiva.
Neste sentido, a criana que h no revolucionrio visvel, como numa metfora. Lembremos
de Taste of Honey, quando a personagem principal no consegue se adequar ao mundo adulto,
e acaba junto s crianas. Essa dificuldade de mudar as condies sociais antigas europias
um empecilho de uma revoluo jovem que ocorre em 1968 rumo a um tipo de libertao
ainda que muito questionada na poca e futuramente.
6 O termo verdade, quando usado com referencia a obras de arte ou de fico, tem significado diverso. Designacom freqncia qualquer coisa como a genuinidade, sinceridade ou autenticidade (termos que em geral visam atitude subjetiva do autor); a verossimilhana, isto , na expresso de Aristteles, no a adequao quilo queaconteceu, mas quilo que poderia ter acontecido; ou a coerncia interna no que tange ao mundo imaginrio daspersonagens e situaes mimticas; ou mesmo a viso profunda e ordem filosfica, psicolgica ou sociolgica da realidade. Cf. ROSENFELD. A.A personagem de fico. So Paulo: Perspectiva,1969. p 18
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Lindsay Anderson era crtico de cinema nas revistas Sight and Sound, The times,
ObservereNew Statesman andNation. Foi editor da revista Sequence (1947-51) e escritor de
livros, como Making a Film. Esse diretor pode ser considerado o lder do Free Cinema
britnico pelo menos o maior agitador. Seus filmes tinham tramas baseadas emacontecimentos conflituosos com o mximo de realismo social, justamente para incitar os
nimos sociais. Ele presenteava a sociedade britnica com panfletos ficcionais irnicos, bem
ao estilo ingls de acidez pblica. Essa ironia de Lindsay tem uma particular semelhana com
a expresso do manifesto Free Cinema7, de 12 anos antes deIf... .
O diretor no criava dramas para, ou comover, ou dar platia uma expresso de
conformismo, de um mundo pacfico ou que se fecha em si mesmo imutvel. A inteno
maior do autor parecia ser lidar com a platia como numa plenria, perguntando sempre qual
o destino, ou o que ela achava tornando-a sujeito da exibio do filme, algo prximo doteatro de Brecht. Diramos que o final de If... inverossmil, ou seja, na realidade ele no
aconteceria do modo diegtico estudantes revolucionrios assassinam os diretores,
sacerdotes, professores e alunos traidores, metforas do sistema tradicional. Fica claro que o
discurso do autor numa alegoria revoluo social to presente como moda na dcada de
60. Assim ele nos leva a um universo em que quem nos conduz um estudante revolucionrio
que aglomera foras desde o incio na histria para subverter a ordem de maneira
inimaginvel (fora do real, ou surreal) mas nos convoca diretamente possibilidade de
fazer o mesmo, questionando a verossimilhana instituda pela percepo do homem-comum.
Toda essa discusso pode ser vista apenas no ttulo do filme aqui analisado. Ele
tem outro significado aparentemente diferente de quando surge ao incio, porque ao fim de
toda a histria que vemos, ao ver o a palavra If... como epitfio flmico, coloca-se toda a carga
irnica. Ele diz Se..., mas entendemos como uma pergunta platia, ou uma motivao
afirmativa aos jovens se rebelarem contra as instituies de sua poca. Ao fundo do ttulo est
o diretor com sua intencionalidade poltica jogando lenha na fogueira das manifestaes
sociais anti-imperialismo. Seria uma afirmao? Na verdade, quando se trata de cinema o
discurso fica mais ambguo que em outra arte, como no teatro. Imaginemos a afirmao Se...
ao final de uma pea com a mesma histria do filme. Seria com certeza uma afirmao com
inteno da pergunta: voc acredita nisso que eu acabei de mostrar? O distanciamento
brechtiano caminha em outra direo. J que os artifcios que do histria contada esto, ao
7 ANDERSON, L. et all. Free Cinema: Original 1956 Programe. Disponvel emhttp://www.bfi.org.uk/features/freecinema/programme/prog1.html
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longo do tempo, sendo explicitados, o autor se torna o contador, o narrador, como no filme de
Lindsay. Ainda com Morin, a projeo do espectador viso do personagem, ou da conduo
diegtica que impe o diretor, num distanciamento brechtiano cinematogrfico, distende a
veracidade para um nvel do discurso, saindo ento de uma fbula mais infantil onde a
verossimilhana perpetuada em uma crena na realidade gravada. Mesmo o gravado, emcinema, manipulado pela montagem esta que evidenciada e sobreposta como elemento
eisensteineano de dilogo com o pblico, e de edificao do citado discurso do autor do filme.
