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II.I Aterosclerose Módulo 2 – Fascículo 1 – Ano 1 – 2002 •Síndromes coronarianas agudas: patologia e métodos diagnósticos •Síndromes coronarianas agudas sem elevação de segmento ST: determinantes da conduta clínica •Aspectos atuais da trombólise no infarto agudo do miocárdio •Endocardite infecciosa Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia

II.I Aterosclerose - educacao.cardiol.breducacao.cardiol.br/pec/aterosclerose/fasciculos/2002a1f1m1/2002a1... · André Marcelo Soares, por me permitirem transcrever quase literalmente

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II.I AteroscleroseMódulo 2 – Fascículo 1 – Ano 1 – 2002

•Síndromes coronarianas agudas: patologia e métodos diagnósticos

•Síndromes coronarianas agudas sem elevação de segmento ST: determinantes

da conduta clínica

•Aspectos atuais da trombólise no infarto agudo do miocárdio

•Endocardite infecciosa

Programa de Educação Continuada da

Sociedade Brasileira de Cardiologia

Sumário

Escolha do editor 4

Escolha do Editor – Edson A. Saad

1. Artigo da dra. Tânia L. Martinez – Hipocolesterolemizantes. Bases paraseu uso. Evidências recentes

2. Artigo do dr. José Geraldo de Castro Amino – Diretrizes emprevenção da doença coronariana

3. Artigo dos drs. Leopoldo Piegas e Álvaro Avezum – Tratamento dainsuficiência coronariana aguda e crônica baseado em evidências

4. Artigo dos drs. Max Grinberg e Pablo Pomerantzeff – Cirurgiaorovalvar. Diretrizes. Ensaios multicêntricos. O que se aplica à clínica?

No próximo fascículo...No próximo fascículo...

7Síndromes coronarianas agudas: patologia e

métodos diagnósticos

Protásio Lemos da Luz; Roberto Esporcatte

16

Síndromes coronarianas agudas sem elevação de

segmento ST: determinantes da conduta clínica

Elias Knobel; Helena Cristina Mendes Di Benedetto;Marcos Knobel; Álvaro Avezum

23Fernando Oswaldo Dias Rangel; Roberto Esporcatte

Aspectos atuais da trombólise no infarto agudo

do miocárdio

Roney Orismar Sampaio; Max Grinberg

Endocardite infecciosa

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Presidente

Juarez Ortiz

Diretor Científico

Rubens Nassar Darwich

Editor Responsável

Edson A. Saad

Editores Associados

Protásio Lemos da LuzTânia L. MartinezÂngelo de Paola

Editor

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Direção de arte

Hélio Malka Y Negri

Coordenação editorial

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Assistência editorial

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Revisão

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E D I T O R A®

4 Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002

Escolha do editor

Transcrevo aqui, por insuperável, o que escreveu Alice Reis Rosa no livro de Talita Franco sobre cirurgiaplástica. Vejam a beleza do texto, a clareza dos conceitos, a elegância do bem-dizer, sem afetações: um exemplo,por certo, de extremo valor para o exercício da arte médica. Sou profundamente grato a Alice Reis Rosa e aAndré Marcelo Soares, por me permitirem transcrever quase literalmente parte do capítulo de ética, e a TalitaFranco, a quem também agradeço penhoradamente.

O movimento da bioética

Os avanços da ciência, as inovações tecnológicas, a multiplicação das especialidades, o vulto dos recursos destina-dos à pesquisa biomédica, o desenvolvimento da indústria de equipamentos e medicamentos, os custos crescentes e acomplexidade da assistência médica, somados à preocupação com os direitos humanos e com a saúde individual,coletiva e do meio ambiente, deram origem a um campo interdisciplinar de estudos, fundamental hoje para a educa-ção médica.

A Bioética surgiu em 1971 com a obra Bioethics: a Bridge to the Future, de autoria de um oncologista, VanRensselaer Potter, cuja preocupação primeira era ecológica. Oito anos mais tarde, Beauchamp & Childress publica-ram Principles of Bioethics, que restringiria a Bioética aos meios científicos. Essas obras são as bases da Bioética queconhecemos hoje, mas foi a última delas que introduziu seus quatro princípios fundamentais: autonomia, beneficên-cia, não-maleficência e justiça.

Um dos pioneiros nesse campo, Francèsc Abel i Fabre, ginecologista e obstetra, fundador do Instituto de Bioética,em Barcelona, insiste em que a Bioética é, fundamentalmente, diálogo: “Um diálogo entre pessoas competentes, dediversas disciplinas, dispostas a escutar e a mudar”. Para ele, é preciso estar disposto a aprender com outros, a ouviropiniões contrárias, a procurar compreender a própria incapacidade de entender o outro, para que se analisem osconflitos de valores resultantes dos progressos da Medicina e da Bioética, conflitos entre ciência e ética.

A Bioética não é disciplina normativa, não faz prescrições para as questões de natureza moral. Procura umconsenso em torno dessas questões, tendo como ponto de partida contribuições diversas, de profissionais diver-sos, numa sociedade pluralista. Cada caso é um caso. Seus princípios são meios de que dispomos para orientarnossas ações no exercício profissional no sentido do bem do paciente. Beneficência é o compromisso com obem-estar do doente, é o dever de fazer o bem para o doente. Ser beneficente é da essência da profissão. Nasolenidade de colação de grau, os médicos são investidos da autoridade para o exercício profissional e prestamum juramento: exercer a Medicina sempre fiel aos preceitos da ciência e da caridade. E o juramento permanece.

Pode-se perguntar: qual é a novidade? Tradicionalmente, a conduta do médico não se deve pautar pela beneficên-cia? Não está no mandamento hipocrático, de 460 a.C.? Sim, mas ela se exercia como paternalismo. Por se exercer demodo unilateral, excluindo o outro da decisão, o paternalismo não garante que se faça o que é bom para o outro. Nãose desconsidera que o paternalismo possa ser exercido de modo benevolente, mas, hoje, é preciso ter presente anecessidade de respeitar a autonomia do paciente.

Autonomia é a capacidade do homem de reger-se, de autodeterminar-se. Por isso, preferem alguns dizer que omédico deve orientar-se pela beneficência e pelo respeito à autonomia, isto é, pelo respeito à capacidade do doente defazer escolhas, de decidir. No encontro médico/paciente, há interação entre beneficência (do médico) e autonomia(do paciente). A autonomia do doente limita a beneficência do médico. Essa é a mudança, essa é a novidade, nosúltimos 25 anos, no que se refere à relação entre os dois.

A ação do médico não pode ultrapassar os limites da consideração do paciente como pessoa. O paradoxo dabeneficência será o cuidado do médico em anular o indivíduo que é objeto desse cuidado. É preciso respeitar a pessoado doente, considerar que ele é um outro eu – com passado, história, expectativas e valores que regem sua conduta esuas relações com os outros. O paciente deve decidir sobre seu corpo, sua saúde, sua qualidade de vida, seu destino.

Na relação médico/paciente, é necessário distinguir a responsabilidade das decisões. Umas pertencem ao mé-dico: conduzir a anamnese; realizar o exame físico; solicitar exames; prescrever a medicação; escolher o procedi-mento operatório. Outras cabem ao paciente: fazer ou não o exame; internar-se ou não; submeter-se ou não à

Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002 5

operação. Para que o paciente possa decidir, é dever do médico, fiel à beneficência, informar, esclarecer, certificar-sede que o doente entendeu tarefas para as quais os médicos não estão inclinados.

Como decorrência do princípio da autonomia, é preciso melhorar a comunicação com o doente, entendidacomo compreensão do outro, respeitar a sua individualidade, atitude de escuta, para compreender o que o outrodeseja comunicar. É preciso tornar a relação interativa, dividir a decisão com o doente. Um procedimento diagnósticoou terapêutico não deve ser imposto como uma necessidade. O médico reluta em aceitar o doente como um parceiroem decisões. Insiste em subtrair a capacidade de decisão que o paciente aplica a todas as outras situações da sua vida.Em artigo escrito há muito mais de 25 anos, um clínico manifestava sua sensibilidade apurada ao dizer: “A perda dapossibilidade de tomar decisão deve ser o maior golpe no estado de ânimo do paciente”.

Um esclarecimento necessário

Para melhor entendimento do propósito deste texto, cabe fazer a distinção entre Ética, Moral, Deontologia eBioética. Em linguagem corrente, usam-se ética e moral como sinônimos. Por isso mesmo, ouve-se que ética nãose ensina. Por isso mesmo, considera-se “médico ético” o que observa os deveres no trato com os pacientes ecolegas, e não o médico com competência passiva, em que se aliam competência técnica e preocupação com opaciente como pessoa.

Ética pode ser ensinada, porque é ciência, diversamente da Moral (mors, moris, costumes), que é uma prática.Não basta ao médico saber o que é bom; ele deve praticar o que é bom. Não basta praticar de qualquer modo; épreciso observar as regras jurídicas. Ética médica deve ser um misto de boa prática profissional (Moral) com retaprática profissional (Deontologia).

Antes de qualquer definição positiva de ética, convém esclarecer os limites de seu alcance. Para isso, é precisodistinguir a Ética da Moral, da Deontologia e da Bioética, com o recurso a uma anamnesis histórico-conceitual,que remonta ao pensamento grego.

No século V a.C., com a vitória da democracia escravista e o surgimento de instituições eletivas, apareceram,na Grécia, em particular em Atenas, os primeiros problemas éticos referentes à vida pública na polis (cidade). Nessesentido é que a Ética se relaciona primordialmente com a política, isto é, com o comportamento humano na vidaem sociedade. Assim, pode-se entender melhor os pensamentos de Sócrates, Platão e Aristóteles, relacionados coma cidade-estado, uma comunidade democrática limitada por um espaço geográfico. A destruição da autonomia dascidades-estado, pela ascensão dos grandes impérios (macedônio e romano), levou os filósofos estóicos e epicuristasa não mais relacionar a ética com a polis, mas sim com o cosmos (universo), desvinculando-a, portanto, da organi-zação social.

Se os primeiros problemas éticos do Ocidente surgiram com os gregos, o problema da distinção entre Ética,Moral e Direito só apareceu na Modernidade, com a autonomia das ciências e a passagem do teocentrismo parao antropocentrismo, ocasionando a separação entre o bem (ideal) e o bom (real), entre o legal (jurídico) e olegítimo (justo).

Na Idade Média, a Filosofia, incluindo a Ética, estava subordinada à Teologia. Na Modernidade (séculos XVI-XIX), começa o desenvolvimento de uma nova tendência, que acabou por separar o agir do homem da concepçãouniversal de bem, válida para todos. A Ética originada dessa tendência atingiu seu ponto culminante no pensa-mento de Immanuel Kant (1724-1804), no qual o homem, e não mais Deus, se apresenta como legislador supre-mo. Tal como Copérnico, ao demonstrar que a Terra girava em torno do Sol, e não o contrário, Kant realizou umarevolução no modo de conceber a Ética, trocando de lugar o teocentrismo com o antropocentrismo.

Contrariamente a Aristóteles, que na Antigüidade propusera o problema teórico da definição do bom, Kantestava preocupado em determinar o que cada indivíduo deve fazer concretamente para que seu ato possa ser consi-derado bom. Confrontando a posição desses dois filósofos, é possível distinguir a preocupação genérica com o queé bom da preocupação com o agir em cada situação concreta. Eis aí a primeira distinção entre Ética e Moral.

A Ética é um conhecimento racional que, partindo da análise de comportamentos concretos, se caracterizapela preocupação em definir o que é bom. Sua natureza é de ordem conceitual. A Moral se inclina ao problema do

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que fazer em cada situação concreta. É de ordem eminentemente prática, sendo impensável fora de um contextohistórico, social, político e econômico. As duas não se excluem e não estão separadas, embora os problemas teóricose práticos se diferenciem. Pode-se dizer que decidir e agir concretamente é um problema prático e, portanto,moral. Investigar a decisão e a ação, a responsabilidade que lhes é inerente, o grau de liberdade e determinismo queencerram é um problema teórico e, portanto, ético. Vale recordar Aristóteles: não pesquisamos para saber o que éa virtude, mas para sermos bons.

O valor da Ética está no que explica. Não lhe cabe formular juízos de valor acerca de uma prática moral realizadaem outras sociedades, em outras épocas, em nome de uma moral absoluta e universal. A Ética deve partir sempre damoral como realidade histórico-social, e tentar explicar a diversidade e as mudanças das práticas morais, sem tomarpartido deste ou daquele princípio em particular.

A variedade de contextos históricos, sociais e culturais leva à pluralidade de morais. Isto significa dizer que moraisconcretas podem coexistir ou se suceder. Tal caráter evolutivo deve ser acompanhado pela coletividade, que deve serlevada a considerar como bom e proveitoso tudo aquilo que fortalece a união de todos. Surge daí a necessidade deajustar o comportamento moral, tendo como base uma tábua de deveres e obrigações baseada naquilo que a comuni-dade entende como bom e útil.

A moralidade do agir, ou seja, o conjunto dos atos concretos que se tornaram costumeiros e adquiriram sentidocom respeito à moral vigente, funda uma norma moral, mas nem sempre funda uma norma jurídica (legal). Enquantoa norma moral se cumpre por uma convicção íntima do indivíduo, a norma jurídica se cumpre por uma imposiçãocoercitiva de natureza externa. A adesão interna, própria da norma moral, não é exigida pela norma jurídica. Aindaque alguém esteja intimamente convencido de uma lei é injusta, isto não lhe permite a transgredir. Por sua vez, sealguém está convencido de que uma determinada ação não é boa, isso já é o bastante para não a praticar.

A confusão entre Ética, Moral e Deontologia pode gerar dúvidas quanto à responsabilidade do médico naatuação profissional. Por exemplo, não basta definir o que é bom, o médico deve querer fazer o bem. Mas não bastaquerer fazer o bem, ele precisa ser efetivado. Mais ainda, o bem não pode ser efetivado de qualquer maneira, é precisorealizá-lo cumprindo adequadamente uma conduta profissional.

Na prática médica, é preciso realizar uma distinção entre o comportamento moral do cidadão que é médico e ocomportamento moral na Medicina. O comportamento moral do cidadão médico é regulado pela moral vigente, querege o comportamento moral de qualquer outra pessoa numa determinada comunidade. Daí, afirmar-se que a con-vicção moral do médico nem sempre está diretamente relacionada ao bem-estar que o paciente objetiva alcançar. Umexemplo disto seria a recusa do anestesista ou do obstetra em fazer seu trabalho em um aborto legal, por força de suasconvicções morais, contrárias ao abortamento. O comportamento moral na Medicina se expressa, essencialmente, nocuidado do paciente. No exercício da profissão, existem normas morais comuns a todos os médicos, e que dizemrespeito à relação do médico com a sua prática, possibilitando a avaliação de determinadas ações como moralmenteboas ou não. A Deontologia estabelece as condutas aceitáveis e pune as reprováveis. É uma regulamentação externa,alheia à vontade do profissional.

