If...a proposta social de Lindsay Anderson e do Free Cinema

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    If... A proposta social de Lindsay Anderson, e do Free Cinema

    If... The social purpose of Lindsay Anderson and the Free Cinema

    O presente artigo se coloca como uma apresentao

    do que se chamou Free Cinema, movimento de

    jovens cineastas que teve incio em meados da

    dcada de 50 e deu visibilidade cultura europia

    temticas como o conflito de classes e o trabalho

    operrio sob o olhar de jovens diretores ingleses de

    cinema.

    Palavras chaves: novo cinema, autoritarismo, modernizao

    The following article puts itself as a presentation of

    what was called Free Cinema, young moviemakers

    movement that beginning at the decade of 50 and

    gave visibility to the European themes as the class

    conflicts, the labor work under the youths' English

    directors glance.

    Key words: new cinema, authoritarism, modernity

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    Em fevereiro de 1956 quatro jovens residentes na Inglaterra publicam um

    manifesto com o impulso da vanguarda no cotidiano do cinema britnico. Ao lado do

    manifesto a favor de uma liberdade de criao e de expresso, vinham os filmes: trs curtas

    metragens: Momma Dont Allow (dir. Karel Reizs/Tony Richardson, UK, 1956, 22min),Together(dir. Lorenza Mazzetti, UK, 1956, 52 min) e O Dreamland(dir. Lindsay Anderson,

    UK, 1953, 12 min). Os filmes foram exibidos no National Film Theatre - NFT de Londres

    com a inteno de facilitar a exibio dos vrios curtas metragens feitos pelos angry young

    men, grupo de jovens de esquerda. Free Cinema o nome do movimento do novo cinema

    ingls.

    Junto exibio vem o tal manifesto que aparece em um panfleto bastante bem

    cuidado, distribudo no NFT, demonstrando aos distrados que a inteno dos autores era

    produzir filmes essencialmente diferentes dos que vinham sendo feitos os conhecidosdocumentrios ingleses, em sua maioria com o formato didtico simples, e fices bastante

    tradicionais. A regra comum das produes no pas at ento era a de produzir pelculas

    classificadas pelos espectadores mais jovens como obras entediantes1. A Inglaterra, neste

    momento, era internacionalmente conhecida por seus documentrios, edificados pela

    pedagogia de um John Grierson, junto ao Estado na administrao do Empire Marketing

    Board EMB.

    No manifesto do novo cinema eles afirmam que a perfeio no a meta - e que

    somente da atitude que nasce um estilo. Uma tentativa de trazer realidade para as telas e

    quebrar, romper com o esquema de produo ingls da dcada de 50. O Free Cinema no

    ficou conhecido por inventar outras normas de linguagem, principalmente alm das narrativas

    disponibilizadas pelo cinema clssico americano, como aconteceu depois nos filmes da

    Nouvelle Vague francesa, alguns anos mais tarde, incio da dcada de 60. No entanto, os

    primeiros filmes apresentados no NFT, ao lado do manifesto explicativo dos filmes,

    demonstram uma ligao bem maior dos novos autores ingleses com a baliza cinematogrfica

    europia, mais especificamente aquela em que Jean Vigo e demais diretores afeitos

    vanguarda experimentaram alguns anos antes. E, como no poderia ser deixado de lado, a

    carga narrativa e dramtica do neo-realismo italiano.

    1 Since the war most documentaries have been entirely boring because their content has been censored by thosewho have made them according to the dictates of the most static, uncreative concern possible: a concern withPrestige - either national or commercial. Cf. BERGER, John. Look at Britain. Sight & Sound, 1957. p. 12-14.

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    Os curta-metragens citados e o manifesto do cinema livre abrem horizontes, bem

    como faziam as vanguardas artsticas, e do o que podemos chamar de aval para dois anos

    mais tarde a nova onda francesa chegar mais aguda, mais crtica e rdua na busca pela

    liberdade no cinema. Na Frana, o contexto de aparecimento da poltica de autores, por

    exemplo, semelhante ao dos jovens do Free Cinema. Assim como a renomada e influenterevista francesa de cinema Cahiers du Cinma era o peridico Sequence, editado pelos

    tambm futuros diretores de cinema Lindsay Anderson, Karel Reisz e Gavin Lambert, na

    Inglaterra.

