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II- O BRASIL FRENTE AO HOLOCAUSTO: HISTÓRIA E MEMÓRIA 2.1- O DISCURSO ANTI-SEMITA DE UM DIPLOMATA BRASILEIRA NA ITÁLIA BRASILEIRA NA ITÁLIA E NA POLÔNIA: JORGE LATOUR Anna Rosa Bogazzi Através de importantes documentos localizados no Arquivo Histórico do Itamarati do Rio de Janeiro (RJ) e no Arquivo Diplomático de Roma (Itália), descobrimos que alguns diplomatas brasileiros se omitiram diante da catástrofe do Holocausto. Entre estes, o Dr. Jorge Latour. Pretendo demonstrar como a ação de um diplomata, Jorge Latour no caso, com seus relatórios enviados da Polônia (e posteriormente da Itália), enriquecidos com fotografias do gueto de Varsóvia, conseguiu o indeferimento de vistos para os refugiados judeus que queriam emigrar para o Brasil. Percebemos que suas declarações anti-semitas serviram de exemplo para outros diplomatas brasileiros na Europa, na véspera da segunda Guerra Mundial, para impedir a imigração de pessoas indesejáveis. Na sua opinião, aquela população não interessava ao Brasil por serem “velhos, doentes e inábeis” para o trabalho. JORGE LATOUR, um diplomata brasileiro Jorge Latour nasceu no Rio de Janeiro em 11 de julho de 1898. Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Rio de Janeiro, em 1919. Diplomado pela escola Superior de Guerra, em 1950. Entrou para a carreira diplomática no final de 1918. Atuou além de Rio de Janeiro, em La Paz, Roma, Varsóvia, México, Helsinki, Atenas, Panamá, entre outras grandes capitais. Latour participou à fundação do Instituto Rio Branco inaugurado em 18 de abril de 1945, por ocasião das comemorações do centenário do nascimento do Barão do Rio-Branco (1845-1912) do qual organizou, e posteriormente publicou, as “Obras completas do Barão do Rio Branco”. Morreu no Rio de Janeiro em 1985. Jorge Latour na Polônia e na Itália. VARSOVIA De 14-03-1936 a 4-05-1937 Seg.Secr. Encarregado de Negócios da Embaixada do Brasil. ROMA 1

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II- O BRASIL FRENTE AO HOLOCAUSTO: HISTÓRIA E MEMÓRIA

2.1- O DISCURSO ANTI-SEMITA DE UM DIPLOMATA BRASILEIRA NA ITÁLIA BRASILEIRA NA ITÁLIA E NA POLÔNIA: JORGE LATOUR

Anna Rosa Bogazzi

Através de importantes documentos localizados no Arquivo Histórico do Itamarati do Rio de Janeiro (RJ) e no Arquivo Diplomático de Roma (Itália), descobrimos que alguns diplomatas brasileiros se omitiram diante da catástrofe do Holocausto. Entre estes, o Dr. Jorge Latour. Pretendo demonstrar como a ação de um diplomata, Jorge Latour no caso, com seus relatórios enviados da Polônia (e posteriormente da Itália), enriquecidos com fotografias do gueto de Varsóvia, conseguiu o indeferimento de vistos para os refugiados judeus que queriam emigrar para o Brasil. Percebemos que suas declarações anti-semitas serviram de exemplo para outros diplomatas brasileiros na Europa, na véspera da segunda Guerra Mundial, para impedir a imigração de pessoas indesejáveis. Na sua opinião, aquela população não interessava ao Brasil por serem “velhos, doentes e inábeis” para o trabalho.

JORGE LATOUR, um diplomata brasileiroJorge Latour nasceu no Rio de Janeiro em 11 de julho de 1898. Bacharel em Direito

pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Rio de Janeiro, em 1919. Diplomado pela escola Superior de Guerra, em 1950. Entrou para a carreira diplomática no final de 1918. Atuou além de Rio de Janeiro, em La Paz, Roma, Varsóvia, México, Helsinki, Atenas, Panamá, entre outras grandes capitais. Latour participou à fundação do Instituto Rio Branco inaugurado em 18 de abril de 1945, por ocasião das comemorações do centenário do nascimento do Barão do Rio-Branco (1845-1912) do qual organizou, e posteriormente publicou, as “Obras completas do Barão do Rio Branco”. Morreu no Rio de Janeiro em 1985.