A Bioética pretende ir além do aspecto deontológico, sem, contudo, se transformar numa doutrina do bem(Ética). Por outro lado, o aspecto deontológico, que é ultrapassado, não é ignorado. A moral médica e a norma moralem vigor numa determinada sociedade também são levadas em conta, porque não existe prática médica fora de umdeterminado contexto social e sem conformidade com o mesmo. É assim que a Bioética se distingue daquilo de quese utiliza, ou seja, ela não é Ética (estudo do bem), não é Moral (prática do bem) e não é Deontologia (código deconduta), embora seja impossível sem estas.

Se a aproximação da Bioética com a Ética, a Moral e a Deontologia ocorre por ser ela um conhecimento complexode característica interdisciplinar, seu distanciamento ocorre por ter uma natureza problematizadora: o que na Ética éestudado, na Moral é praticado, e na Deontologia é obrigado, na Bioética é problematizado. Em Bioética, o bem ésempre compreendido a partir da autonomia de um indivíduo determinado, e nunca de modo abstrato, ou coletivo. Obem-estar de cada paciente é a base para a problematização e, por isso mesmo, a Bioética deve preceder a Deontologia,impossibilitando, assim, que um caso concreto seja transformado em axioma universal e abstrato.

Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002 7

1Diretor da Unidade Clínica de Aterosclerose do InCor – HC/FMUSP.2Professor Assistente de Cardiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Coordenador Médico da Unidade Coronariana do Hospital Pró-Cardíaco.

Figura. Fatoresassociados àinstabilizaçãoda placaaterosclerótica

Fat. hemodinâmicos shear stress espasmos

Morfologia da placa capa fibrosa fina lípides

Disfunção endotelial erosão alterações funcionais

Processo inflamatório formação da matriz destruição da matriz RLO MMP

Processo trombótico fat. tecidual PAI-1; t-PA

2

Autores

Protásio Lemos da Luz1

Roberto Esporcatte2

II.I

As síndromes coronarianas agudas (SCA), que incluem a angina instável, o infarto agudo do miocárdio comou sem onda Q e a morte súbita, dependem essencialmente de fenômenos que ocorrem na placa aterosclerótica.O resultado final de tais fenômenos é a oclusão total ou parcial da artéria coronária, causando graus distintos

de lesão miocárdica, que variam desde isquemia moderada e transitória até necrose miocárdica irreversível.

Síndromes coronarianas agudas:

patologia e métodos diagnósticos

Alguns elementos são importantes no desencadea-mento das SCAs, e podem ser referidos como responsá-veis ou contribuintes da instabilização da placa. A lesãodesencadeante destes eventos agudos pode ocorrer porerosão da superfície endotelial, por hemorragia intraplacaou, mais freqüentemente, por ruptura da placa e conse-qüente exposição do núcleo lipídico, levando a fenô-menos trombóticos.

Na Figura, esquematizamos os vários fatores rela-cionados à instabilização da placa. Assim, fatoreshemodinâmicos contribuem para sua ruptura. O estressede cisalhamento (shear stress), causado por forças para-lelas à superfície endotelial, pode levar à fadiga ou rup-tura da capa fibrosa; porém a mais importante destasforças é o estresse circunferencial, que, seguindo a leide Laplace, causa diferentes respostas nas várias regi-ões da placa. Quanto mais espessa é a capa fibrosa,menor é o estresse circunferencial da parede, e quantomaior o volume do núcleo lipídico, maior também éeste estresse, principalmente próximo às bordas da ín-tima normal. Outro fator é o espasmo coronariano,que, apesar de muitas vezes estar associado à rupturada placa, parece ser mais uma conseqüência do quecausa desta.

A morfologia da placa também é importante.Ambrose et al. e Little et al. observaram que a magni-tude das estenoses visualizadas em cinecoronariografianão é o único fator determinante da gravidade e evo-lução para SCAs; assim, em pacientes com IAM, de-monstrou-se que 66% deles tinham estenose menorque 50%, e em 97% a estenose não chegava a 70%.

Já Gertz et al. e Roberts et al. encontraram gran-des núcleos lipídicos (32% do total) em placas rotasassociadas a infartos, enquanto nos segmentos comcapas fibrosas intactas este volume perfazia 5% a 12%

do total da placa. Também Davies et al., estudandosegmentos de aortas, demonstraram que quanto maiso volume do núcleo lipídico contribui para o tama-nho da placa, mais vulnerável é esta. Davies propôsque, se este núcleo lipídico ocupar mais de 40% dototal da área da placa, existe um elevado risco de rup-tura e trombose. Estima-se que o achado de lesões le-ves a moderadas associadas a eventos agudos ocorrapor maior presença deste tipo de placa e ausência decirculação colateral; isto não quer dizer que grandesestenoses não causem síndromes agudas; naturalmen-te também o fazem. As placas ateroscleróticas consi-deradas vulneráveis são caracterizadas por grande nú-cleo lipídico, elevada densidade de macrófagos, elevadaexpressão de fator tecidual, reduzido número de célu-las musculares lisas e uma fina capa fibrosa. Recente-mente, Higuchi et al. demonstraram que placas instá-veis têm remodelamento positivo, provavelmente poruma inflamação mais intensa na adventícia, e as pla-cas estáveis se mantêm com mesmo diâmetro ou fa-zem remodelamento negativo, por maior concentra-ção de fibrose na adventícia.

8 Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002

A disfunção endotelial também é fundamental. Vin-te a 25% dos casos relacionados à trombose responsá-vel por morte cardíaca ocorrem por uma erosão e per-da superficial da integridade da íntima, porém semruptura. Lesões erosivas ocorrem mais em jovens emulheres, têm menos calcificação, são mais freqüen-tes em artérias de menor calibre, porém em regiões demaior grau de estenose, além de possuírem menor con-centração de macrófagos e células T em comparaçãoàs placas com ruptura. A erosão provoca exposição dasuperfície subendotelial, principalmente do colágeno edo fator tecidual, aos componentes do sangue, estimu-lando a formação de trombo mural. Discretas áreas deerosão levam a formações de pequenos trombosplaquetários sem importância clínica, que podem esti-mular a proliferação de células musculares lisas e a rege-neração endotelial, ou alterar a resposta vasomotora daartéria, predispondo à vasoconstrição. Grandes áreasde erosão de células endoteliais levam à formação detrombos maiores com fibrina, células vermelhas eplaquetas, podendo ocorrer a oclusão parcial ou totaldo vaso e conseqüente sintomatologia.

Uma forma menos comum de ruptura da placaocorre dentro desta, em direção à luz da artéria, de-pendente de uma elevada pressão intraplaca, que po-deria ser causada por hemorragia a partir de vasavasorum na placa.

Processo inflamatório talvez seja o determinante fun-damental da ruptura. O principal responsável pela in-tegridade da capa fibrosa é o colágeno intersticial dostipos I e III, sintetizados predominantemente pelas cé-lulas musculares lisas. Existem três fatores que podemlevar à redução do colágeno: a) redução de síntese porcélulas musculares lisas, que ocorre por ação da citocinainterferon-gama, produzida por linfócitos T ativadosem presença de inflamação crônica; b) redução do nú-mero de células musculares lisas, que também ocorredevido à ação de citocinas como o interferon-gama, ainterleucina-1 e o fator de necrose tumoral-alfa, atra-vés tanto de inibição da proliferação, como por ativa-ção de apoptose destas células musculares lisas; c) ou-tra forma de agressão à capa fibrosa ocorre através deum conjunto de enzimas proteolíticas, metaloprotei-nases, principalmente a colagenase intersticial,gelatinase B e estromelisina, que geralmente estão pre-sentes em quantidades mínimas, mas têm sua síntesemuito aumentada pelos macrófagos. Esta família deenzimas, juntamente com os macrófagos ativados, tema capacidade de digerir todos os componentes da ma-triz estrutural da capa fibrosa. Portanto a diminuição

da síntese da matriz intersticial e o aumento de suadegradação contribuem para o enfraquecimento dacapa fibrosa da placa.

Existem algumas evidências de que agentes infec-ciosos, principalmente a Chlamydia pneumoniae, pos-sam participar deste processo inflamatório. Recente-mente, Higuchi et al. demonstraram que esta bactériase encontra em quantidade muito mais elevada na ad-ventícia de placas instáveis do que em outros segmen-tos com placas estáveis.

Encontrou-se também expressão aumentada daenzima conversora de angiotensina (ECA) nas bor-das de placas rotas, sugerindo que esta enzima pode-ria induzir variações na concentração local de angio-tensina II e/ou bradicinina, podendo promover ainstabilização destas placas. A hipertensão, tambémcom sua ação pró-inflamatória, aumentaria a forma-ção de peróxido de hidrogênio e radicais livres noplasma, que reduz a formação de óxido nítrico peloendotélio, aumenta a adesão de leucócitos e aumentaa resistência periférica.

Por fim, o processo trombótico determina oclusãoparcial ou total do vaso. Quando ocorre erosãoendotelial, o colágeno exposto, associado ao fator devon Willebrand, ativa as plaquetas, promovendo suaadesão e agregação. Quando ocorre ruptura da capafibrosa, a exposição do núcleo lipídico, principalmen-te por efeito do fator tecidual que tem um potenteefeito pró-coagulante, ativa o fator VII, o qual ativaráo fator X e a trombina, levando à formação do trombo.Pacientes com doença coronariana progressiva apre-sentam um estado de hipercoagulabilidade com au-mento de fibrinogênio, fator VII, fator de vonWillebrand e fibrinólise reduzida. A presença de nívelelevado de inibidor de ativação do plasminogêniotecidual (PAI-1) tem sido demonstrada em estudoscomo fator de risco para doença isquêmica do miocár-dio e infarto agudo, devido a um desequilíbrio entrefatores trombóticos e fibrinolíticos.

Como se vê, o processo de instabilização da placaenvolve vários fatores, incluindo características estru-turais da lesão, processos inflamatório e trombóticoque finalmente causam redução do fluxo coronarianoe as manifestações clínicas da isquemia.

Métodos diagnósticos atuais

Para o diagnóstico de IAM em evolução ou re-cente deve ser documentada a liberação típica de mar-cadores de necrose miocárdica (MNM): concentra-ção máxima de troponina T ou I excedendo o

Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002 9

percentil 99 em pelo menos uma dosagem ou valormáximo de CK-MB (preferencialmente CK-MB de-terminada pelo método de massa) excedendo opercentil 99 em duas amostras sucessivas, ou, então,valor máximo excedendo duas vezes o limite superiordo normal em dosagem realizada nas primeiras horasapós o evento índice. Assim, SCA com presença séricade MNM deve receber diagnóstico de (pequeno)infarto do miocárdio.

Na angina instável, a intensidade e a duração doprocesso agudo de isquemia não são suficientes paraproduzir necrose miocárdica. Estes pacientes geral-mente não apresentam elevação de ST no eletrocar-diograma (ECG) e não há elevação dos MNM. En-tretanto a isquemia profunda pode permitir aliberação de MNM de menor peso molecular, comoas troponinas, o que tem elevado valor prognóstico,correlacionando-se com maiores taxas de óbito,infarto e necessidade de revascularização, tanto nafase hospitalar como na fase crônica.

No IAM sem supra de ST, a isquemia miocárdicatem intensidade e duração suficientes para produzirnecrose miocárdica. O ECG inicial freqüentemente nãoexibe elevação do ST, e a maioria dos pacientes não de-senvolve onda Q, justificando o diagnóstico final deIAM sem onda Q. O IAM sem supra de ST é diferen-ciado da AI pela detecção dos MNM que se elevam noIAM sem supra de ST, mas não se elevam na AI. Aapresentação inicial pode ser SCA com ou sem suprade ST. Geralmente o diagnóstico é feito retrospectiva-mente, baseado na elevação dos MNM.

Na prática, o ECG admissional e seriado é es-sencial, pois a identificação de supradesnivelamentodo segmento ST impõe a implementação de estra-tégias de reperfusão como trombólise ou angioplas-tia, enquanto na sua ausência ênfase maior teráo uso de antiagregantes plaquetários, antitrom-bínicos e a estratificação para eventual estudocoronariográfico.

Novos marcadores de necrose

miocárdica e inflamação

sistêmica

Sinais, sintomas e eletrocardiograma freqüente-mente são atípicos ou inconclusivos. A presença dosupradesnivelamento de ST em pacientes com quadroclínico de dor precordial tem alto valor preditivo paraa presença de IAM (> 95%), e a dosagem de MNMséricos pouco se altera na avaliação diagnóstica. É nogrupo de pacientes sem supradesnivelamento de STque a confirmação laboratorial de necrose miocárdicaé mais importante, permitindo distinguir o infarto semonda Q da angina instável e estratificar os pacientes.

Idealmente, o MNM deveria ser 100% miocárdi-co-específico, com liberação celular e depuraçãoplasmática rápidas, com relação linear com grau deinjúria e aferida por método de execução fácil, imedia-ta e barata. Nenhum MNM preenche isoladamente to-dos estes quesitos, portanto utilizamos associação de mé-todos para maior precisão diagnóstica. A Tabelaapresenta a cinética dos principais MNM incorpora-dos à prática atual.

TroponinasO complexo protéico das troponinas compreende

as unidades C, T (TnT) e I (TnI). A TnI é mais espe-cífica para o miocárdio, não se eleva em doenças mus-culares esqueléticas nem em pacientes com insuficiên-cia renal. As troponinas são os marcadores de danomiocárdico mais recentemente descritos e recomen-dados em face da sua especificidade quase absoluta,assim como elevada sensibilidade, refletindo, destaforma, zonas até mesmo microscópicas de necrosemiocárdica. Frente à sua maior especificidade para adetecção de pequenos danos miocárdicos, estima-se quecerca de 30% dos pacientes que se apresentam semsupradesnivelamento do segmento ST, e que seriamclassificados como portadores de angina instável, naverdade estariam evoluindo com IAM sem onda Q.

Tabela – Cinética dos principais marcadores de necrose miocárdica

Marcador Detecção inicial (h) Atividade máxima (h) Normalização

Mioglobina 1-3 6-9 36 horas

Troponina T 2-4 12 10 a 14 dias

Troponina I 4-6 12 7 a 10 dias

CK-MB 3-5 24 2 a 4 dias

CK total 4-8 12-24 3 a 4 dias

10 Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002

A TnI aumenta 3-12h após o IAM, com picoem torno de 24 horas, normalizando em cinco a dezdias. Possui sensibilidade de quase 100% entre 12he 72h e especificidade de 97,4%, não sendo detec-tado em pessoas saudáveis. É um excelente marcadordiagnóstico em caráter retrospectivo, assim comoem pós-operatório de cirurgia cardíaca. Níveis ele-vados de troponinas por si só discriminam pacien-tes com alto risco para eventos adversos tais comoóbito, infarto ou outras intercorrências isquêmicas.Pacientes com MNM positivo são aqueles que maisse beneficiam de novas estratégias terapêuticas, comoo uso de heparinas de baixo peso molecular, inibi-dores da glicoproteína IIb/IIIa e intervençãocoronariana precoce.