    H muito pouco traduzido ou escrito sobre essa vertente do cinema, esta que

    certamente foi ofuscada pela maestria dos demais movimentos dos jovens autores da poca.

    No Brasil, principalmente praticamente no h referncias. Entretanto, este artigo, embora

    sem maiores pretenses tericas, tem como inteno dar uma introduo para os que no tm

    conhecimento da influncia da Inglaterra, algumas narrativas ps-guerra que mostramcontradies sociais, seu modo peculiar de fazer o espectador, leitor, observador de arte

    perceber seu mundo extremamente conflituoso.

    A sociedade doFree Cinema

    Tambm no ano de 1956 a Unio Sovitica invadia a Hungria, fato que provoca a

    desfiliao de vrios integrantes do Comunist Party na Inglaterra. Surge ento uma nova

    indicao para uma esquerda mais crtica aos moldes do partido, que a Nova Esquerda (New

    Left), com intelectuais como o Perry Anderson, J.B.Thompson, Raymond Williams e outros

    em sua base. Essa nova esquerda, crtica de um chamado marxismo vulgar e antiquado, se

    mostrava atuante tanto nos estudos como nas prticas (prxis). Thompson escreve The

    Making of The English Working Class (1963), surge a New Left Review (revista da nova

    esquerda) em 1960 ao lado das publicaes h uma reforma de antigos clubs. Nos anos 30

    os clubs eram freqentados pelos membros do Partido Comunista ingls. Na dcada de 1960

    reeditam-se, em vrias cidades, os New Left Clubs, que atraam um nmero expressivo de

    freqentadores.2

    Agora nos chamados de New Left Clubs, aparecem novos artistas que ganham a

    alcunha de Angry Young Men, jovens que criaram no s o novo cinema, mas uma nova

    2 CEVASCO, Maria E.Dez lies sobre estudos culturais. So Paulo: Boitempo, 2003. p 89

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    literatura e teatro se reuniam para discutir esttica e poltica. No fosse esse clima de ebulio

    da nova esquerda no haveria espaos, por exemplo, para ritmos relegados marginalidade no

    pas de origem, mas que se tornaram gneros musicais bastante populares entre os jovens na

    Inglaterra: o jazz e o blues americanos ritmos negros que foram , assim como o reggae na

    era do punk ingls, afirmados como msicas revolucionrias pelos jovens. Na verdade, ali sedavam os primeiros passos para uma crtica no bojo dos estudos culturais.

    Lindsay Anderson, um jovem nascido em Bangalore na India, encabea o

    movimento do Free Cinema no pas colonizador, neste momento histrico em que h uma

    forte represso por parte de governos ainda caracterizados como imperialistas, como o da

    Inglaterra, ao mesmo tempo com uma miragem comunista na sia. A causa da represso dos

    tais governos tradicionalistas era justamente a fantasmagrica ameaa comunista, lgica

    diretamente ligada polarizao poltica posta pela guerra fria. Anderson filma com ironia

    desde o incio de sua carreira: Wakefeld Express (1953),Trunk Conveyor(1954),ThursdaysChildren (junto a Guy Brenton, 1955), Foot and Much (1955), Henry (1955), antes de O

    Dreamlande Every Day Except Christmas, este ltimo um documentrio sobre o Mercado de

    Convent Garden, onde j se v uma pequena crtica ao trabalho. Lembremos que os filmes

    documentrios da poca eram muito devedores do partido trabalhista e de toda a poltica

    impressa pelo estilo da EMB.

    Aps algumas produes tambm para a TV, Anderson convidado a participar de

    festivais de cinema pelo mundo. volta para a Inglaterra, ele afirmaria:

    Eu trabalho para o cinema, o que me proporciona uma razo mais parame sentir desalentado sempre que regresso Gr-Betanha. Devemos reconhecerque esse meio de trabalho sempre difcil, em qualquer parte do mundo, mastambm h que confessar que so muito poucos os pases nos quais se d aocinema uma utilizao to pouco significativa.3

    Sua crtica vai ao snobismo ingls. Enquanto ele via um humanismo geral sendo

    privilegiado nos filmes em festivais como o de Cannes, onde desde filmes de Jean Rouch at

    pelculas norte americanas tinham a inovao da linguagem e o ponto de vista de uma grandeparte dos desfavorecidos do mundo, tal privilgio tico no era fundamento do cinema ingls.

