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IGUAL #00 POPCULT + WEB2.0 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA janeiro 2009 NJAP/JU // DIGITÓPIA // DIAMONDS DUB Big List 2k8 + Dan Deacon + YouTube Niches IGUAL_5janeiro:Layout 1 02-08-2009 16:47 Page 1

IGUAL janeiro09

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popcult + web2.0

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IGUAL

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POPCULT+WEB2.0DISTRIBUIÇÃO GRATUITAjaneiro 2009

NJAP/JU // DIGITÓPIA // DIAMONDS DUBBig List 2k8 + Dan Deacon + YouTube Niches

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EditorialAvance até à casa partida

Bem-vindos ao número experimental da IGUAL. A revista que temem mãos é o querer feito acção, como todas as vontades deviam ser.As nossas, pelo menos. Antes de mais, apresentações: a IGUAL éuma revista de periodicidade errática (porque os apetites vão e vêm)dedicada à cultura pop e à web 2.0, por estes dias a mais fascinanteprodutora de popculture. É desafiante esta época em que as novasreferências não saem dos ecrãs jumbo de um multiplex, mas doquarto de um miúdo em Brooklyn ou na Amadora. A IGUAL é oseguimento lógico da escolha da Time para Homem do Ano em 2006:nós. Há quem lhe chame o “culto do amadorismo”, mas suponho queseja uma definição com o seu potencial elogioso. Como somos apenas amadores, ou seja indivíduos apaixonados pelas coisas sobreas quais escrevemos, faz todo o sentido a IGUAL ser de distribuiçãogratuita. Não queremos por um preço entre nós e a nossa relação deamizade com os leitores. Acreditamos na informação gratuita, que écomo quem diz, fazemos isto por carolice.

A IGUAL é diferente, para melhor. O título não é irónico porque nosunem laços criativos, a vontade transgressora, uma certa dimensãomarginal. Mas, e não tenham dúvida, existimos para ser lidos. Nãotemos pretensões de qualquer monta e estamos abertos a contribuições e comentários. Por sermos diferentes para melhor é quesomos iguais: iguais a nós próprios e iguais a quem nos lê. Jovens,gordos de informação, carentes de ócio.

Este mês, e para começar da melhor maneira, os Destaques são a Digitópia do Serviço Educativo da Casa da Música, a reportagem noNJAP/JU e a entrevista com o produtor/DJ Pedro Paulos. Temos também uma lista dedicada ao que de melhor se fez em 2008em diferentes vertentes, bem como novas e inusitadas categorias. Nasecção Broohaha temos artigos sobre os músicos Dan Deacon e R. Stevie Moore e sobre algumas ferramentas online que consolidam

o império bondoso da Google. Depois dos destaques, no Centrão,e como será hábito, um mini portfólio organizado por autor ou por

tema (neste caso por ambos os critérios) e um comic strip, este mêsde Dan Furry. Logo depois: Críticas facciosas a álbuns, livros, video-jogos, DVDs e programas de televisão. E ainda um artigo sobre osloucos finais dos anos 90, numa verdadeira viagem ao passado detodos nós.

Os destaques este mês são tão ricos como variados. Um deles, a reportagem sobre o NJAP/JU, acabar por abranger não só esta a associação como é também um micro-retrato do associativismo português já que a metonímia funciona igualmente quando alargadaa outros colectivos do género. O Núcleo de Jornalismo promoveeventos, edita um jornal, tem uma galeria de arte e está com uma revista de arte em pausa, num exemplo salutar de actividade juvenilnuma rua habituada a mais formalismos artísticos. Como se coordenam estas actividades, como se gere uma equipa, de onde vemo financiamento – todos os aspectos inerentes a um grupo deste tipoforam cobertos. E porque o NJAP/JU não existe sem pessoas tambémquisémos conhecer as pessoas que ajudam a fazer do NJAP um núcleo vivo. A reportagem final resulta numa exultação à actividade,a atitudes pró-activas, de compromisso e envolvimento.

Como podem ver o espírito natalício da partilha ainda está bem presente nesta redacção. Dizem que as melhores coisas na vida sãode graça – esperamos ser a confirmação do adágio.

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Miguel Carvalho

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ENTREVISTA: Diamonds Dub

Pedro Paulos é Diamonds Dub, onovo projecto do lisboeta quetrocou a guitarra pela mesa demistura há alguns anos e agoranão quer outra coisa.

janeiro 2009

ÍNDICE:

#12 #14 #18REPORTAGEM: Digitópia

Este mês fomos conhecer a Digitópia, um dos projectosmais interessantes da vastaprogramação do Serviço Educativo da Casa da Música.Três vivas para o digital!

REPORTAGEM: NJAP/JU

O Núcleo de JornalismoAcadémico do Porto é uma associação estudantil quemerece ser conhecida. O segredo melhor guardado deMiguel Bombarda? Provável.

FICHATÉCNICADirector Vitalício & Editor: Miguel Carvalho Colaboradores: Daniel Sylvester, Pedro Ricardo, Francisco Dias, Amanda RibeiroConteúdo: todos os textos, fotografias e ilustrações são daautoria de Miguel Carvalho excepto se creditadosPaginação & Design: Miguel Carvalho Contacto: [email protected]/Edição: Eufaçooquequero PRESSTiragem: só para os amigosPeriodicidade: errática (distribuição gratuita)Assinaturas: [email protected]: http://issuu.com/miguelc/docs/igual

ILUSTRAÇÃODA CAPA PORAndy Rementer

o logo da IGUALé feito em

QR CODEQR Code é um código de barras 2D criadopor uma empresa japonesa nos anos 90.Significa "Quick Response Code". O logótipo da IGUAL diz "Miguel Carvalho" num divertido exercício deculto da personalidade.

EUFAÇOOQUEQUERO

PRESSE AINDA:

| Crónica 05 | Na primeira pessoa 06 | | Comentário 07 | Broohaha 08 | | Big List 2k8 24 | Centrão 20 |

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Daniel SylvesterNasceu em Hamburgo e cedo causou polémica ao dizer que eratão conhecido como os Beatles. Como nunca lhe perdoaram aafronta voou até aos Açores onde estudou até concluir oliceu. Mesmo a tempo de conhecer o Ronaldo, colega que umavez desenhou uma professora a parir um bezerro. Quis contar-

-nos essa estória e então veiopara o Porto onde aprendeu a odiar o seu curso. Mas como fez bons amigos deixou-se ficar. Tem dois gatos (um casal de irmãos) e é frequentemente gozado no círculo de amigos pelas posições humanistas e razoáveis que teima emdefender. Não se separa da sua Nintendo DS e a sua tartaruga ninja preferida é o Rafael. Se fosse ele a mandaro Presidente do Mundo era Sonic, o ouriço radical.4

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Francisco DiasNascido e criado no Porto,passou a infância por entre oscorredores do Casão Militar ea montra da Brinca Brincalhãono Centro Comercial Brasília.Anos depois, já mais velho,descobriu as maravilhas insinuantes num decote feminino. Mais tarde veio ainternet e com ela novosníveis do Doom para download ea saudosa “idade do multimédia” imortalizada numlivro da DK publicado pelojornal Público. Nunca se refezdo fecho da Roma Megastore naBaixa. Recorda com carinho oentusiasmo com que participoupela primeira vez numa redesocial. Entretanto começou apassar música e concluiu ocurso de Engenharia. O seulema de vida é “tem pai que écego”. Se dependesse dele asPuma Monstro voltavam a estarna moda.

Amanda RibeiroNascida no Porto, hoje vive emMiramar com a sua gata Sushi.Gosta de cantar e de sol e decantar em dias solarengos.Costumava ser obcecada comcartões onde pudesse enfiar acabeça e tirar uma foto pararecordar depois (os amigosadoravam). É espiritual, masnão religiosa e fica bem depeixa. Uma vez viajou atéBarcelona e perdeu um exame nafaculdade. É tia vezes seis.Co-apresentava um programa derádio, mas teve de desistir.Não resiste a um coro de sapos– é demasiado bonito. Gostavaque todos os dias fossem diade ouvir música sem headphonesno trabalho. Na internet podeser vista a fazer perguntas emlinguagem gestual. Se dependesse da Amanda estetexto tinha um slideshow comflores e neve a cair.

Dis

cla

ime

r:Esta revista é um trabalho académico. As imagens e fotografias

que não são da autoria do Director Vitalício, Miguel Carvalho, além de estarem

devidamente creditadas, estão aqui presentes sem qualquer fim lucrativo e

são contempladas pelo uso justo, ou seja, de total boa fé no contexto

académico/não-lucrativo inerente à IG

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CrónicaMissão: Altamente

A família mais estranha desde 1964. Para começar háuma herança. Todas as histórias familiares poderiam ser contadas a partir e através delas. E hátarefas, cumes a conquistar que foram um dia objectos de desejo adiados. Sem estarem cumpridosnão há herança. A herança é um horizonte para estesirmãos. Um dos irmãos, entrevado numa cadeira derodas não motorizada, padece de um síndrome desconhecido no ano 2007 e gesticula muito quandofala – geralmente reclama com alguma coisa; para ele,chamemos-lhe Homem da Cadeira de Rodas, as tare-fas são um opróbrio, mas necessárias para curar a suadoença. Um outro irmão veste-se como um super-herói e simula um olfacto apurado, um olfacto de cão– será o Homem Cão porque em pequeno foi mordido por um canino e ganhou poderes animalescos; a herança separa-o de criar uma equipainternacional de super-heróis. Os outros dois chegamjuntos. Um deles tem uma solenidade bíblica, é alto,fala por aforismos; Jeová quer a herança para sededicar ao proselitismo. O segundo é uma pirotecniade horrores, capa escura a esconder o rosto, olhos quese deixam ver, evita andar porque gosta mesmo é dedeslizar (olá carga dramática) – para todos os efeitoso seu nome é Vlad porque pensa que é um vampiro;a herança é moeda de troca para reaver o seu castelona Transilvânia. Quem junta esta gente toda à voltada herança é o Advogado (assim mesmo, com caixaalta porque é tudo o que faz), antiga glória da literatura ateísta, rompedor da quarta parede e mensageiro das tarefas. São elas: criar o melhor cock-tail de todos os tempos, compor a melhor música al-guma vez escrita, construir um robot funcional e amigo do ambiente, curar o cancro (todoseles) e solucionar o conflito israelo-árabe. Horas de-pois, a uma tarefa de ganhar a herança, os irmãosainda não sabem como pacificar judeus e muçul-manos. É o Homem da Cadeira de Rodas quem fala– E se tudo o que fizémos até agora nos ajudasse a re-solver o conflito? Jeová adivinha o resto do raciocínioe completa – Se conseguirmos reunir os líderes decada parte podemos fazer com que bebam o nossococktail, o problema do mundo é que toda a gente está

atrasada algumas bebidas. Agora, digo eu: se juntarmos uma boa bebida (a melhor das melhores) auma boa banda-sonora (a melhor música alguma vezcomposta) o resultado é comoção geral, festejos e cel-ebrações. O robot não foi esquecido, diz Vlad – Orobot podia deitar abaixo o muro enquanto os líderesfestejam. As soluções boas são as que resultam, comona arquitectura, geopolítica ou desporto. Os irmãosacabaram o dia com a herança e a viver num mundomelhor. O Homem Cão formou a sua legião anti-crime e erradicou a banditagem do Alto Minho. Jeovávenceu um processo de difamação conta RichardDawkins. Vlad não conseguiu reaver o seu castelo naTransilvânia, mas comprou um novo na Pensilvânia.E o Homem da Cadeira de Rodas venceu a doença,foi convidado pela Oprah, aplaudido de pé, capa derevistas, escritor de livros.

