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De 1932, ano em que abriu o primeiro “fast food drive-in” nos EUA, até 2007, ano em que a McDonald’s Portugal se tornou na primeira franchise europeia a fornecer wi-fi gratuito em cada um dos 120 (à época) estab- elecimentos no nosso país, vai uma longa distância. Pelo meio, a cadeia dos irmãos McDonald revolucionou hábitos, criou polémicas, deu origem a um índice económico, a um con- ceito laboral pejorativo e a um termo da Sociologia, promoveu incontáveis referências pop cul- turais e espalhou-se por 119 países onde alimenta milhões de pessoas diariamente. Sem querer discutir os méritos e defeitos da McDonald’s, im- portam-nos as memórias. E não estamos a falar do patrocínio oficial ao Euro 2004. Estamos a falar dos brindes do Happy Meal. O Happy Meal apareceu em 1978 como a refeição dos mais novos. A prová-lo está o tamanho das doses e a intro- dução de um brinde. Atraindo as crianças, a McDonald’s ten- tava vender-se como restau- rante familiar e em 1980 exportou o Happy Meal para fora dos EUA. Quando, em 1991, o primeiro restaurante da marca abriu em Portugal o Happy Meal era um conceito implementado e um produto de sucesso: “preferido pelos filhos, aprovado pelos pais”. Apesar de por cá não termos a nossa própria tradução para Happy Meal, ao contrário do Brasil onde se deve pedir um McLanche Feliz, também as crianças portuguesas têm crescido a brincar com os brindes do seu menu. No entanto, é justo dizer que a maioria de nós vê os premiums como uma diversão descartável e não como o item de colecção que realmente é. Os brindes do Happy Meal - os brinquedos mais coleccionados do mundo - têm sabido reflectir, através de inúmeras licenças milionárias, os gostos das crianças de todos os países, nomeadamente através da ligação, extinta em 2006, com a Disney. No início, quando os premiums eram relativamente simples, as personagens da McDonald’s eram o principal motivo nas caixas do Happy Meal. Importa referir este esquecido grupo de figuras ao serviço do marketing da marca, do qual apenas Ronald McDonald, enquanto mascote da cadeia, é ainda recordado pelos portugueses. Além do palhaço assustador (que é fácil de imaginar a fumar no backstage da gravação de um anúncio televisivo en- quanto é ordinário com as cri- anças presentes no plateau),

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De 1932, ano em que abriu oprimeiro “fast food drive-in” nosEUA, até 2007, ano em que aMcDonald’s Portugal se tornouna primeira franchise europeiaa fornecer wi-fi gratuito em cadaum dos 120 (à época) estab-elecimentos no nosso país, vaiuma longa distância. Pelo meio,a cadeia dos irmãos McDonaldrevolucionou hábitos, crioupolémicas, deu origem a umíndice económico, a um con-ceito laboral pejorativo e a umtermo da Sociologia, promoveuincontáveis referências pop cul-turais e espalhou-se por 119países onde alimenta milhõesde pessoas diariamente. Sem querer discutir os méritose defeitos da McDonald’s, im-portam-nos as memórias. E nãoestamos a falar do patrocíniooficial ao Euro 2004. Estamos a falar dos brindes do HappyMeal.

O Happy Meal apareceu em1978 como a refeição dos maisnovos. A prová-lo está otamanho das doses e a intro-dução de um brinde. Atraindoas crianças, a McDonald’s ten-tava vender-se como restau-rante familiar e em 1980exportou o Happy Meal parafora dos EUA. Quando, em1991, o primeiro restaurante damarca abriu em Portugal oHappy Meal era um conceitoimplementado e um produto desucesso: “preferido pelos filhos,aprovado pelos pais”. Apesarde por cá não termos a nossaprópria tradução para HappyMeal, ao contrário do Brasilonde se deve pedir umMcLanche Feliz, também as crianças portuguesas têmcrescido a brincar com osbrindes do seu menu. No entanto, é justo dizer que amaioria de nós vê os premiumscomo uma diversão descartável

e não como o item de colecçãoque realmente é. Os brindes doHappy Meal - os brinquedosmais coleccionados do mundo -têm sabido reflectir, através deinúmeras licenças milionárias,os gostos das crianças de todosos países, nomeadamenteatravés da ligação, extinta em2006, com a Disney.