Creatinofosfoquinase (CPK) e fraçõesA CPK eleva-se entre 4h e 8h após o IAM, com

pico médio aproximadamente em 24 horas, normali-zando em dois a três dias. Para ser considerada diag-nóstica de IAM, a CPK deve elevar-se pelo menos duasvezes acima do limite superior da referência. Resulta-dos falsos positivos ocorrem em cerca de 15%, especial-mente na presença de doenças musculoesqueléticas, di-abetes melito, intoxicação alcoólica, exercícios vigorosos,convulsões, acidentes vasculares encefálicos, insuficiên-cia renal, traumas musculares e tromboembolismo pul-monar. Recentes técnicas analíticas permitiram aquantificação da massa da CK. Na dosagem dasisoenzimas da CPK (frações MM, MB e BB), onde afração MB é a mais específica para o IAM, é impor-tante ressaltar que podem ocorrer elevações em outrasdoenças, como do intestino delgado, da tireóide, dalíngua, do diafragma, do útero e da próstata. Se amensuração das troponinas não for disponível, a me-lhor alternativa é a detecção da CK-MB pelo métodode massa.

MioglobinaA mioglobina é mais sensível e específica do que

a CK-MB, aumentando entre 1h e 4h após o IAM,com pico entre 6h e 7h, normalizando-se em cercade 24h. Possui um valor preditivo negativo de qua-se 100%, é facilmente mensurável, demorando cer-ca de 10min a 15min para se realizar o exame. Tam-bém apresenta elevação na angina instável, cirurgiasou traumas recentes, pós-convulsões, exercícios in-tensos, doenças musculares, após manobras deressuscitação cardiopulmonar, injeções intramuscu-lares e insuficiência renal. A utilização clínica da mi-

oglobina, assim como das isoformas da CK-MB,pode ser considerada frente à necessidade de diag-nóstico precoce, mas um marcador de elevação maistardia deve ser empregado para confirmação diag-nóstica.

Aspartato aminotransferaseEleva-se entre 8h e 12h após o IAM, com o pico

de elevação entre 18h e 36h, normalizando-se em trêsa quatro dias. Apresenta baixíssima especificidade, sen-do de pouca utilidade prática e devendo ser substituí-da pelos outros marcadores.

Desidrogenase lácticaA LDH eleva-se após 10 horas do IAM, com pico

máximo entre 24h e 48h e normalização em oito a 14dias. Possui cinco isoenzimas da LDH, sendo a LDH1a mais específica para o miocárdio, elevando-se oito a24 horas após o IAM. Em mais de 95% dos pacientesé observado um aumento na relação LDH1/LDH2,usando-se a referência = 1 para o diagnóstico de IAM.Atualmente, a análise das isoenzimas da LDH não sejustifica em face da ampla disponibilidade dasisoenzimas da CK. Devido às baixas especificidade esensibilidade quando comparada com as troponinasrecomenda-se que a LDH também seja substituídapelos novos MNM.

Proteína C reativa (PCR)As respostas de fase aguda são induzidas por

citocinas liberadas de tecidos inflamados, podendoelevar a síntese hepática de alguns elementos comoa PCR, fibrinogênio, amilóide sérico A e ferritina,ou reduzir os níveis de outras proteínas, como aalbumina e a transferrina. O papel fisiológico daPCR nos mecanismos da homeostase não está bemcompreendido, mas a sua relação com a doença car-diovascular é amplamente reconhecida. Elevações daPCR podem refletir ação de agentes infecciosos,extensão e gravidade da aterosclerose, isquemia ounecrose miocárdica, ou mesmo expressão de eleva-das quantidade e atividade de citocinas pró-infla-matórias circulantes.

Níveis elevados de PCR na admissão, durante ainternação ou mesmo na pré-alta hospitalar guar-dam elevado poder preditivo de eventos adversos amédio e longo prazos. Porém parece incerto queníveis elevados devam merecer terapia inflamatóriaespecífica. Assim, a dosagem de rotina de PCR nãoparece ser justificada.

Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002 11

Contribuições adicionais e

particularidades da

eletrocardiografia

convencional

Os achados eletrocardiográficos dependem de vá-rios fatores relacionados à isquemia miocárdica, emespecial sua duração (hiperaguda, aguda e crônica), ex-tensão (transmural ou subendocárdica) e localização(anterior, inferior, posterior, ou combinações). Clara-mente, anormalidades persistentes e transitórias do seg-mento ST e modificações de onda Q ou T em traça-dos seriados apresentam maior poder discriminatóriode isquemia aguda ou infarto do que aquelas observa-das em um único ECG.

Tradicionalmente são descritas quatro apresentaçõesde SCA, onde a isquemia miocárdica determina dife-rentes manifestações eletrocardiográficas: (1) isquemiasubendocárdica, com depressões transitórias do segmen-to ST; (2) isquemia transmural sem infarto, observadana angina variante de Prinzmetal, caracterizada por ele-vações transitórias do segmento ST ou normalização daonda T paradoxal; (3) infarto sem onda Q, caracteriza-do pela depressão ST ou inversão de onda T, sem apare-cimento de onda Q e com elevação MNM; e (4) infartocom ondas Q, as quais geralmente são precedidas poronda T hiperaguda e elevação de ST. As recomendaçõesatuais dividem as SCA em apresentações com ou semsupradesnivelamento de segmento ST, conferindo àapresentação clínica e ao ECG maior poder de decisãoe orientação terapêutica mais prática e eficaz. Assim, apresença de sintomas típicos de SCA com mais de 30min de duração, associados ao supradesnível de ST semalívio com o uso de nitratos, recomenda o empregoimediato das estratégias de reperfusão. Se não houverelevação de ST, o quadro é compatível com angina ins-tável, sendo que a presença de infra de ST confere mai-or risco de eventos e recomenda a utilização de terapiaantitrombótica plena, com antiagregantes plaquetáriosorais (ácido acetilsalicílico e clopidogrel) e venosos (ini-bidores da glicoproteína IIb/IIIa), antitrombínicos(heparina não-fracionada venosa ou de baixo pesomolecular por via subcutânea), assim como definiçãoda anatomia coronariana com estudo hemodinâmiconas primeiras 48 horas.

Localização da isquemia ou

infarto e correlação

coronariográfica

O ECG pode sugerir diagnósticos mais precisos einformações detalhadas sobre o possível acometimen-

to da anatomia coronariana a partir da identificaçãode alguns achados:• No infarto da parede anterior, supra de ST em aVR,bloqueio completo de ramo direito, depressão de STem V5 e elevação de ST em V1 maior que 2,5mmsão fortes preditores de oclusão de artéria coronáriadescendente anterior (ACDA), proximal à primeiraperfurante septal; ondas Q em V4 e V5 são associa-das com oclusão de ACDA distal à primeira septal.Além disso, ondas Q patológicas em aVL estão asso-ciadas a oclusão de ACDA proximal ao primeiro ramodiagonal (ADg1), enquanto depressão de ST em aVLsugere oclusão distal a ADg1. A presença de depres-são de ST ≥ 1mm em parede inferior, associada aosupra de ST em aVL, sugere oclusão de ACDAproximal tanto a septal como a ADg1, enquanto aausência de infradesnível de ST está associada aoclusão distal.• Infarto posterior deverá ser suspeitado pela obser-vação de infradesnível de ST na parede ântero-septal(V1 a V3), com posterior aumento da amplitude daonda R. Derivações posteriores (V7, V8 e, eventual-mente, V9) confirmarão o diagnóstico e são obriga-tórias frente à suspeita de SCA, especialmente na faseinicial. A parede posterior pode ser acometida porlesões em artéria coronária direita (ACD) ou circun-flexa (ACx), sendo que a depressão de ST ântero-septal é um indicador sensível, mas não específico,de acometimento da ACx. A ausência de depressãode ST precordial tem alto valor preditivo negativoem excluir a ACx como a artéria culpada. A relaçãoentre a depressão de ST em V3 e a elevação de ST emDIII também pode ser útil para identificar artériaculpada em pacientes com infarto inferior: se > 1,2,sugere ACx (sensibilidade = 84% e especificidade =95%); e, se < 0,5, sugere ACD (sensibilidade = 91%e especificidade = 91%).• No infarto inferior, a presença de elevação de ST emDIII maior que DII, especialmente quando combina-da com supra de ST em V1, e a presença de depressãode ST em DI são potentes preditores de oclusão daACD em suas porções proximal ou média. A presençade elevação de ST em DII igual à DIII é importantepreditor de oclusão de ACx.• Elevações de ST nas derivações torácicas direitas,particularmente em V4R, são indicativas de acometi-mento associado de ventrículo direito e correlacionam-se com oclusão proximal de ACD, com sensibilidadede 88% e especificidade de 78% em pacientes cominfarto inferior.

12 Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002

Métodos de imagem no

diagnóstico das SCA

EcocardiografiaAs indicações preconizadas para o ecocardiograma

transtorácico convencional na sala de emergência sãopotencialmente amplas, devendo ser salientadas as con-tribuições específicas do método em: 1) presença de dorsugestiva de isquemia miocárdica aguda, com o ECGbasal não-diagnóstico (maior valor preditivo); 2) no di-agnóstico diferencial de SCA com dissecção aórtica,embolia pulmonar, doença orovalvar, pericárdica oucardiomiopatias; 3) em vigência de instabilidade hemo-dinâmica. O método de ecocardiografia com contraste,que permite avaliação simultânea de contração e perfusãomiocárdica, é potencialmente de grande utilidade, masnecessita ainda de validação clínica.

A detecção de alterações segmentares transitóriasdurante ou logo após episódios de dor permite a corre-lação com a artéria envolvida e com a quantidade demiocárdio em risco. O método permite excelente avalia-ção da função ventricular esquerda e deve ser realizadoeletivamente nos paciente admitidos por SCA.

Os objetivos principais dos testes provocativos sãodeterminar a presença ou ausência de isquemia em pa-cientes com baixa probabilidade de coronariopatia eestimar o prognóstico. A ecocardiografia ou outros tes-tes não-invasivos com estresse físico ou farmacológicopodem ser considerados na dependência das caracterís-ticas do paciente, da disponibilidade local e principal-mente da capacitação técnica do examinador.

Cardiologia nuclearEmbora a cintigrafia com tálio seja um método

confiável para detecção de infarto agudo, sua rápidaredistribuição é importante limitação para documentarepisódios transitórios de dor torácica, como ocorre naangina instável. Com a estabilização do paciente e oalívio dos sintomas após administração do tálio, altera-ções do padrão de atividade (redistribuição) podem ocor-rer e contribuir para achados falsos negativos. Por outrolado, marcadores empregando tecnécio99m, tais comosestamibi e tetrofosmin, são adequados para avaliaçãode pacientes com dor torácica, pois apresentam estabi-lidade na distribuição de atividade e as imagens podemser obtidas várias horas após injeção, permitindo medi-das terapêuticas prévias à confirmação diagnóstica, taiscomo antiagregantes plaquetários e nitratos.

Bilodeau et al. analisaram imagens com Tc99m

sestamibi em pacientes com suspeita de angina instável,

encontrando sensibilidade de 96% e especificidade de79%, bastante superiores às observadas com dados ele-trocardiográficos (35% e 74%, respectivamente). Mes-mo em pacientes livres de sintomas no momento dainjeção, a cintigrafia demonstrou melhor sensibilidadeque o eletrocardiograma, além de permitir localizaçãoda região de hipoperfusão, a qual se correlacionou coma lesão arterial mais grave em 88% dos casos.

A sensibilidade da cintigrafia miocárdica na detecçãodo IAM foi de 100% no estudo de Tatum et al. e, nospacientes com exames negativos, o acompanhamentopor um ano revelou taxa de revascularização de 3% enenhum caso de IAM ou óbito. Não era necessária apresença de sintomas para injeção, e a sensibilidade nãoera significativamente diferente se a injeção fosse reali-zada em vigência ou não de sintomas álgicos.

De maneira consistente, todos estudos de pacien-tes observados em emergência por dor torácica e comcintigrafia de perfusão miocárdica normal demonstrambaixa probabilidade de doença arterial coronariana, en-quanto que imagens anormais identificam pacientescom maior probabilidade a coronariopatia e eventossubseqüentes.

LimitaçõesDiversos estudos relatam importante perda da acurácia

diagnóstica do método quando se comparam injeções re-alizadas durante a dor ou após sua resolução. Todos osestudos de perfusão aguda foram realizados em pacientessem infarto prévio. Não há método atual que possa deter-minar se o déficit de perfusão é antigo, refletindo infartoprévio, ou recente, sugerindo processo isquêmico agudo. Aassociação com outros índices é então necessária. Limita-ção importante naturalmente é a disponibilidade de re-cursos institucionais adequados. Segundo as diretrizes daSBC, a cintigrafia miocárdica de perfusão em pacientescom angina instável pode ser realizada em pacientes consi-derados de baixo risco, tanto precocemente (48h/72h),após a alta hospitalar, como com o protocolo de repouso(durante a dor) no setor de emergência e estresse no diaseguinte. Ainda segundo estas recomendações, a utiliza-ção da cardiologia nuclear de rotina na população de dortorácica aguda não é justificada pelos aspectos clínicos e decusto/benefício, mas representa valiosa alternativa na pre-sença de ECG normal ou não-diagnóstico.

Teste ergométrico no

diagnóstico das SCA

Pela sua simplicidade, baixo custo e domínioamplo de técnica e interpretação, o teste ergométrico

Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002 13

(TE) é exame muito útil para os pacientes que po-dem se exercitar e que apresentam segmento ST pas-sível de interpretação. Importante experiência naci-onal demonstrou que o TE possui excelente acuráciadiagnóstica para afastar o diagnóstico de angina ins-tável em uma população em avaliação emergencialde dor torácica (sensibilidade = 73%, especificidade=92%, valor preditivo positivo = 61%, valor preditivonegativo = 95%)(28, 29). Em mil pacientes com sus-peita de isquemia miocárdica aguda considerada debaixo risco, Amsterdam et al. não observaram efei-tos adversos com a realização de TE limitado porsinais ou sintomas. O exame foi positivo em 13%,negativo em 64%, e não-diagnóstico em 23% dospacientes. Ao final de 30 dias, houve poucos even-tos adversos, sendo um IAM sem Q no grupo TEnegativo, quatro IAM sem Q e 12 revascularizaçõesno positivo, sete revascularizações no inconclusivoe nenhum óbito, caracterizando plena segurança eacurácia do método.

Nos pacientes admitidos por angina instável derisco baixo ou intermediário, TE pode ser aplicadoaos pacientes clinicamente estáveis há pelo menos 48horas. Usuários de digital, assim como os portadoresde hipertrofia ventricular esquerda, bloqueio de ramoesquerdo, marca-passo ou síndrome de pré-excitação,devem ser submetidos a outros métodos de estresse.Na presença de limitação física, a ecocardiografia oua cintigrafia com estresse farmacológico (dobutamina,dipiridamol) devem ser consideradas.

Índices não-invasivos de risco em

SCA sem supra de ST

O risco para eventos adversos tem sido avaliado coma análise multivariada de parâmetros obtidos em grandes

ensaios clínicos, e diversos escores têm sido propostos. Osparâmetros mais importantes associados com óbito sãoidade, freqüência cardíaca, pressão arterial sistólica, depres-são de ST, sinais de insuficiência cardíaca e elevação demarcadores de necrose miocárdica.

