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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Igor Gasparini O corpo e o jornalismo cultural nos processos de mediação com o espectador Mestrado em Comunicação e Semiótica São Paulo 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Igor Gasparini

O corpo e o jornalismo cultural nos processos de mediação com o

espectador

Mestrado em Comunicação e Semiótica

São Paulo 2015

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Igor Gasparini

O corpo e o jornalismo cultural nos processos de mediação com o

espectador

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de MESTRE

em Comunicação e Semiótica, sob a orientação da

Profa. Dra. Helena Katz.

Mestrado em Comunicação e Semiótica

São Paulo 2015

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BANCA EXAMINADORA

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DEDICATÓRIA

Helena Katz, minha orientadora, que tanto contribuiu para

que minhas reflexões se concretizassem nesta dissertação de

mestrado. Obrigado por toda a dedicação e pela orientação desde

2010, ano em que iniciei a pós-graduação latu senso, projeto este

que inspirou esta pesquisa de mestrado, a partir de 2013, e encerra

parte dela aqui.

Tania Ferreira, Isis Gasparini e Frank Tavantti, minha

família, que tanto me apoia neste percurso acadêmico e por me

inspirarem sempre.

Jéssica Alonso, pela amizade e pela revisão do texto.

Aos entrevistados: Sheila Ribeiro, idealizadora do 7x7;

Rodrigo Monteiro, coordenador do 7x7; João Andreazzi, diretor da

Cia Corpos Nômades; Elisabete Finger, idealizadora do

Discoreografia; Daniel Kairoz, diretor do Terreyro Coreográfico;

Marika Gidali, diretora do Ballet Stagium; Antônio Nóbrega, diretor

da Antônio Nóbrega Cia de Dança; Ana Francisca Ponzio, jornalista

do portal Conectedance, meus sinceros agradecimentos.

E também agradeço àqueles que contribuíram para a árdua

tarefa de buscar números de público em seus equipamentos

culturais: Do Centro Cultural São Paulo – Andrea Thomioka, curadora

de Dança, Hozana Ferreira, estagiária de dança; Agnaldo Pavoni,

administrador de salas; Luiz Carlos Vitiello, coordenador de Agenda;

e Walter Tadeu Hardt de Siqueira, assistente da Coordenação

Técnica de Projetos; do Teatro Sérgio Cardoso – Mônica Bammann,

programadora; e da Secretaria de Cultura de São Paulo (Galeria

Olido) – Fernando Dourado, programador.

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RESUMO

O tema principal da pesquisa é a crise que atinge o jornalismo cultural,

homogeneizando cultura e entretenimento, com graves consequências para a

relação do espectador com a produção artística. O objetivo é investigar o

jornalismo cultural tradicional através de veículos de comunicação, sejam eles

analógicos ou digitais, em comparação às plataformas digitais emergentes

realizadasporartistas(Movimento7X7,Discoreografia,entreoutros).Ointuitoéo

de verificar se os espaços específicos dedicados à comunicação da dança são

capazesdeatrair/cultivar/mantero interessedopúblico,emtemposnosquaisa

segmentação impõe‐se como forma de convívio. Para investigar o encontro do

indivíduocomaobra,apesquisaapoia‐senaTeoriaCorpomídia(KATZeGREINER,

2012).Acomunicaçãoobra‐espectadoré trabalhadanaperspectivapropostapor

MARTÍN‐BARBERO(2009),dequeojornalismoculturaltornou‐seumamediação;

e o espectador é visto como um espectador emancipado, a partir de RANCIÈRE

(2010). Ainda fazem parte da fundamentação teórica os estudos de SCOTT

TIMBERG(2015)sobreaclasseartísticaeosdePASCALGIELEN(2013)sobrea

criatividade como uma espécie de fundamentalismo. A hipótese é a de que o

jornalismoculturalespecializadoemdançajáiniciouumprocessodereinvenção,

de modo a enfrentar o silenciamento crescente nas mídias tradicionais. A

metodologia concentrou‐se na revisão bibliográfica, na análise do corpus aqui

recortadoenarealizaçãodeentrevistascomalgunsdosagentesdessecontexto,a

saber,jornalistas,artistaseprogramadoresdeespaçospúblicos.

Palavras‐chave: jornalismo cultural de dança, comunicação obra‐espectador,

corpomídia,relaçãocultura‐entretenimento.

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ABSTRACT

The main focus of this study is the cultural journalism crisis, that

homogenizescultureandentertainmentwithsevereconsequencestotherelation

between spectator andartisticproduction.Thegoal is to investigate the cultural

journalism in the analogical and digital medias, facing the emergent digital

platformsdevelopedbyartists (Movimento7x7,Discoreografia,andothers).The

aimistocheckifthespecificplacesdedicatedtothedancecommunicationareable

to attract/cultivate/maintain the public interests, in a moment in which the

segmentation is imposed as a form of coexistence. To investigate the relation

between the individual with the art piece, the research is based on the Teoria

Corpomídia (KATZ and GREINER, 2012). The communication piece‐spectator is

worked considering the perspective proposed by MARTÍN‐BARBERO (2009),

wherethecultural journalismbecomesamediation;andtheviewerisseenasan

emancipated spectator, according to RANCIÈRE (2010). The studies of SCOTT

TIMBERG(2015)abouttheartisticclass,andtheonesofPASCALGIELEN(2013)

about the creativity as a fundamentalism are also part of the theoretical

foundation.Thehypothesisisthattheculturaljournalismspecializedindancehas

already initiated a reinventionprocess, in order to face the increased silence on

traditional medias. The methodology was concentrated in literature review, the

analysis of a selected corpus and interviews with some of the agents of this

context,namely,journalists,artistsandcuratorsofpublicculturalplaces.

Key‐words: cultural journalism in dance, piece‐spectator, bodymedia, culture‐

entertainment.

 

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Sumário

Introdução ......................................................................................................................... 7

Capítulo 1. A crise no jornalismo cultural ...................................................................... 14

1.1. A cultura-entretenimento ........................................................................................................ 18

1.2. Gêneros jornalísticos .................................................................................................................. 36

1.3. Arqueologia da crítica de dança ........................................................................................... 44

Capítulo 2. A comunicação obra-espectador ........................................................... 54

2.1 Apontamentos sobre a quantidade de público em São Paulo ............................................. 60

2.2 Ainda sobre a comunicação obra-espectador ............................................................................ 67

2.3 O problema ............................................................................................................................................... 73

2.4 A cadeia de produção do mercado artístico ............................................................................... 79

2.5 Comunicar a dança ................................................................................................................................ 93

Capítulo 3. O espectador como questão ................................................................. 95

3.1 Espectador-obra, a relação que não se esgota ....................................................................... 114

Bibliografia .......................................................................................................... 123

Anexo 1 – Entrevistas .......................................................................................... 128

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INTRODUÇÃO

Existe uma lacuna no processo de comunicação da cultura hoje no Brasil. A

tarefa que se impõe é a de aliar a compreensão crítica da crise no jornalismo cultural

às diversas iniciativas emergentes no ambiente digital. Uma vez que a comunicação

ocorre permanentemente, mesmo quando se dá na forma da incomunicação, o

processo de comunicar é cada vez menos o de transmitir informação e cada vez mais o

de negociar e conviver (WOLTON, 2010). A partir disso, se faz necessário ultrapassar o

modelo unidimensional da comunicação no jornalismo cultural e nele incluir a

dimensão relacional. “Informar, expressar-se e transmitir não são mais suficientes para

criar uma comunicação.” (WOLTON, 2006, p.31).

A arte contemporânea, em suas variadas formas de manifestação, enfrenta

dificuldades para comunicar-se. Com uma abrangência enorme e reunindo as mais

variadas perspectivas, inspirações e técnicas, tende a tornar-se objeto de preconceito,

pois desenvolve pouca familiaridade com o público por não fazer parte das

informações presentes no seu cotidiano. E sem um convívio no qual possa educar a sua

sensibilidade com este tipo de produção artística, o público lida com ela buscando o

mesmo tipo de comunicação praticado na linguagem verbal, que é centrado no

significado. Procura identificar a intenção do artista criador e entender a mensagem

proposta pela obra para formular uma legenda explicativa para o que assiste.

O objetivo desta dissertação é investigar os agentes envolvidos na relação entre

obra e espectador, ampliando o conceito de mediação (MARTÍN-BARBERO, 2009) em

arte à luz da Teoria Corpomídia (KATZ e GREINER, 2012). E aqui se parte da proposta

de que isso ocorre em um contexto no qual o jornalismo cultural tem papel de

destaque, visto que pratica a substituição da arte pelo entretenimento.

Segundo Sérgio Luiz Gadini1, uma tendência cada vez mais crescente na

cobertura jornalística de cultura no Brasil contemporâneo é a gradual redução do

campo cultural para o que se denomina de entretenimento que, não por acaso,

significa diversão e passatempo.

1 Professor de Jornalismo e do mestrado em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa/UEPG, no Paraná.

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“Um outro aspecto a ser considerado, nessa ‘conversão’, é o fato de que

a informação sobre o star system não se sustenta apenas no filme,

telenovela, seriado ou realities e talk shows, mas no mecanismo

identificador que geralmente está centrado na vida do ator/atriz dos

referidos programas e produtos. Aqui, o entretenimento se associa à

publicização da vida privada e ao personalismo” (GADINI, 2007, p. 1).

Gadini traz ainda mais um aspecto associado a este processo: a tradição do

colunismo social presente no jornalismo brasileiro, herdado principalmente das

revistas de variedades. E, ao que tudo indica, “o problema residiria, na maioria das

vezes, nas grandes corporações que operam na lógica comercial do consumo – seja

pela espetacularização ou pela lógica do entretenimento” (GADINI, 2007, p. 2). Herom

Vargas, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade

Municipal de São Caetano do Sul – USCS, complementa:

“A questão é simples: como toda mercadoria dentro do sistema

capitalista, a notícia não escapa do valor de troca, do rótulo colorido e

prazeroso, da divulgação em públicos gerais ou específicos, do dever de

ser interessante, atual e de fácil entendimento, do baixo custo de

produção, da facilidade de acesso e, por fim, de sua função de gerar

lucros à estrutura industrial que a produz, seja ela pequena, média ou

grande. E, se isso acontece com qualquer produto consumido na

sociedade contemporânea, no jornalismo não é diferente” (VARGAS,

2004, p.2).

Nesta lógica capitalista, grande parte do espaço dos cadernos culturais é

destinado à publicidade e à divulgação dos espetáculos. Neste caso, são mídias

compradas pelos próprios projetos dos artistas com recursos das leis de incentivo, que

destinam em torno de 25% de seu orçamento para esta finalidade. Projetos maiores e

com mais verba destacam-se diante daqueles de menor orçamento. Com isso, a mídia

espontânea, a cobertura de assuntos de interesse coletivo, ou a crítica de dança,

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consequentemente, possuem cada vez menos espaço no jornalismo impresso e na

televisão.

“A divulgação de eventos e dos produtos da Indústria Cultural se

apropria dos espaços da cobertura diária, o que, muitas vezes,

condiciona a liberdade criativa e impossibilita o desdobramento para

uma reflexão mais analítica, crítica e social sobre o conteúdo. Os

espaços destinados à cultura tornaram-se uma grande agenda, onde até

se paga para que matérias sejam publicadas”. (GONZALEZ, 2009, p. 3).

Para Marika Gidali, diretora do Ballet Stagium2, não houve diminuição de

espaço apenas para a dança nos veículos de comunicação, mas para qualquer

manifestação artística, o que implica precisar lidar com outras mídias,

“porque quem tem dinheiro, compra. Por exemplo, se você pega um

jornal com uma página inteira de qualquer global que seja, e você está

ali pequenininho do lado, é um desserviço até. Fica até feio. Então, não

vale nem a pena fazer. Nos Guias, dá para fazer uma coisinha melhor,

mas fora, é uma concorrência absolutamente visual mesmo. (...) Então,

tem que pensar muito bem em como gastar o dinheiro da divulgação

para que você não seja um ‘primo pobre’ daquela coisa toda, porque é

muito chato. Antigamente, nos anos 1980, por exemplo, se você

dançasse no bairro e pusesse um pequeno quadrado, um 10 cm x 10 cm

no jornal, você estava salvo. Você tinha público na certa. Então, era uma

mídia que valia a pena. Hoje, não. Não é por aí. Mudou. Então, tem que

ser rádio, que é muito bom, tem que ser Face, tem que ser Blog, tem

que ser por outros caminhos” (GIDALI, 2015, Anexo 1, p. 146).

2 O Ballet Stagium foi fundado em outubro 1971, na cidade de São Paulo, sob a direção de Marika Gidali

e Décio Otero. Contou com o apoio e influência da classe teatral local e ficou conhecido nacionalmente

por seu projeto de engajamento político. A Companhia inaugurou uma “maneira” de fazer dança no

Brasil.

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Em que momento, porém, o jornalismo se mistura com o entretenimento? É

possível delimitar um e outro? Para Márcia Franz Amaral (2008), o jornalismo desloca-

se para o entretenimento em todos os movimentos cujo objetivo não seja ampliar o

horizonte e o conhecimento do leitor, o que pode ocorrer na seleção do fato, no seu

enquadramento ou na estrutura da notícia. Adiciona-se aqui a crescente diminuição da

intenção de informar e refletir, substituída pela de distrair, divertir e entreter.

“Uma notícia pode ficar circunscrita à diversão por motivos de ordem

empresarial (venda por sedução da capa, por exemplo) ou por falta de

competência do jornalista. (...) Se é verdade que o entretenimento

informa, também é correto afirmar que essa não é sua função precípua,

assim como ao discurso jornalístico não cabe divertir” (AMARAL, 2008,

p. 66).

O jornalismo mistura-se com o entretenimento não apenas na irrelevância ou

futilidade dos temas, mas, sobretudo, na abordagem das pautas. Isso acontece quando

se constrói a imagem de um leitor (ou espectador) desinteressado pelos temas

políticos, econômicos, sociais ou culturais em geral, ou, ainda, quando se subestima a

capacidade destes para compreender o contexto em que vivem. Assim, o

entretenimento não é apenas aquilo que diverte ou distrai, mas “também está

vinculado à sensação, à emoção e à fruição” (AMARAL, 2008, p. 66) e, por isso, muitas

vezes, estas fronteiras não se apresentam tão demarcadas.

Segundo pesquisa realizada por Amaral (2008), é nos processos de

segmentação dos veículos para as classes C, D e E que o entretenimento aparece com

mais força. “A segmentação do mercado explica a variação das pautas, dos enfoques e

da linguagem, mas não deveria explicar a variação da qualidade da informação”

(AMARAL, 2008, p. 67).

É importante destacar que aqui não se pretende oferecer um recorte

saudosista, que busque comparar a produção jornalística atual na área cultural com a

de décadas anteriores. O interesse é refletir sobre as mudanças em curso no

jornalismo cultural, investigar as iniciativas digitais emergentes e avaliar quais são as

possíveis relações com o público de arte. E a questão que se apresenta reside em

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como entender o jornalismo cultural hoje, a partir dos seus modos de produção,

caracterizados pela coabitação de diferentes formatos de mídias analógicas e digitais.

“A crise do jornalismo converte-se em paradoxo inacreditável nessa

conjuntura de transição tecnológica, austeridade econômica e ceticismo

político. Sinais de estagnação e decadência são visíveis em páginas dos

jornais diários, enquanto os signos da renovação e da mudança

transparecem nitidamente nas telas dos computadores”. (MELO, 2009,

p. V).

Historicamente, o jornalismo cultural brasileiro já abrigava o entretenimento,

dada a presença das “revistas de humor, a comédia no teatro, o circo e algumas

produções cinematográficas da extinta Vera Cruz, as comédias da Atlântida” (GADINI,

2007, p. 3), entre outras iniciativas. Por outro lado, também havia a crítica literária (em

alguns casos, de cinema, teatro, música e também de dança, mas acoplada a um

destes segmentos artísticos), que se focava no público letrado que acompanhava a

produção destes segmentos e lia jornal impresso. Mas é

“com o fortalecimento da penetração televisiva no cotidiano brasileiro

que os cadernos de cultura acentuam a mudança de sua cobertura –

marcada por ensaios, textos mais longos e apreciação crítica dos

bens/serviços culturais – para notas, imagens e informações que

comentam ou apenas atualizam situações da programação televisiva”

(GADINI, 2007, p. 4).

Com a aproximação entre cultura e entretenimento, os cadernos culturais de

inúmeros veículos visam atingir aqueles interessados na indústria cultural. É preciso

saber que “são os diários mais ‘populares’ os que mais apostam numa abordagem de

cultura como entretenimento, com ênfase no meio televisivo (...), em uma lógica de

consumo fácil: filme para entreter, música para divertir e televisão para não pensar”

(GADINI, 2007, p. 7).

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O tipo de cognição estimulado pelos produtos voltados ao entretenimento

contamina a forma como o público lida com a obra artística. Isso ocorre porque todo

corpo se constitui das trocas que faz com o ambiente3, e, quando ocorre uma

incidência maior de contato com o entretenimento, as suas características ganham

estabilidade pela repetição.

Compreendendo a importância das relações entre corpo e ambiente, consegue-

se identificar melhor a questão da comunicação com uma arte com a qual pouco se

entra em contato. E pode-se também compreender a importância do papel do

jornalismo quando não ajuda a promover o contato com as diferentes produções

culturais e artísticas. Lazer e divertimento são legítimos, mas a arte também, mesmo

quando deseja incomodar, distorcer, ampliar, produzir outro olhar, fazer pensar. A

intenção desta pesquisa é justamente a de identificar os processos de mediação do

jornalismo cultural, buscando desmistificar preconceitos para refletir sobre os

múltiplos agentes envolvidos na comunicação dança-espectador.

Para Gadini, é necessário compreender que,

“se por um lado, o entretenimento também integra a lógica noticiosa,

por outro, ao priorizá-lo – em detrimento de outras expressões de

sentido presentes numa determinada produção simbólica –, o

jornalismo cultural acaba por se tornar prioritariamente mecanismo de

espetacularização. O problema estaria na centralidade do

entretenimento, com simultâneo ‘apagamento’ dos demais aspectos de

uma determinada expressão cultural” (GADINI, 2007, p. 8).

Vargas (2004) concorda com este contexto, visto que a diminuição dos espaços

para a crítica, a superficialidade das pautas, a presença constante de esquemas de

divulgação de assessorias, a ampliação e variedade de temas tratados sob o guarda-

chuva da cultura e o crescimento e a segmentação do público podem levar à ideia de

que o jornalismo cultural sofre de uma lenta agonia. No entanto, “parece-nos muito

simplória a mera negação da produção atual acusando-a de redundante, superficial e

suscetível a modismos” (VARGAS, 2004, p. 9). 3 Trata-se do conceito Corpomídia (KATZ e GREINER, 2012), que será apresentado adiante.

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Para Gadini, “buscar formas de abordar a cultura como campo de tensões,

conflitos e projeções dos modos de viver, pensar e agir dos grupos humanos constitui-

se, dessa maneira, em um dos principais desafios do jornalismo cultural brasileiro

contemporâneo” (GADINI, 2007, p. 8).

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1. A CRISE NO JORNALISMO CULTURAL

O reconhecimento da existência de uma crise no jornalismo cultural desenha

um quadro preocupante porque gera consequências na comunicação da cultura e no

seu papel na sociedade brasileira. Basta reparar na recorrência da espetacularização e

nos processos de rodízio de celebridades que compõem os espaços midiáticos

dedicados à cultura. Vive-se na esteira do hiperconsumismo (LIPOVETSKY, 2007) e em

uma espécie de “ditadura” da publicidade e dos veículos de comunicação de massa,

como a televisão aberta, jornais e revistas, na promoção destes valores. Como

consequência,

“queremos objetos ‘para viver’, mais do que objetos para exibir;

compramos isto ou aquilo não tanto para ostentar, para evidenciar uma

posição social, mas para ir ao encontro de satisfações emocionais e

corporais, sensoriais e estéticas, relacionais e sanitárias, lúdicas e

recreativas” (LIPOVETSKY, 2007, p. 36).

O hiperconsumidor deixa de consumir apenas produtos e busca, sobretudo, a

multiplicação de experiências, “o prazer da experiência pela experiência, a embriaguez

das sensações e das emoções novas” (LIPOVETSKY, 2007, p. 54). Nesta direção, cabe ao

espectador estabelecer uma relação estética com a obra, o que ocorre a partir de sua

experiência individual. E, como esta experiência, para a maior parte da população

brasileira, não está recheada de contato com as diversas formas de arte, uma vez que

a arte está praticamente ausente dos meios de comunicação massivos, o que se chama

de “grande público” não desenvolve familiaridade com ela.

Há, inclusive, muitas pessoas que buscam a experiência de praticar a dança,

procurando pelas mais diversas modalidades, muitas vezes inspiradas por algum

programa de televisão, mas isso não se reflete em uma quantidade maior de público

para assistir a espetáculos e processos artísticos. O hiato entre a experiência prática de

dançar e a experiência sensorial, estética, perceptiva de assistir um trabalho se

mantém.

Tem-se reconhecido a época atual como a “era do vazio” (LIPOVETSKY, 2007):

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“imediatismo do aqui e do agora como valor em si próprio;

individualismo hedonista, personalizado e narcísico; apatia; sedução

generalizada; legitimação de todos os modos de vida; banalização da

violência social; falsa coexistência de contrários; inversão dos ideais em

que a verdade é soterrada” (LISONDO, 2004, p.335).

Todas estas questões afetarão a comunicação da produção artística em dança4

com o espectador, sendo também necessário levar em conta a nova forma de pensar

os espaços de apresentação, uma vez que, muitas vezes, o próprio espaço já configura

outro papel para o espectador, engajando-o, de maneira ativa, a participar da obra.

Passa a ser necessária uma atitude diferente, pois ele transforma-se em parte

integrante das ações, sendo convocado a posicionar-se fora da passividade de um

consumidor que espera, sentado na sua poltrona, pela visão de mundo que ele já tem

e que a obra lhe reafirmará.

Trata-se do processo de percepção da obra e, para abordá-lo, cabe esclarecer

que partimos do entendimento do corpo como mídia de si mesmo pela Teoria

Corpomídia (KATZ e GREINER, 2012). O corpo não se caracteriza como uma interface

ou um veículo/meio/canal de transmissão, mas como a própria mídia em ação.

Segundo esta Teoria, cada corpo, humano ou não, reúne uma coleção de informações

que o torna único, e é nas múltiplas relações entre esses corpos, neste fluxo

inestancável de troca, que ocorre a comunicação.

É possível relacionar o conceito de corpomídia ao entendimento de que a

percepção humana não é algo que acontece no corpo, mas sim uma ação ativa desse

corpo (NÖE, 2005).

“O que nós percebemos é determinado por aquilo que fazemos (ou

aquilo que sabemos como fazer); é determinado por aquilo que

estamos preparados para fazer. Na medida em que tentamos definir,

4 Nesta dissertação, referimo-nos a produções que se apresentam como processo ou espetáculo de dança, geralmente realizados em teatros ou espaços alternativos.

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decretamos nossa experiência de percepção, nós agimos sobre ela”

(NÖE, 2005, p. 1 – tradução nossa).

Tudo se modifica quando há ou não referência sobre o objeto com o qual se

entra em contato. No caso de um espetáculo, no encontro com a obra, qualquer forma

de conhecimento preliminar viabiliza um determinado tipo de comunicação a ele

relacionado. “Perceber é uma forma de agir. Perceber não é algo que ocorre conosco

ou em nós, mas algo que fazemos” (NÖE, 2005, p. 1, tradução nossa).

Para Nöe (2005), a percepção é tanto um tipo de ação quanto uma forma de

pensar o mundo, ampliando possibilidades, potencialidades e múltiplas interpretações

de um mesmo objeto observado. Quando não se difunde a informação cultural em um

mundo já hipertrofiado por uma enxurrada de informações que não cessa de ser

produzida e distribuída, cria-se oportunidade para estabilizar o que já está circulando,

em detrimento do que não entrou em circulação. Por isso, cabe uma reflexão sobre o

que fazer a respeito da atual situação do jornalismo cultural tradicional5 e a identificar

as iniciativas emergentes6 que apontam para uma nova direção.

A dissertação parte das seguintes hipóteses: I. A comunicação está sempre

acontecendo, mesmo quando se pensa que não está. O que parece não ser

comunicação ainda o é, mesmo diferenciando-se do que habitualmente consagra-se

como comunicação. E a incomunicação também traz consequências para o campo da

cultura. Todos os agentes do processo de comunicação da cultura estão nele

implicados e por ele devem ser responsabilizados; e II. A crise do jornalismo cultural

está atada à substituição da cultura pelo entretenimento, colocando o âmbito da

cultura que não segue este direcionamento, fora do interesse de grande parcela da

mídia que cobre as áreas culturais, situação que demanda reflexão.

Neste contexto, a arte contemporânea recebe pouco ou nenhum

acompanhamento das suas várias manifestações artísticas. Nos meios de comunicação

5 Nesta dissertação, entendemos “mídia tradicional” como aquela realizada por jornalistas em equipes numerosas e verticalizadas, em empresas de comunicação, como nos jornais impressos, televisivos ou radiofônicos. 6 Apontamos como “mídias emergentes” aquelas que se configuram, sobretudo, no ambiente digital, muitas vezes, não realizadas por jornalistas e, por vezes, de caráter individual como, por exemplo, as plataformas de comunicação desenvolvidas por artistas, que serão abordadas ao longo desta dissertação.

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de massa (jornais impressos, televisão aberta, entre outros) o espaço é

prioritariamente destinado ao entretenimento e às celebridades. No entanto, a mídia

poderia cumprir outro papel e colocar seu potencial público em contato com as obras.

Referimo-nos aqui não no sentido de orientar este público para o consumo, como as

resenhas o fazem, mas à possibilidade de aprofundamento e reflexão a partir da obra

artística. Então, que espécie de mediação faz hoje o jornalismo cultural?

Os meios tornaram-se mediação e isso gera profundo impacto, pois a mediação

elegeu o discurso publicitário de celebrização, e a arte contemporânea que se mantém

distante desta tendência, independente de qual seja a linguagem artística em questão,

deixa de ser acompanhada pela mídia.

Cabe ressaltar que, ao deixar de difundir uma informação, ocorre não somente

o seu silenciamento, mas, sobretudo, a expansão de algo em seu lugar. E as escolhas

do que será publicado e/ou exibido relacionam-se com a tensão entre a indústria

cultural e a sociedade do espetáculo, emolduradas pela hipertrofiação das relações de

consumo descritas por Lipovetsky (2007, p. 42): “o consumo ‘para si’ suplantou o

consumo ‘para o outro’, em sintonia com o irresistível movimento de individualização

das expectativas, dos gostos e dos comportamentos”.

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1.1 A CULTURA-ENTRETENIMENTO

Depois que a associação entre cultura e entretenimento se estabeleceu como

prática no jornalismo cultural, houve uma consequente diminuição de espaço para o

que não se encaixa nesta moldura. Assim, o que ganha visibilidade, continua a ampliar

seu espaço, e o que não está na mídia, aparece cada vez menos. Soma-se a isso o fato

de muitas reportagens apenas ecoarem o momento descartável do sucesso

momentâneo daquela obra/artista. E o que vale destacar são as consequências dessa

visível aporia, visto que contaminará também o tipo de produção realizada neste

momento.

Segundo Arbex Jr. (2001), para a atividade jornalística, e não apenas no

segmento cultural, a velocidade é cada vez mais importante:

“A notícia é, por sua própria natureza, uma mercadoria altamente

perecível, torna-se antiga no instante mesmo de sua divulgação,

especialmente em um mundo interconectado por satélites e

bombardeado, a cada segundo, por uma imensa montanha de novos

dados” (ARBEX JR., 2001, p. 88).

Não à toa, a análise aprofundada de um espetáculo, contextualizando-o e

tecendo relações, torna-se uma atividade cada vez mais rara. Basta recorrer ao que

Arbex Jr. (2001) propõe, quando afirma que o regime da velocidade fabricando o

descartável também produz uma “amnésia permanente”, que afasta qualquer reflexão

sobre determinado evento:

“Apenas e somente no processo de interlocução com o outro, no

exercício cada vez mais difícil de saber identificar e escutar outras vozes,

o crítico pode resgatar a memória dos fatos para além de sua

representação estereotipada e manipulada, encontrando as perguntas

certas para orientar seu trabalho de investigação e compreensão dos

fatos. (...) A memória tende a ser ‘encurtada’ – ou obliterada – pelo

ritmo frenético da vida condicionada pelo ‘mercado’, pelas imagens

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televisivas mostradas em ritmo de vídeo-espaço público, com a

atomização do indivíduo que se retira para manter relação com as

máquinas” (ARBEX JR., 2001, p. 270).

Neste paradoxo entre velocidade e reflexão, arte e entretenimento, é

necessário desenvolver uma nova relação entre jornalismo e espetáculo de dança. Ao

jornalista cultural resta encontrar estratégias de comunicação que complementem e

contribuam para a continuidade do processo de aproximação entre obra e público,

fazendo com que mais pessoas interessem-se pela possibilidade de assistir uma obra

artística. No entanto, a crise é muito mais complexa e envolve não apenas os

jornalistas, mas também, diretores, coreógrafos, curadores e o próprio público. Neste

quadro, o jornalismo cultural tradicional ganha importância, dada a sua posição

estratégica para desencadear a comunicação obra-público. É importante ressaltar que

não defendemos a ideia do jornalismo cultural com a função de “propaganda” para

orientação do público (embora seja esta a realidade de muitos veículos midiáticos, e

seus espaços vendidos), mas apoiamos aquela na qual o jornalismo cultural

potencialize esta comunicação, tornando as pessoas mais engajadas e, com isso, mais

interessadas a entrar em contato com uma obra artística contemporânea. Assim,

ocupa um papel central neste contexto e, justamente por isso, a crise que o atinge

hoje pede por algum prognóstico.

“Até mesmo a velocidade do pensamento, da vida e do trânsito das

pessoas aumentou muito. Não exatamente a rapidez em si, mas o

crescimento do número de acontecimentos que ocorrem e são

noticiados em tempo cada vez menor. Tornamo-nos mais acelerados

para poder dar conta dos excessos, das atividades que precisam ser

cumpridas no mesmo espaço de tempo de antes. Tudo tende a se

tornar mais imediato, fugaz e rapidamente trocado” (VARGAS, 2004, p.

4).

Com o advento da internet, o jornalismo cultural passou a coabitar os

ambientes analógico e digital, porém, ainda é visível que muitos portais são apenas

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réplicas de seus modelos impressos ou televisivos. Mesmo com a possibilidade do

hiperlink e da participação do público, seja ele leitor, espectador ou ouvinte, esta

participação resume-se aos comentários e, no máximo, ao compartilhamento das

notícias. Porém, o público pouco poderá interferir, ou tampouco produzir conteúdo e

informação. Alguns casos encontram espaço nas redes sociais, nos blogs ou em sites

específicos de determinados temas, e este parece ser o novo cenário que se delineia

para a realidade do jornalismo cultural atual.

Destas possibilidades surgidas com a internet, a informação sobre dança parece

encontrar outro lugar de propagação e crítica, povoado por artistas, e não por

jornalistas. Plataformas como o 7x7, idealizado por Sheila Ribeiro7 em colaboração

com outros artistas, ou ainda o Fanzine de Crítica de Dança, de Daniel Kairoz8, são

iniciativas que caminham na esteira do jornalismo cultural, mas com outra

configuração. Estes e outros exemplos serão aprofundados ao longo desta dissertação.

“A ideia do 7x7 surgiu em 2009. Foi uma coisa super espontânea,

baseada em um sentimento de escassez de vozes. Não uma escassez de

vozes escritas, porque tem muita coisa escrita sobre dança

contemporânea no Brasil, mas de um sentimento de reverberação

mesmo, um sentimento de vitalidade. Por exemplo, você apresenta

uma coisa e aquilo ficava ali, no máximo o que acontecia era as pessoas

conversarem no elevador, entre si, no restaurante, em mesas de bar,

enfim, conversas íntimas, mas não eram compartilhadas. Então, eu

pensei que essas conversas íntimas, de artistas, do público em geral, ou

de pessoas que são habituadas a ver dança, tem um saber, porque este

saber ficava na cultura oral, mas que não era compartilhado. E de certa

maneira era uma história contemporânea, que seria vital se pudesse ser

compartilhada” (RIBEIRO, 2005, Anexo 1, p. 132).

7 Sheila Ribeiro é artista da dança e desenvolve projetos caracterizados por trânsitos com a cultura digital, o mundo pop, a moda e a cidade. Criou o movimento artístico 7x7, que tem por objetivo realizar diálogos poéticos sobre dança entre artistas. 8 Daniel Kairóz é editor, coreógrafo, revisor e diagramador da Phármakon (editora que nasceu para publicar os escritos de poetas, abrindo espaço para o pensamento e para a poesia) em São Paulo. É também idealizador e coreógrafo do projeto Terreyro Coreográfico (Cia de Dança).

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Sheila conta que foi mobilizada por diversos fatores, e a primeira iniciativa do

Movimento 7x7 ocorreu após sua apresentação com Elielson Pacheco do trabalho

Legenda Diet, em 2009, no Festival Contemporâneo de Dança:

“Eu dancei e depois que terminou, terminou. E aí eu achei triste

terminar assim. Olhei para o lado e tinha o Bruno Freire, que eu não

conhecia ainda, e perguntei se ele tinha visto o meu trabalho. Ele

respondeu que sim, e aí eu perguntei se ele não queria escrever ou se

manifestar de algum jeito, escrevendo, com uma imagem, alguma

performance, enfim... Se ele não queria comentar publicamente o meu

trabalho. Ele aceitou e fez um texto que se chama Tudo o que você

precisa saber e este foi o primeiro texto do 7x7” (RIBEIRO, 2015, Anexo

1, p. 132).

7x7 – Arte: Caroline Moraes

Rodrigo Monteiro 9 , coordenador do 7x7, explica o porquê do nome,

informando que, naquela ocasião, havia sete pessoas para escrever sobre sete

trabalhos:

9 Rodrigo Monteiro é formado em Artes do Corpo pela PUC-SP e atua como artista, produtor e curador na região do ABC paulista. Assumiu a coordenação do 7x7 depois da saída de Sheila Ribeiro.

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“Só que depois aumentou o número de trabalhos ou até diminuiu, mas

aí já tinha uma espécie de ‘marca’. Em um primeiro momento, confesso,

ficou essa impressão para mim, que seria um evento, uma ação

específica para o Festival Contemporâneo de Dança, e só depois que fui

entendendo o que era e aos poucos foi se expandindo” (MONTEIRO,

2015, Anexo 1, p. 137).

Em entrevista realizada no SESC Consolação, em 21 de julho de 2015,

questionou-se: Tendo a sua presença ligada à cobertura de diversos Festivais de

Dança, qual a diferença, então, entre o 7x7 e uma cobertura jornalística tradicional?

Monteiro explica, exemplificando com a cobertura da Bienal Sesc de Dança de 2013:

“A gente estava até dividindo a sala, o nosso QG era junto com

jornalistas, jornalistas que, enfim, eram de mídias diferentes. Eu acho

é... que a nossa proposta... O 7x7 não é só aquilo que vai para o site

que, no caso, foi para o Blog da Bienal. Eu acho que ele é também algo

que não se materializa num formato texto, num formato vídeo, que

sobe para o site, por exemplo. Eu acho que as conversas que a gente

faz... Por exemplo, tem uma ação que a gente fez em 2013 que foi

divertida, por sinal. Todo mundo estava no mesmo hotel, todos estavam

trabalhando no evento e a gente, todos os dias, tomava café da manhã

juntos. E teve um artista, o André Masseno, que se apresentou na

Bienal e a gente estava conversando sobre o trabalho dele naquela

mesa de café da manhã. Então, eu acho que isso também é o 7x7. Acho

que ele também acontece neste lugar. Nestas conversas que não são

transcritas, traduzidas para um texto, mesmo que sejam textos, vídeos

ou imagens artísticas. Eles acontecem ali e se encerram ali, às vezes,

muitas vezes, inclusive” (MONTEIRO, 2015, Anexo 1, p. 138).

Sheila complementa e afirma que o 7x7 é mais que um blog ou um site, mas um

movimento, uma ação de comunicação, uma ação de conectividade que tem intenção

de rede e sofre influência da cultura digital, do prazer pelo compartilhamento. Ela

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considera que o movimento chegou a ganhar expressão na dança pela sua prática

artística associada aos estudos da cultura digital, sofrendo influência do Open Source

(software livre) e incentivando essa

“coisa do sharing, de criar vetores de voz, de intenção, de

autorrepresentação, de prossumerismo. Então, o 7x7 tem essa intenção

de hackeamento, de parasitagem, e de fomentar mesmo as divergências

e explicitar fofocas, pensamentos fragmentados, aleatórios,

pensamentos em real time, contribuindo de maneira digital para a

cultura.” (RIBEIRO, 2015, Anexo 1, p. 132).

Sheila contextualiza que o Creative Commons nasce no final dos anos 1990 e

início dos anos 2000. Neste período, a noção de compartilhamento começou a

difundir-se e, com ela, intensificaram-se as diferenças entre as mídias analógicas e

digitais. Ainda que haja peculiaridades específicas em cada ambiente, há muito da

mídia analógica no ambiente digital, como uma cópia, ou apenas uma transposição

daquilo que é feito no ambiente analógico, sendo que a grande mudança está no

âmbito do pensamento digital. Em muitos casos, aquilo que é realizado no jornal

impresso, por exemplo, foi apenas levado para o respectivo site daquele veículo de

comunicação na internet. Ao mesmo tempo, por outro lado, foram criadas outras

possibilidades de compartilhamento, de participação e de produção de conteúdo.

Na internet, estas possibilidades emergentes de produção de conteúdo, como é

o caso do 7x7, muito se diferenciam daquelas que são produzidas por jornalistas nas

grandes empresas de comunicação do país, com sua linha editorial sempre muito

delimitada. A internet permite maior pluralidade de vozes, gerando autonomia, visto

que qualquer pessoa hoje é capaz de produzir conteúdo e disseminá-lo nas redes

sociais. A qualidade desta informação, o nível de apuração e lapidação, tudo isso é

bastante relativo, mas o fato é que existem formas atuais de produção de conteúdo

em mídias digitais que, de alguma forma, pluralizam as vozes.

Sendo uma possibilidade emergente, o 7x7 coexiste com outros meios, como

os jornais impressos e as suas versões na internet. A diferença essencial reside no fato

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de que o 7x7 não ser realizado por jornalistas, mas tratar-se de um compartilhamento

artístico, idealizado e mantido por artistas.

“Por exemplo, no rádio você pode participar, mas não vai ser um

produtor de conhecimento. Você é um interlocutor, um público, uma

pessoa que observa, mas que não necessariamente participa da

construção comunicacional daquilo. Então, a mídia analógica, ela é mais

verticalizada do que a mídia digital, que trabalha com vetores de rede e

é, supostamente, horizontalizada (...) porque há uma pluralidade de

vozes que constrói a comunicação, seja conteúdo, seja expressão, seja

informação... E o que estamos vivendo agora é uma transição. E essa

transição não é cartesiana, antes era analógico e agora está todo o

mundo digital... (...) Há a coabitação entre modos de pensar analógicos

e modos de pensar digitais, às vezes, tratando o analógico com modo de

operar digital, às vezes, tratando o digital com modo de operar

analógico” (RIBEIRO, 2015, Anexo 1, p. 133).

Além da especificidade que podem ter por serem artistas e compartilharem

textos entre pessoas que se reconhecem neste “fazer artístico”, Monteiro também

destaca a possibilidade de poder arriscar, um diferencial do 7x7 em comparação com a

mídia tradicional:

“Por exemplo, como a própria Sheila fala, a intenção, quando ela criou

lá atrás, era que fosse um tipo de uma conversa de bar. Eu acho que é

se arriscar mais para ser mesmo uma conversa mesmo, de fato. E não

fiquemos preocupados com uma informalidade talvez...” (MONTEIRO,

2015, Anexo 1, p. 138).

Questionado se há uma linha editorial no 7x7 e se, de fato, existe total

liberdade para que qualquer pessoa faça suas publicações, Monteiro defende que, a

princípio, as únicas restrições são que o autor seja artista e escreva sobre dança. Sheila

argumenta que existe uma suposta apropriação por parte de quem participa, mas, na

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verdade, gostaria que a plataforma fosse completamente aberta. Hoje, existe uma

interlocução entre a pessoa que escreve e a equipe do 7x7, com o intuito de duvidar,

brincar, criar polêmica, expandindo ainda mais o diálogo proposto. Sheila afirma que

não existe qualquer forma de seleção e reitera sua intenção de uma plataforma

totalmente aberta:

“Igual o Wikipedia. Você vai lá e põe e muda; muda a cara do site; muda

a cor, posta o que quiser... Eu queria muito que fosse extremamente

colaborativo, para mim, seria 100% colaborativo, mas as pessoas do

grupo do 7x7 nunca aceitaram, porque eles têm medo, e eu entendo,

que no primeiro dia já vai estar escrito ‘Sheila vaca’ ou palavrões, ou

Dilma, sabe, qualquer coisa...” (RIBEIRO, 2015, Anexo 1, p. 136).

Monteiro, que faz o papel de interlocutor no 7x7, poderia ser comparado a um

editor nos veículos de comunicação tradicionais, mas a diferença principal reside no

diálogo aberto entre ele e quem envia seu texto, havendo pouca interferência como

cortes e alterações no texto, ou decisões sobre ser ou não publicado.

“Vamos conversar sobre este texto? Vamos conversar sobre este

trabalho? Vamos conversar sobre como você traduziu este trabalho

artisticamente para este texto? Nesta conversa, chega um momento em

que a gente pode falar: ‘Acho que já se esgotou aquilo que a gente

poderia conversar’ e essas conversas interferiram de alguma forma no

texto. Você concorda? Então, vamos subir? Vamos. Pronto. Acho que é

mais neste lugar. Não é mais de enquadrar em determinado modelo”

(MONTEIRO, 2015, Anexo 1, p. 139).

Existem alguns colaboradores que não participam diretamente do núcleo do

7x7, mas escrevem sempre. E não há qualquer restrição quanto à quantidade de

publicações para cada pessoa. Embora ainda não seja uma plataforma aberta como

idealizada a princípio, Monteiro afirma que sua meta com o 7x7 é “exercitar e

desenvolver um entendimento deste compartilhamento da rede para a infiltração e

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coabitação e que isso aconteça um dia ainda mais livre” (MONTEIRO, 2015, Anexo 1, p.

141).

Outros exemplos de propostas de diálogo entre artistas são: “Precisa-se de

público”10, de Cláudia Müller e Clarissa Sacchelli, e “Discoreografia”11 de Elisabete

Finger12. Novamente, são iniciativas com aspecto de jornalismo, mas realizadas por

artistas. Ambos são projetos artísticos de comunicação e exemplos de outras formas

de fazer jornalismo cultural.

“O Discoreografia surgiu, primeiro, de uma paixão que eu sempre tive

por essa mídia, pelo rádio. E, a princípio, eu nem estava pensando em

webrádio, foi no sentido muito analógico de rádio mesmo, que você

coloca em casa e escuta enquanto está fazendo outras coisas ou, então,

na época eu tinha carro e passava muito tempo no trânsito, escutando

rádio, e sempre a mesma rádio, e eu percebi o quanto você começa a

reconhecer as vozes, e a reconhecer como se fosse um outro universo

que te acompanha. E eu sempre achei uma mídia super criativa, que é o

10 As artistas Cláudia Müller e Clarissa Sacchelli compraram textos sobre os espetáculos da programação

Semanas de dança (julho de 2014), ocorrida no Centro Cultural São Paulo. Qualquer pessoa que assistia

aos espetáculos podia participar. A pessoa não precisava ser conhecedora de dança, bastava querer ser

um espectador. Qualquer observação ou reflexão valia como ponto de partida e cada um poderia

escrever quantos textos quisesse. Dez textos foram comprados pelo valor de R$100,00 cada e

publicados no livro Precisa-se de público, distribuído pelo Centro Cultural São Paulo.

11 O Discoreografia – Música, Dança e Blá, Blá, Blá é um programa de web-rádio no qual artistas falam

sobre suas obras e seus processos criativos através da música. Em cada programa, Elisabete Finger

recebe um convidado diferente para que ele apresente sua discografia pessoal costurada por histórias,

memórias e projetos. O objetivo do programa é ser um encontro, no antigo estilo do rádio, para escutar

música e falar sobre como ela embala criações coreográficas, performáticas, teatrais, visuais, literárias,

filosóficas, entre outras.

12 Elisabete Finger é performer e coreógrafa, idealizadora do Discoreografia. Desde 2010, mora e

trabalha entre Berlim (Alemanha) e Brasil, realizando projetos solo e em colaboração com outros

artistas. Foi cofundadora e integrante do Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial (2005-2012), e

ainda hoje mantém parcerias criativas com Michelle Moura e Neto Machado.

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que você pode ouvir mas não pode ver. Então você completa de alguma

forma, você fabrica uma imagem” (FINGER, 2015, Anexo 1, p. 147).

A questão do espectador será ampliada na sequência desta dissertação, mas

vale destacar que Elisabete Finger percebeu que o público do rádio é um público ativo,

visto que o tempo todo constrói imagens a partir apenas de informações sonoras. O

fato de criar um programa nesta mídia abordando a dança, uma arte tão visual, foi o

que mais a motivou a desenvolver o Discoreografia. “Essa ausência de imagem te

convoca a participar com a criação das suas próprias imagens”, afirmou ela.

O Discoreografia surgiu a partir de uma proposta de Neto Machado, quando

Elisabete fez parte de uma “mini comunidade artística mundial”, o Couve-Flor, de criar

um circuito de entrevistas, tendo cada um a liberdade de escolher o formato das

conversas. Elisabete decidiu, então, iniciar seu projeto de rádio:

“Quero fazer um programa de rádio daqueles tradicionais: apresenta

música, fala sobre a música, apresenta outra música, fala sobre a outra

música. Então, assim, conversa, escuta a música, volta para a conversa.

E queria usar este formato para falar de arte e dessas artes do corpo,

Elisabete Finger – Foto: Gabriel Peixoto

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dança, teatro, enfim, que envolvam, qualquer forma de arte que

envolva a expressão do corpo” (FINGER, 2015, Anexo 1, p. 148).

Elisabete realizou, então, o projeto-piloto entrevistando Cris Bouger, uma das

artistas integrantes do coletivo, e, após apresentar o programa para o Itaú Cultural, o

Discoreografia concretizou-se.