No início, quando os premiumseram relativamente simples, as personagens da McDonald’seram o principal motivo nascaixas do Happy Meal. Importareferir este esquecido grupo defiguras ao serviço do marketingda marca, do qual apenasRonald McDonald, enquantomascote da cadeia, é aindarecordado pelos portugueses.Além do palhaço assustador(que é fácil de imaginar a fumarno backstage da gravação de um anúncio televisivo en-quanto é ordinário com as cri-anças presentes no plateau),

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havia ainda Grimace, Hambur-glar e Birdie. Como eram pre-sença francamente secundáriana promoção da marca em Por-tugal, não era raro ouvir alguémfalar do “Roxo”, do “Ladrão” eda “Pássara”, respectivamente.Grimace é a personagem Mc-Donald’s melhor conseguidagraças ao seu look descon-traído e atitude curtida (que lhevaleu, um dia há muitos anosatrás, uma cuspidela no Mc-Donald’s das Antas). Hambur-glar faz lembrar um Alfred E.Neuman depois de dois AVCs eBirdie parece uma personagemrejeitada do elenco da RuaSésamo. Hoje, estão destina-dos a apodrecer na memóriacolectiva e confinados a es-quinas escuras em cada restau-rante onde ainda exista umboneco gigante. Mesmo o palhaço Ronald parece resig-nado com a sua falta de protag-onismo que o atira para a alainfantil de alguns hospitais emvisitas a crianças doentes.

Para além dos brinquedos, aprópria caixa do Happy Mealcom que crescemos acrescen-tava valor à refeição. As embal-agens da refeição infantil maisvendida do mundo eram tam-bém elas coleccionáveis e im-portantes complementos àpromoção em vigor, sobretudose fosse possível construir umdiorama com as mesmas. Noentanto, a gordura e os restosde alface com mostarda dificul-tavam a tarefa de guardar oscartões do Happy Meal e o seudestino era geralmente o lixo.Outra particularidade do HappyMeal da nossa infância era anoção que o brinde eraaleatório e não calendarizado

uma vez que as idas ao Mc-Donald’s eram controladaspelos pais, os mesmos respon-sáveis pela dificuldade em completar as colecções inteiraspor força das preocupaçõesgastronómicas dos progeni-tores. Daí que os clientes maisousados pedissem ao adoles-cente atrás do balcão para trocar brindes de modo a com-pletar a sua colecção. Outraparticularidade é a altura emque comer Happy Meals deixade ser visto com normalidadepelos nossos colegas que estãomuito comprometidos com asua pré-adolescência. É precisoesperar pelo fim do período de nojo para que os brinquedosdo McDonald’s sejam nova-mente aceites e não precisemde ser guardados às escondi-das, mas antes mostrados comorgulho junto a boxes DVD ouem cima da PS2 lá de casa.

Os brindes do Happy Meal sãotradicionalmente veículos pro-mocionais de filmes infantis (du-rante 10 anos a Disney foirainha – ficou na memória amegalómana promoção dofilme “101 Dálmatas”) ou deoutras linhas de brinquedos(como a da Barbie ou os HotWheels), mas hoje em dia osbrindes são menos memoráveise até as franchises não-há-que-enganar têm resultados insatis-fatórios. Foi o que aconteceuem 2008 com a promoção parao filme “Star Wars – The CloneWars”. No que a brindes StarWars diz respeito, os brinque-dos de corda do rival BurgerKing são, em comparação e nanossa opinião, muito melhores.