O grupo Timi desenvolveu escore com sete pontosque tem se mostrado bastante útil na prática diária e comgrande aceitação pela comunidade científica. Atribuindo-se um ponto para cada critério (idade maior que 65 anos,três ou mais fatores de risco coronariano, angiografia pré-via com obstrução coronariana > 50%, uso de AAS nossete dias precedentes, dois ou mais episódios anginososnas últimas 24 horas, desnível de ST e presença de marca-dores de necrose miocárdica), o risco de óbito, infarto ounecessidade de revascularização urgente variou entre 5% e41%, de acordo com a soma de pontos.

Coronariografia

A coronariografia está indicada aos pacientes com SCAde moderado/alto risco; especificamente aqueles sem su-pra de ST que apresentam recorrência de sintomas apesarde adequadamente medicados, evoluem comintercorrências de alto risco como insuficiência cardíaca,ou arritmias malignas, ou apresentam índices prognósti-cos derivados dos exames não-invasivos desfavoráveis(disfunção ventricular importante, fração de ejeção < 0,35,amplos ou múltiplos defeitos de perfusão). Pacientes comintervenção coronariana cirúrgica ou angioplastia préviatambém devem ser submetidos a estudo hemodinâmico.Entre os recentes avanços, a ultra-sonografia intravascular(USIV) associada à angiografia destaca-se como nova fer-ramenta diagnóstica e terapêutica, sendo capaz de detec-tar lesões ocultas em regiões angiograficamente normais,quantificar lesões duvidosas e identificar placas predispos-tas à ruptura.

Nota do editor

Os doutores Protásio e Esporcatte tratam com propriedade e precisão de um assunto de extrema importância para a práticacardiológica. Eles retratam bastante bem o papel da clínica no diagnóstico das síndromes coronarianas agudas, dispensandométodos sofisticados de diagnóstico. Por certo a falta de espaço impediu-lhes de descer a alguns detalhes deveras importantes, eos questionamentos a seguir serão respondidos pelos autores em contribuições futuras próximas.Por que os marcadores de necrose e infarto agudo do miocárdio devem ser baseados em duas tomadas sucessivas? Não se trataaqui de um conceito baseado em evidências. No que toca ao teste de esforço, por exemplo, fala-se em teste útil, no entanto asua sensibilidade e a sua especificidade são muito baixas. É outra maneira de se transformar, como é comum hoje naliteratura, resultados negativos em resultados positivos. Convenhamos que chamar uma sensibilidade de 73% de excelente éuma crença subjetiva. Assim, por exemplo, os dados de Amsterdam não corroboram estes estudos.Outro aspecto que necessita de um tratamento mais adequado é o ecocardiograma com dobutamina nas síndromescoronarianas agudas. Na realidade trata-se de um teste extremamente penoso para o paciente, se executado da maneiradevida, e é minha opinião que a interpretação do ecocardiograma neste particular é um exercício de fantasia. Estes assuntosserão discutidos pelos autores em número próximo.

14 Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002

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16 Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002

O diagnóstico de Scasest pode ser estabelecido em umcontingente muito heterogêneo de pacientes, consideran-do-se o espectro de gravidade da doença coronarianaobstrutiva, bem como o grau de comprometimento quepode ser encontrado em cada indivíduo. Pacientes com umaou outra forma de apresentação clínica estão expostos a ris-cos diferentes de evoluir com desfechos clínicos de maior oumenor gravidade. Desta forma, a avaliação de cada pacientedeve ser individualizada no momento do diagnóstico, se-guindo-se a melhor evidência científica disponível.

II.ISíndromes coronarianas agudas

sem elevação de segmento ST:

determinantes da conduta clínica

Estratificação de risco

Pacientes com suspeita clínica de síndrome coronariana aguda (SCA) devem ser avaliados em emergência, afim de que se possa estabelecer a probabilidade de doença e estimar o risco de desfechos clínicos relevantes(óbito, infarto/reinfarto, acidente vascular cerebral e revascularização miocárdica de urgência). De uma formageral, a estratificação de risco de pacientes portadores de SCA consiste nesta avaliação inicial, e tem implicaçãotanto diagnóstica quanto terapêutica e prognóstica(1). Neste texto, serão abordados aspectos referentes àavaliação e ao manejo de pacientes portadores de SCA sem elevação de segmento ST (Scasest).

Probabilidade clínica de

doença arterial coronariana e

avaliação de risco

A avaliação inicial dos quadros de Scasest pressupõe aanálise criteriosa de aspectos relacionados à história, exameclínico, alterações eletrocardiográficas e positividade de mar-cadores séricos de necrose miocárdica. Com estas informa-ções é possível estabelecer a probabilidade de que o quadroapresentado seja secundário a doença arterial coronariana,graduando-se o risco em baixo, intermediário ou alto.

Quadro 1. Probabilidade de relação entre quadro clínico e doença arterial coronariana

Alta probabilidade Probabilidade intermediária Baixa probabilidade

Anamnese Dor típica anginosa Dor típica anginosa História duvidosaHistória de cardiopatia Idade > 70 anos Ausência dos demaisisquêmica conhecida Sexo masculino fatores

Diabetes melito

Exame físico Sopro novo de insuficiência mitral Doença vascular do SNC Dor de característicaHipotensão ou periférica osteomuscularCongestão pulmonar

ECG Infra ST = 0,05mV ou Ondas Q patológicas ECG normal ou cominversão T = 0,2mV, na Anormalidades de alterações inespecíficasvigência de sintomas repolarização antigas

Marcadores cardíacos Troponina ou CK-MB Normais Normaiselevadas

Adaptado de ACC/AHA 2002. Guideline update for the management of patients with unstable angina and non-ST-segment elevation myocardial infarction.

1Chefe do Centro de Terapia Intensiva/Adultos do Hospital Israelita Albert Einstein; Fellow – American Heart Association.2Médica Internista formada pelo Serviço de Medicina Interna do Hospital de Clínicas de Porto Alegre; Pós-Graduanda do Programa de Especialização em Medicina Intensiva do Hospital Israelita Albert Einstein;3Médico Intensivista do Centro de Terapia Intensiva/Adultos do Hospital Israelita Albert Einstein.4Coordenador Executivo do Centro Coordenador Brasileiro de Estudos Clínicos – Instituto Dante Pazzanese; Coordenador do Grupo de Suporte de Cardiologia do Centro de Terapia Intensiva do Hospital AlbertEinstein; Coordenador do Centro de Pesquisa Clínica do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein; Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo.

Autores

Elias Knobel1

Helena Cristina Mendes

Di Benedetto2

Marcos Knobel3

Álvaro Avezum4

Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002 17

Da mesma forma, uma vez estabelecido o diag-nóstico de Scasest, é possível estimar como baixo, in-termediário ou alto o risco de eventos adversos na suaevolução, como óbito, isquemia recorrente ou neces-sidade de revascularização de urgência, considerando-se a presença ou a ausência dos mesmos fatores.

Fatores relacionados

a eventos

Os dados de anamnese são tidos como possivel-mente os mais esclarecedores quando se avalia a possi-bilidade de origem isquêmica em pacientes com dortorácica aguda. Classicamente, a natureza dos sinto-mas, a história prévia conhecida de doença isquêmicacoronariana, a idade avançada, o sexo masculino e apresença de fatores de risco relacionados têm sido des-critos em estudos amplos como os fatores mais con-sistentemente relacionados à doença isquêmica co-ronariana(13, 14).

IdadeNa maioria dos estudos que analisaram risco de

eventos em pacientes coronarianos, a idade avançadafoi fator independentemente relacionado a risco de piorevolução, com ponto de corte a partir dos 70 anos na

maior parte deles. Idosos apresentam doença arterialcoronariana com mais freqüência e com maior gravi-dade em relação a indivíduos mais jovens(15, 16), corri-gidos os fatores de confusão, como maior índice dedisfunção ventricular nesta população, por exemplo.Em uma coorte de 1.046 pacientes portadores de SCAque foi acompanhada por seis meses no Reino Unido,indivíduos com mais de 70 anos apresentaram riscode óbito ou reinfarto três vezes maior quando compa-rados a pacientes com menos de 60 anos (p < 0,01)após análise multivariada(2). Ressalta-se ainda que nes-ta população há uma incidência maior de quadros is-quêmicos com apresentação atípica, o que pode, emúltima análise, protelar o diagnóstico e a terapêuticaapropriados, possivelmente com alguma implicação depiora no prognóstico. No mesmo estudo, 61% daamostra estudada correspondiam a pacientes do sexomasculino.

SexoQuando se analisa o comportamento da doença por

sexo, observa-se alguma discussão na literatura no que serefere a situações clínicas específicas. Alguns estudos su-gerem evolução pior em mulheres, contrariando a idéiadifundida anteriormente de que sexo masculino conferi-

Quadro 2. Risco de morte ou infarto não-fatal em pacientes com angina instável

Alto risco Risco intermediário Baixo risco

História Sintomas mais intensos, Infarto prévio, doençamais freqüentes ou em isquêmica extracardíaca,repouso revascularização miocárdica

prévia, uso de AAS

Caráter da dor Dor prolongada (> 20min) Dor prolongada, mas Angina de recenteou em repouso, sem com alívio com nitratos começo de classes III oualívio com nitratos e/ou repouso IV, sem dor em

repouso prolongado

Achados clínicos Edema pulmonar Idade > 70 anosSopro novo deregurgitação mitral oucongestão pulmonarArritmias cardíacasHipotensãoIdade > 75 anos

ECG Angina em repouso com Inversão de ondas T Normal ou inalteradodesvio do segmento ST Ondas Q patológicas

Marcadores cardíacos Troponina elevada Elevação discreta de Normais(> 0,1ng/ml) troponina (entre 0,01

e 0,1ng/ml)

Adaptado de ACC/AHA 2002. Guideline update for the management of patients with unstable angina and non-ST-segment elevation myocardial infarction.

18 Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002

ria maior risco de eventos nestes pacientes. Em 1999, foipublicada uma análise de dados obtidos do estudo GustoIIb, que abordou esta questão diretamente. Neste estu-do, observaram-se maior incidência de complicações emmulheres durante hospitalização e maior mortalidade em30 dias. Entretanto os grupos não eram comparáveis emrelação a outras variáveis de risco, dificultando a interpre-tação destes resultados. Após correção para estas variáveis,a tendência de aumento de mortalidade não foi estatisti-camente significativa em pacientes com Scasest. Nestespacientes, a evolução tende a ser mais benigna em mulhe-res do que em homens(3).

HistóriaA caracterização dos sintomas constitui aspecto da

mais alta relevância na suspeita clínica de quadrosanginosos. Dor torácica de caráter opressivo ou em peso,profunda, vagamente localizada, com duração de pou-cos minutos, relação com esforço e alívio com repousoou administração de nitratos sugere fortemente origemanginosa, segundo descrito nas Diretrizes para Manejode Pacientes com Angina Estável da AHA/ACC(17). Pa-cientes com SCA apresentam acentuação dos sintomas,quer em intensidade, menor esforço requerido paradesencadeá-los ou mesmo em repouso, ou maior freqüên-cia dos episódios. Alguns pacientes não apresentam dortorácica, mas sintomas ditos equivalentes anginosos, sen-do dispnéia a apresentação mais comum(1).

Entre os fatores de risco associados à patogênese dacardiopatia isquêmica, alguns estudos destacam o diabe-tes melito e a doença macrovascular extracardíaca comoimplicados em aumento de risco de mortalidade e de-senvolvimento de disfunção de VE(18).

Exame físicoO exame físico de pacientes em vigência de SCA visa

a identificar fatores que possam precipitar isquemia agu-da, bem como avaliar a presença de disfunção ventriculare/ou instabilidade hemodinâmica na chegada do pacien-te ao serviço médico, fatores estes que expõem o pacien-te a maior risco de eventos e maior mortalidade. A classi-ficação de Killip tem a finalidade de identificar pacientescom diagnóstico de infarto agudo do miocárdio que es-tejam sujeitos a estes riscos, a fim de implementar tera-pêutica antiisquêmica e antitrombótica mais agressiva e,assim, reduzir complicações e mortalidade.

EletrocardiogramaO eletrocardiograma realizado logo após a admissão

do paciente constitui um recurso diagnóstico capaz de for-

necer também informações prognósticas. Dados consis-tentes na literatura corroboram a idéia de que lesõescoronarianas graves estão associadas a ECG com infrades-nível de segmento ST igual ou superior a 0,5mV na vigên-cia de dor torácica, especialmente se esta alteraçãoeletrocardiográfica apresentar caráter dinâmico(19). Dadoscoletados no estudo Paragon corroboram esta afirmação,uma vez que foi encontrada forte associação entre o graude desvio do segmento ST e mortalidade em um ano. Nestetrabalho, pacientes com infradesnível do segmento ST igualou superior a 2mV apresentaram risco seis vezes maior demorte em um ano em relação aos pacientes sem anormali-dades de ST(4). Assim como neste, também em outros es-tudos a alteração eletrocardiográfica em questão foi consi-derada fator preditor independente de risco de morte.

Outro achado compatível com isquemia em pacien-tes com suspeita de SCA é a inversão de ondas T igual oumaior do que 2mV em duas ou mais derivações contí-guas. Entretanto a valorização de alterações da repolarizaçãoventricular como decorrentes de isquemia aguda deve ocor-rer na vigência de quadro clínico compatível, uma vez queinúmeras outras situações podem ser responsáveis por taisalterações (p. ex., bloqueios de condução intraventricular,hipertrofia ventricular, taquiarritmias, etc.). Neste senti-do, é interessante a análise de um ECG prévio do pacien-te, sempre que disponível(1).

Marcadores séricos de necrosemiocárdicaAssim como o ECG, também os marcadores séricos

de necrose miocárdica permitem estimar maior riscode eventos e mortalidade, quando positivos. Entre osmarcadores disponíveis até o momento, vem tendo im-portância crescente em estudos clínicos bem delinea-dos o papel da troponina como marcador indepen-dente de risco em pacientes com SCA sem elevação desegmento ST. Em uma metanálise publicada recente-mente, foram incluídos sete estudos clínicos e 19 es-tudos de coorte, tendo sido avaliados, no total, 5.360pacientes com medida de troponina T e 6.603 commedida de troponina I na vigência de Scasest. Foi ob-servado um aumento entre três e oito vezes no riscode mortalidade destes pacientes quando comparadosàqueles com troponina negativa(5).

Outros estudos, derivados de grandes ensaios clí-nicos que testaram principalmente terapêuticas an-titrombóticas no manejo das SCAs, também con-firmam o papel da troponina como preditorindependente de risco, propondo um provável bene-fício em pacientes com troponina positiva, em ter-

Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002 19

mos de redução de eventos e morte, com a utilizaçãode terapêutica antitrombótica agressiva (6, 7).

Provavelmente, menos sensível do que a troponina,mas com significado prognóstico semelhante, a CK-MB(massa, preferencialmente), quando aumentada, tam-bém se associa a risco de eventos isquêmicos aumenta-do. Sua detecção no plasma, entretanto, requer maiorquantidade de tecido miocárdico necrótico em relaçãoà troponina, detectando infartos de maior extensão.

