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I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR Guarapuava/PR II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira Seção Paraná SKB/PR

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059

I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE

UNICENTRO

Reitor Vitor Hugo Zanette

Vice-Reitor

Aldo Nelson Bona

Diretora do SEHLA Maria Aparecida Crissi Knüppel

Chefe do DEFIL Manuel Moreira da Silva

COORTI / Midia

Felipe Collares Rodrigues

Mauricio Adriano Teixeira

Revisora de Língua portuguesa

Ana Lúcia Trevisan Bittencourt

Coordenação

Manuel Moreira da Silva

Comissão Organizadora

Manuel Moreira da Silva

Marciano Adilio Spica

Evandro Bilibio Ernesto Maria Giusti

Jussara T. M. Bezeruska

Gilberto Luiz de Araújo Malheiros

Comissão Científica Prof. Dra. Andréa Faggion (UEM)

Prof. Dr. Augusto Bach (UNICENTRO)

Prof. Dr. Daniel Omar Perez (PUCPR) Prof. Dt. Ernesto Maria Giusti

(UNICENTRO)

Prof. Dt. Evandro Bilibio

(UNICENTRO)

Prof. Dr. Horacio Luján Martínez

(UNIOESTE/Toledo) Prof. Jussara T. M. Bezeruska

(UNICENTRO)

Prof. Ms. Luiz Yanzer Portela

(UNIOESTE/Toledo)

Prof. Dt. Manuel Moreira da Silva (UNICENTRO)

Prof. Dt. Marciano Adilio Spica

(UNICENTRO)

Prof. Dr. Paulo Vieira Neto (UFPR)

Prof. Dr. Ubirajara Rancan (UNESP/Marília)

Prof. Dr. Valério Rohden

(PUCPR/UFSC)

Apoio Governo do Estado do Paraná

Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, SETI

Fundação Araucária Caixa Econômica Federal

Banco do Brasil

Faculdades Campo Real

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PROGRAMAÇÃO GERAL

22/06/2009 - Segunda-feira

19h às 20h

Abertura Oficial

20h às 23h

Conferência de abertura: "As observações de Kant sobre as raças atingem o universalismo de

sua filosofia?"

Prof. Dr. Ricardo Terra (USP)

23/06/2009 - Terça-feira

13h 30min às 15h

Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o Evento, em forma de comunicação.

15h 30min às 18h

Mesa Redonda - "Filosofia Prática e Antropologia" com as seguintes palestras:

A Relação entre poder e subjetividade na obra de Michel Foucault

Prof. Dr. Augusto Bach (UNICENTRO).

Kant e Foucault: Uma aproximação

Prof. Dr. Vinicius Berlendis de Figueiredo (UFPR).

O significado prático da natureza humana em Kant

Prof. Dr. Daniel Omar Perez (PUCPR),

19h às 19h 30min

Intervenções Artísticas

Espetáculo: "Declaração dos Direitos Humanos" com Rossana Campello Manfredini e equipe.

19h 30min às 21h 30 min.

Conferência seguida de debate: "A faculdade prática de apetição nas reflexões antropológicas

de Kant". Prof. Dr. Valério Rohden (PUCPR/UFSC).

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21h 30min às 23h

Reunião oficial da SKB-PR.

24.06.2009 – Quarta-Feira

13h 30min às 15h:

Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o evento, em forma de comunicação.

15h 30min às 18h:

Mesa redonda – “O Empírico e o Transcendental no Idealismo kantiano” com as seguintes

palestras:

Caráter inteligível e caráter empírico na Crítica da Razão Pura

Prof. Dr. Aguinaldo Pavão (UEL).

Dogmatismo e Criticismo na encruzilhada da Doutrina do idealismo transcendental kantiano

Prof. Dr. Luciano Carlos Utteich (UNIOESTE/Toledo).

Sobre o Especulativo em Kant: Ou do reconhecimento de uma região intermediária entre o

empírico e o transcendental

Prof. Dt. Manuel Moreira da Silva (UNICENTRO).

19h às 19h 45min

Intervenções Artísticas

Espetáculo: Mousike, com Daiane Stoerbel.

19h 45min às 23 h

Conferência seguida de debate:“Kant e um certo vocabulário musical” Prof. Dr. Ubirajara

Rancan (UNESP/Marília)

25.06.2009 – Quinta-feira

13h 30min às 15h

Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o evento, em forma de comunicação.

15h 30min às 18h

Mesa redonda – “Filosofia Transcendental e Metafísica” com as seguintes palestras:

Filosofia transcendental e Metafísica

Prof. Ms. Luis Yanzer Portela (UNIOESTE/Toledo)

A Concepção kantiana de existência: posição da coisa ou categoria do entendimento?

Prof. Dr. Marco Antônio Valentim (UFPR).

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Cognição e Predicação em Kant

Prof. Dr. Tiago Fonseca Falkenbach (UFPR),

Metaphysica sunt, non leguntur: Matemática e Filosofia de Kant a Gauss

Prof. Dt. Ernesto Maria Giusti (UNICENTRO)

19h às 19h 30min

Lançamento do livro: Percursos de Leitura da Relação entre Homem e Cultura - autora: Ruth

Rieth Leonhardt.

Local: Espaço de Convivência da Faculdade Campo Real (Contíguo ao Salão Nobre).

19h 30min às 23 h

Conferência seguida de debate: "A motivação moral em Kant", Profa. Dra. Maria de Lourdes

Borges (UFSC)

26.06.2009 - Sexta-Feira

13h 30min às 15h

Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o evento, em forma de comunicação.

15h 30min às 18h

Mesa redonda – “Perspectivas wittgensteinianas na Filosofia contemporânea” com as

seguintes palestras:

A possibilidade de um pressuposto ético em Heidegger e Wittgenstein

Prof. Dt. Evandro Bilibio (UNICENTRO)

Wittgenstein e a variedade de saberes

Dt. Marciano Adilio Spica (UNICENTRO),

Uma leitura wittgensteiniana da vontade política

Prof. Dr. Horacio Luján Martínez (UNIOESTE/Toledo)

19h às 19h 30min

Intervenções Artísticas

Espetáculo: Mulheres de Klint, com Marisa Ults

19h 30min às 23 h

Conferência seguida de debate: "O sublime matemático de Kant e o expressionismo abstrato

na pintura norte-americana" Prof. Dr. Jair Barboza (PUCPR)

Encerramento Oficial do I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/II Colóquio da

SKB-PR

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

KANT, HERANÇA E INTERPRETAÇÃO: APRESENTAÇÃO

Manuel Moreira da Silva...................................................................12

TEXTOS COMPLETOS

AS OBSERVAÇÕES DE KANT SOBRE AS RAÇAS ATINGEM O UNIVERSALISMO

DE SUA FILOSOFIA?

Ricardo Terra.................................................................................16

REPRESENTAÇÕES NÃO-CONSCIENTES EM KANT

Valério Rohden...............................................................................32

A RELAÇÃO ENTRE PODER E SUBJETIVIDADE NA OBRA DE FOUCAULT

Augusto Bach.................................................................................44

CRÍTICA E ANTROPOLOGIA EM KANT

Vinicius Berlendis de Figueiredo........................................................62

CARÁTER INTELIGÍVEL E CARÁTER EMPÍRICO NA CRÍTICA DA RAZÃO

PURA

Aguinaldo Pavão.............................................................................78

SOBRE O ESPECULATIVO EM KANT, OU DO RECONHECIMENTO DE UMA

REGIÃO INTERMEDIÁRIA ENTRE O EMPÍRICO E O TRANSCENDENTAL

Manuel Moreira da Silva...................................................................95

UMA LEITURA WITTGENSTEINIANA DA VONTADE POLÍTICA

Horacio Luján Martìnez..................................................................112

A DIVERSIDADE DE SABERES A PARTIR DE WITTGENSTEIN

Marciano Adilio Spica.....................................................................122

RESUMO DE PALESTRA

DOGMATISMO E CRITICISMO NA ENCRUZILHADA DA DOUTRINA DO

IDEALISMO TRANSCENDENTAL EM KANT

Luciano Carlos Utteich...................................................................138

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RESUMOS DE COMINUCAÇÕES

O CONCEITO DE INTUIÇÃO: DISTINÇÕES ENTRE DESCARTES, KANT E

BERGSON

Luiz Ricardo Rech..........................................................................144

O CONCEITO DE DIREITO NATURAL EM HOBBES: LIBERDADE E

OBRIGAÇÃO

Gerson Vasconcelos Luz..................................................................148

A LIBERDADE GENIAL

Luiz Carlos de Souza Filho...............................................................152

A TEORIA NEURONAL DO PROJETO DE UMA PSICOLOGIA (1895) E SUAS

IMPLICAÇÕES: UMA INTRODUÇÃO AO MATERIALISMO FREUDIANO

Gleisson Roberto Schmidt...............................................................156

O TEMPO COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO

OBJETO EM MERLEAU-PONTY

Jeovane Camargo..........................................................................160

O SUMO BEM LEIBNIZIANO DE IMMANUEL KANT

Rafael da Silva Cortes....................................................................164

CARÁTER, DETERMINISMO E LIBERDADE EM KANT E SCHOPENHAUER

Vilmar Debona..............................................................................168

A GLOBALIZAÇÃO COMO IDEOLOGIA

Guilherme Benette Jeronymo..........................................................172

A CARACTERIZAÇÃO DOS ‘SONHOS DE UM VISIONÁRIO’ COMO UM

ESCRITO DE CUNHO CRÍTICO

Marcio Tadeu Girotti.......................................................................177

DESMISTIFICANDO A TECNOLATRIA – UMA ANÁLISE CRÍTICA DA

SOCIEDADE TECNOLOGICAMENTE CENTRALIZADA

Vitor Ogiboski...............................................................................182

A FORMAÇÃO POLÍTICA EM ROUSSEAU

Darlan Faccin Weide.......................................................................185

UMA DEONTOLOGIA HOBBESIANA? A TESE TAYLOR E A TEORIA DA

OBRIGAÇÃO EM HOBBES

Clóvis Brondani.............................................................................19’

A INTERSUBJETIVIDADE NO FUNDAMENTO DO DIREITO NATURAL DE

FICHTE

João Geraldo Martins da Cunha........................................................195

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ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O EPICURISMO E O UTILITARISMO

Karina Mikuska..............................................................................199

UMA LEITURA DOS PRECEITOS ÉTICOS NAS MEDITAÇÕES DE MARCO

AURÉLIO

Marcio Fraga de Oliveira.................................................................203

CRÍTICA DE KARL POPPER À UTILIZAÇÃO DO MÉTODO INDUTIVO NA

CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Alexandre Klock Ernzen..................................................................207

O NEO-ARISTOTELISMO BRENTANIANO E O CONCEITO DE OBJETIVIDADE

IMANENTE

Lauro de Matos Nunes Filho............................................................211

VIOLÊNCIA E DEMOCRACIA EM HANNAH ARENDT

Paulo Eduardo Bodziak Junior..........................................................215

SOBRE O CONCEITO DE VIRTUDE E REMINISCÊNCIA NA OBRA MÊNON DE

PLATÃO

Felipe Cardoso Martins Lima............................................................219

A RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO NA PESQUISA E CONSTRUÇÃO DO

CONHECIMENTO

Lucia Helena Barros do Valle...........................................................223

O POSITIVISMO COMTIANO E O DISCURSO PROGRESSISTA DE GETÚLIO

VARGAS NO ESTADO NOVO (1937-1945)

João Henrique dos Santos...............................................................227

RAZÃO E MORAL EM BERGSON

Marcelo Prates de Souza.................................................................231

OS FUNDAMENTOS DO GOSTO, DA ARTE E DO GÊNIO NA ESTÉTICA DE

IMMANUEL KANT

Edy Klévia Fraga de Souza..............................................................235

LINGUAGEM E MENTE ORNAMENTAL

Felipe dos Santos Millani.................................................................239

RELAÇÃODE FOUCAULT E KANT: A AUFKLÄRUNG E A ATITUDE CRÍTICA

Marcelo da Rocha..........................................................................242

SCHILLER E O IMPULSO ESTÉTICO

Filipi Silva de Oliveira.....................................................................246

SIMBOLOGIA NO ESPAÇO FUNERÁRIO: TRANSMISSÕES CULTURAIS E

RELAÇÕES SOCIAIS

Maristela Carneiro..........................................................................251

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A DISTINÇÃO ENTRE O CORPO E ALMA EM DESCARTES

Geder Paulo Friedrich Cominetti.......................................................254

UMA LEITURA DE GÓRGIAS

Patrícia dos Santos Pinto, Maristela Carneiro.....................................258

A PÓS-HUMANIDADE NO CINEMA DE CRONENBERG

Wyllian Eduardo de Souza Correa....................................................262

CARÁTER EMPÍRICO E CARÁTER INTELIGÍVEL NA PRIMEIRA CRÍTICA

Fabiano Queiroz da Silva................................................................266

APONTAMENTOS EM TORNO DO CONCEITO DE LIBERDADE EM HANNAH

ARENDT

Willian Bento Barbosa....................................................................271

EDUCAÇÃO/DISCIPLINA MODERNA NO PENSAMENTO FOUCAULTIANO

Eduardo Alexandre Santos de Oliveira..............................................275

ASPECTOS DA REFUTAÇÃO DO IDEALISMO MATERIAL SOB A PERSPECTIVA

APRESENTADA NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA

Marco Aurélio Fabretti....................................................................279

FOUCAULT COM KANT

Fernando Padrão de Figueiredo........................................................282

DA POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DO CARÁTER MORAL EM KANT

Carlos Eduardo Neres Lourenço.......................................................286

O PROBLEMA DA INTUIÇÃO EM KANT

Christian Carlos Kuhn.....................................................................291

O CONCEITO DE ALMA DO MUNDO NO TIMEU DE PLATÃO

André Wowk Nunes........................................................................295

TRANS-MODERNIDADE E GEOPOLÍTICA DA HISTÓRIA EM DUSSEL

Elias Dallabrida.............................................................................299

NARRATIVA E IDENTIDADE EM PAUL RICOEUR

Ruth Rieth Leonhardt.....................................................................303

A REFUTAÇÃO KANTIANA DO IDEALISMO

Adriel José Machado.......................................................................307

HOMEM EM ROUSSEAU: EDUCAÇÃO POLÍTICA

Roberto Valim De Almeida..............................................................311

LIBERDADE EM PLATÃO

Leandro A. Xitiuk Wesan.................................................................315

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SOCIEDADE E O PROBLEMA DA MORAL EM HUME

Ricardo Zolinger Zanin...................................................................318

DISCUSSÃO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES A PARTIR DA OBRA ÉDIPO REI

DE SÓFOCLES

Julio Cezar de Lima........................................................................321

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CIÊNCIAS HUMANAS E A ANTROPOLOGIA

FILOSÓFICA EM HENRIQUE CLÁUDIO DE LIMA VAZ

Hugo José Rhoden.........................................................................325

O ESTADO DE DIREITO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Italo Biancardi Neto.......................................................................330

FOUCAULT E A VERDADE

Jussara Tossin Martins Bezeruska....................................................334

A D V E R T Ê N C I A

Os números de página acima indicados referem-se apenas à paginação contínua do documento presente, em formato PDF,

elaborado conforme exigência formal de prestação de contas junto à Fundação Araucária, vinculada à Secretaria de Estado

de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, SETI, do Estado do Paraná, sem cujo apoio o evento em questão dificilmente teria

se realizado. Os textos a seguir mantem a paginação original

(descontínua) resultante de sua publicação oficial nos Anais do I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO – I CONAFIL –

em meio digital, sob a forma de CD-ROM. Devido a essa nova formatação (em um único documento), alguns textos podem

apresentar pequenas variações quanto ao lugar físico (no editor de texto) de uma ou mais linhas em relação à formatação

indivudual de cada um dos textos presentes no CD-ROM.

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APRESENTAÇÃO

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KANT, HERANÇA E INTERPRETAÇÃO: APRESENTAÇÃO

Manuel Moreira da Silva

DEFIL – UNICENTRO/PR

[email protected]

Estes ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO e do

II COLÓQUIO KANT DA SOCIEDADE KANT BRASILEIRA, SEÇÃO PARANÁ –

SKB/PR – marcam uma virada no modo de se fazer congressos científicos no

Paraná e, talvez, no Brasil. Pela primeira vez na História das instituições envolvidas,

um evento de filosofia, cujo cerne constituiu-se na discussão e no debate de temas e

problemas os mais elevados e com alto grau de especificidade, foi transmitido on-

line – na completude de suas palestras, conferências e intervenções artísticas – para

diversos pólos de outro curso que não filosofia, a saber, o Curso de História a

Distância da UNICENTRO. Isso com a devida participação e a efetiva intervenção

dos espectadores do Curso de História a partir de seus respectivos pólos; o que, de

um modo ou de outro, direta ou indiretamente, deixa sua marca também nestes

ANAIS.

O Congresso discutiu o tema Kant: Herança e Interpretação, constituindo-se a partir

de um arco que pôs em questão desde o problema das raças na filosofia de Kant até

heranças e interpretações quase sempre ou ainda em contestação, por exemplo, a

de Hegel e a de Wittgenstein. Isso, não obstante, jamais seria possível se, desde a

primeira hora, os organizadores do evento não tivéssemos o apoio sincero e

decidido da Sociedade Kant Brasileira e, sobretudo, de sua Seção Paraná; assim

como o apoio de colegas dos departamentos de filosofia de praticamente todas as

universidades do estado do Paraná, em especial da UNIOESTE/Toledo, da PUC/PR

e da UFPR, mas também de outros estados, como São Paulo (UNESP/Marília e

USP) e Santa Catarina (UFSC), que ou nos prestigiaram, na medida do possível,

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praticamente durante todo o evento, ou se esforçaram para a liberação de colegas e

alunos para que os mesmos pudessem permanecer em Guarapuava durante todos

os dias do Congresso. Da mesma forma, nosso evento não teria sido possível em

sua plenitude caso também não tivéssemos o apoio da Reitoria e dos cursos de

Filosofia, Arte-Educação e História à Distância da UNICENTRO; os quais, cada um

ao modo e segundo suas possibilidades e capacidades – o mesmo valendo para a

Academia Romany, de Guarapuava –, nos brindaram institucional, logística e

politicamente (a Reitoria, bem como o SEHLA – Setor de Ciências Humanas, Letras

e Artes), tecnológica, institucional e didático-pedagogicamente (O Curso de História

a Distância) e, enfim, artisticamente (o Curso de Arte-Educação e a Academia

Romany, suas professoras, alunas e alunos, que nos prestigiaram com belíssimos

espetáculos), em prol de uma Universidade aberta, laica, gratuita e de qualidade.

Capítulo à parte deve ser concedido à Fundação Araucária, pelo apoio financeiro e

pela compreensão em relação às contingências que ocorrem em todo grande

evento; mas, principalmente, por ter acreditado na proposta de evento, para muitos

audaciosa, então submetida à apreciação da mesma no início de maio de 2009.

Outro capítulo à parte deve ser concedido aos alunos e alunas do Curso de Filosofia

da UNICENTRO, que, à primeira hora, abraçaram a causa pela realização de um

Congresso de Filosofia propriamente científico e, como bons anfitriões, estiveram

presentes em todas as ocasiões importantes, bem como do primeiro ao último

minuto deste I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO; o que

deve ser estendido às estagiárias e aos professores do DEFIL, especialmente aos

que compuseram a Comissão Organizadora e as equipes de apoio. Por fim, mas

não menos importante, este Congresso não teria a projeção e o alcance que teve

não fosse o grande número de submissões de trabalhos e de inscrições de ouvintes;

os quais percorreram distâncias consideráveis, vindos de vários estados brasileiros,

em especial do Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro – além, é claro, de

todo o Paraná – entre outros lugares.

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Nossos ANAIS estão assim organizados: 1. Apresentação; 2. Trabalhos completos;

3. Resumos de Palestras e 4. Resumos de Comunicações. Ainda que esses textos

não constituam a totalidade do material apresentado e discutido durante o evento,

esperamos que todos apreciem o que aí está escrito e, na medida do possível,

possa ter uma imagem mais ou menos aproximada disso que no mesmo foi o caso.

Mais uma vez agradecemos a todos que, de um modo ou de outro, colaboraram

conosco nesse empreendimento e renovamos o convite para que também se façam

presentes nos próximos eventos que poderemos então organizar.

Coordenador do I Congresso Nacional de

Filosofia da UNICENTRO/II Colóquio Kant

da SKB/PR;

Chefe do Departamento de Filosofia da

UNICENTRO

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TEXTOS COMPLETOS

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AS OBSERVAÇÕES DE KANT SOBRE AS RAÇAS ATINGEM O UNIVERSALISMO DE SUA FILOSOFIA?1

Ricardo Terra

USP/CEBRAP

I

Antes de tudo, eu gostaria de agradecer aos organizadores do I Congresso Nacional

de Filosofia da Universidade Estadual do Centro-Oeste e do II Colóquio da seção

Paraná da Sociedade Kant Brasileira pelo convite para proferir a conferência de

abertura destes eventos.

Em nome da diretoria da Sociedade Kant Brasileira gostaria de cumprimentar os

organizadores pela programação do encontro. Graças aos temas e aos nomes dos

participantes está garantida a grande densidade filosófica das conferências e dos

debates, articulados sob o tema geral: ―Kant, Herança e Interpretação‖.

É bom lembrar que há pouco mais de vinte anos Zeliko Lopáric, Valério Rohden,

Guido de Almeida, Balthazar Barbosa e eu nos reunimos para elaborar a minuta de

uma nova associação, que foi finalmente fundada por ocasião do I Congresso Kant

Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro em 1988: a Sociedade Kant Brasileira. Na

ocasião foi eleito como primeiro presidente o Prof. Zeliko Loparic. No regimento

estava prevista a criação de regionais da Sociedade e foram fundadas as regionais

do Rio de Janeiro, Campinas e Porto Alegre.

A Seção Regional Rio de Janeiro organizou em Itatiaia, em 1997, o II Congresso

Kant, ocasião em que decidimos fundar a revista Studia Kantiana, cujo primeiro

número foi publicado em 1998. Na época o Prof. Valério Rohden era presidente da

entidade.

1 O texto que se segue é o resultado inicial de um trabalho em andamento.

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Desde então tivemos um extraordinário crescimento dos estudos kantianos no

Brasil. Na saudação que pronunciei por ocasião da abertura do X Congresso Kant

Internacional, em 1995, afirmei: ―A realização do X Congresso Kant no Brasil é o

reconhecimento de nossos esforços e ao mesmo tempo um grande estímulo para

prosseguir nosso projeto nas próximas décadas‖.1 E é justamente o que podemos

constatar aqui hoje: a consolidação de mais uma seção da SKB, a seção Paraná,

que já surgiu com um conjunto de pesquisadores da melhor qualidade. Meus votos

de congratulação a todos os membros da regional e à sua diretoria, os Professores

Daniel Peres, Vinícius Figueiredo e Ernesto Giusti.

Esperamos que também a regional Nordeste se consolide, e temos a boa notícia da

fundação da regional ―Gérard Lebrun‖ – Marília, São Carlos, São Paulo –, graças

aos esforços do Prof. Ubirajara Rancan, que também é responsável por uma

significativa ampliação da relação com nossos colegas italianos e portugueses. É da

maior importância a troca de experiências com pesquisadores da filosofia kantiana

que se expressam em outras línguas latinas, já que procuramos não só traduzir Kant

para o português, mas também dotar nossa língua dos instrumentos necessário ao

pensamento filosófico.

II

É notável o modo como os movimentos feminista e anti-racista provocaram revisões

na história do pensamento, levando à releitura dos textos clássicos tendo em vista a

posição que a mulher e as diferentes raças ocupam nessas filosofias. O silêncio

sobre esses temas em grande parte de estudos históricos da filosofia, mesmo os

referentes à filosofia política, não deixa de ser bastante significativo. Questões como

a da escravidão no pensamento de Aristóteles são lembradas, mas a situação do

feminino no pensamento aristotélico dificilmente é tematizada.

1 TERRA, Ricardo ―Begrüssungsansprach anlässlich der Eröffnung des X. Internationalen Kant-

Kongresses―, in Rohden, Terra, Almeida, Ruffing (editores) Recht und Frieden in der Philosophie Kants. Berlin, de Gruyter, 2008.

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Em épocas distintas, asserções sobre essas questões certamente têm significados

muito diferentes. A situação é bastante diversa se certa filosofia apenas repercute as

concepções presentes em uma sociedade (como no caso de Aristóteles), ou se está

reagindo a mudanças que começam a ser perceptíveis na sociedade (como no caso

de Nietzsche, que reage a movimentos por direitos iguais). A reconstrução ou crítica

das filosofias deveria levar essas diferenças em conta.

Quando se pensa na história dos efeitos ou na atualização das filosofias, certos

temas passam a ter uma importância muito maior ou menor do que tinham na época

em que as obras foram escritas. Ora, a vitalidade do pensamento está justamente na

possibilidade de ser atualizado, ou seja, de nos ajudar a pensar criticamente as

questões do presente.

Ao lado das tentativas de atualização, há outro movimento, em certo sentido a elas

oposto, que é a perspectiva de culpabilização dos clássicos e de certas posições

filosóficas. Culpa-se Marx pelo Gulag, culpa-se a razão por Auschwitz. Há uma

espécie de estratégia da suspeita generalizada, que pretende ser radical mas acaba

se autodestruindo em contradições performativas. Usa-se a razão para criticar

radicalmente a razão, a democracia contra a democracia, a tolerância contra a

tolerância.

III

Levando em conta esta reflexão esquemática sobre a atualização das filosofias, eu

gostaria de formular a seguinte questão: ―As observações de Kant sobre as raças

atingem o universalismo de sua filosofia?‖. Trata-se de um tema em que venho

trabalhando ultimamente, e cujos resultados, ainda parciais, exponho a seguir.

Os principais textos kantianos em que a questão das raças aparece são os

seguintes:

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1. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime. (1764)

2. Notas sobre as Observações sobre o sentimento do belo e do sublime.

(Ak, XX)

3. ―Das diferentes raças humanas.‖ (Texto publicado para o anúncio das

aulas de geografia física do semestre de verão de 1775. Outra versão

foi publicada em 1777, na obra de J. J. Engel Philosoph für die Welt.

Cf. Ak, II, 518.)

4. ―Definição do conceito de raça humana.‖ (Berlinische Monatschriften,

novembro de 1785. Texto aparentemente suscitado por juízos sobre o

artigo anterior de Kant sobre as raças. Cf. Ak, VIII, 479.)

5. ―Sobre o emprego dos princípios teleológicos na filosofia.‖ (Der

teutsche Merkur, janeiro-fevereiro de 1788. Duplo propósito: 1.

Responder às objeções de Georg Forster dirigidas à ―Definição do

conceito de raça humana‖ e também ao ―Começo conjectural da

historia humana‖; 2. Afirmar a concordância com as Cartas sobre a

filosofia kantiana, de Reinhold. Cf. Ak, VIII, 487.)

6. Antropologia de um ponto de vista pragmático. (1798)

7. Geografia Física. (1802)

8. Lições de antropologia.

Como dito, o que apresentarei aqui é um trabalho em andamento e que será

articulado em três partes:

1. Na primeira, retomarei algumas análises críticas a respeito da questão

das raças no pensamento kantiano.

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2. Na segunda, abordarei rapidamente as Observações sobre o

sentimento do belo e do sublime, juntamente com as Notas sobre as

Observações.

3. Finalmente, abordarei o texto de 1775 acerca ―das diferentes raças

humanas‖.

Como se vê, minha análise se restringirá a textos pré-críticos. Mas acredito que os

argumentos valem, com força ainda maior, para os textos críticos.

Não se trata de minimizar a importância daquelas afirmações de Kant que saltam

aos nossos olhos como etnocêntricas e racistas. Trata-se apenas de distinguir com

clareza o estatuto teórico da antropologia, de um lado, e aquele da filosofia política e

da doutrina do direito, de outro. A desconsideração dessa distinção pode levar a

grandes equívocos, relativos aos preconceitos eurocêntricos presentes em algumas

passagens e que, segundo certos autores, deveriam levar–nos a questionar o

universalismo da moral kantiana.

Como exemplo desses equívocos, vale mencionar os artigos de Robert Bernasconi

―Who Invented the Concept of Race? Kant´s Role in the Enlightenment Construction

of Race‖1 e ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖,2 e também o artigo de

Emmanuel Chukwudi Eze, ―The Color of Reason: The Idea of ´Race´ in Kant´s

Anthropology‖.3

1 BERNASCONI, Robert, ―Who Invented the Concept of Race? Kant´s Role in the Enlightenment

Construction of Race‖, in: BERNASCONI, R (ed) Race. Blackwell, 2001. 2 BERNASCONI, Robert, ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: Ward, J. e Lott, T. ed.

Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002. 3 EZE, Emmanuel Chukwudi, ―The Color of Reason: The Idea of ´Race´ in Kant´s Anthropology‖, in:

EZE, E.C. (ed) Postcolonial African Philosophy. Cambridge, Blackwell, 1997. Devido à limitação de espaço, não será possível comentar esse artigo, mas pode-se dizer que violenta o texto kantiano, por exemplo, em relação ao conceito de transcendental, e também que se utiliza da mesma retórica da suspeição presente em Bernasconi.

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No primeiro artigo em questão, Bernasconi examina os candidatos ―à honra

duvidosa de ser o inventor do conceito de raça‖.1 Nesse contexto, a referência ao

texto de 1775, ―Das diferentes raças humanas‖, torna-se central. A questão da

diferença na aparência e nos costumes dos homens ganhou vulto na época de Kant,

principalmente devido aos relatos de viagens. E é nesse quadro que o conceito de

raça se torna uma questão importante para o conhecimento. O que Kant busca são

critérios para a classificação de raças. Em vez de reconstruir esse debate de época,

no entanto, Bernasconi exercita apenas uma retórica da suspeição, o que já se

mostra no próprio título do artigo. Ele sugere que na gênese do conceito já estão

presentes, em grande medida, as suas utilizações posteriores.

Esse estado de coisas se agrava ainda mais no caso do segundo artigo.

Parafraseando o título de um artigo de Isaiah Berlin, ―Kant as an Unfamiliar Source

of Nationalism‖, mas diferentemente dele, cuja intenção é estudar como certas idéias

são transformadas em seu contrário, Bernasconi toma o título literalmente. Sua tese

é a de que, ―apesar do cosmopolitismo confesso, que é evidente em certos ensaios

como a ‗Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita‘,

encontram-se também em sua filosofia expressões de um racismo virulento e

fundado teoricamente em um tempo em que o racismo científico estava ainda em

sua infância‖.2

Para Bernasconi, o humanismo, o igualitarismo e o cosmopolitismo seriam limitados

e eurocêntricos. A acomodação histórica desses movimentos com o racismo

perpassaria toda a modernidade e Kant não escaparia desse quadro, já que

―caracteriza os negros, os americanos nativos e em certa medida também outras

raças de tal maneira que sugere que lhes falta a autonomia para contarem como

agentes morais plenos. Em outras palavras, não é apenas uma questão de como

negros e americanos nativos são vistos na teoria moral de Kant, mas também uma

1 BERNASCONI, Robert, ―Who Invented the Concept of Race?‖, p. 15

2 BERNASCONI, Robert, ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: Ward, J. e Lott, T. ed.,

Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002, p. 145.

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questão de saber se Kant pensou sobre eles de tal maneira que comprometeu a

universalidade de sua teoria moral universal‖.1

Bernasconi não para por aí. Refere-se ao livro de Horkheimer e Adorno, Dialética do

esclarecimento, no sentido de indicar a vinculação do seu humanismo, igualitarismo

e cosmopolitismo com o racismo. Cito: ―Se alguém aceita a sugestão de Horkheimer

e Adorno na Dialética do Esclarecimento, segundo a qual o humanismo, o

igualitarismo e o cosmopolitismo não contradizem tanto o racismo, mas prestam-se

a ele, afirmando-o enquanto tentam negá-lo, mais questões do que respostas são

criadas e, então, [tal sugestão] pode ser tomada apenas como ponto de partida. Por

que tantos pensadores esclarecidos foram aparentemente incapazes de articular o

novo sentido de humanidade sem ao mesmo tempo desenhar-lhe os limites mais

rígida e explicitamente que antes? O registro histórico não mostra que o

cosmopolitismo não apenas não foi introduzido para combater o racismo, mas

também que prontamente o acomodou?‖.2

Convém dizer, de saída, que concordo com Thomas McCarthy (―Die politische

Philosophie und das Problem der Rasse‖3) quando ele diz que Bernasconi exagera

ao pretender que as afirmações de Kant sobre as raças comprometam suas

pretensões universalistas. Nesse sentido, é necessário distinguir uma perspectiva,

digamos, antropológica, baseada em relatos de viagens, da perspectiva de uma

1 Idem p. 161. Thomas McCarthy depois de reconhecer a relevância dos artigos de Bernasconi e Eze

para sua própria análise da relação da filosofia política com o problema da raça no que diz respeito ao pensamento kantiano, escreve: ―não obstante, penso que Bernasconi e Eze exageram a medida em que o pensamento de Kant relativo às raças aniquila seu projeto filosófico como um todo‖, ―Die politische Philosophie und das Problem der Rasse‖, in: WINGERT, L. e GÜNTHER, K. eds., Die Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit. Frankfurt, Suhrkamp, 2001, p. 631 2 BERNASCONI, Robert. ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: WARD, J. e LOTT, T. ed.

Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002, p 146. Ver também a passagem: ―Kant caracteriza negros e americanos nativos e em certa medida outras raças de maneira que sugere que lhes falta a autonomia para contar como plenos agentes morais. Em outras palavras, não é somente uma questão de como negros e americanos nativos são vistos dentro da teoria moral de Kant, mas também uma questão de saber se ele pensou sobre aqueles de tal modo que comprometeu a universalidade da sua teoria moral universal‖, idem pag. 161 3 MCCARTHY, Thomas. ―Die politische Philosophie und das Problem der Rasse‖, in: WINGERT, L. e

GÜNTHER, K. eds. Die Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit. Frankfurt, Suhrkamp, 2001, p. 631.

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filosofia da história e, por fim, da perspectiva político-jurídica. Ao contrário de Ritter,1

acredito que haja uma distinção entre uma doutrina do direito pré-crítica e outra

crítica, mas no plano da antropologia, pelo menos na maneira de tratar os dados

empíricos, há certa continuidade no pensamento kantiano sobre os diversos povos.

Mas tratemos agora dessa questão na década de 1760 e 1770, Nas Observações e

Notas e, depois, no texto sobre as raças.

IV

Para a defesa de sua tese, Bernasconi se utiliza de algumas passagens desses

textos que são ―racistas‖ em relação aos índios americanos e aos negros. Como já

disse, pretendo chamar a atenção para o estatuto específico do discurso

antropológico relativamente à filosofia da história e à perspectiva político-jurídica,

que estão em formação nesse período, de modo a desfazer as suspeitas contra o

universalismo nascente.2

Podemos ler, nas Observações, que ―entre todos os selvagens, nenhum outro povo

demonstra um caráter espiritual tão sublime como o da América do Norte. Possuem

um forte sentimento de honra e, para alcançá-la, buscam selvagens aventuras por

centenas de milhas e são extremamente atentos em preservá-las do menor prejuízo,

mesmo quando um inimigo feroz, depois de tê-los feito prisioneiros, procura forçá-lo

a um gemido covarde por meio de terríveis torturas. O selvagem canadense é, aliás,

sincero e honesto‖.3 Um pouco adiante, lemos o seguinte: ―Licurgo provavelmente

1 RITTER, C. Der Rechtsgedanke Kants nach den frühen Quellen. Frankfurt, V. Klostermann, 1961.

2 Para uma ampla análise da concepção de raça no pensamento kantiano, que leva em conta os

diferentes estatutos epistemológicos e práticos dos textos de Kant, ver de LAGIER, Raphaël, Les races humaines selon Kant. Paris, PUF, 2004. 3 KANT, I. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, Ak. II, 253 ; Trad. Vinicius de

Figueiredo. Campinas, Papirus, 1993, p. 76.

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deu leis semelhantes a selvagens e, se um legislador surgisse entre as seis nações,

veríamos elevar-se uma republica espartana no Novo Mundo‖.1

Os selvagens da América do Sul, por outro lado, seriam diferentes daqueles da

América do Norte: ―Os Sul-Americanos são indiferentes e fleumáticos, os negros são

muito levianos e vaidosos, os europeus são vivazes e impetuosos‖.2 (Bem. Ak, XX,

166).

Em relação aos negros, as afirmações racistas são mais pronunciadas ainda. Kant

escreve: ―Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que

se eleve acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único

exemplo em que um negro tenha demonstrado talentos, e afirma: dentre os milhões

de pretos que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem

sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo

grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os brancos,

constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa, adquirem no

mundo certo prestígio, por força e dons excelentes‖. (Beob. Ak, II, 253)3 Argumentos

semelhantes às vezes são usados em relação às mulheres, por exemplo quando se

pergunta por que tão poucas mulheres se tornaram grandes filósofas ou cientistas.

1 Idem, Ak.II, 253; 76.

2 Bemerkungen zu den Beobachtungen über das Gefühl des Schönen und Erhabenen, Ak. XX, 166.

3 Vejamos o texto do próprio Hume: ―Eu me inclino a suspeitar que os negros são naturalmente

inferiores aos brancos. Praticamente nunca existiu uma nação civilizada com aquela compleição, nem sequer um individuo eminente seja na ação seja na especulação. Não existem manufaturas engenhosas entre eles, nem artes nem ciências. Em contrapartida, mesmo os mais rudes e bárbaros dos brancos, como as antigos Alemães ou os Tártaros no presente, apresentam algo de eminente entre eles (...) Semelhante diferença uniforme e constante, não poderia acontecer em tantos países e épocas se a natureza não tivesse feito uma distinção original entre essas raças de homens. Sem mencionar nossas colônias, existem escravos negros dispersos por toda a Europa, e nunca se descobriu em qualquer um deles algum sinal de engenhosidade, enquanto membros brancos da classe baixa, sem educação, são capazes de progredir e se destacar em qualquer profissão‖. HUME, David. ―Do caráter nacional‖. In: Ensaios Políticos & Literários. Rio de Janeiro, Topbooks Editora, 2004, p. 344. Outras passagens de Kant: ―nas terras dos negros o que esperar de melhor do que ordinariamente lá se encontra, ou seja, o sexo feminino na mais profunda escravidão? (Beob. II, 254; 77); ―esse sujeito era preto da cabeça aos pés, argumento suficiente para considerar irrelevante o que disse‖. (Beob. II, 255; 78).

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O próprio Kant, no entanto, esclarece sua perspectiva. Depois de constatar que

alguns homens podem gostar de algo que outros detestam, que o que é repugnante

para uma pessoa pode ser indiferente para outra, diz ele: ―O campo de observações

dessas particularidades da natureza humana estende-se a perder de vista, e oculta

ainda descobertas tão agradáveis quanto instrutivas. Aqui lanço meu olhar, mais de

observador do que de filósofo, apenas sobre alguns pontos que parecem

apresentar-se como relevantes nessa área.‖ (Beob. Ak, II, 207; 19).

E, mais adiante, prossegue: ―Minha intenção não é descrever minuciosamente os

caracteres das nações, mas apenas esboçar traços que neles exprimem os

sentimentos do sublime e do belo. É fácil supor que tal esboço apenas seja capaz de

limitada exatidão, que os modelos não possam surgir senão do grande acervo

daqueles que almejam a um sentimento refinado, e que nenhuma nação encontre-se

privada das disposições de espírito que reúnem as qualidades eminentes desse tipo.

A censura que eventualmente possa recair sobre um povo não pode, por isso,

ofender a ninguém, pois é de tal ordem que cada um pode lançá-la ao vizinho como

lança uma bola. Se essas diferenças nacionais devem-se ao acaso, se dependem

de época e forma de governo ou se são necessariamente ligadas ao clima, isso não

investigo aqui‖. (Beob. Ak, II, 243; 65).

Essas últimas passagens devem ser lidas com cuidado, de modo que possamos

diferenciar os estatutos dos textos: o que é observação empírica e o que é reflexão

filosófica. Kant depende para a sua observação de relatos de viagens, já que só

conhecia pessoalmente os arredores de Königsberg. Além disso, a perspectiva

empírica tem de ser considerada no quadro de suas limitações. A censura que um

povo faz a outro pode ser feita de volta ao primeiro. E devemos levar em conta a

afirmação de que se pode supor que ―nenhuma nação encontre-se privada das

disposições de espírito que reúnem as qualidades eminentes desse tipo‖. Kant

incluiria entre as nações os selvagens e os negros da África?

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Mesmo assim, é certo, as afirmações racistas são brutais. Em que medida, porém,

interferem elas na elaboração da filosofia kantiana? Haveria alguma influência das

observações antropológicas racistas na elaboração conceitual? Segundo Vinícius

Figueiredo, tradutor para o português das Observações sobre o sentimento do belo

e do sublime, ―na descrição dos comportamentos humanos, o ideal de elegância,

formulado conforme os parâmetros do refinamento, prefigura com nitidez a figura do

homem esclarecido que, mais tarde como aqui, caracteriza-se por uma conduta

norteada pela crítica. Guardadas as diferenças, as Observações, como aponta seu

desfecho, já delineiam a antropologia do Esclarecimento, apropriando-se de duas

idéias centrais do século XVIII, a educação e o cosmopolitismo: ambas se

encontram aí articuladas pela aposta de Kant na consolidação, tanto nas artes como

nas ciências, do gosto do jovem cidadão do mundo, o Weltbürger.‖1

Podemos perfeitamente considerar, assim, que as observações antropológicas

empíricas não condicionam necessariamente a elaboração da visão kantiana em

relação à educação, à Aufklärung e ao universalismo de sua perspectiva.

Como contraprova, procuremos observar a formação do pensamento político jurídico

kantiano nas Notas sobre as Observações e Reflexões, dos anos 1760 e 1770. O

estado de natureza é visto por Kant em pelo menos três perspectivas: uma

―antropológica‖, baseada em observações sobre os selvagens; outra político-jurídica,

em que o estado de natureza aparece como idéia; e, finalmente, uma terceira - que

não será aqui analisada -, vinculada à filosofia da historia, em que a passagem de

uma situação primitiva para o estado civil será pensada de maneira diferente,

desempenhando o antagonismo um papel fundamental.

Em relação à perspectiva antropológica, pode-se ler em Les Sources françaises de

la philosophie de Kant, de Jean Ferrari, que, ―quando Kant procura um equivalente

1 FIGUEIREDO, Vinícius. « Introdução » a Kant Observação sobre o sentimento do belo e do sublime.

Campinas, Papirus, 1993, p. 12, ver também Figueiredo, V. 1762-1772 Estudo sobre a relação entre método, teoria e pratica na gênese da critica kantiana. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, 1998.

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do homem da natureza no selvagem ou no primitivo, não pode esconder sua

decepção. (...) Em geral, Kant não partilha o entusiasmo de seu século pelo bom

selvagem e descreve o homem primitivo como um ser próximo da animalidade‖.1

Bem diversa, como vimos insistindo, é a perspectiva ―político-jurídica‖, em que o

estado de natureza é considerado uma ideia. Veja-se, por exemplo, a Reflexão 6593

(1764-1768): ―O estado de natureza: um ideal de Hobbes. Considera-se aqui o

direito no estado de natureza e não o factum. Prova-se que seria arbitrário deixar o

estado de natureza, mas necessário segundo as regras do direito‖. Assim, o contrato

social também será considerado uma idéia, e não um fato histórico: ―O contractus

originarius não é o principio de explicação da origem do status civilis, mas de como

deveria ser‖ (Refl. 7740 (1773-5 ?, 1778-9 ?, 1776-8 ?)).

O estado civil é um estado jurídico e o contrato é um principio regulador, uma norma

para o direito político (Refl. 7416 e 7738). Como contrato, é apenas um direito ideal

(Refl. 7737). Ora, ―o contrato social não é o principium do estabelecimento do

Estado, mas aquele de sua administração, e compreende o ideal da legislação, do

governo e da justiça pública‖ (Refl. 7434). A Reflexão 7416 (1766/8, 1790??), por

seu turno, é bastante clara: ―Non est pacto reali sed ideali, weil der Zwang voran

geht‖.2

Há uma separação completa entre a perspectiva antropológica e a político-jurídico, o

conceito de estado de natureza e contrato social são ideias que participarão do

sistema jurídico universalista. O estado de natureza, portanto, é caracterizado como

um estado de ausência do direito, vindo daí a obrigação de realizar o contrato.

Na concepção dos anos 1790, o estado de natureza é uma ideia: ―prescindimos da

experiência e não descrevemos um fato, como não é algum fato que torna

necessária a saída do estado de natureza, o qual não é apresentado como

1 FERRARI, Jean, Les sources françaises de la philosophie de Kant. Paris, Librairie Klincksieck, 1979,

p.186. 2 Cf. TERRA, R. A Política tensa. Ideia e Realidade na Filosofia da História de Kant. São Paulo,

Iluminuras, 1995, 26 e seguintes.

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composto por fases; a mudança não seria forçada pelo agravamento da situação de

guerra. A exigência de sair do estado de natureza será caracterizada como a priori,

como uma exigência puramente racional, e não como um misto de razão e paixão.‖1

Dessa maneira, pode-se dizer, contra a leitura de Bernasconi, que as observações

racistas de Kant não têm nenhuma influência no universalismo da doutrina político-

jurídica então em construção. As descrições dos diferentes povos, baseadas em

relatos de viagem, e mesmo as tentativas de classificar as raças, têm um estatuto

teórico diferente tanto da ciência propriamente dita como da filosofia prática.

V - “Das diferentes raças humanas”

Antes de entrar na análise do texto sobre as raças de 1775, convém lembrar que

Kant ministrou cursos de Geografia Física de 1756 a 1796. Segundo Michele Cohen-

Halimi, ―o curso de Geografia Física acompanhou, por assim dizer clandestinamente,

todo o percurso filosófico de Kant, já que só foi editado tardiamente, em 1802: nos

268 ciclos de cursos que o filósofo de Königsberg assegurou durante toda sua

atividade acadêmica, iniciada em 1755 e terminada em 1796, 54 foram consagrados

à lógica e à metafísica, 49 à geografia física, 46 à ética, 28 à antropologia, 24 à

física teórica, 20 às matemáticas, 16 ao direito, 12 à enciclopédia das ciências

filosóficas, 11 à pedagogia, 4 à mecânica, 2 à mineralogia e apenas 1 à teologia‖.2

Kant era um leitor assíduo de relatos de viagens e dependia de tais textos como

fonte de informações. ―Kant diz, em mais de uma ocasião, que esperava os

resultados de tal ou qual viagem de exploração em curso, e esperava notadamente

as informações de Humboldt‖.3 É importante lembrar que a qualidade e a veracidade

desse tipo de informação variavam muito, pois, além de Humboldt, havia muitos

aventureiros, comerciantes e padres cujos relatos eram lidos na época.

1 TERRA, R. op. cit. P. 34

2 COHEN-HALIMI, M. ―Introduction‖ à tradução de Kant Géographie. Paris, Aubier, 1999, p. 10.

3 Idem, ibidem.

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Diferentemente do que vimos nas Observações e das Notas sobre as observações,

no entanto, a preocupação maior de Kant nas ―Diferentes raças‖ está na

caracterização do que é uma raça e nos critérios de classificação.

Ainda assim, encontramos afirmações racistas semelhantes às daqueles textos. Por

exemplo: ―aos indígenas desse continente faltam em geral as faculdades e a

resistência‖ (Racem. Ak, II, 438). E também: ―o negro é bem adaptado a seu clima, a

saber é forte, carnudo, ágil; mas, pelo fato da abundância material de que se

beneficia seu pais natal, é ainda preguiçoso, mole e frívolo‖ (Racem. Ak, II, 438).

No sentido de verificar como podemos lidar com isso, detenhamo-nos

esquematicamente em alguns aspectos do texto: (1) a distinção entre classificação

escolástica e historia natural; (2) a definição de raça; (3) a polêmica relativa às

várias criações do homem (ou uma só); e a questão da posição kantiana contra

Maupertuis, que propunha um melhoramento da humanidade, Tais são, segundo

entendo, os elementos necessários para discutir a tese de Bernasconi.

Com vistas a isso, demos a palavra a Gérard Lebrun em Kant sans kantisme, uma

recém publicada coletânea de artigos em que ele procura mostrar como Kant

distingue a descrição da natureza e a história natural. A descrição preocupa-se

apenas com a classificação, quando, por exemplo, alinhamos o cachorro e o gato

como animais quadrúpedes. já o historiador da natureza vai mais longe, buscando

nas espécies filiações ou formações derivadas, como as raças.1 ―Entendemos por

raças grupos caracterizados por traços ‗infalivelmente hereditários‘ sem formar,

entretanto, espécies, pois a fecundidade dos cruzamentos entre esses grupos torna

mais verossimilhante sua derivação de um mesmo tronco comum. Essa noção de

raça, à qual as descrições da natureza permanecem indiferentes, é ao contrário

indispensável ao historiador da natureza, que, ele, tem em vista prioritariamente a

regra enunciada por Buffon: ‗todos os animais suscetíveis de procriar filhos também

1 Cf. LEBRUN, G. Kant sans kantisme. Paris, fayard, 2009, p. 264. ―A divisão escolástica se faz por

classes, reparte os animais segundo a semelhança; a divisão da natureza se faz pelo tronco (Stamm), ela reparte segundo o parentesco, do ponto de vista da geração‖ (Ak. II, 429).

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fecundos, qualquer que seja sua diversidade de forma, pertencem, entretanto, a um

único e mesmo gênero físico‖.1

Essa caracterização de Bufon é, de fato, fundamental para Kant, já que aponta para

o caráter único da humanidade. O tronco original teria tido uma série de germes, que

se desenvolveram em certas circunstâncias de clima, como temperatura e umidade.

Depois que os germes se desenvolveram, eles passaram para as gerações

seguintes sem retorno. Os descendentes de negros que nasceram na Europa,

mesmo depois de muitas gerações, continuam a ser negros.

Contra vários pensadores da época, inclusive Voltaire, Kant afirma a descendência

familiar única, e não a pluralidade de criações. Certos autores, ―estimando

impossível unificar esta multiplicidade no seio do gênero humano, admitem para

explicá-la uma multidão de criações locais. Dizer com Voltaire: ‗Deus criou a rena na

Lapônia para comer o musgo dessas regiões glaciais, e também criou nesses

lugares o lapão para comer essa rena‘ não é uma má invenção para o poeta; mas é

um mau expediente para o filósofo, que não tem o direito de abandonar a cadeia das

causas naturais senão quando a vê manifesta e imediatamente ligada ao acaso‖.

(Racem. Ak, II, 440).

Se os homens fossem semelhantes sem ser aparentados (tendo a mesma

ascendência), ―seria preciso admitir um bom número de criações locais, teoria que

multiplica sem necessidade o número das causas.‖ (Racem. Ak, II, 430) Kant não

apenas afirma a origem comum de todos os homens, como também recusa toda

forma de eugenia: ―É sobre essa possibilidade de estabelecer, por uma triagem

cuidadosa entre os recém nascidos degenerados e os recém nascidos bem

constituídos, uma linhagem familiar durável, que repousava a idéia de M. de

Maupertuis projetando o desenvolvimento, em algum lugar, de certa linha humana

em que a inteligência, a habilidade e a retidão seriam hereditárias. Projeto este que,

em minha opinião, seria nele mesmo realizável, mas é evitado completamente pela

1 Idem, p. 264.

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sábia natureza; pois precisamente nessa mistura de bem e do mal residem os

grandes impulsos que colocam em movimento as forças adormecidas da

humanidade, obrigando-a a desenvolver todos os seus talentos e a tender em

direção à perfeição de seu destino‖ (Racem. Ak, II, 431).

À guisa de conclusão, eu gostaria de voltar ao texto de Gerard Lebrun para dele

extrair a seguinte afirmação:―é a um duplo título, parece, que a ‗teoria das raças‘

está em conexão com a Ideia de uma história universal. Em primeiro lugar, ela dá

sua maior consistência à ideia de um gênero humano unitário: a ‘humanidade‘ não é

certamente um agregado de espécies que viriam de criações locais dispersas.

‗Provenientes de um mesmo tronco, os homens pertencem não apenas ao mesmo

gênero, mas a uma mesma família‘ (Racem. Ak II, 430). Daí a expressão ‗historia

universal‘ toma todo o seu sentido. Em segundo lugar, esse reconhecimento da

unidade humana é inseparável da investigação histórica, em um sentido desta

palavra cuja novidade é revelada por Kant‖.1

É inegável que encontramos nos textos de Kant muitas passagens de caráter racista

e eurocêntrico. Segundo procurei mostrar, no entanto, tais considerações não

atingem o universalismo dos conceitos filosóficos, mesmo no período pré-critico. A

elaboração do conceito de raça não contém, nela mesma, as conotações que lhe

seriam atribuídas nos séculos XIX e XX. Com Lebrun e Monique Castillo, podemos

relacionar a teoria das raças a uma perspectiva universalista, à história universal de

um ponto de vista cosmopolita, e, assim, afastarmo-nos da leitura empobrecedora

de Bernasconi.

1 Idem, p. 265. Ver também : CASTILLO, Monique Kant et l´avenir de la culture. Pars, PUF, 1990, p.

79 e seguintes.

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REPRESENTAÇÕES NÃO-CONSCIENTES EM KANT1 Versão introdutória

Valerio Rohden

PUCPR/UFSC

[email protected]

Procurarei abordar o tema da presença de atividades não-conscientes na

elaboração do conhecimento em Kant a partir da afirmação em sua Reflexão 177:

―Todos os atos do entendimento e da razão podem ocorrer na obscuridade.‖2 Para

uma filosofia fundada na autoconsciência a frase surpreende.

O título das Reflexões sobre Antropologia que despertou minha atenção chama-se:

―Das representações que temos sem ser conscientes delas‖. Na verdade, se trata do

mesmo título do § 5 da Antropologia de um ponto de vista pragmático3, segundo

cujos critérios, também em relação com os demais parágrafos desta obra, aquelas

Reflexões foram agrupadas. Essa classificação de reflexões avulsas de Kant,

direcionadas aos seus cursos de antropologia ainda que não usadas em classe, foi

procedida por Erich Adickes, segundo seu Prefácio de 1913 ao volume XV, tomos 1

e 2, da Edição da Academia de Berlim.4

1 O presente texto foi também publicado em AdVerbum, revista digital de filosofia da psicanálise, v. 4,

nº 1, jan/jul 2009, pp. 3-9. 2 KANT, I. Reflexionen zur Anthropologie. Kant´s gesammelte Schriften. Akademie-Ausgabe = AA.

Band XV/1. Berlin und Leipzig: Walter de Gruyter, 1923, p. 65. Tradução em andamento na PUCPR, com apoio da Fundação Araucária. 3 KANT, I. Anthropologie in pragmatischer Hinsicht. Akademie Textausgabe. Bd. VII. Berlin: Walter de

Gruyter, 1968. (abrev.: Anth). Antropologia de um ponto de vista pragmático. Trad. Clélia Aparecida Martins. S. Paulo: Iluminuras, 2006; Antropologia em sentido pragmático. Traducción de Mario Caimi (no prelo). 4 A tradução dessas Reflexões sobre Antropologia encontra-se em andamento na PUCPR, com a

participação dos professores Valerio Rohden e Daniel Omar Pérez e com o apoio da Fundação Araucária.

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O título sugere uma distinção entre dois grupos de representações: de

representações das quais somos conscientes, e de representações das quais não

somos conscientes. Quando Kant, na Crítica da razão pura, ao final da primeira

seção do livro I da Dialética transcendental, para situar a representação ―ideia‖,

estabeleceu uma escala de denominação de diferentes espécies de representações,

ele escreveu que o gênero, no caso, é a ―representação em geral‖, acrescentando:

―Sob ele está a representação com consciência (perceptio).1 Todas as demais

representações que se seguem são especificações dessa representação com

consciência. Isso faz supor que sob as representações em geral poderia supor-se

um segundo grupo, o das representações sem consciência, acerca das quais Kant

não se ocupa senão fugidiamente, como quando escreve na sua teoria do

esquematismo: ―Este esquematismo de nosso entendimento é uma arte oculta nas

profundidades da alma humana, cujo verdadeiro manejo dificilmente arrebataremos

algum dia à natureza de modo a poder apresentá-lo sem véu.‖2 Aqui já se vê que o

entendimento na produção de esquemas para fenômenos enreda-se em

representações que, embora essenciais para a produção do conhecimento, fogem

de seu controle.

Outra forma de agrupar as representações é a apresentada no quadro geral das

faculdades do ânimo3. Nele constam três grupos de faculdades de representação:

primeiro, das faculdades de conhecimento, segundo, do sentimento de prazer e

desprazer e, terceiro, da faculdade de apetição. Kant curiosamente diz que o

parentesco ou a afinidade entre as faculdades de representação é maior que o que

se encontra entre as faculdades de conhecimento superiores (entendimento, juízo e

razão), e que aquelas têm como princípio comum – além do qual não se deve ir – a

faculdade do juízo. É, pois, provável que no juízo de gosto, que propicia a passagem

entre as faculdades teóricas e práticas, oculte-se um grande número de

1 KANT, I. Crítica da razão pura. Trad. Valerio Rohden e Udo B. Moosburger. São Paulo: Abril

Cultural, 1980, B 376 (abrev.: KrV). 2 KrV B 180

3 KANT, I. Crítica da faculdade do juízo. Trad. Valerio Rohden e António Marques. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 1993, B LVIII (abrev.: KU).

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representações não-conscientes. Esse em verdade é um âmbito que, por chamar-

se de âmbito da faculdade de juízo reflexiva, nos surpreende que possa abrigar

também representações não-conscientes.

Kant determinou as representações não-conscientes como representações

obscuras. Na Reflexão 176, escrita em latim, consta: Obscurarum perceptionum

campus est amplissimus (o campo das percepções obscuras é amplíssimo). E

elenca entre elas todos os conhecimentos, todas as representações que

conseguimos recordar e outras que não conseguimos perceber microscópica ou

telescopicamente, as representações parciais do entendimento, as representações

filosóficas que contribuem formalmente para o conhecimento, mais especificamente

as representações morais e as do gosto. No mapa do conhecimento a maior parte

das percepções carece de cor ou é fracamente iluminada em suas diferenças.

Mas mais enfaticamente Kant se pronuncia a respeito das representações não-

conscientes na Reflexão 177, da qual destaco:

1. ―A maior parte do entendimento ocorre na obscuridade.‖

2. ―Muito do que um juízo a partir de representações obscuras é vem a ser

atribuído à sensação.‖

3. As representações obscuras encobrem qualidades ocultas, p. ex., a raiva

no olhar de um homem.

4. ―Representações obscuras são significantes de claras.‖ Clarear essas

representações é uma atividade de parteira dos pensamentos.

5. ―Todos os atos do entendimento e da razão podem ocorrer na

obscuridade.‖

6. ―Representações obscuras frequentemente resistem às claras (medo da

morte, abismo da reflexão).‖

7. ―Deleita-nos ceder algo às reflexões obscuras... A beleza é indizível‖. E ―o

que pensamos nem sempre podemos expressar.‖

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Esta última frase sugere-nos que o pensamento comporta uma significação maior do

que a sua expressão, e que há uma obscuridade no pensamento que pode ser

fecunda, mas não é clara ou distinta. Ela parece, à primeira vista, contrariar a

posição de Wittgenstein do Tractatus, de que sobre o que não se consegue falar ou

que não se consegue dizer claramente se deve calar. Em tese, Kant concordaria em

que só o pensamento claro pode ser formulado, mas ele não limita o pensamento à

sua expressão linguística. Sobre o que se deve calar, diria Kant, nem por isso se

deixaria de pensá-lo obscuramente.

O que então podemos fazer é recorrer agora ao texto da própria Antropologia de um

ponto de vista pragmático e a seus comentários por Reinhard Brandt, no que

concerne aos conceitos de representações claras e distintas, para ver se

encontramos aí mais luz para melhor compreensão da posição de Kant. Em

oposição às representações obscuras, entendidas como não-conscientes, as

representações claras dependem de nossa ação, de nossa força de alma, do

arbítrio, da atenção (cf. Reflexão 172). A clareza é voltada para a consciência dos

objetos, e não para a consciência de si mesmo. Representações claras são todas as

representações não-obscuras, que por sua vez são representações não

imediatamente conscientes, que contudo podem vir a tornar-se mediatamente

conscientes, por inferência. Nas representações claras diferenciamos um objeto de

outro, mas ainda sem a diferenciação e ligação de suas partes, mediante cuja

operação passam a chamar-se representações distintas. As representações distintas

são representações claras que se estendem às partes e suas ligações, Por exemplo,

nós distinguimos faculdades do ânimo: entendimento e razão, o lógico e o real, o

material e o formal. A distinção é fruto da ordenação, da divisão em classes e

especialidades e da própria sistematização. A consciência da composição

pressupõe unidade, regra e ordem do múltiplo. A distinção é a clareza na

composição das representações. Com o que só a representação distinta transforma

uma soma de representações em conhecimento.

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Segundo o § 5 do livro da Antropologia, parece contraditório ter representações e

não ser consciente delas. Por isso Locke rejeitou esse tipo de representações. Kant,

ao invés, contemplou no gênero das representações apenas a espécie consciente,

porque só ela parecia interessar à fundamentação do conhecimento. Embora a

leitura do § 16 da Crítica da razão pura possa apresentar a propósito alguma

dificuldade a esse respeito, talvez ela permita sua reinterpretação à luz de uma

reflexão sobre as representações não conscientes. Senão de que modo as veríamos

como compatíveis com a frase: ―O eu penso tem de poder acompanhar todas as

minhas representações, pois do contrário seria representado em mim algo que não

pudesse ser pensado, o que equivale a que a representação seria impossível, ou

pelo menos para mim não seria nada‖ (KrV § 16, B 131-2)? Depois que tivermos

mais adiante apreciado a interpretação que Claudio La Rocca oferece dessa

passagem, entenderemos que o acompanhamento da autoconsciência constituir-se-

á como uma possibilidade estrutural, e que por isso Kant grifou a palavra pode. Ou

seja, veremos ao nível da reflexão que a autoconsciência poderá acompanhar todas

as reflexões, dando-lhes uma unidade judicativa, sem exclusão prévia de

representações não-conscientes. Por isso também Kant contesta a negação de

Locke, dizendo que ―podemos ser mediatamente conscientes de ter uma

representação, ainda que não sejamos imediatamente conscientes dela‖ (Anth AA

135). Porque não podemos ser imediatamente conscientes de representações, elas

chamam-se obscuras.

Mas isso não exclui uma ambiguidade adicional no exemplo que Kant dá, de que se

sou consciente de ver lá longe no campo um homem, mesmo sem ter a intuição de

suas partes – cabeça, olhos, orelhas, nariz, boca etc. – com o posso ter certeza de

ver lá um homem, se a representação total está composta de representações

parciais? A proposta de Kant é de que não se trata de uma visão imediata, mas só

de uma inferência de que aquele objeto visto indistintamente é um homem? De que

modo essa inferência pode processar-se fica omitido no texto. Segundo ele, mesmo

que as representações do campo das intuições sensíveis e das sensações sejam

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obscuras, podemos inferir com certeza que as temos (cf. Anth AA 135). Do contrário

nos moveríamos muito pouco, uma vez que o campo das representações obscuras

no ser humano e nos animais é imenso, em contraste com os poucos pontos

acessíveis das representações claras: ―No mapa der nossa mente... só poucos

lugares estão iluminados‖ (ib.). Se fôssemos capazes de ver em ato o que se oculta

em nossa memória, um mundo se abriria ao nosso olhar.

Outro exemplo curioso é de que o nosso olho nu recebe a mesma quantidade de luz

que um telescópio. O que nos leva a admitir que todos os objetos iluminados em

nosso campo de visão de algum modo atingem nossa retina – mesmo que não

sejamos conscientes disso – e que o telescópio não faz senão ampliar as imagens

recebidas por nosso olho nu e assim transformar a presença de imagens não

conscientes em imagens conscientes.

Felizmente Kant recorre ainda a um exemplo que foge ao olhar e reclama a

complementação do ouvido pela reflexão, pelo juízo e pelo entendimento. O

exemplo é o da improvisação do músico executando uma fantasia ao órgão. Nessa

fantasia não há nenhuma desafinação por qualquer golpe de dedo, de modo que a

improvisação livre sai talvez mais primorosa que um trabalho diligentemente

produzido. Isso me faz recordar o que Daniel Barenboim escreveu num livro, cujo

título já é a propósito significativo: La musica sveglia il tempo (a música desperta o

tempo)1, – ou seja, a música é capaz de elevar à consciência um tempo que afora

isso se encontraria adormecido. O que Barenboim, administrador da Ópera de

Berlin, nessas páginas do curso em Harvard sustenta é que a inteligência penetra

profundamente o ouvido: La sensibilità musicale tuttavia è insuficente, a meno che

non sia già unità di pensiero (p. 21). Talvez as explicações de Kant e Barenboim

bebam da própria fonte da vida, que de um lado inspira o improvisador de uma

fantasia e de outro produz a própria unidade de ouvido e entendimento nela. Nas

palavras de Barenboim: Quindi tenterò l‟impossibile e cercherò diretto individuare

1 BARENBOIM, D. La musica sveglia Il tempo. Milano: Feltrinelli, 3ª. ed. jan. 2008 (1ª. ed. nov, 2007).

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alcuni collegamenti fra l‟inesprimibile contenuto della musica e l‟inesprimibile

contenuto della vita (p. 11).

De análogas ilustrações ulteriores Kant conclui que ―o campo das representações

obscuras é o maior no ser humano‖: nós jogamos com representações obscuras,

ante as quais o entendimento, mesmo percebendo que se trate de representações

enganosas, não consegue defender-se, e as quais não desaparecem mesmo que o

entendimento as ilumine. O amor sexual é um desses casos em que a imaginação

prefere mover-se na obscuridade. De outro lado, a mística apela à obscuridade

artificial para atrair os que buscam a sabedoria através dela.

Para fazer contrastar com essas representações obscuras as representações com

consciência, Kant no § 6 da Antropologia trata da diferença entre ideias claras e

distintas. Como vimos, a consciência das representações claras permite diferenciar

um objeto de outro (cf. Anth AA 137). Ao invés disso, a consciência da clareza sobre

a composição das representações chama-se distinção. Só a distinção produz

conhecimento, porque nela é propiciada uma síntese de diferentes representações

sob o pressuposto de uma unidade e de que ―só a distinção faz com que uma soma

de representações se torne um conhecimento; no qual, visto que toda síntese com

consciência pressupõe a unidade da consciência e uma representação para a

síntese, pensa-se uma ordem na multiplicidade‖ (Anth AA 138). Desde esse ponto

de vista, é o entendimento que, como faculdade de conhecer em sentido amplo,

reúne a faculdade de apreensão das representações dadas, convertendo-as em

intuições; a faculdade de abstração para produzir o comum a diversas

representações, o conceito; e a faculdade de reflexão, para produzir o conhecimento

do objeto.

A distinção estende-se à diferenciação entre duas faculdades cognoscitivas:

primeiro, a do sensus communis, que conhece as regras nos casos de aplicação; e,

segundo, a da ciência, que conhece as regras em si mesmas, antes da aplicação. A

primeira chama-se também de são-entendimento, e é uma faculdade cognoscitiva

prática; a segunda chama-se também de engenho inteligente ou perspicaz. Mas é o

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primeiro que é elogiado por Kant como uma mina de tesouros ocultos escondidos na

profundidade do ânimo. Há casos em que, para a resolução de uma questão, é mais

seguro seguir as regras universais inatas do entendimento, do que buscar princípios

encontrados num estudo forçado e artificial do engenho escolástico – fazendo-se

assim o resultado depender de fundamentos determinantes do juízo que residem na

obscuridade do ânimo (tato lógico). Neste caso, ―a reflexão se representa o objeto

de vários lados, e produz um resultado correto sem tornar-se consciente dos atos

que o precedem no interior do ânimo‖ (Anth AA 140). Essa cooperação inconsciente

entre ciência e senso comum mereceria um estudo específico.

Nosso passo seguinte será apreciar brevemente os comentários de Reinhard Brandt

a esses §§ 5 e 6, em seu Comentário crítico à Antropologia de Kant 1. De início, ele

confessa com Beno Erdmann sua estranheza, de que as representações da razão

prática, que detinham uma importância tão grande (―todo mundo sabe, só não está

consciente‖), não tenham sido aí consideradas. Sabemo-lo nós mesmos, da

Doutrina da virtude: ―Princípio da moral é uma metafísica obscuramente pensada‖.2

Interessante é a remissão de Brandt ao capítulo I da Física de Aristóteles, segundo a

qual precisamos partir do geral, do todo, mais conhecido aos sentidos. Depois o

entendimento com seus conceitos opera sobre esse universal simples, desmembra-

o, torna-o objetivo e distinto. Para Kant, o objeto sensível é só um múltiplo, embora

dê exemplos de percepção de uma casa, um homem, um navio, sem que vejamos

algumas de suas partes.

Brandt admite que a reflexão, embora reservada para atividades conscientes,

comporta obscuridade. O entendimento é maximamente atuante nela, pois as

reflexões claras em geral resultam de reflexões obscuras. Mas Kant não levanta a

questão de que papel o Eu joga nas representações, atividades e reflexões

obscuras.

1 BRANDT, R. Kritisches Kommentar zu Kants Anthropologie in pragmatischer Hinsicht (1798).

Hamburg: Felix Meiner, 1999, pp. 142-174. 2 KANT, I. Metaphysik der Sitten / Tugendlehre. Kants Werke, VI, AA 376.

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Mais controversa é a afirmação de Brandt de que Kant não usa o termo unbewusst

(inconsciente), embora Rudolf Eisler o tenha incluído em seu Kant-Lexikon (1930).1

Enfim, para o comentador, Kant não investiga o inconsciente (cf. Kommentar 157).

Para Brandt tampouco a Antropologia oferece alguma ponte das representações

obscuras da consciência para o sentimento de prazer e a faculdade de apetição.

Contudo entendo que outros autores referidos – Leibniz/Locke, para os quais a alma

está repleta de representações diminutas, e Herder: a nossa alma é uma força

representativa do universo, cujo fundo total é constituído de ideias obscuras (cf.

Brandt 149) – oferecem suporte à concepção de Kant, de que o olho humano vê,

ainda que obscuramente, o que o telescópio mostra. Mas, pensa Kant, se o homem

pudesse ser consciente de todas as representações que ocupam a alma, seria uma

espécie de divindade.

Uma investigação acabada do significado das representações não-conscientes na

teoria do conhecimento de Kant ainda está por ser feita. Claudio La Rocca, com seu

texto Der dunkle Verstand. Unbewusste Vorstellungen und Selbstbewusstsein bei

Kant (O entendimento obscuro. Representações inconscientes e autoconsciência em

Kant), ofereceu uma relevante contribuição para o desenvolvimento da reflexão

nessa direção, a partir da pergunta pelas ―condições de possibilidade de uma

investigação do inconsciente como uma esfera independente e múltipla de eventos e

processos mentais‖. 2 Sua resposta é de que Kant, para além das contribuições de

Leibniz e Wolff a uma lógica do inconsciente, opera uma transformação radical da

concepção das chamadas representações obscuras: ele, fundamentalmente, faz

implodir essa concepção, dando-lhe uma direção nova. Segundo ele, Kant deixa de

ver as representações obscuras como um defeito da falta de reflexividade no fundo

da alma, que, ao invés, por meio delas realiza plenamente a sua função. Ou seja,

1 EISLER, R. Kant-Lexikon. Hildesheim: Georg Olms, 1964, p.549-550.

2 In: ROHDEN, V.; TERRA, R.; ALMEIDA, G.; RUFFING, M. (Hrsg.). Recht und Frieden in der

Philosophie Kants. Akten des X. Internationalen Kanat Kongresses, v. II. Berlin / New York: Walter de Gruyter, 2008, p. 457.

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Kant tem uma concepção positiva do inconsciente, que envolve uma variedade de

operações:

- percepções obscuras sensíveis de pequenas partes de um objeto só

compreensível em sua totalidade (Via Láctea);

- sentimentos obscuros, pressentimentos etc., que envolvem atos de reflexão

realizados inconscientemente;

- atividade reflexiva inconsciente de diferentes formas;

- representações mais complexas metafísicas ou morais, a serem esclarecidas;

- cursos de representações imaginativas: muitas vezes somos ―um jogo de

representações obscuras‖;

- o entendimento como um lugar de atividades espirituais parcialmente

inconscientes. E é nessa atividade inconsciente que se operam as suas produções

mais criativas: ―Talvez no mais profundo sono se exerça a máxima perfeição da alma

no pensamento racional‖ (Refl 1764). Inferências secretas e obscuras geram

conceitos ao ensejo da experiência, contribuindo corretamente para o conhecimento.

―Todos os conhecimentos racionais (descobertas) são preparados na obscuridade‖

(Refl 1482, XV/2, p. 665). Isso permite o desenvolvimento de uma teoria segundo a

qual a operação inconsciente do entendimento constitui basicamente uma

preparação do conhecimento consciente.

Porem o ponto central da contribuição de La Rocca reside na fundamentação de sua

tese, de que a teoria das representações inconscientes está presente já na posição

transcendental da Crítica da razão pura. Aí a imaginação é uma cega operação da

alma, sem a qual não há conhecimento. A ligação é uma ação do entendimento,

―quer sejamos conscientes ou não dela‖ (KrV B 130). E, ao fundar a ação de julgar

na apercepção transcendental, Kant não diz que todo ato de representação seja ao

mesmo tempo um ato de pensamento autoconsciente, mas que todo conteúdo

representacional tem de ser um conteúdo pensável. O que importa aqui não é um

fato psicológico, e sim uma possibilidade estrutural. O que principalmente importa

não é que uma consciência acompanhe toda representação, mas da consciência de

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que eu acrescento uma representação a outra e sou autoconsciente de sua síntese.

Ser consciente de uma síntese é diferente do ato de acompanhar com consciência

as representações; é, antes que uma consciência psicológica, uma consciência

lógica voltada para objetos, uma consciência objetiva. O componente reflexivo

concerne à consciência de uma síntese, ou seja, de como ligo representações, uma

consciência de condições e regras fundada em um poder ligar. O pensamento de

que as representações me pertencem enquanto as unifico em uma autoconsciência

pressupõe a consciência da síntese das representações. Que as representações me

pertencem significa que tenho a capacidade de realizar sua síntese ou de

compreender o múltiplo numa consciência mediante aquelas regras chamadas

categorias. Assim a apercepção transcendental torna-se a estrutura universal de

uma peculiar consciência que possibilita ao mesmo tempo a unidade de si mesmo e

da formação da experiência.

Sobre a equiparação da consciência empírica a um estado de clareza, que leva a

supor que a simples representação Eu ocorra obscuramente, La Rocca apresenta

quatro posições, entre as quais destaco apenas a de Tuschling, segundo a qual a

subjetividade transcendental constitui a unidade de consciente e inconsciente (cf. La

Rocca 453), e explicito a do próprio La Rocca, ou seja, de que a apercepção

transcendental é uma possibilidade indispensável: o campo do entendimento é o

da possibilidade de algo tornar-se consciente. Se admitirmos a consciência

transcendental como uma possibilidade estrutural, então a ideia de um entendimento

obscuro não é nem contraditória nem prejudicial. Mas ela deve pelo menos permitir

captar as regras e princípios do exercício de sua faculdade de conhecer:

―Autoconsciente em um sentido cognitivo é aquilo que pode prestar contas sobre as

razões do seu próprio juízo‖ (cf. 467). É isto que significa um bewusstes Erleben –

um vivenciar consciente, aquele que em princípio e quando necessitar pode dar

razões. Com isso a autoconsciência transcendental pode ser ao mesmo tempo

filosofia e ciência, a priori e empírica, porque consiste na estrutura universal de atos

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concretos. Esta interpretação torna o Eu uma presença leve ―que tem de

acompanhar toda a nossa vida espiritual‖.