“Ela (Cris Bouger) tem um website, e no site dela, tem um ícone que

chama Behind the Bio. Eu, curiosa, fui lá e cliquei, e eram só capas de

discos, aí eu falei: Poxa! Legal, você contar a sua biografia através dos

discos. E tinha lá desde Menudos, Balão Mágico, Patti Simith, coisas

super contemporâneas, umas coisas de Nova York, umas coisas do

Brasil, dá para você traçar mais ou menos o perfil de uma pessoa por ali.

E a ideia foi essa: como é que eu poderia traçar o perfil de um artista,

ou de uma obra, ou de um conjunto de obras, pelas músicas que ele

escuta, mais do que as músicas que ele usa nas peças, as músicas que

ele escuta. Então, foi uma junção desta ideia com essa paixão pela mídia

de rádio” (FINGER, 2015, Anexo 1, p. 149).

Alternando entre conversas sobre a biografia do artista e sua obra, a principal

intenção do Discoreografia é a de discutir processos criativos em arte contemporânea

– em artes do corpo – por meio das músicas que são sugeridas e debatidas

previamente entre artista e a apresentadora. Uma iniciativa muito semelhante aos

programas tradicionais de rádio, porém, realizado por artistas, o que torna a conversa

mais específica e propõe outra forma de mediação com a obra:

“Você coloca a pessoa para pensar dança de outra forma, mais ativa

mesmo, para imaginar essa coreografia, esse trabalho do qual a gente

está falando. Então, eu também queria instigar esse público a pensar: se

eu conheço esse artista, e eu estou ouvindo isso que ele está falando

sobre essa obra, eu quero ver, agora eu quero ver. Aí vai lá, procura, e

vai ver o que ele está fazendo. (...) E o Discoreografia também tinha

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essa ideia de atingir pessoas que talvez não conhecessem os artistas,

mas conhecem as músicas, então, tem uma outra porta de entrada”

(FINGER, 2015, Anexo 1, p. 149).

Respondendo sobre congruências e singularidades entre a artista que se coloca

na posição de entrevistadora e o jornalismo cultural tradicional, Elisabete diz:

“Primeiro de tudo, eu olho para essas pessoas e elaboro as perguntas a

partir de um lugar do artista, de quem faz. E eu acho que isso muda

muito o ponto de partida das perguntas. E eu procuro olhar para as

pessoas com essa minha experiência. Até quando eu passo muito tempo

sem trabalhar na prática, eu acho que eu preciso voltar para a prática

para eu poder continuar fazendo o Discoreografia. Mas eu acho que

tem um lugar assim de ‘perguntadora’, de curiosa, mas que é uma

curiosidade que vem porque eu pratico, porque estou envolvida com a

feitura, com os processos criativos. Eu não tenho uma preocupação com

a ‘verdade’ ou esgotar uma informação... Não. Eu acho que pelo

contrário, é uma informação muito parcial” (FINGER, 2015, Anexo 1, p.

150).

Segundo Elisabete, o fato de a conversa acontecer entre duas pessoas que

dominam o fazer artístico já torna o programa criativo. Além disso, ela destaca que

não tem a preocupação do programa ser apenas informativo. “Acho ainda que a

principal diferença está na forma como as perguntas são feitas e na forma como as

respostas são dadas. A forma como o artista se apropria da coisa toda é também

criativa” (FINGER, 2015, Anexo 1, p. 151). E continua:

“A gente pensa em um título, que eu acho maravilhoso a gente pensar

em um titulo, porque é uma obra, a gente está criando... É uma coisa

criativa. A gente pensa em uma foto de capa, pensando em um álbum,

como se tivesse gravando um disco mesmo, a ordem em que as músicas

aparecem, o quanto de conversa tem entre uma música e outra, e tem

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sempre uma dedicatória, que eu gosto muito de propor isso, porque

sempre puxa um lado muito emotivo nas pessoas, que eu também acho

que leva para longe, um pouco, desse discurso... Ah, cheio de verbetes,

que a gente usa na dança contemporânea, então, leva para esse lugar

de: Eu quero agradecer, quero oferecer, quero pensar isso no futuro, ou

isso é para esse trabalho que está nascendo...” (FINGER, 2015, Anexo 1,

p. 156).

Neste debate sobre processos criativos em dança, Elisabete busca encontrar

caminhos que são permeados pela música, seja aquela que o artista escuta apenas em

sua vida particular, seja aquela que lhe inspira a dançar. Com isso, ela defende que o

diálogo mantenha-se entre pessoas que estão ligadas ao fazer, que estão envolvidas

aos processos criativos em dança.

“Essa informação música, na verdade qualquer informação, ela

atravessa o processo criativo de um jeito que nem sempre é linear, nem

sempre é uma flecha que vai para um lugar e o resultado é um

espetáculo. Às vezes, ela esbarra aqui, estilhaça ali, chuta para lá e

quando você vai ver, ela está lá no final, de algum jeito ela está

presente, ou ela está presente só no pensamento desse artista, mas ela

informou um momento desse trabalho. O Discoreografia também tem

esse lugar do fazer artístico e, por isso, sempre que eu convido alguém,

a minha principal linha de ‘curadoria’, são pessoas que estão fazendo.

(...) Importante a pessoa estar nesta prática, de elaborar a obra,

confrontar com o público, girar, fazer turnê, voltar, fazer outras... Este

fazer e esse confronto com o público eu acho que é uma coisa super

específica e eu acho mesmo que as pessoas merecem saber mais sobre

isso. E que seria muito bom para fazer crescer esse púbico, que elas

saibam mais sobre o fazer artístico” (FINGER, 2015, Anexo 1, p. 157).

Sobre o questionamento se o papel de mediação do Discoreografia seria o de

ampliar a discussão a respeito do fazer artístico e, como consequência, aproximar o

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público da obra, ela afirma: “isso é uma preocupação minha imensa, eu acho que se a

gente não se preocupar com o nosso público, a gente vai morrer! Em pouco tempo”

(FINGER, 2015, Anexo 1, p. 157).

Mais um exemplo de proposta de comunicação idealizado por artistas é o

Fanzine de Crítica de Dança, proposto por Daniel Kairoz. Segundo ele, sua motivação

surgiu da quase inexistência de vozes que ampliassem a discussão sobre espetáculos

de dança:

“Algumas pessoas começaram a escrever na Folha [de S. Paulo], mas foi

algo que não ganhou força e que rapidamente não rolou mais, não

conseguiu criar um espaço, como a Helena criou, por estar também há

tanto tempo. Então, eu acho que isso é muito prejudicial para a dança:

ficar com um único ponto de vista e com uma crítica, como se ela

tivesse que dar conta de tudo também” (KAIROZ, 2015, Anexo 1, p.

166).

Kairoz propôs, então, que os próprios artistas analisassem o lugar do crítico

como aquele que concede o aval da obra ou orienta para um pensamento do que deve

ou não deve ser levado em consideração nas artes. Com isso, os artistas começaram a

escrever sobre os trabalhos de seus pares em formatos diversos, não apenas com olhar

crítico, mas também artístico:

“De não ter esse pretenso distanciamento. Essa lente objetiva para

olhar para o trabalho não existe, porque querer objetivar um trabalho

de arte é bem delicado. (...) Hoje em dia, são pouquíssimos os artistas

que escrevem sobre seus próprios trabalhos, reflexivamente, a não ser

os artistas que o levam para a Academia, fazem mestrado e doutorado,

e daí é um momento em que eles se debruçam para refletir sobre a

prática. O lance do Fanzine, que eu achava interessante, era escolher

um trabalho e chamar diferentes pessoas para escrever sobre ele. É um

pouco um deflagrar essa perspectiva única que está operando há tanto

tempo. Então, chamar diferentes pessoas, com diferentes modos de

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pensar e de escrever, para olhar para o mesmo trabalho e produzir

materiais diferentes sobre aquilo (KAIROZ, 2015, Anexo 1, p. 167).

Segundo Kairoz, o Fanzine não conseguiu gerar uma autonomia a ponto de não

depender dele para existir e, por este motivo, em pouco mais de um ano e meio,

realizaram-se apenas três edições. Relata que sempre precisou chamar as pessoas para

escreverem os textos, bem como cobrá-las pela entrega, organizar as edições,

estimular a troca entre os artistas, finalizar o “produto”, entre outras ações que

fizeram com que a ideia do Fanzine se mantenha viva até hoje, mas, na prática, o

projeto esteja interrompido no momento:

“Uma das propostas do Fanzine era que cada pessoa que escrevesse,

olhasse os outros textos também e desse feedbacks, não para equalizar

os textos, mas para ser um ambiente também de produção de

pensamento. Não ser simplesmente: Ah... Eu vou lá e escrevo meu

texto, e pronto, já cumpri ele [sic] ali no negócio. Não. Porque tem

textos que são, às vezes, um pouco mais frágeis, que eu acho legal

problematizar, colocar em questão também, porque muitas vezes, são

pessoas que não têm tanto a prática da escrita. (...) Mas de talvez ter

um ponto aqui, talvez se levar o texto mais por esse caminho... Coisas

que quando tem um grupo, eu acho que é muito gostoso de fazer.

Todas as vezes que rolou, foi muito legal. Mas é isso. É um pouco

trabalhoso para manter isso, porque eu também faço muitas coisas,

então, começou a ficar na dependência demais minha e eu queria que a

coisa ganhasse uma outra... Que outras pessoas... De repente, uma tal

pessoa dissesse: Ah! Quero escrever de tal trabalho, ela chamasse as

pessoas e trabalhasse mais enquanto um programa para um Fanzine de

crítica, do que eu sendo a pessoa que conduz, que faz aquilo acontecer”

(KAIROZ, 2015, Anexo 1, p. 168).

Daniel Kairoz ainda relata que a experiência com o Fanzine o estimulou a abrir

sua editora, a Phármakon, pois sentia vontade de publicar textos e trabalhos sobre

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dança, muitas vezes de pessoas que tinham este material, mas ainda não haviam

publicado. Kairoz passou então a organizar e editar estes textos pela Phármakon. Ele

explica também o porquê do nome Fanzine:

“Fanzine vem da palavra fã e é uma publicação de pessoas que têm um

amor por algo. Você gosta muito de uma coisa e você produz ali uma

publicação independente com aquilo que você ama, daquilo que você

admira, daquilo que você tem tesão... Eu achei muito legal de pensar a

crítica de dança enquanto algo com prazer. Essa relação entre a crítica e

o prazer, que é algo que normalmente é dissociado e tem no prefácio

do Anticrítico, do Augusto de Campos, e eu acho muito bonito isso

assim, que ele fala também dessa relação com o prazer” (KAIROZ, 2015,

Anexo 1, p. 168).

O Fanzine de Crítica de Dança era impresso, e Kairoz destaca a importância

deste material não ser apenas algo que circulasse pelas redes sociais, pois sente que

muitas pessoas ficam sabendo, mas poucas leem aquilo que está apenas na internet.

Além disso, ele buscava trazer o olhar artístico também para a materialização do

Fanzine, procurando dialogar com a obra criticada:

“Eu acho que isso da pessoa ter ali a materialidade para ler, instiga mais

a leitura, eu acho gostoso isso, e também porque eu estava começando

a me interessar muito por essa performance do texto, a publicação

enquanto uma performance do texto. Então, o próprio texto ser [uma

performance], mas o próprio formato também. De não assumir um

formato padrão, de revista, ou de o Fanzine ser uma folha e tal, mas a

cada edição pensar um formato que dialogasse também com o trabalho

que estava em jogo. No primeiro, que era o da Michelle Moura, que é

um trabalho em que ela tem vários pedaços grandes de papel, e forma

um grande chão de papel, e as pessoas dançam por baixo e forma um

pouco essa topografia neste papel... O formato era uma folha grandona,

tipo um A1, todo amassado. Você comprava uma bolinha de papel

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amassada, e daí você tinha que... [sic] Então, esse gesto do ato de

leitura, de você ter que desembrulhar essa bolinha de papel toda

amassada... Tanto que várias pessoas perderam porque compraram, daí

a moça que trabalha na casa viu, achou que fosse lixo e jogou fora, a

mãe jogou fora... Então, essa performance do texto me interessava”

(KAIROZ, 2015, Anexo 1, p. 169).

Fanzine de Crítica de Dança (no1) – de Daniel Kairoz e colaboradores

Dessa forma, o Fanzine é um exemplo diferente dos casos anteriores (7x7 e

Discoreografia), que são iniciativas que acontecem essencialmente no ambiente

digital. Embora, enquanto existiu, houvesse a materialidade, é possível perceber um

pensamento digital, ainda que em meio analógico, visto que o Fanzine traz vários

textos de artistas que dialogam entre si, que compartilham ideias ora distintas, ora

análogas, sobre uma mesma obra artística.

Kairoz pondera que, embora utilize bastante as redes sociais, duvida o quanto

ela realmente amplia a visibilidade dos trabalhos. Ele acredita na internet como uma

importante fonte de divulgação, pois as pessoas tendem a ficar sabendo do que está

acontecendo, mas reflete sobre o quanto de fato essas pessoas movem-se para assistir

os trabalhos sobre os quais tomaram conhecimento:

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“Porque nas redes sociais, na internet, muita gente diz que vai, muita

gente curte, muita gente acha legal, mas são poucos os que vão mesmo.

De fato. E vão lá assistir o trabalho. Que vão lá presenciar tal coisa.

Então, eu acho que tem algo aí que eu ainda não sei direito do quanto

realmente é eficiente, mas ao mesmo tempo, eu acho que é um

ambiente muito rico, assim, para veiculação. Você poder associar

imagens, com vídeos, com texto... E eu acho que é um lugar muito legal

para se trabalhar texto” (KAIROZ, 2015, Anexo 1, p. 170).

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1.2 GÊNEROS JORNALÍSTICOS

O Jornalismo cultural agrega diversos gêneros jornalísticos, que variam desde a

informação sobre um espetáculo – como ocorre nos Guias Culturais na forma de um

serviço prestado ao leitor para uma consulta mais ligeira, com suas avaliações por

estrelas, bolinhas, etc. – passando pelas resenhas e chegando aos textos mais densos

como as críticas.

A resenha corresponde, segundo José Marques de Melo (1985), a uma

apreciação das obras-de-arte ou dos produtos culturais, com a finalidade de orientar a

ação dos fruidores ou consumidores. Neste caso, a resenha tem por objetivo indicar

qual espetáculo escolher, dentre tantas opções de uma grande metrópole. Esta

característica é a principal diferença em relação à crítica, que busca uma apreciação

completa do autor/obra.

Para Daniel Piza (2007), a boa resenha será aquela que, em pouco espaço,

busca uma combinação de atributos como sinceridade, objetividade, preocupação com

o autor e o tema. “Deve ser em si uma ‘peça cultural’, um texto que traga novidade e

reflexão para o leitor, que seja prazeroso ler por sua argúcia, humor e/ou beleza”

(PIZA, 2007, p. 71 e 72).

A crítica, por sua vez, faz uma apreciação de outra natureza do autor e da obra.

Ela apresenta o contexto histórico e uma reflexão que necessita de tempo e

conhecimento do objeto para ser elaborada. Não à toa, a resenha enquadra-se mais no

jornalismo praticado atualmente.

Por outro lado, “a crítica exige diferentes métodos e critérios que tornam o seu

resultado incompatível com o exercício periódico e regular em jornal, e mais

incompatível com o próprio espírito do jornalismo, que é informação, ocasional e

leve”, afirma Melo em A opinião no jornalismo brasileiro (1985, p. 99). Os críticos

tentam manter seu espaço, oferecer julgamento estético, aprofundar uma análise,

entrar na abordagem do bem cultural, porém, o espaço para este tipo de texto

diminuiu progressivamente na mídia brasileira. Nos cadernos culturais, a figura do

crítico profissional de algumas linguagens artísticas (dança, teatro, ópera, música

erudita, artes visuais) continua se transformando.

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“Mas o que deve ser um bom texto crítico? Primeiro, todas as

características de um bom texto jornalístico: clareza, coerência,

agilidade. Segundo, deve informar ao leitor o que é a obra ou o tema em

debate, resumindo a história, suas linhas gerais, quem é o autor, etc.

Terceiro, deve analisar a obra de modo sintético mas sutil, esclarecendo

o peso relativo de qualidades e defeitos, evitando o tom de ‘balanço

contábil’ ou a mera atribuição de adjetivos. Até aqui, tem-se uma boa

resenha. Mas há um quarto requisito, mais comum nos grandes críticos,

que é a capacidade de ir além do objeto analisado, de usá-lo para uma

leitura de algum aspecto da realidade, de ser ele mesmo, o crítico, um

autor, um intérprete do mundo” (PIZA, 2007, p. 70).

Fala-se sobre o quanto uma crítica publicada pode influenciar a ida do público a

um espetáculo de dança, mas a aferição deste efeito é imprecisa em termos

metodológicos. Refere-se, de modo geral, a impressões. No caso da dança, deve-se

ponderar algo bastante relevante, e que relativiza tal curiosidade, por conta da breve

duração das suas temporadas (uma média de três dias), o que faz com que raramente

a crítica consiga ser publicada com o espetáculo ainda em cena.

“Saber se uma ‘infração’ é intencional ou não, e, no caso de ser

intencional, se há razões suficientes para justificá-la, talvez seja a

principal tarefa a que um crítico deve se dedicar – com tudo o que

envolve intuição, com tudo o que exige de experiência, e de raciocínio

também” (COELHO, 2006, p. 36).

O jornalista Marcelo Coelho (2006) desenvolve sua argumentação com

exemplos do cinema para questionar decisões dos diretores em relação a desrespeitar

o que ele chama de “princípios básicos” da linguagem cinematográfica. Refere-se,

assim, a desobedecer a estes princípios de maneira intencional ou não e chama a

atenção para o fato de o crítico precisar estar sensível a isso.

Para ele, o crítico está formulando de modo mais ou menos persuasivo

determinadas asserções a respeito do que “agora vale” e do que “não vale mais” no

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jogo artístico. Assim, “em qualquer texto sobre arte, a dosagem entre explicação e

juízo de valor, entre raciocínio dedutivo e ato político, sempre varia” (COELHO, 2006,

p. 268) e, com isso, a força do crítico, seu poder imaginativo e discursivo, aumenta.

Entretanto, evidentemente, ele refere-se a um tempo passado que não mais

corresponde à realidade atual, quando são pouquíssimos os críticos deste contexto.

Existem ainda, além da crítica e da resenha, outros textos jornalísticos com

objetivos distintos. Na coluna de opinião, as características são semelhantes, mas o

autor assume seu posicionamento em tom pessoal; a reportagem tem objetivo

investigativo, por vezes relacionada com fatos do dia a dia; e os perfis e entrevistas

relatam a vida e a carreira de personagens de destaque nacional ou internacional.

Dentro destes gêneros há duas situações distintas: o texto direcionado àquela

pessoa que vai ao teatro (ou a outro espaço artístico), e o texto destinado a todos,

inclusive aos que não frequentam o teatro. Esta diferenciação envolve o

direcionamento dos textos jornalísticos, distinguindo o papel do jornalismo crítico e do

jornalismo de divulgação.

Para Nicolas Bourriaud (2009), “a atividade artística constitui não uma essência

imutável, mas um jogo, cujas formas, modalidades e funções evoluem conforme as

épocas e os contextos sociais. A tarefa do crítico consiste em estudá-la no presente”

(BOURRIAUD, 2009, p. 15). Todavia, apresentar as relações entre contexto histórico e

atualidade é uma atividade que demanda tempo de pesquisa, realização de

entrevistas, vivência no acompanhamento da produção daquele campo artístico - o

que não combina com o atual formato reduzido das redações, que exige que o

jornalista trafegue por diferentes campos e produza com muita velocidade – condição

que explica o sucesso das assessorias de imprensa e os releases13 que produzem. Como

observou Piza, “o jornalismo cultural brasileiro já não é como antes” (2007, p. 7),

comparando os textos dos autores do passado com os poucos equivalentes do

presente. O autor ainda defende que

13 Dadas as condições de produção, o conjunto de informações que o jornalista recebe na forma de um

press release tende a ser um “guia” que substitui a investigação.

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“há muito o que fazer pelo jornalismo cultural no gênero da

reportagem, inclusive no chamado ‘hard news’ (as notícias mais

quentes, inadiáveis), mas isso não pode ser feito à custa da análise, da

crítica, do debate de ideias – vocações características do jornalismo

cultural e carências fortes do leitor contemporâneo” (PIZA, 2007, p. 8).

Ele lista as muitas polarizações que contaminam o jornalismo cultural

diariamente: entretenimento versus erudição; nacional versus internacional; regional

versus central; jornalista versus acadêmico; reportagem versus crítica. Dentre outros,

estes são alguns exemplos do que tece a produção deste segmento jornalístico, mas

permanecem obscuros para os próprios jornalistas, sem tempo de discuti-los no

cotidiano.

Piza (2007) destaca que há muitas pessoas que associam “cultura” a algo

inatingível, “exclusivo dos que leem muitos livros e acumularam muitas informações,

algo sério, complicado, sem a leveza de um filme-passatempo” (PIZA, 2007, p. 46).

Dessa forma, tanto jornalistas quanto veículos tendem a traçar caminhos exclusivos,

que enfoquem apenas um lado ou um grupo específico de pessoas. Resenhar o último

filme hollywoodiano ou o cinquentenário de algum clássico do cinema? Há espaço

para ambos no mesmo veículo? Para ele,

“jornalismo é dosagem. Temas ditos eruditos podem ser tratados com

leveza, sem populismo; e temas ditos de entretenimento podem ser

tratados com sutileza, sem elitismo. Suplementos semanais podem

ganhar vibração jornalística, mantendo a densidade crítica; cadernos

diários, o inverso. Não há propriamente um método” (PIZA, 2007, p. 58).

Ainda segundo o autor, “cada publicação da imprensa tem um público-alvo e

deve se concentrar em falar com ele, sem abrir mão de tentar contribuir com sua

formação, com a melhoria do seu repertório” (PIZA, 2007, p. 47). Qual seria, então, o

público-leitor de um texto de dança, seja resenha ou crítica? Para quem se fala? Quem

são essas pessoas denominadas “leitores”?

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“O fundamental no jornalista cultural é que saiba ao mesmo tempo

convidar e provocar o leitor, notando ainda que essas duas ações não

raro se tornam a mesma: o leitor que se sente provocado por uma

opinião diferente (no conteúdo ou mesmo na formulação) está também

sendo convidado a conhecer um repertório novo, a ganhar informação e

reflexão sobre um assunto que tendia a encarar de outra forma” (PIZA,

2007, p. 68).

Seria este, então, um caminho para fazer com que as pessoas sentissem-se

“provocadas” a assistir dança? E, com o tempo, o resultado poderia ser um público

maior e mais diversificado neste segmento artístico? Antes de responder a estas

perguntas, cabe lembrar que o jornalismo cultural, ao qual Piza se referia em 2007,

não é o que hoje existe, dada a crise que se adensa nos meios de comunicação e os

exemplos emergentes aqui explicitados. Vivemos outra situação, que produz novas

inquietações.

Consideramos que, mais do que anunciar ou tecer comentários sobre uma

obra, é papel do jornalista cultural refletir sobre o comportamento, indicar tendências,

contextualizar historicamente para ser um “aproximador” entre obra e público,

complementando a comunicação inerentemente presente na relação entre eles. Além

de tentar direcionar, de alguma forma, a reflexão deste público para algo diferente do

que salta aos olhos, do óbvio, fazendo-o pensar inclusive sobre a cultura da qual ele

próprio é parte integrante. Lembremo-nos de Octavio Paz14, quando defende que “ser

culto é pertencer a todos os tempos e lugares sem deixar de pertencer a seu tempo e

lugar” (PAZ apud PIZA, 2007, p. 62).

O que mais difere entre o que acontece agora e o tempo ao qual Piza referia-se

está no alcance e na disseminação da comunicação sem os protagonistas que

historicamente formaram e conduziram o campo. Com o barateamento e a expansão

dos computadores e do acesso à internet por banda larga, as informações que não

alcançam os meios tradicionais de comunicação (jornais, revistas, televisão) não mais

deixam de circular, pois podem estar no Facebook, em grupos de WhatsApp, no

Twitter, no Instagram, entre outros. A utilização destes recursos tecnológicos como 14 Poeta, ensaísta, tradutor e diplomata mexicano, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1990.

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instrumentos de comunicação modifica a crise que se instalou no jornalismo. Ainda

assim, estes novos caminhos comunicativos ainda não são bem explorados em termos

estratégicos para a conquista de novos leitores ou para sua transformação em público

de espetáculos cênicos.

Algumas companhias de dança têm encontrado nas redes sociais a

possibilidade de contato com seu público e parte delas inclusive utiliza o ambiente

digital em seus processos de criação, como ocorreu no projeto O barulho indiscreto da

chuva (2008), da Cia Corpos Nômades:

“O Blogspot que a gente teve desde 2006 funcionou para uma

construção poética de 2006 a 2008. Existia sem ter a objetividade de ser

jornalístico, mas tinha a subjetividade de ser jornalístico dentro da

poesia que se criou e da difusão que essa poesia propagou. Então, vira

jornalístico, porque divulga e propaga alguma ideia. (...) A gente criou o

Blogspot para ressaltar e colher informações de lembranças indiscretas

das pessoas. Provocava-se a construção de uma possibilidade

dramatúrgica para daí surgir uma criação. Então, em 2006 começamos

com isso com o elenco da época, isso era divulgado, as pessoas foram se

agregando até 2008, quando surge O barulho indiscreto da chuva”

(ANDREAZZI, 2015, Anexo 1, p. 131).

João Andreazzi, diretor da Cia Corpos Nômades, lembra que estava sem local

para ensaios e que ocupava, em esquema de revezamento com outros grupos, um

espaço cedido pelo Centro Cultural São Paulo. Na ocasião, ainda não tinha conseguido

alugar um espaço para ser a sede da companhia, pois O Lugar ainda não existia. A

iniciativa de criar o blog funcionou como uma sala virtual de ensaio, porque permitiu

seguir construindo a poética do espetáculo. Mesmo com a estreia, o processo criativo

continuou durante toda a temporada de O barulho indiscreto da chuva:

“a gente colhia lembranças indiscretas em uma penteadeira, que ficava

na entrada, as pessoas escreviam as lembranças indiscretas e depois

elas acessavam o blog para falar das sensações do espetáculo, e isso

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entrava na dramaturgia do espetáculo. Então, toda a dramaturgia era

muito interessante porque era curiosa, era viva, era nômade, mudava

com as sensações de quem vinha, e a gente também continuava com

nossas impressões no Blogspot. Depois, ele ainda continuou com uma

função de continuar propagando as coisas que a gente fazia aqui e ainda

o fomos utilizando, postando sensações de outros trabalhos. Mas hoje

eu acho que o Blogspot perdeu um pouco essa característica que tinha,

são poucos os que continuam” (ANDREAZZI, 2015, Anexo 1, p. 131).

Antônio Nóbrega, músico e diretor da Cia Antônio Nóbrega de Dança, relata

que hoje não há mais a dependência unicamente da mídia impressa, como ocorria

antigamente:

“Houve um tempo em que era absolutamente vital você ter um crítico,

por exemplo, de um dos grandes jornais, ter uma reportagem... Eu, 15

anos atrás, não lançava um espetáculo sem um dia antes dedicar para a

Band, para a Globo, para que todas as televisões fossem lá e para sair

nos noticiários. Hoje eu nem me preocupo, aliás, prefiro até que não

vão, porque muitas vezes atrapalha o ensaio... Então, com a

experiência, a gente já manda um teaser, um filme ou um vídeo que a

gente manda para lá, dá uma entrevista e tal... Então, as coisas, neste

sentido, se tornaram mais ágeis e, então, tem todas essas possibilidades

Cia Corpos Nômades - Foto: Henk Nieman

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que a gente tem... A gente tem uma companhia de seis pessoas, então,

eu tenho seis replicadores. Eu tenho um blog em que eu posso escrever,

então há muitos expedientes. É claro que a mídia impressa ainda é um

expediente poderoso, a Folha de S. Paulo, a Globo, a Veja, a Carta

Capital, estão ainda no topo da comunicação. Mas você pode também

tranquilamente já dispensá-los completamente e não se preocupar

tanto em estar presente neles” (NÓBREGA, 2015, Anexo 1, p. 164).

Nóbrega reconhece que os espaços para a dança diminuíram nas mídias

tradicionais, mas não demonstra pessimismo com relação a isso, embora afirme que

raramente vê críticos regulares nos jornais impressos. Ainda assim, é taxativo: “Hoje os

cadernos de cultura são praticamente cadernos de variedades, eles não são mais

lugares para se discutir ideias, prioritariamente, há certa perfumaria da arte e do

entretenimento, que se sobrepõe à discussão, à crítica mais gorda...” (NÓBREGA, 2015,

Anexo 1, p. 164).

Cia Antônio Nóbrega de Dança – Foto: Silvia Machado

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1.3 ARQUEOLOGIA DA CRÍTICA DE DANÇA

Para adensar a reflexão sobre a crise do jornalismo cultural, vale rascunhar um

breve histórico da crítica de dança nos principais veículos de comunicação do país.

Como um exercício que atesta a importância deste mapeamento, aqui serão trazidas

informações sobre o que passou pelo eixo Rio-São Paulo a partir do século XX.

É natural que os veículos de comunicação acompanhem a vida cultural e

artística local. Assim, com a inauguração do Theatro Municipal no Rio de Janeiro, em

1909, criou-se um ambiente bastante promissor para que textos de dança fossem

escritos, dada a sua importância em apresentar trabalhos nacionais e internacionais,

localizado no principal ambiente urbano do Brasil do início do século XX. Somam-se a

isso a criação da primeira escola de bailados oficial, em 1927, e do Corpo de Baile do

Theatro Municipal, em 1936, ambos pela russa Maria Olenewa (1896-1965), auxiliando

na formação da dança da cidade e do público para estes espetáculos. Assim, o

ambiente tornou-se propício para que a crítica crescesse no entorno desta cultura da

dança criada na cidade do Rio de Janeiro e apresentasse reflexão a respeito de todo

um contexto cultural, econômico, social, político e artístico da época.

Para Beatriz Cerbino, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF),

toda crítica sempre colocará em evidência um determinado ponto de vista, uma forma

de pensamento que, mesmo com a intenção de ir além do gosto pessoal, não deixará

de ser um julgamento. Isso porque toda crítica estará articulando aspectos estéticos e

políticos vigentes do período em que foram veiculados. Ela pondera que

“tão importante quanto um espetáculo é a discussão que ele pode

gerar, as diferentes maneiras de percebê-lo e de se apropriar das ideias

que ele coloca em movimento. O crítico é fundamental neste processo,

pois pode conversar com a obra e com seu criador, assim como

estabelecer um diálogo entre a coreografia e o espectador,

aproximando ou, muitas vezes, afastando esses dois” (CERBINO, B. apud

NORA, S., 2010, p. 19).

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Beatriz Cerbino volta à origem da palavra crítica para elucidar questões que

envolvem diretamente a crítica especializada em dança realizada essencialmente a

partir do século XX no Brasil.

“A palavra crítica, do grego kritiké, feminino de kritikós, segundo

definição encontrada em dicionário, é a arte ou a faculdade de

examinar e/ou julgar as obras do espírito, em particular as de caráter

literário ou artístico. É possível, então, estabelecer dois conceitos: um

positivo, como juízo crítico, com o sentido de discernimento, critério,

discussão dos fatos históricos e apreciação minuciosa; e outro negativo,

ligado ao ato de criticar, censurar, condenar ou avaliar

desfavoravelmente. Ou seja, o juízo que acompanha a experiência

estética é reflexivo, pois analisa e estabelece significados para o

acontecimento artístico. Essa significação não é pré-determinada, mas

criada no processo de elaboração acerca da obra” (CERBINO, B. apud

NORA, S., 2010, p. 20).

No início do século XX, frequentemente as críticas não eram assinadas ou

apenas eram acompanhadas por iniciais ou pseudônimos, na clara tentativa de manter

o anonimato da figura do crítico. Na coluna Palcos e Salões, do Jornal do Brasil, as

críticas só passaram a ser assinadas a partir de 1920. No histórico da crítica de dança

no Brasil, é possível considerar Jaques Corseuil (1913-2000) como primeiro crítico

especializado em dança:

“Antes dele, a prática era que críticos de teatro, como Mário Nunes; de

música, como Ayres de Andrade; ou de artes plásticas, como Ruben

Navarra, no Rio de Janeiro, e Nicanor Miranda, em São Paulo,

exercessem uma dupla função, escrevendo também sobre espetáculos

de dança. Por vezes, cabia a um único crítico escrever sobre artes

plásticas, música, ópera e dança. Foi o caso de Antonio Bento (1902-

1988), que manteve uma coluna sobre artes no Diário Carioca por vinte

anos, de 1945 a 1965” (CERBINO, B. apud NORA, S., 2010, p. 24).

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Segundo a pesquisadora, o mesmo ocorreu em outros veículos, como na revista

Fon Fon, e é apenas no final da década de 1970 que o nome das colunas é alterado,

ganhando identidade própria, caracterizadas como “dança” ou “crítica de dança” em

diários como Jornal do Brasil, O Globo, Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo. Como

resultado, os críticos de dança tornam-se pessoas específicas da área como Suzana

Braga, Casimiro Xavier de Mendonça, João Cândido, Antonio José Faro, Luis Sorel e

Helena Katz, a única que se mantém desde então, tendo começado a carreira em 1977,

no Jornal da Tarde e, escrevendo para O Estado de S. Paulo desde 1986.

“A primeira crítica de dança publicada no jornal carioca Correio da

Manhã, em 18 de outubro de 1913, é assinada por P. e trata da estreia

da companhia Ballets Russes de Diaghilev. (...) O crítico tenta não só

educar o gosto e o olhar do público, assumindo a função de formação

intelectual da plateia, como também explicar como e por que a dança

deveria ser valorizada como expressão cultural e artística” (CERBINO, B.

apud NORA, S., 2010, p. 26 e 27).

Ao longo do tempo, outros caminhos foram tomados como, por exemplo, a

contextualização histórica e estética de uma obra. Para Sally Banes, crítica e

historiadora de dança, esta seria apenas uma das quatro operações que a crítica de

dança poderia ter. Para além da contextualização histórica e estética, a crítica também

pode concentrar-se na descrição do espetáculo e do que foi realizado em cena; na

interpretação, em que o crítico buscará compreender e produzir sentido a partir da

obra; ou ainda na avaliação, baseado no julgamento da obra. E, segundo Banes (citada

por CERBINO, B. apud NORA, S., 2010, p. 31), estas operações não são excludentes e

podem ser encontradas em um mesmo texto crítico:

”Se nas décadas de 1940 e 1950 havia uma grande quantidade de

críticos que acompanhava as temporadas de dança na cidade do Rio de

Janeiro, cerca de vinte, a partir dos anos 1960 houve uma mudança

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significativa: uma queda desse número para menos da metade”

(CERBINO, B. apud NORA, S., 2010, p. 34).

Este dado importa bastante, pois continuamos observando, ao longo das

décadas posteriores, a diminuição constante do espaço da crítica. Entretanto, como já

propusemos anteriormente neste texto, não buscamos trazer um olhar saudosista ou

pessimista diante destes fatos, mas apresentá-los junto às possibilidades que emergem

com a internet. O fato de São Paulo hoje contar apenas com uma crítica regular

especializada em dança (Helena Katz), apesar de a cidade ser um dos polos culturais

mais efervescentes do mundo, aponta para uma situação sobre a qual a classe artística

necessita posicionar-se.

Se a diminuição de espaço na imprensa tradicional é considerada prejudicial

para a produção, é necessário que a classe encontre meios de reivindicar novamente a

sua presença em tais espaços. Na internet, parece que as diversas inciativas buscam

atender às demandas, enquanto que nos bastidores, impera a sensação de descaso

com a dança em relação às outras linguagens, mesmo que se pondere a diferença

existente entre as linguagens ligadas à escala industrial, como a música ou o cinema.

Nani Rubin (apud NORA, 2010), então editora-assistente do Segundo Caderno

do jornal O Globo, comprova essa disparidade com dados de uma pesquisa realizada

em 2008 pela editoria na qual trabalhava neste veículo: a seção de cultura dedicou

apenas quatro capas para a dança contra 64 para a música, 76 para o cinema, 39 para

as artes plásticas, 14 para a música clássica e 34 para o teatro. A discrepância é imensa

e repete-se também em outros meios de comunicação, como na Folha de S. Paulo e no

O Estado de S. Paulo, que, segundo pesquisa realizada pela J. Leiva – consultoria

especializada em políticas culturais – tiveram apenas 1,1% de suas capas dedicadas à

dança no ano de 2007, o que corresponde ao número de três e quatro capas da

Ilustrada e Caderno 2, respectivamente.

Ainda que apresente tais dados, Rubin (apud NORA, 2010) considera que o

jornal não pode ser responsabilizado, como muitas vezes o é, pela formação de

público, nem pelo sucesso ou fracasso de bilheteria de determinado espetáculo. Para

ela,

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“o que cria plateia é a educação, uma política pública de promoção da

arte que leve os espetáculos aonde houver gente que esteja faminta por

eles, embora possa até não ter consciência disso, ou que faça com que

as pessoas frequentem os espaços onde eles estão sendo apresentados.

O jornal não produz a notícia; ele identifica o que é notícia e a divulga,

em suas páginas, sob uma perspectiva que considere interessante a

seus leitores, funcionando como um amplificador da informação”

(RUBIN, N. apud NORA, S., 2010, p. 43).

Trazendo para o contexto de São Paulo, a jornalista Ana Francisca Ponzio15, por

outro lado, não tem uma visão tão otimista, como temos chamado a atenção aqui, em

relação ao poder das redes sociais. Ela considera que, na verdade, o ideal seria que a

internet fosse um complemento da mídia tradicional e contou sua trajetória

profissional, desde o final da década de 1980, quando começou sua carreira no Jornal

da Tarde, para justificar tal pensamento. Destacou momentos importantes deste

histórico até chegar aos dias de hoje, não mais inserida na imprensa tradicional, mas

coordenando e escrevendo para o seu portal Conectedance.

Ana viveu muito perto e sentiu na pele as mudanças do jornalismo cultural dos

últimos 30 anos. Para ela, no passado a situação era muito melhor, e relatou que,

embora tenha praticado dança, sua intenção sempre foi a de escrever, podendo levar

para a redação essa vivência e afinidade:

“Quando eu cheguei ao jornal, para mim ainda havia essa possibilidade

legal de você escrever. Nesta época, havia o que passou a se chamar

cobertura especializada em dança, então, tinha pessoas que escreviam,

a Helena é uma delas, Rui Fontana Lopez, o próprio Sábato Magaldi,

eram referências. E eu fui aquela que foi trabalhar na redação”

(PONZIO, 2015, Anexo 1, p. 176).

15 Ana Francisca Ponzio é jornalista, crítica, curadora e produtora de eventos na área de dança. Criadora do Portal Conectedance, responde pela direção e edição deste website.

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Ana relata que nunca teve a intenção de ser uma crítica de dança, e acredita

que esta seja uma consequência natural do trabalho do jornalista:

“Faz parte, mas sempre o grande tesão para mim foi fazer o que a gente

chama de ‘boa reportagem’, porque para mim, envolve pesquisa, você

correr atrás, apurar a informação, escrever aquilo legal com começo,

meio e fim... E até certo momento, foi possível, porque eu peguei um

momento privilegiado na imprensa” (PONZIO, 2015, Anexo 1, p. 177).

Ana destaca que já na década de 1990 iniciaram-se as demissões, e ela teve

que encontrar formas para galgar espaços. “Naquele tempo, a gente podia fazer

qualquer reportagem, tentar esgotar um assunto, e isso para mim foi um grande

aprendizado” (PONZIO, 2015, Anexo 1, p. 178). A jornalista refere-se às experiências

obtidas pela Revista Elle; quando foi editora na Revista Bravo; quando escreveu para a

Ilustrada, da Folha de S. Paulo, ou ainda para o Caderno 2, do Estado de S. Paulo. “Foi

um desgosto quando eu vi o que, para mim, era uma profissão, entrar em derrocada.

Entrou e agora você tem que reinventar” (PONZIO, 2015, Anexo 1, p. 177).

Ana também percebeu na Folha de S. Paulo algo semelhante ao que Rubin

(apud NORA, 2010) verificou a respeito da diminuição de capas dedicadas à dança no

jornal O Globo no Rio de Janeiro. “Eu fazia capas, e capas, e capas sobre dança. Então,

a dança estava presente”, afirmou ela, que começou a trabalhar na Ilustrada em 1994

e por lá permaneceu por 16 anos, período que lhe permitiu vivenciar todo o processo

de alterações no jornalismo cultural brasileiro.

“E para mim vinha assim de uma coisa purista também, porque naquela

época não tinha também essa coisa da receita publicitária

determinante. Eu não sei o que eles faziam que viabilizasse aquilo e, de

repente, me vi um dia fazendo trabalhos bacanas, elogiados, e, de

repente, alguém fala lá: ‘dança não tem importância’, e eu me dei conta

que o critério, o que estava valendo era: não dá receita publicitária,

audiência, essa mensuração começou a ser muito mais efetiva e

importante” (PONZIO, 2015, Anexo 1, p. 178).

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Ela relata também sobre as diversas mudanças percebidas e vivenciadas

inclusive nas formas de contratação: viu muitos funcionários demitidos, carteiras de

trabalho não eram mais assinadas, resultando na transferência do funcionário para a

figura de colaborador:

“A gente passou a ser microempresa, essas coisas assim terceirizadas,

nossa, tudo isso eu vivi. E daí criaram essa fachada do colaborador,

então, para não ter custos trabalhistas, você fica em casa trabalhando,

com sua estrutura, então, não tem obrigações... Ai, Deus me livre!”

(PONZIO, 2015, Anexo 1, p. 179).

Ana pondera que criar o Portal Conectedance foi uma alternativa que serviu

como possibilidade para manter seu trabalho sobre dança ativo e conta que, desde o

início, foi bastante idealista quanto aos propósitos do site. Ela concebeu o

Conectedance em 2009 e, desde então, contribui com reportagens, serviços, críticas e

vídeos sobre dança, tudo veiculado apenas na internet.

“Finalmente eu tenho espaço onde eu vou poder fazer todas as

matérias que eu amo fazer. Planejei como uma publicação completa, eu

não queria um blogzinho, eu sempre pensei em desenvolver coisas para

a dança que dessem a ela o seu status, não fosse rabeira, não fosse

mambembe, não fosse o secundário. (...) Quando eu fiz o

Conectedance, fui percebendo a importância do meio digital, e eu,

assim como outros, sempre tivemos aquele sonho de ter uma revista

para a dança, mas sempre esbarrava em como viabilizar isso, porque a

impressão é cara, distribuição é complicada, e a internet resolveu isso.

Eu acho que a gente ainda está em um momento de muita

transformação, revolução, nós todos vamos nos adequando, mas ainda

tem muita coisa que a gente nem tem noção, do quanto isso vai

interferindo e vai trazendo mudanças”. (PONZIO, 2015, Anexo 1, p.

180).

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Ana destaca o poder de divulgação que as redes sociais proporcionaram às

Companhias, mas avalia-o como um complemento:

“[O poder da internet] não pode ser único, faz parte de um conjunto.

Porque, ao mesmo tempo, é superficial, é descartável, ele não fixa, tem

essa coisa do consumo, da novidade a todo o momento, então, eu acho

que é uma ferramenta importante, mas ele tem que estar agregado a

outras coisas, e eu acho que é esse equilíbrio que a gente tem que

buscar em diversos canais. (...) Percebo que hoje tem algumas outras

publicações, eu diria até que são todas complementares, porque cada

uma tem o seu perfil, a sua proposta editorial” (PONZIO, 2015, Anexo 1,

p. 183).

Sobre a questão de não contar com toda a infraestrutura e com a equipe com a

qual estava acostumada a trabalhar nas empresas jornalísticas, Ana relata como

enfrenta as várias dificuldades para manter o material sempre atualizado. Ainda assim,

percebe que

“a proposta é essa, você difundir a informação, e eu mesma sei que

uma informação consistente, ela te desperta, ela te leva, te conduz a,

usando positivamente o termo, a consumir cultura, a você descobrir, ter

aberturas para a arte contemporânea, tudo isso. Então, é acreditando

nisso que a gente se dispõe a fazer” (PONZIO, 2015, Anexo 1, p. 185).

E encerra com uma posição que reafirma seu saudosismo por uma época que

não existe mais: “É por isso que eu acho que os impressos estão afundando, porque a

internet se antecipa na informação em si, e os impressos, que tinham a função de

aprofundar, não estão aprofundando. A tal reportagem, que eu acho o máximo, não

tem mais” (PONZIO, 2015, Anexo 1, p. 185).

Para além deste olhar jornalístico proposto por Ana Francisca Ponzio, também

há, por outro lado, o sentimento dos artistas em relação a estas alterações ocorridas

no jornalismo cultural nas últimas décadas.

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Há uma nova relação entre os artistas e o material publicado nas mídias, graças

à valorização deste material midiático nas disputas pelos editais apoiados nas Leis de

Incentivo à Cultura. Os artistas passaram a buscar espaço na mídia como uma forma de

legitimação a ser exposta nos portfólios produzidos em busca de financiamento – o

que não necessariamente está relacionado à preocupação com o aumento de público.

Rubin (apud NORA, 2010) ainda reflete sobre a hipótese de a dança

contemporânea ter se afastado de um potencial público de dança, devido à

aproximação de um espectador ávido por novas experiências sensoriais, alegando que

não se trata de fenômeno exclusivamente brasileiro e pode ser notado, inclusive, em

países europeus. É importante destacar também que a explosão da dança

contemporânea no Brasil aconteceu a partir dos anos 1980, e “o público talvez ainda

demore um pouco para assimilar a transformação, num mundo em que tudo está

mudando tão rápido” (RUBIN, N. apud NORA, S., 2010, p. 45).

Para a jornalista, algumas ações podem

“ajudar a plateia a não se frustrar a se ver diante de um espetáculo em

que há de tudo um pouco, e muito pouco de dança, no sentido original

do termo. E, de certa forma, a ir mais preparada, mais ‘aberta’, a uma

nova experiência de dança ou seja lá o que for apresentado sob essa

rubrica. (...) O fato é que um e outro, somados à dificuldade do público

para compreender espetáculos tão híbridos, determinam, sim, que haja

menos reportagens de dança do que de cinema, teatro, música, etc.”

(RUBIN, N. apud NORA, S., 2010, p. 45).