Missão cumprida. Altamente.

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Na primeira pessoaI Can Has iPhone

Sei que há um preconceito na intellegensia contraisso, mas posso dizer que sou fiel às marcas. Não poruma questão de estatuto social, mas porque – principalmente no campo cultural – existem de factoempresas que muito simplesmente criam melhores produtos do que outras. São muitos osbrands-fetish que tenho nesse campo: Criterion nosDVDs, Penguin, Wordsworth e Esfera do Caos na literatura, Comme des Garçons no vestuário, Rhino,Soul Jazz e Cherry Red (e etc) na música. E como nofundo sou um sentimental, tenho uma infeliz tendência a dar o benefício da dúvida a marcas queme agradaram no passado, mesmo depois de meterem desiludido mais vezes do que devia seraceitável (olá, Sega!).

Com a Apple, a minha relação é ambígua: não é apenas o valor sentimental (o meu primeiro computador foi um Mac) que me faz continuar a com-prar os seus produtos, mas admito que a empresa tem os seus problemas, principalmente nainteracção dos seus produtos com programas de

outras companhias. Ainda assim, já vou no meu terceiro iPod, apesar de existirem outros leitores deMP3 tão ou mais eficazes (mas não tão bonitos e nãoé pecado contar o design como elementoimportante de qualquer produto). Posto isto: claro

que também iria alinhar no iPhone.

De certa forma, no iPhone os extras superam a funçãoprincipal. Como dirigente associativo, o meu estilode vida actual aproxima-se perigosamente ao temívelyuppie e as funções online do iPhone são uma mais-valia considerável. Já não imagino a minha vida sema opção de conferir a qualquer hora a minha inbox; ainclusão do Safari facilita a vida consideravelmente(onde é que é mesmo aquele restaurante japonês emque vamos ter a reunião de negócios? Google Mapsto the rescue!); e o AOLIM permite-me comunicar com os meus amigos das terras do Obama. Como artista, também tiro bastante proveito da aplicação YouTube: agora possoimpressionar qualquer garota mostrando-lhe os maisrecentes vídeos da Eufaçooquequero Filmes no ecrã

límpido do meu iphone. A net é grátis e não só isso como também posso aceder a qualquer serviço wireless na minha área. E há mais no iPhone: a possibilidade de colocar qualquer MP3 como ringtone é uma delícia para adequar os toques aos amigos. Uma chamada do famoso Luís Folião aparece com o genérico dos “Looney Toons”; se começo a ouvir a voz de Simon LeBon a entoar o clássico “Rio” isto só pode significar uma chamada da glamorosa fine artist Teté.

É claro que também existem pontos negativos: o touchscreen é pequeno, e é difícil digitar (não entendo porquê a Apple ainda não lançou alguma espécie de canetinha, como a Nintendo usa na DS); para além deisso, o corrector automático, apesar de ter a particularidade bastante fixe de ir aprendendo o calão do utilizador, insiste em sugerir palavras quando se escreve “a” ou “o”. Mas são problemas pequenos em comparação com a capacidade de armazenamento, multi-utilidade e pura diversão do iphone. E, claro está, o design é tão bom como a Apple nos habituou.

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por Daniel Sylvester

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ComentárioContra o Brasil

Ganga Impura é o nome de uma recém lançadacolecção da Bertrand apadrinhada pelo escritor Francisco José Viegas. O nome deste conjunto vem,certamente, do soneto “Língua Portuguesa” de Olavo Bilac – um brasileiro – o quedescreve na perfeição o que esta colecção se propõe.Na capa do primeiro número lê-se “Contra o Brasil”,assina Diogo Mainardi – brasileiro, outra vez – e aqui é assinalável a incursão pela ficção brasileira quando geralmente nos quedamos pelas crónicas (de Veríssimo e em viagem aérea para Porto de Galinhas, de preferência) ou anúncios nos

Classificados. Nada contra o cronista por cá editado pela Ambar, até porque capas com altos-relevos são a melhor invenção desde a HP 660c, mas há coisas que cheiram mal quando passam do prazo.

Aqui, colecção literária séria e humilde coluna de opinião, o que se quer é mostrar o Brasil invisível, ou “Brasis”, cortesia oitocentista. Olivro de Mainardi é protagonizado por um anti-herói que usa sem parcimónia do humor destrutivo contra qualquer noção de nacionalismo e resulta numa longa pesquisa do autor de comentários anti-Brasil ao longo do tempo protagonizados por diversas personalidades(Eça, Darwin, Camus, etc).

Depois de colonizador militar, Portugal é hoje colonizado pelo Brasil. Não que isto se configure necessariamente uma ameaça

ou um triste fado, até porque “contaminação cultural” é um conceito que faz tanto sentido como o de “prazer culpado”. Os prazeres são para serem vividos de cuecas na mão e xaropes nada têm a ver com cultura. Oproblema é a taxinomia dessa cultura miscigenada, qual é o Brasil que conhecemos? O Brasil é tanto “padres e senhores doutores” comosó “Garota de Ipanema”. Alegria festiva, demência exuberante e edénica, tropicalismo à flor da pele? Sim, as crianças nos posters de propaganda maoista também estão sempre a sorrir. Um país que é quase um continente não pode ser um caldo verde-e-amarelo de profissionais da boa disposição. Até como produtor de novelas parece ultrapassado e ultimamente fala-se mais nele por força do Acordo Ortográfico (apoiado por pessoas de grandeelevação lusófona como o angolano Águalusa) doque por outra coisa qualquer. Temos sempre, ontem como hoje e amanhã, o futebol: nem o PrémioCamões 2008 escapa à tirania benigna da torcida e de cinco taças do mundo e, verdade seja dita, pouca gente escreve tão bem sobre futebol como eles. Mas o futebol de rua, viveiro de talentos incontáveis, também existe na Holanda, mas por lá chama-se “Voetbalstrat”. A bossa nova hoje não é mais que um género ideal a exercícios de autofagia, ou então um new-lounge composto por versões estéreis e agónicas do britpop com cheiro a Brasil. É tão representativo de um país como umpostal.

Ficando pela música, há uma miríade de brilhantes artistas brasileiros que vale a pena descobrir (perdão: “achar”). Não estou a pensar no tédio sónico de gente como os Tribalistas ou Adriana Calcanhoto, mas na escatológica poesia de Rogério Skylab, no esforço comovente de Sónia Rocha, no tresloucadoamadorismo de Marli, nas rimas esvoaçantes de Ronei (“o poeta da rima”) e nas bandas defrevo e forró que anunciam o nome da gravação

no início do primeiro tema do DVD número três (Limão Com Mel, Aviões do Forró, etc). Ou então Tim Maia, o poeta com swing e cara demenino. Já alguém pensou em trazer ao palcoda Queima gente como a Xuxa? Não percebo qual é o critério de programação que ela não cumpre e nunca vou perdoar à FAP (ou seja a quem for)

não poder assistir ao tema “Meu Cãozinho Xuxo” interpretado ao vivo. E para os adeptos mais fervorosos do “brasileirismo militante” atente-se à amplitude de registos emocionais entre o efusivo Ângelo Máximo(“Domingo Feliz”) e o pudibundo triste Gilliard(“Aquela nuvem que passa”, uma espécie de PandaBear da sertaneja), contrariando qualquer lombrosianismo brasileiro numa batalha emque o vencedor é o ouvinte atento. Roberto Carlos,o rei? O meu é Odair José, o “Bob Dylan da Central Brasil”, sempre equilibrando um sorrisotriste (e brega) na cara. Os exemplos são quase ines-gotáveis. Destaque ainda para o neófito Jorge Verciloe a sua paixão canibal pela popculture: “Prazer! MeChamam de Homem-Aranha, seu herói” ou “Mon-alisa, seu quase rir ilumina tudo ao redor”. Semnunca esquecer Márcio José e as suas óperas do quo-tidiano, um quase-Woody Allen sul-americano, osCavaleiros do Forró como reis do duplo sentido(“Chupa que é de Uva” VS “Senta que é de Menta”)e todo esse capim, mais verde quando verde e amarelo.

Ou as edições de gibis da Abril. Ou as piadas do Costinha, o Solnado que atravessou todo o oceano que nos une à distância de um abraço em português.

Recentemente, descobri um user brasileiro noYouTube, extremamente bélico e agressivo, com grande certeza que o futuro será canarinho. Espero que não da maneira dele.

Não sei se Deus é brasileiro, mas se for, e como diria João César das Neves, deve ser horrível. Mas pode ser mulher. Estou só a confabular, ou melhor, estou a ser pitequeiro. Esta coluna devia-se chamar “postulado pitequeiro”.

Para o final deixei o melhor: sabem por queem Portugal não há mais árvores? Cortaram todas em busca da raiz quadrada.

Adeus país dos bons selvagens.

por Daniel Sylvester

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Apresentação da jovem debutante à GooglepólisA princípio, confesso que olhei com receio para oGmail. Oferecia promessas e esperanças sob a formade quatro GB de espaço. Afirma-se como um veículosocial muito selectivo: o convite para a criação deuma conta assemelha-se à apresentação das jovensdebutantes à sociedade. Foi o que senti ao premiraquele pequeno botão, que criou a minha primeira conta do Gmail. Três anos depois, já contocom três contas pessoais de Gmail, fora aquelas quecriei por obrigação. Devo dizer que o conceito de ume-mail “interminável” é algo que me assusta e mefascina sobremaneira. “Over 7278.190780megabytes (and counting) of free storage”. Oops,passaram dois segundos. Agora já são 7278.191260.Daqui a uns meses serão 8 GB de espaço. “Andcounting”.

É uma sensação de intemporalidade imensa e convida a uma reflexão sobre os limites (inexis-tentes?) da Internet, uma das máximas que o grupoGoogle explora ao máximo. Basta olhar para todosos serviços que uma conta disponibiliza, já para nãofalar das pesquisas no motor de busca google.compor palavras, imagens, notícias (news.google.pt),livros (books.google.pt, versão beta), blogues (blogsearch.google.pt) ou artigos científicos

(scholar.google.pt, também em versão beta).Podemos subscrever as mensagens dos Grupos dasnossas preferências, criar páginas, aceder ao nossoblog (através do Blogger), armazenar as nossas fotosnum álbum Picasa ou vídeos no Google Video. Eaqui, neste espaço de confidências, admito. Sou umaseguidora fiel e beata do Google Reader, um sistemade organização e de leitura dos feeds subscritos.Melhor que isto é a possibilidade de ver os feedspartilhados por outras pessoas, que, por cincosegundos, ascendem a líderes de opinião comescolhas e preferências válidas.