A nível pessoal, o Miguel só selembra de ter os brindes idiotas:o Tails, a árvore da Pocahontas,

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MIGUELTEIXEIRA

flickr.com/photos/miguelteixeira

Centrão

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BEIRA ,

FAROESTEPORTUGUÊS"Aquele Querido Mês de Agosto" possibilitou a inversão de papéis entreMiguel Gomes e o cinema. De crítico da sétima arte a objecto de críticapela realização de um documentário ficcionado, Gomes representou e apresentou o Portugal do interior no mês em que emigrantes e bailes dealdeia fazem a festa. Já editado em DVD, a segunda longa do realizador,aqui entrevistado por e-mail, é música de baile e fotografias descoloradas

por Ana Maria Henriques e Miguel Carvalho

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IGUAL – Qual o significadoda cena inicial? A raposa é aequipa de filmagens e, em última análise, o espectador,e as galinhas a populaçãobeirã? É um piscar de olhos a “A Caça” de Manoel de Oliveira?

Miguel Gomes (MG) – Nãoacho que as metáforas e o simbolismo sejam muito produ-tivos no cinema. Os filmes nãosão charadas, nem o especta-dor um detective. Em geral,acho que muitas vezes não sevê o que se tem à frente porquese tenta ver mais além. Filmeiessa cena, antes de tudo,porque na região há raposas e capoeiras e a interacção entreestes dois elementos vem de tempos remotos, faz partede um imaginário rural. É claroque, deixando a porta do galinheiro aberta, instaura-seum princípio de desejo deficção: a raposa vai entrar e devorar as galinhas? É umacena híbrida entre o registo ditodocumental e o desejo deficção que o cinema despertaem nós. Mas não havia sim-bolismo. Não me lembrei dessacena de A Caça, se a roubei foi inconscientemente.

IGUAL – Considerando queem Cannes o filme foi considerado um objecto es-tranho: como correu a pro-jecção em Arganil às gentesda terra/protagonistas?

MG – Não sei se em Cannes oacharam assim tão estranho.Quanto à recepção na BeiraSerra houve de tudo, quemgostasse e quem não gostasse.Mas o mais curioso é o modo

como as pessoas que partici-param ou estiveram próximasda rodagem do filme o confrontavam com essasmemórias. Há sempre alguémque pergunta porque é que nãomostrámos a casa do genro ou cortámos um primo de alguém na montagem final.

IGUAL – Revendo o filme nasua edição DVD deu-me impressão que seria umacrescento útil o comentárioáudio do realizador. Por quenão existe um? Ninguém selembrou, não quiseram de-scodificar o filme, não houvemeios?

MG – Eu sei demasiado sobreo filme para poder falar delesem impor a minha versão ediminuir-lhe um pouco o mis-tério. Uma das coisas que maisgostámos quando o filme foivisto era a forma como as pes-soas se interrogavam sobre oque era encenado ou casual, o que tinha sido provocado ounão, e todo esse lado de inde-terminação parece-me umaqualidade e não um defeito. E os filmes são experiênciaspara serem vividas, não sãocadáveres para serem disseca-dos. No outro filme que lançá-mos em dvd, “A Cara queMereces”, organizamos um co-mentário audio com quatro críticos a dizerem coisas difer-entes uns dos outros e, àsvezes, a atropelarem-se porquefalavam ao mesmo tempo enquanto eu lhes preparavacocktails. Tentámos não reduziro filme a um único ponto devista, por mais interessante que este fosse.

IGUAL – Com dois génerosem palco (o documentário e aficção) seria se esperar quese anulassem por oposição,que houvesse um interruptoron-off, mas há antes um enlevo narrativo de blocosque, mais do que se encaixarem, se prolongam.Concorda?

MG – Sim porque a ficção faz jáparte daquilo a que chamamosde realidade. Vamos constru-indo as nossas personas e fabricando os nossos própriosmitos que passam a ser tãoreais quanto o resto. E a Beiraem Agosto, cheia de canções efogos de artifício, é já de si um território habitado por umagrande pulsão de ficção e espectáculo.

IGUAL – Não houve qualquerreaproximação com a SóniaBandeira? Mantém contacto,por exemplo, com o FábioOliveira e com outros dos actores improvisados ?