Para concluir provisoriamente1: a teoria de La Rocca, que demonstra a

compatibilidade entre representações inconscientes e autoconscientes, faz ressaltar

a presença positiva das representações inconscientes contribuindo

substancialmente para a produção do conhecimento e para a criação de soluções de

problemas da razão em todos os seus níveis. Consequentemente, falta reelaborar

com mais ousadia a teoria do conhecimento de Kant desde a perspectiva da

complementação mútua de representações obscuras e conscientes.

Em recente reunião de físicos declarou-se que apenas o percentual de 4% da

matéria era conhecido até agora. Isto faz supor que os físicos, independentemente

das proezas que propiciaram (viagens interplanetárias), têm uma idéia obscura da

quase totalidade da matéria, sem plena certeza do que nessas viagens os espera.

Se a ciência da natureza, depois de tantos investimentos e sucessos, encontra-se

apenas no seu início, vendo seu objeto como um pálido ponto luminoso dentro da

noite do conhecimento, que dizer então da filosofia, bem mais antiga e mais difícil

que a própria investigação física? Significa dizer, muito mais justificadamente, que a

consciência do predomínio de representações inconscientes no exercício da razão a

faz despertar para a consciência de que ela se encontrará para sempre em um

eterno início; de que o enigma do ser humano no universo não vai ser decifrado por

ela; que teremos de conviver obscuramente com ele, mas certamente com a

autoconsciência de uma admiração crescente pelo nosso destino.

Curitiba, 30 de junho de 2009

1 Na apresentação deste texto na UFPR, foi-me perguntado em que a concepção das representações

claras e distintas de Kant se relacionaria ou diferenciava da equivalente concepção de Descartes. Relendo então as Meditações metafísicas, verifiquei que pelo menos nessa obra as diferenças seriam maiores que as semelhanças: Descartes não parece aí preocupado em diferenciar clareza e distinção; funda ambos os conceitos teologicamente; não atribui clareza aos sentidos, que se enganam como se fossem sentimentos de pensamentos confusos.

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A RELAÇÃO ENTRE PODER E SUBJETIVIDADE NA OBRA DE FOUCAULT

Augusto Bach

DEFIL – UNICENTRO/PR

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1. Introdução

Raros são os autores no rol da intelectualidade contemporânea que tenham

atravessado uma multiplicidade de questões, à primeira vista díspares, como Michel

Foucault. Por se tratar de um personagem oriundo do panorama filosófico francês,

egrégio pela assídua e frequente recepção das novidades trazidas do pensamento

alemão, surpreende sua capacidade de transitar sem maior embaraço por tantas

áreas do saber. Da epistemologia das ciências humanas à ética de si, passando

pela literatura, loucura, psicanálise e outras tantas disciplinas, o estudo do poder

parece ter sido o causador da maior publicidade. Na esteira de tanta repercussão,

assistimos hoje ao seu mais ―novo‖ conceito sair dos bastidores e figurar como

protagonista principal no cenário das ideias: a bio-política.

Antes, porém, de se projetar na cultura ocidental ganhando status de paradigma de

inteligibilidade para pesquisas sociais em diversos campos do saber, o vocábulo

―bio-política‖ aparecia em primeira mão numa palestra de Michel Foucault no ano de

1974, intitulada ―O nascimento da medicina social‖. Entre outros assuntos, nela se

discutia o fenômeno de medicalização nas sociedades modernas, o desvio de seu

objeto que teria deixado de ser a doença para se deslocar ao tema da saúde e dos

procedimentos em torno dos sistemas de saneamento público contemporâneos.

Em tais políticas sociais, conforme suas análises, o reconhecimento da doença

apareceria ao mesmo tempo como manifestação individual e coletiva. Implicando

todo um novo aparato de discursos, cálculo do seu crescimento no interior de uma

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população, previsão dos seus riscos de contágio, era toda uma parafernália técnica

de inoculação e vacinação que vinha a ser administrada em defesa da sociedade.

Contra seus próprios perigos internos, um conjunto de mecanismos de proteção e

controle social esboçava desde já aquilo que viria a ser nossa preocupação maior: o

alerta em nome da segurança e vida da população. Proferida curiosamente na

cidade do Rio de Janeiro – palco setenta anos antes de um trágico conflito social de

amotinados contra as primeiras práticas bio-políticas na história do Estado brasileiro,

cuja medicina encontrava-se, aliás, sob os auspícios do Dr. Oswaldo Cruz – essa

conferência dava sequencia a um longo ciclo de inquietações em seu itinerário

intelectual.1

E apenas dois anos depois, podemos reencontrar a mesma expressão já inserida

num contexto filosófico mais amplo. Tanto no último capítulo de A vontade de saber,

intitulado ―Direito de morte e poder sobre a vida‖, publicado em 76, como na última

aula deste mesmo ano ministrada no Collège de France, publicada mais tarde como

Em defesa da sociedade, Foucault começava a situar a bio-política no interior de

uma estratégia que foge ao simples escopo de suas pesquisas sobre medicina

social. 2 Se em Vigiar e Punir (1975) e na conferência sobre medicina pública suas

indagações se debruçavam sobre o corpo – objeto de investimento político da

sociedade sobre o indivíduo em seu pequeno dia a dia – doravante será o aspecto

do corpo como coletividade que passará a ser ressaltado. Em resumo, o tema da

―população‖ como unidade portadora de sentido em função de processos biológicos

começa lentamente a ganhar forma em seus estudos. Novas técnicas como a

1 ―Minha hipótese é que com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina coletiva para

uma medicina privada, mas justamente o contrário; que o capitalismo, desenvolvendo-se em fins do século XVIII e início do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de produção, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política. A medicina é uma estratégia bio-política.‖ (FOUCAULT, M. O nascimento da medicina social em Microfísica do poder, p.80). 2 Sabe-se, por exemplo, que desde História da Loucura (1961) Foucault esteve às voltas com os

procedimentos de domesticação que a sociedade inventara a fim de se equilibrar diante de figuras inassimiláveis como a do louco e do leproso, que já nos indicavam o amplo espectro de seu olhar para além do questionamento específico da medicina social.

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vacinação e o controle de epidemias passam a ser estudadas associadamente à

questão da urbanização e circulação do capital nas grandes cidades. Todas elas,

consoante Foucault, esboçam uma unidade de mecanismos de segurança que

desde fins do século XVIII obedecem prioritariamente à preocupação com o governo

dos vivos.

As palavras de Foucault teriam de esperar sem embargo a publicação de suas

futuras obras para começarem a revelar sua real fecundidade. Para que não sejam

apressadamente identificadas com suas análises arqueológicas do saber e até

mesmo com seus estudos genealógicos sobre as disciplinas operados em Vigiar e

Punir, faz-se mister recordarmos o viés ―ensaístico‖ de seu proceder, bem como o

forte componente de aventura presente em sua escrita. Tal comportamento, ao

valorizar o ensaio e o saber haurido na experiência, como que aceitando a máxima

latina da ars longa, vita brevis, abre mão da busca de sentidos e regularidades

objetivas no movimento histórico ao admitir o acaso e a indeterminação como

qualidades intrínsecas de um ―real‖ sempre reconstruído pela razão. Avesso a

intuições intelectuais que o intérprete pudesse comprovar através de exemplos

oriundos de sua prévia leitura da história, Foucault escolhia operar um work in

progress ao singrar, nas palavras de Camões em Os Lusíadas, por ―mares nunca

dantes navegados‖ (I,1). Preferia partir da positividade imposta pelo próprio dado

empírico, demandante de uma posterior conceitualização de sentido que

acompanhasse post festum os avanços da pesquisa. Tanto foi que assim nascia,

fortuitamente em meio às suas análises, a expressão bio-política. Tentemos agora

compreender o caráter descontínuo de seu pensamento partindo de alguns de seus

antecedentes.

2. Poder, Estado e ideologia

É notório como Foucault jamais se cansou de atribuir um aspecto fundamental e

produtivo ao poder na formação de nossas almas. Às expensas de História da

Loucura onde quiçá poderíamos encontrar operando uma função repressiva do

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poder, em todos os seus demais escritos somos convidados a burlar nossos

preconceitos e formas familiares de pensamento. ―Já repeti cem vezes que a história

dos últimos séculos da sociedade não mostrava a atuação de um poder

essencialmente repressivo‖. 1 Somada a esta declaração, encontramos uma outra

não menos intrigante num ensaio intitulado Pourquoi étudier le pouvoir: La question

du sujet, onde ele dizia que não era o poder, mas sim o sujeito que constituíra o

tema geral de suas pesquisas. Ora, se de acordo com essas palavras o poder nunca

foi o mais velho desafio proposto por suas análises, e sim o sujeito, é porque de

alguma forma suas inquietações jamais deixaram de estar associadas com o ubíquo

problema da subjetivação do homem e a constituição do indivíduo moderno. De uma

escrita literária contrarrepresentativa que dissolvia o sujeito das ciências nos anos

60 ao estudo das práticas estoicas e epicuristas do cuidado de si nos anos 80

(contrapostas aos modernos mecanismos de sua captura em nossa sociedade),

pode-se constatar um interregno em sua obra onde a questão do poder e do

governo dos vivos é tematizada conjuntamente. Presumimos que seja possível,

destarte, determinar o lugar em que se encontra o estudo do poder na obra de

Foucault em função de sua inserção na perspectiva da preocupação com a

subjetividade. Muito embora essa vinculação não seja de toda explícita,

principalmente nos anos 70 quando a genealogia do poder parece se sobressair em

relação à questão do sujeito, será preciso não ceder à tentação de determinarmos

qual problemática se sobrepõe a outra, em se tratando de dois lados da mesma

moeda.

Sempre às voltas com a problematização do presente como acontecimento filosófico

maior, Foucault elegeu na década de 70 o homem moderno com o fito de decifrar o

atual modo de subjetivação de nossa cultura. Marcado objetivamente pela docilidade

e utilidade que justificam seu processo de constituição dentro das novas formas de

acumulação do capital, cada vez mais flexíveis, o indivíduo também é submetido a

uma série inúmera de discursos que procuram atribuí-lo de uma identificação

1 FOUCAULT, M. A vontade de saber, p.79.

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subjetiva. Distinguindo nas grandes mudanças de regime político a intervenção

material de um poder imanente que perpassa o corpo social por inteiro, Foucault

descobria as grandes transformações que o Ocidente atravessava desde a formação

dos Estados Nacionais com no encerramento da Idade Média.1 Tomando corpo em

técnicas de dominação refinadas e criando novas instituições sociais, nossa cultura

passa a formular saberes que estudam o indivíduo fazendo dele um sujeito passível

de atribuições científicas.

Temos antes que admitir que o poder produz saber, que poder e saber estão

diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata

de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo

tempo relações de poder. Essas relações de ‗poder-saber‘ não devem então ser

analisadas a partir de um sujeito de conhecimento que seria ou não livre em

relação ao sistema do poder; mas é preciso considerar ao contrário que o sujeito

que conhece, os objetos a conhecer e as modalidades de conhecimentos são

outros tantos efeitos dessas implicações fundamentais do poder-saber e de suas

transformações históricas.2

Seja por erro, ignorância ou pura estupidez, temos sempre a tendência em acreditar

que o saber seja resultado de operações lógicas isentas de qualquer relação de

força. Para Foucault, no entanto, nunca houve modelo de verdade que pairasse

sobre os ares do convívio político humano nem ciência positiva que já não

implicasse uma prática de poder se exercendo concomitantemente. Pois é

precisamente no contato físico do eu com o outro, no intermédio de uma relação

afetiva e resistente a abstrações, que ele localizou o funcionamento concreto de

técnicas disciplinares, domesticadoras do comportamento humano. Na contramão

da concepção moderna de Estado jurídico, o caráter prospectivo de uma rede difusa

de poderes em nossa sociedade torna possível assegurar a coesão e a legitimidade

dos governos mediante o consentimento tácito dos governados. As ciências do

1 Formação dos Estados Nacionais; entenda-se, sob a forma das monarquias absolutistas.

2 FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. p.30.

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homem, dessa feita, encontrarão nesse mesmo mal-entendido o solo fértil para sua

multiplicação. Assim, em sua apreensão no interior de uma vasta teia discursiva,

costumamos falar de um sujeito de sexualidade, de um sujeito de nacionalidade, um

sujeito que fala, deseja, vive e trabalha; enfim, de um sujeito alienado na doença

mental, no crime... Domínios específicos que remetem cada qual a experiências

fundamentais que possibilitam uma assunção subjetiva, uma tomada de consciência

qualquer do indivíduo sobre si mesmo e o proveniente ganho de uma identidade

cultural. Seu estudo do poder, sua incursão nas zonas cinzentas mais do que nas

zonas iluminadas da teoria e da ciência, veio a calhar na tarefa de conhecer seus

procedimentos e estratégias, a fim de esclarecer o lado sombrio do tratamento

conferido ao ser humano pelas hodiernas democracias ocidentais.

* * *

Com o fito de passarmos à descrição de seus estudos, cabe destacarmos em linhas

gerais alguns traços específicos de sua concepção de poder. Sobremaneira o desvio

estabelecido com a análise tradicional em ciência política. No trabalho de muitos

teóricos modernos da política, o domínio e a conservação de uma ordem social

sempre foi questão jurídica, passível de ser resolvida por intermédio de uma

elaboração contratual entre indivíduos ou classes sociais. Assim, boa parte da teoria

contratualista moderna consistiu na tentativa de racionalização desses conflitos e na

formulação de esquemas que terminavam por atribuir ao Estado importância

fundamental. Para eles, o aparelho do Estado sempre se apresentou como o órgão

central e único do poder. Tendo como instrumento clássico de legitimação de

regimes políticos uma ideologia, isto é, a justificação racional da organização do

poder, a figura do Estado serviu como ponto de partida necessário para a explicação

da relação entre os poderes e os saberes nas sociedades capitalistas.

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No entanto o arranjo dessas concepções parece sofrer na pena do genealogista

uma transposição bem como uma ligeira alteração de seus postulados. Estudando a

formação histórica da sociedade capitalista em todas as suas ramificações, o que

Foucault primeiramente vê se conformando é uma não identidade entre Estado e

poder. Conquanto a teoria clássica postule que o poder proceda por ideologia,

estabelecendo uma versão dos fatos que conferisse sentido e legitimidade à

conservação do status quo, a novidade da concepção genealógica consiste em dizer

que o poder produza a verdade antes de disfarçá-la no discurso oficial da

historiografia.

Se, por conseguinte, Foucault ceticamente desconfia do poder enquanto mera

artimanha ideológica, procedimento que nos impede de atribuir a um ente subjetivo a

propriedade constituinte no uso de um poder verdadeiro, não estamos mais

autorizados a dizer que por trás das ações de uma determinada classe social se

esconda uma ideologia subjetiva que se disseminaria pelo corpo social. Lançando

seu olhar para além do elemento teórico de justificação moral e racional, Foucault

investiga (sképis) a utilização de táticas e estratégias que modificam as relações de

poder bem como a colocação em jogo dos discursos ideológicos que permitem

fundir de maneira racional essas táticas. Da suposição que o Estado moderno seria

o responsável pela difusão de uma Weltanschauung oficial, transmitida de um ponto

transcendente para toda a imanência do corpo social, passa-se à análise de

pequenas batalhas que, curiosamente, teriam como corolário um resultado mais

abrangente e eficaz que as próprias ideologias. Longe de denegar a sua função,

pois, o que está a se afirmar é o papel secundário delas na formação de nossas

almas.

Nesse sentido, a noção de liberdade a que ocidentalmente somos tão afeitos,

herança cara das principais revoluções republicanas que abem o período

contemporâneo da história, não deixou de ser sem dúvida uma das condições do

desenvolvimento das formas modernas, leia-se capitalistas, da economia. Ipso facto,

ela contribuiu não apenas como ideologia, mas também como técnica disciplinar

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correlata à introdução dos novos dispositivos de segurança da sociedade. Pois

aquilo que se investigará, segundo Foucault, como objeto de governo a partir do

século XVII em diante não será apenas a propriedade soberana de um território ou

uma estrutura política, e sim coisas e pessoas que passam a viver, falar e trabalhar

sob a nova égide de uma nação.

Pode-se dizer [...] que esta ideologia da liberdade, essa reivindicação de liberdade

foi sem dúvida uma das condições do desenvolvimento das formas modernas ou,

se preferem, capitalistas da economia. É inegável. [...] Segundo: em algum lugar

eu disse que não se podia compreender a introdução das ideologias e de uma

política liberal no século XVIII sem se ter em conta que esse mesmo século, que

havia reivindicado em tão altos clamores as liberdades, as tinham conduzido

todavia com uma técnica disciplinar que, ao afetar as crianças, os soldados e

trabalhadores onde se encontravam, limitava de forma considerável a liberdade e

dava de certo modo garantias ao seu exercício. [...] Essa liberdade, ao mesmo

tempo ideologia e técnica de governo, deve ser compreendida no interior das

mutações e das técnicas de poder. E de um modo mais preciso e particular, a

liberdade não é outra coisa que o correlato da introdução dos dispositivos de

segurança.1

À guisa de exemplo, leia-se a gaia alusão de Deleuze, ―como Nietzsche já havia

visto, elas não constituem o combate das forças, são apenas a poeira levantada pelo

combate.‖ 2 Outramente dito, debaixo do tapete discursivo e científico em que hoje

gostaríamos de esconder tamanha poeira ideológica, podemos encontrar a miríade

de combates de poder que nos configuram. Procedimentos que não poderiam ser

descritos por meio do discurso das ideias, mas que podem ser pensados por sua

ações físicas no interior de uma população; como sua regulação afetiva capaz de se

produzir apenas através da liberdade de cada indivíduo e com o apoio dela. Daí a

1 FOUCAULT, M. Segurança, território, população, p.70.

2 DELEUZE, G. Foucault, p. 38-39.

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insuficiência de qualquer abordagem tão somente voluntarista ou jurídica da

questão.

Com efeito, não deixam de ter razão os sociólogos ao dizerem que o poder se

expressa modernamente por ideologias. Ocorre no entanto que ele se manifeste

também por intermédio de símbolos e instituições, disciplinas no dizer de Foucault,

mitos e ritos que garantam sua eficácia. Na medida em que tenham êxito na

elaboração de uma Paidea geral para nossas almas, podem assim plasmar visões

de mundo e modelar condutas de comportamento social. Para muitas revoluções de

nossos tempos, a governamentalidade pública significava acima de tudo formas as

nossas almas. Para Foucault, ao seu turno, isso tudo significava tão somente a

prática de uma bio-política incipiente. Não à toa, ele permaneceu praticamente uma

década de estudos no Collège de France investigando novas técnicas de poder;

debruçando-se sobre o esforço de educação, vigilância e punição que a sociedade

moderna dispensa ao governo dos vivos em seu etéreo e incessante trabalho de

esconjurar seus males de origem. Esta questão perpassa seus estudos de 72 a 80

do século passado.

De conceito universal que reúne sob sua égide a multiplicidade de eventos sociais, o

Estado passa a conotar apenas a ―superestrutura em relação a toda uma série de

redes de poder que investem o corpo, sexualidade, família, parentesco,

conhecimento...‖. 1 Ou seja, todas as formas de relações que a ele se refiram e que,

embora colocadas sob seu controle, não devem ser percebidas como meras

projeções de seu poder constitutivo e soberano. Pois quando a população começa a

aparecer como objeto técnico-político de uma gestão governamental, o que se

deverá gerir é justamente a sua naturalidade. O que há nela de espontâneo, físico e

quase incontrolável passa a ser identificado como a fonte de poderio do próprio

Estado. E serão inúmeras as variáveis e contingências a servirem de estudo para as

ciências humanas, fazendo com que a relação entre a população e a soberania do

Estado não se esgote mais na simplória esfera de obediência de um vassalo ao

1 FOUCAULT, M. L´ impossible prison, p. 122.

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suserano. Diante da imprevisibilidade do comportamento de uma população, o

problema do governo como gestão das condutas humanas passará a ser objeto de

diferentes formas de governamentalidade desde o fim do século XVI até os nossos

dias.

Isto posto, por afastado que esteja de afirmar a primazia substancial do aparelho do

Estado na absorção dos poderes, o que se aponta como evidência é a existência de

formas de exercício do poder diferentes e periféricas em relação a um órgão central;

mas que a ele continuam articuladas organizando um sistema, uma nova regulação

cumprindo inclusive papel indispensável à sua legítima sustentação e à atuação

eficaz de seu código legal.

* * *

Ao enfatizar o aspecto produtor e positivo do poder, percebemos a insurgência de

Foucault contra toda uma tradição da filosofia política e sua ênfase na questão da

representação. Seria mesmo possível caracterizarmos a genealogia como uma

tática engajada de intervenção de Foucault em favor da insurreição de saberes

assujeitados. 1 Pois até o ano de 1976, em seu curso Em defesa da sociedade que

encerra um ciclo de estudos que vai da publicação de Vigiar e Punir ao primeiro

volume de sua História da Sexualidade (a vontade de saber), é justamente a adoção

do modelo da guerra à inteligibilidade das relações de poder que vem justificar seu

abandono do Direito como modelo histórico das relações sociais; em suma, sua

crítica às teorias contratualistas modernas. Assim, se a uma descrição microfísica

dos poderes correspondia o simples abandono do modelo legal, seria ―preciso

1 Essa é uma interpretação bastante corrente na literatura de comentadores. Conferir, por exemplo,

as análises de François Ewald em Foucault, a norma e o direito.

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construir uma analítica do poder que não tome o Direito como modelo.‖ 1

Evidentemente que dessa perspectiva o Estado Nacional parece sair perdendo

completamente de vista o privilégio que a análise política clássica desde outrora lhe

vinha garantindo. 2 Já sabemos que conforme a teoria clássica da soberania ele

sempre fora visto como a representação formal e estruturada da consolidação

histórica dos Estados Nacionais na Europa. E apesar das notórias diferenças de

época e objetivos que nos separam dos séculos anteriores, a representação do

poder, dirá Foucault, permaneceu marcada deveras pela monarquia.

No fundo, apesar das diferenças de época e objetivos, a representação do poder

permaneceu marcada pela monarquia. No pensamento e na análise política, ainda

não cortaram a cabeça do rei. Daí a importância que se dá, na teoria do poder, ao

problema do direito e da violência, da lei e da ilegalidade, da vontade e da

liberdade e, sobretudo, do Estado e da soberania (mesmo se esta é refletida, não

mais na pessoa do soberano, mas num ser coletivo). Pensar o poder a partir

destes problemas é pensá-los a partir de uma formação histórica bem particular às

nossas sociedades: a monarquia jurídica.3

Digamos então, parafraseando a fórmula de um defensor do equilíbrio de poder

europeu (Adolphe Thiers) – adotada até hoje por várias monarquias constitucionais –

que se no teatro das idéias da filosofia política o rei de direito ainda reina (quid júris),

no espaço das práticas de poder analisadas por Foucault não é mais ele quem de

fato governa (quid fatis). 4 Na constatação de que o poder produza antes rituais de

verdade e realidades fictícias em que jogamos nossas vidas, e nos quais somos

1 FOUCAULT, M. História da sexualidade I ( vontade de saber), p.87.

2 Análise política, diga-se de passagem, em sua maior parte de cunho ora weberiano ora marxista.

3 FOUCAULT, M. História da sexualidade I (a vontade de saber) p.86.

4 ―Quanto mais eu falava de população, mais deixava de dizer ‗soberano‘. Encontrava-me na

necessidade de designar ou apontar algo que, parece, também é relativamente novo, não como denominação nem em certo nível de realidade, mas como técnica. Ou, melhor dito, o privilégio que o governo começa a exercer com respeito às regras – ao ponto de um dia poder-se dizer, para limitar o poder do rei: ‗o rei reina, mas não governa‘ – essa inversão do governo em relação com o reino e o fato de que aquele seja no fundo mais que a soberania, muito mais que o reinado, muito mais que o imperium, o problema político moderno, creio que esteja ligado absolutamente à população.‖ (FOUCAULT, M. Segurança, território, população p.102).

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objetos de campos políticos que nos ultrapassam, é o sujeito (soberano real) que

deixa de ser filosoficamente o articulador de seu destino para vir a ser assujeitado às

técnicas que o determinam (população). Do poder visto como substância da qual se

poderia extrair uma gênese e realizar sua dedução, Foucault herda até 1976 apenas

a tarefa ―kantiana‖ de fazer uma analítica; o que quer dizer, a descrição minuciosa e

paciente de seu caráter ramificado e microscópico. Desse modo, tudo nos levaria a

crer que suas análises do poder direcionar-se-iam progressivamente ao estudo da

matriz representada pela idéia de enfrentamento de forças e de combates

perpétuos. À primeira vista afastado de querer formar uma teoria geral e

globalizante, ele preferiu se ater a uma análise onde o enfrentamento e a batalha

fazem dele mais uma ação física que se exerça entre outros do que uma substância

ou predicado que se atribua a um nome real. Inusitada maneira, é verdade dizê-lo,

de explicar a relativa tranquilidade do poder burguês ao nosso tempo de manter a

ordem e a legitimidade do status quo, numa sociedade injusta e desigual na

distribuição de suas riquezas.

3. À Guisa de Conclusão

Por essas e outras lições históricas, em contraste com a Antiguidade e a maior parte

de Idade Média, a cultura ocidental passa a impor desde o classicismo limitações

morais sobre a conduta de seu soberano em assuntos tanto externos quanto

internos, porquanto novas práticas de poder atuem sobre o comportamento dos

indivíduos e dos soberanos. De qualquer sorte, com o intuito de concluir nossa

interrogação, a morte que até o século XVI era considerada o ponto de maior

manifestação do poder soberano passa a ser justamente o ponto de fuga por onde

as disciplinas e os mecanismos de segurança poderão capturar o corpo do indivíduo

e da população como um novo eixo de articulação do poder. Marcada pelo estigma

da imoralidade, as aspirações individuais de poder acabam sendo deslocadas para

canais onde os referidos impulsos não coloquem mais em perigo a sociedade. São

muitos até hoje em dia os instrumentos disciplinares empregados com tal finalidade,

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todos eles de ordem econômica e jurídica: leis, costumes, desenvolvimento industrial

e tecnológico, várias instituições estatais e formas de organização social tais como

vestibulares, concursos para preenchimento de cargos públicos com o fito de

amealhar a tão brasileira política de clientelismo, corridas eleitorais, associações

empresariais, incentivo à prática de esportes, clubes recreativos, organizações não

governamentais (ONGs), etc.

Com essas transformações, o princípio de fazer viver vai se tornando princípio de

Estado devido à intromissão de um novo direito na antiga legitimidade dinástica da

soberania. A cultura ocidental demorará no mínimo dois séculos tentando ocultar de

seu horizonte o velho direito de espada. Decerto que, com isso, o princípio

aristocrático da honra do príncipe tende gradativamente a se apagar diante de

valores ―democráticos‖ como a prosperidade, a segurança, a democracia, a intenção

subjetiva, o cálculo do recato ou da intimidade e sua exposição em público, a

decência nos costumes e a proteção da vida que aparecem em substituição aos

antigos e ―memoráveis‖ valores da conduta guerreira. Percebe-se também que, com

a modificação nas formas de organização do convívio humano, o bio-poder não se

constituirá numa forma totalmente nova e independente do poder soberano, mas vai

integrando este último com a introdução de novas técnicas disciplinares que agem

sobre os corpos individuais. Por essa razão, Foucault poderá deslocar em A vontade

de saber a noção de uma sexualidade reprimida em prol do agenciamento político

da vida realizado em torno de seu próprio corpo. Ao contrário de uma vitoriana

renúncia aos prazeres ou desqualificação da carne, deveríamos antes enxergar em

nosso próprio sexo, nossa força e nossa saúde, o ponto de articulação entre o bio-

poder e a elevação de uma nova classe social empenhada em afirmar sua diferença

e sua hegemonia.1 Em princípio separadas historicamente, a disciplinarização dos

corpos e a regulação da população acabam confluindo numa só unidade. Duas

1 ―É, sem dúvida, preciso admitir que uma das formas primordiais da consciência de classe, é a

afirmação do corpo; pelo menos, foi esse o caso da burguesia no decorrer do século XVIII; ela converteu o sangue azul dos nobres em um organismo são e uma sexualidade sadia.‖ (FOUCAULT, M. História da Sexualidade I (a vontade de saber), p.119).

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lógicas, duas concepções de poder que vigoraram diferentemente cada qual à sua

época. E sobre as quais Foucault deverá estabelecer um continuum não sem antes

demarcar suas profundas transformações. Na medida mesma em que no museu de

nosso arcabouço jurídico ainda não terminamos de cortar a cabeça do rei, ele

deverá ipso facto cuidar para não confundir o poder constitutivo do soberano na

Idade Média com a função regulativa ocupada pela razão de Estado desde a época

clássica.

H.: Pode-se perguntar, tanto para fazer efeito quanto para lançar uma hipótese, se

o saber geográfico não traz consigo o círculo da fronteira, seja nacional, provincial

ou municipal. E portanto se às figuras de enclausuramento, que você assinalou –

louco, delinquente, doente, proletário – não se deve acrescentar a do cidadão

soldado. O espaço do enclausuramento não seria então infinitamente mais vasto e

menos estanque? M.F.: É uma ideia bastante sedutora. E este seria o homem das

nacionalidades? Pois este discurso geográfico que justifica as fronteiras é o

discurso do nacionalismo...1

Destarte, se em 1976, no seu famoso Em defesa da sociedade, Foucault partia da

inversão do aforisma do teórico da guerra Von Clausewitz com o fito de acentuar o

aspecto belicoso e contingente da guerra como matriz da formação político-histórica

da nacionalidade francesa (da guerra como continuação da política por outros meios

para a política como continuação da guerra por outros meios), ele irá curiosamente.

em 1978. inserir este mesmo aforisma como exemplo de uma nova razão de Estado

que aparece, consoante suas análises, em meados do século XVI tendo como

preocupação maior a questão da governamentalidade política.2 Do modelo

1 FOUCAULT, M. Microfísica do poder, p.161.

2 Em 1976, com o intuito de mostrar o viés diferenciador de suas análises históricas em relação ao

discurso tradicional da filosofia política, Foucault ainda se valia do discurso histórico e reacionário de um nobre francês como Boulainvilliers sobre as instituições políticas. Destinado a uma crítica à razão de Estado de Luis XIV, este estudo se constituiria para Foucault como uma espécie de saber do Estado sobre o Estado mesmo. Boulainvilliers se posicionaria contrário então a esse ―saber do rei‘ que procurava recuperar mitologicamente a memória de sua nobreza e a façanha de seus atos. A tal mitologia de reconstituição das origens do Estado, dever-se-ia opor justamente o saber da história

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estratégico de poder pensado em termos de batalha, luta e guerra continuada,

contraposta à astúcia pacificadora da dialética estatal (juridicamente codificadora e

neutralizadora dessa lutas), Foucault subitamente passará ao estudo de um poder

de Estado que consiste em ―conduzir condutas‖. O poder, enfim, deixaria de ser

interpretado em sua obra como sendo da ordem do enfrentamento múltiplo de

adversários para se tornar problema de governo. Questão, diga-se de passagem, só

formulada por aqueles que estão ou ao menos pretendem estar sob ―posse‖1 do

governo de si e dos outros, e não por aqueles que meramente se opõem ou fazem

resistência a ele. Pois bem, essa espécie de salto que abandona um referente de

legitimidade crítico à ratio ocidental, e que desde o início de seu pensamento até

então vinha sendo protagonizado pela sofística, conduziu Foucault a um tipo de

questionamento que à primeira vista parece perder muito de seu caráter crítico. 2

Nada obstante, a colocação da hipótese do bio-poder em detrimento de uma

sexualidade reprimida exigiu a reacomodação de suas indagações em um marco

mais amplo que o sugerido pelo esboço de uma ―história das tecnologias da

segurança‖, anunciadas desde sua conferência sobre medicina social no Rio de

representado por personagens que participaram das batalhas e enfrentamentos do poder; em suma, aqui ainda a inversão de Clausewitz e a matriz guerreira antes da política. 1 Bem que poderíamos substituir a expressão não muito feliz e em aspas ―posse‖ pelo termo grego

paraskeuê, que designará para Foucault em A hermenêutica do sujeito, curso de 82, todo um aparato técnico de saber que um indivíduo formula acerca de si mesmo. Mas o que desejamos ressaltar é a incipiente tentativa de Foucault em construir uma nova ética na relação do eu com o outro, ou seja, um governo de si que escape à regulação bio-política de seu tempo. Nada obstante, por mais que o conceito de governo marque uma ruptura com o discurso da batalha, assinalando um primeiro deslizamento da analítica do poder em direção à ética do sujeito, é bem verdade dizer também que tudo isso não passou de um enorme e grande equívoco para Foucault. 2 À primeira vista soa no mínimo estranho a dedicação de Foucault ao estudo da

governamentalização das res publica aparecer sob as mãos de aristocratas do poder tais como o marquês de Mirabeu ou o duque de Richelieu. Mas como historiadores da filosofia, devemos alertar academicamente ao leitor que o estudo anunciado em 1976, dos mecanismos pelos quais a espécie humana adentrou no século XVIII numa estratégia geral de poder, cede espaço nas análises de Foucault a uma ―história da governamentalidade‖ aparentemente sem nenhuma contrapartida crítica. Embora não deixe de figurar como horizonte dos cursos de 78 e 79, a noção de bio-política (ou de ―história das tecnologias de segurança‖) será sucedida de outra acepção em benefício das análises em 1979 sobre a governamentalidade liberal em O nascimento da bio-política. Nestes dois cursos, já se poderia entrever também a bio-política não apenas como ponto de articulação das disciplinas com os dispositivos de regulação estatais, mas como o fio condutor de sua futura reflexão ética acerca do cuidado de si. Imbróglio a ser objeto de nossas reflexões ulteriores.

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Janeiro. No intervalo de 77, ano de sua licença sabática no Collège de France, as

análises das condições de formação da bio-política moderna se apagam em

benefício do exame da governamentalidade clássica durante os séculos XVII e XVIII.

―Talvez a filosofia possa cumprir ainda um papel pelo lado do contra-poder, com a

condição de que esse papel já não consista em fazer valer, frente ao poder, a lei

mesma da filosofia. De que este deixe de ser pensado enquanto profecia, deixe de

ser pensado como pedagogia ou legislação e se dedique à tarefa de analisar,

elucidar, fazer visíveis e portanto intensificar as lutas que se dão em torno do poder,

as estratégias em torno dos adversários no seio das relações de poder, as táticas

utilizadas, os focos de resistência; com a condição, em suma, de que a filosofia

deixe de colocar a questão do poder em termos de bem ou mal e o faça em temos

de existência.‖1

Explicita, dessa mesma maneira e nesse mesmo ano, sua reinterpretação da

questão kantiana acerca do presente – ―O que são as Luzes?” – sob termos

bastante novos quando comparados com seus escritos anteriores. Em não existindo

mais um sublime ideal que faça as vezes de função transgressiva, judicativa ou de

tribunal à razão europeia, é o primeiro termo que deixa de prevalecer sobre o

segundo. A razão, não mais se entendendo como repressora, portanto carente de

crítica, passaria a exercer o papel de investigar aquilo que tem legitimidade em

nosso tempo; sem mais contestação em qualquer contravenção ou resistência ao

poder. Mutação da pena do próprio intérprete de nossa civilização a ser objeto de

estudos ulteriores. 2

1 FOUCAULT, M. A filosofia analítica do poder (27 de abril de 1978), p. 540.

2 Em seu artigo já clássico Um novo cartógrafo (Vigiar e Punir), Deleuze, logo de início, frisava que o

novo questionamento do problema do poder introduzido por Foucault não deixava de caracterizar ―o novo esquerdismo [...] voltado tanto contra o marxismo quanto contra as concepções burguesas‖ (Cf. DELEUZE, G. Um novo cartógrafo, p. 34). Na esteira dessa interpretação e de outras entrevistas concedidas por Foucault, Michel Senellart, em seu comentário Situação dos Cursos, atribuirá a razão de ser dessa mutação de pensamento de nosso autor a uma vinculação àquilo que na França então se chamava de ―novo pensamento de esquerda‖. Ora, ainda que Foucault tenha dado asas a esse

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4. Bibliografia

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--------------------. Vigiar e Punir. Petrópolis: Editora Vozes, 1977.

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Graal, 1979.

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------------------. Naissance de la biopolitique

------------------. Securité, territoire, population

tipo de imaginação declarando que seria para tanto preciso inventar uma governamentalidade adequada ao socialismo (cf. classe de 31 de janeiro de 79), preferimos não esquematizar nossa imaginação em regras previamente fornecidas. Já que todo o seu questionamento futuro residirá na questão em como saber se conduzir sem dispor de uma lei previamente dada que forneça o conceito esquematizador para a conduta pública do indivíduo. Pena a morte ter ceifado tão cedo o seu caráter quase inesgotável de invenção de novas formas de governo de si. Em outras palavras, é preciso que inventemos cotidianamente a regra que não nos é dada pela cultura a fim de que harmonizemos a relação entre, mais do que o entendimento, nossa razão com os outros. A coragem de dizer a verdade, acreditamos nela, virá cumprir aqui sua função na legítima defesa dos governados e no direito da dissidência.

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MAGNOLI, Demétrio. O Corpo da Pátria: imaginação geográfica e política externa no

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MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo:

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CRÍTICA E ANTROPOLOGIA EM KANT

Vinicius Berlendis de Figueiredo

Depto de Filosofia - UFPR/CNPq

1. Introdução: Projeto crítico e antropologia – uma hipótese de leitura

Como Kant faz questão de destacar em vários textos, a Crítica da razão pura, ao

limitar o conhecimento especulativo ao âmbito dos fenômenos, possibilitou pôr fim

ao dogmatismo. É sabido que essa operação limitativa já foi interpretada como tendo

sido pautada por uma orientação de cunho positivista, a pergunta pela validade

objetiva enunciada na ―Dedução transcendental‖ aparecendo como crivo da

significação de nossos conceitos e ideias a serviço da formulação filosófica de uma

ciência rigorosa da natureza, conforme aos princípios da ciência newtoniana e, por

isso, desembaraçada das pretensões descabidas do racionalismo clássico. Segundo

essa interpretação, Kant seria – com a licença da simplificação – o correspondente

filosófico de Newton.

Como também é sabido, essa interpretação da Crítica se sujeitou há tempos à

objeção de unilateralidade. Dificilmente se compreenderia por que a Crítica, se

realmente estivesse comprometida com a assimilação entre significação e

objetividade, não tenha se resumido a uma Analítica do entendimento, a qual, como

diz Kant, deve tomar doravante o lugar da ontologia (KrV B 303)1. Se é preciso

transpôr o âmbito da Analítica do entendimento, é porque há questões que a ―razão

humana‖ <menschliche Vernunft> não pode evitar, impostas que são pela ―natureza

da razão‖ <Natur der Vernunft>, mas às quais também ―não pode dar resposta por

1 As referências a Kant seguem a 1

a (A) ou 2

a (B) edição das obras, abreviadas como de costume:

KrV = Crítica da razão pura; KpV = Crítica da razão prática; Gdlg. = Fundamentação da metafísica dos costumes; Antropologie = Antropologia de um ponto de vista pragmático; EE = 1

a Introdução à

Crítica do Juízo; Log. = Lógica. As traduções utilizadas constam na bibliografia.

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ultrapassarem completamente as suas possibilidades‖ (KrV A VII)1. Tais questões,

como anuncia Kant no Prefácio de 1781 e revela na Dialética transcendental, têm

origem na progressão da razão de partir do condicionado ―para condições <cada

vez> mais remotas‖ (ibid.). em um movimento de totalização que produz uma ilusão

―que de modo algum pode ser evitada‖ (KrV A 297 - B 353), restando-nos, quando

muito, a alternativa de não sermos mais enganados por ela. Por isso, a ―lógica da

verdade‖ trazida pela Analítica do entendimento é seguida da ―crítica da ilusão‖,

efetuada na Dialética: somente aí, as significações para as quais não se pode

oferecer qualquer correspondente na experiência – significações que, portanto, não

são ―objetivas‖ nem capazes de determinação – são justificadas como exigências da

razão concernindo ao conhecimento empírico2. Poder-se-ia legitimamente retorquir

que isso apenas significa que a teoria da experiência kantiana incorpora remissões

àquela totalidade sistemática trazida pela razão ao refletir sobre as determinações

que o entendimento estabelece na sensibilidade, e daí concluir que, feitas as contas,

Kant permanece preso à epistemologia. Mas a melhor prova contra a interpretação

de que o idealismo transcendental promove sua ruptura com a metafísica clássica

tendo por intuito principal justificar a ciência newtoniana está no fato de que a

própria epistemologia, aqui, abriga a metafísica especial, cujos temas (alma, mundo,

Deus), adquirindo o estatuto de princípios regulativos sem os quais a razão não

poderia conhecer a natureza, recobram a validade que haviam perdido em outras

filosofias que, ao longo do século 18, também sofreram o influxo de Newton. A

1 Como se verá adiante, o presente texto resume-se, grosso modo, a comentar a redação de Kant

nessas primeiras linhas da Crítica, através das quais introduz em 1781 o leitor no idealismo transcendental. O passo pode ser parafraseado assim: a natureza da razão impõe à razão humana... Conceitualmente, porém, como explicar que a razão figure ao mesmo tempo como sujeito e objeto indireto de um mesmo período, senão conjecturando que ela é tomada em acepções distintas conforme seja qualificada pelo adjetivo ―menschlich‖ ? 2 ―Ora, o conceito transcendental da razão sempre se refere apenas à totalidade absoluta na síntese

das condições e jamais termina senão no absolutamente incondicionado – isto é, o incondicionado em toda relação. Com efeito, a razão pura deixa tudo ao encargo do entendimento, que se refere imediatamente aos objetos da intuição, ou antes, à sua síntese na capacidade da imaginação. A razão reserva para si somente a totalidade absoluta no uso dos conceitos do entendimento e procura conduzir a unidade sintética, que é pensada na categoria, até o absolutamente incondicionado. Por isso se pode denominar essa unidade da razão com respeito aos fenômenos, assim como aquela que é expressa pela categoria, unidade do entendimento‖ (KrV A 326 - B 382/3).

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comparação com Hume (a quem Kant conhecia bem) é elucidativa: enquanto, para

o autor da Investigação sobre o entendimento humano, ―todas as nossas conclusões

experimentais decorrem da suposição que o futuro estará em conformidade com o

passado‖ (HUME, 1972, 39), sendo isso o que basta para, sem deixar de mostrar

que tal suposição não procede da razão, acolher leis como instanciação de

regularidades contingentes que apoiam alguma espécie de necessidade nas

conexões figuradas por elas (ROSENBERG, 1993, p. 78), para Kant, em

contrapartida, o conhecimento empírico requer a referência ao plano da razão, cuja

normatividade, exatamente por conta de ter passado pelo crivo da crítica, ganha

estatuto transcendental1.

Mas se, para afastar a ideia de que o objetivo fundamental da Crítica tenha sido

justificar a ciência newtoniana, já não bastasse atentar para a complementaridade

que lógica da verdade e crítica da ilusão exibem no interior da ―Lógica

transcendental‖ da razão pura, conviria então retomar as palavras do ―2o Prefácio‖

(1787), no qual Kant, provavelmente tendo em vista a polêmica do panteísmo que

eclodiu em 1784 (cf. FIGUEIREDO, 2004), é taxativo em relação à utilidade do

exame a que submete a razão dogmática. Só através da limitação do saber

especulativo ao âmbito da experiência, diz-nos aí Kant, o interesse prático da razão

pode ser assegurado. A ―utilidade positiva‖ da Crítica, portanto, reside em preparar o

terreno para a recuperação prática das idéias especulativas, consideradas na

―Dialética transcendental‖.

Com efeito, a Crítica da razão prática (1788) retira o princípio de sua estrutura da

reabilitação transcendental da metafísica especial, operada por Kant na 1a Crítica.

Na passagem de uma a outra obra, Kant procede a um realinhamento dos

elementos da doutrina transcendental possível apenas com base na afirmação de

1 Na acepção inicial da Crítica: ―Denomino transcendental todo conhecimento que se ocupa não tanto

com objetos em geral, mas com nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve ser possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia transcendental‖ (KrV A 11 - B 25; trad. modificada). Poder-se-ia dizer, com base nisso, que Kant deslocou os temas da metaphysica specialis para o âmbito da filosofia transcendental promovida pela revolução copernicana em filosofia (ver Progressos da metafísica, A 11).

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que se trata, sempre, de uma mesma e única razão. Sem levar isso em conta, com

efeito, não se pode explicar que a liberdade – conceito cuja significação originária,

vale lembrar, é cosmológica – não só passe a figurar, na Crítica da razão prática,

como elemento da Analítica, como também que constitua, a partir do momento em

que tem sua realidade provada pela lei moral,

o fecho da abóbada de todo o edifício de um sistema da razão pura, mesmo da

razão especulativa, e todos os demais conceitos (os de Deus e de imortalidade),

que permanecem sem sustentação nesta <última> como simples idéias, seguem-

se agora a ele e obtêm com ele e através dele consistência e realidade objetiva,

isto é, a possibilidade dos mesmos é provada pelo fato de que a liberdade

efetivamente existe (KpV, A 4/5).

Apenas através desse realinhamento dos elementos da doutrina transcendental,

verificado na transição da primeira para a segunda Crítica, a unidade da razão na

diversidade de seus usos, já subjacente à crítica da razão teórica e graças à qual

são diferenciadas no seu âmbito determinação e reflexão, adquire o estatuto de um

princípio demonstrado. Pois a rigor, à anunciada divisão da filosofia em ―Teoria da

natureza‖ e ―Teoria dos costumes‖, de que já nos falava Kant no Prefácio da

Fundamentação da metafísica dos costumes (1785), faltava ainda a demonstração

da unidade da razão prática ―com a razão especulativa num princípio comum‖ (Gdlg.

trad. 106) – o que se dá apenas em 1788, quando o incondicionado posto pela razão

a título de princípio de inteligibilidade do conhecimento empírico se revela

fundamento de determinação da ação moral e postulado sem o qual a moralidade

seria incompatível com a felicidade1. Essa reorganização temática vai de par com o

princípio de exposição dos textos: somente tendo em conta a unidade da razão,

compreende-se que a doutrina dos elementos da 2a Crítica seja a perfeita

1 Com a prova de que a razão pura é prática, ―fica doravante estabelecida também a liberdade

transcendental‖ e, por meio disso, adquirem ―realidade objetiva os conceitos de Deus e imortalidade‖ (KpV A 5).

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acomodação dos temas da metafísica especial (liberdade, alma e Deus), cuja

pretensão teórica, contestada por Kant na Crítica da razão pura, dá lugar à vocação

última da razão para a moral e a religião.

Observe-se, a propósito, que esta transição da primeira para a segunda Crítica traz

implicações significativas para a ordem elementar comum a ambas. Com efeito, com

o uso prático da razão, o problema cosmológico adquire prerrogativas inéditas frente

à psicologia e a cosmologia racionais. Enquanto, na 1a Crítica, em comparação com

elas a cosmologia somente dispunha de uma prerrogativa fenomenológica – as

antinomias, afinal, constituíam o terreno privilegiado de manifestação da aparência

transcendental –, agora, é a partir da liberdade que as ideias psicológica e teológica

―obtêm consistência... e realidade objetiva‖ (KpV A 5). Digamos que, na passagem

da teoria à prática, um princípio regulador, através do qual a razão exigia a

ampliação do uso do entendimento no conhecimento empírico, se torna constitutivo

– ou, por outra: o princípio de reflexão sobre a natureza inflete em fundamento de

determinação da ação moral.

E aqui começamos a nos aproximar de nosso ponto: não faltam indícios de que a

reformulação dos elementos, operada na transição da 1a para a 2a Crítica e possível

graças à unidade da razão na diversidade de seus usos, é balizada por uma dupla

referência à finitude do homem. De um lado, a limitação do conhecimento

especulativo ao âmbito dos fenômenos, a partir da qual o incondicionado ganha o

estatuto transcendental de ―simples ideia‖ na Dialética transcendental, mobiliza

como fator decisivo a natureza sensível de nossa intuição (Estética transcendental).

É tendo em vista os resultados desta última em sua articulação com a Lógica

transcendental que Kant irá decretar que o incondicionado é incognoscível, embora

permaneça sendo pensável para nós. De outro lado, a moralidade é definida na

Crítica da razão prática como adoção de uma máxima baseada no mandamento da

razão em oposição direta aos móbiles patológicos1, o que configura um conflito que

1 ―A virtude é a força da máxima do homem no cumprimento de seu dever. – Toda força se reconhece

apernas pelos obstáculos que é capaz de superar; no caso da virtude, os obstáculos são as

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(além de ensejar a doutrina do livre arbítrio) só faz sentido tendo em vista o estatuto

singular da vontade de um ser racional e sensível. Em suma, não bastasse o fato de

que, num e noutro caso, a experiência seja concebida sob exigências normativas da

razão cujos resultados são mediados por considerações sobre a ―nossa natureza‖,

parece que a própria transição da teoria à prática – a qual, como vimos, traz consigo

o reordenamento elementar da crítica e que articula as duas partes do inteiro

sistema dos conhecimentos racionais – exibe um compromisso de fundo, mas talvez

não menos essencial, com premissas de cunho antropológico. Dito de outro modo,

tudo indica que a referência à ―nossa natureza‖ aparece não apenas a título de

elemento decisivo operante quer na teoria, quer na prática, mas também, e mais

essencialmente, como ponto de fuga sob o qual Kant articula a passagem de uma a

outra parte da filosofia.

Porém, de que estatuto goza, no interior do kantismo, essa natureza humana, que é

referência constitutiva da epistemologia transcendental, da doutrina moralidade e da

articulação entre elas? Responder a essa questão nos impõe examinar mais de

perto os objetivos perseguidos na Crítica do Juízo (1790), obra com a qual Kant diz

pôr termo ao ―kritisches Geschäft‖. Com efeito, a tarefa crítica só cessa com a

localização do princípio transcendental da faculdade de julgar, que, embora não

forneça qualquer novidade doutrinal, dispõe, contudo, de um princípio a priori

―puramente subjetivo‖ – o da finalidade. Para nossos propósitos, importa destacar

que, como revelam dois textos decisivos para a compreensão global do projeto

kantiano – a ―1a Introdução‖ e a ―Introdução‖ definitiva da Crítica do Juízo (cf.

ANCESCHI, 1966, p. 60) –, o acolhimento do princípio da finalidade no idealismo

transcendental conduz Kant a explicitar a distinção entre dois planos de

sistematização distintos, o primeiro relativo ao já mencionado sistema dos

conhecimentos racionais por conceitos e ordenado conforme a divisão entre teoria e

prática, e o segundo, concernindo ao sistema da crítica, unicamente no interior do

inclinações naturais que podem entrar em conflito com o propósito moral‖ (MC Ak 394). Sem as inclinações naturais próprias à vontade do homem, portanto, não há sequer como definir a virtude. Daí Kant ter afirmado desde muito cedo que uma vontade santa é incapaz de moralidade.

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qual transcorre a investigação suplementar atinente ao Juízo. ―Aquilo que não pode

aparecer na divisão da filosofia, pode todavia aparecer na crítica da faculdade de

conhecimento pura em geral, a saber no caso de conter princípios que por si não

são úteis, nem para o uso teórico, nem para o uso prático‖ (KU B XXI, trad. p.

20/21)‖1. Nem por isso tal princípio é secundário; ao contrário, em 1790, Kant deixa

claro que somente graças à faculdade de julgar podemos conceber uma passagem

―do domínio do conceito de natureza para o de liberdade‖ (KU, B LVI, trad. 40). Ora,

tendo em vista que, com a faculdade de julgar, ―a crítica toma o lugar da teoria‖ (KU

B X, trad. p. 14), nela a distinção operante entre natureza e liberdade se mantém

recuada em relação a todo tipo de objetividade e revela que o ponto em torno do

qual gravitam epistemologia, crítica da ilusão e moralidade, originando-se da

referência da filosofia à ―menschliche Vernunft‖, não corresponde a positividade

alguma. Tudo parece indicar, portanto, que, por decisiva que seja para o projeto

crítico e sua substituição ao dogmatismo, a referência ao homem não acolhe nem

suscita qualquer teoria do homem. A subjetividade kantiana, parece-nos possível

mostrar, situa-se entre a tematização do cogito no quadro de uma ontologia da

substância (Descartes, Leibniz) e o enquadramento do homem no âmbito das

ciências do espírito (neokantismos), constituindo-se, por isso, em uma ocasião

privilegiada para investigarmos as relações existentes entre crítica e antropologia no

limiar da filosofia contemporânea.

2. O problema antropológico na literatura: duas referências

O compromisso da filosofia crítica com a antropologia foi objeto da atenção de

muitos intérpretes. Sem qualquer intuito exaustivo, relacionamos aqui somente duas

1 No mesmo sentido, lê-se, na Primeira Introdução: ―Se se trata não da divisão de uma filosofia, mas

de nossa faculdade-de-conhecimento a priori por conceitos (da superior), isto é, de uma crítica da razão pura <...>, a representação sistemática da faculdade-de-conhecimento resulta tripartida, ou seja, primeiramente a faculdade de conhecimento do universal (das regras), o entendimento, em segundo lugar a faculdade da subsunção do particular sob o universal, o Juízo, e em terceiro lugar a faculdade da determinação do particular pelo universal (da derivação a partir de princípios), isto é, a razão‖ (EE, trad. p. 170/1).

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interpretações, com o intuito único de esclarecer melhor nossa própria hipótese de

trabalho.

1) Comecemos por A. Philonenko, cuja análise da obra kantiana se filia

expressamente a Hermann Cohen, mencionado anteriormente. A sinuosa trajetória

de Kant rumo à filosofia crítica, afirma Philonenko, tem seu momento decisivo

quando o autor da Dissertação de 70 se dá conta de que nesta obra ele

permanecera assimilando, erroneamente, o conceito do a priori com o conceito do

inato (PHILONENKO, 1983, I, p. 76) . ―Percebe-se que unindo psicologia e filosofia

transcendental, Kant <na Dissertação de 70> confunde o fato com o direito e se

encontra, em 1770, incapaz de enunciar a questão que define o criticismo: quid

juris?‖ (PHILONENKO, 1983, I, p. 77). Sem recusar essa assimilação, prossegue

Philonenko, ―o problema da unidade do conhecimento científico, como fonte do real

que se exprime nas leis, princípios de determinação dos fenômenos <se transforma>

na investigação da possibilidade de o homem aceder ao existente e ao mesmo

tempo desanda na antropologia e na psicologia‖ (PHILONENKO, 1983, I, p. 93). –

Como é fácil notar, em sua reconstrução da trajetória de Kant rumo a Crítica da

razão pura Philonenko assimila entre si psicologia, antropologia e subjetividade,

todas tidas como resíduos de uma perspectiva não crítica – ou melhor, pré-crítica –,

que só fez adiar o idealismo transcendental e a revolução que viria romper a clássica

dependência do conhecimento em relação ao ser.

Sem entrar no mérito dos marcos gerais da interpretação de Philonenko, vale servir-

se dela para precisar que, quando sinalizamos a referência que a filosofia crítica

contém a premissas de fundo antropológico, de modo algum pretendemos relativizar

o corte que a separa das formas de dogmatismo em polêmica com as quais teve sua

origem. Pensamos, ao contrário, ser possível mostrar que o projeto crítico, no que

possui de mais característico, possui uma orientação antropológica decisiva. Dois

textos são bastante esclarecedores a esse respeito. O primeiro deles é o conhecido

passo da Lógica de Jäsche em que Kant reduz a filosofia em sentido cosmopolita a

quatro perguntas fundamentais, quais sejam: ―1) o que posso saber? 2) o que devo

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fazer? O que me é lícito esperar? 4) o que é o homem?‖ – e, em seguida, esclarece:

―À primeira questão responde a Metafísica; à segunda, a Moral; à terceira, a

Religião; e a quarta, a Antropologia. Mas, no fundo, poderíamos atribuir todas essas

à Antropologia, porque as três primeiras questões remetem à última‖ (Log. A 25;

trad. p. 42). Como deixa clara essa passagem, Kant admite um sentido para

―antropologia‖ muito diverso daquele circunscrito no Prefácio da Fundamentação da

metafísica dos costumes (1785), quando o termo em pauta é introduzido através da

oposição entre a normatividade da razão e a positividade empírica, isto é, entre a

análise conceitual das significações racionais – dentre as quais figura o dever, a cuja

análise o leitor é primeiramente apresentado neste texto – e a simples descrição das

condutas humanas1. No sentido convocado pela acepção cosmopolita da filosofia,

evocado na Lógica, a questão antropológica abarca sob si a questão pelo que devo

fazer, atinente à moral, o que basta como argumento para recusarmos toda

assimilação imediata e definitiva entre antropologia e empiricidade2.

O outro texto que temos em mente ajuda a esclarecer em que medida admitir a

validade da antropologia lato sensu, ao invés de mitigar o caráter normativo da

moralidade kantiana, ajuda a esclarecê-lo. Como adverte Kant no Prefácio da

Antropologia de um ponto de vista pragmático, de 1798, há duas pespectivas

alternativas no que concerne ao conhecimento sistemático do homem <Kenntnis des

Menschen>, a fisiológica e a pragmática:

1 ―As leis morais com seus princípios, em todo conhecimento prático, distinguem-se portanto de tudo

o mais em que exista qualquer coisa de empírico, e não só se distinguem essencialmente, como também toda Filosofia moral assenta inteiramente na sua parte pura, e, aplicada ao homem, não recebe um mínimo que seja do conhecimento do homem (Antropologia), mas fornece-lhe como ser racional leis a priori‖ (Gdlg., A trad. p. 104/105). Registre-se, de passagem, ser nesta oposição, retomada na 2

a Crítica, que encontram sua origem as prerrogativas que a ―Analítica da razão prática‖

assumiu diante da "parte impura da ética" (LOUDEN, 2000) na literatura secundária mais recente – a ponto de a inteira filosofia prática kantiana ter sido resumida por alguns comentadores à explicitação dos procedimentos e formulações requeridos por uma ética prescritiva. 2 Evidentemente, isso não desabona a vasta literatura dedicada a investigar as relações, no interior

da razão prática kantiana, entre moral propriamente dita e antropologia. Um autor cuja discussão a respeito mobiliza a literatura corrente é LOUDEN, 2000.

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O conhecimento fisiológico do homem reporta-se à investigação daquilo que a

natureza faz do homem; o pragmático, àquilo que ele, enquanto ser que age

livremente <als freihaldelndes Wesen>, faz ou pode e deve fazer de si mesmo.

(Anthropologie, A IV).

Neste sentido, a antropologia corresponde a uma consideração na qual os aspectos

efetivo e normativo – em cuja separação reside a novidade inicial da crítica kantiana

– subjacentes ao ―Menschenkenntnis‖, sem que se confundam um com o outro,

exibem novamente, e talvez de modo privilegiado, sua complementaridade. Diante

das reticências expressas por Philonenko, diríamos que a investigação

antropológica, nesse sentido preciso, nada tem que ver com as fisiologias que, de

Locke até Kant, animaram várias análises do entendimento no curso do século 18.

Com efeito, o texto de 1798 não está comprometido com qualquer metafísica das

faculdades da mente humana, nem, tampouco, com qualquer forma de inatismo ou

psicologismo. Antes, ele decorre da crítica da razão, cujos resultados, como

sugerimos, retirando seu alcance transcendental da referência que possuem ao que

podemos conhecer, ao que devemos fazer e ao que podemos esperar1, são agora

mobilizados pela atividade que reúne, sem qualquer prerrogativa doutrinal, a sua

condição de possibilidade – essa atividade que designaremos, na falta de nome

melhor, pela reflexão ou subjetividade em nome da qual se promoveu a revolução

copernicana em filosofia.

2. Mas em que exatamente consiste o teor desse novo discurso, que, não

renunciando às prerrogativas da filosofia transcendental, evoca o Menschenkenntis

sem pretender fazer doutrina? E quais, afinal de contas, seriam suas implicações? É

comum a ideia de que a antropologia progressivamente se tornou foco privilegiado

1 Mesmo Philonenko parece admitir tacitamente esse sentido amplo de antropologia, ao declarar de

partida que a filosofia kantiana ―é uma investigação, tão ordenada quanto possível, que se aplica a todos os momentos fundamentais da condição humana‖ (PHILONENKO, 1983, I, p. 14).

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disso que se chamou ―a filosofia do Iluminismo‖1, interpretação essa que se pode

perfeitamente subscrever, desde que se estabeleça no seu âmbito diferenças por

referência às quais se possa avançar uma hipótese sobre a singularidade do

discurso sobre o homem no interior da filosofia kantiana. Com esse intuito, sigamos

um momento as conclusões de Kant e o fim da metafísica, livro no qual G. Lebrun,

inspirado na arqueologia das ciências humanas empreendida por M. Foucault,

comenta o significado que a filosofia crítica, por conta de sua referência ao homem,

possui na constituição de nossa modernidade.

A crer em Lebrun, a antropologia é nada menos do que o desdobramento necessário

da interdição da metafísica dogmática levada a cabo na Crítica da razão pura. Isso

seria especialmente o caso da teologia racional, cujo princípio finalístico, uma vez

privado de qualquer alcance especulativo na ―Dialética transcendental‖, é

apresentado na 3a Crítica como elemento apriorístico da faculdade de julgar:

―(...) ao mesmo tempo em que é definitivamente compreendida a possibilidade da

última disciplina da metafísica especial, a finidade encontra, enfim, um rosto e o

‗homem transcendental‘ substitui o sujeito anônimo e puramente funcional da

crítica teórica. No nível desta investigação a-teórica, a autocrítica da metafísica

assume necessariamente a forma de uma antropologia; a demonstração da

finidade coincide com a descrição de regiões da existência e de experiência.

Dessa forma, Kant inicia o movimento que conduzirá a abandonar a análise

categorial pela descrição do vivido, e a transferir a metafísica especial para o

campo da antropologia, investido de uma dignidade transcendental inesperada‖

(LEBRUN, 1993, p. 687/688).

1 Para ficarmos com um exemplo célebre, veja-se o apelo de Cassirer à ideia de disposição de época

e que o faz reaver, nos diversos setores do pensamento esclarecido, uma mesma orientação antropológica: ―Assim se elucida, através da estética de Baumgarten, nos vínculos estreitos com a filosofia acadêmica alemã, essa mesma ideia que já encontramos por toda a parte agindo na constituição da ética, da filosofia da religião, da filosofia do direito e da filosofia política do Iluminismo. Cada vez mais, a época iluminista aprende a renunciar ao ‗absoluto‘, no sentido estritamente metafísico, ao ideal de um conhecimento ‗à imagem do conhecimento divino‘, para substituí-lo por um ideal puramente humano, que ela procura constantemente definir com maior exatidão e preencher com maior perfeição‖ (CASSIRER, 1992, p.459).

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Portanto, se Kant ―inicia o movimento‖ rumo à descrição do vivido, ele, contudo,

ainda não toma parte nele. Ao metamorfosear a finalidade teológica ―em sentimentos

e em atitudes‖ e converter o belo, o sublime e o organismo vivo em pretextos para a

descrição de uma experiência puramente subjetiva (LEBRUN, 1993, 688)1, a Crítica

teria aberto o espaço no qual a condição de determinação do sensível pelo inteligível

poderá passar a ser ―vivenciada‖ – o passo seguinte consistindo em fazer dessa

vivência a experiência de um sujeito que, a um só tempo, é fundamento e objeto do

conhecer. Kant situar-se-ia, assim, no limiar daquela modernidade, cuja episteme

Foucault descreveu como refém do paradoxo constituído pelo fato de que agora é o

ser finito, compreendido como ser determinado, quem ―dá a toda determinação a

possibilidade de aparecer na sua verdade positiva‖ (FOUCAULT, 1987, p. 354).

Entenda-se: ao contrário do que, com o abono de Lebrun, acreditamos valer para a

Crítica, nesta vertente da modernidade que se segue a ela e da qual a

fenomenologia será o aprofundamento, a determinação já não será mais efetuada

através da sua referência à totalidade posta pela razão, uma vez que, agora, o limite

procede da finitude na qual o homem passou a reconhecer sua essência. E eis-nos

assim frente à dificuldade incontornável para a qual a fenomenologia, conforme os

partidários da reconstrução arqueológica, não teria atinado: como, feitas as contas, o

finito pode operar como fundamento de qualquer limitação?2 Feita tamanha violação

à ―ciência dos limites‖ (expressão pela qual Kant define a investigação crítica), a

1 Valemo-nos outra vez de Cassirer – cuja simpatia pela fenomenologia é sabida, e que, como

atestará Merleau-Ponty na Fenomenologia da percepção, nada tem de casual – para ilustrar, por contraste, o ponto em sobre o qual insiste Foucault e, na trilha aberta por ele, Lebrun. Cassirer comenta nestes termos a passagem do espírito cartesiano vigente na estética do século 17 para a nova disposição do Iluminismo: ―Trata-se de libertar-se do despotismo absoluto da dedução, trata-se de dar lugar, ao lado dela e não contra ela (...) aos fatos simples, aos fenômenos, à observação direta. (...) Assim, o método de explicação e de dedução tende cada vez mais, também nesse domínio. a ceder o lugar à pura descrição. E essa descrição não parte mais das obras de arte mas da consciência estética cuja natureza ela quer, em primeiro lugar, reconhecer e definir‖ (CASSIRER-1992, p. 394). 2 Ou ainda, pelas palavras do autor: ―a análise da finitude explica como o ser do homem se acha

determinado por positividades que lhe são exteriores e que o ligam à espessura das coisas, e como, em troca, é o ser finito que dá a toda determinação a possibilidade de aparecer na sua verdade positiva‖ (FOUCAULT, 1987, p. 352).

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fenomenologia, embora herdeira da interdição da metafísica especulativa, estaria

desde o início imersa no ―sono antropológico‖, cuja noite se anunciava no instante

em que saberes supostamente concretos se alojaram no lugar da velha metafísica

racional, como se eles dispusessem do mesmo grau de evidência de que gozavam

os objetos supra-sensíveis aos olhos do dogmático, antes da instituição do tribunal

da razão.

Embora muito sumárias, essas observações bastam para, à guisa de conclusão,

retomarmos o fio investigativo aqui apresentado. Argumentamos acima que, no

kantismo, a antropologia não requer investir de positividade o seu objeto. É

significativo, a esse respeito, que a ―Analítica do juízo estético‖, paradigma da

reflexão, não forneça acréscimo algum à filosofia como sistema de conhecimentos

racionais (ver supra p. 6). E é isso o que, gostaríamos de mostrar através da análise

pormenorizada dos textos, impede que o homem figurado no sistema kantiano não

seja nem possa ser fundamento de determinação de qualquer experiência. O que,

no homem, é puramente determinado, corresponde à natureza. Mas, conforme a

clivagem de perspectivas trazida pela solução da terceira antinomia da Crítica da

razão pura, Kant poderá argumentar que o elemento característico do homem não

reside na pura determinação, através da qual ele não se distingue de todos os

fenômenos (e de que irá tratar a antropologia em sentido fisiológico). No que possui

de próprio, o homem só admite um discurso reflexionante, cujo princípio, examinado

na Crítica do Juízo, torna possível os enunciados dos opúsculos sobre a história e

da antropologia pragmática. Em suma: para Kant, ao que tudo indica, a diferença

entre natureza da razão e razão humana não conduz à investigação da essência do

homem, mas ao recenseamento das condições de possibilidade do conhecimento da

experiência e do juízo moral e, por fim, ao exame da passagem da liberdade à

natureza nos termos de uma filosofia da história capaz unicamente de juízos

heurísticos.

Se tal orientação corrobora a avaliação de Lebrun e de Foucault acerca da

singularidade do Menschenkenntnis kantiano em relação àqueles herdeiros da

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revolução copernicana que, por própria conta e sem a licença de Kant (LEBRUN,

1993, p. 691) irão assimilar o empírico e o transcendental, convém, todavia,

assinalar que nem por isso visamos, nesse texto, os mesmos fins da análise

arqueológica. Simplesmente nosso objetivo de fundo foi diverso. Ao invés de

promover o acerto de contas com a fenomenologia, gostaríamos apenas de terminar

sugerindo a seguinte hipótese de trabalho. Caso seja correto retroceder da Crítica

do Juízo, dos textos sobre a história e da antropologia à interdição da metafísica

especial na 1a Crítica, comentando, com base nisso, os deslocamentos internos da

trajetória de Kant, a questão a examinar reside em determinar até que ponto o

Menschenkenntnis não representa a secularização da ideia teológica de finalidade.

Apenas através da resposta a essa suspeita estaremos aptos a avaliar se,

exatamente por ser não comportar qualquer correspondência positiva, o homem

evocado pelo kantismo não enseja um discurso crítico por definição aporético,

parasitário de um movimento no qual toda determinação é objeto de uma reflexão

ulterior que a cogita em um plano cujo sentido é a um só tempo essencial e

irrealizável ao sujeito.

.

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CARÁTER INTELIGÍVEL E CARÁTER EMPÍRICO NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA

Aguinaldo Pavão

Depto de Filosofia – UEL

Minha intenção nesse texto é discutir como Kant concebe ou conceberia na Primeira

Crítica a imputabilidade moral, levando em consideração a distinção entre caráter

inteligível e caráter empírico. Para tanto, dividirei minha exposição em três partes.

Primeiro, procuro reconstruir a distinção entre caráter inteligível e caráter empírico e

entender o papel que tal distinção desempenha na argumentação de Kant. Em

seguida, busco esclarecer como é possível, tendo como base tal distinção,

entendermos a responsabilidade moral das ações. Nesta altura, discuto e critico a

interpretação oferecida por Schopenhauer à noção kantiana de caráter inteligível.

Tentarei mostrar que Schopenhauer erra ao pensar que o caráter inteligível é o ―ser‖

do homem, ou seja, algo que teríamos assumido por uma espécie de escolha única,

a qual determinaria para sempre o agir humano. Depois, discutirei o famoso exemplo

da mentira maldosa. Este exemplo impõe a necessidade de se pensar sobre a

existência de uma linha demarcatória entre ações livres e não livres. Não obstante a

falta de clareza do texto kantiano, defenderei a possibilidade de traçarmos as

fronteiras do imputável e do inimputável. Com efeito, não agride o espírito do texto

de Kant pensarmos que determinadas condições empíricas, como a primeira

infância e a loucura, não reclamam uma compreensão a partir da noção de caráter

inteligível.

Na III parte do capítulo II do livro segundo da Dialética Transcendental, denominado

―Solução das ideias cosmológicas da totalidade da divisão dos eventos a partir das

suas causas‖, Kant expõe a distinção entre caráter empírico e caráter inteligível e

atribui ambos ao mesmo sujeito agente. Kant argumenta que, para um sujeito

dotado de uma causalidade livre, tem de se atribuir um ―caráter inteligível‖, que é o

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caráter de uma causalidade por liberdade1, visto que os efeitos (ações) deste sujeito,

conquanto repercutam no mundo dos sentidos, possuem causas que independem

de qualquer condição empírica. Contudo, este mesmo sujeito, como membro do

mundo dos sentidos, possui um caráter empírico e suas ações têm de ser

consideradas na interconexão necessária dos fenômenos conforme a causalidade

natural.

Esse argumento parece ser um tanto obscuro e realça as dificuldades da resolução

da terceira antinomia. Como é possível a atribuição ao mesmo sujeito de um duplo

caráter? Como compreender que uma mesma ação, como fenômeno, seja tanto o

resultado de determinações causais naturais como o efeito de uma causalidade

inteligível, independente de qualquer condição temporal?

Com relação a estas questões, a resposta kantiana parece se dirigir para uma

necessária dupla consideração do sujeito agente, à medida que o ser humano é

compreendido como algo radicalmente distinto do resto da natureza. Diz Kant:

Exclusivamente o homem que de outra maneira conhece toda a

natureza somente através dos sentidos, se conhece a si mesmo

mediante uma pura apercepção ... para si mesmo, ele certamente é, de

uma parte fenômeno, mas de outra, ou seja no que se refere a certas

faculdades um objeto puramente inteligível porque a sua ação de modo

algum pode ser computada na receptividade da sensibilidade.

Denominamos estas faculdades de entendimento e razão (CRP, B 574-

575)2.

1 A liberdade, como causa eficiente, tem um caráter. E caráter, conforme Kant define, é uma lei da

causalidade da causa eficiente. (Cf. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburguer. São Paulo, Abril Cultural, 1980. p. 274, B 567 / Kritik der reinen Vernunft. Werkausgabe III/IV. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991 - Doravante CRP). Sobre a variação do significado de ―caráter‖ (Charakter) em Kant, veja nota 11). 2 Ver também em: Fundamentação da Metafísica dos Costumes BA 108 e Tugendlehre, § 3 Ak 418.

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Ora, o idealismo transcendental, conforme assinala corretamente Henry E. Allison1,

considera o espaço, tempo e as categorias do entendimento como condições

epistêmicas e não ontológicas, abrindo-se , assim, um ―conceptual space‖ para o

pensamento de objetos não empíricos, dentre os quais estão os agentes humanos

como agentes racionais, que podem ser considerados como coisas em si mesmas.

Dessa forma, os seres humanos podem atribuir-se a si mesmos um caráter

inteligível, já que as condições epistêmicas mencionadas não representam a

propriedade de todas as coisas em geral.

Pode-se dizer que Kant pretende, com a dupla maneira de consideração do sujeito

agente, destacar que o determinismo causal natural é o ponto de vista legítimo e

necessário para a explicação das ações humanas, dada a condição destas de

eventos empíricos e de produtos de seres sensíveis como são os seres humanos.

Todos os eventos empíricos caem dentro das condições espaço-temporais e

categoriais, unicamente mediante as quais nós podemos conhecê-los. Ora, sendo as

ações humanas eventos empíricos, é forçoso que as consideremos dentro dos

quadros epistêmicos apresentados por Kant na Estética e na Analítica.

Se o determinismo causal natural é o ponto de vista legítimo e necessário para a

explicação de todos os eventos empíricos, nos quais se incluem as ações humanas,

parece não haver razões para que tal ponto de vista impeça compreensões

alternativas caso estas não levantem as mesmas pretensões que aquela assegura

para si com exclusividade. Ora, as ações humanas, dada a singularidade dos seres

humanos, seres dotados de razão e entendimento (sobretudo de razão), requerem

um outro ponto de vista possível, um ponto de vista que seja capaz de justificar

praticamente as ações2. Assim, se faz necessário considerar o caráter empírico do

1 Cf. Kant‟s Theory of Freedom, p. 44.

2 I. KANT. CRP B 577-578: ―Todas as ações do homem no fenômeno estão determinadas segundo a

ordem da natureza, por seu caráter empírico... Mas se ponderarmos justamente estas mesmas ações com relação à razão, e não à especulativa a fim de explicar aquelas segundo a sua origem, mas

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sujeito agente como uma sinalização sensível, por meio das ações, de seu caráter

inteligível como causas destes enquanto fenômenos (CRP, B 567 e B 574).

II

Todavia, uma questão aqui parece se impor. Dada a ―natureza‖ numênica da

liberdade e supondo, como é razoável supor, que nem todas as ações são livres,

como podemos nos certificar que determinadas ações, isto é, certos eventos

empíricos, expressem a presença ou a ausência da liberdade? Trata-se de saber

como podemos imputar moralmente - ato que pressupõe a atribuição de liberdade

ao agente - se o caráter inteligível do ser humano, unicamente mediante o qual nós

podemos considerá-lo livre, nos é inacessível? Diz Kant:

... a moralidade própria das ações (mérito e culpa), mesmo a de nosso próprio

comportamento, permanece-nos totalmente oculta. As nossas responsabilidades só

podem ser referidas ao caráter empírico. Mas quanto disto se deve imputar ao efeito

puro da liberdade, quanto à simples natureza e quanto ao defeito de temperamento

do qual não se é culpado, ou à natureza feliz (merito fortunae) do mesmo, eis algo

que ninguém pode perscrutar e consequentemente, também não julgar (richten) com

toda a justiça (CRP, B 579, nota).

Dessa citação interessa-me reter dois pontos. Um conduz novamente à questão

sobre a responsabilidade de nossas ações, pois, uma vez que não sabemos se as

ações são efeito da liberdade ou da natureza, convém entender como é possível

ainda falar em imputabilidade moral. O segundo ponto consiste na necessidade de

compreender o que Kant quer significar com a frase ―As nossas responsabilidades

só podem ser referidas ao caráter empírico‖. Tomo inicialmente a segunda questão.

exclusivamente na medida em que a razão é a causa de sua produção, numa palavra, se compararmos estas ações com a razão tendo em vista um propósito prático, então encontraremos uma regra ou uma ordem que são totalmente diversas da ordem da natureza‖ (grifos de Kant).

