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ISSN: 2362-3365 II SEMINARIO INTERNACIONAL DE LOS ESPACIOS DE FRONTERA (II GEOFRONTERA): DIFERENCIAS E INTERCONEXIONES 1 6 – Fronteras, Territorios y Culturas IDENTIDADE, TERRITÓRIO E SACRALIDADE GUARANI O CASO DOS AVÁ GUARANI CONTEMPORÂNEO DO OESTE PARANAENSE Cintía Pires Inéia 2 UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná [email protected] Roberto dos Anjos Dias 3 UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná [email protected] Resumo : Considerando o Oeste paranaense território historicamente indígena, e reconhecendo toda sorte de sortilégios que os povos guarani do Oeste paranaense como a imposição cultural durante as Missões Jesuíticas, escravização pelos Bandeirantes paulistas, expulsão e esbulho em função dos projetos de colonização e expansão econômica e atualmente sua condição de confinamento territorial e de exclusão 1 Editor: Facultad De Humanidades y Ciencias Sociales (FHyCS) Universidad Nacional de Misiones (UNaM). Direccion: Oficina de Relaciones Internacionales – 1er piso Biblioteca, Calle Tucuman 1946, Posadas, Misiones, CPA: N3300BSP, Correo electrónico: [email protected] 2 Acadêmica de Licenciatura em Geografia na Unioeste- Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus Marechal Cândido Rondon. Bolsista do CNPQ, Projeto “ Conflito, território e identidade indígena guarani em Guaíra/PR 3 Acadêmico de Licenciatura em Geografia na UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus Marechal Cândido Rondon. Membro do Coletivo Kuaira - http://projetos.unioeste.br/projetos/cidadania/ 1

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ISSN: 2362-3365

II SEMINARIO INTERNACIONAL DE LOS ESPACIOS DE FRONTERA (II GEOFRONTERA): DIFERENCIAS E INTERCONEXIONES1

6 – Fronteras, Territorios y Culturas

IDENTIDADE, TERRITÓRIO E SACRALIDADE GUARANIO CASO DOS AVÁ GUARANI CONTEMPORÂNEO DO OESTE PARANAENSE

Cintía Pires Inéia2

UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná [email protected]

Roberto dos Anjos Dias3

UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná [email protected]

Resumo: Considerando o Oeste paranaense território historicamente indígena, e reconhecendo

toda sorte de sortilégios que os povos guarani do Oeste paranaense como a imposição cultural

durante as Missões Jesuíticas, escravização pelos Bandeirantes paulistas, expulsão e esbulho

em função dos projetos de colonização e expansão econômica e atualmente sua condição de

confinamento territorial e de exclusão social, e por fim, fundamentalmente sua insistência em

permanecer no mesmo território mais de 500 anos. Abordaremos no presente trabalho e buscar

demonstrar através de bibliografias como se da à relação contemporânea dos indígenas do

subgrupo Ava-guarani com os territórios que desde a década de 70 insistem em tentam

demarcar como seus especificamente nas margens do Lago de Itaipu, que possui em seu

histórico a presença notável de indígenas guaranis.

Para isto buscou-se utilizar de conceitos como território, identidade e sagrado para auxiliar a

compreender a profunda relação de pertencimento destas áreas onde eles se encontram, e

1 Editor: Facultad De Humanidades y Ciencias Sociales (FHyCS) Universidad Nacional de Misiones (UNaM). Direccion: Oficina de Relaciones Internacionales – 1er piso Biblioteca, Calle Tucuman 1946, Posadas, Misiones, CPA: N3300BSP, Correo electrónico: [email protected] 2 Acadêmica de Licenciatura em Geografia na Unioeste- Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus Marechal Cândido Rondon. Bolsista do CNPQ, Projeto “ Conflito, território e identidade indígena guarani em Guaíra/PR3 Acadêmico de Licenciatura em Geografia na UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus Marechal Cândido Rondon. Membro do Coletivo Kuaira - http://projetos.unioeste.br/projetos/cidadania/

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onde acabam conflitando contra não indígenas que ocuparam suas terras. Procurando entender

a importância dos territórios ocupados, pretendemos confirmar as especulações acerca da

função do território, o qual se acredita, que perpasse sua função de subsistência física, mas que

tenha ligações estritas com a sobrevivência da identidade e espiritualidade.