Jorge Latour na Polônia e na Itália. VARSOVIA De 14-03-1936 a 4-05-1937 Seg.Secr. Encarregado de Negócios da

Embaixada do Brasil. ROMA De 1-12-1931 a 3-4 1934 Seg. Secr. Embaixada do Brasil De 10-05-1937 a 30-12-1938 “ “ “ “ De 30 12-1938 a 14-04-1939 Primeiro Secretário por merecimento De 10-10-1945 a 31-05-1946 “ “ “ De 31-05-1946 a 11-01-1947 Conselheiro da Embaixada

Jorge Latour na Polônia como Segundo Secretário e Encarregado de Negócios da Embaixada do Brasil (14-03-1936 a 4-05-1937)

Situação dos judeus na Polônia no período da atuação de Jorge Latour (1936-1937). A Historia dos judeus na Polônia, de 1772 até 1939, revela uma evidente continuidade: os judeus constituíam um elemento basicamente urbano num grande país de camponeses, um grupo econômico distinto, uma minoria cuja fé, linguagem, e costumes diferiam da maioria dos outros cidadãos. Qualquer tentativa de modificar esta situação, por parte do governo polonês, faliu. Houve uma mínima parte de judeus que se assimilaram ou quase, mas a maioria não se deixou afetar pela política polonesa. A partir de 1918-19, porém, o surgir de uma classe media no país acabou com o domínio judaico no âmbito do comercio e os judeus tiveram que diferenciar suas atividades dirigindo-se pela industrias e artefatos, com o resultado da formação de um numeroso proletariado.

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No período da subida ao poder de Hitler na Alemanha os judeus poloneses eram muito numerosos, mais de 3 milhões de pessoas, ao ponto que a comunidade era conhecida como a nação judaica da Polônia. Uma nação com seus jornais e revistas, seus grupos sionistas e socialistas, suas companhias teatrais, suas casa cinematográficas, sua musica, suas instituições de beneficências e seus círculos esportivos. A partir de 1935, depois das leis raciais de Nuremberg, iniciou-se na Polônia um período de anti-semitismo acompanhado por pogrom, como o de Prtzytyk, que semeou o terror no seio da comunidade judaica. Em 1936 um periódico jesuíta afirmava que “era necessário instituir escolas separadas para os judeus a fim de evitar que as crianças fossem contagiadas pela ética inferior judaica”. Numa carta pastoral aos fieis, o Primaz da Polônia escreveu “Os judeus persistindo no livre pensamento, combatem a Igreja católica e constituem a vanguarda do ateísmo, do bolchevismo e da subversão”.1

Trechos de um estudo sobre a nocividade da emigração judaica intitulada “A emigração israelita da Polônia para o Brasil”, por Jorge Latour, encarregado de Negócios do Brasil em Varsóvia, 1936, pp.2, 48 e 49. Em MDB, Ofícios Rrecebidos, out. de 1936 a 1937. AHI.

DOC. 1- Documento assinado por Jorge Latour, enviado de Varsóvia em 8 de novembro de 1936 2. RESERVADO. A EMIGRAÇÃO ISRAELITA DA POLÔNIA PARA O BRASIL

... demonstrar a nocividade da emigração judaica para o Brasil, a qual se faz , presentemente, em massa.... todos os problemas universais, bem ou mal, mais cedo ou mais tarde, encontram uma solução- só a questão judaica é insolúvel. É o quisto irredutível no seio dos povos em evolução. Ante essa verdade poderíamos sociólogos perguntar:É o anti-semitismo que creia a situação judaica ou é o judeu quem creia o anti-semitismo? É inegável que o judeu passou à posteridade como sinônimo de ave de rapina, ganancioso, usurário.