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Parece-me que o que Kant quer dizer com a frase acima é que as

responsabilizações que fazemos partem do caráter empírico do agente - pois nesta

esfera é que nos deparamos com ações, ―sinais sensíveis‖, que julgamos dignas de

louvor ou de censura -, mas são referidas (atribuídas) ao caráter inteligível, uma vez

que é em referência a esta ―lei da causalidade‖ que estamos autorizados a imputar.

Na discussão do exemplo da mentira maldosa (que veremos na sequencia), a

atribuição de responsabilidade será dirigida ao caráter inteligível do homem. Diz

Kant: ―A ação é atribuída ao caráter inteligível do homem e agora, no momento em

que mente, ele é totalmente culpado‖ (CRP, B 583). Pode-se, pois, dizer que a

afirmação:

As nossas responsabilidades, ainda que só possam ser referidas ao caráter empírico,

têm de ser, contudo, atribuídas/imputadas ao caráter inteligível

expressaria corretamente a relação que caráter empírico e inteligível mantém com

os juízos de imputabilidade. Assim, embora aparentemente possa ser considerada

ambígua a frase ―As nossas responsabilidades só podem ser referidas ao caráter

empírico‖ - seria ambígua porque a frase ―as nossas responsabilidades só podem

ser atribuídas ao caráter empírico‖, devido à proximidade semântica de ―referir‖ e

―atribuir‖, pode ser considerada sinônimo daquela, ou ainda a frase ―as nossas

responsabilidades só podem ser referidas ao caráter inteligível‖ pode ser válida

desde que ponderado o sentido de ―referir‖ - ela se mantém coerentemente ao lado

da atribuição das ações ao caráter inteligível.

II.1

Na linha dessas reflexões, alguém poderia interpretar Kant como o fez

Schopenhauer, dizendo que ―a responsabilidade moral do homem refere-se, em

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primeiro lugar e ostensivamente, àquilo que ele faz, mas no fundamento, àquilo que

ele é‖1. Ora, aquilo que o homem faz, sendo para nós acessível pela experiência, é

expressão do seu caráter empírico. Assim, o operari humano, sujeito à lei da

natureza, é o alvo inicialmente visado por nossos juízos de imputabilidade - poder-

se-ia dizer que é nesse sentido que ―as nossas responsabilidades só podem ser

referidas ao caráter empírico‖. Porém, de acordo com a leitura de Schopenhauer, a

incidência precisa de um juízo de imputabilidade deve recair sobre o que o homem

é, ou seja, sobre o que o homem pode ser de acordo com a sua essência. Ora, se o

caráter inteligível, ―presente (...) em todos os atos do indivíduo e impresso em todos

eles, como o carimbo em mil selos (...) determina o caráter empírico deste fenômeno

[as ações exteriorizadas pela lei da causalidade - AP] que se manifesta no tempo e

na sucessão dos atos‖2, então deve ser a ele propriamente imputada a ação

humana. Assim, Schopenhauer poderia compatibilizar facilmente as duas frases de

Kant acima consideradas, afirmando: ―as nossas responsabilidades só podem ser

referidas ao operari mas têm de ser atribuídas ao esse‖.

A questão está em que, para Schopenhauer, a conclusão que se segue a partir

disso é que a liberdade não pode mais ser entendida como um poder que o agente

possui de agir de outro modo. O meu agir é determinado necessariamente, seja do

ponto de vista exterior por motivos (isto é, uma espécie de causalidade empírica),

seja do ponto de vista interno pelo caráter inteligível. Como a liberdade só pertence

ao caráter inteligível, e o caráter inteligível apenas diz respeito ao “esse” e não ao

“operari”, ela só pode ser entendida como um poder de ser de outro modo, ou

melhor, um poder que homem possui de ter sido outro.3

1 A. SCHOPENHAUER. Sobre o fundamento da moral, p. 92. 2 Cf. Sobre o fundamento da moral, p. 91. Sobre a ―interpretação‖ de Schopenhauer acerca da

distinção kantiana entre caráter inteligível e caráter empírico, veja também O Mundo como Vontade e Representação II, § 20, p. 142, § 28, p. 203-207, IV, § 55, p. 379-385 e Essai sur le libre arbitre, p. 117ss., e p. 191-195. 3 Sobre o fundamento da moral, p. 91: ―... tudo o que [o homem] faz acontece necessariamente. Mas

no seu ‗esse‘, aí está a liberdade. Ele poderia ter sido outro: e naquilo que ele é estão culpa e mérito‖.

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Ora, essa limitação da liberdade a uma escolha, mediante um ato inteligível, do

nosso ser parece chocar-se com o pensamento de Kant. De fato, Kant afirma que a

―ação (Handlung) é atribuída ao caráter inteligível do homem‖ e, na sequencia,

parece tornar-se mais difícil o acordo com Schopenhauer quando lemos: ―e agora,

no momento em que mente, ele é totalmente culpado; portanto, desconsiderando

todas as condições empíricas do ato, a razão era integralmente livre, e a mentira é

de todo imputável à sua omissão‖ (CRP B 583). Para o meu interesse nessa

discussão importa sublinhar, nessa passagem, as partes ―no momento em que ele

mente‖ e ―a razão era inteiramente livre‖. Parece ser clara a sugestão de Kant de

que a ação particular (no exemplo, a mentira maldosa) resultou de uma razão que

era livre para mentir ou não mentir.1

No parágrafo seguinte ao da citação acima, Kant argumenta que a razão, embora

estando presente e sendo ―sempre a mesma em todas as ações do homem em

todas as circunstâncias temporais‖, não é, contudo, ―no tempo nem atinge um novo

estado no qual não estava‖2, uma vez que, em relação a este novo estado, ―ela é

determinante, mas não determinável‖. Assim sendo, não cabe perguntar por que a

razão não se determinou de outro modo. Poder-se-ia indagar por que a razão

―mediante a sua causalidade (...) não determinou diversamente os fenômenos‖.

Porém, em relação a isto, ―qualquer resposta é impossível. Com efeito, um outro

caráter inteligível teria dado um outro caráter empírico‖ (CRP B 584). Se esta última

frase de Kant é isolada, pode-se tomá-la como significando que se um homem que

mente maldosamente tivesse um outro caráter moral, isto é, tivesse um outro ―sinal

distintivo ... enquanto ser racional dotado de liberdade"3 que comportasse princípios

1 Na Crítica da Razão Prática Kant afirma que ―satisfazer ao mandamento categórico da moralidade

está em poder de cada um em todo tempo‖ (A 64). 2 Veja nota anterior.

3 I. KANT. Anthropologie du point de vue pragmatique, p. 135. É digna de registro a mudança de

sentido que o termo ―caráter‖ (Charakter) sofre no pensamento de Kant. Se na Crítica da Razão Pura, como vemos, caráter é a ―lei da causalidade‖, na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, embora sem definição clara, o termo já é tomado em outro sentido (por exemplo; seção I, §§ 1 e 11, onde Kant o contrasta com o temperamento, sugerindo, no § 1, que caráter seria o modo como a vontade usa os talentos do espírito, as qualidades do temperamento e os dons da fortuna). Na

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práticos proibitivos do mentir, teria então um caráter empírico, isto é, um

comportamento diverso, sempre dizendo a verdade. Embora isso até possa ser

considerado verdadeiro, o que Kant quer dizer é que um outro caráter inteligível

daria um outro caráter empírico porque de uma outra lei da causalidade não-

empírica resultaria, como efeito, um outro fenômeno. Schopenhauer interpreta a

frase em pauta no primeiro sentido com a agravante de compreender o caráter

inteligível como caráter moral imutável (no sentido antropológico)1.

No entanto, Schopenhauer poderia resistir a essa leitura. A base textual mais forte

contra a sua tese parece estar em outro lugar, a saber, na seguinte advertência de

Kant:

Mas porque o caráter inteligível resulta nas circunstâncias existentes, exatamente

nestes fenômenos e neste caráter empírico é uma questão que ultrapassa tão de

longe a faculdade de nossa razão para responder, e até todo o direito de ela sequer

Antropologia de um ponto de vista pragmático, o caráter é a ―propriedade da vontade pela qual o próprio sujeito se liga a princípios práticos determinados que são indefectivamente prescritos por si mesmo através de sua própria razão‖ (p. 139-140 da edição francesa citada). Segundo H. Allison, a ênfase no sentido antropológico de caráter, que ao seu ver surge implicitamente a partir da segunda Crítica, marca uma mudança que deve ser entendida como ―concomitantes às mudanças na teoria moral de Kant produzidas pela introdução do princípio da autonomia‖ (Kant‟s Theory of Freedom, p. 140). 1 Cf. A. SCHOPENHAUER. Sobre o Fundamento da Moral, p. 89. Segundo o ponto de vista de V.

Delbos (Op. Cit., 365-367), Schopenhauer retém o substancialismo ―plus ou moins explicite‖ da teoria kantiana do caráter inteligível. Este substancialismo se verificaria na consideração de que a ação resultaria de uma ―determination essencialle de la chose en soi comme chose‖ (p.367). Para Delbos, Kant se inclinaria, na Crítica da Razão Prática a eliminar este pendor substancialista , tomando como origem do caráter uma ação intemporal em sua relação direta com a lei moral‖ (Ibid.). De acordo com Henry E Allison, o contraste entre caráter inteligível e empírico na Crítica da Razão Pura não tem sentido psicológico ou antropológico, mas sim a função de distinguir os modos de operar da causalidade, na medida em que esta pode ser duplamente considerada como causalidade empírica e inteligível (Cf. HENRY ALLISON. ―Entre la cosmología y la autonomía: La teoría kantiana de la libertad en la Crítica de la razón pura‖. p.484-485). H. Allison assinala que Kant também aplica a distinção entre caráter empírico e inteligível ao agente causal, isto é, o sujeito da causalidade, porém, segundo ele, ―não há indicação, ao menos na exposição inicial, de que este sujeito se deva conceber em termos psicológicos, i.é, como pessoa‖ (p.485). Não obstante, Kant, ao afirmar que é pelo caráter empírico ―que podemos considerar o homem quando simplesmente o observamos e quando, tal qual ocorre na Antropologia, pretendemos investigar fisiologicamente as causas de suas ações‖ (CRP B 578) parece sugerir uma aproximação de sentido entre a lei da causalidade empírica e caráter antropologicamente considerado.

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perguntar, como se se indagasse porque o objeto transcendental de nossa intuição

sensível externa só dá uma intuição no espaço e não em qualquer outro tipo de

intuição (CRP B 585).

Assim, quando se quer defender a tese de que o caráter inteligível, entendido como

o “esse” do homem, se está tentando sustentar, senão exatamente o porquê de o

caráter inteligível resultar num determinado caráter empírico (teria de se responder

porque o homem é o que é), algo que ultrapassa os limites legítimos do poder de

nossa razão para responder. Afirmar que Kant, com a distinção entre caráter

empírico e inteligível, nos retirou ―do erro fundamental que deslocava a necessidade

para o ‗esse‘ e a liberdade para o ‗operari‘1 e nos fez perceber que a relação é

inversa, isto é, “operari sequitur esse”, é supor-se autorizado a perscrutar o

imperscrutável. Na verdade, Kant, ao distinguir caráter empírico do caráter inteligível,

nos retirou do seguinte erro fundamental: considerar o operari como o faz

Schopenhauer, ou seja, como suscetível de uma única leitura, não sendo possível

de ser considerado senão sob o ponto de vista da causalidade natural.

Deve-se notar, ainda, que o não ter direito de indagar sobre por que o caráter

inteligível resulta num determinado caráter empírico está vinculado à não

autorização de perguntar sobre de onde surge a ação livre e quando ela é iniciada.

De fato, visto que condições espaço-temporais só podem ser referidas ao caráter

empírico, a causalidade livre da razão ―em seu caráter inteligível não surge, nem

começa por volta de um certo tempo a fim de produzir um efeito. Pois, do contrário

ela mesma ficaria submetida a lei natural dos fenômenos‖ (CRP B 579-580)2.

1 A. SCHOPENHAUER. Sobre o fundamento da moral, p. 92.

2 Na Religião, Kant apresenta uma distinção que tem uma incidência esclarecedora neste ponto.

Trata-se da distinção do conceito de ―Origem primeira‖ - Ursprung (der erste) , que significa ―a derivação de um efeito da sua primeira causa, i.é, daquela que, por seu turno, não é efeito de outra causa da mesma espécie (p.45) . Esta pode se distinguir em ―origem racional‖ e ―origem temporal‖. A ―origem racional‖ toma ―em conta apenas a existência do efeito‖, ja a ―origem temporal‖ ―o acontecer do mesmo, por conseguinte, o efeito como ocorrência é referido a uma a uma causa no tempo. Se o efeito é referido a uma causa que a ele está ligada segundo leis da liberdade ... então a determinação do arbítrio à sua produção é pensada ... como ligada ... somente na representação da razão, e não

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Voltemos a questão sobre a responsabilidade de nossas ações. Somente pode

haver imputabilidade (Zurechnungskeit) onde há liberdade. Ora, se não há

condições de saber (kennen) da existência ou não da liberdade, temos de enfrentar

a seguinte dificuldade: ou nós abdicamos qualquer juízo de imputabilidade ou

expomo-nos ao risco da injustiça nos julgamentos que fazemos. Pareceria que o não

poder ―julgar com toda a justiça‖ neste caso significaria não poder julgar com

nenhuma justiça, visto que sugeriria um julgamento cego. Nesta perspectiva, diz

Jonathan Bennett, comentando a citação de Kant em pauta:

Dizer que não se pode ‗julgar com plena justiça‘ é pouco. De fato, não temos a menor

base para crer que qualquer juízo de imputabilidade tenha a mínima justiça (...).

Visando apoiar a noção ordinária de responsabilidade moral, a teoria de Kant a

aniquila1.

Convém, tendo presente tais questionamentos e leituras, retornar à Crítica da Razão

Pura na busca de uma possível resposta de Kant, seja explícita ou não, ao problema

levantado. Examinando bem a nota da CRP B 579, talvez se consiga dissipar um

pouco as dificuldades apresentadas. Na verdade, Kant não diz que nós não

sabemos se as ações são efeitos da liberdade ou da natureza. Kant afirma que nós

não sabemos o quanto deve ser imputado à liberdade ou à natureza2. Desse modo,

seria possível uma interpretação favorável a Kant. De fato, a afirmação de Kant não

impede totalmente o juízo moral, ela apenas restringe a sua acribia. Neste sentido,

pode-se admitir que ninguém julga com toda a justiça, o que não significa eliminar

todo o julgamento. A tese simplesmente introduziria cláusulas de reservas quanto ao

seu caráter peremptório.

pode ser derivada de qualquer estado precedente‖ (A Religião nos limites da simples razão, p. 45. Portanto, a pergunta pela ―origem temporal das ações livres como tais (como se fossem efeitos da natureza) é, pois, uma contradição‖ (p.45-46). 1 J. BENNETT. La „Crítica de la razón pura‟, 2, La Dialética. p. 223.

2 No original: ―Wie viel aber davon reine Wirkung der Freiheit, wie viel der blossen Natur ...‖ (grifei).

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III

Todavia, para se conceder validade à compreensão de Kant sobre a imputabilidade

moral na CRP deve-se cuidar ainda de um outro ponto. Tenho em mente o exemplo,

apresentado por Kant, da mentira maldosa, causadora de uma certa confusão para a

sociedade. Em primeiro lugar, segundo Kant, esta ação deve ser examinada ―quanto

às motivações a partir das quais emergiu‖ para em seguida a julgarmos ―como ela

pode ser imputada ao agente juntamente com as suas consequências‖ (CRP B 582).

A primeira questão diz respeito ao caráter empírico da ação, exigindo que

compreendamos a mentira maldosa dentro de uma série de causas que a

determinam naturalmente. Assim, encontramos como fatores determinantes uma

―educação defeituosa, [...] más companhias, [...] índole insensível à vergonha, [...]

leviandade, [...] irreflexão‖, bem como ―causas ocasionais que a tal ato deram azo‖

(CRP B 582). Tais fatores, que expressam tanto traços de caráter (sentido

antropológico) quanto determinações do ambiente, apenas explicam como a ação

ocorreu, não permitindo, portanto, julgá-la moralmente. Ora, a imputação é garantida

pelo segundo procedimento de exame. Neste procedimento, ―apesar de se crer que

a ação esteja determinada mediante tal [série de causas que determinam um efeito

natural dado - AP], nem por isso admoesta-se menos o agente‖ (CRP B 582-583).

Mas como podemos justificar uma censura a um agente se consideramos que sua

ação resulta de uma causalidade natural? Conforme Kant, esta censura está

baseada numa ―lei da razão por meio da qual se encara esta última como uma

causa que, sem levar em conta todas as condições empíricas mencionadas, poderia

e deveria determinar diversamente o comportamento do homem‖ (CRP B 583). Para

Kant, ainda que adversidades empíricas se coloquem, a causalidade da razão é

completa. Nesse sentido, entende-se a afirmação já referida segundo a qual ―a ação

é atribuída ao caráter inteligível do homem, e agora, no momento em que mente, ele

é totalmente culpado‖ (CRP B 583).

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2

Assim sendo, a responsabilidade moral de um homem que mente maldosamente

requer um desprezo pelas condições empíricas, sejam estas internas ou externas.

Kant diz ainda, no mesmo parágrafo, que nós temos de considerar tal ato, na

perspectiva de censura do agente, de um lado, como se a série decorrida das

condições não tivesse ocorrido1 e, de outro lado, como se se tratasse de início

espontâneo, por parte do agente, de uma série de consequências. Parece um tanto

difícil aceitar que, quando se propõe a avaliar moralmente a responsabilidade ou não

de um ser humano, seja necessário desconsiderar condições empíricas passadas.

Se uma pessoa teve uma educação defeituosa, más companhias e cometeu uma

ação censurável por leviandade, parece que, nestes casos, seria plausível a

possibilidade de que esta pessoa agisse, mediante a causalidade de sua razão, de

um modo diverso. Sendo assim, nos veríamos obrigados a sustentar que tais

condições não são relevantes, visto que não determinam necessariamente a ação.

Mas tal irrelevância das condições empíricas deve resultar da avaliação que

fizermos, não de uma desconsideração prévia delas. Considere-se o caso,

mencionado por Kant, de que se verifique no agente, conjugadamente a outros

fatores, a ―malignidade de uma índole insensível à vergonha‖. Neste caso, se estaria

diante de algo que poderíamos chamar de um grave distúrbio de personalidade, fato

que tornaria insustentável qualquer expectativa de comportamento moral do agente.

A ideia de uma pessoa ―insensível à vergonha‖ parece nos conduzir à compreensão

da existência de uma falha estrutural na formação de sua consciência moral, o que

nos permitiria considerá-la moralmente incivilizada. Nesse contexto, parece intervir

uma condição empírica relevante. Assim, o agente não estaria sujeito à

imputabilidade, uma vez que a causalidade determinante não foi a causalidade da

razão (livre e de modo algum afetada pela sensibilidade), mas a causalidade natural

que subtrai todo juízo de responsabilização moral. Dessa forma, a argumentação de

1 Para Allison, a pretensão de Kant seria a de que ―a disponibilidade de uma explicação empírico-

causal de uma ação por si mesma não excluí a possibilidade de supor que o agente poderia ter agido de outro modo e, portanto, de sustentar que o agente é responsável‖ (Kant‟s Theory of Freedom, p. 42).

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Kant em torno do exemplo da mentira maldosa se revela também problemática,

sobretudo em função de ele sugerir, pelo desprezo das condições empíricas, que

todas as ações humanas seriam livres1.

De qualquer forma é importante enfatizar que a pretensão de Kant é mostrar que

liberdade e necessidade natural podem, numa mesma ação, ―ocorrer

independentemente uma da outra e sem interferências recíprocas‖ (CRP B 585).

Logo, o argumento principal em favor desta tese é, de fato, a distinção entre

fenômeno e númeno com a consequente abertura do já referido espaço conceitual

que nos permite pensar a possibilidade das ações humanas fora das condições

epistêmicas (espaço-temporais e categoriais). Todavia, o recurso a este espaço

conceitual, em que se justifica a compreensão das ações humanas como resultado

de uma causalidade por liberdade, isto é, numênica, deve ser validado apenas ―onde

há alguma razão para ir além da causalidade fenomênica, e estas são encontradas

apenas na volição humana‖2. Com efeito, na natureza inanimada ou meramente

animal não existem razões para o recurso a uma compreensão diferente da que nos

é oferecida pelo determinismo natural (Cf. CRP B 574). Ora, se o recurso a uma

causalidade numênica somente se justifica quando existe alguma razão para irmos

além da causalidade fenomênica, e mesmo que este apelo à causalidade numênica

só seja justificado quando se tratar de volições humanas, poder-se-ia considerar

que, nas ações humanas, tendo em vista a avaliação de responsabilidade das

mesmas, o apelo à causalidade numênica pode ser impugnado à medida que

1 Esta questão é assinalada por Jonathan Bennett (Op. Cit , p. 233) e Lewis White Beck que, embora

numa perspectiva de argumentação diferente da de Bennett, afirma: ―Todos os fenômenos têm duas dimensões de relações, uma para o fenômeno anterior, uma para o númeno. A segunda dimensão ou relação não é o que se quer significar por liberdade num sentido interessante, porque ela é indiscriminadamente universal. Liberdade como um predicado universal é destituída de interesse‖ (A Commentary on Kant‟s Critique of pratical reason, p.188). Embora Beck não esteja se referindo a universalidade indiscriminada quanto às ações humanas (o que faz Bennett), a sua ponderação ao meu ver pode valer também nesse sentido, uma vez que o conceito de liberdade como predicado de toda e qualquer ação humana, ao desconsiderar a possibilidade do arbítrio humano ser necessitado patologicamente, apresenta-se com interesse reduzido, dada a sua miopia quanto às ocorrências patológicas suscetíveis ao agir humano. 2 L. W. BECK. Commentary, p. 189.

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inexistam razões para se ir além da causalidade fenomênica. Tome-se novamente o

exemplo da mentira maldosa. É razoável supor que um tal ato resulte de certas

condições empíricas que afetam completamente (necessitariamente) a volição

humana (consideremos, mais uma vez, o fator da ―malignidade de uma índole

insensível à vergonha‖ no sentido mais forte). Assim, em casos semelhantes a este,

não existiria razão para irmos além da causalidade fenomênica. Convém que se

atente que o que está em questão aqui não é em primeiro lugar a precisão dos

exemplos, mas sim a de perceber que a liberdade não está sempre presente nas

ações humanas, não se justificando, portanto, por princípio um desprezo das

condições empíricas do agente quando visamos juízos de imputabilidade. O que se

questiona em Kant é a tese de que, independentemente de qualquer afeto, a razão é

moralmente soberana (e não que ela deva ser moralmente soberana). Ora, um

sujeito destituído do sentimento de vergonha seria um caso empírico de uma

patologia1 diante da qual a razão não teria soberania.

IV

Nesse sentido, pode-se buscar um apoio nos textos kantianos. Com efeito, Kant

considera que a primeira infância e a loucura, incluindo nesta última estados

psicológicos como uma melancolia extrema ou depressão, representam condições

empíricas que nos levam a considerar um agente como não livre2. A discriminação

de atos livres de atos não livres se deixa perceber também no texto Resposta à

pergunta: que é o Iluminismo? em que Kant fala da ―menoridade‖ de que o próprio

homem é culpado, a qual se distingue da menoridade que reside na falta de

entendimento ou que se baseia no fato da natureza não nos ter ainda ―libertado do

controle alheio‖3. A menoridade imputável é a menoridade a qual o Iluminismo

1 Bem entendido, patologia no sentido moderno (e não kantiano) do termo.

2 Cf. I. KANT. Metaphisik L., edição da Academia, vol, XXVIII, p. 254-257, citado por H. Allison, Kant‟s

Theory of Freedom, p. 59 e 74. 3 I. KANT. ―Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?‖, p. 11.

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(Aufklärung) empenha-se na crítica, responsabilizando o homem que não saiu deste

estado precisamente em função de que o mesmo poderia não mais continuar menor,

ou seja, responsabiliza-se uma menoridade que resulta da liberdade.

Contrastivamente a esse caso de menoridade imputável, temos uma menoridade

não imputável, isto é, atos de menoridade não livres, empiricamente destacados, e,

assim, insuscetíveis de responsabilização (menoridade no sentido comum, relativo à

infância, e uma menoridade por alguma deficiência do entendimento). Ainda, na

Crítica da Faculdade do Juízo, vemos Kant, ao distinguir afetos (Affekten) de

paixões (Leidenschaften)1,, sinalizar a possibilidade de um impedimento empírico da

liberdade2, ao afirmar que as paixões ―são inclinações que dificultam ou tornam

impossível toda determinabilidade do arbítrio por princípios‖3. Logo, as paixões

podem limitar e inclusive suprimir a liberdade4.

1 Diz Kant: ―Afetos são especificamente distintos de paixões. Aqueles referem-se meramente ao

sentimento; estas pertencem à faculdade de apetição e são inclinações que dificultam ou tornam impossível toda determinabilidade do arbítrio (Willkür) por princípios. Aqueles são impetuosos e impremeditados; estas, duradoras e refletidas‖ (Crítica da Faculdade do Juízo. B 121, nota 128). O exemplo fornecido por Kant nesta nota é o da indignação (Unwille) que, sendo um afeto, é cólera (Zorn) e, sendo paixão, é ódio (Hass), sede de vingança. Na Tugendlehre Kant também apresenta esta distinção. O exemplo é o mesmo. A cólera ou ira, como sentimento repentino e brusco, é uma propensão a um afeto. O ódio - inclinação permanente - é uma paixão. A diferença está nas definições. Os afectos ―pertencem ao sentimento, na medida em que este, precedendo à reflexão (Überlegung), a impossibilita ou a dificulta‖ (Ak 407). A paixão ―é o apetite sensível convertido em inclinação permanente‖ (Ak 408). Assim, temos ao lado da já conhecida vítima da paixão ( o arbítrio), a vítima do afeto (a reflexão, ou raciocínio). A questão que se coloca, num caso extremo, é até que ponto pode arbítrio se determinar livremente considerando-se a impossibilidade da reflexão? Por certo, isso dificulta somente o que é uma tese mais moderada de Kant. 2 Referência no mesmo sentido à Crítica da Faculdade do Juízo é feita por Henry Allison, Kant‟s

Theory of Freedom, 260, n.12. 3 Cf. nota 35.

4 Também nas Lecciones de Ética (De Imputatione): "Podemos atribuir algo a uma pessoa sem

chegar a imputar-lhe; por exemplo, podemos atribuir suas ações a um louco ou a um ébrio, mas não imputar-lhes. Na imputação, a ação tem de ter sua origem na liberdade. Certamente, não se podem imputar suas ações ao ébrio, senão à própria embriaguez" (p.97; veja também p. 101). A referência ao ébrio lembra Aristóteles: "O homem embriagado ou enfurecido age na ignorância, mas não por ignorância, sendo portanto responsável" (Ética a Nicômaco, III, 1, 1110 b25ss.). Aristóteles também afirma que "sucede até que um homem seja punido pela sua própria ignorância quando o julgam responsável por ela, como no caso das penas dobradas para os ébrios; pois o princípio motor está no próprio indivíduo, visto que ele tinha o poder de não se embriagar, e o fato de se haver embriagado foi causa de sua ignorância" (EN, III, 5, 1113 b30ss).

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Assim sendo, pode-se retornar com outros olhos à afirmação de Kant segundo a

qual a ação do homem "de modo algum pode ser computada na receptividade da

sensibilidade" (CRP B 575). Ao que parece, certas ações podem ser computadas na

receptividade da sensibilidade, demarcando-se assim alguma fronteira entre o

imputável e o não imputável, entre as ações livres e as não livres.

Bibliografia

1. ALLISON, Henry E. ―Entre la cosmología y la autonomía: La teoría kantiana de la libertad en la Crítica de la razón pura‖. In: El idealismo transcendental de Kant: una interpretación y defensa. Tradução de Dulce Granja Castro. Barcelona, Anthropos; México, Universidad Autónoma Metropolitana. Iztapalpa, 1992.

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11. KANT, Immanuel. Lecciones de Ética. Tradução de Roberto Rodriguez Aramayo e Concha Roldan Panadero. Barcelona. Crítica, 1988.

12. KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. São Paulo, Abril Cultural, 1980.

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14. KANT, Immanuel. Kritik der praktischen Vernunft. Werkausgabe VII. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.

15. KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Tradução de Valério Rohden e Antonio Marques. Rio de Janeiro, Forense, 1993.

16. KANT, Immanuel. Kritik der Urteilskraft. Werkausgabe X. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.

17. KANT, Immanuel. A Religião nos limites da simples razão. Tradução de Artur Morão. Lisboa, Ed. 70, 1992.

18. KANT, Immanuel. Die Religion innerhalb der Grenzen der blossen Vernunft. Werkausgabe VIII. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.

19. KANT, Immanuel. La Metafísica de las Costumbres. Tradução de Adela Cortina Orts e Jesus Conill Sancho. Madrid, Tecnos, 1994.

20. KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten. Werkausgabe VIII. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.

21. KANT, Immanuel. Anthropologie du point de vue pragmatique. Tradução de Michel Foucault, Paris, J. Vrin, 1964.

22. SCHOPENHAUER, Artur. O mundo como vontade e representação. Tradução de M. Filosofia Sá Correia. Porto: Rés, s/d.

23. SCHOPENHAUER, Artur. Sobre o fundamento da moral. Tradução de Maria Lúcia Cacciola. São Paulo, Marins Fontes, 1995.

24. SCHOPENHAUER, Artur. Essai sur le libre arbitre. 13a. ed. Tradução de Salomon Reinhach. Paris: Fálix Alcan, 1925.

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SOBRE O ESPECULATIVO EM KANT, OU DO RECONHECIMENTO DE UMA REGIÃO INTERMEDIÁRIA ENTRE O EMPÍRICO E O TRANSCENDENTAL

Manuel Moreira da Silva

DEFIL – UNICENTRO/PR

1. Considerações preliminares

O presente trabalho visa explicitar em que sentido Hegel retoma e desenvolve o que

para ele consiste no ponto o mais interessante do Sistema kantiano1 e em que

medida o fundador do Idealismo especulativo se apresenta como um legítimo

intérprete deste; vale dizer, como o herdeiro que leva a termo o projeto de seu

antecessor, não só pacificando províncias reciprocamente hostis, mas também

assumindo e mantendo de cada uma e para cada uma seus limites e seu alcance,

i.é, sua jurisdição, no contexto de uma nova ordem do Saber. Essa cuja

consolidação, em 1812, quando o tempo de sua fermentação parecia haver se

dissipado, ainda não se mostrava aos olhos de Hegel plenamente consumada;

sendo esta, portanto, a pretensão do filósofo: transformar em ciência o princípio

desta nova ordem do Saber, o qual embora já adquirido e afirmado desde

aproximadamente 1787, permanecia até então em sua intensidade não-

desenvolvida2 – e isso justamente pelo fato da completa mudança que o modo de

pensar filosófico sofrera neste período de tempo não ter tido ainda influxo sobre a

configuração da Lógica.3 Neste caso, de modo mais rigoroso, da Lógica entendida

1 Ver, G. W. F. HEGEL, Glauben und Wissen (1802), in: G. W. F. HEGEL, Jenaer Schriften (1801-

1807). Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu edierte Ausgabe. Redaktion Eva Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970 [TWA 2], p. 322 (= GW, TWA 2, p. 322). 2 Ver, G. W. F. HEGEL, Wissenschaft der Logik, I. Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu

edierte Ausgabe. Redaktion Eva Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970 [TWA 5], p. 16 (= WdL I, TWA 5, p. 16). Quando for o caso, seguiremos este mesmo procedimento também para a Wissenschaft der Logik, II [TWA 6]. 3 WdL I, TWA 5, p. 13.

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como a verdadeira Metafísica ou a Filosofia especulativa pura;1 para o que se

deveria levar em conta a sistematização expandida do princípio anterior, tarefa essa

em relação à qual, nas palavras de Hegel, o princípio presente – quando ainda em

fermentação – costuma comportar-se com fanática hostilidade.2

Trata-se, pois, em certo sentido, de um balanço histórico-crítico e de uma

reconsideração sistemático-especulativa das linhas de força que, ao mesmo tempo,

entre a segunda edição da Kritik der reinen Vernunft (1787) e a primeira edição da

Wissenschaft der Logik (1812), mas que já se apresentam de modo programático

em 1802, mais precisamente em Glauben und Wissen, unem e separam o Idealismo

crítico e o Idealismo absoluto. Linhas de força essas que, nos limites da filosofia

kantiana interpretada de modo não meramente exotérico, emergem de pontos

nodais perfeitamente determinados, os quais se mostram passíveis de constatação

e verificação segundo o espírito e a letra do Idealismo crítico ele mesmo em seu

desenvolvimento imanente – portanto, sem fazer-lhe violência, mas nele discernindo

as linhas de força que, rigorosamente determinadas, o conduzem para a

suprassunção daquilo que nele se opõe. Neste sentido, por ‗interpretação não

meramente exotérica‘ entende-se aqui aquela que não se fixa no aspecto popular da

doutrina kantiana, este segundo o qual o Entendimento não pode pura e

simplesmente ir além da experiência sensível,3 mas busca compreender em que

sentido, por exemplo, a exigência de uma mediação entre Natureza e Liberdade no

Idealismo crítico, não pode dispensar o Entendimento, tendo antes que já nele

pressupor um caráter ativo e, por isso, apreender a espontaneidade do mesmo nos

quadros de um Entendimento intuitivo que, independente do fato de nós mesmos

(enquanto simples representação) não possuí-lo, se impõe como princípio de nossas

representações, juízos e de nós mesmos (ou do Eu como simples representação),

1 WdL I, TWA 5, p. 16.

2 WdL I, TWA 5, p. 15.

3 Esse o de boa parte dos kantianos, anti-kantianos e pós-kantianos imediatos, uma lista

razoavelmente longa de filósofos mais ou menos influentes cujos nomes mais proeminentes neste período seriam Reinhold, Jacobi, Bardili, Fries, Herbart, etc., aos quais Hegel alude em WdL, I, TWA 5, p. 13ss, p. 45ss.

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assim como produz o múltiplo da sensibilidade, na medida em que se produz a si

mesmo sob a forma de Autoconsciência.1 O que, enfim, se deixa pelo menos

entrever em algumas das mais importantes obras de Kant, das quais, de modo mais

privilegiado, em Glauben und Wissen, Hegel irá tomar em questão apenas a Kritik

der reinen Vernunft e a Kritik der Urteilskraft; razão pela qual, no presente trabalho,

discutir-se apenas o que se impõe a partir da consideração hegeliana delineada na

obra juvenil de 1802, acima referida.

Assim, nossa discussão versará sobre o problema a um tempo ontológico e

epistemológico da relação do Transcendental e do Empírico em Kant e sua

resolução hegeliana mediante a instauração do Especulativo, este reconhecido

como aquela região intermediária entre o Empírico e o Transcendental de certo

modo antevista por Kant.2 Desse modo, procuraremos mostrar o que há de

especifico na exposição kantiana e na exposição hegeliana dessa região – a

primeira constituindo-se como transcendental e a segunda como especulativa, essas

cujas diferenças tornar-se-ão cada vez mais claras em função do desenvolvimento

de seus respectivos pontos de vista acerca de tal região ou do Especulativo

propriamente dito. Em vista disso, ao contrário da interpretação tradicional, tanto das

instâncias kantianas, quanto das hegelianas, a tematização aqui levada a cabo parte

da constatação que o Transcendental e o Especulativo: (1) embora inicialmente se

identifiquem, não constituem uma e a mesma coisa, não podendo, pois, o

Especulativo constituir-se como uma espécie de radicalização ou de dialetização do

1 Sobre este ponto já então desenvolvido na obra madura de Hegel, veja-se: G. W. F. HEGEL,

Encyklopädie der philosophischen Wissenschaften im Grundrisse. Erster Teil. Die Wissenschaft der Logik. Mit den mündlichen Zusätzen. Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu edierte Ausgabe. Redaktion Eva Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970 [TWA 8], p. 71ss. Versão brasileira: Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio (1830). I. A Ciência da Lógica. Trad. Paulo Meneses e Pe. José Machado, São Paulo: Loyola, 1995, p. 69ss. Texto citado, de ora avante e sempre que possível, pela inicial ‗E‘, seguida de ‗1830‘, para o ano de sua publicação, ‗I‘ para a indicação do presente volume, ‗§‘ para os parágrafos correspondentes e, quando for o caso, de ‗A.‘, para as Anotações de Hegel, e de ‗Ad.‘, para os Adendos orais recolhidos por seus discípulos; no caso: E., 1830, I, § 20ss. Veja-se também: WdL, I, TWA 5, p. 43ss; WdL, II, TWA 6, p. 253. 2 GW, TWA 2, p. 322.

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Transcendental;1 (2) da mesma forma, ainda que possam ao fim e ao cabo

distinguir-se profunda e radicalmente, isso não implica uma oposição intransponível

entre ambos, sem que haja passagem de um ao outro.2 O ponto aqui em jogo

decide-se em três momentos chave, delineados justamente em Glauben und

Wissen, os quais demonstram não só a consistência de uma interpretação não

tradicional de Kant e de Hegel, mas também a da que Hegel assume enquanto

ponto de partida de sua retomada e desenvolvimento da região entre o

Transcendental e o Empírico, a qual, em Kant, se apresenta de modo pura e

simplesmente inconsciente. Em suma: (a) aquilo que tornam possíveis os juízos

sintéticos a priori, (b) o termo-médio entre o conceito de natureza e o de liberdade e

(c) a conformação deste termo-médio como o Especulativo propriamente dito.

A seguir, discutiremos cada um desses momentos em seu aspecto histórico-crítico e

em seu caráter sistemático-especulativo. Primeiro, o tratamento hegeliano da

pergunta ―como são possíveis os juízos sintéticos a priori?‖, buscando explicitar o

que Hegel entende como o lado do Eu absoluto enquanto Identidade sintética

originária e o lado do juízo como sua separação e seu aparecer.3 Logo após,

algumas observações de Hegel relativas à concepção kantiana do termo-médio

entre o conceito de natureza e o de liberdade e à determinação do mesmo enquanto

Entendimento intuitivo, esse que conformaria em seu automovimento o próprio

momento especulativo tal como Hegel o compreende.4 A título de conclusão, em que

medida os resultados então alcançados por Hegel representariam um mero desvio

ou uma simples rejeição da perspectiva kantiana ou, antes, a sua consumação.

1 Sobre este ponto, veja-se, por exemplo, J.-M. LARDIC, Hegel classique, ou spéculation et

dialectique du transcendantal. In: J.-Ch. GODDARD (Ed.). Le transcendantal et le spéculatif dans l‟idéalisme allemand. Paris: Vrin, 1999, p. 115-116ss, p. 135. 2 Veja-se, igualmente, J.-M. LARDIC, Hegel classique..., in: op. cit., p. 123ss, p. 135.

3 GW, TWA 2, p. 304-309.

4 GW, TWA 2, p. 322-330.

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2. Do Eu absoluto enquanto Identidade sintética originária e do juízo como sua separação e seu aparecer

Em sua Introdução a Glauben und Wissen,1 Hegel apresenta o problema imposto

pelo fato de a essência da filosofia kantiana consistir em um idealismo crítico, i.é,

permanecer pura e simplesmente na oposição e, a um tempo, fazer da identidade

dos opostos (nela presentes) o fim absoluto da filosofia.2 Assim, de um lado, a

filosofia kantiana teria o mérito de ser idealismo, na medida em que demonstra que

nem o conceito apenas por si, nem a intuição somente por si são algo,

reconhecendo pois que a intuição por si é cega e o conceito por si é vazio; de outro,

contudo, ela teria o demérito de não sê-lo, pois, para ela, o conhecimento finito se

apresenta como o único possível.3 Já em sua Conclusão,4 o autor de Glauben und

Wissen atém-se às conseqüências de tal procedimento, apresentando por um lado o

aspecto especulativo da fé prática afirmada pelo Criticismo, i.é, a Ideia de que,

simultaneamente, a Razão teria realidade absoluta e, nesta Ideia, os contrários da

liberdade e da necessidade seriam suprassumidos, assim como, da mesma forma,

que o pensar infinito é ao mesmo tempo realidade absoluta ou a identidade absoluta

do pensar e do ser; algo que, por outro lado, ao ser vertido na forma humana, exige

por seu turno que a Razão não possa atingir nada de mais elevado que esta fé

prática, a qual, ao fim e ao cabo, implica em nosso ser-submergido absoluto na

empiria, abandonando a esta tanto a finitude de seu pensamento e de sua ação

quanto a de seu deleite.5 Enfim, na parte principal de Glauben und Wissen, Hegel

deixa de lado, ao que parece de modo proposital, a Kritik der praktischen Vernunft,

concentrando-se na Kritik der reinen Vernunft e na Kritik der Urteilskraft, essa na

1 GW, TWA 2, p. 301-304.

2 GW, TWA 2, p. 302.

3 GW, TWA 2, p. 303.

4 GW, TWA 2, p. 330-333.

5 GW, TWA 2, p. 330-331.

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qual se encontraria o ponto o mais interessante do Sistema kantiano, a saber, o

termo-médio entre o conceito de natureza e o de liberdade.1

No que tange à Kritik der reinen Vernunft, Hegel inicia seu comentário passando em

revista o estabelecimento kantiano da possibilidade dos juízos sintéticos a priori,

quando então assume e mantém a tese segundo a qual ―pelo Eu vazio, enquanto

simples representação, [não] é dado nada de múltiplo‖2, bem como a de que ―a

verdadeira unidade sintética ou identidade racional é apenas aquela que é a

referência do múltiplo à identidade vazia, o Eu a partir do qual, como síntese

originária, primeiramente se separam o Eu enquanto sujeito pensante e o múltiplo

enquanto corpo e mundo‖.3 Na primeira tese, com a diferença do acréscimo do

termo ‗vazio‘ para qualificar ―o Eu enquanto simples representação‖, Hegel cita

expressamente a Kritik der reinen Vernunft, B 135; passagem em que, nos quadros

do § 16 da segunda edição (1787),4 Kant pretende dar conta não só da possibilidade

dos juízos sintéticos a priori, mas também justificar o ato da espontaneidade do

Entendimento ou antes do próprio sujeito, a qual, como representação que tem de

ser dada antes de qualquer pensamento determinado, tem de ser uma intuição –

essa, porém, de um lado não pode ser considerada como pertencente à

sensibilidade mas sim ao próprio Entendimento e, de outro, não pode ser tomada

como uma operação ou uma capacidade do Entendimento humano enquanto tal,

pois este só pode pensar e, por isso, necessita procurar a intuição nos sentidos, nos

quais esta ocorre sem aquela espontaneidade.5 Na segunda tese, que se apresenta

mais como uma interpretação do que como uma citação de Kant por Hegel, estaria

em jogo o modo como a ―referência do múltiplo à identidade vazia‖ ou a síntese

originária da qual ―primeiramente se separam o Eu enquanto sujeito pensante e o

1 GW, TWA 2, p. 322ss.

2 GW, TWA 2, p. 306. Confronte-se: I. KANT, Kritik der reinen Vernunft (1787). Stuttgart: Reclam,

1980, p. 178 (= KrV, B 135). Quando das citações desta obra utilizaremos a edição portuguesa da mesma: I. KANT, Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuel Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão, introdução e notas de Alexandre Fradique Morujão. – 5. Ed. –, Lisboa: FCG, 2001. 3 GW, TWA 2, p. 306-307.

4 KrV, B 131-136.

5 KrV, B 135, B 68.

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múltiplo enquanto corpo e mundo‖;1 o que, nas palavras do filósofo de Königsberg,

não significa senão ―que tenho consciência de uma síntese necessária a priori

dessas representações, a que se chama unidade sintética originária da apercepção,

à qual se encontram submetidas todas as representações que me são dadas, mas à

qual também deverão ser reduzidas mediante uma síntese‖.2 Essas teses exprimem

a emergência do Transcendental e do Especulativo em relação ao Empírico, assim

como a das respectivas regiões destes então designadas pela separação (1) da

―verdadeira unidade sintética‖ ou do Eu como síntese originária, (2) dessa mesma

unidade sintética enquanto ―referência do múltiplo à identidade vazia‖ ou das

determinações categoriais e do juízo como aparência3 do princípio supremo e (3) do

―Eu enquanto sujeito pensante e o múltiplo enquanto corpo e mundo‖.4 Emergência

essa na qual as regiões do Transcendental e do Especulativo se distinguem,

precisamente, pela opção do primeiro em ocupar-se das determinações categoriais

e do juízo como aparência do princípio supremo e pela opção do segundo em tomar

por objeto a própria Identidade absoluta, como o princípio supremo, em seu

desenvolvimento imanente.

Neste sentido, para o filósofo de Iena, tem-se já aqui a distinção entre a abstração

do Eu ou a Identidade intelectiva e o Eu verdadeiro, enquanto princípio, como

Identidade sintética originária, absoluta; distinção essa com a qual, segundo Hegel,

Kant resolve o problema de como são possíveis os juízos sintéticos a priori; vale

dizer, nos quadros da interpretação hegeliana, ―eles são possíveis pela Identidade

absoluta originária do heterogêneo, da qual, como do Incondicionado, primeiramente

[esta identidade] ela mesma se separa, quando sujeito e predicado, particular e

1 GW, TWA 2, p. 306-307.

2 KrV, B 136-137.

3 O termo ‗aparência‘ traduz aqui ‗Erscheinung‘. Porém, a Erscheinung em questão, para Hegel (GW,

TWA 2, p. 307-314), não é a mera aparência ou o chamado aparecer sensível (o fenômeno em sentido vulgar) da Essência, mas o próprio conhecer enquanto o mostrar-se em si mesmo do Absoluto ou do Incondicionado (GW, TWA 2, p. 311-312); vale dizer: o conhecer concebido como o aparecer daquilo que não aparece. Esse um dos temas os mais caros à tradição neoplatônica, então em franca retomada nos fins do século XVIII e inícios do século XIX na Alemanha. Confronte-se com: KrV B 349-351, A 293-294. 4 GW, TWA 2, p. 306-307ss.

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universal, aparecem separados na forma de um juízo‖.1 Assim, não obstante o valor

especulativo desta solução, o racional ou o que há de a priori no juízo sintético a

priori, a Identidade absoluta como conceito médio [Mittelbegriff], não se apresenta no

juízo propriamente dito, mas apenas na conclusão [im Schluss];2 situação que talvez

se explique pelo fato de, segundo Kant, embora em todo silogismo [Schlusse], haja

uma proposição que serve de princípio (a premissa maior) e outra que dela é

extraída, a saber: a conclusão [Folgerung], e, por fim, a dedução [Schlussfolge]

(consequência), pela qual a verdade da última está indissoluvelmente ligada à

verdade da primeira:3 quando ―o juízo inferido encontra-se já no primeiro de modo a

poder ser deduzido dele sem mediação de uma terceira representação‖, o silogismo

é designado imediato ou do Entendimento; quando, entretanto, além do primeiro é

necessário outro juízo para produzir a conclusão [die Folge], o silogismo é o da

Razão [Vernunftschlusse]. Esse o silogismo no qual, nos termos de Kant: ―penso em

primeiro lugar uma regra (maior) pelo Entendimento; em segundo lugar, subsumo

um conhecimento sob a condição da regra (minor) mediante a Faculdade do juízo

[Urteilskraft]; finalmente, determino o meu conhecimento pelo predicado da regra

(conclusio), por conseguinte a priori pela Razão‖ – o que implica, ao fim e ao cabo,

em ser pela conclusão que a Razão procura alcançar a unidade suprema dos

conhecimentos do Entendimento.4 Por isso, de acordo com Hegel, no juízo (segundo

a concepção kantiana), a identidade absoluta (ou a unidade suprema) consiste

apenas na cópula ‗é‘, restringindo-se, pois, a algo inconsciente, sendo o juízo tão só

1 GW, TWA 2, p. 307.

2 Sigo aqui as versões de Glauben und Wissen de Alexis Philonenko e Claude Lecouteux (Foi et

Savoir, Paris: Vrin, 1988) e de Oliver Tolle (Fé e Saber, São Paulo: Hedra, 2007), as quais vertem ‗Schluss‘ por ‗conclusão‘; o que parece justificar-se em parte pelo contexto da discussão hegeliana, bem como, em parte, pela concepção kantiana do Schluss e pela própria tese de Hegel do Silogismo como princípio do idealismo, essa apresentada em 1801 como a segunda de suas Teses de Habilitação (G W, TWA 2, p. 533), em vista da qual se exigirá cada vez mais que o princípio absoluto se apresente no Juízo ele mesmo (ver, por exemplo, E., 1830, I, § 165ss). Para o caso presente, veja-se: GW, TWA 2, p. 307, p. 313; KrV B 359-361, A 303-305. 3 KrV B 359-360, A 303.

4 KrV B 360-361; A 304-305.

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―o fenômeno predominante da diferença‖1 – este o motivo pelo qual, ao que tudo

indica, Kant afirmar que o ―princípio da unidade necessária da apercepção é, na

verdade, em si mesmo, idêntico, portanto uma proposição analítica, mas declara

como necessária uma síntese do diverso dado na intuição, síntese sem a qual essa

identidade completa da Autoconsciência não pode ser pensada‖.2 Disso resulta que

tal síntese seja necessária apenas a título de hipótese; pois, já que o diverso não

pode ser dado pelo ―Eu enquanto simples representação‖, mas tem de ser dado pela

Autoconsciência, essa, ao dá-lo ao Entendimento, faz deste um Entendimento

intuitivo, algo que o ―Eu enquanto simples representação‖ não possuí, este necessita

então procurar a intuição (na qual o diverso é dado) tão só nos sentidos, para enfim

subsumi-las aos conceitos na Imaginação transcendental.3

No dizer de Hegel, aquele algo inconsciente que na cópula então se exprime não é

senão o não-ser-conhecido do racional, vindo, portanto, à luz e sendo na

consciência apenas o seu produto enquanto membro da oposição de sujeito e

predicado, os únicos que, como tais, para Kant, se apresentariam na forma do juízo,

mas não seu ser-um enquanto objeto do Pensar; por isso, a identidade racional da

identidade enquanto identidade do universal e do particular é o inconsciente no juízo

e o juízo mesmo apenas a sua aparência.4 Desse modo, o juízo, ou a aparência

daquela identidade racional, não apresenta unicamente um lado subjetivo – que se

impõe como o do Eu subjetivo ou particular e que, como tal, se mostra na exposição

levada a cabo na Kritik der reinen Vernunft,5 resultando, em última instância, nas

chamadas antinomias da Razão, sobretudo a dos conceitos da natureza e da

liberdade, e na concepção das Ideias, em especial as cosmológicas, enquanto

meramente regulativas6 –, mas apresenta, especialmente, um lado objetivo, este o

1 GW, TWA 2, p. 307.

2 KrV B 135.

3 KrV B 33ss, 176-187; A 137-147. Confronte-se: GW, TWA 2, p. 309-314.

4 GW, TWA 2, p. 307.

5 KrV B 169ss, A 130ss; B 187ss, A 148ss.

6 Devido às dimensões e aos propósitos deste trabalho e embora a exposição hegeliana das

antinomias e das Ideias da Razão (GW, TWA 2, p. 316-322) seja fundamental para uma

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lado do Eu objetivo ou universal, mais precisamente, o da experiência propriamente

dita e não apenas o de sua possibilidade; lado esse que, por seu turno, constitui o

Sistema dos princípios da Faculdade do Juízo e que, neste sentido, se mostra

exposto na Kritik der Urteilskraft.1 É justamente aqui, enfim, que o conceito médio

delineado, i.é, a Identidade absoluta originária do heterogêneo, se apresenta de

modo mais explícito; ainda que, no dizer de Hegel, como sempre é o caso em Kant,

reconhecido não como uma região para o conhecimento, mas apenas como o lado

de sua aparência, não o de seu fundamento, a Razão.2

3. A concepção kantiana do termo-médio entre o conceito de natureza e o de liberdade, a determinação do mesmo enquanto Entendimento intuitivo e

sua configuração propriamente especulativa

Enquanto em sua exposição da pergunta ―como são possíveis os juízos sintéticos a

priori?‖ Hegel faz apenas uma citação expressa da Kritik der reinen Vernunft, na

exposição do que, segundo ele, para Kant, constituiria o termo-médio entre a

multiplicidade empírica e a unidade abstrata absoluta, nosso filósofo se utiliza de

pelo menos 6 (seis) passagens chave da Kritik der Urteilskraft; mais precisamente,

compreensão adequada do problema do termo-médio entre os conceitos da natureza e da liberdade, não a discutiremos aqui. Além disso, como essa parte do comentário de Hegel a Kant guarda certa dificuldade adicional, passada despercebida por muitos de seus críticos, a qual, por um lado, se configura como a não consideração da Kritik der praktischen Vernunft, à qual a discussão das antinomias e das Ideias da Razão deveriam necessariamente levar, e, por outro lado, se apresenta sob a forma como se articulam os diversos temas e problemas concernentes à filosofia kantiana nos quadros da exposição de Hegel, a tematização de tal comentário, aqui, ultrapassaria em muito os limites da questão principal da qual ora nos ocupamos. Em todo caso, sobre este ponto, confronte-se: KrV B 368ss, A 312; B 472ss, A 444; B 536ss, A 508ss; B 560ss, A 532; B 670, A 642; GW, TWA 2, p. 316ss, p. 320ss. 1 GW, TWA 2, p. 311ss. Confronte-se: I. KANT, Kritik der Urteilskraft. In: I. KANT, Werke in sechs

Bänders, V. Kritik der Urteilskraft und Schriften zur Naturphilosophie. Herausgegeben von Wilhelm Weischedel. Wissenschaftliche Buchgesellschaft Darmstadt, 1975, p. 248ss; versão luso-brasileira: I. KANT. Crítica da Faculdade do Juízo. Tradução de Valerio Rohden e António Marques. – 2. Ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 20ss. (= KU B XXIss, A XXIss). Para uma discussão mais recente do conceito de experiência (propriamente dita) na Kritik der Urteilskraft, segundo o espírito e a letra de Kant ele mesmo, veja-se: A. MARQUES, Organismo e sistema em Kant, Lisboa: Presença, 1987, p. 143-200. 2 GW, TWA 2, p. 322ss.

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de sua segunda edição (1793).1 As três primeiras referem-se ao juízo reflexionante,

Hegel as discute negativamente, mostrando que nelas, malgrado Kant, exprimem-se

justamente o domínio da Razão, a determinação da Ideia do supra-sensível como

identidade da natureza e da liberdade e, por conseguinte, a exposição da Ideia da

Razão, i.é, sua demonstração; a quarta passagem, relativamente longa, refere-se ao

chamado Entendimento intuitivo, o qual, por um caminho distinto do de Fichte e do

de Schelling, Hegel irá explicitar como não sendo outra coisa que a Ideia da

Imaginação transcendental, já discutida por ele anteriormente.2 Enfim, nas últimas

duas passagens, sendo a quinta de razoável extensão, Hegel discute o que se

poderia denominar o momento especulativo em Kant, no qual estará em questão a

unidade do conceito e da intuição, da possibilidade e da realidade.

As três primeiras passagens, por sua brevidade, devem ser tratadas em conjunto.

Ainda que nelas Kant não tenha em vista os mesmos objetivos de Hegel, este

mostra justamente o ponto em que, malgrado Kant, o que por ele é enunciado

negativamente não só ultrapassa os limites do que então é dito, mas põe

precisamente aquilo que no enunciado fora negado. É o que ocorre, por exemplo, na

discussão sobre a forma ideal da beleza, quando, citando Kant, a ―Ideia de uma

‗imaginação que se dá suas próprias leis, de uma legalidade sem lei e de uma livre

harmonia da imaginação e do entendimento‘‖,3 bem como quando se refere à

explicação kantiana em torno da Ideia estética, ―querendo que ‗ela seja a

representação da imaginação que dá muito a pensar sem que nenhum conceito

possa lhe ser adequado e que ela não possa, portanto, tornar-se inteligível nem

totalmente atingida pela linguagem‘‖,4 Hegel irá dizer que, por sua ressonância

soberanamente empírica, nada deixaria pressentir que já nos encontraríamos aí no

domínio da Razão.5 De um lado, isso se explica pelo fato de ambas as passagens

1 A saber: KU B 69, B 192-193, B 240, B 339-354, B 324-327, B 367.

2 GW, TWA 2, p. 309-312.

3 GW, TWA 2, p. 322; KU B 69.

4 GW, TWA 2, p. 322-323; KU B 192-193.

5 GW, TWA 2, p. 323.

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ocuparem-se, respectivamente, da Ideia do Belo como aquilo que é conhecido sem

conceito, fundando-se, pois, na forma da livre conformidade a fins,1 e da Ideia

mesma do espírito, em sentido estético, como ―o princípio vivificante no ânimo‖ e a

faculdade da apresentação das Ideias estéticas, sendo justamente essas Ideias

estéticas o que ―põe em movimento as forças do ânimo, i.é, em um jogo tal que se

mantém por si mesmo e ainda fortalece as forças para ele‖,2 fazendo com que, ao

fim e ao cabo, as Ideias estéticas (às quais, como representações da imaginação,

nenhum conceito é adequado) se distingam das Ideias da Razão, i.é, dos conceitos

aos quais ―nenhuma intuição (representação da faculdade da imaginação) pode ser

adequada‖.3 O que, de outro lado, pressupõe e mesmo implica que, para Kant, a

Razão não seja senão ―a Ideia indeterminada do supra-sensível em nós que não

pode ser tornada mais compreensível‖.4

Neste caso, com o qual entramos na terceira passagem citada e discutida por Hegel,

a saber: que a Ideia estética seja ―uma intuição da imaginação, para a qual não

podemos jamais encontrar um conceito que lhe seja adequado‖, pois ―uma Ideia

racional não pode tornar-se um conhecimento porque ela contém um conceito do

supra-sensível ao qual não podemos jamais dar uma intuição que lhe seja conforme

– aquela a representação inexponible da imaginação, este o indemonstrable

conceito da Razão‖.5 Quanto a este ponto, ainda que a expensas de Kant, Hegel

parece tirar as consequências as mais interessantes e, não obstante, as que Kant,

pelos limites aos quais havia se imposto, de modo algum poderia tirar; a saber: que

a Ideia estética já tem sua exposição na Ideia mesma da Razão e esta sua intuição

na Ideia da beleza, o que, no dizer de Hegel, não seria mais que aquilo que o próprio

Kant chama demonstração, a exposição do conceito na intuição – com o que, ao fim

e ao cabo, na beleza como Ideia experimentada ou intuída, a forma da oposição

1 KU B 68-69.

2 KU B 192.

3 KU B 192-193.

4 GW, TWA 2, p. 323.

5 GW, TWA 2, p. 323; KU B 240,

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entre a intuição e o conceito se esvanece.1 Não obstante extrapolarem os limites

aceitos pelo kantismo, essas consequências são pelo menos em parte reconhecidas

pelo próprio Kant; o qual, no dizer de Hegel, reconhece a desaparição da oposição

enquanto momento negativo no conceito de um supra-sensível em geral – este que

não se apresenta senão enquanto a beleza é intuída positivamente ou, segundo as

palavras de Kant, seja dada pela experiência (aqui, mais precisamente, a

experiência estética), sendo esta justamente a exposição do princípio da beleza

como identidade dos conceitos da natureza e da liberdade, isto é, o supra-sensível

enquanto substrato inteligível da natureza fora de nós e em nós, a coisa em si, como

a define o próprio Kant.2 O que se constitui precisamente como o termo-médio entre

o conceito da natureza e o da liberdade, entre a multiplicidade objetiva determinada

pelos conceitos e a pura abstração do Entendimento, ou a região da identidade do

que é sujeito e predicado no juízo absoluto acima do qual a filosofia teórica não é

mais elevada que a filosofia prática.3

Esta identidade, que segundo Hegel é a verdadeira e única Razão, apresenta-se a

Kant não como uma identidade para a própria Razão, mas tão somente para a

Faculdade do Juízo reflexionante; por isso, na medida em que Kant reflete sobre a

Razão em sua realidade, de um lado, como intuição consciente (sobre a beleza, que

se mostra como o lado subjetivo da mesma) e, de outro, como intuição inconsciente

(sobre a organização, o lado objetivo), a Ideia da Razão é aí expressa de um modo

mais ou menos formal. Não obstante, em se reconhecendo que o supra-sensível em

geral seja o princípio da beleza como identidade dos conceitos da natureza e da

liberdade e que sua exposição (no sentido acima aludido) ocorra na Ideia da Razão

e, desse modo, constitua-se como uma intuição da Razão mesma; há que se

reconhecer também que, precisamente aqui, adentramos à esfera de um

Entendimento intuitivo – que embora não seja o nosso, dado que não o possuímos,

1 GW, TWA 2, p. 323.

2 GW, TWA 2, p. 323-324.

3 GW, TWA 2, p. 323.

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pode ser tematizado e alcançado (como reconheceria o próprio Kant)1 na medida em

que sejamos capazes de ir além do nosso mero entendimento, dissolvendo a

oposição entre intuição e conceito ou entre realidade e possibilidade. Na esfera do

Entendimento intuitivo, que é tematizada por Hegel a partir de sua apresentação

como o lado objetivo da Razão em sua realidade, esse que porta sobre a intuição

inconsciente da realidade da Razão, possibilidade e realidade são um; aí, nas

palavras de Hegel, citando Kant, ―os conceitos (que indicam simplesmente a

possibilidade de um objeto) e as intuições sensíveis (pelas quais alguma coisa nos é

dada, sem por isto permitir que a conheçamos como objeto) desaparecem

igualmente‖2 – com isso, para o filósofo de Iena, Kant não só reconhece a Ideia de

um Entendimento intuitivo, mas reconhece também que somos necessariamente

possuídos por ela – sendo esta Ideia, em última instância, nada mais que a Ideia da

imaginação transcendental.3 Assim, deve-se ainda necessariamente reconhecer que

a imaginação transcendental não é senão ela mesma um Entendimento intuitivo,

ainda que um entendimento intuitivo captado tão só ao nível de sua aparência (ou

melhor, para nós), permanecendo para si mesmo inconsciente.

Esse o cerne da quarta passagem chave então citada por Hegel, a qual, na verdade,

não é senão um resumo dos parágrafos 76-77 da Kritik der Urteilskraft, os quais, por

seu turno, se constituem como o phulchrum dos parágrafos 72-80, que serão

considerados pelo autor de Glauben und Wissen nas duas últimas das seis citações

acima elencadas. Quer dizer, não obstante Hegel citar de modo mais explícito, mas

resumidamente, apenas as passagens de B 324 a B 327, sua discussão do que aí

está em jogo abarca necessariamente a totalidade dos parágrafos aqui aludidos;4

conformando, pois, a partir de uma consideração do problema do idealismo das

causas finais na natureza segundo a concepção de Espinosa e sua crítica por Kant,

o material indispensável da concepção hegeliana de uma Filosofia especulativa

1 KU B 340ss; 345ss.

2 Confronte-se: GW, TWA 2, p. 324; KU B 340.

3 Confronte-se: GW, TWA 2, p. 325; KU B 350-351.

4 GW, TWA 2, p. 327.

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pura, na qual, em se assumindo a Ideia de um Entendimento intuitivo se fazendo

presente ao espírito, bem como, ao mesmo tempo, as exigências que Kant dirige ao

espinosismo, a unidade do mecanismo da natureza, a relação de causalidade, e

tecnicismo teleológico não só seria possível, como o reconhece Kant, mas se

apresentaria como o próprio Organismo, enquanto Razão efetiva, o princípio

supremo da natureza e a identidade do universal e do particular, de modo

perfeitamente imanente.1 Eis aí, pois, o lugar exato em que Hegel pode então

afirmar a noção de um momento especulativo em Kant; o qual, embora reconhecido

apenas como possível pelo filósofo de Königsberg, tem que ser denominado como

em si e para si justamente pelo fato de nele: (1) a natureza não ser determinada por

uma Ideia que lhe seja oposta e (2) o que aparece, segundo o mecanismo como

absolutamente separado (de um lado como causa, de outro como efeito) em uma

conexão empírica da necessidade, ser absolutamente ligado em uma identidade

originária enquanto coisa primeira.2

Ao fim e ao cabo, pelo fato de Kant afirmar tal identidade apenas como possível, isto

é, em si, já que para nós ela permanece impossível,3 em sua última citação, Hegel

dirá que isso se mostra precisamente assim devido à decisão de Kant em favor da

fenomenalidade.4 Por conseguinte, mesmo em reconhecendo uma outra intuição

que a sensível e em definindo o substrato da natureza como inteligível, Kant irá

optar pela limitação à esfera da separação entre conceito e intuição e, por isso, ater-

se de modo absoluto a este conhecimento finito.5 Neste sentido, de um lado, a

Razão ela mesma será também considerada tão só enquanto é para nós, portanto,

como pura e simplesmente regulativa, e, de outro, ainda que o poder de conhecer

seja capaz de elevar-se à Ideia e ao racional, objetar-se-á que não se deve pura e

simplesmente conhecer segundo os mesmos, mas conhecer o Orgânico apenas

1 GW, TWA 2, p. 326-327.

2 GW, TWA 2, p. 326.

3 Confronte-se: Confronte-se: GW, TWA 2, p. 328; KU B 367.

4 GW, TWA 2, p. 326.

5 GW, TWA 2, p. 328.

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segundo o fenômeno e a si mesmo de modo finito.1 Não obstante, isso ocorre em

função da própria natureza da filosofia de Kant; o que o leva a deixar de lado a

necessidade de pensar a necessidade ela mesma, o racional ou a espontaneidade

intuinte – tarefa essa que, de certo modo, Hegel fará a sua.

4. Considerações finais

Embora a exposição levada a cabo em Glauben und Wissen, em torno da filosofia

de Kant, possa se apresentar suscetível das mais diversas objeções – seja no

tangente à consideração dos problemas aí em jogo, seja no que diz respeito ao

desenvolvimento ulterior da própria filosofia hegeliana –, o que importa nessa

exposição é justamente a constatação pioneira de Hegel em relação ao lugar e à

função do Entendimento intuitivo na filosofia transcendental. O reconhecimento disso

por parte de um crítico explícito da filosofia hegeliana, como é o caso de A.

Philonenko, que reconhece não só o acerto, a originalidade e a originariedade de

Hegel quanto a este ponto, mas também, e principalmente, a falta ou o despercebido

mesmo de Kant no concernente ao afloramento sem cessar do Especulativo ou do

Racional nos quadros da Imaginação transcendental,2 esse reconhecimento, por si

só, demonstra a não-violência e, portanto, justeza da interpretação hegeliana da

filosofia de Kant em 1802. Algo que, ao fim e ao cabo, permite a abertura de um

novo campo de investigação no interior do Idealismo crítico; por conseguinte,

também de um desenvolvimento de uma interpretação não exotérica da filosofia

kantiana.

Isso porque, como ainda nos lembra Philonenko ele mesmo,3 sobretudo no que

tange à natureza orgânica e à teoria do nexus finalis em Kant ou em seu

desenvolvimento imanente, Hegel não aprofunda suas investigações; essas que

também não parecem ter recebido uma atenção mais exclusiva por parte dos

1 GW, TWA 2, p. 328.

2 A. PHILONENKO, Introduction [a la Foi et Savoir]. In: G. W. HEGEL, Foi et Savoir, op. cit., p. 42ss.

3 A. PHILONENKO, Introduction [a la Foi et Savoir]. In: G. W. HEGEL, Foi et Savoir, op. cit., p. 45.

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kantianos de estrita observância. Da mesma forma, a tese do afloramento sem

cessar do Especulativo ou do Racional, seja nos limites do Juízo estético, seja nos

limites do Juízo teleológico, e o seu tratamento enquanto tal – no caso de Kant,

como o aparecer ou o fenômeno do Incondicionado – ainda permanece uma tarefa

em aberto nos quadros do pensamento kantiano, em especial no tangente à rigorosa

delimitação do Empírico, do Transcendental e do Especulativo (ainda que tão só em

sua aparência) no âmbito do Sistema crítico em geral e do chamado Sistema dos

princípios da Faculdade do Juízo em particular. Na medida em que tais estudos

puderem efetivamente realizar-se, seus resultados mostrarão que também aqueles

alcançados por Hegel não constituem um mero desvio nem uma simples rejeição da

perspectiva kantiana, mas antes, se mostra ou pode mostrar-se como a sua

consumação.

O que, enfim, não significa uma sorte qualquer de retorno às interpretações

tradicionais de Kant e o Idealismo alemão. Antes disso, poderá significar a exata

apreciação, não exotérica, dos temas e problemas concernentes ao Incondicionado

e que então se apresentam no limite entre o Moisés e, de certo modo, o Josué do

Idealismo alemão. De fato, entre aquele que aponta o caminho para a Terra

prometida e aquele que, em adentrando-a tanto quanto lhe é possível, torna efetiva

a partilha da herança divina.

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UMA LEITURA WITTGENSTEINIANA DA VONTADE POLÍTICA

Horacio Luján Martinez

Depto de Filosofia, UNIOESTE/Toledo

Lista de abreviações:

DC Da Certeza

GF Gramática Filosófica

IF Investigações Filosóficas

Z Zettel

(As abreviações serão acompanhadas do número do parágrafo segundo ordenação

do próprio Wittgenstein ou de seus herdeiros literários)

(....) Não se poderia pensar até que várias pessoas tenham tido um

propósito (Absicht) e o tenham realizado, sem que nenhuma delas o

tivesse? Deste modo, um governo pode ter um propósito que nenhum

homem tenha. (Z 48).

Esta epígrafe é um fragmento de uma série de anotações nas que Wittgenstein

revisa a noção de intencionalidade entendida classicamente (isto é, de modo

agostiniano) como uma exteriorização da vontade interior. A intenção, pensada

deste modo como pensamento que fica ontologicamente ligada ao efeito, ao

acontecimento resultante, é criticada por Wittgenstein quando é considerada como

um pensamento incompleto à espera da sua realidade. O filósofo da o seguinte

exemplo: um mecanismo que faz funcionar o freio de uma máquina às vezes

funciona, às vezes não. Imaginemos que, quando não funciona, o operário da

máquina fique bravo: qual julgaríamos ser a intenção do mecanismo? ―Às vezes

acionar o freio, às vezes a raiva do operário.‖ (GF VII, 95) Responder que um

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mecanismo não pode pensar e, portanto, não pode ter intenção é já um início.

Precisamente, a questão é que ―(...) a intenção está inserida na situação, nos

hábitos humanos e nas instituições. Se não existisse a técnica de jogar xadrez, eu

não poderia ter a intenção de jogar uma partida de xadrez.‖ (IF 337). Encontrar não

mostra o que estávamos procurando, nem a realização do desejo o que estávamos

desejando: ―(...) Os sintomas da expectativa não são a expressão dela.‖ (GF VII, 92)

A expectativa, a intenção e o desejo não são estados mentais persistentes e

incompletos que esperam sua concretização para ter realidade.

Se o jovem Wittgenstein seguiu Schopenhauer na ideia de eliminar o ―desejo‖, já que

este nos conduzia a contra-sensos lógicos e infelicidade na vida, isto se reverterá

nos escritos posteriores. O querer será também uma experiência, a vontade também

somente representação. O ―querer‖ perderá a sua aura ―mágica‖, aquela que havia

ganho pelo fato de ser involuntário: ―(...) Não posso produzi-lo? –Como o quê? O

que é que posso produzir? Com o que estou comparando o querer quando digo

isto?‖ (IF 611)

Quando eu disse: ―isso significaria não considerar a intenção como um fenômeno‖,

a intenção recordaria aqui a concepção schopenhaueriana da vontade. Todo

fenômeno nos parece inerte em contraste com o pensamento vivo. (GF VII, 97).

O querer é um fenômeno, e não somente um meio para a produção de um

acontecimento, uma ponte para o fenômeno. O querer é um agir, como o falar, o

caminhar ou o comer. Se levantarmos um braço é porque queremos (falamos de

casos normais, sem coerção externa ou embriaguez por uso de alguma droga). Isto

é, na gramática das ações voluntárias, querer e agir são sinônimos. O curioso é que

no caso da ação bem sucedida não pensamos na intenção.

Neste sentido, da intenção constituída por práticas externas, é que podemos entrar

numa leitura menos racionalista da política.

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Vamos por partes. Sabemos que, na ―segunda‖ filosofia de Wittgenstein, o

significado de uma palavra é dado pelo uso no contexto dos ―jogos de linguagem‖

(Sprachspielen). Ora, o uso é evidente para nós, nos é prescrito, de certo modo,

pela ―normalidade‖ do acontecimento.

Ao falar de ―jogos de linguagem‖, talvez Wittgenstein pensasse em seu exemplo

predileto: o de crianças começando a utilizar palavras. Tem-se apontado o parágrafo

26 da Gramática filosófica como o local da primeira aparição da expressão. A

situação apresentada nesse fragmento é a de uma criança à qual se mostram

objetos ao mesmo tempo em que se pronunciam palavras. A partir destas

explicações ostensivas (hinweisende Erklärungen), a criança compreenderia as

palavras, mas o critério de aferição de tal compreensão será sua habilidade em

aplicar, depois, corretamente as palavras. Se ele usa as palavras do modo certo,

que seria ―o modo esperado‖, é porque compreendeu as regras?

Wittgenstein nos adverte que compreender o jogo é saber jogá-lo, sem que se tenha

necessariamente a capacidade de descrever e definir suas regras. Este tipo de ―jogo

de linguagem‖, de natureza extremamente primitiva, põe em relevo o fato de que as

regras podem ser aprendidas somente pela observação de como ele é praticado,

sem que haja necessidade de uma instrução especial. Aprendemos o jogo sem ter

reconhecido regras explícitas. Isto situa na base da compreensão a concordância

entre ―formas de vida‖ de que se necessita para levar-se adiante um ―jogo de

linguagem‖: ―De modo similar a como a gramática de uma linguagem é registrada e

começa a existir quando os homens já têm falado essa linguagem por muito tempo,

os jogos primitivos são jogados sem que as suas regras tenham sido codificadas e,

mais ainda, sem que uma só dessas regras tenha sido formulada.‖ (GF II, 26). O

modo comum de comportamento dos participantes do jogo é o que mostra como

esse jogo de linguagem primitivo se desenvolve.

Dissemos que os exemplos de jogos de linguagem primitivos, especialmente na

forma de práticas de ensino com crianças, eram dos preferidos de Wittgenstein. Isto

poderia ter uma explicação biográfica coerente: a de que Wittgenstein foi professor

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de escola no interior da Áustria (no período pós-Tractatus, período de afastamento

do trabalho filosófico). Ocorre que esses exemplos primitivos têm um uso

metodológico: eles nos fazem vislumbrar os fenômenos lingüísticos em estado, por

assim dizer, ―embrionário‖, e, por isso, ajudam a dissolver os erros provindos de

preconceitos acerca do aprendizado da linguagem. Estes casos ilustram uma

afirmação da segunda filosofia wittgensteiniana: ―O ensino da linguagem não é aqui

nenhuma explicação (Erklären), mas sim um treinamento (Abrichten).‖ (IF 5).

Atente-se, porém, para o fato de que, juntamente com essa noção de ―jogo de

linguagem‖ como definição ostensiva – ―jogo de linguagem primitivo‖ –, Wittgenstein

chama também de ―jogo de linguagem‖: ― (...) o conjunto da linguagem e das

atividades com as quais está interligada.‖ (IF 7). Isto significa que a expectativa, a

compreensão, o desejo (fenômenos psicológicos abrangidos pelo que denominamos

―interior‖), como também os gestos corporais e expressões faciais, e ainda o entorno

cultural (o ―externo‖), fazem parte de um determinado ―jogo de linguagem‖. Esses

elementos, tirados de seus contextos determinados, poderiam ser mal interpretados

ou não ser entendidos de modo algum.