Apenas dizendo com um letreiro escrito Se..., no vemos como um eis um Se... ficcional,
um cdigo a ser interpretado como a palavra denota. Vemos uma afirmao diretamente ao
olhar da platia: um dilogo direto, no velado, entre o diretor e a platia. Assemelha-se,
portanto, provocao de uma pergunta. O diretor solta sua ironia mostrando a violncia de
oprimidos numa redeno ao fim da histria contada, em algo que certamente poderia ser
assimilado como um deux ex machina.No ano de exibio de If... h por todo o mundo rebelies estudantis que hoje se
encontram nos livros de histria. Na Frana houve a grande greve geral de maio de 68, o que
refletiu a nsia pela revoluo socialista, j vista em certa medida nos filmes de Vigo e
Anderson. Nesta ocasio os estudantes criam verdadeiras barricadas nas ruas, junto ao
movimento operrio, provocando um dos momentos mais conturbados do ps-guerra. O que
assistimos no filme um afluente de tal inconformidade social o Estado no mais se
sustentava em sua autoridade via monoplio da fora e violncia, conservando costumes
execrados pelos jovens estudantes, os eternamente contra a tradio. Seria uma tentativa de
guerra civil contra uma aristocracia burguesa que exerce seu poder em prol do passado,
sendo que o presente os denuncia como autoritrios em demasia. Eles seriam os adultos - os
inimigos -, idia que se v, por exemplo, na msica My Generation, do grupo Ingls The
Who.
O protagonista e seu percurso revolucionrio
Mick Travis (representado pelo ator Malcom McCdowel), personagem principal
dos trs filmes de Anderson que compem a trilogia If..., O Lucky Man eBrittania Hospital ,
retira das revistas o mundo exterior do colgio - figuras de revolucionrios e mulheres de
propagandas publicitrias. Os meios de comunicao publicam uma realidade totalmente
diferente daquela que Travis vive dentro do College House: sem revoltas, sem mulheres, sem
aberturas e anseios de liberdade. As imagens nas paredes reproduzem um mundo conflitante
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entre pases imperialistas e colnias. Fotografias de Che Guevara (hoje adequadas s camisas
e psteres, mas na poca nem tanto) e dos panteras negras do ao personagem do estudante
oprimido o mpeto de revolta que era comum no contexto do filme. Esse conflito entre pases
imperialistas e colnias, ocupantes e ocupados, dominadores e dominados era o mote
conjuntural para o sentimento revolucionrio de Travis em If... pois o mundo sentia no ar asrevoltas constantes nas manifestaes contra a guerra do Vietn. Esta no parecia apenas uma
guerra, mas uma balanada no muro ideolgico que existia entre os chamados 1 e 2 mundos,
sendo que o palco do conflito era um pas de 3 mundo situado no extremo oriente. O
posicionamento era claro com a radicalizao dos jovens, muitos convocados pelo Estado
guerra: ou ser imperialista, a favor dos EUA junto a todo o ocidente em sua constituio
estrutural beligerante j conhecida; ou ser um chamado subversivo, contra o sistema
tradicional. A lgica ocidental, na poca, baseou-se na fora e coero a qualquer tipo de
manifestao que tivesse analogia ao comunismo essa lgica rendeu algumas ditaduras anti-comunistas pela Amrica Latina. Travis, o heri do filme, ento, escolhe a mesma opo dos
estudantes mais radicais de 68 no velho mundo.
A Europa e suas instituies eram o prprio tradicionalismo, a continuao de uma
maneira histrica de se comportar diante de seu pas isso era defendido pelos mais
experientes, pelo exrcito que luta pela ptria, e por integrantes de uma classe mais nobre
como os seniors, do College House de If.... H uma demanda e uma defesa pelos ttulos de
nobreza, que no colgio identificamos nos monitores. Estes so arrogantes, e uma minoria.
Tm acesso melhor comida, s salas e quartos melhores, at mesmo no banho so donos de
uma banheira afastada dos chuveiros frios. Tudo isso para dar ttulo e, acima de tudo, poder
sobre todos os outros estudantes. Eles so delegados superiores diante de todos aqueles que
aparentemente deveriam ser seus semelhantes os estudantes como eles prprios. O
personagem que direciona a trama, Travis, no pode ter nem mesmo um bigode, no colgio.
Seus companheiros tm hora certa para dormir, comer, banhar-se e praticar esportes. O
universo regrado do filme nos faz acreditar que no possuem quase nenhuma liberdade. So
pressionados a todo o momento pelo olhar vigilante daqueles jovens aristocrticos que se
impem como superiores.
A presso se torna insuportvel a partir do momento em que Travis recebe uma
punio de chicotadas pelos monitores (por mais tempo que o usual das regras da escola). No
final da punio disciplinar, Travis ainda obrigado a agradecer pelo ato educativo.