De 100 emigrantes julgados bom para o Brasil, 90 não entrariam na Argentina Concluindo este estudo, feito à guisa de relatório, que não me foi encomendado, mas que ofereço à consideração e estudos dos dirigentes dos Ministério das Relações Exteriores, e, especialmente à alta apreciação de Sua Excelência o Senhor Ministro de estado, animado do desejo de, constantemente trabalhar pelo bem do Brasil, e impressionado com o material humano que nos enviam com o rotulo de agricultores – ouso sugerir o seguinte:

Selecionar e controlar a imigração da Polônia e outros paisesProibição ou restrição da entrada dos judeus em território nacionalSuspensão da quota reservada anualmente à Polônia para dita emigração... até que a

Polônia cesse de considerar o Brasil o escoadouro de seus guetos...

Doc. 2- Oficio de Jorge Latour, encarregado de Negócios do Brasil em Varsóvia, para Mário de Pimentel Brandão, Ministro de Estado interino das Relações Exteriores. Varsóvia, 19.4.1937. Em MDB, Ofícios Recebidos, out. 1936-1937. AHI.LEGAÇÃO DOS ESTADO UNIDOS DO BRASILVarsóvia, 19 de abril de 1937N.30 - O fluxo israelita em direção ao Brasil..3

Senhor Ministro do Estado (...) tenho a honra de remeter a essa Secretaria de Estado algumas fotografias que pálidamente, dão idéia do que sejam os guetos judaicos nesta capital, e dos hábitos, estilos, indumentária e higiene dos judeus ortodoxos na Polônia.

Esta legação que, em loco, é testemunha das dificuldades de ordem racial, social, econômica e higiênica que para a Polônia representa o elemento israelita, voluntariamente confinado em bairros e localidades, ousa insistir junto ao Ministério das Relações Exteriores, por meios concretos ao seu alcance, na adoção de providencias que façam cessar o fluxo hebraico desencadeado sobre o Brasil, enxertado capciosamente na corrente migratória que lhe dirige a Polônia. A documentação fotográfica, quando não bastasse a interdição do navio 1 Martin, Gilbert. Il Secolo degli Ebrei. Cavallermaggiore (Cuneo), Ed. Gribaudo, 2002, p.1692 Carneiro, Maria Luiza Tucci O Anti-Semitismo na Era Vargas. São Paulo, Perspectiva, 2001, pp. 415-417.3 Ibidem, pp. 419-420.

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Pulaski, recentemente posto em quarentena pelas autoridades sanitárias brasileiras, em nossos portos, está a demonstrar, de modo alarmante, o que serão os kistos hebraicos em breve futuro no litoral e interior do Brasil.

Persistir no regime das “cartas de chamadas (...) será propiciar um sério problema para o Brasil de amanhã e estipular o preparo de graves questões sociais futuras, entre as quais assoma como mais evidente e promissora, o comunismo, que o governo tão firmemente envida por debelar em nosso pais com enormes sacrifícios.

Situação dos judeus na Itália durante o segundo mandado de Jorge Latour em Roma (de 10-05-1937 a 30-12-1938)

Os aspectos mais importantes da política judaica de Mussolini (no governo de 1922 até 1943), nos primeiros quinze anos de seu governo, ou seja até 1937, foram:

- a condenação à adesão ao sionismo, mas, ao mesmo tempo, a aprovação deste como movimento nacional chegando até utilizá-lo em vantagem propria. De fato, ele era atraído pela idéia de adotar o movimento sionista internacional como meio de reforçar a presença italiana no Mediterrâneo oriental, apesar de ser contrário a um Estado judaico na Palestina;

- a limitação à imigração de judeus do leste europeu, mas reconhecimento do papel nacional das elites judaico-italianas nas principais cidades do Mediterrâneo; incitação à nacionalização e à adesão ao Partido Nacional Fascista (PNF) por parte dos judeus no mesmo tempo em que reforçava o catolicismo italiano.