Os ―jogos de linguagem‖ também podem ser entendidos como sistemas linguísticos

parciais, como entidades funcionais ou como contextos que formam um todo

orgânico. Dentro desta última acepção estariam:

Comandar e agir segundo comandos. Descrever um objeto conforme a aparência

ou conforme medidas. Produzir um objeto segundo uma descrição (desenho).

Relatar um acontecimento. Conjeturar sobre o acontecimento. Expor uma hipótese

e prová-la. Apresentar os resultados de um experimento por meio de tabelas e

diagramas. Inventar uma história; ler. Representar teatro. Cantar uma cantiga de

roda. Resolver enigmas. Fazer uma anedota; contar. Resolver um exemplo de

cálculo aplicado. Traduzir de uma língua para outra. Pedir, agradecer, maldizer,

saudar, orar. (IF 23).

Depois de ter estabelecido essa variada lista de jogos de linguagem, Wittgenstein

admite que essa lista é parcial e arbitrária: é impossível estabelecer limites à

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quantidade e à variedade de jogos de linguagem que podem existir. Alguns novos

jogos aparecem, outros se modificam, ainda outros são esquecidos. Eles vão

surgindo segundo as necessidades humanas. A linguagem não tem sua arquitetura

definida para sempre: ela é como uma velha cidade na que novas ruas surgem

enquanto casas novas e antigas convivem assistindo à criação de novos subúrbios

(IF 18). Tais ações linguísticas pertencem a nossa história natural, como andar,

comer, beber e jogar (IF 25), sendo isso o que lhes confere sua pluralidade e

consistência. Esta última – a consistência do uso de certos jogos de linguagem – se

deve, em parte, à regularidade biológica, tanto da natureza como das ações

humanas.

Existem fatos naturais extraordinariamente gerais que garantem tal ―normalidade‖:

―Tais fatos não são nunca mencionados devido à sua grande generalidade‖ (IF 143).

Como nos adverte Wittgenstein na segunda parte das Investigações filosóficas, a

formação de conceitos não é explicável pelos fatos (IF II, XII). Embora os conceitos

devam corresponder a esses fatos naturais extremamente gerais, sua importância

se deve – quase paradoxalmente – a serem eles tão gerais que não chamam nossa

atenção. O autor das Investigações não tem intenção de fazer história natural

estabelecendo cadeias causais entre fatos e conceitos.

Wittgenstein afirma que o aprendizado da linguagem constitui também seu uso.

Esse aprendizado da linguagem é feito através do ensino ostensivo e também na

repetição de palavras e de proposições que constituem tal ensino. Quando uma

criança aprende uma palavra, não está aprendendo apenas uma palavra, mas,

também deve saber o que está em volta dessa referência. Isto é, para que alguém

possa saber que uma palavra qualquer se refere a um objeto determinado ou a uma

ação determinada, muita coisa deve já estar preparada na linguagem.

Adentramos aqui frontalmente na questão da confiança (Vertrauen) (DC 170) ou da

segurança tranquila (beruhigte Sicherheit) (DC 357), tal como é exposta em Da

certeza. Nossas expressões lingüísticas descansam sobre uma rede de proposições

que nunca poderíamos pôr em dúvida, porque elas constituem a base a partir da

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qual podemos fazer novas afirmações e descobertas, criar novas proposições em

geral.

Existem relações internas entre a gramática e o mundo, mas já não se trata de uma

forma lógica compartilhada. A segurança está na base da linguagem (DC 457), e

essa segurança não significa nada mais que o comportamento regular da natureza

incorporado ao fundamento da linguagem (DC 558): ―Todo jogo de linguagem

descansa no fato de que possam reconhecer-se de novo palavras e objetos.‖ (DC

455). ―O saber se fundamenta no reconhecimento.‖ (DC 378). O reconhecimento não

é um processo, mas um ―descansar no que vejo‖. É a familiaridade com os objetos e

com meus modos de considerá-los (GF IX, 116). Tais formas de consideração não

são criadas individualmente, mas, por assim dizê-lo, ―herdadas‖.

Isto sublinha o caráter de aprendizado social da linguagem: uma criança aprende

porque acredita nos adultos que a educam e convivem com ela (DC 160). De outro

lado, se é em virtude da autoridade de certos seres humanos que essa criança

aprende e aceita coisas, tem, posteriormente, a possibilidade de comprová-las ou

refutá-las (DC 161). A conhecida afirmação de que o significado de uma palavra é

seu uso num jogo de linguagem (IF 43) é somada àquela que diz: ―Nosso falar

obtém seu sentido do resto de nosso agir.‖ (DC 229).

Wittgenstein coloca ―fatos naturais extremamente gerais‖ e o ―comportamento

comum da humanidade‖ na origem daquele substrato necessário a partir do qual

afirmo, nego ou duvido de alguma coisa, a Weltbild. Falar de tais elementos sugeriria

interpretações homogeneizantes da vida social, cultural e lingüística.

Afortunadamente não é isto o que ocorre nem o que Wittgenstein quer propor.

A regularidade e a normatividade que a noção de ―seguir uma regra‖ sugere não

impede mudanças críticas de nossas convicções e do modo de enunciá-las. Isso é o

que veremos a seguir. Isto é, vamos nos perguntar se a pluralidade das ―formas de

vida‖ e os ―jogos de linguagem‖ a partir delas constituídos, asseguram o pluralismo,

entendido como convivência com o outro, com o diferente, com diferentes ―formas

de vida‖.

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Com essa noção wittgensteiniana: a de uma vontade que se expressa no mundo

como um elemento a mais nele e não como continuador de um exercício racional,

não como uma ―boa vontade‖ à procura de consenso é que revisaremos as ―petições

de princípio‖ da democracia liberal. Por ―democracia liberal‖, ou seu arquétipo,

entendemos um tipo de democracia que aspira a eliminar os antagonismos a partir

da discussão que procura o acordo entre as partes.

Nossa posição, inspirada no livro de Chantal Mouffe, The Democratic Paradox

(London: Verso. 2009) é que a obra tardia de Wittgenstein sustenta um ponto de

vista em que a política pode ser pensada como campo de luta e a discussão e o

consenso racional não serem seus objetivos fundamentais. A obra wittgensteiniana

alimenta e precisa do pluralismo das diferentes ―formas de vida‖. Neste sentido

Mouffe pensa em Wittgenstein como alternativa ao enfoque racionalista.

Podemos apresentar os conceitos do chamado ―segundo‖ Wittgenstein como base

para o que Chantal Mouffe define como ―pluralismo agonista‖, isto é, a divergência

de opiniões e a racionalidade baseada nas diferentes práticas como elementos

constitutivos da política. Uma racionalidade política derivada das práticas realmente

existentes e não como sua condição a priori, nos ajudará a evidenciar a fragilidade

da suposta neutralidade do ―bom senso‖ em política.

Abordar a ação democrática desde um ponto de vista wittgensteiniano pode nos

ajudar, portanto, a formular a questão sobre a fidelidade à democracia de uma

forma diferente. De fato, nos faz reconhecer que a democracia não precisa uma

teoria da verdade ou noções como incondicionalidade e validade universal, mas

antes, uma multiplicidade de práticas e mudanças pragmáticas dirigidas a

persuadir as pessoas a ampliar o campo de seus compromissos para com os

demais, a construir uma comunidade mais inclusiva. (MOUFFE: 2009, p. 65-66).

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Mouffe chama a olhar as práticas reais, de modo panorâmico, perspícuo. Exercício

wittgensteiniano por excelência: atingir o limite da razão para reconhecer a

importância do outro lado. Recurso evidente no Tractatus através do silêncio

conquistado. A persuasão, então, seria a dobra invertida da argumentação (lembrar

DC 612). Ela chega como auto-persuasão quando as perguntas chegam a um final e

atinjo a rocha dura onde a pá entorta (IF 217). Mas o limite da razão não nos

abandona a mais pura e dura contingência. Ele, esse limite, é a base da qual

emergem os ―jogos de linguagem‖, constituídos por ―formas de vida‖ e atravessados

por ―regras‖ para serem seguidas. Uma vez que uma regra não pode ser seguida

uma vez só, elas constituem uma tradição. A noção de tradição pode ajudar a

caracterizar culturalmente essa ―imagem de mundo‖ da qual falamos antes. A

tradição é o conjunto de práticas linguísticas e não linguísticas que nos constituem

enquanto sujeitos.

O projeto de Chantal Mouffe, então, é o de pensar na radicalização da democracia o

que ela denomina: democracia radical. Esta deve ser entendida como a expansão

de práticas democráticas com o ―objetivo de criar um outro tipo de articulação entre

os elementos da tradição democrática liberal, já não enquadrando os direitos numa

perspectiva individualista, mas concebendo-os como ―direitos democráticos.‖1

(MOUFFE: 1996, p. 33)

Aquilo de que necessitamos é de uma hegemonia de valores democráticos, o que

exige uma multiplicação de práticas democráticas, institucionalizando-as num

número cada vez mais diverso de relações sociais, de forma que possa ser

constituída uma multiplicidade de posições de sujeito a partir de uma matriz

democrática. É por este meio – e não tentando proporcionar-lhe um fundamento

racional – que poderemos, não apenas defender a democracia, mas também

aprofundá-la. Uma tal hegemonia nunca será completa e, de qualquer forma, não

1 Por “direitos democráticos” entendem-se aqueles direitos que não podem ser alienados sem comprometer a

existência mesma da democracia, ou seja: distinção entre o público e o privado, a separação entre Igreja e o

Estado, entre lei civil e lei religiosa. (MOUFFE: 1996, p. 176).

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é desejável que uma sociedade seja governada por uma única lógica democrática.

(MOUFFE: 1996, p. 33)

Então, para finalizar, se retomamos a epígrafe de Wittgenstein e lembramos que ―um

governo pode querer o que ninguém particularmente quis‖ isto significa que a

vontade política não deve ser entendida como unanimidade deliberativa ou vontade

geral institucionalizada. Nossa leitura aponta mais para as práticas, para a

exterioridade que constitui nosso interior e nossos desejos e pretensões como

cidadãos democráticos. É essa exterioridade e não um fundamento íntimo que deva

ser tornado comum a que favorece e constitui a multiplicidade de práticas e opções

que devem ser levadas em conta na hora da procura não somente da

fundamentação, quanto do aprofundamento da democracia.

Referências bibliográficas

MOUFFE, Ch. O regresso do político. Tradução Ana Cecília Simões. Lisboa:

Gradiva. 1996.

. The democratic paradox. London-New York: Verso. 2009

WITTGENSTEIN, L. Da certeza. Tradução de Maria Elisa Costa. Edição bilíngüe

(alemão-português). Lisboa: Edições 70, 2000.

. Gramática Filosófica. Tradução de Luis Felipe Segura. Edição bilíngüe

(alemão-espanhol). México:UNAM, 1992

. Investigaciones filosóficas. Philosophische Untersuchungen. Edição bilingüe

(alemão-espanhol). Trad. Alfonso García Suárez e Ulises Moulines. Barcelona:

Crítica, 1988a.

. Investigações filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Nova Cultural,

1999.

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_____. Tractatus lógico-philosophicus. Edição bilíngue (alemão-português). Trad.

Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: EDUSP, 1993.

. Zettel. Edição preparada por G. E. M. Anscombe e G. H. von Wright.

Tradução de Octavio Castro e Carlos Ulises Moulines. Edição bilíngue (alemão-

espanhol). Mexico: UNAM, 1985.

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A DIVERSIDADE DE SABERES A PARTIR DE WITTGENSTEIN

Marciano Adilio Spica

DEDIL – UNICENTRO/PR

Doutorando UFSC

Lista de abreviações

DC: Da Certeza

IF: Investigações Filosóficas

ORDF: Observaciones a La Rama Dorada de Frazer

P. M. S. Hacker em seu artigo Wittgenstein and the autonomy of Humanistic

Undestanding, ao comparar as ideias de Wittgenstein com as de Kant, faz uma

observação sobre o fato de que a obra do primeiro seria kantiana em dois sentidos.

Num primeiro por mostrar os limites da linguagem, mostrando que devemos

entender cada saber com suas regras. E, num segundo sentido, sua filosofia foi

crítica por ter, analogamente a Kant, criticado a ilusão filosófica que resulta do fato

de transgredirmos os limites da linguagem inadvertidamente.

Ele criticou o behaviorismo e o dualismo em filosofia da psicologia, atacou o

platonismo e o intuicionismo na filosofia da matemática, e minou o

fundacionalismo em epistemologia e filosofia da linguagem. Ele rejeitou as

pretensões dos metafísicos [...] e repudiou a venerável crença de que a lógica é

um campo de conhecimento das relações entre objetos abstratos. Ele condenou

como ilusão a ideia de que o subjetivo e o mental estão essencialmente no

conhecimento objetivo, e negou que o sujeito tem acesso privilegiado a sua

própria consciência1.

1 HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S.

Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Clarendon Press, 2001, p. 37.

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Concordamos com o que Hacker coloca em sua observação e entendemos que

nesse espírito crítico, de ênfase na destruição de conceitos estabelecidos na filosofia

é que se radica a maior contribuição de Wittgenstein. Mais especificamente, a

filosofia tardia se caracteriza por ―uma acentuada tentativa de proteger e conservar

domínios e formas de conhecimentos da erosão e distorção feitos pelo espírito

científico da época.‖ Ou seja, o grande objetivo deste filósofo é manter uma certa

independência entre as diferentes áreas de conhecimento e mostrar que nem tudo

pode ser reduzido aos métodos e explanações da ciência natural do século XX. Um

bom exemplo disso se faz presente Anotações sobre La Rama Dorada. A obra La

Rama Dorada é de autoria de Frazer, um antropólogo que neste trabalho faz uma

leitura das religiões primitivas, tentando mostrar os equívocos que esta comete. O

problema é que o antropólogo o faz comparando os costumes de religiões primitivas

à religião e à ciência europeia de sua época e essa é a principal crítica do filósofo

em questão. Tal crítica nos mostra a importância de se entender a variedade de

jogos de linguagem e a necessidade de se pensar também na variedade de saberes.

Wittgenstein percebe que o problema de Frazer é ter entendido as religiões

primitivas como um erro. E tal problema surge justamente deste não ter observado a

religião e os ritos de acordo com a visão que as próprias crenças tinham, mas as ter

estudado sob o olhar de um cristão inglês. Por um lado, Wittgenstein acusa Frazer

de entender as religiões primitivas em comparação ao cristianismo de sua época,

por outro, ele estaria simplificando o significado dos ritos religiosos ao estudá-los

sob a ótica das leis da ciência natural. O filosofo austríaco se pergunta até que ponto

poderíamos entender que santo Agostinho ou Buda ou outro qualquer estavam

errados ao expressar uma determinada religiosidade e conclui: ―Nenhum deles

estava em erro a não ser quando criaram uma teoria.‖1

Essa frase é ilustrativa para mostrar que a religião não é entendida por Wittgenstein

como uma teoria e nem deve ser entendida dessa forma. Mas é justamente isso o

1 ORDF, p. 50.

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que faz Frazer. Ele busca entender os ritos religiosos, buscando encontrar neles

sempre uma teoria que legitime tal mito. O pressuposto parece errado e fica mais

errado ainda quando o antropólogo em questão coloca teorias iguais ou muito

próximas a teorias das ciências naturais. Por exemplo, será que realmente podemos

dizer que a dança da chuva é dançada para que chova ou é um rito de

agradecimento? Frazer parece entender tais ritos através de uma lei natural de

causa e efeito e por isso simplifica tal rito, dizendo que ele é ingênuo por não ter

resultados e que as pessoas que a praticam não percebem que sempre dançam em

épocas que antecedem a chuva e não em outras. A pergunta que se colocaria aqui é

até que ponto no desenvolvimento de tal rito se pensou que realmente haveria uma

relação de causa e efeito entre a chuva e a dança ou não é simplesmente um rito de

agradecimento ou espera pela chuva que está chegando. Uma tal constatação de

Frazer talvez seja mais ingênua do que a própria dança da chuva, pois é como se

um homem que nunca tivesse visto uma casa com janelas e ao ver que logo depois

que as pessoas fecham as janelas começa a chover, concluísse que acreditamos

que fechamos as janelas para que chova. O erro de Frazer é reduzir tudo a algo

plausível a homens que têm a mesma visão que ele.1 Ao fazer isso, simplifica a

religiosidade antiga. E esse é um dos principais problemas de não entendermos a

linguagem e a variedade de saberes.

Quando estamos presos a uma única ideia de linguagem, procuramos a todo custo

recusar outros tipos de linguagens e atividades ou reduzi-las às nossas concepções

de mundo. É isso que faz Wittgenstein exclamar uma espécie de desabafo diante da

leitura que Frazer faz das religiões primitivas: ―Que estreita é a vida do espírito para

Frazer! E consequentemente: Que incapacidade para compreender uma vida que

não seja a de um inglês de seu tempo! Frazer não pode imaginar um sacerdote que

não seja, no fundo, como um pároco inglês de nossos dias com toda a sua

imbecilidade e mediocridade.‖2 Tal desabafo de Wittgenstein se explica por Frazer

1 ORDF, p. 51.

2 ORDF, p. 57.

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estar totalmente envolvido numa forma de ver o mundo que é a forma de sua época.

O antropólogo em questão está dogmaticamente envolvido na linguagem científica

ocidental do século XX e não consegue sair dela e, ao não conseguir ir para além

dela, generaliza-a a todas as linguagens possíveis. Como bem expressa Moreno:

Frazer não estaria cometendo apenas um erro teórico; seu erro foi principalmente

incorrer na generalização de determinada visão de mundo, ou melhor, estaria

atribuindo, de maneira dogmática, ainda que inadvertidamente, o modelo de

explicação científica do século XX, explicação através de hipóteses e causas, aos

indivíduos das comunidades cujos rituais descreve e pretende explicar. O erro

teórico consiste apenas em supor que explicações causais possam esclarecer o

sentido de comportamentos ritualístico, quando, na verdade, esse tipo de

explicação fornece somente ligações empíricas. Erro mais grave e profundo

consiste em atribuir uma falsa ciência a comunidades em que hábitos ritualísticos

não visam, segundo Wittgenstein, explicar processos naturais através de causas,

mas exprimir valores de sua cultura. Erro profundo, porque atribui valores e

hábitos de uma sociedade aos indivíduos de outra sociedade, cujos valores e

hábitos pretende compreender. Confusão gramatical que tem consequências

teóricas e éticas no trabalho do antropólogo.1

O que Frazer precisa e nós também é fazermos uma terapia gramatical que nos cure

desta busca por generalidade que nos torna dogmáticos e atrapalha nossa visão

correta dos fenômenos humanos e naturais. Não podemos sobrepor a nossa

linguagem a todas as linguagens possíveis. Isso é um erro grave que tem como

resultado principal um entendimento totalmente errôneo daquilo que buscamos

compreender. O erro do filósofo que faz isso é o erro de superficialidade, ou seja, ele

não vai ao fundo das questões linguísticas, mas fica na superfície onde se reflete a

imagem dele mesmo. Frazer fica na superficialidade, ele projeta sua cultura na

cultura alheia e assim chega a conclusões que podem ser totalmente equivocadas.

Ora, entender que ritos têm a mesma natureza linguística que a ciência do século

XX ou que todos eles têm a mesma natureza é, na visão de Wittgenstein,

1 MORENO, A. R. Introdução a uma pragmática filosófica: de uma concepção de filosofia como

atividade terapêutica a uma filosofia da linguagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. p. 275-276.

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ingenuidade. É diante disso que ele dirá que ―Frazer é muito mais selvagem que a

maioria dos selvagens, posto que estes não estariam tão afastados da compreensão

de algo espiritual como está um inglês do século XX. Suas explicações dos

costumes primitivos são muito mais superficiais que o sentido de tais costumes.‖1

Frazer se mantém preso a uma única forma de explicar os fenômenos e não

consegue ir além dessa percepção. O que Wittgenstein propõe é que ultrapassemos

nossos dogmatismos e vejamos a variedade de formas de vida e de jogos de

linguagem e de saberes.

O que precisa ficar claro e Wittgenstein tem bem presente é que para além dos

fenômenos naturais, existem, na vida humana ‗fenômenos‘ que ultrapassam a esfera

natural e que são de suma importância para os seres humanos. Estes fenômenos

estão ligados às nossas paixões, desejos e formas de compreender o mundo e a

vida. Eles não são desligados da totalidade de nossa vida e, muitas vezes, até são

parte integrante nas nossas compreensões dos fenômenos naturais. Como destaca

Clack a vida humana é mais do que simples fenômeno natural ou racionalidade

lógica: ―ela é regrada pela paixão, pelo instinto, por motivações que nós podemos

descobrir e agarrar. Como resultado, nossa vida aqui é estranha e desconcertante.

Daqui que as reflexões de Wittgenstein sobre prática mágica atingem

fundamentalmente a base dos pensamentos sobre ‗homem e seu passado ... o

estrangeiro que eu vejo em mim e em outros, que eu tenho visto e tenho ouvido‘‖2

Ora, se temos mais do que simplesmente pensamentos racionais, se nossa

linguagem é capaz de falar sobre religião, arte, ética, conceitos absolutos e

abstratos, seria absurdo recusar tudo isso ao ostracismo e dizer que não possui

sentido algum. Somos muito mais do que meramente seres naturais ou animais, que

podem ser compreendidos meramente pelas ciências naturais. ―Nossa natureza

animal é transformada pela nossa aquisição de, e participação na instituição cultural

1 ODRF, p. 58.

2 CLACK, B. Wittgenstein and Magic. In.: Arrington, R. L & ADDIS, M. (org). Wittgenstein an

Philosophy of Religion. London New York: Routledge, p. 26.

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de uma linguagem. Os fenômenos que são objetos de estudos das humanidades

estão entornados com linguagem, inteligíveis somente como propriedades e

relações, ações e paixões, práticas e produtos, instituições e histórias de criaturas

que usam linguagem.‖ E é disso que Wittgenstein se dá conta em sua filosofia tardia.

O que Wittgenstein enfatiza é que se somos seres que possuem uma linguagem

muito mais complexa do que somente uma linguagem empírica ou científica,

devemos nos ater também nesses outros campos da vida humana em que conceitos

e sentenças surgem de práticas que não se enquadram nas explicações das

ciências naturais. É nesse sentido que Hacker diz que:

Há formas de investigação racional que não são científicas, formas de

entendimentos que não são modeladas sobre o conhecimento científico dos

fenômenos naturais. Entender o homem como um ser cultural e social envolve

categorias e formas de entendimento e explanações para além das ciências

naturais. Há outros domínios de investigação que também são verdadeiros – por

exemplo, compreensão estética, compreensão do mito e do ritual, bem como

compreensão filosófica.1

Esses outros campos de compreensão precisam ser pensados dentro de seus

limites, pensados a partir de suas gramáticas e não sob a égide de um único saber.

É daí que ―A compreensão de tais fenômenos, contudo, demanda formas de

entendimentos e explanações apropriadas a e dependentes da compreensão da

linguagem e seus usos no curso da vida humana‖2. Mas a pergunta que se coloca é

justamente qual seria essa tal forma de explanação e entendimento.

Em nossa perspectiva, talvez o primeiro e mais importante passo a ser dado é

elucidar o fato de que Wittgenstein tinha uma visão ampla de conhecimento, ou

melhor, de saber. Ele não concordava com uma única idéia de saber e mostra em

1 HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S.

Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Clarendon Press, 2001, p. 40. 2 HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S.

Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Clarendon Press, 2001, p. 57.

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vários momentos que a gramática do saber é bem mais ampla do que podemos

perceber num primeiro momento.

A discussão sobre uma possível diferenciação de saberes começa a ser

apresentada por Wittgenstein nas Investigações Filosóficas e tem uma certa

continuidade no Da Certeza. Para este, os saberes devem ser entendidos dentro de

um sistema global de sentenças e práticas, ou seja, eles estão intimamente ligados

com os jogos de linguagem1. Estando ligados diretamente com a linguagem, ou

melhor, com jogos de linguagem, o saber não pode ser entendido sem entendermos

os jogos de linguagem que o constituem. Todo saber está fincado nos emaranhados

de práticas e signos de um jogo.

Nesse sentido, suas discussões sobre a possibilidade de existirem diferentes

saberes não podem ser distanciadas de suas discussões sobre a linguagem e sua

busca por mostrar diferenças gramaticais.2 Assim, ao falar dos diversos saberes, ele

está se referindo à gramática do saber, ou seja, às várias maneiras nas quais

utilizamos essa palavra em nosso dia-a-dia linguístico. Para ele, ―É evidente que a

gramática da palavra ‗saber‘ goza de estreito parentesco com a gramática das

palavras ‗poder‘, ‗ser capaz‘. Mas também com a gramática da palavra

‗compreender‘. (‗Dominar uma técnica‘). Mas há também este emprego da palavra

‗saber‘: dizemos ‗Agora sei!‘ – e igualmente, ‗Agora sou capaz!‘ e ‗Agora

compreendo!‖.

Neste trecho contido nos parágrafos 150-151, Wittgenstein elabora um breve e

profundo estudo sobre as utilizações que fazemos da palavra saber. Em nosso dia-

a-dia, não dizemos somente que sabemos algo se estamos a par de uma crença

verdadeira e justificada, mas também se somos capazes de fazer determinada

atividade ou se compreendemos como desempenhar alguma tarefa.

1 Cf. DC, p. 159.

2 Cf. IF, p. 245

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Wittgenstein mostra claramente que em nosso dia-a-dia utilizamos a palavra saber

também em circunstâncias em que dizemos que somos capazes de fazer

determinada coisa, ou que dominamos uma técnica ou que seguimos uma regra

corretamente. Por exemplo, uso a palavra conhecer ou saber para dizer que sei

dirigir, significando que sou capaz de conduzir um carro; ainda, no sentido de que

posso fazer um churrasco, ou seja, de dominar a técnica de assar carne. Essas

idéias, mostram claramente que em nosso dia-a-dia não estamos presos a somente

um uso da palavra saber, não estamos presos em dizer que só sabemos algo no

sentido proposicional. Saber é algo mais amplo do que simplesmente ter boas

razões para determinada coisa, ou asserir algo. Nesse sentido é que, no Da

Certeza, Wittgenstein dirá que para entender a linguagem e, mais do que isso, o

saber, é necessário tomar o homem como um ser primitivo a quem se reconhece

instinto e não raciocínio. Se o tomarmos nesse sentido, entenderemos o

aprendizado das coisas e, consequentemente, os vários usos da palavra saber.

Como seres linguísticos, aprendemos a usar a linguagem sem nos preocuparmos

com os fundamentos das sentenças, aprendemos a escrever sem saber por que o

‗A‘ é realmente ‗A‘ e assim por diante. ―As crianças não aprendem que existem

livros, que existem poltronas, aprendem a ir buscar livros, a sentarem-se em

poltronas, etc.‖1 Ou seja, as crianças aprendem a desempenhar determinadas

atividades, a seguir determinadas regras, somente depois é que aprendem a

fundamentar e justificar suas ações e crenças. Neste sentido, não podemos nos

furtar de darmos um estatuto de saber também a atividades que não

necessariamente se constituem em crenças verdadeiras e justificadas, ou a

atividades que não podem ser descritas de forma assertiva.

Além destes saberes mais primitivos, alguns outros saberes também prescindem de

um conhecimento no sentido clássico, mas podem ser entendidos como saber. É o

caso da moralidade, da arte e da religião. Na moralidade, uma pessoa pode saber

1 DC.

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seguir uma regra, sem saber necessariamente justificá-la. Na arte é possível

dominar uma técnica e esse dominar uma técnica não necessariamente se coloque

como um saber científico e nem pode ser expresso em proposições. Na religião é

possível compreender um ritual, sem que necessariamente precisemos entendê-lo

no sentido da ciência; podemos rezar sem que essa oração seja um conjunto de

proposições ou que estejamos preocupados com a verdade do que estamos

proferindo. Nesse sentido, não se pode deixar de dizer que Wittgenstein entendia

que havia uma variedade de saberes e que a tentativa de reduzir todos eles a uma

única forma de conhecimento é um erro gramatical, fruto do mau entendimento da

linguagem e das práticas que constituem esses saberes.

Na verdade, o principal erro no que tange à redução do conhecimento é considerar

como único saber válido, o saber constituído por proposições, ou seja, por

sentenças passíveis de verdade ou falsidade. Para Wittgenstein, há saberes

práticos, compreensões que extrapolam o conhecimento proposicional, e há coisas

que somos capazes de fazer sem que possamos traduzi-las em proposições, como

no exemplo de uma poesia ou oração. O conhecimento então não se reduz somente

ao conhecimento proposicional, mas a conhecimentos que podem ser entendidos

como saberes que são frutos de nossas práticas cotidianas, desenvolvidas dentro de

um determinado jogo. Esse conhecimento prático é fruto geralmente da repetição ou

treinamento ou de práticas cotidianas e pode ser traduzido como uma certa

capacidade de fazer determinadas atividades. Assim, ele pode ser entendido como

um saber fazer1, ou ser capaz de fazer ou poder fazer

Apesar de Wittgenstein ter mostrado a possibilidade de variedade de saberes, é

interessante perceber que ele não chegou a sistematizar tais idéias, ou conceituar

estes saberes. é necessário olharmos de forma mais sistemática essa possibilidade

de divisão de saberes. Para isso, não podemos nos furtar da apresentação das

1 Aqui o ‗fazer‘ não deve ser entendido somente no sentido de fazer algo com material, mas também

atividades que requerem pensamento abstrato como no caso de seguir uma série de números na matemática, como bem o coloca Wittgenstein no parágrafo 151 das Investigações.

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ideias desenvolvidas por Gilbert Ryle que tentou mostrar que além do conhecimento

como crença verdadeira e justificada, existiria um outro saber que é fruto do

treinamento. Essas ideias estão bem desenvolvidas em sua obra The concept of

mind, mais precisamente no capítulo 2 de tal obra intitulado: Knowing how and

knowing that.

Para Ryle,

Quando nós falamos de intelecto, ou melhor, dos poderes intelectuais e

performances das pessoas, estamos nos referindo primariamente aquela classe

especial de operações que constituem teorias. O objetivo destas operações é o

conhecimento de proposições verdadeiras ou fatos. [...] Outros poderes humanos

seriam classificados como mentais somente se eles mostrassem ser de algum

modo guiados pela compreensão intelectual de proposições verdadeiras. Ser

racional seria ser capaz de reconhecer verdades e as conexões entre elas. Agir

racionalmente seria, consequentemente, ter alguma propensão não-teórica

controlada por alguma apreensão de verdades sobre a conduta da vida.1

Aqui, neste trecho, Ryle nos apresenta como a filosofia caracteriza o saber. Na

contemporaneidade, conhecer é ser guiado pela razão ou ter um aparato de

conhecimentos racionais. Tal ideia é tão difundida que até mesmo coisas simples do

dia-a-dia deveriam ser entendidas dentro de teorias sobre como funcionam as

coisas. Aquilo que não se encaixa dentro da ideia de verdade deveria ser deixada de

lado por não se constituir em conhecimento. Tais ideias são típicas, por exemplo, do

positivismo lógico ou círculo de Viena, no qual só era considerado conhecimento

aquilo que poderia ser transformado em proposição.

O problema nessa descrição do conhecimento é que em nosso dia-a-dia não

estamos preocupados somente com teorias ou proposições. Nossa linguagem é

capaz de criar jogos onde os fatos ou proposições são deixados de lado, como no

caso da poesia e até mesmo de sentenças morais. Para Ryle há ―muitas atividades

que revelam diretamente qualidades de mente, ainda que não sejam nenhuma

1 RYLE, G. The Concept of Mind. London: The Penguin Group, 1990, p. 27.

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operação intelectual em si, nem efeitos de operações intelectuais. Prática inteligente

não é um estepe de teoria. Pelo contrário, teorizar é uma prática entre outras e é em

si inteligível ou estupidamente conduzida.‖1

O que Ryle pretende mostrar é que existem inúmeras atividades humanas que não

estão baseadas em teorias ou verdades da razão, mas que nem por isso podem ser

consideradas como de nível inferior ou serem deixadas de lado. Pelo contrário, ele

mostra que em nosso dia-a-dia, dizemos que uma pessoa é inteligente ou não muito

mais por sua capacidade ou habilidade para fazer determinadas coisas do que por

seu conhecimento acumulado de teorias. Tais habilidades são capacidades ou

competências para fazer ou desempenhar determinada atividade, por isso elas se

constituem em uma espécie de saber como (Know how). Esta espécie de saber se

diferencia de um saber teórico que apresenta um repertório de conhecimentos a

respeito das mais diversas teorias, o que é caracterizado por Ryle como saber que

(Know that) no sentido de ter conhecimento a respeito de se alguma proposição ou

fato é ou não o caso, é ou não é verdadeira. O saber que se caracteriza como a

idéia clássica de conhecimento que perpassa a história da filosofia.

O que Ryle nos apresenta e que para nós é interessante é o fato de que existem

conhecimentos que não se enquadram dentro desta definição clássica do

conhecimento ou do que ele chama intelectualismo. Assim, ao apresentar o saber

como, Ryle nos abre para uma visão mais ampla de conhecimento, assim como

Wittgenstein fizera nas Investigações. Por isso, antes de voltarmos as teorias deste

último, entendemos ser necessário olharmos atentamente para as idéias sobre o

saber como.

Para Ryle o que está em jogo quando dizemos que uma pessoa sabe falar

corretamente, usar corretamente uma gramática, jogar xadrez ou tantas outras

atividades é que quando elas fazem estas atividades,

1 Ibidem

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Elas tendem a fazê-las bem, i.e., corretamente ou de modo eficiente ou com

sucesso. Suas performances atingem certos padrões, ou satisfazem certos

critérios. Mas isso não é tudo. [...] Ser inteligente não é meramente satisfazer

critérios, mas aplicá-los. Regular ações e não meramente ser bem-regulada. A

performance de uma pessoa é descrita como exata ou equivocada, se em suas

operações ele é prontamente detectada e corretamente decorrida, repetida e

improvisada sobre sucessos, aproveitando-se dos exemplos dos outros e assim

por diante.1

Se o observarmos com atenção veremos que Ryle entende que o saber como

possui critérios próprios de correção, internos à própria ação, ou seja, quando

dizemos que alguém sabe como fazer determinada coisa, nós temos como perceber

que ele está fazendo a atividade de forma correta ou não e isso é o que importa. No

saber como, a linguagem está intimamente ligada ao fato de saber ou não seguir

uma determinada regra.

Ryle foca muito suas ideias no fato de que o saber como é fruto de treinamento, ou

seja, uma pessoa que sabe como fazer determinada coisa não o sabe por acaso,

mas aprendeu a fazê-lo desta forma, foi treinada para fazer isso. Tal treinamento é

fruto da prática, ou seja, da repetição dentro de certos parâmetros. Assim, o saber

como torna-se como que uma segunda natureza, ou seja, disposições adquiridas e

que se tornam parte do sujeito que as possui2.

Dall‘Agnol em seu artigo Pratical cognitivism mostra de forma clara essas ideias de

Ryle ao afirmar que uma determinada pessoa que é treinada a fazer determinada

atividade não o faz de forma mecânica, mas de forma critica. Ele usa o exemplo de

uma pessoa que aprende a andar de bicicleta e depois de ter aprendido é capaz de

reformular algumas regras na própria atividade de andar de bicicleta. Assim, ele

afirma que ―O conhecer como torna-se parte de sua segunda natureza, isto é,

através da educação esta habilidade torna-se parte de seu ser. Ele desenvolve

hábitos por constante treinamento, que não são somente repetições mecânicas, mas

1 RYLE, G. The Concept of Mind. London: The Penguin Group. 1990, p. 29..

2 RYLE, G. The Concept of Mind. London: The Penguin Group. 1990, p. 41-44.

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podem envolver (auto)criticismo e refazer(redoing).‖1 O que Dall‘Agnol reforça, se

bem o entendemos, é que o saber como é puramente prático, no sentido de que

mesmo que o detentor de determinado saber tenha em mente as regras que deve

seguir para andar de bicicleta, com sua prática cotidiana, essas regras podem ser

modificadas. Tal modificação não acontece por reflexão racional, mas no próprio

andar de bicicleta, na própria prática dele. Isso acontece de forma clara com um

motorista, que ao aprender na auto-escola as regras de como dirigir um carro, com o

passar do tempo, modifica sua maneira de dirigir, aperfeiçoa ou não sua maneira de

dirigir.

O que temos que ter em mente, ao falarmos do saber como, e que Wittgenstein

tinha ao falar da variedade de saberes, é que a prática humana é totalmente

dinâmica e mesmo que seja regrada, ela mesma modifica as regras. Ou seja, na

prática do próprio jogo as regras podem ser postas à prova e modificadas. Daqui,

pode-se entrar na discussão sobre a possibilidade ou não do saber como ser

reduzido ou entendido como uma esfera do saber que. Alguns defensores2 dessa

idéia dizem que a inteligência prática, envolvendo a observação de regras, ou

aplicações de critérios, requer necessariamente uma reflexão anterior,

caracterizando-se como um saber que. Aqui novamente temos que voltar ao texto

de Dall‘Agnol. Para ele, sendo o conhecer como uma habilidade de aplicar regras

adquiridas por treinamento,3 ele até pode envolver em seu interior aspectos do

conhecer que, mas não pode ser reduzido a ele porque o primeiro não é adquirido

pelo conhecimento de conexões causais4. Concordamos com Dall‘Agnol que pode

haver aspectos por assim dizer teóricos no saber como, mas disso, não se pode

1 DALL‘AGNOL, D. Pratical Cognitivism. In.: ethic@. Florianópolis. v. 7, n. 2 , 2008. p. 326.

2 Entre tais defensores, podemos citar Jason Stanley e Timothy Willianson que no artigo Knowing how

(Journal of Philosophy, 98.8. 2001) defendem tal redução. Aqui é importante dizer que não nos ateremos de forma muita intensa a tal debate. Tomaremos como base o fato de que o saber como não pode ser reduzido ao saber que, apesar de, as vezes, possuir alguns aspectos de saber que. 3 Dall‘Agnol, ao fazer essa definição afirma também que se tomarmos conhecer como neste sentido,

não teremos o problema de alguém nos dizer que o conhecer como é instintivo e que faz parte de animais e seres recém-nascidos, por exemplo. Entendemos que essa definição é de suma importância para nossos objetivos posteriores, além de mostrar claramente as visões de Ryle. 4 Cf. DALL‘AGNOL, D. Pratical Cognitivism. In.: ethic@, Florianopolis, v. 7, n. 2 , 2008, p. 331.

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induzir que o saber como, necessariamente precise de conexões causais ou

reflexões lógico-racionais. O saber como independe de relações causais.

Este trabalho buscou, de forma breve, mostrar a contribuição de Wittgenstein para

compreender a variedade de saberes. Tal discussão se faz presente porque na

época de Wittgenstein e ainda hoje um dos principais problemas da filosofia e da

ciência é tentar encontrar um único saber e fazer dele o saber hegemônico. Nosso

trabalho mostrou que talvez seja muito mais frutífero nos voltarmos para a

compreensão da variedade de saberes que a prática e a linguagem humana é capaz

de criar, do que cometer erros de entrecruzamento de jogos ou de generalização de

métodos e entendimentos de uma área de atuação humana a todas as áreas. Isso

pode parecer desnecessário, mas Wittgenstein vive em uma época em que não

faltam tentativas de tentar justificar, por exemplo, ética, estética e religião de um

ponto de vista das ciências naturais e, ainda hoje, não faltam obras que tentam fazer

isso. Mas será que essa é realmente a saída para entendermos os fenômenos

humanos? Será que tudo o que temos são fatos que podem ser explicados pelas

ciências? Podemos reduzir à ética, por exemplo, a uma ciência? Se sim, como

poderíamos dizer que somos livres e que podemos decidir sobre o certo e o errado?

Talvez com o que apresentamos aqui surjam muito mais questões do que respostas.

Mas, talvez, num mundo em que nos apresentam tudo como certo, a melhor coisa a

fazer é aprender a questionar.

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RESUMOS DE PALESTRAS

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DOGMATISMO E CRITICISMO NA ENCRUZILHADA DA DOUTRINA DO

IDEALISMO TRANSCENDENTAL EM KANT

Luciano Carlos Utteich

Depto de Filosofia – UNIOESTE/Toledo

[email protected]

Palavras-chave: Kant, Schelling, Dogmatismo, Criticismo. Idealismo transcendental

Apresentamos aqui a polêmica do jovem Schelling com o modelo da razão

transcendental kantiana, cuja Crítica da razão pura instituiu a partir do método da

doutrina do Idealismo transcendental a possibilidade de dois paradigmas

contrapostos: o dogmatismo e o criticismo. Reformular a questão do fundamento

incondicionado da razão, como alternativa à disputa sem fim entre os criticistas e os

dogmatistas, é a meta schellinguina para estabelecer a autonomia da razão. O

estabelecimento dessa autonomia passava pela crítica à prova moral da existência

de Deus em Kant. O pano de fundo do debate está na relação entre o texto

schellinguiano Cartas Filosóficas sobre o Dogmatismo e o Criticismo (1795), no qual

é apresentada a sua elaboração contra a chamada prova moral da existência de

Deus, e essa prova, que resultara como desfecho de investigação à filosofia crítico-

transcendental kantiana. O texto schellingiano está inteiramente embasado na

proposta transcendental do sistema kantiano; mas isso não o impediu de se servir

disso tanto para refutar a prova moral da existência de Deus como para edificar um

novo estágio da razão sistemática, o da tematização do incondicionado. Na ligação

dos temas Deus e natureza, comparamos as duas representações vinculadas à

refutação do criticismo e do dogmatismo, já que elas aparecem como posturas

filosóficas não fundadas de modo verdadeiramente incondicional. Schelling,

comparando o tratamento concedido aos pressupostos destes dois modelos, levado

a efeito por Kant, redargüiu à solução kantiana pela avaliação dessas duas escolas

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filosóficas que dividem no texto a atenção às análises e que encontramos conforme

a caracterização das posições que mantiveram historicamente o debate: a posição

dos ―intérpretes‖ e seguidores da filosofia transcendental, herdeiros do kantismo,

como aqueles que se julgavam aptos a manter em voga o núcleo de problemas

discutidos pela filosofia transcendental, sob o título de criticismo; e a abordagem

constituída pela postura dogmática, na designação das vertentes filosóficas que

julgavam poder valer-se, de algum modo, no encalço dos motivos encontrados na

Crítica da razão pura de Kant, do endosso dessa última. É através da crítica ao

modo como a recepção da prova moral da existência de Deus interveio no

estabelecimento da autonomia da razão kantiana que Schelling chega ao princípio

absoluto. Na sua argumentação destaca-se a distinção entre os filósofos críticos e

os dogmáticos: os primeiros lançavam mão exclusivamente do uso de postulados

práticos da razão, visto que acreditavam ―pelo mero nome de postulados práticos, já

terem distinguido suficientemente esse sistema [criticista] de todos os outros‖(Quinta

Carta, Ak 301; 1972 Abril Cult., p. 188). A eles Schelling lança a objeção: ―Àquilo que

não podeis provar, imprimis a chancela da razão prática, assegurando que vossa

moeda será negociável por toda parte, onde reinar a razão humana‖(Segunda Carta,

Ak 292; 1972 Abril Cult., p.183). Já para os filósofos dogmáticos se servir dos

postulados práticos e de fundamentos morais da crença para justificar o fundamento

transcendental da razão levaria a rebaixar a dignidade da razão especulativa. Nesse

sentido, o dogmatismo e o criticismo têm o mesmo problema, que é: como é possível

determinar ainda algo para além da lei de identidade? Para ambos isso é insolúvel.

Assim, pela reformulação do problema se encontrará o fundamento autêntico que

leva a conciliar essas duas tradições históricas. Tal fundamento é o ―ser original‖,

como representando o elemento incondicionado subjacente a ambos e que só

aparece a partir da crítica ao argumento moral da prova da existência de Deus, a

partir do silogismo schellingiano que reza: porque a razão teórica é demasiado fraca

para conceber um Deus, e porque a ideia de um Deus só é ―realizável‖ por

exigências morais, então tenho de pensar Deus ―sob leis morais‖. Ou seja, se

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preciso – para salvar minha moralidade – da ideia de um Deus moral, e assim

admito um Deus apenas para salvá-la, esse Deus tem de ser (caracterizado como)

um Deus ―moral‖. Preservando o de melhor da filosofia crítica o dogmatismo perfeito

schellinguiano concebe os fundamentos de um novo sistema, já que numa instância

meramente ―teórica‖ a ideia de um Deus moral estaria sujeita a sofrer as intempéries

da história, pois com ela se visou conceber um Deus que alinhava ―o desalento

moral e a autonomia moral‖, ―a fraqueza e a força‖. Portanto, essa ideia permanece

não apenas arbitrária, senão que leva a desconsiderar que a própria natureza está

encarregada de promover o desenvolvimento do gênero humano pela ideia de uma

astúcia oculta (no sentido em que Kant a desenvolveu em Ideia de uma História

Universal do ponto de vista cosmopolita) e que, em se admitindo atribuir essa ideia a

um Deus considerado ―moral‖, a função de Deus aqui seria apenas a de corroborar,

por sua vez, as intempéries da natureza (Deus ex machina). Daí porque, diz

Schelling, o ―forte atrativo peculiar ao dogmatismo‖ perfeito, reside no fato de que

―ele não parte de abstrações ou de princípios mortos, mas (pelo menos em sua

forma perfeita) de uma existência, que zomba de todas as nossas palavras e

princípios mortos‖(Segunda Carta, Ak 290; 1972 Abril Cult., p. 182). Sem admitir

subterfúgios como os que fizeram o criticismo buscar num mundo absolutamente

objetivo e num Deus moral a justificação para causas naturais, em face da fraqueza

e cegueira da razão teórica, o dogmatismo perfeito exigirá do próprio ser originário

que admita uma objetividade absoluta: este deve explicar a necessidade de uma

existência que é independente da lei (ab-solutos), não cabendo conceder tal tarefa à

mera índole da faculdade de conhecer. Assim, da própria Crítica da razão pura, na

medida em que ela tem apenas o status de um ―cânon‖ da razão, e não de um

sistema desenvolvido, obteve-se a condição para os sistemas – dois deles: o

criticismo e o dogmatismo (Quinta Carta, Ak 301; 1972 Abril Cult., p. 188). E uma

decorrência necessária do conceito de filosofia é que ―não poderia haver, em geral,

sistemas diferentes, se ao mesmo tempo não houvesse um domínio comum a todos

eles‖(Terceira Carta, Ak 293; 1972 Abril Cult., p. 184). Se por um lado a Crítica

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estabeleceu o método dos postulados práticos para dois sistemas inteiramente

opostos, por outro lado era impossível a ela justamente por isso ―ir além do mero

método, e como ela devia atender a todos os sistemas, era-lhe impossível

determinar o espírito próprio de cada sistema em sua singularidade‖(Quinta Carta,

Ak 304; 1972 Abril Cult., p. 189). Por isso, a fim de que o método fosse mantido em

sua universalidade, a Crítica teve ―de mantê-lo, ao mesmo tempo, naquela

indeterminação que não excluía nenhum dos dois sistemas‖(Quinta Carta, Ak 304;

1972 Abril Cult., p. 189). Por isso torna-se claro que toda a tentativa de ir além da

mera crítica só pode pertencer a um dos dois sistemas, visto que todos os demais

sistemas são somente cópias mais ou menos fiéis dos dois sistemas expostos. E,

neste sentido, Schelling salienta que enquanto ―cânon‖ de todos os sistemas

possíveis a Crítica da razão pura devia então deduzir ―a necessidade de postulados

práticos‖ da idéia de um sistema em geral, e não da idéia de um sistema

determinado. Só com vistas a esse sistema deverá ser encontrado um princípio

incondicionado, visto que aqui não está mais em atividade a razão teórica

(Verstand), mas antes a razão em geral (Vernunft).

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RESUMOS DE COMUNICAÇÕES

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059

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O CONCEITO DE INTUIÇÃO: DISTINÇÕES ENTRE DESCARTES, KANT E

BERGSON

Luiz Ricardo Rech,

Mestrando – UNIOESTE/Toledo

[email protected]

Palavras-chave: Intuição, Bergson, Descartes, Kant, História da Filosofia

É fato relativamente comum que filósofos nas mais diferentes épocas lancem mão

de termos já amplamente utilizados pela tradição filosóficas para expressar suas

idéias e estabelecer seus próprios conceitos. Ao fazê-lo, os autores travam um

diálogo muito particular com a tradição, chegando por vezes à reformulação

completa dos termos a fim de buscar maior clareza e precisão em suas

argumentações. Em meio a esta diversidade de usos de termos filosóficos podem

surgir dificuldades de compreensão na leitura dos textos e até mesmo erros de

interpretação. O presente trabalho busca esclarecer como o conceito de intuição

sofreu distinções na modernidade e na passagem para a contemporaneidade, em

três autores em particular: Descartes, Kant e Bergson. Isto será feito mediante uma

breve abordagem do termo para Descartes e Kant, e posteriormente com a

exposição da interpretação bergsoniana do mesmo. Visto que para Bergson o termo

tem profunda ligação com a própria atividade filosófica, serão discutidas também as

dificuldades encontradas na metafísica tradicional, sob a ótica do autor e a proposta

do filósofo francês para a filosofia, partindo da intuição como forma de se apreender

uma realidade movente, buscando restituir ao movimento o que este tem de

essencial, ou seja, a própria mudança e sua indivisibilidade. Busca-se abordar, a

partir de uma linha histórica, o conceito de intuição em Descartes e Kant – dois

filósofos fundamentais do período moderno –, para, a partir disso, prosseguir com a

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discussão a respeito do método intuitivo bergsoniano, no princípio do período

contemporâneo. Para Descartes a intuição é parte constituinte do próprio

entendimento, junto com a dedução. O entendimento é, por sua vez, uma das

faculdades do espírito, que devem ser exercitadas para dar ao homem a capacidade

de estabelecer juízos sobre aquilo com o que toma contato. A intuição para

Descartes é intelectual e proporciona uma distinção clara e nítida no estudo de uma

realidade. Intuição e dedução ligam-se ao método no sentido em que por ele são

direcionadas para alcançar um conhecimento verdadeiro. É importante frisar

também seu caráter de simplicidade: toda intuição se dá sobre uma realidade

simples e por isso mesmo evidente. Se para Descartes a intuição é componente

ativo do entendimento, para Kant deve-se efetuar uma divisão entre as formas da

intuição sensível e o entendimento. Ao entendimento ficam designadas as categorias

ou conceitos puros. A intuição, por sua vez, diz respeito à recepção dos fenômenos

sensíveis, sendo empírica quando associada à sensação (aesthèsis) e pura quando

associada às formas (espaço e tempo) que são a própria condição de possibilidade

de uma intuição sensível (empírica). Espaço e tempo caracterizam-se como as duas

formas puras da intuição sensível e são dadas a priori, de tal forma que condicionam

a experiência do fenômeno. Assim, a matéria para Kant, é a própria sensação que

se encontra condicionada pelas formas de intuição. Constituinte do entendimento

(como em Descartes) ou condição para toda experiência sensível (como em Kant), a

intuição liga-se ao intelecto de maneira inextricável. A direção do pensamento é a

mesma: a busca por uma ciência que dê conta de compreender a realidade de

maneira segura e determinística. Em relação a Bergson é importante destacar

inicialmente que há duas vias para se conhecer a realidade. Dois movimentos

opostos do pensamento. A primeira dessas vias é a que segue o próprio intelecto,

generalizando, classificando e agindo sobre a matéria. Há uma caracterização

profundamente pragmática nesta forma de pensar (e agir). Esta forma de

conhecimento é o ambiente no qual se desenvolvem as ciências positivas modernas

e onde, primitivamente, se desenvolveu a vida, na sua relação com a matéria (por

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vezes como obstáculo, outras como sustentação). Nesta via não há traço algum do

que Bergson denomina intuição. A intuição, para Bergson, surge na segunda via de

conhecimento da realidade: a metafísica. O esforço de reflexão necessário à

metafísica apresenta-se como uma inversão da reflexão intelectual. Se o intelecto

busca a imobilização de uma realidade para estudá-la em seus detalhes, para a

metafísica bergsoniana o que importa é a percepção do movimento, das tendências

que um e outro estado estabelecem entre si. Para perceber este movimento é que

surge o recurso à intuição na filosofia bergsoniana. Bergson ergue sobre os

conceitos de duração (não abordado diretamente neste texto) e intuição o método

pelo qual pretende investigar a realidade em sua característica mais profunda e

reveladora: o movimento. A intuição é, pois, consciência imediata que adere ao

movimento e às mudanças e tendências do objeto. Esta, portanto, é a raiz do

pensamento bergsoniano. A segunda via de compreensão da realidade é o ponto

central do pensamento do filósofo francês, tornando-se o recurso fundamental para

a compreensão do movimento. É a aderência total da percepção à realidade e ao

fluxo da vida. O primeiro sentido que se destaca da intuição é o do acesso direto ao

espírito. Não obstante, Bergson adverte desde sempre em suas obras a respeito da

dificuldade de conceituação do próprio termo intuição. Assim, não há o que se possa

identificar como uma definição objetiva e pontual. Diversas gradações compõem a

construção do termo, bem como diferentes aproximações, em situações diversas.

Porém o fundamento da intuição volta sempre sobre si mesmo, ou seja, a duração

pura, a percepção do movimento como tal, não considerado como instantâneos que

fixam o espaço e deixam de lado a duração. A intuição é a própria percepção do

movimento. Deve, antes de qualquer coisa, devolver à realidade seus atributos

qualitativos, aceitando cada desenvolvimento da duração como único e resultante de

um movimento que é o fundamento da própria realidade. Neste sentido, Bergson

distancia-se propositadamente das filosofias de Descartes e Kant. Tal

distanciamento é abordado aqui pela análise do uso do conceito de intuição nos três

filósofos, porém, tem raízes mais profundas, envolvendo pressupostos e

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conseqüências bastante distintos em cada um dos autores. Ainda que Bergson,

como ele mesmo aponta, busque para a filosofia um caráter de precisão e

indubitabilidade, tal busca acaba por levar a uma inversão na marcha tradicional do

pensamento. A intuição da duração pura para o autor não é uma faculdade

intelectual, ainda que necessite articular elementos intelectuais para que possa ser

expressada.

Referências bibliográficas

BERGSON, Henri. Ensaio sobre os dados imediatos da consciência.

Tradução: João da Silva Gama. Lisboa: Edições 70, 1988.

. O pensamento e o movente. Tradução: Bento Prado Neto. São Paulo:

Martins Fontes, 2006.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução: Manuela Pinto dos Santos

e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.

SILVA, Franklin Leopoldo e. Bergson: Intuição e discurso filosófico. São Paulo:

Loyola, 1994.

PRADO, Bento. Presença e campo transcendental: consciência e negatividade na

filosofia de Bergson. São Paulo: Edusp, 1988.

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O CONCEITO DE DIREITO NATURAL EM HOBBES: LIBERDADE E

OBRIGAÇÃO

Gerson Vasconcelos Luz

Mestrando em Filosofia – UNIOESTE

Orientador: Prof. Dr. Arlei de Espíndola

[email protected]

Palavras-chave: Hobbes, homem, movimento, lei de natureza, direito natural Para Hobbes (2002, p.20) a natureza humana consiste na soma de suas faculdades

e poderes naturais. O homem na qualidade de corpo vivo e finito está determinado a

manter no seu estado cinético. Sendo assim, a conservação do movimento é um

dever para o indivíduo. É um dever e também um direito. Porém, Hobbes (2003,

p.112) afirma que estes dois conceitos quando aplicados a uma mesma situação

torna-se contraditórios. Ou se pratica uma ação por dever ou por liberdade. Diante

disso, o objetivo do trabalho é procurar demonstrar que em se tratando dos

elementos de defesa do maior bem do ser humano o direito natural é tanto dever

quanto liberdade.

Observemos inicialmente o conceito de lei de natureza e, posteriormente, o de

direito natural. Quanto ao primeiro, escreve o nosso autor,

uma lei de natureza [...] é um preceito ou regra geral, estabelecida

pela razão, mediante o qual se proíbe a um homem fazer tudo o que

possa destruir a sua vida ou privá-lo dos meios necessários para a

preservar, ou omitir aquilo que pense melhor contribuir para a

preservar (HOBBES, 2003, p.112).

Quanto ao segundo,

[...] a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder,

da maneira que quiser, para a preservação da sua própria natureza,

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ou seja, da sua vida; e conseqüentemente de fazer tudo aquilo que o

seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios mais

adequados a esse fim (HOBBES, 2003, p.112).

Observemos ainda a passagem na qual o filósofo esclarece a distinção entre os

conceitos:

[...] o direito consiste na liberdade de fazer ou omitir, ao passo que a

lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas. De modo que a lei

e o direito se distinguem tanto como a obrigação e a liberdade, as

quais são incompatíveis quando se referem à mesma questão

(HOBBES, 2003, p.112).

MacAdam (1980, p.143), comenta que na filosofia hobbesiana ―ter um direito é não

ter um dever e, de modo correspondente, ter um dever é não ter um direito.

Contudo, o direito natural à vida parece constituir exceção à regra geral de Hobbes.

Já que é tanto direito como dever‖. A lei de natureza é um preceito internalizado em

cada corpo humano a fim de obrigar que cada indivíduo possa conserva o seu

próprio movimento vital. Se por um lado, a lei determina a autoconservação, por

outro assegura o direito natural como mecanismo de obtenção de resultados

necessários à autoconservação. Sendo o direito natural liberdade e dever, cada qual

se configura como juiz de si. E na qualidade de juiz de si todos estão autorizados a

desobedecerem às leis naturais (ou positivas, se for o caso) sempre que estas

desfavorecerem ao direito primordial.

O conceito de liberdade natural é compatível com o de lei de natureza. Trata-se de

uma liberdade condicionada à necessidade de manter o propósito essencial do

corpo em relação ao seu estado cinético. Todo indivíduo está livre para escolher

aquilo que favorece aos seus interesses fundamentais. A escolha não é procedida

sem propósitos. Nesse sentido, o direito é também um dever natural. O estar livre

para fazer não importa o que tendo em vista a autoconservação é justificado pela

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necessidade de conservação. O que move os indivíduos na liberdade da deliberação

é o dever conservar-se vivo. Trata-se de um dever para consigo mesmo.

As leis naturais funcionam como regras de prudência e não como um imperativo

categórico. É verdadeiro que o filósofo inglês muitas vezes nos permite entender que

tais leis é também moral (HOBBES, 1992, p.80). Não obstante, quando se apoia no

conjunto de seus escritos, nota-se que as leis naturais são princípios que constam

na reta razão de cada indivíduo. Um homem está autorizado a fazer tudo o que bem

entender tendo em vista a preservação de si (HOBBES, 2003, p.112) sem que

quaisquer coisas que faça ou deixe de fazer em relação aos objetivos em questão

seja considerado como bem ou mal. A moralidade da ação praticada se configura

em acordo com a necessidade do sujeito que a pratica a ação. Se a ocasião exige

que um homem mate o outro, então matá-lo é uma boa ação; se a melhor solução é

deixar-se escravizar, eis a boa ação. A boa atitude é aquela que melhor contempla o

interesse do agente. O homem prudente é aquele que na liberdade de suas ações

sabe manejar de modo bem a sua liberdade natural.

Hobbes descreve aproximadamente vinte leis de natureza. No seu conjunto as

regras têm como objetivo lógico orientar as ações do homem. Todo indivíduo está

naturalmente orientado a cumpri-las quando isto interessa a conservação de si ou a

não observá-las quando lhe for desfavorável. Portanto, a ação praticada está

centrada em um só ponto: o próprio sujeito da ação. A vontade, o último apetite ou

repulsa na deliberação, escolhe sempre o melhor a ser feito por e para si. Não se

trata de um egoísmo gratuito, mas sim de uma disposição que atende a necessidade

natural de autoconservação.

Dentre as leis formuladas no sistema hobbesiano a primeira ou lei fundamental de

natureza é esta, ―que todo homem deve se esforçar pela paz, na medida em que

tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode procurar e usar todas

as ajudas e vantagens da guerra‖ (HOBBES, 2003, p.113). Há duas alternativas

quanto ao modo de agir, buscar a paz ou fazer a guerra. Seja qual for a alternativa

que se use, ela necessariamente deve se dar em função de si mesmo.

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Ao perguntarmos a Hobbes o que é direito natural, a resposta é sempre esta:

liberdade para fazer aquilo que representa a melhor alternativa em vista a

autoconservação. E ao indagarmos qual a funcionalidade das leis de natureza, o

filósofo deixa claro que é condicionar as ações humanas de modo a contemplar toda

a extensão de necessidades de conservação; ou seja, direito natural e leis de

natureza são princípios diferente, com funções e objetivos diferentes, mas inerentes

ao mesmo interesse do corpo em questão, manter-se em movimento e incrementar o

poder próprio. Entretanto, a ausência de um poder irresistível capaz de governar os

homens, permite o entrecruzamento de interesses gerando o que em Hobbes se

denomina de estado de guerra. E a guerra representa uma ameaça ao direito natural

a vida, gerando um perpétuo medo da morte violenta. Portanto, na inexistência de

um direito positivo todo homem tende naturalmente a seguir a segunda alternativa

da lei fundamental de natureza. Independente da condição – seja esta natural ou

política –, o referido direito deve ser utilizado em favor de si sempre que a ocasião

exigir do indivíduo.

Referências

HOBBES, Thomas. Do Cidadão. Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo:

Martins Fontes, 1992

______. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo: Martins Fontes,

2003.

______. Os Elementos da Lei Natural e Política. Tradução de Fernando Dias

Andrade. São Paulo: Ícone, 2002.

MACADAM, James. Rousseau e Hobbes. In: Pensadores Políticos Comparados.

FITZGERALD, Ross (Org.). Tradução de Antonio Patriota. Brasília: Editora UnB,

1983, p. 131-151.

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A LIBERDADE GENIAL

Luiz Carlos De Souza Filho

Mestrando – UFPR

Orientador: Dr. Vinicius Berlendis de Figueiredo

[email protected]

Palavras chave: Liberdade – Regularidade – Sistema – Gênio – Arte.

Falar de liberdade em Kant é sempre um desafio, pois para quem ao menos deu

uma passada de olhos sobre sua teoria do conhecimento, ou ainda, sobre os

escritos onde o autor trata a respeito da moralidade, percebe a dificuldade que cerca

o tema da liberdade em Kant, seja ela a liberdade transcendental, ou seja a

liberdade prática, se é que podemos dizer que se trata de coisas distintas, pois bem,

é este um dos problemas que trataremos no momento, e não satisfeito com tamanha

questão o objetivo principal que tenho em vista é investigar se essa liberdade se

mostra de algum modo também na terceira crítica de Kant, A Crítica do Juízo (KU),

sobretudo na experiência do sentimento estético, e em decorrência disto na figura do

Gênio artístico. Desde já podemos afirmar que de modo algum o Gênio é um

indivíduo empiricamente livre, pois isso seria uma contradição não só ao espírito

mas também a letra da filosofia kantiana, o objetivo então é tentar entender qual a

distinção entre um sujeito ―comum‖ determinado por suas faculdades de

conhecimento e limitado pela crítica, e o sujeito ―genial‖, o qual possui um ―uso livre

de suas faculdades de conhecimento‖ (KU 200) ou ainda, ―Gênio é a inata

disposição de ânimo (ingenium) pela qual a natureza dá regra a arte.‖ (KU 181).

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Como entender esse inatismo do Gênio? Segundo Kant o Gênio é um privilegiado

pela natureza, um escolhido por ela para dar regra a arte. Sendo assim, como

conciliar um filósofo iluminista como Kant, o qual nitidamente nas duas primeiras

críticas valoriza a sistematização da razão, mostrando num importante texto

chamado: Resposta a pergunta: O que é Esclarecimento? que basta um indivíduo

querer sair de sua menoridade, ou seja, tomar uma atitude de deixar de ser guiado

por outros, e fazer uso de sua própria razão que após um longo percurso, difícil e

penoso, seria capaz de atingir o Esclarecimento, o qual então permitiria ao indivíduo

agir moralmente. Sendo a moralidade o fim último não só de um homem individual

mas também de um sujeito cosmopolita.

Tal questão nos leva a questionar o motivo que leva Kant permitir que através da

razão um homem atinja seu fim supremo e não permita que um homem através de

sua razão torne-se um gênio, pois como podemos observar nos escritos de Kant o

Gênio é um escolhido pela natureza , recebe, é dotado de um espírito genial. Fato

que nos leva a uma possível interpretação de que um homem por mais que estude,

pesquise, treine, sinta, contemple etc., nunca se tornará um Gênio se a natureza

assim não o queira. ―(...) O gênio consiste na feliz disposição, que nenhuma ciência

pode ensinar e nenhum estudo pode exercitar, (....) (KU 199).

Neste contexto pretendemos analisar ponto a ponto essa figura tão invejada e

curiosa que é o gênio artístico, tentar buscar qual a diferença entre ele e o público

pois de algum modo ele é diferente dos outros homens, tentaremos então buscar

qual seria essa diferença, e neste panorama o problema da liberdade retorna com

toda força, pois arriscamos dizer que o tal ―uso livre de suas faculdades de

conhecimento‖é o que faz com que o gênio produza sua arte, mesmo este não

sendo realmente livre, ou seja, o Gênio pensa-se livre mas empiricamente não o é.

Para entender melhor essa questão podemos colocá-las em outras palavras, se

pensarmos na distinção entre coisa-em-si e fenômeno no sistema de Kant a qual

norteia boa parte de sua filosofia, o Gênio como coisa-em-si pensa-se livre mas

como fenômeno está preso ao mundo. (...)o gênio se compraz em seu arrebatado

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ímpeto, porquanto abandonou o fio pelo qual antes a razão o dirigia(...)1. Podemos

até admitir através da Crítica da Razão Prática ou até pela solução da Terceira

Antinomia que todos os homens devem pensar-se livre, porém a diferença entre

estes e o Gênio é que o Gênio realmente sente-se livre ele não pensa-se somente

livre, porém a cada momento que ele volta os olhos para o mundo, e volta a

sistematizar pela sua razão para se comunicar com os demais homens, a razão

torna-se um fardo para ele, fato este que será visto um pouco mais adiante.

Ainda tratando-se da figura do gênio é intrigante o fato que ―nós‖ geralmente o

invejamos, quem nunca quis ser como Goethe, Sócrates, Shakespeare, Homero,

Mozart, Bach ou Beethoven entre outros?Segundo Kant, esta suposta ―inveja‖ que

possuímos em relação ao Gênio deve-se ao fato que: ―Ser auto-suficiente, por

conseguinte isto é fugir dela (da sociedade), é algo que se aproxima do sublime,

assim como toda liberação de necessidades” (KU 127) é por esta libertação ou por

esta auto-suficiência que invejamos o gênio, pois produz em nós um sentimento

próximo ao sublime. Quando observamos o Gênio, sobre-tudo quando

reconhecemos seu espírito Genial o qual segundo Kant ele é dotado, sentimos que

de algum modo existe uma certa liberdade a qual se evidência em sua produção.

Podemos primeiramente investigar quais as características principais que constituem

o Gênio buscando sua relação com o mundo, e investigar essa liberdade de

pensamento que só gênio tem posse, ou melhor, faz uso. Descobrir até que ponto tal

liberdade pode ser vista ou entendida em termos da liberdade transcendental ou da

liberdade moral, sem que com isso o sistema kantiano do conhecimento não se

abale. Ainda tentar encontrar vestígios nos escritos de Kant algo relativo a um

abandono da razão da parte do Gênio (...) o gênio se compraz em seu arrebatado

ímpeto, porquanto abandonou o fio pelo qual antes a razão o dirigia (...)2, se caso

confirmada a hipótese da recusa da razão por parte do gênio, automaticamente

recusa também toda a idéia de regularidade e de totalidade as quais a razão é

1 Que significa orientar-se no pensamento? P. 60

2 Que significa orientar-se no pensamento? P. 60

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responsável, ―O uso hipotético da razão tem, pois, por objetivo a unidade sistemática

dos conhecimentos do entendimento e esta unidade é a pedra de toque da verdade

das regras‖ (A 648, B 676) (Totalidade e regularidade da natureza Dialética

Transcendental).

Na medida em que avançamos percebemos que a questão do Gênio em Kant nos

oferece uma grande e variada fonte de pesquisa de um ponto de vista um tanto

quanto instigante, pois partimos em busca de uma figura que apesar de ainda não

sabermos bem do que se trata, podemos dizer que possui uma relação com o

mundo de algum modo diferente do ―sensus communis‖, é em busca desse algo,

desse modo diferente, que pretendemos partir.

Referências bibliográficas

KANT, I. Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático. Trad.: Clélia Aparecida

Martins. São Paulo: Iluminuras, Biblioteca Pólen, 2006.

_______. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad.: Valério Rohden e António Marques.

Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1995.

_______. Crítica da razão pura. Trad.: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre

Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. Segunda Edição.

_______.Que significa orientar-se no pensamento? In.: Textos seletos, Petrópolis,

RJ: Vozes, 2008

LEBRUN, Gérard. Kant e o Fim da Metafísica. Trad.: Carlos Alberto ribeiro de Moura

São Paulo: Martins Fontes, 2002.

SUZUKI, Márcio. O Gênio Romântico. São Paulo: Iluminuras, 1998.

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A TEORIA NEURONAL DO PROJETO DE UMA PSICOLOGIA (1895) E SUAS IMPLICAÇÕES: UMA INTRODUÇÃO AO MATERIALISMO FREUDIANO

Gleisson Roberto Schmidt

Instituições: Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Programa de Pós-

Graduação em Filosofia – Mestrado); Universidade Federal do Paraná

(Departamento de Filosofia)

Orientadores: Dr. Francisco Verardi Bocca (PUCPR); Dr. Luiz Damon Santos

Moutinho (UFPR)

E-mail: [email protected]

Bolsista CNPq de Iniciação Científica, Edital 2008-2009

Palavras-chave: epistemologia da Psicanálise; materialismo; psicologia científica;

teoria neuronal; filosofia da natureza.

Em linhas gerais, o termo materialismo designa uma atitude filosófica caracterizada

pelo recurso exclusivo à noção de matéria para explicar a totalidade dos fenômenos

do mundo físico e do mundo moral. Em todos os matizes que esta atitude assumiu

ao longo da história do materialismo – desde o atomismo grego até a física

corpuscular e suas aplicações à química e à biologia - tal redução não aconteceu

sem questões paradoxais. Uma delas, referente à filosofia da mente, pode ser

expressa nos seguintes termos: se cada materialismo se propõe a tarefa de definir o

primado da matéria tanto no domínio da física quanto no da moral, estaria por isso

sempre confrontado a delimitá-la – a matéria - ao interior do pensamento? Em caso

afirmativo, como o faria?

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Sigmund Freud, a seu modo, parece ter respondido estas questões, e descrever a

maneira como este autor o fez constitui o objetivo do presente trabalho. Na última

década do século 19, momento em que se assistia, no domínio da epistemologia,

uma espécie de ―disputa‖ por legitimidade científica (FERREIRA, 2006, p. 17) entre o

conjunto constituído pelo saber tradicional clássico galileano (que incluía a física, a

química e as demais ciências naturais) e o conjunto das nascentes ciências

humanas - que à época careciam de solidez metodológica -, Freud realiza uma

empresa singular: propõe-se ―fornecer uma psicologia científica e naturalista, ou

seja, expor os processos psíquicos como estados quantitativamente determinados

de partes materiais capazes de serem especificadas e, com isso, torná-los intuitivos

e livres de contradição‖ (FREUD, 1895/2003, p. 175). Trata-se do Projeto de uma

Psicologia de 1895. Por ter a intenção de apresentar os processos psíquicos como

partículas materiais em movimento – o que caracteriza uma psicologia quantitativa -,

Freud adota, no Projeto, uma concepção materialista de princípio, ou seja, nega a

dualidade entre substâncias psíquicas ou mentais e substâncias físicas. O que dizer

então do estatuto que Freud confere à matéria, esta que, resguardada a filiação

materialista do projeto freudiano, constituiria o ―estofo‖ dos processos psíquicos, o

componente ao qual toda a realidade mental deveria ser reduzida? E o que há de

propriamente original em suas elaborações acerca da materialidade do psíquico?

No Projeto Freud introduz a descrição do funcionamento do aparelho psíquico e o

modus operandi das psicopatologias a partir da conjugação entre uma abordagem

quantitativa, a teoria neuronal e o paradigma biológico-adaptativo. A primeira se

justifica pelo fato de que a física corpuscular galileano-newtoniana constituía o

referencial epistêmico de todo o qualquer discurso científico que aspirasse a esse

status. Da física, então, Freud assume a tese segundo a qual no mundo externo ao

sistema nervoso ―há apenas massas em movimento e nada mais‖ (FREUD,

1895/2003, p. 187), do que decorre que os estímulos que invadem o sistema

nervoso só podem ser de natureza quantitativa, isto é, massas em choque

ocasionando propagação de movimento. Se uma psicologia naturalista também

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precisa submeter-se a esse princípio, qual seria a instância pronta a receber e

associar os estímulos oriundos dos diferentes órgãos sensoriais, possibilitando a

ocorrência de processos conscientes? No Projeto, bem como nos textos

metapsicológicos a ele relacionados, Freud apresenta o neurônio como esta

partícula material cujos estados quantitativamente determinados produzem, no

psiquismo, os processos relacionados à percepção, à memória e à consciência. É a

partir desse dado primitivo que este autor responde ao problema da delimitação da

matéria ao interior do pensamento. Pode-se então afirmar que o Projeto descreve a

gênese materialista da interioridade sobre a atividade perceptiva deste – o neurônio

- que é a ―substância perceptiva do ser vivo‖ (FREUD, 1915/1992, p. 115). No que

concerne à epistemologia, então, todo conhecimento possível é empiricamente

condicionado pela estrutura básica do neurônio, excluído qualquer conhecimento a

priori.

O neurônio apresenta-se, na peculiaridade de seu funcionamento, como a estrutura

ordenadora das representações possíveis; é ele quem recebe os estímulos

provindos das massas em movimento no mundo externo ―numa fórmula de redução

desconhecida‖ (Freud, in GABBI JR., 2003, p. 190); é ele que transfere, regido pelo

princípio da inércia, a quantidade em curso em seu interior às barreiras de contato

pelo caminho conveniente; é ele o portador da memória e das possibilidades de

relacionar idéias; é de uma organização neuronal que resulta o eu e sua capacidade

de modificar cursos excitativos que, de outra forma, ocorreriam sem inibição, pondo

em risco a preservação do organismo inteiro; é ele, por fim mas não por último, que

possibilita a percepção de qualidades.

Imaginamos com isso ter esboçado a forma como Freud descreve a gênese do

psiquismo a partir da materialidade do neurônio. No campo da teoria do

conhecimento, esta é sua especificidade: o psicanalista sustenta que um elemento

material primário, em sua própria arquitetura, organização e funcionamento, possa

ser responsável por todos os processos psíquicos, desde os mais elementares até

os mais elevados. Em meio a uma multiplicidade de influências passíveis de serem

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esquadrinhadas, situando-se ela mesma numa posição de reformulação de

pressupostos do naturalismo precedente (SIMANKE, 2009), a psicanálise freudiana

assume o monismo de certa filosofia da natureza em curso no espírito científico de

sua época para com ele recusar a duplicidade de substâncias e responder às

perguntas acerca da extensão do conhecimento humano e da natureza das leis que

regem os processos psíquicos. A psicanálise evidencia assim, desde a teoria

neuronal do Projeto, sua fundamentação nesta escola de pensamento, pelo menos

no que diz respeito à teoria do conhecimento.

Referências bibliográficas

FERREIRA, A. P. B. Contextualização epistemológica da psicanálise de Freud.

Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Filosofia

da PUCPR. Curitiba, 2006.

FREUD, S. Projeto de uma Psicologia (1895). In GABBI JUNIOR, O. F. Notas a

Projeto de uma Psicologia. As origens utilitaristas da psicanálise. Rio de Janeiro:

Imago, 2003.

_____. Pulsiones y destinos de pulsión (1915). In Sigmund Freud – Obras

completas. Buenos Aires: Amorrortu, vol. XIV, 1992, pp. 105-134.

