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i MÁRIO ROBERTO FERRARO CIÊNCIA, MEIO AMBIENTE E CULTURA NA BELLE ÉPOQUE PAULISTA: O “DAY AFTER” DA LAVOURA CAFEEIRA. Campinas /SP - 2012

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i

MÁRIO ROBERTO FERRARO

CIÊNCIA, MEIO AMBIENTE E CULTURA NA BELLE ÉPOQUE

PAULISTA: O “DAY AFTER” DA LAVOURA CAFEEIRA.

Campinas /SP - 2012

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NÚMERO: 050/2012

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

MÁRIO ROBERTO FERRARO

CIÊNCIA, MEIO AMBIENTE E CULTURA NA BELLE ÉPOQUE

PAULISTA: O “DAY AFTER” DA LAVOURA CAFEEIRA.

TESE DOUTORADO APRESENTADA AO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNICAMP PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR EM CIÊNCIAS DO PROGRAMA ENSINO E HISTÓRIA DE CIÊNCIAS DA TERRA

ORIENTADORA: PROFª. DRª SILVIA FERNANDA DE MENDONÇA

FIGUEIRÔA.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE/DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO MÁRIO ROBERTO FERRARO E ORIENTADA PELA PROFª. DRª SILVIA FERNANDA DE MENDONÇA FIGUEIRÔA

__________________________________

Campinas /SP - 2012

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Dedico a:

FERRARI SANTI, in memmoriam, meu bisavô, que atravessou o Atlântico e chegou com a

família ao Brasil em dezembro de 1888. Pelo heroísmo...

PEDRO FERRARI, meu avô, in memmoriam, uma vida de muito trabalho pelas fazendas da

região de Campinas. Pela tenacidade...

SANTO FERRARO, in memmoriam, meu pai. Era um bom contador de histórias. Pelo esforço

em estudar os seis filhos... Faleceu em 2010 sem ver o filho mais velho (eu) doutor.

JORGE FERRARO NITA, sobrinho querido, nascido em 2008. Meu sonho seria vê-lo ler, senão

esta tese, ao menos esta dedicatória.

ENID DE ABREU DOBRÁNSZKY minha professora de literatura do Colégio Estadual “Vitor

Meireles”, que colocava a gramática - e a “decoreba” - em seu devido lugar. Apresentou-nos

muitos escritores importantes, dentre os quais Euclides, Lobato e Guimarães Rosa. Ou seja,

iniciou o Mário nos meandros da boa prosa...

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ix

Meus agradecimentos:

À equipe de médicos e de cirurgiões, bem como aos enfermeiros, da área de

cardiologia do Hospital das Clínicas da Unicamp. Sem eles não haveria mais esse autor, nem essa

tese...

Acrescento a estes agradecimentos, um apelo ao meu coração: como canta Ednardo,

“Pavão misterioso, pássaro formoso, (...) me poupa do vexame de morrer tão moço (...) muita

história eu tenho pra contar...”. Ou escrever...

Agradeço também:

À Professora Dra. Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa pela orientação segura e

pela paciência. Uma pessoa generosa, prestativa...

À banca de qualificação, pelas questões estimulantes e observações enriquecedoras. E

aos arguidores na defesa da tese pelo mesmo motivo.

Às bibliotecárias e bibliotecários da Unicamp, em particular à Isabela e Marta, da

biblioteca de livros raros, da qual fui um frequentador assíduo, do Instituto Agronômico de

Campinas, da ESALQ/USP, do IEB/USP, do Museu Paulista/USP, do Gabinete de Leitura de Rio

Claro, do Instituto Geológico, que me ajudaram nos labirintos de estantes pouco visitadas, muitas

vezes tomando parte ativa na pesquisa, sugerindo material, apresentando autores e livros

desconhecidos, etc.

Aos colegas de pós: Begonha, Anfrísio, Renan, Lucas, Cissa, Fernando, Daiana e

Rosangela.

À Val, Gorete, Regina, Cristina, Ednalva: que são prestativas e eficientes.

Aos amigos da UEG, em particular, aos Prof. Ms. José Santana, Prof. Dr. Homero

Lacerda, Prof. Ms. Marcos Ataydes, Ao Prof. Dr. Robson Pereira, Prof. Ms. Emerson Wruck e

Prof. Ms. Cleber Carrasco.

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x

À Amélia e Zezé. Adriano e Marcão. Ao Anderson, Renê e Eder, os irmãos Míssio,

amizades campineiras de décadas passadas, realimentadas nessa nova passagem por Campinas.

Ao Eduardo Neckio, primo querido.

Aos familiares, que contribuíram muito, sobretudo no período da crise cardíaca.

Todos eles. E à Renata e à Marcela em particular, que leram e revisaram parte dos originais...

E finalmente, aos não incluídos nesta listagem. Que me desculpem.

À Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade Estadual de Goiás que

concedeu afastamento remunerado para a realização dessa tese. Espero ter estado à altura...

À direção da Unidade de Ciências Humanas de Anápolis, Campus Jundiaí, na pessoa

de seu ex-diretor Prof. Ms. Nelson Abreu Jr. e do atual diretor Prof. Ms Marcelo José Moreira,

que não poupam esforços para qualificar seu corpo docente.

A Santo Antonio, por ter suportado e perdoado (espero) minhas blasfêmias, tais

como, “Ah, meu Santo Antônio por que essa coisa não dá certo?”; “ Ih, meu Santo Antônio, isso

não deu certo de novo!!”; ”Cacaras, Santo Antônio esse computador travou justo agora!” e muito

mais. Santo Antonio de Trento era o santo da devoção dos imigrantes trentinos que vieram para

Campinas...

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xi

[Dentre os autores brasileiros que fizeram relatos de suas andanças], registro à parte

deve ser reservado a O Rio São Francisco, de Teodoro Sampaio, que em suas

excursões pelas áreas sertanejas da Bahia, inclusive a Chapada Diamantina, passou

por lugares, fazendas e povoados batizados com saborosos nomes, como aqueles que

apareceriam nas narrativas ficcionais de Guimarães Rosa: a fazenda do Curralim, o

serrote do Paga-Tempo, o sítio do Mata-Fome, o povoado do Bem-Se-Vê. E com

anotações genéricas de quem sabia observar o fundo das coisas: "Nestas paragens o

deserto é apenas aparente. O Brasil, em verdade, é mais habitado do que se pensa e

menos rico do que se presume".

Ernani da Silva Bruno, Almanaque de memórias, 1987, p. 199

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

CIÊNCIA, CULTURA E MEIO AMBIENTE NA BELLE ÉPOQUE PAULISTA: O “DAY

AFTER” DA LAVOURA CAFEEIRA.

RESUMO

Tese de Doutorado

Mário Roberto Ferraro

O tema desta tese é a região campestre formada artificialmente no Vale do Paraíba devido impacto

ambiental causado pela cafeicultura sobre as florestas e sobre os solos, analisada a partir da produção

científica da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo e da Revista Agrícola. O contexto é o da

modernização da agricultura no período após a abolição da escravatura. Os campos artificiais eram uma

decorrência do tipo de agricultura, chamado de rotina, que se praticava desde o descobrimento, inclusive

pela grande lavoura de exportação. Era uma realidade que os fazendeiros articulados em torno da

Sociedade Paulista de Agricultura desejavam mudar. No período havia duas instituições científicas, o

Instituto Agronômico de Campinas (1887) e a Comissão Geográfica e Geológica (1886) atuando pela

modernização da agricultura, entendida como sendo a implantação de princípios científicos no campo

(mecanização, adubação, aclimatação de espécies exóticas, etc.). O meio de divulgação do projeto de

modernização no campo era a Revista Agrícola, periódico mensal e a principal fonte desta pesquisa.

Desde o período colonial o senso comum qualificava as terras de campo como estéreis. Orville Derby,

chefe da CGG, demonstrou ser isso um preconceito, pois elas eram improdutivas para o café, mas

poderiam ser ocupadas por outras culturas ou pecuária, desde que houvesse mudança de cultura e de

métodos. Derby era pessimista quanto ao futuro da Mata Atlântica, achava que em breve não haveria mais

terras férteis para a expansão da lavoura cafeeira, então, neste cenário, designou as áreas campestres como

“reservas para o futuro”. Na perspectiva, de ocupação econômica dessas áreas, CGG começou o estudo

delas, o que incluía relevo, hidrografia, vegetação, etc. A hipótese é que os conhecimentos produzidos

pela CGG sobre elas extrapolaram os limites da instituição e da prática agrícola e influenciaram a

produção cultural da época, sobretudo a literatura. Euclides da Cunha e Monteiro Lobato criaram

representações sobre a decadência da lavoura cafeeira e de seu impacto ambiental, a formação dos

chamados desertos, valendo-se da produção científica da CGG, pois eram naturalistas, e portanto,

cientificistas. O trabalho desenvolvido foi identificar a presença da CGG em seus textos literários as áreas

campestres. Fez-se um cotejamento entre a produção científica da CGG e as representações literárias

desses autores. Esta pesquisa metodologicamente se utiliza da história da ciência produzida no Brasil a

partir dos anos 80 do século XX, que procura resgatar a produção científica do século XIX e articulá-la ao

seu contexto histórico; de referenciais da história ambiental, pois trata-se do estudo de uma área degrada e

do “paradigma indiciário”, de Carlo Ginzburg, devido à escassez de documentos históricos relativos às

áreas campestres e pelo fato de se fazer uma abordagem da produção literária como fonte histórica.

Palavras Chaves: Áreas campestres artificiais; Comissão Geográfica e Geológica; Euclides da

Cunha; Monteiro Lobato.

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xv

UNIVERSITY OF CAMPINAS

INSTITUTE OF GEOSCIENCE

SCIENCE, ENVIRONMENT AND CULTURE IN SAO PAULO BELLE ÉPOQUE: THE

"DAY AFTER” OF THE COFFEE PLANTATIONS

ABSTRACT

Tese de Doutorado

Mário Roberto Ferraro

The theme of this thesis is the savanna formed artificially by the environmental impact on forests and on the

soil on the Paraiba valley, analyzed from the scientific production of the Geographical and Geological

Commission of São Paulo (CGG). The context is the modernization of agriculture in the state of Sao Paulo in

the period after the abolition of slavery. The artificial savanna was a result of the type of agriculture practiced

since colonial Brazil.. At the time there was the collaboration of two scientific institutions, the Campinas

Agronomic Institute (1887) and the Geographic and Geological Commission of São Paulo (1886) working for

the modernization of agriculture, understood as the deployment of scientific principles in agricultural

production (mechanization, fertilizer , acclimatization of exotic species, etc). The way to promote

modernization project in the field was by the “Revista Agrícola”, monthly journal and source of this research.

Since the colonial period saw the common sense such as the infertile areas covered by savannas. Orville Derby,

head of CGG, has shown this to be a bias because they were unproductive for coffee plants, but that could be

occupied by other crops or in livestock, since there was change to other types of plants and that used other

methods. Derby found that soon there would be more fertile land for the expansion of coffee plantations, then

designated the areas with savannas as "reserves for the future." In the perspective of economic occupation of

these areas, the CGG began their study, which included topography, vegetation, climate, etc.. The hypothesis of

this thesis is that scientific work produced by CGG about these areas exceeded the limits of the institution and

of the agricultural practices and influenced the cultural production of the season, especially the literature.

Euclides da Cunha and Monteiro Lobato produced literary representations on about the decadence of

plantations coffee and the environmental impact that caused the formation of so-called deserts, drawing on the

scientific production of CGG, they were naturalists and thus scientificist. The work was to identify the presence

of CGG in their literary texts about the Valley of Paraíba. He was then an examination between the scientific

production of CGG and the literary representations of these authors about the degraded areas. This research,

methodologically, it uses the history of science produced in Brazil from the 80s of the twentieth century, which

tries to rescue the scientific nineteenth century and be binding produced in Brazil from the 80s of the twentieth

century, which tries to rescue the scientific production of the nineteenth century and link it to its historical

context, the referential of environmental history, it will bring is the study of a degraded area of "Evidential

paradigm" by Carlo Ginzburg, due to lack of historical documents relating to artificial savannas of São Paulo

and the fact of making an approach to literary production as a historical source.

Keywords: artificial savannas, Geographical and Geological Commission of São Paulo;

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xvii

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA.............................................................................................................. v

AGRADECIMENTOS.................................................................................................... vii

EPIGRAFE...................................................................................................................... ix

RESUMO........................................................................................................................ xiii

ABSTRACT.................................................................................................................... xv

SUMÁRIO....................................................................................................................... xvii

INDICE DAS FIGURAS................................................................................................ xix

INDICE DAS TABELAS................................................................................................ xx

RELAÇÃO DAS SIGLAS.............................................................................................. xxi

INTRODUÇÃO............................................................................................................... 1

1 APONTAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS: AS VEREDAS

TRILHADAS..................................................................................................................

15

1.1 Estudos Sociais da Ciência............................................................................ 22

1.2 Considerações sobre história da ciência no Brasil......................................... 26

1.3 O levantamento de dados............................................................................... 29

1.4 A história ambiental....................................................................................... 37

1.5 O paradigma indiciário.................................................................................. 43

2 A SOCIEDADE PASTORIL E AGRÍCOLA E A REVISTA AGRÍCOLA............... 53

2.1 A Sociedade Pastoril e Agrícola e o Estado.................................................. 61

2.2 A Revista Agrícola........................................................................................ 52

2.3 A Sociedade Paulista de Agricultura (SPA) e a Revista Agrícola................. 68

2.4 Conclusões parciais....................................................................................... 73

3 AS TERRAS EM POUSIO: REPRESENTAÇÕES DO SÉCULO XIX.................... 75

4 A CONTRIBUIÇÃO DA COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA PARA O

DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA DAS ÁREAS CAMPESTRES PAULISTA......

91

4.1. A exploração do Vale do Rio Grande........................................................ 91

4.2 A exploração do Vale do Paranapanema por Teodoro Sampaio................ 96

4.3 O levantamento da Flora Paulista.por Alberto Löfgren.............................. 98

4.2 Análise do artigo “Contribuição para o Futuro da Agricultura de S.

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xviii

Paulo”, de 1895, de Orville Derby....................................................................... 100

4.2.1 As regiões campestres: o que fazer com elas?............................................ 117

4.2.2 Derby e a influência norte-americana na agricultura paulista.................... 121

4.2.3 Derby e a pecuária paulista......................................................................... 136

4.2.4 Últimas palavras sobre este capítulo........................................................... 140

5 AS ÁREAS CAMPESTRES DO VALE DO PARAÍBA EM EUCLIDES DA

CUNHA...........................................................................................................................

143

5.1 Conclusão deste capítulo......................................................................................... 177

6 AS ÁREAS CAMPESTRES DO VALE DO PARAÍBA EM MONTEIRO

LOBATO.........................................................................................................................

179

6.1 Monteiro Lobato e Euclides da Cunha: aproximações e diferenças. 185

6.2 A presença da Comissão Geográfica e Geológica na literatura adulta de

Monteiro Lobato..................................................................................................

201

6.3 Monteiro Lobato e os trabalhadores nacionais.............................................. 215

6.4 Lobato e a Policultura.................................................................................... 228

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 237

FONTES IMPRESSAS................................................................................................... 247

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 253

ANEXO I: relação dos artigos dos notáveis da CGG publicados na revista

agrícola...........................................................................................................................

261

ANEXO II - dados biográficos de personalidades citadas............................................. 265

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xix

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: Mapa do Vale do Paraíba paulista. 8

Figura 2:- Mapa da distribuição da produção de cafeeira no estado de São Paulo em

1854......................................................................................................................................

80

Figura 3: Félix Émile Taunay, Vista de um mato virgem que se está reduzindo a

carvão...................................................................................................................................

113

Figura 4: Jequitibá.Gigante.................................................................................................. 114

Figura 5 : Floresta em Nova Odessa, SP. 1916.................................................................... 115

Figura 6: Toras de madeira em Ribeirão Preto, SP. 1916.................................................. 116

Figura 7: Cultivador............................................................................................................. 134

Figura 8: Arrancador de tocos.............................................................................................. 135

Figura 9: Propaganda dos Arados John Deere (Século XIX).............................................. 134

Figura 10: Manejo do arado na Escola Agrícola de Piracicaba........................................... 135

Figura 11: O uso do arado no século XXI............................................................................ 139

Figura 12: Mapa da produção cafeeira no Estado de São Paulo em 1920........................... 147

Figura 13: Carta Cafeeira do Estado de São Paulo, de Belli................................................ 158

Figura 14: Carta Agrícola do Estado de São Paulo, de Lalière............................................ 149

Figura 15: Carta Cafeeira do Estado de São Paulo, de Lalière............................................ 151

Figura 16: Estação de Paraibuna, em Comendador Levy Gasparian (RJ), no final do

século XIX...........................................................................................................................

156

Figura 17: Mapas da cobertura vegetal natural do estado de São Paulo em diferentes

épocas...................................................................................................................................

239

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xx

ÍNDICE DAS TABELAS.

.

Tabela 1- Distribuição da produção cafeeira no estado de São Paulo - Século

XIX..................................................................................................................................

115

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xxi

RELAÇÃO DE SIGLAS.

CGG................. Comissão Geográfica e Geológica do Estado São Paulo.

ESALQ/USP.... Escola Agrícola de Piracicaba/Universidade de São Paulo.

FIOCRUZ........ Fundação Osvaldo Cruz.

IAC.................. Instituto Agronômico de Campinas.

IG/UNICAMP.. Instituto de Geociências/Universidade Estadual de Campinas

IHGB............... Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

IHG-SP............ Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

MAST.............. Museu de Astronomia do Rio de Janeiro.

SACIPBA........ Sociedade de Agricultura, Comércio e Indústria da Província da Bahia

SAIN................ Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional

SNA................. Sociedade Nacional de Agricultura.

SPA................. Sociedade Paulista de Agricultura.

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1

INTRODUÇÃO.

Esta tese tem como tema a região campestre formada artificialmente na porção

paulista do Vale do Paraíba pelo impacto da lavoura cafeeira sobre os solos, que será analisada a

partir da produção científica da Comissão Geográfica e Geológica do Estado São Paulo e da

Revista Agrícola. O contexto dessa produção é o da modernização da agricultura no período

imediatamente após a abolição da escravatura. Os campos artificiais de São Paulo eram uma

decorrência do tipo de agricultura que se praticava desde o período colonial, chamada de rotina,

tanto na lavoura para o próprio consumo, quanto nas voltadas para o mercado interno e,

sobretudo, pela grande lavoura de exportação. Era uma realidade que ao final do século XIX os

fazendeiros articulados em torno da Sociedade Paulista de Agricultura desejam desejavam mudar.

As reformas na agricultura tiveram início quando os fazendeiros do estado de São

Paulo, no final do século XIX, diante da possibilidade de se esgotarem, em prazo não muito

longo, as terras cobertas de mata virgem, que eram as preferidas para a expansão da cultura

cafeeira devido às práticas tradicionais de agricultura no Brasil, se viram obrigados a encontrar

alternativas para a organização da produção no espaço agrário. As novas formas de exploração

dos recursos naturais - incluindo-se aí o solo, a flora e as águas - eram baseadas no tipo de

agricultura que na época se praticava na Europa e nos Estados Unidos, ou seja, a chamada

agricultura moderna.

O conhecimento do território era a principal missão que cabia à Comissão Geográfica

e Geológica (CGG).

Segundo Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa, a:

“Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, criada pela lei

provincial nº 9 em 27 de março de 1886, às vésperas da República (...)

sintetizou a opção pela via tecnocientífica como alternativa para solução

de parte significativa dos citados problemas que afligiam a expansão da

economia cafeeira, refletindo a visão de uma sociedade já transformada

pelo próprio processo de modernização, com o qual a CGG deveria

interagir nos anos subsequentes (Figueirôa, 1987). O projeto de lei foi

apresentado à Assembleia Provincial por um dos mais proeminentes

cafeicultores de São Paulo, o visconde do Pinhal,e assinado por seus

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2

outros colegas de bancada, todos do Partido Liberal. Depois de uma

tramitação extremamente rápida, de apenas cinco dias, foi aprovado por

unanimidade.” (FIGUEIRÔA, 2008, p. 766)

Tais rapidez e consenso explicam-se, seguramente, pela urgência da necessidade de

construção de uma infraestrutura para a expansão da lavoura cafeeira e do consequente aumento

da riqueza pública, o que implicava na construção de uma rede de transportes (ferroviária e

fluvial), o que era do interesse tanto de liberais, conservadores e republicanos. Segundo

Figueirôa, “A ocupação e integração do sertão de São Paulo aos fluxos da economia cafeeira e

docomplexo agroexportador já estava, assim, na base da criação da CGG em 1886”

((FIGUEIRÔA, 2008, p. 765).

A comissão se Instituiu em 1887:

O chefe e proponente do plano científico institucional foi o naturalista e

geólogo Orville Adelbert Derby (1851-1915), norte-americano graduado

na Universidade de Cornell (EUA) que trabalhava no Brasil desde 1875,

primeiro como membro da Comissão Geológica do Império (1875-

1877)e, a seguir, na Seção de Geologia do Museu Nacional. Por sua

concepção de ciência e pelas características de sua formação, Derby

imprimiu à CGG, no período em que esteve na direção da instituição

(1886-1905), um enfoque que classificamos de ‘naturalista’, em virtude

da abrangência disciplinar (geografia, geologia, geodésia, botânica,

meteorologia, zoologia, etnografia) aliada ao caráter de descrição

minuciosa (Figueirôa, 1987). (FIGUEIRÔA, 2008, p. 767)

Logo em seguida começaram os trabalhos:

A primeira expedição de exploração tinha por objetivo fazer o

levantamento pormenorizado dos rios Itapetininga, Paranapanema e seus

afluentes, sobretudo quanto às condições de navegabilidade. Partiu

quase que imediatamente após a publicação das instruções e atingiu o

Paranapanema em menos de uma semana. O produto do trabalho foi o

Relatório de exploração dos rios Itapetininga e Paranapanema, saído

dos prelos em 1889. Este relatório é um estudo bastante detalhado e

preciso do curso dos rios, exibindo perfis sistemáticos com as desejadas

informações sobre navegabilidade, complementadas por sugestões de

obras nos locais avaliados como problemáticos para essa finalidade. O

restante dos dados coletados, inclusive um vocabulário da língua Caiuá,

foi publicado em 1890 num Boletim da CGG (o de número 4) –

Considerações geographicas e econômicas sobre o Valle do

Paranapanema . (FIGUEIRÔA, 2008, p. 767).

Nos anos seguintes as prioridades de pesquisas recaíram sobre os:

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3

“serviços de meteorologia e de botânica aplicada (também essenciais

para a agricultura) e a cartografia sistemática das regiões há tempos

ocupadas em São Paulo. Essa opção de trabalho, sem dúvida, contrariou

diversos interesses, especialmente o dos grandes plantadores de café, que

viram frustrados seus planos de avanço rumo ao Oeste. Sem

possibilidade de negociar novas orientações com Orville Derby, o

governo substituiu-o pelo engenheiro João Pedro Cardoso (1871-1950?),

o qual, com perfil profissional e científico bastante diferente, conferiu

uma marca mais pragmática, de aplicação dos saberes, a essa nova fase

da instituição e permitiu que os ‘batedores da ciência’ finalmente

penetrassem na região. (FIGUEIRÔA, 2008, p. 767)

As tarefas da CGG, entretanto, não se limitaram aos temas típicos dos geólogos ou

dos naturalistas, pois Orville Derby, seu organizador e primeiro chefe e vários de seus membros

escreveram sobre os mais variados assuntos ligados à produção agrícola. E o fizeram em estreita

colaboração com os agrônomos e com o sindicato patronal dos fazendeiros. Inicialmente,

colaboraram com a Sociedade Pastoril e Agrícola e, mais tarde, com a sua sucedânea, a

Sociedade Paulista de Agricultura.

As considerações sobre as características da produção científica sobre a

modernização da agricultura moderna apresentadas a seguir são resultantes das pesquisas que

resultou na dissertação de mestrado deste autor, sob orientação da professora Teresa Cristina

Magro, no Departamento de Engenharia Florestal, da ESALQ/USP, A gênese da agricultura e

da silvicultura moderna no Estado de São Paulo, de 2005.