- A fundação do Império italiano depois da conquista da Etiópia (1935-36) e a promulgação de leis racistas contra os negros africanos, a fim de evitar a miscigenação de raças, foram o prelúdio das leis raciais contra os judeus.

- a legitimação de uma corrente anti-semitica no PNF e, no plano operativo, um vagaroso afastamento dos judeus dos vértices do Estado e das posições nacionais por estes controladas. Na metade dos anos trinta esta atitude, foi substituída por uma política antijudaica publica e generalizada, explicita e dirigida a todos os judeus da península. Esta nova política resultou articulada em dois distintos períodos consecutivos, caracterizados um pela promulgação e da aplicação de uma legislação anti-judaica rigorosa e invasiva, o outro por prisões, internamentos e deportações para o extermínio, além de um numero limitado de chacinas na península. O primeiro durou do outono de 1938 ao verão de 1943, e pode ser definido “período da persecução dos direitos”; o secundo de 8 de setembro de 1943 ao 25 de abril de 1945 e pode ser definido “período da persecução das vidas”.

Jorge Latour vivenciou o período de preparação à perseguição dos direitos dos judeus italianos, à proclamação das leis racistas, á propaganda literária e jornalística contra “a raça judaica” e à conseguinte procura, por parte de uma parte dos judeus italianos (os mais previdentes e com uma certa possibilidade financeira), de vistos para emigrar.

Apesar de alguns anti-semitas criarem algumas teorias para reconhecer um semita da um ariano, os judeus italianos não eram distinguíveis dos outros cidadãos; não existiam os ortodoxos com seus típicos trajes. Assim, contrariamente ao que aconteceu na Polônia, Latour não pude fotografá-los com a intenção de mostrar alguns aspectos físicos que pudesse caracterizá-los e denegri-los. Não havia praticamente judeus pobres e doentes andando pelas ruas. Os judeus italianos eram bem integrados na vida social e política do país e, além disso, havia muitos judeus fascistas, o que significa que os judeus podiam fazer parte do partido em suas diferentes seções. Assim os relatórios de Latour foram sem fotos, mas continham, em anexos, toda a legislação racial, trechos de revistas anti-semitas e a “conselhos” ao governo brasileiro pela adoção de uma política racial, similar à italiana, com a finalidade de arianizar a população brasileira. Devido à sua propaganda vários foram os vistos indeferidos a cidadãos israelitas italianos até 1941 e até depois do fim da guerra.

Diferentemente do caso polonês, os relatórios de Roma para o Brasil sobre a questão racial italiana não foram redigidos por idéia ou vontade própria de Latour, mas encomendados pelo embaixador Adalberto Duval e enviados ao Brasil em seu nome, mas, sempre com a assinatura do 1º Secretário. Repetindo, os moventes dos relatórios italianos eram os mesmos dos poloneses: impedir a emigração semita no Brasil instigando, no país, uma campanha racista contra os imigrantes.

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Queria também salientar que no primeiro relatório a seguir, na pagina 3, há uma certa ironia sobre o racismo italiano.... a lei italiana exclui, embora limitadamente, como indesejável, o cruzamento da raça italiana ariana (assim pensa a lei) com qualquer outra, firmando uma política racial fechada.

DOC. 3- A QUESTÃO RACIAL NA ITÁLIA.Breve relatório organizado pelo Senhor Secretário Jorge Latour por determinação do Embaixador. Roma, 29.VIII. 38Emb.Roma/229/1938/Anexo

Para dar uma idéia geral do pensamento fascista com relação ao racismo e aos seus aspectos, dentro dos interesses raciais italianos, passo a transcrever alguns conceitos, colhidos em artigos da imprensa, onde o tema (da raça) é encarado sob seus diferentes aspectos.

As frases a seguir pertencem a personagens importantes implicados na doutrina da raça;Nicola Pende – Docente universitário, membro do Conselho nacional de pesquisa pela

medicina e a biologia - Popolo d’Italia” (31 de julho de 1938) - sustenta a existência do tipo romano-itálico, de perfil não apenas mental e espiritual, mas étnico no sentido biológico, inconfundível com outros tipos nacionais, mesmo dentro da grande esfera das famílias latinas.