    Para contrapor ao humanismo dbil do nosso cinema, temos de dizerclaramente que e anti-inteligente, emocionalmente inibido e deliberadamente cego

    3 ANDERSON, Lindsay.Depoimentos dos Angry Men. Lisboa: Presena, 1963. p. 201.

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    s condies e problemas do momento atual, e que se dedica a um ideal nacionalcompletamente antiquado e exausto.4

    J no filme If...(Lindsay Anderson 1968, dez anos depois do incio do

    movimento do cinema livre), o que vemos uma tentativa de apresentar e expor a

    densidade de sua poca, alm de trazer o ar ingls da ironia e realismo uma contestao

    polida, porm incisiva, com traos de rompimento com o velho cinema para distrao das

    massas. Ns vemos, por exemplo, em filmes como A Taste of Honey (Tony Richardson,

    1961), This Sporting Life (Lindsay Anderson, 1963) e em Look Back in Anger(Tony

    Richardson, 1958) a tentativa de humanizar o personagem com um discurso concernente

    working class (classe trabalhadora) que a protagonista nas histrias. Em suma, os autores do

    Free Cinema no nos mostram apenas personagens ou histrias no sentido convencional, mas

    conflitos entre classes que no se resolvem. Com influncias do teatro de Brecht, com uma

    trama episdica,If... faz do contar histrias uma magia que explicita os truques para a platia.

    O social explcito uma espcie de cinema poltico

    Os conflitos nos filmes chamam a ateno para uma sociedade que se v enraizada

    em suas castas, onde praticamente no existe a mobilidade entre seus universos esse o

    cerne da revolta constante contra a grandeza ritualista da monarquia britnica, presente nos

    roteiros dos autores do Free Cinema. Enquanto uns personagens vivem conforto outros no

    saem da condio de oprimidos, como veremos mais adiante no filme analisado.

    Em tempo, bom ressaltar que o personagem, em filmes, apesar de possuir toda a

    carga de uma herana da literatura que o cinema carrega, , em narrativas esquemticas, um

    epicentro da ateno do espectador. Neste mbito, uma grande e vasta teoria sobre a

    percepo e da situao do espectador diante do aparato cinematogrfico (sala escura, tela

    grande, projeo, recepo social, etc.), no conjunto com a poca de If... nos elucida a crtica

    proporcionada com os artifcios prprios da fragmentao do olhar e do posicionamento

    poltico diante da criao, elaborao e difuso de uma histria que contada em textoaudiovisual. Edgar Morin, antroplogo, abre espao na dcada de 50 para uma discusso

    desse aparato cinematogrfico e sua realidade, termo bem usado pela crtica francesa, chave

    para, por exemplo, a teoria de Andr Bazin.

    4Id. Ibdem. p. 202.

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    Segundo Morin5, o cinema nos instiga a pensar um humano imaginrio,

    provvel prolongamento do humanismo, base da noo de realismo to preocupada com a

    tica ocidental. Ainda que em alguns filmes esse pressuposto ocidental e cannico seja posto

    em evidncia, a percepo humana atuaria no imaginrio como entorno de vrias criaes

    artsticas. Por isso a preocupao bsica de boa parte da crtica em focalizar os personagens eelaborar o mundo no qual ele vive, ou seja, a realidade flmica categorizada pelo termo

    diegese (aquilo que faz parte unicamente do universo narrativo do filme).

    Os personagens expressados pelo grupo do Free Cinema, so, em geral:

    1)- de uma classe mdia baixa com inspirao aristocrtica opo, que na

    maioria das vezes aparece justamente como um n das narrativas no conflito de interesses

    com outros personagens, cujo desenvolvimento narrativo se d na falta de dilogo e teleologia

    da histria; 2)- os outros tipos que entram no conflito so trabalhadores, operrios,

    marginalizados ou prejudicados pela sociedade moderna capitalista que os exclui. Nestesltimos personagens se v um engajamento contra as estruturas bastante fincadas

    culturalmente pela tradio conservadora que aparece forte na Inglaterra fato que d

    maioria dos filmes um teor dramtico social. Tal diviso de caracteres tambm basilar em

    vrias obras crticas modernidade industrial que se desenvolvia no mundo ps-guerra, ponto

    que adquiria, em certa medida, abrangncia universal em terminologias marxistas, bem

    comuns nas dcadas de 50 a 60.