SIMANKE, R. T. Freudian Psychoanalysis as a model for overcoming the duality

between natural and human sciences. Paper apresentado na Disciplina História da

Psicologia I. Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Filosofia e

Metodologia das Ciências, 2009 (no prelo).

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O TEMPO COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO

OBJETO EM MERLEAU-PONTY

Jeovane Camargo

Universidade Federal do Paraná

Orientador: Luiz Damon Santos Moutinho

[email protected]

Palavras-chave: método, objeto, percepção, temporalidade, condição de

possibilidade

Ao iniciar o estudo da percepção, Merleau-Ponty comenta que nós ―encontramos na

linguagem a noção de sensação, que parece imediata e clara‖. Em seguida, ele

anuncia que é preciso ver como essa noção é ―a mais confusa que existe‖1. O

procedimento merleau-pontiano que se inicia aqui, por um lado, é o de descrever o

pensamento objetivo e de lhe colocar questões que ele próprio se coloca2, de modo

que estas revelem as contradições e os pressupostos não esclarecidos pelos quais

o pensamento objetivo se constrói; de outro lado, é um procedimento que se serve

das ciências humanas como de uma forma de investigação que trás à tona certo

modo de ser não tematizado pelas filosofias clássicas. É assim, por exemplo, que a

noção de sensação como puro quale, em voga no empirismo, dissolve-se ante a

pesquisa psicológica que mostra que não temos a experiência sensorial de dados

puros, mas de qualidades ambíguas, sinestésicas. No entanto, embora elas lhe

sirvam de instrumento, Merleau-Ponty não pára nas ciências humanas, as quais

mostrariam por si sós um ultrapassamento do pensamento objetivo. O que ele

1 MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad.: Carlos Alberto Ribeiro de Moura.

São Paulo: Martins Fontes, 3ª ed., 2006, p. 23. 2 O intuito de não endereçar ao pensamento objetivo questões que ele mesmo não se coloca é

revelador do método merleau-pontiano. O recuo à experiência perceptiva deve surgir como uma necessidade ao se fazer o inventário do pensamento clássico. Pressuposta por eles a todo momento, ela acaba esquecida em razão de um ―golpe‖ natural: a passagem da experiência efetiva, vivida por todos, ao pensamento objetivo, construtor de um objeto único, verdadeiro. Id., ibid., p. 110.

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procura é uma nova concepção do ser que leve ao mesmo tempo para além da

filosofia clássica e aponte para certa ―compreensão‖ do ―real‖ que permita às

ciências humanas um novo tipo de investigação — embora elas se alcem para

adiante das teorias clássicas (naquilo que elas desvelam), elas ainda são devedoras

do pensamento objetivo (pelo modo como compreendem). O procedimento merleau-

pontiano aqui é aquele mesmo apresentado na descrição da fala falante, o de

reorganizar as significações já constituídas, habitualmente repetidas na linguagem

ordinária, em vista de um sentido novo. Não se trata de desvelar a Verdade, mas de

instituir certa verdade, histórica. E o saldo, logo anunciado, desse procedimento, é o

reencontro com o fenômeno da percepção. Ora, se já encontramos na linguagem

certa noção de sensação, assim como certa noção de objeto, é preciso perguntar

então como essas noções se constituíram? Qual é o solo que fundamentou seu

nascimento? Pois é certo que a definição de objeto como partes extra partes,

definição que está por trás daquela de sensação, não pode ser apenas um delírio ou

sonho dos filósofos, mas de alguma forma se encontrar, ou ao menos se anunciar,

no mundo. Assim como a fala falante ou o movimento temporal, é sempre por uma

retomada que pode aparecer algo novo, não há projeção se não houver retenção. A

experiência perceptiva, assim, se se quer primordial, precisa se apresentar como o

solo de toda criação. Portanto, como a condição mesma tanto do pensamento

objetivo quanto do movimento paradoxal do ser no mundo. Ao descrever e analisar

as teorias clássicas, Merleau-Ponty partia de certas noções caras tanto ao

empirismo quanto ao intelectualismo, fazendo ver que na estrutura mesma daqueles

sistemas filosóficos apresentavam-se contradições e pressupostos que

evidenciavam um fundo não esclarecido; análise corroborada, em grande parte,

pelas investigações das ciências humanas. Ali a crítica principal era a de ―construir a

percepção com o percebido‖1, isto é, delimitar ―o sensível pelas condições objetivas

das quais depende‖2, aquilo que Merleau-Ponty chama de ―prejuízo do mundo‖. No

1 Id., ibid., p. 26.

2 Id., ibid., p. 28.

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entanto, partir de noções instituídas, ordinariamente usadas na linguagem cotidiana,

e daí, com o auxílio das ciências humanas, apresentar uma experiência de mundo

que fora esquecida, é tratar, por assim dizer, de apenas um dos lados da questão. É

preciso ainda que se faça não somente a descrição do mundo objetivo e da

ambiguidade da percepção, mas também que se mostre como ambos são possíveis.

Em outras palavras, trata-se de já ter o campo transcendental (temporal) em vista no

momento de fazer a crítica aos clássicos e o relato da percepção, lá mesmo onde se

tem a ―descrição psicológica‖ como método filosófico. A constituição do objeto e a

constituição do corpo como objeto são momentos decisivos na construção do mundo

objetivo, como o mostra Merleau-Ponty. Mas essa questão precisa ser abordada

pelo filósofo, e ele o faz, segundo suas duas faces, aquela de sua constituição e

aquela de sua possibilidade. Não basta que se diga apenas que o pensamento

objetivo se constitui quando ―supomos de um só golpe em nossa consciência das

coisas aquilo que sabemos estar nas coisas‖1, quando, ao analisar a percepção,

transportamos seus objetos coloridos e sonoros para a consciência, é preciso dizer

também como essa passagem, da percepção à ―consciência de‖, da ambiguidade ao

objeto claro e acabado, é possível. Enfim, é preciso mostrar como a definição de

objeto como partes exteriores umas às outras encontra seu solo de nascimento na

própria experiência perceptiva. Como essa experiência possibilita dois discursos tão

distintos, aquele do pensamento objetivo e aquele da fenomenologia? Seria preciso

dizer aqui, é claro, como pode ser que a experiência perceptiva seja o fundamento

de todo discurso, de toda expressão2. Esse problema será em parte resolvido ao

analisarmos como, no interior da filosofia de Merleau-Ponty, desenvolvem-se os

temas da constituição do objeto e de sua possibilidade. Detenhamo-nos então no

1 Id., ibid., p. 26.

2 ―A percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição

deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles.‖ (Id., Ibid., p. 6)

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problema da origem1 do objeto, passo que nos levará, mais adiante, à consideração

da temporalidade.

Referências:

MERLEAU-PONTY, Maurice. Phénoménologie de la perception. Paris: Gallimard,

1995 [Fenomenologia da percepção. Trad.: Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São

Paulo: Martins Fontes, 1999].

_____. Le primat de la perception. Paris: Verdier,1996 [O primado da percepção e

suas conseqüências filosóficas. Trad.: Constança Marcondes César. Campinas:

Papiros, 1990].

MOURA, Carlos Alberto Ribeiro de. Racionalidade e crise. São Paulo: Discurso

Editorial e Editora UFPR, 2001.

1 Em uma passagem da PHP, Merleau-Ponty diz que ―é preciso que reencontremos a origem do

objeto no próprio coração de nossa experiência (...)‖ (Id., Ibid., p. 109). Daqui nasceu a ideia diretriz destas páginas.

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O SUMO BEM LEIBNIZIANO DE IMMANUEL KANT

Rafael da Silva Cortes

UFSM/ PPGF, BOLSISTA CAPES.

Orientador: Prof. Dr. Hans Christian Klotz.

[email protected]

Palavras- chave: Sumo Bem, Moralidade, Cânon da Razão pura, Kant, Reino da

graça.

O conceito kantiano de Sumo Bem, apresentado originalmente no segundo capítulo

da Doutrina transcendental do método da Crítica da razão pura (1781), ―O cânone

da razão pura‖, tem sido um dos objetos centrais das discussões a respeito da

filosofia moral de Kant. Esse conceito tem suscitado inúmeras indagações,

sobretudo no que se refere a sua função, composição e importância dentro do

sistema crítico. Comentadores autorizados da filosofia kantiana como Lewis W.

Beck1 e Frederick C. Beiser2, por exemplo, reservam espaço – mesmo que não

exclusivamente – em suas reflexões às questões envolvidas no conceito de Sumo

Bem de Kant3. Entretanto, grande parte dos autores não tem dado a devida

importância às considerações que Kant tece sobre o Sumo Bem e sua relação com

a moralidade no ―O cânone da razão pura‖, mas dedicam-se quase que

exclusivamente a segunda parte da Crítica da razão prática (1788). Aliás, poucos

autores se referem às afirmações feitas por Kant no contexto desse capítulo da

CRP. De modo contrário, pensamos que o conteúdo das palavras de Kant no

1 BECK, Lewis White. A commentary on Kant`s Critique of Practical Reason. Chicago: University

of Chicago Press, 1963. 2 BEISER, Frederick C. ―Moral faith and the highest good‖. In: The Cambridge Companion to Kant

and Modern Philosophy, edited by Paul Guyer: Cambridge University Press; 2007: pp. 588-629. 3 Allen W. Wood, John Silber, Thomas Auxter, entre outros, também têm se dedicado a analisar o

conceito kantiano de Sumo Bem.

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Cânone, principalmente em relação ao Sumo Bem, merecem ser analisados tendo

em vista seu teor em comparação com o desenvolvimento da filosofia crítica, isto é,

a partir da Fundamentação da metafísica dos costumes (1785) e principalmente da

CRPr. Nesse sentido, investigaremos a tese que Beiser defende sobre a origem do

Sumo Bem kantiano, pois sua proposta contribui relevantemente a discussão sobre

esse conceito e o contexto de sua origem, ou seja, em ―O cânone da razão pura‖.

No Cânone Kant revela alguns elementos fundamentais de sua filosofia moral tal

como ele a concebeu quatro anos antes da FMC. Fato que nos permite dizer que na

CRP ele possuía uma espécie de concepção moral ainda em germe, tanto que ali

ele formula algumas proposições que demonstram, por assim dizer, certa incerteza

quanto à posição e função de cada conceito prático. Dentre suas afirmações que

revelam uma, por assim dizer, concepção moral prematura do autor da CRP,

algumas são facilmente vistas como opostas a sua filosofia moral defendida na FMC

e na CRPr. Nessas passagens do Cânone ele sugere, por exemplo, que devemos

admitir a existência de Deus e de uma vida futura como necessários para que a idéia

de moralidade tenha efeito no nosso agir. Além disso, Kant afirma que as leis morais

somente se impõem como mandamento à razão humana se admitirmos ―certas

consequências apropriadas‖ advindas dessas leis, tais como ―promessas e

ameaças‖ (B 839). Nessa passagem do Cânone Kant afirma que a existência da lei

moral está condicionada a ideia de Deus e de imortalidade da alma e, ainda mais do

isso, que a esperança de recompensa ou o medo de punições determinam o caráter

imperativo da moralidade. Ou seja, são afirmações notoriamente contraditórias ao

conteúdo de sua futura fundamentação moral, em cuja qual a lei da moralidade

prova sua autoridade mediante um fato da razão. Esse fragmento do Cânone se

refere a um dos componentes centrais – a moralidade – não só da filosofia prática

como um todo, mas também ao que Kant conceberá na CRPr como sendo o Sumo

Bem, isto é, a união entre a moralidade e a felicidade.

Nesse contexto, é importante atentar para o fato de que na CRP Kant parece não

compreende o Sumo Bem como sendo a união entre esses dois elementos, tal como

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ele defenderá na segunda Crítica. Mas no Cânone o autor da Crítica parece definir

esse conceito como sendo algo bastante diverso e, em certo sentido, surpreendente.

Kant define o Sumo Bem no Cânone da primeira Crítica como sendo ―a ideia de

semelhante inteligência, na qual a vontade moralmente mais perfeita, ligada à

suprema beatitude, é a causa de toda a felicidade no mundo‖ (B 838). A definição de

Sumo Bem aqui parece bastante clara, isto é, significa essa ―inteligência‖ suprema

que une a felicidade em proporção à virtude (moralidade) do sujeito agente. Noutras

palavras, pode-se dizer que em ―O cânone da razão pura‖ na primeira Crítica Kant

concebe o Sumo Bem como sendo Deus.

Ante o exposto levantam-se algumas perguntas: 1) porque no Cânone Kant defende

algo sobre a fundamentação da moralidade que parece tão contraditório com o que

ele expõe na FMC quatro anos mais tarde? 2) porque no Cânone Kant entende o

Sumo Bem como sendo Deus se na CRPr ele afirmará que essa compreensão é

errônea, apresentando assim, outra caracterização desse conceito? 3) porque o fim

último da razão pura (Sumo Bem) possui um elemento empírico em sua composição,

qual seja, a felicidade? Dentre todas essas questões que se levantam a partir das

afirmações de Kant no Cânone, neste ensaio nos restringiremos a analisar a

segunda delas.

Segundo Frederick Beiser o conceito de Sumo Bem que os filósofos modernos

tinham em mente era o conceito de Cidade de Deus de Santo Agostinho, embora

com uma nova roupagem (BEISER, 2007, p. 594). Por conseguinte, Kant, de acordo

com Beiser, serviu-se desse conceito de Sumo Bem influenciado não apenas por

Santo Agostinho, mas também por Leibniz, como, aliás, o próprio autor da Crítica

denota numa passagem do Cânone. Nela Kant se refere com todas as letras a

Leibniz afirmando que, assim como o reino da graça leibniziano, o qual está sob o

governo do Sumo Bem, devemos, portanto nos considerar – enquanto submetidos

às leis morais – como participantes de um reino de mesma espécie, ou seja,

governado pelo Sumo Bem (B 840).

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Assim, Beiser parece sugerir uma resposta plausível a nossa segunda pergunta

mencionada anteriormente, a qual se configurará como o objeto central deste

ensaio. De toda maneira, mesmo parecendo uma resposta plausível, torna-se

importante investigar o contexto de ―O cânone da razão pura‖ da CRP para saber se

a tese de Beiser, de fato, responde nossa pergunta e, ainda, se sua resposta se

aplica a todas as apresentações que Kant faz ao longo de sua filosofia prática

propriamente dita de seu conceito de Sumo Bem. Esse último aspecto merece nossa

atenção, pois pelo que denota em seu artigo, Beiser não atenta para o fato de que

Kant parece compreender o conceito de Sumo Bem sob diferentes perspectivas

durante o desenvolvimento de sua filosofia crítica. Isso quer dizer que, se a tese de

Beiser acerca da influencia de Leibniz na construção do Sumo Bem kantiano está

correta, devemos analisar se ela se aplica a todas as diferentes abordagens que

Kant faz desse conceito ao longo de sua filosofia prática. Noutras palavras, é preciso

investigar se a tese de Beiser não se aplica única e exclusivamente ao Sumo Bem

kantiano da Crítica da razão pura.

Bibliografia

BECK, Lewis White. A commentary on Kant`s Critique of Practical Reason. Chicago:

University Of Chicago Press, 1963.

BEISER, Frederick C. ―Moral faith and the highest good‖. In: The Cambridge

Companion to Kant and Modern Philosophy, edited by Paul Guyer: Cambridge

University Press (Cambridge Collections Online), 2007. pp. 588-629

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e

Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

_____. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa:

Edições 70, 2005.

_____. Crítica da razão prática. Trad. de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes,

2002.

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CARÁTER, DETERMINISMO E LIBERDADE EM KANT E SCHOPENHAUER

Vilmar Debona

Professor da PUCPR

Doutorando em Filosofia pela USP

Palavras-chave: Determinismo, Liberdade, Caráter, Kant, Schopenhauer

A presente comunicação pretende expor parte de um projeto de pesquisa de

Doutorado que está sendo desenvolvido junto à Universidade de São Paulo. O

objetivo central do trabalho consiste em analisar o contexto da gestação do conceito

de ―caráter‖ em Kant, paralelamente à problemática da liberdade [transcendental], na

terceira antinomia. A partir disso, estudamos as noções de caráter em

Schopenhauer e pretendemos defender que a terceira forma desse conceito, o que

Schopenhauer denomina caráter adquirido, pode oferecer uma resposta às

discussões sobre a liberdade em ambos os pensadores. Uma das preocupações de

Schopenhauer, enquanto crítico de Kant, é aquela a respeito da problemática

oferecida pela terceira antinomia da razão pura, cujo objeto é a liberdade. A tese

deste ―fenômeno novo da razão‖, a partir do qual a razão mesma teria de ser

julgada, anuncia que ―a causalidade segundo leis da natureza não é a única de onde

podem ser derivados os fenômenos do mundo no seu conjunto. Há ainda uma

causalidade pela liberdade que é necessário admitir para os explicar‖ (CRPu, A 444/

B 472). Já a antítese de tal fenômeno diz que ―não há liberdade alguma, mas tudo

no mundo acontece unicamente em virtude das leis da natureza‖ (CRPu, A 445/ B

473). Sabemos que Kant lida com esse impasse da razão a partir da consideração

de que a sua ―solução‖ só poderia ser posta dentro do Idealismo Transcendental.

Esse conflito da razão não seria um conflito de tipo lógico, já que um interesse lógico

seria um interesse apenas da razão teórica, e esta não teria o aparato conceitual

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suficiente para resolvê-lo. Seria a razão prática que teria um interesse na antinomia,

e o motivo pelo qual Kant colocou tese e antítese lado a lado, sem se auto-

excluírem, tinha por propósito defender que haveria uma causalidade na natureza,

mas que também haveria uma outra causalidade mediante liberdade. Assim, a

chamada liberdade causal das ações humanas poderia ser encontrada apenas no

mundo inteligível, uma esfera desprovida de espaço e tempo. Desse modo, segundo

Kant, a liberdade consistiria na aplicação de uma causa inteligível, independente de

causas naturais, tendo seu fundamento apenas nos pressupostos da razão prática.

Com isso, estaria salvaguardada a liberdade de ação e de escolha do ser humano

em um mundo fenomênico regido por leis naturais causais. Sabemos também que o

chamado caráter empírico, tanto em Kant quanto em Schopenhauer, estando

submetido à lei das motivações e da necessidade, expressa o caráter inteligível, que

por sua vez é livre. Ora, se a inteligibilidade do caráter, para os dois filósofos, é

imutável; e se, no caso de Kant, o caráter empírico apenas segue tal natureza

inteligível, podemos afirmar que apesar da decorrente determinação no âmbito da

prática, é a distinção das esferas numênica e fenomênica que salva a liberdade de

ação e de escolhas do homem no universo das leis naturais. Entretanto, no caso de

Schopenhauer, tendo em vista sua crítica à ―solução‖ kantiana, o que se teria como

resposta? Em primeira instância é possível afirmarmos que não existe liberdade

empírica em Schopenhauer. A questão das motivações, somadas à natureza dos

caracteres, revela o que cada indivíduo é em sua determinação natural. E nem a

compaixão, embora surja espontaneamente, pode ser um ato propriamente livre,

pois é também submetida à lei da motivação. A liberdade só se apresentaria no

fenômeno mediante o ato de negação da vontade, único caso em que caráter

empírico e caráter inteligível coincidiriam. Mas, segundo Schopenhauer, a vontade é,

para cada homem, algo dado, do qual não se pode fugir. Eis aí o determinismo em

sua mais pura forma, que tem seu mote na expressão escolástica operari sequitur

esse, as ações seguem sempre a essência. Conforme afirma Schopenhauer, o

próprio indivíduo é como quer e quer como é. Diante da diversidade de caracteres,

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cada ação humana é necessariamente um produto de certo caráter e dos motivos

que se lhe apresentam. Percebemos, pois, como o pensador descarta o livre-arbítrio

e não vê a liberdade nas ações individuais. Ao contrário, só é possível notar a

liberdade quando se admite que ela está no ser (esse) e não na ação individual

(operari). Com isso, tal como fez Kant, embora por caminhos diversos,

Schopenhauer não suprime a liberdade, mas desloca-a para o plano transcendental.

No entanto, encontraremos algo a mais como ―resposta‖ para os impasses entre

liberdade e determinismo se considerarmos, acima de tudo, o que oferecem os

Parerga e Paralipomena, notadamente os Aforismos para a sabedoria de vida.

Nesses escritos o pensador utiliza-se do conceito de caráter e de sabedoria de vida

a fim de oferecer algo plausível a uma amenização do determinismo sem que seja a

proposta da negação da vontade. Trata-se justamente daquilo que ainda é possível

ser feito a partir do conhecimento do caráter de cada indivíduo ao longo da vida.

Após tratar das duas formas de caráter (inteligível e empírico) tal como assimiladas

do pensamento kantiano, Schopenhauer, num primeiro momento em sua obra

magna, afirma haver ainda uma terceira espécie desse conceito, o que possibilitaria

uma alternativa para a constatação de ―um resto de liberdade‖ no mundo empírico;

um caráter (re)conhecido apenas com os anos de vida; o que consiste, em verdade,

num conhecimento aprofundado do caráter empírico de cada indivíduo, a saber, o

caráter adquirido.Tratar-se-ia daquilo que ainda se pode fazer para a verificação da

possibilidade de algum tipo de liberdade sem ser a recorrência ao plano

transcendental, como havia feito Kant, ou então sem ser a hipótese da negação da

vontade, elaborada pelo próprio Schopenhauer. Ele seria o meio-termo entre

liberdade e necessidade porque faria a mediação entre o caráter inteligível e o

caráter empírico. Poderíamos afirmar, então, que mesmo não se podendo eliminar o

determinismo e a necessidade concernentes à metafísica schopenhaueriana, ainda

haveria ―resquícios‖ de liberdade no mundo empírico mediante o conceito de caráter

adquirido. E as bases desse raciocínio encontram-se na formulação das noções de

caráter e de liberdade da filosofia kantiana. Desse modo, sem ser a negação

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metafísica da vontade que garante uma espécie de liberdade, semelhante àquela

liberdade transcendental kantiana, haveria ainda, estritamente no plano empírico,

uma indicação schopenhaueriana que encurtaria a distância entre liberdade e

necessidade.

Bibliografia

SCHOPENHAUER, A. Die Welt als Wille und Vorstellung. München: bei Georg Muller,

1912.

_______. O mundo como vontade e como representação. Trad. J. Barboza. São Paulo: Unesp,

2005.

_______. Aforismos para a sabedoria de vida. Trad. J. Barboza. São Paulo: Martins Fontes,

2002. (Coleção Clássicos).

_______. Crítica da razão pura. Trad. De Valério Rohden e Udo Moosburger. 2ª Ed.

São Paulo: Abril Cultural, 1980.

_______. Crítica da razão prática. Trad. P. Quintela. Lisboa: Edições 70, 1989.

_______. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. P. Quintela. São

Paulo: Abril Cultural, 1980 (Os Pensadores).

BARBOZA, J. Mau radical e terapia em Schopenhauer. In: Daniel Omar Perez (Org.)

Filósofos e terapeutas: em torno da questão da cura. São Paulo: Escuta, p. 77-96,

2007.

CACCIOLA, M. L. O. Schopenhauer e a questão do dogmatismo. São Paulo: Edusp, 1994.

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A GLOBALIZAÇÃO COMO IDEOLOGIA

Prof. Ms. Guilherme Benette Jeronymo

UNICENTRO

[email protected]

Palavras-chave: Globalização; Neoliberalismo; Ideologia; Estado; Poder.

A importância que o constitucionalismo, a partir da Revolução Francesa em 1789,

trouxe para as sociedades modernas e contemporâneas, no que diz respeito ao

desenvolvimento (consolidação) do Estado e do Direito, fez deste movimento um

marco histórico fundamental para o estudo da questão ideológica presente nas

relações de poder que influenciaram profundamente a estrutura e organização da

sociedade mundial hodierna.

A idéia central dos movimentos constitucionalista francês e americano, ocorridos

quase que simultaneamente, era a de declarar direitos universais e inatos aos

homens e consolidá-los através de um instrumento jurídico que limitasse sua

violação principalmente pelo Estado e pudesse ao mesmo tempo legitimar o seu

exercício.

No entanto, o objetivo principal das Declarações Francesa e Americana não era

beneficiar a sociedade como um todo, apesar de ser essa a idéia que se pretendia

inculcar no povo, e sim, a preservação e proteção dos direitos eminentemente

burgueses que no regime anterior não possuíam a garantia de pleno exercício

(Vieira, 1999).

Desse modo, a Revolução Francesa caracteriza-se como um marco histórico

importante na construção ideológica determinante para a estrutura social, política,

cultural, jurídica e econômica dos Estados modernos e contemporâneos.

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Visando garantir a efetiva realização de certos valores, a ideologia age como uma

força configurativa de condutas e ideias que se procedem para obtenção de

determinados resultados.

Antonio Carlos Wolkmer (2000) define ideologia como um conjunto de ideias,

valores, maneiras de sentir e de pensar que atuam inclusive para justificar o

exercício do poder, explicar os acontecimentos e as relações entre as ações

políticas e outros tipos de ação.

Luiz Fernando Coelho (2003) explica que o conceito contemporâneo de ideologia

provém do marxismo e que segundo Marx consiste num sentido de pensar invertido,

que coloca como origem ou causa aquilo que é efeito ou conseqüência e vice versa.

Marilena Chauí (2000) explica que o senso comum que se forma na sociedade sobre

as explicações e justificações da realidade é o resultado de uma elaboração

intelectual feita por pensadores, filósofos, professores, jornalistas, políticos etc., que

descrevem e explicam o mundo a partir do ponto de vista da classe a que

pertencem, ou seja, a classe dominante. Essa elaboração torna-se o ponto de vista

de todas as classes e de toda a sociedade.

A razão disso é simplesmente a manutenção do status quo, pois a materialização da

ideologia da classe dominante permite a preservação de uma falsa consciência, que

não pode deixar de existir, sobre a realidade, sob pena de perder-se o controle

sobre o poder de dominação (Idem).

Diante dessa perspectiva, faz-se importante analisar o conteúdo ideológico que

envolve o processo da globalização, visto que, suas consequências geraram

transformações consideráveis na estrutura social, política, econômica e cultural dos

Estados contemporâneos.

Através do modelo econômico neoliberal, a globalização consolidou seus principais

objetivos, ou seja, universalizar os meios de produção, o fluxo de capitais e o

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mercado de consumo. Para tanto, foi necessária uma reestruturação das políticas

econômicas mundiais e dos Estados que possibilitasse a consolidação desse ideal.

As principais medidas adotadas pelos Estados para a adequação ao modelo que se

consolidava foram entre outras, a abertura ao mercado internacional, a redução do

Estado, o incentivo à competitividade e as privatizações.

Os atores mais aparentes da globalização são os grandes grupos econômicos

transnacionais que com a liberalização crescente dos mercados de bens, serviços e

capitais utilizam-se de tecnologias de ponta, em modelos informatizados de gestão,

no acesso fácil aos mercados financeiros e de capitais, no apelo de marcas e nomes

de prestígio, sustentadas por mídias igualmente globalizadas.

Porém, o agente mais audaz da globalização é o capital financeiro, que anônimo se

desloca pelo mundo, movido em busca incessante de maiores lucros. A instantânea

fluidez e o desimpedido movimento são vitais a sua existência e multiplicação. Por

isso, em seu anseio especulativo, rejeita regras, ignora fronteiras, defende com

unhas e dentes a liberdade de circulação, volatiliza-se quando pressente riscos

maiores e desloca-se rapidamente para onde vislumbra melhores oportunidades de

lucro.

Assim, a redução e o enfraquecimento do Estado fortalecem e promovem o ideário

liberal, convertendo o liberalismo em poderosa ideologia, ainda difusa, mas de

grande força impositiva (ECO, 1997).

A ideologia globalizante manipula as decisões adotadas pelos Estados

subordinando-os a um mercado invisível, ilegítimo, sem controle judicial ou político

(Sader, 1999) e em detrimento da representatividade democrática e das

necessidades sociais.

Todo esse quadro caracteriza-se, na expressão de Plauto Faraco de Azevedo, o

caráter ideológico do neoliberalismo, responsável pela ―desconformidade entre sua

imagem mental e sua realidade efetiva, induzindo ao erro de avaliação e tratamento

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desta.‖(1999; 103). Isso também revela a dimensão totalitária da globalização, que

se apresenta como uma opção contra a qual não adianta resistir.

Por fim, a insistência na preservação e realização de direitos sociais constitui um

significativo espaço de resistência à escalada globalizante, assinalando-se a

importância de se ampliar os horizontes para as utopias (Mannheim, 1976) e

acreditar que nada é definitivo ou irrealizável. Cabe ao homem portanto, o papel de

construção de uma sociedade independente, baseada em uma visão crítica e

fundada no ideal humanista e libertador das dominações, deixando-se de silenciar

aos discursos e pensamentos ideológicos individualistas e assecuratórios das

desigualdades sociais.

Referências:

AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça social e neoliberalismo. São Paulo: RT,

1999.

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2000.

______. O que é ideologia. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001.

COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,

2003.

ECO, Umberto. A estrutura ausente. 7. ed. Trad. P. de Carvalho. São Paulo:

Perspectiva, 1997.

MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

SADER, Emir. Estado e democracia: os dilemas do socialismo na virada do século.

In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-Neoliberalismo II: que estado para que

democracia? Petrópolis: Vozes, 1999.

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VIEIRA, Oscar Vilhena. Realinhamento constitucional. In: SUNDFELD, Carlos Ari;

VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito global. São Paulo: Max Limonade, 1999.

WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito. São Paulo: RT, 2000.

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A CARACTERIZAÇÃO DOS „SONHOS DE UM VISIONÁRIO‟ COMO UM ESCRITO DE CUNHO CRÍTICO

Marcio Tadeu Girotti

Universidade Estadual Paulista

Orientador: Prof. Dr. Lúcio Lourenço Prado

[email protected]

Palavras-chave: Kant, Pré-crítico, Dogmatismo, Criticismo, Virada crítica.

A pesquisa busca elucidar a caracterização da obra Sonhos de um visionário

explicados por sonhas da metafísica (1766) de Immanuel Kant como um escrito que

pode ser caracterizado, em alguns aspectos, como um escrito de cunho crítico

dentro da caracterização do período pré-crítico da filosofia kantiana. Para apontar os

Sonhos de um visionário como um escrito de cunho crítico e talvez como um escrito

de virada crítica, deve-se ter como base três pontos básicos, a saber: a consciência

da existência de dois mundos sensível e supra-sensível; os limites da razão e a

caracterização do espaço e tempo como meios para se abarcar aquilo que é

possível conhecer; esses três pontos desembocam na obra ―Acerca da forma e dos

princípios do mundo sensível e inteligível‖ (Dissertação de 1770) e também na

Crítica da razão pura (1781). Tendo isso em mente pode-se retomar o escrito de

1766, e perceber quais os temas ali tratados e remetê-los aos temas que serão

abordados nas duas obras posteriores. Já é sabido que a distinção entre mundo

sensível e mundo inteligível é a base da argumentação da Dissertação de 1770,

além de espaço e tempo serem caracterizados como formas puras da intuição

sensível do mesmo modo como encontramos na Crítica. Nesse sentido, pressupõe-

se que os Sonhos de um visionário é um escrito que poderia adiantar a

argumentação acerca do espaço e tempo, bem como a existência de dois mundos

distintos, considerando a abordagem da obra como contendo elementos de cunho

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crítico (limites do conhecimento, espaço e tempo como formas da sensibilidade).

Para não perder o fio condutor, é possível retomar o ponto chave do escrito de 1766

em relação à caracterização espaço-temporal. Lá, os visionários abarcavam seus

objetos que transcendiam o mundo sensível por meio do espaço e tempo, uma vez

que toda a descrição deles era possível colocando-os dentro das características

espaço-temporal. Além disso, os visionários caíam em confusão ao utilizar espaço e

tempo para abarcar coisas do mundo suprassensível, uma vez que estes são

instrumentos da intuição sensível. Assim, parece que é em 1766 que Kant se dá

conta de que espaço e tempo são responsáveis por aquilo que se pode conhecer,

além de perceber que é o sujeito que possui as formas espaço-temporal. Com efeito,

a obra Sonhos de um visionário possivelmente pode ser caracterizada como um

escrito que se encaixa no contexto crítico se considerarmos o tema que concerne ao

espaço e tempo e a distinção dos dois mundos; além dos limites da razão que

configura de vez a obra com a possibilidade de ser caracterizada como o marco da

virada crítica (se ela for considerada no contexto da idealidade do espaço e tempo e

os limites do conhecimento). Nesse sentido, só há uma coisa a dizer acerca dos

limites do conhecimento humano com relação ao escrito de 1766 desembocando na

Crítica de 1781: tudo aquilo que se quer conhecer está no campo sensível – na

experiência – e isso já foi apontado, por Kant, na obra de 1763 intitulada ―Único

argumento possível de uma demonstração da existência de Deus‖ (Beweisgrund) e

agora nos Sonhos, pois, quimeras são fantasias que transpostas para o campo

sensível não passam de ilusões. Ou seja, se não está no espaço e no tempo e muito

menos visível por todos não é possível de ser conhecido, e se alguém afirmar que

vê e acredita ser verdadeiro é porque, segundo o próprio Kant, está comedido por

alguma doença mental. Em outras palavras, é um louco. Considerando a obra de

1766 como um escrito de caráter crítico, a primeira pergunta que deve-se fazer é:

em que sentido? Vários interpretes da filosofia kantiana apontam para diversas

hipóteses que dizem respeito à virada crítica ou mesmo revolução copernicana. Por

um lado, tem-se que a filosofia de Kant torna-se crítica a partir do momento em que

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ele se dá conta de que espaço e tempo são ideais e subjetivos, e fazem parte da

estrutura cognitiva do sujeito. Nesse ponto, o sujeito passa a ser o ―sujeito do

conhecimento‖, aquele que conhece o mundo fenomênico, o mundo das suas

representações. Aqui, a Dissertação de 1770 pode ser o marco da virada crítica,

junto com a divisão do mundo em sensível e inteligível, caracterizando os limites

para o conhecimento humano (pode-se incluir aqui a ―grande luz de 69‖). Por outro

lado, a virada pode ser caracterizada com o contexto da ―Dedução Transcendental

das categorias do entendimento‖, tal qual abordada na Crítica da razão pura; porém,

essa preocupação em compreender como os objetos poderiam se conformar às

representações do sujeito já está presente, em algum sentido, na Carta a Marcus

Herz de 1772. Além disso, há interpretes, como Franco Lombardi (1946, p. 201), que

acredita na possibilidade do Beweisgrund (1763) ser uma obra de cunho crítico, pois

seria ali, segundo o autor, que Kant poderia ter começado a perceber a importância

da experiência (como campo sensível) para a existência de seres reais,

caracterizando a existência como ‗posição absoluta‘ e como predicado não real, mas

verbal; além da experiência ser o próprio limite para conhecer aquilo que é possível

de ser conhecido: aquilo que aparece. Outra obra de 1763, o ―Ensaio para introduzir

a noção de grandezas negativas em filosofia‖, adiantaria, segundo Mariano Campo

(1953, p. 386), o problema dos juízos sintéticos a priori, um dos problemas centrais

da Crítica, uma vez que a oposição real reúne coisas que se opõem sem

contradição e se desenrolam na ordem fenomenal (campo sensível). Agora, entre as

mais variadas interpretações, está a possibilidade de configurar os Sonhos de um

visionário como escrito de cunho crítico, ou mesmo um escrito que fecha o período

pré-crítico da filosofia kantiana. Nessa linha seguem alguns interpretes: A.

Philonenko (1983, p. 50), Roberto Torretti (1980, p. 40), Jaume Pons (1982, p. 44),

David-Ménard (1996, p. 98), Daniel Omar Perez (1998 / 2008), entre outros. Diante

dessa possibilidade, parece relevante uma pesquisa que busque aproximar a obra

de 1766 do contexto da Dissertação de 1770 (que é considera, segundo a história da

filosofia, o marco do criticismo kantiano) estendendo essa aproximação à ‗Dialética

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Transcendental‘ da Crítica. A base para a investigação está no conteúdo da década

de 1760 que desemboca nos Sonhos, juntamente com o tema dos limites do

conhecimento humano, o qual desemboca na quinta parte da Dissertação de 1770 e

na ‗Dialética Transcendental‘ da Crítica. Outro ponto que serve como base é a

própria caracterização da estrutura espaço-temporal como meio para conhecer os

objetos sensíveis. Tal tema foi abordado ao longo da modernidade pré-crítica, o qual

ganhou uma melhor formulação nos Sonhos, com o auxílio do papel da experiência

já esboçado no Beweisgrund e no Ensaio das ―Grandezas Negativas‖. Isso tudo

acaba desembocando em 1770 e 1781. Assim, os Sonhos parecem fechar o período

pré-crítico, colocando a Dissertação de 1770 como uma obra de passagem entre um

período e outro (esse argumento é reforçado com a posição de Torretti (1980, p. 40)

a essa mesma caracterização). Do mesmo modo, tomando os Sonhos como ponto

central da investigação; auxiliados com o contexto dos escritos de 1760;

considerando o conteúdo da Crítica e tendo a Dissertação de 1770 marcando a

passagem entre os Sonhos e a Crítica, a investigação ganha uma base sólida que

permite a interpretação da obra de 1766 como um possível escrito que guarda um

conteúdo crítico.

Referências

CAMPO, M. La genesi del criticismo kantiano. Varese: Editrice Magenta, 1953.

DAVID-MÉNARD, M. A loucura na razão pura: Kant leitor de Swedenborg. Rio de

Janeiro: Editora 34, 1996.

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Paris: Vrin, 1973.

______. Crítica da razão pura. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os

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______. Acerca da forma e dos princípios do mundo sensível e inteligível. In:

SANTOS, L. R. dos.; MARQUES, A. Dissertação de 1770 seguida de Carta a Marcus

Herz. 2. ed. Lisboa: Casa da Moeda, 2004. p. 23-105

______. Ensaio para introduzir a noção de grandezas negativas em filosofia. In:

______. Escritos pré-críticos. São Paulo: Ed. Unesp, 2005. p. 51-100.

______. Sonhos de um visionário explicados por sonhos da metafísica. In: ______.

Escritos pré-críticos. São Paulo: Ed. Unesp, 2005. p. 141-218.

LOMBARDI, F. La filosofia crítica: la formazione del problema kantiano. Tumminelli:

Libreria dell‘Universita‘ di Roma, 1946. V. 1.

PEREZ, D. O. Kant pré-crítico: a desventura filosófica da pergunta. Cascavel:

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______. Kant e o problema da significação. Curitiba: Champagnat, 2008.

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DESMISTIFICANDO A TECNOLATRIA – A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE DE

HANS JONAS

Vitor Ogiboski

Universidade Estadual do Centro-Oeste

Prof. Dr. Elias Dallabrida

[email protected]

Palavras-chave: ciência; tecnologia; capitalismo; natureza; ética.

O modo de produção hoje dominante, o capitalismo, é fruto da união tecnocientífica.

Na gênese de todo esse processo, situa-se a Revolução Industrial e o Iluminismo,

que começaram a impor sua lógica instrumental, prometendo organizar as funções

sociais, fortalecendo as classes de modo linear. A partir daí, a ideia de que somente

a união da ciência com a tecnologia poderia ser a única ferramenta capaz de

promover o desenvolvimento social, começou a ser formatada. Porém, hoje

podemos concluir que tal ideal não foi capaz de produzir os efeitos esperados e, em

muitos casos, acabou até mesmo causando efeitos contrários. Apesar de termos

avançado muito na questão tecnocientífica, retrocedemos no que diz respeito à

democratização dessas descobertas. Por conta disso, estamos imersos a uma lógica

irracional de mercado, que impõe como única possibilidade de sobrevivência a

contínua rotina da produção/consumo. Tudo isso, aliado ao crescente contingente

populacional, também tem causado intervenções preocupantes na natureza, pois

esse modelo de consumo não leva em conta que nossos recursos naturais são

finitos. Por isso, busquei apresentar como suporte para esses conflitos, a

abordagem da Ética da Responsabilidade, de Hans Jonas, que demonstra

sabiamente que as ações humanas tecnologicamente potencializadas são

perigosas, podendo até mesmo cessar a vida na terra. Diante disso, constatamos

que todo o desenvolvimento tecnológico se mostrou democraticamente nulo, já que

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não conseguiu abarcar a totalidade populacional. Se no inicio do desenvolvimento

da ciência experimental e do surgimento de aparatos tecnológicos, pensava-se que

seria possível desenvolver também uma sociedade menos conflituosa, agora se

conclui que talvez essa força tenha se desvirtuado para o contrário do que se

esperava dela. A exclusão social torna-se também a exclusão tecnológica, os

detentores do poder são os detentores da tecnologia, seja ela de produção de bens

de consumo ou de informações.

Nessas condições, os problemas também ganham proporções extra-humanas, já

que a busca desenfreada pela produção e pelo consumo, aliada ao crescimento do

contingente populacional (segundo dados divulgados pela ONU, em 2025 a terra

terá entre 7,3 e 10,7 bilhões de habitantes), tem causado destruições irreversíveis

na natureza. ―Evidentemente, num mundo de recursos finitos, nenhuma sociedade

se sustenta a longo prazo sem enfrentar as dificuldades daí decorrentes‖

(MÉSZÁROS, 2004; 47). O estilo de vida adotado por países do primeiro mundo, e

copiado por alguns do terceiro, mostra-se completamente incompatível com os

recursos finitos da natureza, que através de tufões, furacões, ciclones, enchentes e

terremotos, responde a todas as intervenções mal feitas pelo homem.

As alterações feitas pelo homem comprometem principalmente o bem estar das

futuras gerações, que muito provavelmente terão que viver com dificuldades, devido

ao mal uso que fazemos dos nossos recursos naturais. Hans Jonas, filósofo alemão,

dedicou-se ao estudo de uma nova abordagem ética que fosse capaz de garantir

vida plena para aqueles que ainda estão por vir. Em sua obra, O Principio da

Responsabilidade – Ensaio para uma Ética para a Civilização Tecnológica, o filósofo

constitui uma nova abordagem sobre os problemas da modernidade. Para Jonas, é

inconcebível que as ações humanas, tecnologicamente potencializadas possam

cessar a existência da humanidade na terra. Para ele, a felicidade da geração

presente não justifica a infelicidade ou até mesmo a inexistência de futuras

gerações. Essas ideias estão impressas em seu imperativo: Age de tal maneira que

os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autêntica

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na terra. (JONAS, 2006; 47). A autenticidade de uma vida futura engloba o homem,

os seres naturais e, principalmente, as gerações que estão por vir. O imperativo de

Jonas determina que o agir humano coletivo tem a obrigação de proteger aquilo que

ainda não é, ou aquilo que está por vir. Justamente pelo fato de ainda não ser, as

gerações futuras não podem sustentar defesa alguma de seus direitos de

sobrevivência.

Referências:

JONAS, Hans. O princípio da responsabilidade. Ensaio de uma ética para a

civilização tecnológica. Trad. Marijane Lisboa, Luis Barros Montez. Rio de Janeiro:

Contraponto, 2006.

MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004.

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A FORMAÇÃO POLÍTICA EM ROUSSEAU

Darlan Faccin Weide

[email protected]

Departamento de Filosofia

Universidade Estadual do Centro-Oeste

No século das luzes (séc. XVIII), em meio às disputas racionalistas e empiristas,

preconizava-se a difusão do saber como a forma mais eficaz para combater à ignorância e

às superstições, rodeado de postulados científicos dos enciclopedistas, destaca-se a figura

de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

Foi no campo da política e da educação que o pensamento e Rousseau teve repercussões

amplas e profundas. Para ele, a desigualdade entre os homens surgiu com a propriedade,

que gerou também o Estado despótico. Contraposto a este, o Estado ideal seria resultante

de um acordo entre os indivíduos, que cederiam alguns de seus direitos para se tornarem

cidadãos. A base desse acordo seria a vontade geral, identificada com a coletividade e,

portanto, soberana.

A pesquisa, bibliográfica, teve como objetivo investigar as relações entre política e educação

em Rousseau, buscando compreender a relação entre "Emílio" (1759 e 1760-1762) e "Do

contrato social" (1762), para a boa vivência da democracia.

―O homem nasce livre e por toda a parte ele está agrilhado‖, ―Tudo está bem ao sair das

mãos do autor das coisas; tudo degenera entre as mãos do homem‖ (ROUSSEAU,1996,

p.09), nessas frases Rousseau sintetiza a idéia central do seu pensamento: a natureza,

criada por Deus, é a expressão da felicidade, igualdade, bondade e verdade, já a civilização,

criada pelos homens há expressão da infelicidade, desigualdades, injustiças, artifícios e

falsidades. Ele denuncia os crimes da civilização e as injustiças que foram sendo

estabelecidas entre os homens, sustentando a necessidade de um retorno à natureza,

fundado no reconhecimento da igualdade dos direitos naturais dos homens.

Entre as principais obras de Rousseau tem-se: "Discurso sobre as ciências e as artes"

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(1749), "Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens"

(1755), "Emílio" (1759 e 1760-1762), "Do contrato social" (1762), "As cartas escritas da

montanha" (1764-1765), "As confissões" (1764-1770), etc. Morre em 2 de julho de 1778.

Pouco depois de sua morte, sua obra, sobretudo o "Do contrato social", tornou-se a bíblia

dos Jacobinos e serviu de inspiração para a "Declaração dos direitos do homem" [...], onde

se transcreve quase que literalmente, alguns de seus argumentos e se aproveita o conceito

de vontade geral.

Nas obras ―Discurso sobre a origem e os fundamentos da Desigualdade entre os homens‖ e

―Do contrato Social‖ evidenciam-se que para Rousseau a desigualdade entre os homens

surge na passagem do estado natural para o estado social. Ou seja, no estado natural o

homem visava somente sua sobrevivência e cultivava um sentimento de solidariedade com

seus semelhantes devido à necessidade de superação das intempéries do cotidiano. Já, no

momento que homem passa a desenvolver suas técnicas e aprimoramentos na caça,

dispondo de mais tempo e confortabilidade passa a emitir juízo comparativo sobre a

capacidade aprimorada de cada um. Quer saber quem é o melhor caçador, o mais forte, o

mais ágil, o mais hábil, o mais bonito, etc. Os homens agrupados sem um líder tendo como

juiz sua própria consciência geraram um estado de conflito. Tal situação foi contornada

através de um contrato social, nele os homens renunciavam a sua liberdade natural a favor

da comunidade.

O pacto social, além de ser a manifestação do poder consentida pela vontade geral,

gera um corpo moral e coletivo, em que seus membros envolvem-se livremente com

o consentimento dos demais. Rousseau mostra que a desigualdade entre os

homens tem como fundamento a degeneração provocada pelo distanciamento que

o homem civilizado está do homem natural. Como a evolução social faz parte da

natureza humana pela perfectibilidade do homem, sugere um pacto entre os

cidadãos para uma vivência harmoniosa baseada na liberdade.

No estado de natureza, o homem é guiado e pode confiar nos instintos (os desejos não vão

além das necessidades físicas), porque como emanam do coração podem ser identificados

imediatamente e não há razões para não serem obedecidos. O homem civilizado não pode

mais contar com os instintos: tem que apelar para o entendimento, para a razão. A moral e a

lei cumprem o papel, no mundo social, que os instintos desempenham na vida natural.

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Dessa forma, Rousseau entende o desenvolvimento histórico da humanidade como

seguindo três tempos: 1) o estado de natureza; 2) a sociedade civil e; 3) a república.

Natureza e sociedade civil são duas realidades opostas, sendo possível a superação dessa

contradição através de duas vias trilhadas em conjunto: a política e a educação. Como diz

Michel Launay,

Rousseau sabe que é uma ilusão querer ensinar livremente um homem

livre, numa sociedade em que prevalece a desigualdade, e que é uma

ilusão esperar transformar a sociedade, se não se dispõe de homens livres,

prontos a se sacrificar por esta liberdade, pela igualdade de todos perante a

lei; é preciso então fazer as duas coisas ao mesmo tempo. (apud

CERIZARA, 1990, p. 26.)

Por isso, Rousseau teria escrito "Emílio" e "Do Contrato Social" concomitantes. No

"Do Contrato Social", Rousseau define a possibilidade de resgatar a igualdade e a

liberdade do homem através de um contrato social que institua a vontade geral como

o poder soberano. A vontade geral é um poder moral e uma legislação derivada da

igualdade entre os homens que buscam sempre o bem comum. O que somente

poderá ser alcançado através da educação dos seus cidadãos para uma boa

convivência coletiva, elemento essencial para que o povo, sendo sujeito-autor das

leis, possa garantir sua execução, bem como, o exercício da democracia.

Dessa forma, revela-se uma íntima relação entre política e educação. Principalmente

quando Rousseau enfatiza que para sua pólis não é importante homens sábios, mas, sim,

homens bons. O Estado só conseguirá atingir tal meta se envolver na educação a dimensão

política de suas intenções.

Não é suficiente dizer aos cidadãos - sede bons: é preciso ensiná-los a ser.

O próprio exemplo que a esse respeito constitui a primeira lição, não

representa o único meio a empregar-se; o amor à pátria constitui o meio

mais eficaz, pois como já disse, todo o homem é virtuoso quando sua

vontade particular em tudo se encontra de acordo com a vontade geral

(ROUSSEAU, 1995, p. 52).

Rousseau busca a formulação de um processo educativo que garanta ao homem

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melhores condições de atuar em sociedade e para tal busca entender uma questão

filosófica de fundo: O homem é bom por natureza! A bondade é a condição original;

a maldade é adquirida. Desse modo, "antes de ser um tratado pedagógico, o Emílio

é um estudo filosófico sobre a bondade natural do homem.‖ (CERIZARA, 1990, p.

26). Nele, têm-se os princípios de uma educação que prima pelo livre

desenvolvimento do indivíduo, que busca aperfeiçoar as suas potencialidades a fim

de formá-lo para o exercício da liberdade e da autonomia, elementos que

proporcionarão uma atuação efetiva no que se refere à organização política da

sociedade.

Rousseau no Emílio mostra a seqüência, de acordo com princípios naturais, que se

deve obedecer para formar a pessoa moralmente autônoma. Se esse modelo fosse

seguido e se tornasse universal, surgiria um mundo novo sem corrupção.

A tarefa primordial da educação é impedir que a corrupção aconteça, preservando a

infância das influências do mundo adulto. Neste particular, tem-se uma "revolução

copernicana da educação". Até Rousseau, a teoria e a prática educacionais sempre

foram concebidas a partir da ótica do adulto (da experiência cultural, da tradição);

Rousseau inverte a perspectiva. Disso deriva o legado rousseauniano à pedagogia

moderna: o robustecimento dos sentidos, o ensino prático, o trabalho manual, o

estímulo da intuição, a experiência direta da criança com a vida, etc.

Rousseau propõe uma educação não preocupada apenas em desenvolver o

aspecto individual, mas, sobretudo, o aspecto coletivo, uma vez que o

homem deve ser educado para agir em meio à sociedade, aprendendo a

conviver com os demais e a priorizar o interesse comum frente aos

interesses particulares. O processo educativo deve equilibrar as tensões

entre a natureza e a sociedade, posto que Rousseau formula uma educação

que insere o homem no mundo da cultura, permitindo que o mesmo siga as

orientações estabelecidas pela natureza. O paradoxo da educação de

Rousseau, torna-se a pedra de toque para o entendimento de uma

interpretação que visualiza uma educação política. (BRITO, 2004, p. 07)

Rousseau buscou a compreensão dos fatores que se interpõem entre o indivíduo e a sua

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felicidade, a partir do postulado de que o homem, degradado em sua natureza pelo

processo histórico de socialização, pode, em princípio, recuperar sua integridade essencial.

Rousseau, mais do que desenvolver pensamento sobre educação, formula uma teoria

política do estado, onde seus membros são os autênticos depositários do poder. Aqui

aparece a relevância de seu pensamento que serve de base para a compreensão da

concepção de democracia e estado moderno.

Os educadores tradicionais assegura, Rousseau, "procuram sempre o homem, na

criança, sem pensarem no que ele é, antes de se tornar homem.". E alerta aos

pedagogos: "Começai, pois, por observar melhor os vossos educandos; pois é

quase certo que não os conheceis." (ROUSSEAU, 1990, p. 9-10).

O impacto causado pelo pensamento de Rousseau se justifica pelas novidades que

introduz.1 Com relação à educação, desafia o modelo jesuítico e combate à idéia da

essência. Rousseau "[...] desloca a análise para o social; não se trata de explicar

tudo a partir da essência, mas com base na observação dos fatos e na história

hipotética do desenvolvimento da humanidade. O que os homens são atualmente

eles devem muito mais ao desenvolvimento das relações sociais." (CERIZARA,

1990, p. 31).

No Do Contrato Social e no Emílio tem-se uma integração entre política e educação

onde se reforça que, diferente das leis da natureza, as leis humanas devem ser

reforçadas pela sociedade, através de um processo educativo e político que

desperte o apreço pela lei e o correlato crescimento pessoal e moral de cada

cidadão, que é impelido pelo desejo moral de seguir a vontade geral e construir uma

boa vivência democrática.

Referências

BRITO, Freitas, Lidiane. A educação política em Rousseau. São Cristovão: UFS,

2004. (Dissertação)

CERIZARA, Beatriz. Rousseau: a educação da infância. São Paulo: Scipione, 1990.

1 "Não me agrada encher um livro com coisa que toda a gente sabe" (ROUSSEAU, 1990, p. 9).

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ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio. 2 vol, Portugal: Europa-América, 1990.

______. Discurso sobre a economia política e do contrato Social. [tradução de Maria

Constança Peres Pissarra] 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1995.

______. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os

homens. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

______. O contrato social. [tradução de Antônio de Pádua Danesi] 3.ed. São Paulo:

Martins Fontes, 1996.

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UMA DEONTOLOGIA HOBBESIANA?

A TESE TAYLOR E A TEORIA DA OBRIGAÇAO EM HOBBES

Clóvis Brondani

Universidade Federal de Santa Cataria

Programa de Pós Graduação em Filosofia – Doutorado

Orientador: Dr. Marco Antônio Franciotti (UFSC)

Co-orientadora: Dra. Maria Isabel Limongi (UFPR)

Email: [email protected]

Palavras-Chave: Hobbes, deontologia, obediência, ética, lei natural.

Este artigo tem como objetivo apresentar a interpretação de Taylor e Warrender

sobre a ética e a teoria da obrigação de Thomas Hobbes, especialmente no que diz

respeito à tese que propõe uma ética deontológica em Hobbes e mais

especialmente no caso de Taylor, de uma vinculação da ética hobbesiana com a

ética kantiana.

Os trabalhos destes autores originaram uma interpretação da filosofia hobbesiana

radicalmente oposta às leituras mais tradicionais, as quais compreendem a sua ética

como fundada no egoísmo, e sua teoria da obrigação fundada apenas no auto-

interesse. A inovação proposta por Taylor e Warrender é a tese de que a ética

hobbesiana não é fundada no egoísmo psicológico e, consequentemente, a sua

teoria da obrigação não está embasada no auto-interesse, mas na obrigatoriedade

incondicional da lei natural, fato este que aproxima Hobbes tanto das tradições

cristãs medievais da lei natural como da ética kantiana.

O ponto de partida de Taylor e Warrender é a negação de que a teoria do egoísmo

psicológico de Hobbes seja o fundamento de sua ética e consequentemente da sua

teoria da obrigação. Segundo Taylor, o egoísmo psicológico em Hobbes é apenas

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descritivo em relação à natureza humana, não estando vinculado com sua teoria da

obrigação (TAYLOR, 1938, p. 407). Assim, haveria por um lado, uma teoria

psicológica que descreve o comportamento egoísta do homem e por outro, uma

teoria ética que é em essencialmente uma deontologia.

A ética hobbesiana então, segundo estes autores, está fundada não no auto-

interesse, mas na obrigatoriedade das leis de natureza. Este caráter obrigatório

pode ser encontrado em inúmeras passagens dos textos hobbesianos,

especialmente no De Cive, nas quais Hobbes apresenta a lei de natureza com um

comando divino incondicional. Sendo assim, diferente do que grande parte da

tradição interpretativa concebera, elas são válidas também no estado de natureza.

Consequentemente, o contrato social e o poder soberano do Estado, nada mais

fazem do que garantir o cumprimento destas leis, as quais já possuem

obrigatoriedade no estado de natureza, por derivarem da vontade divina. Deste

modo, a teoria política de Hobbes estaria muito mais próxima a uma tradição cristã,

do que ao mecanicismo científico moderno. Para os autores, a tradição teria

negligenciado os aspectos evidentemente religiosos na filosofia de Hobbes,

enfocando sua atenção apenas nos aspectos científicos e mecanicistas da obra.

Além disso, grande parte da tradição debruçou-se apenas sobre um estudo profundo

do Leviathan, (e mais especificamente nas duas primeiras partes) o qual, segundo

Taylor (1938, p. 407) não é a obra mais clara do pensamento hobbsiano. Assim,

preferem focar sua atenção no De Cive e nas últimas duas partes do Leviathan.

Um outro aspecto da tese de uma ética deontológica em Hobbes é a aproximação,

feita por Taylor, com a deontologia kantiana. Segundo Taylor, a distinção entre a

obrigatoriedade in foro interno e in foro externo da lei natural feita por Hobbes, o

aproxima da distinção kantiana entre ação pelo dever e conforme ao dever

(TAYLOR, 1938, p. 409). Segundo Hobbes, no estado de natureza, as leis de

natureza obrigam apenas in foro interno, mas in foro externo nem sempre obrigam

(HOBBES, 1996, p.110). Esta distinção conduziu grande parte da tradição

interpretativa a conceber que a lei de natureza não possui uma obrigatoriedade

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efetiva, sendo a verdadeira obrigação apenas aquela in foro externo, ou seja, a

obrigação jurídica implantada pelo poder soberano. Taylor interpreta a questão de

modo diametralmente oposto. Segundo ele, a verdadeira obrigação é aquela in foro

interno, porque opera no nível da consciência, ou seja, trata-se da intenção de agir e

não meramente da ação de acordo com a lei. ―O ponto que importa é que Hobbes

concorda com Kant sobre o caráter imperativo da lei moral, exatamente como ele

também concorda com ele na asserção na proposição de que ela é a lei da reta

razão‖ (TAYLOR, 1938 , p. 409).

Ao analisar as afirmações de Hobbes sobre a não obrigatoriedade in foro externo

das leis de natureza, Taylor argumenta que tal obrigatoriedade somente existe nas

condições em que há garantia de reciprocidade, garantias de que os outros

indivíduos também a cumpram. Como no estado de natureza esta garantia quase

sempre é inexistente, a lei de natureza não obriga a praticar as ações prescritas pela

lei, mas continua obrigando internamente o indivíduo a ter intenção de praticá-la.

Este tipo de obrigação então, na visão de Taylor, é o mesmo tipo de obrigação

incondicional exposto na teoria ética de Kant. Esta tese conduz a uma interpretação

bastante particular da obrigação política. Ela não parte do soberano, como aquele

que comanda a lei, mas parte da obrigatoriedade incondicional da lei natural. A

obrigação moral de obedecer à lei de natureza é anterior à existência do legislador e

da sociedade civil. A obrigação de obedecer ao soberano civil então, de acordo com

esta interpretação, está fundamentada em uma teoria ética deontológica que, em

última instancia, nos apresenta a lei natural de Hobbes como incondicionalmente

obrigatória devido ao fato de ser um mandamento divino.

Bibliografia

HAMPTON, J. Hobbes and the Social Contract Tratidion. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.

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__________. Do Cidadão. Tradução de R. J. Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Col. Clássicos.

__________. Elementos da Lei Natural e Política. Tradução de F. D. Andrade. São Paulo: Editora Ícone, 2002.

__________. Leviathan. Edited by Richard Tuck. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

KAVKA, G. Hobbesian Moral and Political Theory. Princeton: Princeton University Press, 1986.

LIMONGI, M. I. O Homem Excêntrico. Paixões e Virtudes em Thomas Hobbes. Tese de doutoramento apresentada ao Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, 1999.

MARTINICH. A. P. The Bible and Protestantism in Leviathan. In: SPRINGBORG. P. The Cambridge Companion to Hobbes‟s Leviathan. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

STRAUSS, L. The Political Philosophy of Thomas Hobbes. Oxford: The Clarendon Press, 1963.

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TAYLOR, A. E. The Ethical Docrtine of Hobbes. In: Philosophy, vol. xiii, 1938.

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WARRENDER, Howard. The Political Philosophy Of Hobbes. Oxford: the Clarendon Press, 1957.

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A INTERSUBJETIVIDADE NO FUNDAMENTO DO DIREITO NATURAL DE FICHTE

João Geraldo Martins da Cunha

Departamento de Filosofia – FFLCH – USP

Supervisor de pós-doutoramento: Ricardo Ribeiro Terra

[email protected]

Palavras-chave: Fichte; Tarefa da razão; Intersubjetividade; A. Honneth; Direito

natural.

A descoberta no século XX dos manuscritos ―Halle‖ e ―Krause‖ de um curso de

Fichte sob a rubrica ―Doutrina da ciência nova methodo‖, lecionado entre 1796 e

1799, período intermediário entre a primeira exposição de 1794 e a obra madura da

primeira década de 1800, reanimou o problema hermenêutico quanto à continuidade

ou ruptura da obra de Fichte. Razão pela qual, um de seus grandes intérpretes, Ives

Radrizzani, propôs uma análise desse problema a partir da edição crítica desses

manuscritos; mostrando o quanto pode ser enganoso o título que comparece nestes

cadernos, ―Doutrina da ciência nova methodo‖ (título dado pelo próprio Fichte no

cátalogo – catalogus praelectionum – da Universidade de Iena), ao sugerir a mesma

doutrina de 1794, apresentada por meio de um novo método1. A questão chave da

discussão sobre continuidade ou ruptura na obra depende, fundamentalmente, da

possibilidade de articulação dos três princípios da Grundlage (1794) e a ideia,

aparentemente nova e indubitavelmente original, da intersubjetividade.

Completamente ausente da exposição da Grundlage de 1794 e absolutamente

central nos cursos de 1796-99, a idéia de intersubjetividade parece consistir no

pomo da discórdia entre os defensores da ―continuidade‖ e os defensores da

―ruptura‖ de sua obra.

1 I. Radrizzani, Vers la fondation de l´intersubjectivité chez Fichte, Vrin, Paris: 1993.

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Além disto, o tema da intersubjetividade também é central em outra obra dos anos

1796-7, o Fundamento do direito natural segundo os princípios da doutrina da

ciência. Isso mostra que o aparecimento do tema da intersubjetividade não é

episódico, mas constitui uma preocupação central de Fichte entre os anos 1796-

1800. Afinal de contas, o livro sobre o fundamento do direito é bastante central no

projeto filosófico de Fichte, pois é sua primeira tentativa de aplicação dos princípios

da Doutrina-da-ciência a uma ciência em particular, no caso, o direito1.

Grosso modo, podemos dizer que o fundamento do direito natural, ou melhor, a

legitimidade do conceito do direito é que ele é condição da relação intersubjetiva; a

qual, por sua vez, é condição da própria consciência. Como a consciência é um fato,

o direito está transcendentalmente vinculado à posição deste fato e, portanto, seu

conceito e objeto (a comunidade política) estão geneticamente legitimados pela

posição mesma da própria consciência. Certamente, a primeira parte do

Fundamento do direito natural, onde essa dedução é apresentada, está longe de ser

clara e linear. Fichte, como de costume, opera um raciocínio contra-intuitivo – apesar

de explicitamente dizer o contrário –, alterando inteiramente a própria noção lógica

de conceito (como ―representação geral‖), deslocando o procedimento kantiano de

dedução transcendental (fundar uma representação no ato subjetivo que a constitui)

para o domínio que poderíamos chamar de ―genético constitutivo‖ e, finalmente,

assumindo uma postura crítica diante das ―filosofias de fórmulas‖ quanto ao direito

(as doutrinas do direito inspiradas em Kant). Além de tudo, essas diferentes

operações envolvidas na dedução do conceito do direito são apresentadas segundo

o ―modo geométrico‖, por meio de três teoremas e suas respectivas

―demonstrações‖.

Mas todas estas dificuldades não devem obscurecer a importância do tema da

intersubjetividade para a aplicação sistemática da Doutrina-da-ciência ao direito.

Estes dois contextos da obra de Fichte, a chamada Doutrina da ciência nova

methodo e o Fundamento do direito natural, a despeito de suas dificuldades

1 R. Lauth, op. cit., p.334.

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interpretativas internas e das dificuldades hermenêuticas quanto ao lugar sistemático

de cada uma delas – e a significação disso para a interpretação geral do sistema de

Fichte – mostram que o tema da intersubjetividade não é de pouca importância para

o pensamento de Fichte. Marcando ou não uma ruptura em sua produção, o tema é

certamente central tanto para sua Doutrina-da-ciência de um modo geral, quanto

para sua filosofia política de um modo particular.

Diante das dificuldades levantadas acima, os limites de uma comunicação

evidentemente não comportam o tratamento completo do tema da intersubjetividade

em Fichte, mas, por outro lado, também não invalidam um tratamento pelo menos

parcial do mesmo. Nesse sentido, proponho fazer uma apresentação geral da

primeira Seção da ―Dedução do conceito de direito‖ no Fundamento do direito

natural, particularmente, seu segundo teorema – segundo o qual não há consciência

de si sem consciência do outro – para, a partir daí, tecer algumas considerações

sobre a consequência política fundamental que decorre desta fundação

intersubjetiva do conceito do direito e de seu objeto, a comunidade política. De modo

geral, parece-me que a diferença específica do jusnaturalismo político de Fichte,

frente ao contratualismo do pensamento moderno inaugurado por Hobbes, está na

idéia de uma fundação intersubjetiva do contrato social e político. Por conseguinte,

pretendo reivindicar a paternidade fichtiana do tema da intersubjetividade, contra sua

completa identificação ao famoso slogan hegeliano da ―luta pelo reconhecimento‖.

Para alcançar este propósito e diante do pano do fundo apresentado acima, três

problemas devem ser enfrentados: (1) em primeiro lugar, uma análise geral da

dedução do conceito do direito no Fundamento direito natural; (2) em segundo lugar,

uma análise mais específica da demonstração do segundo teorema da dedução

sobre a intersubjetividade; e, por fim, (3) uma análise das consequências que o tema

da intersubjetividade traz para a filosofia política de Fichte – medidas por uma

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comparação (ainda muito esquemática) com a ―reatualização‖ de Hegel feita por A.

Honneth1.

Minha hipótese é que esta dificuldade foi enfrentada por Fichte por meio do conceito

de intersubjetividade que comparece no Fundamento do direito natural. Daí meu

interesse em mostrar a ―descoberta‖ da intersubjetividade como chave para o

problema político em Fichte, contra uma possível hegelianização prematura desta

temática, tal como parece ser o caso, pelo menos à primeira vista, na obra de Axel

Honneth supracitada.

1 A. Honneth, Sofrimento de indeterminação: Uma reatualização da filosofia do direito de Hegel, trad.

Rúrion S. Melo, Esfera Pública, São Paulo: 2007.

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ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O EPICURISMO E O UTILITARISMO

Karina Mikuska

Universidade Estadual do Centro-Oeste- Unicentro

Orientador: Ruth Rieth Leonhardth

Email: [email protected]

Palavras-chave: Epicurismo, Utilitarismo, Ética

O presente resumo aborda as características do Epicurismo e Utilitarismo com o

objetivo de fazer uma análise comparativa entre as duas correntes para detectar

pontos de semelhanças no âmbito moral e ético e possíveis influências de Epicuro

ao utilitarismo.

Epicurismo é o sistema filosófico desenvolvido por Epicuro de Samos, filósofo do

século IV a. C. Epicuro propunha uma vida de continuo prazer para a felicidade,

esse é o objetivo de seus ensinamentos morais. Para Epicuro, a presença do prazer

é sinônimo de ausência de dor ou de qualquer tipo de aflição. O pensamento de

Epicuro afirma que dos homens só se deve temer o ódio, a inveja e o desprezo.

Sábio para ele é aquele que, pela razão, se eleva acima de tudo isso. Quem possui

sabedoria é incapaz de deixar-se ficar, voluntariamente sob o domínio das paixões.

O prazer só é útil e desejável quando não é nocivo. Mesmo em relação à dor, o

homem tem capacidade de suportar todo o mal que o aflige, sendo feliz na sua

condição de sábio. Os epicuristas admitem dois tipos de felicidade: uma divina

completa e que não aceita qualquer acréscimo, sendo, por isso perfeita; e outra

menos elevada, com variação na quantidade do gozo oriundo do desfrute do prazer.

A pessoa sábia conhece os limites daquilo que pode elevar como prazer sem, no

entanto, diminuir em nada a sua sabedoria. A alternativa mais desejável é aquela

que recorre aos efeitos mais agradáveis de um benefício, não tanto por sua

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abundância ou duração, pois a medida da felicidade se encontra nos resultados

favoráveis dos prazeres produzidos. Necessariamente, a consequência de uma

escolha correta tem como único fim a saúde do corpo e a tranquilidade da alma.

Destarte, procura os epicuristas evitar a dor e a inquietude, muitas vezes causadas

pela busca incessante do prazer. Sob essa perspectiva, o prazer considerado em si

mesmo, é um bem, embora nem todos devam ser buscados. Assim como o

sofrimento é um mal, apesar de alguns não ser naturalmente evitados. Com o intuito

de proceder adequadamente, um determinado cálculo deve ser efetuado.

Utilitarismo é uma corrente filosófica surgida no século XVIII na Inglaterra, que

afirma a utilidade como o valor máximo a qual a constituição de uma ética deve

fundamentar-se. O utilitarismo baseia-se na compreensão empírica de que os

homens regulam suas ações de acordo com o prazer e a dor, perpetuamente

tentando alcançar o primeiro e escapar do segundo. Deste modo, uma moral que

possa abarcar efetivamente a natureza humana. Nesta perspectiva, a utilidade

entendida como capacidade de proporcionar prazer e evitar a dor deve constituir o

primeiro princípio moral, isto é, seu valor supremo. O utilitarismo na história da

Filosofia é visto como um radicalismo filosófico, uma vez que propõe uma

reestruturação dos valores éticos. Os utilitaristas pregam que o fundamento da moral

é o Útil ou o princípio da máxima felicidade. Longe de pregar uma moral solipsista

baseada apenas na obtenção de prazer individual, o utilitarismo em sua concepção

filosófica compreende a utilidade igualmente como felicidade, e esta por sua vez,

com o maior prazer do maior número de pessoas possível. Considera que uma ação

é correta na medida em que tende a promover a felicidade e errada quando tende a

gerar o oposto da felicidade. Por felicidade entende-se o prazer e a ausência de dor;

por infelicidade, dor privação de prazer. O Princípio da Máxima Felicidade, ou seja, o

fim último, com referência ao qual todas as coisas são desejáveis (seja quando

considera-se o próprio bem ou de outras pessoas) traduz-se em uma existência

livre, tanto quanto possível, de dor e a mais rica possível em prazeres, tanto em

relação a quantidade como a qualidade. O teste de qualidade e a medida pela qual

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compara à quantidade consiste na preferência daqueles que em suas oportunidades

de experimentar à qual deve ser acrescentado aos seus hábitos de autoconsciência

e de auto-inspeção. Sendo esta a finalidade de toda ação humana, trata-se

necessariamente do padrão de moralidade, que pode ser exposto da seguinte

maneira: as regras e preceitos para a conduta humana, cuja observância garante

uma existência para toda humanidade, deve também ser estendidos a todos os

seres da criação dotados de sensibilidade, conforme suas naturezas permitam. Na

carta enviada por Epicuro a Meneceu, estão resumidos os principais pontos da

sabedoria moral hedonista, entre os quais, muito comum aos adotados pelo

utilitarismo, sobretudo no padrão avaliador do bem e do mal, como também no

cálculo efetuado através da razão a indicar o melhor procedimento no objetivo de

promover a felicidade.

O século XVIII foi o século das luzes e do renascimento das teses utilitaristas,

influência do pensamento hedonista de Epicuro. Por mais plausível que seja a

concepção de utilidade - entendendo como útil aquilo que promove a felicidade e

contribui para amenizar a dor -, definir felicidade, em termos de sentimentos de

prazer ou dor, suscita várias interpretações, tanto entre os antigos, quanto entre os

modernos. O utilitarismo perdura como corrente filosófica ainda que comportando

diferentes compreensões e desdobramentos até nossos dias. Uma comparação

entre as atuais correntes morais e as antigas permite a análise dos argumentos

utilizados por cada uma delas facilitando a interpretação de suas respectivas teses,

ao mesmo tempo em que revela a genealogia das ideias e esclarece os motivos de

tantos debates assim como o fascínio exercido por elas ao longo da história do

homem. O cerne da doutrina utilitarista encontra-se em Epicuro, o princípio

primordial de buscar o prazer e evitar a dor é o ponto central do hedonismo que

considera o prazer como o bem maior e a base de uma vida feliz; o Princípio da

Máxima felicidade o indivíduo livre pautado em sua racionalidade pode medir suas

ações procurando o máximo de prazer e evitar a dor do maior número de pessoas é

o início de uma concepção que busca não apenas a felicidade individual, mas sim,

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procura atingir o máximo de pessoas possíveis, afinal a felicidade e o prazer devem

ser compartilhados em uma dimensão não restrita, mas amplamente abrangente.

REFERÊNCIAS:

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

EPICURO, Carta sobre a felicidade. São Paulo: UNESP, 1997.

MARCONDES, D. Textos básicos de ética. 3ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

REALE, G. História da filosofia antiga III. São Paulo: Loyola, 1994.

TOYNBEE. J. A. Helenismo: História de uma civilização. Rio de Janeiro. 1983.

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UMA LEITURA DOS PRECEITOS ÉTICOS NAS MEDITAÇÕES DE MARCO AURÉLIO

Marcio Fraga de Oliveira

Universidade Estadual do Centro-Oeste

Orientador: Profª. Ms. Ruth Rieth Leonhardt

[email protected]

Palavras-chave: Marco Aurélio, Meditações, Ética

O presente estudo trata da leitura da obra Meditações de Marco Aurélio focando os

preceitos éticos descritos por ele. O que, aqui, se pretende fazer é um apontamento

dos princípios éticos postulados pelo autor, demonstrando também a relação de seu

pensamento com as teorias dos estoicos e chegando por fim a analisar a atualidade

das teorias de Marco Aurélio.

Na obra, encontram-se as reflexões do pensador romano, escritas quase na forma

de diário, ainda no idioma grego, que não estava mais em voga, mas que era como

língua particular do imperador e que ele sentia mais propícia para exprimir as

inquietações intelectuais e morais. Foram escritas inclusive durante as guerras nas

quais lutou o imperador, que nos períodos de folga refletia e fazia anotações. A obra

é quase uma espécie de manual de conduta, como os que foram escritos durante a

Idade Média na Europa, com textos pequenos e de fácil compreensão e muitas

vezes em tom pessoal mostrando que Marco Aurélio escrevia mesmo para si

próprio, o que justifica o nome da obra, que numa tradução direta é Para si mesmo.

Sabe-se que a obra foi escrita sem a intenção de divulgação, e apenas para servir

de roteiro de como deveria se comportar um imperador que queria cultivar o próprio

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caráter e viver segundo a natureza, máxima do estoicismo, filosofia da qual ele é

adepto e que descreve em seus escritos.