Outros marcadores têm sido estudados como cri-térios de estratificação das SCAs nos últimos anos (pro-teína C reativa, mioglobina, peptídeo natriurético tipoB), com sugestão preliminar de benefício de sua utili-zação existente na literatura(8, 9, 10, 11). Estudos adicionaissão necessários, entretanto, para que tais propostas pos-sam ser mais criteriosamente avaliadas antes de sua efe-tiva implementação na prática clínica.

Escores de risco

Como discutido previamente, a avaliação do riscode pacientes portadores de Scasest constitui tarefa quedeve levar em consideração fatores habitualmentecorrelacionados entre si. É comum que esta populaçãoapresente características clínicas e comorbidades diver-sas, que podem influenciar no risco de evolução indivi-dualmente desfavorável. Para tanto, estudos que utilizamanálise multivariada têm sido conduzidos no sentido detentar estabelecer escores de risco para pacientes na vigên-cia de Scasest, com o intuito de determinar de formaobjetiva o risco de óbito e eventos isquêmicos não-fataisapós a avaliação inicial. Em 2000, foi publicado o Timirisk score, que tem como objetivo avaliar a probabilidadede evolução para óbito, infarto (ou reinfarto) e isquemiarecorrente necessitando de revascularização miocárdicade urgência. O risco global de eventos isquêmicos adver-sos na população estudada variou de 5% a 41%. O cál-culo do escore baseia-se na simples análise da existênciade sete variáveis clinicolaboratoriais, que são: idade aci-ma de 65 anos, mais de três fatores de risco para doençaarterial coronariana, obstruções angiográficas prévias co-nhecidas, infradesnível de ST, mais de dois episódios deangina nas últimas 24 horas, uso de AAS nos últimossete dias e marcadores séricos de necrose miocárdica ele-vados. A pontuação varia de 0 a 7, e os riscos maiorescorrespondem aos escores mais elevados(20).

Diretrizes para avaliação

de risco

A seguir, são propostas as diretrizes para estratifi-cação de risco precoce das Scasest, segundo recomen-

dações estabelecidas nas diretrizes para manejo de an-gina instável e infarto do miocárdio sem elevação deST, publicados em 2002 pela AHA/ACC.

Classe (definições)Níveis de evidências (definições)

• Classe ITodo paciente com dor ou desconforto torácico deve

ser avaliado para a possibilidade de doença arterial co-ronariana, bem como ter quantificada a probabilidadeem baixa, intermediária ou alta (nível de evidência C).

Pacientes que se apresentam com desconfortotorácico devem ser submetidos à estratificação derisco precoce, avaliando sintomas anginosos, acha-dos clínicos, eletrocardiograma e marcadores séricosde necrose miocárdica (nível de evidência B).

Um ECG de 12 derivações deve ser obtido imedia-tamente (em até dez minutos) em pacientes em vigên-cia de dor torácica, e logo que possível em pacientescom história de dor torácica consistente com SCA mascujos sintomas tenham melhorado no momento daavaliação (nível de evidência C).

Marcadores séricos de necrose miocárdica devemser solicitados para todos os pacientes que apresentamdesconforto torácico consistente com SCA. Troponinaé o marcador preferido, e, se disponível, deve ser ava-liada em todos os pacientes. CK-MB massa também éaceitável. Em pacientes com marcadores negativos nasprimeiras seis horas após o início dos sintomas, umaoutra amostra deve ser coletada no intervalo entre asexta e a décima segunda hora dos sintomas (nível deevidência C).

• Classe IIaEm pacientes que se apresentam com até seis horas

de sintomas, um marcador precoce de necrosemiocárdica (p. ex.: mioglobina ou subformas de CK-MB) deve ser considerado, além da medida da troponina(nível de evidência C).

• Classe IIbProteína C reativa (PCR) e outros marcadores de

inflamação devem ser medidos (nível de evidência B).

• Classe IIICK total, transaminases (TGO, TGP) e LDH de-

vem ser os marcadores de necrose miocárdica em pacien-tes com desconforto torácico sugestivo de SCA (nível deevidência C).

20 Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002

Tratamento baseado em evidências

Diante de um paciente com quadro sugestivo de an-gina instável ou IAM sem supra ST, devemos inicialmentetomar medidas gerais visando diminuição do consumo deoxigênio, proteção miocárdica e monitorização cardíaca.O tratamento consiste em medidas gerais e tratamentoantiisquêmico e antitrombótico (antiplaquetário eantitrombínico).

Medidas iniciaisRepousoRepouso no leito com monitorização cardíaca con-

tínua por pelo menos 24 horas (classe I – nível de evi-dência C).

OxigenoterapiaSuplementação de oxigênio para manter saturação de

oxigênio sempre superior a 90% (classe I – nível de evi-dência C).

AnalgesiaSulfato de morfina endovenosa, com o objetivo de

combater a dor, a ansiedade e a redução da pré-carga emcasos de congestão pulmonar. Apesar de não dispormosde estudos randomizados direcionados à sua ação nos ca-sos coronarianos agudos, o seu uso é indicado (classe I –nível de evidência C).

Tratamento antiisquêmicoNitratosO uso de nitroglicerina sublingual ou spray, seguido de

uso endovenoso, constitui indicação classe I com nível deevidência C no tratamento antiisquêmico das Scasest. Ini-cia-se com comprimidos sublinguais de nitratos ou nitro-glicerina (até três) ou através de spray administrado a cadacinco minutos. Caso a dor não desapareça ou o pacienteseja de alto risco, inicia-se o uso de nitroglicerina endoveno-sa na dose de 10mcg/min, titulando-se até o alívio da dorou caso a pressão sistólica caia para menos de 110mmHgem normotensos ou 25% do valor inicial nos hipertensos.

BetabloqueadoresNa ausência de contra-indicações específicas, o uso de

betabloqueadores constitui indicação classe I com nível deevidência B. Nos pacientes com dor contínua ou de altorisco, inicia-se o uso endovenoso seguido pela dose via oral.Costuma-se usar o metoprolol na dose de 5mg repetida acada cinco minutos, até completar 15mg . A seguir, pode-se manter o uso de metoprolol, propranolol ou outros be-tabloqueadores por via oral.

Bloqueadores do canal de cálcioApenas o diltiazem e o verapamil apresentam indica-

ção para uso nas Scasest, nos casos em que o betabloquea-dor é claramente contra-indicado. O uso do verapamil ediltiazem constitui indicação classe I, com nível de evi-dência B, na situação descrita acima.

Inibidores da enzima conversora de angiotensinaPossuem indicação classe I com nível de evidência B

nos pacientes que persistem hipertensos mesmo após o usode nitroglicerina e betabloqueadores e que apresentam in-suficiência cardíaca, disfunção ventricular ou diabetes. Oseu uso rotineiro para todos os pacientes com Scasest apre-senta indicação classe IIa com nível de evidência B.

Balão intra-aórticoNos casos em que o tratamento antiisquêmico já te-

nha sido otimizado, caso haja instabilidade hemodinâmi-ca e antes ou depois de angioplastia coronariana, o seu usopode ser indicado (classe IIa – nível de evidência C).

Tratamento antitrombótico(antiplaquetário e antitrombínico)Tratamento antiplaquetário

• AspirinaÉ o fármaco utilizado em cardiologia com maior ní-

vel de evidência e benefício nos pacientes coronarianos.Não existe estudo comparando diferentes doses de aspi-rina nas Scasest, porém informações derivadas de estu-dos em prevenção secundária sugerem que a dose reco-mendada deve ser entre 160mg e 325mg (indicação classeI com nível de evidência A ).

• ClopidogrelFármaco relativamente recente que apresenta benefí-

cio tanto isoladamente em casos de intolerância à aspirinacomo também em associação, visando a potencializar osbenefícios para redução de eventos. O estudo Caprie (Clo-pidogrel vs aspirina in patients of high risk of ischaemic events)comparou o uso de 325mg de aspirina com 75mg de clo-pidogrel em pacientes após eventos vasculares agudos, de-monstrando que o clopidogrel foi discretamente mais efi-caz que a aspirina. O estudo Cure (Clopidogrel in unstableangina to prevent recurrent ischaemic events) comparou ouso de aspirina + placebo vs aspirina + clopidogrel 300mgseguido de dose diária de 75mg nos pacientes com Scasest.A associação da aspirina com o clopidogrel resultou emsignificativa redução da combinação de eventos morte,infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral, assim

Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002 21

como na incidência de isquemia recorrente e necessidadede revascularização sem apresentar risco significativo deeventos hemorrágicos com risco de vida. O estudo PCI-Cure comprovou que o uso do clopidogrel em até 12 me-ses nos pacientes que se submetem a procedimento invasivoapresentou significativa redução de eventos cardiovascula-res quando em comparação com o grupo que o recebeupor até quatro semanas. O clopidogrel apresenta indica-ção classe I com nível de evidência A nos pacientes comalergia à aspirina e nos pacientes internados com Scasestpara os quais a angioplastia coronariana é planejada, de-vendo ser prolongado até um mês pós-procedimento.

• TiclopidinaFoi utilizada com sucesso na prevenção de acidente

vascular cerebral, infarto do miocárdio e oclusão de stentpós-angioplastia, porém com efeitos colaterais que limi-tam seu benefício.

• Inibidores da glicoproteína IIb/IIIaEsta classe de drogas inicialmente foi utilizada como

terapia adjuvante em angioplastia coronariana através doabciximab que foi testada nos estudos Epic, Epilog e Cap-ture, em que o seu uso concomitante à angioplastia nasSCA comprovou importante benefício clínico (reduçãode mortalidade e infarto do miocárdio) quando compara-do com o grupo placebo (p < 0,001). Já nas Scasest emque o cateterismo não está planejado, o uso do abciximabé contra-indicado (classe III) de acordo com os resultadosdesfavoráveis obtidos no estudo Gusto IV. Nos casos emque o cateterismo não é planejado, o tirofibano (Prism ePrism-Plus) e o epitifibatide (Pursuit) foram testados comsucesso tanto isoladamente quanto em associação comheparina não-fracionada. Os eventos clínicos (morte einfarto do miocárdio) foram reduzidos de maneira signifi-cativa quando em comparação com o grupo placebo. Osinibidores da glicoproteína IIb/IIIa apresentam indicaçãoclasse I com nível de evidência A nos casos de Scasest quan-do se planeja o procedimento invasivo, porém, na vigên-cia de pacientes de alto risco ou com isquemia refratáriaem que a angioplastia não está planejada, o uso de tirofibanou epitifibatide apresenta indicação classe IIa com nível deevidência A. Quando nesta mesma situação o paciente nãoé de alto risco ou sem isquemia refratária, a sua indicaçãoé classe IIb com nível de evidência A.

Tratamento antitrombínico• Heparina não-fracionadaExistem vários estudos randomizados que testaram

o uso de heparina não-fracionada de forma isolada ou

em associação com aspirina. Em metanálise que abor-dou três estudos envolvendo associação destas drogas,houve redução de 56% na combinação de risco de mor-te ou infarto do miocárdio. Sugere-se a dose de ataquecom bolus inicial de 60U/kg a 70U/kg com dose máximade 5000U, seguida de infusão contínua de 12U/kg/h a15U/kg/h, de maneira a manter o TTPa em torno de 2,5vezes o valor normal. Constitui indicação classe I com ní-vel de evidência A.

• Heparina de baixo peso molecularEstudos iniciais como o FRISC, que analisou o uso

da dalteparina nas Scasest, evidenciaram uma significa-tiva redução nas taxas de óbito ou infarto do miocárdioquando em comparação com o grupo placebo. Quandocomparamos com a heparina não-fracionada, pondera-mos o aspecto de que o nível de anticoagulação não podeser mensurado, o que dificulta o controle de pacientesque vão ser submetidos a angioplastia coronariana oucirurgia de revascularização do miocárdio. Objetivamente,a eficácia e segurança dos dois tipos de heparina foramcomparadas através de quatro grandes estudos randomi-zados. O FRIC (Fragmin in unstable coronary arterydisease) comparou a dalteparina com a heparina não-fracionada nos pacientes com Scasest, não apresentandodiferenças significativas entre os dois grupos em relaçãoa óbito, infarto do miocárdio e recorrência de angina.Outro estudo, o Essence, comparou a enoxaparina sub-cutânea com o tratamento endovenoso padrão. Os even-tos compostos (infarto do miocárdio, morte e angina re-corrente) foram reduzidos em 16% e 19% a favor dogrupo enoxaparina, respectivamente, no 14o e 30o diasde tratamento. Outro estudo com enoxaparina, o Timi11B, também apresentou moderado benefício da mes-ma quando em comparação com a heparina não-fracionada. Apesar de estes estudos apresentarem umatendência maior a sangramento no grupo da heparina debaixo peso molecular, o seu uso atualmente é seguro e jáestá incorporado à prática clínica atual com indicaçãoclasse I e nível de evidência A da mesma maneira que aheparina não-fracionada.

• HirudinaUma metanálise abordando os principais estudos

que ultilizaram a hirudina nas Scasest (Gusto IIB, Timi9B, Oasis 1, Oasis 2) revelou incidência semelhantede eventos clínicos após 35 dias de tratamento. Ahirudina nas Scasest está indicada apenas nos casos detrombocitopenia induzida pela heparina (classe nívelde evidência).

22 Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002

Referências bibliográficas

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Nota do editor

Trata-se de uma excelente contribuição do dr. Elias Knobel e colaboradores, de experiência e valor reconhecidos. Em especialvale a pena aqui comentar a valorização da clínica para o diagnóstico das síndromes coronarianas agudas, acompanhada doeletrocardiograma convencional. Alguns conceitos necessitam, no entanto, de uma discussão mais aprofundada, o que seráfeito pelos autores em número subseqüente.Necessária, por exemplo, uma avaliação crítica dos ensaios Timi IIb e Prism. Neles se usa a palavra provável, o quecertamente é inaceitável como resultado de uma pesquisa científica que deve ser tida como indicativa ou não do uso. Tambémo escore de risco precisa ser mais comentado.O estudo Cure mostra uma redução significativa. O que se chama de significativa? O que é significativo para a práticamédica? Também este estudo analisa a redução de eventos combinados, e não de eventos isolados. O que significa comsucesso? O que significa benefício moderado? Uma das grandes dificuldades com estes ensaios clínicos é como aplicá-los e oque eles realmente significam para a prática médica. Estes assuntos, certamente ainda controversos, serão discutidos pelosautores em números subseqüentes.

Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002 23

Autores

Fernando Oswaldo Dias

Rangel1

Roberto Esporcatte2

II.I

De maneira global, todos os agentes trombolíticos disponíveis reduzem a mortalidade do infarto agudo domiocárdio (IAM) com supra de ST em cerca 30%, ou seja, taxas em torno de 7% a 10% nos grandes

ensaios. Nas revisões de bancos de dados provenientes de comunidades, a mortalidade absoluta tem sidoum pouco maior, em torno de 12% a 14%, refletindo melhor a prática clínica. Com base no estudo

Gusto-1, o maior ensaio sobre trombolíticos no IAM já realizado, o ativador do plasminogênio tecidualparece produzir maior benefício global que a estreptoquinase, associando-se a uma redução absoluta da

mortalidade de 1% (6,3% vs. 7,3%), o que equivale a uma redução relativa de 15%. Devido ao preçodo ativador do plasminogênio tecidual recombinante (tPA) ser excessivamente maior, a estreptoquinase

(SK) deve ser a droga trombolítica de eleição em nosso meio.