    Peguemos como exemplo o filme A Taste of Honey. Uma me deixa a filha

    adolescente para viver com um senhor de uma classe mais abastada que a sua, coisa que a

    menina no aceita, muito menos ns, espectadores que nos identificamos com a personagem

    principal. O crescimento dela, sua chegada na etapa adulta, sua gravidez inesperada a obriga a

    resolver tudo como uma mulher j experiente. Vive ento em um apartamento pequeno

    dividido com um novo amigo homossexual vendedor de sapatos na marginalidade e sem

    dinheiro. A me seria um tipo que se doa a um sistema de tradies, ao lado de um marido de

    classe mais alta que a sua, que ignora a menina, e o adulto que representa a ostentao de

    poder, com resqucios do conservadorismo vitoriano. A adolescente ao contrrio: no se

    adapta porque no desgarra de seu passado rstico e presente rude. Por este motivo a garota,

    personagem principal do filme, sente ojeriza ao mundo adulto, o tradicional e velho, e em

    contrapartida uma empatia pela infantilidade, vis supostamente mais livre de toda a angstia

    do mundo moderno. Vemos ento conflitos da esfera social, ainda que sob as regras do

    5 Cf. MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginrio. Lisboa: Moraes,1980. pp.155-158

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    psicolgico, familiar, casos que enriquecem a crtica que se propunha pelo grupo de jovens

    cineastas.

    Anlise deIf...

    Todos os personagens emIf... so estudantes de uma mesma escola, convivem em

    um mesmo territrio fechado. A distino social exibida com clareza, de maneira quase

    caricatural, havendo uma forte represso exercida pelos alunos e suas diferenciaes de

    mrito de nascimento (castas, ou classes sociais) e no pelos professores. Isso demonstra

    uma autoridade que pode ser exercida de maneira consensual dentro de uma estrutura maior, e

    que a punio aparece, nestes casos, quando convm a um tipo de indivduo, e no num

    intuito pedaggico. Os professores ou diretores do colgio no atuam na punio sem a

    intermediao dos alunos superiores. este o ponto chave do filme. As roupas, trejeitos, o modo de falar e at mesmo o

    olhar evidenciam a distino de classes em If... . As ordens de uns alunos monitores,

    denominados seniors, que agem como ces de guarda da administrao autoritria, o colgio

    como reflexo desse governo, valem para todos os que estudam no local. EmIf... o colgio tem

    a aparncia de uma instituio reformadora de jovens infratores. Neste bojo que o

    autoritarismo aparece como chave central: a escola um brao do Estado, com o aval e

    presena determinante de uma tica religiosa. O College House de If..., segundo o prprio

    diretor Lindsay Anderson, uma amlgama de trs escolas pblicas diferentes, dentre elas

    uma que ele estudou a Cheltenham College, que somente desiste de ceder suas locaes

    quando descobre o contedo do filme. Algo de lrico se v no filme autoral de Anderson.

    J a imagem da autoridade se d, neste caso, portanto, no pelo exerccio da fora

    com base na tradio e na igreja, junto ao Estado, mas pelo medo da punio. Medo este que

    brota da maioria: s no dos mais inconformados, como a brigada do personagem Mick

    Travis o revolucionrio de Lindsay, que surge como heri para o diretor em seus filmes.

    Ainda que se veja a insatisfao de alguns alunos, que tambm, no geral, so os que compem

    a estrutura. O poder institudo visvel pela atuao dos seniors, e da diretoria do colgio,

    enquanto falta na maioria dos alunos. Essa sobra de poder daqueles que confirmam e

    compem a estrutura est em todos os espaos da instituio como uma fora fantasmagrica,

    desde o ginsio at o dormitrio.