INTRODUÇÃO

O Oeste paranaense é uma região que possui em seu histórico a notável presença de

indígenas da etnia Guarani. Estima-se que a contagem populacional perto do século XVI giraria

em torno de 200 mil indígenas até o contato com os primeiros portugueses. Muitos dos

indígenas da etnia Guarani, foram confinados em aldeamentos nos períodos de Missões

Jesuíticas e um grande número foi sequestrado e escravizado pelos Bandeirantes e levados

para o litoral paulista (SCHALLENBERGER, 2007, p. 29). Porém, muitos resistiram, se fixando

em migrando pelo seu território tradicional, que compreende os estados brasileiros do Mato

Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, além de Paraguai, Uruguai, Bolívia

e Argentina.

Com o avanço da frente colonizadora, na década de 1950, muitos indígenas foram

expulsos, deslocando-se para outras áreas (Mato Grosso do Sul e Paraguai, principalmente).

Acrescenta-se a este processo de expulsão de indígenas do seu território, a construção da

Hidrelétrica e formação do Lago de Itaipu no fim da década de 70. Mesmo com esbulho

territorial que sofreram em função de políticas nacionais de expansionismo, Gregory e

Schallenberger (2008, p.131) afirmam que “Os indígenas mantiveram-se presentes na região,

ao mesmo tempo em que participaram da miscigenação com indivíduos e grupos que passaram

e se estabeleceram em diversos locais”.

Figura 1.

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Fonte: LIMBERGER, 2007, p. 03.

Após 500 anos de contato com não indígenas, os índios Guarani, mais precisamente do

subgrupo Ava-Guarani, como se autodenominam, procuram manter os elementos próprios de

sua cultura tradicional, como as migrações, a língua e os ritos preservando e reconstruindo sua

identidade além de garantir meios para sua subsistência. Hoje, os Ava-Guarani retornam para

retomar terras que lhe pertenceram no passado lutando pela demarcação dos seus territórios

tradicionais que se localizam em diferentes municípios da região Oeste, como em Guaíra e

Terra Roxa, onde estes ocupam diversas áreas próximas as margens do Rio Paraná, como

pode ser visto na Imagem 1. Porém, a partir da bibliografia pesquisada a luta desse povo, nos

parece ser mais profunda que a questão agrária como sendo a terra como meio de subsistência

somente física.

Portanto com a expulsão e confinamento territorial, torna-se difícil desenvolver aspectos

importantes da cultura guarani. As péssimas condições de vida que impossibilitam a

autossuficiência das comunidades forçam jovens a estudar apenas o ensino regular, - quando

estes possuem documentos para tal - em escolas externas a comunidade e que não ensinam

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sua língua materna. Também os mais velhos se vêm obrigados a buscar trabalho fora das

aldeias, nas plantações de não indígenas e na construção civil. Outro fator importante a se

notar é a localização das aldeias em áreas quase sem mata e com pouco espaço agricultável,

impossibilitando atividades tradicionais e conservação do modo de vida guarani.

Estes elementos ocasionados pela falta de estabilidade territorial faz com que ocorra a

perda de costumes, tradições, saberes, enfim, perda de seu “jeito de ser”, organização social e

produtiva. Sendo assim, o fato dos indígenas terem perdido seus territórios implica na

transformação da identidade Guarani, pois cada vez mais o índio é obrigado a se afastar de

suas raízes e tradições, assumindo costumes e vícios que a sociedade capitalista lhe impõe.

Assim, procuramos abordar bibliografias relativas á cultura e identidade Guarani, mais

especificamente as que tratam do subgrupo Avá-Guarani contemporâneo - visto que há uma

mudança significativa dos costumes, ritos e crenças do início do século até o presente momento

- para compreendermos como se constrói a relação do indígena com a aldeia. Buscando

compreender também como está a configuração da identidade Guarani e o significado do

território atualmente ocupado pelos Ava-Guarani. Procuraremos confirmar se a luta ocorre por

um movimento estritamente fundiário, ou se representa uma questão mais importante que

define a identidade e que faz criar ou ressurgir, novos territórios repletos de significância

subjetiva.

Figura 2 – Distribuição das aldeias na região de Guaíra e Terra Roxa.

Fonte: OLIVEIRA, Diogo. 2013, p.10.

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DESENVOLVIMENTO

IDENTIDADE

Atualmente, os termos identidade e cultura são vistos como sendo associados, no

entanto, mesmo possuindo ligação, não podem ser confundidos. A identidade é ligada a

padrões e vínculos conscientes, são características particulares que definem a pessoa. A

cultura depende de processos inconscientes, como: tradições, crenças, conhecimentos, arte,

hábitos, ou seja, manifestações humanas contrastadas com a natureza. É algo pessoal ligado a

realidade.