Nani ainda pondera que o jornalismo está mudando, assim como o público

tende a mudar. E que, possivelmente, haverá um momento em que nenhum artista

reclamará de não ter saído no jornal, neste como se conhece ainda hoje, “porque

haverá sempre ‘jornais’ nos quais divulgar seu trabalho, que saberão falar para

diferentes públicos, sobre diferentes assuntos – inclusive de dança como dança e da

dança como uma arte multidisciplinar” (RUBIN, N. apud NORA, S., 2010, p. 55).

Ainda que este tempo seja apenas um exercício de futurologia, diversas

iniciativas de comunicação estão sendo testadas, como aquelas aqui exemplificadas

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(7x7, Fanzine de Crítica de Dança e Discoreografia) e parecem encontrar outro

caminho, mais artístico e menos jornalístico, para se falar sobre dança. Um cenário

diferente daquele apontado por Cerbino (apud NORA, 2010), ao sublinhar a existência

de críticos especializados nos jornais brasileiros: ”Importa agora perceber que essa

escrita transformou-se, e a dança pode contar, para além de impressões e descrições,

com reflexões de quem se dedica a estudar seus processos e procedimentos artísticos”

(CERBINO, B. apud NORA, S., 2010, p. 38).

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CAPÍTULO 2. A COMUNICAÇÃO OBRA-ESPECTADOR

Todo espetáculo comunica algo. Nem sempre está na forma de uma mensagem

clara, mas há sempre algo sendo comunicado ao público. Seja verbal ou não verbal,

esta comunicação inicia-se antes mesmo de o espectador chegar ao teatro, pois, ao

sentar-se na plateia, geralmente já conhece algo sobre o autor (o que cria certa

expectativa), sabe o nome do espetáculo, possivelmente leu o texto do programa (caso

ele exista), viu alguma foto e/ou ouviu algum comentário sobre o que vai assistir. A

comunicação continua ocorrendo por outros elementos que aparentemente estão fora

da cena, como o próprio local da apresentação, quem comentou sobre o espetáculo, o

tipo de visibilidade/reconhecimento de quem apresenta a obra, entre outros. E a

comunicação continua na cena: a movimentação de quem apresenta o trabalho, as

imagens coreográficas criadas, os gestos e as posturas adotadas e, além disso, o

figurino, a maquiagem, os adereços cênicos, a iluminação, a música, a dramaturgia,

caso existam. O processo também continua após a apresentação, pois é muito

provável que haverá conversas e comentários sobre o espetáculo, a leitura de textos,

entre outras iniciativas.

Quando se trata de arte, a comunicação constitui um tema de complexidade

específica, especialmente quando se pretende identificar a ação dos múltiplos agentes

que trabalham na construção da relação obra artística-espectador.

Tendo como moldura a mudança que atinge o jornalismo tradicional, buscou-se

aqui identificar a troca da arte pelo entretenimento e o surgimento de novos meios de

comunicação no contexto digital. Torna-se relevante identificar iniciativas contra-

hegemônicas, tanto no que diz respeito àqueles que as produzem, como também ao

modo como lidam com o espectador. A partir do conceito de corpomídia (KATZ e

GREINER, 2012), explicitamos que o fluxo de trocas entre corpos e ambientes é

constante e inestancável, e que, no caso da relação obra-espectador, os fluxos

ocorrem da mesma forma.

Quando se emprega o conceito de corpomídia, modifica-se um pouco o

entendimento da premissa de que toda obra artística comunica algo ao público,

entendendo-o como receptor de uma mensagem. O espectador deixa de ser um

agente passivo neste processo, apenas recebendo a informação, e entende-se que o

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espectador também atua com a sua percepção, recortando e editando o que vê. Esta é

uma perspectiva diferentes daquela que se tornou hegemônica, uma vez que postula

um fluxo de co-dependência entre corpo e ambiente. O conceito de corpomídia

responsabiliza cada um naquilo de que toma parte, seja assistindo a um espetáculo,

escrevendo sobre ele, falando dele ou atuando na obra. Fazendo uma leitura do

contexto da produção jornalística à luz da Teoria Corpomídia, torna-se possível

compreender que, apesar de ter um papel de destaque, o jornalismo cultural não é

solista nos processos de comunicação com o espectador, pois faz parte de um fluxo

maior, no qual se percebe atualmente a aproximação entre cultura e entretenimento.

Dentre as teorias que se propuseram a estudar o que tece o processo de

comunicação, trabalhamos com a Teoria Corpomídia (KATZ & GREINER, 2012), uma vez

que nela o corpo ganha uma relevância distinta da que se dá em outras propostas

teóricas, consagradas na área da comunicação como, por exemplo, a Teoria da

Informação, elaborada por Shannon e Weaver16 (1948).

Com o conceito de corpomídia, entende-se que o corpo está sempre

comunicando quais informações o constituem em cada momento. O corpo

“não é um veículo ou um canal ou um meio pelo qual alguns conteúdos

internos, de vez em quando, podem ser expressos. O corpo é sempre

mídia de si mesmo e não um corpo que depende de uma ação

voluntária para expressar-se. Por isso, todo corpo é um corpomídia”

(KATZ, 2010, p. 19).

Para Martín-Barbero, o corpo é a fonte de toda a percepção, nosso principal

modo de habitar o mundo, o lugar a partir de onde realizamos sua apropriação. “Pois

perceber é descobrir-se enredado nas coisas, participar nelas por uma familiaridade

anterior a toda consciência explícita” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p.36).

Em um espetáculo de dança, o corpo é a mediação, algo mais complexo que o

meio, ainda que nesta pesquisa, meio seja tratado conforme o conceito de Marshall

16 “Consiste em uma sistematização do processo comunicativo a partir de uma perspectiva puramente técnica, com ênfase nos aspectos técnicos”. (HOHLFELDT ET. AL., 2001, p. 121). Por esta corrente, haveria: Fonte de informação, Transmissor, Canal e Receptor/Destino.

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McLuhan (2007), no qual não apenas o meio faz parte da comunicação, como também

determina o próprio conteúdo comunicado. Diferente de outros entendimentos do

conceito de meio como sendo incapaz de produzir os conteúdos comunicativos que

veicula, McLuhan propõe que diferentes veículos (diferentes meios de comunicação)

desencadeiam diferentes mecanismos de compreensão, adquirindo novos contornos

e, consequentemente, distintos significados. Por isso, afirma que “o meio é a

mensagem”.

“Isso apenas significa que as consequências sociais e pessoais de

qualquer meio – ou seja, de qualquer uma das extensões de nós

mesmos – constituem o resultado do novo estalão introduzido em

nossas vidas por uma nova tecnologia ou extensão de nós mesmos”

(MCLUHAN, 2007, p. 21).

McLuhan explica ainda que “toda extensão é uma amplificação de um órgão, de

um sentido ou de uma função que inspira no sistema nervoso central um gesto

autoprotetor de entorpecimento da área prolongada – pelo menos no que se refere a

uma inspeção e a um conhecimento diretos”. (MCLUHAN, 2007, p. 197). E completa

exemplificando que o artista sério seria a única pessoa capaz de enfrentar,

impunemente, a tecnologia, justamente por ser um perito nas mudanças da

percepção.

“O exame da origem e do desenvolvimento das extensões individuais do

homem deve ser precedido de um lance de olhos sobre alguns aspectos

gerais dos meios e veículos – extensões do homem – a começar pelo

jamais explicado entorpecimento que cada uma das extensões acarreta

no indivíduo e na sociedade” (MCLUHAN, 2007, p. 20).

Antes de seguir, cabe uma observação importante: a Teoria Corpomídia detém-

se no conceito de extensão de McLuhan e o atualiza em consonância com os

conhecimentos sobre o corpo produzidos pela perspectiva evolucionista e pelos

estudos das ciências cognitivas. Assim, propõe que tudo aquilo a que McLuhan referia-

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se como extensão seja lido como distensão. A razão é forte: como o corpo nunca se

apronta, não é possível trabalhar com o entendimento de que algo seja a sua

extensão. A proposta é pensar que o corpo vai se distendendo ao longo do tempo, de

acordo com as experiências que vivencia nos ambientes.

É importante demarcar também que, segundo Katz e Greiner (2012), esse

conceito refere-se a tudo o que puder ser identificado como corpo, humano ou não,

ou seja, tudo o que puder ser identificado como uma coleção circunscrita de

informações e que não para de se transformar. “Meio e corpo se ajustam

permanentemente num fluxo inestancável de transformações e mudanças” (KATZ e

GREINER, 1998, p. 91). A comunicação, portanto, é tecida por este ajuste contínuo de

alterações, sejam elas reconhecidas por nós ou não.

Sendo cada corpo mídia de si mesmo, isto é, do conjunto circunstancial de

informações que o torna corpo e que nunca se completa porque o fluxo de trocas com

o ambiente jamais estanca, é possível afirmar que os processos de comunicação são

permanentes. Como se sabe, toda informação busca a sua sobrevivência através da

adaptação e da reprodução. E, se assim é, vale lembrar que o jornalismo cultural,

quando não informa algo, diminui a chance daquela informação adaptar-se e poder

reproduzir-se. Quando um meio de comunicação publica/divulga algo, permite que a

informação contamine pessoas. E sempre que uma informação pula de um cérebro

para outro, ganha chance de sobreviver. Esta lógica tem feito das redes sociais uma

importante estratégia de propagação e difusão dos trabalhos de dança, e esta

dissertação traz alguns exemplos.

Segundo o pesquisador Richard Dawkins17 (1976), a comunicação é viral e

propaga-se em analogia ao contágio. É preciso que as pessoas sejam contaminadas, ou

seja, é preciso encontrar com a informação, condição indispensável para que possa ser

gerado algum interesse pelo que ela veicula. Uma vez infectado por este contágio, o

sujeito torna-se apto a infectar outra pessoa ao comentar com ela a informação que

encontrou. E, quanto mais pessoas são contaminadas, maior a propagação destas

17 O Gene Egoísta (The selfish gene), publicado em 1976, pelo biólogo Richard Dawkins, traz o conceito de meme para explicar a transmissão cultural, dizendo que se trata de uma informação que se propaga de cérebro a cérebro.

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informações no mundo. Dependendo da qualidade dos memes18, a informação poderá

fortalecer-se ou enfraquecer a obra. E, por este motivo, é importante que a dança

esteja em pauta, em discussão não somente entre os próprios artistas, mas também

na mídia e nas redes sociais, pois quanto mais informação for gerada, maior a

quantidade de memes e, consequentemente, mais pessoas infectadas, propagando-a.

O grande interesse de Dawkins está justamente em buscar entender como são

transmitidas as informações culturais:

“A comunicação acontece quando uma mente ao agir sobre seu meio

ambiente influencia outra mente e, nesta outra mente, ocorre uma

experiência que é semelhante à experiência na primeira mente que é

causada, em parte, por aquela”. (DAWKINS, 1976, p. 177).

Seguindo o entendimento do contágio, consegue-se compreender que, ao

encontrar-se com um tipo de informação muito distante daquelas com as quais se tem

o hábito de conviver, é natural não reconhecê-la e não saber avaliar a sua importância.

Mas, como o corpo não recusa a informação com a qual entra em contato, se ele

continuar encontrando-a, o desconforto inicial se transformará. Como, em geral, as

pessoas são educadas a buscar um significado para as obras de arte, mantém-se esse

padrão no contato com os espetáculos de dança e, quando não se consegue encontrá-

lo, tende-se a desmerecer a obra, sem lembrar-se de tudo o que está envolvido neste

processo de percepção.

Como tudo o que estará em cena será comunicado, sabendo ou não o seu

significado, pode-se dizer que o contato com as escolhas presentes em qualquer obra

agem de alguma forma sobre o público e modificam a coleção de informações que o

constituem. Desse modo, os criadores precisam refletir sobre sua responsabilidade

nesta potente relação, na qual atuam como propositores de valores que contaminarão

todos com os quais entrarão em contato. As formas do movimento não são apenas

formas do movimento, mas ideias sobre o mundo que tomam a forma de gestos ou

passos e contaminam quem as assiste. Trata-se de um processo no qual todos estão

18 Unidade de informação que se multiplica de cérebro em cérebro. Conceito desenvolvido pelo biólogo Richard Dawkins.

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implicados: quem cria, quem coloca em cena e quem assiste, pois refere-se a escolhas

feitas que produzem consequências no mundo.

Quando alguém não gosta daquilo que assiste, ele contaminará outras pessoas,

e assim, sucessivamente. É sempre importante refletir sobre o que está sendo

proposto, sobretudo quando muitos começam a apontar uma crescente diminuição de

público.

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2.1 APONTAMENTOS SOBRE A QUANTIDADE DE PÚBLICO EM SÃO PAULO

Artistas da dança contemporânea comentam que, em geral, há uma sensível

diminuição de público nos espetáculos apresentados. Independentemente dessa

possível redução quantitativa, é importante ponderar sobre os muitos agentes que

participam desta cena ao longo do tempo.

Como afirma Scott Timberg19 (2015), a classe artística reúne, além dos artistas,

um número maior de agentes:

“O que é isso chamado de classe artística? Richard Florida, um teórico

urbano que tem se dedicado a descrever isso, define este grupo,

efetivamente, como qualquer indivíduo que trabalhe com sua mente

em alto nível – então, cientistas, pesquisadores, médicos, software

designers, assim como trompetistas de jazz e poetas líricos. Isso faz

sentido em alguns contextos, mas há um significado mais competente

de que a classe criativa incluiria qualquer um que ajude a criar ou

disseminar a cultura. Assim como escultores e arquitetos, eu acrescento

deejays, balconistas de livrarias, cenógrafos, pessoas que editam livros

nas editoras, entre outros” (TIMBERG, 2015, p. 10 – tradução nossa).

E, com relação à cadeia mais diretamente relacionada a quem produz arte,

Timberg (2015) também destaca o papel dos agentes diretos como artistas, curadores,

programadores e jornalistas culturais.

Não se pode ignorar a mudança proposta pelas artes contemporâneas, que

requisitam do espectador uma postura que vai além daquela com a qual se habituou: a

de ser um mero observador e contemplar uma obra. Abandona-se a postura de quem

espera (especta) e necessita ser “atendido”, associando o papel do espectador ao de

consumidor. Ao invés disso, o espectador precisa assumir uma postura ativa, isto é,

19 Escritor norte-americano, autor de Culture Crash: the killing of creative class (2015). Scott Timberg escreveu para The New York Times, Salon e Los Angeles Magazine, além de ter trabalhado por seis anos no LA Times.

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deve aceitar que a obra convoca-o a construir um pensamento e com ela compartilhar

uma experiência artística.

Também cabe lembrar que outros fatores precisam ser levados em

consideração como, por exemplo, as reformas dos equipamentos culturais, como

ocorreu no Centro Cultural São Paulo em 2012 e no Teatro Sérgio Cardoso em parte

dos anos de 2010 e 2011; ou ainda as crises financeiras, como a de 2015, que reduziu

as contratações e as verbas destinadas à cultura em geral.

Para Agnaldo Pavoni, administrador de salas do Centro Cultural São Paulo, em

conversa realizada em 29 de julho de 2015, no próprio CCSP, ocasião em que se

solicitaram formalmente os dados de público dos últimos 10 anos, “houve muitos altos

e baixos ao longo desta última década”. E, segundo ele, os motivos para diminuição

dos números de público foram os mais diversos, dentre eles: os anos em que o CCSP

fechou para reforma; a Sala Paulo Emilio Salles Gomes, que era multidisciplinar e

abrigava a dança, tornou-se uma sala exclusiva de cinema; o projeto de existir um

Núcleo Cênico que não foi realizado por falta de verba e mudança de gestão.

Pavoni destacou, por outro lado, a permanência do Semanas de Dança (desde a

década de 1990, mas com novo formato em 2010) e dos O Masculino e O Feminino na

Dança (desde 1992), como programações responsáveis por impulsionar a quantidade

de público de dança no CCSP. Ele afirma que isso sempre dependeu dos profissionais

que estavam na Curadoria de Dança, citando Marcos Bragato20 como o responsável

pelo aumento de popularidade para esta linguagem no Centro Cultural:

“Ele brigou muito por este espaço e que depois foi diminuindo. Com ele,

havia do processo mais vanguarda até uma gala de ballet clássico; tinha

dança indiana e entrou com o hip hop. Havia essa diversidade, mas não

sei ao certo o quanto isso reverbera na quantidade de público”

(PAVONI, 2015).

20 Mestre e Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, atualmente, Marcos Bragato é professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Foi curador do Centro Cultural São Paulo de 1985 a 2009.

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Para ele, o Centro Cultural São Paulo tem seu próprio público, sendo que 15 a

20% da lotação já estão garantidos, “mas houve uma diminuição, embora pareça que

agora esteja voltando a crescer”. Além dos fatos já elencados como os principais

responsáveis pela redução de público, ele lembra também a ocorrência de uma

diminuição geral dos orçamentos, mas aponta que a criação de espaços alternativos

para outros projetos como o Dança em Diálogo, Partilha do Sensível e Jam de Dança

Urbana, todos ativos neste ano de 2015, apresenta uma nova perspectiva para o CCSP.

Segundo o “Relatório da Gestão de 2001 a 2004”, publicação da Secretaria

Municipal de Cultura, acessado em 25 de agosto de 2015 na biblioteca do próprio

Centro Cultural São Paulo, é notável a diminuição de público, em número absoluto,

entre 2001 e 2004:

Se compararmos, dez anos depois, ao período de 2011 a 2014, pelos números

concedidos por e-mail pela curadoria atual de dança do Centro Cultural São Paulo,

também é notável um número menor de público para a dança:

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO 2011 2012 2013 2014

Total de público de dança 15.726 1.389 7.781 3.307

Andrea Thomioka, Curadora de Dança do Centro Cultural São Paulo, na mesma

conversa realizada em 29 de julho de 2015, sente que “os próprios artistas da ‘classe

da dança’ se afastaram do público, com uma acomodação dos dois lados”. E sinaliza

que, como a produção em dança aumentou muito, assim como os espaços destinados

a esse segmento artístico, também houve uma “pulverização” do público.

A diminuição de público também se fez presente nas apresentações dos anos

de 2005 a 2007 do Balé da Cidade de São Paulo, companhia de dança oficial do

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO 2001 2002 2003 2004

Total de público de dança 15.130 12.560 9.609 9.401

Tabela 1: Quantidade de público no Centro Cultural São Paulo (2001 a 2004)

Tabela 2: Quantidade de público no Centro Cultural São Paulo (2011 a 2014)

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município, ocorrendo redução tanto nos números absolutos quanto na média de

público por espetáculo, conforme apontam os dados do relatório de Gestão da

Secretaria Municipal de Cultura:

O Teatro Sérgio Cardoso, administrado pela Associação Paulista dos Amigos da

Arte (APAA), da Secretaria de Estado da Cultura, enviou, via e-mail de sua

programadora, Mônica Bammann, em agosto de 2015, os dados que seguem:

Analisando os números (Tabela 4), neste caso, não é possível afirmar que houve

diminuição de público entre 2006 e 2015. Tanto os números absolutos quanto a média

de público por espetáculo é bastante variável de um ano para outro.

Segundo Bammann, no registro dos borderôs de 2006 e 2007, além da dança,

somou-se aos números as apresentações de teatro musical, o que pode explicar um

número maior de público nestes anos, se comparados ao ano seguinte, 2008, por

exemplo. E, quanto a 2009, ela afirma não possuir o número de público separado por

linguagem. Ainda assim, são números bastante expressivos se pensarmos que o Teatro

Sérgio Cardoso possui duas salas de espetáculos, sendo que a dança geralmente é

programada na Sala Paschoal Carlos Magno, com 144 lugares, enquanto a Sala Sergio

Cardoso possui 835 lugares.

Tabela 3: Quantidade de público do Balé da Cidade de São Paulo (2005 a 2007)

Tabela 4: Quantidade de público no Teatro Sérgio Cardoso (2006 a 2015)

Ano 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 até julho/2015 total

Quantidade de apresentações 71 67 59 X 34 35 104 116 97 54 637

Total de público 21.727 20.012 14.278 X 18.987 7.491 14.233 25.554 29.906 21.490 173.678

Média público/espetáculo 306,0 298,7 242,0 0,0 558,4 214,0 136,9 220,3 308,3 398,0 272,6

Ano 2005 2006 2007

BALÉ DA CIDADE DE SÃO PAULO

Quantidade de apresentações 95 102 93

Total de público 73.250 70.250 63.985

Média público/espetáculo 771,1 688,7 688,0

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Mônica também destaca que, durante os anos de 2010 e 2011, o Teatro Sérgio

Cardoso esteve fechado para reforma durante um período, o que impactou na

quantidade de espetáculos. No entanto, se observarmos a média de público por

apresentação, os números não são muito diferentes dos demais anos, com destaque

apenas para o ano de 2010, que foi o ano com maior média de público por espetáculo,

com o expressivo número de aproximadamente 558 pessoas por apresentação. Ainda,

levando-se em consideração que a Sala Paschoal Carlos Magno possui apenas 144

lugares, é possível que, também neste ano, estejam misturados os dados dos

espetáculos de teatro musical.

Fernando Dourado, programador de dança da Secretaria de Cultura da cidade

de São Paulo, enviou por e-mail em setembro de 2015 as planilhas contendo toda a

programação de dança da Galeria Olido, com os respectivos números de público e

quantidade de apresentações por companhia. Ele enviou os dados referentes aos anos

de 2013, 2014 e 2015, tendo esta última planilha já considerado as apresentações que

ocorridas até setembro deste ano.

Para a somatória destes números foram consideradas apenas as atividades

artísticas como espetáculos, processos e mostras, sem levar em conta os números de

pessoas que realizaram oficinas ou estiveram presentes nas jams de dança.

Em 2013 estiveram presentes nos espetáculos de dança da Galeria Olido 14.155

pessoas, divididas em 184 apresentações, o que resulta em uma média de público de

quase 77 pessoas por espetáculo (Tabela 5). Olhando mais especificamente para os

dados, o espetáculo Terreiro Urbano do Treme Terra, companhia de dança negra

contemporânea, foi o trabalho com maior média de público por apresentação, tendo

um número de 173,75 pessoas/espetáculo. Na sequência, muito próximo, com 171,50,

Tabela 5: Quantidade de público na Galeria Olido (2013 a 2015)

Ano 2013 2014 2015 (até Set)

Galeria Olido

Quantidade de apresentações 184 162 123

Total de público 14.155 12.663 12.583

Média público/espetáculo 76,93 78,17 102,30

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o Raça Cia de Dança, com Fidelity, e Caminho da Seda. E ainda a estreia de Oroboro,

do Projeto mov_Ola, de Alex Soares, teve uma média de 154 pessoas por espetáculo.

Por outro lado, alguns trabalhos tiveram médias muito baixas, com menos de

20 pessoas por apresentação. Isso mostra que, dada a diversidade da programação de

dança da Galeria Olido, a quantidade de público pode variar de menos de 20 a mais de

170 pessoas, dependendo do que é programado. Trata-se de uma variação bastante

expressiva, visto que se trata de um mesmo local, considerado referência para a dança

da cidade de São Paulo.

Já em 2014, estiveram presentes 12.663 pessoas, divididas em 162

apresentações, o que resultou em uma média de público de cerca de 78 pessoas por

espetáculo. Se compararmos com o ano anterior, o número absoluto diminuiu de

14.155 para 12.663, algo em torno de 1.500 pessoas. Porém, também houve um

menor número de espetáculos programados no período e a média de público se

manteve praticamente estável. Se em 2013 a média foi de 77 pessoas/apresentação,

em 2014 o número foi de aproximadamente 78 pessoas/apresentação. A planilha

apresenta um número menor de espetáculos em decorrência da Copa do Mundo de

Futebol que impediu, durante várias semanas, que a programação de dança na Galeria

Olido ocorresse.

O trabalho Lampioa, de João Zambom, teve a melhor média de público: 250

pessoas em uma única apresentação. Esta intervenção artística ocorreu nos corredores

da Galeria Olido e aponta para o potencial das intervenções artísticas que são

realizadas fora do teatro, no espaço público. Caso ocorresse na Sala Paissandu, sala

cênica onde a dança é geralmente programada, a média de público seria menor, uma

vez que sua capacidade é de 136 lugares. É comum a produção disponibilizar cadeiras

extras, mas ainda assim, este número não aumentaria tanto. Em algumas poucas

exceções, espetáculos de dança são programados na Sala Olido, mais utilizada para

peças de teatro, com capacidade para 293 pessoas.

Novamente a companhia Treme Terra, com seu espetáculo Terreiro Urbano,

junto com Dançopraphismus, do Balé da Cidade de São Paulo, foram os espetáculos

com melhor média: 139 pessoas/apresentação cada. Os trabalhos com menor número

de público obtiveram uma média de 40 pessoas.

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Por fim, até setembro de 2015, quando a planilha foi enviada por e-mail,

12.583 pessoas haviam assistido a 123 apresentações de dança na Galeria Olido, o que

resulta em uma média de público de cerca de 102 pessoas por espetáculo. Embora o

ano ainda não tenha encerrado sua programação, os números mostram que, muito

provavelmente, o público da Galeria Olido tenha aumentado neste ano, em

comparação aos anos de 2013 e 2014.

Até então, o espetáculo Saudade de Mim, uma estreia da Focus Cia de Dança,

do Rio de Janeiro, teve a expressiva média de 333,5 pessoas/apresentação (segundo

Fernando Dourado, foram colocadas cadeiras extras em suas apresentações, que

aconteceram na Sala Olido, não na Sala Paissandu). Na sequência, o #Passinho, dirigido

por Lavinia Bizzotto e Rodrigo Vieira, um trabalho desenvolvido no Rio de Janeiro, mas

concluído em São Paulo, teve uma média de 184 pessoas/apresentação. E por fim,

Dançographismos II, do Balé da Cidade de São Paulo, teve média de 181,3 pessoas por

apresentação.

Além do Teatro Sérgio Cardoso, do Centro Cultural São Paulo e da Galeria

Olido, destaco que solicitamos os dados de público também para o SESC-SP que, por

meio de seu curador de dança, Juliano Azevedo, pediu uma carta registrada em nome

do diretor regional do SESC, Danilo Santos de Miranda, documento enviado em 4 de

agosto de 2015. Eles confirmaram o recebimento e se dispuseram a auxiliar, porém,

até o fechamento deste texto, não enviaram os dados. Também entramos em contato

com o Teatro Alfa, sem obter qualquer resposta.

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2.2 AINDA SOBRE A COMUNICAÇÃO OBRA-ESPECTADOR

No jornalismo cultural especializado em dança, é com o verbal que se lida com

o movimento. Mas o verbal não precisa ser sempre entendido como explicação do

movimento ou como a apresentação de um significado ou de uma legenda para o que

se comenta. Estas não são as únicas possibilidades de trabalhar com o verbal no

jornalismo cultural. Para escapar destas práticas, é importante reconhecer que o

movimento de dança comunica ideias, ainda quando não usa palavras. E que estas

ideias pedem por outras ideias para que haja uma conversa produtiva com os leitores.

Lakoff e Johnson (1999) ajudam-nos a compreender como o movimento conta

sobre os entendimentos de mundo que o gestam. Para os autores, o que

habitualmente chamamos de formulações abstratas estabelece-se a partir de vivências

sensório-motoras, ou seja, as ideias nascem das experiências do corpo:

“A razão não é ‘desatada do corpo’ (disembodied), como a tradição tem

mantido, mas surge da natureza de nossos cérebros, corpos e

experiências de corpo. Isso não é apenas uma inócua e óbvia pretensão

que necessita de um corpo para haver a razão; preferencialmente, é

uma impressionante reivindicação que a própria estrutura da razão

surge dos detalhes do ‘modo como se torna corpo’ (embodiment). Os

mesmos mecanismos neurológicos e cognitivos que nos permitem

perceber e nos mover também criam nosso sistema conceitual e

modelos de razão. Assim, para entender a razão, nós precisamos

entender os detalhes do nosso sistema visual, nosso sistema motor, e os

mecanismos gerais de conexão neural. Resumindo, razão não é, de

nenhuma forma, uma transcendente característica do universo ou da

mente ‘desatada do corpo’ (disembodied). Pelo contrário, ela é formada

crucialmente pelas peculiaridades do nosso corpo humano, pelos

extraordinários detalhes da estrutura neural de nossos cérebros e pela

especificidade de seu funcionamento no mundo”. (LAKOFF e JOHNSON,

1999, p. 4, tradução nossa).

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Os indivíduos vivenciam experiências desde o nascimento, o que faz com que

entendam o mundo a partir delas. “O ambiente não é ‘o outro’ para nós. Ele não é

uma coleção de coisas que nos encontram. Ele é parte do nosso ser. Ele é o lugar da

nossa existência e identidade. Nós não podemos e não existimos fora dele”. (LAKOFF e

JOHNSON, 1999, p. 566).

O que é segurança? Parece apenas algo abstrato, mas ter uma noção da

definição de segurança implica em ter tido uma experiência que passa pela relação

com o braço da mãe que segura o filho, encostando-o a seu corpo, transmitindo-lhe

calor, aconchego e, ao mesmo tempo, uma sustentação firme e terna, produzindo uma

sensação de acolhimento e completude. Esta sensação, que não sabemos ainda

nomear quando bebês, é sentida no colo que aninha e vai acompanhá-lo pela vida.

Bem mais adiante, quando conhecer o conceito de segurança, serão estas experiências

sensório-motoras que permitirão associar segurança, por exemplo, com confiança –

ambos abstratos, mas fundados neste tipo de vivência.

Tais formulações não serão aqui aprofundadas, mas ajudam-nos a entender

que as ideias abstratas possuem relação com experiências vivenciadas no passado e

cotidianamente. Esse fato não deve ser esquecido ao se trabalhar com dança, porque

nos ajuda a explicar que o movimento que o corpo faz tem a ver com o processo de

conhecer o mundo.

Quando se trata de corpo, o movimento não pode ser ignorado e nem o modo

“como o movimento se especializa a ponto de se transformar em representação

teatral, gesto musical, dança, acrobacia, performance, música, ou seja, suas ações no

mundo em forma de arte” (KATZ e GREINER, 1998, p. 94).

Quando o movimento especializa-se como dança, nem sempre é evidente que a

comunicação está acontecendo a todo momento, sobretudo porque se confunde

comunicação com entendimento de um significado, tal como tratado no campo da

comunicação verbal: sinônimo de um conteúdo-mensagem a ser verbalizado em uma

legenda explicativa. Todavia, reconhecer a dificuldade em compreender algo já revela

que a informação tocou o indivíduo de alguma maneira. Lembremos que, de acordo

com a Teoria Corpomídia, o corpo não recusa a informação com a qual entra em

contato, e este contato transforma ambos, corpo e informação. Alguma mudança,

perceptível ou não, consciente ou não, sempre resulta desse encontro. E, quando

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corpo e informação não se encontram, o desconhecimento também promove algo. Um

dos interesses aqui é o de distinguir comunicação de entendimento, para que este

deixe de ser tratado como um regulador da comunicação.

“As informações do meio se instalam no corpo; o corpo, alterado por

elas, continua a se relacionar com o meio, mas agora de outra maneira,

o que leva a propor novas formas de troca. Meio e corpo se ajustam

permanentemente num fluxo inestancável de transformações e

mudanças”. (KATZ e GREINER, 2001, p. 68).

No que tange à comunicação entre obra e espectador, ela é viva e segue

desenvolvendo-se depois do primeiro contato. “Vê-se instalada no corpo a própria

condição de estar vivo e ela se apoia basicamente no sucesso da transferência

permanente de informação” (KATZ e GREINER, 1998, p. 95).

O encontro com a informação promove uma experiência cognitiva que modifica

o corpo e o ambiente, passando a fazer parte de ambos. Modificado pelo encontro

com a informação, o corpo continua a trocar com o ambiente, alterando-o e

transformando-se. Como o ambiente tem papel fundamental na comunicação, no caso

da relação obra-espectador, o tipo de atuação do jornalismo cultural como

facilitador/dificultador de um ambiente mais ou menos favorável para a comunicação

de informações sobre dança faz diferença:

“(...) o signo estético produz no espectador ressonâncias corporais e

estados afetivos, mobilizando nele a dimensão do saber sensível, esse

saber próprio de nossa corporeidade. A arte revive em nós, ainda que de

modo simbólico, sentimentos e vivências que se baseiam em nossa

história pregressa, em nossas experiências de vida. Um signo poético

(artístico), ao ser percebido, é decodificado por um equilíbrio entre o

inteligível e o sensível que nos habita, possibilitando que o captemos, de

maneira integrada, com nossa existência plena.” (DUARTE JR., 2010,

p.41).

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Um bom exemplo da força da disseminação de uma informação pode ser

encontrado em um livro sobre balé clássico que abalou “verdades oficiais”. Em 2010

Jennifer Homans lançou Apollo’s Angel, pela editora Random House, livro que se

tornou polêmico porque nele profetizou a extinção do balé, dadas as circunstâncias

atuais de sua produção. Para ela, a comunicação do balé com o seu público enfrenta

um risco tão sério que ameaça a sua permanência – o que deixa claro que nenhuma

forma de comunicação fica assegurada para sempre, nem o balé, sempre apresentado

na dança como uma referência perene.

“É também uma história que pode ter chegado ao fim. Duma maneira

geral, o ballet hoje é visto como antiquado e fora de moda: parece não

ter lugar no nosso mundo acelerado e desordenado. Para os que, como

eu, estiveram presentes no final da última grande época e

testemunharam o seu vigor e declínio, a mudança tem sido tremenda.

(...) Existem ainda pequenos grupos de pessoas que se interessam pela

dança e lugares onde ela tem alguma importância. O Ballet poderá ainda

voltar para a vanguarda cultural no futuro, mas não há dúvida de que

nas últimas três décadas entrou num profundo declínio, em toda parte”

(HOMANS, 2010, p. 25).

Este dado importa bastante quando se leva em conta a tendência de atribuir

dificuldade de comunicação somente para as linguagens artísticas da arte

contemporânea. Parece mais complicado lidar com a produção contemporânea

porque nela ocorre uma grande liberdade de criação, que produz uma diversidade

enorme de propostas convivendo nas suas diferentes abordagens. Mesmo variando

muito, todas ficam reunidas sob uma mesma denominação – no caso da dança, a de

dança contemporânea. O que importa salientar aqui é que existe uma pluralidade de

manifestações distintas reunidas sob o mesmo nome, o que já constitui um aspecto da

dificuldade da sua comunicação.

O crítico e curador francês Nicolas Bourriaud (2009) defende a obra de arte

como interstício social em Estética relacional. Ele buscou refletir sobre as práticas

artísticas mais dirigidas às relações que o artista instituía com o observador, por meio

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da obra, do que o próprio objeto artístico. O engajamento artístico passou a

proporcionar novas práticas interativas entre obra e observador, desenvolvendo outra

forma de relação:

“A possibilidade de uma arte relacional (uma arte que toma como

horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social

mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado)

atesta uma versão radical dos objetivos estéticos, culturais e políticos

postulados pela arte moderna.” (BOURRIAUD, 2009, p. 19 e 20).

Bourriaud defende que a arte sempre foi relacional em diferentes graus, ou

seja, fator de sociabilidade e fundadora de diálogo. Isso porque propicia o “estar

juntos”, um encontro entre a obra artística e a elaboração coletiva do sentido, mais

uma vez ratificando a existência de comunicação entre arte e espectador, espetáculo e

público. É através da arte que o artista inicia o diálogo, e a prática artística residiria na

abertura de relações entre sujeitos. “Cada obra de arte particular seria a proposta de

habitar um mundo em comum, enquanto o trabalho de cada artista comporia um feixe

de relações com o mundo, que geraria outras relações, e assim por diante, até o

infinito.” (BOURRIAUD, 2009, p. 31). O autor ainda cita Michel Maffesoli, concordando

que a arte, além da comunicação, cria empatia e compartilhamento, gerando vínculo.

Além disso, toda arte pressupõe uma dimensão política, visto que permite ao

observador certo tempo de experiência e reflexão, transformando percepções pré-

estabelecidas e possibilitando novas formas de relação com o mundo. Diferente da

experiência da televisão que, segundo Martín-Barbero, chega a produzir “um real mais

verdadeiro que o real” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 94), gerando passividade e

indiferença política, tendo o silêncio como modo de atividade das massas. Por outro

lado, a arte reafirma seu posicionamento político, dando voz e contrapondo o

“silenciamento” da mídia hegemônica e do senso comum.

Para Bourriaud, uma obra de arte possui uma qualidade que a diferencia dos

outros produtos das atividades humanas: a sua relativa transparência social.

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“Ela abre espaço para o diálogo; à discussão, a essa forma de

negociação inter-humana que Marcel Duchamp chamava de ‘o

coeficiente de arte’ e que é um processo temporal, que se dá aqui e

agora. (...) A obra de arte como produto do trabalho humano: de fato

ela mostra (ou sugere) seu processo de fabricação e produção, sua

posição no jogo das trocas, o lugar – ou a função – que atribui ao

espectador, e, por fim, o comportamento criador do artista.”

(BOURRIAUD, 2009, p. 57).

Dessa forma, a obra de arte e, no contexto aqui trazido, o espetáculo ou

processo em dança, ao serem apresentados publicamente, no teatro ou em espaços

alternativos, desenvolverão sempre a relação com o outro, em uma coexistência de

convívio de trocas constantes, ao mesmo tempo em que constitui sua relação com o

mundo.

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2.3 O PROBLEMA

Para o senso comum, a comunicação obra-espectador ocorre: 1) quando se

consegue aplicar uma legenda explicativa que traduz o que ela “quer dizer”; ou 2)

quando se é tocado emocionalmente por ela, prescindindo dessa legenda para sentir-

se muito próximo a ela. Todavia, a comunicação não ocorre somente nestas molduras

estreitas, pois se configura como um processo permanente de transformações que

implica na impossibilidade de se restringir a estes ou outros modelos. Ou seja,

“a comunicação se tornou para nós questão de mediações mais que de

meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimentos, mas

de reconhecimento” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 28).

Em outras palavras, a mediação tornou-se os próprios meios. E o jornalismo

cultural, sob o disfarce de ser apenas um meio, na verdade desempenha papel de

mediação, com consequente comprometimento político e de interesses econômicos

que não estão diretamente relacionados aos fatos jornalísticos. Não é mais uma

questão só de meios, mas pensar a produção e a recepção é pensar a comunicação sob

os olhos das mediações e é reconhecer que entre elas há um lugar em que a cultura se

estabelece. O conceito compreende as intersecções entre cultura, política e

comunicação, e refere-se às apropriações e ressignificações por parte de todos os

atuantes no processo de comunicação da cultura. Para Martín-Barbero, a grande

mudança foi reconhecer que “a comunicação estava mediando todos os lados e as

formas de vida cultural e social dos povos. Portanto, o olhar não se invertia no sentido

de ir das mediações aos meios, senão da cultura à comunicação” (MARTÍN-BARBERO,

2009b, p. 153).

Múltiplas relações entre obra e espectador são possíveis para que a

comunicação aconteça, sobretudo, para o que parece não ser comunicação. A

globalização e o avanço da tecnologia permitiram um número cada vez maior de

informações trocadas, porém a comunicação na sociedade é muito mais ampla do que

permitem os meios. Para Martín-Barbero (2009b, p. 153), a mediação sempre possuiu

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mais relação com as dimensões simbólicas da construção do coletivo, envolvendo não

apenas a cultura, mas também a sociedade e a política.

“A comunicação e a cultura constituem hoje um campo primordial de

batalha política: o estratégico cenário que exige que a política recupere

sua dimensão simbólica – sua capacidade de representar o vínculo entre

os cidadãos, o sentimento de pertencer a uma comunidade – para

enfrentar a erosão de ordem coletiva” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 15).

Este dado importa bastante quando se leva em conta a tendência de atribuir

dificuldade de comunicação somente para as linguagens artísticas, sobretudo as da

arte contemporânea. Podemos levantar as seguintes questões: Como uma obra se faz

entender? De que forma comunica? Qual é a natureza da comunicação que a

linguagem corporal, que se utiliza de movimentos, tem capacidade de promover? É

possível escapar da tirania do entendimento de que toda e qualquer comunicação

precisa produzir significado no modelo da linguagem verbal? O jornalismo cultural

pode/deve mediar obra e público?

No texto “Isto não é um cachimbo” (1973), Michel Foucault faz múltiplas

reflexões a partir da obra homônima de René Magritte (1926). Dentre elas, discute o

papel do caligrama em compensar o alfabeto; repetir sem o recurso da retórica; e

prender as coisas na armadilha da dupla grafia, desenvolvendo uma tautologia:

“O caligrama pretende apagar ludicamente as mais velhas oposições de

nossa civilização alfabética: mostrar e nomear; figurar e dizer;

reproduzir e articular; imitar e significar; olhar e ler” (FOUCAULT, 2004,

p. 7).

Ao que parece, esta tradição alfabética pode ser vista também na relação obra-

espectador que anseia desvendar os significados da obra. Assim, quanto mais

autoexplicativa, “melhor”. Enquanto artista, é comum ser questionado pelo público:

“mas o que você quis dizer?” No caso da arte contemporânea, porém, na maioria das

vezes não se pretende dizer algo dessa maneira assemelhada ao dizer do verbal, mas

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deseja-se compartilhar uma reflexão, mudando completamente a relação obra-

espectador.

“Dizer que os elementos de indeterminação estimulam a realização do

espectador não significa que esta se dê de maneira aleatória ou

arbitrária, o que configuraria a inexistência de qualquer interação entre

proposição e participante. Os atos de apreensão são provocados pelas

estruturas da proposta artística, mas não completamente controlados

por ela”. (DESGRANGES, 2012, p. 31).

O diretor de teatro Flávio Desgranges ainda complementa afirmando que o ato

criativo do espectador, para efetivar-se, precisa ser ao menos respeitado, ou mesmo

provocado. Este ato não se opera, como supõe o senso comum, espontaneamente.

Pelo contrário, “a atividade do espectador passa a ser compreendida não como uma

determinação natural, mas como um (des)condicionamento ou conquista cultural”

(DESGRANGES, 2012, p.112). Os espectadores são considerados parte da obra e

necessitam compartilhar do fato artístico, visto que a produção é organizada para fazê-

lo participar. O espetáculo de dança não chega pronto à cena, em busca de um

desvendamento, pois, como toda obra ao vivo, só se completa no contato com o

espectador, a quem cabe dialogar.

Voltando, então, à premissa de que todo espetáculo comunica algo (mesmo

que seja o interesse egoico de seu criador) e que esse algo está sempre chegando ao

público de alguma forma – sendo esta a razão que sustenta a necessidade de o criador

manter uma atenção sobre a forma de comunicar as suas propostas artísticas – vale

lembrar que há muitas instâncias participando da comunicação entre obra e

espectador e que o jornalismo cultural trata-se de uma delas.

As artes enfrentam hoje uma dificuldade suplementar, que é a de conseguir

fazer com que um possível interessado naquilo que cada uma delas propõe consiga

abrir espaço e tempo em sua vida, pois vive no mundo da aceleração constante e do

deletar tudo o que desagrada ou não capta a atenção instantaneamente. Um

espetáculo solicita a instauração de outra lógica temporal que interrompe o ritmo

cotidiano, fomentando um espaço para a indispensável participação do espectador. A

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plateia dos espetáculos de dança21 atualmente é formada por aqueles que vivem esta

realidade; daí a necessidade de levar em conta esta característica ao se pensar no

público.

“O ato artístico solicita, pois, uma disponibilidade distinta do

espectador. Disponibilidade essa que não parece evidente, e que não

pode ser compreendida como um talento natural, mas sim como uma

conquista cultural”. (DESGRANGES, 2012, p. 21).

Desgranges questiona como a produção, a recepção e a mediação da obra

artística podem ser pensadas para provocar essa inversão de sentidos que contraria a

lógica do tempo cotidiano. Diante do turbilhão de acontecimentos e compromissos de

uma grande cidade, o maior desafio é reconhecer e permitir-se viver experiências

como a do contato e a consequente reflexão de uma obra artística.

“Além disso, a urbanização desordenada torna pouco convidativos o

deslocamento e a convivência no interior das grandes metrópoles;

exposto a perigos multiformes, o ser humano faz valer uma atitude

atenta e defensiva, colocando a psique em estado de alerta

permanente, pronta para reagir a qualquer ameaça. A razão

instrumental, que prevê os riscos, calcula as possibilidades e cataloga os

fatos, está sempre pronta para a defesa ante qualquer situação física ou

emocional inesperada. Esse modo operativo da psique, que funciona em

um padrão superficial de consciência, pronta para absorver os choques

da vida diária, inviabiliza a realização de experiências sensíveis e indica

o empobrecimento da linguagem”. (DESGRANGES, 2012, p. 125).

21 Não é possível falar de plateia de dança hoje sem citar as ações das Leis de Incentivo, uma vez que estas iniciativas, em sua maioria, não contam com a venda de ingressos, criando um hábito que pede uma revisão do entendimento do que é, de fato, “público”. Como se sabe, sendo sempre gratuitos, os ingressos comunicam para a plateia que aquele trabalho não tem preço – um risco sério no mundo capitalista, com risco de desvalorização da própria obra artística. Defendemos que deva haver subsídios do governo para que os ingressos tenham preços populares, mas não gratuitos, de forma que o público possa entender que aquela obra também tem o seu “valor” e, com isso, apresentar os profissionais como trabalhadores que vivem deste trabalho.

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E, tendo em vista que o encontro com a informação modifica o indivíduo, não é

possível ficar imune aos vários estímulos a que são bombardeados os corpos. Segundo

o filósofo Daniel Dennett, em sua obra The Evolution of Culture (2001), toda

informação a que o corpo tem contato modificará em diferentes intensidades o

indivíduo, e isso, por si só, já atesta que há comunicação. Desde que seja algo

perceptível pelo ser humano, esta informação é reconhecida e modificada. Ele afirma

que “a gente é, em grande parte, aquilo que a cultura nos fez ser”; logo, a

comunicação é inevitável e a cultura liga-se diretamente à formação fenotípica deste

indivíduo.

Também se deve levar em consideração que as muitas horas dedicadas ao

ambiente digital, nos mais diversos dispositivos, desencadeiam mudanças significativas

no corpo e promovem alterações cognitivas substanciais no homem contemporâneo.

Tornou-se natural realizar muitas coisas ao mesmo tempo, bem como manter abertos,

em uma tela de computador, várias janelas e hiperlinks. O corpo adaptou-se a uma

nova realidade, alterando nossa capacidade de atenção. Como consequência, pessoas

cada vez mais intolerantes, visto que qualquer momento de pausa, qualquer situação

que lhe faça parar por alguns minutos, como assistir quieto a um espetáculo de dança,

tornou-se sinônimo de “perda de tempo”.