O Estoicismo, na época de Marco Aurélio se sustenta no estudo da ética devido ao

processo de transição no que tange a questões espirituais com o crescimento do

cristianismo, e a queda da antiga cultura grega. Aceita-se que Marco Aurélio não foi

um pensador original, pois seu pensamento é influenciado por pensadores

passados, o que fica claro no primeiro livro das Meditações. Este primeiro livro, o

imperador o dedica a todos que lhe ensinaram os princípios da vida correta. Mas a

inovação de Marco Aurélio está em participar dessa revolução espiritual que está

acontecendo durante seu reinado, as ideias do imperador se apresentam

expressando a transição entre a cultura clássica grego-latina e a nova concepção

cristã do mundo. Ele rompe com o materialismo estoico ao afirmar uma união

espiritual com Deus, ao mesmo tempo em que mantém um monismo panteístico,

afirmando uma adaptação, uma relação direta entre ele próprio e a natureza, através

do espírito, do nous. O nous a que ele se refere não é material como nos antigos

estoicos mais é intelectual ou mental, é superior à própria alma. Ele também afirma a

imortalidade da alma, e sua distinção do corpo. O corpo é matéria, o nous é espírito,

a alma é sopro, pneuma. O nous é o daimon que Deus dá a cada homem para ser

seu guia, e que traz consigo os princípios da razão. Decorre daí que quem

desobedece ao daimon, desobedece também à razão. A partir daí são lançados os

princípios éticos do imperador, que afirmam a necessidade de viver de acordo com a

razão. Marco Aurélio também retoma o conceito de piedade, como relação do

homem com Deus e como ação que segue retamente a razão e a natureza, e se

Deus dá a direção da razão através do daimon, quando o homem age contrário a

razão, age impiamente e comete um erro. Esse sentido de piedade refere-se

também a amar o próximo e perdoar os ofensores, estes princípios tão evangélicos,

são defendidos por Marco Aurélio pois a natureza universal constitui os viventes

racionais uns em vista dos outros, num sistema de ajuda mútua. Toda injúria deve

ser perdoada pois quem a comete não sabe o que é o bem ou o mal. Além disso,

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nosso nous não será atingido pois ele não pode ser tocado por uma ofensa externa.

O nous só será afetado por um erro que ele próprio cometer, por exemplo, ao

contrariar a razão. Assim, outro preceito que Marco Aurélio assinala é a retidão do

pensar, pois sempre se deve ter em mente coisas que podem ser perguntadas e de

pronto serem respondidas, sem receios e culpas. Deve-se também ter benevolência

ativa, não esperando recompensas por boas ações, assim como os pés não

esperam recompensas pelo caminhar.

Como heranças próprias do estoicismo, notam-se as afirmações que Marco Aurélio

faz sobre a brevidade da vida, a fugacidade e a caducidade das coisas. Se a razão

mostra que o futuro é incerto, deve-se agir como se a vida fosse acabar a qualquer

momento e então não se pode perder tempo com coisas inúteis. A fama, a honra e a

riqueza são passageiras e não ajudam a viver melhor, não dão paz e às vezes até

trazem perturbações. É melhor ignorar e perdoar o mal que os outros fazem pois

não são atribuições corretas e não alteram o tempo de vida, pois tanto a pessoa que

ofende quanto o ofendido têm apenas o mesmo tempo fugaz, instantâneo. A morte

também não deve ser temida, pois é um processo natural, e a alma não morrerá

com o corpo. Aqui falta uma ontologia para explicar a imortalidade da alma.

Conclui-se finalmente que os preceitos éticos de Marco Aurélio têm base claramente

estoica, visam uma vida segundo a natureza e a razão, e também a tranquilidade

para o homem. Nota-se também que seu pensar difere dos antigos estoicos e sofre

influência já dos textos evangélicos, embora não explicitamente. O que se destaca,

ainda, é a atualidade, ou a atemporalidade desses preceitos éticos. O respeito, o

perdão, a austeridade, a benevolência, o seguir a razão e a relação do homem com

Deus e com o mundo são coisas que agradam a todos e que se mostram tão em

falta no mundo corrido e agitado de hoje. Talvez um olhar para os textos antigos,

principalmente os dos pensadores estoicos, possa provocar uma reflexão e

consequentemente melhorar o modo de vida das pessoas da atualidade.

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Referências bibliográficas:

AURÉLIO, Marco. Meditações. Seleção, tradução e introdução William Li. São

Paulo: Editora Iluminuras, 1995.

COPLESTON, Frederick. História de la filosofia I – Grecia y Roma – 4. ed.

Barcelona: Ariel, 1994.

EPICURO et al. Antologia de textos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os

Pensadores).

REALE, Giovanni. História da Filosofia: antiguidade e idade média – 10. ed. - São

Paulo: Paulus, 2007.

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CRÍTICA DE KARL POPPER À UTILIZAÇÃO DO MÉTODO INDUTIVO NA

CONSTITUIÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Alexandre Klock Ernzen

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

[email protected]

Palavras chave: conhecimento, indução, método científico, epistemologia, lógica

O tema do presente trabalho é delinear a crítica de Karl Popper à utilização do

método indutivo nos processos de construção do ―conhecimento científico‖ ao longo

da história da constituição da ciência. Popper procura fazer uma análise das

considerações sobre o problema da indução levantados pelo filósofo Hume, o qual

afirma que não se pode ter conhecimento logicamente justificado baseado no

método indutivo. A acusação de Popper a Hume é de que um enunciado universal,

baseado apenas na ―crença‖, de que um evento passado se repetirá no futuro não

pode ser justificado de forma lógica, assim como acreditar no ―hábito‖ de que aquilo

que aconteceu no passado poderá se repetir de forma igual no futuro. Essas duas

constatações de Hume, portanto, a ―crença‖ e ―hábito‖, levam Popper a pensar e

analisar com profunda atenção o problema da indução, cuja utilização acabará por

se tornar problemática, visto sua impossibilidade de justificação lógica. Popper

aponta que Hume, após suas constatações acerca da indução com seus problemas

insolúveis, como a justificação lógica da indução, acabou por se tornar cético e

―crente‖ em uma ―epistemologia irracionalista‖, e foi o grande culpado pelo

esquecimento da racionalidade na ciência, pois, a razão se torna segundo plano na

constituição do conhecimento, sendo a ―crença‖ o motor da vida prática. Assim, é

preciso retomar este ―elemento racional‖ na constituição das teorias da ciência para

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que tenhamos um critério racional para a escolha das teorias e para a constituição

do conhecimento científico em geral. É preciso fazer uma nova leitura dos problemas

levantados por Hume, visto que, segundo a ótica popperiana, houve um equívoco

sobre a interpretação do problema da indução pelos filósofos posteriores, sendo

necessário ―revisar‖ todas as colocações do filósofo escocês para podermos tratar

de uma solução adequada a este problema clássico que atravessa toda a história da

filosofia. Popper, com sua audaciosa proposta de abandono do método indutivo em

favor de um método dedutivo, pretende introduzir novamente o elemento racional da

constituição das teorias científicas, pensando na estrutura e constituição lógica das

―hipóteses‖ ou ―conjecturas‖, e assim poder constituir uma ciência pautada no

elemento racional, de forma a retomar a razão em segundo plano, possibilitando que

o conhecimento científico possa ter justificação lógica. A busca pela verdade é um

dos elementos motivadores para tal empreitada proposta pelo filósofo e é o que

motiva o autor a realizar suas colocações de forma a dar uma nova visão dos

problemas e anseios científicos de sua época. Na teoria clássica do indutivismo, os

enunciados ―universais‖ são obtidos através do método de indução. A alegoria que

Popper utiliza para mostrar tal concepção tradicional é a mente como um balde, que

recebe os dados sensoriais que vão se conectando uns aos outros formando, então,

o conhecimento. O filósofo Bacon chega a falar que as percepções se configuram

como ―uvas, maduras e da estação‖ que deverão ser juntadas para que assim se

possa comprimi-las formando o ―vinho puro do conhecimento‖. Nosso autor chama

tal teoria de ―balde mental‖ e é representada pelo chamado ―empirismo ingênuo‖, no

qual os dados sensoriais são apenas ―coletados‖ pelo ―balde mental‖ e o produto do

balde culminaria no conhecimento. Entenda-se ―empirismo ingênuo‖ a teoria de que

as experiências sensoriais são iguais para todos os indivíduos e se dão de forma

neutra mediante a generalização de casos particulares para uma lei universal

através da indução. A ciência, acredita Popper, não tem seu início através de

observações apenas. Entretanto, para nosso autor o conhecimento é sempre

precedido de expectativas e hipóteses, visto que o ser humano elabora hipóteses

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justamente para resolver problemas, ainda que de forma primária, no sentido de dar

explicações para eventos naturais, por exemplo. Quando se observa algo, temos

expectativas ou ideias prévias do que queremos observar e, assim, começa a

constituição do conhecimento, a partir de hipóteses que depois serão testadas de

forma lógica, assim como testadas com dados empíricos para sua corroboração ou

refutação. A proposta de Popper versa justamente em pensar esses enunciados

universais como ―hipóteses‖ ou ―conjecturas‖, não mais como sendo um produto da

indução, mas sim, pensando simplesmente como hipóteses que surgem livremente

na mente humana, as quais serão ―testadas‖ e a partir dos resultados dos testes

submetidos, avaliar sobre sua viabilidade ou não como uma ―teoria científica‖. O

conhecimento não surge da adição de dados sensoriais uns aos outros, mas o

conhecimento surge a partir do momento em que as hipóteses são submetidas a

testes. As premissas de tais enunciados ―universais‖ devem ser lidos como

―asserções de teste‖, sendo que estes últimos são premissas que vem a corroborar

ou refutar teorias científicas que são submetidas constantemente a testes. Os

enunciados universais não se configuram simplesmente do movimento indutivo, mas

sim as hipóteses são testadas e na medida em que são corroboradas podem

apresentar alguma descrição da realidade, ou são eliminadas mediante os testes.

Bibliografia

POPPER, K. Los dos problemas fundamentales de la Epistemología. Trad. Asunción

Albisu Aparicio. Madrid, Editorial Tecnos, 2007.

POPPER, K. A Lógica da Pesquisa Científica. Trad. Leônidas Hegenberg. São

Paulo, Cultrix, 14° ed., 2002.

POPPER, K. O conhecimento e o problema corpo-mente. Trad. Joaquim Alberto

Ferreira Gomes. Lisboa: Edições 70, 2002b.

POPPER, K. Conhecimento Objetivo. Trad. de Milton Amado. Belo Horizonte,

Editora Itatiaia, 1999.

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I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059

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POPPER, K. Três concepções acerca do conhecimento humano. Coleção Os

Pensadores, São Paulo, Editora Abril,1980.

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O NEO-ARISTOTELISMO BRENTANIANO E O CONCEITO DE OBJETIVIDADE

IMANENTE

Lauro de Matos Nunes Filho

Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO

[email protected]

Palavras-chave: Objetividade imanente; objeto intencional; consciência; ontologia.

O neo-aristotelismo de Franz Brentano (1838 – 1917) representa a retomada e

inserção do pensamento aristotélico na contemporaneidade, ou ainda, nas suas

origens, isto é, na fenomenologia baseada no conceito de Objetividade Imanente.

Brentano irá reinterpretar a metafísica aristotélica com o objetivo de justificar o

reducionismo psicológico por meio de uma interpretação bastante singular da

ontologia aristotélica.

Com este objetivo ele parte da concepção aristotélica de ciência, isto é, ciência é

conhecimento universal e necessário, ou seja, verdadeiro. Segundo esta definição,

uma ciência qualquer será julgada pelo valor e pela infalibilidade de seu objeto.

Aristóteles considera a ciência do ser, isto é, a ontologia como a principal ciência.

Uma vez que as demais ciências têm seus objetos fundamentados no ser, isto é,

que os objetos das demais ciências são explicitados pelos diversos sentidos de ser,

estes diversos sentidos estão sempre submetidos à noção de é o mesmo, mas que,

contudo, é expresso em vários sentidos. A sua referência, entretanto, é o ser.

Somente desta perspectiva é possível compreender como Brentano defende a sua

posição frente à psicologia, a partir da ontologia aristotélica.

Os vários sentidos do ser são os conceitos do ser. Para fundamentar a ontologia é

necessária uma unidade da noção, que por sua vez, deve conceder a unidade do

objeto. Com relação a isto, deve-se focar a atenção sobre as ciências particulares

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(matemática, física, astronomia, etc.) para diferenciá-las e expor a sua unidade na

ontologia, para assim, e elevar a ontologia ao mais alto posto dentre as ciências.

Segundo Aristóteles, a filosofia primeira (ontologia) trata de no que algo é. A

distinção é a de que as ciências particulares tratam do que é, mas nos vários

sentidos particulares do ser, isto é, nas suas diversas determinações. Por exemplo,

a matemática trata do que é o número, a física do que é o fogo. Assim a ontologia

deve ser considerada como a mais importante dentre as ciências.

Aristóteles diz que a ontologia tem de ocupar-se fundamentalmente da entidade

(ousía). Em primeiro lugar, o discurso real refere-se às coisas reais, as quais, por

sua vez, são fundadas nas entidades do um mundo sensível. Aristóteles denomina a

entidade como sujeito primeiro, ao qual atribuímos os predicados. A entidade é

fundada na matéria, contudo a determinação de cada entidade não se perde no

sensível, pois a entidade particular sensível é formada por matéria e forma. Desta

maneira a entidade cavalo, não é confundida com a entidade homem. No fim

Aristóteles remete a definição de entidade à definição de forma, pois, a matéria não

é entidade particular, mas indeterminada, sem forma. A efetividade entre matéria e

forma também não configura a entidade, já que é só pela forma que temos a

entidade. No fim, Aristóteles reduz a definição entidade a um caráter estritamente

formal.

O discurso ontológico só é garantido porque os diversos sentidos de ser referem-se

à entidade como forma que, portanto, existe no entendimento. A referência é feita a

algo que existe dentro, mas que por ser formal não existe como uma entidade real,

isto é, objetiva e independente do entendimento. A referência não é feita a algo de

exterior (transcendente), mas sim à própria forma como entidade na qual existem as

diversas formas de ser. Por este motivo, apesar do ser e o que é ter vários sentidos,

eles referem-se sempre à forma, que é por si, mas na qual se dão as demais

categorias. Esta posição vincula a unidade ao ser, pois a referência é sempre feita a

algo que existe como ato, ou seja, a algo que existe efetivamente, mantendo

concluído seu caráter formal.

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Desta forma, os vários sentidos do ser são referidos apenas ao que é unívoco, e é

esta mesma unidade que contém aqueles de uma maneira tal que não são

diferentes deste, mas que são contidos neste pela sua determinação. Em outras

palavras os vários sentidos do ser in-existem nele.

A partir desta perspectiva, Brentano também irá buscar a unidade da consciência

para justificar o reducionismo psicológico. Brentano divide os fenômenos em físicos

e psíquicos, sendo que os últimos têm um caráter mais fundamental que os outros,

pois todo objeto de conhecimento é dado como conteúdo de atos psíquicos

(representações). Brentano mostra que a divisão dos fenômenos em físicos e

psíquicos é uma ilusão conceitual, criada a partir da não atenção prestada a in-

existência intencional dos objetos dos fenômenos psíquicos, enquanto conteúdos de

atos psíquicos. A in-existência intencional é, portanto, uma característica presente

em todos os fenômenos psíquicos.

O termo intencional é formulado, em Brentano, como uma propriedade de certos

objetos, os quais por sua vez serão chamados de objetos intencionais. Estes objetos

intencionais existem apenas na medida em que são representados pelos seus

respectivos atos.

Brentano diz que o objeto intencional in-existe na consciência, não no sentido de

que não existe, mas no sentido de que não se trata de uma existência real, isto é,

como uma entidade física objetiva. Assim como em Aristóteles, a sua determinação

depende do ato imanente à consciência, sendo que só temos acesso a estes objetos

enquanto objetos dos fenômenos psíquicos. Em outras palavras, tudo o que se dá,

se dá como fenômeno psíquico.

O objeto intencional não possui existência como uma entidade em um mundo real e

objetivo, pois se ele depende do ato para ser representado, então ele é em um

fenômeno psíquico. Brentano não nega com isso a existência de um mundo real

exterior a nós, pois ele defende a idéia de que o conhecimento deriva da

experiência. Porém, a existência dele se dá somente de maneira intencional

(psíquica) ou como diria Aristóteles, formal.

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Brentano assevera que a in-existência intencional é a característica comum de todos

os fenômenos psíquicos, sendo a consciência a unidade de todos os fenômenos

psíquicos. A unidade da consciência consiste no fato de que todos os fenômenos

psíquicos dirigem-se para o ato psíquico em que ocorrem. Este direcionamento da

consciência para um objeto supõe a identidade do objeto em ambos os fenômenos

psíquicos. A direcionalidade dos atos psíquicos revela o caráter fundamental da

objetividade imanente, enquanto característica comum dos fenômenos psíquicos,

validando assim, a unidade da consciência. Desta forma, configura-se o passo

original da filosofia de Brentano que por meio da univocidade do ser em Aristóteles

consegue justifica o seu ponto de vista com relação à psicologia.

Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES. Metafísica. Trad.; Introd. e Notas. T. C. Martínez. Madrid: Ed. Gredos, 1998.

BRENTANO, Franz. Psychology from an Empirical Standpoint. Trad. A. C. Rancurello, D. B. Terrell, L. L. McAlister ; Introd. P. Simons. London: Routledge, 1995.

PORTA, M.A. ―Franz Brentano: Equivocidad del Ser y Objeto Intencional‖. In. Kriterion. Vol. XLIII, No. 105 (jun., 2002), pp.97-118.

SCHAAR, Marietje Van der. ―L'analogie et la vérité selon Brentano‖. In. Philosophiques, Vol. 26, No. 2 (automne/1999). Disponível em <http://id.erudit.org/iderudit/004994ar>. Arquivo Capturado em 05/06/2009.

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VIOLÊNCIA E DEMOCRACIA EM HANNAH ARENDT

Paulo Eduardo Bodziak Junior/UFPR

Orientador: Profº Dr. André de Macedo Duarte

[email protected]

Palavras-chave: totalitarismo; violência; democracia; bio-política; homo sacer

A modernidade está marcada pela relação entre violência e política. Fato sem

novidade quando lembramos que atos de violência precedem a fundação dos corpos

políticos desde a antiguidade. Deste modo, tentarei defender a hipótese de que a

marca da modernidade não está na relação entre ambas mas está no caráter

necessariamente violento adquirido pela política em seu novo sentido. Para isso

será considerada a categoria da bio-política, pensada inicialmente por Foucault e,

posteriormente, relacionada ao pensamento de Arendt por Giorgio Agamben. Assim,

finalmente, é possível o retorno à violência enquanto fenômeno ligado à

transformação da política em bio-política, e como tal fenômeno destrói estruturas de

poder entre cidadãos, fundamentais para uma experiência de democracia.

A democracia é sustentada pelo poder. Mas há uma diferença entre força,

monopolizada pelo estado, e poder. Poder é gerado quando um grupo de homens

decide proceder em um mesmo curso de ação. A força é compreendida como força

física. Isto é, não sustenta um regime democrático. O fenômeno da violência

aparece quando a força é multiplicada e empregada por meio de instrumentos contra

alguém. Portanto, onde há violência não pode haver poder dada a destruição das

estruturas de poder geradas pela ação conjunta. A política, tal qual compreendida

por Arendt, é justamente aquilo que ocorre entre os homens nesta interação para a

criação e manutenção destas estruturas de poder. Logo, é clara a tensão entre

política e violência.

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Na antiguidade a presença de ambas era comum. Observamos isso na obra de

Maquiavel, que propunha uma reflexão acerca dos acontecimentos políticos da

antiguidade. Em sua obra é clara a apologia ao uso da força se necessário pelo

príncipe, mas também está claro que ao assumir tal posição o soberano abandona

as leis para entrar no campo da violência. Estas reflexões já são um ensaio do atual

direito irrevogável do Estado de monopolizar o uso da força. A mudança no sentido

da política proposta aqui começa com a ascensão de uma figura denominada animal

laborans. Esta é a categoria utilizada por Arendt para definir o homem da

modernidade. Seu ser não seria definido pela capacidade de agir em conjunto e

interagir com outros homens, mas pelo fato de comportar-se sempre em um mesmo

ciclo de produção e consumo de bens que sustentam uma vida em seu sentido

estritamente biológico. Esta figura do homem moderno transformou a política,

outrora tida como interação entre homens, em administração pública deste ciclo de

produção e consumo. Daí a relevância das questões econômicas em governos

atuais.

Para tornar mais clara a relação de necessidade entre esta nova política e o

emprego da violência pode-se dispor da categoria da bio-política proposta por

Foucault. Nesta categoria as ações do estado estariam dirigidas ao novo conceito de

população. Tal conceito ―achata‖ as pessoas numa massa uniforme tratada

indiscriminadamente. As ações do estado visam a regulamentação dos processos

biológicos referentes aos homens. Todas as necessidades biológicas são tratadas e

administradas como questões públicas. Outra característica desta bio-política no

processo de administração do contingente populacional é o seu caráter racista

encontrado emblematicamente no anti-semitismo da Alemanha nazista ou, mesmo

fugindo à compreensão biológica da palavra, enquanto os inimigos da revolução

soviética. Trata-se de reconhecer na população um elemento que ameace a sua

evolução, seja genética ou historicamente. Em suma, o estado bio-político trata da

regulamentação dos homens enquanto população, visando a manutenção e

aperfeiçoamento do homem-espécie, fazendo para isso, no exercício do ―poder de

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fazer viver e deixar morrer‖ (FOUCAULT, 2000, p.287), o recorte racista que visa

eliminar as impurezas que comprometem a evolução.

O paradigma bio-político da modernidade seria o campo de concentração. Relação

proposta por Agambem para o encontro dos pensamentos de Arendt e Foucault.

Para o pensador, o ponto de flexão entre ambas as obras ocorre quando pensamos

o domínio total sobre a chamada ―vida nua‖ ou ―vida sacra‖, o modo de vida do homo

sacer figura do direito arcaico romano possuidor de uma vida matável e

insacrificável. Sua inclusão consistia paradoxalmente na sua exclusão, tratando-se

do indivíduo excluído da sua cidadania mas presente no ordenamento jurídico como

alguém irrelevante para a sociedade e, portanto, matável, cuja violação por alguém

não caracterizava crime. Sua insacrificabilidade deriva da entrega já realizada aos

deuses quando este fora sacralizado, ou seja, ao ser retirada sua cidadania a sua

vida estava ―nua‖ e entregue aos deuses. Os homens não poderiam sacrificar

alguém cuja vida já era de propriedade divina. Assim, ao pesarmos o domínio total

sobre a ―vida nua‖ desprovida de qualquer proteção jurídica, senão aquela que

define sua própria exclusão, nos remetemos à experiência totalitária dos campos de

concentração e sua gestão técnica da vida. O domínio total consistia na destruição

jurídica, moral e pessoal do indivíduo. Através da tortura, da humilhação e do

aniquilamento da esperança somados a uma legislação racista, o campo tinha sua

pluralidade de indivíduos sistematizada e destruída.

Os campos constituem o paradigma bio-político do presente, pois revelam a situação

limite a qual pode chegar a gestão técnica da vida que define a política moderna.

Para Agambem, há, correndo sob a modernidade, um elemento oculto comum que

atravessa os regimes totalitários até as modernas democracias de massa, a bio-

política. Deriva desta condição o caráter necessariamente violento da política uma

vez que se define pela intervenção na vida individual para garantir a evolução

coletiva. Esta violência destrói os espaços de poder necessários à democracia.

O animal laborans enquanto definição da existência humana na modernidade

compele a sociedade a entrar em um ciclo vitalista de produção e consumo que

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precisa ser mantido. Mesmo pelo uso da força. Foi assim com o primeiro surto

imperialista que motivou genocídios e saques na África e Ásia no século XIX. Neste

ciclo as estruturas de poder já não podem mais se sustentar. Se o poder é agir em

comum acordo, as mudanças descritas comprometem esta possibilidade, afinal, o

homem moderno, além da sua incapacidade de agir por estar completamente

ocupado com o ciclo vitalista, é compelido a se manter neste ciclo, caso contrário

torna-se um excluído, podendo ser transformado em homo sacer e sugado para fora

do ciclo de consumo violentamente. Com o poder comprometido, compromete-se

também a possibilidade da democracia sustentada no poder emanado do povo.

Referências bibliográficas

AGAMBEN, G. Homo Sacer: O poder Soberano e a vida nua. Belo Horizonte.

UFMG. 2002

ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária. 2002

___________.Da violência. UnB. Brasília.1985.

___________.Origens do totalitarismo. Cia das Letras. São Paulo. 2000.

DUARTE, A. Hannah Arendt e a biopolítica: a fixação do homem como animal

laborans e o problema da violência. In CORREIA, A.(org.) Hannah Arendt e a

condição humana. Salvador. Quarteto, 2006.

FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo . Martins fontes. 2000

MAQUIAVEL, N. O Príncipe. São Paulo. Nova cultural. 2004.

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SOBRE O CONCEITO DE VIRTUDE E REMINISCÊNCIA NA OBRA MÊNON DE PLATÃO

Felipe Cardoso Martins Lima

Mestrando PUC/PR

Orientador: Jair Barboza

[email protected]

Palavras-chave: virtude, reminiscência, alma, imortalidade, conhecimento.

Trata-se de uma investigação em torno do diálogo ―Mênon‖ de Platão. Pretende-se

investigar em que medida a tese da reminiscência (anámnesis) tal como

estabelecida por Platão se apresenta como um dos pontos centrais da teoria do

conhecimento no horizonte da filosofia platônica. Para isso, pretendo analisar os

pontos principais da obra em questão, tendo em vista, a estrutura interna da

argumentação aí em jogo, sobretudo, os conceitos de reminiscência e virtude. Os

dois pontos fundamentais do diálogo Mênon, consistem primeiramente na

abordagem a respeito da possibilidade da virtude ser ensinada, bem como adquirida

mediante exercício e ainda mais precisamente se essa virtude advém aos homens

por natureza, tais questões, entretanto, que se apresentam no início do diálogo

formuladas por Mênon, são direcionadas para Sócrates. Há deste modo, uma

tentativa de definição por parte de Sócrates do conceito de virtude, culminando, por

sua vez, na aporia. Mas por outro lado, o presente diálogo se lança em outra aporia,

essa, porém, mais problemática, ou seja, sobre a própria possibilidade do

conhecimento, entrando em cena, por sua vez, o conceito de reminiscência, na

medida em que pressupõe a imortalidade da alma. Por isso, uma vez que se trata do

conceito de reminiscência, revela-se já de antemão a possibilidade de aquisição do

conhecimento. Desde já se vê que o método do conhecimento tal como apresentado

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por Platão consiste na anámnesis ou lembrança, a tarefa do individuo é partir das

coisas, para reconhecer nelas um ser que não se possui, mas que lhe provoque uma

lembrança ou reminiscência das ideias antes contempladas pela alma.

Conhecimento, portanto é lembrança.

Estamos diante de um diálogo que apresenta dois aspectos importantes. Se por um

lado o diálogo Mênon liga-se aos chamados diálogos socráticos, por outro lado, faz

parte dos diálogos que encabeçam a transição para a fase posterior denominada

fase de maturidade. A obra em questão inicia-se com a pergunta de Mênon ―a

virtude é coisa que se ensina?‖1 a partir daí Sócrates reformula a questão específica,

para uma tentativa de definir a virtude. Usando sua ironia como método maiêutico,

Sócrates alega nada saber a respeito da virtude, detendo-se apenas nesse princípio.

Um dos métodos que Sócrates utiliza para investigar um conceito, consiste

primeiramente em instigar o interlocutor à apresentar a definição conceitual ora

apresentada. Dessa forma, cabe a Mênon a tarefa da primeira tentativa de definir o

que é virtude. O primeiro argumento utilizado por Mênon consiste na enumeração

das virtudes ―ser capaz de gerir as coisas da cidade, e no exercício dessa gestão

fazer bem aos amigos e mal aos inimigos (...) a virtude da mulher não é difícil

explicar que é preciso a ela cuidar da casa‖2. Partindo da posição de Mênon, a

crítica socrática entra em cena com intuito de contrapor tal definição, apresentando,

por sua vez, seu primeiro argumento, ou seja, há uma unidade de virtudes para

todos, unidade essa que deve dar conta da multiplicidade ―embora sejam muitas e

assumam toda variedade de formas, tem todas um caráter único‖3.Note-se, porém,

que no decorrer do diálogo ocorrem várias tentativas de definição tanto por parte de

Mênon bem como de Sócrates, levando a partir daí a discussão à aporia. Tendo

reconhecido a aporia sobre a qual se encontra a discussão, Sócrates detém-se no

ponto que abrirá caminho à outra discussão, ou seja, a possibilidade do

conhecimento mediante a reminiscência. Este movimento da argumentação nos

1 Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.19.

2 Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.23;

3 Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.23;

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impõe em um plano estritamente metafísico na medida em que pressupõe a alma

como sendo imortal e tendo como condição necessária o ciclo de nascimentos

sucessivos, enfim, a alma contempla as coisas do mundo inteligível, não existindo,

portanto conhecimento que ela não tenha contemplado. Ao apresentar tal

argumento, Sócrates, a pedido de Mênon, pretende demonstrar a validade da tese

em questão, propondo interrogar o escravo de Mênon. Tal interrogatório gira em

torno de um problema matemático, ou seja, ao instigar o escravo a uma tentativa de

resolução do problema, Sócrates o induz a aporia, essa é o ponto de partida para

aquisição do conhecimento enquanto tal. Na medida, entretanto, em que discorre o

interrogatório, Sócrates leva o escravo a solução do problema mediante a

reminiscência. Isso nos permite caracterizar a validade da tese socrática, pelo fato,

do escravo apresentar a solução de um problema matemático complexo mesmo

apresentando um estado de completa ignorância intelectual. Por fim, retomando a

discussão acerca da virtude, e depois de várias tentativas de defini-la, Sócrates a

apresenta como sendo uma ―concessão divina‖1, contudo deixa um espaço aberto

para uma nova definição no que concerne a virtude em si mesma o que comprova o

completo estado de aporia pelo qual se encontra o presente diálogo.

O conceito de reminiscência de Platão revela, já de antemão, a função que a obra

Mênon adquire na transição para os diálogos de maturidade, e como motivação de

discussão, assim se poderia apontar para uma pressuposição da teoria das idéias

que estará estabelecida numa fase filosófica posterior. O conceito de reminiscência

se faz necessário em Platão, pela necessidade de solidificar por um lado à

argumentação de sua metafísica, e por outro lado, fazendo com que se coloque todo

o peso da questão na imortalidade da alma. Por ser justamente a reminiscência a

condição necessária para o conhecimento, dessa forma, se concebe a alma como

ponto de partida para todo o conhecimento.

1 Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.109;

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Referências

PLATÃO. Mênon. Trad. Maura Iglesias. Rio de Janeiro: PUC - Rio, 2001.

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A RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO NA PESQUISA E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

Lucia Helena Barros do Valle

Instituto Superior Sant`Ana

[email protected]

Palavras-chave: Sujeito; Objeto; Conhecimento; Lógica; Pesquisa; Realidade.

No conhecimento da realidade o homem atribui conceitos às coisas do mundo

exterior, interior e social. Isto corresponde ao aperfeiçoamento do pensamento da

humanidade, da forma como esta, nas expressões das diferentes culturas, organizou

o pensamento nas relações do homem com si mesmo, com seu semelhante e com a

natureza.

O objetivo deste trabalho é apresentar a construção do conhecimento a partir da

posição da racionalidade na relação sujeito–objeto. Ou melhor, como a razão se

expressou na Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea frente a esta

relação? A elaboração de conceitos sobre a realidade acontece no pólo sujeito-

objeto, desse modo a humanidade os elabora de diferentes formas e de acordo com

as distintas culturas e épocas. Alguns conceitos permanecem intactos por muito

tempo, outros são reformulados num tempo menor. Esta reconstrução de conceitos

está ligada a fatores concernentes à organização cultural, social e econômica das

sociedades.

Os conceitos são tão atrelados à vida humana, que esta os entende como ponto de

partida para seu desenvolvimento e como processo no qual o homem conduz o

desenvolvimento desses próprios conceitos. Diante disso, eles são tanto ponto de

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partida como de chegada para o homem na busca pelo aperfeiçoamento dessas

relações (homem mundo exterior, interior e social). Os conceitos são elaborados

pela mente e transmitidos através da comunicação que se dá através da linguagem

(corporal, artística, verbal). Quer dizer, o desenvolvimento do pensamento, da

capacidade de conceituar e da linguagem é interdependente. Isto se dá frente a

certo tipo de lógica, uma vez que ela expressa o modo como o raciocínio estabelece

as relações entre o pensamento e o real. Ora, se existem modos diferentes para o

raciocínio, esta distinção acontece sob dois aspectos:

- em relação aos diferentes tipos de objeto do pensar;

- em referência aos distintos modos de pensar tal objeto.

Via de regra, a lógica, entendida como instrumento do pensar, chega à filosofia e às

ciências sociais contemporâneas com uma discussão entre lógica formal e dialética.

A primeira é entendida como a lógica da metafísica, isto é, concebe os objetos e

fenômenos de maneira estática e as coisas, neste tipo de lógica, tendem a

permanecer sem mudanças significativas. Porém, a lógica dialética entende os

objetos e fenômenos num universo dinâmico, pois o princípio que diferencia

fundamentalmente a lógica formal da dialética é a contradição.

Quando um conceito sobre determinada coisa é elaborado, se está sob a ação de

uma certa lógica de entendimento do real, e se esta evidencia um modo de ver as

coisas, pode-se dizer que ela reflete uma visão de homem e mundo do sujeito.

Contudo, a falta de orientação sobre que tipo de lógica o pensamento está atrelado,

pode levar o indivíduo a ações incoerentes com seu modo de ver, sentir e estar no

mundo. Numa palavra, refletir sobre esta lógica do próprio pensamento é enfrentar,

muitas vezes, as contradições presentes na ação do indivíduo, se transformando

num exercício de tomada de consciência de eles próprios. Abrir a consciência é

estar pronto ao diálogo consigo e com o mundo, através da reflexão sobre os

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conceitos das relações homem-mundo exterior, homem-mundo interior e homem-

mundo social.

Quando se fala em pesquisa ou construção do conhecimento, seja em qual área for,

a referência é a relação sujeito-objeto. Isto é, reporta-se a questão sobre qual a

participação dos pólos subjetivo e objetivo na construção do conhecimento? Para

respondê-la, tem-se que ter clareza do referencial teórico metodológico que vai

orientar as ações sobre a realidade em estudo. Entretanto, antes disso, deve-se ter

consciência de como a relação sujeito-objeto foi compreendida pelo homem na sua

caminhada em direção ao desenvolvimento de seu modo de entender a realidade

natural, social e subjetiva.

Com base em Severino (1994), pode-se entender que esta relação sujeito-objeto, no

processo de construção do conhecimento, ora teve a racionalidade centrada no

sujeito, ora no objeto e finalmente na relação entre eles. Quer dizer, na Idade Antiga

a razão centrava-se no objeto, uma vez que tanto seres mitológicos quanto

fenômenos da natureza eram responsáveis por explicar o mundo, a realidade. O

homem sujeitava-se a aceitar que a explicação do real se dava por algo externo a

ele.

Na Idade Média, a situação não mudou, pois a razão centrava-se ainda no objeto,

em virtude de que a verdade, a explicação do mundo acontecia através das

sagradas escrituras, então a realidade era explicada pelo poder divino.

Finalmente, na Idade Moderna a razão desloca-se para o sujeito. O homem

descobre sua capacidade de explicar e dominar os fenômenos da realidade natural e

social. Os acontecimentos que permitiram este deslocamento da razão centrada no

objeto para o sujeito ocorreram em virtude de fatos significativos na política, na

filosofia e na ciência a partir do século XVII. Certo é que o homem descobriu seu

poder de domínio e acreditou ser capaz de construir uma sociedade livre dos mitos e

auto- suficiente para satisfazer as necessidades e aspirações humanas. Este

endeusamento do homem por ele mesmo o levou a compreender que a felicidade e

a vida boa almejadas, principalmente, com os avanços da ciência teve um preço

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alto. Isto é, as desigualdades continuaram a se instalar entre os povos, o processo

de globalização interferiu nas diferentes culturas trazendo à tona reações das mais

diversas, como diferentes tipos de violência.

Por conseguinte, no que diz respeito à leitura e interpretação filosófica desse

cenário, os pensadores da contemporaneidade avançaram ao compreender que a

razão tende a deslocar-se do sujeito para a relação entre sujeitos capazes de

entendimento sobre a realidade. Ou seja, sujeitos se entendendo sobre algo no

mundo exterior, interior ou social, sendo que aqui, a personagem central é a

linguagem. É através dela que a racionalidade se expressa e se torna capaz de

enfrentar questões que estão afetando a vida dos homens, tais como o aquecimento

global e muitos avanços da genética, as quais precisam ser discutidas sobre seu

aspecto ético diante da diversidade cultural, social, religiosa, política e econômica

das nações.

Enfim, esta guinada paradigmática na filosofia traz um prenúncio de maior

possibilidade de diálogo entre os sujeitos, a fim de permitir a eles enfrentar um

mundo que sofre transformações aceleradas tanto pelo viés da ciência quanto da

ligeira velocidade da informação.

Bibliografia

HABERMAS, Jurgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes,

2004.

_____. Pensamento pós- metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1994.

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O POSITIVISMO COMTIANO E O DISCURSO PROGRESSISTA DE GETÚLIO

VARGAS NO ESTADO NOVO (1937-1945)

João Henrique dos Santos

UNICENTRO/PR.

[email protected]

Palavras-chave: Positivismo, Augusto Comte, Discurso, Progresso, Estado Novo.

O positivismo comtiano tem apresentado grande influência na história política

brasileira, não apenas no momento da formação da República (1889), mas

especialmente em suas releituras, como forma de justificação de poder em regimes

de cunho totálitário, como no caso do Varguismo (1930-1945), e Ditadura Militar

(1964-1985).

Segundo o historiador José Murilo de Carvalho, no período republicano o positivismo

fundamenta-se como conceito político e ideológico do governo, tal fato teria ocorrido,

especialmente, pelo forte aparato simbólico e progressita de seu discurso

(CARVALHO, 1990). Desta forma, o positivismo torna-se o principal conceito

ideológico dos primeiros governantes da república recém formada.

Portanto, compreender a atuação do pensamento positivista comtiano, em relação a

construção dos discursos e atos políticos no Brasil, durante o século XX, torna-se

um ponto de partida para estudos sobre a construção dos conceitos de cidadania e

civilidade nacional. Seguindo este pressuposto, pretendo analisar o discurso

comtiano, em especial, a abordagem sobre a "marcha progressiva do espírito

humano" exposto em sua obra Cours de Philosophie Positive (COMTE, 1978). Darei

destaque ao estado metafísico e positivo, refletindo posteriorme sobre a

reinterpretação destes conceitos realizado por Getúlio Vargas, que os transmite em

seus discursos para os jovens duranto o Estado Novo (1937-1945).

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Augusto Comte torna-se um grande expoente do pensamento francês, com a

publicação de sua principal obra, Cours de Philosophie Positive (Curso da Filosofia

Positiva). Nesta obra nos é perceptível que "a filosofia é reduzida a metodologia e

sistematização das ciências" (PADOVANI, CASTAGNOLA; 1978, p. 430). Dentro

deste esquema, ou melhor, deste curso de evolução da humanidade, Comte nos

apresenta três estados evolutivos necessários para alcançar o progresso.

O primeiro estágio, chamado estado teológico, apresenta-se como aquele em que o

método para explicação dos fenômenos consiste na busca das causas primeiras e

finais, ou seja, na busca de um conhecimento absoluto, cuja explicação fundava-se,

em última análise, na ação direta, contínua e arbitrária de "agentes sobrenaturais"

(COMTE, 1978, p. 4).

O segundo estágio configura-se pelo estado metafísico, no qual os homens passam

a explicar o mundo e os fenômenos naturais, por meio do recurso de conceitos

abstratos e não verificáveis, transcendentais em sua essência. Esses conceitos

abstratos do estado metafísico, conforme Comte, acabam substituindo os "agentes

sobrenaturais" do estado teológico e, todos os fenômenos observados passam a ser

explicados pela relação que possuem com cada entidade abstrata correspondente.

Este processo de transformação é possível graças ao contínuo avanço das

ciências, em especial das ciências naturais; que gradativamente eliminariam os

mitos e deuses, trazendo o homem para o domínio de sua existência.

O terceiro estágio é denominado estado positivo. Afirma Comte ser esse o último

estágio da razão humana, aquele em que ela alcança a sua "virilidade". A principal

característica do terceiro estado é que nele "o espírito humano reconhecendo a

impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino

do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se

unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da

observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de

similitude." (COMTE, 1978, p.132.)

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Para o conhecimento positivo, que representa o conhecimento científico, o

estabelecimento de relações de causa e efeito constitui o seu núcleo,

independentemente da área do conhecimento em questão. Aliás, Auguste Comte

propôs também uma hierarquização das ciências, de forma que as ciências

consideradas exatas seriam as mais simples e as ciências sociais as mais elevadas.

A sociologia seria a ciência mais elevada de todas, mas assumiria a forma de uma

"física social" (physique sociale) (COMTE, 1978, p. 9). Além disso, foi Auguste

Comte quem fundamentou como imprescindível a determinação rigorosa de objeto e

método para a configuração de um determinado campo do saber como

"conhecimento científico" e portanto, integrante das ciências positivas. Assim, além

de alcançar o estado maxímo do saber humano a sociedade também iria encontrar a

perfeita realização social de seus integrantes.

Com um discurso evolucionista e dispondo de um final préviamente definido - o

estado positivo, onde além de encontrar o pleno avanço das ciências, encontraria-se

a plena realização da sociedade - percebe-se o quão útil fora para a elite política

nacional, utilizar-se destes conceitos para induzir o sentido de progresso no

imaginário coletivo brasileiro. Cabe salientar, que segundo os intelectuais brasileiros

dos anos 30, grande parcela considerava de extrema necessidade o avanço

tecnológico do país. É utilizando-se desta necessidade de avanço e deste imaginário

de progresso já existente na sociedade brasileira, desde a sua formação como

república, que Getúlio Vargas reapropia-se do conceito positivista, tornando-se ele

mesmo o porta-voz deste avanço.

Tal utilização é evidente em seus discursos, sempre apresentando os seguintes

termos e conceitos: "Anima-me a certeza de que tôda esta multidão [...] é capaz de

erguer comigo os alicerces da construção do Brasil Novo, que jurámos

empreender.[...] Educar não é, somente, instruir, mas desenvolver a moralidade e o

caráter [...] ensinado-lhe as artes necessárias para a mais alta das virtudes: o

conhecimento de suas forças".

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Vargas ao utilizar-se de valores filosóficos e sociais já incoporados na sociedade,

apresenta-se como o "pai da nação", que veio levá-la ao progresso e

consequentemente à paz, Assim, embora execute um governo ditatorial, cheio de

sanções a liberdade de expressão, mantém-se como herói nacional e agente

promotor do progresso, mesmo que para isso seja necessário perder a liberdade

individual.

Referências

CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da república

no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva; Discurso sobre o espírito positivo;

Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; Catecismo positivista. São

Paulo: Abril Cultural, 1978. [Col. Os Pensadores]

PADOVANI, Umberto; CASTAGNOLA, Luís. História da filosofia. 12. ed. São

Paulo: Melhoramentos, 1978.

FONTES HISTÓRICAS

DIP. A Juventude no Estado Novo. Imprensa Ofícial, 1940.

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RAZÃO E MORAL EM BERGSON

Marcelo Prates de Souza

Mestrando – UFPR

[email protected]

Palavras-chave: Moral aberta; Moral fechada; Obrigação; Razão.

O objetivo deste trabalho é buscar compreender a origem da moral segundo

Bergson mediante sua crítica à razão, tal como presente na obra As duas fontes da

moral e da religião de 1932. Quando Bergson questiona o porquê se obedece

constantemente às mais variadas obrigações, busca entender o que há por trás da

obrigação em geral. Tal fenômeno é tão constante na vida cotidiana que o homem

nem percebe o porquê de seu consentimento, e quando busca uma resposta, dirá

que é a sociedade que assim se comporta; a vida social se mostra como um

conjunto de hábitos. Por ser o impessoal que nela impera a consciência individual

permanece quase nula, uma vez que a autoridade provém mais do lugar que o

indivíduo ocupa do que dele próprio. Deste modo, para Bergson, não há diferença

de natureza entre o instinto animal e o hábito, pois tanto o homem como o animal

vivem sobre a forma de uma sociedade que é fechada em si mesma, isto é, crê-se

que a sociedade já está realizada. Ela constitui um todo organizado, o todo da

obrigação, que em seu conjunto, recai com todo seu peso mesmo para a mais ínfima

obrigação particular. É por isso que cada obrigação aparece como um dever: é

preciso porque é preciso. Entretanto isso não quer dizer que ela seja de todo

negativa, pois é dela que o indivíduo retira sua força: é ela que liga o homem a si

mesmo e ao outro. A questão consiste, então, em saber por que em certos

momentos a obrigação torna-se algo difícil e duro de realizar. É quando ela se

transforma em um esforço sobre si mesmo, já que nem sempre é fácil ser honesto,

bom cidadão, etc. Nisto se manifesta certa resistência ao dever, mas por se estar

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mergulhado na sociedade de tal modo, logo se é arrastado novamente ao conjunto.

Cria-se uma resistência a essa resistência, e é nela que o homem busca dar razões

a si mesmo para se manter no curso da sociedade. Todavia, esses hábitos são

diretos, mesmo quando se trata do amor aos pais e a pátria. O que Bergson crítica

em tais hábitos é que eles dizem estar sobre a rubrica do amor à humanidade, e o

fim do dever é para com ela. Todavia tais deveres encontram-se em suspenso, já

que tais hábitos representam escolhas, e portanto exclusões. Há, entretanto, uma

moral que é indireta e acolhe esse amor à humanidade. O humano não é o social,

ultrapassa-o de tal modo que ele só se manifesta por personalidades as quais

incorporam essa moral: foram os santos, os sábios. Basta apenas a sua existência e

nela se arrastam multidões. Como se consegue tal força? É suficiente que haja mais

na alegria do entusiasmo que no prazer do bem-estar. E o que configura essa outra

forma de moral, a moral aberta, é que ela não se fecha em si mesma, mas é

abertura. Isso não quer dizer que há uma ruptura com a moral antiga, pois esta

envolve a moral fechada e a coloca no curso de um progresso que abrange de forma

mais geral a humanidade, ou seja, rompe-se com certa natureza, mas não com a

natureza, como, usando uma expressão de Espinosa, Bergson diz que é para voltar-

se à natureza naturante que se sai da natureza naturada. Neste sentido, há para o

homem uma primeira moral, a moral fechada, que o caracteriza em um conjunto de

hábitos, que para Bergson, correspondem simetricamente aos instintos nos animais,

e por isso, é menos que a inteligência, própria do homem. E há uma segunda, a

moral aberta, que ultrapassa sempre uma multiplicidade que é incapaz de lhe

equivaler, esta é, portanto, mais que a inteligência. Entre as duas há a própria

inteligência. E, segundo Bergson, é por tentarem fundamentar a moral na

inteligência, que para ele equivale à razão, e, portanto, algo típico das teorias do

dever, é que a filosofia quase nada conquistou no sentido de explicar como uma

moral pode ter tanta influência sobre os homens. Tais dificuldades se acentuam

sobre a representação por conceitos, os quais são mistos que reúnem em si o que é

causa de pressão e o objeto de aspiração, portanto, neles não se apreendem nem a

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pura obrigação, nem a pura aspiração. O problema do misto se torna fundamental

porque é justamente por não o perceberem que os filósofos só viram diferenças de

grau ali onde há diferença de natureza, sendo que é nesta natureza que se encontra

a origem da moral. Entretanto, Bergson não nega que são esses conceitos que

exercem ação sobre os homens. As duas forças estão presentes, mas jamais o

homem se refere diretamente a elas toda vez que busca tomar uma decisão, pois na

verdade nunca se apreende cada força no seu estado puro: a aspiração pura é um

limite ideal, como a obrigação nua, mas na prática as duas permanecem

confundidas. O racional não é incoerente, pelo contrário, é nele que o homem

encontra coerência quando necessita saber o que fazer em cada caso particular.

Isso significa dizer que todas as atividades morais na sociedade são racionais, pois

no plano intelectual as exigências morais interpretam-se sob conceitos, onde cada

um é representativo de todos. Destarte, há duas forças, instinto e inteligência que

são formas da vida se manifestar, e a obrigação como hábito não tem diferença de

natureza com o instinto; são nessas duas fontes que se formulam os conceitos

morais, que são justamente, mistos. Duas coisas se podem concluir: primeiramente

que não uma há necessidade primordial de fundamentar uma moral na razão. A

ação moral é racional, mas não resulta daí que a razão seja sua origem. O que há

de propriamente obrigatório na obrigação não vem da inteligência. Ela só explica da

obrigação o que se encontra dela na hesitação. A obrigação real é anterior às

formas de obrigação do dever, pois a obrigação é uma necessidade da vida, e o que

a razão vier a estabelecer sobre ela já assumirá o caráter obrigatório, eis o porquê

Bergson considera as morais intelectualistas inúteis e inoperantes quando buscam

um fundamento para a obrigação moral. Em segundo lugar, por trás da razão, há

homens que tornam a humanidade divina. Onde, como diz Bergson, a humanidade é

convidada a colocar-se num nível determinado, mais elevado que uma sociedade

animal, em que a obrigação não seria mais que a força do instinto, porém menos

elevada que uma assembleia de deuses, onde tudo é impulso criador. Por haver

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sempre a possibilidade de abertura é que, retomando as palavras do Ensaio, há

mais encanto na esperança que na posse, no sonho que na realidade.

Bibliografia

BERGSON, Henri. As duas fontes da moral e da religião. Tradução: Nathanael C.

Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1978.

______________. Ensaio sobre os dados imediatos da consciência. Tradução: João

da Silva Gama. Lisboa: Edições 70.

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OS FUNDAMENTOS DO GOSTO, DA ARTE E DO GÊNIO NA ESTÉTICA DE

IMMANUEL KANT

Edy Klévia Fraga de Souza

Profª. do Depto. Filosofia/UFMT

Mestranda ECCO/UFMT

Orientador: Guilherme Wyllie

[email protected]

Palavras-chave: gosto, estética, juízo, arte, gênio.

Embora a arte e a beleza tenham sido objetos de estudo desde a antiguidade, o

termo ‗Estética‟ foi criado na Alemanha em 1735 por Alexander Gottlieb Baumgarten,

introduzindo essa palavra em sua acepção contemporânea em seu trabalho

Meditações Filosóficas Sobre a Questão da Obra Poética. A estética foi definida por

Baumgarten como ciência do conhecimento sensível, ou seja, a investigação da

beleza manifesta na obra de arte. Esse autor iniciou o que mais tarde foi

desenvolvido pelo filósofo Immanuel Kant em sua obra Crítica da Faculdade do

Juízo publicada em 1790. Percebe-se nesta obra que o principal foco kantiano é o

Belo que se relaciona ao gosto como faculdade avaliativa e à arte enquanto obra

produzida pelo gênio. O que orientará essa investigação será a tentativa de

responder a seguinte questão: é possível reivindicar uma universalidade de gosto

acerca do Belo por bases subjetivas? Para respondê-la, Kant partirá dos princípios

fundamentais dos três prazeres presentes no sujeito, relacionando-os e distinguindo-

os, na tentativa de pressupor o senso comum estético fundamentado em um livre

jogo entre imaginação e entendimento. Posteriormente, definirá o dom genial do

artista produtor das belas artes, distinguindo essas últimas dos artefatos e das

ciências. Tal investigação resultará em um poder de julgamento por parte do sujeito

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em relação ao objeto, onde a comunicabilidade entre ambos será de suma

importância.

O juízo de gosto, no qual a estética kantiana busca explicitar, é a expressão de um

modo de representação distinto do teórico. Portanto, não é um juízo fundamentado

em conceitos lógicos porque é subjetivo, sendo que o prazer é decorrente da

reflexão que o sujeito faz em relação ao objeto, propiciando uma relação entre o

intelectual e o sensível. Enquanto no juízo lógico o que importa é a existência do

objeto e as qualidades nele inseridas propiciando o conhecimento, no juízo de gosto

o objeto não precisa existir, mas apenas estar representado, suscitando a reflexão

no sujeito para que o mesmo possa ter como consequência o prazer estético. Sendo

assim, o juízo de gosto nada informa sobre o objeto, mas sobre o sentimento do

sujeito em relação ao objeto, pois é meramente contemplativo e desinteressado. Na

complacência do agrado o prazer está nas satisfações dos desejos e estímulos

particulares, naturais e imediatos do sujeito sobre um objeto e por isso, depende da

faculdade de apetição. Embora seja possível encontrar no agradável certa

unanimidade entre as pessoas no que tange as regras gerais que mudam de acordo

com as necessidades da sociedade, essa complacência continua se diferindo das

teorias universais que são provadas teoricamente e demonstráveis empiricamente. A

complacência no bom também visa um interesse, mas sua mediação é dada na

razão o que o difere da complacência no agrado que é mediado pelas sensações e

inclinações imediatas dos sentidos. O bom nem sempre é acompanhado de

sensações agradáveis, mas visa um fim útil. É importante ressaltar que tanto o

agradável como o bom são complacências que visam tal finalidade útil, o que os

diferem é que enquanto no primeiro o prazer consiste na satisfação imediata e

irracional, no segundo o sujeito conceitua o objeto através do raciocínio lógico e

somente posterior a isso emite o julgamento. Mas para pensar no senso comum

acerca da beleza expressa no juízo de gosto, é preciso ter em mente que a beleza

não pode ser demonstrada como qualidade do objeto porque é um sentimento

fundamentado no subjetivismo e não em conceitos objetivos. Nesse caso, o que

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possibilita e fundamenta essa universalidade em relação ao gosto é o jogo livre entre

imaginação e entendimento que o próprio indivíduo realiza ao se comunicar com a

obra. O jogo livre, como o próprio nome já sugere, é livre porque não se fundamenta

no interesse, nem na utilidade e muito menos em conceitos pré-determinados.

Nesse contexto, o entendimento, como faculdade das regras, não submete a

imaginação a ele, mas contribui para que a reflexão no juízo de gosto não seja

desregrada. Daí a necessidade do entendimento que, ao se relacionar com os

conceitos, não permite que o gosto estético seja confundido com o simples agrado

das sensações. A imaginação por sua vez, desprovida de conceitos determinantes é

produtiva, sendo capaz de manifestar-se e, portanto, ser comunicável. O senso

comum estético nasce desse acordo entre a livre imaginação e o entendimento não

determinante. Por sua subjetividade, não há possibilidade de prová-lo objetivamente,

como acontece no juízo lógico, mas pode-se pressupor sua universalidade devido à

universal capacidade do sujeito de realizar o jogo livre das faculdades e obter como

consequência o prazer acerca da beleza. Partindo desses pressupostos, pretendo

analisar a concepção de Kant no que tange a obra de arte em si, bem como sua

produção como obra de um Gênio que é o verdadeiro artista. Kant começa suas

distinções no §43 de sua terceira crítica, onde separa a arte da natureza. Enquanto

a primeira é obra de uma razão produtiva e, portanto, de um gênio, a segunda é

obra do instinto e não deve ser considerada obra de arte. Embora as pessoas

considerem que os favos de cera construídos regularmente pelas abelhas sejam arte

de uma natureza, isso se trata apenas de uma produção natural, sem ponderação

racional. Ao relacionar arte e ciência, o autor enfatiza as principais diferenças entre a

arte mecânica e arte estética, sendo essa ultima subdividida ainda em arte

agradável e arte bela. Ao expor a importância da arte bela como se fosse natural, ele

ressalta o poder essencial do gênio, ou seja, do verdadeiro artista, dotado de uma

genialidade que Kant denomina dom natural, fazendo dele um ser único e original.

A problemática presente na teoria estética de Immanuel Kant se concentra na

tentativa de pensar em um senso comum acerca do belo. Tendo a universalidade

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como princípio do juízo de gosto, a beleza deverá, portanto ter validade comum para

todos os sujeitos que a julgam, retirando-a do ponto de vista da idiossincrasia. É

importante ressaltar ainda que embora o juízo de gosto reivindique uma

universalidade equivalente ao juízo moral e ao conhecimento teórico, a beleza não

pode ser demonstrada, pois não está sob regras determinantes. A complacência aí

em jogo é uma consequência de um jogo livre realizada pelo sujeito. Diante desse

complexo contexto, Kant nega às obras de arte características científicas e as

distingue dos artefatos, sendo que os últimos visam um interesse final. Nesse caso,

somente o verdadeiro artista, o gênio, é capaz de realizar uma obra de arte pura nos

moldes de um gosto estético onde o elemento primordial, o juízo, será o fator

especifico no que se refere à complacência acerca da beleza. O que a estética

kantiana nos mostra é que mesmo diante de um juízo onde se proponha uma

universalidade acerca do gosto, o seu fundamento é subjetivo e, portanto, não há

aqui uma pretensão de provar tal juízo, mas apenas de confirmar o direito de se

discutir a beleza.

Referências

KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad. Valério Rohden e Antonio

Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

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LINGUAGEM E MENTE ORNAMENTAL

Felipe dos Santos Milani

Mestrando - PUCPR

Há milênios uma das questões mais centrais em filosofia é: o que é a mente

humana? Como ela funciona? Desde então existem muitas metáforas em

humanidades e em biologia que tentam, há muito tempo explicar o que é e como

funciona a mente humana. Nossa mente já foi descrita como; lousa em branco,

processador, computador de informação, módulo holográfico, máquina pragmática

de sobrevivência, canivete suíço, e muitas outras. Dentro destas perspectivas sobre

a mente humana a psicologia evolutiva entende nossa mente como um conjunto de

adaptações biológicas que visam aumentar as chances de sobrevivência e

reprodução do ser humano, mas desde que a psicologia evolutiva tem tentado

explicar o que é e como funciona nossa mente, ela tem encontrado muita dificuldade

em explicar aquelas características da mente que não trazem benefício para a

sobrevivência do homem, características como: nossa capacidade artística, nosso

instinto moral, nossa criatividade e humor e principalmente nossa linguagem

complexa.

Neste contexto o psicólogo Geoffrey Miller desenvolveu uma metáfora para nossa

mente que tenta explicar porque surgiram e quais as funções realizadas por estas

características de nossas mentes. Para explicar estas características de Miller se

utilizou de algumas teorias em biologia e psicologia começando pelo princípio de

seleção sexual como proposto por Charles Darwin em 1871, o princípio de

descontrole como proposto por Ronald Fisher em 1930, a teoria de jogos aplicada a

psicologia evolutiva, e o princípio de desperdício como proposto por Amóz Zahavi

em 1975. Nesta metáfora da mente, chamada Mente Ornamental, Geoffrey Miller

propõe que as características da mente que apresentam certa resistência para

serem explicadas em um contexto evolutivo, por não apresentarem nenhuma

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contribuição para a sobrevivência do ser humano, podem ser explicadas em uma

perspectiva evolutiva desde que esta perspectiva inclua o principio de Seleção

Sexual como fonte explicativa de adaptações e não apenas a seleção natural

darwiniana. Para Miller se queremos entender; moralidade, capacidade artística,

humor e principalmente linguagem complexa, as quais são características universais

para o ser humano, precisamos estender nosso entendimento sobre o que é uma

adaptação, e deixar de ver nossas adaptações como características que aumentam

nossa chance de sobrevivência, para entendê-las como características que

aumentam nossa chance de sobrevivência, e ou, nossas chances de reprodução, ou

seja de arranjar um parceiro sexual com o qual podemos gerar descendentes. Ao

incorporarmos o princípio de seleção sexual à psicologia evolutiva, lançamos nova

luz à questão sobre para quais funções servem estas nossas características, para

Miller o princípio de seleção sexual, aliado principalmente ao conceito de

desperdício de Amóz Zahavi, elucidam para quais funções estas adaptações nos

servem. Em seu livro A Mente Seletiva Miller argumenta que estas características

citadas anteriormente, moralidade, arte, humor e criatividade e linguagem, apesar de

não colaborarem com nossa sobrevivência, colaboram com nossa busca por

parceiros sexuais e reprodução, para Miller estas atividades anunciam nossa aptidão

e nossas qualidades, diretamente para possíveis parceiros sexuais os quais

presenciam estes comportamentos, ou indiretamente, já que estas exibições de

moralidade, capacidade artística, linguagem complexa e bom humor e criatividade

podem gerar um maior status social para o indivíduo no grupo o qual ele pertence, o

que por sua vez aumenta nosso valor no ―mercado‖ de parceiros sexuais. Assim um

dos principais fenômenos da mente humana, a linguagem é explicada por Miller em

um contexto de evolução biológica por seleção sexual. Para tratar do fenômeno da

linguagem Miller se apóia no trabalho de outro psicólogo evolutivo, Steven Pinker, o

qual em sua obra O Instinto de Linguagem demonstra como as características de

nossa linguagem falada, o modo como a desenvolvemos, como à usamos à

caracteriza como uma adaptação biológica,um verdadeiro instinto, mas em sua obra

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Pinker não se propõe a explicar como este instinto surgiu ou como ele evoluiu,

apenas caracteriza nossa linguagem como um instinto.

Para Miller a linguagem como um instinto evoluiu através do processo de seleção

sexual. Para ele a forma como nossos ancestrais usavam sua linguagem era um

importante fator de seleção do parceiro: humanos que apresentassem maior

vocabulário, discurso mais conciso, boa memória, conteúdo interessante, e boa

gramática tinham mais chances de conseguir um parceiro sexual sendo todos os

outros parâmetros iguais. Assim, durante o período pleistocênico, à medida que

nossos ancestrais usavam sua linguagem para seduzir seus possíveis parceiros

sexuais, esta ia se transformando e adquirindo complexidade tal a qual observamos

hoje. Pesquisas sobre como usamos nossa linguagem quando estamos em

situações de corte, ou quando fazemos discursos públicos, realizadas por diversos

psicólogos como, por exemplo, o norte americano David Buss, o qual conduziu um

estudo sobre sexualidade humana em 126 países, tem confirmado as previsões da

teoria de mente ornamental para a linguagem e para outras áreas do

comportamento e da psique humana, relevando importância do conhecimento e

divulgação desta teoria para a psicologia e para as humanidades como um todo.

Referências bibliográficas

MILLER, Geoffrey. F, A Mente Seletiva. Editora Campus. 2001

DARWIN, Charles, Origem do Homem e a Seleção Sexual. Editora Hemus 1983

BUSS, David, The Evolution of Desire. Editora Basic Books. 2003

ZAHAVI, Amótz, The Handicap Principle. Editora Oxford. 1997

FISHER Ronald A, The Genetical Theory of Natural Selection. Editora Oxford. 2006

BLACK Max, MODELOS Y METÁFORAS. Editora Tecnos. A. Madrid. 1966

PINKER Steven, O INSTINTO DA LINGUAGEM. Editora Martins Fontes. 2004

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A RELAÇÃO DE FOUCAULT E KANT: AUFKLÄRUNG E ATITUDE CRÍTICA

Pós-Graduando: Marcelo da Rocha

Instituição: PUC – PR

Email: [email protected]

Palavras-Chave: Foucault, Kant, Aufklärung, Sujeito, Diagnóstico.

Os estudos das aproximações entre os pensamentos de Foucault e Kant tem sido

abordados por diversos pesquisadores de filosofia, a linha de pesquisa, embora, os

diversos trabalhos, mantém ainda um campo amplo para desenvolver-se e para

fomentar o debate filosófico. Este trabalho pauta-se sobre dois objetivos básicos:

primeiro analisar os fundamentos da crítica foucaultiana a partir da Aufklärung e em

segundo momento identificar a radicalização dos conceitos de Razão Pública e

Privada no pensamento de Foucault. Para efetivar este estudo, partirei da análise e

leitura do texto de 1984, O que são as Luzes? Foucault faz uma análise do texto

kantiano de 1784 intitulado, Was ist Aufklärung? Foucault inicia o texto fazendo

algumas considerações sobre o escrito kantiano, uma primeira observação feita pelo

filosofo francês é o fato deste texto fazer uma análise do presente, aponta ainda que

para Kant a saída do estado de minoridade (Auder Saper) está relacionada a um

estado de vontade do sujeito e, portanto a busca da autonomia. Para Foucault a

Aufklärung ainda é definida pela relação preexistente entre a vontade, autoridade e o

uso da razão. Salienta o pensador francês que Kant apresenta essa saída de

maneira bastante ambígua, em um dado momento esse processo está em

desenvolvimento, em outro momento o mesmo processo se apresenta como uma

tarefa, como uma obrigação, o que de certa forma caracteriza a Aufklärung como um

processo coletivo e ao mesmo tempo um processo de ação pessoal do sujeito.

Foucault já havia explorado a questão da Aufklärung em uma conferência de 1978

publicada no boletim da sociedade francesa de filosofia, chamada O que é a Crítica?

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Foucault faz uma aproximação entre a Aufklärung e a crítica, está entendida neste

texto como uma atitude muito semelhante à Aufklärung pensada por Kant no século

XVIII. Porém a Aufklärung kantiana faz uma crítica que conduz aos limites

conhecimento e como o homem utiliza esse conhecimento para administrar sua vida

e pensamento de uma maneira autônoma, dispensando seus tutores assumindo sua

própria tutela, isto é, ser capaz de autogovernar-se diante de uma sociedade

heterônoma. É esse aspecto que Kant denomina como razão pública. Sob o prisma

da razão privada, o sujeito tem o dever de cumprir com suas obrigações perante as

instituições e a sociedade, culminando assim em um agir pautado pelo dever

isentando-se do ato crítico para submeter-se a um conjunto de normas sociais. A

crítica pensada por Foucault é uma análise da constituição de subjetividades, seja

esta moderna, sob a forma sujeito, que é pensado a partir de determinados aspectos

científicos, ou contemporâneos, sob alguma outra configuração de relação do saber

e de poder. Retornando ao texto de 1984, Foucault afirma que a Aufklärung é um

momento oportuno para o desenvolvimento da crítica, segundo ele a crítica é, de

qualquer maneira, o livro de bordo da razão tornada maior na Aufklärung, e

inversamente, a Aufklärung é a era da crítica. Para Foucault esta crítica acontecerá

como anunciada no texto de 1978 a partir e sobre as relações de saber e de poder,

como uma atitude de não ser governado. No texto de 1984 essa investigação

configura-se como uma atitude crítica que se estenderá para a relação do sujeito

consigo mesmo, ou seja, uma atitude crítica de si. Pode-se afirmar que Foucault

fundamenta a crítica do sujeito moderno na concepção kantiana de Aufklärung

transformando-a em uma crítica não somente da razão sobre aquilo que ela é capaz

de conhecer ou no dever que ela pode fundamentar no uso público e privado da

razão, mas sim na investigação da ação racional do sujeito sobre o outro, sobre o

saber e principalmente sobre si mesmo. Portanto, Foucault radicaliza o pensamento

kantiano fazendo uma análise do sujeito na sua relação não somente com o poder e

o saber, mas também na relação consigo mesmo, analisando os mecanismos de

subjetivação que o sujeito produz sobre o próprio corpo e de certa forma na maneira

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ou nas formas de saber e poder que este sujeito é capaz de estabelecer nas suas

relações com o outro e consigo mesmo. Essa atitude crítica faz uma escavação

contínua das relações nas quais o sujeito é assujeitado e de certa forma como

também este mesmo sujeito produz os processos de assujeitamento por meio da

relação com o saber e de poder e consigo mesmo. Portanto, Foucault além de

radicalizar o pensamento kantiano e o conceito de razão pública e privada propõe

que essa atitude crítica permita ao sujeito realize um diagnóstico do presente sobre

os saberes ou sobre os poderes que o envolvem e o constituem e que ele como

sujeito também constitui, é necessário que o sujeito raciocine também sobre si

próprio, que investigue as relações e as ações consigo mesmo. Para Foucault a

modernidade é muito mais que um período histórico, a modernidade é o momento

oportuno para uma atitude crítica, como uma atitude de escolha voluntária que é

feita pelo sujeito na sua maneira de pensar, de agir com outro, de agir com o saber,

com o poder e consigo mesmo. Foucault aponta que apesar de haver em Kant uma

tentativa de heroificação do presente, que faz necessário, neste contexto de

modernidade um diagnóstico do presente, enquanto uma atitude crítica continua,

que pode possibilitar uma nova atitude ética.

Referências

FOUCAULT. Michel. A Arqueologia do Saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 7ª ed.

Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2005.

____________. As Palavras e as Coisas. Trad. Salma Tannus Muchail. São Paulo.

Martins Fontes, 1981.

____________. História da Sexualidade, a vontade de saber I. Trad. Maria Thereza

da Costa Albuquerque e J. A Guilhon Albuquerque. 17ª ed. São Paulo. Graal, 1988.

____________. Vigiar e Punir, nascimento das prisões. Trad. Ligia M. Pondé

Vassalo. 3ª ed. Petrópolis, Vozes,1984.

____________. ―O que são as Luzes?” In: Arqueologia das ciências e da história dos

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sistemas de pensamento. Ditos e Escritos II. 2ª ed. Rio de Janeiro. Forense

Universitária, 2005.

____________. ―O que é a Crítica [Crítica e Aufklärung].” Trad. Gabriela Lafetá

Borges. Boletim da sociedade francesa de filosofia. Conferência proferida em 27 de

maio de 1978. Vol. 82, nº 2, pp. 35-63 abr/jun de 1990.

LALANDE. André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo. Martins

Fontes, 1993.

KANT. Imannuel. A Paz Perpétua e Outros Opúsculos, Resposta à pergunta: O que

é o iluminismo? Trad. Artur Morão. Editora 70ª p. 11-19. Lisboa, 2002. Disponível na

Internet via WWW. URL. Http.web.educom.pthp.137/online/iluminismo.rtf. Dia:

11/11/07.

MUCHAIL. Tannus Salma. Foucault, simplesmente, textos reunidos. São Paulo.

Loyola, 2004.

REVEL. Judite. Foucault, conceitos essenciais. Trad. Carlos Piovezani e Nilto

Milanez. São Carlos. Claraluz.2005.

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SCHILLER E O IMPULSO ESTÉTICO

Filipi Silva de Oliveira

Universidade Estadual do Rio de Janeiro

Orientadora: Prof.Dra. Maria Helena Lisboa da Cunha

Palavras-chave: Natureza; Espírito; Beleza; Jogo; Imaginação

Kant deixou rastros com sua passagem. O vulto de sua obra se estendeu

largamente nos círculos acadêmicos. Fora ovacionado por uma geração de

pensadores e de artistas impressionados com o gigantismo de suas ideias. Seu

conterrâneo Schiller, poeta, filósofo e orador se acha entre um deles. O contágio da

filosofia crítica kantiana se fazia inevitável, uma vez que o seu arcabouço conceitual

implementa junto com a revolução francesa uma nova aurora no humanismo do

mundo moderno encarnada pelo espírito do Aufklärung. È nítida a presença da

sombra de Kant por detrás da estética schilleriana, mas esse filósofo, à maneira

daqueles que formaram o disperso grupo dos pós-kantianos, soube interpretar o

legado crítico deixado pelo gênio de Konnigsberg, sem, no entanto, reproduzir e

cultuar o seu verbo. Em Schiller, é notável o zelo por não deixar o kantismo

sucumbir a possibilidade de uma nova proposta crítica; e é o que ele faz. Em sua

obra tardia Cartas sobre a educação estética do homem, quando já se encontrava

debilitado pela tuberculose, Schiller procura traçar um ideal de homem impensado

por seu mestre. Atento à dialética elementar da filosofia kantiana formada pela

paridade natureza-espírito/sensibilidade-razão, Schiller dá largada em um concurso

que descarta de maneira decisiva o duelo entre a coisa em si e o fenômeno. Ele

tenta solucionar o problema de modo diverso do de Kant, pois enquanto este via na

moral e na razão teórica um modo de libertar o homem da violência das inclinações,

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Schiller prefere trazer à cena a necessidade de unir na práxis a realidade material

com a verdade formal através de uma unidade aglutinadora: a beleza ideal ou

Kalias.

Encantado com a possibilidade de instaurar aquilo que Nietzsche depois chamaria

de ―metafísica de artista‖, Schiller revela seu pendor: ―resisto a essa amável

tentação deixando que a beleza preceda liberdade‖. Opondo-se ao racionalismo, ele

concilia o que, desde a modernidade, passou a se manter apartado por conta dos

arrivismos intelectuais das escolas. Schiller percebeu, ao comparar a cultura grega

pré-platônica à moderna cartesiana, haver ocorrido uma fissura implacável em

nossos costumes: desaprendemos a intuir, uma vez que a tendência separatista do

entendimento tomara posse do conhecimento.

Assim, o homem perdeu sua virtude lúdica, em troca da disputa vaidosa entre razão

e sensibilidade. Logo, o esforço do poeta-filósofo é, insurgir-se contra o domínio da

razão por parte dos filósofos e o da sensibilidade por parte do senso-comum,

fornecendo uma salvação que extrapola a esfera psicológica e atravessa os

componentes nocionais do kantismo (sujeito e objeto) para estender às relações de

poder, isto é, à organização política das forças. Mas para isso seria necessário que

algo fora da natureza e do espírito tomasse a frente e dirigisse essa nova eticidade

humana, diferente daquela embasada numa moral subjetiva. É na beleza que

Schiller vê a oportunidade de mergulhar novamente o homem na natureza,

reeducando-o em sua convivialidade no meio de onde deriva; por meio não de

imperativos categóricos, mas sim do jogo entre a vida e a forma, em que não pesa

nenhum dos lados, havendo com isso um essencial acordo entre o infinitamente

limitado (fenômeno) e o infinitamente ilimitado (coisa-em-si). Seja como for, ele

propõe as núpcias entre aquilo que havia se perdido com o excesso científico e com

a brutalidade e o prosaísmo dos tempos modernos; a beleza – o imperativo estético

que Schiller substitui em lugar da racionalidade do ―tu deves‖ kantiano - há que

desempenhar papel primacial, pois é ela quem apara as arestas que ficam à vista

por ocasião do encontro entre esses domínios distintos. Ou seja, é pela estética e

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não pela moral, como queira Kant, que necessidade e liberdade voltam a travar

diálogo.

Segundo Schiller, o chamamento da beleza não é um capricho do poeta, insatisfeito

com a frieza discursiva dos filósofos, mas sim um imperativo da natureza, uma

exigência pontual. De intuição elevada, ele obedece à necessidade erigindo uma

ponte que religa os impulsos constituintes da realidade, isto é, os estados pelos

quais, na experiência, a pessoa humana passa. Semelhante a Rousseau, ele os

chamou de estados da necessitação, dividindo-os em dois grupos: estado natural e

estado moral. No primeiro, de natureza física, estão compreendidos todos os

animais sensíveis regidos sob a ordem necessária dos afetos e das pulsões vitais.

Já no segundo, metafísico, o que temos diz respeito ao grupo seleto dos homens,

desses animais movidos por uma força que atravessa os limites da natureza

conduzindo-os para o âmbito do possível, onde reina a liberdade. Logo, podemos

ver que enquanto um abrange genericamente a realidade, outro já exclui a pura

materialidade para dar vazão ao campo privilegiado do espírito, delineando um

animal capaz de problematizar diante das afecções da sensibilidade e da vontade.

O homem que Schiller e Kant buscam é idealizado, que visa a perfeição purificando

as paixões, com a diferença que, no primeiro, essa purificação ocorre de forma

objetiva e atuante, enquanto que no último se passa subjetivamente, em uma ação

interiorizada segundo princípios racionais. Outra diferença é que Schiller não opõe o

rigor formal às pulsões vitais, considerando aquele superior a este; ele os equipara

chamando-os ambos de ―força‖, pois ―impulsos são as únicas forças motoras no

mundo sensível‖. Não obstante, ele chega a um terceiro estado que alinharia esses

dois: o estado lúdico, o único responsável pelo desenvolvimento da animalidade na

cultura, pois resulta na junção da forma com a vida; na realização da forma viva. O

estado lúdico oferecido pela beleza neutraliza-se das antinomias, oscilando em igual

medida e a um só tempo entre os dois, modelando a natureza com o espírito e

preenchendo o espírito de conteúdo sensível, multiplicando a forma por conta da

pluralidade da matéria e objetivando a matéria por conta da forma.

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Schiller não elege a beleza como categoria, mas sim reconhece-a como sendo um

impulso inevitável na ordem cósmica, através da qual o mundo físico toma sentido e

se arranja nas suas disparidades. Logo, independe dos homens assumirem-na

enquanto coroamento da existência; ela já se encontra encerrada na natureza,

bastando um exercício apurado da intuição que consegue, poética e não

psicologicamente alcançar a verdade por dentro do fenômeno e não acima dele.