A obra estruturada e dividida em oito episdios. Do retorno s aulas at as
cruzadas, Mick Travis prev dizendo que o dia est chegando, e todos imaginam o que est
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por vir. A idia que a revoluo que Mick prega contra o imperativo work-pray do College
House impositivo para ele. A amostra de liberdade que conseguem desfrutar ao furtar uma
motocicleta no exterior da escola contrastante com o clima de todo o resto do filme. A
sensao de liberdade representada pela falta de sentido que se apresenta a partir de ento.
Ao conhecer a garota no episodio intitulado Ritual and Romance no sabemos quandocomea e quando acaba o sonho do personagem principal.
Eles esto onde ela trabalha, o Packhorse caf, e ao fundo ouvimos a cano
Sancuts, da Missa Luba8 ouvida por Travis desde o incio e que d tom ao filme. Mas no s
a msica tonaliza: o ritual que ela climatiza o mais importante. No h nenhuma
interferncia do mundo exterior, de uma maneira oposta no interferncia que h no colgio.
Agora os dois personagens, Travis e a garota, se encontram para at o final da histria. O
ritual de olhares, de atuao primitiva e de compartilhamento de um mundo parecido igual
em sua opresso na comparao entre o trabalho dela e o estudo dele. Os dois viram animais,e o encontro marcado por essa manifestao inconsciente, livre.
Neste momento a garota no aparece como um prmio, ela no de posse do
personagem principal, como na maioria dos filmes. uma personagem que representa a
mulher mais primitiva, com liberdade, mais limpa da sociedade conservadora e moderna ela
vive em tal sociedade e contestadora como Travis. No fundo ela faz parte do sonho de Mick,
e continua a fazer sem que percebamos, ao longo da luta final do personagem principal e a
instituio da qual obrigado a continuar. O jovem revolucionrio mantm contato com o
mundo de maneira parcial, e a garota um tipo do mundo que d ao personagem o empurro
s prticas subversivas.
Travis o lder de um levante que est para acontecer, e, como j foi dito,
inevitvel. O anncio est no episdio Forth to War, em que pregam uma pea em um dos
diretores do colgio disparando com balas de verdade contra aquela classe que os comanda.
Em vez daquela punio com chicotadas que vimos no episdio Discipline, h a surpresa:
Vocs so muito inteligentes para serem rebeldes, diz um dos diretores, dando trabalho para
os revoltados. Uma tentativa de cooptao malfadada. Travis conhece sua influncia e,
principalmente, o perigo que ele causa instituio. Praticamente no h punio aps o forte
castigo das chicotadas uma tentativa de apaziguamento por parte dos aristocratas diretores.
A cooptao a segunda tentativa de conter os revolucionrios com uma coero
de teor diferente. A tentativa da disciplina como educadora se d nestes dois mbitos: um
8 Missa criada por balubas do Congo belga e pelo padre Guido Haazen
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mais bruto, outro mais brando. Os dois esto intimamente ligados a uma tentativa de se
educar com intuitos disciplinares, ou seja, o carter autoritrio no se extingue. Dando
trabalho para os estudantes eles ocupariam suas mentes e deixariam as traquinagens de lado.
No acontece com Travis e seus colegas porque o mtodo no importa no sistema
dividido em classes dominantes e dominadas. Travis acha impossvel fazer parte dessaestrutura, por isso dogmatiza a luta, a revoluo ele, como heri, se coloca no sentido da
histria que assistimos ser contada.
O que Lindsay faz com o personagem principal evidenciar uma maneira de se
encarar a instituio educadora que reflete um Estado. Apesar de ser um olhar radical, o autor
mistura dois universos praticamente extremos: no h proximidade, apenas conflitos. Se h
apenas confrontos, ento no h a tragdia h o pico. No desenvolver do filme ns
prevemos uma soluo, ao final, no muito distante das ebulies sociais que aconteciam napoca. O qu educador, pedaggico est tambm em Lindsay, como em Brecht. No h um s
filme de Anderson que a inteno de mobilizar o espectador no esteja presente. O caso de
If... particular, porque ele lida com um assunto de maneira direta. A idia explicitar o
aparelho ideolgico do Estado, alm de provocar o espectador com isso. Algo nico da
dcada de 60, do sculo passado.
Segundo o autor, sua viso pessoal (personal view) sobre o colgio metfora para
a sociedade inglesa, determinada em uma diviso rgida de ambientes sociais, extremamente
tradicional e excludente em sua base ideolgica, distante da abertura para o dilogo ainda
que, para a opinio geral do mundo, fosse difundido o contrrio. Um melhor estudo do Free
Cinema pode nos fazer encontrar outros ndices dessa sociedade to pouco observada, ainda
que com tanta influncia cultural nos costumes ocidentais. Em geral, If... , em seu exagero
pico e revoltante, uma caricatura no cmica do que o espetculo britnico revelado em
crtica, na linguagem da poca de modernizao e inovao dos cinemas novos anti-
colonialistas.
8/4/2019 If...a proposta social de Lindsay Anderson e do Free Cinema
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