Recentemente, o Google Labs (uma espécie de laboratório de experiências da empresa) criou a oportunidade de anexar miniaplicações ao menu doGmail. É assim que, abaixo do Google Chat (que utilizo bem mais do que o famoso MSN Messenger),tenho um minicalendário, em que posso anotar compromissos e agendar tarefas. Para além disso,posso observar a agenda dos serviços que subscrevi,por exemplo, a programação cultural da cidade doPorto ou da Casa da Música em específico.

Depois, o Google Docs, um sério rival do Microsoft Office, que permite a escrita, o armazenamento e o acesso a documentos, de texto,folhas de cálculo ou apresentações, que podem ser sempre alterados, com a autorização do utilizador, por um outro detentor de uma conta doGmail. Uma ferramenta muito útil em trabalhos degrupo ou no debate de ideias de uma empresa. A saga continua com o Google Chrome, o browserque quer combater o Internet Explorer. A esteainda não me rendi, mas confesso que a simplicidadee a rapidez com que trabalha é algo que justifica a sua utilização em alguns sites mais pesados. Faltam-lhe as extensões do Firefox, apenas.

A Google surgiu há dez anos, enquanto projecto daUniversidade de Stanford. A página original do seumotor de busca pode ser vista no endereçohttp://web.archive.org/web/19990428194807/google.stanford.edu . Uma das coisas que achei mais curiosas foi o ponto de exclamação, um sinalclaro da empresa líder na altura: a Yahoo!. O tempo muda tudo. Resta saber se o Gmail vai tertempo e espaço para atingir 1 terabyte dearmazenamento. “And counting”.

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por Amanda Ribeiro

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R. Stevie MooreGuru POP por cumprirÉ provável que o nome não diga nada, mas R. Stevie Moore está à beira de completar 57anos (dia 18) e tem centenas de discos gravados e auto-editados. Começou em 1968 e nãomais parou. No ano passado, a mítica editora Cherry Red lançou a antologia “Meet The R. Stevie Moore!” que compreende algum do seu imenso catálogo entre os anosde 1974 e 86, mas continua a ser um autor, compositor e letrista por descobrir e por ouvir. É aí que reside a tragédia criminosa da história. Stevie Moore passou a vida inteira à esperapor mais do que a admiração de melómanos completistas que lhe compravam cassetesprimeiro e CDs depois através do R. Stevie Moore Cassette/CD-R Club. Esse pioneirismoé, de resto, um dos atributos mais vezes colados a Stevie Moore. Pai do DIY, nome maior dounderground, força fantástica do som lo-fi, artista de “bedroom recording”. A voragem doseu ritmo de gravação é certamente única e mais especial fica sabendo-se que Stevie Mooreexplorou uma panóplia imensa de géneros, afirmando-se como um acrobata e artesão sóniconuma amálgama contínua de absorção de informação e legado musical: “surf music”, temasFrank Zappa-escos, mini-peças radiofónicas, alguma comédia, canções pop e covers (fantásticas “Busy Doin' Nothin'” e “Who Killed Davey Moore”). Incompreendido e esquecido, não raras vezes Stevie Moore vira-se para si mesmo nas letras das suas músicas,num custoso (para o ouvinte) esforço de flagelação (para Stevie Moore).

Prova dessa autofagia que Stevie Moore cultiva com agrado é a sua vasta lista de MySpacese os comentários que escreve nos seus próprios vídeos no YouTube. O portal de vídeos éprovavelmente o maior difusor da obra de Stevie Moore nos dias que correm. Além dopróprio, há uma segunda conta de um fã português com centenas de vídeos feitos para StevieMoore. As gravações são variadas e incluem footage da família Moore (já agora, o pai, BobMoore, foi baixista de Elvis), concertos ao vivo ou aparições televisivas em canais públicosregionais. O tipo de vídeo mais frequente é a gravação caseira, vídeos em que Stevie Mooreaparece a fazer playback dos seus próprios temas e que fornecem um diário audiovisual tãoprecioso quanto único. Musicalmente é possível traçar um fio condutor à sua obra, aindaque ela seja tão variada: canibalismo pop descomplexado, orquestração impecável e umavoz inconfundível, de oscilações subtis e reverbadas.

Stevie Moore é um artista auto-suficiente, compondo e gravando sozinho, ao mesmo tempoque exercia um trabalho menor numa loja de discos para sustentar a sua “carreira”. A colectânea “Meet The R. Stevie Moore!” marca uma nova fase para si, é como se começasseagora. Sabe-se lá quantos mais discos poderia ter gravado se não fosse o horário das 9 às 5.Esqueçam o mito, Stevie Moore é bom mesmo é de se ouvir.

“surf music”, temas Frank Zappa-escos,

mini-peças radiofóni-cas,alguma comédia,canções pop e covers(fantásticas “Busy

Doin' Nothin'” e “WhoKilled Davey Moore”)

Stevie Moore é bommesmo é de se ouvir

Nancy Wegard

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por Amanda Ribeiro

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isto éDAN DEACONelectrónica xamânicaFisicamente, Dan Decon parece um “if they mated” entreTimmy Mallett, Brian Posehn (comediantes) e Keith Haring (artista plástico) e, a julgar pelos óculos, é filho daSally Jessy Raphael. Musicalmente as comparações também fariam algum sentido, mas tornam-se maisanalíticas e menos lúdicas. Nascido em 1981 no estado de Nova Iorque, foi emBaltimore que se estabeleceu como músico e compositor depois de ter estudado formalmentemúsica no Conservatório no estado-natal. Em Baltimore sim, mas mais concretamente no colectivopanartístico Wham City, a quem dedica uma músicano seu trabalho mais conhecido, o álbum “SpidermanOf The Rings”. De resto, esse é o melhor tema doálbum: um épico de 12 minutos dividido em doismovimentos, verdadeiro carrossel de cadência rítmica que desconstrói qualquer noção musical quepensamos ter. Já lá vamos.

Wham CityPrimeiro: o colectivo Wham City, cujo nome é umtrocadilho com a alcunha de Baltimore (a “charmcity”), nasceu porque Deacon e outros recém-graduados queriam instalar-se e criar. A inspiraçãoveio de grupos semelhantes anteriores como o FortThunder. Hoje em dia fazem de tudo: álbunsgéneros) e concertos (de todo o tipo), comédia, ex-posições, video art, teatro, etc. Primeiro tomaramconta de um loft abandonado, mas acabaram por ter

que sair devido às queixas do proprietário. Entretantoarranjaram novo local de festa, desta vez legal. Pelomeio puseram Baltimore no mapa e bandas como osBeach House ou editoras como a Monitor podembem estar agradecidas.

Exuberância musical“Spiderman Of The Rings” saiu em 2007 e tornou-se um fenómeno, introduzindo Dan Deacon a umpúblico muito mais vasto. O site Pitchfork, por exemplo, deu-lhe 8,7 valores (em 10 possíveis) eatribuiu-lhe o prémio New Best Music, além de incluir o trabalho na lista dos melhores 25 álbuns doano. É verdade que Deacon é a pessoa certa no localcorrecto à hora exacta e também é verdade que ascelebrações pagãs em que se tornaram as suas actuações ao vivo lhe trouxeram algum hype (é sóYouTube: Dan+Deacon+live), mas é inegável queeste é um álbum muito bom. A faixa inicial, “WoodyWoodpecker”, sampla o riso icónico da personagemcom o mesmo nome e tornou-se o símbolo do “manchild” que Deacon nunca quis ser. A faixa seguinte,“Crystal Cat”, é o primeiro prenúncio sério do que

aí vem: cascata de ritmos espessa e vibrante, personalidade fonética das letras, toada surrealista. O gear que Deacon utiliza é bastante normal, essencialmente pedais e geradores de ondasatravessados por vocoders e distorção qb. O resultado, esse, é particular, mas ainda assim Deaconé comparado a outros músicos da cena de Baltimorecomo OCDJ ou Videohippos, num esforço colectivoa que já tentaram chamar “future shock” (como oconceito do sociólogo Alvin Toffler) numa tentativade explicar a rápida variação de géneros que estes eoutros músicos experimentam. “Big Milk” faz asvezes da balada do álbum, “Okie Dokie” é êxtasemusical no seu estado mais puro e ainda há “TrippyGreen Skull”, “Snake Mistakes” (a música com omelhor factor “sing along” do álbum) e “Pink Batman”, belíssimo prado electrónico onde andróides sonham com ovelhas electrónicas enquanto ouvem música barroca. O álbum acabacom uma homenagem ao amigo na Wham City,Jimmy Joe Roche (“Jimmy Roche”), tempestade deefeitos composta por entre “beeps” e “bleeps”.

“Spiderman Of The Rings” é, sem dúvida, elec-trónica fora da caixa, à margem de qualquer con-venção. Música com uma certa dose deexperimentalismo, hipnótica por vocação, mastigadapela distorção, mas essencialmente harmoniosa. De-liciosamente dissonante. Algo entre os Beach Boyse Aphex Twin. Deacon descreve a sua música comoalgo que ele gosta de imaginar que sairia da imaginação de um grupo muito cool de miúdos de 6anos com equipamento musical. As referências a umcerto sentimento de inocência e infantilidade sãoquase inevitáveis em função do carácter emotivo e humano da sua música e a uma total faltade pretensiosismo. É fácil procurar metáforas na animação televisiva. Deacon soa, sobretudo em “Spiderman Of The Rings”, a música alimentada a açúcar, a “Fraggle Rock” a engolir hélio na cama

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com os Marretas a tomar ácido. Apesar desta infan-tilidade a composição musical é complexa e as letrassão mais fonéticas que literárias. A música, essa, temum irresistível apelo físico e uma exuberânciaprópria.

A outra música“Spiderman Of The Rings” é sua obra mais conhecida, mas Deacon tem vários trabalhos editados. Os primeiros, de 2003, são estruturalmentemais pobres e compreensivelmente menos elaborados, mas a espaços é possível ter vislumbresde 2007. “Green Cobra Is Awesome VS The Sun” éde tema único com 40 minutos, simples manto paraexperimentação com 6 ondas, bastante próximo de“Goose on the Loose”. “Meetle Mice” tem temasfrancamente bem conseguidos como a violenta“Song for Dina” ou “005 sept22 BE”. “Silly Hat VSEgale Hat” é ainda melhor, bem mais equilibrado eforte do início ao fim.