A identidade de um indivíduo pode ser definida como um conjunto de vínculos, ligados a

classe social, sexual, idade, nação, etc. Esta permite que o indivíduo se localize e seja

localizado no espaço social em que vive.

A identidade social pode incluir e excluir, pois não diz respeito apenas a um individuo. É

capaz de identificar um grupo que possui características próprias, distingue-os de outros grupos

que possuem diferentes pontos de vista.

Dentre tantos grupos, especificamente o Ava-Guarani/Ñandeva sofre constantemente

com condenações da sociedade relacionados à sua identidade e território, e acaba julgado

pelas suas vestes, por transitar pelo meio urbano e por adquirir bens materiais de consumo não

indígena. Ou seja, é considerado pelo que parece e não pelo o que é como destaca Castro

(2006) “índio não é uma questão de cocar de pena, urucum e arco e flecha, algo de aparente e

evidente nesse sentido estereotipificante, mas sim uma questão de ‘estado de espírito’. Um

modo de ser e não um modo de aparecer.” E ao longo do tempo, o grupo foi discriminado e

marginalizado, além de terem seus direitos constitucionais negados em função deste modo

preconceituoso de ser visto, dentre estes o seu foco principal atualmente, os territórios

tradicionais.

Segundo Ramos (1986), na tentativa de caracterizar as sociedades indígenas podemos

correr o risco de generalizar uma cultura que é amplamente diversificada. Mesmo ocupando

espaços parecidos, cada uma mantém seus costumes próprios que não podem ser comparados

com a outra.

São diversas as diferenças entre indígenas e populações em que estão inseridos, pois

são oriundas de processos de formação distintos. Não é possível fazer um paralelo entre

ambas, ou seja, estas sociedades indígenas possuem modos de produção, formas de

resistência, religião e matrimônio totalmente diferenciados.

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A identidade guarani foi estabilizada e desestabilizada em seu processo de construção

com a atuação da interculturalidade, houve mudanças nos comportamentos. Muitos autores

chamam este processo de hibridismo, que caracteriza culturas mistas.

Silva (2000) usa o hibridismo para analisar o processo de produção das identidades

nacionais, étnicas e raciais. Este hibridismo, ou seja, essa mistura entre diferentes

nacionalidades ou culturas, coloca em perigo os processos que interpretam as identidades

separadas, divididas. Este processo confunde a pureza das identidades dos grupos nacionais

ou étnicos. A identidade que o hibridismo forma, não mantém a identidade original, no entanto

guarda alguns traços.

Destacamos aqui que no período das Missões Jesuíticas que duraram em torno de 100

anos, os costumes/cultura jesuítas foram impostos no meio guarani. Este aldeamento fez com

que o povo guarani, reproduzisse os costumes europeus passando a participar, familiarizar e

produzindo uma cultura com diversos aspectos cristãos. No entanto, com o fim dos redutos,

estes voltaram a ter uma influência externa menos intensa, porém não inexistente. Trazendo um

equilíbrio na interação entre a cultura indígena e não indígena.

Destaca Liebgott e Bonin em entrevisa a IHU-On Line (2010)

Os guarani, assim como os demais povos que convivem cotidianamente com a sociedade envolvente, foram constituindo estratégias e mecanismos necessários para compreender e saber conviver com as demais culturas. As transformações ou modificações culturais são inevitáveis – aliás, não há cultura no mundo que não seja continuamente reinventada, confrontada com novas situações e com novas práticas. Exatamente porque são feitas de práticas cotidianas, e não apenas de um conjunto de aspectos vinculados à ‘tradição’, que as culturas - inclusive as nossas -, subsistem e se movimentam.

Num passado distante, a identidade era um atributo original e não deveria evoluir. No

entanto, hoje é considerada dinâmica, e evolui além de ser motivo de luta social.

Para esses indígenas a terra se traduz em sua aldeia, seu tekohá [lugar para viver na

terra], onde este “congrega um conceito cultural sincrético muito mais abrangente que a simples

possessão de uma área de terra, significando o lugar, o meio e o modo de ser guarani”. [...]

(DEPRÀ, 2006, p.25).