Giorgio Pini – advogado e jornalista, redator chefe de Il Popolo d’Italia a partir de 1936 - artigo “Coscienza di razza” no Popolo d’Italia”, 3-VIII-38 - , baseando-se nas afirmações de Pende, sustenta que existe uma raça italiana, pertencente ao grupo ariano, com um patrimônio próprio de genialidade, civilização, energia, tradições, de características físicas e morais.

– (Popolo d’Italia, 5 de agosto de1938) – a raça deve ser defendida não somente com discursos mas com providencias concretas que não significam absolutamente perseguições ferozes, mas, sim, limitação de influencias estranhas na tutela da integridade do sangue e das idéias, de todas as insidias, de todos os desvios”

Carlo Giglio (titular da primeira cátedra de História e Instituições nos Paises afro-asiáticos na Universidade de Pavia) – Prestigio di Razza – in Il popolo d’Italia – 1-VIII-1938- Aborda a questão das relações entre os colonizadores e os colonizados.... (os italianos) devem empreender uma colonização demográfica, baseada na presença e no prestigio da raça branca em pleno domínio africano. Querem para isso dar ao branco colonizador em contacto com o indígena uma consciência do superior justo, dominador, conquistador, de modo a não se fundir e destruir-se no meio ambiente. Será sempre uma elite no trabalho, nas profissões e na vida em geral, guardando à distancia o elemento colonizado “inferior”.

Latour: depois da publicação do manifesto de 26 de julho 1938, redigido por Nicola Pende e assinado pelos intelectuais italianos, começaram a definir-se melhor os contornos do movimento racista, de maneira a ver-se que foi realmente criada uma política racial, com natureza definida, métodos e limites....A celeuma (barulho) levantada com o movimento racista, desencadeado em julho ultimo, não se teria verificado, porém, si nele não estivesse inscrito o grave e ingrato problema semítico. Em plena efervescência no seio de todas as nações que possuem maiorias hebraicas, as mais irredutíveis e complexas que possam assoberbar a vida interna dos paises, a questão judaica foi em pleno agitada pelos intelectuais italianos, por encomenda dos dirigentes do Partido Nacional Fascista.

,,,o hebreu é o elemento preponderante em todos esses setores (maçonaria, Komintern, ... ) contra a pátria e a família, bem como contra a ordem espiritual existente.

... Já vai ser iniciado o censo dos israelitas, agora calcando no sangue e não na religião, como critério diferencial, com o que será apurado, na Itália, um numero muito superior ao que se considerava real (44.000).

depois da criação do Império com a conquista da Etiópia, tornou-se palpável e mesmo premente a preservação da raça mediante medidas rigorosas contra a ameaça da mestiçagem.

No final deste relatório, Latour, antes de assinar o documento, escreveu o motivo do mesmo:

No presente relatório limitei-me a expor de modo sucinto o que é o racismo italiano tal como se manifestou nos primeiros momentos da irrupção do movimento. A questão terá seu

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desenvolvimento e deverá merecer do Itamaraty cuidadosa observação, pois os vários aspectos que compõem o problema racial italiano interessam vitalmente o Brasil e a nacionalidade brasileira, cuja formação vem sendo fundamentalmente prejudicada pela ausência perniciosa de uma política e de diretrizes de ordem racial e eugênica. DOC. 4 - 2° relatório: Embaixada dos Estados Unidos do Brasil Roma, 27 de novembro de 1938 N. 272 Reservado A questão Racial na ItáliaDo Embaixador Adalberto Guerra-Duval para Sua excelência o Senhor Doutor Oswaldo Aranha, Ministro do Estado das Relações Exteriores. 2º Relatório redigido em 23 de novembro de 1938 e despachado para o Brasil em 1 de dezembro de 1938.

Adalberto Guerra-Duval : - Tenho a honra de passar ás mão de Vossa Excelência ... o segundo relatório redigido, a

meu pedido, pelo Segundo secretário desta Embaixada, Sr. Jorge Latour, sobre o movimento anti-semita verificado na Itália por iniciativa do Governo fascista.