MG – Mantenho-me em con-tacto com todos menos com aSónia. Ela deixou de quererfazer o filme na véspera de otermos de fazer e isso foi muitocomplicado de gerir. Para ela epara nós. Gosto muito dela nofilme mas os laços que se man-têm depois com as pessoascom quem trabalhamos já têma ver com relações pessoais,e x t r a - c i n e m a t o g r á f i c a s .

IGUAL – O papel da músicano filme é fulcral. O registopopular, por exemplo, é apre-sentado mais como elementodiegético do que comobanda-sonora, daí aquela

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Miguel Gomes, o realizador de “Aquele Querido Mês de Agosto”, nas cenas finais do filme.

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A banda “Estrelas do Alva” numa actuação panorâmica com vista para as Beiras.

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cena final. Ou seja, vai-se àsBeiras em Agosto e ouvirDino Meira é tão natural comover silvas num monte ou ouvir o vento numa centraleólica. Concorda?

MG – Ouvir música de bailesim, Dino Meira não. As bandastocam sobretudo os êxitos domomento e o Dino Meira ficoupara trás, perdido no tempo.Mas eu acho que a canção“Meu Querido Mês de Agosto” écentral no imaginário local,mesmo que ela já não fosse tocada quanda a filmei. Excep-tuando o “Baile de Verão” doJosé Malhoa, todas as outrascanções tocadas pelos Estrelasdo Alva são canções que jáninguém tocaria na realidade.Mas é verdade que uma dasmemórias que guardo da exper-iência deste filme é de escutarà noite, na varanda da casa quea equipa partilhava na serra, osom dos vários concertos nasaldeias a misturaram-se uns

com os outros, mas tambémcom o barulho das cigarras e com o piar das corujas.

IGUAL – Em Cannes disseque a Beira é o faroeste português. Por que diz isso?É pelos excessos?

MG – Porque há um lado sel-vagem, há novos colonos quechegam e se instalam, e a leilocal é ainda bastante ditadapela própria comunidade. Maseu não sou sociólogo e essaafirmação é certamente produtodo meu próprio desejo de ficção.

IGUAL – Disse que nunca feznada de tão instintivo e comtão pouca preparação. Seatendemos ao corte orça-mental, à transfiguração degénero, ao director de pro-dução que dá uma perninhacomo actor, os próprios actores amadores. Este é umfilme do desenrasca e por

isso ainda mais português?

MG – É verdade que tivemosque nos desenrascar. Se foi àportuguesa não sei.

IGUAL – O conceito de intro-duzir os actores ainda antesde introduzir as personagensé original. Já viu outrosfilmes que sigam esta estrutura?

MG – Não sei, não me recordo.Mas conheço vários filmes, sobretudo sem actores profis-sionais, onde a personagem eaquele que a interpreta disputam o interesse do espectador.

IGUAL – Está a trabalhar emnovos projectos? Um novofilme, talvez?

MG – Um novo filme que iremosrodar para o ano e do qual nãoirei falar porque aprendi quetudo pode ir mudando.

Os filmes são experiências para

serem vividas, não são cadáveres

para serem dissecados.

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10 FILMES ESSENCIAIS DOCINEMA DE HONG KONG

Desde o apogeu da Shaw Brothers nos anos 70 até à era actual de efeitos especiaise cantores de Pop cantonês, a indústria cinematográfica de Hong Kong tem sido umadas mais caóticas e imprevisíveis à face da terra. Para quem quer começar a entrarno género, também a sua produtividade estonteante, não adversa a remakes,remontagens e rip-offs de toda a espécie, pode ser um obstáculo. Ficam aqui setesugestões de como melhor mergulhar no universo do cinema made in Hong Kong.

por Daniel Sylvester

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1- Five Deadly Venoms (1978)