Uma situação como esta é apenas um exemplo de como a vida off-line é hoje

um reflexo do que ocorre on-line (se é que ainda podemos separar), pois uma está

contaminada pela outra. Ao assistir a um filme sem muita ação, por exemplo, o corpo

estranha a lentidão. Sente incômodo e desconforto físico, visto que faltam ao corpo os

excessos, as múltiplas imagens e o barulho intermitente já adaptados em nossas vidas

urbanas. Perde-se a paciência muito rapidamente, e isso gera mais intolerância nas

relações sociais.

Segundo o filósofo Roberto Esposito (2004), essa realidade gera um

“comportamento imunizado”, fazendo com que os indivíduos estejam “blindados”

para viver em sociedade. É tudo muito rápido e não se pode perder tempo, então,

experimenta-se do mal para, ao encontrá-lo, não ter novas consequências. Em termos

culturais, todos estão sempre prevenidos, mas, ao mesmo tempo, cada vez mais

impacientes. Para ele as pessoas estão imunizadas da possibilidade de estarem juntas,

não sendo mais possível viver em comunidade.

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“Isto que vai imunizada, em suma, é a comunidade mesma em uma

forma que juntamente a conserva e a nega – ou melhor, a conserva

através da negação de seu originário horizonte de sentido. Deste ponto

de vista se poderia chegar a dizer que a imunização, mais que um

aparato defensivo sobreposto à comunidade, está em sua engrenagem

interna. [...] Para sobreviver, a comunidade, cada comunidade, é

constrangida a introjetar a modalidade negativa do próprio oposto;

ainda que tal oposto permaneça um modo de ser, na verdade privativo

e contrastante, da comunidade mesma” (ESPOSITO, 2004, p. 48-49).

O “eu” ganha força, e o “ser em sociedade” torna-se cada vez mais raro, uma

vez que os hábitos cognitivos são insuflados apenas pelo “eu”, pelos desejos

individuais, pelos interesses egoicos, passando a não existir vida compartilhada. É

possível perceber esta “imunização” na atuação de muitos coreógrafos de dança.

Preocupados apenas com a própria criação (“eu”), desconsideram o papel e a

responsabilidade social que a arte possui ao entrar com comunicação com o público.

E se os estímulos midiáticos resumem-se apenas ao entretenimento, são deles

que a sociedade se alimentará. Lembremos que o que vai prevalecer não é a melhor

informação, ou a informação artisticamente mais rica, mas aquela mais adaptada. E o

processo de adaptação depende de acordos com o ambiente. É nesta perspectiva que

se inscreve a reflexão sobre o jornalismo cultural na construção de uma mediação

eficiente entre espectadores e dança contemporânea.

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2.4 A CADEIA DE PRODUÇÃO DO MERCADO ARTÍSTICO

Além do jornalismo cultural, há de considerar-se o que regula a possibilidade

de produção de dança no nosso país, lembrando que, desde 1986 22, os artistas

tornaram-se reféns das Leis de Incentivo à Cultura e da política de editais que regula a

distribuição de recursos para o financiamento das suas produções. Desde então, as

políticas públicas para a cultura passaram a organizar-se em torno dos editais, que se

tornaram mecanismos de poder condicionantes da produção artística. No Brasil, estas

leis passaram a regular de forma muito particular a produção cultural, suas relações

com o mercado e o que a Escola de Frankfurt23 chamou de indústria cultural.

“A arte se incorpora ao mercado como um bem cultural, mas

adequando-se inteiramente à necessidade. O que de arte estará aí não

será mais do que sua casca: o estilo, quer dizer, a coerência puramente

estética que se esgota na imitação. E essa será a ‘forma’ da arte

produzida pela indústria cultural: identificação com a fórmula, repetição

da fórmula. Reduzida à cultura, a arte se fará ‘acessível ao povo como

os parques’, oferecida ao desfrute de todos, introduzida na vida como

um objeto a mais, dessublimado”. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 76).

Vale ressaltar que a produção artística de hoje, em especial aquela

caracterizada como pertencente à indústria cultural, visa satisfazer alguma dimensão

sensorial do público, sem priorizar um tipo de experiência sensível que produza

reflexão do espectador, reforçando a separação corpo-mente. Como se as atividades

22 Ano de promulgação da primeira lei de incentivo à cultura (Lei no 7.505), conhecida como Lei Sarney, logo no início do processo de redemocratização do país e da posse de José Sarney como presidente. 23 Nasce em contraposição às perspectivas positivistas e pragmáticas norte-americanas, com uma forte crítica à mercantilização da cultura e à manipulação ideológica realizada pelos meios de comunicação de massa. Reuniu um conjunto de pensadores e cientistas sociais alemães são responsáveis pelo conceito de indústria cultural, entre eles, Theodor Adorno (1903 a 1969), Max Horkheimer (1895 a 1973), Erich Fromm (1900 a 1980) e Hebert Marcuse (1898 a 1979). Walter Benjamin (1892 a 1940) e Siegfried Kracauer (1889 a 1966), não menos importantes, junto com os demais, são responsáveis pela criação da pesquisa crítica em comunicação. E Jürgen Hebermas (1929), segunda geração da Escola, também deve ser lembrado pelo seu esforço em criar uma teoria geral da ação comunicativa. (RÜDIGER, 2004).

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mais diretamente ligadas ao corpo dissessem respeito apenas às sensações, sem

relação com as identificadas com a mente, que são associadas ao conhecimento -

ignorando o que aqui já se esclareceu, via Lakoff e Johnson (1999), sobre o papel do

sensório-motor na construção do conhecimento (ver p. 67).

“Testemunhamos um resultado imediato: o crescente desinteresse pela

dança contemporânea, encarada como arte hermética, panorama de

tintas reforçadas pelo aumento de criações labelizadas mediante o selo

do ‘intelectual’, como se a dança também não fosse per si, e

inexoravelmente, uma atividade também intelectual” (NAVAS, 2006, p.

4).

Associando-se à situação do jornalismo cultural, a separação corpo -

sensível/mente - intelectual produz consequências na cadeia produtiva regulada pela

lógica das Leis de Incentivo à Cultura e seus editais que, ao longo dos últimos 29 anos,

transformaram-se na maneira hegemônica de produzir cultura no país. O ritmo

pautado pela necessidade de viver inventando projetos para concorrer aos editais

acabou regulando a produção artística de dança, dificultando a continuidade e o

aprofundamento de suas pesquisas. Sem poder qualificar cada vez mais o seu trabalho,

artistas da dança precisam enfrentar o entretenimento, que encontra mais espaço no

jornalismo cultural e parece levar mais público aos teatros. Com isso, estes espetáculos

conseguem atrair cada vez mais o interesse de financiadores, que utilizam o dinheiro

advindo da renúncia fiscal. As produções dos musicais são bons exemplos: atraem

elevado número de público em temporadas que se estendem, muitas vezes, por um

ano ou mais. Com a sua permanência, estão abrindo e consolidando um mercado

próprio, com ingressos de preço elevado. Nele, obras com outras características, que

não as associam aos musicais, têm cada vez menos chance de estabelecer-se, por sua

incapacidade em captar recursos e não serem atrativas o suficiente para possíveis

financiadores.

Neste tipo de indústria cultural do entretenimento, o espectador é mantido no

papel do consumidor que recebe o que “espera” para ficar sempre satisfeito e manter

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a engrenagem funcionando. Vale destacar como a cultura de massa trata o seu

público: não como um interlocutor, mas como objeto.

“Basta lembrar o que ocorre até hoje nos seriados cômicos americanos:

a cada frase espirituosa de um personagem, segue-se a gravação de

risadas de um público artificial. Assistindo a um programa dentro de

casa, o espectador nem mesmo precisa rir: o programa ri em seu lugar”

(COELHO, 2006, p. 164).

Para o jornalista Marcelo Coelho, é nesta submissão do detalhe à mensagem do

todo, numa relação que não é dialética nem possui mediações, mas é impositiva, que

ocorre um fenômeno de espelhamento: “é a própria relação de subordinação do

público diante da obra que se repete na relação entre os detalhes do conjunto”

(COELHO, 2006, p. 209). A indústria cultural trata, assim, de substituir as várias

possibilidades de construção de uma relação do espectador com a obra, ou seja, de

propor uma relação ativa do espectador com a obra, para manter uma única via de

pensamento que se torna cada vez mais hegemônica, na qual o espectador consome

passivamente tais produtos culturais.

São muitos os artistas da dança que buscam fugir da realidade imposta pela

indústria cultural. João Andreazzi, por exemplo, que batizou a sua companhia de

Corpos Nômades em referência à obra de Deleuze e Guatarri, defende que a

realidade, hoje, melhorou bastante neste outro contexto: distante da indústria

cultural.

“Na década de 1980, a gente pagava, literalmente, para ter acesso a

alguma coisa. Todas as produções se calcavam muito no empenho e, de

fato, por amar aquilo, fazer acontecer. Em 1989, preciso falar que já

existia o SESC, aqui em São Paulo, e ele era bem importante, pelo

menos era crucial no meu trabalho e no da Cia Corpos Nômades. Na

década de 1990, havia alguns prêmios que o Governo do Estado

lançava, mas a verba era bem curta, como na Prefeitura, ou mesmo em

nível federal. Mas era bem pouquinho. Daí, com a maneira que os

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artistas foram entendendo de pedir, de agregar e de reivindicar junto às

Câmaras, onde formulam e distribuem a verba pública, alicerçou-se

uma maneira de dar certa continuidade à utilização da verba para que

esta houvesse sempre, mesmo que pequena, se comparada às outras

áreas, para a arte” (ANDREAZZI, 2015, Anexo 1, p. 129).

Em entrevista realizada no espaço O Lugar em 15 de julho de 2015, Andreazzi

lembra que o teatro foi precursor das lutas recentes pela cultura em São Paulo ao

realizar o movimento Arte contra a Barbárie24, mas a dança contemporânea organizou-

se antes, por iniciativa de alguns bailarinos, nas décadas de 1970 e 1980, época do

Teatro Galpão. A partir da década de 1990, surge o MTD-90 (Movimento Teatro-Dança

90), que reuniu intérpretes-criadores, dentre os quais ele próprio, e que culminou, na

sequência, na Cooperativa Paulista de Bailarinos Coreógrafos, atual Cooperativa

Paulista de Dança, responsável, ao lado do Movimento Mobilização Dança, por

conquistas como a Lei de Fomento à Dança.

“Então, foi uma grande universidade e um grande aprendizado antes

desses últimos 10 anos que tem a Lei de Fomento, que surge em 2006.

Antes, teve toda uma gênese que se alicerça um pouco na produção

independente de dança contemporânea da cidade de São Paulo e que

se respalda sim no movimento da Arte contra a Barbárie que é a

maneira como surgiu o Fomento ao Teatro. E depois surgiu o da dança

nos mesmos moldes” (ANDREAZZI, 2015, Anexo 1, p. 129).

Andreazzi (2015) contextualizou historicamente as conquistas em relação aos

incentivos para a cultura, mais especificamente pela Lei de Fomento à Dança para a

cidade de São Paulo, para reafirmar o valor destas iniciativas na realização de muitos

projetos que só tornaram-se possíveis graças a estas verbas públicas, além da

importância “na troca de relação com o público e na experiência de verdade”.

24 Movimento social organizado por atores e grupos teatrais da cidade de São Paulo que teve sua primeira manifestação em 1999, após intensas discussões sobre os rumos da cultura na cidade e no país.

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“O Fomento à Dança, para a Cia Corpos Nômades, além da criação

artística, proporciona o desenvolvimento da pesquisa desse corpo

nômade que vai além da fronteira da própria Companhia, porque

aproxima também outras ideias. Então, nós tivemos alguns

‘Fomentos’... Não estamos com o Fomento agora, e faz uma falta

absurda!” (ANDREAZZI, 2015, Anexo 1, p. 129).

A Companhia conta com o financiamento do Petrobras Cultural desde 2013,

mas Andreazzi afirma não ser suficiente, visto que o custo de vida na cidade aumentou

e justifica que necessita de um aporte financeiro ainda maior para continuar

desenvolvendo os vários projetos realizados no espaço O Lugar, como a Mostra Lugar

Corpo Nômade e o Lugarização.

Marika Gidali, diretora do Ballet Stagium, em entrevista realizada na sede da

companhia em 22 de julho de 2015, concorda que as iniciativas, embora tenham

aumentado, não são suficientes, e destaca que os últimos dez anos estão muito

complicados para a companhia.

“A gente tinha patrocínio da Petrobras e Camargo Correia e aí

acabamos perdendo os dois; estamos em uma luta insana para manter

uma companhia de pé, trabalhando, e mantendo seu ritmo de

produção, estreias e espetáculos. Nós estamos vivendo do nosso

próprio trabalho. Tem editais que a gente consegue e ajuda bastante, e

temos parcerias com o SESI, com os CEUs, e o SESC, que ajuda muito e

que, aliás, é o grande salvador da pátria quando resolve comprar as

coisas. E tem o Boticário que está há 2 anos já nos apoiando. Então,

estamos vivendo de oportunidades, mas não de uma segurança que

você possa ter uma folha de pagamento garantida no final do mês para

pagar tudo o que é necessário pagar. Então, é uma luta insana, para

dizer a verdade” (GIDALI, 2015, Anexo 1, p. 143).

Marika atribui esta realidade dificultada à grande diversificação que ocorreu na

dança na última década. Ela afirma que o dinheiro está espalhado, nem sempre sendo

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bem aplicado e atenta para o fato das companhias oficiais receberem verbas

milionárias, seja no Estado ou no Município, enquanto os demais trabalhos artísticos

devem lutar por aprovações constantes nos diversos editais. “É muita coisa. Tinha que

peneirar um pouco essa conta aí. E também acho que deveria ter prateleiras, cada

macaco no seu galho ganhando o seu dinheiro necessário e aplicado onde realmente o

dinheiro tem que ser aplicado”, afirma ela.

Ballet Stagium – Foto: Naava Bassi

Antônio Nóbrega chegou a São Paulo em 1983 e, desde então, realiza na cidade

trabalhos em teatro, música e dança. Ele também afirma que todos os seus trabalhos

são subsidiados por editais ou ligados às Leis de Incentivo Fiscal, relatando como

percebe a situação da Companhia inserida neste contexto hoje:

“São esses editais que fazem com que a Companhia exista e inexista.

Tem aquela curva sinuosa de trabalhos e de, às vezes, poucos trabalhos.

Então, esse é o fundo com o qual eu venho trabalhando... Como eu não

sou uma pessoa tempo integral da dança, isso, para mim, até faz parte

do meu jogo, porque eu, concomitantemente que tenho um espetáculo

de dança, eu tenho 3 ou 4 outros que navegam por diferentes áreas,

aulas-espetáculos, palestrante, espetáculo de música, principalmente.

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(...) Eu acho que eles aumentaram. Os editais vêm se acumulando, por

exemplo, nós temos o edital Boticário que é inteiramente dedicado à

dança. O da Petrobras, acho que foi a única entidade que subsidiou

alguns grupos de dança, é o caso do Corpo, Deborah Colker, etc.

Quando eu ganhei o Petrobras, ganhei para um período de dois anos

(...) E eu sei que as dotações dedicadas àqueles que já estavam também

diminuíram. Então, a Petrobras que foi a minha incentivadora máster,

me parece agora que também... está vivendo momentos difíceis, em

crise, e há dois anos não lançam edital. Então, a crise realmente está

imperando (NÓBREGA, 2015, Anexo 1, p. 160).

Em meio à crise, Marika ainda critica a lógica de contemplados do Fomento à

Dança, edital da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, considerando-o nada

democrático:

“Eu nem sei o que é esse Fomento! A única coisa que eu sei é que tem

uma ‘panelaça’ lá dentro ganhando há não sei quantos anos, com

sempre os mesmos grupos, alguns grupos a mais para despistar um

pouco a situação, mas está super na cara que aquilo não é nada

democrático. A gente está fora da visão do Fomento... Não dá para te

explicar isso. E também nem está me interessando muito. Mas que é

uma coisa errada, é. Se existe um dinheiro para a dança, a gente está

presente. Estamos demonstrando que estamos aí trabalhando,

pesquisando, a vida inteira, desde bem antes de o Fomento existir, a

gente já pesquisava... E não taxamos a nossa dança como algo... Temos

nossa identidade, e isso tem um preço alto... Mas taxar... Aliás, qual é a

visão do fomento, meu Deus? Dança Contemporânea? Mas o que é

Dança Contemporânea, gente? É desserviço cultural total” (GIDALI,

2015, Anexo 1, p. 144).

Assim, neste caminho tortuoso entre o aumento dos incentivos para a dança,

mas, ao mesmo tempo, com o crescimento ainda maior do número de companhias na

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cidade, há uma conta que não fecha e todos parecem apontar para a grande

dificuldade em manter uma companhia de dança em São Paulo. Nóbrega também tem

suas questões referentes ao Fomento à Dança, mas já tenta, por outro lado, ponderar

maneiras de potencializar o que existe.

“Poderia ser melhor? Provavelmente. Mas há, sem dúvida, um ganho. E

há sem dúvida também, hoje a massa de pessoas que se dedicam à

dança, grupos, exponencialmente, se multiplicaram. Muitos dançarinos

hoje, que faziam parte de companhias, hoje, formaram suas próprias

companhias. E muitos, até uma coisa da época, as necessidades

pessoais terminam se sobrepondo às necessidades coletivas e, com isso,

há então uma proliferação muito grande de grupos” (NÓBREGA, 2015,

Anexo 1, p. 161).

Ele afirma que tem conseguido desenvolver seu trabalho independentemente

do Fomento, embora assuma ter submetido um projeto a esta última edição – 19ª

Edição do Programa Municipal de Fomento à Dança, segundo semestre de 2015 –

mesmo depois de algum tempo sem enviar.

“A última vez que submeti foi aquela (refere-se a uma das edições do

ano de 2013, quando um grupo de artistas, entre eles eu, Igor Gasparini,

o próprio Antônio Nóbrega, Ana Catarina Vieira, Diogo Granato, entre

outros, iniciaram uma discussão a respeito dos critérios de avaliação da

banca do Fomento), na ocasião não fui contemplado, então... Tive

algumas... Me posicionei. Estávamos juntos lá nesta ocasião. E...

Algumas razões me foram dadas, bem... Eu resolvi colocar dentro de

uma determinada prateleira a discussão em relação ao Fomento. E,

estou submetendo essa vez (19ª edição, que teve inscrições encerradas

no dia 3 de agosto de 2015) para, a partir desta outra vez, eu arrazoar

melhor. Acho que eu teria aí condições melhores de refletir, ganhando

ou não ganhando, sendo ou não contemplado. (...) Em tese, eu acho

que ele trouxe benefícios para a população de dança em São Paulo,

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sabe, porque há verba destinada às pessoas que exercitam a dança.

Provavelmente, pode ser que haja lugares para serem mexidos, para

serem repensados, mas eu... por ora, gostaria de ficar fora desta

discussão” (NÓBREGA, 2015, Anexo 1, p. 162).

Como diretor do T.F.Style Cia de Dança, posso afirmar também que é possível

manter-se atuante na cidade de São Paulo, mesmo sem o incentivo do Fomento, mas

em condições de trabalho que não são as ideais. Em 2014 a Companhia realizou 60

apresentações de espetáculos de seu repertório, um número bastante elevado se

comparado até mesmo com os grupos fomentados. Estas apresentações circularam em

diversos cenários da dança da cidade e do estado de São Paulo, seja pelas unidades do

SESC-SP; pelo Circuito Municipal de Cultura e Circuito Cultural Paulista; por execução

de projetos contemplados, como ocorreu pelo VAI-2, com apresentações nos CEUs da

cidade de São Paulo; ou ainda, por contratações pontuais das Secretarias de Cultura do

Município ou do Estado, como as Viradas Culturais, por exemplo. Mas o que parece

positivo, por ser um cenário promissor para uma companhia de dança urbana

contemporânea independente, não abandona a lógica de cachês por apresentação. Ou

seja, a instabilidade deste modo de existir não configura uma forma profissional de

sobrevivência, obrigando todos a buscar formas complementares que garantam o seu

sustento.

T.F.Style Cia de Dança – Foto: Helon Hori

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Daniel Kairoz, idealizador do Terreyro Coreográfico, também reflete sobre as

possibilidades de existência na cidade de São Paulo:

“Eu vejo que tem um tanto de incentivo e de dinheiro que circula por

aqui, que é algo que em pouquíssimos outros lugares circula. Eu não sei

o quanto isso é... Porque eu acho que isso gera contradições bem

malucas, de ter muito dinheiro para produzir os trabalhos, e terem

muitos trabalhos sendo produzidos e irem para o mundo, mas são

pouquíssimos os que têm uma força artística mesmo, a ponto de

chacoalhar, de mexer, com o que se entende por dança, com a

linguagem, com o meio da dança, com os modos de produção em

dança. Então, são trabalhos que normalmente estão muito formatados

dentro dos editais. E tem toda essa problemática também que muita

gente fala e comenta que o quanto que um edital vai conformando e vai

formatando os modos de produção da arte” (KAIROZ, 2015, Anexo 1, p.

171).

Ainda que pese a formatação imposta pelos editais nos processos criativos e na

própria criatividade25 dos artistas, Kairoz afirma ser possível driblar essa realidade:

“É possível reverter isso. Trabalhar com isso... Sacando qual o modo de

operação de determinado edital, você propor algo que te abra uma

possibilidade que não seja simplesmente cumprir o edital. Porque eu

vejo que muitos trabalhos ficam correndo atrás do próprio projeto. E

isso eu acho bem prejudicial para a criação de um trabalho artístico.

Quando você tem que ficar cumprindo coisas e correndo atrás de um

projeto. E eu acho que um projeto é muito rico no sentido de te lançar

para um desconhecido. E eu acho que vários projetos que eu tinha

escrito para o Fomento especificamente, eles tinham formatos um

pouco mais careta, assim, de apresentar um trabalho que eu já tinha,

25 Como defende Pascal Gielen, e será apresentado na sequência, a criatividade como uma espécie de fundamentalismo.

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fazer temporada dele, e criar alguns grupos de estudo para também dar

continuidade às pesquisas minhas coreográficas e tal, que até envolvia o

grupo de crítica e outras ações. E daí, o trabalho mais maluco que eu

escrevi, que era um projeto que falava basicamente de pessoas que se

aproximaram de mim, de um cruzamento entre áreas: arquitetura,

programação e coreografia, sem dizer exatamente o que iria ser feito ou

não... foi o que rolou. E isso foi maravilhoso porque deu uma liberdade

para a gente fazer o projeto incrível, de a gente fazer muito mais do que

dissemos que iríamos fazer no projeto, e muito mais do que se a gente

tivesse falado cada coisa que a gente iria fazer, porque aí a gente teria

que fazer exatamente aquilo que a gente falou e a gente ia se ferrar,

porque é isso, você começa a trabalhar e vai mudando tudo. E se você

não tem essa liberdade para deixar mudar, você está ferrado, porque

daí você não vai conseguir fazer uma criação artística... Dar um olé... E a

gente é artista, então, eu acho que é um lugar criativo também escrever

um projeto” (KAIROZ, 2015, Anexo 1, p. 171).

É importante conhecer as formas de financiamento da produção artística, pois

seus resultados, que é o produto que entra em contato com o espectador, são

impactados por ela. No momento em que a produção está regulada pela necessidade

de escrever projetos para os editais, os tempos da pesquisa ficam ameaçados e são

substituídos pelos tempos das “boas ideias”. O tempo da pesquisa é mais dilatado

porque implica em processo de criação, enquanto as “boas ideias” têm o tempo da

criatividade.

Refletindo sobre a criatividade, Pascal Gielen26 (2013) traz à reflexão a arte não

apenas enquanto um segmento da produção cultural, mas chamando a atenção para o

modo como ela passou a ser uma “necessidade” de gerentes, gestores, da própria

economia, de como a criatividade instalou-se como uma condição de existência no

mundo atual. Tudo precisa ser criativo. “Hoje, criatividade é essencialmente uma

moralidade positiva. E não podemos esperar nada de bom disso” (GIELEN, 2013, p. 9,

26 Sociólogo e professor da University of Groningen (Holanda), diretor do grupo de pesquisa “Arts in Society”.

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tradução nossa). Ele questiona: de onde vem essa fome pela criatividade. Não seria um

sinal da insidiosa perda da verdadeira criatividade? E nos leva a compreender que,

com tanto apelo à criatividade, o que se perde é a criação.

Gielen afirma que a criatividade tornou-se mais um fundamentalismo, visto que

a obsessão da criatividade pela própria criatividade suprime os parâmetros ideológicos

aí envolvidos. O autor atribui ao neoliberalismo uma criatividade supostamente

apolítica e pondera que, no neo-nacionalismo e no comunismo, a criticidade também

se tornou uma ideologia.

Não apenas o neoliberalismo, mas a globalização também afeta diretamente as

instituições culturais, que passam a direcionar a produção artística e o trabalho de

criação. É uma lógica de cima para baixo, na qual, a criatividade é a última instância

deste processo. Como inverter esta lógica? É possível pensar a partir da criação e não

desta criatividade que agora nos tiraniza? Como alterar o pensamento sobre

criatividade que se tornou hegemônico?

“E é aqui onde a efervescente indústria da criatividade atua,

concedendo aos consumidores a impressão de que podem escolher

sobre tudo a partir de seus próprios desejos, enquanto, na verdade,

proporciona produtos padronizados em série, ou paradoxalmente,

produtos individualizados em série.” (GIELEN, 2013, p. 65, tradução

nossa).

Haveria, então, uma produção de espetáculos (produtos individualizados) em

série? Esta questão leva à observação de que existem “direcionamentos” artísticos

feitos por programadores e curadores, uma vez que suas escolhas representam

sinalizações do que conquista sobrevivência (ser escolhido = poder viver do trabalho

feito). Contudo, não se pode esquecer que estes profissionais também são

pressionados pelos números que serão apresentados em seus relatórios e levados em

consideração na avaliação de seu desempenho como gestores das instituições que os

empregam. Não à toa, muitos deles buscam “o novo”, sob a alegação de que a

produção inédita atrai mais público, em tempos nos quais os sujeitos são impacientes

e cada vez mais habituados a uma enxurrada permanente de estímulos.

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A dificuldade está em conseguir reconhecer algo “novo” em um processo de

pesquisa continuada, mais lenta no seu desenvolvimento e, portanto, incapacitada a

atender o desejo mercadológico da “novidade”. Juntando estas condições à pressão

dos editais não é difícil entender o aparecimento dos “produtos individualizados em

série” (GIELEN, 2013), como uma mímica precária do esquema Toyotista27 que passou

a regular as fábricas no século XX, com a produção acontecendo em função da

demanda de mercado.

Gielen (2013) afirma que práticas artísticas que esperam quebrar formatos

também podem ser formatadas da maneira que desejam combater, praticando o que

desejam evitar. O momento da dança no Brasil ilustra esta situação, e o espectador,

educado pelo que assiste, torna-se público dos tipos de informação artística

encontrados. Os artistas, por sua vez, tornam-se empresários da criatividade,

necessária para continuar a fazer parte do sistema estabelecido, no qual atuam como

gerentes. Neste processo, Gielen salienta que o público busca garantias, daí o “valor

da obra” ligado à mensuração da sua criatividade, reafirmada pelos os meios de

comunicação.

Como se vê, é denso e complexo o quadro no qual o jornalismo cultural

especializado em dança inscreve-se como um dos agentes da construção da relação

obra-público. E nele cabe destacar um novo papel para o artista, que agora assume a

tarefa de tornar pública a sua voz em iniciativas digitais de formato jornalístico. Que

espécie de mediação faz, então, o jornalismo cultural hoje?

“O problema não é a quantidade da cobertura da imprensa, mas a

qualidade. Artigos e notícias sobre expressões criativas têm se tornado

incrivelmente raros e, mais a fundo, programas sobre arte continuam

perdendo espaço no rádio e na televisão. (...) A mudança é que a crítica

tem perdido seu poder de criticidade. Não somente estão

desaparecendo as críticas de arte, mas gradualmente, também as

críticas sociais e o jornalismo em geral. Mais precisamente, a crítica do

27 Toyotismo é o modelo japonês de produção por demanda, criado por Taiichi Ohno e implantado nas fábricas de automóveis Toyota, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Nesta época, o novo modelo era ideal para o cenário japonês, ou seja, um mercado menor, bem diferente dos mercados americano e europeu, que utilizavam os modelos de produção Fordista e Taylorista.

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sistema tem cedido espaço para a crítica sobre as pessoas.” (GIELEN,

2013, p.71, tradução e grifo nossos).

Muitas obras de arte, e na dança não é diferente, só existem pelo seu poder de

criticidade. Muitas criações, desde a modernidade, dependem exatamente da

possibilidade de uma postura crítica diante da própria cultura e da sociedade. Para

Gielen, “nos meios de comunicação de massa, a crítica de arte está sendo reduzida ao

nível infantil de uma discussão de boteco” (GIELEN, 2013, p. 73 – tradução nossa).

“É preciso demolir o conceito de ‘prazer artístico’, proclama Adorno,

pois, tal e como o entende a consciência comum – a cultura popular,

diríamos nós –, o prazer é só um extravio, uma fonte de confusão: quem

tem prazer com a experiência é só o homem trivial”, resultando em

“uma arte para consumistas”. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 77).

Como defende Martín-Barbero (2009), trata-se além da arte ou da técnica, mas

do modo como se produzem as transformações na experiência, não só na estética. E,

como os meios tornaram-se mediação, isso gera profundo impacto no jornalismo

cultural. A mediação tornou-se discurso publicitário, de celebrização, e a arte tornou-

se refém desta realidade, o que tem reposicionado o jornalismo cultural como

jornalismo do entretenimento, independente da linguagem artística sobre a qual trata.

Esse panorama vai em direção diferente dos novos empreendimentos que surgem no

ambiente digital (alguns deles abordados nesta pesquisa) e no potencial (ainda não

explorado satisfatoriamente) das redes sociais no cenário atual de comunicação entre

artistas e público.

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2.5 COMUNICAR A DANÇA

Não se deve perder de vista a ideia de que “comunicar significa estabelecer ou

ter coisa em comum” (SFEZ, 1994, p. 38) e, consequentemente, não se pode esquecer

que coreógrafos comunicam-se, devendo levar esta circunstância em consideração. A

comunicação manifesta-se na ação de cada um que entre em contato com a obra, pelo

que nela reconheceu ou não reconheceu, fazendo parte de um fluxo de diferentes

leituras que será permanentemente alimentado pela sua continuidade.

Os diversos elementos comunicados serão percebidos diferentemente pelo

público, e esta percepção, como defende Adolfo Sánchez Vázquez, em sua obra

Convite à estética (1999), é um ato particular que não se reduz a uma atividade

sensorial, mas estabelece uma experiência psíquica mais complexa. O autor afirma ser

um processo que combina recordações, elabora imagens e desperta reações afetivas.

Perceber é, assim, um processo complexo, no qual também se pensa, sente-se,

recorda-se. Apesar de individual, a percepção é um ato intrínseco à qualidade social

por estar contextualizada na sociedade (com todos os elementos culturais envolvidos)

em que o indivíduo está inserido. Volto ao conceito de Alva Nöe (2005), segundo o

qual a percepção humana não é algo que acontece ao corpo, mas sim uma ação ativa

deste corpo:

“Percepção não é um processo no cérebro, mas uma forma de

habilidade ativa. Todas as percepções são intrinsecamente cheias de

pensamentos e a consciência desta percepção são formas ativas de

conhecimento”. (NÖE, 2005, p. 3, tradução nossa).

Visto que a comunicação é um fluxo constante de troca de informações, aqui

não praticamos o entendimento da relação emissor-canal ou veículo-receptor como

regulador da comunicação. A realidade não é objetiva no sentido de estar fora do

sujeito que a observa, mas, ao contrário, faz parte do próprio sujeito e, portanto, das

formas como percebe o mundo. Por esta ótica, bailarino, espetáculo e espectador

estão em uma mesma cadeia de fluxo, um valendo-se, interferindo e transformando o

outro, construindo, assim, a comunicação.

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Ao tratar do contexto do espetáculo de dança, o mais habitual é encontrar a

proposta de que se faz necessária uma linguagem compartilhada entre artista e

espectador para garantir a comunicação. Entretanto, tal entendimento, apesar de ter

se transformado em uma “verdade oficial”, não se sustenta epistemologicamente. Em

arte não cabe tomar o conceito de linguagem emprestado, sem refletir sobre o que

nisto está posto, uma vez que as semânticas e as gramaticalidades são distintas e têm

outro tipo de especificidade. Exatamente por isso, na arte não sucede o mesmo tipo de

comunicação a que se está acostumado no contexto verbal. “A linguagem não é uma

mera convenção, mas sim, um produto da prática social, que surge e se desenvolve

historicamente no contexto da práxis vital de uma comunidade”, afirma Rüdiger (2004,

p. 83). Ou seja, naturezas distintas de linguagem implicam em comunicação de

natureza distinta. Na relação entre obra e público, algo é comunicado, mas o

entendimento não é da mesma ordem que se espera da linguagem verbal. Em arte, um

mesmo objeto pode suscitar possibilidades distintas de entendimento.

Para Marcel Duchamp (1965), o ato criador não é executado pelo artista

sozinho. “O público estabelece o contato entre a obra de arte e o mundo exterior,

decifrando e interpretando suas qualidades intrínsecas e, desta forma, acrescenta sua

contribuição ao ato criador”. (DUCHAMP, 1965, p. 2). Logo, é no fluxo que a

comunicação se estabelece. E a abordagem da comunicação, aqui trazida via Teoria

Corpomídia, tem como propósito priorizar a comunicação como troca de informações

constantes entre corpo e ambiente e não como mensagem a ser transmitida de um

emissor a um receptor. O senso comum, assim como está estabelecido pela mídia, é

refém da busca pelo “entendimento” da obra artística, muitas vezes, no sentido da

linguagem verbal, combinando com esta outra visão de comunicação e diferindo do

que propomos nesta pesquisa.

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CAPÍTULO 3. O ESPECTADOR COMO QUESTÃO

Jacques Rancière28, na obra O Espectador Emancipado (2010), afirma que não

existe teatro sem espectadores, mesmo que seja apenas um, único e escondido. Ele

defende que

a condição do espectador é uma coisa ruim. Ser um espectador significa

olhar para um espetáculo. E olhar é uma coisa ruim, por duas razões.

Primeiro, olhar é considerado o oposto de conhecer. Olhar significa

estar diante de uma aparência sem conhecer as condições que

produziram aquela aparência ou a realidade que está por trás dela.

Segundo, olhar é considerado o oposto de agir. Aquele que olha para o

espetáculo permanece imóvel na sua cadeira, desprovido de qualquer

poder de intervenção. Ser um espectador significa ser passivo. O

espectador está separado da capacidade de conhecer, assim como ele

está separado da possibilidade de agir. (RANCÈRE, 201029).

Se o espectador está separado da capacidade de conhecer e agir porque

apenas “olha” passivamente, existe outra possibilidade para lidar com o que assiste?

Para Rancière existe, e trata-se de tornar-se um espectador emancipado30. E é isto que

significa o termo emancipação: o rompimento da fronteira entre aqueles que agem e

aqueles que observam, entre indivíduos e membros de um corpo coletivo.

O autor defende que existe a necessidade de um novo teatro, sem a “condição

de espectador”; pois esse espectador emancipado estaria subordinado à outra relação,

28 Jacques Rancière (1940) é professor de filosofia na European Graduate School em Saas-Fee, Suíça, onde leciona seminários intensivos. É também professor emérito na Université de Paris (St. Denis). Seus livros abordam pedagogia, história, filosofia, estética, cinema e arte contemporânea. Sua crítica o coloca em posição de destaque como filósofo, crítico literário e teórico sobre arte e marxismo. 29 Disponível em: <http://www.antropofagia-interculturalismo.blogspot.com.br/2010/03/o-espectador-emancipado-artigo-de_12.html> Acesso em: 31 de julho de 2011. 30 No seu texto “O espectador emancipado” (2010), Rancière trata desta questão. O artigo, publicado na internet, tornou-se referência neste tema: <http://www.antropofagia-interculturalismo.blogspot.com.br/2010/03/o-espectador-emancipado-artigo-de_12.html>

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implícita no termo drama, que significa, por sua vez, ação. Estes indivíduos irão

“aprender coisas em vez de ser capturados por imagens, onde vão se tornar

participantes ativos numa ação coletiva em vez de continuarem como observadores

passivos” (RANCÈRE, 201029). Dessa forma, ele ainda defende que o espectador deve

ser liberado da passividade de observador, fascinado pela aparência à sua frente e

identificando-se com as personagens no palco, para ser confrontado com o espetáculo

que cause estranhamento; para lidar com um enigma e com a demanda de investigar

este estranhamento. Por fim, o espectador emancipado será impelido a abandonar seu

antigo papel para assumir o de cientista que observa fenômenos e procura suas

causas. Rancière solicita aos espectadores que

“atuem como intérpretes ativos, que elaborem sua própria tradução

para se apropriar da ‘história’ e conceber a sua própria história. Uma

comunidade emancipada é uma comunidade de contadores e

tradutores” (RANCIÈRE, 201029).

O artista deve, então, questionar-se sobre os caminhos a trilhar na direção

destes “intérpretes ativos”, lembrando que a comunicação não deve ser tratada como

uma responsabilidade unidirecional, do artista para o público. O que o espetáculo

propõe não pode ser interpretado de “forma correta” pelos espectadores, pois, como

toda forma de comunicação, ela se faz do fluxo das suas continuidades. Como diz

Rancière,

“os espectadores veem, sentem e entendem algo na medida em que

fazem os seus poemas como o poeta o fez, como os atores, dançarinos

ou performers o fizeram. O dramaturgo gostaria que eles vissem esta

coisa, sentissem este sentimento, entendessem esta lição a partir do

que eles veem, e que partam para esta ação em consequência do que

viram, sentiram ou entenderam” (RANCIÈRE, 201029).

Ainda no mesmo livro, o autor defende que há uma distância entre o ator e o

espectador. Mas há também a distância inerente à própria performance, visto que ela

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é um "espetáculo" mediático, que se encontra entre a ideia do artista e a leitura do

espectador. O espetáculo é um terceiro termo, a que os outros dois podem se referir,

mas que impede qualquer forma de transmissão "igual" ou "não distorcida".

Independentemente desta distância, a comunicação entre espectador e obra se faz

presente.

“Talvez seja importante concebermos o espectador dessa cena

divergente como um terceiro, dito e compreendido como o espectador,

um outro, aquele que não sabe, alguém de quem estamos cuidando,

protegendo os interesses e necessidades; porém, quem sabe,

pensarmos a partir da nossa participação em acontecimentos artísticos,

a partir de desejos e vontades próprios, como algo que de fato nos diga

respeito, tratando a emancipação de cada um de nós como espectador

(...) na situação de quem age, conhece, questiona, investiga e relaciona

todo instante o que estamos vendo com aquilo que vimos, dissemos,

fizemos, sonhamos.” (DESGRANGES, 2012, p. 190).

É necessário que o espectador entenda que o seu papel vai além de buscar

entender a obra para chegar a uma relação experiencial com ela, pois o espetáculo não

ocorre independente da relação com cada um que o assiste, sendo o resultado daquilo

que é produzido nesta relação. O fato de apresentar o resultado de um processo de

criação não encerra o processo, mas, ao contrário, propõe a sua continuidade, agora

na presença dos espectadores. Se lembrarmos com Nöe (2005) que toda percepção é

uma ação, compreenderemos que o corpo está sempre agindo.

Rancière (2010) ainda defende a ideia de que o teatro deva ser sinônimo para

“comunidade de corpo vivo”, em oposição à ilusão da mimesis31, o que significa ter

múltiplos agentes no fazer teatral, incluindo o espectador emancipado, participativo e

atuante na obra. Dessa forma, o autor critica o “espetáculo” pela sua externalidade,

fundamento da proposta de Guy Debord, pois o espetáculo estaria totalmente

relacionado à visão, e esta significa externalidade. “Quanto mais um homem

31 Representação, imitação.

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contempla, menos ele é” (DEBORD apud RANCIÈRE, 201029) e esta parece ser a lógica

da arte do entretenimento, com suas grandes produções “espetaculares”.

Conversando com o que propõe Rancière, Brecht (1898-1956)32 já defendia que

o público precisa manter-se ativo na recepção de um espetáculo e não apenas assisti-

lo passivamente, participando deste processo ativa e politicamente. Ele afirma que

para se chegar à fruição artística nunca basta querer consumir confortavelmente e sem

muito trabalho o resultado da produção artística, pois é necessário assumir parte da

própria produção, estar num certo grau produtivo, “permitir certo dispêndio de

imaginação”, associar sua experiência pessoal à do artista ou opor-se a ela. “O efeito

de uma performance artística sobre o espectador não é independente do efeito do

espectador sobre o artista. No teatro, o público regula a representação” (BRECHT apud

BORNHEIM, 1992, p. 265).

“A mediação teatral torna a plateia atenta à situação social em que o

próprio teatro se encontra, dando a deixa para a plateia agir

consequentemente. Ou, de acordo com o esquema artaudiano, faz com

que eles abandonem a condição de espectador: eles não estão mais

sentados diante do espetáculo, estão cercados pela cena, arrastados

pelo círculo da ação, o que devolve a eles sua energia coletiva”

(RANCIÈRE, 201029).

Para Brecht é necessário retirar a fascinação do espectador pela aparência,

tirando-o da passividade e forçando-o a refletir sobre o que é apresentado em uma

obra, assumindo uma postura crítica. O espectador deve, assim, abdicar da empatia ao

espetáculo e distanciar-se da obra, debatendo os seus interesses, ampliando o

conhecimento crítico de sua situação, desencadeando o desejo de agir, de

transformar, ao invés de ficar passível apenas aos sentimentos que a obra suscita. Esse

distanciamento gerará a consciência crítica:

“Distanciar um acontecimento ou um caráter significa antes de tudo

retirar do acontecimento ou do caráter aquilo que parece óbvio, o 32 Dramaturgo, romancista e poeta alemão, referência pelo Teatro Épico.

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conhecido, o natural, e lançar o espanto e a curiosidade. A finalidade

dessa técnica do efeito de distanciamento consistia em emprestar ao

espectador uma atitude crítica, de investigação relativamente aos

acontecimentos que deveriam ser apresentados” (BRECHT apud

BORNHEIM, 1992, p. 243).

A estratégia de Brecht para afugentar a passividade do espectador atua como

uma forma de mediação. Mas há outro entendimento de mediação espalhado nas

artes cênicas que perde a sua especificidade por ser tratado como sinônimo de

“formação de público”. Em geral, quando objetivam a relação do espectador com a

obra, as mediações buscam conduzir as suas formas de relacionamento, enquanto

que, na maioria das vezes, as ações que apontam para o público, enquanto coletivo,

procuram aumentar quantitativamente o número de fruidores.

Tais programas são entendidos, de modo geral, como uma ação de apresentar

obras a quem não tem acesso a elas – a esse “público” que precisa ser “formado”. Não

à toa, o efeito desejado não é obtido e, pensando na realidade de exclusão social a que

muitos estão inseridos, cabe repensá-los.

Ao refletir sobre a relação espetáculo-público, devemos evitar o conceito de

público no sentido de um agente coletivo inespecífico, uma massa “inexpressiva”

diante de um espetáculo, e, talvez, optar pelo conceito de espectador, que considera o

indivíduo como ser único e singular, com suas vivências e experiências também únicas

e singulares. O entendimento de público como um conjunto de seres indiferenciados

continua sendo usado e pode ser identificado, por exemplo, nos programas de

“formação de público”.

Antes de aplicá-los indistintamente, como tem acontecido, valeria recorrer a

Antonio Negri, que defende que “somos uma multiplicidade de formas singulares de

vida e, ao mesmo tempo, compartilhamos de uma existência comum” (NEGRI &

HARDT, 2005, p. 172), e é no comum que existe a humanidade.

Outro tipo de iniciativa com objetivo semelhante ao de “formação de público”

tem tornado-se recorrente no cenário da dança: são as intervenções urbanas.

Atualmente, muitos buscam desenvolver trabalhos de ocupação do espaço público,

enquanto outros adaptam seus trabalhos neste contexto. Sob a alegação de ser uma

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iniciativa mais democrática, os programadores estão utilizando desta possibilidade

para conseguir levar a dança a um público que não frequenta teatros, cativá-lo no local

que frequenta, apostando que ele possa tornar-se um espectador de dança e, em uma

próxima oportunidade, adentrar ao teatro.

“É uma palavra que eu gosto muito: público. Porque ela tem essa

confusão um pouco que diz tanto às pessoas que vão assistir algo que se

chama de público, e também tudo o que diz respeito a todos, que é

comum a todos, que é o que é público: o espaço público, o poder

público, que já cria um problema porque o poder público é o poder

oficial e não o povo. Acho uma palavra que é bem interessante que, por

estar em muitos lugares próximos, tem sempre... Se você colocar todos

esses lugares em que ela aparece em relação, começa a criar problemas

bons para... [discussão] É difícil falar assim genericamente de público,

porque é isso, falar de espaço público é algo específico, e aí falar de

público, dessa figura que vai assistir e que é algo que tem me

interessado muito, que acho que mais pontualmente o público, essa

entidade que assiste a trabalhos de arte...” (KAIROZ, 2015, Anexo 1, p.

173).

Kairoz relata sua experiência junto ao Teatro Oficina33 afirmando que o diretor

Zé Celso trabalha com a ideia de “corógrafo”, ao invés de coreógrafo, pois busca uma

coreografia de coros. E explica:

“Isso para mim foi ficando muito forte: de cada vez mais pensar o

público enquanto um coro. Enquanto coro no sentido de um espaço de

ressonância da obra, porque, neste sentido tem a ver com a crítica

também, que é até um dos textos que eu escrevo, em uma das edições

do Fanzine é isso: que o crítico é quase que uma caixa de ressonância,

33 O Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, ou apenas Teatro Oficina, é uma companhia de teatro que marcou a história cultural da cidade de São Paulo. Fundada em 1958 por Amir Haddad, José Celso Martinez Correa (Zé Celso) e Carlos Queiroz Telles, estrutura-se ao redor da figura de Zé Celso, um dos principais diretores, atores, dramaturgos e encenadores do teatro brasileiro.

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uma figura que vai fazer aquela obra ressoar no mundo, dando uma

continuidade de vida para o trabalho. Um pouco do que o Benjamim

fala do tradutor, na tarefa do tradutor. Ele fala que o tradutor dá uma

sobrevida à obra e eu acho que o crítico também tem esse papel e o

público também, talvez mais do que todos. Porque o público é essa

figura que é multiforme e que é composta por muitos indivíduos. Eles

saíram da sala de espetáculos, do teatro, assim, já foi... Foi para o

mundo... São 100 pessoas que estão levando isso para outros lugares,

então, é muito poderoso...” (KAIROZ, 2015, Anexo 1, p. 174).