O espaço rural reorganizado sob o novo paradigma, o modernizante, passou a ser

entendido como sendo o espaço da produção redefinida cientificamente; da circulação de

mercadorias e de pessoas redimensionada, com sua capacidade e velocidade ampliadas, e a

higiene como instrumento de melhoria direta da qualidade de vida. Portanto como o local do

progresso e da civilização. O café e a ferrovia são os principais vetores de transformação. A

plantação de eucalipto, tida como exemplo de atividade que já nasceu sob o signo da

modernidade, era uma atividade subsidiária a ambas e traz consigo as mesmas características que

marcam as atividades econômicas principais.

A produção intelectual do período que propunha a agricultura moderna era

caracterizada pela presença do naturalismo, liberalismo, revolução sanitária e do utilitarismo.

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O darwinismo, característico do naturalismo, influencia a agricultura moderna em

dois de seus aspectos: primeiro na organização da produção, na qual o conceito de luta pela

sobrevivência é utilizado na organização de viveiros, espaçamento entre as plantas, combates a

ervas daninha e pragas, dentre outras, e também como “darwinismo social”, isto é, enquanto

princípios biológicos aplicados sociedade, sobretudo, pela aplicação de teorias raciais na seleção

de trabalhadores agrícolas, o que justifica a clara preferência por imigrantes estrangeiros, em

detrimento dos “nacionais”, os descendentes de escravos e os caboclos.

A presença do liberalismo, enquanto doutrina política, na organização da agricultura

moderna, é contraditória. Ao mesmo tempo em que defendem princípios liberais para justificar

certas práticas, os agricultores não abrem mão de medidas intervencionistas ou protecionistas. Há

uma recorrência frequente ao liberalismo norte-americano para defender o direito dos fazendeiros

de poder dispor de suas terras como bem entenderem: em nome dos “direitos individuais” não

aceitam limitações ao uso da terra, sobretudo ao desmatamento. Entretanto, apoiam medidas

protecionistas, como o Convênio de Taubaté e aceitam a compra pelo estado de ferrovias

deficitárias, fazendas improdutivas, palácios na capital, dentre outros bens. Bem como a

transformação do Horto Botânico em instituição exclusivamente produtora de mudas de

eucaliptos para a ferrovia.

Quanto ao higienismo, ele orientará a produção agrícola em sua preocupação com o

elemento humano (combate a doenças, casas salubres, isto é bem ventiladas e iluminadas),

animal (combate a doenças, estábulos, currais, galinheiros e pocilgas salubres) e vegetal (

combates a pragas). Haverá uma reorganização do espaço rural e da produção calcada nos

princípios do sanitarismo. As epidemias de febre amarela em Campinas e Vassouras, bem como

a de peste em Santos foram epidemias mais marcantes, que exigiram grandes esforços médicos

em seu controle e medidas profiláticas.

A lógica interna do utilitarismo, segundo Sevcenko (2003), centra-se no o conceito de

eficiência econômica. Propõe a otimização de todas as suas energias visando uma elevação

máxima do desempenho produtivo, num quadro de mínimo desperdício de esforço, recursos e de

tempo. E de máxima lucratividade.

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A agricultura moderna utilizará os saberes produzidos com as características

mencionadas e isso resultará no uso de tecnologia avançada e de maquinário que potencializa o

trabalho humano

Fará análise de solos, adaptação de plantas, seleção genética. Dará início a adubação

do solo com esterco orgânico, depois com adubos químicos, começará a usar inseticidas,

principalmente formicidas, também de acordo com princípios científicos (Querem o melhor

inseticida, isto é, aquele que mata mais, em menor tempo, com o menor custo e com maior

facilidade de aplicação, que qualquer trabalhador boçal possa aplicar).

O maquinário agrícola nada mais era do que simples arados, gradeadores,

semeadores, colheitadeiras movidos à tração animal que vistos hoje são considerados primitivos.

Defenderão a policultura, sobretudo para ocupação de áreas impróprias para a lavoura

cafeeira.

Em nível de política agrícola, sobretudo a partir do governo Jorge Tibiriçá (1904-

1908) o estímulo à agricultura moderna se traduzirá na implementação de medidas que viabilizem

a difusão desse tipo de agricultura. Implantará escolas agrícolas em todos os níveis e centros

experimentais. Procurará diversificar a agricultura. Facilitará a importação de maquinário

agrícola. Criará colônias de povoamento, isto é, colônias nas quais os imigrantes serão

proprietários de um pequeno lote de terra, o que permitirá sua fixação na região e livrará o

fazendeiro dos custos do sustento deles. Substituirá importações de produtos agrícolas. Haverá a

contratação de muitos professores e técnicos agrícolas no exterior.

Esse novo tipo de agricultura exigirá a formação de cientistas capazes de resolverem

os problemas que se apresentam nas práticas agrícolas e a apresentarem novas propostas, assim

foram reformados Instituto Agronômico de Campinas e o Horto Botânico e Florestal, na Serra da

Cantareira e criado Horto Botânico de Cubatão. A pesquisa agrícola passa a ser mais valorizada.

Demandará também a formação de trabalhadores ideologicamente filiados nos

princípios da agricultura moderna e de homens para exercerem funções práticas, e para tal foram

criadas a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba; a Escola Superior de

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Agricultura João Tibiriçá, em São Sebastião e Aprendizado Agrícola Bernardino de Campos, em

Iguape. Ou seja, criou-se um grande estímulo ao ensino agrícola.

Nos anos Vinte do século passado, pode-se afirmar que a agricultura moderna estava

definitivamente implantada.

Outra questão que estimulou os fazendeiros a repensarem a ocupação do espaço

agrário foi a abolição da escravidão, em 1888, fato para o qual já estavam precavidos e vinham

tomando providências com a promoção da imigração estrangeira. A implantação do trabalho livre

exigia medidas que potencializassem o trabalho humano, daí a preocupação com a implantação

da tecnologia no campo, bem como modificações no processo de trabalho, que deveria se tornar

mais compensador em relação ao trabalho escravo. O uso da ciência e da tecnologia aplicadas à

agricultura permitiu ganhos na produtividade por hectare plantado e na produtividade do trabalho

por indivíduo, potencializando o trabalho do homem livre, tornado mais inclusive mais barato

que trabalho escravo1. E, assim, coma introdução em maior escala do trabalho livre, da ciência e

da tecnologia, viabilizou a ocupação permanente das terras, sem que houvesse mais a necessidade

de um período de descanso, chamado de pousio2.

Como a agricultura até então praticada, herança da colonização portuguesa, se fazia à

custa da floresta, desde os primórdios da cafeicultura ocorreu uma destruição ambiental sem

precedentes, pois o tempo de recuperação do solo (aproximadamente vinte anos) era lento e a

velocidade de seu desgaste rápida, dois a três anos, dependendo da cultura3. Criou-se, então, um

descompasso e, devido a ele, em breve não haveria mais terras virgens a serem desbravadas sem

que as terras deixadas em pousio tivessem tempo suficiente para naturalmente recuperar a sua

fertilidade. Em outras palavras, as exigências do mercado, aliadas a um modo de fazer destrutivo

baseado em vivências empíricas que desconheciam quaisquer limites, levaram a uma rápida

expansão da área plantada, o que causou um desequilíbrio, pois o desgaste do solo era muito mais

veloz do que sua recuperação. A lavoura que, na busca de terras férteis, se deslocava

constantemente para áreas virgens cada vez mais distantes e a implantação das ferrovias na

1 Ver Hall, 1972, p. 115. A imigração em massa, em nível maior que as necessidades reais, foi o fator preponderante

para o barateamento do custo da mão de obra, 2 Segundo o Dicionário Escolar da Academia Brasileira de Letras, pousio significa “terras com o cultivo suspenso”.

3 Os cafezais se tornavam improdutivos ao completarem cerca de vinte anos.

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segunda metade do século XIX, viabilizaram economicamente a ocupação dessas áreas, o que

proporcionou a destruição da floresta numa escala inédita.

Portanto, uma possibilidade sombria se apresentava aos agricultores de então: corria e

o risco de não haver mais terras de matas virgens para a expansão da lavoura cafeeira e as terras

exauridas, anteriormente ocupadas com esse tipo de lavoura, ainda estavam em processo de

recuperação de fertilidade. Não seria, consequentemente, possível em curto prazo reocupá-las

economicamente. Deparavam-se, por conseguinte, os fazendeiros com a possibilidade de faltar

terra agricultável! O exemplo mais inclemente da exaustão das terras, e do consequente

empobrecimento da região, vinha do Vale do Paraíba, mais precisamente de suas áreas de

ocupação mais antigas, entre as cidades de Cachoeira Paulista e Bananal, ao longo do trecho

cortado pela antiga Estrada Real4. As regiões fluminenses do Vale do Paraíba contíguas a

Bananal também se encontravam no mesmo processo.

4 O trecho entre Cachoeira Paulista e Bananal corresponde aproximadamente ao traçado da Estrada dos Tropeiros

(SP 068), que passa por Silveiras, Areias, São José do Barreiro, Arapeí, e Bananal. E, já no estado do Rio de Janeiro,

com outra denominação, segue até Barra Mansa, distante aproximadamente 25 quilômetros, a acompanhar o antigo

leito da Estrada de Ferro do Bananal.

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Diante de um futuro sem perspectivas, os agricultores passaram a migrar em duas

direções: para a Zona da Mata Mineira e para o interior de São Paulo, sobretudo nas manchas de

“terra roxa”. O modelo tradicional de agricultura praticado no Brasil durante cerca de trezentos

anos havia se esgotado. Urgia, portanto a implantação de novas formas de praticar a agricultura,

que, por um lado, não desgastassem o solo e por outro, que permitissem a ocupação econômica

das terras que já estavam deixadas em pousio.

Figura 1: Mapa do Vale do Paraíba paulista.

Fonte: Disponível em:

<http://trilha4x4cidadeselugares.blogspot.com.br/2011_04_01_archive.html>. Acesso em

26 mai2012

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As florestas, por seu turno, não eram apenas áreas disponíveis para agricultura, eram

também fornecedoras de lenha para uso industrial e doméstico e de madeiras para todo tipo de

construção, tais como residências, dormentes para ferrovias, vagões, carroças, pontes e outros. A

derrubada das árvores implicava até mesmo questão de segurança nacional, pois poderiam faltar

madeiras para a construção ou reforma de barcos e navios de guerra. Na verdade, a preocupação

com a extinção de madeiras nobres vinha desde o período colonial, época em que foram

outorgadas as primeiras leis de proteção desses paus e que ficaram conhecidas como madeira de

lei5.

Outro fato a se destacar, que contribuiu bastante para a rápida destruição ambiental,

foi que, devido ao rápido crescimento populacional da cidade de São Paulo no início do século

XX, a demanda de lenha para uso doméstico aumentou drasticamente, ocasionando, inclusive,

sua falta em muitos lares da capital paulista, o que elevou seus preços a níveis impraticáveis, fato

que preocupava as autoridades do período.

Portanto, a extinção das florestas apresentava riscos de duas naturezas: escassear as

terras férteis para a agricultura e faltar madeira e lenha para os mais diversos empregos, em

diferentes setores da sociedade.

Diante desse contexto as elites, ainda no ocaso do Império, criaram a Comissão

Geográfica e Geológica (CGG) e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em 1887. Ambas

deveriam estabelecer condições para a reforma da agricultura paulista através da implantação de

processos de amanho menos dispendiosos e mais lucrativos, calcados em princípios científicos.

Um objetivo, dentre outros, era o de se evitar a degradação do solo e, dessa forma, dispensar a

prática do pousio. Outra meta, que se intensificou após a abolição da escravidão, foi implantação

de processos de produção mais eficientes e compatíveis com trabalho livre.

A CGG colocou então uma questão pertinente: como ocupar economicamente as

terras de campo criadas artificialmente, que já existiam em grande quantidade no final do século

XIX, devido ao desgaste do solo. Outra demanda se impunha: o que fazer para a ocupação

5 Cf José Augusto Pádua, Um sopro de destruição, de 2002 e Genebaldo Freire Dias, Educação ambiental:

princípios e práticas, de 2000, que apresenta um pequeno compêndio da legislação de proteção ambiental desde o

período colonial.

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permanente das terras cultivadas e ainda produtivas, de modo a impedir seu desgaste e tornar

desnecessária a prática do pousio. Seria preciso, portanto: a) combater a formação de novos

“desertos”, como eram então chamadas as terras cansadas, isto é, impedir que os solos ainda

férteis se tornassem improdutivos e b) recuperar para a agricultura os “desertos” já formados,

devolver a fertilidade às terras improdutivas sem precisar aguardar o pousio.

Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa no seu livro Um século de pesquisa em

geociências, de 1985, ao estudar a CGG de São Paulo, apontou como essencial a participação

desta enquanto fator de desenvolvimento da terra paulista. Demonstrou que, ao longo de seus

primeiros anos de existência, período em que foi chefiada por Derby (até 1905), os principais

campos de atuação da instituição foram estudos sistemáticos sobre o sistema de transporte

(fluvial, rodoviário e ferroviário), a construção de cartas geográficas, a busca de terras adequadas

para o café, as pesquisas sobre estratigrafia do estado de São Paulo, estudos relativos às jazidas

de ferro de Ipanema e de Poços de Caldas e ainda, pesquisas importantes nas áreas de

climatologia e meteorologia, acrescentando, pesquisas nas áreas de Botânica e Zoologia.

Figueirôa não poderia deixar de anotar o importante objetivo da busca por terras novas para o

café e sobre a ocupação econômica das regiões campestres.

A pesquisadora, com sensibilidade, assinalou que Derby, no Relatório de Atividades

da CGG de 1888, definiu como prioridade para a Seção de Botânica o estudo das áreas de campo.

Para Derby, citado por Figueirôa, seriam tarefas daquela seção o

“estudo da vegetação dos campos com referência especial às plantas

forrageiras, têxteis e medicinais. (...) Parece-me de especial interesse as

observações sobre a melhor utilização dos campos. Estando parte

considerável da área da Província constituída por campos a questão da

possibilidade de cultura em terreno dessa natureza, no caso afirmativo, o

estudo dos gêneros e meios de cultura mais adequado tem uma

importância econômica capital. Igualmente importante é o estudo do

melhoramento das pastagens, quer pelo extermínio das plantas nocivas e

de nenhum valor alimentício, quer pelo plantio de forragens melhores

escolhidas entre as que já existem naturalmente no terreno ou

introduzidas de fora. A existência já reconhecida de 27 espécies pelo

menos de gramíneas de valor alimentício indica bem as possibilidades

desta investigação e dá fundadas esperanças de descobrir meios de

aumentar, extraordinariamente, e com pouco esforço, o valor econômico

das pastagens naturais” (DERBY, apud: FIGUEIRÔA, 1985, p. 19).

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De acordo com Figueirôa (1985, p. 19), “com Löfgren, nos anos seguintes esse

projeto se concretizou”. Pode-se dizer que o estudo das áreas de campo esteve fortemente

presente também em Theodoro Sampaio e Hermann Von Ihering, ambos pertencentes aos

quadros técnicos da CGG.

Derby pretendia fazer um estudo abrangente da natureza no estado de São Paulo em

vários de seus aspectos: solos, flora, relevo, clima e zoologia. A geologia praticada por Derby era

entendida em sentido amplo, abarcando, portanto, diversas áreas do conhecimento, o que dada à

especialização atual, pode soar estranho. Daí servir-se das ciências naturais. Segundo Figueirôa,

“Derby representava, na época, a vanguarda das pesquisas em

Geociências no Brasil. E aqui utilizamos a expressão “Geociências”

propositalmente, para acentuar o caráter integrado de sua concepção,

em contraposição à visão compartimentada e especializada da

atualidade.” (FIGUEIRÔA, 1985, p. 17).

Ao longo do século XIX, a devastação das florestas para o plantio de café foi intensa.

Após aproximadamente vinte anos, os solos abandonados, exauridos pela cultura cafeeira, que

eram então considerados estéreis, se transformavam em áreas campestres, mias tarde em

capoeirão, desde que não houvesse queimadas com frequência. A CGG sob a direção de Derby se

tornou um centro produtor e irradiador de conhecimentos sobre essas áreas.

O saber produzido pela CGG sobre as áreas campestres artificialmente construídas

extrapolou os limites a que se destinava e se alastrou por toda sociedade. Derby as considerava os

campos como sendo “reservas para o futuro”, isto é, áreas a serem ocupadas economicamente,

quando não houvesse mais terras férteis cobertas com matas virgens para serem aproveitadas e

propunha a sua ocupação econômica de modo a aumentar a riqueza pública.

É objetivo desse estudo, partindo da asserção de Figueirôa, fazer o regate dos estudos

produzidos pela CGG sobre a formação das regiões campestres artificialmente criadas no estado

de São Paulo, mais precisamente pela lavoura cafeeira no Vale do Paraíba. Nesse ponto se

cruzam a história da ciência e a história ambiental, e nesta intersecção situa-se essa tese.

Embora as áreas campestres deixassem de ser economicamente improdutivas, desde

que foram introduzidos no decorrer do século XX processos de correção do solo e irrigação - o

que mostra o sucesso dos projetos de modernização que se sucederam ao longo do século XX - as

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áreas campestres remanescentes continuam a ser consideradas pelos cidadãos comuns, do ponto

de vista ambiental, inferiores em relação às áreas de Mata Atlântica ou Amazônia e até mesmo

em relação ao Pantanal mato-grossense. Pode-se afirmar que a visão negativa que se tem

atualmente a respeito dessas áreas está ligada não apenas à pouca utilidade econômica nos

séculos anteriores, mas às representações culturais negativas construídas a respeito delas, que se

criaram no século XIX e que se cristalizaram ao longo do tempo, qualificando-as como estéreis.

Eram essas representações negativas que a CGG combatia. Para ela, o campo era fértil.

Nesse sentido, muito contribuíram as representações construídas na literatura por

Monteiro Lobato e Euclides da Cunha no contexto da reforma da agricultura brasileira, ao final

do século XIX e primeiros anos do século XX. Nossa proposição é a de que áreas de campo

foram descritas negativamente por esses autores como forma de estimular a transformação da

agricultura para se estancar o processo de destruição ambiental causado pela agricultura

tradicional, embora seu móvel fosse o medo da miséria, e não a defesa da natureza.

Como eram movidos pelo exemplo sombrio da decadência e estagnação econômica

da agricultura no Vale do Paraíba, criaram representações também sombrias sobre a decadência

da cafeicultura, que acabaram por se generalizar e por se perpetuar. A hipótese é que as

representações literárias criadas por Euclides da Cunha e por Monteiro Lobato foram construídas

tendo como substrato a produção científica da CGG, bem como aquelas produzidas por

agrônomos do IAC e veiculadas pela Revista Agrícola. Essa pressuposição surgiu a partir de

uma concepção que já virou lugar comum - a de que o cientificismo é uma característica da

produção literária da Belle Époque - o que gerou algumas perguntas: é possível ser cientificista

sem se recorrer à algum tipo de produção científica? De qual produção científica se serviam os

literatos de nossa Belle Époque? Geralmente se apontam cientistas europeus, mas na Europa eram

produzidos poucos conhecimentos sobre o Brasil. Nossa proposição é a de que os literatos

quando tratavam de assuntos relativos à agricultura e da natureza recorriam à produção da CGG e

do IAC.

Além da literatura, também na pintura os trabalhos da CGG possivelmente inspiraram

artistas na construção de obras que retratavam a terra e homem interiorano. Artistas como João

Ferraz de Almeida Jr. e Benedito Calixto de Jesus, que mantinham estreitas ligações com as

diversas instituições ligadas à agricultura, fizeram uma leitura mais realista do homem e da

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natureza paulista. O primeiro foi premiado na Exposição Internacional de Chicago (1893) e

mantinha estreitos relacionamentos com fazendeiros. Foi o único pintor a merecer destaque na

Revista Agrícola (1895, p. 34) que mostrava certo espanto com o fato dele ter imortalizado o

caipira6. Calixto tinha livre trânsito entre os fazendeiros e pintou retratos e paisagens rurais sob

encomenda, além de decorar prédios públicos e particulares. Participou ativamente de pesquisas

de exploração das Ilhas Vitória e de Búzios no litoral paulista7, do estudo dos sambaquis da

baixada santista. Pintava também quadros históricos sob encomenda de Hermann Von Ihering.

É também objetivo dessa pesquisa, ao desvendar o processo de criação de novas

representações sobre áreas campestres no contexto da virada para o século XX, o de estimular a

reflexão sobre as áreas de campo no país que atualmente são as que mais sofrem com a

devastação. Desconstruir as representações negativas criadas a respeito dos campos, tarefa na

qual a CGG, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato tiveram historicamente um sucesso apenas

parcial, implica a possibilidade de que essas áreas atualmente sejam vistas de outra forma, mais

positiva e, espera-se, que sejam avaliadas como dignas de preservação. E sugerir que a sociedade

se mobilize em busca de um desenvolvimento menos destrutivo em relação à natureza. Apesar

dos esforços de Euclides da Cunha e de Lobato, ainda são fortes as concepções negativas sobre

esse ecossistema, que não tem o apelo visual da Mata Atlântica, da Amazônia ou do Pantanal

Mato-grossense.

A região campestre vale-paraibana será abordada sob o prisma da História da Ciência,

uma vez que os estudos a respeito dessa área se fizeram por uma instituição científica, a CGG,

através de pesquisas que usavam métodos científicos e eram divulgadas em periódico

especializado (os boletins da CGG). A Revista Agrícola não é um periódico estritamente

científico, porém abria espaço para a divulgação desses trabalhos na área de agronomia e das

ciências naturais relacionados à agricultura. Derby, Theodoro Sampaio, Alberto Löfgren e

Hermann Von Ihering colaboravam escrevendo artigos sobre os mais variados temas. Dessa

6 O redator da revista parece ter sido tomado por um estranhamento, ao visualizar o caipira nas telas: “Tivemos

ocasião de dizer ao nosso amigo: afinal os nossos caipiras acharam um meio de se imortalizaram! – Ao que nos

respondeu Almeida Júnior: e bem feliz serei se o tiver feito! Sim não há dúvidas que o fez, e o tempo não fará senão

consagrar o seu mérito” (REVISTA AGRÍCOLA, 1895, p. 31). 7 Euclides da Cunha também participou dessa expedição, cujo objetivo era avaliar as condições do local para a

construção de um presídio.

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forma, a revista pode ser considerada um espaço de colaboração entre os agrônomos e os

cientistas ligados à CGG, ou às instituições dela derivadas, tais como, o Museu Paulista ou Horto

Botânico, em favor do projeto de modernização da agricultura. É também um espaço de relação

entre ciência e sociedade, na medida em que era um periódico com grande circulação entre os

fazendeiros.

Os principais pontos de referência para a abordagem das terras de campo na produção

científica da CGG e na Revista Agrícola, além da obra de Silvia Figueirôa já citada, foram o

livro Ciência e arte: Euclides da Cunha e as ciências naturais, (2001) de José Carlos Barreto

de Santana, originalmente uma tese de doutorado orientada pela Professora Maria Amélia Dantes,

que forneceu informações sobre as dimensões científicas (estudos botânicos e geológicos) de

Euclides da Cunha, não apenas enquanto autor d’Os Sertões, mas também como cronista do Vale

do Paraíba.

Luciana Murari, com a sua tese de doutorado Tudo o mais é paisagem:

representações da natureza na cultura brasileira (2002) apontou Monteiro Lobato e Euclides

da Cunha como possibilidade de interpretação da paisagem da mesma região. Essa autora

mostrou ser possível fazer uma articulação entre história cultural e história ambiental. Talvez ela

tenha feito uma história ambiental sem pretender fazê-lo, isto é, estudou o meio ambiente, não a

partir dos referenciais teóricos da história ambiental, mas sim da história cultural e chegou a

resultados que permitem a compreensão da luta do homem com o meio ambiente na história do

Brasil.

Outra referência teórica de bastante valia foi o suplemento da revista História

Ciência e Saúde - Manguinhos, com a apresentação por Luisa Massarani, Ildeu de Castro

Almeida e Carla Almeida (2006), sobre as relações entre ciência e arte em geral que forneceu

pistas para entender nosso objeto, com maior destaque para o artigo de José Cláudio Reis;

Andreia Guerra e Marco Braga (2006) no qual fizeram uma articulação entre história da ciência e

história cultural. A leitura de Silvia Figueirôa, na sua análise da CGG, proporcionou os

fundamentos teóricos, sobretudo no que diz respeito às relações entre ciência e sociedade.