Não é bem verdade que sãoiguais todos os filmes da ShawBrothers, o primeiro grande es-túdio de Hong Kong e oprimeiro a exportar os seusfilmes além-fronteiras comalgum sucesso, mas tambémnão é uma falsidade completa.A Shaw Brothers, durante a suafase mais fértil dos anos 70,fazia toda a espécie de filmes,incluindo comédias, romancese filmes de terror. Mas a suareputação deve-se indubitavel-mente a uma série aparente-mente inesgotável de contos deartes marciais, sempre nosmesmos cenários arcaicos equase sempre centrados nomesmo enredo principal: umjovem discípulo busca a vin-gança pelo assassinato do seumestre. É um formato rígido equem não acha piada a umprovavelmente não irá mudarde ideia após ter visionado 20.Por outro lado, quem aprecia aestranha atmosfera de conto defadas, as brutais façanhas deartes marciais, os estilos aindaassim vagamente distintos dolírico King Hu e do sanguinárioChang Cheh, e o anúncio reconfortante que o filme seráapresentado em "ShawScope",tem à sua frente uma fontequase inesgotável de delícias."Five Deadly Venoms" é apenasum dos muitos bons argumen-tos para a tese de QuentinTarantino, segundo a qual o seu realizador Cheh é "o Jack Kirby de Hong Kong".

2- Enter The Dragon (1973)

Actor desde a mais tenra infân-cia, especialista de artes marci-

ais e dançarino de cha-cha-chapremiado, Bruce Lee foi aprimeira grande vedeta interna-cional de Hong Kong. Dotadode um poderoso carisma, Leeutilizou a sua fama para popu-larizar vários conceitos dafilosofia oriental, apostandotanto no zen como na sua destreza física – mesmo quemuitos dos seus "ensinamen-tos" roçassem o plágio. Con-tratado para aparecer na sérieamericana "The Green Hornet",Lee dedicou algum tempo dasua vida a desempenhar papéisde ajudantes e capangas nosEUA, mas foi após o regresso aHong Kong que o actor atingiuo verdadeiro estrelato via umfilme da Golden Harvest titulado"The Big Boss". Mas o melhorfilme de Lee – e o último antesda sua trágica e prematuramorte – é uma co-produçãoamericana, com todo o estilo e cool inerente à Hollywood dos anos 70. Vilão à JamesBond? Presente. Personagemblaxploitation com afro inacred-itável? Pois sim. Banda sonorade Lalo Schiffrin? Por quemsois! "Enter The Dragon" mistura espionagem, mística,crítica social e pontapés contraa cabeça de forma assaz e satisfatória.

3- Police Story (1985)

A ascensão de Jackie Chan aestrela nacional (e, mais tarde,internacional) marcou um pontode viragem na indústria cine-matográfica de Hong Kong:subitamente, o herói solene encarnado por Bruce Lee es-tava out, e o Zé Povinho sorri-dente protagonizado por Chanestava in. Jackie era adorado

porque não possuía pretensõesa um cool elitista: as suas palhaçadas e desventurastraziam à mente não AlainDelon ou Clint Eastwood, mas o humor clássico de um CharlieChaplin ou Harry Lloyd, influên-cias assumidas pelo próprio na sua cinematografia. E para além disso, claro, havia os stunts absurdamenteperigosos, possíveis apenasnum país em que as regras desegurança no trabalho eramvistas de forma bastante laxa eas tríades controlavam uma boaporção da indústria. Em "PoliceStory", Chan dá coça quebaste, provoca acidentes de viação que trariam um sorriso àcara de John Landis e, de vezem quando, sorri como quepara dizer "fui eu que fiz isto?".Adicionem um final abrupto nobom estilo Hong Kong e têmuma obra-prima do género.