    O conflito de classes nos filmes do Free Cinema se d tambm nas entrelinhas,

    espontneo, e se aproxima dos estudos da sociedade inglesa da poca. Aproxima-se do que

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    realmente acontecia o ttulo If... (algo como E se...) j induz uma ligao direta com o

    mundo em guerra intil, contra qualquer que se dissesse socialista. Junto ao anticomunismo, o

    autoritarismo arcaico do tradicionalismo europeu, vitoriano, no caso ingls, aquele

    profundamente rejeitado pelos estudantes na dcada de 60. A citao do poeta muito

    conhecido e controverso na Gr Betanha, Rudyard Kipling, autor da famosa histria domenino Mogli, adaptada pela Disney.

    O Free Cinema como movimento jovem no mais existia em 68. Porm, Lindsay,

    um dos mentores dos panfletos e exibies na dcada de 50, continua com a contestao

    evidente em seus filmes. Partimos dos recursos estilsticos que inquietavam o espectador pela

    soluo final dada no filme, e pela aproximao que h entre o narrado pela diegese e a

    sociedade de 68.

    Verdade6

    As semelhanas entre Zero de Conduite (Jean Vigo, 1933) e If... no parecem ser

    ao acaso. Na verdade a revolta dos alunos do filme de Vigo gritando palavras de ordem rumo

    liberdade e as tticas de luta guerrilheira em If... so prticas ficcionais, metforas de uma

    situao: violncia que o Estado proporciona com sua autoridade via fora e a luta de jovens

    contra o tradicionalismo, o antigo. No seria exagero comparar a instituio educacional de

    Zero de Conduite priso de crianas e adolescentes de um outro filme como Sciusci

    (Desvio de Conduta, Vittorio de Sica, 1945). Nesta linha vem-se diretores que questionam a

    educao em formatos autoritrios e sectrios, que segmentam a juventude num projeto de

    sociedade tambm excludente e segmentada. Acontece em propores e rigidez diferentes,

    mas que marcam poca, pois no havia a concordncia com tal exerccio da fora coercitiva.

    Neste sentido, a criana que h no revolucionrio visvel, como numa metfora. Lembremos

    de Taste of Honey, quando a personagem principal no consegue se adequar ao mundo adulto,

    e acaba junto s crianas. Essa dificuldade de mudar as condies sociais antigas europias

    um empecilho de uma revoluo jovem que ocorre em 1968 rumo a um tipo de libertao

    ainda que muito questionada na poca e futuramente.

    6 O termo verdade, quando usado com referencia a obras de arte ou de fico, tem significado diverso. Designacom freqncia qualquer coisa como a genuinidade, sinceridade ou autenticidade (termos que em geral visam atitude subjetiva do autor); a verossimilhana, isto , na expresso de Aristteles, no a adequao quilo queaconteceu, mas quilo que poderia ter acontecido; ou a coerncia interna no que tange ao mundo imaginrio daspersonagens e situaes mimticas; ou mesmo a viso profunda e ordem filosfica, psicolgica ou sociolgica da realidade. Cf. ROSENFELD. A.A personagem de fico. So Paulo: Perspectiva,1969. p 18

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    Lindsay Anderson era crtico de cinema nas revistas Sight and Sound, The times,

    ObservereNew Statesman andNation. Foi editor da revista Sequence (1947-51) e escritor de

    livros, como Making a Film. Esse diretor pode ser considerado o lder do Free Cinema

    britnico pelo menos o maior agitador. Seus filmes tinham tramas baseadas emacontecimentos conflituosos com o mximo de realismo social, justamente para incitar os

    nimos sociais. Ele presenteava a sociedade britnica com panfletos ficcionais irnicos, bem

    ao estilo ingls de acidez pblica. Essa ironia de Lindsay tem uma particular semelhana com

    a expresso do manifesto Free Cinema7, de 12 anos antes deIf... .