(...) Qualquer que seja o ponto de vista dos Governos e da opinião publica mundial a respeito, é, sobretudo útil que um país em formação como o Brasil conheça a fundo o problema semita em seus diferentes aspectos, para que possa orientar-se com segurança, mantendo uma lúcida eqüidistância entre as correntes que se extremam no trato da fundamental questão.

(...) Felizmente o Governo brasileiro, preocupado com o futuro da nacionalidade, criou em boa hora o Conselho da imigração e Colonização, que ... saberá discernir entre o verdadeiro e o falso sentimentalismo, afim de salvaguardar os interesses primordiais da nação, tão sacrificada em sua formação racial por contingentes étnicos que se não caldeiam e que constituem mais um problemas políticos e sociológico dentro das nossa fronteiras.

Em Anexos: Recorte de jornais italianos, em particular o n.1 e 6 da DEFESA DA RAÇA. Em seguimento a esta exposição encontra-se, em ordem cronológica, a enumeração dos atos e documentação de caráter oficial relativos à raça. Depois de ter evidenciado que a campanha racial na Itália converteu-se em uma ação oficial disciplinada, metódica, baseada em um programa de realização progressiva, de ação legal e política, Latour entra em detalhes:

É conclusão pacifica entre os Estados totalitários, que os judeus são os comanditários e dirigentes da maçonaria e outras associações secretas, do comunismo,do internacionalismo e do antifascismo. Conseqüentemente, devem eles ser excluídos de todas as posições em que possam exercer influencia sobre a opinião italiana. Na Itália serão os judeus italianos, pois, cidadãos de segunda zona, com direitos restritos e liberdade de ação relativa.

A distinção judeus e não judeus é feita não pela profissão religiosa da fé, mas pelo sangue, (VOLTA AO MARRANISMO) com o predomínio do critério biológico e hereditário.

A lei italiana exclui como indesejável o cruzamento da raça italiana ariana com qualquer outra, firmando uma política racial fechada.

O fato de pertencer a uma, antes que a outras raças, é elemento jurídico relevante na determinação da esfera da capacidade jurídica dos cidadãos, a qual pode sofrer limitações para os pertencentes às raças não arianas.

Verifica-se que, das diversas emendas do programa racial, a questão anti-semitica vem tendo preponderância nas cogitações oficiais.

Nada poderia ser comparado em gravidade e radicalismo ao afastamento compulsório e em massa dos professores universitários, alguns de renome universal, das cátedras italianas. Entretanto o Governo não trepidou em faze-lo, e fê-lo imediatamente cônscio como estava de que feria o hebraísmo, em um dos seus pontos vitais.

Considerações preliminares

Na década do 40 era difícil emigrar, principalmente para os judeus. Os paises não se interessavam por populações de origens urbanas e assim eles ficavam fora desta expectativa. O departamento diplomático brasileiro possuía intelectuais produzindo conhecimentos específicos

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para os Ministérios todos. Um destes intelectuais foi o diplomata Jorge Latour que pesquisou e produziu trabalhos sobre a presença judaica na Europa. Mesmo vendo situações diferentes, ele recomendou que não se trouxesse o povo judaico ao país já que ele se tornaria um problema social (quisto racial).

ARQUIVOS CONSULTADOS - Arquivio Histórico do Itamarati – Rio de Janeiro - Archivio Diplomático del Ministero degli Affari Esteri - Roma

BIBLIOGRAFIA

- Anuário 1960 e 1961 do Ministério das Relações Exteriores - Enciclopaedia Judaica CD-ROM Edition. Judaica Multimedia (Israel) Ltd.- CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Anti-Semitismo na Era Vargas. São Paulo, Perspectiva, 2001.- MARTIN, Gilbert. Il secolo degli Ebrei. Cuneo, Ed. Gribaudo, 2002.- SARFATTI, Michele. La Shoah in Itália. La persecuzione degli ebrei sotto il fascismo. Torino, Ed. Einaudi, 2005.

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