Para ele, pensar essa figura do público enquanto coro é muito rica, porque traz

uma implicação para essas pessoas, convergindo para o que foi aqui abordado

enquanto espectador emancipado (RANCIÈRE, 2010). Para Kairoz, o público não está

presente apenas na figura de quem vai assistir, avaliar, apreciar ou consumir aquele

produto artístico, e ele sente a importância do completo envolvimento com a obra.

“Sei lá, para mim é muito forte ver as plateias dos Festivais de Música e

ver o grau de envolvimento deles, de vaiar, de aplaudir, de não deixar

cantar, e eu adoraria ter isso em dança, das pessoas ensandecidas com

o trabalho, puta que merda, que louco que aquilo está acontecendo...

Um pouco da história da Sagração da Primavera, da estreia, assim, de

um trabalho, porque não é nem uma coisa do trabalho causar essa

comoção: Ah, trabalhos incríveis! Mas é do público sentir-se à vontade

enquanto coro, porque se ele se sente como coro, responsável por

aquilo que está acontecendo, ele não vai poder ficar quieto. Porque eu

acho muito louco, que é uma coisa que eu tenho pensado muito,

ultimamente, que é o quanto que nos trabalhos de dança o público não

pode se mover. O quanto que as pessoas se movem o mínimo possível.

É uma coisa que quando eu vejo um trabalho de dança que me toca, dá

vontade de dançar junto. E não preciso entrar lá para dançar, mas eu

fico na minha cadeira meio louco ali com aquilo, completamente

envolvido cineticamente. E por que a gente não pode se mover em um

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trabalho de dança? Por que que a gente tem que assumir uma postura

de observador? É muito frágil, muito falso, muito besta” (KAIROZ, 2015,

Anexo 1, p. 174).

De alguma forma, o Terreyro Coreográfico acaba possibilitando essa liberdade

para que o público participe, visto que os trabalhos que acontecem ali, embaixo do

viaduto Jaceguai, já colocam o espectador em outra relação com o espaço público.

Com a inexistência de poltronas confortáveis ou do silêncio costumeiro de uma sala de

espetáculos, o corpo passa a ser requisitado de outra forma. Além disso, o próprio

público das ações artísticas é bastante diversificado, alternando entre artistas e

transeuntes que frequentam (ou “moram”) nas redondezas.

“É muito foda, porque te coloca neste lugar de coreografar todo esse

lugar do público, desse coro, coreografar as pessoas que vão ali.

Também não dá para simplesmente deixar solto, porque também tem

uma tendência, então, vamos questionar o lugar do público, então, você

tira o público do lugar dele e solta em outro contexto. E depois você

fica: Ah, mas por que as pessoas ficam sentadas e não ficam andando

pelo trabalho? Porque é isso: se você está tirando eles de uma situação

coreografada, que eles sabem muito bem como agir, você precisa

propor outra coisa. E você pode propor uma coisa que não seja

determinante, para não cair no mesmo lugar, mas você pode criar

caminhos. E isso é muito legal, de conseguir trabalhar coreografia em

outras escalas, e não só essa já mais habituada do contexto teatral, do

contexto de espetáculo, mas de pegar esse pensamento coreográfico e

de levar ele para outras escalas, outras dimensões” (KAIROZ, 2015,

Anexo 1, p. 175).

Considerando o caso do Terreyro Coreográfico, no qual é o próprio espaço

público que está em discussão, perguntamos para Kairoz como tornar de fato público o

espaço público. Sua resposta foi a seguinte:

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“Foi também o foco lá no Arte Palácio, de um aparelho público, um

cinema antigo, que a Secretaria desapropriou, então era uma

propriedade pública, só que ninguém podia entrar porque tinha grade,

e tinham medo que rolasse alguma ocupação. Só que você mantém o

negócio vazio, aí sim é motivo de especulação, porque ao invés de usar

e manter vivo o espaço, não, você fecha. É que nem aqui, tudo murado,

tudo fechado, então, todo esse trabalho de coreografar essa

arquitetura, coreografar os muros, onde abrir, onde não abrir, como

abrir, o quanto abrir, tudo isso pensando no espaço público é muito rico

para tornar o espaço público público, publicizar o espaço público”

(KAIROZ, 2015, Anexo 1, p. 175).

Por outro lado, Andreazzi explica que, no caso da Cia Corpos Nômades, é algo

que vem antes do espaço público:

“Deleuze e Guatarri colocam em discussão o capitalismo esquizofrenia:

então, o que seria público no sistema capitalista, com governantes que

querem apenas tirar vantagem, gerando uma distorção muito grande do

que seria um lugar público? Na real, a questão dos corpos nômades é

mais uma questão do lugar público do corpo em si; o que esse trabalho

do intérprete, de uma companhia de dança contemporânea ou de arte

cênicas, faz hoje com a exposição do corpo dele para o público. Isso tira

um pouco esse viés de espaço público” (ANDREAZZI, 2015, Anexo 1, p.

128).

Para ele, a relação do corpo nômade encontra-se mais na filosofia que existe

neste corpo, em descobertas e modificações no decorrer de um percurso, e no

desenvolvimento de uma linguagem cênica que aborde um pouco as diferentes formas

de produzir um espetáculo, seja de teatro, de dança, utilizando vídeo ou literatura:

“Então, mescla muito esses aspectos da soltura e da errância que você

pode ter, envolvendo um tipo de pesquisa que pegue o teatro

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contemporâneo, a dança contemporânea, a imagem da performance e

as outras culturas” (ANDREAZZI, 2015, Anexo 1, p. 128).

Andreazzi ainda pondera que consegue perceber uma crise forte com relação

ao público de dança hoje e responsabiliza a educação por não proporcionar o hábito

de ir ao teatro ou à dança:

“A educação é ruim. Não passa pela formação das pessoas o hábito de ir

ao teatro ver dança, e ir ver a dança contemporânea. (...) Eu acho que

diminuiu bastante a questão do público! E na dança contemporânea

ainda é outro aspecto. Na nossa dança contemporânea aqui, que se

respalda e se alimenta do teatro, é mais múltipla, eu percebo que

quando tem uma verba maior para investir com mais ênfase na

divulgação, o público acaba vindo. A nossa lotação máxima é de 60

lugares e raramente estoura. Algumas vezes sim, mas não é sempre. A

média é de 30 a 40 pessoas e a gente tem que se sentir feliz”

(ANDREAZZI, 2015, Anexo 1, p. 130).

Andreazzi relatou uma experiência de alguns anos com a Escola Estadual

Caetano de Campos como uma importante ação de formação de público, além de

experiências recebendo o Vocacional Dança e Teatro34:

“A educação para difusão e formação de público é crucial! Mas sempre

há um desgaste para a manutenção dessas ações. (...) Mas eu acho que

a saída para esse fortalecimento do público é a integração da educação

com a cultura e com relação também com o bem-estar social. (...) De

repente, vem público e, de repente, não vem, mas eu acho que, por

34 Programa da Divisão de Formação da Secretaria Municipal de Cultura. É composto pelos projetos em artes visuais, artes integradas, música, teatro, dança e literatura, desenvolvendo processos artísticos com pessoas a partir de 14 anos. Os “encontros” (não são chamados de aulas ou oficinas de acordo com o material norteador do Programa) são realizados em espaços públicos da cidade, em equipamentos da Secretaria Municipal de Cultura (teatros distritais, casas de cultura e centros culturais) e da Secretaria Municipal de Educação (CEUs).

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estarmos aqui há oito anos, deveria ter mais!” (ANDREAZZI, 2015,

Anexo 1, p. 130).

Semelhante a esta iniciativa relatada por Andreazzi, Marika, diretora do Ballet

Stagium, conta que a companhia realiza ações em parceria com a educação desde

1971, buscando sempre uma comunicação direta na formação e na base.

“Não adianta a gente ficar dançando aqui no palco e o público lá, foi

embora e até logo. Então, nós temos um trabalho bastante grande, em

várias áreas, em vários setores... A gente sai fora do teatro já desde o

começo. Já nos anos 1970, a gente estava fora do teatro, fazendo teatro

também. E hoje em dia (...) estamos trabalhando dentro das escolas. E é

onde você pode falar da formação de público, porque é uma juventude

que nem teria chance de ver isso aí, e é um blá blá blá meio furado, mas

é verdadeiro. Você chega em uma escola e vê aquela ‘criançadinha’... E

não é ir lá e só fazer o espetáculo. Tem que ter um pouco mais que isso.

A gente explica, a gente fala, conversa sobre nosso trabalho. Então, tem

toda uma conquista que também estamos fazendo em espetáculos

normais, que não são dentro das escolas...” (GIDALI, 2015, Anexo 1, pp.

144 e 145).

Marika relata que desde a década de 1990 a companhia, além de ir às escolas,

também leva os alunos para o teatro com o Projeto Escola. Ela destaca a importância

desta via de mão dupla, “mas só isso é pouco. Tem que ser isso e mais um pouco.

Entrar um pouco mais na cabeça dessa criançada, conversar com os professores

também... Aí eu acho que vale a pena”, afirma ela. Também destaca que muito desta

iniciativa de formação de público acontece pelos próprios esforços da Companhia, com

alguma logística auxiliada pelo FDE (Fundo para o Desenvolvimento da Educação), da

Secretaria de Estado da Educação, mas quem sustenta mesmo é o próprio Ballet

Stagium.

O T.F.Style Cia de Dança também realiza atividades semelhantes com o FDE.

Em 2015, houve grande diminuição dos incentivos, mas a companhia vinha sendo

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contratada para atuar em unidades distintas da Rede SESC-SP e para realizar

espetáculos de dança para alunos de escolas públicas. Após as apresentações, sempre

havia uma conversa para que os adolescentes levantassem questões sobre a obra ou o

trabalho na companhia, e as respostas eram concedidas mais como provocações do

que como explicações da obra, por mais que houvesse o anseio em descobrir o que “se

queria dizer” com o espetáculo, algumas vezes, inclusive, partindo até de professores

que acompanhavam os alunos.

A intenção sempre foi a de estreitar as relações com a dança. E isso vai além da

busca pelo mero entendimento, mas transita entre a reflexão e a apreciação de uma

obra de arte contemporânea que, por si só, se reinventa e abre possibilidades para

endereçar questões que vão além do deleite gerado por um movimento, mas

buscando algo na linha tênue entre a obviedade e a obra hermética.

Antônio Nóbrega, músico e diretor da Companhia de Dança que leva seu nome,

pondera que, dentre as linguagens artísticas, a dança possui o menor público. No seu

caso, não realiza ações específicas de formação de público, mas destaca o papel da

ONG Instituto Brincante neste cenário:

“A gente não faz não. Mas nós temos aqui o Instituto [Brincante] que

faz um pouco, às vezes, disso. Pessoas que estudam aqui, além de

saberem, elas também são replicadoras disso. E são pessoas de áreas

diferentes de São Paulo, muitas delas inclusive da periferia, de regiões

mais afastadas, então, talvez a gente tenha um pouco isso, mas de

modo não oficial” (NÓBREGA, 2015, Anexo 1, p. 165).

Marina Guzzo e Simone Avancini em “A dança em ação no SESC SP”, capítulo de

Temas para a Dança Brasileira, defendem que o papel da crítica, o recorte da

curadoria, das instituições emissoras (como o SESC SP), do programa e da divulgação

também estão incluídos nessas estratégias de formação de público:

“Fundamental é, então, que se assuma e reconheça essa assimetria

dialógica, para que nela resida o poder de transformação da arte da

dança e para que a dança contemporânea não seja um monólogo ou um

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diálogo entre seus próprios pares” (GUZZO e AVANCINI apud NORA,

2010, p. 332).

Pensando ainda nesta suposta “formação de público”, além do acesso aos

espetáculos e às conversas entre artistas e espectadores, ou ações como aulas e

palestras gratuitas realizadas no Instituto Brincante, existe também o papel do

jornalismo cultural neste contexto. Para Monteiro, esta formação, esta orientação do

público, acontece também no contato das pessoas com os textos publicados. Não

necessariamente de forma direta, como em uma resenha jornalística orientando para

o consumo, mas porque, a partir do contato com o texto, ocorrem diferentes formas

de aproximação com a obra artística.

“Nos primeiros textos, no primeiro parágrafo, sempre falava sobre o

trabalho, mas de forma localizada, que foi apresentado no SESC tal, no

dia tal, no Festival tal... Mas a gente parou de fazer um pouco isso. Não

sei. Não foi nada acordado entre nós. Eu entendo que essa formação de

público, ela se dá a partir deste contato que os públicos, na verdade,

venham a ter com as informações que o 7x7 vai publicando. Então, eu

acho que o cuidado ou o exercício que o 7x7 pode fazer para aproximar,

formar o público, [é] insistindo com essas informações” (MONTEIRO,

2015, Anexo 1, p. 140).

Além disso, Monteiro destaca que o seu papel está distante do transmissor de

informações, pois ele não está mais neste lugar de trazer no primeiro parágrafo as

principais respostas do quem, quando, onde e por que, como no lead jornalístico:

“Porque quando você escreve com determinado formato, já com esses

indicadores, claro que você vai estar formando esse público para

sempre pedir por esse tipo de informação. Agora, quando você

desestabiliza um pouco isso e coloca algo completamente diferente, e

por isso chamamos de artístico, porque está criando, no momento em

que está compondo aquele texto, criando outras conexões,

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desestabilizando alguns modelos, algumas estruturas já

convencionadas, você permite que o público comece a se habituar, e

comece a se interessar por aquele tipo de formato também. Então, eu

acho que é um pouco o lugar da formação de público como eu entendo

também” (MONTEIRO, 2015, Anexo 1, p. 142).

Elisabete Finger destaca que as conversas entre artistas estão cada vez mais

complexas, herméticas, o que inevitavelmente afastará o público comum. Ao criar um

programa de rádio que propusesse um diálogo descomplicado entre artistas, seu

objetivo foi poder auxiliar na mediação com a obra. Sem simplificar o conceito de

Martín-Barbero (2009) já abordado anteriormente nesta dissertação, se pensarmos na

própria etimologia da palavra mediação, temos como possibilidades de mediar: agir

por, agir entre, colocar-se entre. E este parece ser o objetivo central de Elisabete:

“É uma vontade desde o início que elas usassem a música para a

entrada de um canal mais afetivo, pessoal, mais descomplicado, do que

esse discurso tão... Algumas vezes acadêmico, algumas vezes mais

conceitual, algumas vezes mais intelectualizado, que a gente está

aprendendo a ter. Durante muito tempo, eu acho que as pessoas da

dança não falavam tanto, mas hoje a gente fala muito. E acaba-se

criando uma linguagem super complexa, super hermética... Você vai

conversar com uma pessoa, sei lá, público normal, e aí você fala desse

jeito sobre uma peça, a pessoa sai correndo... Ela não vai voltar para

ver, sabe... (...) Então, eu queria chegar a uma conversa sobre dança

que acessasse em nós, em mim, no artista que está conversando

comigo, um lugar que é mais pessoa comum. (...) Dar esse salto,

apresentar esses saltos criativos que a gente tem em um processo

criativo de outra forma, de uma forma que as pessoas possam

entender. Claro, esta é a primeira hipótese. Depois você vai ver os

programas e vai ver que cada artista acaba conduzindo de uma forma

muito pessoal” (FINGER, 2015, Anexo 1, p. 150).

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A mesma crise que parece atingir os espetáculos de dança, que contam com

um público menor se comparados às outras artes como o cinema, a música ou o

teatro, parece influenciar também iniciativas como o Discoreografia. É claro que é

preciso levar em consideração o fato de haver uma indústria cinematográfica ou da

música por trás da quantidade de público, mas a confusão arte versus entretenimento

parece esbarrar também na audiência dos programas:

“A primeira vez que a gente mediu foi um choque: bem poucos. Depois,

a coisa foi crescendo, e cresceu muito, e o que é mais legal é que a cada

programa novo, aumenta a audiência dos anteriores, e isso também é

ótimo na web né, os programas estão disponíveis no arquivo. (...) Pouco

era, por exemplo, no começo, a gente tinha assim 45 plays para um

programa, é muito pouco. Hoje a gente tem... Então, hoje, eu não tenho

esses números, mas hoje, sei lá, na casa de uns 500, 700, para alguns

programas e o Passinho está com 10.000” (FINGER, 2015, Anexo 1, p.

152).

Tais números atestam o poder midiático. Enquanto programas com artistas

consagrados da dança possuem cerca de 500 visualizações, um programa que envolve

algo altamente exposto pela mídia em geral tem 20 vezes mais visualizações.

“Primeiro, o que eu acho maravilhoso do Passinho é dizer: gente, as

pessoas estão fazendo dança! E eles são muito bons nisso! Eles estão

pensando coreografia com os instrumentos deles, com as propostas que

eles fizeram, com o jeito de falar deles, com a estética deles, estão

super ligados ao showbiss sim, super ligados à Globo e à Coca-cola e

tudo isso. Mas eles estão fazendo dança e eles têm um pensamento

sobre isso. E daí a ideia é puxar isso pra cá e falar: vamos conversar? E

outra: gente, se vocês gostam disso, talvez, vocês gostem disso

também... Então, na época do Passinho, que a gente lançou o programa

e ficou o mês passado todo, o público do Facebook do Discoreografia

cresceu em quase 1.000 pessoas. E isso para a gente é incrível. Você vai

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ver nesses sites de arte ou mesmo no canal do Itaú Cultural do YouTube,

você vai ver o número de views dos vídeos, é assim... 500... 600... E

quando você tem o Passinho, que é um vídeo de dança, faz 10.000, você

fala poxa, as pessoas gostam de dança!” (FINGER, 2015, Anexo 1, p.

153).

A questão que se impõe é: quando se fala “gostam de dança”, de qual dança se

fala? E daí, voltamos a Adorno e à indústria cultural, pois talvez o interesse não seja

especificamente pela arte da dança e a grande quantidade de público seja uma

consequência da midiatização. E voltamos também à preocupação de perguntar como

fazer para ampliar o diálogo da dança para além de seus pares:

“Alguém que está navegando na internet, para ele chegar no

Discoreografia, só se ele esbarrar no Itaú Cultural, no Idança ou em

algum site de algum artista ou no Facebook de alguém que está falando

sobre isso. Então eu acho que ainda é esse público que são artistas ou

pessoas ligadas aos artistas. Agora, a gente também teve um braço do

Discoreografia, que é esse que está crescendo, recebendo vários

convites para isso, que é nos Festivais de Dança. E é um pouco isso de

encontrar uma outra forma de encontrar o público, do artista encontrar

o público no Festival. (...) Você, interessados ou desavisados, que estão

passando por ali e vão acabar no Discoreografia. Mas está muito perto

dessas pessoas que já estão envolvidas com arte” (FINGER, 2015, Anexo

1, p. 153).

Elisabete destaca que uma das questões debatidas exaustivamente com

pessoas da comunicação foi com relação à duração dos programas. Isso porque a longa

duração também afetaria o público disposto a manter-se em contato com aquela obra.

Ainda assim, ela mantém o Discoreografia com cerca de 50 minutos, justificando que,

se tivesse apenas duas ou três músicas, não seria uma playlist e tampouco conseguiria

traçar o perfil do artista em diálogo. Entretanto, é algo que, em geral, contraria a lógica

da internet e, por ser um programa de webrádio, deve ser refletido.

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“Isso eu escuto muito do Murilo [marido de Finger] porque ele fala:

ninguém curte o seu programa, só os artistas, porque ninguém se dá

esse tempo em São Paulo ou em uma vida louca que a gente leva,

ninguém vai tirar 50 minutos para escutar a dança contemporânea. Aí

eu já fiz uma campanha que era assim: Discoreografia, não pare para

ouvir! Vai limpando a casa e vai escutando as pessoas falarem... E eu

acho super possível, a rádio tem isso” (FINGER, 2015, Anexo 1, p. 155).

Parece haver grande interesse por obras artísticas mais comerciais, conforme

abordado ao longo desta dissertação, mas a forma de aumentar a quantidade de

público para a dança contemporânea parece ser o grande desafio. Talvez iniciativas

como o Discoreografia, que pretende debater o fazer artístico por meio de um

programa de rádio, possa ser uma das alternativas para aproximar o público em geral,

ampliando a sua fruição. Entretanto, as próprias iniciativas, assim como ocorre com o

7x7, esbarram em diálogos que se concentram, sobretudo, entre seus pares:

“Exatamente o teu exemplo, os musicais estão cheios, quer dizer, tem

gente querendo assistir dança, você pergunta para as pessoas se elas

gostam, se elas se interessam... Sim... Gostam e se interessam... Mas

por que elas não chegam à dança contemporânea? Eu acho que tem

alguma comunicação acontecendo atravessada aí, que não está

chegando... E eu acho que a gente é muito responsável por este lugar,

desde o release do espetáculo que eu escrevo, até a foto dele que eu

apresento, até o post que eu faço no Facebook, sabe? Então, esse

cuidado de como eu comunico o meu trabalho, até isso, pensar projetos

em que eu posso falar sobre comunicação e dança, como é o

Discoreografia, eu acho que é o meu papel como artista” (FINGER,

2015, Anexo 1, p. 157).

Elisabete destaca ainda a importância de gerar um contexto que envolva a

obra, aproximando o público do artista, do coreógrafo, do pensamento artístico que

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aquela companhia tem. Este seria o papel das iniciativas de comunicação como o

Discoreografia:

“Eu acho que a arte contemporânea e a dança contemporânea podem

ser super experimentais, ter um pensamento super estilhaçado,

fragmentado, levar isso para a cena, quebrar tudo, desconstruir e ‘ual’!

Mas o que acontece? Se você pega uma pessoa que nunca viu arte, e a

primeira coisa dela é justamente essa, ela pode... Essa pessoa que vem

educada, justamente, pela novela das 8h, pelo estádio de futebol, pelas

grandes mídias, esse ritmo de informações ao qual ela está submetida

desde a infância, se esta pessoa chega e vai ver esta arte, ela pode ficar

traumatizada e [pensar]: não só não gosto dessa peça, como nunca mais

quero ver dança na vida. Então, eu acho que a dança contemporânea e

a arte contemporânea precisam de um certo contexto para ela existir.

Para a gente não gerar esse tipo de trauma (FINGER, 2015, Anexo 1, p.

158).

Nóbrega concorda com o pensamento de Elisabete e enfatiza:

“a dança, principalmente a dança pós moderna, ou a dança que vem

depois do moderno, ela vem se tornando excessivamente cerebral, para

usar de um conceito mais simplista. Ela vem perdendo certo caráter de

ludicidade, de lúdico, de ‘atacabilidade’ emocional e sensorial que faz

com que a dança se legitime. Um espetáculo de dança que eu vou para

ler intelectualmente, eu acho que ele me furta alguma coisa específica

da linguagem da dança, isso porque essa realidade de entender

intelectualmente um produto, um artefato artístico, posso conseguir a

partir de um livro, posso conseguir a partir de outra instância, de outro

tipo de concentração. Eu tenho para mim que a dança tem que envolver

quem assiste não só intelectualmente e, com isso, não quer dizer que a

dança não tenha também um conteúdo intelectual, uma reflexão, um

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tema, mas eu acho que, na melhor das hipóteses, ela tem que trabalhar

em bitolas semelhantes” (NÓBREGA, 2015, Anexo 1, p. 163).

Elisabete finaliza afirmando que muito será responsabilidade dos próprios

artistas, “para a gente não ficar tão à mercê de Festivais que façam isso, de

programadores ou de uma instituição que tem dinheiro e vai chamar alguém para

escrever sobre a coisa e que daí sim vai fazer a coisa girar...” (FINGER, 2015, Anexo 1,

p. 158). Além disso, complementa:

“Eu acho que a gente pode fazer mais. E a gente sabe muito bem como

falar do nosso trabalho... Acho que a gente tem muito a aprender, mas

tem coisas do nosso processo de criação que só a gente sabe, que nem

um jornalista vai poder lhe perguntar, porque ele não sabe que existe.

Você tem que falar. Agora, é esse como... Como falar? Como falar para

as pessoas que eu acho que é um trabalho que a gente precisa dar um

pouco mais de atenção. Falo [isto] por mim mesma” (FINGER, 2015,

Anexo 1, p. 158).

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3.1 ESPECTADOR-OBRA, A RELAÇÃO QUE NÃO SE ESGOTA

A arte contemporânea deslocou o entendimento do que se chama de público

porque rejeita o papel do espectador como aquele que se relaciona com a obra como

consumidor, esperando ter os seus desejos atendidos. Ela retira-o da posição de quem

quer receber, desfrutar, assistir a um espetáculo, que é tomado como sinônimo de

obra a ser contemplada. Faz isso ao convocar o espectador a se perguntar do que a

obra trata, a admitir que haja algo a ser nela desvendado, porque não está evidente, o

que implica em tentar descobrir a visão de mundo que está sendo proposta. Ou seja,

ao invés de apenas esperar receber o que deseja, o espectador é retirado do seu

conforto passivo e convocado a agir, a desvendar as perguntas que a obra faz, a

investigar que leitura de mundo ela propõe, precisando assumir uma postura diferente

de apenas sentar-se e esperar ser agradado pelo que assiste.

O filósofo Frédéric Pouillaude (2012), professor da Universidade de Paris-

Sorbonne, parafraseia Michel Foucault e afirma que “a dança é a ausência da obra”. E

explica que a

“ausência de obra designa igualmente a experiência da dança (ou antes,

do dançar) tal qual descrito pelos filósofos [refere-se a Nietzsche, Paul

Valéry, Erwin Straus e Alain Badiou]. Pois, não é precisamente a dança –

como conjunto de ritmos, de figuras ou de passos determinados – que

os filósofos descrevem, mas o ‘dançar’ como experiência íntima do

sujeito: é isso que é o dançar para aquele ou aquela que dança. E essa

experiência íntima deverá ela mesma compreender-se como

experiência do não-produzir, a qual será denominada ora ‘gozo’ (com

Valéry), ora ‘êxtase’ (com Straus)” (POUILLAUDE, 2012, p. 114 e 115).

Dessa forma, como rompe um hábito estabelecido e consagrado de

entendimento de obra, para que a nova postura se instaure o contato com a arte

contemporânea precisa acontecer com certa frequência. A distinta relação obra-

público proposta necessita transformar-se em um novo hábito, dada a natureza dos

trabalhos de dança:

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“Uma dificuldade inerente à arte coreográfica. Pois a ausência de obra

não é apenas um aspecto do discurso. Ela diz respeito à coisa em si. Ela

é o que fragiliza por dentro a obra coreográfica como tal.

Compreendemos mais facilmente essa fragilidade da obra coreográfica

se a compararmos com as obras teatrais ou musicais. A obra teatral ou

musical, uma vez colocada em forma de texto ou de partitura, pode

sobreviver independentemente de suas atualizações ou interpretações

sucessivas. (...) Em larga medida, a dança escapa a um tal status

alográfico. Suas práticas e suas obras não podem nunca ser transmitidas

de outra forma, a não ser de um corpo a outro corpo, de uma presença

a outra presença e dificilmente sobrevivem às rupturas de transmissão”

(POUILLAUDE, 2012, p. 115 e 116).

Além disso, há ainda que se considerar um abandono da obra enquanto

produto, visto que, como já abordado nesta dissertação, na dança contemporânea,

muito do que é levado à cena apresenta-se enquanto processo de construção de algo

que ainda não se aprontou – o que, de alguma maneira, também reposiciona o

público, mesmo sendo em perspectiva diferente da apontada por Pouillaude, por não

oferecer o produto final da obra.

Em linhas gerais, reflexos desta questão vão desaguar na diminuição da

quantidade de público para as artes contemporâneas. Educados por uma mídia que

elege diariamente o entretenimento, muitos continuam preferindo praticar o modelo

anterior de espectador. Afinal, o entendimento de “obra” (relacionado a uma postura

passiva de quem entra em contato com ela) está enraizado há cerca de vinte séculos.

Para mudá-lo, é imprescindível construir e consolidar um novo hábito de relação com a

arte, que implica na necessidade de leitura distinta, para a qual será necessário

“alfabetizar-se”, o que pedirá uma continuidade de encontros para que possa ocorrer

de fato. E, com isso, uma questão se apresenta: como convocar o público para algo

que ele não desfruta da maneira esperada?

Todas as iniciativas aqui apresentadas são exemplos que buscam outras

estratégias para a sensibilização de um público para a dança contemporânea. Para

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citar uma delas, vale voltar ao Discoreografia, que busca encontrar uma forma de

comunicação com o artista e sua obra capaz de fazer um ouvinte de programa de rádio

desejar ir ao seu encontro no teatro ou em outro espaço no qual esteja apresentando-

se.

A dificuldade de uma comunicação não imediata com o público precisa ser

enfrentada, e a repetição de oportunidades de encontro com as produções artísticas

contemporâneas tem papel importante na necessidade de criar-se um novo hábito. A

responsabilidade pela dificuldade de comunicação não pode ser imputada apenas aos

criadores, uma vez que é um conjunto de condições, como esta dissertação busca

demonstrar, que tece as condições do encontro entre público e dança contemporânea.

Enquanto essa “língua” da arte contemporânea for pouco falada e pouco

compartilhada, o público para as outras produções continuará a aumentar e se

fortalecer.

“O primeiro momento, o grande apelo é de uma companhia muito

conhecida. Vem o Baryshnikov para cá e todo mundo quer ver, e paga

qualquer coisa, mas a proposta é que o hábito cultural esteja presente

no dia-a-dia das pessoas” (PONZIO, 2015, Anexo 1, p. 186).

A jornalista Ana Francisca Ponzio ainda pondera que

“Isso tudo é educação, e eu acho que se a gente tivesse uma coisa de

educação mais evoluída, se a criança tem acesso a uma informação, a

uma formação mesmo desde criança, ela pode nem gostar de arte

contemporânea quando adulta, mas não será estranho para ela, ela vai

ver e não vai achar um bicho de 7 cabeças, nem vai se sentir intimidada”

(PONZIO, 2015, Anexo 1, p. 187).

Também acredito na função que a educação poderia desempenhar, desde a

infância, caso trabalhasse de forma consistente e continuada os diversos fazeres da

arte, incluindo as manifestações contemporâneas. Ao não fazer deste modo, impede-

se o desenvolvimento de uma familiaridade com a produção artística. Juntando-se a

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omissão da educação com o tipo de tratamento das manifestações artísticas praticado

nas diversas mídias, não há encontros com essa outra maneira de pensar presente na

arte contemporânea. Assim, dificilmente ela se tornará mais popular. Não sendo

mediada constantemente por nenhuma forma de jornalismo – seja impresso,

televisivo ou radiofônico – a dança contemporânea fica condenada a não se comunicar

mais amplamente.

Dessa forma, iniciativas como o 7x7 ou o Discoreografia, que tentam

justamente ampliar as possibilidades de mediação para, de alguma forma, atingir mais

pessoas, devem ser saudadas e apoiadas. Caso apareçam mais nas diferentes mídias e

nas redes sociais, aos poucos elas se firmarão como uma forma de resistência, capaz

de mexer com o que está posto.

Essa dificuldade de aceitação da arte contemporânea, ou mesmo a falta de

hábito do grande público, passa por aquilo que Theodor Adorno já havia questionado,

na indústria cultural, referente ao processo de “desartificação da arte”. Trata-se de

uma questão filosófica oriunda do século XX, que permanece até hoje, com a arte

deixando de ser arte porque perde aquilo que a distingue. Ele destaca a perda de

evidência da arte no mundo contemporâneo, afirmando que ela reage não apenas com

a transformação de seus procedimentos, mas também questionando seu próprio

conceito. E como a indústria cultural seria a responsável por barateá-la, popularizá-la,

torná-la mais acessível, transforma-a em um produto cultural, algo que, para ele,

deixaria de ser arte.

“As razões que levaram Adorno a identificar a ‘desartificação’ no

cenário contemporâneo (...) dizem respeito, por um lado, à

incapacidade crescente do grande público para compreender em

profundidade os fenômenos estéticos complexos, inclusive aqueles mais

tradicionais” (DUARTE apud IANNINI, GARCIA, FREITAS, 2015, p. 70).

Rodrigo Duarte, em capítulo publicado no livro Artefilosofia: antologia de

textos estéticos (2015), traz o conceito de desartificação da arte de Adorno para

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relacionar com o de artificação proposto pelo filósofo Arthur Danto35. Duarte afirma

que, para Adorno, a desartificação é um produto da abordagem que o público

adestrado pela cultura de massas faz da arte que ainda poderia ser considerada

autêntica. Ele cita o próprio filósofo:

“Aqueles que são tapeados pela indústria cultural e sedentos por suas

mercadorias se encontram aquém da arte: por isso, eles percebem sua

inadequação ao processo social vital contemporâneo – não sua própria

inverdade – menos veladamente do que aqueles que ainda se lembram

do que era uma obra de arte. Eles forçam a desartificação da arte. A

paixão pelo toque, por não deixar que qualquer obra seja o que ela é e

por orientar cada uma no sentido de diminuir a distância do observador

é um inequívoco sintoma daquela tendência” (ADORNO apud DUARTE

in IANNINI, GARCIA, FREITAS, 2015, p. 72).

Trata-se de uma incompreensão coletiva da arte contemporânea, levando ao

tratamento das obras como bens de consumo e tendo em vista uma significativa

diminuição da distância entre arte e vida. Esta aproximação pode ser pensada também

pelos expostos de Danto, que atribui aos tempos pós-modernos a transformação do

cotidiano em arte, com todas as consequências que esta ação pode gerar. Quando um

urinol é colocado em exposição no museu (“Fountain”, 1917, de Marcel Duchamp), o

que se sucede é a transformação de um objeto do dia a dia em arte, pela artificação do

cotidiano.

A análise de Danto parte principalmente da Pop Art de Andy Wahrol,

questionando a transformação de objetos comuns, ou de suas imagens, em arte. Para

ele, citado por Rodrigo Duarte:

“Não importa que a caixa de Brillo possa não ser boa – menos ainda

grande arte. O que chama a atenção é que ela seja arte de algum modo.

35 Arthur Coleman Danto (1924-2013) foi um filósofo e crítico de arte norte-americano. Professor de filosofia da Universidade de Columbia (Nova York) desde 1951, também foi crítico de arte da revista The Nation.

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Mas, se ela é, por que não o são as indiscerníveis caixas de Brillo que

estão no depósito? Ou toda distinção entre arte e realidade caiu por

terra? (...) O que, afinal de contas, faz a diferença entre uma caixa de

Brillo e uma obra de arte consistente de uma caixa de Brillo é certa

teoria da arte. É a teoria que a recebe no mundo da arte e a impede de

recair na condição do objeto real que ela é” (DANTO apud DUARTE in

IANNINI, GARCIA, FREITAS, 2015, p. 80).

Duarte relaciona Adorno e Danto para refletir que, assim como a massa

embrutecida pela indústria cultural pode desartificar algo que foi produzido

especialmente para ser uma obra de arte, um público “especializado”, pertencente ao

“mundo da arte”, pode ajudar a artificar um objeto ou sua imagem. “Esse caso gerou

uma curiosa situação, na qual o mesmo filisteu que adquiria suas caixas de esponjas de

aço Brillo no supermercado se mostrou chocado ao reencontrá-las na galeria de arte”

(DUARTE apud IANNINI, GARCIA, FREITAS, 2015, p. 81). Esta ponderação ressoa no

comportamento de assistir dança contemporânea sem conseguir reconhecer porque

aquilo pode ser chamado de dança, uma vez que se aproxima do que se encontra fora

dos palcos, na vida cotidiana.

“E os artistas, liberados do fardo da história, seriam livres para fazer

arte de qualquer modo que desejarem, para que propósitos desejarem,

ou para nenhum propósito. Essa é a marca da arte contemporânea, em

contraste ao modernismo” (DANTO apud IANNINI, GARCIA, FREITAS,

2015, p. 83).

A dança contemporânea, nos últimos 50 ou 60 anos, tem feito isso: uma

constante artificação do gesto, do corpo que não é treinado, de uma dança que nem

sempre emprega o vocabulário conhecido, do corpo sem os padrões de beleza estética

consagrados, etc. O que está no cotidiano, quando transformado em arte, instaura

outra relação com o que se apresenta. O público se vê diante de uma proposição

diferente, sendo requisitado a algo diferente daquilo a que está acostumado. Assim, a

dança contemporânea vem artificando o corpo que anteriormente não subia ao palco,

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transformando assuntos e temas do cotidiano em espetáculos, ocupando espaços que

não eram associados com a dança e, muitas vezes, apresentando processos, e não

espetáculos, ao público. Este agrupamento de ações produz situações que precisam

ganhar mais visibilidade para serem discutidas com propriedade.

Quem assiste à dança contemporânea hoje? Quem sabe onde ela está

acontecendo? Onde circula esta informação? Se o jornalismo cultural não informa,

restam apenas os próprios pares engajados em agir como artistas cada vez mais

conscientes do papel que possuem neste ambiente, tal como nos exemplos aqui

citados.

Somando-se a esta reflexão, Timberg (2015) preconiza que a classe artística

estaria condenada à morte, devido, sobretudo, à ocorrência de nossas práticas de

privatização da obra, uma consequência das sociedades capitalistas, reconhecível, por

exemplo, quando se atua no papel do espectador como consumidor da arte. Timberg

chama a atenção para o fato de se criar uma relação privada entre o sujeito –

espectador – e a obra de arte, e destaca que o ideal seria uma relação mais aberta.

Cada qual tende a se relacionar, no caso da dança, com o espetáculo que está

assistindo tal como em uma relação de consumidor a ser atendido por aquele produto.

Esquece que não é possível ter uma relação direta com a obra, visto que ela, por si só,

já está em relação com outras obras, tanto as daquele autor, como as demais de seu

tempo.

Desta forma, ele propõe quebrar uma estrutura que se sustenta há muito

tempo sobre o entendimento de obra-público formado por este sujeito,

individualmente isolado dos demais. Para Timberg (2015), a relação deveria ser

exatamente oposta, visto que hoje todos estão em relação em um mundo

interconectado pelas telas e pelas redes sociais.

Ao trazer a sua referência nesta dissertação, buscamos apontar para algumas

questões que não se esgotam na relação espectador-obra. Talvez seja o momento de

refletir que o sujeito, na individualidade da sua coleção circunscrita de informações,

que é única, faz parte de uma rede muito maior de conexões, havendo muita coisa

parecida em cada uma das coleções de informações que constituem cada um de nós.

Ao compreender esse nosso traço característico, conseguimos entender que o

espectador deixa de ser sozinho, tornando-se também parte de outros espectadores

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semelhantes. E a obra, da mesma forma, passa a ser vista como parte de um fluxo de

obras.

Em um ambiente lido nesta perspectiva, torna-se mais claro que as iniciativas

emergentes de comunicação aqui comentadas podem ser tratadas como maneiras de

atuar na relação obra-público, na medida em que instigam reflexões sobre os lugares

apropriados para se falar sobre arte, apresentando potencial para propor outro olhar

aos sujeitos. O espectador mantém-se singular, atravessado, porém, pelas percepções

compartilhadas que o formam, e alerta para o fato de que a sua leitura da obra deixa

de ser apenas “sua”, não se caracterizando como “sua” no sentido de uma

propriedade privada, aquela estimulada pelo consumo no capitalismo.

Entretanto, Timberg (2015) destaca outro traço importante: no nosso caso, o

da produção artística que se faz por editais atrelados às Leis de Incentivo à Cultura, é

fundamental refletir sobre o alcance da situação que ele descreve:

“Existe um significado político também em que todos irão concordar:

um artista ou músico ou jornalista que confia no patrocínio corporativo

a despeito de seu real público, não é independente. (...) Muitos se

consideram verdadeiros porta-vozes da verdade, realizando seu

trabalho independentemente do mercado e do poder estatal. Outros

são um pouco mais modestos nesta auto-concepção. Mas, virtualmente,

todos buscam estabilidade bancada por algum emprego institucional

estável” (TIMBERG, 2015, p. 262, tradução nossa).

Timberg destaca a relação de consumo que se estabelece entre o indivíduo e o

ingresso, tratado como direito a receber uma obra que lhe agrade. No caso da dança,

com boa parte dos ingressos sendo gratuitos, a situação parece manter-se. Mas, como

se sabe, o contato com a arte contemporânea acontece em outras vias de relação.

Para ele, “muitas das mudanças do século XXI não serão resolvidas, visto que a

tecnologia e os mercados econômicos trabalham na contramão da classe criativa”

(TIMBERG, 2015, p. 266 – tradução nossa). E o ingresso parece materializar o direito do

consumidor a receber o produto que deseja.

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A necessidade de compreender a complexidade do processo que envolve a

dança contemporânea e seu público pode ser avaliada no contexto da relação cultura-

sociedade, pois é nele que a arte se inscreve:

“A cultura não tende a deixar as pessoas melhores, algumas vezes sim,

outras não. Mas ela deixa a nossa sociedade melhor: mais alerta, mais

viva, com mais compaixão, mais conectada tanto com o passado quanto

com o presente. Uma disseminação ampla da arte e da cultura irá

beneficiar não somente a sociedade como um todo, mas ajudará, no

futuro, a classe criativa” (TIMBERG, 2015, p. 256 – tradução nossa).

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ANEXO 1 – ENTREVISTAS

a. João Andreazzi, diretor e coreógrafo da Companhia Corpos Nômades

- Entrevista realizada no Espaço O Lugar em 15 de julho de 2015.

Sobre a Companhia e a pesquisa da Corpos Nômades:

“Cia Corpos Nômades, com esse nome, surge em 2000, mas o trabalho já existia

como grupo desde 1995. Surge a partir de um projeto “Things, maloca, favelas, coisas”,

pesquisa sobre os corpos nômades com referência à obra de Deleuze e Guatarri”.

“É algo que vem antes do espaço público. Deleuze e Guatarri colocam em

discussão o capitalismo esquizofrenia: então, o que seria público neste sistema nosso

capitalista e desses governantes que querem apenas tirar vantagem, gerando uma

distorção muito grande do que seria um lugar público ou não? Então, na real, a

questão dos corpos nômades é mais uma questão do lugar público do corpo em si; o

que esse trabalho do intérprete, de uma companhia de dança contemporânea ou de

arte cênicas, hoje, faz com esse corpo em exposição dele para o público. Tirando um

pouco esse viés de espaço público. A relação do corpo nômade encontra-se mais na

parte da filosofia em si que existe no universo deste corpo, em descobertas e

modificações no decorrer de um percurso, e daí desenvolver uma linguagem cênica

que aborde um pouco as diferentes formas de produzir um espetáculo, seja de teatro,

dança, utilizando vídeo, a literatura... Então, mescla muito esses aspectos da soltura e

da errância que você pode ter, envolvendo um tipo de pesquisa que pegue o teatro

contemporâneo, a dança contemporânea, a imagem da performance em si, e as outras

culturas” – como, por exemplo, a pesquisa que desenvolvem junto às tribos Guaranis.

“Então, é extremamente experimental e contemporâneo o que a ideia do corpo

nômade representa para mim”.

Sobre mudanças nos Incentivos para a Dança:

“Na década de 80, a gente pagava, literalmente, para ter acesso a alguma coisa.

Todas as produções se calcavam muito no empenho e de fato amar aquilo e disso,

fazer acontecer. Em 1989, preciso falar que já existia o SESC, aqui em São Paulo. E era

bem importante, pelo menos era crucial no meu trabalho e no da Cia Corpos Nômades.

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Na década de 90, havia alguns prêmios que o Governo do Estado lançava, mas a verba

era bem curta, ou prefeitura, ou mesmo federal. Mas era bem pouquinho. Daí, com a

maneira que os artistas foram entendendo de pedir, de agregar e de reivindicar junto

às Câmaras, onde formulam e distribuem a verba pública, alicerçou-se uma maneira de

dar uma certa continuidade à utilização da verba para que houvesse sempre, mesmo

que uma pequena se comparado às outras áreas, para a arte. O Teatro em São Paulo

foi precursor com a arte contra a barbárie. A dança contemporânea também surge

com uma organização um pouco com o Teatro Galpão, com alguns bailarinos de 1970 e

1980; e em 1990, que surgiu o MTD-90, que alguns artistas se reuniram, eu fiz parte

desse grupo que eram umas 10 pessoas... Aí depois veio a ideia de uma Cooperativa

Paulista de Bailarinos Coreógrafos, que é a atual Cooperativa Paulista de Dança, e a

Carmen Gomide continuou... Então, foi uma grande universidade e um grande

aprendizado antes desses últimos 10 anos que tem a Lei de Fomento, que surge em

2006. Antes, teve toda uma gênese que se alicerça um pouco na produção

independente de dança contemporânea da cidade de São Paulo e que se respalda sim

no movimento de arte contra a barbárie que é a maneira como surgiu o Fomento ao

Teatro. E depois surgiu o da dança nos mesmos moldes”.

“Aí com o primeiro Programa Municipal de Fomento à Dança a gente recebeu

cerca de R$ 159.000,00 líquido, no qual foi possível a criação de um espetáculo

inspirado em um texto de Manuel de Barros e a aquisição de um espaço para realizar

esses projetos todos: a Mostra Lugar Corpo Nômade, Lugarização, que foi ganhando

corpo no decorrer do período, mas com esse primeiro Fomento foi que a gente pegou

esse espaço, restaurou o lugar, montou o espetáculo e começou a acontecer as

produções aqui no Lugar, na Rua Augusta. Não é dos que mais ganhou, talvez uns 4 ou

5 até hoje. Não sei. E também é uma produção muito intensa e, de fato, é necessário

mesmo!” Contextualizou um pouco a realidade dos projetos que só conseguem

acontecer se houver o incentivo e ressaltou a importância dos mesmos “na troca de

relação com o público e na experiência de verdade. O Fomento a Dança, para a Cia

Corpos Nômades, além da criação artística, ele proporciona o desenvolvimento da

pesquisa desse corpo nômade que vai além da fronteira da própria Companhia, porque

aproxima também outras ideias. Então, nós tivemos alguns “Fomentos”... Não estamos

com o Fomento agora, e faz uma falta absurda!” E justifica contextualizando a

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especulação imobiliária e os custos elevados de manutenção do local que é locado,

etc... Além do Fomento, eles estão com Petrobras Cultural desde 2013 e por mais um

ano. “Estamos só com o Petrobras e não é suficiente. O custo de vida aumentou... E a

gente precisa de mais aporte por conta da estrutura toda e de todos os projetos que

eu considero interessante manter (...) e só o Petrobras não está dando conta”.