    O diretor no criava dramas para, ou comover, ou dar platia uma expresso de

    conformismo, de um mundo pacfico ou que se fecha em si mesmo imutvel. A inteno

    maior do autor parecia ser lidar com a platia como numa plenria, perguntando sempre qual

    o destino, ou o que ela achava tornando-a sujeito da exibio do filme, algo prximo doteatro de Brecht. Diramos que o final de If... inverossmil, ou seja, na realidade ele no

    aconteceria do modo diegtico estudantes revolucionrios assassinam os diretores,

    sacerdotes, professores e alunos traidores, metforas do sistema tradicional. Fica claro que o

    discurso do autor numa alegoria revoluo social to presente como moda na dcada de

    60. Assim ele nos leva a um universo em que quem nos conduz um estudante revolucionrio

    que aglomera foras desde o incio na histria para subverter a ordem de maneira

    inimaginvel (fora do real, ou surreal) mas nos convoca diretamente possibilidade de

    fazer o mesmo, questionando a verossimilhana instituda pela percepo do homem-comum.

    Toda essa discusso pode ser vista apenas no ttulo do filme aqui analisado. Ele

    tem outro significado aparentemente diferente de quando surge ao incio, porque ao fim de

    toda a histria que vemos, ao ver o a palavra If... como epitfio flmico, coloca-se toda a carga

    irnica. Ele diz Se..., mas entendemos como uma pergunta platia, ou uma motivao

    afirmativa aos jovens se rebelarem contra as instituies de sua poca. Ao fundo do ttulo est

    o diretor com sua intencionalidade poltica jogando lenha na fogueira das manifestaes

    sociais anti-imperialismo. Seria uma afirmao? Na verdade, quando se trata de cinema o

    discurso fica mais ambguo que em outra arte, como no teatro. Imaginemos a afirmao Se...

    ao final de uma pea com a mesma histria do filme. Seria com certeza uma afirmao com

    inteno da pergunta: voc acredita nisso que eu acabei de mostrar? O distanciamento

    brechtiano caminha em outra direo. J que os artifcios que do histria contada esto, ao

    7 ANDERSON, L. et all. Free Cinema: Original 1956 Programe. Disponvel emhttp://www.bfi.org.uk/features/freecinema/programme/prog1.html

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    longo do tempo, sendo explicitados, o autor se torna o contador, o narrador, como no filme de

    Lindsay. Ainda com Morin, a projeo do espectador viso do personagem, ou da conduo

    diegtica que impe o diretor, num distanciamento brechtiano cinematogrfico, distende a

    veracidade para um nvel do discurso, saindo ento de uma fbula mais infantil onde a

    verossimilhana perpetuada em uma crena na realidade gravada. Mesmo o gravado, emcinema, manipulado pela montagem esta que evidenciada e sobreposta como elemento

    eisensteineano de dilogo com o pblico, e de edificao do citado discurso do autor do filme.

    Apenas dizendo com um letreiro escrito Se..., no vemos como um eis um Se... ficcional,

    um cdigo a ser interpretado como a palavra denota. Vemos uma afirmao diretamente ao

    olhar da platia: um dilogo direto, no velado, entre o diretor e a platia. Assemelha-se,

    portanto, provocao de uma pergunta. O diretor solta sua ironia mostrando a violncia de

    oprimidos numa redeno ao fim da histria contada, em algo que certamente poderia ser

    assimilado como um deux ex machina.No ano de exibio de If... h por todo o mundo rebelies estudantis que hoje se

    encontram nos livros de histria. Na Frana houve a grande greve geral de maio de 68, o que

    refletiu a nsia pela revoluo socialista, j vista em certa medida nos filmes de Vigo e

    Anderson. Nesta ocasio os estudantes criam verdadeiras barricadas nas ruas, junto ao

    movimento operrio, provocando um dos momentos mais conturbados do ps-guerra. O que

    assistimos no filme um afluente de tal inconformidade social o Estado no mais se

    sustentava em sua autoridade via monoplio da fora e violncia, conservando costumes

    execrados pelos jovens estudantes, os eternamente contra a tradio. Seria uma tentativa de

    guerra civil contra uma aristocracia burguesa que exerce seu poder em prol do passado,

    sendo que o presente os denuncia como autoritrios em demasia. Eles seriam os adultos - os

    inimigos -, idia que se v, por exemplo, na msica My Generation, do grupo Ingls The

    Who.