Em 2004 Deacon lança “Twacky Cats”, um EP comcinco temas, onde se destaca “Lions With a Shark’sHead” e “Ohio”; e “Porky Pig” com a fantástica“Hey Let’s Go For a Ride”. Dois anos depois sai“Acorn Master”, também um EP, onde Deacon estáainda em melhor forma e de onde se destaca a ode àdemência que é “Big Big Big Big Big”. 2008 foi oano em que Deacon assinou a música para “UltimateReality”, projecto a meias com o artista e amigoJimmy Joe Roche e agora prepara-se para editar“Bromst” (talvez na Primavera), um ensemble comvários músicos (percussionistas, pianistas, etc) emque Deacon arrisca-se fora da zona de conforto cri-ada com o álbum de 2007. Do que já foi dado a ouvirpromete acrescentar um irresistível cobertor orgânicoàs camadas catatónicas de som que são a sua imagemde marca.

Ao vivoPara ajudar ao culto Deacon é famoso pelas suas actuações ao vivo, verdadeiras orquestrações humanas em que Deacon actua no meio do/rodeadopelo público e o organiza em danças, dando-lhe totalliberdade para a celebração (sem magoar o vizinho).

Portugal esteve perto de conhecer essas experiênciassensoriais extremas quando Deacon esteve agendadopara concertos no Porto e em Lisboa (em Junho emSerralves e na ZdB, respectivamente), mas teve quecancelar a sua agenda por motivos pessoais. Prometeu voltar/vir.

Deacon descreve asua música como algoque ele gosta de

imaginar que sairiadaimaginação de umgrupo muito cool demiúdos de 6 anos com equipamento musical

Ray Roy

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Stephany Yepes

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Casa da Música

DIGITÓPIA

A Digitópia é um projecto do Serviço Educativo da Casa da Música com um alcance artístico, cultural e social. O objectivo é explorar a composição musical com recurso a meios digitais.Partilha e descoberta são conceitos chave num espaço aberto a todos.

A Digitópia – Plataforma para o Desenvolvimentode comunidades de Criação Musical em Computadoré um dos ramos do vasto programa do Serviço Educativo (SE) da Casa da Música. Nasceu em Julhode 2007 (depois de um breve período em formato ex-perimental) através de uma parceria entre a Casa daMúsica, o INESC-Porto, a ESMAE, a UniversidadeCatólica Portuguesa e a Porto Digital. Presentementetem sete monitores que prestam regime tutorado das16h00 às 19h00. A partir das 10h00 o regime é livre.Situada debaixo das escadas de acesso às salas prin-cipais, e de frente para as bilheteiras da Casa daMúsica, a Digitópia suscita frequentemente a curiosidade dos visitantes. Há quem pense que o espaço, onde vários computadores estão alinhadosem duas filas, é um simples local de acesso à internet. O aspecto cuidado e a boa qualidade dosmateriais na Digitópia também costumam criar dúvidas quanto ao preço do serviço. É totalmentegratuito – sempre e para todos.

Para todos é mesmo o lema oficioso da Digitópia. Oprojecto, caso ímpar a nível mundial, ignora quaisquer limitações formais e está aberto a todos ospúblicos, independentemente da idade, conhecimentos musicais ou objectivos de cada um.Sob o lema “o público faz a sua música”, este sim o

oficial, a Digitópia está aberta ao público todos osdias. O visitante é convidado a criar a sua própriamúsica, recorrendo para isso ao software e hardwaredisponíveis. Depois, pode levar para a casa a músicacomposta. E volta sempre que quiser. A afluência daDigitópia é imprevisível e difícil de calcular, mas ésabido que é um sucesso, nomeadamente graças aos“digi reports”, pequenos resumos do dia escritos epartilhados pelos orientadores. Aqui, a utilizaçãolivre promove a criação e a partilha em ambiente descontraído.

E a partilha é mesmo um dado fundamental na Dig-itópia, estando até presente no seu nome completona palavra “comunidades”. A Digitópia coloca à disposição dos visitantes vários softwares de criaçãomusical. Dois deles foram desenvolvidos por RuiPenha, curador da Digitópia e licenciado em composição: o Políssonos e o Narrativas Sonoras. OPolíssonos, que nasceu em Setembro de 2007, éprovavelmente o mais interessante dos dois. Consistenum sequenciador midi baseado em loops e num interface gráfico geométrico que explora os conceitos de espaço, som e imagem.

O Live (Ableton), Reason (Propellerhead Software)e Garage Band (Apple) são exemplos de software

comercial na Digitópia. Em termos de hardwareestão disponíveis teclados midi e drum pads.

A Digitópia promoveu em Dezembro o concursoMiniaturas em que o vencedor levou para casa umdrum pad da Korg e dez bilhetes à escolha para aProgramação da Casa da Música em 2009 depois deter composto uma pequena música de 90 segundos.Por aqui se vê como a Digitópia reflecte bem a crescente preponderância do computador, e meiosdigitais no seu conjunto, no panorama artístico. Dasrelações entre visitantes, entre estes e os moderadores e entre os próprios moderadores nasceoutro conceito fundamental do espaço – a interactividade. Descomplexada, experimental,ampla.

Todos os dias são diferentesJosé Alberto Gomes é um dos monitores da Dig-itópia. Chegou ao Serviço Educativo através de “umaindicação” e graças ao protocolo com a ESMAE,onde também lecciona. Licenciado em composiçãoe formado no Conservatório do Porto, José AlbertoGomes destaca “as mais valias fantásticas” da Digitópia, dando grande relevo ao seu ambiente informal e descontraído onde ninguém se prende a“currículos, programas ou avaliações” e em que o

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contacto com a música e sua criação-execução “é totalmente despreocupado”. A harmonia entre o factor humano e material é,na opinião de José Alberto Gomes, a chavedo sucesso.

No entender do monitor não é possível traçaruma demografia dos frequentadores da Digitópia, apesar de admitir que o projectoestá mais “direccionado para jovens” por sero público “que mais adere e que mais se fideliza”. Quanto a tendências de composição no laboratório de experiênciasque é a Digitópia, José Alberto Gomes dizque existe uma tendência ligada “às coisasactuais, às modas musicais, ao hip-hop e àmúsica de dança”, mas ressalva que essa percepção pode ser enganadora porquealgum do software comercial na Digitópia éclaramente vocacionado para esse padrão decomposição. Ainda assim, estes softwaressão essenciais porque “o público geral nãoestá habituado a lidar com o software “free-ware” por serem menos imediatos.

José Alberto Gomes descreve a sua activi-dade de monitor da Digitópia e do SE daCasa da Música em geral como “algo es-quizofrénica” pela variedade de públicos,música e estilos. “Não há dias iguais”, re-sume. Por entre dias diferentes entre sisurgem muitas vezes histórias caricatas.Como aquela espécie de concerto impro-visado entre skaters e um artista plástico.José Alberto Gomes desenvolve outros pro-jectos musicais a nível pessoal, extra-Dig-itópia, mas será que o ambiente informal e opúblico muitas vezes leigo o incomodam, aele que tem formação musical? “Não, quantomuito é um desafio. Ou seja, ter que memoldar esteticamente ao que não estou habituado”.

Serviço Educativo – o que é?

O SE nasceu em 2005 aquando da inauguração da própria Casa da Música,mas só mais tarde viria a adoptar onome e conceitos actuais. O lema “todospodem ser ouvintes, intérpretes e criadores” corporiza a vontade do SEestar aberto à cidade, abertura que é aforça e razão da existência do SE.

Os objectivos passam por dotar oscidadãos de faculdades musicais, ensi-nando sem sobranceira. O serviço pre-tende, de resto, ser o mais inclusivopossível e para isso desenvolve activi-dades para todos os públicos. Para bebése cidadãos séniores, para pessoas com esem conhecimentos musicais, para participantes isolados ou em grupo, paraactividades de uma hora ou de um mêsinteiro. A programação do SE incluiworkshops, acções de formação, concertos, períodos temáticos ou concertos comentados e estende-se aquase todos os cantos da Casa daMúsica: Sala Suggia, Sala 2, Salas deEnsaio 1 a 3, Sala Laranja, Sala Roxa efoyers.

Espaços privilegiados para criar relações com a Música.

JOSÉ ALBERTO GOMES, orientador

a Digitópia reflecte bem a crescente preponderância do computador, e meios digitais no seu conjunto,no panorama artístico

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NJAP/JU

NINJAS DEBOMBARDA

No número 187 da artéria mais artisticamente relevante do Porto mora um jornal, uma revista,uma sala de eventos e uma galeria de arte. Apesarda iridescência cultural, o local passa algo despercebido. No NJAP/JU dá-se a cara, maspreferem que o trabalho fale mais alto e melhor.Fomos à descoberta, gostámos do que vimos.

Pensávamos já conhecer esta rua. As lojas com “designer toys”, o restaurante japonês onde estamos a planear entrar desde sempre, o centro comercial diferente de todos os outros, ocafé-restaurante com o “garçon” mais indecoroso da cidade e, claro, as galerias de arte con-temporânea e respectivas inaugurações. Pensávamosconhecer esta rua, mas era engano nosso. A rua é Miguel Bombarda e no número 187 mora discretamente o NJAP/JU, Núcleo de Jornalismo Académico do Porto. Um “banner”vertical a quase toda a altura do edifício de doisandares é tudo quanto anuncia que chegamos, mas éfácil passar por ali sem um segundo olhar. Quando,junto à porta, está uma pequena estante com ummaço de jornais JUP (para que os transeuntes oslevem e leiam) é mais fácil saber onde parar. Depoisda porta, entramos numa dimensão diferente. Nestarua as coisas costumam ser ordenadas e orientadaspara a fruição estética, mas aqui tudo tem o seu quêde caótico: logo à entrada há um spray ambientador, um copo de plástico com um líquidodesconhecido, uma bola de ténis de mesa, correspondência avulsa, cartões de associado por preencher e cartazes de exposições passadas. Vamos por andares: além dopar de pisos a que se ascende na escada em caracol

que rasga o NJAP/JU de alto a baixo, há o rés-do-chão e uma cave onde se servem bebidas, organizam festas e se passeia até ao terraço que servede esplanada. Tanto espaço é facilmente explicado pelo carácter multifacetado do NJAP/JU.É verdade que o jornal JUP, distribuído mensal e gratuitamente, é o rosto mais visível da actividade do núcleo, mas para lá do óbvio existe uma revista cultural, a Águas Furtadas, umagaleria de arte, a Galeria JUP e um espaço de concertos, “workshops” e festas, o Espaço JUP.“Somos ninjas com gostos abrangentes”, asseveraDaniel Reifferscheid, director do NJAP/JU há menosde um ano e coordenador de todas as outras manifes-tações do núcleo. A estreia em cargos de direcção é,de resto, uma constante este ano. “A mudança de direcção do NJAP/JU coincidiu com outras alterações, nomeadamente na revista e na galeria”,mas é tudo coincidência. Quisémos tirar logo umadúvida maior da cabeça: afinal qual a diferença entreNJAP/JU e JUP? Daniel enche-se de paciência e explica, pela enésima vez, que “o NJAP/JU é umaassociação de voluntariado destinada a fomentar ojornalismo académico e a dinamizar a vida culturalportuense em geral”. O JUP, que já ultrapassou a vintena de anos, é “apenas uma das actividades donúcleo, se bem que a mais destacada”.