Ermelinda Pataca (2006) contribuiu para a organização da pesquisa ao apontar para a

necessidade de articular aspectos científicos com a produção artística e de se usar o conceito de

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rede de informações, que possibilitou o levantamento das fontes a partir do relacionamento entre

os diversos atores históricos.

Dominique Pestre (1996) elucidou os pontos em comum entre história da ciência e

história cultural e dessa forma abriu caminho para a construção da pesquisa de modo a se fazer

uso dessas duas modalidades.

Para o estudo histórico das fontes será usado, inspirado em Pestre, embora ele não o

recomende explicitamente, mas vê semelhanças entre ele e os chamados estudos de controvérsias,

o paradigma indiciário de Carlo Ginzburg, opção que se mostrou mais apropriada porque as

fontes disponíveis que tratam do assunto são escassas.

E, além de serem em pequeno número, as fontes literárias encontradas apresentavam

apenas indícios que, ao serem devidamente analisados, mostraram-se úteis para a discussão dos

problemas levantados. Elas também apresentam lacunas em seu discurso que precisaram ser

preenchidas para se poder explicar determinados fatos. A natureza literária das fontes, embora

relacionadas à produção científica, ultrapassou os limites da história da ciência e exigiu o

acréscimo de uma abordagem diferenciada. Como as fontes selecionadas se inserem no campo da

cultura, do qual a ciência, aliás, também faz parte, a abordagem voltada para a história cultural se

fez necessária. Além de Ginzburg, Sandra Jathaí Pesavento será uma referência teórica

importante na análise de aspectos culturais e simbólicos.

O tema desta tese, o estudo das áreas campestres do Vale do Paraíba, traz em seu bojo

a necessidade de se investigar uma área natural fortemente antropizada, o que exigiu uma

abordagem através da história ambiental. O contato com a proposta metodológica dessa corrente

do pensamento histórico, sistematizada por José Augusto Drummond, forneceu uma importante

contribuição justamente por entendê-la partir da relação entre meio ambiente e sociedade, por

utilizar a produção científica de naturalistas como fonte histórica e, finalmente, por apresentar um

amplo espectro de possibilidade no tipos de fontes documentais passíveis de uso..

Os trabalhos dos naturalistas mais especializados são pouco utilizados pelos

historiadores convencionais, mas são compatíveis com paradigma indiciário de Ginzburg, pois

junto às classificações dos elementos naturais (solo, plantas, animais), podem-se encontrar

indícios sobre costumes, dificuldades, preconceitos que respondam às questões levantadas pelo

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historiador, porém sua leitura para o intelectual não especialista (geólogo, botânicos e outros) é

árida e requer esforço e disposição.

Também, a ideia inicial de se usar crônicas como fontes, surgiu a partir da leitura de

Drummond. A seleção dos autores é que foi inspirada em Santana e Murari, conforme já

enunciado.

Da leitura de Figueirôa, resultou também a redefinição do tema, ou melhor, a

delimitação dele. Na primeira fase do trabalho se pretendia estudar a devastação da Mata

Atlântica, que foi feita para que a população europeia e norte-americana pudesse ingerir a sua

“dose diária de cafeína” (DEAN, 1996, p. 205), o que incluía tanto a devastação da floresta para

o plantio dos cafeeiros, quanto a extração de lenha combustível para as locomotivas das ferrovias.

Porém, passou-se a estudar as terras de campo, que são as consequências mais visíveis da ação do

homem sobre a Mata Atlântica.

Do estudo das crônicas de Euclides da Cunha e dos contos de Monteiro Lobato, a

partir da sugestão metodológica de Drummond, foi possível se observar que as consequências da

devastação iam além do impacto ambiental stritu senso, isto é, ainda nos limites da natureza, mas

que se situavam no âmbito das relações sociais, pois afetavam a vida de todos, beneficiando

alguns e prejudicando muitos.

A produção científica da CGG, que trazia em seu bojo críticas sociais e ambientais,

propiciava aos cronistas da época a construção de representações sobre o abandono das regiões

decadentes e do medo da miséria que a decadência da lavoura criava. Ambas, as representações

sobre o abandono e o medo, eram simbolizadas na palavra “deserto”. Era isso que os campos

representavam para os literatos: medo da miséria e do abandono. Esses autores de ficção,

portanto, articulavam o saber científico sobre o meio ambiente com suas consequências sociais de

forma incisiva. E essas imagens, aliadas a outros fatores, foram eficientes na mobilização dos

fazendeiros para um novo projeto de agricultura. Porém, falhou na preservação ambiental: pouco

restou da Mata Atlântica. Portanto, o estudo das representações sobre o deserto se fez através de

um diálogo da história da ciência, entendida enquanto relação entre ciência e sociedade, com a

história cultural e com a história ambiental.

Convém, nesse momento, esclarecer como esse texto será estruturado.

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No primeiro capítulo serão explicitadas as posturas metodológicas que orientaram

essa pesquisa sobre história da ciência, história cultural e história ambiental, bem como um

esforço de articulações entre elas.

O segundo capítulo tem por finalidade mostrar ao leitor o que se pensava, no século

XIX, antes da criação da Comissão Geográfica e Geológica, sobre as áreas de campo. Com tal

intuito foram escolhidos como fonte primária para análise dois autores de meados daquele

período. O primeiro deles, culto e representativo, o Barão de Capanema, escreveu, numa proposta

de reforma da agricultura, sobre a relação entre agricultura e ferrovia percebendo de maneira

brilhante a relação entre elas. Esse autor foi selecionado porque fez uma análise com uma

percepção original, talvez pioneira, dos arredores da capital imperial, o Rio de Janeiro, cujas

terras já estavam desgastadas pelo uso inadequado e em pousio, isto é, a aguardar a recuperação

de sua fertilidade, o que, na sua visão, se apresentava como fato inerente à agricultura rotineira.

O outro autor selecionado, atualmente pouco desconhecido, mas muito significativo

para esse estudo, Manuel Elpídio Pereira de Queiroz, fez um relato de uma viagem que realizou

de Jundiaí, SP, ao Rio de Janeiro, então capital imperial, conduzindo uma tropa de mulas para

vender. Nesse diário de viagem, Queiroz teceu observações sobre esta vasta região em diversos

de seus aspectos (ambientais, agrícolas, do solo, das cidades e outros). Não discutia, entretanto,

as causas do deserto que encontrou pelo caminho, apenas assinalava que as terras eram estéreis,

pois ainda não eram perceptíveis para os leigos as causas da formação das terras cansadas.

Era a estas representações, que apontavam as áreas de solo desgastado como sendo

desérticas ou estéreis, que Derby se contrapunha. Dizia ser preconceito, como se verá mais

adiante, que impedia sua plena ocupação econômica.

No terceiro capítulo serão apresentadas a Sociedade Pastoril e Agrícola (SPA),

entidade de congregação e de representação dos interesses dos fazendeiros do estado de São

Paulo e a Revista Agrícola, canal de expressão desses fazendeiros e ponto de convergência entre

os cientistas de São Paulo ligados às diversas áreas científicas que tratavam das “coisas do

campo”, conforme já apontado anteriormente. Era através dela, mas não exclusivamente, que

Euclides da Cunha e Monteiro Lobato travavam diálogos com o projeto de modernização da

agricultura.

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No quarto capítulo será feita a análise de um artigo de Derby, “Considerações sobre o

futuro agrícola do estado de S. Paulo”, publicado na Revista Agrícola em 1895, cujo tema

central é a ocupação das terras de campo, naturais ou não.

Trata-se de uma proposta para a agricultura paulista construída a partir dos resultados

obtidos: a) pelo próprio Derby, ainda quando viajante do Museu Nacional, na expedição de

exploração do Vale do Rio Grande; b) por Theodoro Sampaio, na expedição da CGG ao Vale do

Paranapanema e c) dos trabalhos de campo decorrentes das pesquisas realizadas na Seção de

Botânica d CGG, chefiada por Alberto Löfgren.

Derby propunha a ocupação das terras de campo com outro tipo de agricultura que

não a cafeeira, valendo-se da agricultura científica. Pede que se mire nos países da Europa e nos

Estados Unidos. Também propõe a criação de gado para corte e, surpreendentemente, o que

ninguém na época parecia ter notado, criação de gado para tracionar as máquinas agrícolas que se

desejava introduzir em substituição ao trabalho humano. A originalidade da proposta de Derby

para a ocupação das terras de campo está na percepção da causa do problema, pois notou que as

terras cansadas eram decorrência das queimadas, e nas propostas de incorporação dessas terras

como áreas agricultáveis, embora ainda timidamente, pois previa ocupação da região campestre

somente para quando as áreas de mata virgem não existissem mais.

No quinto capítulo serão estudas as representações que Euclides da Cunha construiu

sobre as regiões decadentes do Vale do Paraíba inspirado nos trabalhos científicos da CGG.

Estudos que ultrapassaram os limites da instituição e da prática agrícola e, sem trocadilho,

criaram um terreno fértil para a formação de novas expressões literárias. Devido às vivências

urbanas de nossos intelectuais atuais, que mostram desconhecimento e insuficiente interesse

sobre as coisas do campo, são poucos os que vinculam a produção intelectual da Belle Époque

paulista a projetos de desenvolvimento no campo, geralmente considerado atrasado. Preferem

vinculá-la às influências estrangeiras.

No sexto e último capítulo será abordada a literatura adulta de Monteiro Lobato que

tratou da realidade do Vale do Paraíba. Pretende-se detectar a presença da CGG e da Revista

Agrícola em sua obra. Mostrar que ele se inspirou, assim como Euclides da Cunha, na produção

científica da CGG e na Revista Agrícola para elaboração de seus artigos jornalísticos e contos,

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ao ponto de ter Derby como inspirador da personagem principal de seu conto “Gens Ennuyeux”,

que retratava uma palestra sobre a origem da Terra. Temas como combate às queimadas,

adubação, policultura, maquinário agrícola fazem parte de sua obra. Serão discutidas também as

influências recíprocas entre Lobato e Euclides da Cunha.

Quanto à conclusão, não se espera provar cabalmente a hipótese, mas fornecer ao

leitor argumentos, para que ele perceba a originalidade e a importância da Comissão Geográfica e

Geológica no contexto da transformação da agricultura paulista. Da possibilidade de ter

inspirado, para além dos aspetos econômicos, a elaboração de representações culturais na Belle

Époque paulista.

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1 APONTAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS: AS VEREDAS TRILHADAS.

Essa tese, metodologicamente, se pauta por quatro parâmetros: primeiro, de um ponto

de vista mais geral, pelos chamados de “Estudos Sociais da Ciência”, desenvolvidos a partir da

onda contestatória dos anos 70 por um grupo de antropólogos, sociólogos, filósofos e

historiadores europeus em torno da revista Social Studies of Science, bem como nos estudos de

Maria Amélia Dantes e de Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa8 sobre a história das ciências

no Brasil, que remetem às posturas também contestatórias em relação ao establishiment brasileiro

dessa disciplina, predominante até os anos 80, sobretudo em questões como periodização e

resgate de espaços de produção científica no século XIX, assim como do fazer científico e da

produção criada nesses espaços.

A segunda referência foi a tese de doutoramento de Ermelinda Pataca (2006), que,

embora também se situe nos parâmetros da história da ciência, foi importante também por outras

particularidades: serviu como eixo para a organização da coleta de dados e chamou a atenção

para importância da interdisciplinaridade na abordagem do objeto. E também alertou para a

possibilidade de se construir conexões entre diversos atores do final do século XIX que

habitualmente a historiografia não coloca como relacionados.

Em seguida, como o tema trata das consequências da lavoura predatória no Vale do

Paraíba, foi feita a opção de se incluir a história ambiental, que se filia também a linha

contestatória gerada nos anos 70, aqui representada por José Augusto Drummond e Regina Horta

Duarte, sem desconsiderar os demais, que serão citados ao longo da tese.

Por último, a história cultural, usada no sentido atribuído por Pestre (1996), como

sendo a necessidade de, sendo a ciência também parte da cultura, se estabelecer um diálogo entre

a história da ciência e a historiografia em geral, e também com a sociedade. Pestre traçou um

8 Maria Amélia Mascarenhas Dantes foi orientadora de Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa tanto no mestrado

quanto no doutorado.

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painel das diversas correntes atuantes na história da ciência e suas relações com a historiografia

em geral. Em seguida, será feita uma pequena apresentação de cada uma dessas orientações.

1.1 - Estudos Sociais da Ciência.

É importante ressaltar a existência de um diálogo entre a história da Ciência e a da

disciplina história em seu sentido mais geral. O intrigante é que na França, em meados da década

de 90 do século XX, ainda havia resistências a esse diálogo e somente depois de processos

semelhantes na Grã-Bretanha e Estados Unidos é que os “Estudos Sociais da Ciência”

começaram a se desenvolver naquele país. Para Dominique Pestre (1996), a história da Ciência se

encontrava na França, em meados dos anos 90, na posição em que estava a história nos anos 30,

quando surgiu a Escola dos Annales:

“Seja porque Marc Bloch, Lucien Fèbvre e outros redefiniam o que eram

os objetos legítimos da disciplina, seja porque propunham submeter a seu

domínio uma gama de atividades até então mantidas fora de sua

jurisdição, seja ainda porque anexavam outras práticas disciplinares,

eles abriam um espaço novo a conquistar, ofereciam à sagacidade do

historiador a possibilidade de historicizar práticas até então não

consideradas por ele. Mais especificamente - e a analogia com o que se

passa na história das Ciências é absolutamente pertinente -, eles

tornavam caduca a assimilação de uma forma historiográfica particular

à disciplina em seu conjunto, aboliam a supremacia de um gênero único

e dominante (o 'grande gênero', como se diz em pintura), e tornavam

legítimas abordagens até então marginais ou menores”.(PESTRE, 1996,

p. 05).

Ou seja, a história da ciência estava mais de meio século defasada. Ao fazer um

amplo painel do estado da arte da história ciência assinala para a necessidade da incorporação de

novos objetos e de novas abordagens. Para Pestre, muitos dos

“novos objetos não foram considerados até o momento, seja porque eram

“invisíveis” para uma história que permanecia sobretudo uma história

das ideias (é o caso para aquela que tratou com destaque da questão das

provas, por exemplo), seja porque eram percebidos como banais e pouco

nobres (a história “epistemologizante” muitas vezes criou tais

situações)” (PESTRE, 1996, p. 23)

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A história epismologizante de que fala Pestre se torna um problema na medida em

que torna pouco relevantes as relações da disciplina em estudo com a sociedade. A construção

historiográfica fica restrita exclusivamente ao “interior” da disciplina, isto é, à evolução de seu

conteúdo, às novas descobertas, aos aspectos teóricos e metodológicos, etc.

É desejo de Pestre, com esse estudo historiográfico, fazer aparecer

“por detrás da aparência de trivialidade ou de não pertinência, aqueles

objetos escondidos que, no entanto, são essenciais para uma boa

compreensão das práticas científicas, objetos dotados de uma

historicidade que permite fortemente à disciplina não ficar fechada em si

mesma e se ligar à história cultural, à história indústrial ou à dos

instrumentos - em suma, objetos que permitem à história das ciências

reintegrar o conjunto dos questionamentos históricos, sem nenhuma

exceção.” (PESTRE, 1996, p. 23).

O anseio de muitos, muito bem sintetizado por Pestre de tonar possível a utilização de

outros objetos é também o desejo deste pesquisador: a escolha de novos temas e novos objetos. O

tema - as consequências da ocupação do solo, priorizando-se a ocupação das terras de campo

produzidas artificialmente - é um tema menor no contexto da história das ciências e mesmo na

historiografia, pouco abordado e, quando realizado, geralmente se apresenta de maneira

tangencial ou complementar a outros estudos, quase sempre como um subtema ou tema menor.

Seria impensável fazer um estudo sobre esse tema no formato da “grande história”, que é a

história geral, que pretende colocar o passado em grandes eixos, por meio de uma construção

retrospectiva.

No caso da história das Ciências, a “grande história” se apresenta sustentando que

“nada há a explicar quando um sábio “descobre” uma verdade da natureza (estamos apenas

diante de um “bom” cientista)” (PESTRE, 1996, p. 47). É uma abordagem também impregnada

de anacronismos, uma vez que a tendência é sempre a de se encontrar “precursores” cada vez que

uma descoberta é estudada.

Portanto, há geralmente na grande história das Ciências um relato da descoberta e da

genialidade do cientista, muitas vezes fascinantes ao leitor, pois se aproximam da hagiografia,

tais as virtudes do cientista estudado, da sua determinação, da abnegação, de seus sacrifícios

pessoais e profissionais, das perseguições, dos percalços, etc. Outro aspecto é a qualidade da

descoberta ou, em se tratando de aparelho tecnológico, da invenção. Encontrar uma nova espécie

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de perereca na Amazônia, descobrir uma nova orquídea, identificar o vírus da AIDS, seria a

glória. Descobrir a cura do câncer garantiria de permanência no Panteão da história.

Frequentemente, contudo é apenas a evolução do conteúdo de uma disciplina que é privilegiada,

isto é, se faz um recorte epistemológico, sem colocá-la dentro do contexto em que ela foi

produzida. O pioneirismo na contestação dessa forma de fazer história da Ciência foi o chamado

Programa Forte, de Edimburgo, liderado por David Bloor, na primeira metade dos anos 70. Esse

fértil diálogo liderado por Bloor, entre história da Ciência e história, e não só com ela, mas com

outras áreas das ciências humanas, gerou várias modalidades internas da disciplina (por exemplo:

estudos de cunho sociológico, etnográficos etc.) e não há necessidade para essa tese de se ater a

todas elas.

Cabe ainda acrescentar que na Grã-Bretanha a redefinição da história da Ciência

“teve como corolário um encontro (político) com alguns grandes

historiadores como Christopher Hill, Eric Hobsbawn ou E. P. Thompson,

e conduziu à aparição de novos laços intelectuais e institucionais com o

meio dos historiadores.” (PESTRE, 1996, p. 5).

Os “Estudos Sociais da Ciência” não são, portanto, uma forma única de abordagem

para a construção da história das ciências, mas existe uma gama de novas possibilidades e o que

existe de comum entre elas é que sua existência se deve à vereda aberta em Edimburgo.

Dentre várias novas abordagens em história da ciência, Pestre analisa os estudos de

controvérsia, os quais

“Por necessidade metodológica, (...) se inscreveram no registro dos

microrrelatos, das “descrições espessas”, no estudo de situações locais e

“ordinárias” - na história “ao rés do chão”, para retomar a expressão

de Jacques Revel. A história herdada dos “social studies of knowledge”

apresenta, portanto, sua própria versão da micro-história e dos “casos

limites” caros a Carlo Ginzburg, e convoca modos explicativos

particulares” (PESTRE, 1996, p. 44).

Esse é o ponto decisivo que possibilitou a construção desta tese. Chamou a atenção

para a possibilidade, não de se fazer um estudo de controvérsia, mas de se usar o paradigma

indiciário de Carlo Ginzburg, pois esse tema, os estudos as regiões campestres, se insere na

historiografia tradicional e da história da ciência como sendo um objeto menor, pois trata de

áreas, que na época, eram desprovidas de valor econômico, daí ser pouco estudado e pouco

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documentado. O verdadeiro objeto de estudo para a historiografia tem sido a descrição da Mata

Atlântica com toda sua beleza e seu esplendor. Ou então, a crueza da sua devastação. Ou ainda,

são muito estudados os maravilhosos e produtivos cafezais, que fizeram a riqueza desse país, que

se instalaram em seu lugar. As áreas campestres resultantes da destruição da floresta e do solo

pela agricultura são áreas negligenciadas pela historiografia.

O fato de essas áreas terem sido ignoradas no século XIX deve ter contribuído para a

falta de interesse da historiografia. As áreas de campo produzidas artificialmente onde antes

havia florestas exuberantes representava, para os fazendeiros, para os políticos e para os

intelectuais do século XIX, o feio, o sem valor, aquilo que denegria, que deveria ser escondido,

do qual não se deveria falar, o que envergonhava ou criava sentimentos de culpa. Essa

representação se deve ao fato delas haverem sido criadas num momento de forte valorização do

progresso, fruto da ideologia positivista dominante na época e de haver ainda terras virgens em

abundância. Daí a pouca importância dada a essas áreas e o desconforto em abordá-las. O próprio

Löfgren, botânico da Comissão Geográfica e Geológica e diretor do Horto Botânico de São

Paulo, em excursão botânica, de cunho particular à Mantiqueira, ao passar pelo caminho ao longo

das áreas degradadas do Vale do Paraíba, declarou que ao cientista “pouco interesse oferece, pois

passa por terrenos pertencentes a fazendas cultivadas há séculos e através de largas várzeas”

(LÖFGREN, 1896, p. 88). Isto é, não interessavam ao botânico, porque as áreas cultivadas não

possuíam mais a natureza intacta e, por se tratar de uma área em pousio, sua vegetação - a

floresta em recomposição - era comum a outras capoeiras do estado. E as várzeas não

interessavam por não possuírem importância econômica imediata. Essa ideia ainda é muito

presente e áreas degradadas são abandonadas e esquecidas, seja pelo Estado, seja pela ciência. Ou

seja, por ser um tema negligenciado, é difícil sua abordagem pela historiografia tradicional.

Outro problema para essa tese foi a exiguidade de documentos. Inicialmente apenas

três documentos relevantes haviam sido encontrados sobre essas terras e, embora Orville Derby,

chefe da Comissão Geográfica e Geológica, valorizasse economicamente as terras de campo,

qualificando-as como “reservas para o futuro”, todos os autores de literatura de ficção, ou de

textos de cunho jornalístico citados nesse trabalho, como Monteiro Lobato e Euclides da Cunha,

por exemplo, as percebiam como ameaça, pois já começava a faltar terras virgens para a

expansão dos cafezais.

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Então, visto dessa forma, este tema guarda certa semelhança com aqueles que de

alguma maneira remetem aos casos limites de Carlo Ginzburg. A afinidade está no fato de as

terras de campo se constituírem numa ameaça aos fazendeiros, da mesma forma que na Europa

moderna qualquer heresia se constituía numa ameaça à Igreja Católica. Em ambos os casos eram

males que deveriam ser extirpados. Portanto, a leitura de Pestre apontou no sentido de chamar a

atenção para a pertinência do tema e da possibilidade de se fazer uma abordagem etnográfica.

Enfim, se a nova história social da ciência apresenta sua própria versão dos

microrrelatos de Ginzburg, por que não se recorrer ao próprio Ginzburg para construção do

estudo das áreas de campo artificialmente construídas de São Paulo? Embora essas adaptações

não sejam lineares, isto é, as correspondências entre elas não sejam de fácil percepção, foi feita

uma tentativa de aproximação, porém circunscrita à análise das fontes, uma vez que nem o tema e

nem as dimensões do objeto podem ser considerados como característicos ou típicos desse tipo de

historiografia. E nem se trata de um estudo de “controvérsia” que, como apontou Pestre, é a

versão homóloga dessa metodologia. Tentou-se e compete ao leitor avaliar se os resultados foram

satisfatórios. O tema será retomado mais adiante.

1.2 Considerações sobre história da ciência no Brasil.

Para Maria Amélia Dantes (2001), a história da ciência anterior a 1980 era

apresentada numa posição dicotômica: por alguns historiadores da disciplina, as instituições

científicas eram retratadas a ter como prioridade o estudo da evolução conceitual da ciência. Ou

seja, pode tomar-se como exemplo, a evolução dos conceitos de cada disciplina, dos progressos

alcançados, o que cada pesquisador elevado à categoria um pouco acima dos mortais, acrescentou

a ela. Fazer avançar a ciência é uma expressão recorrente nesse tipo de estudo. Nesse tipo de

estudos, as instituições científicas são apresentadas como uma decorrência necessária do valor

intrínseco do conhecimento verdadeiro, isto é, como espaços que são conquistados pelos

cientistas e que passam a sediar suas atividades.