Aspectos atuais da trombólise no

infarto agudo do miocárdio

1Doutorando de Cardiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Departamento de Emergência e Terapia Intensiva da Sociedade de Cardiologia doEstado do Rio de Janeiro; Médico da Unidade Coronariana do Hospital Pró-Cardíaco; Médico do CTI de pós-operatório do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras.2Professor Assistente de Cardiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM/Uerj); Coordenador Médico da Unidade Coronariana doHospital Pró-Cardíaco.

A clássica indicação para o tratamento trombolíticodo IAM é a presença de quadro clínico compatível comisquemia miocárdica aguda refratária ao uso de nitra-to sublingual, em associação a alterações eletrocardio-gráficas (ECG) com supradesnível de segmento ST >0,1mV em duas ou mais derivações contíguas ou pa-drão de bloqueio de ramo recente. O Quadro resumeas principais contra-indicações absolutas e relativas ao usodos agentes trombolíticos referendadas pela SociedadeBrasileira de Cardiologia.

A SK é constituída por uma cadeia polipeptídicaúnica cuja ligação ao plasminogênio forma um com-plexo ativo capaz de clivar pontes peptídicas de outrasmoléculas de plasminogênio, levando à ativação daplasmina. A dose recomendada é de 1.500.000 unida-des administradas em infusão por 60 minutos. A reco-mendação de não-utilização rotineira de heparina comoterapia coadjuvante da trombólise com SK é aindabastante controversa. No estudo AMI-SK, com quase500 pacientes, a enoxiparina como terapia coadjuvan-te foi superior ao placebo, determinando melhor reso-lução de ST, maior taxa de fluxo Timi-3 (58,7% vs.70,3%, p = 0,01) ao final de cinco a dez dias e suge-rindo menor incidência de óbito, infarto ou anginaem 30 dias (13,4% vs. 21%).

Outros problemas da SK são relacionados à suaantigenicidade, propiciando imunossensibilização ereações alérgicas e recomendando que seja evitada suareadministração no período entre cinco dias e dois anosapós uma primeira exposição. A hipotensão arterial

ocorre especialmente com maior velocidade de infu-são (> 500 unidades/kg/min) e pode ser controladacom reposição de cristalóides, interrupção ou reduçãoda velocidade de infusão, ou mesmo com associaçãode aminas vasoativas como a dopamina. Sangramentoé a complicação mais comum, com pequenas hemor-ragias nos sítios de punção em 3% a 4% dos pacien-tes. Grandes sangramentos são menos comuns, e o ris-co de hemorragia intracraniana é < 1%, elevando-se a1,6% nos pacientes acima de 70 anos.

O tPA apresenta grande fibrinoespecificidade e,quando ligado à fibrina, aumenta ainda mais sua afi-nidade pelo plasminogênio. Outra importante pro-priedade do tPA é a sua curta meia-vida (três a qua-tro minutos), o que impõe prolongada e complexaadministração: 15mg em bolo + 0,75mg/kg (máxi-mo = 50mg) em 30 minutos + 0,5mg/kg (máximo =35mg) em 60 minutos. Diferentemente da SK, o tPAnecessita da administração concomitante de heparinanão-fracionada venosa (que deve ser mantida por pelomenos 24-48 horas) para manter a patência vasculare prevenir a reoclusão, o que representa uma difi-culdade a mais. A heparinização deve ser implementadacom ajuste de doses baseado no peso, com ataque de60U/kg (máximo = 4.000U), seguida de infusão de12U/kg/h (iniciar com máximo = 1.000U/h),objetivando tempo de tromboplastina parcial ativadoentre 50 e 70 segundos. Embora ainda não incorpora-da nas recomendações das principais sociedades decardiologia, a substituição da heparina não-fracionada

Agentes Trombolíticos

24 Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002

pelas heparinas de baixo peso molecular surge comoprática e promissora opção terapêutica. No estudoHart-2, a taxa de patência vascular (Timi-2 ou 3) foimaior com enoxiparina do que com heparina não-fracionada (80,1% vs. 75,1%), com menor incidênciade reoclusão (5,9% vs. 9,8%). A principal complica-ção com o uso de tPA é o sangramento, e, em pacien-tes acima de 70 anos, a incidência de acidente vascularencefálico é maior do que com a SK (2,6% vs. 1,6%).Peso < 70kg, pressão arterial > 170/95mmHg eheparinização agressiva são outros fatores associados àmaior incidência de hemorragia cerebral.

Estes agentes trombolíticos já plenamente incor-porados ao arsenal terapêutico ainda apresentam im-portantes limitações, como a falha em obter patênciacoronariana em 15% a 20% dos pacientes, 10% a 15%de reoclusão e o risco de hemorragia intracraniana.Entre os novos agentes trombolíticos desenvolvidos parasuplantar estas limitações, as drogas obtidas por ma-nipulações da molécula nativa do tPA, também deno-minadas ativadores de plasminogênio de terceira gera-ção, onde se destacam o r-PA (ou reteplase), o n-PA

(ou lanoteplase) e o TNK-tPA (ou tenecteplase), sãoas mais amplamente avaliadas em ensaios clínicos.Outros agentes em estudo são a estafiloquinaserecombinante e o ativador do plasminogênio obtidode uma espécie de morcego hematófago (bat PA). Es-tes agentes têm em comum prolongada meia-vida, oque possibilita administração em bolo. Três deles(TNK-tPA, estafiloquinase e bat PA) apresentam ele-vada fibrinoespecificidade, com conseqüente mínimadegradação de fibrinogênio, e teoricamente todos se-riam mais potentes na lise do trombo intracoronariano.

Recente revisão de 38 ensaios envolvendo estesnovos agentes concluiu que o rPA e o TNK-tPA sãosemelhantes ao tPA em termos de eficácia e segurança(Figura). Embora no estudo InTime-II on-PA apre-sentasse a mesma eficácia que o tPA em relação à mor-talidade, a taxa de hemorragia intracraniana foi signi-ficativamente maior (1,12% vs. 0,64%), o que impediua sua comercialização. Em contraponto à vantagem daadministração em bolo, todos estes mutantes do tPAnecessitam de heparinização plena por 24-48 horas.Entre os novos agentes, apenas o tenecteplase foi re-

• Sangramento interno em atividade (exceto catamênio)

• Dissecção aguda da aorta

• Ressuscitação cardiorrespiratória traumática (fratura de costelas, pneumotórax,intubação orotraqueal traumática, etc.)

• Traumatismo craniano recente

• Neoplasia intracraniana

• Acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico a qualquer tempo, ou AVC isquêmico no último ano

• Gravidez

• Outras doenças que cursem com aumento de risco de sangramento

• Doenças que diminuam importantemente a expectativa de vida do paciente (coma, septicemia, etc.)

Quadro – Contra-indicações ao uso de trombolíticos

• Hipertensão arterial grave mantida apesar do alívio da dor e das medidas iniciais (≥ 180mmHg desistólica e/ou ≥ 110mmHg de diastólica)

• Trauma ou grande cirurgia (inclusive neurocirurgia) nas últimas quatro semanas

• Uso de dicumarínicos

• Insuficiência hepática ou renal

• Ressuscitação cardiopulmonar prolongada (> 10min) não-traumática

• História de hipertensão arterial grave

• Punção de vasos não-passíveis de compressão

Relativas

Absolutas

Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002 25

centemente lançado no Brasil, com preço semelhanteao do tPA.

Os benefícios da terapia trombolítica ou daangioplastia primária independem da idade, do sexo eda maioria das características basais. Entretanto ospacientes que mais se beneficiam com as estratégias dereperfusão são aqueles tratados mais precocemente, osidosos, aqueles com IAM de parede anterior, ou comoutros aspectos de alto risco.

Terapia combinada de

trombolítico + antagonistas

da GPIIb/IIIa

Embora o ácido acetilsalicílico promova inequí-voca redução da mortalidade por IAM, sua açãoantiplaquetária é relativamente fraca, pois decorre dainibição apenas da via do tromboxane A2. Os antago-nistas da glicoproteína IIb/IIIa são potentes agentesantiplaquetários que bloqueiam a via final comum daagregação e adesão plaquetária. Em face das crescentesevidências de que grande parte do mecanismofisiopatológico responsável pelo freqüente insucesso datrombólise está relacionada à ativação plaquetária, di-versos estudos com a combinação de dose reduzida detrombolíticos e GP IIb/IIIa têm sido desenvolvidos.

O estudo Timi-14, um dos mais importantes es-tudos-piloto nesta linha de investigação, avaliou o usoconcomitante do abciximab com vários esquemas detPA ou SK. Ao final de 90 minutos, as taxas de fluxoTimi-3 foram de 32% para abciximab isolado, um valorcomparável à SK isolada em outros estudos; 34% a46% para SK + abciximab; e 61% a 76% para tPA(meia dose) + abciximab, em comparação com 57%para tPA (dose plena) isolado. Estes resultados pro-missores não foram confirmados em grandes ensaios.No estudo Gusto-5, com mais de 16.500 pacientes, oesquema rPA (meia dose) + abciximab, quando com-parado com rPA (dose padrão), não produziu diferen-ça de mortalidade de 30 dias (5,6% vs. 5,9%). Houvebenefício moderado com a terapia da combinação emrelação à incidência de reinfarto não-fatal (2,3% vs.3,5%), isquemia recorrente (11,3% vs. 12,8%), ne-cessidade de revascularização e outras complicaçõesnão-fatais do infarto. Não houve aumento das taxasde hemorragia intracraniana, mas a combinação au-mentou o risco de outros sangramentos.

O estudo Assent-3 incluiu 6.095 pacientes comIAM e comparou três esquemas: tenecteplase (doseplena) + enoxiparina, tenecteplase (meia dose) +heparina não-fracionada + abciximab, e tenecteplase

(dose plena) + heparina não-fracionada. Os objetivosprimários (mortalidade em 30 dias, reinfarto ouisquemia refratária) foram significativamente meno-res nos grupos abciximab e enoxiparina em relação aogrupo heparina não-fracionada, e equivalentes entresi: 11,1% (abciximab), 11,4% (enoxiparina) e 15,4%(heparina não-fracionada). O mesmo comportamen-to foi observado em relação à segurança. Estratégiasemelhante foi avaliada no estudo Entire-Timi-23,onde 483 pacientes foram tratados de acordo comquatro esquemas: dose plena de TNK-tPA (comheparina não-fracionada ou enoxiparina) ou meia dosede TNK-tPA + abciximab (com heparina não-fracionada ou enoxiparina). Os resultados sugerem quea enoxiparina está associada a taxas de fluxo Timi-3 se-melhantes à heparina não-fracionada na fase inicial datrombólise, com vantagens em relação aos eventos is-quêmicos ao final de 30 dias, e semelhante riscohemorrágico. Apesar da pequena casuística, vale ressal-tar que a associação TNK-tPA (dose plena) + enoxiparinaapresentou a menor taxa de eventos isquêmicos (4,4%),quando comparado com terapia combinada TNK-tPA(meia dose) + abciximab, tanto com enoxiparina (5,5%)como com heparina não-fracionada (6,5%).

Estes resultados reafirmam a segurança da enoxiparinacom o tPA e seus mutantes, o que, pela facilidade e cus-to-efetividade, parece constituir estratégia atrativa e maisadequada do que a associação de abciximab a trombolítico.Em breve tempo, novos ensaios já em curso devem defi-nir a melhor combinação de trombolíticos e antitrombó-ticos no tratamento do IAM.

Em metanálise de seis ensaios e mais de 6.400 pa-cientes, a trombólise pré-hospitalar reduziu em quaseuma hora o tempo para início do tratamento (162min± 16min vs. 104min ± 7min), contribuindo para di-minuir a mortalidade em 17%. No recém-publicadoestudo ER-Timi-19, o tempo médio entre a chegada

8

7

6

5

4

% m

orta

lidad

e 30

dia

s

r-PA tPA TNK-tPA tPAGusto-3 Assent-2

n-PA tPAInTime-2

Mutante

tPA7,47

7,24

6,776,6

6,18 6,15

Figura.Mortalidade (30dias) dos novosmutantes de tPA

26 Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002

ao atendimento de emergência e o início da trombólisecom rPA foi reduzido de 63min para 31min, quandocomparadas as abordagens pré-hospitalar e hospitalar.A mortalidade hospitalar foi de 4,7%, com 1% de he-morragia intracraniana.

A trombólise pré-hospitalar foi comparada coma angioplastia primária no estudo Captim, sendo ob-servada diferença não-significativa nos objetivoscompostos de mortalidade global, reinfarto ou aci-dente vascular encefálico em favor da angioplastia(8,2% vs. 6,2%).

É importante lembrar que a trombólise pode serefetiva mesmo em pacientes com mais de 12 horas deevolução, principalmente na presença de sintomas ealterações eletrocardiográficas compatíveis comisquemia em curso. Os benefícios da trombólise tar-dia estão provavelmente relacionados à patênciavascular (hipótese da artéria aberta), com melhor cica-trização ventricular, menor expansão da área de infartoe maior estabilidade elétrica.

Mais recentemente, o estudo dinamarquêsDanami-2 demonstrou que a estratégia de transferên-cia dos pacientes para realizar angioplastia primáriareduziu em 40% o risco relativo de óbito, reinfarto ouacidente vascular encefálico, quando comparada coma trombólise hospitalar, desde que não houvesse retar-do maior que três horas.

Trombólise em pacientes de

alto risco

Entre os pacientes de maior atenção pela alta mor-talidade por IAM destacam-se os subgrupos com tem-po de evolução > 4 horas, localização anterior, idade >65 anos, sexo feminino, supradesnível de ST em maisde seis derivações, bloqueio de ramo adquirido, infartoprévio, pressão arterial < 100mmHg, freqüência cardíaca> 100bpm, diabetes melito, insuficiência cardíaca e cho-que cardiogênico.

Trombólise no idoso (classe I se < 75anos; classe IIa se ≥ 75 anos)Com o progressivo envelhecimento da população,

é cada vez maior o número de pacientes idosos queapresentam IAM. Independente do tratamento, osidosos têm alta mortalidade, e muitos apresentam co-morbidades que podem contra-indicar a terapiatrombolítica.

Estudos pioneiros como Gissi-1 e Isis-2 demons-traram que a mortalidade em pacientes tratados comSK foi três vezes maior nos pacientes > 75 anos, como

seria esperado. A mortalidade foi reduzida em termosabsolutos em 3,9% (25% vs. 29% com placebo), be-nefício 50% maior que aquele constatado em pacien-tes mais jovens (10,7% vs. 8,3%).