Ainda que as funções de director do núcleo sejamuma novidade, Daniel é um veterano e já desempenhou funções de editor cultural no JUP.“Julgo que entrei em 2006. A directora na altura eraminha colega em Jornalismo e Ciências da Comunicação [NR: curso da FLUP, agora denomi-nado CC:JAM] e estava a tentar reunir pessoas donosso curso por razões óbvias”. Essas razões são ogrande trunfo do JUP: servir de laboratório a estudantes de jornalismo ao lhes dar uma primeira oportunidade de ir para o terreno. No caso particular de Daniel foi “a oportunidade de escrever críticas” que mais o cativou – “acabei porficar bastante investido no projecto”. O cargo queagora ocupa não fazia parte dos planos e acabou porderivar da sua posição de rosto conhecido e profissional respeitado. “Nas últimas eleições para oNJAP/JU recebi vários pedidos para me candidatar”.Depois veio uma conversa epifânica com a actualvice Cíntia Morais “que já tinha saído do núcleo mas mostrou disponibilidade para voltarporque acreditava no projecto”. As novas responsabilidades não mudaram significativamente o quotidiano de Daniel. “Namaior parte dos dias tudo o que tenho a fazer é pagarcontas e fazer algumas chamadas”, mas, pelo meio,

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janeiro 2009lá vai havendo “dias em que tenho que trabalhar nonúcleo e manhã até à noite”. O novo director do NJAP/JU mantém uma pequena coluna em Cultura no jornal JUP até porque “pessoalmente me sinto mais confortável a escrever do que a ter reuniões de financiamento ou campanhas de marketing”. As preocupações principais são sobretudo de logística, sobre este ou aquele subsídio,por causa de um prazo, desejando que a distribuição do JUP corra sem problemas. Agoraque o trabalho burocrático é incontornável sólamenta “a quantidade de vezes que ser director meobriga a levantar cedo”. Daniel está a acabar o cursoe tem uma carga horária mais leve do que seria deesperar o que lhe permite conciliar as duas actividades. “Não aconselho esta função a ninguém com um horário mais completo”, avisa.

Mas aconselha certamente a que colaborem com onúcleo. Pelo edifício, pela possibilidade de divulgarartistas, bandas e seja o que for “num contexto puramente universitário”, pelo simples gosto de partilhar coisas boas com os outros. “As pessoasqueixam-se da falta de iniciativas interessantes, denão haver o que fazer. O contexto inicial doNJAP/JU pode ter desaparecido, mas continua a serum projecto com um potencial enorme”. E continua, provocador: “a vida académica não pode ser sópraxe, tunas e bebedeiras” porque é nas universidades que “germinam projectos que depois podem ter impacto nacional e até internacional”. Basta pensar na quantidade de “bandas americanas que começam nas rádios universitárias e que atingem notoriedade” ou “noscómicos britânicos que conheceram os primeirossucessos nas suas universidades”, diz Daniel pararematar com a convicção que “qualquer ímpeto criativo poderáencontrar um espaço no NJAP/JU”.

Trabalhar no NJAP/JU é recompensador, mas o núcleo não está imune a dificuldades próprias de associações deste cariz (“uma associação que funciona 100% à base do voluntariado”, entenda-se). “Acho que o problema mais comum é a brevidade das passagens. As pessoas entram e saem muito rapidamente ou porque acabam o curso, ou porque perdem interesse. E quando estão têm pouca disponibilidade”, desabafa Daniel. Problemática é também a gestão dos vários egos, personalidades e desejos divergentes. O número decontribuidores parece sempre insuficiente o queobriga “as pessoas a trabalhar com quem está lá”. Emsituações mais extremadas surgem “facções fortescom motivações completamente incompatíveis comas bases do núcleo”. Daí que Daniel assegure que amissão desta nova direcção é “ordenar as coisas,assegurarmo-nos que as coisas funcionam a nívellogístico e que há gente interessada, interessante ecompetente” nos diferentes cargos de responsabilidade. Igualmente grave na óptica do presidente do NJAP/JU é a falta de divulgação do núcleo, sobretudo atendendo “às tantas possibilidades” colocadas ao dispor dos estudantes e da sociedade civil. A falta de promoçãoé o principal responsável pelo diminuto número decolaboradores activos no núcleo que depois

inviabiliza certas actividades. Daniel traça umquadro histórico: “o NJAP/JU foi fundado numtempo em que o associativismo acarretava ainda umconjunto de valores que hoje estão ultrapassados”, ou seja, “o legado do PREC, o investimento político, as guerras partidárias”. Tudocoisas que “já não dizem nada à maioria das pessoasda nossa idade” e que, portanto, para Daniel, configuram uma imagem do passado a combater deforma a “atrair mais gente para trabalhar connosco”.

Apesar dos obstáculos, Daniel é rápido em devolveràs dificuldades uma receita para o sucesso. “Com divulgação e criando projectos inovadores isto podeser superado. O que importa é as pessoas terem gostono que fazem, que se sintam reconhecidas e parte de algo com valor”.Para criar seja o que for é preciso que haja dinheiro para pagar o que a imaginação tece. Numaassociação não-lucrativa que vive da boa-vontadedos seus colaboradores o financiamento é um temaincontornável. “A esse nível o NJAP/JU está numasituação delicada porque dependemos em grandeparte da Academia para sobreviver. O desafio é fazero mais possível com o que temos”. O NJAP/JU temum protocolo com a UP que ajuda a pagar a feiturado JUP e até há pouco tempo também tinha com oIPP, mas “infelizmente foi cortado” pelo instituto.Depois há ainda um subsídio do IPJ e alguma publicidade nas páginas do jornal. Mas é precisomais: “estamos em negociações para conseguirnovos protocolos com privadas e afins, mas ainda écedo para saber”.

JUP e Águas FurtadasLuís Lago entrou no JUP quando Daniel Reifferscheid, na altura a desempenhar a função deeditor de Cultura, mas ontem como hoje colegas decurso, o convidou para cobrir a exposição dedicadaà saga Guerra das Estrelas na Exponor. Depois de teraceite o desafio, Luís chegou à conclusão que faltavaainda um mês para a exposição inaugurar no Porto(vinha de Lisboa), portanto apressou-se a pedir aDaniel outro tema de reportagem. Quis o acaso quese estreasse no JUP a cobrir uma exposição de cari-caturas do Presidente da República BernardimMachado. A partir daí começou a frequentar as reuniões de redacção. Meses depois tornou-se editor de Internacional, editoria que estava ao abandono há muito tempo dentro do jornal doNJAP/JU. Hoje ocupa um cargo na direcção deDaniel, o mesmo que há alguns anos o convidou aentrar no JUP. “Funciono como ponte entre a direcção do núcleo e o jornal e entre o jornal e as gráficas. De resto, ajudo no que posso”. Luís acreditano potencial do jornal que ajuda a gerir e não precisa de pensar muito quando lhe perguntamos o que tem o JUP para oferecer. “Sobretudo uma voz aos estudantes. Como se costuma dizer: o JUP é FUBU, For Us By Us”. Ri-se com vontade. Depois prossegue. “Acho que éassim que devemos continuar. O trabalho no JUP étodo ele de voluntários e deve ser o mais pluralistapossível. Incluindo asneiradas, afinal de contassomos estudantes”. Volta a rir, é uma constante durante a entrevista. Depois fala para os seus colegasde curso. “Para nós, estudantes de jornalismo emparticular, o JUP ajuda a criar rotinas de escrita, deinvestigação. Até de convívio”. Este ano o JUP temum novo director, André Vieira [NR: André Vieiradeixou o cargo de director do JUP depois da ediçãode Setembro], também ele colega de curso de Daniele Luís. O convite foi aceite de peito aberto e agora o novo director do JUP quer implementar um“projecto sério, ganhador, competente e aberto”. A primeira edição do ano lectivo 2008/2009 já podeser lida e conta com uma equipa renovada, por entrealgumas caras conhecidas. O director do núcleo,Daniel, volta a pedir da palavra. “Tenho a dizer queo JUP ocupa uma posição bastante importante navida académica portuense. A nossa vantagem é queo JUP é lido até por comodismo”. Passa a explicar. “É preciso um certo grau de interesse para aceder a um site ou para ouvir um programa de rádio, mas o JUP está simplesmente ali,numa banca. Estás à espera de uma aula, não háninguém com quem conversar, pegas num JUP. Istodá-nos um público gigantesco”. Os outros dois

concordam, André acrescenta. “Acho importanteesse mercado, por assim dizer, não estar entregue exclusivamente a publicações como o Metro ou oMundo Universitário. É importante que haja leituracasual com nível”. Luís ri-se mais uma vez.

“A revista neste momento é uma incógnita”. A revista é a Águas Furtadas e quem o diz é FilipaMora, também ela estudante de jornalismo e colegados demais entrevistados, além de coordenadora darevista cujo nome para todos os efeitos é “aguasfur-tadas”. Filipa chegou ao NJAP/JU numa altura emque tinha mudado de curso e em que queria experi-mentar o jornalismo amador mais profundamente.“O curso por si não chega para praticar a teoria eatravés de um amigo conheci as instalações do núcleo numa reunião do JUP”. Entretanto foi pararà revista bianual do NJAP/JU porque “a equipaantiga saiu toda, por motivos pessoais e profissionais”. Filipa já conhecia a revista como colaboradora do JUP, mas a “tomada de posse coincidiu com a mudança de presidência doNJAP/JU”. Por essa altura já era editora de Cultura,sucedendo a Daniel. Para Filipa, estar à frente destarevista é uma forma de “estar ainda mais perto docampo que me atrai de forma muito específica”. Mas aceitou o desafio também porque sentiu ser “urgente dar continuidade a um projecto cuja solidez resultava do empenho de uma equipa e que nãomerecia cair no esquecimento”. Quando Daniel a convidou para coordenar uma nova equipa viu“uma óptima oportunidade para publicar o trabalhode jovens artistas”. Estas são as certezas. A continuidade do projecto está dependente da saúdefinanceira do núcleo. Se sempre se avançar paranovas edições da “revista de literatura, música e artesvisuais” (segundo definição anterior à tomada deposse de Filipa) a nova coordenadora sabe o que querfazer. “Iremos apostar muito mais nas artes visuais, mudar o ‘lay-out’, adoptar um formato-livro,cortar algum texto que achamos excessivo. Queremos mais informação visual querespire sem necessidade de tanto texto, nãomenosprezando o uso correcto deste”. A revista tem10 números editados ao longo de vários anos portanto há que contar com o capital de respeito e reconhecimento granjeados. “Temos uma fasquiaelevada, a revista já atingiu um determinado público.Vamos dar uma nova cara a um projecto que já tem nome”, diz Filipa num misto de convicção e reverência.