No outro polo, segundo a mesma autora, incluindo alguns historiadores de tendência

teórica marxista, a história da ciência tem se voltado de maneira predominante para as dimensões

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sociais da prática científica, deixando para a história epistemológica as questões relacionadas à

natureza do conhecimento científico.

Esse quadro perdurou até os anos 70, quando começou a ser questionado no Brasil a

partir dos anos 80, época em que se perguntava como ocorreu a implantação de instituições

científicas num país não central do capitalismo, numa área que fora colônia e em seguida país

periférico, em regiões que não ocupavam a liderança na produção de conhecimento. Para se

responder a essa questão a alternativa foi a valorização da história social da ciência. Os primeiros

estudos, nos Estados Unidos, questionavam a relação entre ciência e imperialismo. Outros,

questionando essa tendência, argumentavam que, nos estados nacionais, ciência foi repensada

para atender a especificidades locais, que possuíam dinâmicas sociais próprias.

No Brasil, a partir dos anos 50 do século passado, formou-se uma tendência que via a

implantação da ciência no Brasil apenas a partir da criação das Universidades nos anos 30. As

realizações anteriores eram consideradas como pré-história da ciência (ou proto-ciência, segundo

vozes menos informadas). Isso fez com que os espaços da ciência e sua produção não fossem

tratados como relevantes, ou tenham sido desconsiderados. Instituições, tais como, Jardim

Botânico do Rio de Janeiro (1808), As escolas médicos cirúrgicas da Bahia e do Rio de Janeiro

(ambas de 1808), a Academia Real Militar (1810), a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional

(1825) ou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) com suas publicações, foram

estabelecimentos de ensino e pesquisa que sofreram mudanças ao longo do século e perduraram

todo o período imperial. Entretanto, não receberam da história da ciência, até o final da década

80, consideração à altura de sua importância ao longo do século XIX.

Ao longo do Império, sobretudo nos anos 70, outras instituições científicas formam

criadas: em 1875, a Escola de Minas, de Ouro Preto, a Comissão Geológica do Império, que

atuou entre 1875 e 1878, a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo (1886) e a Imperial

Estação Agronômica de Campinas (1887). A cronologia da história da ciência anterior aos anos

80 registra a presença destas instituições, mas não reconhece a importância desses espaços.

Então, nos anos 80, a historiografia passou a se ocupar com a valorização dessas instituições e de

outras menos conhecidas, como, por exemplo, o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura. Ou

seja, o reconhecimento desses espaços somente se deu a partir de mudança do ponto de vista

metodológico.

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Ainda de acordo com Dantes (2001), a nova perspectiva surgiu nos anos 70 e 80.

Voltava-se para o estudo das condições sociais de implantação das atividades científicas (por que

se implantou tal atividade ou instituição? A quais interesses ela servia? A quais demandas sociais

ela procurava atender? Etc.) e procurava mostrar os critérios de cientificidade do período

estudado (que tipo de ciência se fazia então? Quais seus pressupostos teórico-metodológicos?

Dentre outros).

Ainda há muito a ser feito nesse campo. Por exemplo, as diversas Comissões de

Limites que se instalaram no Brasil começaram a ser estudas como espaços de produção

científica. Não é objetivo desse autor discutir as diversas Comissões de Limites, tanto as internas

quanto as externas, que se formaram ao longo do Império ou primeiras décadas do regime

republicano, mas é forçoso reconhecer que, atendendo a demandas urgentes, em reposta a

conflitos que poderiam gerar guerras e perdas de território, essas comissões, temporárias todas,

pois duravam apenas enquanto persistissem os desentendimentos, produziam conhecimentos de

diversas naturezas: histórico, geográfico, geológico, médico, de História Natural, etnográfico,

linguístico, etc. Estes conhecimentos podem ser tratados como história da ciência dentro da

perspectiva apontada por Dantes (2001).

Os estudos de Maria Margaret Lopes sobre os museus enquanto espaços de produção

de ciência; de Heloísa Maria Bertol Domingues, sobre ciência e agricultura e de Silvia Fernanda

de Mendonça Figueirôa, sobre a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo são

representativos dessa corrente, que de acordo com Clarete Paranhos da Silva (2004, p. 7):

“Investigações em História das Ciências dentro desse quadro teórico e

metodológico vêm sendo realizadas em diversas instituições como no

Programa de Ensino e História de Ciências da Terra -IG/Unicamp, no

Departamento de História da USP, no Museu de Astronomia do Rio de

Janeiro (MAST), na Fundação Oswaldo Cruz, entre outras.” (SILVA,

2005, p. 7).

Hoje, portanto, pode-se dizer que a postura teórica metodológica está consolidada,

inclusive a Revista Brasileira de História da Ciência, tem se pautado por esse quadro teórico-

metodológico.

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1.2 O levantamento de dados.

Embora trate de um assunto não diretamente relacionado ao tema dessa pesquisa, a

tese de doutoramento de Ermelinda Pataca, de 2006, que fez parte dos estudos preliminares deste

autor, forneceu elementos importantes para a construção dessa tese.

O primeiro elemento foi a leitura que a autora fez das viagens científicas portuguesas

do século XVIII com o “foco nas facetas multidisciplinares, ressaltando-se os elementos

científicos, artísticos e tecnológicos.” (PATACA, 2006, p. 8). Em outras palavras, ao focar o

objeto - as expedições cientificas portuguesas - Pataca procurou desvendá-la em seus múltiplos

aspectos: econômicos, políticos, sociais e culturais.

O presente estudo também se pautou por essa abordagem: o estrago ambiental em São

Paulo foi visto em seus aspectos multidisciplinares, isto é, envolvendo elementos científicos,

artísticos e tecnológicos.

A destruição ambiental paulista foi abordada ao final do Oitocentos e na aurora do

século XX por cientistas de diferentes especialidades, tais como agrônomos, naturalistas,

geólogos, engenheiros dentre outros, cada um a descrever o tema por uma faceta diferente e

muitas vezes em polêmicas acirradas.

Do ponto de vista artístico, dada a uma peculiaridade do século XIX, que foi a

emergência do naturalismo nas artes, os artistas influenciados pelo cientificismo passaram a fazer

uso da ciência, isto é, a recorrer à produção científica da época para a construção de suas

representações artísticas e, dessa forma, a relação entre ciência e arte se tornava mais explícita.

Entretanto, há de se ressaltar uma diferença fundamental entre a produção artística analisada por

Pataca e as representações produzidas sobre o meio ambiente paulista no século XIX. Pataca

estudou a arte brotada no bojo da própria expedição cientifica por ela estudada, ao passo que,

nesse trabalho, a produção artística analisada era “independente”, isto é, não oficial, embora

houvesse estreitas ligações entre artistas e cientistas. Euclides da Cunha se ligava a Derby,

Löfgren e Theodoro Sampaio, conforme já demonstrado por José Carlos Barreto de Santana.

Almeida Jr. era intimo de Augusto Adolpho Pinto, foi acolhido pela a Sociedade Paulista de

Agricultura e chegou a ter trabalhos expostos Exposição Universal de Chicago. E Lobato,

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achegado ao jornal “O Estado de São Paulo” e numa faze posterior, era vinculado à família Prado

e a Edmundo Navarro de Andrade, bem como a Arthur Neiva.9

A segunda contribuição de Pataca foi no apontamento para que a “análise das

representações resultantes das viagens científicas [fosse] elaborada sob uma perspectiva de

aproximação entre a história da arte e da história das ciências” (PATACA, 2006, p. 18). Essa

asserção foi importante porque mostrou que era possível selecionar outras fontes que não

estritamente científicas ou institucionais para a construção metodológica desse trabalho. Mostrou

também a necessidade de se recorrer à história da arte e à história da literatura para tornar

possível a análise das representações resultantes da destruição ambiental. E, portanto, tentar fazer

uma articulação difícil entre elas e a história das ciências, elementos que nem sempre são fáceis

de conciliar.

Com o desenrolar da pesquisa, a opção pela história da arte e da literatura, de difícil

articulação, foi substituída pelo paradigma indiciário, que se mostrou mais adequado, pois não se

pretendia analisar a obra artística e literária em si, mas apenas enquanto fontes históricas para a

compreensão das terras de campo. Apesar dessa opção, a história da arte e a história da literatura

formam um instrumental importante na construção de algumas reflexões, notadamente sobre as

representações românticas e naturalistas da floresta e na análise de dos textos de Euclides da

Cunha e Monteiro Lobato.

No trabalho de Pataca (2006, p.19), as premissas básicas para o entendimento das

imagens das expedições científicas foram “a forte aproximação entre arte, ciência e técnica e a

estreita conexão entre os textos e as imagens”. Nesse estudo, para se entender a destruição

ambiental do período, as mesmas premissas estão presentes: parte-se do princípio de haver uma

proximidade entre arte, ciência e técnica, porém, como as obras literárias e artísticas estudadas

não são ilustrações, as relações entre elas e a produção científicas, nem sempre são estreitas, pois

muitas vezes são encontrados apenas indícios. Nessa tese, as imagens não se referem apenas às

representações pictóricas, mas, sobretudo, às literárias. Desse modo, fez-se necessário, tal como

fez Pataca (2006, p.19), a busca de “relações textuais e intertextuais explícitas ou implícitas entre

9 As relações intelectuais entre esses diversos autores serão apresentadas mais a frente, bem como dados biográficos

se encontram em anexo.

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esses materiais”. A produção artística do período que fazem referência ao tema, sobretudo a

literária, será confrontada com produção científica da CGG e da Revista Agrícola na busca de

relações entre elas.

Finalmente, Pataca (2006, p. 13) desvendou um processo que nos permitiu encontrar

um atalho por onde organizar o levantamento de dados, o qual esteve presente do começo ao fim

dessa pesquisa: trata-se de “traçar um quadro amplo dos personagens envolvidos”, de alguma

forma, com o meio ambiente paulista no final do século XIX e início do século XX e, desse

modo, estabelecer as afinidades ou divergências entre eles. Privilegiaram-se as relações

intelectuais e profissionais entre os diversos atores envolvidos. Pataca, baseada em Ângela

Domingues10

, desenvolveu o seu trabalho a partir do conceito de redes de informação. Portugal

nos Setecentos promoveu uma política de conhecimento, baseada na ciência, dos vastos

territórios do império. Essa política foi levada a cabo por cientistas enviados àquelas zonas ou por

altos funcionários administrativos das áreas coloniais, que supriam a coroa portuguesa com

informações sobre os mais distantes rincões dos domínios portugueses de além mar. No Brasil,

guardadas as devidas proporções, pode-se sugerir que o Barão do Rio Branco, já no período

republicano, montou uma rede de informação para reunir documentação e produzir conhecimento

histórico e geográfico sobre o território brasileiro para tratar das questões de limites.

Rio Branco convocou e colocou sob sua influência e proteção um grande número de

intelectuais, que produziram uma imensa massa de conhecimento sobre nosso território, visando

provar que as áreas fronteiriças em disputa com países vizinhos e com potências europeias eram

brasileiras porque foram historicamente povoadas por portugueses e brasileiros. Inclusive, nessa

época foram traduzidos e publicados um grande número de relatos de viajantes estrangeiros, pois

seriam testemunhos insuspeitos aos árbitros internacionais dos conflitos. Também sob seu

estímulo se publicou uma grande quantidade de documentos históricos do período colonial.

Seguindo a hipótese de que existia uma rede de informação constituída por Rio

Branco, as fontes foram levantadas no sentido estabelecer relações intelectuais entre os diversos

10

DOMINGUES, A.: ‘Para um melhor conhecimento dos domínios coloniais: a constituição de redes de informação

no Império português em finais do Setecentos. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. VIII (suplemento),

823-38, 2001.

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atores do período. Ao realizar a leitura de um autor, toda vez que seu texto remetia a outro,

partia-se em seu encalço, num trabalho detetivesco de rastreamento, por vezes obsessivo, muitas

vezes a cair um vazio frustrante ou a apontar apenas para alguns indícios, mas sem apresentar

provas conclusivas, o que tornava obrigatório pisar no terreno movediço e desconfortável das

possibilidades. Essa escolha levou ao levantamento de uma grande massa de material difícil de

ser manipulada, que acabou por ser em grande parte desprezada devido a sua “inconclusidade” ou

falta de pertinência ao tema.

Entretanto, no desvelamento dessa rede, não foram estudadas as biografias das

personalidades envolvidas, tal como fez Pataca, que chegou a construir um minidicionário com

dados bigráficos de cada uma delas, mas restringiu-se às relações intelectuais entre elas enquanto

atores sociais produtores de conhecimento e à leitura que faziam do meio ambiente paulista.

Uma vez definido o procedimento para os levantamentos de dados, o ponto de partida

foi o estudo atento das cartas de Capistrano de Abreu (1977). Da leitura dessas missivas surgiam

indícios que remetiam a outros autores e/ou a outros textos, quase sempre criticados com suas

palavras ferinas, ou elogiados desmensuradamente, bem ao estilo dele. Seus amigos e

correspondentes foram estudados: Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco, Eduardo Prado,

Orville Derby, Theodoro Sampaio, dentre outros. Adaptando para a ocasião o princípio da

“Simetria”11

, nenhum autor foi descartado12

. Os Institutos Histórico e Geográfico de São Paulo e

do Brasil foram outro locus privilegiado. Foram estudados também os intelectuais ligados à

Comissão Geográfica e Geológica: procurou-se desvendar o máximo possível do pensamento

desses cientistas em sua relação com o meio ambiente paulista e assim as trajetórias começaram a

se cruzar. Por exemplo, Derby se correspondia com Rio Branco e Nabuco e participava do

11

Segundo Pestre (1996, p. 7) a simetria é uma das características do chamado Programa Forte de Edimburgo, que

recomenda que todos os cientistas (ou objetos) estudados tenham o mesmo tratamento, tanto os de importância

reconhecida, quanto àqueles que sustentam o cotidiano da produção científica e são usualmente ignorados Todos

carecem de igual explicação. 12

A história tradicional da ciência prioriza os considerados gênios ou aqueles que ocuparam cargos de chefia.

Segundo Figueirôa (2007, p 9), “para contrabalançar o peso excessivo das biografias de grandes vultos, e fornecer

um quadro bem mais realista do que seja a atividade técnico-científica, necessário se faz não só rever o que se

contou a respeito de alguns poucos, mas preencher os vazios com os cientistas comuns – aqueles que participam e

sustentam o cotidiano das práticas científicas.”.

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esforço republicano na resolução dos conflitos de fronteiras, tanto dos internos quanto dos

externos, embora fosse ligado por laços de amizade a monarquistas

A Sociedade Pastoril e Agrícola, com uma gama grande de militantes articulando-se

em torno da Revista Agrícola, foi outro local privilegiado, pois agrupava muitos dos interessados

na modernização da agricultura. Essa revista foi o ponto de encontro onde a articulação entre

vários desses autores ligados à agricultura, e não à diplomacia, foi mais intensa. O conhecimento

do território para a diplomacia e para a agricultura, embora muitas vezes confluentes, tinham

natureza distinta. O primeiro visava o estabelecimento de limites, então havia de justificar a posse

do território e sua defesa. No segundo caso, seu estudo tinha por objetivo, o desenvolvimento da

produção agrícola e da infraestrutura a ela necessária.

O trabalho de Pataca, para essa tese, além servir como referência na organização do

levantamento de dados, foi importante também no sentido de apontar para interdisciplinaridade

na abordagem da relação entre ciência e arte13

. Embora esse estudo aponte na mesma direção,

porém, diferentemente dela, que não trabalhou a recepção dos resultados das expedições

científicas portuguesas despachadas para as diversas colônias do Império lusitano entre 1755 e

1808, procurar-se-á mostrar como o conhecimento produzido por cientistas na São Paulo do

século XIX era apropriado, usado e algumas vezes reelaborado ou ressignificado pelos artistas.

Na maioria das vezes, pode-se notar apenas inspiração Comissão Geográfica e Geológica e da

Revista Agrícola, mas em algumas oportunidades, houve influência direta.

Apesar dos muitos esforços, resultado inicial do levantamento de dados mostrou-se

um aparente fracasso, por motivos que, aliás, já haviam sido assinalados por José Augusto Pádua,

no seu Um sopro de destruição, de 2002, que constatou a exiguidade da produção intelectual

sobre meio ambiente no Brasil até a proclamação da República, mas que, entretanto, essa

produção era farta se comparada ao montante encontrado por pesquisadores de outros países:

“Não pretendo dizer, bem entendido, que se trata de uma escala

exorbitante. Em nenhum momento se deve negar o seu caráter

13

Embora, Ermelinda Pataca tenha sido importante, não foi a única referência nesse aspecto, conforme já dito na

introdução dessa tese.

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minoritário. Mas não resta dúvida, comparado com o que tem sido

descoberto em outros países, que estamos diante de uma das maiores

expressões nacionais, no período anterior ao século XX, do que pode ser

chamado de preocupação intelectual com a degradação do ambiente”

(PÁDUA, 2002, p. 11).

Todavia, a diferença no montante de documentos se explica porque critérios de busca

desta pesquisa foram restritos que os de Pádua: pretendia se encontrar textos que tratassem

especificamente da destruição ambiental focados na questão da formação da região campestre.

Explicando melhor: a destruição da Mata Atlântica provocou vários impactos ambientais: sobre

as florestas, solo (erosão, desertificação), sobre as águas (erosão leva ao assoreamento alterando

cursos de rios), sobre os habitantes primitivos, sobre o clima (secas), sobre a fauna (não só pela

destruição dos hábitat, mas também pelo desequilíbrio entre as espécies, que levou, por exemplo,

à proliferação de formigas). Portanto, dada à amplitude dos impactos ambientais, um recorte

temático seria necessário e a opção foi pelo impacto mais visível e mais radical: a formação dos

então chamados os desertos, que não o eram em strito sensu, mas sim do ponto vista da economia

cafeeira.

Nessa perspectiva, apenas alguns textos foram, após dois anos e meio de pesquisas,

descobertos: o “Considerações sobre o futuro agrícola do estado de S. Paulo”, de Orville A.

Derby; “Entre Ruínas” e “Fazedores de Deserto” de Euclides da Cunha e “Velha Praga” de

Monteiro Lobato. Foram, portanto, levantados inicialmente três autores, que produziram quatro

textos Como se pode observar uma quantidade muito menor do que a localizada por Pádua. O

material que ele levantou incluia

“cerca de 150 textos, produzidos por mais de 50 autores, nos quais se

discutiram de forma direta, em um período de 102 anos, as

consequências sociais da destruição das florestas, da erosão dos solos,

do esgotamento das minas, dos desequilíbrios climáticos etc.” (PÁDUA,

2002, p. 11).

São, porém, dois universos diferentes, mas que guardam algumas semelhanças entre

si. Os diferentes resultados se explicam pela maior delimitação do tema (apenas o “deserto”), da

periodização (1895 -1908, que coincide com primeira fase da Revista Agrícola) e pela menor

abrangência da área geográfica abordada (o Vale do Paraíba em sua parte de povoação mais

antiga).

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Seria possível escrever uma tese na área de história com tão poucos documentos,

inclusive sendo eles não representativos no conjunto da produção de seus autores? Segundo

Ginzburg (1987, p. 22), “mesmo uma documentação exígua, dispersa e renitente pode (...) ser

aproveitada”. Essa foi a opção metodológica que acabou por se impor.

Seguindo o caminho apontado nas páginas anteriores procurou-se estabelecer como

estes autores selecionados (Derby, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato) se relacionavam entre

si e com outros atores sociais do período. Recuperar as relações intelectuais e sociais entre os

selecionados e também com outros autores que pensavam o mesmo tema foi uma opção que

acabou por se concretizar. Autores de outras épocas e outros lugares foram surgindo: João

Severiano da Fonseca14

, Guilherme de Capanema e Antônio Gomes do Carmo dentre outros, que

pensaram a destruição ambiental e eram a favor da modernização da agricultura.

Outra fonte, ou melhor dizendo, outro manancial de pesquisa foi a Comissão

Geográfica e Geológica. Como grande parte do conhecimento sobre o território paulista foi

produzida pela Comissão Geográfica e Geológica, sendo esta uma produção científica já bastante

estudada por Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa e outros autores, perguntou-se se haveria

algo a acrescentar a esses estudos. Entretanto, embora bastante examinados, pouco se escreveu

sobre a produção científica daquela Comissão a respeito das terras de campo. Então foi avaliado

que valia a pena investigar esse aspecto nas obras da daquela instituição, principalmente nos

Boletins, porque tinham maior circulação15

. O artigo de Derby acima mencionado contribuiu

para que essa opção fosse feita. Outros autores (Alberto Löfgren, Hermann Von Ihering,

Theodoro Sampaio) foram incorporados, sobretudo nos textos em que relatavam suas explorações

do território e na defesa radical que os dois primeiros faziam em favor da preservação da

natureza. Ao estudar as áreas campestres de São Paulo, esta tese se apresenta como

14

Fonseca escapou a Pádua. Chegamos até ele através de Capistrano de Abreu, que fez a resenha de seu livro. Talvez

tenha escapado pelo fato de Pádua ter priorizado apenas dois eixos: a produção das instituições imperiais (Sain e

IHGB) e àquele que ligava a proteção ambiental à luta política contra abolição. A questão de limites, embora desde a

independência sempre tenha existido, ganhou força no período republicano, com como defesa contra o

expansionismo dos países centrais do capitalismo. 15

Os Boletins, de leitura mais amena que os relatórios, eram usados como meios de divulgação de resultados a um

público maior e também em permutas com outras instituições científicas. Talvez tivessem uma abrangência maior.

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complementar aos estudos de Figueirôa sobre a Comissão Geográfica e Geológica, mas

diferenciada por apresentar outra abordagem.

Em seguida outra dificuldade de cunho metodológico se apresentou: o autor dessa

tese, em sua juventude, bem antes da Eco 92 (que tornou o assunto um modismo) foi militante do

movimento ambientalista, daí o interesse pela temática ambiental. E sabia estar diante de um

tema que por definição remete à história ambiental: trata-se um estudo sobre um ambiente

fortemente antropizado, isto é, modificado pela ação humana. Portanto, coerentemente com o

desenvolvido até esse momento, ou seja, a perspectiva de se analisar o objeto em suas diversas

interfaces, as terras de campo poderiam ser analisadas em mais uma faceta: o enfoque através da

história ambiental, que será explicitada mais adiante.

Além desse ponto de vista, outro foi levantado: sendo a Comissão Geográfica e

Geológica uma instituição da agricultura paulista, teria ela influenciado nos rumos da

modernização da agricultura de São Paulo em nível de solução imediata de problemas agrícolas?

A resolução dessa questão passa por um caminho pouco explorado: tomando-se a

Revista Agrícola como um espaço de expressão do pensamento da elite agrária do estado de São

Paulo e como sendo um instrumento de divulgação científica e tendo os membros da Comissão

participação efetiva no periódico agronômico, com a publicação constante de artigos sobre os

mais variados temas relativos aos problemas agrícolas, mais até, em seus primeiros anos, do que

os integrantes do Instituto Agronômico de Campinas, pode-se responder que sim. Então, uma

nova faceta é colocada: existiu uma cooperação entre a Comissão Geográfica e Geológica e os

fazendeiros na resolução de problemas do campo, e aí será necessária a ajuda da história da

ciência para a compreensão da relação entre esses atores. Nesse sentido, a Comissão Geográfica e

Geológica se aliava aos agrônomos na modernização da agricultura e, portanto, ambos deveriam

ser estudados.

Os agrônomos, embora preocupados com a agricultura ou com o aproveitamento

racional dos recursos naturais e não com a preservação do meio ambiente, produziram

representações da devastação ambiental que também eram trabalhos científicos, então seus

estudos foram incorporados a essa tese como fontes. Dessa forma, a necessidade de uma parceria

entre história da ciência e história ambiental para a construção desse trabalho fica mais evidente.

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O problema que se apresenta é como se estabelecer pontos em comum entre ambas correntes

historiográficas.