4- Mr.Vampire (1985)

Os vampiros em terras chine-sas não são como os de cá.Pulam, não te vêem se susténsa respiração e podem ser controlados colocando um paucom um pergaminho na suacabeça. Criaturas, no fundo,mais reminiscentes de zombiesdo que de vampiros à ocidentaldominam esta comédia de terror que, sem contar comvedetas de peso nem com umrealizador famoso, conseguiulançar uma pequena febre parafilmes semelhantes a meio dosanos 80. "Mr.Vampire" é entretenimento puro, desde asincontáveis acrobacias dos desesperados caçadores devampiros à aparição de um fantasma com cabeça desmon-

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tável e uma cena de comédiade costumes, na qual os protag-onistas se vêem à rasca porterem que cumprir os rituais do teatime no estilo britânico.Destaque ainda para a bandasonora, repleta de sinteti-zadores primitivos e coros de crianças – "frightening,frightening, frightening siiiight"!

5- Hard Boiled (1992)

John Woo pode gabar-se deuma honra singular: é o únicorealizador nativo de Hong Kongcuja fama internacional se podemedir com a de estrelas comoJackie Chan ou Jet Li. E, se asua obra em Hollywood deixaalgo a desejar, nem por isso osseus feitos anteriores parecemmenos impressionantes: com asérie "A Better Tomorrow", Woointroduziu Chow Yun Fat (oCary Grant chinês, no que tocaao seu charme e à sua versatil-idade) e lançou mais umagrande tendência: os filmes detríade. Depois de várias dé-cadas dum cinema fundamen-talmente inocente, recheado deaprendizes desastrados comoJackie Chan em lutas poucoambíguas entre o bem e o mal,Woo trouxe a estética noir paraHong Kong, investigando o sub-mundo criminoso da metrópolee lançando as bases para todauma gama de realizadores, deRingo Lam até Johnnie To. Ecomo se isso não fosse suficiente, Woo estabeleceutambém, em filmes como "HardBoiled", um novo nível de inten-sidade para o cinema de acção,com stunts suicidas e armas decartuchos infinitos. "HardBoiled", talvez o filme mais conhecido da fase Hong Kong

de Woo, é uma boa introduçãoà estética do realizador.

6- City On Fire (1987)

Se John Woo introduziu o noir aHong Kong, Ringo Lam subiucom força o nível de ameaça eniilismo. Mais conhecido pelasua triologia "on fire" (City,Prison, School), Lam delicia-seem mostrar o lado sórdido dasua cidade, apostando emenredos que dão maior valor àcaracterização e à complexi-dade narrativa do que aos espectáculos de fogos-de-artifício aos quais estamosacostumados quando pen-samos no cinema de HongKong. Em "City On Fire", ChowYun Fat (num dos seus papéismais puramente dramáticos)faz o papel de um polícia a trabalhar infiltrado numa organi-zação criminosa. A violênciaverdadeiramente chocante e a ambiguidade moral do filmeresultam numa obra extraordi-nariamente satisfatória, per-feitamente comparável aosmaiores triunfos de Jean-PierreMelville e Martin Scorsese. Umjovem Quentin Tarantino, maravilhado com o filme, iriaacabar por integrar muitos dosseus momentos no seu filme de estreia, "Resevoir Dogs".

7- Once Upon A Time In China(1991)

E quando já parecia que o cinema de Hong Kong se tinhadesviado por completo dos con-tos que por tantos anos lheserviram de fonte principal, eisque chega o filme que trouxenova vida ao estilo wuxia. TsuiHark, já desde o início dos anos

80 um dos grandes inovadoresem Hong Kong, criou com"Once Upon A Time In China"uma ode de amor à cultura doseu país, carregada com a melancolia de um povo espal-hado por uma diáspora infind-ável. Recuperando a famosapersonagem histórica e íconenacional Wong Fei Hung (cujasfaçanhas já tinham servido de inspiração para dúzias de filmes na primeira metade doséculo XX), para encarnar oherói Hark encontrou Jet Li, umjovem actor cuja dignidade e aptidão com as artes marciaislembravam Bruce Lee. Ao longode três filmes (haveria aindamais três com outras conste-lações), a equipa Hark/Li detal-hou as aventuras de Fei Hongna sua luta contra o imperial-ismo ocidental – sendo quebritânicos, alemães, ameri-canos e russos eram igual-mente retratados como vilõesda peça, apesar de a ideologiade Hark não ser completamenteisolacionista: uma seita ultra-nacionalista é alvo da fúria de Lina primeira sequela do filme. Otítulo de conto infantil não eraum acaso nem só uma referên-cia a Leone, mas uma descrição acertada para o filme,mesmo nas suas cenas deacção, marcadas pelo voo com cordas cedo conhecidocomo wire fu.