Espaço JUPFrancisco Dias é o encarregado do Espaço JUP noseu ano de estreia no NJAP/JU. A sua função é tornara cave da sede num local agradável e dinamizador.“O desafio é enorme, nunca estive à frente de nadaparecido”, mas as dificuldades vão sendo ultrapassadas e “saber que estamos mais perto do queidealizei é reconfortante e animador”. Para já, o bar (que não é bar; já se explica) está à espera de ser pintado e de receber um novo visual. “Depois de muito pensar, achámos que o melhorseria copiar o visual da sala de concertos” que apesar de simples “funciona bem e é economicamente viável”. Quando aceitou desempenhar estas funções era o agendamento deconcertos que mais interessava a Francisco, mas hojeencara com naturalidade a organização de eventos diferentes. “Não sou obrigado a gostar pessoalmente de tudo o que programamos, é só estaraberto a boas propostas de fora” diz, para depois assegurar a importância do cunho pessoal neste tipode funções: “é a marca de água de um espaço, porassim dizer”, ou seja a identidade que fideliza umpúblico. Francisco é estudante de engenharia e issoderruba desde logo a ideia feita que todos os

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membros do NJAP/JU são estudantes de jornal-ismo.“É verdade que muitos de nós estudam jornalismo, mas isso é irrelevante. Somos amigos esomos estudantes, depois ainda trabalhamos juntos”.E em que andam a trabalhar? “Há algumas pessoas que gostaria de cá trazer”, certifica sem adiantar grandes pormenores. “Pessoas do Porto,músicos sobretudo. É onde me sinto mais confortávele onde tenho mais facilidade de contactos”. Nas outras áreas a programação funciona mais com baseem sugestões ou em propostas que recebe por e-mail.Ainda assim, “o ritmo de marcação de eventos écompatível com a renovação da actividade”. Que écomo quem diz que a repetição aqui está próxima dopecado. O Espaço JUP vive em dias de festa comoalguns outros espaços da cidade mais marginais, fintando a burocracia com o pagamento de quotas deassociados que permitam a venda de bebidas alcoóli-cas. “Estamos numa espécie de zona cinzenta. Evitamos alguns problemas e despesas, mas depoisperdemos em visibilidade”, lamenta Francisco. Ecomo vê ele a noite do Porto no seu conjunto? “Achoque nesta cidade não se consegue não sair à noite porpólos”, ou seja, Ribeira, Zona Industrial e Baixa, cronologicamente. “Seria saudável haver mais articulação entre espaços, viver menos na ditadura da originalidade e de eventos epidérmicos” diz.

Galeria JUPTiago Cruz, 27 anos, é o (novo) rosto mais visível do espaço de exposição artística no sentido mais literal do NJAP/JU, mas é modesto na sua apreciação. “O actual grupo inclui mais quatropessoas além de mim. Convidava-te a entrevistarescada um deles porque a visão do grupo tem a força das suas partes”. A entrevista com Tiagodecorre por e-mail – uma honrosa excepção neste trabalho – portanto falta-lhe a centelha da espontaneidade, do contacto pessoal que, adivinhamos, seria transgressor e original. Talvez uma próxima vez. Tiago nasceu em Lisboa, mas a circunspecção geográfica pouco dizrespeito ao seu percurso como “espectador-fruidor”:da Alemanha à Feira da Vandoma, passando pelacasa de banho do Pavilhão Sul da FBAUP, GaleriaCozinha, Serralves, Tate Modern, Culturgest, MedeiaCidade do Porto – vale tudo. Opta propositadamenteem ignorar as exposições que viu em detrimento do

GALERIAS JUP

ESPAÇO JUP, pré-obras

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lugar em si. “Interessa-me mais a importância dolocal. Não foram só as ‘coisas’ que estavam nessesmesmos locais, mas sim as ligações que essas formas/fórmulas conseguiram criar com os espaços”.Depois faz a analogia com a galeria que coordena.“É por essa mesma importância que o espaço temque a Galeria JUP vai (re)começar”. Para Tiago, oespaço é sempre “o primeiro motivo”. Este estudantede escultura em Belas Artes veio parar ao NJAP/JUcom “um convite descomprometido”. Contudo, contar a estória toda envolve “um conjunto de perguntas mais do que uma resposta”, divaga. O convite foi mais uma semente, “um convite para pensar a ideia” como Tiago lhe chama. O autor doconvite não foi Daniel Reifferscheid na qualidade dedirector do NJAP/JU como se pode, ao primeiro impulso, julgar. Foi, sim, o anterior grupo responsável pela galeria que Tiago “não conhecia pessoalmente, mas que deve ter ouvido falar de projectos meus”. Quando estava aponderar a ideia retribuiu o modelo de convite paraangariar colaboradores para formar uma equipa baseando-se não nos seus conhecimentos pessoais,mas no trabalho desenvolvido por essas pessoas.Voltando à primazia do espaço. A localização privilegiada da Galeria JUP na rua Miguel Bombarda, baluarte das galerias da cidade, parece de encomenda para este apaixonado por lugares. “O factor local é igualmente importante. Para já, a galeria tem, entre outros aspectos, um de granderelevância: o ritmo. Não me interessa classificar esseritmo, só dar-lhe importância”. Para fazê-lo, Tiagoretira a palavra “artista” da equação e eleva o termoprodutor. “Interessa-me que o espaço seja de reflexão, logo de produção de cultura e conhecimento”. Para ele a Galeria JUP deve encontrar a sua vocação de “um espaço de possibilidades”, todas elas.

O retrato fica feito. Não sei se já dissemos, mas nonúmero 187 de Miguel Bombarda mora um jornal, uma revista, uma sala de eventos e uma galeria de arte. Moram também muitos sonhos.

Pensávamos já conhecer esta rua – engano nosso.

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Já tocou guitarra numa banda de punk e já militou no movimentohardcore lisboeta. Entretanto rendeu-se à música electrónica e à sua pulsão dançante. Agora apresenta-se com o seu novo projecto, Diamonds Dub, e diz-se obcecado pela música. À conversa comPedro Paulos, o cruzado musical.

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Pedro Paulos em

DIAMONDS DUBOs diamantes são eternos

foi metade dos Interrupto (a outra era Paulo, bateristados Moe’s Implosion), conjunto musical igualmenteelectrónico, mas de outras latitudes. Antes aindatocou guitarra em várias bandas de punk. Agora,passa música para miúdos para os ver felizes. Pelo meio sonha com um circuito de DJing mais coeso, mais eclético e menos vaidoso.

IGUAL – Vou começar pelo fim. O teu novo projectoDiamonds Dub (DD) é bastante recente. Queres explicar do que se trata? Pedro Paulos (PP) – DD é basicamente uma extensãoda minha obsessão musical. Como tenho gostos bastantes extensos musicalmente falando decidi criareste projecto a fim de poder exprimi-los. E possofazer isso tanto pela produção como pela performance em forma de disc jockey. Não me querorestringir e quero passar e produzir tudo o que maisme emociona musicalmente. Tanto posso passar um

Pedro Paulos, 22 anos, natural de e residente emLisboa é o nome e cara por trás do projecto electrónico Diamonds Dub. O género musical que caracteriza a nova encarnação é, segundo palavrasdo próprio, “miximal do bom”. Marcada a entrevistatelefónica – a A1 que nos separa foi um obstáculo intransponível para ambas as partes – esperamos.Vinte minutos depois da hora marcada Pedro Paulosliga de volta e desculpa-se com o trânsito caótico dacapital. “Eu sei que parece a desculpa menos esforçada de sempre, mas é a mais pura das verdades”. Acreditamos que sim. Assim como assim,não se perdeu nada que o tempo lá fora molha só dever. Partimos para as perguntas e respostas, tentandoabranger o maior número possível de facetas doentrevistado. O tom da conversa é informal o que seexplica com a convergência etária e com a boa disposição com que somos brindados do outro ladoda linha. Antes de ser Diamonds Dub, Pedro Paulos

disco de minimal da Tsuba como um êxito maischeesy como a "Pump up the volume" dosM|A|R|R|S, desde que isso faça sentido na linha emocional e musical do meu dj set. Em termos deprodução também é um pouco por aí: a necessidadeobsessiva de fazer coisas mais distantes e que mesurpreendam a mim próprio. Tento sempre por asminhas expectativas em relação a mim mesmo elevadas para me tentar surpreender até a mim mesmo além das outras pessoas.

IGUAL – Excluindo a performance a solo, em que éque DD e Interrupto mais divergem?PP – Divergem sobretudo no factor imediato. Interrupto é outro lado da moeda. Não digo o ladonegro, porque sempre tentámos estar bem longe dascoisas que nos aborreciam, mas é um formato maisdescomprometido e mais maroto, no sentido que passamos músicas mais excêntricas, tem um feelingexpressivo-imediato. Interrupto tem uma atitude umbocado análoga ao hip hop na medida em que ogroove está mais na força das batidas e não nos simbolismos.

IGUAL – Já agora, Interrupto morreu de vez?PP – Talvez, é uma coisa que não é discutida. É meiobizarro. Simplesmente entrámos numa área que nestemomento ainda não tem rótulo em relação ao que é.Será que morreu? Talvez, mas podemos estar só a dar um tempo. Como num namoro. (risos)

IGUAL – Tu e o Paulo ficaram amigos? O que se passou?PP – Claro que ficámos amigos, acima de tudo sempre amigos. Nunca, neste ano e pouco que estivémos juntos, tivémos chatices nesse campo.Claro que houve algumas divergências no que toca

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janeiro 2009ao projecto, porque aquele podia fazer mais ouporque este devia dar mais de si, mas foi sempre umacoisa que separámos da nossa amizade, que, já agora,é coisa que se nota bastante quando tocamos. Euacho que quando tocámos sempre se notou o quantogostamos do outro. Mesmo quando as coisas corriammenos bem tínhamos sempre um bom sentido de humor e soubémos ultrapassar tudo.

IGUAL – Que ambições tem DD? Parece-e que estásnuma espécie de cruzada musical, concordas? PP – Infelizmente sim. Às vezes sinto que para osoutros parece que estou numa cruzada, mas isso éporque estou a expressar as coisas que para mim sãonormais. Não acho normal que qualquer pessoa comligação à internet seja automaticamente um DJ. Euacho que há coisas que estão inerentes àprofissão/função que não podes desassociar como aobsessão pela música, a sede de vanguarda e a vontade de divertir as pessoas. Eu acho que os DJssão os primeiros que têm que estar abertos a toda amúsica que está ao redor e não se limitar a umas editoras ou a um género. Infelizmente em Portugalexistem umas poucas fórmulas que são aplicadas pordemasiadas pessoas e existe também uma falta de desejo de criar mais. Se eu acredito que as coisas deviam mudar então vou tentar mudar o que conseguir. É pena que muitos DJs sejam apenas apreciadores de música como qualquer outro clienteda noite e que sigam o que os outros DJs passam. Os DJs têm um poder incrível de mudança que escapa à maioria das pessoas.