Graciela dos Santos Oliver, nos anais do IV Simpósio da Sociedade Latino-Americana e

Caribenha de História Ambiental argumenta que a história ambiental pode ser também um

instrumento para a história das ciências, pois pode facilitar a abordagem das fontes em

determinadas condições específicas, pois:

“carecem os historiadores das ciências de ferramentas mais precisas

para questionar suas fontes, quando se deparam com representações da

natureza ou políticas científicas e tecnológicas que envolvam a natureza

e o homem” (OLIVER, 2008, p. 67)

De forma a tornar essas relações mais explícitas, far-se-á em seguida uma pequena

caracterização da concepção de história ambiental usada nesta tese.

1.4 A história ambiental.

Não se pretende esgotar o assunto, nem sequer um aprofundamento, mas apenas

definir alguns de seus aspectos.

Para José Augusto Drummond, a originalidade da história ambiental “está na sua

disposição explícita de “colocar a sociedade na natureza” e no “equilíbrio com que busca a

interação, a influência mútua entre sociedade e natureza.” (DRUMMOND, 1991, p. 9). Nesse

sentido, o foco das suas preocupações está na relação entre ambiente e sociedade como objeto

central de suas análises. Convém frisar que essa postura se constitui um ponto em comum com a

concepção de história da ciência, que propõe que a ciência seja estudada em sua relação com a

sociedade. Também constitui o ponto central das análises da recente produção brasileira em

história da ciência e que Maria Amélia Dantes é a autora que a deflagrou, conforme apontado

anteriormente.

A história ambiental apresentada por Drummond oferece, portanto, algumas

possibilidades de interpretação do social e da natureza enquanto elementos inter-relacionados. As

obras dos naturalistas do século XIX faziam um estudo do meio ambiente de forma

aparentemente desvinculada do social, enquanto que a historiografia da época também

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aparentemente se desvinculava de ambos: do social e do meio ambiente. Aparentemente apenas,

porque historiadores como Barão do Rio Branco e Capistrano de Abreu faziam uso de uma

concepção territorialista da história com a finalidade prática de intervir na disputa de áreas

fronteiriças em conflito e, em acréscimo a ela, no segundo autor, de discutir a formação social do

Brasil. Na verdade, o que justificava a reivindicação das terras pelo Brasil em disputa com países

estrangeiros era o fato de efetivamente terem sido povoadas por brasileiros, daí os estudos de

povoamento e caminhos antigos. Entretanto a história predominante no período tinha por base

Francisco Adolpho Varnhagen e era focada mais em estudos políticos administrativos e

explorava pouco as relações históricas entre as sociedades e os seus ambientes.

Dentre os diversos temas da história ambiental, “estudos de casos notáveis de

degradação ambiental” (DRUMMOND, 1991, p. 5) são apenas um deles. O estudo das áreas

campestres do Vale do Paraíba ou das consequências da ocupação do solo no estado de São Paulo

se insere dentro dessa temática: trata-se de um caso notável de degradação ambiental ocorrida

numa área que se pode considerar extensa e ocorrido em um curto espaço de tempo, e que trouxe

consigo a decadência, o desterro para os que tiveram a possibilidade emigrar e a pobreza para os

que permaneceram.

Outro aspecto da história ambiental apresentada por Drummond é a circunscrição

territorial do objeto de análise:

“quase todas as análises focalizam uma região com alguma

homogeneidade ou identidade natural: um território árido, o vale de um

rio, uma ilha, um trecho de terras florestadas, um litoral, a área de

ocorrência natural de uma árvore de alto valor comercial e assim por

diante.” (DRUMMOND, 1991, p. 5).

Essa asserção tornou-se a base para a escolha e delimitação do tema dessa tese: qual

área estudar? Por que circunscrever a pesquisa a essa área? A escolha recaiu sobre o Vale de

Paraíba, ao final do século XIX e início do XX, porque essa região apresentava uma identidade

ambiental que não era natural: uma paisagem homogênea, antropizada, resultante de sua

ocupação econômica, chamada na época de “deserto”, que certamente não o era do ponto de vista

natural, mas sim do ponto de vista econômico. Nesse caso, “deserto” significava terra

improdutiva para o café. Esse recorte espacial foi feito com a finalidade de estudo, entretanto, no

corpo do trabalho há referências a outras regiões que apresentam as mesmas características de

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destruição ambiental no último quartel do século XIX, como por exemplo, os arredores de São

Paulo (capital), do Rio de Janeiro ou as regiões ribeirinhas do Rio Paraguai, no Mato Grosso.

Todavia, não se fizeram pesquisas extensas sobre essas áreas.

A circunscrição do tema e o estudo das “particularidades físicas e ecológicas”

(DRUMMOND, 1991, p. 5) dessa região remetem a outra modalidade de história: a história

Regional, que por sua vez obriga a que se estudem fontes relacionadas à localidade, sem muito

interesse para obras de temas mais abrangentes. Muitos autores que fizeram obras significativas e

influentes cometeram equívocos por desconhecer especificidades regionais - caso, por exemplo,

de Richard Morse (1970) ao estudar os arredores de São Paulo.

Outra característica da história ambiental é o “diálogo sistemático com quase todas

as ciências naturais - inclusive as aplicadas - pertinentes ao entendimento dos quadros físicos e

ecológicos das regiões estudadas” (DRUMMOND, 1991, p. 5). Para essa finalidade a produção

científica da Comissão Geográfica e Geológica se apresenta como um conjunto maravilhoso de

fontes, que faz os olhos do historiador ambiental brilharem de contentamento. A obra produzida

pelos cientistas da Comissão Geográfica e Geológica em seus trabalhos de campo forma um

testemunho admirável da natureza no estado de São Paulo, e ainda é pouco explorada pela

pesquisa científica sob esse prisma. Os geólogos, naturalistas e engenheiros que compunham a

Comissão Geográfica e Geológica descreveram as condições ambientais em praticamente todas

as regiões do estado. Estudar os relatos construídos a partir de trabalhos de campo contribui para

maior para valorização das ciências de campo, consideradas menores em relação às ciências de

laboratório16

.

Ou seja, a opção pela história ambiental possibilita valorização das disciplinas

científicas que realizam trabalhos de campo, consideradas menores por certa história da ciência,

pois traz intrinsecamente em sua metodologia a valorização dessas pesquisas, sem deixar de

16

Este tema foi discutido por Maria Margaret Lopes (2001), que procura mostrar que os loci da produção científica

não são somente os laboratórios, mas que ela também é realizada em viagens de coleta de matéria e na organização

de catálogos de museus, museus por exemplo. Esses espaços ou não eram reconhecidos ou eram considerados

menores em relação a produção científicas de Universidades e laboratórios pela história da ciência anterior ao século

XX.

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considerar as chamadas ciências de laboratório, e tem na obra dos naturalistas um recurso

fundamental para entendimento da relação sociedade e meio ambiente:

“Os historiadores ambientais não “visitam” [apenas] protocolarmente as

ciências naturais: dependem profundamente delas e muitas vezes

trabalham em associação direta com cientistas naturais. Precisam

entender o funcionamento dos ecossistemas para avaliar com correção o

papel das sociedades humanas dentro delas, os limites da ação humana e

a potencialidade de superação cultural desses limites. Frequentemente é

preciso estudar até conceitos e achados “superados” ou “equivocados”

dessas ciências, no caso (muito frequente) de elas terem tido alguma

influência identificável no modo como a sociedade estudada interveio no

seu ambiente.” (DRUMMOND, 1991, p. 5).

Embora os trabalhos da Comissão Geográfica e Geológica sejam nossa principal

fonte, entretanto, eles não devem ser reduzidos à dimensão de fonte para a história ambiental,

pois revelam também como se fazia ciência no Brasil no século XIX. Nesse sentido e nesse caso,

a história ambiental não pode ser desvinculada da história da ciência, pois esse testemunho não

foi construído aleatoriamente, calcado em impressões individuais, tal qual um turista

descompromissado, mas com base em métodos científicos. Ou seja, as ciências naturais, nesse

sentido, se tornaram “também parte do próprio objeto de estudo, como manifestações culturais

que ajudam a entender os padrões de uso dos recursos naturais” (DRUMMOND, 1991, p. 5), no

caso o solo degradado. E são também reveladoras dos processos de construção do conhecimento

científico no século XIX.

Porém, as ciências naturais não são as únicas fontes usadas nessa tese: os agrônomos

do período também estavam a intervir no espaço rural, sobretudo, no combate à rotina agrícola de

então, que produzia “desertos”. Entretanto, havia uma ambiguidade, senão uma contradição: ser

contra o deserto não significava ser contra o desmatamento, pois deserto então se entendia não

em oposição à área de florestas naturais, mas como área sem ocupação econômica rentável, o que

não deveria existir. E também eram contra o desperdício de madeiras de alto valor, que se usava

como lenha combustível. Buscavam igualmente uma forma de se evitar que as terras ficassem

décadas com o cultivo suspenso a aguardar a recuperação da fertilidade do solo. A diferença é

que para os naturalistas a natureza tinha um valor intrínseco, embora seu trabalho tivesse um

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cunho utilitarista17

geralmente alheio a sua vontade, enquanto que para os agrônomos a natureza

possuía um valor econômico. Portanto, trabalhos científicos produzidos por agrônomos também

são fontes históricas dessa pesquisa para se estudar as áreas campestres.

Essas contradições entre o pensamento de agrônomos e naturalistas remetem a outra

questão levantada por Drummond (1991, p. 5). Trata-se das interações “entre o quadro de

recursos naturais úteis e inúteis e os diferentes estilos civilizatórios das sociedades humanas”.

Nesse sentido, a posição dos fazendeiros paulistas era a de ocupar economicamente o território,

por um lado, no sentido de descobrir, conhecer e desbravar terras desconhecidas incorporando ao

patrimônio áreas até então inóspitas, mas não totalmente despovoadas e sem ocupação econômica

rentável. Para isso criaram a CGG, que efetivamente explorou o território e possibilitou a criação

uma rede comunicação que viabilizou a incorporação dessas áreas com ocupações econômicas

proveitosas. Era crucial, em função do tipo de agricultura que se praticava, a ocupação de novas

terras. Por outro lado, terra em pousio é terra inútil, daí a necessidade de construir novas formas

de ocupação do solo, tanto nas áreas recém-ocupadas, para evitar seu desgaste, quanto nas áreas

já degradas, com a finalidade se acabar com essa prática.

Contribuiu, e muito, para o abandono da agricultura rotineira e, portanto, da prática

do pousio, a abolição da escravidão que, dada a carência de mão e obra (e seu alto valor), remetia

ao uso de maquinário agrícola em substituição ao trabalho humano. Nesse contexto, a história

ambiental dialoga também com a história da tecnologia. A construção das ferrovias igualmente

coloca as duas áreas do conhecimento em contato, na medida em que os impactos ambientais por

ela causados foram nunca antes vistos na história desse país!18

Esse é o contexto político, social e

econômico no qual se moviam os atores sociais do período.

Esse tipo de história - a ambiental - permite o uso de uma “grande variedade de

fontes pertinentes ao estudo das relações entre as sociedades e o seu ambiente” (DRUMMOND,

17

Para Pestre (1996, p. 36), no século XIX, a curiosidade aristocrática como forma de validação da ciência foi

substituída pela noção de utilidade social: “na Inglaterra, sábios experimentalistas tenderam (...) a se voltar aos

empresários, aos financistas e aos artesãos a fim de transformar seus novos saberes em máquinas e aparelhos de

fácil utilização disponíveis no mercado (como as bombas e as máquinas a vapor)”. Em agronomia, a estratégia de

convencimento da efetividade das pesquisas era a de sua utilidade para a lavoura e que elas, se aplicadas

corretamente, proporcionariam de alguma forma aumento nos ganhos. 18

Perdão leitores.

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1991, p. 6). Nessa pesquisa, foram muitas as fontes consultadas e de vários tipos, tais como

cartas, romances, documentos oficiais, relatórios científicos, memórias pessoais, diários etc., mas

poucas as que se mostraram relevantes para o desvendamento do objeto em questão devido à

especificidade e à pouca importância dada ao tema na época.

A irrelevância do tema no período, conforme apontado anteriormente, está

relacionada à decadência econômica da área e à ideologia de valorização do progresso. Quando

as terras se desgastavam e os solos se tornavam improdutivos, o progresso, como já descrevia

Guilherme de Capanema em 1858, se deslocava e todas as atenções se voltavam para áreas

prósperas recém-desbravadas. Esse processo, na época, chamava atenção inclusive dos cientistas,

jornalistas, viajantes etc. Se se quiser fazer um estudo sobre os progressos econômicos de

Ribeirão Preto, São Carlos e Piracicaba ao final do século XIX, as fontes são abundantes, mas se

se optar por estudar, no mesmo período, as regiões exangues de Bananal e Areias, que há apenas

vinte anos antes eram as mais prósperas do estado, pouco se encontrará, além de lamentações e

de fontes circunscritas localmente. Até onde se sabe somente Euclides da Cunha e Monteiro

Lobato se ocuparam delas. Lobato dizia que as cidades de região eram “cidades mortas”. Para

Euclides eram “ruínas”. Ambos viveram temporariamente em Areias em épocas diferentes, mas

bastante próximas.

Se a circunscrição espacial do presente estudo era inicialmente sobre as terras de

campo vale-paraibanas, o tema acabou por extrapolar esses limites geográficos, pois a decadência

da lavoura cafeeira chegava a Campinas e arredores e, como não havia tanta disponibilidade de

terras virgens, pairava sobre essa região, ainda próspera ao final dos Oitocentos, o prenúncio da

bancarrota, que já havia ocorrido no Vale do Paraíba histórico. Era essa iminência que aliadas à

abolição da escravidão, impulsionava os fazendeiros na direção da construção de um novo

modelo agrícola que implicava a ocupação permanente do solo, de modo a evitar novamente a

migração para terras virgens que em breve talvez não estivessem mais disponíveis. A pouca

disponibilidade de documentos, aliada ao fato da maioria ser de natureza literária, e a condição da

região campestre ser olvidada em sua época e de ser negligenciada pela historiografia, reforça a

conveniência do uso paradigma indiciário de Carlo Ginzburg, que forneceu elementos que

permitiram a interpretação das terras de campo a partir de indícios encontrados nas fontes. Ou

seja, as terras de campo serão interpretadas por mais uma faceta: o paradigma proposto por Carlo

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43

Ginzburg19

. O paradigma indiciário, portanto se apresenta também com uma possibilidade de

abordagem da história ambiental. Em suma, o paradigma indiciário se apresenta como uma

possibilidade de interpretação para essa tese, pois permite uma interface com a história da

ciência, com a história ambiental e com a cultura, obviamente. Ou seja, será também um

elemento de articulação entre elas.

1.4 O paradigma indiciário.

A ideia da relação entre ciência e sociedade é quase senso comum entre os

historiadores da ciência20

, e segundo Moema Vergara a ligação entre ciência e cultura também se

tornou quase senso comum:

“A ideia da íntima ligação entre a ciência e a cultura de modo geral já é

senso comum em nosso meio intelectual. O que nos interessa agora é

estabelecer os percursos desta relação, bem como perceber suas

manifestações na sociedade” (VERGARA, 2007, p. 108).

A afirmação de Vergara remete a uma contradição instigante da sobre a relação entre

discurso e prática: como essa ideia de ligação entre ciência e cultura pode ter se tornado senso

comum, se os percursos dela (da relação) e de suas manifestações na sociedade não foram ainda

estabelecidos? Se os percursos dessas relações ainda não foram estabelecidos, trata-se apenas de

um discurso vazio, isto é, sem correspondência na realidade. Em outras palavras, provavelmente

a história da ciência ainda não estudou o suficiente daquilo que se propõe. Por enquanto, são

poucos os que de fato se aventuraram por essas veredas.

Vergara tem razão. Quando se fala em contextualizar a ciência se pensa em contexto

social (para os marxistas, a luta de classes e exploração, por exemplo), econômico (utilidade,

produtividade, melhor aproveitamento dos recursos naturais) e político (pensada em termos,

sobretudo, da relação com o Estado e/ou nação). Entretanto, não se pensa em contexto cultural

19

As revistas agronômicas de um modo geral também foram negligenciadas história da agronomia e história agrária,

pois os estudos específicos sobre elas são muito recentes. Na história da ciência, passaram a ocupar timidamente um

espaço apenas neste século. 20

A ideia da relação entre meio ambiente e sociedade também é quase senso comum entre os pesquisadores da

história ambiental.

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em seu sentido mais usual: na sua relação com as artes em geral21

. Ermelinda Pataca, que foi a

inspiração inicial para que se pensasse na relação entre ciência e arte, a fez de forma restrita ao

objeto de sua pesquisa: não pensou no alcance das expedições científicas na cultura artística

portuguesa e europeia de um modo geral. Ou seja, analisou as obras de arte produzidas no

contexto da expedição sem extrapolar esse limite e nem era esse seu objetivo.

Moema Vergara mostrou uma rara sensibilidade ao apontar essa contradição. E

possibilitou a construção de uma trilha para construção deste trabalho: como os estudos da

Comissão Geográfica e Geológica relativos às áreas de campo e o projeto de modernização da

agricultura atingiam outras áreas da cultura, tais como literatura, artes plásticas, por exemplo?

Mas, como desvendar esse percurso? Parte da resposta a essa questão já foi indicada

anteriormente. Sendo a ciência parte da cultura, como aponta Pestre, tendo poucas fontes e

apenas indícios muitas vezes insuficientes e lacunas a serem preenchidas com a finalidade de

atribuir sentido aos silêncios, optou-se por usar fontes literárias e por analisá-las através do

“paradigma indiciário” de Carlo Ginzburg.

É rotineiro ouvir-se a expressão “o paradigma indiciário de Carlo Ginzburg”.

Expressão imprecisa, certamente, porque o próprio Ginzburg reconhece que esse paradigma22

surgiu ao final do século XIX e que sua importância reside no fato de permitir “sair dos

incômodos da contraposição entre “racionalismo” e “irracionalismo” (GINZBURG, 1989,

p.143). Este conflito entre o paradigma galileano (ou da ciência moderna) e o indiciário foi

abordado por Fernanda Keila Marinho da Silva, na sua tese de doutorado Rastros e

Apropriações no Projeto Geociências e a Formação de Professores em Exercício no Ensino

Fundamental, de 2009.

Para Ginzburg, falta a este paradigma uma sistematização teórica, que é o que ele

pretende com o artigo “Sinais, raízes de um paradigma indiciário”. Para a finalidade desse

21

Uma exceção notável é a Revista História Ciência e Saúde - Maguinhos, que publicou um suplemento

especialmente dedicado ao tema: Para que um diálogo entre ciência e arte? Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de

Janeiro, 2006. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-

59702006000500001&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 27 maio 2011 22

Ginzburg (1989) usa a palavra paradigma no sentido de “modelo epistemológico”, numa clara alusão Thomas

Khun, conforme nota de fim número 1, p. 260.

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trabalho, serão apontadas apenas três características desse método: os sinais e pistas, as

características desses sinais (ínfimo, negligenciável, sem importância) e singularidade do objeto

em análise. Tarefa difícil porque esses níveis se entrecruzam e são interdependentes.

Como e quando surgiu o “paradigma indiciário” são as perguntas que Ginzburg se

coloca. Há vestígios dele desde tempos imemoriais, de quando o homem era caçador, e teve de

aprender os sinais indicativos da presença dos animais a serem abatidos. A pegadas deixadas no

solo, as fezes, pelos, sons, dentre outros, seriam indícios. Esse saber produzido passava de

geração em geração pela tradição oral e de certa forma ainda persiste em sociedades que praticam

a caça. Os caçadores brasileiros, quando saem à procura de um cervo para matar, sabem da

capacidade que esses animais têm de se esconder em moitas, onde, dado sua camuflagem, se

tornam quase invisíveis. Sabem também que existe um determinado tipo de mosca que

acompanha esses animais e que fica em bando voando sobre eles. Encontrar esses insetos

voejando sobre uma moita é um indicativo de que ali existe grande probabilidade de estar

amoitado um veado. Esse tipo de saber se perpetuou através das fábulas e dos mitos.

Ou seja, desde tempos muito remotos o homem aprendeu a ler os sinais na natureza.

Porém, apesar de existirem no real, as práticas venatórias também se tornaram “metáforas” de

uma determinada forma de ler o mundo a partir de sinais presentes nos céus (a arte divinatória), a

partir do terceiro milênio a.C., na Mesopotâmia, as quais também foram importantes no processo

de construção da linguagem escrita, que durou um tempo longuíssimo para se constituir. Os

textos divinatórios mesopotâmicos apresentam uma forma de se ler o futuro nos astros através

dos indícios que o adivinho “vê” neles. Considerando que o os textos divinatórios são fontes

históricas, ler e interpretar neles esses indícios já faz parte do método histórico.

Tanto para a compreensão do seu uso nas práticas venatórias, quanto nos textos

divinatórios mesopotâmicos, Ginzburg argumenta que “ambos pressupõem o minucioso

reconhecimento de uma realidade talvez ínfima, para descobrir pistas de eventos não

diretamente experimentáveis pelo observador” (GINZBURG, 1989, p. 133). O autor reconhece

que a “atitude cognoscitiva era, nos dois casos, muito parecida; as operações intelectuais

envolvidas - análises, comparações, classificações -, formalmente idênticas” (GINZBURG,

1989, p. 133).

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Essa é a primeira característica do paradigma: reconhecer minuciosamente uma

realidade para descobrir pistas de eventos talvez não diretamente experimentáveis pelo

observador. Quando transposto para o conhecimento histórico, significa reconhecer realidades

históricas não perceptíveis por métodos que tenham a preocupação de síntese histórica a partir de

fontes documentais clássicas, que são aquelas consideradas válidas pelo positivismo, sobre tudo

as cartoriais. O esgotamento dessas fontes levou o historiador à busca de novas modalidades

delas, o que por sua vez levou a novos temas. Pode ocorrer o contrário: a presença de novos

objetos levou a novos tipos de fontes23

e novas interpretações. Essas pistas, “talvez infinitesimais

permitem captar uma realidade mais profunda, de outra forma inatingível” (GIZBURG, 1989, p.

150).

Para Ginzburg, “se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas - sinais indícios

- que permitem decifrá-las” (GINZBURG, 1989, p. 177). Seu uso é contraditório, pois é usado

para elaborar formas de controle social no capitalismo avançado, mas esse quadro é possível de

ser invertido, pois pode ser usado também como instrumento para desvendar as formas de

controle ideológicos:

“o mesmo paradigma indiciário usado para elaborar formas de controle

social sempre mais sutis e minuciosas pode se converter num instrumento

para dissolver as névoas da ideologia que, cada vez mais, obscurecem

uma estrutura social como a do capitalismo maduro” (GINZBURG,

1989, p. 177).

Em outras palavras, Ginzburg recomenda seu uso como instrumento de combate às

ideologias predominantes no capitalismo.

Embora reconheça que essa forma de pensar já exista há milênios, Ginzburg vê a

criação do paradigma indiciário em três autores do século XIX, nenhum deles historiador: o

23

Esse é caso dessa tese: as terras de campo são pouco documentadas, sendo, portanto ínfimas, e isso exigiu o uso de

fontes pouco convencionais. Bem como uma abordagem através do paradigma indiciário.

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47

médico24

e crítico e historiador da arte Giovanni Morelli, o também médico Sigmund Freud e

Arthur Conan Doyle, médico e autor de romances policiais.

Morelli desenvolveu um método para diferenciar quadros autênticos dos falsos nos

museus europeus. Consistia em se ater aos detalhes negligenciáveis das obras e não as

características marcantes dessas: detalhes singulares de orelhas, mãos, pés e outros presentes com

abundância de minudências e com características individuais e exclusivas dos artistas marcantes

nos originais, mas que eram negligenciados pelos falsários, bem como pelos colecionadores, que

obviamente, não comprariam a obra. “Detalhes negligenciados” usados como elementos de

cognição da realidade, esse é o segundo ponto do método indiciário. No trabalho do historiador,

são os temas e as fontes consideradas insignificantes por outras formas de escrever a história.

Detalhes negligenciados, no trabalho do historiador remetem às fontes desprezadas, ou

menosprezadas pela historiografia, bem como a objetos estudados secundariamente ou

marginalmente, ou apenas tangenciados dentro de obras importantes, nas quais eles não eram

pertinentes.