No levantamento feito pelo grupo Fibrinolytic TherapyTrialists´ (FTT), a terapia trombolítica reduziu de formasignificativa a mortalidade para pacientes entre 65 e 74anos (13,5% vs. 16,1% com placebo, p < 0,00001), masnão em pacientes ≥ 75 anos (24,3% vs. 25,3%). Em novaanálise deste estudo direcionada para idosos > 75 anos econsiderados elegíveis para trombólise de acordo com oscritérios atuais (elevação de ST ou bloqueio de ramo comaté 12 horas de evolução), a mortalidade ao final de 35dias foi significativamente reduzida (29,4% vs. 26%,p = 0,03). Esta redução absoluta de 34 vidas salvas emmil pacientes tratados é semelhante à observada na faixade 65 a 74 anos (40 vidas salvas em mil) e maior do queem pacientes < 55 anos (16 vidas por mil).

Em contraste com os benefícios da trombólise noidoso observados nos ensaios clínicos, outros relatos nãodetectaram benefícios. Estudo retrospectivo de um ban-co de dados americano (Medicare) com 7.864 pacien-tes com idades entre 65 e 86 anos identificou que aque-les com > 75 anos submetidos à trombólise apresentarammortalidade 38% maior ao final de 35 dias, em especialno sexo feminino. Outro estudo com 37.983 pacientes≥ 65 anos e com IAM não identificou benefício ao finalde 30 dias, mesmo após correção para dadosdemográficos, fatores clínicos e intervenções. Nestemesmo estudo, o subgrupo tratado com angioplastiaprimária apresentou mortalidade 21% menor, mas, aofinal de um ano, as duas estratégias foram benéficas,com vantagem para o grupo tratado com intervenção(redução de mortalidade de 29% vs. 16%).

Apesar do inquestionável benefício da trombólisepara o idoso, sua utilização é bastante limitada, tantona faixa entre 65 e 75 anos (19% de utilização) comoacima de 75 anos (7,4%), em contraste com o empre-go em metade dos pacientes com menos de 65 anos.Vários são os motivos para explicar estas baixas taxasde utilização, além da preocupação com sangramentos.Mais freqüentemente os idosos são atendidos além dasseis horas do início dos sintomas, e os achados eletro-cardiográficos são menos diagnósticos de IAM. Os sin-tomas de infarto são menos típicos e a presença de co-morbidades pode contra-indicar o uso de trombolíticos.De maneira equivocada, o infarto do idoso muitas ve-zes é considerado de menor risco.

Em um estudo retrospectivo, a taxa de hemorra-gia intracraniana pós-trombólise em pacientes ≥ 65

Programa de Educação Continuada da Sociedade Brasileira de Cardiologia • Módulo 2 • Fascículo 1 • Ano 1 • 2002 27

anos foi de 1,43%, observando-se relação direta comos seguintes preditores independentes: idade ≥ 75 anos,sexo feminino, raça negra, ac idente vascularencefálico prévio, pressão arterial ≥ 160mmHg, usode tPA, anticoagulação excessiva (INR ≥ 4) e bai-xo peso (≤ 65kg para mulheres e ≤ 80kg para ho-mens). As recomendações atuais são de que a ida-de não deva impedir a trombólise, classificando-acomo IIa em pacientes > 75 anos.

Sexo femininoNo estudo Gusto-I, as mulheres apresentaram

maior mortalidade em 30 dias (11,3% vs. 5,5%), dife-rença que cai para 15% após ajustes para característi-cas basais, especialmente idade.

Choque cardiogênicoNo estudo Gusto-I, nos pacientes que não apre-

sentavam choque cardiogênico, o tPA determinou re-dução de mortalidade e da taxa de desenvolvimentode choque, quando comparado com SK. Entretanto,nos pacientes com choque houve tendência não-signi-ficativa para menor mortalidade com SK. No estudoGusto-III, os pacientes com choque cardiogênico me-lhoraram com tPA, mas não se beneficiaram com rPA.

Não há dados randomizados demonstrando a efi-cácia e a segurança do balão de contrapulsação intra-aórtica e trombólise no choque cardiogênico pós-IAM,mas há sugestões de eficácia segundo observações dosestudos Shock e Gusto-1. Assim, a presença de cho-que cardiogênico deve ser vista como fator limitanteda eficácia, e não como contra-indicação ao uso detrombolíticos. Neste contexto, o implante dacontrapulsação intra-aórtica deve ser feito cuidadosa-mente por profissionais experientes, sem que se retar-de o início da trombólise.

Seleção do agente trombolíticoTanto para pacientes jovens como para idosos que

se apresentam com evidência de isquemia miocárdicaaguda, a questão central é se o paciente é candidato àtrombólise. Se indicada a trombólise, a seleção do agen-te poderá ser feita com dados oriundos do estudoGusto-1, onde 12% e 4% dos pacientes tinham maisde 75 e 80 anos, respectivamente. Na faixa etária aci-ma de 75 anos, o tPA em regime acelerado de admi-nistração determinou redução não-significativa damortalidade (19% vs. 21% com SK), mas com expres-siva maior incidência de hemorragia intracraniana(2,1% vs. 1,2%). Em pacientes > 85 anos houve ten-

dência a menor mortalidade com SK (29,4% vs. 30%com tPA), mas os dados são muito limitados.

Marcadores de reperfusãopós-trombóliseA qualidade do fluxo coronariano obtida com a

trombólise depende de vários fatores, como a hemo-dinâmica (pressão de perfusão coronariana, freqüên-cia cardíaca, drenagem venosa), anatomia local (tama-nho e tônus vasculares, localização, gravidade, extensãoe geometria da lesão), quantidade de trombo residual(tempo para reperfusão, retrombose, ativação plaque-tária e atividade da trombina) e fatores celulares (fun-ção endotelial, expressão de moléculas de adesão,interações imunológicas e integridade microvascular).A patência vascular (fluxo Timi 2 ou 3) pode ser obti-da em 60% a 75% dos pacientes, mas apenas areperfusão ideal ou completa (Timi 3) se traduz emreal redução da mortalidade (3,7% vs. 7% com fluxoTimi 2). Os pacientes com fluxo Timi 3 também secaracterizam por menores picos de marcadores denecrose miocárdica, menos anormalidades de contra-ção segmentar e menor depressão da fração de ejeção.Os benefícios da reperfusão plena se estendem a longoprazo, observando-se menor mortalidade ao final dedois anos (7,9% vs. 15,7%, fluxo Timi 0, 1 ou 2).

Apesar de importante, a detecção clínica dareperfusão não pode ser feita de maneira totalmenteconfiável na maioria dos pacientes. Por diversos moti-vos, o desaparecimento da dor torácica não pode serutilizado como indicativo da eficácia terapêutica. Ocomportamento dos marcadores de necrose miocárdicapode ser útil na identificação da reperfusão. Areperfusão obtida nas seis horas iniciais de evoluçãodo IAM determina alterações da cinética de liberaçãodos marcadores, reduzindo o tempo entre o início doinfarto e o pico de CK, assim como um aumento namagnitude do pico de CK em relação ao tamanho doinfarto. Isto é mais evidente quando a reperfusão ocorrenas primeiras quatro horas. Mais recentemente, foidescrito que relações entre os níveis séricos aos 60 mi-nutos após o início da trombólise e basais de mioglo-bina ≥ 4, de CK-MB ≥ 3,3 e de troponina I ≥ 2 forne-ceram probabilidades de Timi II ou III de 90%, 88%e 87%, respectivamente.

As arritmias de reperfusão podem oferecer peque-na contribuição na análise da eficácia da trombólise,pois as mais freqüentemente observadas, como ataquicardia ventricular e a fibrilação ventricular, tam-bém o são em pacientes não-submetidos ou malsuce-

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A regressão ou resolução da elevação do segmento ST apósa terapia trombolítica é considerada um marcador dereperfusão e de valor prognóstico, permitindo identificarpotenciais candidatos à angioplastia de resgate. Ao final detrês horas, a resolução completa do ST (≥ 70% de resolu-ção), parcial (30% a 70%) ou ausente (< 30%),

correlacionou-se com taxas de mortalidade ao final de cin-co semanas de 2,5%, 4,3% e 17,5% (p < 0,0001), respec-tivamente. A regressão de ST em três horas foi o preditormais potente de mortalidade e, quando possível, a análisemais precoce (em 60-90 minutos) pode orientar e anteci-par a decisão acerca da intervenção hemodinâmica. A rá-pida resolução de ST também se correlaciona com o acha-do de recanalização precoce com adequada perfusãomiocárdica e melhor contratilidade segmentar. Por outrolado, a permanência de infradesnível de ST em derivaçõesnão-relacionadas ao infarto ou oscilações recorrentes (ele-vação ou depressão) de ST após a resolução inicial do STidentificam pacientes de alto risco para eventos adversos.A presença de ondas Q patológicas ou inversão de onda Tno ECG de admissão está associada com pior resposta àtrombólise, perfusão miocárdica inadequada e alteraçõesde contratilidade segmentar, enquanto que o não-desen-volvimento de ondas Q pressupõe menor extensão e in-tensidade de disfunção ventricular e melhor perspectiva derecuperação funcional.

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A maioria dos casos de endocardite infecciosa emnosso país associa-se a doença valvar reumática oucardiopatia congênita, embora se observe aumento daincidência da infecção endocárdica em portadores deprolapso valvar mitral, prótese valvar e doençasdegenerativas com espessamento e calcificação valvar,além de hipertrofia septal assimétrica e estenosesubaórtica hipertrófica idiopática(2). Apesar dos avan-ços na clínica cirúrgica, a letalidade da endocarditepersiste elevada, em torno de 20% a 30%(3, 4), em par-te relacionada a mudanças no espectro clínico: porta-dores de imunodeficiência, cateteres, próteses valvares,idosos e resistência a antibióticos.

A oportunidade para bacteremia determina colo-nização pela aderência do microorganismo na lesão pré-formada; por exemplo, estafilococos através deexoproteínas de aderência ao fibrinogênio, responden-do por mais de 20% dos casos de infecção comunitá-ria em valva nativa(2). Da mesma forma, os estreptoco-cos, agentes em cerca de 40% a 50% das endocarditescomunitárias, possuem, também, reconhecida capaci-dade de aderência aos depósitos fibrinoplaquetários eapresentam certas peculiaridades, como associação àmanipulação dentária (grupo viridans). O S. bovis temcomo porta de entrada no sangue sua associação comtumores colônicos(3-5). Nos hospitalizados, osestafilococos são os agentes etiológicos mais freqüen-tes(3-5), especialmente na presença de próteses valvares,cateteres e imunocomprometidos. Agentes comoenterococos e bacilos gram-negativos surgem de sua

II.I Endocardite infecciosa

A primeira descrição de quadro clínico sugestivo da endocardite infecciosa data de 1646, por Lazare Reviere.Após mais de 200 anos, em 1885, William Bart Osler reconheceu os nódulos que levariam seu nome e quecompõem o espectro clínico da doença. Em seguida, Osler descreveu manifestações cardinais que se tornaramclássicas: cardiopatia predisponente, bacteremia, evidência de valvulite ativa e fenômeno embólico periférico(1).Desde então, o progresso clínico e laboratorial permitiu o aprimoramento diagnóstico da endocardite infecciosa,porém sem se afastar dos princípios oslerianos.

Autores

Roney Orismar Sampaio1

Max Grinberg2

1Doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).2Professor livre-docente pela Faculdade de Medicina da USP; diretor da Unidade Clínica de Valvopatia do Incor.

presença geniturinária ou intestinal, particularmentese houver imunocomprometimento. Fungos são opor-tunistas em pacientes hospitalizados, portadores de ca-teteres ou de próteses valvares. Outros agentes têm suaincidência crescente, como o grupo Hacek(Haemophilus parainfluenzae, Haemophilus aphrophilus,Actinobacillus (Haemophilus) actinomycetemcomitans,Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens e KingellaKingae), estreptococos nutricionalmente variantes(reclassificados como Abiotrophia sp.), Bartonella,Brucella e Legionella sp.(3, 4).

A sistematização de critérios em prol da sensibili-dade e especificidade do diagnóstico foi introduzida,em 1977, por Pelletier e Petersdorf(1) e revista, em 1981,por von Reyn et al. Ressaltou-se o valor de dados clí-nicos: cardiopatia predisponente, febre, novo soproregurgitante, fenômenos vasculares com dados labora-toriais fundamentais, hemocultura e estudoanatomopatológico. Em 1994, Durack et al.(1, 5), daDuke University, propuseram nova diretriz para o diag-nóstico da endocardite infecciosa com a inclusão do es-tudo ecodopplercardiográfico como informação. Daaplicação resultam três situações de diagnóstico: defini-tivo, possível ou rejeitado(1, 5). O diagnóstico definitivoexige associação de dois critérios maiores, um critériomaior e três menores ou cinco critérios menores, o que,aliás, é raro acontecer.

A inclusão de febre e hemocultura positiva paramicroorganismos típicos (Streptococcus viridans, S.bovis, grupo HACEK, além de estafilococos ou

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enterococos comunitários), na ausência de outro focoe acompanhada da evidência de envolvimento endo-cárdico ao ecocardiograma, é o pilar do diagnósticodefinitivo.

O caráter subagudo da endocardite infecciosa so-freu mudança significante com o diagnóstico e o tra-tamento mais precoces. Fenômenos imunitários vêmse reduzindo nos últimos anos. Não obstante, glome-rulonefrite, manchas de Roth (hemorragia retinianacom centro claro), nódulos de Osler (nódulos peque-nos, dolorosos, em pele ou dedos, em eminência tenare hipotenar) e petéquias, menos específicas, são iden-tificados ao redor de 20% a 40% dos casos(3). Fenô-menos vasculares, sobretudo embólicos, são vistos em20% a 50% dos casos, especialmente até uma a duassemanas da introdução de terapêutica específica(3). Alesão de Janeway (mácula hemorrágica em palma dasmãos e sola dos pés), outro achado clínico clássico,também é pouco vista, ocorrendo especialmente nainfecção estafilocócica.

Apesar da alta especificidade e do valor preditivonegativo acima de 92% do diagnóstico, segundo os cri-térios da Duke University, em algumas situações po-

dem ocorrer discordâncias, relacionadas especialmenteà hemocultura negativa, bacteremias recorrentes porestafilococos e prótese valvar recém-implantada. Em2000 foi proposta uma pequena modificação nos crité-rios originais (Quadro)(4, 6) a fim de proporcionar aper-feiçoamento diagnóstico. Outros achados, como esple-nomegalia e provas de atividade inflamatória positivas(proteína C reativa e velocidade de hemossedimentação,mucoproteína), são importantes para o diagnóstico dainfecção endocárdica, e poderão ser incluídos em novasavaliações. Estudos multicêntricos em endocardite infec-ciosa, ao contrário do observado em doença coronariana,são infreqüentes. A relativa infreqüência da endocarditeinfecciosa tem estimulado ações de integração entre ser-viços em vários países, com o objetivo de elaborar bancode dados internacionais.