Na concepção guarani o teko é o “jeito de ser”, as características tradicionais, ou seja, a

língua, cultura, ritos, andanças, religião, enfim, são os elementos que fazem o indígena se

reconhecer como pertencente á um grupo, ou seja, sua identidade. E sem o tekohá não há teko

“sem a materialidade da terra, não há possibilidade de construir-se enquanto ser cultural”.

(Idem, p.25) Portanto, a terra também e principalmente é um meio de subsistência espiritual, e

de identidade. Como destaca o antropólogo Antonio Brand "A identidade guarani remete,

diretamente, para a ideia de pertencimento e para as relações de parentesco.” Relações estas

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que são realizadas e construídas nos seus territórios tradicionais, através das visitas aos

parentes e locais que são lembrados através da história oral. “Daí a importância da concepção

de território como espaço de comunicação, com as suas marcas referidas e atualizadas pela

memória”. Entendemos então que a materialidade da terra fornecerá a base para manter a vida

física e consequentemente oferecerá oportunidades de se manter a identidade.

Portanto é na aldeia e no caminhar pelo território que é construída a identidade guarani,

e como vemos em Oliveira (2007, p.166) é o território que é lugar das reproduções das

memórias, da sociabilidade, onde um grupo em uma área geográfica desenvolve sua existência.

Buscando em Cuche (1999, p.183) onde este afirma que “a identidade se constrói e reconstrói

constantemente no interior das trocas sociais”, entendemos que o território do Oeste

paranaense, pode ser considerado como o locus da existência da identidade do Ava-Guarani.

Sendo substrato de suma importância para manutenção da mesma, pois é nesse território, onde

o guarani vai trocar experiências e práticas, materializando o seu modo de viver, reconhecendo-

se como indivíduo parte de um grupo e consequentemente produzindo sua identidade.

TERRAOs Ava-Guarani desde a década de 70 se organizam tentando unificar a Grande Nação

Guarani, que é a união dos povos guaranis que estão espalhados pelos territórios tradicionais, e

tentam conquistar seus direitos, entre eles o de recuperar suas terras tradicionais, neste caso

especificamente, territórios que se encontram ás margens do Rio Paraná, e que ao menos

garantam a possibilidade de estabilidade social das comunidades.

Levando-se em conta tais conhecimentos, vimos que o município de Guaíra se encontra

em território que possui um suporte histórico, que pode ser comprovado através de bibliografias

e peças cerâmicas produzidas por indígenas em tempos passados, além de diversas fontes

orais indígenas e não indígenas que citam que a presença de índios na região, sempre foi

constante, demonstrando pertencimento deste povo ao território em que hoje transitam e

ocupam.

Para o Ava-Guarani, a terra possui um significado que não se assemelha a propriedade

privada ou individual. A terra é vista como um suporte da vida, ligada ao conhecimento e as

crenças, ou seja, não é apenas um simples meio de sustento. Ramos (1986) ressalta que, a

terra não é apenas um recurso cultural, mas um recurso sociocultural.

Portanto consideramos a importância da terra para além, da questão da sobrevivência

física, mas sendo fundamentalmente ligada também a sobrevivência espiritual. O povo Guarani,

é um povo religioso, possuindo danças e ritos com várias horas de duração e como ressalta 7

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Sarah Ribeiro (2006, p.185) que também afirma que “todos os aspectos da vivência desta

sociedade são plenos de transcendência ou religiosidade” somamos também a afirmação de

Mircea Eliade (2001, p.25-26) que “Para o homem religioso, o espaço não é homogêneo” há o

espaço sagrado que neste caso são os seus territórios tradicionais e, portanto repleto de

significância e o profano, “sem estrutura e consistência”, portanto o espaço sagrado é o real, o

que importa de fato. “A manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo.” É neste

espaço que o sagrado se manifesta, nos territórios tradicionais como um todo, e é ali que se

funda o mundo Guarani, se torna o “[...] ‘ponto fixo’, o eixo central de toda a orientação futura.”.

Na fala coletada por Diogo Oliveira (2013, p.07) temos a dimensão da consciência

histórica do indivíduo Avá-guarani e do constante apelo ao elemento sagrado:

Nós, Avá-Guarani, somos pioneiros aqui, antes da chegada dos brancos, nossos avós viviam aqui. Principalmente na beira do rio. Eles organizavam e faziam o templo sagrado. E até mesmo já tinha naquela época a cidade sagrada do índio guarani Depois já vem o grande fazendeiro que desmatava, primeiro erva-mate, kaa, palmito, jejy, e logo depois madeira, yvyra. [...] Ao mesmo tempo ele não sabia que está fazendo um crime ecológico e que destruía tudo. [...] E o branco destruiu tudo fazendo grande mecanização e fazendas sem nenhum controle florestal. Ele usava agrotóxico, contaminava a água e a natureza foi ficando em extinção.