Arthur Conan Doyle fazia uso de princípio semelhante: o detetive de seus romances

descobria autor do crime baseado em detalhes que eram imperceptíveis para a maioria. Essa

proximidade entre os métodos de Morelli e Doyle foi percebida por E. Castelnuovo25

, em artigo

publicado em 1968. Essa analogia é importante, porque coloca o método indiciário como

metáfora do trabalho de um detetive26

, que identifica “pegadas na lama, cinzas de cigarro etc”.

São os detalhes negligenciáveis de que se vale Holmes, a personagem de principal de Doyle, para

capturar os criminosos, assim como Morelli se valia deles para identificar os objetos falsificados.

Compete ao historiador identificar as pistas e decifrá-las.

24

Segundo Ginzburg, a Semiologia médica encontra-se também nas raízes do paradigma indiciário. Trata-se de

estabelecer diagnósticos a partir de informações ínfimas de sintomas relatados pelo paciente. O seriado televisivo

Hause, trata a conduta médica de forma semelhante ao trabalho de um detetive. 25

Ginzburg, na nota de fim nº 8, p. 261, remete a “E. Castelnuovo, "Attribution", em Encydopaedia universalis, vol.

II, 1968, p. 782”. 26

Christina Helena Barboza (1997), ao resenhar o livro da historiadora Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa, “As

ciências geológicas no Brasil: uma história social e institucional - 1875-1934”, com sensibilidade, o qualificou

como sendo um trabalho de detetive.

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A relação entre novelas policiais e o trabalho do geólogo já haviam sido notadas por

Conrado Paschoale, no artigo “Dupin Geólogo? Uma abordagem semiótica para a geologia e o

conto policial” apresentado no I Colóquio Brasileiro de Teoria e História do Conhecimento

Geológico, realizado na Unicamp em 1988 e publicado por Margaret Lopes e Silvia Figueirôa no

livro “O Conhecimento Geológico na América Latina: questões de História e Teoria”, de 1990.

Pascchoale tem como referência a semiótica tal como foi desenvolvida por Peirce27

e outros. Para

esse autor o trabalho de ambos são próximos porque se valem dos mesmos procedimentos. Há,

portanto,

“um paralelo entre duas formas de semiose, da Geologia e do

desenvolvimento da história de detetive, nos moldes definidos por Edgar

Allan Poe. Este paralelo nos indica que, ao contrário do que poderíamos

imaginar, não estamos lidando com duas práticas ou processos de

raciocínio que possuiriam pontos em comum, mas com duas variantes de

um mesmo procedimento lógico, cuja principal característica é o dado

fortemente abdutivo28

que o fundamenta. Estamos defronte, tanto pela

Geologia como por esta estrutura lógica presente na narrativa de Poe, de

um fazer particular, mas que, todavia não é absolutamente exclusivo

destas práticas; apenas nelas, este fazer aflora com todo seu vigor.”

(PASCHOALLE, 1990, p. 257).

Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa também se valeu da Semiótica de Pierce para

analisar o material iconográfico produzido pela CGG em sua dissertação de mestrado, Modernos

bandeirantes: A Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo e a exploração científica do

território paulista, de 1987.

De acordo com Ginzburg, o método de Morelli na análise da autenticidade de uma

obra de arte, que havia impressionado os literatos, impressionou também a Freud, que via

semelhanças entre ele e o método psicanalítico:

“Creio que o seu método está estreitamente aparentado à técnica da

psicanálise médica. Esta também tem por hábito penetrar em coisas

concretas e ocultas através de elementos pouco notados ou

27

PEIRCE, C.S., Collected Papers, 8 vol. ed. C.Hartshorne, P.Weiss, e A.Burkes, Cambridge, MA, Harvard Univ.

Press, 1983-1958. Autor, aliás, também citado por Ginzburg. 28

Paschoale (1990, p. 250), baseado em Peirce, define abdução como sendo “a adoção de uma hipótese cuja

consequência é passível de verificação experimental”.

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desapercebidos, dos detritos ou “refugos” da nossa observação”

(FREUD, apud GINZBURG, 1989, p. 147).

Para Ginzburg, 1989 (p. 148) o reconhecimento feito por Freud da influência de

Morelli sobre o método psicanalítico, garante ao médico italiano “um lugar especial na história

da psicanálise.”. Para ele a influência de Morelli sobre Freud é “uma conexão documentada e

não [uma] conjectura”.

Como característica básica da psicanálise freudiana no paradigma indiciário encontra-

se:

“a proposta de um método interpretativo centrado sobre os resíduos,

sobre os dados marginais, considerados reveladores, Desse modo,

pormenores normalmente considerados sem importância, ou até triviais,

“baixos”, forneciam a chave para aceder aos produtos mais elevados do

espírito humano” (GINZBURG, 1989, p. 149).

Entretanto, alguns cuidados precisam ser tomados. Freud tinha por objetivo a cura de

doenças neuróticas. Seu método de interpretação dos sonhos é que fazia uso desses detalhes, que

estavam presentes nos relatos do paciente. Foi da reflexão sobre sua experiência clínica, dos

casos estudados por ele, que se constituiu a base do método psicanalítico29

. O historiador só pode

pensar esse método como analogia, uma vez que lida com finalidades e objetos de natureza

diferente. Ou seja, na prática historiográfica seu uso assume características diferentes. Ginzburg

está a sugerir que as fontes históricas precisam ser interrogadas por procedimentos semelhantes

ao método psicanalítico: prestando-se atenção aos detalhes, aos negligenciados, ao trivial, aos

silêncios e ausências, entre outros. Os detalhes triviais são poucos notados exatamente por ser

triviais, daí prestar-se pouca atenção a eles. Porém, indo além, a trivialidade pode produzir

estranhamentos, quando olhada mais detidamente. Pode-se ver ou entrever algo “que costuma ser

ocultado pelo hábito e pela convenção” (GINZBURG, 2001, p. 29).

No caso da obra de arte, as ideias de Morelli sobre os detalhes negligenciados,

causavam estranhamento e oposição em sua época e ele se defendia de acusações sobre o trato

que dispensava à obra de arte:

29

Freud também analisou algumas obras de Leonardo da Vince a partir desse método. Historiadores atualmente têm

menos restrições ao uso do método psicanalítico na reconstituição do passado. Peter Gay é um exemplo.

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50

“comprazem-se em me julgar como alguém que não sabe ver o sentido

espiritual de uma obra de arte e por isso dá uma importância particular

a meios exteriores, como as formas da mão, da orelha e até, horribile

dictu, de um objeto tão antipático como as unhas” (GINZBURG, 1989, p.

149).

Morelli via nesses detalhes a expressão da individualidade do artista, pois esses

detalhes estavam livres das amarras das convenções culturais. Eram, portanto, um espaço de

exercício da liberdade e da singularidade. Era onde o artista não precisava ficar preso às amarras

do social: aquilo que não era percebido pelos homens comuns, proporcionava ao artista uma

satisfação que não poderia encontrar em outros espaços, isto é, a sensação de ser especial, único.

São eles que tonam suas obras praticamente inimitáveis.

Para Freud, eram as expressões dos sintomas mentais ou comportamentais do doente

que poderiam revelar o que ele tem interiormente de mais nobre. A expressão verbal dos detalhes

sórdidos desses sintomas que caracterizam as neuroses eram apenas um meio de se chegar à

individualidade e à cura. Tanto Freud, quando Morelli, propunham, portanto, um processo

cognitivo com características similares com objetivo de desvendarem realidades diferentes. Os

historiadores seguem numa direção semelhante: veem nos detalhes reveladores uma opção para a

interpretação das fontes históricas e na seleção de novos objetos.

Embora façam usos semelhantes das “pistas” enquanto processo cognitivo em

procedimentos para o desvelamento de realidades diferentes, e exatamente por isso, isto é, por

tratarem realidades diversas, nos três autores a quem Ginzburg atribui à autoria do paradigma

indiciário a palavra “pistas” tem significados diferentes: “sintomas (no caso de Freud), indícios

(no caso de Sherlock Holmes), signos pictóricos (no caso de Morelli)”. (GINZBURG, 1989, p.

150).

Ao usar simbolicamente, como metáfora desse método, a construção de um tapete,

cujas tramas se entrelaçam por todos os lados, Ginzburg diz que ele se transforma numa trama

densa e homogênea, e que para construí-lo é preciso se olhar para todos os lados. Diz que o

paradigma, embora com características cognitivas em comum, recebe nomes diferentes conforme

o “contexto” em que se apresenta: venatório, divinatório, indiciário ou semiótico, mas que os

processos cognitivos são os mesmos:

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“Trata-se, como é claro, de adjetivos não-sinônimos, que, no entanto

remetem a um modelo epistemológico comum, articulado em disciplinas

diferentes, muitas vezes ligadas entre si pelo empréstimo de métodos ou

termos-chave.” (GINZBURG, 1989, p. 170).

Essa constatação se reveste de importância capital, pois esse modelo cognitivo pode

ser encontrado em obras de cientistas de disciplinas diversas, sobretudo nos naturalistas. Compete

ao historiador identificá-los e analisá-los.

A terceira característica do paradigma indiciário que diz respeito a esta tese é a

singularidade, não conforme o exposto acima, mas de certa forma associado a ela. Segundo

Ginzburg (1987), o método indiciário não trabalha com o representativo de uma época, com o

“comum”, no sentido de “médio”, mas com o singular, entendido como aquilo que é destoante.

Esse destoante se caracteriza por se tornar, de alguma forma, inaceitável para sua época, daí se

privilegiar os chamados documentos de repressão. Como exemplo, pode mencionar seja um

individuo (Menocchio, Saccardino, Martin Guerre, Benedetta Crivelli dentre outros30

) ou um

grupo, uma seita como os benandanti31

. Na Europa renascentista, ser destoante significava não

seguir os dogmas da igreja católica e, daí, estar sujeito aos processos do Santo Ofício, que

reprimia esses “desvios”. Também pode ser usado para se entender temas relativos à cultura

popular antes do surgimento do capitalismo. No Queijo e os Vermes ambos se confundem. São

todos estudos de micro-história.

No contexto brasileiro, o paradigma indiciário também tem sido usado para tratar

temas semelhantes ligados à cultura popular, usando-se também de documentação “ligadas à

repressão”, tais como leis, posturas municipais, processos criminais, dentre outros. Um exemplo

pode ser um estudo despretensioso: a monografia de conclusão de curso de Glauco Marcelo

Aguilar Dias (2008) sobre a presença de religiões afro-brasileiras em Porto Alegre, em meados

dos Oitocentos.

Hebe Maria Mattos de Castro e Eduardo Schnoor (1995), que estudaram a Fazenda

Resgate usando a micro-história, em Bananal, SP, mostram que o uso deste método não deve

30

Personagens de Ginzburg, Natalie Zemon Davis e Judith Brown. 31

Cf Ginzburg 1988: os “Andarilhos do Bem”.

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necessariamente ficar restrito à cultura popular, isto é, que é possível também estudar dessa

maneira os personagens das elites, sobretudo, quando as fontes guardam especificidades

características ao paradigma indiciário. O determinante nesse caso é a escala do objeto e as

características das fontes disponíveis, que são: um espaço geográfico com limites bem definidos -

a Fazenda Resgate; e uma documentação muito específica, que são os arquivos administrativos

da fazenda. Os autores foram bem sucedidos em escrever a história a partir desse espaço ínfimo e

de documentação exígua.

Embora contenha muitos elementos de micro-história, é desconfortável qualificar esta

tese enquanto tal, pois a recorrência à história da ciência e a história ambiental a torna mais

ampla. O paradigma indiciário foi nela tomado como forma de seleção e tratamento das fontes,

mas ao ser acrescida de outras contribuições metodológicas, acabou por perder um pouco de

tipicidade da micro-história.

Enfim, essas são as principais características do caminho percorrido para a construção

dessa tese. No decorrer do trabalho, cada vez que uma implicação metodológica diferente das

apontadas se fizer necessária, será explicitada ao leitor. Autores como Sandra Jatahí Pesavento,

Arthur Soffiati, Paulo Henrique Martinez, dentre outros, trouxeram contribuições esclarecedoras.

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2 A SOCIEDADE PASTORIL E AGRÍCOLA E A REVISTA AGRÍCOLA.

O objetivo desse capítulo é apresentar aos leitores os principais atores da agricultura

paulista, suas entidades de representação de classe e a Revista Agrícola, veículo de expressão da

classe e espaço de divulgação científica multidisciplinar de assuntos referentes às coisas do

campo e não apenas das Ciências Agronômicas.

A Sociedade Pastoril e Agrícola não foi a primeira organização classista de

agricultores do estado de São Paulo. A pioneira na defesa da agricultura paulista foi a Sociedade

Auxiliadora de Agricultura, Comércio e Artes, fundada em 1853, por “59 sócios fundadores

[que] eram não apenas agricultores e industriais, mas líderes em todas as esferas: padres,

engenheiros, professores, políticos”. (MORSE, 1970, p. 149).

A entidade

“conclamava os lavradores a deixarem de lado velhas “usanças

exóticas” e a cessarem de opor-se às “verdades dos novos conhecimentos

agrários”. - O comércio devia ser nacionalizado, e seus lucros

permanecerem no país. E o trabalho escravo devia ser substituído por

métodos mais consentâneos com o progresso e a prosperidade.32

“.

(MORSE, 1970, p. 150).

Seu modelo era a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, fundada no Rio de

Janeiro, em 1828. Embora em seus objetivos falasse em “novos conhecimentos agrários”, não há

referência explícita à aplicação da ciência à agricultura e nem sobre como esse conhecimento

seria obtido. Não menciona a criação de instituições científicas.

Dentre seus objetivos e atividades destacam-se:

“adquirir e difundir informações sobre maquinaria agrícola

(patrocinando para esse fim uma exposição na Capital); sobre como

produzir melhores qualidades de chá, vinho, gado, lã etc.; sobre a

descoberta de novos produtos que pudessem adaptar-se ao solo e ao

32

Morse se apoia em O Indústrial Paulistano - jornal da Sociedade Auxiliadora de Agricultura, Comércio e Artes

estabelecida na capital de S. Paulo (2 vol., São Paulo, 1854-6).

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clima paulistas. Introduziram também novas sementes de fora”.

(MORSE, 1970, p. 150).

Como se pode observar, o café em 1853, ainda não ocupava um lugar de destaque

entre as culturas que deveriam receber melhorias. E das outras atividades agropecuárias

mencionadas, nenhuma era relevante nas exportações brasileiras.

Seu periódico era O Indústrial Paulistano, mas não há dados sobre sua

receptividade junto aos agricultores. Chegaram a organizar uma exposição de máquinas agrícolas,

mas também não há informações disponíveis sobre sua efetividade. Teve um sócio

correspondente nos Estados Unidos33

, encarregado da compra de máquinas agrícolas, mas não se

têm notícias sobre os resultados efetivos na compra de maquinários.

Enfim, a Sociedade Auxiliadora de Agricultura, Comércio e Artes teve vida efêmera

e, assim como as propostas de José Bonifácio em anos anteriores, caiu no esquecimento. Muito

provavelmente as tentativas de modernização da agricultura dos meados do século XIX da

Sociedade Auxiliadora de Agricultura, Comércio e Artes não tiveram a adesão dos fazendeiros,

sem os quais não pode haver reforma da lavoura, no sentido da implantação de métodos

científicos. A resistência dos fazendeiros em abandonar os “métodos exóticos” parece ser um

indício disso, bem como a própria composição social dos membros fundadores da entidade que,

mesmo contando com tão poucos sócios34

, possuíam ocupações variadas, tais como: eram

industriais, padres, engenheiros e políticos Entretanto, cabe ressaltar que embora muitas vezes

exercendo cargos políticos ou ocupando funções industriais (possivelmente agroindustriais)

urbanas, muitos deles poderiam ser também fazendeiros. A falta de instituições científicas e de

ensino agrícola também deve ter contribuído para sua pouca duração: afinal, não se pode fazer

agricultura científica sem ciência. Os fazendeiros empresários que modernizaram a agricultura

paulista meio século mais tarde desconsideravam as tentativas anteriores e se portavam como

pioneiros.

33

“Em outubro de 1853, a Sociedade escreveu uma carta a Nathaniel Sands, cidadão dos Estados Unidos,

tornando-o seu membro honorário em vista dos serviços prestados na introdução de maquinaria agrícola, e

indagando em que termos ele poderia tornar-se "correspondente para a aquisição de aparelhos e instrumentos

agrários, que a Sociedade pretende mandar vir dos Estados Unidos, a fim de que possam servir de modelo para os

que se houverem de ocupar na lavoura” (MORSE, 1970, p. 150). 34

Os sócios fundadores eram em número de 59.

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Nilton de Almeida Araújo (2010), que estudou a implantação da agronomia enquanto

saber científico na Bahia, mostrou que desde 1832 havia em Salvador uma entidade semelhante à

Sociedade Auxiliadora de Agricultura, Comércio e Artes de São Paulo, também inspirada na

SAIN. Para se perceber as dificuldades de sua congênere paulista, basta mencionar que, em 1836,

Sociedade de Agricultura, Comércio e Indústria da Província da Bahia (SACIPBA) tinha “um

quadro nominal de Sócios Efetivos [que] atingia 276 membros (com 110 pagando as joias e

contribuindo com os mensais), 22 honorários e 6 Correspondentes Estrangeiros.” (ARAÚJO,

2010, p. 65). A maior efetividade da entidade baiana em relação à paulista se devia à força da

agricultura daquela região, pois a Bahia exportava açúcar e tabaco. A Escola Bahiana de

Agronomia tem sua origem nos esforços da SACIPBA. Se comparada à entidade baiana, percebe-

se a precariedade da entidade paulistana.

Em 30 de março de 1895 foi fundada uma nova associação de fazendeiros, a

Sociedade Pastoril e Agrícola do Estado de São Paulo35

, em uma reunião convocada por meio da

imprensa pelo Sr. Domingos José Nogueira Jaguaribe Filho, na qual compareceu um grande

número de fazendeiros de várias partes do estado ou mandaram seus respectivos representantes.

Seu propósito era o de fomentar a agricultura paulista e, sobretudo, a indústria pastoril. Seus

propósitos seriam divulgados pela Revista Agrícola, cuja criação foi deliberada nesse primeiro

encontro dos associados.

A principal meta da Sociedade era o aperfeiçoamento da indústria pastoril tendo por

inspiração outras indústrias que aplicavam “lições teórico-práticas” no cotidiano de seus

trabalhos. Trata-se de uma alusão à agricultura científica e seus métodos racionais de cultura. A

palavra “indústria” no século XIX significava qualquer atividade produtiva, não tendo, portanto o

significado especializado que tem hoje, que é o de produção fabril. A pecuária era considerada

um atividade atrasada, pois ainda era praticada de maneira convencional36

, o que permitia aos

nossos vizinhos do Rio da Prata “concorrerem com vantagem nos mais importantes mercados do

país (...) com seu gado, seus cavalos e seus carneiros.” (REVISTA AGRÍCOLA, 1895, nº1, p.

35

O uso do vocábulo “Pastoril” no nome na entidade já é um indicativo de mudança de concepção a respeito de

como deveria ser feita a ocupação econômica do solo paulista. 36

Pecuária tradicional é aquela em que as rezes que vivem “nos vastos campos, entregues a si mesmas, criadas ás

leis da natureza, reproduzindo espontaneamente e vivendo ao grande ar, provendo independentes a sua alimentação

e sem cuidados especiais e permanentes.” (REVISTA AGRÍCOLA, 1895, nº1, p. 4).

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1). Pretendiam elevar o rebanho bovino do estado, de cerca de 500 mil, para quatro milhões de

cabeças. Argumentavam que não precisariam de muito esforço para tanto, dado a disponibilidade

de grandes áreas de pastagens naturais disponíveis (as invernadas) no estado. O objetivo da

Sociedade Pastoril e Agrícola, portanto, era o de expandir e modernizar a pecuária dentro de

padrões internacionais, cujo modelo inicial era os países platinos. Por pecuária moderna entenda-

se aquela praticada com o concurso da ciência.

A Sociedade Pastoril e Agrícola chegou à conclusão de que se deveria fomentar a

indústria pastoril a partir da leitura das cartas geográficas do estado: “Com efeito, a simples

inspeção de nossa Carta Corográfica está mostrando que o nosso Estado, ao mesmo tempo que

agrícola, é eminentemente pastoril” (REVISTA AGRÍCOLA, 1895, p. 1). Ora, quem elaborou

a Carta Corográfica do estado foi a Comissão Geográfica e Geológica. Portanto, o saber

científico produzido pela CGG estava na origem da Sociedade Pastoril e Agrícola, pois de sua

leitura pode-se constatar que a maior parte do território paulista era composta por campos,

naturais ou não, e que eles eram apropriados à implantação da pecuária. Talvez seja esse o

primeiro indício concreto da colaboração fértil entre essa entidade científica e a agricultura

paulista.

A região de campos nativos, onde se pretendia implementar a pecuária racional, era

estimada em 18 milhões de hectares, e era considerada inaproveitável para o café, a principal

lavoura do estado, para a qual se preferiam as regiões de matas virgens que já haviam sido

ocupada em dois quintos de seu vastíssimo território de 12 milhões de hectares. Ou seja, estes

dois quintos equivaliam, naquela época, à porção de mata Atlântica, que em 1895 já havia sido

derrubada. Em percentual, cerca de 40% já não existiam mais37

. Estimava-se que a cafeicultura,

ainda por alguns anos, isto é, enquanto houvesse área de matas virgens aproveitáveis, não se

interessaria pelas áreas de campo, que estariam, portanto, disponíveis para a pecuária. Não se

cogitava ainda a ocupação das terras cansadas, abandonadas pela lavoura cafeeira ou por outras

culturas.

37

Em 1911, no artigo “Devastação e Conservação das Matas” (p. 497), Ihering afirmava que as florestas

correspondiam a “26 por cento” no estado de São Paulo. Hoje restam cerca 7%, em sua maioria na Serra do Mar.

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Fica, portanto, evidente que os fazendeiros estavam, inicialmente, se reunindo não em

torno do principal produto, do mais rentável, o café, mas da pecuária, que poderia significar uma

boa fonte de ganhos no futuro, em substituição às importações platinas e até mesmo para

exportação. “Exportar” não tinha apenas o significado restrito de se vender para o exterior do

país, mas se referia também a todas as transações comerciais realizadas com outros estados

brasileiros.

Embora a pecuária fosse o foco de suas preocupações e, em 1895, a conjuntura em

relação à produção cafeeira ainda estivesse tranquila, isto é, ainda não se podia falar em crise, a

análise de dados estatísticos de relativa segurança revelava aos cafeicultores “um estado de coisas

que deveria solicitar nossa atenção” (REVISTA AGRÍCOLA, 1895, p. 2). Não há como negar

que o café rapidamente tornar-se-á o assunto principal da Sociedade Pastoril e Agrícola e de sua

revista, sobretudo a partir da crise de superprodução no início do século XX, quando os preços

caíram drasticamente. Novas formas de cultivo com uso de maquinário, novas variedades de

plantas mais produtivas ou mais resistentes, estrumação, uso de adubos químicos, as pragas do

cafeeiro, o transporte (ferrovia, portos fluviais e marítimos), imigração e colonização se tornaram

temas recorrentes.

Ao final do século XIX, o café ocupava 98% da nossa lavoura. Todos os outros

gêneros eram importados, e isso gerava preocupação:

“Para tal situação de coisas que, em dadas emergências, pode, como

vimos ser fatal, ao nosso desenvolvimento futuro, contínuo e progressivo,

e no presente depaupera a economia nacional, distraindo em seu prejuízo

e em favor da agricultura estrangeira recursos importantes, só existe, é

intuitivo, um corretivo seguro: é a instalação de uma indústria agrícola

mais variada, que venha desdobrar a riqueza particular, fortalecendo a

riqueza publica.” (REVISTA AGRÍCOLA, 1895, nº 1 p. 3)

Propunham, portanto, uma política de substituição de importações, que não recebia

essa ainda essa denominação, típica de épocas posteriores e o consequente fortalecimento do

Estado, cuja arrecadação de imposto aumentaria. Os membros da Revista Agrícola viam na

diversificação de produção a ampliação das possibilidades de ganhos com a retenção no país dos

recursos destinados a pagar pelas importações.