Esta comunicação tem por objetivo apresentar um Schiller ousado e criativo,

autônomo em relação ao criticismo kantiano. Para não cair no erro de fundamentar

uma filosofia onde a dureza da lei natural propele o homem ao determinismo físico

ou a abertura da possibilidade lança-o numa zona abismal, Schiller notou que as

relações sócio-políticas carecem de embelezamento, de ações regidas pela

equipolência e pelo jogo dos contrários onde atividade livre e passividade necessária

tentam encontrar um termo correlato. Entendendo beleza não só como produção

artística, Schiller, tal como Nietzsche, rejeita o esteticismo excessivo dos artistas

românticos, extraindo da vida aquilo que se oculta de nossa percepção contaminada

pelo entendimento, isto é, as forças plasmadoras da realidade. O que faz é desvelar

a secreta arte da natureza, exprimindo na forma dos jogos propostos pela

imaginação criadora, dessa singular atividade humana, o contato contínuo e

amistoso entre a legislação do mundo vivido e do mundo pensado que somente este

animal de virtudes extraordinárias pode executar.

BIBLIOGRAFIA:

ABRÃO, Bernardete. História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 2004, Os

pensadores.

BAYER, Raymond. História da estética. Trad. José Saramago. 4ª edição. Lisboa:

Estampa, 1995.

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KANT, Immanuel. Crítica do juízo do gosto. Trad. Valério Rohden e Antônio

Marques. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.

_________. Crítica da razão pura. Trad. Valério Rohden. São Paulo: Nova Cultural,

2004.

SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. Trad. Roberto Schwarz e

Marcio Suzuki. 4ª edição. São Paulo: Iluminuras, 2002.

SZONDI, Peter. Ensaio sobre o trágico. Trad. Pedro Sussekind. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar, 2004.

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SIMBOLOGIA DO ESPAÇO FUNERÁRIO: TRANSMISSÕES CULTURAIS E

RELAÇÕES SOCIAIS

Maristela Carneiro – IESSA

Maurício Fernando Bozatski (orientador)

[email protected]

Palavras-chave: finitude, cemitério, cultura, relações sociais e memória.

O presente trabalho objetiva discutir as possibilidades de leitura da simbologia

presente nos espaços funerários, com destaque para os cemitérios tradicionais. A

utilização dos mortos em nossa sociedade, destacando o caráter homólogo ao outro

mundo, permite a conciliação da rede de relações pessoais em torno dos mesmos e

de sua memória. Com a finitude, os mortos imediatamente passam a ser concebidos

como exemplos e orientadores de posições e relações sociais, servindo, portanto,

como foco para os sobreviventes, vivificando e dando forma concreta aos elos

identitários que ligam as pessoas de um grupo. E o espaço cemiterial, por

conseguinte, é privilegiado para a concretização e demonstração das conexões

entre a memória, as práticas identitárias e as representações sociais, dialeticamente

construtoras de relações sociais, bem como construídas pelas mesmas.

Entendemos que o culto dos mortos passa por um filtro de percepção, permitindo

que somente os valores considerados essenciais pelos vivos, para a recomposição

do sentido da vida, sejam expressos no espaço cemiterial, no qual este trabalho

encontra-se circunscrito. Assim, a individualização das sepulturas e os valores

expressos nas mesmas demonstram o desejo de preservar a identidade e a

memória dos mortos, servem à expressão e/ou transmissão dos valores culturais e à

própria reconstituição do sentido existencial para os que ficam.

Portanto, a simbologia cemiterial objetiva a transmissão ou a expressão dos valores

culturais, utilizada como uma forma de comunicação, para o estabelecimento e

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reafirmação das relações sociais, considerando que somente gestos e palavras não

abarcam a multiplicidade destas transmissões. A pluralidade destes valores,

expressos pelos espaços funerários, está profundamente relacionada às diferentes

maneiras encontradas para se lidar com a questão da morte. 1

Os rituais funerários, os cultos religiosos e as manifestações artísticas, em diferentes

culturas, são múltiplos, aos quais são inerentes diversos sentidos assumidos pela

expressão simbólica da morte, ou seja, respostas dadas, historicamente, à pergunta

acerca do sentido da vida. Assim, a consciência da finitude que os seres humanos

possuem torna a morte problemática para os vivos, para os quais o sentido do jogo

existencial é elaborado e apresentado. Notamos que, segundo Bellomo, os rituais de

morte são indicativos e/ou respostas da crise perante a morte, tendo em vista a

consciência da finitude. 2

DaMatta refere-se aos cemitérios como o espaço que estabelece com a casa e com

a rua elos complementares e terminais. O espaço da casa, privado, moral,

conservador e cíclico, só faz sentido em oposição ao espaço exterior, ou seja, em

contraposição ao universo da rua, público, marcado pela ideia do progresso, pela

individualidade e pela linearidade. E o espaço dos mortos, mesclando a casa e a

rua, é ―englobador de situações sociais‖ e, desta forma, mescla a lógica do espaço

público e, também, do privado. 3 Nesse sentido, ―os túmulos têm também a função

intencional de fazer lembrar do morto, da sua importância social e de suas crenças,

além de permitir observar a pluralidade de representações simbólicas, muitas das

quais dotadas de conteúdo estético.‖ 4

1 BELLOMO, H. R. (Org.). Cemitérios do Rio Grande do Sul: arte, sociedade, ideologia. Porto Alegre:

EDIPUCRS, 2000, p. 122. 2 PIACESKI, T. R.; BELLOMO, H. R. Pesquisa cemiterial no Estado de Goiás. Porto Alegre: s.n.,

2006, p. 16. 3 DAMATTA, R. A Casa & A Rua. Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil. Rio de Janeiro:

Rocco, 1997, p. 18. 4 BORGES, M. E. ; BIANCO, S. D. & SANTANA, M. M. Arte funerária no Brasil: possibilidades de

interagir nos programas de ensino, de pesquisa e de extensão na universidade. Disponível em: http://www.corpos.org/anpap/2004/textos/chtca/MariaElizia.pdf ; acessado em 31/07/2006 ; p. 5.

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Portanto, os cemitérios, pensados como ―lugares de memória‖ associados à vida,

passam por um processo de simbolização, pois são nutridos de lembranças

particulares e, ao mesmo tempo, coletivas e plurais. Com isso objetivamos a

percepção de que as construções tumulares servem à expressão e/ou à transmissão

dos valores culturais, bem como ao estabelecimento das relações sociais e, como

espaço englobador de situações sociais, congrega as preocupações individuais às

coletivas, o privado ao público. A memória dos mortos é mediada pela memória dos

vivos, sendo que a individualização de cada túmulo é indicativa do desejo de

continuidade existencial, fato expressado através das placas de casal e dos nomes

de família, por exemplo.

Através das representações sociais, são reunidos fragmentos de memória, aos quais

atribui-se unidade e sentido e, assim, são estabelecidos os filtros de percepção. As

tentativas de explicação da morte estão presentes nos espaços cemiteriais e

influenciam diretamente o culto aos mortos, interagindo com os mecanismos de

memória dos vivos, de modo a estabelecer sentido à finitude e resolver a

problemática da morte, tão cara aos sobreviventes.

De forma significativa, as expressões e as transmissões culturais, através dos

valores e do conteúdo simbólico contido nos túmulos, servem ao estabelecimento e

à reafirmação das relações sociais. ―O poder de entender símbolos, isto é, de

considerar, acerca de um dado sensorial, tudo irrelevante exceto uma certa forma

que ele incorpora, é o traço mental mais característico da humanidade.‖ 1 Portanto,

concluímos como válida a possibilidade de leitura deste espaço enquanto uma teia

de significações e abstrações, construída a partir de processos mentais seletivos,

onde são correlacionados símbolos, coisas, conceitos, tessitura real da vida

humana.

1 LANGER, Susanne K. Filosofia em nova chave. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 81.

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A DISTINÇÃO ENTRE CORPO E ALMA EM DESCARTES

Geder Paulo Friedrich Cominetti

Orientador: César Augusto Battisti

UNIOESTE – Campus Toledo

[email protected]

Palavras-chave: idéia clara e distinta; substância; atributo; distinção real; corpo e

alma.

Em Descartes, a expressão ―alma‖ é sinônima de substância pensante e a

expressão ―corpo‖ é sinônima de substância extensa. A distinção entre ambas é

chamada distinção real, uma vez que é efetuada entre duas substâncias. Uma

substância é conhecida através de seu atributo essencial, que constitui a sua

natureza. Os atributos, por sua vez, são percebidos pelos seus desdobramentos

chamados modos. O que caracteriza uma substância enquanto tal é a diversidade

de modos conservados a uma razão comum de diferentes atos. Através do

entendimento, o sujeito acaba por se conscientizar duma identidade comum a

diferentes atos, e é essa identidade que justifica o uso da palavra substância. Em

Descartes, o pensamento se trata duma noção primitiva, isto é, pode ser percebido

isoladamente de tudo o mais e não pressupõe qualquer outra noção, embora muitas

outras o pressuponham. O pensamento é percebido como noção primitiva porque,

ao redigir os pensamentos numa ordem das razões que justifica a existência de

todas as coisas, corpo e alma não têm sua existência reconhecida simultaneamente.

Quando se duvida exageradamente de tudo o que se acredita, como faz o

procedimento da dúvida metódica cartesiana, a percepção reconhece o pensamento

antes de conhecer o corpo. O reconhecimento da existência do sujeito, que

arriscamos dizer ser o pólo mais importante em se tratando duma investigação

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filosófica, se dá ao pensamento independentemente da existência dos corpos.

Nenhuma das propriedades corporais, bem como nenhuma faculdade ligada ao

corpo, influencia no enunciado ―penso, logo existo‖. Ao conhecer a capacidade do eu

em subsistir sem o corpo, o ser pensante não revela a si próprio apenas sua

existência, mas também sua natureza. Esta emerge da constatação de que o eu é

um ser completo quando lhe é imputado apenas o pensamento. O eu pode ser

concebido como uma substância porque concebemos, em decorrência a algumas de

suas características, que ele poderia subsistir independente do corpo e é sujeito

comum de diferentes atos. Ao conceber clara e distintamente que o eu pode

subsistir sem o corpo, como sendo uma coisa completa, concebe-se também que a

corporeidade não pertence à natureza do eu. Não se faz necessário que o

conhecimento do eu seja completo, sendo suficiente conhecer aquelas

características que o revelam como portador da capacidade de subsistir

independentemente de outrem. O pensamento é a única condição, necessária e

suficiente, para que se conheça sua própria existência, e tudo o que surgir

ulteriormente a esta verdade não lhe será de caráter essencial. Estas afirmações

implicam a exclusão das hipóteses de que a mente seria a forma do corpo ou de que

ela faria parte dele, ou mesmo a hipótese de que a natureza do eu seja fundada na

corporeidade. A teoria cartesiana esbarra de fronte à teoria aristotélica, pregada pela

escolástica, onde Aristóteles concebia a alma como sendo uma forma do corpo.

Descartes concebe a alma e o corpo como coisas distintas, não a mesma coisa em

diferentes dimensões, e isso foi o que tornou seu argumento original e inovador para

a história da filosofia. Em Descartes, a corporeidade, por sua vez, tem sua natureza

constituída das essências descritas pela matemática e pela geometria: ela é

extensão ou ―espacialidade‖. Para Descartes, embora o ser pensante não possa ser

concebido matematicamente ou geometricamente, resguarda em si a capacidade de

conceber os entes matemáticos e geométricos e de imaginar, enquanto pura

interioridade, coisas corporais. Quanto à corporeidade, o eu pensante a concebe

como tendo um atributo exclusivo, o da extensão. Concebe ainda, que o atributo da

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substância extensa comporta faculdades que em nada se assemelham com as do

pensamento. Concebendo os atributos da substância pensante e da substância

corpórea como incomensuráveis, a substância pensante tem a ideia clara e distinta

de que corpo e alma são entidades independentes e, portanto, realmente distintos.

Deus garante que uma ideia clara e distinta é verdadeiramente real, e é por isso que

a distinção entre corpo e alma se enuncia como sendo uma distinção real: porque se

tem uma ideia clara e distinta de que ambas as substâncias são incompatíveis, seja

sob a perspectiva de sua essência, seja sob a perspectiva de seus modos. A

garantia divina assevera a correspondência de uma ideia clara e distinta com a

realidade, e o sujeito concebe clara e distintamente que de uma coisa completa

pode ser excluso tudo o mais. Ora, a substância pensante é concebida como

completa tendo como atributo apenas o pensamento, sua essência. Concebe ainda

o corpo como completo com seu atributo de extensão. Logo, o sujeito tem a ideia

clara e distinta de que ambos são independentes, já que percebidos como duas

coisas completas. A ideia clara e distinta de que estas duas substâncias completas

são independentes e que há uma incompatibilidade absoluta entre seus atributos

principais, bem como de seus modos, revela ao entendimento que corpo e alma são

realmente distintos. Concebendo duas substâncias diferentes, cada uma com um

atributo específico que lhe permite ser percebida, a distinção real entre ambas é

também uma ideia clara e distinta, tendo, portanto, o aval divino. Assim sendo, a

distinção real é efetuada pela substância pensante, que reconhece primeiramente

sua natureza completa e ao fazê-lo distingue-a de tudo o mais. Como se não

bastasse, constata ainda a substância corpórea e sua natureza independentemente,

o que corrobora uma incomensurabilidade entre esta e a substância pensante.

Corpo e alma são realmente distintos, para Descartes, pois cada um pode ser

concebido como substância completa independentemente da outra, cujos atributos

principais são incompatíveis entre si e, para que seja constatada tal distinção, basta

apenas a atuação do pensamento.

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Bibliografia utilizada:

DESCARTES, René. Discurso do Método. 2 ed. In: Os pensadores. São Paulo: Abril

Cultural, 1979.

________________. Meditações Metafísicas. 2 ed. In: Os pensadores. São Paulo:

Abril Cultural, 1979.

________________. Objeções e respostas. 2 ed. In: Os pensadores. São Paulo:

Abril Cultural, 1979.

________________. Princípios da Filosofia. Coordenador da trad.: Guido Antônio de

Almeida. Edição Bilíngue. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.

COTTINGHAM, John. Dicionário Descartes. Tradução: Helena Martins. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.

LANDIM, Raul Filho. Evidência e verdade no sistema cartesiano. São Paulo: Edições

Loyola, 1992.

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UMA LEITURA DE GÓRGIAS, DE PLATÃO

Patrícia dos Santos Pinto - IESSA

[email protected]

Maristela Carneiro - IESSA

[email protected]

Palavras-chave: retórica, persuasão, justiça, verdade, felicidade.

Ateniense, Platão (427 a.C – 347 a.C) nos transmitiu a maior parte do seu

pensamento por intermédio dos seus escritos dialógicos, onde é figura recorrente o

personagem Sócrates, do qual Platão foi discípulo durante a juventude.

Ao discutir temas múltiplos, tais como a imortalidade e o destino, a educação do

indivíduo para a justiça em si mesmo e na cidade e, até mesmo, o desejo amoroso e

o movimento imanente da alma; a filosofia platônica certamente não era um sistema

fechado, mas manifestava-se por intermédio do diálogo filosófico inquisitivo, a partir

de situações concretas.

Na filosofia platônica a correspondência com a realidade se encontra num método

para se atingir o ideal, pela superação do senso comum como resposta a uma

situação histórica ilegítima e injusta, colocando-se como motor de transformação da

realidade.

No diálogo Górgias, podemos notar um momento de luta política em oposição à

sofística, que ensinava a arte de convencimento por intermédio de manipulações de

crenças e interesses. Nos diálogos, Platão propunha-se à percepção da essência

das coisas, a natureza do objeto em pauta.

De conteúdo que nos é contemporâneo, ―Górgias, ou da retórica‖, a partir da

discussão em torno da retórica, como o próprio nome indica, equaciona um

complexo de questões: ―princípios de actuação dos homens do Estado, natureza e

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função da propaganda política, crise dos valores tradicionais, ideal de realização

humana.‖ (PULQUÉRIO, p. 9)

Em uma sociedade fechada, como a ateniense de Platão, as relações entre os

indivíduos eram possibilitadas através do domínio da lei, com o reconhecimento

efetivo dos direitos de cada um, expressamente definidos pelo acordo geral. E é a

função da lei, como definidora de limites, segundo Pulquério, que é colocada como

objeto de controvérsia no diálogo. ―Sempre os limites provocaram alguns homens à

aventura da transgressão.‖ (PULQUÉRIO, p. 10)

Podemos dividir ―Górgias‖ em três partes essenciais, de acordo com os principais

interlocutores de Sócrates: Górgias, Polo e Cálicles, respectivamente, além da

introdução e do epílogo.

Para Górgias, a retórica é a ciência dos discursos; toda a ação e a eficácia desta

ciência se realizam por intermédio da palavra, dos discursos, sobretudo os de

caráter jurídico e político. Ainda, proporciona a quem os possui liberdade para si e

domínio sobre os demais.

A retórica, destarte, define-se para o interlocutor como a capacidade de persuasão,

ou seja, não se define por aquilo que é, mas sim pelos efeitos que provoca,

considerando-se que esta arte permite persuadir o público sobre a verdade e a

justiça de um dado posicionamento, independentemente da mesma ser de fato

verdadeira ou falsa, justa ou injusta. Isto posto, ―a retórica é obreira da persuasão

que gera a crença, não o saber, sobre o justo e o injusto.‖ (p.40) Ao prescindir do

conhecimento, é uma arte da verossimilhança, posto que as palavras não

manifestam a verdade das coisas, pois o seu uso na retórica não tem em vista

exprimir o que as coisas são, mas antes provocar emoções e sentimentos nos

ouvintes.

Em suma, para Sócrates a retórica, enquanto técnica, cuja função é apenas

persuadir as pessoas, conforme aduz Górgias, não serve para ensinar ou produzir o

verdadeiro conhecimento.

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A segunda parte do diálogo, cujo interlocutor passa a ser Polo, é pautada na

discussão sobre a natureza e a utilidade da retórica. Este interlocutor renova a

afirmação de que a arte da retórica é a mais bela de todas. Para Sócrates, ao

contrário, a retórica não é uma arte, mas uma atividade empírica que se destina a

produzir adulação e prazer; não se trata de um poder que possa trazer o bem aquele

que a possui, pois através da retórica a realidade é substituída pela ilusão, e o Bem

pelo prazer imediato.

Para Sócrates os retóricos não poderiam ser os mais poderosos, visto que não usam

a razão nem tem ciência do bem, somente julgam conhecê-lo e, ato contínuo,

também julgam agir em função do mesmo. O poder sem o uso da razão é um mal

que prejudica a todos, pois traz a injustiça e a infelicidade. A felicidade viria da

bondade e da virtuosidade na justiça, ou seja, a felicidade reside em agir de acordo

com a razão e segundo a justiça. O retórico pode trabalhar contra essa proposição,

quando em um tribunal defende um acusado sem procurar a verdade, pois essa

liberta tanto quem sofreu a injustiça quanto quem a cometeu, porque ―a acção

praticada tem a mesma qualidade da acçao sofrida.‖ (PLATÃO, p.98).

Isto posto, a justiça é a mais bela das artes, a que liberta a alma do homem da

injustiça e da intemperança, muito embora seja melhor não contrair o mal a ser

libertado do mesmo.

Faz-se pertinente observar que o raciocínio de Sócrates baseia-se na admissão de

que o ser humano é constituído por um corpo e por uma alma. De forma paralela a

esta dicotomia, é que o autor indica as artes que têm por objeto o bem da alma: a

legislação e a justiça.

No terceiro e último diálogo de ―Górgias‖, onde o interlocutor de Sócrates é Cálicles,

apresenta-se uma distinção entre verdade, justiça e bem, segundo a natureza e

segundo a convenção.

Ao contrário do prazer, de características imediatas, o bem possui a natureza do

imperecível, não se prende ao sensível nem ao imediato, mas permanece para além

do que se corrompe.

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Sócrates ressalta que a ordem e a harmonia da alma chamam-se disciplina e lei e

tornam os cidadãos justos e regrados, sendo em que consistem a justiça e a

sabedoria.

Para sintetizar, a retórica dos politícos é eloquência vã, que não se interessa em

tornar as almas melhores e, neste sentido, não excede a mera adulação; é somente

um fazer empiríco que cria persuasão e aparência de conhecimento, como sofisma.

A retórica somente terá sentido se aliada às virtudes do bem e da justiça, em um

alma temperante.

E é esse caminho que conduzirá a felicidade. Além disso, tal prática em conjunto

possibilitará a abordagem política ou a deliberação de qualquer matéria. Conclui

Sócrates: ―o melhor caminho a seguir é o exercício da justiça e das outras virtudes,

na vida como na morte. Escutemos o seu apelo e convidemos os outros a proceder

como nós, porque esses princípios em que acreditas e em nome dos quais me

exortas são, realmente, sem valor, Cálicles.‖ (PLATÃO, p.213).

Em suma, podemos colocar que a obra platônica aborda através da procura do

conceito de retórica toda a relação construída na sociedade através da mesma, e o

significado que um retórico pode dar a seu discurso, trazendo ou afastando o bem e

a felicidade.

Referências

PLATÃO. Górgias, ou da Retórica. Lisboa: Edições 70, s/n.

PULQUÉRIO, Manuel de Oliveira. Introdução. In: Górgias, ou da Retórica. Lisboa:

Edições 70, s/n.

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A PÓS-HUMANIDADE NO CINEMA DE CRONENBERG

Wyllian Eduardo de Souza Correa

Universidade Estadual do Centro-Oeste

[email protected]

Palavras-chave: Cinema; Filosofia Contemporânea; Pós-humanidade

O cinema do canadense David Cronenberg é visceral. Isso tomando o termo em

todos os seus sentidos. Nele encontramos a projeção da simbiose entre o humano e

o maquínico em suas diferentes estratificações, seja na percepção da realidade e de

si ou mesmo impresso no próprio corpo de seus personagens, principal elemento em

cena, em obras marcadas pelo estranhamento, sexualidade e horror.

O pós-humano resultante de suas tramas se torna interessante fonte de análise

diante das inúmeras questões, em especial, da subjetivação homem-máquina. Por

isso neste presente trabalho estabelece-se um diálogo entre a filosofia

contemporânea e a subjetividade na produção de Cronenberg. ―No texto

cronenberguiano a ênfase está na figuração do corpo como local de conflito

psicossexual, social e político. Estamos diante de filmes em que não mais se

dramatiza a dualidade corpo-mente, e sim uma realidade tricotômica de corpo,

mente e maquina‖ (VIEIRA, 2003, p. 336).

Como exemplo, em Videodrome (1983) uma frequência de televisão desenvolve

uma nova região do cérebro, e o próprio corpo passa a se alimentar de máquinas,

dando origem a uma ―nova carne‖. Um cientista passa por uma lenta e dolorosa

transformação em A mosca (1986), após experiências com um aparelho de tele

transporte. Em Crash (1996) a relação entre pessoas e carros ganha uma

sexualidade perturbadora e destrutiva; eXistenZ (1998) mostra o corpo novamente

alvo de implantes, que permitem aos seus usuários o acesso à realidade alternativa

de um jogo, com o uso joysticks criados como animais e armas feitas de ossos.

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Em suas fábulas contemporâneas, a problemática do desenvolvimento científico e

tecnológico não ocorre em disputas externas, com robôs, armas laser e toda

arquitetura e parafernália comum a ficção científica dos blockbusters

hollywoodianos. O confronto se faz de maneira interna aos sujeitos, presos a

situações bizarras e escatológicas, geralmente provocadas por suas mentes ou

iniciadas em seus próprios corpos, que, para Cronenberg, não existem de maneiras

distintas. ―Só existe um único elemento carnal. Estou consertando uma falha

cartesiana.‖ (KAUFMAN, 2003)

Uma ―nova carne‖ é então profetizada em meio a subjetivações dilaceradas pela

mídia, biotecnologia e das configurações socioeconômicas. Scott Bukatman (1994),

em seu estudo sobre o pensamento teórico e a ficção científica do final do século

passado, destaca a existência de uma ―identidade terminal‖, que manifesta não só

as ansiedades, mas também os anseios humanos diante das possibilidades

maquínicas. O homem estaria escapando de si para um abismo indefinido ou um

mundo de novas perspectivas.

Como aponta Deleuze (1985 e 1990), o cinema propiciaria uma lógica diferenciada,

sendo essencial para entender a forma e o sentido do imaginário pós-humano.

Nietzsche já discutia sobre as possibilidades do Übermensch, um homem além da

existência mediana da Modernidade, resgatado equivocadamente pelo ideal ariano

do nazismo.

Deleuze e Guattari com a sua filosofia do desejo apontam para a construção e o

desenvolvimento de um corpo sem órgãos (CsO), conceito formado através da

literatura de Artaud, como sendo uma prática que levaria além das estratificações

impostas ao corpo. ―O CsO é o que resta quando tudo foi retirado. E o que se retira

é justamente o fantasma, o conjunto de significâncias e subjetivações‖ (DELEUZE;

GUATTARI, 1997, p.12).

Com as novas tecnologias, os entusiastas observam que não só uma pós-

humanidade seria possível, mas até mesmo destino certo. A nanotecnologia, por

exemplo, é apontada como a chave para um futuro pós-humano. ―Poderíamos

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desenhar corpos novos e melhores, ou simplesmente viver com padrões de

informação existentes nas redes de computadores, como se fossemos fantasmas de

um vasto maquinismo‖ (ELLIOTT, 2003).

Atualmente, alguns teóricos atentam sobre uma transmutação ontológica, realizada

no movimento duplo em que a evolução biotecnológica, realizada pelo próprio

homem, insere elementos ao seu cotidiano que rompem com a tradicional fronteira

entre o natural e o artificial, alterando também as formas de subjetivação,

fragmentada pelo constructo pós-moderno.

Em Crash (1996), acompanhamos o que Deleuze trataria como uma experiência no

campo das intensidades. Corpo e máquina comungam de uma violência

sexualizada, representada pela exploração dos acidentes de trânsito e de seu

potencial destruidor, sem estabelecer uma moralidade, mas simplesmente a

intensidade e fascínio. ―A carne e o metal se fundem não num organismo

cibernético, mas numa massa indiferenciada, em vez da construção custosa e

racional, o que fascina é a sua desintegração erótica, violenta e primitiva‖

(RÜDIGER, 2006, p.53).

São as próprias entranhas dos personagens cronenberguianos que lhes manifestam

uma potência até então ignorada, e não uma alteridade gerada por fatores externos.

É no convívio com essa nova condição que se desenrola o enredo, pelo estado

gerado da fusão com um ser-outro, como o homem-inseto de A mosca (1986). ―O

híbrido, nesse caso, torna-se sinônimo de degeneração, lugar das aberrações

orgânicas e tecnológicas, que renega a assepsia em favor de um devir excretório em

que o corpo exsuda tripas e órgãos atravessados pelo artifício‖ (ALTMANN, 2007,

p.44).

No cinema de Cronenberg encontramos uma análise de que a alteridade de um

corpo impregnado pela tecnologia se mostra desenvolvida de maneira transgressiva

e perversa, ocasionando o caos subjetivo resultado da transmutação corpórea, em

uma desterritorialização que converte o corpo em espaço aberto para um devir pós-

humano.

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O cinema, assim como as demais artes, projeta ansiedades e anseios, sendo

também fonte para novas formas do pensar. Enquanto fábula, ele tem a liberdade de

expressar até mesmo ideias que soam delirantes. Porém, no momento em que

teóricos contemporâneos apontam para uma fragmentação das subjetividades e o

cotidiano se encontra cada vez mais minado por mídias portáteis, realidade virtual,

engenharia genética, cirurgias plásticas e próteses para os mais diversos fins, há um

indicativo de que a própria condição humana pode ser afetada por seu

desenvolvimento.

Bibliografia

ALTMANN, Eliska. O corpo-máquina de Cronenberg sob a luz pictórica de Bacon: fábulas do devir-outro. Alceu, Rio de Janeiro, v. 7, p. 41-54, 2007.

BUKATMAN, Scott. Terminal Identity: the Virtual Subject in Post-Modern Science Fiction. London: Duke University Press, 1994.

DELEUZE, Gilles. Cinema: imagem-movimento. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

______. Cinema II: imagem-tempo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34, 1997. Vol. 3

ELLIOTT, Carl. Transhumanism: Humanity 2.0 Wilson Quarterly, 2003.

KAUFMAN, Anthony. David Cronenberg on ―Spider‖: ―Reality Is What You Make Of It‖, 2003. Disponível em: <http://www.indiewire.com/article/david_cronenberg_on_spider_reality_is_what_you_make_of_it/> Acesso em 03 jun. 2009.

RÜDIGER, Francisco. A dialética entre homem e máquina no cinema contemporâneo. Logos, Rio de Janeiro, v. 24, p. 51-67, 2006

VIEIRA, João Luiz. Anatomias do visível: cinema, corpo e a máquina da ficção científica. In: NOVAES, Adauto (org.). O homem-máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

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CARÁTER EMPÍRICO E CARÁTER INTELIGÍVEL NA PRIMEIRA CRÍTICA

Fabiano Queiroz da Silva

Mestrando UNICAMP/ Bolsista FAPESP

Orientador: Zeljko Loparic

[email protected]

Palavras-chave: Causalidade natural, Causalidade inteligível, Caráter empírico,

Caráter inteligível, Causalidade da razão.

Na Crítica da Razão Pura, segundo Zeljko Loparic, Kant apresenta uma teoria de

solubilidade dos problemas necessários da razão pura, na qual a solução do

problema chave da filosofia transcendental, a saber, como são possíveis juízos

sintéticos a priori?, é tomada como instrumento fundamental para a resolução de

uma outra questão, cuja importância faz-se notável: a investigação da capacidade

da razão humana de resolver problemas, para que se delimite o campo de suas

pesquisas (cf. LOPARIC, 2005b, p. 14).

A partir desta tese, analisarei, neste trabalho, os conceitos de caráter empírico e

caráter inteligível expostos, na primeira Crítica, por Kant. Com tal meta, recorrerei à

Dialética Transcendental, pois é na Nona Secção: Do uso empírico de princípio

regulador da razão relativamente a todas as ideias cosmológicas, no tópico III.

Solução das ideias cosmológicas que dizem respeito à totalidade da derivação dos

acontecimentos do mundo a partir das suas causas, no sub-tópico Possibilidade da

causalidade pela liberdade, em acordo com a lei universal da natureza, em que o

filósofo trabalha com dois conceitos de causalidade, a saber, a inteligível e a

sensível, evidenciando o papel do idealismo transcendental na solução da terceira

antinomia:

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Ich nenne dasjenige an einem Gegenstande der Sinne, was selbst nicht

Erscheinung ist, intelligibel. Wenn demnach dasjenige, was in der

Sinnenwelt als Erscheinung angesehen warden muß, an sich selbst auch

ein Vermögen hat, welches kein Gegenstand der sinnlichen Anschauung

ist, wodurch es aber doch die Ursache von Erscheinungen sein kann: so

kann man die Kausalität dieses Wesens auf zwei Seiten betrachten, als

intelligibel nach ihrer Handlung, als eines Dinges an sich selbst, und als

sensibel, nach den Wirkungen derselben, als einer Erscheinung in der

Sinnenwelt (KrV, A 538/ B 566)1.

Aplicando-se isto ao agente moral, pode-se dizer que ele é dotado de um caráter

empírico e de um outro inteligível. O primeiro, a partir da causalidade natural, faria

com que as suas ações estivessem encadeadas com os outros fenômenos da

natureza. Seria, portanto, um determinismo absoluto, pois as ações de um sujeito

não seriam apenas causas, mas também causadas, não havendo possibilidade

alguma do agir livre:

Nach seinem empirischen Charakter würde also dieses Subjekt, als

Erscheinung, allen Gesetzen der Bestimmung nach, der Kausalverbindung

unteworfen sein, und es wäre so fern nichts, als ein Teil der Sinnenwelt,

dessen Wirkungen, so wie jede andere Erscheinung, aus der Natur

unausbleiblich abflössen. So wie äußere Erscheinungen in dasselbe

einflössen, wie sein empirischer Charakter, d. i. das Gesetz seiner

Kausalität, durch Erfahrung erkannt wäre, müßten sich alle seine

Handlungen nach Naturgesetzen erklären lassen, und alle Requisite zu

1 Chamo inteligível, num objecto dos sentidos, ao que não é propriamente fenómeno. Por

conseguinte, se aquilo que no mundo dos sentidos deve considerar-se fenómeno tem em si mesmo uma faculdade que não é objecto da intuição sensível, mas em virtude da qual pode ser, não obstante, a causa de fenómenos, podemos considerar então de dois pontos de vista a causalidade deste ser: como inteligível, quanto à sua acção, considerada a de uma coisa em si, e como sensível pelos seus efeitos, enquanto fenómeno no mundo sensível (Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão).

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einer vollkommenen und notwendigen Bestimmung derselben müßten in

einer möglichen Erfahrung angetroffen werden (KrV, A 540/ B 568)1.

Apesar disso, devido ao caráter inteligível, garante-se a possibilidade lógica da

liberdade ao agente causal, justamente por ele poder participar de um outro domínio

que não o empírico, no qual a segunda analogia da experiência é incontornável:

Nach dem intelligibelen Charakter desselben aber (...) würde dasselbe

Subjekt dennoch von allem Einflusse der Sinnlichkeit und Bestimmung

durch Erscheinungen freigesprochen werden müssen, und, da in ihm, so

fern es Noumenon ist, nichts geschieht, keine Veränderung, welche

dynamische Zeitbestimmung erheischt, mithin keine Verknüpfung mit

Erscheinnungen als Ursachen angetroffen wird, so würde dieses tätige

Wesen so fern in seinen Handlungen von aller Naturnotwendigkeit, als

Ursachen angetroffen wird, so würde dieses tätige Wesen so fern in seinen

Handlungen von aller Naturnotwendigkeit, als die lediglich in der Sinnenwelt

angetroffen wird, unabhängig und frei sein (KrV, A 541/ B 569)2.

Por fim, como apresenta Kant no próximo sub-tópico, cujo título é Esclarecimento da

idéia cosmológica de uma liberdade em união com a necessidade universal da

natureza, o homem deve ser visto, por conta destas duas formas de caráter,

conforme dois pontos de vista, a saber, o empírico e o inteligível. Primeiramente, o

homem deve ser visto como um fenômeno qualquer da natureza. Em contrapartida,

1 Pelo seu caráter empírico, este sujeito estaria submetido, enquanto fenómeno, a todas as leis da

determinação segundo o encadeamento causal e, sendo assim, nada mais seria do que uma parte do mundo sensível, cujos efeitos, como qualquer outro fenómeno, decorreriam inevitavelmente da natureza. Assim como os fenómenos exteriores influem nele, assim como o seu caráter empírico, ou seja, a lei de causalidade, seria conhecida pela experiência, assim também todas as suas acções se deveriam poder explicar por leis naturais e todos os requisitos para a sua determinação completa e necessária se deveriam encontrar numa experiência possível (Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão). 2 Pelo seu caráter inteligível porém (...) teria esse mesmo sujeito de estar liberto de qualquer

influência da sensibilidade e de toda a determinação por fenómenos; e como nele, enquanto númeno, nenhuma mudança acontece que exija uma determinação dinâmica de tempo, não se encontrando nele, portanto, qualquer ligação com fenómenos enquanto causas, este ser activo seria, nas suas acções, independente e livre de qualquer necessidade natural como a que se encontra unicamente no mundo sensível (Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão).

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também deve ser visto como númeno, devido ao fato da sua razão ser detentora de

uma causalidade que possibilita pensarmos um rompimento com as conexões

causais da natureza1. Deste modo, a razão, caso seja tomada como efetiva, iniciaria,

por si mesma, uma cadeia de acontecimentos, de um ponto de vista em que eles

não estariam submetidos às leis imutáveis da natureza2. Isto se torna possível,

porque:

(...) die Bedingung, die in der Vernunft liegt, ist nicht sinnlich, und fängt also

selbst nicht an. Demnach findet alsdenn dasjenige statt, was wir in allen

empirischen Reihen vermißten: daß die Bedingung einer sukzessiven Reihe

von Begebenheiten selbst empirischunbedingt sein konnte. Denn hier ist die

Bedingung außser der Reihe der Erscheinungen (im Intelligibelen) und

mithin keiner sinnlichen Bedingung und keiner Zeitbestimmung durch

vorhergehende Ursache unterworfen (KrV, A 552/ B 580)3.

Neste sentido, como já foi vislumbrado, o homem, apesar do seu caráter empírico,

no qual as suas ações, por serem fenômenos, encontram-se encadeadas com

outros fenômenos e sob a alçada das leis da natureza, devido ao seu caráter

inteligível, tem assegurado uma insubordinação às condições da sensibilidade,

independentemente de quais sejam. Em outras palavras, através do seu caráter

empírico, o sujeito seria, enquanto fenômeno, mais um elemento decorrido na

natureza. Não obstante, devido ao seu caráter inteligível, ―(...) teria este mesmo

1 Apesar dos objetos da sensibilidade serem fenômenos, sujeitos à causalidade natural, eles também

possuem uma causalidade inteligível, pertencente ao objeto transcendental. Devido a isso, assim como o agente moral, tais objetos também possuem um duplo caráter. Não obstante, por não possuírem as faculdades necessárias que garantem a apercepção, a saber, o entendimento e a razão, eles não podem ser considerados livres como o agente. Eles não são detentores de um arbitrium liberum como o último, sendo, por conseguinte, apenas sensivelmente condicionados. 2 Aqui, Kant está abordando o conceito de causalidade da razão.

3 (...) a condição que se encontra na razão não é sensível e, portanto, ela mesma não começa. Sendo

assim, verifica-se então aqui o que nos faltava em todas as séries empíricas, a saber, que a condição de uma série sucessiva de acontecimentos possa ser, ela mesma, empiricamente incondicionada. Porque aqui a condição se encontra fora da série dos fenómenos (no inteligível) e, por conseguinte, não está submetida a qualquer condição sensível e a qualquer determinação de tempo mediante uma causa anterior (Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão).

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sujeito de estar liberto de qualquer influência da sensibilidade e de toda a

determinação por fenômenos (...)‖ (KrV, A 541/ B 569), podendo, então, decidir-se a

agir contra os impulsos da natureza. Assim, fica ―(...) estabelecido (...) que não há

incompatibilidade entre natureza e liberdade e que um ser natural pode também

comportar-se como um sujeito livre (...)‖ (LEBRUN, 1993, p. 93).

Bibliografia

KANT, IMMANUEL. Kritik der reinen Vernunft. In: Werke. Editadas por W. Weischedel. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgeselschaft, 2005, vol. II.

_________. Crítica da Razão Pura. Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.

LEBRUN, Gerard. Kant e o fim da Metafísica. Trad: Carlos Alberto Ribeiro da Moura. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

LOPARIC, Zeljko. A Semântica Transcendental de Kant. Campinas: UNICAMP, Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, 2005.

_________. Os problemas da razão e a semântica transcendental. In: Daniel Omar Perez.

(Org.). Kant no Brasil. São Paulo: Editora Escuta, 2005b, v. 1, p. 213-229.

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APONTAMENTOS EM TORNO DO CONCEITO DE LIBERDADE EM HANNAH

ARENDT

Willian Bento Barbosa

Universidade Estadual do Centro Oeste - UNICENTRO

[email protected]

Palavras-chave: Hannah Arendt; Condição humana; Vida ativa; Ação; Liberdade.

A presente comunicação tem por objetivo estabelecer algumas reflexões acerca da

ideia de Liberdade em Hannah Arendt, sobretudo a ideia de liberdade explícita em

sua obra ―The Human Condition‖ (1958). A noção de liberdade é investigada e

problematizada à luz da concepção arendtiana de vida ativa, intrínseca à condição

humana do homem corporificada nas condições do labor (labor), trabalho (work) e

ação (action). A despeito da divisão tripartite da condição humana, podemos verificar

que a liberdade somente se manifesta por intermédio da ação, no âmbito público da

palavra; sendo descartada no âmbito privado da vida ativa correspondente às

esferas do labor e do trabalho.

O estudo da liberdade se justifica representar um dos mais influentes pensamentos

na concepção de vida ativa e da ideia de liberdade na era moderna e

contemporânea. Uma liberdade que rompe com o tradicionalismo até então

valorizado. Devido às dimensões de sua erudição, e de seu pensar fundamentado a

partir de suas experiências, vivenciadas em uma época histórica que refundou sócio-

político-econômica o modo de viver e ver a política, sobretudo através das

experiências do totalitarismo, o pensamento arendtiano ainda se mantém

atualíssimo, podendo ser retomado para refletir e entender sobre os tempos atuais,

dilacerados por guerras, nacionalismos e problemas diversos da política atual.

Para a investigação sobre a questão da liberdade em Hannah Arendt, remetemo-nos

primeiramente ao estudo acerca da condição humana do homem, evidenciado na

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elaboração das três esferas da vida ativa (distinta da chamada vida contemplativa

expressada pelo pensar, pelo querer e pelo julgar, expostos na obra “The live of the

mind”, obra publicada postumamente que permaneceu inacabada no capítulo sobre

o julgar). Para Arendt, a vida ativa compreende três atividades fundamentais

corporificadas pelas condições do labor, do trabalho e da ação. O labor seria a

atividade ligada ao atendimento das necessidades, circunscrito ao espaço da oikia

grega. O resultado do labor não é dado a permanecer no mundo, mas sucumbir no

próprio ritmo do metabolismo natural humano, é o espaço do animal laborans.

Diferentemente é a atividade do trabalho, que se volta para a construção de um

mundo de permanências frente ao fluxo da natureza, visando à própria construção

de um mundo humano frente ao mundo natural. Rege-se pelo princípio da utilidade e

tem como seu representante o homo faber. O trabalho, assim como o labor, não

necessita do encontro com outras singularidades, podendo ser realizadas no

isolamento. Em contraste com ambos, é a atividade da ação, que só se manifesta

em conjunto, numa ―pluralidade de singularidade‖, segundo Arendt. É o espaço do

agir político e condição de existência da própria política, onde as ações são

iluminadas através do discurso público, que exige um espaço específico distante

tanto dos critérios de mera sobrevivência do labor quanto do utilitarismo do trabalho.

É neste espaço do agir político, que a liberdade se fundamenta.

Hannah Arendt e sua concepção de liberdade retomam o pensamento grego antigo

pela experiência da polis grega, na qual a liberdade é intrínseca ao agir político.

Ação e política são inimagináveis sem serem pensadas de acordo com a liberdade;

a política sem a liberdade é destituída de sentido, e por isso que ela só pode ser

demonstrada no âmbito da ação, no espaço público do agir; ação esta como já dita,

pelo discurso, através do domínio da palavra, do discurso, do logos, tal como que no

sentido grego antigo era usada para distinguir-se dos bárbaros, e o homem livre dos

escravos, pois na polis grega a condução dos assuntos públicos conduzidos é por

intermédio do discurso (grego peíthen – persuasão). É na vida ativa arendtiana,

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fundamentalmente através do zoon politikon (animal político), no âmbito público, que

a liberdade é da melhor forma demonstrada.

Aqui, faz-se uma crítica a redução moderna do domínio público e da liberdade à

esfera privada do homem, do trabalho e do labor, tal como é tratado por Arendt, pois

para os antigos, pode-se afirmar que a vida privada é menosprezada, sendo ela o

impedimento da condição de liberdade pela ação do homem; o cerne do homem

antigo grego é a polis e por essa concepção o homem é um ser político e social por

essência. A liberdade, tal como presente na modernidade e contemporaneidade, é

demonstrada fundamentalmente através das vertentes do liberalismo, é

caracterizada pelo afastamento da atividade pública e política do homem. É a não

intervenção da política na vida privada, no qual o homem é demonstrado pela

preocupação com sua segurança, sobrevivência e necessidades humanas. A

liberdade também assume os parâmetros de uma liberdade interior, pela concepção

do livre arbítrio, sendo a liberdade humana como o domínio interno da consciência,

teorias estas fundamentalmente encontradas no período medieval,

consubstanciadas pelo cristianismo.

Conclui-se, com base nos argumentos apresentados, que a concepção arendtiana

de liberdade caracteriza-se pela ação política, circunscrito ao âmbito público, tal

como era concebido na antiguidade grega. Arendt nega e critica, de fato, a

concepção tradicionalizada pelo Liberalismo Moderno, que afirma que quanto mais

política menos liberdade, tal como a afirmação de credo liberal de que ―quanto mais

política menos liberdade‖. Através fundamentalmente desses conceitos, tais como a

vida ativa, liberdade, e ação, que Arendt tentará compreender a condição humana

do homem no mundo moderno e contemporâneo, principalmente a partir da crise da

política que chega até o presente, bem como eles representarão a base filosófica

para a elaboração arendtiana dos conceitos de ação, poder e juízo político, muitas

vezes em antagonismo com as elaborações da filosofia política tradicional.

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Referencias bibliográficas

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. (Tradução Roberto Raposo). 10.ed. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2001.

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EDUCAÇÃO/DISCIPLINA MODERNA NO PENSAMENTO FOUCAULTIANO

Eduardo Alexandre Santos de Oliveira

Graduando em Filosofia – UNICENTRO

Orientador: Prof. Dr. Augusto Bach

Palavras-chave: Foucault, educação, filosofia, poder.

O presente trabalho busca investigar a educação na modernidade enquanto

domadora do corpo e da alma dos indivíduos, por meio do pensamento do filósofo

francês Michel Foucault.

A inserção de práticas disciplinares faz com que os indivíduos sejam moldados e

subjetivados a ponto de torná-los corpos úteis e dóceis. Assim sendo, cabe-nos

pesquisar o que levou a educação/disciplina a determinado objetivo.

Tomar-se-á o exemplo da escola – principal instituição responsável por fabricar o

sujeito – e sua relação com outras instituições disciplinares que lha deram origem.

Entretanto, deve-se primeiramente aderir uma nova maneira de conceber o poder –

peça fundamental para o prosseguimento deste labor.

A questão do poder é uma consideração de grande importância para compreender a

educação moderna necessitando ser feita com cautela e rigor, e isso, Michel

Foucault o fez com êxito. Nas análises do filósofo, o poder não pode ser restringido

à formalidade dos aparelhos jurídicos, pois assim, torna-se impossível investigar a

educação moderna e seus objetivos. Mas deve ele – o poder – ser estudado em

uma perspectiva diferente: trata-se de visualizá-lo, agora, como forma de micro-

poder ou micro-política em meio a uma rede. Via de regra, isso significa dizer que

não existe relações fora de seus domínios.

Por meio desse conceito inovador, torna-se possível a observação dessa relação

nas instituições escolares: o professor exerce um saber sobre o aluno que, por sua

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vez, se adapta a essa noção. Em outras palavras, isso significa dizer que o pupilo

―submete‖ seu poder ao do mestre.

Com base nessa premissa, é viável atribuir uma consideração importante sobre o

poder e suas relações. Podemos dizer que ele não visa excluir o indivíduo, muito

pelo contrário, sua postura objetiva capturá-lo e, assim, cria-se um saber que vigora

como um papel de verdade: trata-se do saber científico que se torna uma prática a

dominar o indivíduo e normatizá-lo, ou seja, esse saber o controla e o disciplina e é

aí que Foucault denomina a sociedade moderna como sociedade disciplinar.

Através desta breve consideração sobre poder, cabe-nos cumprir a primeira parte da

introdução desse trabalho: analisar a educação moderna enquanto ―domadora da

alma e do corpo‖ e apontar os motivos que a levaram a determinada postura.

O poder disciplinar nasce devido a mudanças na sociedade europeia. O poder que

era atribuído diretamente à figura do soberano, passa a ser ―contido‖ numa

instituição burocrática.

No século XVII até o final do XVIII, a educação dava-se pelo suplício do corpo –

evento esse que era apresentado publicamente, ou seja, o castigo era fornecido

como espetáculo. O condenado era mutilado em público e assim, o perdão era

extraído através da dor de modo que a morte não se dava de momento imediato. Na

abertura de Vigiar e Punir: história da violência nas prisões, pode se ver um relato da

Gazette d‟Admsterdam, que apresentado por Foucault, mostra em detalhes o

suplício de Damiens, condenado em 1757.

Essa forma de castigo era um modo de educar a população, mostrando-lhes o que

poderia acontecer caso viessem a ir contra a vontade do soberano.

No final do século XVIII, com a estruturação do capitalismo, aos poucos, o castigo

através do corpo supliciado passa a perder a importância. Com o surgimento das

indústrias, torna-se necessário o corpo saudável e em plenas condições para a

produção em série. Dessa forma, há a necessidade de uma outra maneira de

punição que deva considerar o novo modo econômico que vigora nesse período

para quem rompe o pacto social: eis o surgimento da prisão. Essa instituição tem por

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finalidade, capturar todos aqueles que são considerados inúteis a tal estrutura

econômica e adaptá-los à mesma. Nesse âmbito, a disciplina dar-se-ia em lugares

fechados, calculados a ponto de vigiar o corpo do infrator. Para o progresso desse

método disciplinar, é necessário individualizar a pessoa e agir sobre seu interior,

objetivando-o a uma ética capitalista e consequentemente sujeitando-o.

Foucault observa em seus estudos que as atividades das prisões influenciaram

diretamente as escolares. Os espaços fechados, calculados, com separação por

fileiras, idade, por horários, têm por finalidade exercer um saber (verdade) sobre o

aluno, a ponto de sujeitá-lo, moldando seu interior para torná-lo viável ao meio de

produção. O indivíduo torna-se ao mesmo tempo, sujeito e objeto do poder.

Por meio do desenvolvimento dessa pesquisa, pode-se observar que a

educação/disciplina na modernidade são objetos do poder. Eis o sucesso de

Foucault em não restringir o poder no âmbito dos aparelhos jurídicos, e sim

considerá-lo como micro-poderes que funcionam de modo difuso.

Também se notou que o jogo do poder – transferido do soberano ao estado – atuou

de modo positivo ao transformar a perspectiva educacional que, a partir do final

século XVIII, versa sobre uma tendência capitalista. Por tanto, o surgimento da

prisão que ao invés de punir o corpo do condenado, disciplinava-o tornando-o apto

às atividades desse novo sistema. Isso justifica o surgimento da escola –

denominada pelo filósofo de governo do sequestro da infância – atua como uma

maquinaria social que, por meio de atividades e de sua estrutura calculada, controla

o corpo e o tempo dos indivíduos tornando-os úteis e dóceis, sujeitando-os a um

saber científico. Além disso, essa análise permite provar o pretexto da educação

moderna em separar o ―normal‖ e o ―anormal‖ afirmando o primeiro ser o

normatizado pela disciplina e o segundo como o que foge desse enquadramento

tornando-se causador da desordem social posteriormente.

Essa estrutura social é comparada pelo pensador a exemplo do panopticon de

Benthan, ―instituição‖ que vigia o corpo do indivíduo, regulando através de práticas

corretivas.

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Outra consideração acerca desse estudo é de que essa perspectiva justifica o

aparecimento de outras instituições disciplinares, tais como hospitais psiquiátricos e

quartéis, que assim como a escola são cortados pelas relações de poder.

Referências

CÉSAR, M. R. de A. Pensar a educação depois de Foucault. Dossiê Michel Foucault

Revista Cult, n. 134, p. 54-56, 2009.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Trad. Lígia M.

Ponde Vassalo. 34. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

JARDIM, A. F. C. Michel Foucault e a educação: o investimento político do corpo.

Revista UNIMONTES Científica, Montes Claros, v.8 n.2, p. 103-118, jul./dez. 2006.

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ASPECTOS DA REFUTAÇÃO DO IDEALISMO MATERIAL SOB A PERSPECTIVA APRESENTADA NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA

Marco Aurélio Fabretti

Graduado em Filosofia - UEM

Orientadora: Profª Drª Andrea L. Bucchile Faggion

[email protected]

Palavras-chave: refutação, idealismo, permanência, tempo, matéria

Este trabalho visa expor como Kant compreende e refuta o idealismo dito material

fundamentado no pensamento cartesiano, no livro segundo de sua Analítica

Transcendental da Crítica da razão pura. Começaremos pela distinção entre

idealismo material dogmático e idealismo material problemático, cujos fundamentos

se encontram na filosofia de Berkeley e na filosofia de Descartes, respectivamente, e

partiremos para uma análise deste último. Sobre o idealismo material dogmático,

seguiremos os passos do autor e apresentaremos somente o cerne da refutação

pretendida a partir de elementos da estética transcendental, para podermos depois

disso voltar nossos olhos para o já supracitado idealismo problemático. Tal idealismo

aceita nossa experiência imediata de nós mesmos como verdade e garante com isso

a existência de um eu pensante; no entanto, o faz em detrimento de uma realidade

exterior, que é considerada indemonstrável segundo o pressuposto da dúvida

universal cartesiana na visão kantiana; diga-se visão kantiana, pois o próprio

Descartes aceitara a realidade exterior; no entanto, a preeminência que o francês dá

à idéia sobre a matéria fará com que Kant assuma a discussão em defesa desta

realidade exterior, tentando demonstrá-la não mais como um apêndice e sim como

um elemento necessário à visão idealista. Kant aceitará, portanto, em partes este

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idealismo: há a concepção de nós mesmos e esta é certa, segundo nosso autor;

porém, diferentemente dos idealistas materiais, Kant não implicará daí a

impossibilidade de demonstração da realidade exterior, pelo contrário: concedendo

este pressuposto, a saber, a certeza de nossa própria experiência interna, buscará

implicar a necessidade de algo exterior a nós mesmos que fundamente esta certeza.

Para isso, Kant utilizará de dois pressupostos, a saber, o de que toda experiência é

determinada no tempo e o de que em toda mudança dos fenômenos, ou seja, toda

sucessão objetiva no tempo só pode ser determinada sob a condição de uma

substância que permanece, o que nada mais é do que o princípio da permanência

da substância exposto por nosso autor na primeira analogia da experiência, num

momento anterior da obra a qual analisamos. O uso destes pressupostos por nosso

autor implicará, como não poderia deixar de ser, em considerações acerca de suas

formulações, ainda que a amplitude das possibilidades de considerações desta

qualidade não permita um aprofundamento maior, sob a pena de discorrermos

excessivamente sobre pontos não diretamente relacionados a nosso trabalho ou

pontos que não poderiam ser alcançados no âmbito de uma comunicação. Portanto,

procuramos apresentar os conceitos chave utilizados por Kant sempre pautando-nos

pela estrita relação destes conceitos com a refutação do idealismo, o que nos leva a

admitir a necessidade de estudos posteriores para complementar de maneira

satisfatória nossa pesquisa. No que concerne ao primeiro pressuposto, a

consideração da experiência como determinação do tempo, nos remeteremos à

estética transcendental para compreendermos como o conceito de tempo é

apresentado por Kant e porque ele condiciona a experiência. Correlato do espaço, o

tempo será demonstrado como uma condição de possibilidade da experiência

enquanto intuição pura, necessária para que se tenham as intuições empíricas

provenientes de nossas apreensões: ―(...)uma representação necessária, a priori,

que fundamenta todas as intuições externas‖ (CRP, A 24). Toda intuição sensível

gerará uma representação, que por sua vez será temporalmente determinada.

Quanto ao segundo pressuposto, será necessário uma ida à primeira analogia da

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experiência, onde Kant estabelece a necessidade de um elemento permanente que

subjaza à noção de mudança enquanto sucessão temporal objetiva. Segundo Kant,

a consciência que temos de sucessão e simultaneidade pressupõe algo que seja

permanente, e este algo deve ser diferente do próprio tempo, já que não o

percebemos em si mesmo. Este algo permanente, que virá a ser a matéria, será o

correlato do próprio tempo na experiência. É assim que chegará à noção de

substância do fenômeno como permanente, tomando-o como substrato de toda

mudança. Estabelecidos estes dois pressupostos, Kant implica a necessidade de

um elemento espacial, a matéria, pois este será a única possibilidade aceitável de

permanente para as ditas representações, inclusive para aquelas que temos de nós

mesmos, ou, se preferir-se, de nossa existência. Do conhecimento de nossa

existência aceita pelos idealistas materiais problemáticos, como Descartes, chegar-

se-á à necessidade do real no espaço. Passa-se, então, deste idealismo dito

material para um idealismo transcendental, onde o sujeito não é mais a única

certeza que se tem, em detrimento da realidade exterior, e sim possui nele as

condições de conhecimento (garantindo-lhe um abrigo contra os realistas), que se

relacionam necessariamente com um mundo externo a ele, outorgando realidade

objetiva a este mundo (aqui cai por terra o idealismo cartesiano).

Bibliografia

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 6ª Ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2008.

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FOUCAULT COM KANT

Fernando Padrão de Figueiredo

Mestrando - PPGF – UFRJ/ Bolsista do CNPq

Orientador: Prof. DR. Guilherme Castelo Branco

[email protected]

Palavras-chave: Foucault; Kant; Aufklärung; Estética da existência; Filosofia

política.

Este trabalho tem a intenção de apresentar e aproximar dois autores, considerados

por uma certa tradição, muito distantes um do outro. Kant e Foucault, dois

pensadores que percorrem caminhos muito específicos na história do pensamento.

Foucault com Kant. Esta é uma das hipóteses da comentadora Mariapaola Fimiani,

na qual diz que o texto foucaultiano pode ser considerado como uma reescritura do

texto kantiano. Assim, pode se dizer que aquele é um palimpsesto deste. (Cf.

FIMIANI, 1998)

Desta maneira, a intenção é, a partir de Foucault, estudar o jogo da tutela e da

liberdade, explicitado no texto kantiano, como resposta à pergunta feita pelo pastor

Zöllner, em 1783: O que é o Iluminismo? Liberdade (maioridade) e tutela

(minoridade), jogo que implica a constituição do indivíduo como um sujeito autônomo

e do jogo da verdade como a coragem de dizê-la. A temática do Iluminismo

(Aufklärung) será o ponto central das análises, a possibilidade real de pensar Kant

com Foucault, pois para este aquele é seu maior representante. Eis o que nos diz

Foucault a respeito:

Penso que a Aufklärung, como conjunto de acontecimentos políticos, econômicos,

sociais, institucionais, culturais dos quais somos ainda em grande parte

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dependentes, constitui um domínio de análise privilegiado. Penso também que,

como empreendimento para ligar por um laço de relação direta o progresso da

verdade e a história da liberdade, ela formulou uma questão filosófica que ainda

permanece colocada para nós. Penso, enfim – tentei mostrá-lo a propósito de Kant -,

que ela constitui uma certa maneira de filosofar. (FOUCAULT, 2005: 1390)

Entre Foucault e Kant, a questão do Iluminismo, problematizando a liberdade e o

que ela envolve, ou seja, uma luta nos jogos (ou regimes) de verdade, onde o sujeito

se constitui como sujeito livre, e a estratégia de poder dizê-la. Minoridade e

liberdade para se pensar o problema de uma ética, a questão da transformação e

retorno ao si. Ética que o último Foucault pensou como estética da existência, isto é,

―[...] o problema de uma ética, como forma a dar a sua conduta e a sua vida, é

novamente posta.‖ (FOUCAULT, 2005: 1493) E estética que é transformação de si,

possibilitado por um retorno ao si, a vida, a existência, como lugar de elaboração,

criação e invenção. Assim, entende a estética como ―[...] uma forma de estetismo – e

por isto‖, diz, ―eu entendo a transformação de si.‖ (FOUCAULT, 2005: 1354)

É a partir da última fase da filosofia de Foucault (1978-1984), que este trabalho tem

o propósito de apresentar. Um dos textos centrais para a aproximação de Kant e

Foucault é o texto intitulado Qu‟est-ce que les Lumières? Este é especificamente um

artigo, escrito para a Magazine littéraire, em dezembro de 1984. (FOUCAULT, 2005)

Que também é resultado de uma aula dada no Collège de France em 1983, e

reescrita para a mesma revista neste mesmo ano, com o mesmo título, Qu‟est-ce

que les Lumières?.1

No artigo, de 1984, Qu‟est-ce que les Lumières?, Foucault apóia as suas reflexões

no artigo de Kant, de 1784, intitulado de Beantwortung der Frange: Was ist

Aufklärung?, onde problematizará o custo de dizer a verdade (ou seja, a sua

coragem), como a possibilidade real para se constituir como sujeito livre, autônomo.

Kant, logo no início do seu texto, desafia seu momento presente: ―Sapere aude!

1 As aulas se encontram no curso, intitulado de Le Gouvernement de soi et des autres : cours au

Collège de France (1982-1983). Já o artigo está presente nos Dits et Écrits II, 1976-1988.

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Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento! Eis a divisa do

Aufklärung.‖1

Assim, Foucault nos apresenta um Kant que tenta responder a sua época,

diagnosticar aquilo que estava acontecendo, mostrando o preço a se pagar pelo uso

de se pensar por si mesmo, ou pensar por pensar (embora fale especificamente do

uso da faculdade do entendimento no artigo, usa a expressão räzonieren, isto é,

raciocinar por raciocinar). Se para Kant o Esclarecimento (Aufklärung) era seu

momento presente, uma resposta (uma solução) para um questionamento da sua

época, para Foucault serve de signo daquilo que o texto anuncia, isto é, a sua

originalidade, ou um novo modo de filosofar, de pensar. Kant sinaliza um momento

de ruptura, um limite, ou uma máxima que serve de divisa para a sua época, ou

melhor, para a vontade de sua época. Máxima que induz coragem para deixar de ser

aquilo que se é.

Deste modo, Kant define no começo do seu artigo: ―Aufklärung é a saída do homem

da sua menoridade de que ele próprio é culpado.‖2 Aufklärung que não é uma época

determinada, - ―A Aufklärung‖. Mas ela é um resultado, uma saída de um estado

para outro. A minoridade kantiana é para Foucault fruto de um excesso de

autoridade e de falta de coragem. Para sair de seu estado de minoridade, deve-se

ousar, e, assim, permitir se conduzir e governar por si mesmo. O que está em jogo

na mudança de um estado para o outro é o fato de poder pensar, orientar-se por si

mesmo. Pensar por si mesmo é a saída da minoridade, tanto quanto um

desprendimento, pois muda-se a relação com os outros (através de um público),

implicando uma mudança consigo. Pensar por si mesmo não é uma consciência ou

um desejo de se conduzir de outra forma. É muito mais uma crítica, é um outro modo

de pensar aquilo que é o nosso presente.

1 KANT, Immanuel. "Beantwortung der Frange: Was ist Aufklärung?". In: Schriften zur Anthropologie,

Geschichtsphilosophie, Politik und Pädagogik (Band 9). Werke in zehn Bänden. Herausgegeben von Wilhelm Weischedel. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1983, p.53. (tradução portuguesa in: "Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?". A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 2004, p.11.) 2 Id.

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Bibliografia

DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo : Brasiliense, 2005.

FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits II, 1976-1988. France: Quarto Gallimard, 2005.

______. Le Gouvernement de soi et des autres : cours au Collège de France (1982-1983). France: Gallimard, 2008.

HAUSER, Philippe. Foucault et la Critique. In : Michel Foucault : les jeux de la verité et du pouvoir. Sous la dir. De Alain Brossat. Nancy: Press Universitaire de Nancy, 1994.

KANT, Immanuel. Beantwortung der Frange: Was ist Aufklärung?. In: Schriften zur Anthropologie, Geschichtsphilosophie, Politik und Pädagogik (Band 9). Werke in zehn Bänden. Herausgegeben von Wilhelm Weischedel. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1983. (tradução portuguesa in: "Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?". A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 2004.)

_______. Qu‘est-ce que les Lumières? In : Aufklärung : Les Lumières allemandes. Textes et commentaires par Gérard Raulet. Paris: Flammarion, 1995.

_______. Que significa orientar-se no pensamento?. In: A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 2004.

FIMIANI, Mariapaola. Critique, clinique, esthétique de l‘existence. In : Michel Foucault : trajectoires ao coeur du présent. Sous la direction de Lucio D‘Alessandro et Adolfo Marino. Paris : L‘Harmattan, 1998.

TERRA, Ricardo. Foucault, leitor de Kant: da antropologia à ontologia do presente. In: Passagens: estudos sobre a filosofia de Kant. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003.

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DA POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DO CARÁTER MORAL EM KANT

Carlos Eduardo Neres Lourenço

Mestrando PUC/PR

Orientador: Prof. Dr. Daniel Omar Perez

lourenç[email protected]

Palavras-Chave: Kant, Caráter, Moral, Antropologia, Formação

Kant tem verdadeira preocupação com a formação do caráter moral do ser humano,

e tal preocupação é visível em toda sua obra. Em sua obra Antropologia, ao falar em

sinais distintivos do homem como ser natural, a estes dá o nome de Caráter Físico.

Já como ser racional, aos sinais que distinguem o homem como ser provido de

liberdade nomina-se Caráter Moral.

O objetivo do presente trabalho é tão somente indagar da possibilidade de que o

caráter moral do ser racional finito, no pensamento kantiano, seja formado por algum

processo exógeno em contraponto à possibilidade de que este caráter seja inato.

Para os objetivos do presente trabalho consideraremos tão somente a idéia de um

caráter moralizado, ou um bom caráter numa abordagem coloquial.

Kant, já na Critica da razão pura volta sua atenção às questões tocantes à formação

deste caráter moral do caráter ou do caráter do ser racional finito. Na obra o filósofo

já trata dos problemas e desordens que uma má formação ou falta de

desenvolvimento ou cultivo causa à sociedade. Utilizando uma ―ação de arbítrio,...,

uma mentira maldosa, mediante a qual um homem trouxe uma certa confusão à

sociedade1” como exemplo, o pensador sentencia.

Seja examinada em primeiro lugar, quanto às motivações a partir das quais

emergiu e, em seguida, julga-se como ela pode ser imputada ao agente

juntamente com suas consequências. Com o primeiro propósito, remonta-se

o seu caráter empírico às suas fontes, as quais serão detectadas numa

1 (Werke. Band IV. p. 503)

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educação defeituosa, em más companhias, em parte também na

malignidade de uma índole insensível à vergonha; (KANT, I, 1983, pg.

281).1 (Grifo nosso)

Verifica-se com clareza que o autor não poupa reprovação ao ato mentiroso

causador de danos a sociedade. Ainda deixa claro que as fontes empíricas da

atitude reprovável remetem à uma educação defeituosa, uma má formação

educativa. É visível que o autor remete a um caráter moral mal formado. Ele repudia

o ato como imoral, evidenciando no ato um caráter mal formado e atribui um nexo de

causalidade entre este e uma educação defeituosa. Contrário senso, é possível

afirmar que o autor deixa antever que uma boa educação agregada a alguns outros

elementos, pode produzir um caráter moralizado, móbil de ações morais. Ele

confirma a possibilidade de formação do caráter moral a partir de mecanismos

externos, exógenos.

Na segunda Crítica, mais uma vez ele aborda o assunto da formação do caráter

moral ao levantar as orientações preparatórias fundamentais para que o homem

ainda não formado possa tornar-se receptivo à moral pura. Tratando da

“metodologia da razão prática” (Methodenlehre), exemplificamos, ele salienta que a

mesma é “o modo como se pode proporcionar às leis da razão prática pura acesso

ao ânimo humano, de modo a provocar uma influência sobre as máximas do

mesmo, isto é, como se pode fazer a razão objetivamente prática também

subjetivamente prática”. (Kant, 2002, p.239).2

1 [...] so nehme nam eine willkürliche Handlung, z. E. Eine boshafte Lüge, durch die ein Mensch eine

gewise Verwirrung in die Gesellschaft gebracht hat, un die man zuerst ihren Bewegurschen nach, woraus sie entstanden, untersucht, und darauf beurteilt, wie sie samt ihrem Folgen ihm zugerechnet weden könne. In der ersten Absicht geht man seine empirischen Charakter bis zu dem Quellen desselben durch, die man ir der shlechten Erziehung, über Gesellschaft, zum Teil auch in der Bösartigkeit eines für Beschämung unempfindlichen Naturells, aussuchtz, zum Teil auf den Leichtasinn und Unbesonnenheit scheit; wobei man denn die veranlassenden Gelegenheitsursachen nicht aus der Acht läβt. In allen diesem verfährt man, wie überhaupt in Untersuchung der Reihe bestimmender Ursachen zu einer gegedadurch Narturwirkung. (Werke. Band IV. p. 503). 2 Viekmehr wird unter dieser Methodenlehre die Art verstanden, wie man den Gesetzen der reinen

praktischen Vernunft Eingangang in das menschliche Gemüt, Einflub auf die Maximem desselbem

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Com as abordagens supra, o filósofo abre portas para suas outras obras que tratam

da aplicação da ética no espaço da formação do caráter do homem.

No parágrafo anterior falamos sobre a aplicação da ética no espaço da formação do

caráter do ser racional finito, no entanto, tal assertiva não pode passar ao largo do

conteúdo das declarações do autor no prefácio de sua Fundamentação da

Metafísica dos Costumes, onde afirma o que se segue:

Tanto a filosofia natural quanto a filosofia moral podem cada qual ter a sua

parte empírica, pois aquela tem de determinar as leis da natureza como

objeto da experiência, e esta, as da vontade do homem enquanto é afetada

pela natureza; as primeiras, considerando-as como leis segundo as quais

tudo acontece, a segunda, como leis segundo as quais tudo deve

acontecer, mas ponderando também as condições pelas quais com

freqüência não acontece o que devia acontecer.

Pode-se chamar empírica toda a filosofia que se baseia em princípios da

experiência; mas a que apresenta as suas teorias derivando-as

exclusivamente de princípios a priori denomina-se filosofia pura. Essa,

quando é simplesmente formal, chama-se Lógica; porém se limita a

determinados objetos do entendimento, recebe então o nome de Metafísica.

Dessa forma, surge a idéia de uma dupla Metafísica, uma metafísica da

Natureza e uma Metafísica dos Costumes. A Física terá, pois, sua parte

empírica, mas também uma parte racional; da mesma forma a Ética, se bem

que nesta a parte empírica se poderia chamar especialmente antropologia

prática, enquanto a parte racional seria a Moral propriamente dita. (Kant,

1984, p.103).1

verschffen, d. i. die objekiv-praktiche Vermunft auch subjektiv praktisch machen könne. (Werke. Band VII. 287). 1Dagegen können, sowohl die natürliche, als sittliche Welweisheit, jede ihren empirischen Teil haben,

weil jene der Natur, als einen Gegenstande der erfahrung, diese aber dem Willen des Menschen, so fern er durch die Natur affiert wird, ihre Gesetze bestimmen muβ, die erstern zwar als Gesetze, nach denen alles geschieht, die zweiten als solche, nach denen alles geschehen soll, aber doch auch mit Erwägung der bendingungen, unter denen es öfters nicht geschieht. Man kann alle Philosophie, so fern sie sich auf Gründer der Erfahrung fuβt, empirische, die aber, so lediglich aus Prinzipien a priori ihre Lehren vorträgt, reine Philosophie nennen. Die letztere,

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Daí lembrar-se que para o filósofo, ao referir-se ao termo ética, tornar-se

indispensável ter claro que este possui dupla acepção, sendo a primeira referente à

sua parte empírica e a segunda à sua parte racional. No tocante à parte empírica o

termo refere-se a uma antropologia prática, enquanto em sua parte racional faz

referencia à Moral propriamente dita. Neste mesmo diapasão, Kant prossegue

entendendo necessária uma antropologia prática para que o ser racional finito tenha

favorecida a capacidade de receber. Capacidade de interiorizar, em sua voluntas,

por educação e exercício, uma legislação moral, e afirmá-la eficaz. É assegurado

pelo pensador que "o homem, afetado por inclinações, é na verdade capaz de

conceber a ideia de uma razão pura prática, mas não é tão facilmente dotado da

força necessária para a tornar eficaz in concreto no seu comportamento" (Kant,

1984, p.103).1

Fundamentado na afirmação supra, o pensamento kantiano afirma, para a fixação

desta legislação moral, a necessidade indispensável de uma Metafísica dos

Costumes. Não apenas para fins de especulação das fontes dos princípios práticos

que residem a priori na razão dos seres racionais finitos, mas para fixação do

princípio supremo da moralidade (Kant, 1984, pp.103-104). E este para que sirva

como fio condutor ou vetor, norma suprema do julgamento do ser racional finito. Esta

norma dada a priori, exigirá ―ainda uma faculdade de julgar apurada pela

experiência, para por um lado, distinguir em que caso ela tem aplicação e, por outro,

wenn sie bloβ formal ist, heiβt Logik; ist sie aber auf bestimmte Gegenstände des Vertandes eingeschränkt, so heiβt sie Metaphysik. Auf solche Weise entspringt die idee einer zwiefchen Metaphysik, einer Metaphysik der Natur unde einer Metaphysik der Sitten. Die Physik wir also ihren emprisichen, aber auch einen rationalen Teil haben; die Ethik gleichafalls; wiewohl hier der empirische Teil besonders praktische Antropologie, der rationale aber eigentlich moral heiβen könnte. (Werke Band VI, VII p.11-12) 1 [...] des Menschen und Nachdruck zur Ausünbung zu verschaffen, da diese, als sebst mit so viel

Neigungen affiziert, der Idee einer praktischen reinen Vernunft zwar fähig, aber nicht so leicht vermögend ist, sie in seinem Lebenswandel in concreto wirksam zu machem (Werke. Band VII. p.13-14).

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assegurar-lhe entrada na vontade do homem e eficácia na sua prática” (Kant,

1984, pp.103-104) 1 (Grifo nosso).

Do supra exposto, é conclusão deste trabalho que em contestação a qualquer

possibilidade de um caráter moral inato, como uma lex aeterna scripta in omnis

corde, é claro para o filósofo de Königsberg que este caráter moral é adquirido,

formado, desenvolvido pelo e no ser racional finito

As condições de possibilidade desta formação do caráter moralizado no ser racional

finito deverão ser objeto de pesquisa outra, já que impossível nestas poucas linhas

dar cabo de tal missão, no entanto claro no pensamento do autor que ao próprio

homem incumbe a missão de avançar na busca da moralização.

Referências KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. 2ª ed. SP: Abril Cultural, 1983.

________. Crítica da Razão Prática. Trad. de Valerio Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

________. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Traduzida do Alemão por

Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70 Ltda., 1984.

________. Werke in zehn Bänden. Darmstadt: Wissenchaftliche Buchgesellchaft, 1983.

1 [...] die freilech noch durch Erfahrung geschärfte Urteilskraft erfodern, um teils zu unterscheiden, in

welchen Fällen sie ihre Anwendung haben, teils ihnen Eingang in den Willen des Menschen und Nachdruck zur Ausünbung zu verschaffen, da diese, als sebst mit so viel Neigungen affiziert, der idee einir praktischen reinen [...] (Werke. Band VII. p.13-14)

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A INTUIÇÃO EM KANT

Christian Carlos Kuhn

2° Filosofia – UNICENTRO/PR

Orientador: Marciano Adilio Spica

[email protected]

Seria estranho pesquisar a teoria do conhecimento em Kant isolando-a das

influências da literatura em especial do Romantismo e Iluminismo. Além desses

movimentos, destaca-se também a participação de duas correntes filosóficas, o

Empirismo e o Racionalismo. A primeira, privilegia a sensação e a experiência como

mediadores no conhecimento, e a segunda tem a Razão como guia seguro para o

mesmo, esse podendo transcender a toda experiência possível, como o

conhecimento de Deus, da alma, etc. É evidente que Kant não poderia deixar de se

envolver nessas discussões, primeiramente aderindo ao racionalismo de Leibniz,

Wollf e Espinosa por exemplo, sendo que este corresponde ao período considerado

pré-critico e, posteriormente a constatação de seus fascínio pelo empirismo de

Locke e Hume, preponderante no período crítico.

Confesso francamente: foi a advertência de David Hume que, há muitos anos, interrompeu

o meu sono dogmático e deu às minhas investigações no campo da filosofia especulativa

uma orientação inteiramente diversa. (KANT, 1988, p.17)

Ao analisar os discursos de ambas as partes, Kant expõe os princípios

fundamentadores do conhecimento, até então suficientes para a metafísica da

época: O princípio de contradição, o princípio de necessidade, e o conceito de

causalidade. O primeiro expressa que nada pode ser e não ser ao mesmo tempo

sob a mesma relação, o segundo indica que algo é necessário sob uma perspectiva

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lógico-formal quando sua negação é impossível ou implica contradição. O último fica

bem exposto nas palavras de Kant:

Hume partiu essencialmente de um único, mas importante, conceito de metafísica, a saber,

a conexão de causa e efeito (portanto, também os seus conceitos consecutivos de força e

acção, etc.) e intimou a razão, que pretende te-lo gerado no seu seio, a explicar-lhe com

que direito ela pensa que uma coisa pode ser de tal modo constituída que, uma vez posta,

se segue necessariamente que a outra deve ser posta. (KANT, 1988, p. 14)

O autor retoma a crítica de Hume e expõe um dos aspectos limitadores da razão na

Metafísica. Esta ciência que, segundo Kant, pretendia por meio da Razão Pura

pensar a priori relações causais não necessárias.