O espaço sagrado foi invadido pelo branco principalmente quando se intensificou a

colonização do Oeste paranaense, pois ocupou quase todas as áreas confinando os indígenas

em seu próprio território, deixando para eles pequenas reservas ou locais ainda não ocupados

por problemas de titulação e sem as condições materiais necessárias, como áreas agricultáveis

e mata principalmente esta, que “[...] é o locus de relações fundamentais da cosmologia e

mitologia Ava-Guarani [...]” (ALBERNAZ, 2007, p.154). Como podemos ressaltar no depoimento

de um indígena, obtido por Sarah Ribeiro (2006, p.177) “O colono vai chegando devagarinho e

depois foi aumentando, e ele faz o que ele quer. [...] o branco tá cheio demais, quando chega lá

em 60, 70 já tá cheio de branco lá”. Sendo assim, não sobram áreas que são suficientes para a

sobrevivência tanto física quanto que garantam a sobrevivência do teko.

Viver em pequenas porções de terra não é adequado a um povo para quem a terra é fonte de vida, é lugar onde se restabelecem elos entre eles e seus ancestrais, onde se celebra a vida, onde se cultiva a porção divina que vive em cada pessoa, e onde se organiza o viver. Sobre ela se estrutura o nhande rekó – o modo de ser guarani. (LIEBGOTT, Roberto A; BONIN, Iara 2010).

Com a organização desses povos em torno de um movimento social formalmente se

evidencia a reivindicação desses povos pelo seu território, identidade, cultura e sacralidade

chamando a atenção de esferas nacionais e internacionais. E essa dimensão religiosa inserida

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na luta pela terra serve como combustível que alimenta a coragem dos indivíduos envolvidos,

no que parece elevar a condição de oprimido histórico até a de escolhidos por Deus.

O sentido de dignidade das camadas socialmente reprimidas ou das camadas cuja situação é negativamente (ou pelo menos não positivamente) avaliada, é mais facilmente alimentada com a crença de que uma ‘missão’ especial lhes foi confiada; seu mérito é garantido ou constituído por um imperativo ético... Seu valor é assim transportado para algo que vai mais além deles mesmos, transformando em uma ‘tarefa’ que é colocada diante deles por Deus. Uma das fontes de poder ideal de profecias éticas entre as camadas socialmente em desvantagem reside nesse fato. (WEBER, Max, apud LOWY, Michael. 2000 p. 70).

Considerações Finais

A cultura, identidade e sacralidade indígena entram em choque com o projeto capitalista

de expansão econômica, que vê ainda nas terras indígenas fontes de riqueza e continua a

ignorar a presença desses povos e a importância desta terra para os mesmos.

Isto atualmente vem ocorrendo por todo o Brasil, porém é surpreendente no caso do

Oeste do Paraná, que ignora sua história, e assume outra identidade regional, uma identidade

branca, e discriminadora. Neste conflito, temos os interesses capitalistas que garantem o lucro

de poucos matando não só fisicamente, como acontece nos conflitos entre indígenas e

proprietários, mas também, exterminando um povo rico em saberes e práticas culturais.

Também na atual discussão nacional de tolerância religiosa, acaba-se esquecendo da variada

riqueza de crenças tradicionais dos povos nativos. Portanto reafirma-se que há a necessidade

de demarcar e garantir reservas indígenas espalhadas pelos territórios tradicionais e com uma

área considerável que possibilite toda população que ali vive manter o seu teko e

autossuficiência.

Garantindo a base, a terra, garante-se também, que a cultura seja mantida, não estagnada,

mas em seus processos dinâmicos, e que o individuo pertencente àquela comunidade, se

reconheça, tenha sua identidade mantida, como assim o desejam, e possam também ter

acesso ás condições básicas de cidadãos brasileiros. Por fim, ressaltamos a consideração feita

no Documento Final do III Encontro Continental do Povo Guarani (2010) “[...] a terra sagrada é a

vida para nossos povos.”.

Referências Bibliográficas

III Encontro Continental do Povo Guarani – Documento Final. Assunção, Paraguai. 2010

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