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A questão da policultura não aparecia como alternativa à lavoura cafeeira, isto é, não

se pretendia, quando da fundação da Sociedade Pastoril e Agrícola, a substituição do café por

outros cultivares e nem pela pecuária. Os preços do café estavam em alta e não se conjecturava

ainda de maneira clara uma crise na produção. A diversificação das plantações não será

incorporada efetivamente como bandeira pelos cafeicultores, apesar da intensa propaganda em

seu favor, e esse tema persistirá como meta até a extinção da Revista Agrícola e de sua

sucedânea O Fazendeiro, em 1921. Ela somente foi implantada onde a cultura do café não era

possível.

O que se observava e se temia era a dependência do Estado em relação às

importações estrangeiras, o que numa situação de conflito internacional poderia gerar problemas

de abastecimento e a sangria de recursos para o exterior usados na compra de produtos que

poderiam ser produzidos por aqui mesmo. Ou seja, os recursos gastos com importações poderiam

ficar no estado e continuar fazendo parte do patrimônio dos produtores.

Os objetivos da Sociedade Pastoril e Agrícola eram

“- Promover a prosperidade material e moral da lavoura e da indústria

pastoril, estudando e resolvendo as questões agrícolas mais importantes;

- Cooperar para o desenvolvimento da colonização espontânea;

- Contribuir para manter o bom desenvolvimento da Indústria pastoril,

introduzindo bons reprodutores.

- Reclamar dos poderes constituídos medidas que lhes forem úteis;

- Manter na capital e em outros lugares uma casa para depósito de

máquinas e instrumentos aratórios, fazer encomendas diretamente para o

associado, e, sendo possível, estabelecer agências;

- Promover expansões agrícolas, fazer propaganda por meio de comícios

rurais;

- Manter um estábulo para animais de raça”. (REVISTA AGRÍCOLA,

1895, p. 1).

No primeiro objetivo, os fazendeiros deixam claro a que vieram: promover a

prosperidade material e moral da lavoura e da pecuária, ou seja, queriam auferir lucros. Como

fazê-lo? Estudando e resolvendo questões agrícolas mais importantes. Ainda não estava

claramente definido o uso das ciências para a resolução de problemas e nem a implantação do

ensino agrícola, mas estes se tornarão em breve um objetivo explícito.

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Quanto à colonização espontânea, a expressão carrega uma ambiguidade: pode ser

entendida como vinda de colonos estrangeiros38

, era uma meta importante, mas era destinada à

lavoura cafeeira, não à pecuária. Ou simplesmente o povoamento do território pela expansão da

fronteira agrícola. É uma expressão rotineira, no sentido apontado por Ginzburg, e enquanto tal,

de tão corriqueira, deixa-se de ater a ela. Todavia quando se observa com acuidade percebe-se

que ela pode significar algo mais além do o explicitado.

O s fazendeiros exigiam a importação de bons animais reprodutores (touros e vacas

de raças europeias), o que até então era, e ainda por um bom tempo será, uma iniciativa de

particulares (Carlos Botelho, no seu Jardim de Aclimação, talvez seja o mais importante

importador).

“Reclamar dos poderes constituídos medidas que lhes forem úteis” demonstra o

caráter claramente político e classista da SPA. Reclamar nesse caso tem o sentido de reivindicar

e, desse modo, desejava-se interferir nos rumos da política do Estado. Propõe também que ela

seja uma espécie de cooperativa, isto é, que ela compre ou facilite a compra para seus associados

de maquinário agrícola que em 1895 era geralmente importado, conseguindo dessa forma

melhores preços do que se comprado diretamente no mercado.

Promover expansões agrícolas está diretamente relacionado com as cartas

corográficas da CGG: uma vez identificada às terras agricultáveis para o café, cumpria promover

sua ocupação, o que implicaria também na expansão das ferrovias, hidrovias e estradas de

rodagem. Quanto à expressão “fazer propaganda por comícios rurais”, nesse primeiro momento

não fica suficiente claro a respeito do que se tratava, se a respeito da expansão da fronteira

agrícola ou de proselitismo em favor da agricultura científica39

. Porém há uma vaga percepção

sobre a necessidade de contato com os agricultores e da necessidade de um trabalho educativo.

38

A colonização era subsidiada com verbas públicas. E as colônias fundadas posteriormente foram em grande parte

iniciativas estatais. 39

Tempos mais tarde o tema dos comícios agrícolas será a agricultura moderna. A partir de 1900 serão criados os

cursos itinerantes promovidos pela Secretaria da Agricultura, sob a orientação de Germano Vert, inspetor do

Segundo Distrito Agrícola (REVISTA AGRÍCOLA, 1900, p. 222). Serão ironizados por Monteiro Lobato no conto

”Luzeiro Agrícola”, de 1910. As relações entre fazendeiros tradicionais e inspetores agrícolas eram de

“desconfiança” mutua (VERT; MONTEIRO; REIS, 1900, p. 336).

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Quanto ao último objetivo - manter um estábulo para amimais de raça - está presente

a ideia de que isso liberaria os fazendeiros da cara manutenção desses amimais. Ou seja, queriam

a socialização dos touros e garanhões para tornar a melhoria do rebanho acessível a todos e,

possivelmente, evitar constrangimentos em ter de falar não ao “compadre” que pedia os

reprodutores emprestados para cruzarem com as fêmeas de seu rebanho, prática comum nas

fazendas, para se evitar a consanguinidade.

A Sociedade Pastoril e Agrícola estava pensando, em última instância, na diminuição

de custos para os fazendeiros através de atividades práticas como facilitar a importação de mão

de obra e animais de raça e na intervenção na formulação política agrícola do Estado.

Não há dúvidas de que quase todos esses objetivos serão perseguidos ao longo dos

anos pela Sociedade Pastoril e Agrícola e pela sua sucedânea Sociedade Paulista de Agricultura.

E a Revista Agrícola continuará a ser sua porta voz até seu fechamento, em1908. O Fazendeiro,

sua sucedânea, continuará a exercer esse papel.

Nos relatos sobre a primeira assembleia da Sociedade Pastoril e Agrícola não foi

possível saber se havia algum membro da Comissão Geográfica e Geológica entre os presentes. O

Conselheiro Antônio Prado, proponente de sua fundação, tornou-se sócio por procuração. A

primeira gestão da Sociedade Pastoril e Agrícola, que foi eleita nessa reunião teve como

presidente o Desembargador Dr. Bernardo Avelino Gavião Peixoto, como vice o Dr. Luiz

Vicente de Souza Queiroz, como secretário o Dr. Domingos José. Nogueira Jaguaribe Filho e

como tesoureiro o Dr. Carlos Botelho40

.

No primeiro número foram definidos como redatores os doutores Luiz Pereira

Barreto, Carlos Botelho e Domingos Jaguaribe, porém o corpo de colaboradores científicos não

havia sido estabelecido ainda. Havia uma observação na página inicial de que toda

correspondência deveria ser dirigida ao Dr. Jaguaribe, o que nos faz supor que era ele o

verdadeiro responsável pela Revista Agrícola. Embora não se possa provar, é quase certo que,

durante os três primeiros anos, ele de fato fora seu principal responsável.

40

Sobre dados biográficos da maioria das personalidades citadas, consultar Anexo II.

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2.1 - A Sociedade Pastoril e Agrícola e o Estado.

Em representação que a Sociedade Pastoril e Agrícola dirigiu ao Estado, publicada na

página 15 do primeiro número da Revista Agrícola, dentre outros itens apontados nela,

informava que

“o Governo ficava autorizado a dividir em 3 as zonas agrícolas e

pastoris do estado e [que] a Comissão Geográfica será encarregada pelo

Estado da descriminação dessas 3 zonas e será nomeado para cada uma

delas um fiscal da Indústria Pastoril”. (REVISTA AGRÍCOLA, 1895,

p. 15)

O tom impositivo com que ela se dirigia ao Estado causa, em princípio, certo

estranhamento, sobretudo, se contrastado com o objetivo de “reclamar dos poderes constituídos

medidas que lhes forem úteis”. Conforme já dito, reclamar neste contexto tem sentido de

reivindicar, mas o que a Sociedade Pastoril faz é uma imposição ao Estado dizendo o que ele

deveria fazer e a sobre qual seria a maneira dele proceder. Como os fazendeiros eram um ator

social muito forte, de poder econômico e político notáveis, esta confusão de esferas públicas (o

Estado) e a privada (a Sociedade Pastoril e Agrícola) era bastante previsível, pois muitos deles

eram empresários em diversos ramos de atividades, tais como, indústria, comércio (sobretudo o

de café), concessionários de serviços públicos, ocupavam cargos no Legislativo e Judiciário em

várias esferas. Ou seja, o tom impositivo é revelador das intenções: desejavam influenciar, talvez

até dirigir, a política agrícola do Estado.

Também se pode notar claramente o que era esperado da Comissão Geográfica

Geológica de São Paulo: um trabalho técnico. E é dessa forma, apresentando trabalhos técnicos e

científicos, contribuindo para o desenvolvimento da indústria agropecuária, que os principais

membros da CGG tomarão parte na Revista Agrícola, com exceção de Derby e Theodoro

Sampaio, que também apresentarão propostas, mas em nível de política agrícola, isto é, diretrizes

gerais que serviram de orientação na construção da plataforma política da SPA e em suas

reivindicações junto ao Estado.

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2.2 A Revista Agrícola.

Segundo Ana Luiza Martins, no último decênio do século XIX, na imprensa paulista,

a temática agrícola era a que mais crescia, e no

“quadro do periodismo, a agricultura era uma das temáticas que exigia

iniciativas, área de conhecimento por desvendar, campo profícuo para

atrair leitores, posto que se tratava do mais representativo assunto para

o país” (MARTINS, 2001, 283).

As “publicações agronômicas” tornaram-se um sucesso nos anos seguintes: “entre

1912 e 1930, conheceu um aumento da ordem de 47,8%, visando atualizar o homem do campo,

produzir conhecimentos valendo-se de especialistas da matéria” (MARTINS, 2001, 284).

A Revista Agrícola paulista era uma clara sucedânea de sua congênere carioca, a

Revista Agrícola (1860 - 1891), do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, (1869 - 1887)

que, não há como negar, foi uma das mais duradouras e significativas publicações da área

agrícola da história desse país41

. Mais do que a atualização do homem do campo, ambas

propunham a transformação radical da agricultura. A palavra “atualização”, usada por Ana Luiza

Martins, depois do advento da informática sofreu certo desgaste, e pode remeter a ambiguidades:

quando se faz um upgrade de um computador, ele, ao incorporar as últimas “atualizações”,

melhorou, mas a estrutura da maquina continua a mesma. No caso da agricultura as reformas

exigidas eram profundas e demandavam uma reforma radical no trato agrícola. As reformas

pretendidas estavam calcadas em métodos científicos de exploração do solo e na utilização de

maquinário agrícola em substituição aos métodos rotineiros, que utilizavam as queimadas como

forma de se limpar o terreno, exclusivamente o braço humano como força motriz e o nomadismo

quando o solo naturalmente se desgastava. Essa agricultura com origem na colonização

portuguesa, com influências indígena e africana, não necessariamente dos afrodescendentes, mas

41

Segundo Begonha Bediaga (2011, p. 144) A Revista Agrícola carioca “Em suas edições trimestrais, publicadas

ininterruptamente durante 22 anos, até 1891, apresentaram-se ao público 87 números e 5.165 páginas. Seus

principais objetivos eram divulgar os conhecimentos acerca das atividades rurais, promover o debate sobre as

novas tecnologias e ciências que despontavam na Europa e nos EUA em prol da agricultura e suas já adaptações à

realidade brasileira, além de discutir a 'crise' da mão de obra e a sua substituição por colonos e propagandear o

uso de máquinas e instrumentos agrícolas. A missão pedagógica da Revista se traduzia em ensinamentos ao leitor

sobre as vantagens de abandonar as práticas agrícolas tradicionais e rotineiras e incorporar novos hábitos no trato

com a planta e o solo, com apresentação de exemplos advindos, principalmente, dos países chamados civilizados”.

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devido também às experiências do império português naquele continente, era chamada de

tradicional ou, pejorativamente por seus detratores, de rotineira. O termo “empírico” talvez a

definisse melhor.

Ana Luiza Martins apresenta a Revista Agrícola, como sendo uma “publicação

mensal, de apresentação esmerada, sob a gerência de José Leite da Costa Sobrinho, reunia o

que de qualificado havia no conhecimento científico da matéria” (MARTINS, 2001, p. 285).

A Revista Agrícola, que deixara de circular em 1907, data que coincide com a morte

de um de seus principais redatores Antonio Luiz dos Santos Werneck42

, e O Fazendeiro, sua

sucedânea, que existirá até 1921

“eram de circulação nacional, contavam, cada uma em sua época, com

um amplo esquema de venda de assinaturas, com representantes em

algumas capitais e nas principais estações ferroviárias do interior. A

distribuição era feita pela via férrea até as estações e daí em diante pelo

chefe da estação, que era também representante dos correios, e se

encarregava de fazê-las chegar ao destinatário final, o fazendeiro”

(FERRARO, 2005, p. 10).

No primeiro número da Revista Agrícola não há a menção a respeito do grupo de

colaboradores, dos cientistas aos quais se refere Martins. Quanto aos cientistas ligados à CGG

havia apenas a colaboração de Hermann Von Ihering, com o artigo “As raças bovinas do Brasil”

(1895).

Entretanto, no segundo número foi apresentado um corpo de articulistas, que

representava os diversos ramos das ciências de alguma forma ligadas à agricultura e que atuava

nas principais instituições científicas de São Paulo, Capital Federal, Minas Gerais e Bahia. Na

edição número 5 a relação dos colaboradores foi ampliada com alguns nomes em relação a

constante no segundo:

“Dr. Luiz Morimont; Dr. Luiz Vicente de Souza Queiroz; Dr. Dafert; Dr.

Orville A. Derby; Dr. Theodoro Sampaio; Antonio L. dos Santos

Werneck; Dr. O. A. Hummel. Dr. Xavier de Brito; Dr. Draenert; Dr. J.

Carlos Travassos. Dr. Domingos Sérgio de Carvalho. Dr. Frederico de

42

O proprietário da revista em 1907, quando ela deixou de circular, era o senhor Fernando Werneck, que a comprara

de Antonio Gomes do Carmo em 1898. Foi secretário da SPA.

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64

Albuquerque; Dr. Barboza Rodriguez; Dr. Pedro Beringer; Dr. Campos

da Paz; Barão de Capanema; Dr. Alberto Loefgren; Dr. Bento de Paula

Souza; José Leite da Costa Sobrinho; Dr. Quartim; Dr. H. von Ihering.

Dr. Fortunato de Camargo e Dr. Gustavo R. Pereira Dutra43

“.

(REVISTA AGRÍCOLA, 1895, p. 68).

Esta equipe permaneceu praticamente inalterada durante os primeiros anos de

existência da revista. Alguns de seus membros sequer chegaram a escrever, mas estavam

ideologicamente filiados ao programa da Sociedade Pastoril e Agrícola, produzindo em seus

espaços de atuação conhecimentos científicos orientados pelas propostas de modernização da

agricultura e publicando em outros periódicos científicos ou jornalísticos. A ciência dava

legitimidade e credibilidade às propostas de reforma da agricultura com base na ciência e

tecnologia aplicadas ao processo produtivo e processo de trabalho.

Os três redatores principais eram médicos, Carlos José de Arruda Botelho, Luiz

Pereira Barreto e Domingos José Nogueira Jaguaribe Filho. Ocorre que eles44

“perfaziam uma trajetória comum, e passagens pelos centros avançados

da Europa, descendentes de poderosas e tituladas famílias de

agricultores do Império. Com patrimônio assentados na grande

propriedade, já diversificando seus capitais, colocavam-se na vida

pública como cidadãos, atentos às vocações particulares, envolvendo-se

com os destinos do país.” (MARTINS, 2001, p. 285).

Provavelmente os estudos das ciências naturais que os cursos de medicina

proporcionavam45

, o contato com a natureza exuberante do Brasil e as necessidades práticas dos

ramos de negócios dos quais suas famílias eram proprietárias, levaram essas pessoas a refletir

também sobre a natureza e sobre a agricultura. Sem falar que a concepção, realçada a todo

instante, de ser o Brasil um país eminentemente agrícola tornava esses estudos ainda mais

43

Cf Anexo II ao final desta tese. 44

Ana Luiza Martins se refere somente aos dois primeiros, mas Jaguaribe se encaixa plenamente em sua asserção.

Ele era proprietário e secretário do periódico até vendê-la para Antonio Gomes do Carmo. 45

Não havia ainda uma indústria farmacêutica tal qual existe hoje, daí a presença da História Natural nos currículos

dos cursos de medicina. Segundo Keith Thomas(2010, p.72): “o principal estímulo para os estudos botânicos era

medicinal . [Não por acaso,] “praticamente todos os primeiros botânicos [ na Idade Moderna] foram médicos ou

boticários, preocupados com os usos e "virtudes" das plantas. A descoberta do Novo Mundo intensificou a busca de

plantas medicinalmente úteis; nos chamados "jardins medicinais", cultivavam-se as novas espécies. A utilidade

prática do mundo das plantas forneceu por muito tempo aos botânicos o seu princípio organizador mais

importante”.

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prementes. Os três também tinham formação positivista, que valorizava a ciência como forma de

se conhecer e intervir no mundo, sobretudo Pereira Barreto, que se destacou em polêmicas com

Eduardo Prado46

, de formação católica.

Em síntese, sobre a Revista Agrícola, três aspectos foram levantados: primeiramente

destacou-se a militância classista dos seus membros em defesa de seus interesses políticos e

econômicos. Em segundo lugar observou-se o desejo de construção do Brasil como país agrícola

e moderno do qual seus habitantes pudessem se ufanar, e finalmente, em decorrência dos

aspectos anteriores, notou-se a necessidade premente da reforma da agricultura, tendo a aplicação

da ciência (tanto agronômicas quanto as naturais) e de tecnologia (maquinário) no campo como

metas. A Revista Agrícola surge, portanto, como espaço de veiculação e ao mesmo tempo de

agregação dos fazendeiros a essa proposta, e não apenas de atualização de conhecimentos. A

reforma da agricultura implicaria, portanto, transformações profundas na sociedade brasileira.

Cabe ressaltar ainda a relação da SPA com o Estado e com os cientistas. Neste

contexto a revista se apresenta como um espaço de divulgação da ciência produzida nas

instituições científicas estatais ligadas à agricultura, notadamente o Instituto Agronômico de

Campinas e a Comissão Geográfica e Geológica, apontadas por Dafert47

(1896) como as duas

únicas instituições agrícolas existentes em São Paulo48

, em 1896. É de se estranhar a não inclusão

por Dafert do Museu Paulista49

, pois Ihering tem presença marcante nos primeiros anos da revista

escrevendo sobre variados assuntos. Uma explicação possível é a de que talvez ficasse difícil

conectar um museu de história natural à agricultura de maneira tão direta, mas talvez não o fosse

para um homem culto como era Dafert.

As relações da Revista Agrícola com o Estado eram tensas, sobretudo ao longo dos

primeiros três anos, devido ao tom impositivo com que a Sociedade Pastoril e Agrícola e depois a

46

Não há registros sobre a colaboração entre Derby e Barreto. Como Derby era ligado a Eduardo Prado, que travou

acirrada polêmica com Barreto sobre assuntos políticos e teológicos pela imprensa, pode ser que tenha tomado as

dores do amigo. Entretanto, o motivo mais provável é que Derby era ligado aos conservadores e Barreto aos liberais. 47

Sobre a atuação de Dafert no atualmente chamado Instituto Agronômico de Campinas ver Melone (2004) 48

Dafert (1896) reconhecia que, em São Paulo havia duas entidades o IAC e a CGG. É importante esse

reconhecimento, a CGG, pois, dados desdobramentos posteriores, é difícil associar a CGG à agricultura. O trabalho

do geólogo hoje se acha distante das práticas agrícolas. 49

Criado em 1893, o Museu Paulista era um museu predominantemente de História Natural. Somente a partir dos

anos vinte foi transformado em museu histórico.

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SPA se dirigiam a ele. Esse tom impositivo gerava animosidades. Um indício desse

descontentamento, por exemplo, pode ser percebido em uma nota intitulada “Escola Agrícola de

Piracicaba”, na qual a revista queixava-se

“por não ter sido convidada para os festejos da inauguração da supra

escola50

. O Dr. Jaguaribe esteve lá, porém na condição de representante

d’O Município, e não da Revista. O que é lamentável pois o Luiz de

Queiroz foi o doador da fazenda e a escola é saudada sempre com

entusiasmo”. (REVISTA AGRÍCOLA, 1896, p. 48).

Havia um ressentimento por ter sido desconsiderada. O bom funcionamento da escola

era uma antiga reivindicação e Luiz de Queiroz, seu fundador, fazia parte do grupo de articulistas

e escrevia frequentemente nas páginas da Revista Agrícola. Quando, porém, é chegada a hora de

se usufruir do gozo da vitória em favor da fundação da escola, numa uma batalha que se arrastara

por longos anos, tanto a Sociedade Pastoril e Agrícola quanto sua revista foram deixadas de fora.

Politicagem, sem dúvida, que expressa bem o estado de animosidade entre ela e o Estado. Na

verdade, a criação da Escola foi uma imposição de Luiz de Queiroz ao Estado, que usou de um

artifício malicioso ao doar ao Estado a Fazenda São João da Montanha com as benfeitorias já

realizadas (sede, casa dos colonos, estábulos), animais de transporte e as despesas com pessoal

contratado. Ele se valeu de uma brecha num decreto presidencial que previa a instalação de uma

escola agrícola e ao fazer a doação praticamente obrigou o Estado a instalá-la em Piracicaba.

A revista queixava-se também, e essa reclamação é mais significativa, que de suas

reivindicações iniciais apresentadas ao Estado, somente uma foi atendida, que era a concessão

para explorar a mina de fosfato na área da Fabrica de Ferro de São João do Ipanema51

. Isso quer

dizer que ela ainda não possuía força política o suficiente para se fazer ouvir, situação que se

modificará no correr do tempo.

50

A escola foi de fato inaugurada em 1901, quando foi matriculada a primeira turma. Esteve em construção por

quase doze anos. 51

Por essa época (1896) a Fábrica de Ferro de São João do Ipanema estava desativada. Os fazendeiros queriam que o

governo paulista incorporasse a área e arrendasse as minas de fosfato e cal aos interessados. Foram atendidos. No seu

primeiro relatório (PEIXOTO, 1896, p. 5 - 6) a SPA reivindicava que Derby e o IAC deveriam desenvolver estudos

para determinar o valor dessas minas. Derby analisou as jazidas e Dafert fez importantes estudos sobre adubação

química dos cafezais.

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Somente a partir de 1904, quando a dissidência do Partido Republicano Paulista

ganhou a eleição para o governo do Estado e quatro membros de seu quadro de sócios e

militantes empenhados foram nomeados secretários de Estado, as relações passaram a ser

cordiais, ganhando a revista aparência de publicação oficial. A SPA passou a participar como

conselheira ou consultora não oficial do governo para assuntos agrícolas. Seus textos se tornaram

cada vez mais técnicos, perdendo o caráter reivindicatório ou crítico em relação à política

agrícola, o que é compreensível, pois agora participava do governo52

. Porém, quando Edmundo

Navarro de Andrade assumiu a direção d’O Fazendeiro, continuação da Revista Agrícola, ela

voltará a ter um tom crítico em relação ao Instituto Botânico e Florestal53

e ao Museu Paulista e

seus respectivos diretores. A crítica se fazia em função da resistência dessas instituições em não

direcionarem suas pesquisas e atividades para os interesses econômicos imediatos das ferrovias,

que naquele período se concentravam no desenvolvimento de pesquisas aplicadas, sobretudo em

relação ao eucalipto para a produção de lenha para as locomotivas. Na gestão de Navarro no

Horto Florestal (1911 - 1915) o eucalipto se tornou propriedade absoluta do Horto Botânico e

Florestal e ele passou a ter como referência o Serviço Florestal da Cia. Paulista54

, onde Navarro

fizera seus experimentos para a adaptação daquela planta, dentre muitos outros. As críticas

podem ser percebidas já em 1911. Naquele ano, informava Sixt, o serviço florestal do Estado de

São Paulo havia distribuído um total de 250.141 mudas de árvores, das quais 228.969 eram de

eucaliptos. (SIXT, 1912, p. 40). Em 1912, dessa vez no Boletim da Agricultura, Navarro

comparava a produção de eucaliptos no Serviço Florestal do Estado de São Paulo, que totalizara

189.772 exemplares, que somadas às outras espécies dera um total de 291.750 exemplares, ou

seja, “41.609 [a mais] que durante todo o ano de 1911 ou ainda mais 135.094 que antigo Horto

Botânico e Florestal de 1902 a 1910” (ANDRADE, 1912a, p. 512). Em 1921, O Fazendeiro

informava que “Em 1920 foram distribuídas 1.577.865 mudas, sendo 1.517.865 de essências

52

Os inspetores da agricultura (eram seis) divulgavam as atividades de seus respectivos distritos agrícolas (cursos,

exposições, concursos, etc) por meio dela. Também a Escola Politécnica e Escola Prática de Agricultura de

Piracicaba passaram a ocupar espaço com artigos técnicos. A participação da CGG decaiu. 53

A reforma de 1909 transformou o Horto Botânico em Horto Botânico e Florestal. Löfgren foi substituído na

direção por Gustav Edwall. Segundo Hoenne, discípulo e amigo de Löfgren, este “lastimava” a transformação do

Horto Botânico em” Horto Florestal de interesse econômico” (HOENNE, KUHLMANN E HANDRO, 1941, p.