A investigação de paciente sob suspeita de endo-cardite infecciosa inclui a obtenção de três coletas dehemocultura e a realização de ecocardiograma. Em al-gumas situações faz-se necessário o estudo transesofá-gico, pela melhora na sensibilidade e na especificidade,sobretudo em pacientes com janela acústica inadequadaou no estudo de próteses valvares, além da avaliação

Critérios maiores

1 – Microbiológicos

• Microorganismos típicos em duas hemoculturas separadas (Streptococcus – grupo viridans, S. bovis, grupoHacek, S. aureus, enterococos de origem comunitária, outros agentes isolados em hemoculturas persistentementepositivas ou hemocultura ou sorologia positiva para Coxiella burnetti)

2 – Evidência de envolvimento endocárdico

• Novo sopro regurgitante

• Ecocardiograma compatível (realizar avaliação transesofágica em prótese valvar, suspeita de envolvimentoperivalvar ou se exame transtorácico é negativo e persiste suspeita)

Critérios menores

• Predisposição à endocardite – ou seja, algumas cardiopatias – como valvares e congênitas cianogênicascomplexas, coarctação de aorta, próteses valvares, endocardite prévia, cardiomiopatia hipertróficae uso de drogas injetavéis

• Febre acima de 38ºC

• Fenômenos vasculares

• Fenômenos imunitários (fator reumatóide, glomerulonefrite, nódulos de Osler ou manchas de Roth)

• Achados microbiológicos (hemoculturas positivas, porém sem preencher critério maior, evidência sorológicada infecção. Hemocultura isolada para estafilococo coagulase-negativo e agentes etiológicos que raramentecausam endocardite não se incluem nesta categoria)

Quadro – Critérios de Duke modificados para endocardite infecciosa

Adaptado de Mylonakis et al. e Li et al.(4, 6)

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de invasão de tecido perivalvar, como abscesso de anele formação de fístula, ou se houver persistência de sus-peita clínica, apesar de resultados iniciais negativos peloecocardiograma transtorácico. O ecocardiograma de-verá ser repetido de acordo com a progressão clínicaao final do tratamento. Caso haja piora clínica, desen-volvimento de insuficiência cardíaca, suspeita dedisfunção ventricular esquerda ou de extensão peri-valvar, o ecocardiograma deverá ser repetido mais pre-cocemente.

Dificuldade ocorre se as hemoculturas estiveremnegativas em ausência de diagnóstico alternativo, comoé observado em cerca de 5% a 15% dos casos(3, 4). Aadministração de antibióticos antes da colheita dehemoculturas reduz em 35% a 40% a possibilidade derecuperação do agente infeccioso(3, 4). Agentes de cres-cimento lento (grupo Hacek, Bartonella, Abiotrophia),de difícil recuperação, como algumas espécies de fun-gos, Coxiella e Brucella, por vezes são erroneamenterotulados como de hemocultura negativa. Meios decultura especiais, colheita para sorologias específicasou identificação do DNA do agente por técnicas dereação de cadeia de polimerase podem ser úteis para oesclarecimento etiológico. Além disso, a evolução clí-nica auxiliará no diagnóstico diferencial no qual in-cluímos a febre reumática (especialmente em criançase adolescentes), sepse de origem desconhecida, bron-copneumonia, infecção intestinal ou urinária emiocardite.

Terapêutica clínica

O início da terapêutica em pacientes sob suspeitade endocardite deverá preferencialmente ser baseado naidentificação do germe e no antibiograma. Em pacien-tes graves ou toxêmicos, o início urgente da antibioti-coterapia deverá ser precedido por colheita de três paresde hemoculturas com intervalos curtos de 5 a 10 minu-tos. As drogas de escolha para a necessidade de antibio-ticoterapia em valva nativa antes do conhecimento doantibiograma são penicilina G cristalina, gentamicina eoxacilina (75% dos casos devem-se a estreptococos ouestafilococos). A subseqüente identificação domicroorganismo poderá redirecionar a antibioticote-rapia(7, 8). Nos portadores de endocardite por estrepto-cocos não-complicada, sobretudo em algumas cepasaltamente sensíveis à penicilina (concentração inibi-tória mínima menor ou igual a 0,1mg/ml), tem sidoutilizado o tratamento por duas semanas, com índicede cura elevado, embora a pequena experiência nãoautorize a administração deste esquema, exceto em

grupos isolados(7). A ceftriaxona por quatro semanas éuma opção à penicilina, ainda que pouco utilizada nestasituação; em pacientes alérgicos à penicilina prefere-sea vancomicina.

Os estafilococos constituem o segundo grupo maisfreqüente de endocardite comunitária e o predomi-nante em usuários de drogas injetáveis e na endocar-dite de origem nosocomial. A droga de escolha é aoxacilina por seis semanas associada a aminoglicosídeopor 14 dias. Como opção podem-se utilizar as cefalos-porinas ou a vancomicina, quando houver infecção porgermes meticilino-resistentes(7, 8). A endocardite por S.aureus associa-se a pior prognóstico devido a maiorvirulência, freqüência aumentada de embolia e forma-ção de abscessos. Em usuários de drogas injetáveis, avalva tricúspide é atingida em sua maior parte, o riscode embolia é menor, exceto para pulmão, e a respostaterapêutica é mais eficaz. O estafilococo coagulase-negativo é o agente etiológico da endocardite precoceem prótese em cerca de 50% dos casos, sobretudo de-vido à contaminação intra-operatória. O diagnósticoé sugerido por febre persistente e bacteremia no pós-operatório. O prognóstico depende da precocidade dodiagnóstico e da terapêutica, que corresponde habitual-mente à associação de vancomicina e aminoglicosídeoaté o isolamento do germe, além de, invariavelmente,substituição da prótese. Em alguns casos a associaçãode rifampicina pode ser benéfica(7, 8).

Enterococos, bacilos gram-negativos, fungos, gru-po Hacek e outros mais raros, ou seja, Brucella,Bartonella, Coxiella e micobactérias, podem ser agen-tes de infecção endocárdica, recebendo tratamento es-pecífico de acordo com o antibiograma(4, 7, 8). Em rela-ção às micobactérias, vale mencionar a associação comprótese porcina, sobretudo por esterilização inadequadadurante a confecção da prótese, devendo ser semprelembrada na eventualidade de endocardite precoce ehemoculturas iniciais negativas(9).

Complicações

As complicações cardíacas mais graves são relaci-onadas a danos mecânicos às estruturas valvares. Apresença de insuficiência cardíaca refratária, quasesempre por rotura ou deiscência parcial de prótese,ou ainda por disfunção ventricular, sobretudo emposição aórtica, eleva a mortalidade em até 50%(3, 10).A substituição da valva afetada, ainda que envolvariscos de recidiva, melhora o prognóstico e deve serefetuada tão rápido quanto possível(3, 5, 8, 10). É desejá-vel que a terapêutica antibiótica seja iniciada antes

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da cirurgia, idealmente 48 horas antes desta, a fimde assegurar níveis séricos adequados de antibióticoe menor contaminação periprotética. Infelizmenteisto nem sempre é possível, em face da gravidade dopaciente.

A extensão da infecção além do anel valvar, cau-sando abscesso perianular, é também mais comum emportadores de prótese aórtica, sendo reconhecida pelapresença de bloqueios atrioventriculares de graus vari-ados ao eletrocardiograma ou novo sopro, sugestivode comunicação intracardíaca. O ecocardiograma tran-sesofágico proporciona melhor reconhecimento da ex-tensão perianular, permitindo intervenção cirúrgicamais precoce e evitando, assim, destruição do esquele-to fibroso cardíaco. Nos casos de acometimento doanel valvar em portadores de próteses pode ocorrerdesinserção parcial, que é revelada pelo ecocardiogramae requer tratamento cirúrgico urgente.

Episódios embólicos são freqüentes manifestaçõesextracardíacas. Ocorrem em 20% a 50% dos casosde endocardite(3, 10), sendo a maioria assintomática.O risco eleva-se na presença de grandes vegetações(acima de 10mm), ou aumento destas na vigência deantibioticoterapia adequada, sobretudo em portado-res de endocardite por fungos, estafilococos e grupoHacek. Há ocorrência preferencial em até duas se-manas do início da antibioticoterapia e atinge emcerca de 65% das vezes o sistema nervoso central emtorno de 90% para a artéria cerebral média(3), embo-ra possa atingir artéria coronária, baço, pulmões, in-testino e extremidades.

A embolia para o sistema nervoso central, espe-cialmente grave, dificulta não só o tratamento clíni-co como retarda a troca valvar, devido à necessidadede heparinização do paciente durante a circulaçãoextracorpórea, com piora significativa do prognósti-co. Algumas vezes, a embolia pode atingir os vasavasorum, com infecção local, reação inflamatória eenfraquecimento da parede do vaso – fenômeno co-nhecido como aneurisma micótico. A instituição da

terapêutica é benéfica para regressão do aneurisma,embora a rotura possa ocorrer meses após o términodo tratamento. Arteriografia cerebral ouangiorressonância magnética seriada são úteis paraidentificar casos com iminência de rotura, embora aopção pela correção cirúrgica seja difícil e decididaem conjunto com equipe neurocirúrgica.

Noutras situações pode haver colonização de bac-térias e formação de abscessos; como no baço, po-dendo ser difícil a diferenciação entre abscesso einfarto esplênico. Persistência de febre, toxemia ebacteremia recorrente obriga a procura de novos fo-cos de infecção, incluindo o abscesso esplênico, cujaavaliação complementar é realizada inicialmente comultra-sonografia e tomografia computadorizada, ouressonância magnética em caso de dúvida diagnósti-ca. Confirmada a presença do abscesso, procede-se àesplenectomia ou à drenagem percutânea antes da ci-rurgia cardíaca, devido ao risco de infecção intra-ope-ratória.

Terapêutica cirúrgica

O tratamento cirúrgico na endocardite é indica-do se houver falência da conduta clínica ou apareci-mento de complicações. Algumas situações apresen-tam maior freqüência de tratamento cirúrgico: idosos,germes mais virulentos, presença de insuficiência car-díaca refratária, má resposta à antibioticoterapia elesão em posição aórtica(3, 4, 10). A princípio, a indica-ção do tratamento cirúrgico na vigência da infecçãonão é a primeira opção terapêutica, visto que aumentaa possibilidade de contaminação intra-operatória domaterial implantado; todavia comprometimento he-modinâmico, febre persistente (acima de dez dias,apesar de antibioticoterapia adequada), evidências detoxemia, disfunção renal ou extensão da infecção pararegião perianular, além de infecção por fungos, bac-térias gram-negativas e, eventualmente, estafilococos,implicam quase sempre má resposta ao tratamentoclínico e necessidade de cirurgia.

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Citalor® (atorvastatina cálcica) é um agente hipolipemiante que diminui os níveis plasmáticos de colesterol e lipoproteínas através da inibição da HMG-CoA redutase e da síntese decolesterol no fígado, ampliando o número de receptores de LDL hepáticos na superfície da célula, o que aumenta a absorção e o catabolismo do LDL. Indicações: para a redução deníveis elevados de colesterol total, LDL-colesterol, apolipoproteína B e triglicérides em pacientes com hipercolesterolemia primária e hiperlipidemia combinada (mista); para otratamento de pacientes com níveis elevados de triglicérides séricos e de pacientes com disbetalipoproteinemia que não respondem de forma adequada à dieta; também é indicado paraa redução do colesterol total e do LDL-colesterol em pacientes com hipercolesterolemia familiar homozigótica, quando a resposta à dieta e outras medidas não-farmacológicas foreminadequadas; em paciente com doença cardiovascular e/ou dislipidemia, está indicado na Síndrome Coronária Aguda, para a prevenção secundária do risco combinado de morte,infarto do miocárdio não-fatal, parada cardíaca e re-hospitalização de paciente com angina do peito (estudo MIRACL – Myocardial Ischemia Reduction with Aggressive CholesterolLowering). Contra-indicações: hipersensibilidade a qualquer componente de sua fórmula; doença hepática ativa ou elevações persistentes inesperadas das transaminases séricas queexcedam em 3 vezes o limite superior da normalidade; durante a gravidez ou a lactação; mulheres em idade fértil que não estejam utilizando medidas contraceptivas eficazes.Advertências e precauções: os pacientes devem ser aconselhados a relatar imediatamente a ocorrência inexplicável de dor muscular, alterações da sensibilidade ou fraqueza muscular,principalmente se forem acompanhadas de mal-estar ou febre. Testes de função hepática devem ser realizados antes do início do tratamento e, periodicamente, durante o tratamento.Pacientes que desenvolverem quaisquer sinais ou sintomas sugestivos de danos hepáticos devem ser monitorados até que a anormalidade se resolva. Se um aumento de AST e ALT(TGO e TGP) maior que 3 vezes o limite superior da normalidade persistir, recomenda-se a redução da dose ou a descontinuação do tratamento. Citalor® deve ser utilizado comprecaução por pacientes que consomem quantidades apreciáveis de álcool e/ou apresentam história de doença hepática. O tratamento deve ser descontinuado no caso de ocorrênciade níveis consideravelmente elevados de CPK ou de diagnóstico ou suspeita de miopatia. O tratamento deve ser interrompido temporariamente ou descontinuado em qualquerpaciente com uma condição séria e aguda sugestiva de miopatia ou que apresente um fator de risco que o predisponha ao desenvolvimento de insuficiência renal secundária àrabdomiólise. Interações medicamentosas: antiácidos (com hidróxido de magnésio e de alumínio), colestipol, digoxina, eritromicina/claritromicina, contraceptivos orais e inibidoresda protease. Reações adversas: constipação, flatulência, dispepsia, dor abdominal, cefaléia, náusea, mialgia, astenia, diarréia e insônia. Posologia: as doses podem variar de 10 a 80mg, em dose única diária, que pode ser administrada a qualquer hora do dia, com ou sem alimentos. As doses inicial e de manutenção devem ser individualizadas de acordo com osníveis basais de LDL-colesterol, o objetivo do tratamento e a resposta do paciente. Após o início do tratamento e/ou durante o ajuste de dose de atorvastatina, os níveis lipídicos devemser analisados dentro de 2 a 4 semanas e a dose deve ser ajustada adequadamente. Hipercolesterolemia primária e hiperlipidemia combinada (mista): a maioria dos pacientes é controladacom 10 mg de atorvastatina em dose única diária. Hipercolesterolemia familiar homozigótica: a maioria dos pacientes respondeu a 80 mg de atorvastatina com uma redução maior que15% no LDL-colesterol (18%-45%). A experiência no tratamento de pacientes pediátricos (com doses de atorvastatina de até 80 mg/dia) é limitada. Superdosagem: o paciente devereceber tratamento sintomático e, conforme a necessidade, devem ser instituídas medidas de suporte. Devido à alta ligação às proteínas plasmáticas, a hemodiálise não deve aumentara depuração da atorvastatina significantemente. Apresentações: comprimidos revestidos de 10 mg, 20 mg, 40 mg e 80 mg em embalagens com 30 unidades. USO ADULTO.VENDA SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA. Para maiores informações, consulte a bula completa do produto (cit08a). Documentação científica e informações adicionais estão àdisposição da classe médica mediante solicitação. Laboratórios Pfizer Ltda., Rua Alexandre Dumas, 1860 – Chácara Santo Antônio, São Paulo, SP – CEP 04717-904. Tel.: 0800-16-7575 – Internet: www.pfizer.com.br. Citalor® Reg. MS - 1. 0216.0062

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