IGUAL – Como DJ e cliente conheces bem as noitesdo Porto e Lisboa. Que diferenças vês e qual preferes?PP – Diferenças: há uma cena de clubes no Porto quenão há em Lisboa. Em Lisboa as pessoas vão sobre-tudo para o Bairro Alto e quando o Bairro Alto estápara fechar costumam deslocar-se ao Lux se lhesapetecer. No Porto existem muitos sítios que têmtendência a encher como o Plano B, Maus Hábitosou o Gare. E espero que isso não mude, porque issotraz uma proximidade das pessoas à música que émuito importante. Por isso o Porto, comparado comLisboa, é um sonho. Sei que isto pode surpreender as pessoas, mas é a minha opinião.

IGUAL – Alguém disse que os DJs são as estrelas rock do século XXI. Que tens a dizer?PP – É impossível para uma banda competir com umDJ. Todos sabemos que a qualidade sonora de umdisco é totalmente superior à de uma banda a tocarao vivo, e isso quando misturada com um bom sistema de som, bom equipamento e óptimas luzes éimpossível de ganhar. Mas eu acho que não podemoscomparar um DJ a uma estrela de rock pois sãocoisas diferentes, mas muitos chegam a um estatutosemelhante, sim. Apesar disso na minha situação nãoquero que as pessoas estejam a dar-me a mim a importância máxima mas sim à música, prefiro queestejam tão divertidos que nem se lembrem que euexisto, mesmo comigo a conduzir a noite.

IGUAL – Desenvolves paralelamente uma newsletter musical por assinatura. Explica o conceito.PP – O conceito é fazer algo sobre a música que meinteressa para os meus amigos que se interessam edepois eles mostrarem a quem acham que tem omesmo interesse. Assim, posso mostrar às pessoascoisas que elas não conhecem e se gostarem contagiá-las a gostar de certos grupos, temas ougéneros. É uma coisa que faço sem compromisso etento colocar alguns vídeos do YouTube, links paraMySpaces, mixtapes para sacar e informação sobrecoisas que me cativam. Os objectivos passam por

criar uma comunidade de DJs mais consistente e commúsica mais diversificada. Criar oportunidades dentro do nosso país. Todos nós nos conhecemos porisso o poder de mudar a situação actual está lá. Transformar a cena musical onde já existe uma comunidade de festas, projectos e amigos. Pode parecer utópico, mas é uma questão de compromisso.Não estou a dizer que deva existir um sentimento demilitância, estou só a dizer que podemos estar maisperto uns dos outros para podermos fazer ainda maiscoisas e coisas mais bonitas. A newsletter é uma experiência de partilha, serve para mostrar aos amigos e amigos de amigos o que ando a fazer, o queando a ouvir. Gostava que fosse responsável por, algures no futuro, organizar festas e ideias novas, mas isso já não depende de mim.

IGUAL – O mundo do DJing não te parece demasiado aberto hoje em dia?PP – O mundo do DJing funciona com base em esforços e/ou amizades. Para entrar, pelo menos daminha experiência, ou tentas surpreender ou conheces alguém. Eu acho que o esforço que tu dásàs coisas revê-se nos resultados e se tu te esforçarespara ser bom ou corresponder às experiências entãoconsegues entrar facilmente deste mundo. Não éfácil fazer coisas que surpreendam ou que sejam inovadoras, mas quando consegues fazer uma coisa boa vais ter sempre pessoas a quererem ver-te,ou a quererem que toques e ouvir-te.

IGUAL – Tens noção de quantos DJs novos surgem por minuto?PP – Demasiados! (risos) Demasiados clones e imitações.

IGUAL – Como insider quais são os DJs, a solo ou não, que mais aprecias?PP – Portugueses ZNTN e Photonz. Lá fora nomescomo Pilooski, Tomski&Fredboy e também Daso.

IGUAL – Fala-nos do teu passado musical no hardcore.PP – Fiz parte de algumas bandas de hardcore. Foiuma fase ligada à minha adolescência que teve alguma importância para a minha vida sobretudopara ganhar capacidades de me mexer por mimmesmo. De resto é tal como a maioria das comunidades musicais mas como a musica é maisagressiva também as pessoas muitas vezes o são. Não tenho saudades.

IGUAL – Manténs alguns laços com esse mundo?PP – Poucos, apenas com poucas pessoas que conheci. Não decidi cortar relações comninguém, mas as pessoas acabam por se afastar. Cada um foi para o seu lado.

IGUAL – O que fazes da vida?PP – Muitas coisas, mas profissionalmente sou assistente de edição no “Programa da Lucy” para a SIC.

IGUAL – Isso parece divertido, ainda não te fartaste?PP – (risos) É um trabalho como os outros, gosto deeditar por isso não me vou fartar assim tão facilmente. Quando gostamos do que fazemos émuito mais fácil de ultrapassar o facto de não gostarmos tanto de um programa ou de certos pormenores do mesmo.

IGUAL – É batota dizer que não sabes: livro, filme, série, site e álbum da tua vida.PP – Não sou uma pessoa de pensar nas coisas comoas "da minha vida", tenho para todas essas categoriasalgo que me marcou durante uma fase da minha vidaseja por que motivo for. Em relação à música sou

muito mais de músicas do que álbuns, se calhar éuma coisa inerente ao DJing (risos). Uma das músicas que gostei mais nos últimos tempos foi umedit do Pilooski da “Gemini” do Del Shannon. É umamúsica que eu adoro mesmo. Séries… Gosto muito,por exemplo, do “Curb Your Enthusiasm”. Falandoem sites já não vivo sem o GoogleReader porque mepermite ler uma quantidade exagerada de blogs porsemana. Filme. Gosto muito, por exemplo, de um doPedro Almodóvar, "Mulheres À Beira de um Ataquede Nervos". Quanto a ler, costumo mais ler livrostécnicos, mas gostei muito do “Alta Fidelidade” do Nick Hornby ou do “Energy Flash” do SimonReynolds. Tenho mais o hábito de ler livros sobre o que gosto, neste caso música.

IGUAL – Enquanto não enches estádios: qual foi atua melhor experiência ao vivo até hoje?PP – Quando tocava numa banda punk chamada TheYouths fizémos uma tour em Espanha que foi bastante divertida. Nessa tour tocámos em Logroño,uma cidade no norte de Espanha e fomos num bar demotoqueiros. Foi muito estranho e divertido aomesmo tempo, tínhamos muitos tipos de pessoas averem-nos e estava tocar Judas Priest no sistema desom do bar. Estavam punks, motoqueiros, betinhose velhos a ver-nos mas toda a gente estava a dançare a gostar. Depois, já como DJ, gostei muito detocar nos Maus Hábitos. Também foi óptimo tocar no Festival Discorrilha.

IGUAL – Tens certamente opinião sobre estapolémica de horários no Bairro Alto. O problemanão é de agora, mas parece o fim de uma era.PP – O Bairro Alto é um sítio que não me cativamuito. Apesar disso acho que é mau para o negócioe as noites do Bairro Alto devem ser certamente ocomércio que mais vitalidade tem naquela zona deLisboa, para não dizer que é o único. Apesar dos seusdefeitos é um ponto importante na noite lisboeta eque não deve ser eliminado. Parece que eles estão air pela solução mais fácil. Eu também acho mal obarulho e as paredes todas sujas mas acho que elesassim não estão a resolver nada, só estão a prejudicar.O que mais me aflige no Bairro Alto é o seu vaziocultural. A zona perdeu todo o “edge” que tinha,deixou de ser um local relevante em termos artísticose intelectuais. E agora as pessoas que lá vão têmmentalidade de shopping center, pensam “vamosconsumir e depois voltamos para casa”. A música jánão é importante para elas. Tal como uma vez ouvialguém dizer "o Bairro tem piada é bêbado". Mas obairro não vai acabar.

IGUAL – O que é que não perguntei que gostariasque tivesse perguntado?PP – (breve silêncio) Acho que nada, não sei. Sou péssimo nestas coisas.

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Feira do Brinquedo no Hotel Tuela

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COMIC STRIP POR

Dan Furry

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Ryszard Kapuściński, jornalista e escritor polaco, éo autor do livro “Os Cínicos Não Servem Para EsteOfício”, editado pela Relógio d’Água em Portugaldepois da morte do autor em 2007. O subtítulo do livro, “Conversas Sobre o Bom Jornalismo”,anuncia bem o propósito da obra: um manual deconduta ético e dicas profissionais para aspirantes a jornalistas. Se à partida o alcance de “Os Cínicos…” pode parecer algo limitado por seencaixar de certa maneira na categoria “livro técnico”, facilmente percebemos que o livro é do interesse da generalidade dos cidadãos, já que todossomos consumidores de notícias, logo de jornalismo(do bom e do mau). E Kapuściński, como jornalista-autoridade, é a pessoa ideal para nos falar da actividade de produção noticiosa. É indesmentível um certo sentimento de ocaso já que Kapuściński é um jornalista veterano a conversar sobre, entre outras coisas, as rápidas evoluções tecnológicas da profissão,sem esquecer que o livro foi editado a título póstumo. Há um enlevo ao longo de todo o livro de um jornalismo encruzilhado entre a herança do passado e os desafios do presente/futuro, sentimento que de certa maneira se mantém ainda hoje, reforçando a actualidade da leitura.

A estrutura do livro é tripartida, estando o mesmo dividido em duas conferências e uma entrevistas, tudoem tom coloquial. Antes de começar a ler tinha as minhas dúvidas em relação à premissa principal dolivro, ou seja que o jornalista não pode ser cínico. Como refutar a importância do cinismo? O método, asdúvidas, a prudência, o questionamento pessoal e inter-pessoal. Afinal, é apenas o caso de Kapuścińskilhe dar outro nome, cepticismo em vez de cinismo, fugindo assim às conotações pejorativas deste último.Concordo com o autor na construção do jornalista como o equilíbrio entre a sua prudência e a vocaçãoeminentemente humana e humanizante da profissão, de contacto, de proximidade e de afectos. Kapuściński apenas usa “cepticismo” como um género de soft-cinismo, tirando a imprudência da equação.

Kapuściński reforça o carácter humano do jornalista quando se dirige manancial tecnológico porque defende que a base do bom jornalismo não se prende com o potencial técnico, mas humano: “qualquerdescoberta ou melhoramento técnico pode certamente ajudar-nos, mas não pode substituir o nosso trabalho, a nossa dedicação ao mesmo, o nosso estudo, a nossa investigação e pesquisa”. O autor procuratambém apelar ao brio profissional e evitar a todo o custo que as tecnologias sejam causadoras de facilitismos ou de alguma imprudência porque, ainda que sejam ferramentas úteis, não substituem o “espírito de sacrifício e estudo contínuo” – ou seja, um bom jornalista será sempre, antes de mais nada, uma boa pessoa.