Ele provou de modo irrefutável que é absolutamente impossível a razão pensar a priori e a

partir dos conceitos uma tal relação, porque esta encerra uma necessidade; mas, não é

possível conceber como é que, porque algo existe, também uma outra coisa deva existir

necessariamente, e como é que a priori se pode introduzir o conceito de uma tal conexão.

(KANT, 1988, p. 14)

É a partir dessas influências kantianas que buscamos o esclarecimento de um

conceito utilizado e desenvolvido por Kant, a saber, o conceito de ―Die Anschauung‖

(traduzido como A Intuição).

Para que possamos clarear o uso que Kant faz de tal conceito precisamos

primeiramente nos ater nas discussões que tal autor faz a respeito da sensibilidade

e do entendimento. Para isso tentaremos reconstruir a resposta que Kant dá a três

questões fundamentais da teoria do conhecimento: Como eu tenho acesso aos

objetos sensíveis? O que é o conhecimento? De que modo ele é possível?

Como veremos, ao tentar responder essas questões, Kant percebe que o

conhecimento não é puro conceito racional, mas também não é somente conteúdo

empírico, no entanto adverte que são os objetos que devem se regular ao primeiro e

não o inverso como foi o erro cometido até então pela metafísica, sendo necessário

repensá-la. Assim, antes de fazer metafísica seria necessário perguntar-se se a

metafísica é realmente possível. Cito Kant: ―A minha intenção é convencer todos os

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que creem na utilidade de se ocuparem de metafísica, de que lhes é absolutamente

necessário interromper o seu trabalho, considerar como inexistente tudo o que se

fez até agora e levantar antes de tudo a questão: <<de se uma coisa como a

metafísica é simplesmente possível>>.‖ (KANT, 1988, p.12)

Ao expor o erro da Metafísica, Kant esboça dois aspectos particulares da Razão,

porém complementares. (...) ―tentamos tornar clara a grande diferença entre os dois

usos da razão, a saber, o discursivo segundo conceitos e o intuitivo mediante a

construção de conceitos‖ (KANT, 1996, p.433, A747).

Mas antes de expormos um exemplo da utilização desse termo (A Intuição) por Kant,

é necessário esclarecer ainda sobre os juízos ou proposições. Toda proposição ou

juízo consiste num sujeito lógico do qual se diz algo, e um predicado, que é aquilo

que se diz desse sujeito.

O autor diferencia dois tipos de juízos, os analíticos e os juízos sintéticos. Os

primeiros são juízos de análise em que o predicado está contido no sujeito e a ele

nada acrescenta, e os últimos são juízos construtivos onde o predicado acrescenta

algo ao sujeito. Ao elucidar os primeiros, utiliza-se da Matemática para expor seu

conceito de intuição.

Mas, se não me quiserem conceder isso, bem, então restrinjo a minha proposição à

matemática pura, cujo conceito já implica que não contém um conhecimento empírico, mas

um puro conhecimento a priori. Poder-se-ia, antes de mais, pensar que a proposição

(7+5=12) é uma simples proposição analítica, que resulta do conceito de uma soma de sete

e cinco, em virtude do princípio de contradição. Mas, olhando de mais perto, descobre-se

que o conceito da soma de sete e cinco não contém mais nada senão a reunião de dois

números em um só, sem que pense minimamente o que seja esse único número, que

compreende os dois. O conceito de doze de modo algum está pensado pelo simples fato de

eu pensar essa reunião de sete e cinco, e por mais que analise longamente o meu conceito

de tal soma possível, não encontrarei no entanto, aí o número doze. É preciso ultrapassar

esses conceitos, recorrer a intuição que corresponde a um dos dois números, por exemplo

os seus cinco dedos ou cinco pontos, e assim acrescentar, uma após outra, as unidades do

cinco dado pela intuição ao conceito de sete. (KANT, 1988, p.27)

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Com o que vimos até aqui, mostra-se que o objetivo deste trabalho é o de além de

esboçar alguns elementos da teoria do conhecimento Kantiana, expor nosso projeto

de pesquisa sobre a intuição em Kant. Busca-se entender o conceito de intuição e

seu papel na teoria do conhecimento de Immanuel Kant, além de analisar

minuciosamente as faculdades do conhecimento, tentando encontrar o papel da

intuição na formação de juízos sintéticos a priori. Para que isso seja possível,

utilizamos como método a pesquisa bibliográfica do autor, bem como a leitura de

comentadores sobre o tema em questão.

Referências bibliográficas

CAYGILL, H. Dicionário Kant. Tradução, álvaro Cabral; revisão técnica, Valério

Rohden. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

KANT, I. Prolegómenos a toda metafísica futura que queira apresentar-se como

ciência. Lisboa; Vozes, 1988.

KANT, I. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

PASCAL, G. Compreender Kant. 4 ed. Petrópolis; Vozes, 2008.

RODRIGUES, C. Tradução e interpretação. São Paulo: UNESP, 2000.

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O CONCEITO DE ALMA DO MUNDO NO TIMEU DE PLATÃO

André Wowk Nunes

3º Filosofia, UNICENTRO-PR,

Pesquisador ICV/UNICENTRO-PR

Orientador: Manuel Moreira da Silva

[email protected]

Palavras-chave: Platão, Timeu, Ontologia, Alma do Mundo, Corpo do Mundo.

Trata-se de uma explicitação da concepção platônica da Alma do Mundo, tal como

exposta na primeira parte do Timeu (27d-38c); mais precisamente, do lugar e da

função da Alma do Mundo no âmbito da criação do Mundo enquanto vivente eterno e

no que concerne à união entre a Alma do Mundo e o Corpo do Mundo (34c-38c). Em

sua exposição acerca da Alma do Mundo, Platão enumera como suas características

fundamentais a composição dialética, a estrutura harmônica, a significação

astronômica, a função motriz e a função cognitiva; estas características são

desenvolvidas de modo a dar conta do sentido em que, para o filósofo, a Alma do

Mundo é anterior ao Corpo do Mundo. Com isso ele não só justifica essa

anterioridade, mas antes estabelece como que uma realidade intermediária entre o

inteligível e o sensível, a qual é preenchida pela Alma do Mundo. Assim, partindo do

problema da criação do Mundo (30c-34b), discutiremos em que medida a Alma do

Mundo se forma e por que motivo ela é anterior ao Corpo do Mundo (34b-36b), bem

como do modo como ela se relaciona com este (36d-38c).

Segundo Platão, tendo decidido formar o mundo o máximo possível à semelhança

do mais belo, Deus fez dele um vivente único, visível, contendo no seu interior todos

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os viventes que por sua natureza são da mesma forma que ele. Neste sentido

poderia ser o caso de se perguntar se existe apenas um céu único ou há uma

pluralidade de céus, ou mesmo um número infinito; contudo, essa questão,

aparentemente complexa, se resolve como que facilmente pela primeira alternativa,

isto é, de que há somente um céu, pois em se aceitando que este fora construído

segundo a imitação de um modelo eterno, só poderá haver um céu – o que então

fará com que o mundo se apresente como a imagem em movimento da própria

eternidade. Contudo, esta solução aparentemente fácil exige que se leve em conta

pelo menos dois problemas aí implicados: o do ser eterno e o do efêmero. Por um

lado, o eterno é o não nascido, que pode ser atingido pela intelecção e pelo

raciocínio, exatamente por nunca mudar; no dizer de Platão, quanto mais

meditarmos sobre a sua natureza, apesar de toda e qualquer mutação de nossa

constituição, mais ele será identificado conosco ou dele mais nos aproximaremos –

Platão chama-o de o Mesmo, associando-o à perfeição, à imobilidade, à

continuidade da alma. Por outro lado, o efêmero é o que sempre nasce, jamais

tendo existência, sendo sempre do domínio do ilusório; Platão chama-o de o Outro,

associando-o ao imperfeito, à mobilidade e a imperfeição da matéria (35a). Isto

significa que para algo como o Mundo, ou melhor, o Corpo do Mundo possa existir,

há que haver antes dele próprio alguma coisa que unifique o Mesmo e o Outro numa

composição tal que permita a ambos desenvolverem sua natureza constitutiva; o

que não é senão a Alma do Mundo.

O fato da Alma do Mundo ser anterior ao Corpo do Mundo remete a uma idéia tanto

de liberdade como de indestrutibilidade, pois seria absurdo ter sido o Corpo formado

antes da Alma. Desse modo, a Alma é considerada primeira pelo fato de ter sido

feita para comandar o que ainda estaria para ser criado; neste caso, ela já deveria

ter sido estabelecida antes do próprio Corpo do Mundo. No dizer de Platão, isso se

deu através da mistura da substância indivisível, que se comporta sempre de

maneira invariável, e da substância divisível, que está nos corpos, da qual resultara

uma terceira espécie de substância, isto é, uma substância intermediária que, como

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tal, compreende a natureza do Mesmo e a do Outro em uma estrutura harmônica

(35a). De acordo com essa estrutura, que se determina sobretudo pelo grau de

resistência que no caso da Alma do Mundo se opera na mescla do Mesmo e do

Outro, pode-se dizer, a título de exemplo, que enquanto a Alma humana se

caracteriza pelo Outro mais Mesmo/2, mais Outro/2, a Alma do Mundo se caracteriza

pelo Mesmo mais o Outro mais Mesmo/2, mais Outro/2; razão pela qual esta é

capaz de suportar melhor que aquela a resistência do Outro, o ordenando segundo o

Mesmo, do qual falta uma parcela na primeira, fazendo-a mais suscetível à variação

e à mudança (35b). Em vista disso, a Alma do Mundo possui uma significação

astronômica que, como tal, funda a própria coexistência do movimento do círculo

exterior do céu, que não é senão o movimento do Mesmo e se orienta no sentido de

um paralelogramo, da esquerda para a direita, e o círculo interior, que não é senão o

movimento do Outro e se orienta segundo a diagonal, ou da direita para a esquerda

(36c), demonstrando assim a união de ambos segundo a aceitação de um modelo

eterno. Ainda de acordo com Platão, ao termo da criação da Alma do Mundo,

através de uma precipitação divina, lhe foi dada vida racional e inextinguível,

fazendo assim com que, mediante sua função motriz, nascesse de um lado o corpo

visível do céu e de outro, como partícipe do cálculo e da harmonia, o invisível ou a

própria Alma, ―a mais bela das realidades engendradas pelo melhor dos seres

inteligíveis que são eternamente‖ (37a). Por isso, no que concerne a sua função

cognitiva, a Alma do Mundo se move por si mesma em círculo, retornando sempre

sobre si mesma; bem como, ao entrar em contato com um objeto, seja a substância

deste divisível ou indivisível, ela proclama, movendo-se, através de todo o seu

próprio ser, a que substância tal objeto é idêntico e de que substância ele se

diferencia; o que ocorre pela intelecção e a ciência (ibid.).

Enfim, pode-se dizer que a Alma do Mundo se apresenta como um objeto

multifacetado, sendo ao mesmo tempo considerada no âmbito da dialética, da

harmônica e da astronômica; apresentando-se ainda como princípio motor e

princípio cognitivo não só em si mesma, mas também daquilo que ela envolve, vale

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dizer, do próprio Mundo. Isso significa que a Alma do Mundo deve ser considerada

pelo menos sob dois pontos de vista básicos, sendo o primeiro, o seu próprio

desdobramento dialético a partir de sua composição até a sua caracterização

propriamente astronômica; bem como o segundo, o modo como ela própria se

apresenta como cumprindo uma função ao mesmo tempo motriz e cognitiva. De um

lado a Alma do Mundo deve ser considerada em um âmbito propriamente inteligível,

como que perfazendo o limite do inteligível; de outro, ela também tem que ser

considerada em um âmbito sensível, pois envolve o Corpo do Mundo e com ele se

relaciona de certa maneira. No primeiro caso está em exposição a constituição da

Alma do Mundo enquanto tal em sua dimensão inteligível, já no segundo o seu

caráter de principio ou a sua função motriz e cognitiva enquanto aquilo que informa o

Corpo do Mundo.

Referências

PLATÃO. Timeu. Trad. Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.

_____. Filebo; Timeo; Critias. Traducciones, Introducciones y Notas por Maria

Ángeles Durán y Francisco Lisi. Madrid: Editorial Gredos, 1992.

_____. Timeo o de la naturaleza. Traducción del griego, preámbulo e notas por

Francisco de P. Samaranch. In: ___. Obras completas. Madrid: Aguilar, 1969, p.

1103-1179.

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TRANS-MODERNIDADE E GEOPOLÍTICA DA HISTÓRIA EM DUSSEL

Elias Dallabrida

DEFIL – UNICENTRO/PR

[email protected]

Palavras-chave: Trans-modernidade, inclusão, geopolítica, culturas mundiais.

Discute-se nestas últimas décadas, o projeto e o discurso da modernidade, seus

modelos de explicação, sua suposta crise e solução. Um clima de perplexidade

permeia o ambiente intelectual nas universidades, círculos de debate, congressos e

encontros. Há uma dificuldade em teorizar e explicar o que vem acontecendo nas

diversas instâncias da produção do conhecimento histórico: ―Qualquer ‗meta-

discurso‘ ou tentativa de teorizar o mundo completo ou a sociedade global tornou-se

impossível devido ao colapso irremediável das crenças nos valores de qualquer tipo

e numa hierarquização deles que seja válida universalmente‖. (CARDOSO,1996,

p.6). Tem-se apontado como uma crise de valores intra-modernos e da práxis de

seus estatutos. Alguns intelectuais têm justificado tal crise como um desvio dos

acontecimentos históricos e falta de credibilidade nas ideologias modernas, como

por exemplo, o Marxismo e Positivismo. Outros alimentam a tese da ilusão das

correntes ideológicas, das utopias e até mesmo do ―fim‖ da própria história. Esta

última ―boa nova‖ tem sido uma vertente no discurso da Pós-modernidade, que

proclama o fim da história com a aparente vitória do capitalismo globalizante,

apontado como o estágio ideal para a humanidade no Terceiro Milênio: ―Muita gente

hoje quer nos convencer de que com o capitalismo acabou a história e que um além

do capitalismo é inecessário ou mesmo impossível. Assim, querem nos obrigar a

pensar dentro do capitalismo e limitar nossa ação a, no máximo tratar de melhorá-lo,

polindo as suas arestas mais duras para a vida social e individual.‖ (VELASCO

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,1991, p. 161). Curiosamente, quando a noção de sentido na história sofre os mais

duros ataques, uma corrente de pensamento alimentada na esteira dos

acontecimentos que culminaram com a queda do muro de Berlim, em 1989, projeta-

se sobre o princípio teleológico da filosofia da história moderna. ―Fala-se hoje em dia

de estarmos ingressando numa época pós-moderna (...) em que não mais se creria

numa história que faça sentido e tenha duração, tratar-se-ia, antes de um período

em que as teorias globais de qualquer tipo seriam impossíveis ou perderiam

credibilidade mobilizadora‖. (CARDOSO, 1996, p. 7). No século XX produziu-se na

França o movimento dos ―Annales‖, com a proposta de uma ―nova história‖,

despreocupada com causas finais e essencialmente fascinada pelo brilho dos

temas, métodos e objetos de análise. Este grupo de historiadores tem se

caracterizado com raras exceções, pela heterogeneidade presente desde os

primórdios e por pragmatismo metodológico que os une. Por outro lado, o quadro de

uma sociedade ―pós-moderna‖ os diferencia, instalando-se uma profunda crise da

razão: ―No momento em que o vento da história soprava para construir uma

sociedade nova os pensadores buscavam o sentido do futuro humano e inscreviam

o presente na lógica racional. De Kant a Marx, sem esquecer Hegel, temos a

compreensão dos fundamentos das batalhas em curso pela liberdade. Ao contrário,

quando as resistências às mudanças triunfam, no momento em que as esperanças

são frustradas, em que a desilusão se enraíza, assiste-se a recusa da racionalização

global do real (...) a história perde, então, todo o sentido, fragmenta-se em múltiplos

segmentos‖. (DOSSE, 1994, p. 8). Diante do impasse a respeito das discussões

sobre uma eventual crise de modelos explicativos, de uma possível fragmentação do

conhecimento histórico, já denunciada por Dosse, o pensamento latino-americano

encontra-se talvez, neste início de milênio, em uma situação de menor tensão para

encontrar sua racionalidade, esta será a hipótese central dessa investigação

científica. A questão que se coloca é de outra natureza. A visão eurocêntrica que

tais filosofias da história apresentam em seus fundamentos teóricos e

metodológicos, portanto sua natureza particular, regional que exclui a história as

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maiorias da população do planeta. O retorno à consciência das maiorias de seu

inconsciente histórico excluído se coloca como uma exigência ética e um dos

maiores desafios proposto aos profissionais da história após a queda do muro de

Berlim em plena ‖Era da Globalização‖. Entre tantos intelectuais que se opõem ao

Eurocentrismo situados na periferia do Sistema-Mundo destaca-se a figura de

Enrique Dussel. Este pensador critica a visão eurocêntrica da história mundial.

Dussel defende a tese que o fenômeno da modernidade tem sido um discurso

europeu, portanto, possui uma conotação geopolítica de centro da história universal.

Em sua obra ‖Ética da Libertação‖, na idade da globalização e da exclusão (2002, p.

77) critica a periodização ideológica da história em antiga, medieval e moderna que

segundo ele é ingenuamente de origem helenocêntrica e eurocêntrica. Tomando

como exemplo a historia das ideias filosóficas, Dussel afirma categoricamente a

necessidade desta disciplina e das academias que se ocupam dela, se libertarem da

função meramente interpretativa de textos filosóficos provenientes do centro do

Sistema-Mundo: ―Até o presente, a comunidade hegemônica filosófica (européia,

norte-americana) não outorgou nenhum reconhecimento aos discursos filosóficos

dos mundos que hoje se situam na periferia do Sistema-Mundo‖ (DUSSEL, 2002, p.

77). Dentro desta ótica, um dos maiores desafios da historiografia contemporânea é

o de incluir o maior número possível das populações mundiais dos países que

compõem a periferia do Sistema-Mundo e dar-lhes por questão ética, prioridade na

comunidade real de comunicação. O que implica, afinal de contas a comunicação de

histórias que não sejam transcrições do passado eurocêntrico? Dussel, em seus

escritos aponta e sugere classificações, categorias, conceitos e método de análise

que poderão ser aplicados à investigação do passado sobre as distintas culturas

mundiais. Portanto, o autor propõe o paradigma da Trans-Modernidade, isto é, um

projeto que consiste em estudar as culturas mundiais em sua alteridade, além da

visão européia. Portanto, a presente pesquisa visa contribuir no avanço da

investigação da história com ênfase na questão da geopolítica em âmbito planetário.

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Referências

CARDOSO, C.F. No limiar do Século XXI. In: Revista Tempo. Rio de Janeiro: Vol.1

N. 2, 1996.

DOSSE, F. A história em migalhas. Dos Annales à nova história. Campinas: Ensaio,

1994

DUSSEL, E. Ética da libertação. Na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis,

Vozes, 2002.

VELASCO, S. L. Reflexões sobre a Filosofia da Libertação. Campo Grande: CEFIL,

1991.

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059

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NARRATIVA E IDENTIDADE EM PAUL RICOEUR

Ruth Rieth Leonhardt

DEFIL – UNICENTRO/PR

Palavras-chave: Ricoeur, Narrativa, identidade

Investiga-se a identidade narrativa inclusa entre as habilidades do homem capaz

com o objetivo de determinar a relação que, em Paul Ricoeur, existe entre a

identidade pessoal e a narrativa de uma vida.

O homem é um ser condicionado pelo espaço-tempo em que se situa e pelas

influências dos relacionamentos que firma. A valoração de um ato pressupõe a

ascrição, ou seja, a atribuição do ato a alguém determinado pois, sem agente, a

ação é destituída de significado. Releva, assim, a necessidade de conhecer o autor

do ato. O processo de identificação e reconhecimento, entretanto, não é ponto

pacífico porque sobre ele convergem fatores intervenientes que provocam

impedimentos na identidade pessoal. A simples enunciação do nome não é

suficiente. Há que se encontrar um traço estrutural distintivo de permanência que

suporte mudanças e transformações.

Em Temps et récit encontra-se a questão narrativa relacionada ao problema do

tempo. A investigação da identidade pessoal, metodicamente desenvolvida em O si

mesmo como um outro, parte dos diversos significados da palavra mesmo. Este é

um conceito de relações entre realidades objetivas.

Perquirindo o termo mesmo, Paul Ricoeur encontra nele os sentidos de: identidade

absoluta, igualdade plena e irrestrita; simultaneidade, concomitância temporal;

similitude, parecença, analogia; igualdade quantitativa dessa forma sugerindo

ambigüidades. Para saná-las, busca nas expressões latinas idem e ipse os

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referenciais que servem para esclarecer o problema da identidade da pessoa que

por um lado é sempre a mesma do nascimento até a morte e por outro, mostra-se

diferente com o passar do tempo, seja no aspecto físico seja nos modos de ser.

Transposta a questão para a identidade pessoal, entende que no sujeito convergem

a mesmidade idem em que há o entendimento de ser alguém sempre o mesmo,

idêntico e a ipseidade, que emprega a dialética do si mesmo que se descobre outro

no movimento do tempo e nas agregações configurantes. A mesmidade é a

identidade objetivamente considerada e a ipseidade a compreensão subjetiva de

permanência, da existência de disposições estáveis que servem de apoio às

mudanças tal como é o caráter. Assim é possível afirmar que alguém pode ser

reconhecido a mesma pessoa ao longo de toda sua vida.

A narração é uma das formas primeiras de comunicação entre os homens

transmitindo saberes, tradições e normas e tem implícitos a existência de um

narrador, um destinatário e uma ação. Aristóteles, na Poética, quando trata da

tragédia diz que o enredo introduz concordância entre fatos, eventos díspares,

dando-lhes forma, configuração única e delimitando-os entre começo e fim. Toda a

narração tem como função mimetizar a ação relatada. Entende-se por ação fatos,

acontecimentos passíveis de serem narrados. Personagem é quem faz a ação. Para

Ricoeur, na narração os fatos acontecidos, os personagens da história adquirem

distinção própria e são sempre, outra vez, reconhecidos porque no enredo, ou seja,

nos fatos que compõem as ações, são entretecidos em unidade temporal a história

do personagem e os elementos aleatórios, imprevisíveis, fortuitos que a ela aderem.

Tem-se, então, conjugados no personagem a concordância da unicidade de uma

vida singular que dá unidade à história narrada e a discordância dos eventos.

A vida da pessoa, reunida e guardada na memória pode ser contada pelo

personagem que constrói então sua identidade narrativa. Importante ressaltar que o

personagem tem a iniciativa e o poder de determinar o começo e o fim dos

acontecimentos relatados refigurando-os, diferentemente da pessoa, cuja vida é

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objeto do relato, que não conhece os fatos sobre sua concepção e nascimento que

dizem respeito a outras vidas que não a própria e aos referentes à sua morte que só

os que sobreviverem a ela poderão descrever.

A narração de vida pode misturar experiências vividas e fabulização da história

constituindo-se assim em história fictícia ou ficção histórica de acordo com o que é

escolhido para ser traduzido no enredo.

Na narração são ressaltados os conteúdos éticos das ações por meio de

julgamentos e avaliações. Em Ricoeur a narrativa assume, então, o papel mediador

entre o momento descritivo e o prescritivo em que a identificação da pessoa se torna

fator fundamental. A narratividade é, pois, uma introdução, uma propedêutica à

ética.

Portanto, pode-se afirmar que mesmo se uma narrativa de vida não guarda

fidelidade histórica aos fatos narrados, é fiel à identidade pessoal na identidade

narrativa do personagem. Na unidade de uma vida, totalidade temporal e singular

mostrada na identidade do personagem emerge a identidade pessoal dialeticamente

estruturada entre a permanência no tempo e a mudança, entre a mesmidade e a

ipseidade, entre o si mesmo como outro.

Bibliografia

HAHN, E. L. A filosofia de Paul Ricoeur. Lisboa: Piaget, [1997].

RICOEUR, Paul. O si mesmo com um outro. Campinas: Papirus, 1991.

_____ . A metáfora viva. São Paulo: Loyola, 2000.

_____ . Da metafísica à moral. Lisboa: Piaget [1997].

_____ . Temps et récit vol. I L‘ intrigue et Ie récit historique. Paris: Du Seuil, [2006].

_____. Tempo e narrativa II. Campinas: Papirus, 1995.

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_____. Anthologie. Textes choisis et presentes par Michael Foessel et Fabian

Lamouche. Paris: Seuil, 2007.

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A REFUTAÇÃO KANTIANA DO IDEALISMO

Adriel José Machado

3º Filosofia, UNICENTRO/PR,

Pesquisador: ICV/UNICENTRO

Orientador: Manuel Moreira da Silva

[email protected]

Palavras-chave: Kant, Descartes, eu, consciência, idealismo.

Trata-se de um estudo em torno da Refutação kantiana do Idealismo ―material‖ ou

empírico de René Descartes, o qual, na Crítica da Razão Pura de 1787, é definido

como ―a teoria que considera a existência dos objetos fora de nós‖ enquanto

―simplesmente duvidosa e indemonstrável‖ (KrV, B 274). Segundo tal idealismo,

tenho de considerar como falso tudo que é incerto, o que é justamente o caso da

existência dos objetos no espaço fora de mim; contudo, mesmo que eu considere

que não há mundo algum e nada corpóreo, não posso duvidar de minha própria

existência – pois, ao duvidar, é necessário que eu seja alguma coisa (Meditações, I,

§§3-12). Assim, o enunciado ―eu penso, logo sou‖ (ego cogito, ergo sum) aparece

como prova da minha própria existência e definição da substância do eu como coisa

pensante (res cogitans); pois, toda vez que eu penso, tenho consciência da minha

existência, e, se o ato do pensamento é a única condição para a existência, então

ele é a substância deste ser que pensa. Todos os pensamentos envolvem ideias,

que são manifestações, atos do pensamento e representações de objetos externos;

tais representações pressupõem a existência dos objetos externos, mas não provam

por si sós a necessidade da existência desses objetos fora do pensamento, pois as

causas das representações podem ser outras representações ou o próprio sujeito.

Logo, a existência das coisas externas é duvidosa e indemonstrável ao nível das

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representações, ao passo que a existência do eu é indubitável e demonstrada pelo

cogito (Med., II, §§7-9). Para refutar essa teoria é necessário provar

indiscutivelmente a existência real e objetiva (a realidade atual para usar um temo

cartesiano) das coisas externas. Este será o intento de Kant: demonstrar que ―temos

também experiência e não apenas imaginação das coisas exteriores‖, a partir da

tese de que ―a nossa experiência interna, indubitável para Descartes, só é possível

mediante o pressuposto da experiência externa‖ (KrV, B 275).

O ponto de partida da prova é o argumento da consciência de minha existência

temporal. Quer dizer, sou consciente de que existo no tempo. As minhas próprias

representações me dizem isto ao passo que são instáveis, isto é, são sucessivas

mudanças de estados da minha consciência. Logo as representações são mutáveis

e temporais. Mas só posso determinar o que é temporal com base numa sucessão

de mudanças com referência a algo permanente. Ou como Kant diz na Observação

2: ―só podemos perceber toda a determinação de tempo pela mudança nas relações

externas (o movimento) com referência ao que é permanente no espaço‖ (KrV, B

277). Isto significa que só podemos determinar que algo muda (que é temporal)

relacionando-o com uma sucessão de diferentes estados deste algo com referência

a algo permanente. Qual é então este permanente necessário para a determinação

da minha existência no tempo? Temos três possibilidades: (1) o permanente é

representação; (2) o permanente é um objeto externo; (3) eu sou este permanente.

Quanto à primeira opção é evidente que o permanente não pode ser mais uma

representação, pois seria também mutável e a posteriori, mas é necessário que seja

algo distinto da representação como algo anterior que a sustente. Porém, se o

permanente é um objeto externo, posso eu representá-lo sob a condição de algo

permanente, externo e independente de mim, o que faz com que o permanente

nunca saia do nível da representação. Estas objeções nos permitem inferir que eu

próprio sou este permanente. Afinal, enquanto sujeito das representações sou algo

distinto delas, aquele que representa o que é representado. Além disso, permaneço

o mesmo apesar das mudanças que ocorrem em mim. Não obstante, se percebo tal

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movimento é necessário que eu seja algo permanente, que resiste durante a

sucessão das representações. Mas Kant não aceita que o permanente seja eu nem

representação, até porque não refutaria Descartes, mas concordaria com ele e

apenas reformularia seu idealismo. Para Kant, ―este permanente não pode ser algo

em mim‖ e ―a percepção deste permanente só é possível através de uma coisa

exterior a mim e não pela mera representação de uma coisa exterior a mim‖ (KrV, B

275). Isto porque uma vez que existo no tempo não posso ser a minha própria causa

enquanto ser finito. Também não pode ser algo em mim (representação), ao passo

que deve ser a priori. Até aqui Kant não dá conta de refutar o idealismo, pois o

problema do permanente permanece irresolvido. Mas Kant apresenta um segundo

argumento que é o da distinção entre experiência e imaginação.

Na nota da Observação 1 Kant declara que a questão do idealismo é a de

considerar que há apenas um sentido interno e nenhum externo; isto significa dizer

que todas as coisas externas não passam de imaginação. Mas o ponto é que

―mesmo para imaginarmos algo como externo é necessário que já tenhamos um

sentido externo‖, isto porque a imaginação é apenas ―reprodução de antigas

percepções externas‖ (KrV, B 278). Ou seja, só podemos imaginar algo com base

em objetos externos já percebidos anteriormente pelos sentidos externos. E de certa

forma concorda Descartes quando diz que ―as coisas que nos são representadas no

sono são como quadros e pinturas, que só podem ser formados à semelhança de

algo real e verdadeiro‖ e que os pintores mesmo quando pintam seres fictícios, ―não

lhes podem, todavia, atribuir formas e naturezas inteiramente novas‖ (Med., I, §6).

Depois deste argumento Kant acredita ter provado que ―a experiência interna em

geral só é possível mediante a experiência externa em geral‖ (KrV, B 278 - B 279).

Isto é, todas as representações têm como causas primeiras necessariamente

objetos externos permanentes, dos quais derivam direta ou indiretamente.

Ao analisar a refutação kantiana do idealismo, pode-se dizer que a mesma não

alcança seu objetivo e não oferece uma ruptura definitiva com Descartes, no máximo

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o faz objeção. O primeiro argumento de que a consciência de uma relação entre

nossa consciência empírica e coisas que persistem fora de nós não é suficiente para

provar a real existência das coisas externas. Mesmo que eu perceba a minha

existência com referência à existência de objetos externos, estes podem apenas ser

representados nessa condição, então o permanente não sai do nível da

representação. Quanto ao segundo argumento, a impossibilidade de representar

algo totalmente novo demonstra que a faculdade da imaginação (a capacidade de

produzir idéias fictícias) depende de representações de objetos da experiência, o

que também não prova a existência de objetos externos, mas continua apenas os

pressupondo, e apenas formula o problema das causas das ‗primeiras‘

representações, que não poderia ser o sujeito, mas também não requer a

necessidade de que sejam os objetos das representações em sua realidade externa

ao pensamento.

Referências

DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. Tradução de Maria Galvão e Homero

Santiago. São Paulo : Martins Fontes, 2000.

_______. Oeuvres Philosophiques. Tome II (1638-1642). Édition de Ferdinand

Alquié. Garnier, Paris, 1992.

KANT, Immanuel. Critica da razão pura. 5 ed. Tradução de Manuela P. dos Santos e

Alexandre F. Morujão. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001.

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O HOMEM EM ROUSSEAU: EDUCAÇÃO POLÍTICA

Roberto Valim de Almeida

4° Filosofia – UNICENTRO/PR

Orientador: Darlan Faccin Weide

[email protected]

Trata-se de uma pesquisa bibliografia de cunho pedagógico educacional baseando-

se no filósofo iluminista Jean Jaques Rousseau. Com esse assunto, quer-se

entender até que ponto o projeto educacional proposto pelo filósofo contribui para o

bom convívio do cidadão dentro da sociedade, para que os membros sejam felizes e

não se maltratem prejudicando-se mutuamente e nem o meio no qual vivem. Então

Rousseau, filósofo suíço propõe um modo de educar, a saber: o modo natural. Em

que consiste tal teoria? Para ele, a natureza é a melhor forma de educar, ela forma

tudo em seu devido tempo e momento e como tal existe perfeição natural no objeto

formado, no entanto, surge o homem que a modifica totalmente, aliás, esse modifica

totalmente esse meio natural, pois quando o homem age na sociedade ele a

transforma, interrompe o processo natural e de certo modo tal mudança nem sempre

é para o bem da espécie.

Então, com esse acontecimento o filósofo denomina de segundo nascimento, ou

seja, nasce para o convívio social, para o relacionamento entre os demais, com isso

o autor percebe a necessidade da evolução, do crescimento, visto que viver no

estado ideal é bom, é o melhor, no entanto tal modo deixa o homem um tanto quanto

alienado, abandonado as leis da própria natureza, e essa necessariamente elimina

os mais fracos.

Portanto, há que cuidar da espécie, pois um homem abandonado se colocaria como

o mais desfigurado de todos os seres, pois há a necessidade do cuidado dos recém

nascidos, por exemplo, devido o homem nascer desprovido de tudo, faltando o

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básico para a manutenção da vida. Com isso, precisa ensinar o homem sabe usar

corretamente o que herdou naturalmente, e consequentemente educá-lo em virtude

da corrupção humana manchar a pureza natural, do desenvolvimento causar um

cidadão descomprometido com os outros membros e assim viverem praticando o

mal, prejudicando-se mutuamente.

Por isso, o filósofo propõe um modelo educacional baseado no estado natural é o

famoso ―bom selvagem‖, pois para ele o homem nasce livre, é livre e o meio no qual

vive é que o corrompe, o deixa corrupto, ignorante e arrogante. Seu projeto

pedagógico educacional propõe que a natureza é a melhor estratégia para educá-lo,

daí a pergunta do próprio autor, para formar esse homem ideal, raro, que deve ser

feito? Com certeza muita coisa, é a sua resposta, porém a principal é impedir que a

ação humana nada faça, essa somente faria um cidadão corrupto com sua moral

voltada para satisfazer as necessidades supérfluas do homem, sendo essas

motivadas pelas artes e pelas letras.

Para que isso aconteça não precisa fazer muita coisa, basta deixar que a natureza

siga seu curso normal, isto é, a formação do homem político deve impedir que a vida

em sociedade contamine o homem puro, bom, livre e feliz. Tal educação é política

em Rousseau porque está conectada com a vida, e a política por analisar o

comportamento e as relações do modo de vida dos homens, a convivência, a plena

liberdade humana para fazer aquilo que bem quiser deve ser instruída para que esse

homem atue sem prejudicar os demais. Isso justifica a educação pedagógica política

no pensamento de Rousseau.

Porém, o homem carrega um paradoxo em suas ações, o da mudança do estado

natural para o estado social, por isso há que haver um equilíbrio ou deve haver,

entre o estado natural e o social e essa acontece com a política, com a pedagogia

educacional em que o homem ético se preocupa em não agredir, a violar as leis

naturais e as artificiais que deve favorecer a comunidade como um todo.

As pesquisas realizadas por diversos estudiosos que vê na obra de Rousseau um

vasto e âmbito material de cunho político, porem é possível entendê-lo por um víeis

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educacional cuja preocupação é melhor formar o cidadão, tentando superar os

paradoxos e as contradições existentes no pensamento nas interpretações que se

tem atualmente acerca desse intelectual iluminista. Seu raciocínio é importante por

que o modelo educacional rousseauniano oferecido sem grande pretensão a uma

mãe para educar seu filho, cuja proposta é clara acerca da formação do homem:

impedir que o meio na qual ele vive seja afetado por más inclinações.

Com a falta de uma educação adequada o homem fica desorientado e aceita que

qualquer um o domine e impõe suas, leis, normas, assim subjuga-o. Por isso a

necessidade de educá-lo para exercer sua liberdade e cidadania, sendo essas

perdidas pelo homem quando aceitou a superioridade do outro, quando se

convenceu de que o outro era mais forte, portanto um tinha o poder de mandar, de

dominar estabelecendo uma relação desigual e o outro por aceitar que seu

adversário era mais forte deixou-se ser dominado e manipulado ao ponto da

corrupção instruir um ser cujas desgraças estão lhe afetando e a infelicidade é

grande.

Portanto, quando o homem perde a liberdade a desigualdade passa do estado

natural em que visa somente à sobrevivência e passa para o estado social cujo mais

importante agora e se destacar em relação aos demais. E os homens vivendo nesse

estado livremente, se expondo, querendo ser uns melhores que os outros geram

conflitos e uma desordem, daí eles precisam abdicar alguns de seus direitos para

não atingir à vontade, a vontade geral que é reguladora, tal conceito é elaboração da

proposta educacional em Rousseau, cuja vontade geral garantiria o bem social, a

ordem social sem que haja prejuízo ou perca para nenhuma parte da sociedade.

Então a saída é aderir a um contrato ideado pelo próprio homem de respeito a todas

as coisas em comum, isso seria um acordo de respeito mutuo, é o que se dá com o

pacto social, abdicar de sua vontade individual para que uma vontade geral garanta

a liberdade humana bem como o bom relacionamento entre os envolvidos, alias

essa é uma condição primordial no pensamento do autor, pois um homem que não

seja livre não pode ser denominado de homem, quando se diz que um ser é homem

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a liberdade é o fator determinante nessa caracterização, isso só é possível quando

seu projeto educacional se coloca a serviço da comunidade e o resultado disso seria

uma comunidade cuja felicidade estaria em todos e esses sentiriam prazer em fazer

o bem, em respeitar a lei.

Referências

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social..

__________Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os

homens.

__________Discurso sobre as ciências e as artes. Tradução de Lourdes Santos

Machado: São Paulo. Abril Cultural (Os Pensadores), 1973.

_______Emílio ou da Educação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

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LIBERDADE EM PLATÃO

Leandro A. Xitiuk Wesan

3º Filosofia, UNICENTRO/PR,

Pesquisador: PAIC/UNICENTRO

Orientador: Manuel Moreira da Silva

[email protected]

Palavras-chave: Platão; Liberdade; Cuidado de Si; Conhecimento de Si.

Trata-se de um estudo sobre a questão da liberdade em Platão, enquanto esta se

mostra emergente da problemática fundamental do conhecimento e cuidado de si. A

questão da liberdade está presente em vários diálogos de Platão, todavia, a análise

limita-se ao diálogo O Primeiro Alcibíades. A Filosofia tem por princípio o problema

do si e é com o momento socrático-platônico, e em particular no texto Alcibíades,

que verificamos a emergência do problema do autoconhecimento na reflexão

filosófica. Em Platão a problemática fundamenta-se no preceito do templo de Apolo,

a inscrição délfica conhece-te a ti mesmo (gnôthi seautón). A tentativa de desvendar

o significado da proposição Délfica implica na especulação do que é o Homem, na

medida em que este especula sobre o conteúdo de tal imperativo, indagando-se

sobre o Si que deve conhecer e ocupar-se. Os resultados de tal especulação

culminam, segundo o desenvolvimento do diálogo, à emergência da questão da

liberdade, que surge como mandamento necessário àquele que busca governar-se a

si mesmo e participar do governo da cidade.

Examinar-se-á o texto para, concomitantemente, ver surgirem as questões acima

elucidadas. O diálogo inicia com Sócrates fazendo Alcibíades notar que dentre seus

amantes ele é o único que nunca o abordou, resolvendo-se por isso apenas naquele

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momento. Tal abordagem ocorre devido a pretensão de Alcibíades de participar do

governo da cidade, que leva Sócrates a lhe propor a seguinte questão: se Alcibíades

tivesse que escolher, por determinação divina, continuar vivo com o que

presentemente possui, ou morrer caso não pudesse aumentar seu cabedal? Por

certo que Alcibíades escolheria a morte (OPA, 105a). Ora, se Alcibíades possui tal

ambição e pretende dedicar-se ao governo da cidade, por certo que terá que

enfrentar os inimigos que suas ambições lhe irão opor, ou seja, terá de enfrentar os

inimigos da cidade para que possa conquistar o vasto cabedal a qual ambiciona.

Assim passa-se ao exame das capacidades de Alcibíades e de seus inimigos, a fim

de verificar se Alcibíades tem condições de sobrepujar seus inimigos e levar à termo

suas ambições. Alcibíades possui riqueza, descendência, no sentido de possuir os

deuses como guardiões, e educação inferior à de seus inimigos (OPA, 120e-

124b).Esta é a introdução à reflexão do conhecimento de Si no diálogo. Após

determinado que Alcibíades não possui capacidade suficiente para cumprir com sua

ambição e bem governar a cidade, Sócrates o adverte usando a inscrição Délfica

―conhece-te a ti mesmo‖, buscando fazer com que Alcibíades conheça sua limitação

e incapacidade, e que reconheça que só será possível alcançar seus objetivos se

ele se dedicar ao conhecimento, pois apenas pela indústria e pelo saber lhe será

possível sobrepujar seus inimigos (OPA, 124b). Então o primeiro sentido atribuído à

reflexão do conhecimento de Si é o do retorno a si mesmo a fim de realizar uma

análise crítica para conseguir conhecer a situação real a que se encontra, ou seja,

quais são suas limitações e capacidades.

Verificou-se que a reflexão do conhecimento de Si emerge da necessidade de

conhecer a Si mesmo para ficar ciente de suas limitações e capacidades para

superá-las. Ora, é necessário que Alcibíades ocupe-se consigo mesmo para deixar a

condição serviu e consiga levar à termo sua ambição. Todavia, desta reflexão surge

o segundo momento da questão do Si, que é, justamente, a pergunta qual é o Si ao

qual devemos conhecer e ocupar-nos? A inscrição Délfica manda que se deve

buscar o conhecimento de Si, todavia, ela não determina o que seja este Si. Ora, se

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ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO

I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059

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não sabemos qual é o Si que devemos conhecer e nos ocupar, podemos correr o

risco de nos dedicarmos a algo adverso à própria essência deste Si. Nesta

perspectiva, surge a questão do que é o homem? Identificando o homem com o Si

da questão. Na investigação sobre a natureza do homem, levantam-se três

hipóteses: o homem pode ser, corpo, alma ou a união ente eles (OPA, 130 a). É

refutada a primeira e a terceira hipótese, sendo admitida a segunda como a hipótese

correta, de modo que o homem, o Si da questão, é alma (OPA, 130c).

Dos momentos da problemática do Si, surge a questão da Liberdade como sendo

um mandamento necessário ao governante, que para libertar-se é necessário

dedicar-se ao conhecimento e ao cuidado de Si. A questão da Liberdade, tal como

no primeiro momento da problemática do Si, se mostra como sendo a superação das

suas limitações, para que a alma, tal como o segundo momento da problemática do

Si, possa passar ao nível do governo, resultado alcançado somente no final do

diálogo, e libertar-se das condições servis (OPA, 135b - 135e).

Referências

PLATÃO. Fedro, Cartas; O Primeiro Alcibíades. Tradução de Carlos Alberto Nunes.

Belém: UFPA, 1975.

PLATON. Oeuvres complètes. Traduction nouvelle et notes par Léon Robin. Paris:

Pléiade, 1950. (2 vols).

PLATON. Alcibiade. Texte établi et traduit par Léon Robin. 4. Ed. Paris: Belles

Letres, 1949.

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SOCIEDADE E O PROBLEMA DA REFLEXÃO MORAL EM HUME

Ricardo Zolinger Zanin

4° Filosofia – UNICENTRO/PR

Orientador: Marciano Adílio Spica

[email protected]

Palavras-chave: Hume; Sociedade; Moral.

Hume propõe uma ciência do homem e sua perspectiva metodológica pretende

descrever a capacidade do ser humano de desenvolver crenças empíricas sobre o

comportamento dos objetos exteriores e julgamentos morais do caráter de outros

homens. Nessa ciência ele defende a primazia dos fatos experimentalmente

constatados sobre o pensamento e as emoções, isto é, a dimensão social do

homem. Sua abordagem é uma recusa da natureza humana dita como

―racionalidade‖ puramente conjectural – impressões e idéias não são propriedades

de um ―eu‖ que serve de substrato para essas idéias, mas seu arranjo constitui esse

―eu‖ -, assim, ao tratar do problema moral, Hume procede de forma imanente: a

aquisição de julgamentos e avaliações morais pelo homem não se refere a um

padrão transcendente do que é bom ou mau, mas deriva integralmente dos

sentimentos de aprovação ou desaprovação diante de certas ações, ―virtudes‖ e

―vícios‖, e das conseqüências práticas dessas avaliações para a sociedade.

Nesse sentido Hume é um sociólogo e sua obra mostrará que as duas formas sob

as quais a mente é afetada são, totalmente, o emocional e o social. Mesmo o

entendimento vai se encarregar apenas de tornar sociável as ―paixões‖; tornar social

um interesse egoísta. A base da moral está na própria sociedade que reclama de

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seus membros o exercício de reações constantes diante desses interesses que

levam à ação individual. Por outro lado, concebe a sociedade como meio indireto

para satisfação dos mesmos. Seu questionamento vai atacar padrões metafísicos

para a moral e até mesmo os limites da razão científica. Mas, é claro, não ter

padrões absolutos não quer dizer não ter padrão algum. Ele pensava que agir

moralmente sem modelos metafísicos é uma demanda da própria vida em

sociedade: o que é bom para as pessoas individualmente é, por definição, pessoal e

nenhuma generalização moral pode ser baseada nisso. Mas quando se fala em

―virtudes‖ e ―vícios‖, quando há deliberação moral, então fala-se nos valores em

comum de uma sociedade; ―virtudes‖ e ―vícios‖ podem ser generalizados. Certos

comportamentos (coragem, honestidade, etc.) são úteis ou agradáveis e uma regra

social deriva assim do sentimento do que é bom para o todo e não da razão; sem

inferência a ser feita, sem aplicação necessária, sem regra absoluta. Na prática da

moral o difícil é desviar a parcialidade egoísta.

Ninguém tem as mesmas simpatias que outra pessoa, há pluralidade de interesses e

assim violência. É essa a parte da natureza e a simpatia é como o egoísmo, então,

que importância tem a observação segundo a qual o homem não é egoísta mas

solidário? O que muda é a perspectiva e o sentido de uma sociedade considerada a

partir do egoísmo ou da simpatia. Com efeito, o egoísmo teria que se limitar, ser

negado; com a simpatia há uma integração positiva. O que Hume critica nas teorias

do contrato é que elas apresentam uma imagem abstrata e falsa da sociedade,

definida de maneira negativa: limitação de egoísmo e interesses, em vez de um

empreendimento coletivo e inventado pela deliberação moral. O que se encontra na

natureza são famílias, assim o estado de natureza é distinto de egoísmo. Isso quer

dizer que o mundo social não se reduz a um instinto moral originário; o mundo moral

afirma sua realidade quando o egoísmo se dissipa e o contato é possível e substitui

a violência pela estima às instituições e há a instauração de um sistema invariável,

não natural, mas artificial. Todos os elementos da moralidade (simpatias) são dados

naturalmente, mas, por si mesmos, são impotentes para constituir um mundo social.

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Por ser artificial, as relações morais se distinguem do interesse natural e particular,

no caso da propriedade tem-se o interesse de deixar o outro na posse de seus bens,

por exemplo, para que ele aja da mesma maneira. Nesse caso, a convenção de

propriedade é o artifício pelo qual a ação de cada um se relaciona com a dos outros.

A sociedade é um conjunto de convenções fundadas na utilidade e não em

obrigações de um contrato. Socialmente, então, a lei não vem primeiro mas supõe

uma instituição que ela limita e caracteriza. Por exemplo, o estudo da história revela

relações, motivo-ação no máximo de circunstâncias historicamente dadas e mostra a

uniformidade das paixões humanas; são os nexos entre necessidades (paixões) e

instituições (sociedade com um meio de realizá-las). Por isso Hume pode afirmar

que o direito é estabelecido por interesse coletivo.

Concluindo, o essencial para Hume é estabelecer um todo da moralidade e ter a

justiça como instituição e a instituição como princípio da sociedade e sistema geral

de realização de interesses. A obra do pensador escocês é um elogio à capacidade

do homem de ser solidário, de sentir compaixão.

Referências bibliográficas

HUME, David. Tratado da natureza humana. São Paulo: Unesp, 2009.

HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os

princípios da moral. São Paulo: Unesp, 2004.

DELEUZE, Gilles. Empirismo e subjetividade. São Paulo: Editora 34, 2001.

RORTY, Richard. Ensaios sobre Heidegger e outros: Escritos Filosóficos II. Rio

de Janeiro: Relume Dumará, 1999.

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DISCUSSÃO DA POÉTICA DE ARISTÓTELES A PARTIR DA OBRA ÉDIPO REI DE SÓFOCLES

Julio Cezar de Lima

UNICENTRO/PR

Orientador: Ernesto Maria Giusti

[email protected]

Palavras-chave: Poética, Tragédia, Peripécia, Reconhecimento, Catarse.

Este resumo tem como objetivo analisar a obra Édipo Rei, escrita por Sófocles, a

partir dos conceitos que delineiam uma peça trágica no Livro Poética de Aristóteles.

Segundo a poética de Aristóteles, que é toda produção artística, a tragédia, gênero

literário de que se trata a peça de Sófocles, consiste na imitação de ações de caráter

elevado com linguagem nobre, cuja finalidade é despertar o sentimento de piedade e

terror. Outros elementos importantes que serão analisados no contexto da peça são:

a peripécia, ―alteração das ações‖ (ARISTÓTELES, 1999, p. 49), isto é, uma ação

inesperada que muda o rumo da ação futura; o reconhecimento, passagem do

desconhecido ao conhecido; a catarse, que significa neste caso, purificação: ocorre

quando é despertado o sentimento de horror e piedade; a fábula, por sua vez é o

conjunto de ações organizadas. Para começar é fundamental entender que a peça é

divida em duas partes: a primeira é o enredo, que trata do início da

desfecho, que se dá no término do reconhecimento e no início da catástrofe. Logo

no início da história percebemos as nobres qualidades do caráter de Édipo pelas

suas atitudes, estas qualidades se expressam através de ações também nobres;

como aquela na qual Édipo, após ter amaldiçoado o assassino, declara que a

maldição cairia sobre ele, caso ele fosse o criminoso. A tragédia se dá na imitação

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das ações de homens superiores que caem no infortúnio, não por depravação ou

vildade, mas por um erro, que no caso de nosso personagem, acontece pelo incesto

e pelo assassinato do pai, realizado de forma involuntária. A partir do conselho de

Creonte, o rei manda chamar o adivinho Tirésias que, inicialmente, se nega a dizer

quem é o assassino, no entanto, termina a discussão revelando que Édipo não é

somente o autor do homicídio, mas também culpado por profanar o leito de seu pai,

pois casara-se com a própria mãe. Neste momento da peça observamos claramente

a realização do que Aristóteles chama de peripécia, o inesperado acontece de uma

forma surpreendente, porém, ainda não é o momento do reconhecimento. A rainha

Jocasta, tomando conhecimento do infortúnio entre Tirésias e Édipo, e que este

acusava a Creonte de traição, pede para se acalmarem e conta que o filho que traria

a futura desgraça a Laio, já estaria morto e que Laio teria sido assassinado por

salteadores. Édipo, determinado a solucionar o problema manda chamar o único que

havia escapado com vida dentre aqueles que acompanharam o rei. Todas as

decisões tomadas por Édipo se desenvolvem de tal forma que tudo acabaria por

desembocar no reconhecimento de quem ele realmente era. Neste momento chega

um mensageiro de Corinto, declarando a morte de Pólibo e a escolha de Édipo como

rei. Segundo o pensamento aristotélico, aqui ocorre mais uma peripécia, pois se

Édipo é declarado rei em Corinto, naturalmente ele é filho de Pólibo e não de Laio,

sendo assim ele não é o assassino. Entretanto, o mensageiro com a intenção de

acalmar o rei conta a verdadeira história, e Édipo descobre não ser filho de Pólibo.

Jocasta, agindo como se soubesse de algo, sai de cena. O servo finalmente chega e

acaba declarando que ele teria, por compadecimento, salvo a vida de Édipo quando

este era ainda bebê, entregando-o para um pastor de ovelhas que era justamente o

mensageiro que ali estava. Neste instante tudo parece vir a tona, está acontecendo

o ponto culminante da tragédia. A inesperada (peripécia) história contada pelo

mensageiro e pelo servo levam Édipo ao reconhecimento. De acordo com

Aristóteles o reconhecimento se dá quando a personagem toma consciência do seu

inexpugnável e por isso trágico destino. Os sentimentos de terror e pena são

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inevitáveis, surgindo através da união desses dois sentimentos, o que, cabe

reafirmar, neste caso Aristóteles chama de catarse, ou seja, a purificação da

tragédia. Depois destas revelações vem a notícia de que Jocasta suicidou-se. Édipo

num ato desesperado fere os próprios olhos e suplica a Creonte que permita-lhe

tocar suas filhas pela última vez. Deste modo, conforme o pensamento de

Aristóteles, a peça trágica de Sófocles é vista em três momentos principais, os dois

primeiros constam das peripécias e do reconhecimento, e o terceiro, da catástrofe. A

peripécia e o reconhecimento acontecem de forma simultânea na obra quando o

servo revela a verdadeira identidade do herói. Após o reconhecimento vem a

catástrofe da peça onde Jocasta comete homicídio e Édipo fere os próprios olhos.

Nisso podemos perceber claramente o término do enredo e o começo do desfecho

da peça, o enredo se dá do inicio até o reconhecimento e o desfecho do término do

reconhecimento até o final da peça. A peça segundo o modelo aristotélico deve ter

uma extensão apropriada, nem muito longa nem muito curta, possibilitando uma

compreensão integrada da obra. O sentimento de terror e compaixão se tornam

presentes através das peripécias e do reconhecimento, concebidos durante a

apresentação, como também da compreensão total que se tem da peça, e é a partir

da relação do caráter do herói com o infortúnio em que desembocou a peça que

acontece a catarse. A peça se inicia com o heroísmo de Édipo e termina com a sua

desgraça, caminho que uma peça trágica deveria percorrer, segundo os conceitos

usados nesta análise. A peça de Sófocles é considera por Aristóteles como

complexa, pois ela se desenvolve de uma forma que as mudanças ocorridas

acontecem através de peripécias e reconhecimentos. Em Édipo o reconhecimento

se inicia a partir dos acontecimentos que o antecedem, tornando assim a peça

surpreendente. Conclui-se que não é em vão que a peça Édipo Rei escrita por

Sófocles é tida como um clássico da tragédia grega, sendo ela impecável na

organização de suas ações, escrita de uma forma adornada, repleta de ações

inesperadas até chegar ao reconhecimento, com personagens nobres e o que é de

extrema importância, não modifica o mito, que é a matéria-prima da tragédia. O

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trabalho de Aristóteles em elaborar uma teoria sobre os elementos que uma peça

trágica deveria ter, é inédito na filosofia, pois anteriormente não havia uma

prescrição rigorosa em que uma peça desta natureza pudesse basear-se, nisto

reside então a importância do esforço filosófico que culminou no livro que hoje

conhecemos como a Poética de Aristóteles.

Referencias

ARISTÓTELES. Poética. (Os Pensadores) Trad. Baby Abrão; Editora Nova Cultura.

São Paulo - 1999

SÓFOCLES. Édipo Rei Trad. J. B. Mello e Souza; Editora Ediouro. Rio de Janeiro -

2002

BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro Grego:Tragédia e Comédia 7º edição Editora

Vozes. Rio de Janeiro - 1985

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CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CIÊNCIAS HUMANAS E A ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA EM HENRIQUE CLÁUDIO DE LIMA VAZ

Hugo José Rhoden

Ms. Filosofia – UNIOESTE

Palavras-chave: Lima Vaz, Ciências humanas, Antropologia filosófica

O problema epistemológico entre a filosofia e as outras ciências é uma discussão

atual e pertinente. Lima Vaz, na propedêutica de sua antropologia filosófica coloca a

questão: qual a relação da antropologia filosófica com as ciências do homem?

Trata-se da questão dos pressupostos epistemológicos da antropologia filosófica.

Esta relação se estabelece no plano dos problemas filosóficos que se apresentam

nas diversas ciências empírico-formais e hermenêuticas. Isto exige um exercício de

interdisciplinaridade, pois os objetos de muitas ciências não estão ainda definidos, e

a complexidade e a pluralidade desses discursos sobre o homem devem, de alguma

maneira, estar presentes no campo de visão da antropologia filosófica, enquanto

esta se entrega à tarefa de elaboração, no nível da conceptualização filosófica, da

ideia do homem.

Sendo assim, o presente estudo tem como objeto dois aspectos relevantes: a

relação da antropologia filosófica e as ciências humanas e os problemas filosóficos

das ciências do homem.

Com o advento das novas ciências, já nos fins do século XVIII, o estudo sobre o

homem passou a exigir novos métodos e critérios dentro do ambiente científico que

despontava.

Inicialmente esta nova situação e exigência de mudança provocam uma crise no

campo da antropologia filosófica. Segundo Lima Vaz, foi M. Scheler (1874-1928),

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considerado iniciador da Antropologia Filosófica no sentido dado na filosofia

contemporânea, que, entre outros, aprofundou o sentido desta questão (LIMA VAZ,

1991, p.10).

São duas as vertentes desta crise: a histórica e a metodológica. Do ponto de vista

histórico a dificuldade se encontra na sobreposição das diferentes imagens do

homem que se constituíram na cultura ocidental: o homem clássico, o homem cristão

e o homem moderno (LIMA VAZ, 1991, p.10). A crise na vertente metodológica

resulta de uma fragmentação nas diversas ciências do homem do próprio objeto da

antropologia filosófica.

Os dois pólos da natureza e da cultura influenciaram fortemente os conceitos com os

quais a antropologia filosófica procura explicar o que é o homem. E da antropologia

como discurso filosófico, sobre o homem, segundo Lima Vaz, exige-se três tarefas

fundamentais: a elaboração de uma ideia do homem que leve em conta, de um lado,

os problemas e temas presentes ao longo da tradição filosófica e, de outro, as

contribuições e perspectiva abertas pelas recentes ciências do homem; uma

justificação crítica dessa ideia, de sorte a que possa apresentar-se como

fundamento da unidade dos múltiplos aspectos do fenômeno humano implicados na

variedade das experiências com que o homem se exprime a si mesmo, e

investigados pelas ciências do homem; uma sistematização filosófica dessa idéia do

homem tendo em vista a constituição de uma ontologia do ser humano capaz de

responder ao problema clássico da essência: O que é o homem? (LIMA VAZ, 1991,

p.10-11).

E aqui se coloca a questão: qual a relação da antropologia filosófica com as ciências

do homem? Esta relação se estabelece no plano dos problemas filosóficos que se

apresentam nas diversas ciências empírico-formais e ciências hermenêuticas.

Nesta relação da Antropologia Filosófica com as ciências sobre o homem que se

desdobram em múltiplas direções, esta se propõe encontrar o centro conceptual que

unifique as múltiplas linhas de explicação do fenômeno humano e no qual se

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inscrevem as categorias fundamentais que venham a constituir o discurso filosófico

sobre o ser do homem ou constituam a antropologia como ontologia (LIMA VAZ,

1991, p.11).

Três são os pólos epistemológicos fundamentais: a) pólo das formas simbólicas –

situado no horizonte das ciências da cultura; b) pólo do sujeito – situado no horizonte

das ciências do indivíduo e do agir individual, social e histórico; c) pólo da natureza -

situado no horizonte das ciências naturais do homem (LIMA VAZ, 1991, p.12).

A Antropologia filosófica, no seu esforço teórico de elaborar uma visão unitária,

tendo diante de si um quadro complexo e fragmentado de ciências, cujo saber e

conhecimentos sobre o objeto-homem exercem grande influxo, deve ser – segundo

Lima Vaz – uma antropologia integral, isto é, uma articulação entre esses três

pólos que não ceda ao reducionismo e não se contente com simples justaposição,

mas proceda dialeticamente, integrando os três pólos da natureza, do sujeito e da

forma na unidade das categorias fundamentais do discurso filosófico sobre o homem

(LIMA VAZ, 1991, p.13).

Constata-se um vasto campo das ciências que concorrem no debate atual na

discussão sobre o homem; tem grande importância as ciências naturais e as

ciências hermenêuticas. Mas a relação da antropologia filosófica com estas ciências

acontece nos problemas reconhecidos propriamente como filosóficos que cada uma

dessas ciências levanta.

A Filosofia, segundo Lima Vaz, recebe de duas fontes principais seus dados e

problemas: chama de pré-compreensão os dados e problemas que vem da

experiência natural; e chama compreensão explicativa, os dados que vem

propriamente da ciência. Ambas as fontes, no caso da antropologia filosófica,

voltam-se ao próprio homem, que é a um tempo, sujeito e objeto da interrogação

filosófica (LIMA VAZ,1991, p.13).

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Daí a importância da distinção entre a antropologia puramente como objeto nos seus

campos particulares; a antropologia filosófica estuda o homem como ―sujeito-objeto‖

e na sua dimensão de globalidade.

Os problemas filosóficos das ciências do homem podem ser organizados em torno

do pólo da natureza, formando as ciências empírico-formais ou ciências naturais do

homem; e em torno dos pólos do sujeito e da cultura, constituindo-se desta forma as

ciências hermenêuticas.

No campo das ciências da natureza, dois são os problemas sobre o homem com

grande implicação na filosofia: a questão da gênese do homem e a da sua estrutura.

Os principais problemas filosóficos no horizonte atual das ciências hermenêuticas

são: da cultura, da sociedade, do psiquismo, da história, da religião, e do ethos, a

condição teleológica e axiológica do agir do homem.

Desta forma, o vasto campo das ciências humanas oferece um panorama de

problemas que juntamente com os dados permanentes da experiência natural irá

constituir o domínio objetivo dos saberes do homem sobre si mesmo que a reflexão

filosófica deverá tematizar e organizar em torno do centro último de inteligibilidade

do homem, que é a sua auto-posição como sujeito (LIMA VAZ, 1991, p.14-17).

Referências

LIMA VAZ, H.C. Antropologia Filosófica I, S. Paulo: Loyola, 1991

LIMA VAZ, H.C. Antropologia Filosófica II, S. Paulo: Loyola, 1992

LOBATO, A. Antropologia y metantropologia: los caminos actuales de accesso al

hombre. In: Seminarium, n.1 (1980).

PALÁCIO, Carlos (Org.) Cristianismo e História. S. Paulo: Loyola, 1982

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VVAA. Semana filosófica em homenagem ao Pe. Vaz, in: Síntese Nova Fase, vol.

18, n. 55, 1991.

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O ESTADO DE DIREITO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Ítalo Biancardi Neto

Graduado em Direito.

1º Filosofia - UNICENTRO/PR.

[email protected].

Palavras-chave: Estado de Direito, Dignidade da Pessoa Humana, Iluminismo, Kant. Muitas discussões têm sido realizadas ao longo do tempo a respeito da

complexidade da vida humana, as relações entre as pessoas, a tolerância, as

guerras e toda gama de dificuldades pela qual o homem atravessa os séculos.

Apesar disso, nunca se chega a um desiderato comum capaz de mitigar os

malefícios das mazelas que norteiam o mundo, que caminham com o ser onde quer

que ele esteja, provocadas, na maioria das vezes, pela sua própria conduta ou

atividade. Todavia, a saída do estado de beligerância, de lutas acirradas, de

contendas, de brigas intermináveis, estão longe de se acabarem. A fraqueza

humana o torna incapaz de reagir aos diversos obstáculos que encontra em seu

caminho na busca da felicidade. Desde uma certa perspectiva, podemos entender

que a vida do homem, muitas vezes, é determinada por um conjunto de sofrimentos

e de vícios, mas, a ideia do Iluminismo, originada nos pensamentos dos grandes

escritores e filósofos dos séculos XVI e XVII, jungidos aos pensamentos dos pré-

socráticos, até os dias atuais, ganham força na medida em que, diante daquela

interpretação acima mencionada, a incapacidade dos homens de saírem de seu

vazio, continua lhe afligindo, angustiando, preocupando e tornando-o escravo de si

mesmo e de outros que a ele se subsumiram desde seu nascimento.

Resumidamente, será tratado no discorrer do texto o homem dentro de um certo

entendimento e sua condição humana, indicando em geral a necessidade de

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reafirmar o contratualismo diante da visão egocêntrica da pessoa humana, passando

pela religião e seu papel na diminuição dessa condição de tendência, para somente

após demonstrar o significado do Estado de Direito e sua contraposição ao Estado

de Natureza, com ênfase para o significado do Iluminismo em Kant, de seu propósito

Universal com as várias proposições por ele apresentadas, terminando por concluir

por uma necessidade de orientarmos no pensamento alheio; percorrer também as

irradiações do que seja dignidade da pessoa humana, através dos princípios de

liberdade, de igualdade e seus significados e importância atuais para o avanço da

humanidade, mediante a aplicação do princípio da razoabilidade para a busca da

felicidade, dentro do contexto de um Estado Democrático de Direito, para concluir,

ao final, de que sem o respeito a tais questões de extrema relevância e aplicações

gerais, não se é possível, no atual modelo, ter dignidade humana na ausência do

Estado de Direito idealizado por Kant. O projeto apresentado irá percorrer alguns

institutos jurídicos oriundos da razão humana daqueles grandes idealistas que

estiveram vivos dentro do Iluminismo, em específico Immanuel Kant, criador do

―Estado de Direito‖, inobstante ser aclamado como anti-iluminista na concepção

alemã de idealismo, tudo como forma de se caminhar para um mundo cada vez

melhor, porque todos desejam, mas precisam da orientação alheia, bem como

conhecer para saber orientar-se por si mesmo. Percorrer, pois, os conceitos do

―Estado de Direito‖, idealizado por Kant ―in Doutrina do Direito‖, de 1797, em

contraposição ao ―Estado de Natureza‖ de Hobbes, ―in Leviatã‖, com breves

dissertações sobre os princípios da liberdade, igualdade, da dignidade da pessoa

humana, conforme comentários de José Afonso da Silva, ―in Curso de Direito

Constitucional Positivo‖, 1990, cujos Direitos se acham insculpidos na Carta Magna

do Constituinte originário de 1988, os quais devem ser garantidos pelo ente jurídico

Estado, a fim de evitar os abusos individuais ou coletivos, no sentido de que todos

possam almejar a paz e felicidade desejada, podendo ser àquela mesma esposada

por Kant.

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Neste trabalho realizado, mais que as discussões sociais e humanas, está em

questão nosso Estado de Direito, porque todos os problemas existentes em nossa

sociedade, principalmente àqueles mais graves, como do crime organizado ou

daquelas situações de penúria em que vivem a maioria dos indivíduos, ordens

invertidas que se contrapõe as exigências legais e do bem comum, as quais ocorrem

em todos os pontos do território nacional e, portanto, são locais em que as pessoas

não estão ao abrigo do artigo 1º., da Constituição Federal, eis que ali estão

vigorando leis feitas sob o nume do tráfico de drogas, do roubo, da morte, da

desonra; em muitos lugares, não existe nem mesmo a Lei de Talião que pressupõe

uma vítima forte, capaz de enfrentar o ofensor. Nessas áreas, sob domínio do mais

forte, vige regras imorais e desumanas, escravizando pessoas a viverem em

condições altamente indignas, sem poder de reação, nem mesmo possuem

condições de manifestar o pensamento e de serem ouvidas, atendidas

merecidamente, estão vivendo no silêncio, com medo e angústias, condutas estas

incompatíveis à dignidade da pessoa humana, pois tais indivíduos afetados pelas

mazelas alheias e pela força do mais forte, estão coagidas a suportar em silêncio

tudo, inclusive o medo. Mais importante que debelar tudo isso, vitória que será

passageira, está em manter neste país a luz do Estado Democrático de Direito.

Todo trabalho neste sentido pode ser falho, decorrente do ato humano, contudo, o

significado do respeito às boas Leis e aos indivíduos, uns pelos outros, e entre estes

pelo Estado, reciprocamente, é afirmar que o Estado de Direito, idealizado por Kant,

uma conquista do Iluminismo, momento em que a humanidade saiu da sua

incapacidade, orientando-se pelo pensamento alheio, existe e, pela força da

consciência dos indivíduos e do próprio Estado na consecução do bem comum,

impõe-se o respeito à lei e aos Direitos Humanos, buscando tirar as pessoas de

suas condições de indignidade, portanto, melhorando a paz social e a tranqüilidade

pública, bens supremos de uma sociedade bem ordenada ou equilibrada, que por

consequência, possibilita a busca da felicidade humana.

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Referências bibliográficas

KANT, Immanuel. A Paz Perpétua e outros Opúsculos. Lisboa: Portugal: Edições 70, 1995.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 6ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992.

BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda., 1990.

HOBBES, Thomas. Leviatã. 1ª ed. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.

KIERKEGAARD, Sören. O Desespero Humano. 1ª ed. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.

RUSSEL, Bertrand. A Conquista da Felicidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

INGENHEIROS, José. O Homem Medíocre. 1ª ed. Curitiba: Editora Livraria do Chain, 2003.

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FOUCAULT E A VERDADE

Jussara Tossin Martins Bezeruska

Mestre em Filosofia – UNIOESTE/Toledo

[email protected]

Palavras-chave: Verdade, Ciência, História, Arqueologia.

Três obras principais marcam o período inicial das pesquisas de Michel Foucault

designadas pelo filósofo de arqueologia. Nestas obras o filósofo coloca questões

que deflagram uma nova relação com a verdade, estabelecendo rupturas no

pensamento contemporâneo que deram nova forma aos saberes médicos e

psiquiátricos e às relações com o poder. O trabalho ora apresentado pretende

analisar o estatuto desta noção de verdade surgida a partir das pesquisas

foucaultianas. Busca-se entender de que forma os direcionamentos metodológicos e

conceituais das pesquisas de Foucault propiciaram a elaboração de um novo regime

de verdade.

História da loucura, a primeira obra do período, critica as histórias da psiquiatria e

das ciências que projetam sobre o passado suas verdades terminais e que nele

procuram indícios dos primeiros passos de uma ciência, cuja evolução propiciou que

fossem desvendadas as verdades cientificas aceitas tão prontamente na atualidade.

História da loucura visa, sobretudo, demonstrar que esta evolução científica não

passa de uma ilusão retrospectiva da história da psiquiatria. Uma questão

importante colocada pelo filósofo, indaga pelos limites e objetos próprios de uma

disciplina científica em todo o seu rigor. O conceito para esta é a expressão da

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verdade, ou seja, somente ele define a racionalidade científica. Segundo Machado

(2006, p. 74), para Foucault, do ponto de vista da ciência, em sentido rigoroso, a

psiquiatria não é ciência, mas uma teoria com pretensão de cientificidade, uma vez

que se utiliza dos discursos da medicina para abordar seu objeto. Assim, ao tomar

por objeto os conceitos da psiquiatria, Foucault prescinde dos discursos científicos

como objeto exclusivo e não toma a ciência como critério de suas pesquisas

históricas. Desta forma, História da loucura desloca as fronteiras com relação às

histórias das ciências, pois, analisa também os discursos não-científicos, como os

filosóficos e literários. Sendo assim, toda pesquisa empreendida por Foucault, tanto

em História da loucura, quanto em obras posteriores, não aborda com exclusividade

o discurso científico, mas, pretende dar conta do conceito levando em consideração

um conjunto heterogêneo de discursos, sejam eles científicos ou não.

As palavras e as coisas, em relação à História da loucura, é um livro que apresenta

modificações tanto na questão da amplitude dos saberes aos quais estende sua

análise, quanto no que diz respeito à forma como Foucault empreende a pesquisa

arqueológica. Nesta obra o filósofo formula pela primeira vez a noção de epistémê

que se constitui no objeto principal da análise realizada em As palavras e as coisas

e que, devido a especificidade com que se caracteriza, possibilita que a arqueologia,

frente às histórias das ciências e das idéias, seja não só diferente destas histórias,

mas, sobretudo, configure-se como uma nova forma de análise. Nela, o saber

configura-se como o nível específico no qual se dá a análise arqueológica. Isto faz

com que a arqueologia se diferencie das outras histórias, pois, não se trata de

priorizar o discurso científico. O simples fato de que Foucault utiliza para sua análise

os discursos da economia, da biologia e da filologia demonstra a flexibilidade da

análise com relação às fronteiras das disciplinas científicas.

Ao expandir os domínios de As palavras e as coisas para além das fronteiras de

uma única disciplina, Foucault não faz história das ciências ou tenta descrever o

processo de evolução de um conceito. Discute com elas, na medida em que coloca

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em questão seus métodos e seus problemas. O ponto que separa a arqueologia da

epistemologia é a forma como os dados da ciência são tratados e abordados pela

história arqueológica. Não é relevante para a arqueologia determinar quais saberes

de uma época pertencem ao conhecimento legitimado pela tradição e quais saberes

pertencem ao domínio obscuro da ignorância. Da mesma forma, Foucault não faz

arqueologia tomando em conta um sujeito originário ou uma consciência auto-

constituída, tal como a filosofia, de Descartes a Sartre, assim o compreende. Trata-

se de uma análise pela qual o sujeito é compreendido como objeto historicamente

constituído por processos exteriores a ele.

Em Arqueologia do saber, Foucault tem como objetivo fazer uma reflexão profunda e

rigorosa sobre os usos metodológicos e conceituais executados nos escritos

anteriores, sem a intenção de construir, a partir daí, um método de pesquisa

histórica. As polêmicas e críticas surgidas após a publicação de História da loucura e

As palavras e as coisas são alguns dos motivos que levaram o filósofo a escrever

sobre estas obras procurando caracterizar melhor sua análise com o objetivo de

superar dificuldades originárias da pesquisa e outras apontadas por críticos e

estudiosos. Constitui-se em uma revisão crítica e reflexiva que busca homogeneizar

e retificar as opções teóricas e as práticas de pesquisa que deram origem à História

da loucura e As palavras e as coisas. A arqueologia do saber responde em eco às

obras que a precederam. Sua tarefa é questionar os métodos, os limites e os temas

da história em sua forma tradicional, sobretudo em suas referências a um suposto

sujeito fundador. Busca desfazer as últimas sujeições antropológicas sacralizadas

pela velha história, ao mesmo tempo em que quer demonstrar como foram

formadas. A arqueologia do saber pretende ser a forma mais acabada e mais

coerente das pesquisas realizadas anteriormente que foram, – de certa forma e

segundo Foucault –, esboçadas em desordem, um pouco imperfeitamente, exigindo

que fosse estabelecida uma articulação que desse à arqueologia uma forma mais

geral. Foucault, com suas pesquisas, pergunta pelos mecanismos e instâncias que

fazem com que um discurso científico, por exemplo, funcione como verdade.

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Fundamentalmente a questão é saber quais os caminhos que levam à produção de

um certo regime de verdade e quais são os seus efeitos. A análise empreendida por

Foucault nas três obras citadas faz-nos concluir que a pesquisa arqueológica é uma

tentativa de construção de uma forma de estudo que evita as formalizações e que,

por este motivo, pretende possibilitar a abordagem de domínios do saber em

campos diversos prescindindo da necessidade de limitar-se ao uso de conceitos

epistemológicos clássicos nas abordagens destes domínios. Assim, a arqueologia

apresenta-se como um instrumento que possibilita refletir sobre as ciências e sobre

os saberes, sobre o formal e sobre o não científico, sobre o legítimo e sobre o

periférico.

Referências

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências

humanas. 8 ed. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes,

1999.

_____. História da loucura: na Idade clássica. 8 ed. Tradução de José Teixeira

Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2007.

_____. Arqueologia do saber. 7 ed. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2007.

MACHADO, Roberto. Foucault, a ciência e o saber. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 2006.

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