Sobre relação com o Público:

“Eu acho que essa crise toda é super forte. No teatro mais convencional, com

os ‘ditos globais’, eles reclamam também. A formação de público, na realidade a

educação do povo brasileiro é colocada de uma forma, a cultura em si, o hábito de ir

ao teatro, à dança, é um hábito super escasso. A educação é ruim. Não passa pela

formação das pessoas o hábito de ir ao teatro ver dança, e ir ver a dança

contemporânea. (...) Eu acho que diminuiu bastante a questão do público! E na dança

contemporânea ainda é um outro aspecto. Na nossa dança contemporânea aqui que

se respalda e se alimenta do teatro, é mais múltipla, eu percebo que quando tem uma

verba maior para investir com mais ênfase na divulgação, o público acaba vindo. A

nossa lotação máxima é de 60 lugares e raramente estoura. Algumas vezes sim, mas

não é sempre. A média é de 30 a 40 pessoas e a gente tem que se sentir feliz. Às vezes

cai, porque quando você faz uma temporada, porque aí é um outro aspecto, já que a

dança fica geralmente em cartaz por 2 ou 3 dias, e aí a gente faz 1 mês ou 2 de

temporada, então o público às vezes intensifica quando estreia e acaba, mas o meio

necessita daquela manutenção que teria que ter continuidade”. Relatou uma

experiência com a Escola Caetano de Campos que durou algum tempo como uma

importante ação de formação de público. E também experiências recebendo o

Vocacional Dança e Teatro. “A educação para difusão e formação de público é crucial!

Mas sempre há um desgaste para manutenção dessas ações. (...) Mas eu acho que a

saída para esse fortalecimento do público é a integração da educação com a cultura e

com relação também com o bem-estar social. (...) De repente vem público e de

repente não vem, mas eu acho que, por estarmos aqui há 8 anos, deveria ter mais!”.

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Experiência nas Redes:

“O Blogspot que a gente teve desde 2006, ele funcionou para uma construção

poética de 2006 a 2008, existia sem ter a objetividade de ser jornalístico, mas tem a

subjetividade de ser jornalístico dentro da poesia que se cria e da difusão que essa

poesia se propaga. Então, vira jornalístico, porque se divulga e se propaga alguma

ideia. Mais recentemente também pelo Facebook, o site da Cia e o mailing construído

ao longo dos anos. Então são esses os meios, embora agora o Blogspot hoje quase

inexista. Justifica um pouco essa propagação e formação de público que é pequena.

(...) O Blogspot foi interessantíssimo antes do Facebook. A gente criou o Blogspot para

ressaltar e colher informações de lembranças indiscretas das pessoas. Então,

provocava-se a construção de uma possibilidade dramatúrgica para daí surgir uma

criação. Então, em 2006 começamos com isso com o elenco da época, isso era

divulgado, as pessoas foram se agregando até 2008 quando surge O barulho indiscreto

da chuva. E também tem uma outra coisa interessante porque a gente não tinha aqui

ainda. Estávamos em uma crise de sala de ensaio e como estava apertado e o CCSP

começou a oferecer espaço para um monte de projeto, além da dança contemporânea

tradicional, sufocou um pouco e, na época a gente ensaiava na sala da minha casa, e

eu pensei nesta ideia de Sala Virtual de Ensaio, que era o Blogspot, para poder

continuar o ensaio, mesmo não estando em uma sala, onde foi se construindo a

poética.” Exemplificou um pouco. “Durante toda a temporada do espetáculo O barulho

indiscreto da chuva, a gente colhia lembranças indiscretas em uma penteadeira, que

ficava na entrada, as pessoas escreviam as lembranças indiscretas e depois elas

acessavam o blog para falar das sensações do espetáculo, e isso entrava na

dramaturgia do espetáculo. Então, toda a dramaturgia era muito interessante porque

era curiosa, era viva, era nômade, mudava com as sensações de quem vinha, e a gente

também continuava com nossas impressões no Blogspot. Depois, ele ainda continuou

com uma função de continuar propagando as coisas que a gente fazia aqui e fomos

ainda o utilizando postando sensações de outros trabalhos. Mas hoje eu acho que o

Blogspot perdeu um pouco essa característica que tinha, são poucos os que

continuam”. Seguiu contando sobre um grupo de discussão no Facebook – Surrealismo

Solúvel. Mas acredito que não cabe aqui.

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b. Sheila Ribeiro, artista da dança, idealizadora do Movimento 7x7

- Entrevista realizada em áudio pelo WhatsApp nos dias 8 e 9 de julho de 2015.

Como surge o 7x7:

“A ideia do 7x7 surgiu em 2009, foi uma coisa super espontânea, baseada em

um sentimento de escassez de vozes. Não uma escassez de vozes escritas, porque tem

muita coisa escrita sobre dança contemporânea no Brasil, mas de um sentimento de

reverberação mesmo, um sentimento de vitalidade. Por exemplo, você apresenta uma

coisa e aquilo ficava ali, no máximo o que acontecia era as pessoas conversarem no

elevador, entre si, restaurante, mesas de bar, enfim, conversas íntimas, que não eram

compartilhadas. Então, eu pensei que essas conversas íntimas, de artistas, do público

em geral, ou de pessoas que são habituadas a ver dança, tem um saber, porque esse

saber ficava na cultura oral, mas que não era compartilhado. E de certa maneira era

uma história contemporânea, que seria vital se pudesse ser compartilhada. Eu

certamente sou influenciada por várias coisas e, a primeira delas é que na época de

2009 eu morava na China, e eu vim para o Brasil para dançar no Festival

Contemporâneo de Dança, uma peça que chamava Legenda Diet, eu e o Elielson

Pacheco, aí eu dancei e tal e depois que terminou, terminou. E aí eu achei triste

terminar assim. Olhei para o lado e tinha o Bruno Freire, que eu não conhecia ainda, e

perguntei se ele tinha visto o meu trabalho. Ele respondeu que sim e aí eu perguntei se

ele não queria escrever ou se manifestar de algum jeito, escrevendo, com uma

imagem, alguma performance, enfim... Se ele não queria comentar publicamente o

meu trabalho. Ele aceitou e fez um texto que se chama Tudo o que você precisa saber e

esse foi então o primeiro texto do 7x7”.

“O 7x7 não é um blog, não é um site, o 7x7 é um movimento, é uma ação de

comunicação, uma ação de conectividade que tem intenção de rede e um desejo de

Commons, que sofre influência da cultura digital, desse prazer pelo compartilhamento,

essa coisa do sharing, e de criar vetores de voz, de intenção, de auto-representação,

de prossumerismo. Então, o 7x7 tem essa intenção de hackeamento, de parasitagem, e

de fomentar mesmo as divergências... Explicitar fofocas... Pensamentos fragmentados,

aleatórios... Pensamentos em real time, em tempo real, contribuindo de maneira

digital para a cultura. Então, ele não é um blog ou um site, mas um movimento. E de

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certa maneira é uma coisa que foi parar na dança, pela influência da minha prática e

nos meus estudos na cultura digital. (...) Então, claramente o 7x7 tem uma influência

muito grande do meu ativismo na cultura digital, na minha influência no open source,

que é o software livre, da autonomia do movimento e tal, então, de certa maneira,

talvez seja influenciado pelos italianos, que é muito forte essa coisa de cooperativismo

e de criar conectividade, rede, então, é mais ou menos isso”.

Sobre as Mídias Analógicas e Mídias Digitais:

Contextualiza que Creative Commons nasce no final dos anos 90 e início dos

anos 2000. Neste período é que a noção de compartilhamento começou a existir. E

“neste sentido, gosto muito mais de pensar na questão das mídias analógicas e mídias

digitais, do que a questão da mídia tradicional. Qual a diferença fundamental? São os

eixos de vetores. Por exemplo, no rádio você pode participar, mas não vai ser um

produtor de conhecimento. Você é um interlocutor, um público, uma pessoa que

observa, mas que não necessariamente participa da construção comunicacional

daquilo. Então, na mídia analógica ela é mais verticalizada do que a mídia digital que

trabalha com vetores de rede e é, supostamente, horizontalizada (...) porque há uma

pluralidade de vozes, que constrói a comunicação, quer seja conteúdo, quer seja

expressão, quer seja informação... E o que estamos vivemos agora é uma transição. E

essa transição não é cartesiana, antes era analógico e agora está todo mundo digital...

Quando você fala como é que isso influencia o público, eu acho que influencia como

influencia qualquer outra coisa da vida contemporânea que é coabitação entre modos

de pensar analógico e modos de pensar digital, às vezes tratando o analógico com

modo de operar digital, às vezes tratando o digital com modo de operar analógico,

porque é uma transição de modo de operar e de diferentes níveis de percepção desse

modo de operar, dessa transição”. E termina refletindo sobre o conceito do “novo” ou

da “inovação”, mas prefere o conceito de “emergente”.

“O 7x7 não vai na contramão da mídia tradicional (ou analógica), mas vai

achando buracos, coabitando, criando tensões, ficando em cima, transversal, do lado,

enfim, ele vai achando outras geometrias que não é só a geometria do contra, da

contracultura, ou do contra. Aliás, eu acho que muito pelo contrário, acho que é uma

cultura do pró, pró-mão, no sentido de que, por exemplo, é pró-pluralidade, pró-vozes,

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e tal... E não contra. É uma coabitação de diferentes entre si e não diferentes de um

padrão normalizado, mas diferentes entre si, possibilidades, planetas, inclusive que

não se esbarram nunca. Tem gente que escreve no 7x7 que eu não sei nem quem é,

que eu nunca li, entende?”.

“As coisas não são as coisas... Um livro, não é porque ele é de papel, que ele é

analógico. Assim como não é porque você está na internet que você é digital. Tudo, na

contemporaneidade é digital, devido ao contexto macroeconômico, mas a aplicação

disso às vezes tem um modo de operar que é analógico. O formato não

necessariamente é o pensamento daquele modo de operar.”

O papel do site no cenário da Dança:

“Eu não sei como ele é visto. Isso é muito interessante porque eu não faço a

mínima ideia de como ele é visto. Eu acho que tem várias fantasias do que é o 7x7,

como por exemplo, tem gente que vê como um lugar bom para eu escrever, para eu

seu ouvido, para eu apresentar meu trabalho; outras pessoas tem um lado de ‘ah que

bom que escreveram sobre mim’; outras pessoas tem vontade de utilizar como um

lugar de pesquisa e utiliza textos dos artistas; tem artistas que utilizam do link do 7x7

em seus próprios sites para divulgarem seus trabalhos como ‘olha só, um par escreveu

sobre mim’, uma forma de legitimação; então tem muitos ângulos, tem um lado

também que o pessoal acha que é jornalismo, e eu necessariamente não vejo como

jornalismo, mas tem gente que vê; tem gente que vê como projeto artístico, um

projeto de dança contemporânea, uma coreografia de vários autores aleatórios; tem

gente que vê como puro narcisismo meu, que eu quero aparecer; tem gente que acha

que como eu fiz doutorado, então, eu estou mais na área teórica, então, eu não sou

mais coreógrafa, não sou mais artista, eu estou ficando velha e não posso mais dançar,

então, eu estou indo para o lado da escrita e vou virar professora... Também é visto

como um grande empreendimento deslocador, tanto que somos bastante respeitados,

tem várias parcerias, ganhou APCA... Então, assim... Como é visto? É uma mistura de

várias fantasias. Mas eu acho que é altamente legítimo no sentido de que tem uma

polêmica em torno de um evento, um evento móvel e que não é dominado de uma

pessoa só. Todas essas versões são legítimas e assim que eu acho que o site do 7x7 é

visto”. E passa a contar a experiência de, apesar da proposta do 7x7 ser um evento de

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movimento, imaterial, de ação e fluxo, estamos tentando criar um livro do 7x7 e

justifica como uma grande contribuição para a história atual da dança contemporânea

da cidade de São Paulo. E será mais uma ação do 7x7. “Não há tabu com relação ao

analógico. A maneira como expressa o 7x7, qualquer maneira de explicitar, mesmo

sendo livro, vira um vetor de fazer o 7x7, um recorte, uma célula, mais um elemento

nesta rede”.

Alguns números, segundo a própria Sheila Ribeiro, de acordo com Google

Analytics:

Desde a criação do site (da plataforma em si), que foi criado em 2013, a

partir do financiamento público do Fomento. Em dois anos, nós tivemos

10.000 visualizações no site.

64% das pessoas novas e 36% são pessoas que voltam

102 países visitando: Brasil com 67% das visitas, na sequência, Uruguai

com 7%, e seguindo... França, Argentina, Portugal, Alemanha, México,

República Tcheca e Espanha.

Das cidades: 1ª é São Paulo, depois Montevidéu, Florianópolis, Rio de

Janeiro, Salvador, Buenos Aires, São Bernardo do Campo, Curitiba, Belo

Horizonte e Santos. Interessante notar que são os grandes centros que

é onde há concentração de dança contemporânea. E ao todo são 966

cidades que já acessaram o 7x7. As últimas, para se ter ideia dos confins

de onde se chega, são: Timbó, Toledo, Ubatuba, Uruacu, Vargem

Grande do Sul, Varginha, Votorantim, Vinhedo, Xaxim e São Pedro. “Fiz

questão de falar dessas cidades para verificar também a

descentralização. É óbvio que existe mais arte contemporânea em

grandes centros urbanos. Há arte contemporânea em ambientes rurais,

mas são algumas iniciativas. Mas o fluxo não é o mesmo”.

“No começo eu sempre quis o que o 7x7 fosse sempre bilíngue em inglês e

português, para ter essa noção transnacional, com a língua da globalização. Um pouco

funcionou e um pouco não porque, justamente, o 7x7 não é um projeto que eu sinta

que deu certo, pelo contrário, para mim, o 7x7 é um projeto que deu errado, apesar do

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APCA, porque ele está muito aquém das minhas expectativas, não supre nem 20%

daquilo que eu gostaria que ele fosse. Além disso, eu acredito que ele funcione por

fluxos, quando tem algum evento, pois como eu não controlo o networking...”.

Linha Editorial do 7x7:

“A nossa linha editorial é uma linha editorial supostamente de apropriação. Na

verdade, eu queria que a plataforma do 7x7 fosse aberta. Então, seria o seguinte: uma

pessoa assistiu alguma coisa e quer propor um texto, ela vai lá e posta. Ela manda para

a gente, a gente faz uma interlocução, de duvidar, de comentar, de brincar, de criar

alguma polêmica, só para expandir um pouco mais ainda a vontade daquela pessoa e

aí, ninguém é negado, a pessoa sempre irá postar uma imagem, um filme, um

comentário, uma poesia, enfim... E qualquer coisa que reverbere, evidentemente, no

texto e que reverbere alguma coisa que a pessoa tenha visto, é altamente bem-vindo

no 7x7. Agora... Como eu estava dizendo, eu gostaria que a plataforma do 7x7 fosse

totalmente aberta. Igual o Wikipedia. Você vai lá e põe e muda; muda a cara do site;

muda a cor, posta o que quiser... Eu queria muito que fosse extremamente

colaborativo, para mim, seria 100% colaborativo, mas as pessoas do grupo do 7x7

nunca aceitaram, porque eles têm medo, e eu entendo, que no primeiro dia já vai

estar escrito ‘Sheila vaca’ ou palavrões, Dilma, sabe, qualquer coisa... Mas que não

tivesse esse ambiente de jogo e de construção colaborativa”.

“O 7x7 não é um site. O 7x7 tem um site. Não tem problema nenhum de

chamar de plataforma, de qualquer outra coisa. Claro que os termos são importantes,

mas como é justamente um projeto de movimento, de ação, é legal que me dá a

oportunidade de falar isso: eu, especificamente, não tenho nenhum problema se as

pessoas chamam o 7x7, o site do 7x7 de site, o link de link, de blog, de plataforma. Não

estou muito preocupada com termo. Mas estou sim preocupada em dizer que o 7x7

em si não é o site, mas uma ação artística, quem sabe até uma dança contemporânea

imaterial, uma coreografia online...”.

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c. Rodrigo Monteiro, Coordenador do 7x7

- Entrevista realizada no SESC Consolação em 21 de julho de 2015.

Como surge o 7x7:

Repete um pouco as informações ditas por Sheila Ribeiro, mas traz novos

dados: “7x7 por quê? Porque naquela ocasião eram 7 trabalhos, 7 pessoas para

escrever sobre 7 trabalhos... Só que depois aumentou o número de trabalhos ou até

diminuiu, mas aí já tinha uma espécie de ‘marca’. Ela (Sheila) pediu indicação para

Helena Katz sobre alunos que gostavam de escrever, que se viam mais nesta função e a

Helena sugeriu alguns nomes e eu era uma dessas pessoas e estou até hoje”.

Sobre ser um veículo de “Cobertura de Festivais” de Dança:

“Em um primeiro momento, confesso que ficou essa impressão para mim, que

seria um evento, uma ação específica para o Festival Contemporâneo de Dança, e só

depois que fui entendendo o que era. Aos poucos foi se expandindo: o Arthur foi para

o Panorama, no Rio de Janeiro; eu tentei no FID, em BH que não rolou muito. Aí no

terceiro ano de tentativa de expandir para o FID, aí rolou. E foi aí que eu saquei que o

7x7 não necessariamente precisava ser algo específico para Festivais, para eventos

específicos concentrados. Logo mais, a gente vai participar da Bienal SESC de Dança,

agora em Campinas. É interessante porque mostra um traço, eu vejo, que mesmo a

intenção, o conceito, a proposta do 7x7 ela ser meio randômica, ela não ter

necessariamente a proposta de um Festival, de uma Mostra, com espaço-tempo

definido, é um traço que eu vejo que funciona mais assim ainda. Um exemplo é a

Bienal de 2013, que a gente participou, teve um boom muito interessante. Mas, foi

neste lugar, específico, do espaço-tempo.” – Mas essa característica é muito

semelhante à cobertura jornalística de um evento. Qual seria então a diferença de uma

cobertura jornalística daquela que vocês farão lá (Bienal) neste ano? “Em 2013, a

gente estava até dividindo a sala, o nosso QG era junto com jornalistas, jornalistas que,

enfim, eram de mídias diferentes. Eu acho é... que a nossa proposta... hum... O 7x7 não

é só aquilo que vai para o site que, no caso, foi para o Blog da Bienal. Eu acho que ele é

também algo que não se materializa num formato texto, num formato vídeo, que sobe

para o site, por exemplo. Eu acho que as conversas que a gente faz... Por exemplo, tem

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uma ação que a gente fez em 2013 que foi divertida por sinal que, todo mundo estava

no mesmo hotel, todos estavam trabalhando no evento, a gente, enfim, artistas,

produção, pessoal do SESC e a gente todos os dias tomava café da manhã juntos. E

teve um artista o André Macedo que ele apresentou na Bienal e a gente estava

conversando sobre o trabalho dele naquela mesa de café da manhã. Então, eu acho

que isso também é o 7x7. Acho que ele também acontece neste lugar. Nestas

conversas que não são transcritas, traduzidas para um texto, mesmo que sejam textos,

vídeos ou imagens artísticas. Eles acontecem ali e se encerram ali às vezes, muitas

vezes inclusive”. – Eu complemento: Outra diferença é que vocês não são jornalistas,

vocês são artistas, certo? “Exatamente. Não tem essa preocupação. Claro. Claro que é

legal, reverberar a partir de textos que vão para ao Facebook. Claro. Bem bacana. Mas

é uma das formas, a gente não fica preso a isso”. – Qual o diferencial que vocês têm

enquanto artistas ao olhar para a obra de arte que os jornalistas, teoricamente, não

teriam? “Primeiro, eu acho que é um ponto de vista mais específico para aquilo,

porque, de certa forma, cada um na sua especificidade, atua também nisso. E eu acho

também que é uma forma de se arriscar. Por exemplo, como a própria Sheila fala, a

intenção quando ela criou lá atrás, a intenção era que fosse um tipo de uma conversa

de bar. Eu acho que é se arriscar mais para ser mesmo uma conversa mesmo, de fato.

E não fiquemos preocupados com uma... uma informalidade talvez...” – Entre pessoas

que detém esse conhecimento ou esse ‘fazer artístico’? “Sim.”

Qual o seu papel? Você se sente um editor-chefe? Visto que a plataforma não é

completamente livre como a Sheila gostaria? Como é feita essa triagem ou não existe

uma triagem?

“Eu não me vejo como um editor. Eu me coloco neste lugar de dialogar, então,

quando eu recebo um texto, por exemplo, a minha proposta é: ‘Ele vai ser publicado’.

Quando? A gente pode ir vendo... Eu e a pessoa que enviou o texto... Quando a gente

achar que está legal, que está legal não no sentido de estar em um formato específico

que o 7x7 venha a ter, mas a proposta é dialógica, então é: ‘Vamos conversar sobre

esse texto? Vamos conversar sobre esse trabalho? Vamos conversar sobre como você

traduziu esse trabalho artisticamente para este texto? Nesta conversa, chega um

momento em que a gente pode falar: ‘Acho que já se esgotou aquilo que a gente

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poderia conversar’ e essas conversas interferiram de alguma forma no texto. Você

concorda? Então, vamos subir? Vamos. Pronto. Acho que é mais neste lugar. Não é

mais de enquadrar em determinado modelo”.

Existem alguns colaboradores que não participam diretamente do núcleo do

7x7 e que escrevem sempre. E não há qualquer restrição quanto à quantidade de

publicações para cada pessoa. “Uma das pessoas, para citar um nome, é o Wagner

Schwartz. Ele manda textos para a gente direto. Achei que este texto aqui cabe no 7x7.

Ou mesmo quando a gente vê alguma postagem dele no Facebook, a gente até convida

para publicar também no 7x7”.

“Eu me considero um interlocutor, embora eu esteja colocado neste lugar de

coordenador, porque, ainda é recente essa minha função, dentro deste projeto, a

Sheila ainda me orienta bastante, em vários quesitos, desde os quesitos que, claro não

estão separados, técnicos aos conceituais. Porque eles estão muito juntos no 7x7 por

ser uma proposta conceitualmente que acontece em rede, ela se dá na rede, a gente

usa a rede, então essas ferramentas e esses entendimentos estão muito próximos.

Mas eu me vejo ainda muito como um interlocutor. Então, eu estou ainda tentando

achar o melhor modo para coordenar. E esse é um pouco a forma que estou tentando

trilhar. A partir dessa interlocução, que eu já fazia antes, fazer agora essa

coordenação”.

Sobre a proposta do 7x7 como uma nova mídia:

“Como proposta, eu vejo como algo inovador. Mas aquilo que está

acontecendo, eu confesso que eu acho que ainda não chegou neste lugar. A proposta,

como a Sheila já falou, era que fosse aberto, que não houvesse essa mediação nossa

para os textos subirem, que seja uma plataforma aberta. Só que eu acho que isso

ainda está muito difícil de acontecer, mesmo com a gente fazendo essa mediação, não

apenas no sentido de receber para poder fazer o upload, mas a nossa mediação

enquanto artistas, pesquisadores, enfim, que tentam difundir e reverberar essa ideia.

Para que ela possa pegar de fato para que um dia, isso possa acontecer. Acho que

ainda não aconteceu”.

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Sobre haver uma linha editorial:

“Os nossos critérios são: seja artista para escrever, fazer uma imagem, um

vídeo e que seja sobre dança. A gente já até pensou em falar sobre teatro ou artes

visuais, mas ainda não experimentamos”.

Relação com o Público:

“Eu vejo que essa formação, essa orientação de público, ela se dá e ela pode se

dar, a partir do contato que esse público possa a ter com esses textos. Não

necessariamente de uma forma direta, como uma espécie de convite, por exemplo. A

gente até, os primeiros textos, os meus pelo menos, eu reparei isso. Teve uma

mudança. Nestes primeiros textos, no primeiro parágrafo, sempre falava sobre o

trabalho, mas de forma localizada, que foi apresentado no SESC tal, no dia tal, no

Festival tal”. – Bastante jornalístico (Lead). “Exatamente. Mas a gente parou de fazer

um pouco isso. Não sei. Não foi nada acordado entre nós. A gente foi percebendo que

a gente foi parando de fazer isso. Eu entendo que essa formação de público, ela se dá

a partir deste contato, os públicos na verdade venham a ter com as informações que o

7x7 vai publicando. Então, eu acho que o cuidado ou o exercício que o 7x7 pode fazer

para aproximar, formar... Não sei, o público, eu acho que é insistir com essas

informações. Sei lá, a gente tem o Facebook. De um tempo para cá eu tenho percebido

que, por exemplo, no Facebook não sou só eu que posto, não é só a Sheila que posta.

Somos nós dois e mais as pessoas que são da equipe. E de um tempo para cá eu

percebo que as postagens são muito específicas, por exemplo, as minhas são muito

diferentes das da Sheila, que são muito diferentes das do Arthur. É engraçado que, de

um tempo para cá, o Arthur tem postado alguns vídeos, alguns trechos de

coreografias, algumas coreografias prontas. E isso aumentou bastante a visualização

da página do 7x7 como site e da página do Facebook. Isso convida também as pessoas

para verem os textos publicados especificamente no 7x7. Não vou chamar isso de

estratégia, sabe, eu prefiro chamar, inclusive uma palavra que a Sheila utiliza bastante,

de coabitação. Ao mesmo tempo que o 7x7 usa a página do Facebook e permite que a

página tenha textos reflexivos, artísticos, críticos sobre trabalhos de dança, também

tem esse lugar aí dessas pequenas coreografias de YouTube, sabe? Então, eu acho que

enfim, não tem uma ação específica para falar: ‘vamos pensar no púbico’, que é como

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a gente lida com esse público, que faz a gente pensar esse público. E convida esse

público também para o site”.

Também não há intenção de vender espaços do Site ou de conseguir mídia ou

patrocínio para determinados produtos ou o próprio site, para além da intenção de ser

uma troca entre artistas, certo? “Exatamente”.

“A minha meta, no 7x7 é essa: de exercitar, desenvolver um entendimento

deste compartilhamento da rede para a infiltração e coabitação. A minha vontade é

que isso aconteça um dia ainda mais livre, mas é como eu falei, eu acho que ainda não

está rolando”.

Outros exemplos:

“Tem outros dois trabalhos na Bienal que vão trabalhar com o 7x7 que estão

neste lugar da mediação e que também são propostas artísticas. A nossa, claro, está

mais neste lugar da rede, da internet. Aqui também tem essa proposta de fazer diálogo

com artistas Precisa-se de público 36 , de Cláudia Müller e Clarissa Sacchelli e

Discoreografia37 de Elisabete Finger. Essas são duas propostas também artísticas para

36 As artistas Cláudia Müller e Clarissa Sacchelli compraram textos sobre os espetáculos

da programação Semanas de dança (Julho de 2014). Qualquer pessoa que assistia aos

espetáculos poderia participar. A pessoa não precisava ser conhecedora de dança,

bastava querer ser um espectador. Qualquer observação ou reflexão valia como ponto

de partida e cada um poderia inscrever quantos textos quisesse. Foram comprados dez

textos pelo valor de R$100,00 cada um, e que foram publicados no livro Precisa-se

público, distribuído pelo Centro Cultural São Paulo.

37 O Discoreografia – Música, Dança e Blá, Blá, Blá é um programa de web-rádio em

que artistas falam de suas obras e seus processos criativos através da música. Em cada

programa, Elisabete Finger recebe um convidado diferente para que ele apresente sua

discografia pessoal costurada por histórias, memórias e projetos. O objetivo do

programa é ser um encontro, no velho estilo rádio, para escutar música e falar sobre

como ela embala criações coreográficas, performáticas, teatrais, visuais, literárias,

filosóficas. Profissionais e sentimentais.

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também fazer essa medição, essa interlocução, entre trabalhos e o público” –

Novamente são iniciativas com “cara” de jornalismo, mas realizado por artistas. Tanto

Precisa-se de público quanto o Discoreografia são projetos artísticos de comunicação.

“Acho que o papel, falando por mim, não é o de se colocar no lugar do

transmissor da informação. A nossa proposta tem mudado um pouco. Não está mais lá

sendo escrito no primeiro parágrafo, sabe, ah... Foi apresentado no Festival tal... Dia

tal tal tal tal... Porque eu acho que isso vai minando um pouco este lugar do passar a

informação. Porque quando você escreve com determinado formato, já com esses

indicadores, claro que você vai estar formando esse público para sempre pedir por

esse tipo de informação. Agora, quando você desestabiliza um pouco isso e coloca algo

completamente diferente, e por isso chamamos de artístico, porque está criando, no

momento em que está compondo aquele texto, criando outras conexões,

desestabilizando alguns modelos, algumas estruturas já convencionadas, você permite

que o público comece a se habituar, e comece a se interessar por aquele tipo de

formato também. Então, eu acho que é um pouco o lugar da formação de público

como eu entendo também.”

“Para encerrar, eu acho que o 7x7 está contribuindo para a construção de uma

espécie de literatura, porque a gente está falando de leitura, então são leituras de

artistas, que traduzem artisticamente trabalhos de outros artistas, isso, o produto, o

algo final, a gente tem, na maioria parte do 7x7, como texto. Não se resume, não se

limita a esse formato, mas eu acho que está produzindo um outro exercício de leitura,

que é este lugar da literatura. Leitura, leitura mesmo sabe, de você pegar um texto e

ler e não fazer traduções de espetáculos, claro, isso é inegável, mas também está

criando esse tipo de leitura reflexiva, de texto mesmo, de texto escrito também”. – E

que pode virar livro. “É... A gente está pleiteando essa proposta”.

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d. Marika Gidali, diretora do Ballet Stagium

- Entrevista realizada na sede do Ballet Stagium em 22 de julho de 2015.

História recente do Ballet Stagium:

“Os últimos 10 anos estão bem complicados! O que a gente tinha de patrocínio

de Petrobras e Camargo Correia e aí acaba perdendo os dois; estamos em uma luta

insana para manter uma companhia de pé, trabalhando, e mantendo seu ritmo de

produção, estreias e espetáculos. Nós estamos vivendo o nosso próprio trabalho. Tem

editais que a gente consegue e ajuda bastante, e temos parcerias com o SESI, com os

CEUs, e o SESC que ajuda muito que, aliás, é o grande salvador da pátria quando ele

resolve comprar as coisas. Estamos trabalhando pontualmente. E tem a Boticário que

está há 2 anos já nos apoiando. Então, estamos vivendo de oportunidades, mas não de

uma segurança que você possa ter uma folha de pagamento garantida no final do mês

para pagar tudo o que é necessário pagar. Então, é uma luta insana para dizer a

verdade”. O que você acha que mudou nestes últimos 10 anos? “Eu acho que

diversificou demais... Tem muita dança, muita, muita... E o dinheiro está sendo

espalhado e nem sempre muito bem aplicado. Eu acho que é muito importante apoiar

os grupos que iniciam; é importante apoiar novas pesquisas; tudo eu acho importante,

mas parece que está de uma forma que parece que aquilo que está feito, já está feito e

não precisa mais de apoio. E isso é uma forma errada de enxergar as coisas. E a

distribuição da verba também é muito discutível e precisava ser revisto. Veja bem...

Tem o Estado de São Paulo com a Companhia de Dança; tem a Prefeitura com a

Companhia de Dança; tem os pequenos grupos que seria o tal do Fomento; tem os

outros que entram em editais e vencem ou não vencem... Muita coisa. É muita coisa.

Tinha que peneirar um pouco essa conta aí. E também acho que deveria ter

prateleiras, cada macaco no seu galho, ganhando o seu dinheiro necessário e aplicado

onde realmente o dinheiro tem que ser aplicado. Logicamente, você deve aplicar um

dinheiro numa experiência, uma experiência é uma coisa, agora um trabalho que você

confirmou, mostrou e está com problema, aí é outra... A visão das coisas precisa ser

um pouco modificada”.

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Sobre o Fomento:

“Eu nem sei o que que é esse Fomento! A única coisa que eu sei é que tem uma

panelaça lá dentro ganhando há não sei quanto anos, com sempre os mesmos grupos,

alguns grupos a mais para despistar um pouco a situação, mas está super na cara que

aquilo não é nada democrático. A gente está fora da visão do Fomento... Não dá para

te explicar isso. E também nem está me interessando muito. Mas que é uma coisa

errada, é. Se existe um dinheiro para a dança, a gente está presente. Estamos

demonstrando que estamos aí trabalhando, pesquisando, a vida inteira, desde bem

antes do Fomento existir, a gente já pesquisava... E não taxamos a nossa dança como

algo... Temos nossa identidade, e isso tem um preço alto... Mas taxar... Aliás, qual é a

visão do fomento, meu Deus? Dança Contemporânea? Mas o que que é Dança

Contemporânea, gente? É desserviço cultural total. O que eles chamam de dança

contemporânea, para mim, é um desserviço cultural. Porque sim!”. No final ainda

complementa: “Está dividido de cima para baixo. É um absurdo. O Fomento eu até

hoje não entendi, mas é uma ‘patotagem’; o Estado resolveu fazer um Ballet de

excelência e dá acho que 3 milhões de grana por ano. E você não tem nenhum tostão.

Quando você ganha 100 mil, você fica oba... 100 mil reais... O que vai fazer com isso?

Conseguimos manter os salários, mas é sempre atrasado. E por isso é uma fórmula que

precisa ser repensada muito bem, porque não mantém”.

Estratégias de Comunicação com o Público:

“Esse é o nosso trabalho desde 1971. Desde 71, a gente tem essa luta pela

comunicação direta. Porque não adianta a gente ficar dançando aqui no palco e o

público lá, foi embora e até logo. Então, nós temos um trabalho bastante grande, em

várias áreas, em vários setores... A gente sai fora do teatro já desde o começo. Já nos

anos 70, a gente estava fora do teatro, fazendo teatro também. E hoje em dia, eu acho

que é super legal o que agente faz, porque estamos trabalhando dentro das Escolas. E

é onde você pode falar da formação de público, porque é uma juventude que nem

teria chance de ver isso aí, e é um blá blá blá meio furado, mas é verdadeiro. Você

chega em uma Escola e vê aquela criançadinha... E não é ir lá e só fazer o espetáculo.

Tem que ter um pouco mais que isso. A gente explica, a gente fala, conversa sobre

nosso trabalho. Então, tem toda uma conquista que também estamos fazendo em

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espetáculos normais, que não são dentro das Escolas... A gente não faz mais só o

espetáculo, a gente faz o espetáculo e tem o blá blá blá depois do espetáculo, antes

também... Então, a gente conquista, seduz... A gente vai nas Escolas e também traz a

Escolas para o teatro. A gente tem essa troca. Mas só isso é pouco. Tem que ser isso e

mais um pouco. Entrar um pouco mais na cabeça dessa criançada, conversar com os

professores também... Aí eu acho que vale a pena. E a vida inteira nós fizemos isso,

desde os anos 1990, nós estamos direto neste trabalho. E nós fazemos tudo sozinhos.

A única coisa é que a logística pode ser feita pelo FDE que é a Fundação do

Desenvolvimento da Educação ou pela Secretaria Municipal de Educação. A logística

eles ajudam, mas quem sustenta somos nós”. E sobre diminuição de público: “Eu acho

que não. Mas também não aumentou. Tem aí um fluxo que você nunca entende

quando vai e quando não vai. Mas não é ruim. E no nosso caso, temos o público

garantido por conta do Projeto Escola. A gente leva a criançada e, com isso, nunca

você dança com casa vazia. Porque aí é um pecado. No mínimo 100 a 150 crianças por

espetáculo. Dependendo do tamanho do teatro, às vezes 300, 400”.

Sobre mídias digitais:

“No Boticário é um pouco mais fácil porque eles têm uma verba para fazer

jornalismo. Mas mesmo assim, a gente faz Blogs, Facebook, etc. A gente pesquisa isso

aí. O Fábio (Villardi) não sai do computador... A gente está fazendo sim. E hoje em dia

acho que vale mais do que as chamadas em jornal”. Sente a diminuição de espaço na

mídia para a dança? “Para a dança não, para qualquer lugar, porque quem tem

dinheiro compra. Por exemplo, você entra no jornal, a gente tem entrado nos Guias

que é mais direto. Mas se você pega um jornal e você tem uma página inteira de

qualquer global que seja, e aí você está ali pequenininho do lado, é um desserviço até.

Fica até feio. Então, não vale nem a pena fazer. Nos Guias dá para fazer uma coisinha

melhor, então a gente fica nos dois Guias: da Folha e do Estado. Mas fora, é uma

concorrência absolutamente visual mesmo. E é uma mídia comprada que a gente

compra também com a verba da Boticário, mas não é a mesma verba daqueles que

tem páginas inteiras. Então, tem que pensar muito bem como gastar o dinheiro da

divulgação para que você não seja um ‘primo pobre’ daquela coisa toda, é muito

chato. Antigamente, nos anos 1980, por exemplo, se você dançasse assim no bairro, se

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você pusesse assim um pequeno quadrado, um 10 cm x 10 cm, no jornal, você estava

salvo. Você tinha público na certa. Então, era uma mídia que valia a pena. Hoje, não.

Não é por aí. Mudou. Então, tem que ser rádio, que é muito bom, tem que ser Face,

tem que ser Blog, tem que ser por outros caminhos”.

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e. Elisabete Finger, idealizadora do Projeto Artístico Discoreografia

- Entrevista realizada na Casa das Rosas em 4 de agosto de 2015.

Como surge o Projeto Discoreografia:

“O Discoreografia surgiu, primeiro, de uma paixão que eu sempre tive por essa

mídia, pelo rádio. E, a princípio, eu nem estava pensando em webrádio, foi no sentido

muito analógico de rádio mesmo, que você coloca em casa e você escuta enquanto

está fazendo outras coisas ou, então, na época eu tinha carro e passava muito tempo

no trânsito, escutando rádio, e sempre a mesma rádio, e eu percebi o quanto você

começa a reconhecer as vozes, e a reconhecer como se fosse um outro universo que te

acompanha, se você está conectado a uma rádio. E eu sempre achei uma mídia super

criativa, que é o que você pode ouvir, mas não pode ver. Então você completa de

alguma forma, você fabrica uma imagem. Então, eu acho que para um espectador, da

rádio, para um público de rádio, ele é um público ativo, neste sentido, te leva para

outras viagens, que talvez sejam mais livres do que um programa de... acho que tem

outras liberdades, pois um programa com imagens também tem muitas possibilidades

e também pode ser super criativo. Mas a rádio tem isso: essa ausência de imagem, te

convoca a participar, com a criação das suas próprias imagens. Então, isso é uma coisa

que sempre me fascinou”.

“O Discoreografia veio em um período que eu estava em Berlim e eu fazia parte

do Couve-flor, uma mini-comunidade artística mundial, e a gente estava trabalhando

muito à distância, e surgiu uma proposta do Neto Machado, que é um dos “ex-

couves”, e ele criou um circuito de entrevistas, ele estava super interessado nisso: nas

entrevistas e de fazer perguntas para outras pessoas responderem, o que eu também

acho super interessante. Me lembro de uma coisa do Viveiros de Castro que ele diz

‘em uma entrevista, o importante não é responder as perguntas, mas sim sair delas’. E

eu sempre guardei isso para mim, né, porque as perguntas são ótimas né e as

respostas não precisam ser necessariamente, assim, matching, mas tá... Então, a gente

estava nesta de entrevistas, perguntas, e daí o Neto sempre propunha que as pessoas

elaborassem o formato de suas entrevistas, então, isso aconteceu no Cafofo, em

Curitiba, no Couve-flor. Então, se eu te convido para fazer uma entrevista, eu vou

escolher, por exemplo, se eu vou te entrevistar no banheiro, na piscina, se eu quero

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gravar um CD, se eu quero passear de pedalinho, enfim, escolher o formato e o

ambiente para isso. E quando ele me fez essa proposta, ficou: eu quero fazer um

programa de rádio. Claro, quero fazer um programa de rádio daqueles tradicionais,

apresenta música, fala sobre a música, apresenta outra música, fala sobre a outra

música. Então, assim, conversa, escuta a música, volta para a conversa. E queria usar

esse formato para falar de arte e dessas artes do corpo, dança, teatro, enfim, que

envolva, qualquer forma de arte que envolva a expressão do corpo. Na época, era um

ciclo de entrevistas entre a gente, entre o Couve-Flor, então eu convidei a Cris Bouger,

que foi uma das integrantes do coletivo, e ela morava em Nova York, e ela é uma

pessoa muito caprichosa, tudo o que você pede para ela, ela vai fazer muito bem. Eu

falei: Cris, quero fazer um programa de rádio com você, falei a proposta é essa, eu

queria que você escolhesse uma playlist com músicas que você quer apresentar ou

qualquer material em áudio, porque ela escreve muita poesia, e eu sabia que ela tinha

criado algumas coisas, tem algumas composições sonoras assim, e eu falei que queria

que ela separasse esse material, e que a gente criasse uma forma de falar sobre o teu

trabalho, sobre criação, performance, dança, através desse material, apresentando

essas músicas. Aí, ela super pirou, foi lá, a gente conversou um pouco, criou um roteiro

mais ou menos juntas, e ela foi para o estúdio e gravou, e me trouxe o primeiro

programa assim, empacotadinho de presente. Aí eu levei isso para o Itaú e, há muito

tempo também, tenho que dizer isso, a gente tem parceiros maravilhosos no Itaú

Cultural e a Cris Espírito Santo, que é uma das gerentes de Artes Cênicas, não sei se

gerente ou coordenadora, a gente já tinha conversado, mas em conversa ‘de bar’

sobre fazer alguma coisa para rádio, vamos fazer, super legal, nunca fizemos... Aí,

quando apareceu esse programa, eu falei para ela que tinha uma ideia, eu fiz isso, com

a Cris Bouger, a outra Cris, fiz esse programa e eu acho que tem assim um puta

potencial; eu queria mudar um pouquinho, que essa primeira entrevista com a Cris

Bouger tinha sido muito pessoal, assim, em cima de uma trajetória dela muito pessoal,

chamava Behind the Bio, que ela tem um website, e no site dela tem um ícone que

chama Behind the Bio, eu curiosa fui lá e cliquei, e eram só capas de discos, aí eu falei

poxa! Legal! Você contar a sua biografia através dos discos. E tinha lá desde Menudos,

Balão Mágico, Patti Simith, coisas super contemporâneas, umas coisas de Nova York,

umas coisas do Brasil, dá para você traçar mais ou menos o perfil de uma pessoa por

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ali. E a ideia foi essa: como é que eu poderia traçar o perfil de um artista, ou de uma

obra, ou de um conjunto de obras, pelas músicas que ele escuta, mais do que as

músicas que ele usa nas peças, as músicas que ele escuta. Então, foi uma junção desta

ideia com essa paixão pela mídia de rádio. Eu apresentei tudo isso para a Cris e ela

topou fazer. Vamos refazer esse piloto, já que a proposta era um pouco diferente, não

estar tão em cima da biografia do artista e sim da obra, a ideia de criação, então a ideia

era discutir processos criativos em arte contemporânea, em artes do corpo, através

das músicas e através dessa mídia que é a rádio. Essa foi a célula inicial do

Discoreografia”.

Sobre falar em rádio sobre uma arte tão visual:

“Justamente. Esse era o ponto. Por isso que eu acho que a rádio é super

criativa, porque coloca a pessoa para pensar dança de uma outra forma, mais ativa

mesmo, para imaginar essa coreografia, esse trabalho do qual a gente está falando.

Então, eu também queria instigar esse público a, se eu conheço esse artista e eu estou

ouvindo isso que ele está falando sobre essa obra, eu quero ver, agora eu quero ver. Aí

vai lá, procura e vai ver o que ele está fazendo. Ou não, eu não quero ver, mas isso já

me supriu, poxa, acho que isso que ele falou tem tudo a ver. E o Discoreografia

também tinha essa ideia de atingir pessoas que talvez não conhecessem os artistas,

mas conhecem as músicas, então, tem uma outra porta de entrada. A priori, todo

mundo se interessa por música, por algum tipo de música, então, se eu tenho um

programa de rádio, eu falo, opa, um programa de rádio, vamos ver o que está tocando

aqui, Play, aí eu vou lá e só tem David Bowie, poxa, nunca ouvi falar do Neto Machado,

que fez o trabalho dele essencialmente baseado em David Bowie, tinha mais dois

outros, mas tinha muito Bowie... Ah! Nunca ouvi falar do Neto Machado, mas adoro

David Bowie, então vou ver o que que é esse cara, que gosta de alguma coisa que eu

gosto. Então, de criar também essas outras portas de entrada, outros pontos de

conexão para a arte contemporânea. E também tinha muito essa ideia de aproximar

um público que está ouvindo, e que não está vendo, de uma outra forma dessa obra. E

também que essas conversas, que o Discoreografia são essas entrevistas, isso é uma

vontade desde o início, que elas usassem a música para a entrada de um canal mais

afetivo, pessoal, mais descomplicado, do que esse discurso tão... Algumas vezes

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acadêmico, algumas vezes mais conceitual, algumas vezes mais intelectualizado, que a

gente está aprendendo a ter. Durante muito tempo, eu acho que as pessoas da dança

não falavam tanto, mas hoje a gente fala muito. E acaba-se criando uma linguagem

super complexa, super hermética... Você vai conversar com uma pessoa, sei lá, público

normal, e aí você fala desse jeito sobre uma peça, a pessoa sai correndo... Ela não vai

voltar para ver sabe... Outro dia eu vi um título de um livro na internet, que eu não me

lembro ao certo o nome, mas eu recortei e colei e mostrei para um amigo que trabalha

com comunicação e marketing e ele falou assim: interna! Tem assim, umas sete

palavras assim muito difíceis na mesma frase, sabe, e eu conheço a pessoa, o livro

deve ser ótimo, ela é uma puta professora, mas nossa, para quem olha, é assim

traumatizante. Então, eu queria chegar em uma conversa sobre dança que acessasse

em nós, em mim, no artista que está conversando comigo, um lugar que é mais pessoa

comum. Que é mais isso: ah! Eu escuto essa música para fazer faxina. Ela é ótima! E daí

eu tive essa ideia de criar isso na coreografia, nunca tinha pensado em fazer

coreografia com vassouras, mas de repente sabe... Dar esse salto, apresentar esses

saltos criativos que a gente tem em um processo criativo de uma outra forma, de uma

forma que as pessoas possam entender. Claro, essa é a primeira hipótese. Depois você

vai ver os programas e vai ver que cada artista acaba conduzindo de uma forma muito

pessoal”.