O texto mais interessante é provavelmente o segundo, “Narrar um continente: a história no seu acontecer”,em que Kapuściński é entrevistado a propósito da sua experiência africana (ameaçada por alegados errosfactuais). O autor percorre brevemente a sua paixão pelo continente iniciada em 1958 com a primeira viagem a África, discorrendo sobre os processos independentistas e seus falhanços, o desinteresse dos países ocidentais, a beleza das paisagens.

Resumindo: três bons textos colados entre si com coerência duvidosa, mas num esforço recompensadore que merece ser lido, ainda que aconselhe preferencialmente as obras propriamente ditas de Kapuściński.

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CRÍTICASEsta profissão não é para cínicos

De vez em quando há coisas novas e refrescantes no mundo dos videojogos. Independentemente de discutirmos se são arte,para lá das guerras entre plataformas, depois doenésimo argumento para a validação da bandasonora de um jogo. O Peacemaker é uma dessascoisas. Desenvolvido pela Impact Games ebaseado em eventos reais, Peacemaker é umjogo sim, mas é também uma lição de históriae um apelo à tolerância. O contexto é o conflitoisraelo-árabe. No início do jogo escolhemos umdos lados e o nosso objectivo é trazer a paz àregião até ao final do mandato como líder deuma das facções. Se houver guerra o jogoacaba. Peacemaker não só se baseia num conflito verdadeiro como faz uso de vídeos, imagens e notícias reais para nos desafiar a encontrar uma solução pacífica. E o desafio étanto maior à medida que aumentamos o nívelde dificuldade (ao todo são três). A ideia é queo jogador pode fazer a diferença, funcionandoPeacemaker como laboratório na descoberta deuma solução comum. Não é mais um jogo deestratégia porque o contexto histórico é bem real e completamente actual.

Tecnicamente, Peacemaker está bem conseguido, parecendo um normal jogo de estratégia, género que não vive tanto assim daqualidade gráfica. Se juntarmos a longevidadedo género à permanente actualidade do tematemos uma receita de sucesso. Peacemaker jáganhou vários prémios, incluindo o anualGames For Change 2007 na categoria “BestTransformation Game”. Peacemaker foi distribuído gratuitamente com o jornal israelitaHaaretz e com jornal palestiniano Al-Quds, para além de em várias escolas dos dois lados da fronteira.

Divertido, original, desafiante, bem apresentado, sério, provocador. Mostra umafaceta pouco conhecida dos videojogos e talvezpor isso mesmo não teve grande hype em Portugal (onde é sempre preferível mencionaruma franchise famosa). Peacemaker custa 20dólares, mas a Impact Games disponibiliza gratuitamente uma demo (220MB, Windows eMacintosh) no site oficial. Peacemaker é jogado em inglês, árabe ou hebreu. A ImpactGames é também responsável pelo Play TheNews, um conceito semelhante ao Peacemaker,mas aplicado à indústria dos meios de comunicação e jogado online por uma comunidade de jogadores. Uma espécie debrincar à opinião pública que está desde Novembro sem produção de novos conteúdospor decisão da Impact Games.Peacemaker

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Loucos finais dos anos 90

CULTOpor Francisco Dias

e Miguel Carvalho

“A tua geração não tem nada de interessante para comentar. Que pena, pois geração como aquela é pena não voltar haver.” [Sic]

Paula in Fórum Mistério Juvenil em defesa do texto“Geração Heidi” que enaltece as memórias quemuitos trintões guardam da que foi, segundo eles, a única geração contemporânea com coisas boas para recordar. Mal sabe esta gente que da internetapenas dominam o Hi5 e a caixa do Hotmail, acedidos, claro, através do Internet Explorer 6.0; e que gerações passadas e futuras recordam com igual saudosismo os momentos e pormenores que a tornaram única. Também aquelesque se encontram hoje em dia na faixa etária dos 20têm as suas preciosas recordações e referências “úni-cas”. São disso exemplo as coisas a ser enumeradas.No campo dos telemóveis o 6110 da Nokia era rei esenhor. E depois o 3210 e o 3310. E muitos mais seseguiram. O certo é que à entrada do século XXI aNokia dominava por completo o mercado dos celulares por estas bandas (e lá fora também). Os mais afortunados davam-se ao luxo de se passearcom o minúsculo 8210 que, apesar de atraente paraos standards da época, apresentava umas teclas tão pequenas que dificultava actividades juvenis como aescrita de SMSs e a partida de Snake. Por issomesmo, uma marca de guloseimas criou uma caixade gomas replicando este prodígio do design nórdico.Quantas brincadeiras de recreio isso nos valeu. Capas personalizadas e personalizantescompradas nas lojas dos 300 eram prática comum,apresentassem elas os Limp Bizkit, o Bob Marley oua folha de Cannabis. Os colegas mais bizarros usavam um Ericsson T28sc e eram bastante agressivos quanto à suposta superioridade do seuaparelho (numa espécie de vôvô da actual batalhaApple Vs PC). Anos depois surgiu o 7110 com o seuscroll inovador (numa altura em que 90% dos ratosde computador ainda eram de bola) e funcionalidadesWAP. Vale a pena recordar que neste boom do usode telemóveis, tão alternativo e jovem se mostrava opossuidor de telefone portátil (abraçando a massificação dessa inovação tecnológica), como oadepto da liberdade sem telemóvel (que jurava a pésjuntos nunca comprar um telefone celular na vida). O primeiro mostrava estar em sintonia com as novasnecessidade modernas, o segundo mostrava a sua irreverência. Irreverência que se revelaria prejudicialnão para ele, mas para os amigos que eram obrigadosa fazer trabalhos de escola com o rebelde anti-tecnologias e que não tinham forma de o contactar.Este tipo de indivíduo, no entanto, está tão ocupadono seu movimento contra cultura e contra sistemaque não repara nas vítimas que a sua teimosia ceifa.Depois havia ainda os telemóveis exclusivos para osmais pequenos, geralmente muito redondos, compactos e simples, de visual garrido, com um número muito limitado de opções e um tarifárioque nem os pais percebiam. Este nicho de mercado

directo com o outro lado da vida, sentindo-se ludibriados ao fim de algum tempo por apenas encontrarem curiosos como eles próprios. Será queno #sexo terão mais sorte? Usuários coleccionamOPs quais caçadores de prémios por ser prestigiante,para poderem mudar o tópico do canal e para expulsarem a malta mais aborrecida. Depois de umasemana no canal #antas marca-se um encontro naPraça Velazquez. “Como vou de vermelho, vais-mereconhecer logo!”. Os jovens passam as noites nisto,a gozarem uns com os outros no canal da escola. Estána altura de marcar uma jantarada. Pizza Hut da Fozou da Boavista? Quem imprime os cartões com osnicks de cada um? A difícil escolha do script que melhor condiz com a nossa personalidade, a primeira drive de CDs aberta à distância – tudo isto era o mIRC.

é tão insondável que até hoje a TMN ainda não acertou na receita.Numa época sem redes sociais esem MSN a maneira de comunicar sem custos como primo que está a tirar o doutoramento na China, oucom a prima que está no Carnaval do Rio era omIRC. Este podia mesmo ser o slogan de um qualquer provedor de internet de então (vulgo“Telepac” e “Esotérica”) para promover o uso darede global. No entanto, a maioria dos jovens desprezava a possibilidade de conhecer e comunicar com outras culturas, enfiando-se no canal#portugal a tentar engatar umas gajas. Conversa paracá, foto para lá (quando a ligação assim o permitia),a conta telefónica a subir, começam a aparecer osprimeiros casos patológicos de vício da internet e osjornais já têm um assunto “geek” sobre o qual podemescrever nas crónicas de domingo ao mesmo tempoque alertam para os perigos de um mundo que conhecem mal. Ainda no mIRC: havia canais paratodos os gostos, desde clubes de fãs da banda GuanoApes (não eram tão bons como o nome sugere) até agrupinhos dos fixes do 12ºA. Os mais ousadosdirigem-se ao #lésbicas para um contacto virtual e

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pode continuar a ler este artigo em

www.ruadebaixo.com/2009/01/01/loucos-finais-dos-anos-90.html

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BIGLIST2K8

Esta é a lista dado que de melhor se fez em2008 em várias categorias.

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MÚSICA LIVROS/BD/TÉCNICOS

FILMESVIDEOGAMES

01. Tobacco_Fucked Up Friends

01. Hunger_Steve McQueen

01. GTA IV_PC+PS3+X360

01. Os Portugueses noFaroeste – Terra aperder de vista_Donald Warrin e Geoffrey Gomes

02. Sic Alps_U.S.Ez 03. Silver Jews_Lookout Mountain, Lookout Sea 04.High Places_High Places 05. Randy Newman_Harps and Angels 06. MagneticFields_Distortion 07. Bon Iver_For Emma, Forever Ago 08. SebastienTellier_Sexuality 09. Al Green_Lay It Down 10. Genghis Tron_Board Up the House Compilação: R.Stevie Moore_Meet the R. Stevie Moore!Relançamento:Dennis Wilson_Pacific Ocean Blue

02. Gomorra 03. Aquele Querido Mês de Agosto 04. Wall-E 05. Speed Racer

02. Super Smash Bros Brawl_Wii 03.Star Wars Force Unleashed_PS2+PS3+Wii+ X360 04. Boom Blox_Wii+N-Gage 2.0 05. LEGO Batman_PC+PS2+PS3+PSP+Wii+DS+X360

02. Padre António Vieira e a Cultura Portuguesa_Miguel Real 03. My Brain isHanging Upside Down_David Heatley 04.Terryworld_Dian Hanson 05. Em PortugalNão Se Come Mal_Miguel Esteves Cardoso

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ALIMENTOS

RAZÕESPARA VIVEREM 2009

PESSOAS

TV01. O Programa do Aleixo_SIC Radical

01. Barack Obama

01. Francesinha_Café Favo

02. Mad Men_FOX Next 03. Californication_2: 04. Jogos Olímpicos_RTP1+2:+RTPN 05.Project Runway_SIC Mulher

02. Multinho 03. Shigeru Miyamoto 04.Ashley Highfield 05. Carles do HRO

02. Bacalhau com natas e espinafres emcasa da Rita Luís 03. Skittles 04. Palhaitaliana do café Célia-Bambi 05. Batatasfritas “A Saloinha”

01. O novo álbum dos Animal Collective(não o oitavo, mas o nono) 02. Torcer porum filme live action do Donkey Kong 03. Ofilme do Astroboy 04. Dizer mal do filme doDragon Ball 05. Torcer por uma sequela doHard Ball 06. Finalmente o Duke Nukem Forever vai ver a luz do dia (talvez) 07.Esperar que o Telerural seja cancelado 08.Pode ser que a SIC R interrompa os rerunsdo Dragon Ball 09. A Cinemateca no Porto10. A IBM diz que a internet vai falar nofuturo,pode ser que comece este ano

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ATÉ ÀPRÓXIMA

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