    O protagonista e seu percurso revolucionrio

    Mick Travis (representado pelo ator Malcom McCdowel), personagem principal

    dos trs filmes de Anderson que compem a trilogia If..., O Lucky Man eBrittania Hospital ,

    retira das revistas o mundo exterior do colgio - figuras de revolucionrios e mulheres de

    propagandas publicitrias. Os meios de comunicao publicam uma realidade totalmente

    diferente daquela que Travis vive dentro do College House: sem revoltas, sem mulheres, sem

    aberturas e anseios de liberdade. As imagens nas paredes reproduzem um mundo conflitante

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    entre pases imperialistas e colnias. Fotografias de Che Guevara (hoje adequadas s camisas

    e psteres, mas na poca nem tanto) e dos panteras negras do ao personagem do estudante

    oprimido o mpeto de revolta que era comum no contexto do filme. Esse conflito entre pases

    imperialistas e colnias, ocupantes e ocupados, dominadores e dominados era o mote

    conjuntural para o sentimento revolucionrio de Travis em If... pois o mundo sentia no ar asrevoltas constantes nas manifestaes contra a guerra do Vietn. Esta no parecia apenas uma

    guerra, mas uma balanada no muro ideolgico que existia entre os chamados 1 e 2 mundos,

    sendo que o palco do conflito era um pas de 3 mundo situado no extremo oriente. O

    posicionamento era claro com a radicalizao dos jovens, muitos convocados pelo Estado

    guerra: ou ser imperialista, a favor dos EUA junto a todo o ocidente em sua constituio

    estrutural beligerante j conhecida; ou ser um chamado subversivo, contra o sistema

    tradicional. A lgica ocidental, na poca, baseou-se na fora e coero a qualquer tipo de

    manifestao que tivesse analogia ao comunismo essa lgica rendeu algumas ditaduras anti-comunistas pela Amrica Latina. Travis, o heri do filme, ento, escolhe a mesma opo dos

    estudantes mais radicais de 68 no velho mundo.

    A Europa e suas instituies eram o prprio tradicionalismo, a continuao de uma

    maneira histrica de se comportar diante de seu pas isso era defendido pelos mais

    experientes, pelo exrcito que luta pela ptria, e por integrantes de uma classe mais nobre

    como os seniors, do College House de If.... H uma demanda e uma defesa pelos ttulos de

    nobreza, que no colgio identificamos nos monitores. Estes so arrogantes, e uma minoria.

    Tm acesso melhor comida, s salas e quartos melhores, at mesmo no banho so donos de

    uma banheira afastada dos chuveiros frios. Tudo isso para dar ttulo e, acima de tudo, poder

    sobre todos os outros estudantes. Eles so delegados superiores diante de todos aqueles que

    aparentemente deveriam ser seus semelhantes os estudantes como eles prprios. O

    personagem que direciona a trama, Travis, no pode ter nem mesmo um bigode, no colgio.

    Seus companheiros tm hora certa para dormir, comer, banhar-se e praticar esportes. O

    universo regrado do filme nos faz acreditar que no possuem quase nenhuma liberdade. So

    pressionados a todo o momento pelo olhar vigilante daqueles jovens aristocrticos que se

    impem como superiores.

    A presso se torna insuportvel a partir do momento em que Travis recebe uma

    punio de chicotadas pelos monitores (por mais tempo que o usual das regras da escola). No

    final da punio disciplinar, Travis ainda obrigado a agradecer pelo ato educativo.

    A obra estruturada e dividida em oito episdios. Do retorno s aulas at as

    cruzadas, Mick Travis prev dizendo que o dia est chegando, e todos imaginam o que est

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    por vir. A idia que a revoluo que Mick prega contra o imperativo work-pray do College

    House impositivo para ele. A amostra de liberdade que conseguem desfrutar ao furtar uma

    motocicleta no exterior da escola contrastante com o clima de todo o resto do filme. A

    sensao de liberdade representada pela falta de sentido que se apresenta a partir de ento.

    Ao conhecer a garota no episodio intitulado Ritual and Romance no sabemos quandocomea e quando acaba o sonho do personagem principal.

    Eles esto onde ela trabalha, o Packhorse caf, e ao fundo ouvimos a cano

    Sancuts, da Missa Luba8 ouvida por Travis desde o incio e que d tom ao filme. Mas no s

    a msica tonaliza: o ritual que ela climatiza o mais importante. No h nenhuma

    interferncia do mundo exterior, de uma maneira oposta no interferncia que h no colgio.