O papel de “jornalista” sendo artista:

“Eu, primeiro de tudo, eu olho para essas pessoas e elaboro as perguntas a

partir de um lugar do artista, de quem faz. E eu acho que isso muda muito o ponto de

partida das perguntas. E eu procuro olhar para as pessoas com essa minha experiência

até quando eu passo muito tempo sem trabalhar na prática, eu acho que eu preciso

voltar para a prática para eu poder continuar fazendo o Discoreografia. Mas eu acho

que tem um lugar assim de ‘perguntadora’, de curiosa, mas que é uma curiosidade que

vem porque eu pratico, que eu estou envolvida com a feitura, com os processos

criativos, então eu acho que é por aí. Eu não tenho uma preocupação de ‘verdade’ ou

de esgotar uma informação... Não. Eu acho que pelo contrário, é uma informação

muito parcial, sendo que a maioria, eu sempre faço essa provocação para os artistas:

se você fosse gravar disco, pensa o Discoreografia como se você fosse gravar um disco,

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então pode ser o The best of fulano de tal, ou O meu disco para crianças, pode ser O

meu disco de músicas instrumentais ou O disco da faxina, sabe aquela ideia de mixtape

que havia na década de 80, vou te gravar um disco com as minhas músicas favoritas...

Então, que eles agarrem essa oportunidade para eles falarem o que eles querem falar,

do modo como eles querem falar, então, que seja mesmo parcial, e que tenha uma

assinatura deles, que depois se funde com uma assinatura minha que estou propondo

esse programa, já que a gente elabora o roteiro juntos. Então, um exemplo, do Jorge

Alencar, é um exemplo de quem se apropriou do formato total, porque ele ama

musicais, então é desses que vai ver tudo até Mudança de Hábito, até esses mais

famosos aí da Broadway adaptados, e que faz uma arte contemporânea super

experimental. Então, como é que ele fala disso... Aí ele fez um produto, o

Discoreografia dele é todo cantado, ele canta do começo ao fim, ele me fez cantar...

Então tem um diálogo que ele fez esse diálogo cantado.... Então, assim, é até uma

informação, até o modo como a informação é passada ele é muito específico, já é um

modo criativo, apropriado pelo artista e por mim. Então, eu acho que não tem essa

preocupação jornalística de ser neutra, eu posso estar falando uma besteira, porque

eu acho que o jornalismo também já cresceu nesta discussão, né? Mas não tem essa

preocupação assim tão informativa. Tem também. Eu quero muito que o público fique

sabendo de coisas sobre esse artista, mas eu quero muito que esse artista se

apresente de uma forma específica, que esse como também apareça. (...) Eu acho que

eu sei perguntar, porque eu estou nesse bolo, que eu estou envolvida com isso, eu

acho que eu sou curiosa com coisas que talvez uma pessoa que estivesse fora, talvez

nem visse que estivesse ali, por falta de familiaridade. Então, eu acho que eu consigo

fazer perguntas diferentes por estar envolvida com isso. Mas acho ainda que a

principal diferença está na forma como as perguntas são feitas e a forma como as

respostas são dadas, a forma como o artista se apropria da coisa toda, é também

criativa, ela não é só explicativa ou informativa. É também explicativa e informativa,

mas também criativa”.

Sobre o público do Discoreografia:

“Eu tenho procurado estudar isso. Na ideia original do Discoreografia, o que eu

propus era que ele fosse lançado em uma rádio aberta e que depois a gente deixasse

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isso disponível no site. A gente esbarrou em várias questões: uma é que na rádio

aberta os horários são pagos, na verdade, então esse programa eles iriam comprar,

mas quem que iria querer anunciar em um programa de meia hora a 50 minutos

falando sobre arte contemporânea. Talvez, uma rádio universitária. Enfim, a gente

nunca conseguiu chegar lá. E depois o universo da webrádio foi se abrindo. E o que eu

acho mais precioso da Web, da internet, é que você só risca o fósforo e deixa a coisa

queimar. Eu fico ali alimentando, olha isso, olha aquilo... Fico um mês no

Discoreografia... Neste mês, estou repetindo Rodovalho e Quasar. Então, vou ficar ali

dando informações sobre a Quasar, sobre as músicas que a gente falou, tentando

replicar isso. Mas depois que você botou o link você não tem mais controle, tipo eu

passo para você que passa para ele, que passa para ele... Quantas pessoas já

assistiram? A gente pode medir isso pelo número de plays que você tem no... E agora,

já faz tempo que estou pedindo para eles me darem esses resultados, estão até o topo

de trabalho, e ainda não conseguiram medir... A primeira vez que a gente mediu foi

um choque: bem poucos. Depois, a coisa foi crescendo, e cresceu muito assim, e o que

é mais legal é que a cada programa novo, aumenta a audiência dos anteriores, e isso

também é ótimo na web né, os programas estão disponíveis no arquivo. Então você

não tem a dor e delícia da performance que acontece e acaba, ou a coisa da rádio que

eu escuto... Imagina, eu acho que seria super legal, estou lá dirigindo e de repente

estou escutando, sei lá, Marcelo Evelin, falando sobre dança contemporânea. Nossa!

Nunca ouvi falar... Acho que é super especial. Mas se eu quiser ouvir de novo e isso for

só em uma rádio analógica, não pode, acabou. Mas na web está lá disponível, e isso é

muito legal”. Pouco quanto e muito quanto? “Pouco era, por exemplo, no começo a

gente tinha assim 45 plays para um programa, é muito pouco. Hoje a gente tem...

Então, hoje, eu não tenho esses números, mas hoje, sei lá, na casa de uns 500, 700,

para alguns programas e o Passinho está com 10.000. Então, assim, de 45 para 10 mil

cresceu muito nosso público e, claro, teve esse salto da rádio para a imagem, já que o

Passinho é audiovisual. É nossa primeira tentativa e acho que vão rolar outras, assim,

mas... E o público né... O público qualitativo. O que eu acho, essencialmente, é que o

público dos programas de webrádio no site do Itaú Cultural é um público

essencialmente de artistas ou de interessados por arte, mas por vários motivos: um é

que o player está dentro do site do Itaú, se você der uma busca, uma busca Google

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assim, você vai cair dentro do site do Itaú, mas é um site difícil de lidar, é um site de

arte, de uma Instituição de arte, então assim, você vai afunilando quem é que vai

chegar no Discoreografia. Então, alguém que está navegando na internet, para ele

chegar no Discoreografia, só se ele esbarrar no Itaú Cultural, no Idança ou em algum

site de algum artista ou no Facebook de alguém que está falando sobre isso. Então eu

acho que ainda é esse público que são artistas ou pessoas ligadas aos artistas. Agora, a

gente também teve um braço do Discoreografia, que é esse que está crescendo,

recebendo vários convites para isso, que é o Discoreografia nos Festivais de Dança. E é

um pouco isso de encontrar uma outra forma de encontrar o público, do artista

encontrar o público no Festival. Daí o público muda um pouquinho, mas não muito,

porque aí eu acho que além dos artistas e das pessoas no entorno da arte, que é o

público do site, você ganha também o público de Festival. Vocês interessados ou

desavisados, que está passando por ali, e vão acabar no Discoreografia. Mas está

muito perto dessas pessoas que já estão envolvidas com arte. Agora, isso muda um

pouco quando a gente coloca o Passinho, isso que também é uma aposta. Primeiro, o

que eu acho maravilhoso do Passinho, é dizer: gente, as pessoas estão fazendo dança!

E eles são muito bons nisso! Eles estão pensando coreografia com os instrumentos

deles, com as propostas que eles fizeram, com o jeito de falar deles, com a estética

deles, estão super ligados ao Showbiss sim, super ligados à Globo e à Coca-cola e tudo

isso. Mas eles estão fazendo dança e eles têm um pensamento sobre isso. E daí a ideia

é puxar isso prá cá e falar: vamos conversar... E outra é puxar o público deles para cá e

falar: gente, se vocês gostam disso, talvez, vocês gostem disso também... Então, na

época do Passinho, que a gente lançou o programa e ficou o mês passado todo, o

público do Facebook do Discoreografia cresceu em quase 1.000 pessoas. E isso para a

gente é incrível. Você vai ver nesses sites de arte ou mesmo no canal do Itaú Cultural

do YouTube, você vai ver o número de views dos vídeos, é assim... 500... 600... E

quando você tem o Passinho, que é um vídeo de dança, faz 10.000, você fala poxa, as

pessoas gostam de dança! O que que a gente está fazendo então? Tem alguma coisa

quebrada...” Mas qual dança? “É... Qual dança e como a gente está apresentando essa

dança para as pessoas? Então, para mim, está sendo um grande estudo de público o

Discoreografia. E eu gostaria muito que ele atingisse mais pessoas para além desse

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conjunto de artistas e pessoas interessadas em arte, que ele fosse mais para fora

disso”.

Sobre a quantidade de pessoas que trabalham no Projeto:

“Eu trabalho sozinha na concepção, e tenho o meu marido que é o Murilo que

trabalha com Comunicação e ele é um super parceiro para conversar sobre essas

coisas, e ele me chama muito a atenção para isso, porque ele vem de um outro lugar

de criação e ele está fazendo mercado assim, marketing, daí, ele dá uns feedbacks

assim que para mim parecem super tolos, mas no fim fazem muita diferença. Por

exemplo, Rodrigo Pederneiras, eu vou lá e falo: Não perca! Discoreografia com Rodrigo

Pederneiras, e já acho que vai bombar né... Aí ele vem e fala: Quem é Rodrigo

Pederneiras? Não. Se você não colocar: coreógrafo do Grupo Corpo, a pessoa vai

passar assim e vai falar.. Então... tipo essas coisas, de como comunicar esse programa

também, ou, ainda exemplo do Rodrigo Pederneiras, começa com Rocks off, do Dale,

então começa lá com o ‘rockão’, do Rolling Stones, aí eu deixo tocar a música toda, eu

amo deixar a música toda tocar, mas o programa começa com a música inteira

tocando, aí o Murilo falou assim: eu dou um play e está tocando a música inteira, eu

falo: Cadê o Rodrigo Pederneiras? Entendeu? O tempo está rolando, tocou uma música

inteira, se fosse para escutar Rocks Off só, eu vou lá no YouTube e coloco e vou escutar

ela inteira. Então, tipo isso: não deixa o espectador sozinho. Você quer tocar a música

inteira, ok, mas toca um pedaço e fala: oh... A gente está aqui... Eu e o Rodrigo

Pederneiras vamos conversar daqui a pouco, e deixa mais um pedaço da música”.

Muito jornalística essa estratégia. “É, então, é de uma pessoa de comunicação. Então,

eu estou aprendendo muito com essas conversas e eu tenho vários amigos jornalistas

também, depois que eu vim para São Paulo, os jornalistas estão assim, em todo o

lugar. E a gente tem conversado sobre isso e eu acho que a gente tem muito a

aprender na dança mesmo em como comunicar o que a gente está fazendo, ou tipo,

essas coisa até, se eu estou fazendo Facebook que hoje é uma mídia de comunicação,

de trabalho, de coreografia, de uma peça mesmo de dança, ou do Discoreografia,

então, é assim, como é que se escrevem textos para o Facebook? Se você escrever

meia página, ninguém lê. Se tem lá, veja mais informações para clicar, ninguém clica.

Então, assim, fale em três linhas. Então, é aprender a usar essas ferramentas e, ao

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mesmo tempo, resistir a elas... Uma coisa que eu resisti muito foi na duração do

Discoreografia, porque a princípio as pessoas falavam que tinha que ter menos tempo,

tem que ter 20 minutos, e para mim assim, gente, se for em 20 minutos, não é uma

playlist, duas ou três músicas não é uma lista, não cria um universo, e você não

consegue desenvolver um assunto, desenvolver mesmo um recorte, um pensamento

de um artista, através da música, falando sobre mais de uma obra... Eu queria usar

essa exemplificação para você, sabe, escutar uma, depois você escuta a segunda, você

pode reler a anterior, e quando você escuta a terceira você fala opa, mas a mesma

pessoa que colocou Rocks Off lá no início escuta Skank? Então, isso já gera uma

contradição que faz parte do pensamento daquele artista. Então, você precisa de

tempo para isso, e para mim vai muito contra as lógicas do... Isso eu escuto muito do

Murilo porque ele fala que ninguém curte o seu programa, só os artistas, porque

ninguém se dá esse tempo, em São Paulo, ou em uma vida louca que a gente leva,

ninguém vai tirar 50 minutos para escutar a dança contemporânea. Aí eu já fiz uma

campanha que era assim: Discoreografia, não pare para ouvir! Vai limpando a casa e

vai escutando as pessoas falarem... E eu acho super possível, a rádio tem isso”. Mas

quantas pessoas mesmo então, só você e seu marido? “Essencialmente eu, e ele me dá

esses feedbacks e algumas pessoas em volta com quem eu tenho conversado. Eu que

edito com um técnico. E a gente sempre troca muito com a Cris e a Bebel, a Sônia,

muito pouco, que são do Itaú. Mas cada artista, os artistas recebem para fazer esse

Programa, eles recebem um cachê, então, é um trabalho mesmo, um trabalho

conjunto, boto eles para trabalhar. Então, vamos fazer? Vamos fazer, mas isso quer

dizer que você tem que separar um tempo para isso, que a gente vai sentar,

geralmente, eu faço em dois dias o Discoreografia, um encontro de pelo menos duas

horas, sem gravar, porque a gente adora falar sobre isso, mas que é para a gente

elaborar um roteiro, então, as pessoas trazem o material, eu olho junto com elas o que

elas têm, a gente pensa em uma dramaturgia para isso... O Jorge Alencar disse que eu

‘coreografo a conversa’, mas a gente pensa realmente em uma dramaturgia para isso,

então, eu sugiro, a pessoa sugere, daí a gente pensa em um título, que eu acho

maravilhoso a gente pensar em um titulo, porque é uma obra, a gente está criando... É

uma coisa criativa. A gente pensa em uma foto de capa, pensando em um álbum,

como se tivesse gravando um disco mesmo, você pensa em uma foto de capa, a ordem

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em que as músicas aparecem, o quanto de conversa tem entre uma música e outra, e

tem sempre uma dedicatória, que eu gosto muito de propor isso, porque isso sempre

puxa sempre um lado muito emotivo nas pessoas, que eu também acho que leva para

longe, um pouco, desse discurso. Ah... Cheio de verbetes, que a gente usa na dança

contemporânea, então, leva para esse lugar de ah, eu quero agradecer, quero

oferecer, quero pensar isso no futuro, ou isso é para esse trabalho que está

nascendo...”.

Sobre a possibilidade do ao vivo (Streaming), já que se trata de um programa

de rádio:

“Porque a gente grava e depois edita. Já pensei, mas vou te dizer, que a gente

não tem tecnologia para isso nos Festivais. Ter até tem, no mundo tem, mas isso custa

para eles uma logística, tipo agora na Bienal, a gente falou para fazer Streaming, eles

acharam maravilhoso e toparam fazer, mas daí, isso implica em ter alguém aqui

trabalhando no domingo, trabalhando na Bienal, dando conta dessa comunicação, e aí

eles disseram lá... Deixa... Deixa... Vamos editar... A gente limpa... Mas eu acho

maravilhoso, embora tenha esses ‘poréns’. E assim, a gente está esbarrando em vários

‘poréns’ de tecnologia. Por exemplo, você não pode escutar o Discoreografia no carro.

Por quê? Você não pode fazer download do programa, porque mesmo que você esteja

conectado com internet foda, só se você ligar o seu computador, porque ele não entra

no celular, nem no Ipad, só no computador, por causa dos players do Itaú Cultural.

Então, isso também é um problema de interface deles, e eles estão sempre querendo

resolver, querendo que o site toque em outros dispositivos, mas por enquanto não

toca. Então, tem essa limitação que é uma grande limitação. Você não pode sair para

correr com sua internet boa, escutando o Discoreografia, o que seria uma ótima ideia.

Mas isso não é possível ainda”.

Sobre debater processos artísticos:

“Eu pergunto também que música que as pessoas escutam em casa, que

música que não gera dança, que música que gera dança, o que que vem antes da

dança... Assim, porque essa informação música, na verdade qualquer informação, ela

atravessa o processo criativo de um jeito que nem sempre é linear, nem sempre é uma

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flecha que vai para um lugar e o resultado é um espetáculo. Às vezes, ela esbarra aqui,

estilhaça ali, chuta para lá e quando você vai ver, ela está lá no final, de algum jeito ela

está presente, ou ela está presente só no pensamento desse artista, mas ela informou

um momento desse trabalho. Então sim, o Discoreografia também tem esse lugar do

fazer artístico e, por isso, sempre que eu convido alguém, a minha principal linha de

‘curadoria’, são pessoas que estão fazendo. Pessoas que estão neste labor do fazer.

Vira e mexe eu penso em chamar algum curador... Mas eu falo não... Eu quero falar

com quem está na lida, com o artista que está fazendo. E tem muito artista que virou

curador, tem artista que está fazendo sua pesquisa, ou tem gente que migrou para a

educação, mas tem um trabalho super criativo, mas eu acho tão importante a pessoa

estar nesta prática, de elaborar a obra, confrontar com o público, girar, fazer turnê,

voltar, fazer outras... Esse fazer e esse confronto com o público eu acho que é uma

coisa super específica assim e eu acho mesmo que as pessoas merecem saber mais

sobre isso. E que seria muito bom para fazer crescer esse púbico, que elas saibam mais

sobre o fazer artístico”. E você acha, então, que seria uma das possibilidades de

ampliar o público para a dança? “Isso é uma preocupação minha imensa, eu acho que

se a gente não se preocupar com o nosso público, a gente vai morrer! Em pouco

tempo. Porque essas grandes mídias estão assim, exatamente o teu exemplo, os

musicais estão cheios, quer dizer, tem gente querendo assistir dança, você pergunta

para as pessoas se elas gostam, se elas se interessam... Sim... Gostam e se

interessam... Mas por que elas não chegam na dança contemporânea? Eu acho que

tem alguma comunicação acontecendo atravessada aí, que não está chegando... E eu

acho que a gente é muito responsável por este lugar, desde o release do espetáculo

que eu escrevo, até a foto dele que eu apresento, até o post que eu faço no Facebook,

sabe? Então, esse cuidado de como eu comunico o meu trabalho, até isso, pensar

projetos em que eu posso falar sobre comunicação e dança, como é o Discoreografia,

eu acho que é o meu papel como artista”. Que é o papel da mediação que estamos

tratando na dissertação. “Eu acho que a arte contemporânea e a dança

contemporânea pode ser super experimental, ter um pensamento super estilhaçado,

fragmentado, levar isso para a cena, quebrar tudo, desconstruir, e ual... Mas o que

acontece? Se você pega uma pessoa que nunca viu arte, e a primeira coisa dela é

justamente essa, ela pode... Essa pessoa que vem educada, justamente, pela novela

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das 8, pelo estádio de futebol, pelas grandes mídias, esse ritmo de informações ao qual

ela está submetida desde a infância, se essa pessoa chega e vai ver essa arte, ela pode

ficar traumatizada e, não só não gosto dessa peça, como nunca mais quero ver dança

na vida. Então, eu acho que a dança contemporânea e a arte contemporânea precisam

de um certo contexto para ela existir. Para a gente não gerar esse tipo de trauma. E aí,

essas iniciativas como o Discoreografia, como o 7x7, como outros lugares é isso, é

abraçar um contexto em volta da obra, existe um entorno dessa obra, existe esse

coreógrafo, essa companhia, as obras anteriores, o pensamento desse artista e

companhia, sabe, tudo o que transborda disso... É tirar o pano de cima, trazer à tona

isso para uma plateia, para um público, eu acho que também vai contribuir muito para

que esse tipo de experiência traumática não aconteça. E eu acho muito que está nas

nossas mãos mesmo, para a gente não ficar tão a mercê de Festivais que façam isso,

de programadores, ou de uma Instituição, que tem dinheiro e vai chamar alguém para

escrever sobre a coisa e que daí sim vai fazer a coisa girar.... Eu acho que a gente pode

fazer, pode fazer mais. E a gente sabe muito bem como falar do nosso trabalho... Acho

que a gente tem muito a aprender, mas tem coisas do nosso processo de criação que

só a gente sabe, que nem um jornalista vai poder lhe perguntar, porque ele não sabe

que existe. Você tem que falar. Agora, é esse como... Como falar? Como falar para as

pessoas que eu acho que é um trabalho que a gente precisa dar um pouco mais de

atenção. Falo por mim mesmo”.

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f. Antônio Nóbrega, músico e diretor da Cia Antônio Nóbrega de Dança

- Entrevista realizada no Instituto Brincante em 11 de agosto de 2015.

Breve Histórico da Cia Antônio Nóbrega de Dança:

“Eu vim para São Paulo já há bastante tempo. Cheguei aqui em 1983. E nesta

ocasião eu ainda não tinha configurado tão bem como um trabalho de dança. Ele

começou a se configurar como um trabalho de dança a partir de 1989, acho, quando

apresentei um espetáculo chamado O Reino do Meio-dia no 1º Carlton Dance Festival.

A dança já estava imbuída nos meus trabalhos, sobretudo, teatrais, mas ela não

protagonizava os espetáculos. Antes, já em 1985, eu fui convidado para ser um dos

professores que deram nascimento ao curso de dança da Unicamp, no Instituto de

Artes Corporais. Um curso cuja a ideia foi da Marília Oswald de Andrade, e que teve a

mim, a Helena Katz, o J.C.Viola, o Klauss Vianna, e outros professores como aqueles

que primeiro deram aula lá e lançaram portanto o curso de dança. Bem, eu passei

cinco anos lá e depois eu resolvi deixar a Universidade por duas razões: primeiro,

porque eu tinha interesse em desenvolver o meu trabalho artístico e a cotidianidade

universitária barrava um pouco esse meu interesse; e também porque eu achava que

eu tinha ido a um determinado lugar e que me encontrava em um determinado

impasse em relação a um pensamento, em relação a dança que eu fazia. Eu fui

convidado a participar do Instituto como professor de dança brasileira, uma entidade

que a rigor não existe, stricto sensu, mas eu vinha já com uma bagagem já do

nordeste, principalmente, com um trabalho nesta direção, mas a certa altura eu senti

que já tinha esgotado, dentro do âmbito universitário, as minhas possibilidades de

avançar. E aí continuei então a exercitar o meu trabalho na dança, inclusive, nos meus

espetáculos multidisciplinares, sempre trabalhei com a música, incluindo a música e o

teatro, eu trabalhei o teatro, incluindo a dança e a música. Até que até uns 10 anos

atrás eu resolvi então criar espetáculos unicamente dedicados à dança. Então, veio

uma leva de quatro espetáculos, Passo, Naturalmente, Húmus e o último, que eu

estreei há poucos meses, chamado de Pai. A Companhia nasce entre o segundo e o

terceiro desses espetáculos, Naturalmente e Húmus, eu digo nasce oficialmente,

quando eu batizo meu trabalho e o trabalho de cada um na companhia com meu

nome: Antônio Nóbrega Cia de Dança. Concomitantemente com os trabalhos que eu

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venho desenvolvendo, eu venho associando-os à minha pesquisa, à minha música,

caudatária de duas grandes influências culturais: um lado a linha cultural do ocidente,

que traz no seu bojo desde a formação em dança clássica, passa por moderno e

contemporâneo, etc.; e por outro lado, o universo matricial popular brasileiro no seu

todo. Então, o meu trabalho corresponde, sucintamente falando, a uma dança que

reflita esses dois mundos. Os meus trabalhos são sempre subsidiados por editais, ou

editais ligados às leis de incentivo como a Rouanet, ou Leis Municipais. Eu ganhei uma

única vez um único Fomento. Não me recordo... Já faz tempo. Ganhei um Petrobras

uma vez, foi a partir deste momento que nasce a Companhia, propriamente, oficializa

a companhia. Ganhei ultimamente o Boticário, com uma dotação orçamentária bem

enxuta. E talvez aqui ou acolá alguma ajuda pequena”. E são esses editais que fazem

com que a Companhia exista? “Exatamente. São esses editais que fazem com que a

Companhia exista e inexista. Tem aquela curva sinuosa de trabalhos e de, às vezes,

poucos trabalhos. Então, esse é o fundo com o qual eu venho trabalhando... Como eu

não sou uma pessoa tempo integral da dança, isso, para mim, até faz parte do meu

jogo, porque eu, concomitantemente que tenho um espetáculo de dança, eu tenho 3

ou 4 outros que navegam por diferentes áreas, aulas-espetáculos, palestrante,

espetáculo de música, principalmente. Então, isso me dá uma situação de uma pessoa

da dança muito atípica. Eu não vivo exclusivamente da dança, ela é um segmento do

meu trabalho”.

Nestes 10 anos, o que mudou com relação aos incentivos para a Dança?

“Eu acho que eles aumentaram. Os editais vêm se acumulando, por exemplo,

nós temos o edital Boticário que é inteiramente dedicado à dança. O da Petrobras,

acho que foi a única entidade que subsidiou alguns grupos de dança, é o caso do

Corpo, Deborah Colker, etc. Quando eu ganhei o Petrobras, e eu ganhei para um

período de dois anos, acho que o único modelo de subsídio era esse, eu tentei, eu

solicitei ser um subsidiado de médio e longo prazo, mas eles já tinham cortado essa

possibilidade. E eu sei que as dotações dedicadas àqueles que já estavam também

diminuíram. Então, a Petrobras que foi a minha incentivadora máster, me parece agora

que também... está vivendo momentos difíceis, em crise, e há dois anos não lançam

edital. Então, a crise realmente está imperando. Além dos editais da Petrobras e dos

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editais do Boticário, algumas entidades estatais, como o Banco do Brasil e como outras

tem se dedicado, tem se colocado aí no caleidoscópio das suas linguagens

patrocináveis a dança. Então, sem dúvida, eu acho que, se você voltar um pouco para

trás, 10 ou 15 anos atrás, não existia. O próprio Fomento aqui nas Leis Municipais. Se

eles estão em sua melhor maneira de se potencializar, talvez não, alguns estão, não

sei, aí é um outro tipo de abordagem... Poderia ser melhor? Provavelmente. Mas há,

sem dúvida, um ganho. E há sem dúvida também, hoje a massa de pessoas que se

dedicam à dança, grupos, exponencialmente, se multiplicou. Muitos dançarinos hoje,

que faziam parte de companhias, hoje, formaram suas próprias companhias. E muitos,

até uma coisa da época, as necessidades pessoais terminam se sobrepondo às

necessidades coletivas e, com isso, há então uma proliferação muito grande de

grupos”.

Mais especificamente no Fomento, como você vê e o quanto ele é importante

para as Companhias em São Paulo?

“Pessoalmente, até pelas razões que lhe falei, eu tenho conseguido

desenvolver o meu trabalho, independente do Fomento. Eu, até na ocasião em que lhe

falo, eu submeti novamente ao Fomento. A última vez que submeti foi aquela (refere-

se a uma das edições do ano de 2013, quando um grupo de artistas, entre eles eu,

Antônio Nóbrega, Ana Catarina Vieira, Diogo Granato, entre outros, iniciaram uma

discussão a respeito da legitimidade e dos critérios de avaliação da banca do Fomento),

na ocasião não fui contemplado, então... Tive algumas... Me posicionei. Estávamos

juntos lá nesta ocasião. E... Algumas razões me foram dadas, bem... Eu resolvi colocar

dentro de uma determinada prateleira, a discussão em relação ao Fomento. E, estou

submetendo essa vez (refere-se à 19ª edição do Fomento à Dança que teve as

inscrições encerradas no último dia 3 de agosto de 2015) para, a partir desta outra vez,

eu arrazoar melhor. Acho que eu teria aí condições melhor de refletir, ganhando ou

não ganhando, sendo ou não contemplado. Eu não tenho, assim, apesar de tudo,

condições de avaliar integralmente o próprio Fomento, em tese, eu acho que ele

trouxe benefícios para a população de dança em São Paulo, sabe, porque há verba

destinada às pessoas que exercitam a dança. Provavelmente, pode ser que haja

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lugares para serem mexidos, para serem repensados, mas eu... por ora, gostaria de

ficar fora desta discussão”.

Como vive a Companhia hoje?

“Ela está hoje ativa com um misto de uma pequena contribuição do Boticário

que eu, embora tenha ganhado, embora eu tenha sido um dos contemplados, a

dotação que me foi destinada foi de 1/5, ou menos de 1/5 do que eu propus. Então, eu

tive que fazer uma completa mudança. E calha de eu ter sido convidado para o Festival

Boticário, sem contrapartida financeira, então eu tive que remexer profundamente,

para poder estrear o espetáculo em 3 meses, você deve imaginar o que é isso, então

dentro de condições muito austeras de figurino, tudo isso, porque não tinha verba,

que me seria destinada e me daria cancha para trabalhar durante um ano e só a partir

deste momento estrear um espetáculo. Então, eu estou com essa dotação, recebi um

pequeno aporte financeiro agora do Instituto Itaú Cultural. Eu submeti lá, eles têm

uma banca, então, isso vai dar uma sobrevida, bem modesta, até eu acho que até o fim

do ano. Como nós somos um grupo bastante integrado, temos aí uma busca e pesquisa

e momento de encontro da gente ir afinando o nosso fazer, então... E todos os demais

bailarinos têm trabalhos paralelos ao meu, então, eu estou conseguindo manter essa

companhia com um número de dois ensaios semanais. Eu tive um ganho com esse

último espetáculo, apressadamente, é que eu tive sorte do espetáculo ganhar um

respeito meu, coisa que quando ele foi lançado no Boticário, eu tinha uma certa

dúvida, mas que em certo momento se esvaneceu agora depois dessas outras

apresentações que tivemos. Eu acho que conquistamos direito a andar com esse

espetáculo. Isso é bom porque agora eu tenho o espetáculo pronto. Tenho que polir,

tenho que avançar com o espetáculo, mas dá para ele sabe, esse produto, como se usa

na mídia, para podermos avançar em outras secções, mesmo com a dinâmica de

apenas dois encontros semanais. Sim. Ganhei agora também o edital Klauss Vianna,

mas é um trabalho que vai contemplar um trabalho de ordem teórica, é um livro que

eu escrevi, justamente com este tema, de caráter pedagógico, de história também, e

que, indiretamente, ajuda a Companhia.

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Qual a sua percepção do público nos últimos 10 anos? E qual a relação da

Companhia com o público?

“O meu público nunca foi um público específico da dança. Tanto é que eu

tenho uma vantagem no meu espetáculo de dança, porque eu tenho um público não

só da dança, então... É verdade, se eu faço um espetáculo na Vila Mariana ou algo

assim, 10 dias antes está lotado, está esgotado, com um espetáculo de música. Com a

dança já é um pouco diferente. Mas lota. Lotou no SESC Pinheiros. O que normalmente

não é comum a não ser naquelas companhias que já vem... Tem sido muito

trabalhadas pela mídia, é o caso do Corpo, Deborah Colker, que tem uma presença

midiática maior do que a minha, por exemplo. Então, clareando mais o que eu estou

dizendo, o meu público é um público não só da dança. Agora, é o seguinte, eu sinto

que a dança, dentre aquelas linguagens artísticas que frequentam a cidade de São

Paulo, como em Recife também e outras capitais, é um público proporcionalmente

menor do que nas outras linguagens. E eu acho que se pode fazer uma discussão.

Historicamente, a gente sabe que a dança, ela provavelmente não tenha se afirmado

com a mesma força ou mesma intensidade que a música, mesma intensidade que o

teatro. E, no Brasil, sempre reflexo disso, isso também ocorreu. E eu acho que ocorre

uma outra questão que eu acho que é a seguinte, na minha maneira de ver, a dança,

principalmente a dança pós-moderna, ou a dança que vem depois do moderno, ela

vem se tornando excessivamente cerebral, para usar de um conceito mais simplista.

Ela vem perdendo um certo caráter de ludicidade, de lúdico, de atacabilidade

emocional e sensorial que faz com que a dança se legitime. Um espetáculo de dança

que eu vou para ler intelectualmente, eu acho que ele me furta alguma coisa específica

da linguagem da dança, isso porque essa realidade de entender intelectualmente um

produto, um artefato artístico, posso conseguir a partir de um livro, posso conseguir a

partir de uma outra instância, de um outro tipo de concentração. Eu tenho para mim

que a dança tem que envolver quem assiste não só intelectualmente e, com isso, não

quer dizer que a dança não tenha também um conteúdo intelectual, uma reflexão, um

tema, mas eu acho que, na melhor das hipóteses, ele tem que trabalhar em bitolas

semelhantes. Ele não pode ser um protagonista tão a frente das demais qualidades.

Então, provavelmente, eu acho que a concepção de dança, a formação do bailarino,

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em geral, não falaria em São Paulo, eu acho que estamos devendo um pouco à dança,

esse caráter mais de... Utilizei essas palavras, sensorial, emocional, etc.”.

Qual o papel da mídia em seu trabalho e para a dança em geral? Quais são os

outros caminhos hoje?

“Eu acho que, justamente, a gente tem hoje a possibilidade de não depender

unicamente da mídia impressa. Houve um tempo em que era absolutamente vital você

ter um crítico, por exemplo, de um dos grandes jornais, ter uma reportagem... Eu, 15

anos atrás, não lançava um espetáculo sem um dia antes dedicar para a Band, para a

Globo, para que todas as televisões fossem lá e para sair nos noticiários. Hoje, eu nem

me preocupo, aliás, prefiro até que não vão, porque muitas vezes atrapalha o ensaio...

Então, com a experiência, a gente já manda um teaser, um filme ou um vídeo que a

gente manda para lá, da uma entrevista e tal... Então, as coisas neste sentido se

tornaram mais ágeis e, então, tem todas essas possibilidades que a gente tem... A

gente tem uma Companhia de seis pessoas, então, eu tenho seis replicadores. Eu

tenho um Blog em que eu possa escrever, então, há muitos expedientes. É claro que a

mídia impressa ainda é um expediente poderoso, a Folha de S. Paulo, a Globo, a Veja, a

Carta Capital, estão ainda no topo da comunicação. Mas você pode também

tranquilamente já dispensá-los completamente e não se preocupar tanto em estar

presente neles”. Sente que diminuiu os espaços para a dança? “Talvez tenha diminuído

um pouco. A gente não tem mais em alguns jornais o crítico fixo, eu acho que a única

crítica mesmo que mantém um trabalho cotidiano regular é a Helena Katz, no Estado

de S. Paulo. Raramente eu vejo, ou muito pouco, eu vejo uma crítica da Folha de S.

Paulo, não acompanho bem os outros jornais, por exemplo, do Rio, em Recife também

já não tem mais. Então, diminuiu sem dúvida, como de resto diminuiu. Hoje os

cadernos de cultura são praticamente cadernos de variedades, eles não são mais, não

são lugares para se discutir ideias, prioritariamente, mas há uma certa perfumaria da

arte e do entretenimento, que se sobrepõe à discussão, à crítica mais gorda...”

Sobre as iniciativas de comunicação que a Companhia tem e se há estratégias

de “formação de público”:

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“Eu tenho uma assessoria de imprensa, uma assessoria de comunicação

regular. Então ela acompanha o que eu faço, uma palestra aqui, um show... Então, tem

sempre a divulgação contínua, modesta, não é nada... Mas ela é constante. /

Diretamente, não. A gente não faz não. Mas nós temos aqui o Instituto que faz um

pouco, às vezes, disso. Pessoas que estudam aqui, além de saberem, elas também são

replicadores disso. E são pessoas de áreas diferentes de São Paulo, muitas delas

inclusive da periferia, de regiões mais afastadas, então, talvez a gente tenha um pouco

isso, mas de modo não oficial”.

Como funciona o Instituto Brincante?

“O Instituto é uma ONG, o Teatro Escola Brincante é uma ONG que presta

muitos serviços gratuitos, na medida em que a gente tem os aportes dos editais,

PROAC, etc. Eles estão rareando, escasseando, então, com isso, a gente priva muito as

pessoas de acompanhar... Esse curso que está aqui, por exemplo, tenho para mim que

é um curso gratuito e que são realizados somente às terças-feiras, que foi um PROAC

que a Instituição ganhou e se extingue praticamente no fim do ano. Mas temos muitos,

temos outros cursos que são pagos privadamente, arte do Brincante para educadores,

os preços procuram se adequar a uma realidade média de possibilidade das pessoas...

E eu acho que neste momento o curso pago se sobrepõe ao curso gratuito, porque eu

não sou uma Fundação, eu não ganho dinheiro suficiente para ter dinheiro no banco

para tirar um dinheirinho por mês e dedicar... Não sou um Itaú nem sou um SESC, nada

disso. Então, o meu dá no máximo para eu passar a minha vida. E em tempo de crise,

todo mundo está meio... Está correndo atrás do prejuízo. Então o Brincante vive a

partir do que ele consegue e enfim, de conversas...”.

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g. Daniel Kairoz, artista da dança

- Entrevista realizada no Terreyro Coreográfico em 24 de agosto de 2015.

Sobre o Fanzine de Crítica de Dança:

“A principal coisa que me fez criar o Fanzine de crítica de dança foi uma quase

inexistência; na verdade, inexistência não, mas ter uma única pessoa que escreve

críticas de dança, basicamente, que é a Helena né, e isso, há muito tempo, já se

cristalizou. Algumas pessoas começaram a escrever na Folha, mas foi algo que não

ganhou força e que rapidamente não rolou mais, não conseguiu criar um espaço, como

a Helena criou, por estar também há tanto tempo, então, eu acho que isso é muito

prejudicial para a dança: ficar com um único ponto de vista e com uma crítica como se

ela tivesse que dar conta de tudo também. Eu acho que se conseguisse ampliar esse

campo da crítica, e até um jeito de pensar a crítica, porque também tem toda uma

crítica à crítica, que é feita, sei lá, principalmente, depois da década de 1960 e 1970.

Dos próprios artistas criticarem esse lugar do crítico, como aquele que dá o aval da

obra, que vai, na verdade, dizendo o que deve ser levado em consideração, ou não, nas

artes... Orientando para um consumo ou para um pensamento... Vai tendenciando um

pensamento do que é interessante ou não. E o que foi legal foi que foi um momento

em que os próprios artistas começaram a escrever sobre seus trabalhos, tanto

reflexivos ou explicativos, ou críticos, ou seja lá que formato fosse. Isso eu acho muito

rico, porque tem esse lugar da crítica, da forma do texto estar impregnada também de

um caráter artístico. De não ter esse pretenso distanciamento, essa lente objetiva para

olhar para o trabalho, não existe, porque você querer objetivar um trabalho de arte é

bem delicado. Mas é engraçado que, depois de um certo tempo, parece que não

importava mais esse campo da crítica, não interessava mais. Porque os artistas

começaram a produzir menos textos das suas obras e em dança, eu não sei o quanto

isso acontecia, ali naquele momento, 1960 e 1970, mas hoje em dia, são pouquíssimos

artistas que escrevem sobre seus próprios trabalhos, reflexivamente, a não ser os

artistas que levam para a Academia, fazer mestrado e doutorado, e daí é um momento

em que eles debruçam a refletir sobre a prática. O lance do Fanzine que eu achava

interessante era de escolher um trabalho e chamar diferentes pessoas para

escreverem sobre o mesmo trabalho. Que é um pouco de deflagrar essa perspectiva

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única que está operando há tanto tempo. Então, chamar diferentes pessoas, com

diferentes modos de pensar e de escrever, para olhar para o mesmo trabalho e

produzir materiais diferentes sobre aquilo. E isso eu acho muito legal de você poder

pegar algo que está falando de um mesmo trabalho, e ao mesmo tempo se relacionar

de formas tão diferentes com aquilo. E um trabalho que não necessariamente você

viu, e isso também me interessa em pensar: no texto crítico com uma certa autonomia

com relação ao trabalho, de ser um texto tão trabalhado, tão interessante que você só

de ler aquele texto, ou te dá vontade de ver aquele trabalho, e eu acho que isso é

fundamental em um texto crítico, de você ter tanto tesão, tanto ânimo com relação

àquilo que você fala: nossa! Que legal! Quero ver esse trabalho, quero conhecer esse

artista de qualquer jeito. Isso eu acho que é o papel fundamental da crítica: instigar

esse tesão em quem lê o texto”.

Como está o Fanzine hoje, está vivo?

“Não. Quer dizer, vivo está, mas eu acho que de outras formas. Mas o Fanzine

mesmo, eu acho que ele acabou que não conseguiu tomar uma força própria. Ficou

muito dependendo de mim para acontecer as edições. Então, de eu chamar as

pessoas, de eu ficar cobrando também para poder reunir e finalizar. Porque também

tem isso, porque uma das propostas do Fanzine era de cada pessoa que escreve, olhar

os outros textos também e dar feedbacks, não para equalizar os textos, mas para ser

um ambiente também de produção de pensamento. Não ser simplesmente ah... Eu

vou lá e escrevo meu texto, e pronto, já cumpri ele ali no negócio. Não. Porque tem

textos que são às vezes um pouco mais frágeis, que eu acho legal de problematizar, de

colocar em questão também, porque muitas vezes, são pessoas que não tem tanto a

prática da escrita e que participam e eu acho muito legal essas pessoas também

poderem escrever, se sentirem à vontade para escrever, mas também de ter um

cuidado e um rigor com o texto, de não publicar qualquer coisa. Mas de talvez ter um

ponto aqui, talvez se levar o texto mais por esse caminho... Coisas que quando tem

um grupo, eu acho que é muito gostoso de fazer. Todas as vezes que rolou, foi muito

legal. Mas é isso. É um pouco trabalhoso, assim, para manter isso, porque eu também

faço muitas coisas, então, e daí começou a ficar na dependência demais minha e eu

queria que a coisa ganhasse uma outra, que outras pessoas... De repente, uma tal

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pessoa dissesse ah, quero escrever de tal trabalho, ela chamar as pessoas e trabalhar

mais enquanto um programa para um Fanzine de crítica, do que eu sendo a pessoa

que conduz, que faz aquilo acontecer. Mas enquanto programa, pode ser replicado,

trabalhado e ativado por qualquer pessoa”.

Por que Fanzine?

“Era sempre impresso. E eu achei legal essa ideia do Fanzine também. Porque o

Fanzine vem da palavra fã também que é uma publicação de pessoas que tem um

amor por algo, você gosta muito de uma coisa e você produz ali uma publicação

independente daquilo que você ama, daquilo que você admira, daquilo que você tem

tesão... Eu achei muito legal de pensar a crítica de dança enquanto algo com prazer.

Essa relação entre a crítica e o prazer, que é algo que normalmente é dissociado e tem

no prefácio do Anticrítico do Augusto de Campos, e eu acho muito bonito isso assim,

que ele fala também dessa relação entre o prazer. Ele fala que, normalmente, o crítico

é essa figura ressentida, esse artista frustrado, que resolve falar sobre obras de arte. E

de mudar essa perspectiva, não no sentido de abandonar a crítica e o crítico, mas de

trazer o prazer e o tesão para essa figura que, às vezes, é meio...” (Intervenção de uma

pessoa na conversa) Continuação... E durou por quanto tempo? “Durou por um ano e

meio ou dois anos, mas foram poucas publicações. Foram duas impressas, uma virtual

e uma que tem todos os textos prontos, mas a gente acabou não conseguindo finalizar.

Mas tinha isso também... Essa coisa de imprimir... Porque um dos meus focos era

também era de ser algo impresso, porque eu sinto que quando a coisa está na

internet, muita gente fica sabendo, mas poucos leem. E quando está impresso, menos

pessoas ficam sabendo, mas quem fica sabendo, lê. E também de vender... Eu vendia

por, sei lá, R$2,00 cada, e era uma forma de criar uma economia do próprio Fanzine,

porque daí, com o que a gente vendeu do primeiro, a gente conseguiu imprimir o

segundo, do segundo, conseguiu imprimir o terceiro e disso ir criando uma autonomia

econômica também assim para produzir. E eu acho que isso da pessoa ter ali a

materialidade para ler, instiga mais a leitura, eu acho gostoso isso, e também porque

eu também estava começando a me interessar muito por essa performance do texto, a

publicação enquanto uma performance do texto. Então, o próprio texto ser, mas o

próprio formato também. De não assumir um formato padrão, de revista, ou de o

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Fanzine ser uma folha e tal, mas a cada edição pensar um formato que dialogasse

também com o trabalho que estava em jogo. No primeiro, que era o da Michelle

Moura, que é um trabalho em que ela tem vários pedaços grandes de papel, e forma

assim um grande chão de papel, e as pessoas dançam por baixo e forma um pouco

essa topografia neste papel, e o formato era uma folha grandona, tipo um A1, todo

amassado. Você comprava uma bolinha de papel amassada, e daí você tinha que...

Então, esse gesto do ato de leitura, de você ter que desembrulhar essa bolinha de

papel toda amassada... Tanto que várias pessoas perderam porque compraram, daí a

moça que trabalha na casa viu, achou que fosse lixo e jogou fora, a mãe jogou fora...

Então, essa performance do texto me interessava”.

O porquê da não continuidade:

“De ter acontecido isso assim. De eu de repente ter que ficar chamando as

pessoas, de eu ter que fazer sempre a edição... Até umas pessoas falavam ah, quero

fazer e tal... Mas não foi para frente. Tenho ideia de retomar isso, mas por enquanto,

até por conta do projeto agora do Terreyro Coreográfico, é algo que está um pouco

mais parado. Mas é algo que está vivo em mim, então, eu acho que em algum

momento vai retomar. E foi muito engraçado, porque, com a experiência do Fanzine

de Crítica de Dança, me abriu para criar uma editora depois disso. E daí foi a

Phármakon, e só rolou isso por causa do Fanzine que, por conta desta primeira edição

da bolinha amassada, o cara que trabalha com publicação, mas é das artes visuais, me

chamou para participar de uma feira, que fiz uma curadoria da galera da dança, que

tivesse trabalhos de publicação, e daí eu achei poucas coisas, e tinha alguns materiais

que eu tinha vontade de publicar, de pessoas que eu conhecia o trabalho, que eu

achava muito legal, num tinha nada publicado, falei, vamos organizar... E quando eu fui

ver, tinha mais publicações que eu tinha editado do que pessoas da dança que já

tivessem publicação. E, a partir disso, eu assumi que eu tinha uma editora. Que eu

continuo com ela e ela também está um pouco parada agora assim de novas

publicações. Mas acho que vai ser bom, agora finalizando o Fomento, vai dar para... “

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De que maneira você utiliza hoje o ambiente digital no seu trabalho?

“Eu uso bastante. Eu ainda não sei o quanto que ele realmente dá uma

visibilidade para os trabalhos, acho que para divulgação funciona, muitas pessoas

ficam sabendo das coisas, mas eu não sei o quanto elas vão, o quanto isso realmente...