8- Naked Killer (1992)

Mais ou menos ao mesmotempo que Tsui Hark revital-izava o género das artes marci-ais, crescia também apopularidade dos assim chama-dos filmes de "categoria III",uma classificação governamen-28

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tal para filmes adultos que incluía tanto o canibalismo de"The Untold Story" e a torturade "Men Behind The Sun" comoa comédia sexual "Sex & Zen"e o drama homossexual deWong Kar Wai "Happy Together". "Naked Killer", umdos maiores filmes de culto doestilo, centra-se no romanceentre uma jovem assassina(Chingmy Yau) e um políciacom um passado trágico, protagonizado por Simon Yam("o Robert DeNiro de HongKong", segundo Lee Server.)Yau aprende a controlar as pes-soas através da sedução, etudo caminha para um show-down com um par de assassi-nas lésbicas. No caminho, hácenários de kitsch incrível,humor que faz o "American Pie"parecer Oscar Wilde, angústiaexistencial no bom tom noir e um homem que come umpénis julgando ser uma sal-sicha. Um clássico do seugénero, absolutamente únicona verve com a qual conseguevender o seu conceito absurdo.

9- From Beijing With Love(1994)

Stephen Chow tem conseguidoganhar um niche internacionalatravés do seu estranho estilode comédia, manifestado emfilmes como "Shaolin Soccer" e"Kung Fu Hustle". Mas antesdos triunfos internacionaishouve "From Beijing WithLove", uma paródia aos filmesJames Bond que agrada pelasua atitude despretensiosa e –para os padrões de Hong Kong– subtil. Chow faz a parte de umagente secreto a comando dogoverno chinês, lidando com

gadgets, femmes fatales e assuntos semelhantes; podenão ter a riqueza das suasobras mais recentes, mas convence pelo flair.

10- Election (2005)

O estatuto actual do cinemafeito em Hong Kong não é omais saudável, por váriasrazões: a anexação pela Chinainiciou um novo período de censura que, embora muitomais liberal do que se estava àespera, não deixa de surtir osseus efeitos; a aposta forte noCGI e a influência estética datriologia "Matrix" (já por si umderivado medíocre do cinema àHong Kong em mistura comanime) tem resultado numa corrente inabalável de filmesocos na sua grandiosidade; e apartida de quase todos osmaiores ícones da indústria(Jackie Chan, John Woo, Jet Li,Michelle Yeoh e Chow Yun Fatsão apenas os nomes maisconhecidos), tem levado a uma

aposta cada vez maior em estrelas do Pop cantonês comoprotagonistas. No entanto, per-siste um certo niche de cinemanoir de qualidade, inspirado notrabalho pioneiro de Woo e Lambem como em mestres interna-cionais como Melville e MichaelMann. Talvez o maior porta-estandarte deste movimento éJohnnie To, realizador que tem,ao longo dos anos, reunido umaobra impressionante de thrillerspoliciais e filmes de acção. Asua obra-mestra, "Election",mostra as intrigas de umatríade para servir de metáforapara um comentário mais geralsobre toda a sociedade deHong Kong. Um filme que con-vence pelo enredo labiríntico e pelas questões ideológicasque levanta tanto como pela violência feroz, "Election" brilhaainda devido a actores comoTony Leung (no papel dopsicótico Big D) e Wong Tin-Lam, que traz toda a dignidadede um Jean Gabin ao papel do veterano Uncle Weng.

"In The Mood For Love" é o filme mais criticamente aclamado de Wong Kar Wai, mas não entra na lista

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ATÉ À PRÓXIMA VEZ

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