    Agora os dois personagens, Travis e a garota, se encontram para at o final da histria. O

    ritual de olhares, de atuao primitiva e de compartilhamento de um mundo parecido igual

    em sua opresso na comparao entre o trabalho dela e o estudo dele. Os dois viram animais,e o encontro marcado por essa manifestao inconsciente, livre.

    Neste momento a garota no aparece como um prmio, ela no de posse do

    personagem principal, como na maioria dos filmes. uma personagem que representa a

    mulher mais primitiva, com liberdade, mais limpa da sociedade conservadora e moderna ela

    vive em tal sociedade e contestadora como Travis. No fundo ela faz parte do sonho de Mick,

    e continua a fazer sem que percebamos, ao longo da luta final do personagem principal e a

    instituio da qual obrigado a continuar. O jovem revolucionrio mantm contato com o

    mundo de maneira parcial, e a garota um tipo do mundo que d ao personagem o empurro

    s prticas subversivas.

    Travis o lder de um levante que est para acontecer, e, como j foi dito,

    inevitvel. O anncio est no episdio Forth to War, em que pregam uma pea em um dos

    diretores do colgio disparando com balas de verdade contra aquela classe que os comanda.

    Em vez daquela punio com chicotadas que vimos no episdio Discipline, h a surpresa:

    Vocs so muito inteligentes para serem rebeldes, diz um dos diretores, dando trabalho para

    os revoltados. Uma tentativa de cooptao malfadada. Travis conhece sua influncia e,

    principalmente, o perigo que ele causa instituio. Praticamente no h punio aps o forte

    castigo das chicotadas uma tentativa de apaziguamento por parte dos aristocratas diretores.

    A cooptao a segunda tentativa de conter os revolucionrios com uma coero

    de teor diferente. A tentativa da disciplina como educadora se d nestes dois mbitos: um

    8 Missa criada por balubas do Congo belga e pelo padre Guido Haazen

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    mais bruto, outro mais brando. Os dois esto intimamente ligados a uma tentativa de se

    educar com intuitos disciplinares, ou seja, o carter autoritrio no se extingue. Dando

    trabalho para os estudantes eles ocupariam suas mentes e deixariam as traquinagens de lado.

    No acontece com Travis e seus colegas porque o mtodo no importa no sistema

    dividido em classes dominantes e dominadas. Travis acha impossvel fazer parte dessaestrutura, por isso dogmatiza a luta, a revoluo ele, como heri, se coloca no sentido da

    histria que assistimos ser contada.

    O que Lindsay faz com o personagem principal evidenciar uma maneira de se

    encarar a instituio educadora que reflete um Estado. Apesar de ser um olhar radical, o autor

    mistura dois universos praticamente extremos: no h proximidade, apenas conflitos. Se h

    apenas confrontos, ento no h a tragdia h o pico. No desenvolver do filme ns

    prevemos uma soluo, ao final, no muito distante das ebulies sociais que aconteciam napoca. O qu educador, pedaggico est tambm em Lindsay, como em Brecht. No h um s

    filme de Anderson que a inteno de mobilizar o espectador no esteja presente. O caso de

    If... particular, porque ele lida com um assunto de maneira direta. A idia explicitar o

    aparelho ideolgico do Estado, alm de provocar o espectador com isso. Algo nico da

    dcada de 60, do sculo passado.

    Segundo o autor, sua viso pessoal (personal view) sobre o colgio metfora para

    a sociedade inglesa, determinada em uma diviso rgida de ambientes sociais, extremamente

    tradicional e excludente em sua base ideolgica, distante da abertura para o dilogo ainda

    que, para a opinio geral do mundo, fosse difundido o contrrio. Um melhor estudo do Free

    Cinema pode nos fazer encontrar outros ndices dessa sociedade to pouco observada, ainda

    que com tanta influncia cultural nos costumes ocidentais. Em geral, If... , em seu exagero

    pico e revoltante, uma caricatura no cmica do que o espetculo britnico revelado em

    crtica, na linguagem da poca de modernizao e inovao dos cinemas novos anti-

    colonialistas.

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    Referncias Bibliogrficas

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