Sei lá, teria que fazer algum estudo assim, e até tem pessoas já fazendo isso, mas o

quanto que isso mudou, o número de pessoas que realmente vão... Porque as redes

sociais, a internet, muita gente fica sabendo, muita gente diz que vai, muita gente

curte, muita gente acha legal, mas são poucos os que vão mesmo. De fato. E vão lá

assistir o trabalho. Que vão lá presenciar tal coisa, então, eu acho que tem algo aí que

eu ainda não sei direito do quanto realmente é eficiente, mas ao mesmo tempo, eu

acho que é um ambiente muito rico, assim, para veiculação.” (Intervenção de outra

pessoa na conversa) Continuação... “Isso de você poder associar imagens, com vídeos,

com texto, e eu acho que é um lugar muito legal para se trabalhar texto. Eu acho muito

gostoso assim, com as ferramentas, e as redes sociais, e-mail, enquanto lugares de

trabalhos textuais assim, na hora que você vai escrever um e-mail para alguém e

contar de um projeto, ou divulgar o seu trabalho ali, eu acho que é um ambiente muito

rico para a produção textual. Embora, poucas pessoas leiam coisas na internet. Então,

acho que são sempre esses prós e contras que você tem que ir equalizando e

trabalhando essas contradições, trabalhar a contradição, eu acho que isso é muito

legal”.

Como você vê a possibilidade de existir enquanto artista, e da Companhia, na

cidade de São Paulo nos últimos 10 anos? E a relação antes e após aprovação de seu

primeiro projeto no Edital de Fomento à Dança?

“Eu não tenho muita referência de outros lugares. Tenho de ouvir falar, mas eu

nunca trabalhei em outros lugares que não São Paulo. Então, a minha visão é um

pouco limitada neste sentido. E ao mesmo tempo, sei lá, por conhecer muitas pessoas

de outros lugares, e de conversar muito com outras pessoas, eu vejo que tem um

tanto de incentivo e de dinheiro que circula por aqui que é algo que pouquíssimos

outros lugares circula, uma quantidade de dinheiro, mesmo, assim. Eu não sei o

quanto isso é... De novo as contradições... Porque eu acho que isso gera contradições

bem malucas, de ter muito dinheiro para produzir os trabalhos, e terem muitos

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trabalhos sendo produzidos e irem para o mundo, mas são pouquíssimos os que têm

uma força artística mesmo, a ponto de chacoalhar, de mexer, com o que se entende

por dança, com a linguagem, com o meio da dança, com os modos de produção em

dança, então, são trabalhos que normalmente estão muito formatados dentro dos

editais. E tem toda essa problemática também que muita gente fala e comenta que o

quanto que um edital vai conformando e vai formatando os modos de produção da

arte. E isso é muito delicado, mas, ao mesmo tempo, é possível reverter isso. Trabalhar

com isso... Sacando qual o modo de operação de determinado edital, você propor algo

que te abra uma possibilidade que não seja simplesmente cumprir o edital. Porque eu

vejo que muitos trabalhos ficam correndo atrás do próprio projeto. E isso eu acho bem

prejudicial para a criação de um trabalho artístico. Quando você tem que ficar

cumprindo coisas e correndo atrás de um projeto. E eu acho que um projeto é muito

rico no sentido de te lançar para um desconhecido. E eu acho que vários projetos que

eu tinha escrito para o Fomento especificamente, eles tinham formatos um pouco mais

careta, assim, de apresentar um trabalho que eu já tinha, fazer temporada dele, e criar

alguns grupos de estudo para também dar continuidade às pesquisas minhas

coreográficas e tal, que até envolvia o grupo de crítica e outras ações. E daí, o trabalho

mais maluco que eu escrevi, que era um projeto que falava basicamente de pessoas

que se aproximaram de mim, de um cruzamento entre áreas: arquitetura,

programação e coreografia, sem dizer exatamente o que iria ser feito ou não... Foi o

que rolou. E isso foi maravilhoso porque deu uma liberdade para a gente fazer o

projeto incrível, assim. De a gente fazer muito mais do que a gente disse que iria fazer

no projeto, e muito mais do que se a gente tivesse falado cada coisa que a gente iria

fazer, porque aí a gente teria que fazer exatamente aquilo que a gente falou e a gente

ia se ferrar, porque é isso, você começa a trabalhar e vai mudando tudo. E se você não

tem essa liberdade para deixar mudar, você está ferrado, porque daí você não vai

conseguir fazer uma criação artística... Dar um olé... E a gente é artista, então, eu acho

que é um lugar criativo também escrever um projeto”.

Como era antes do Fomento?

“Eu trabalhei também por muito tempo com outros grupos, outras

companhias. E isso foi fazendo com que meu trabalho ficasse de segundo plano,

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porque daí o que me sustentava era o trabalho com essas companhias, que,

normalmente, eram companhias que tinham subsídios, seja lá quais fossem eles, e o

meu trabalho era sempre um ‘corre’ que eu tinha que fazer e, que por eu trabalhar

com esses outros grupos, eu não conseguia me dedicar tanto ao meu trabalho. Na

faculdade eu já consegui fazer apresentações de trabalhos que eu tinha criado ali, ou

depois de me formar também, de participar da primeira edição do Corpo Instalação do

SESC-SP, mas coisas mais pontuais assim, no Masculino na Dança, do Centro Cultural

São Paulo, coisas que de alguma forma era um jeito de dar continuidade para a minha

pesquisa, rolou o Rumus, do Itaú Cultural, logo que eu saí da faculdade, e foi bem legal,

porque foi um momento em que eu consegui focar bem no meu trabalho... Mas é a

partir dali que eu passei a ter menos tempo, então, eram coisas muito pontuais. Mas

isso de conseguir um projeto maior, por trabalhar por mais tempo em uma pesquisa

mais focada rolou só agora (após aprovação de seu primeiro projeto pelo Fomento).

Então, esses convites pontuais sempre rolaram, e alguns editais, como esse do Rumus,

teve em 2012 o da Cultura Inglesa, o Masculino na Dança, na Verbo, mas daí na Verbo

não tem dinheiro, que é um festival de performance da Galeria Vermelho... Daí, a

partir de 2011, que foi quando eu parei de trabalhar com essas outras companhias, eu

falei não, agora eu preciso me dedicar exclusivamente ao meu trabalho como a

prioridade. Para, a partir daí, conseguir trabalhar com outras companhias. E daí foi um

perrengue de 2011 até 2014, 2015, porque foi aí que rolou o Fomento. E aí eu consegui

uma duração maior”.

Você acredita que as pessoas se tornam reféns do Fomento por ser uma das

poucas formas de um trabalho, relativamente, continuado?

“Eu continuaria existindo mesmo sem ter pegado esse Fomento, porque daí...

Por exemplo, teve uma edição que eu mandei um projeto para o Fomento que não

passou e eu falei bom, vou fazer o projeto de qualquer forma, independentemente, de

ter dinheiro ou não. Óbvio, a temporada da Tempestade que era o trabalho que eu

tinha proposto, foi impossível , porque era uma produção cara, ‘60 pau’... que não tem

por onde se você não tiver um apoio, daí, tentei conversar com o SESC e tal, tentar

outros meios, mas também não rolou. Porque também tem isso né... Um certo padrão

de trabalhos que são bem aceitos, e outros tipos de trabalhos que são um pouco mais

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trabalhosos para realizar, ninguém acha graça nenhuma. Ah! É dança? Então, tem que

ser alguma coisa que não dê muita dor de cabeça para produzir... A não ser que seja

internacional... Então, foi difícil de fazer a temporada do trabalho, mas ao mesmo

tempo os grupos de estudo que eu tinha proposto, eu comecei todos: o de tradução,

de crítica, de estudos coreográficos, e o de movimento de dança. E foi incrível, porque

também é um modo de continuar existindo e poder criar uma rede com outras

pessoas, e poder buscar outros meios de conseguir ir levando o trabalho, e daí

consegui lá na Oficina Cultural Oswald de Andrade, por seis meses, fazer esses grupos

de estudo lá, então, tudo isso, foi me criando uma independência do Fomento total”.

Como você pensa essa relação do espaço público e do público de dança que

parece muito forte em seu trabalho?

“É uma palavra que eu gosto muito: público. Porque ela tem essa confusão um

pouco que diz tanto às pessoas que vão assistir algo que se chama de público, e

também tudo o que diz respeito a todos, que é comum a todos, que é o que é público:

o espaço público, o poder público, que daí já cria um problema porque o poder público

é o poder oficial e não o povo, esse público que então, acho uma palavra que é bem

interessante que, por estar em muitos lugares próximos, mas ela tem sempre, se você

colocar todos esses lugares em que ela aparece em relação, começa a criar problemas

bons assim para... E é difícil falar assim genericamente de público, porque é isso, falar

de espaço público é algo específico, e aí falar de público, dessa figura que vai assistir e

que é algo que tem me interessado muito, que acho que mais pontualmente o público,

essa entidade que assiste a trabalhos de arte... Acho que talvez por eu ter começado a

trabalhar lá no Teatro Oficina como coreógrafo e do Zé, de alguma forma, trabalhar

com uma ideia de ‘corógrafo’, de trabalhar essa coreografia de coros, isso para mim foi

ficando muito forte: de cada vez mais pensar o público enquanto um coro. Enquanto

coro no sentido de um espaço de ressonância da obra, porque neste sentido tem a ver

com a crítica também, que é até um dos textos que eu escrevo, em uma das edições

do Fanzine é isso que o crítico é quase que uma caixa de ressonância, uma figura que

vai fazer aquela obra ressoar no mundo, dando uma continuidade de vida para o

trabalho. Um pouco do que o Benjamim fala do tradutor, na tarefa do tradutor. Ele fala

que o tradutor dá uma sobrevida à obra e eu acho que o crítico também tem esse

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papel e o público também tem esse papel, talvez mais do que todos. Porque o público

é essa figura que é multiforme e que é composta por muitos indivíduos, e o crítica é

um que dele ramifica, agora o público é uma ramificação louca e completamente...

Eles saíram da sala de espetáculos, do teatro, assim, já foi... Foi para o mundo... São

100 pessoas que estão levando isso para outros lugares, então, é muito poderoso

esse... E pensar essa figura do público enquanto coro, eu acho muito rico, porque você

traz uma implicação para essas pessoas. Eles não estão ali apenas nesta figura de

avaliação ou de consumir, ou de apreciar, ou de qualquer coisa que está

completamente separado do que está acontecendo, mas essa figura está

completamente envolvida com aquilo. Sei lá, para mim é muito forte de ver as plateias

dos Festivais de Música e ver o grau de envolvimento deles, de vaiar, de aplaudir, de

não deixar cantar, e eu adoraria ter isso em dança, das pessoas ensandecidas com o

trabalho, puta que merda, que louco que aquilo está acontecendo, sei lá, um pouco da

história da Sagração da Primavera, da estreia assim, de um trabalho, porque não é

nem uma coisa do trabalho causar essa comoção, ah, trabalhos incríveis... Mas é do

público sentir à vontade enquanto coro, porque se ele se sente como coro,

responsável por aquilo que está acontecendo, ele não vai poder ficar quieto. Porque

eu acho muito louco, que é uma coisa que eu tenho pensado muito, ultimamente, que

é o quanto que nos trabalhos de dança o público não pode se mover. O quanto que as

pessoas se movem o mínimo possível. É uma coisa que quando eu vejo um trabalho de

dança que me toca, dá vontade de dançar junto. E não preciso entrar lá para dançar,

mas eu fico na minha cadeira meio louco ali com aquilo, completamente envolvido

cineticamente. E por que a gente não pode se mover em um trabalho de dança? Por

que a gente tem que assumir uma postura de observador? É muito frágil, muito falso,

muito besta”.

Mas de alguma forma você acaba tendo essa liberdade aqui no Terreyro

Coreográfico, não? Você não tem as poltronas confortáveis para assistir a um trabalho

de dança, além de acredito ter um público bastante variado que frequenta a região,

certo?

“Natural, é muito foda, porque te coloca neste lugar de coreografar todo esse

lugar do público, desse coro, coreografar as pessoas que vão ali. Também não dá para

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simplesmente deixar solto, porque também tem uma tendência, então, vamos

questionar o lugar do público, então, você tira o público do lugar dele e solta em um

outro contexto. E depois você fica, ah, mas por que as pessoas ficam sentadas e não

ficam andando pelo trabalho, porque é isso, se você está tirando eles de uma situação

coreografada, que eles sabem muito bem como agir, você precisa propor outra coisa, e

você pode propor uma coisa que não seja determinante, para não cair no mesmo

lugar, mas você pode criar caminhos. Então, isso foi muito legal quando a gente fez a

Coreografia Junina aqui, porque a gente assumiu esse lugar de uma festa junina

tradicional, com alguns signos de uma festa junina tradicional, mas a gente trabalhou

isso como uma grande coreografia, então, a quadrilha era uma coreografia, o

momento de explosão dos fogos de artifício, o momento de acender a fogueira, o

cortejo para iniciar tudo isso, então, como cada coisa vai seguindo a outra, como que

vai conduzir as pessoas sem precisar ficar falando ah, agora vamos fazer tal coisa,

agora isso, mas de naturalmente ir criando esse movimento com 500 pessoas, que era

o número de pessoas que estavam aqui, pessoas do bairro, pessoas que também são

da dança, e a maioria das pessoas eram pessoas que estavam ali em uma festa junina,

curtindo uma festa junina, e isso é muito legal, de conseguir trabalhar coreografia em

outras escalas, e não só essa já mais habituada do contexto teatral, do contexto de

espetáculo, mas de pegar esse pensamento coreográfico e de levar ele para outras

escalas, outras dimensões. E isso é muito rico para pensar exatamente o lugar do

público e, no caso do Terreyro, o espaço público também. Porque é um espaço público

em jogo, mas é um espaço público curado, então, como é tornar público um espaço

público? Que foi também o foco lá no Arte Palácio, de um aparelho público, um

cinema antigo, que a Secretaria desapropriou, então era uma propriedade pública, só

que ninguém podia entrar porque tinha grade, e tinham medo que rolasse alguma

ocupação. Só que você mantém o negócio vazio, aí sim é motivo de especulação.

Porque ao invés de usar e manter vivo o espaço, não, você fecha. É que nem aqui, tudo

murado, tudo fechado, então, todo esse trabalho de coreografar essa arquitetura,

coreografar os muros, onde abrir, onde não abrir, como abrir, o quanto abrir, tudo isso

pensando no espaço público é muito rico para tornar o espaço público, público,

publicizar o espaço público”.

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h. Ana Francisca Ponzio, jornalista e idealizadora do Portal Conectedance

- Entrevista realizada na Galeria Olido em 16 de setembro de 2015.

Sobre seu histórico no Jornalismo Cultural:

“Eu convivia com as artes, curtia, fazia dança e estudava música também e eu

queria escrever. E eu fiz tudo o que é aula, de curiosa, fiz clássico, na Escola da Maria

Olenewa, depois fui para o Stagium, depois fui fazer Klauss Vianna, Sônia Mota,

Martha Graham, então, eu ia experimentando tudo isso, mas eu não queria dançar, eu

queria escrever, e quando eu cheguei no jornal, para mim ainda havia essa

possibilidade, de você escrever legal... Nesta época havia o que passou a se chamar

cobertura especializada em dança, então, tinha pessoas que escreviam, a Helena é

uma delas, Rui Fontana Lopez, o próprio Sábato Magaldi, eram referências. E eu fui

aquela que fui trabalhar na redação.” (Intervenção de outra pessoa na conversa)

Continuação... “E daí, não tinha essa cobertura especializada, sabe, tinha caras de

outras áreas, que, eventualmente, quando viam o que eles consideravam importante,

grande, ia lá fazer. E eu acho que eu levei para as redações essa minha vivência e essa

minha afinidade. Tanto que foi bárbaro, até isso coloquei em meu site, quando o

Kazuo Ohno morreu, eu coloquei lá a primeira matéria que eu fiz assim, digamos, que

foi um momento muito importante que veio o Kazuo Ohno, o Festival Carlton Dance

Festival de alguma forma abriu para linguagens que não vinham para cá, porque os

produtores traziam para cá aquelas companhias mais chaves, chaves não,

convencionais, consagradas, sabe. E de repente o Carlton Dance trouxe Merce

Cunningham, Sankai Juku, era toda uma abertura mesmo, era muito estimulante. Eu já

tinha vivido isso adolescente ali quando teve o Teatro da Dança, eu acho que São

Paulo sempre foi uma cidade estimulante. De alguma forma, sempre aconteceu coisas.

Então, era aquela descoberta do corpo, o Stagium que tinha aquela coisa política, o

Teatro da Dança, da Marilena Ansaldi, aqueles diretores teatrais trabalhando com

dança, era muito legal. E isso tudo me estimulou a me interessar cada vez mais por

dança e, estando nas redações, eu fazia essa cobertura mesmo, eu nunca tive essa

coisa de ‘quero ser crítica’, sabe? Ok. Eu acho que é consequência, faz parte, mas

sempre o grande tesão para mim foi fazer o que a gente chama de ‘boa reportagem’,

porque para mim, envolve pesquisa, você correr atrás, apurar a informação, escrever

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aquilo legal com começo, meio e fim... E até um certo momento, foi possível, porque

eu peguei momentos privilegiados na imprensa. Então, eu comecei lá no Jornal da

Tarde, que era legal, porque era um momento em que havia uma convivência, aquela

redação era um ir e vir, sabe, os artistas iam lá, tinha uma circulação bárbara, mas já

eram os estertores lá, porque já tinha sido o auge do Jornal da Tarde e já estava

entrando em um outro momento, então, eu peguei esse final, final da década de 1980.

Daí, em 1990, está começando a ter as demissões e tal... Porque eu tenho que

trabalhar... Então eu sempre fui tentando me virar... E para mim isso foi um desgosto

quando eu vi isso, que para mim era uma profissão, entrar em derrocada. Entrou e

agora você tem que reinventar, mas a imprensa está um merda”.

Então você percebe essa grande diminuição de espaço?

Sim, mas ainda teve bacana, porque eu ainda arrumei um emprego, como

chamavam na época, me chamaram para trabalhar na Revista Elle, foi legal também,

um baita aprendizado de como fazer revista. E eu falei, ah, meu deus, e agora? Vou

deixar de escrever sobre dança, sobre cultura... Mas não deixou, foi sempre, quando

eu achava que algo estava acontecendo, eu corria atrás, porque daí já me chamaram

para fazer umas colaborações, porque eu estava precisando, e tal... Então, eu fui

cobrindo demandas, assim como a Helena fazia as críticas, o Rui Fontana, e muitos

outros no Rio de Janeiro também... E daí eu não fiquei muito lá na Elle porque me

chamaram para ir no Caderno 2, quando os cadernos estavam começando a bombar, e

foi um pouco do que eu falei lá (refere-se a uma mesa de Jornalismo Cultural que ela

fez parte na IX Mostra do Fomento à Dança, edição 2015, no Centro de Referência da

Dança), assim, a gente tinha tido um período de censura, que veio por conta da

ditadura, então quando vem esse outro momento, os cadernos culturais bombavam,

eles investiam nos cadernos culturais com projetos gráficos, em pessoas, era o

máximo, aquilo fervilhava. E hoje é ao contrário, hoje não se investe mais nos cadernos

culturais, e a política ganhou um status aí, dentre as editorias, que antes não tinha.

Não se discutia tanto, ainda tinha aquela coisa de ter medo de se discutir política...

Então, foi um momento muito bárbaro no Caderno 2 e para mim sempre foi

aprendizado, e eu vejo que hoje é tudo mais fast food, lamento também porque as

condições também não colaboram muito. Naquele tempo a gente podia fazer qualquer

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reportagem, tentar esgotar um assunto, e isso para mim foi um grande aprendizado.

Depois, a gente teve a oportunidade de fazer coberturas internacionais... Agora não

tem mais, é tudo via Skype, etc... Mas a gente podia ir lá, em loco, cobrir grandes

festivais, foi muito rico, eu acho. Aí eu fui para a Folha de S. Paulo, e a Folha é muito

selvagem, embora o Estado de S. Paulo tenha assim uma aparência mais conservadora,

e a Folha também é, embora tenha uma fachada mais irreverente, e que até perdeu

com o tempo, mas em uma época, a Ilustrada tinha, porque a Ilustrada começou e foi

quem abriu para explorar os assuntos mais pop. No Estadão não, até ter moda no

Estadão demorou, TV, gastronomia, essas coisas sabe, depois foi expandindo... E eu fui

para a Folha, mas foi uma outra experiência, porque, de qualquer maneira, a Folha te

dá uma visibilidade muito grande e veja só, agora não tem quase nada, e eu fazia capas

e capas e capas sobre dança. Então, a dança estava presente. Depois, surgiu a Bravo,

que imagina, no começo era um miquinho, os intelectuais fazendo aquela revista, e eu

fui chamada para ser editora de dança, então, imagina, sempre entrava dança, e essas

discussões de reunião de pauta, em que todos trazem alguma coisa, sempre achei isso

muito estimulante, sempre foi rico. E com o tempo isso foi acabando, foi muito chato.

A própria Bravo, né... E depois o Valor Econômico, quando foi lançado, embora se

espelhasse no Financial Times, ele tinha um caderno cultural forte diário, depois virou

semanal, e agora esse semanal tem tudo, tem comportamento, economia e, se der,

entra cultura, dança então, nem se fala. E para mim, vinha assim de uma coisa purista

também, porque naquela época não tinha também essa coisa da receita publicitária

determinante. Eu não sei o que eles faziam que viabilizava aquilo e, de repente, me vi

um dia, eu fazendo trabalhos bacanas, elogiados, e de repente, alguém fala lá: ‘dança

não tem importância’, e eu me dei conta que o critério, o que estava valendo era: não

dá receita publicitária, audiência, essa mensuração começou a ser muito mais efetiva e

importante”.

Isso seria já nos anos 2000?

“É. Eu entrei na Folha em 1994, fiquei uns 16 anos e depois ainda fiquei

fazendo algumas colaborações, mas foi se efetivando, na Folha começou antes até

com essas coisas, mas foi mesmo mais pelos anos 2000 que começou a ter também

algumas situações financeiras, eram crises... Eu lembro quando teve o plano Collor, eu

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estava trabalhando na Elle, e o editor do Caderno 2 me chamou para ir para lá, eu

fiquei felicíssima, nunca esqueço, era mês de maio, e eu quase pedi demissão. Mas se

eu tivesse pedido, estava ferrada, porque entrou o Collor, e veio com aquele plano

Collor que confiscou tudo e congelou tudo, mas mesmo assim foi bacana porque eu

consegui ir para lá depois em agosto. Mas daí já não tinha mais carteira assinada,

sabe... Estou assim lhe contanto os detalhes, que tem nessa lida... A gente passou a ser

microempresa, essas coisas assim terceirizadas, nossa, tudo isso eu vivi. E daí criaram

essa fachada do colaborador, então, para não ter custos trabalhistas, você fica em casa

trabalhando, com sua estrutura, então, não tem obrigações... Ai, deus me livre!”.

“Bom, daí, com a internet isso, mundialmente até, foi interferindo em tudo, na

revolução, porque interferiu e continua interferindo na própria receita de

sustentabilidade desses veículos. Se, nos veículos impressos, na Veja é uma fortuna

aqueles anúncios, assim como os anúncios de página inteira nos cadernos são

‘carérrimos’, e na internet não é esse valor. É outra mensuração, então, e tem essa é

essa coisa da quantidade também, eu diria banalização dessa indisponibilidade das

pessoas de se aprofundarem nos assuntos, tudo jogo rápido... Eu mesma tenho que

me adaptar a isso. Quando eu fiz o Conectedance, o meu veículo com aquele idealismo

todo, e agora ralando, aí finalmente eu tenho espaço onde eu vou poder fazer todas as

matérias que eu amo fazer, planejei como uma publicação completa, eu não queria um

blogzinho, eu sempre pensei em desenvolver coisas para a dança que desse a ela o seu

status, não fosse rabeira, não fosse mambembe, não fosse o secundário. Quando foi

em 1996, eu acho, me chamaram para fazer um Festival de Dança, chamou-se um

nome horrível que deram lá, que era Confort em Dança, um produtor havia

conseguido um patrocínio da Gessy Lever, do amaciante Confort e tiveram que colocar

o maldito nome no festival, e me chamaram para fazer a curadoria. E daí, naquela

época o Carlton Dance Festival era uma referência muito grande, e a despeito de ter

trazido coisas importantes, sempre foi assim: os internacionais com os brasileiros na

rabeira, então, quando eu fiz o Confort, eu queria que fosse um evento daqueles com

padrão internacional, mas com os brasileiros. Durou uns 2 ou 3 anos, porque depois

muda o cheiro do sabão lá, e muda tudo. Então, é sempre essa coisa da interrupção, da

instabilidade, que todos nós vivemos na nossa área. E quando eu fiz o Conectedance,

eu fui percebendo a importância do meio digital, e eu assim como outros, sempre

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tivemos aquele sonho de ter uma Revista para a Dança, mas sempre esbarrava em

como viabilizar isso, porque a impressão é cara, distribuição é complicada, e a internet

resolveu isso. Eu acho bacana. Eu acho que a gente ainda está em um momento de

muita transformação, revolução, nós todos vamos nos adequando, mas ainda tem

muita coisa que a gente nem tem noção, do quanto isso vai interferindo e vai trazendo

mudanças. Então, a internet permitiu fazer uma publicação, como eu disse, que queria

fazer uma revista Bravo para a dança, não era qualquer coisa, e agora eu morro de

desgosto porque eu não consigo manter isso. Então, eu estruturei ali com várias

editorias, várias maneiras de você abordar a dança, desde os novos até os outros, uma

coisa mais reflexiva, ensaios, pontos de vista e outros assim perfil de novos criadores,

tem lá um fique de olho... Mas eu não consigo dar conta porque é uma quantidade, a

internet também é uma máquina devoradora de informações, você tem que ter uma

estrutura que, eu tive a sorte, assim, de ter um patrocínio para lançar, mas durou 6

meses, e eu, ingênua, achei que imediatamente teria outro, o povo da dança estava

gostando, mas aí eu caí na experiência do que é você ir atrás do patrocínio, de

conseguir uma verba... Eu inscrevi na Lei Rouanet, quando terminou esse patrocínio de

6 meses, eu já tinha inscrito na Rouanet e pensei que seria imediato, imagina, olha a

santa ingenuidade. Até hoje eu não consegui, invalidou lá a lei porque eu não consegui

o patrocínio. O que eu percebo, assim, com relação à sustentabilidade é ser como os

demais veículos, você veicular publicidade, porque você vai à uma empresa, não existe

mentalidade ainda para patrocinar esse tipo de ‘produto’ cultural, vamos chamar

assim, eles querem coisa mais evidente, um espetáculo que pode dar repercussão mais

imediata, jamais vão investir em um veículo que está em processo de

desenvolvimento. Que é de informação. E eu fui me deparando com todas essas

dificuldades, e toda vez que eu contatava uma empresa, e por ser um veículo, eles

mandam para o departamento de mídia, que é outro inferno, é um critério assim para

nós até agressivo, eu tenho a maior dificuldade de falar com essas pessoas, porque

você pode explicar a importância do veículo, a importância de existir isso para a dança,

de você fomentar informações, e isso é assim para eles zero, eles querem saber de

números, audiência, e você pode até apresentar o número de audiência que para a

dança é expressivo, para eles, isso não significa nada. Então, foi assim uma coisa de

bater de porta em porta, isso que você fala assim de não conseguir... Inúmeras vezes, e

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pior ainda, porque assim você ainda tem uma interlocução (refere-se ao Fomento à

Dança), você vai falar com uns caras, uns executivos de marketing, são umas toupeiras,

os caras não entendem nada, você se fazer entender por eles é muito difícil”.

Em que ano surge o Conectedance?

“Em 2009, olha o tanto, 6 anos... E você veja, em 6 anos eu me sinto ainda

patinando, chegou momento que eu me senti um Dom Quixote, eu preciso acabar com

isso, não está chegando onde eu pretendia, mas ao mesmo tempo, tem um retorno

que eu acho que alimenta, eu percebo que é possível, eu não posso deixar a peteca

cair, e eu tenho que cavar oportunidades. Agora, eu gasto tempo e energia correndo

atrás de possibilidades, terrível, então, aquilo não anda como eu gostaria, as coisas

ficam empacadas, sabe... E obviamente, a gente vai percebendo o poder da linguagem

audiovisual na internet e eu falei, eu tenho que ter uma coisa audiovisual nisto aqui, e

desenvolvi lá o projeto Conectedance Vídeos, e na cabeça do povo já vieram com

aquela história de que ah, é muito longo, 15 minutos, 10 minutos, que já não é nada

para mim, mas eu acho que é uma coisa que eu curto que é assim, é possível fazer uma

síntese ali, você tem um pensamento, proporciona a compreensão de alguma forma,

tem me deixado satisfeita, apesar do trabalho que me dá. E eu sou exigente comigo

mesma, com algumas coisas, assim, tem que ter legenda, não parece mas aquilo dá um

trabalho danado, você tem que pegar toda aquela conversa, e às vezes o artista vai

para uma dimensão interplanetária que não é tão simples traduzir, por exemplo, e

fazer as legendas... Em inglês para os brasileiros, porque eu quero que seja canal para

um programador estrangeiro, um curador de teatro estrangeiro, alguém que tenha o

potencial de convidar os brasileiros, sempre muito idealista, porque nada é imediato,

mas é pensando ali no que pode resultar. Então, todos os brasileiros tem legenda em

inglês e, obviamente, os estrangeiros tem legenda em português. E eu acho que a

despeito da, não é simples é difícil, eu acho que já tem um acervo interessante, porque

tem os novos criadores da dança contemporânea brasileira, não tenho verba para

viajar, então, de certa forma é o que acontece em São Paulo, mas São Paulo é um

centro. Então, o que aparece assim de estrangeiros importantes, eu faço... Tem alguns

que eu considero histórico, teve uma entrevista que eu acho que foi muito feliz com a

Márika e com o Décio, que eles falam ali da trajetória deles, e eu acho que ficou muito

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legal, um registro importante, que eu fico pensando, e aí que está, não é o caminho

mais fácil, porque eu já falei com pessoas que falam: ah, a coisa da audiência, se você

fizer algo apelativo, que pode ser digerido rapidamente, aquilo vai te dar uma

audiência maior, mas não, eu tenho que fazer algo que tenha uma consistência, que

possa representar algo para o futuro, que possa servir como fonte de pesquisa, de

tudo, consulta. Então, é sempre pelo caminho mais difícil. E tem algumas coisas como

eu disse, felizes, que dão esse registro histórico, por exemplo, veio a companhia da

Trisha Brown para cá, super importante, e ela nem veio porque está doente, mas veio

a braço direito dela, assistente e ex-bailarina, que trabalhou com ela por décadas, e foi

uma entrevista generosa, maravilhosa, rendeu tanto que eu falei: não posso cortar

isso! Fiz dois vídeos, para ter esse registro. Outro bacana desses internacionais

digamos assim, foi o da Lisa Nelson, que traz toda essa história da improvisação,

parceira do Steve Paxton, e foi também super legal, deu para fazer dois vídeos. Eu

mantive contato com ela e ela me mandou imagens históricas da década de 1960, em

que ela se apresentava em Nova York, com Steve Paxton, naquele momento de

eclosão do pós-modernismo, e foi bárbaro. E eu percebo também que a dança, essa

nossa dança, ela não é simples em nenhum lugar, ela não está dentro da indústria

cultural, dessa coisa de massa, então, é sempre, dentro das devidas realidades e

proporções, não é área que está gerando dinheiro, tem as suas especificidades. E eu

percebo que esses vídeos, e ele sendo assim bem feitos, essas pessoas de fora também

gostam, curtem, para eles também é importante... Eu estou dando essa referência,

mas a proposta é essa. Agora, por exemplo, eu fui aprovada no edital do Boticário do

ano passado, e eles fizeram cortes homéricos, porque ali também ninguém entende

nada, é um critério assim também muito comercial mesmo... Eles ligam o marketing à

dança, sabe, isso que o Juca Ferreira está discutindo é pertinente, os caras usam

dinheiro de imposto para patrocinar, nem é dinheiro direto deles, e daí eles são os

apresentadores, os realizadores, e ainda querem vincular aquilo ao marketing. Não é

brincadeira. Então, no ano passado eu ganhei lá a verba do edital e, provavelmente,

não vou ganhar esse ano, por isso eu digo, eu enfrento tudo isso que vocês enfrentam,

ou até pior... E no ano passado eles deram só 30% da verba, que nas Leis de Incentivo,

não sei se você já trabalhou com elas, na Rouanet você tem que ter 20% da verba

aprovada para poder movimentar o dinheiro, se não fica bloqueado. E a Estadual, que

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é a que se usa no Boticário, 35%, então, eles deram o 35% justo. Então, se no primeiro

ano eu fiz 26 vídeos, agora eu vou poder fazer, sei lá, meia dúzia, sabe... E para mim

desvirtua, tira uma certa integridade porque a proposta é fazer os históricos, os novos,

brasileiros, estrangeiros importantes... Ter esse rol de referências, mas enquanto o

Conectedance tem essa instabilidade, às vezes eu sinto que está meio parado uma

coisa lá, pelo menos os vídeos tem saído. E eu acho que é importante esse conteúdo

lá. Agora, eu acho que eu lido com as minhas próprias dificuldades dentro dessa

realidade que a gente vive por isso, eu penso que tem pessoas lá que fazem um

negócio mais, digamos assim, consumível rapidamente, seria até mais fácil, mas não.

Então, fica mais difícil mesmo”.

Você acredita mesmo neste potencial das redes como alternativa da falta de

espaço no jornalismo tradicional?

“Eu acredito, mas como um complemento. Não pode ser só isso, porque, eu

também, na medida em que eu entrei no Facebook, e eu nem sou tão interativa lá, eu

uso mais para divulgar trabalhos, eu vejo que realmente foi um canal que surgiu para

divulgação que o povo da dança não tinha. É interessante, é poderoso o poder de

divulgação, tudo o que é empresa usa o Facebook para divulgar, mas eu acho que não

pode ser único, é isso, é um complemento, faz parte de um conjunto. Porque, ao

mesmo tempo, é superficial, é descartável, ele não fixa, tem essa coisa do consumo, da

novidade a todo o momento, então, eu acho que é uma ferramenta importante, mas

ele tem que estar agregado a outras coisas, e eu acho que é esse equilíbrio que a gente

tem que buscar em diversos canais. É isso, eu tenho consciência dos limites que eu

tenho dentro dessa publicação, como eu disse, tem horas que a gente desanima e fala

que vai desistir, mas outras coisas ali seguram e alimentam. Eu percebo que hoje tem

algumas outras publicações, eu diria até que são todas complementares, porque cada

uma tem o seu perfil, a sua proposta editorial, então, eu acho interessante ter isso, eu

acho que é isso mesmo, são complementares”.

Você trabalha com quantas pessoas?

“Varia, porque quando eu tive esse patrocínio, como a gente é romântico né, e

tenta colocar uma coisa em prática com estrutura, uma equipe, eu já tentei isso várias

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vezes, mas eu não aceito essa coisa como outros fazem de ter trabalho gratuito, e é

até muito usado isso, e às vezes até tem gente que quer escrever porque tem interesse

de ter texto publicado, então, quando é uma situação que realmente não tem como

pagar e a pessoa está afim, eu falo olha, fazemos essa troca, mas eu fico sempre

focada em ter uma estrutura mínima, porque também pensei como um canal plural,

que tenha ali todas as opiniões, digamos assim... Eu acho que a primeira edição foi

bárbara, porque mostrou esses compartimentos todos, eu convidei pessoas... Então,

tinha várias coisas, eu tento segurar, mas quando eu lancei, eu fiz sozinha

praticamente. Só chamei uma menina para ajudar para fazer o quem é quem da dança

contemporânea, e que agora precisa de um monte de atualizações, e o mapa, de

alguma forma, vai um pouco por aí, mas vamos aos poucos... Eu chamei uma menina

para me ajudar, mas eu fiquei quase louca, e até se houvesse ali o link de internet do

grupo ou coisa assim, quando ela me mandou aquilo, uma zona, tinha link de balada,

sabe, eu tive que refazer tudo. E já entrou com mais de 100, então, eu acho bárbaro,

se você tem condições, eu acho que nós todos que trabalhamos com dança, a gente só

fica porque nós somos loucos apaixonados, porque se a gente tivesse uma cabeça mais

pragmática, às vezes eu converso com pessoas que são muito ligadas a dar certo

financeiramente na vida, eu falo gente, acho que estou fora... Mas é também um

alimento que a gente tem e que outras pessoas sentem falta. Então, eu estou sempre

focada em conseguir e fico sempre mal porque não consigo tudo neste

desenvolvimento. Você falou de equipe né... Mas depende, às vezes não é tão simples

você ter pessoas, porque eu venho daquela coisa de ter um fechamento bacana, bem

escrito, bem fechado, um bom título, e não parece, mas é muito trabalhoso. A

programação que eu tento manter em dia, aquilo dá um trabalho para fazer, porque

você tem que baixar foto, às vezes não dá certo, tem que trocar, quando chega um

release bem feito como o da Elaine (assessora de imprensa que estava presente nesta

entrevista), ótimo, mas às vezes chega um que não tem nada, e você tem que ir atrás,

sabe... E lá no wordpress, não sei se vocês conhecem, onde alimenta ali, pelo menos a

minha estrutura lá, eu tive que ter aulas para isso, os programadores às vezes tem que

entrar no meio porque não deu certo, tem que refazer, rever, e eu com pressa, e aí

não dá tempo, é um horror. Mas ali, você tem colocar e eu queria fazer um serviço

bacana, sabe, tem um mapinha lá se você clicar, vai dizer onde é, por isso eu torço

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sempre para me mandarem as informações completas. Então, tem um segmento para

cada coisa, você tem que inserir a data, o não sei o que, é São Paulo, não é, baixa foto,

põe a legenda, não sei o que, pesquisa aqui, não é simples... Então, tem hora que eu

enlouqueço, porque não é fácil fazer tudo isso, sabe, e eu falo, eu me proponho a ser

uma publicação completa, mas com uma estrutura micro”. – Sem toda a estrutura e

equipe de uma empresa de comunicação. “Mas eu acho que a proposta é essa, você

difundir a informação, e eu mesma sei que uma informação consistente, ela te

desperta, ela te leva, te conduz a você, usando positivamente o termo, a consumir

cultura, você descobrir, ter aberturas para a arte contemporânea, tudo isso. Então, é

acreditando nisso que a gente se dispõe a fazer”.

De que outras maneiras você vê que o Conectedance se diferencia dos outros

veículos midiáticos, por exemplo, dos portais dos jornais na internet?

“Por exemplo a página do Uol? Veja só, aquilo é uma baita estrutura que

também foi mudando com o tempo. Tinha a redação da Ilustrada impressa, a redação

da Folha impressa, que ficava à parte do Uol, hoje, está tudo misturado. Quando eles

misturaram, foi outra mudança, porque os caras passaram a ter que alimentar esses

vários canais, eu acho que interferiu também, e eu acho que isso tudo está em

questão, as grandes empresas estão tentando resolver. Agora imagina a gente, micro,

se eles têm dificuldades, porque eu acho que interferiu na própria edição do assunto,

porque se antes você tinha a oportunidade de se aprofundar um pouco mais sobre um

assunto, na internet, você já tem que ... ‘estalar dos dedos’... é tudo meio igual. E por

isso que eu acho que os impressos estão afundando, porque a internet se antecipa na

informação em si, e os impressos que tinham a função de aprofundar, não estão

aprofundando, a tal reportagem, que eu acho o máximo, não tem mais”. – Fomos

interrompidos pelo alarme de incêndio da Galeria Olido. Trocamos de espaço, e

continuamos.

Sobre a possível diminuição de público para a dança:

“Isso eu acho que também deveria ter sido discutido naquele encontro

(novamente se referindo à Mesa da IX Mostra de Fomento à Dança), porque a minha

intenção era essa, foi diminuindo na mídia e, obviamente, isso deixa de alcançar um

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público e o que interfere? Mas enfim não deu... Mas eu vejo o seguinte: quando

começou essa coisa assim estimulante na redação, era bárbaro, porque a gente tinha

reuniões de pauta, como eu te falei, que reunia todo mundo da editoria, então tinha o

cara que trazia as coisas de literatura, de teatro, de cinema, e eu levava a dança, era

bacana, todos discutiam, todos ficavam ali interessados e animados. E tinha uma

época menos maluca como agora que a gente tinha essa oportunidade, de sair da

redação e ir para os teatros. Eu via absolutamente tudo, desde os mestres do jazz até...

Tudo, tudo. Agora, os coitados ficam nas redações 24 horas, ganhando quase nada e

ainda não veem nada, e é tudo por telefone, ou pelo que recebe da assessoria. A

percepção que eu tenho, teve um momento, que teve um público interessado em

dança, eu vejo até, uma certa inteligência mesmo, sabe, vejo os colegas, tem caras que

tem um padrão cultural, se interessam por cultura, mas com o tempo eu fui vendo

perder o interesse pela dança. E eu não sei como, fico querendo discutir com o

pessoal, e acho que de alguma forma se discute, mas eu acho que ficou muito

introjetado sim, e eu acho que, óbvio, o primeiro momento o grande apelo é de uma

companhia muito conhecida, vem o Baryshnikov para cá e todo mundo quer ver, e

paga qualquer coisa, mas a proposta é que o hábito cultural esteja presente no dia-a-

dia das pessoas. Eu já fui para eventos no interior da França, onde eles cultivam isso.

Agora, eu acho que é toda uma situação brasileira, é descontinuidade, você não sabe

se no ano que vem você vai continuar fazendo, entendeu, então, não se cultiva. Uma

época eu ia muito para o Festival de Montpellier, que é uma cidade desse tamanhinho

assim, mas tem lá os Festivais , então tem vida cultural desde as salas das

universidades, até no teatro antigo, no teatro super moderno, na sala não sei de onde,

você vivencia aquilo. Esses Festivais, assim como Avignon, ocorre na época de férias

deles que é verão, no meio do ano, e lá tem esse hábito, eles vão para o interior, levam

os filhos para terem contato. Eu, por exemplo, via discussões, acontecia uma discussão

no museu, ali de Montpellier, de arte contemporânea, até a Trisha Brown fez uma vez

uma apresentação lá, e eu acho que ela fez aqui também, e à tarde tinham as

discussões que eles reuniam jornalistas e críticos do mundo inteiro, o mundo inteiro ia

para lá, porque veja só, tinha algo ali que interessava a todo mundo, sabe, vinha gente

de Israel, porque ia a programadora lá do Festival, se alimenta, convida, não sei o que,

e esse trâmite que não é possível ainda desenvolver aqui com regularidade. Eu acho

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que essa falta de regularidade é um grande problema para nós. E à tarde tinham essas

discussões, eu estou citando lá do museu, iam os críticos internacionais, os jornalistas

todos, os criadores, e assim, aquele cidadão comum que vai lá e não se sente

intimidado de falar o que ele achou do espetáculo. E é um pouco mais elaborado,

porque ele tem isso no seu dia-a-dia, ele pode não entender nada de dança, mas está

inserido na vida dele. Então, hoje, depois dessa vivência toda, é o que eu defendo:

educação, tem que estar pensada junto, no Brasil é tudo assim, tudo jogado, educação

e cultura, aqui é tudo muito imediatista, são projetos personalistas, que você faz e o

cara sai da função, do mandato, o outro que vem, destrói tudo para botar o dele, sabe,

não! Ali, as coisas duram. O Festival de Avignon tem mais de 50 anos, acontece todo

ano, então, nós todos sabemos, se você tem a chance, disso que o Fomento trouxe de

2 anos, é um avanço, mas ele é muito pouco, sabe, você teria que ter uma perspectiva

de pelo menos 5 anos para frente. Porque é assim que você desenvolve e ganha estofo

para ter uma sustentabilidade. De tudo, seja do seu projeto criativo, do seu grupo, da

minha publicação, então, tudo isso vai criando uma rede, e olha que assim, essas crises

atingiram esses centros mais estruturados, mas mesmo assim é diferente e é isso que

eu digo, as pessoas tem que estar com a cultura no seu dia-a-dia. E eu ainda digo que

no Brasil nós tivemos essa coisa que, grande parte da população foi educada, entre

aspas, pela Rede Globo. Fazia lá, sabe, o Dança em Pauta no Centro Cultural Banco do

Brasil, que legal, vai um público que nunca viu dança, e eu lembro que uma vez eu

programei o Diogo Granato que tem uma pegada mais pop, ótimo, e daí vai aquele

povo que nunca viu dança e eu também acho ótimo, e daí está todo mundo assim...

Auditório... Então, isso tudo é educação, e eu acho que se a gente tivesse uma coisa de

educação mais evoluída, se a criança está tendo acesso a uma informação, a uma

formação mesmo desde criança, ela pode nem gostar de arte contemporânea quando

adulta, mas não será estranho para ela, ela vai ver e não vai achar um bicho de 7

cabeças, nem vai se sentir intimidada. Então, eu digo que nós todos somos

missionários, quixotes, porque se eu tenho, assim, eu seguro essa publicação que me

dá mais trabalho e dor de cabeça do que outra coisa, questionamentos mil, que eu não

consigo chegar aonde idealizei, é porque a gente fica assim, nós fazemos os nossos

trabalhos, individuais, enquanto isso deveria ser um projeto político de cultura. Então,

eu acho muito importante o que acontece na cidade de São Paulo, essa oportunidade

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de diálogo, de reuniões, embora tenha todas as discussões e discordâncias, uns ficam

ainda menos ou mais, mas criou-se uma perspectiva nesta cidade que antes não havia.

Hoje eu estava lembrando... Eu sou mais velha, e eu lembro de uma época em que

havia as bolsas Vitae e eu era chamada lá nas comissões, e que era o que, teve um

empresário sensível, bibliófago, um mecenas que criou essa fundação para dar bolsas,

chamava de bolsas, uma verba ali para a pessoa desenvolver. E realmente, até a

maneira de apresentar, gente importante mandava, às vezes, manuscrito com uma

florzinha desenhada... Então, sabe, evoluiu muito, mas ainda é muito pouco... E em

uma cidade tão consumista como a de hoje, a pessoa se dispor a dedicar a dança, que

não te dá dinheiro, não te dá um monte de coisa, eu acho demais. Agora, eu acho que

essas discussões todas são importantes, e o Fomento, de alguma forma, a gente

percebe que levou um tempo, ele foi trazendo mudanças importantes, porque desde

que eu acompanho, teve todo aquele escopo, mas ele foi abrindo para grupos que

estava mais à margem, e se agora tem essa discussão discutível, problemas e tudo

mais, eu acho que tem uma certa validade. Porque eu acho que tem que estar tudo

reunido mesmo para a dança se fortalecer”.