110). 54

A Cia Paulista de Estradas de Ferro chegou a ter dezessete hortos florestais, todos implantados por Edmundo

Navarro de Andrade.

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florestais e 59.961 de frutíferas” (O FAZENDEIRO, 1921, p. 149). A apresentação dessas

estatísticas deixa claro o redirecionamento das prioridades do Serviço Florestal: produzir mudas

de eucalipto para atender às demandas das ferrovias por combustível, dormentes e postes, o que

contrariava o trabalho de Löfgren, que fazia pesquisas para o conhecimento da flora de São

Paulo, procurava aclimatação de plantas nativas e exóticas e agia como incentivador da

policultura. Outro exemplo é a réplica nominal que Navarro, em seu artigo “Questões Florestais”

(1912b), faz a Ihering contra seus protestos em favor da regulamentação da proibição das

derrubadas, respondendo que o governo deveria estimular a reposição florestal ao invés de proibir

o corte das árvores. Navarro sempre se posicionou claramente contra as proibições ao corte de

madeiras, com exceção àquelas situadas em encostas íngremes, em alto de morro e da mata

ciliar55

.

2.3 A Sociedade Paulista de Agricultura (SPA) e a Revista Agrícola.

Ana Luiza Martins (2001) apresenta como insólito o fato da Revista Agrícola ter

sobrevivido à entidade que lhe deu origem. De fato, a revista passou a ser uma propriedade

particular quando a Sociedade Pastoril e Agrícola foi extinta, mas continuou a atuar

conjuntamente com a nova entidade representativa dos fazendeiros, a Sociedade Paulista de

Agricultura. Pode-se dizer, sem medo de errar, que ela era porta-voz senão dos fazendeiros

paulistas, ao menos de sua vanguarda, que atuava no organismo de congregação e representação

da classe.

A criação da Sociedade Paulista de Agricultura, (SPA) não se fez em oposição à

Sociedade Pastoril e Agrícola ou ao seu projeto original, mas em função de se ganhar maior

representatividade junto aos fazendeiros e da melhor adequação à organização sindical dos

produtores rurais em nível nacional, a Sociedade Nacional de Agricultura. Portanto não há

descontinuidade ou ruptura com o projeto original da revista.

55

Ver Ferraro: 2005 ou 2010.

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Em julho de 1896 a Revista Agrícola (p. 95) publicou um chamamento para a

criação de outra associação de agricultores paulistas em moldes muito parecidos e com objetivos

bastantes semelhantes à Sociedade Pastoril e Agrícola. Essa proposta foi levada aos fazendeiros

no Congresso Agrícola estadual, que se realizou em cinco de agosto do mesmo ano. A lista de

proponentes para a criação da nova associação se constituía na fina flor da sociedade paulista:

“José Alves de Cerqueira César; Antonio da Silva Prado; Rodolpho E. de

Souza Dantas; Jorge Miranda; Francisco de Souza Queiroz; Domingos

Correia de Moraes; Bento Bicudo; Jorge Tibiriçá; Rodolpho Miranda”.

(REVISTA AGRÍCOLA, 1896, p. 96).

Todos eram empresários com grande poderio econômico e influentes politicamente

no estado de São Paulo. A proposta foi aprovada e surgiu a Sociedade Paulista de Agricultura

(SPA)56

em sucessão à anterior. A Revista Agrícola continuará a ser, até sua extinção, porta voz

em assuntos políticos e classistas dos fazendeiros reunidos na nova entidade.

Por ter sido criada em um congresso agrícola de alcance estadual com uma proposta

voltada explicitamente para a agricultura, mas sem deixar de lado a indústria pastoril, a SPA

ampliou seu público alvo, ao incluir fazendeiros que até então, presumivelmente, estavam pouco

à vontade por não serem também criadores, embora um estábulo em cada fazenda fosse uma meta

da entidade, sobretudo como forma de se produzir esterco para adubação. A estrumação era um

dos pilares da agricultura moderna, até então a única forma considerada segura de impedir o

desgaste do solo57

e de se evitar o pousio. Com o seu público alvo aumentado e tendo sido criada

por delegados eleitos em um Congresso Agrícola, a SPA ganhou mais legitimidade e,

consequentemente, maior força política. Desde seu editorial de fundação, os editores eram

francos: a revista somente será eficiente se contar com a adesão e participação de um número

significativo de fazendeiros. Esse apelo esteve presente em praticamente todas as edições por um

bom número de anos.

As bandeiras da Sociedade Pastoril e Agrícola também foram incorporadas pela

Sociedade Paulista de Agricultura e continuaram temas constantes na Revista Agrícola:

aprimoramento de raças de gado em geral, melhoria de pastagens, silagens, profilaxias de

56

Observe que as siglas da Sociedade Pastoril e Agrícola e da Sociedade Paulista de Agricultura são as mesmas. 57

A adubação química ainda gerava controvérsias.

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doenças nos animais e outras. Começaram a ganhar importância porque, em muitas regiões do

estado, já havia fazendas com extensas áreas de terras inaproveitáveis para o café e a pecuária

poderia ser uma alternativa para a ocupação daquelas terras semiabandonadas.

Vale ressaltar que no mesmo número em que a proposta de criação da SPA foi

noticiada, foi publicado também um artigo transcrito do Jornal do Brasil anunciando a criação

no Rio de Janeiro da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), da qual Domingos Jaguaribe

Filho, fundador da Sociedade Pastoril e Agrícola e da Revista Agrícola tinha sido um dos

proponentes através da imprensa e seu articulador junto a políticos e fazendeiros. A diretoria da

SNA ficou assim constituída: Ennes de Souza, Presidente; Domingos Jaguaribe e Campos da Paz,

Secretários. A SPA foi sua primeira congênere estadual. Nos anos seguintes, nos estados mais

adiantados em termos agrícolas, surgirão outras sociedades estaduais afiliadas. Jaguaribe, como

se pode observar, ocupava a secretaria dos sindicatos rurais em nível estadual e nacional.

Em 1897, no último número antes de sua venda para Antonio Gomes do Carmo, em

artigo assinado pelos iniciadores e fundadores, a profissão de fé na agricultura moderna foi

novamente explicitada. Diziam o que esperavam da nova etapa da revista e da Sociedade Paulista

de Agricultura, fundada um ano antes:

“Parodiando o Sr. Ministro da Indústria, quando, no seu último relatório

ao presidente da Republica, diz que é necessário republicanisar a

República, terminaremos dizendo que é preciso agriculturar a

agricultura58

, isto é, ensinar o agricultar a cultivar a terra, a fertilizá-la e

atirar dela o maior proveito possível, organizando para isso sociedades

agrícolas, com jornais que eduquem, doutrinem e façam conhecer os

meios e processos que a ciência e experiência aconselham e com os quais

se avantajam os países preparados.” (REVISTA AGRÍCOLA, 1897, p.

212).

As sociedades regionais de agricultura começaram a surgir em diversos estados e

revistas agrícolas ou suplementos agrícolas em jornais também. A missão da revista parece

adquirir maior clareza: a) ensino agrícola; b) adubação; c) doutrinação, isto é, persuasão no

sentido da necessidade de reformas na agricultura; d) uso da ciência e, finalmente, e) inspiração

nos países adiantados. Está claro que haverá uma continuidade entre a Sociedade Pastoril e

58

Grifados em itálico no original.

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Agrícola e Sociedade Paulista de Agricultura, e a Revista Agrícola, mesmo com novo dono,

continuará a exercer seu papel de porta-voz dos fazendeiros. Pode-se perceber que o projeto das

elites paulistas começava a ganhar um caráter nacional. A inovação mais significativa no período

em que foi propriedade de Antonio Gomes do Carmo foi o patrocínio das empresas de

maquinário agrícola, que anunciavam seus produtos na publicação, que também atuava na

intermediação dos negócios. Mais adiante se verá que as novas bandeiras podem ter sido

incorporadas a partir de propostas de Derby, que não as criou, mas as sistematizou de maneira

concisa.

Se se comparar os objetivos expressos da Sociedade Pastoril e Agrícola a esses,

redefinidos para nova fase da revista, pode-se observar que a incorporação de dois deles pode ter

sido inspirada em Derby, sendo o primeiro o uso da ciência aplicada à agricultura (aí a adubação

está incluída) e o segundo, a sugestão de que se mirasse nos países mais preparados. O assunto

será retomado no capítulo três, quando será feita análise da proposta de contribuição de Derby

para a agricultura paulista.

Enfim, a Revista Agrícola é um ponto de confluência dos interesses políticos,

econômicos e científico dos fazendeiros.

Exercia função política ao procurar influenciar na definição pelo Estado de diretrizes

para a agricultura estadual que atendesse aos seus interesses. Era um instrumento de congregação

dos fazendeiros, pois gerava um sentimento de pertencimento, na medida em que forjava uma

identidade de classe e isso garantia poder de pressão política no sentido de defender seus

interesses.

No aspecto econômico seu objetivo era tratar da reforma e maximização da produção

agropecuária em terra bandeirante e assim possibilitar aos associados auferirem ganhos nunca

antes vistos na história desse país. Segundo Figueirôa (1987, p 21), objetivo dos fazendeiros era

contribuir para a garantia de rentabilidade e expansão da economia cafeeira.]

Do ponto de vista científico, seu papel era o da difusão científica junto ao seu

publico alvo. A Revista Agrícola era um canal de divulgação científica a serviço dos

fazendeiros, na medida em que se constituía num importante veículo de comunicação entre eles e

as instituições científicas, através da qual as demandas técnicas e científicas dessa categoria

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social na resolução de problemas da lavoura eram apresentadas e na medida do possível,

atendidas. Ou seja, a revista definia parte da pauta de trabalho dos cientistas. Por outro lado, os

fazendeiros também se apropriavam dos saberem construídos e veiculados pelos cientistas,

muitas vezes com resistências. Havia um intenso intercâmbio entre os interesses dos cientistas e a

sociedade. No sentido de preconizar a colaboração entre os diversos agentes da agricultura

paulista, Dafert é claro:

“O ponto especial será - perdoe-me a discussão dum assunto tão

delicado como importante - que se entendam bem os chefes das diversas

“repartições agrícolas” entre si e com os lavradores particularmente.

Como até hoje as duas repartições científicas do Estado, relacionadas

com a lavoura (Comissão Geográfica e Instituto Agronômico) sempre

colaboram nas questões inerentes de comum acordo, o mesmo deve se

dar com a nova repartição” (DAFERT, 1896, p. 151).

Trabalhar conjuntamente e se entendendo bem, isto é, havendo cooperação. Essa, na

visão de Dafert, deveria ser a atitude de todo o pessoal envolvido na agricultura paulista. Deveria

haver entre as duas instituições agrícolas estatais, diálogo na resolução de problemas comuns e

não competição, ao menos abertamente. A Revista Agrícola pretendia ser o espaço desse

diálogo, inclusive para uma questão tão delicada quanto essa, entre os cientistas ligados à

agricultura, os fazendeiros e os poderes públicos.

Era também um espaço de colaboração e de discussão, onde além de elogios

rasgados, controvérsias eram expressas. Ihering parecia ser o polemista mais controvertido.

Pode-se também tomar como exemplo de colaboração no sentido inverso, isto é, do

cientista pedindo a colaboração dos fazendeiros para as suas pesquisas, o artigo de Löfgren

(1895) escrito já no número dois da revista, no qual, atento à qualidade dos pastos para o gado,

ele se propõe a identificar as plantas nocivas aos animais para providenciar sua erradicação e

assim evitar prejuízos na criação. Para isso, pede colaboração aos fazendeiros:

“Cada pessoa interessada esforçar-se-á para coletar as plantas que

conhece para enviá-las ao abaixo assinado, acompanhadas das indicações seguintes:

Qual o nome popular do vegetal.

Onde habita de preferência (campo, capoeira ou mata).

Qual sua categoria (Arvore, arbusto, cipó ou erva).

Qual seu tamanho,

Em que época floresce.

Qual a cor das flores.

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Qual a parte reputada nociva (caule, folhas, casca, raiz ou fruto).

Qual a ação que exerce.

Quais ob animais que mais sofrem com elas.

Quais os remédios usados e seu efeito.” (LÖFGREN, 1895, p. 32).

O primeiro resultado dessa proposta de interação aparece já no número cinco da

Revista Agrícola, com a resposta dada a consulta do Sr. Júlio Algodoal, fazendeiro na Estação

Rio das Pedras, da Cia. Ituana, no atual município do mesmo nome, que lhe apresentou um cipó

chamado popularmente de Folha Santa, que já estava classificado por Löfgren no herbário da

CGG. Depois de tecer suas considerações sobre o vegetal e agradecer ao seu colaborador, no final

do artigo, Löfgren reiterava o pedido que fizera no primeiro número:

“Aproveitamos a ocasião para reiterar o pedido que fizemos no segundo

número da Revista Agrícola, pelo apelo feito a todos que se interessam

pelo conhecimento das riquezas naturais do Estado, para enviar-nos

informações de plantas úteis ou nocivas e, quando possível, amostras das

mesmas, a fim de serem determinadas e divulgadas. Oxalá que muitos

imitassem o patriótico Sr. Júlio Algodoal.” (LÖFGREN, 1895, p. 71).

A principal diferença entre a SPA e antiga Sociedade Auxiliadora de Agricultura,

Comércio e Artes de meados do século XIX é que no final do século havia uma classe social (a

dos fazendeiros) disposta a intervir no sentido das mudanças. A criação de várias instituições

científicas neste período para a modernização da agricultura mostra que essa categoria social

estava disposta a fazê-lo. Não que anteriormente não pudesse realizar as reformas necessárias,

mas faltava-lhe, recursos, representatividade e força política. À Bahia, onde as condições eram

mais favoráveis, coube o pioneirismo.

2.4 Conclusões parciais.

Portanto a Revista Agrícola era um importante canal de divulgação científica para a

sociedade e um espaço de colaboração entre cientistas de diversas instituições estatais do período.

Entre eles e também com seu público alvo: os fazendeiros e sitiantes.

Um dos objetivos desse estudo é verificar como se deu a colaboração entre a CGG,

representada por seus principais atores, Derby, Löfgren, Ihering e Theodoro Sampaio para o

desenvolvimento da agricultura paulista nos assuntos relativos à organização da agricultura.

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Nossa hipótese é de que a CGG, dada sua característica interdisciplinar, extrapolava seus

objetivos propostos inicialmente em seu programa de origem e atuava em estreita colaboração

com agrônomos e outros cientistas da época interferindo diretamente no espaço agrário ao

responder a solicitações dos fazendeiros ou de organismos ligados à Secretaria da Agricultura,

Indústria e Comércio de São Paulo, à qual a agricultura estava subordinada.

A possibilidade de ter havido influência da CGG na formulação da plataforma de

política agrária dos fazendeiros será estudada a partir da leitura de Derby, que propunha a

incorporação das terras de campo como forma de ampliação das riquezas e, ao fazê-lo, lançava

um olhar diferente sobre essa parte do território (a região campestre), desenvolvido durante sua

expedição ao Vale do Rio Grande, nos anos 1870, e aprimorado através do conhecimento

produzido pela expedição de reconhecimento de Theodoro Sampaio ao rio Paranapanema e de

Löfgren, em seus estudos botânicos, cujos relatórios foram tornados públicos nos Boletins da

CGG.

No capítulo seguinte será desenvolvido um estudo para a compreensão das

representações que ao longo do século XIX foram desenvolvidas sobre as terras ocupadas por

campos, naturais ou artificiais, contra as quais Derby irá se debater. O entendimento dessas

representações é importante para se ter uma ideia da dimensão da tarefa na qual a CGG estava

empenhada. Derby, o a CGG, o IAC, a SPA e a Revista Agrícola, num trabalho quase que exigiu

uma devoção quase que missionária, uma persistência abnegada e forças de um Hércules

conseguiram convencer a sociedade a respeito das transformações.

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3 AS TERRAS EM POUSIO: REPRESENTAÇÕES DO SÉCULO XIX.

A pergunta que se procura responder nesse capítulo é qual a visão que se tinha das

terras de campo, ao longo do século XIX, antes da criação da CGG, com a finalidade de se

entender melhor as dificuldades enfrentadas por ela e, consequentemente, pelos agricultores, para

se compreender um fenômeno até então considerado inerente à prática agrícola: o pousio. Em

outras palavras, quais eram as representações sobre as terras em processo de regeneração que

Derby, a CGG e a SPA combatiam.

Para o estudo desse tema, dois autores representativos de meados do século XIX

foram selecionados como fontes históricas a serem analisadas. O primeiro, Manoel Elpídio

Pereira de Queiroz (1825 - 1915) por que percorreu o Vale do Paraíba em toda a sua extensão e

deixou registros sobre a paisagem da região que merecem análise. O segundo autor foi Guilherme

Schüch, o Barão de Capanema (1824-1908), conhecido intelectual, que teve uma percepção sagaz

dos malefícios da agricultura brasileira da época, e foi em meados século XIX, ainda muito

jovem, um dos primeiros, senão pioneiro a vislumbrar como sanar os problemas que assolavam

nossa agricultura.

Em 1854, Manoel Elpídio Pereira de Queiroz realizou uma viagem de Jundiaí, SP ao

Rio de Janeiro, acompanhado de três camaradas e dois escravos, levando para dispor 50 e tantos

animais. Ao longo da viagem escreveu um diário que sua neta, a historiadora Carlota Pereira de

Queiroz, publicou em 1965 quando escreveu a biografia de seu avô. Trata-se de um relato de

viajante atípico em relação àqueles geralmente usados como fontes históricas a respeito do Brasil

Imperial, pois em meados do século XIX seu autor era, além de fazendeiro plantador de cana e

café, um negociante de mulas e não um viajante comissionado por potências europeias a farejar

boas possibilidades de negócios, nem um naturalista viajante a serviço de alguma instituição

científica nacional ou estrangeira.

Inicialmente, a intenção de Manoel Elpídio Pereira de Queiroz era registrar por

escrito os custos da viagem e os incidentes durante o percurso, mas seu relato se enriqueceu com

observações sobre os mais diversos aspectos da região anotadas ao longo do caminho.

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Descreveu sumariamente cada região por onde passou e as pessoas com as quais

conviveu ao logo do percurso, que eram geralmente fazendeiros ou autoridades eclesiásticas.

Mencionou também a passagem por um bar, provavelmente junto a sua hospedaria, local onde

havia populares, no qual presenciou uma violenta briga por causa de jogo, a qual apartou. É

justamente por não estar sujeito a julgamentos científicos provenientes de estudos prévios que seu

relato se torna mais interessante e lhe permite anotar fatos como estes sem apresentar juízos de

valores. É um observador com um olhar não direcionado por métodos científicos e, justamente

por isso, o que escreve tem um caráter bastante diferenciado, pois é um registro bruto, sem

elaborações posteriores. Por outro lado, a falta de um método fazia com que ele deixasse de

registrar aspectos da paisagem e da sociedade, tais como a fauna e a flora, a saúde e higiene, a

organização da produção e do trabalho nas fazendas, dentre outros, que não passariam em branco

a um cientista ilustrado.

Nos relatos de viagem de Manoel Elpídio, importa para as finalidades dessa tese a

descrição dos arredores de São Paulo, Vale do Paraíba e de sua gente.

Alguns dias depois de ter saído da Fazenda Pau a Pique, em Jundiaí59

, SP ao fazer

um sumário balanço da viajem até aquele momento, o autor escreveu que:

“Passando o Braz a terra é inteiramente estéril; o caminho é excelente

até a Freguesia da Itaquacetuba, o terreno é sempre mau. Desde a Penha

vem se abeirando o Tietê até Itaquacetuba. A freguesia da Penha está em

decadência; notando-se só a boa Igreja Matriz. O povoado de S. Miguel é

em bonita posição; a igreja faz frente com a margem do Tietê; as casas

são baixas, em número talvez de 50 a 60. Daí a 2 léguas, está

Itaquacetuba, n'uma alta colina, freguesia também na margem esquerda

do Tietê, pertence esta freguesia ao termo de Mogi, é em bonita posição a

matriz mostra ser pequena; o largo é bonito; passando a igreja está o

Tietê, com uma boa ponte de madeira; passado o Rio as terras vão

melhorando e já se vê mais moradores; contudo, acha-se falta de tudo e

nota-se que os habitantes desde Itaquacetuba até Jacareí são baixos,

pálidos e geralmente frios pode-se dizer que não ha cultura alguma,

apenas pequenas roças de milho e pequenas plantações de cana; nem as

59

Na verdade a área onde existia a fazenda Pau a Pique se localiza hoje ao município de Louveira, SP. Nas mãos de

outros proprietários, em 1907, parte dela, 400 alqueires que impróprios ao cafeeiro, foi desmembrada em lotes entre

cinco e dez alqueires e vendida. O principal motivo de tal desmembramento foi o de fixar o colono na região e “ter

sempre às ordens pessoal de reserva” (REVISTA AGRÍCOLA, 1907, p. 535).

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laranjeiras, que são frequentes nas vivendas pobres do sul da Província

aqui se vê”. (QUEIROZ, 1965, p. 94)

O caminho descrito é a parte inicial da Estrada Real que ligava São Paulo ao Rio de

Janeiro, a mesma por onde transitaria Euclides da Cunha cerca de cinquenta anos depois. A

região dos então distantes povoados de Penha, São Miguel e Itaquecetuba60

já era ocupada de

longa data. Segundo Morse, (1970, p. 36), a ocupação dessa área teve origem nos aldeamentos

indígenas jesuíticos, ainda no século XVI.

Queiroz (1965) percebeu que os terrenos eram totalmente estéreis, mas não discutiu

as causas de esterilidade da terra. Nem haveria porque fazê-lo. Anotava apenas o que de alguma

forma lhe parecia relevante: as igrejas, o casario, o comércio, certas características da população,

dentre outros. Certos acontecimentos, como a ópera a qual compareceu, a procissão do enterro na

sexta feira da Paixão ou o prazer que a grandiosidade da capital imperial lhe causou, o autor se

eximiu de descrever, apenas registrou sua ocorrência. Dizia que lhe faltavam palavras para narrar

tais emoções de tão intensas que eram. Também alegava falta de tempo.

Na função de negociante, interessava-lhe mais o urbano. Descrevia as vilas e cidades

com mais detalhes que os campos. Como homem de fé descrevia com entusiasmo as igrejas das

povoações encontradas pelo caminho. Julgava o poderio de uma cidade pelas dimensões da

matriz e pelo número de sobrados, tal qual um incauto cidadão de hoje observando o ski line de

uma metrópole. Do ponto de vista de um tropeiro, prestava atenção obviamente aos campos, pois

havia de alimentar os animais ao longo da viagem. As lavouras somente eram observadas

casualmente. A qualidade dos terrenos por onde passava era geralmente comentada, pois o autor

era fazendeiro e sabia que o progresso de uma região dependia da fertilidade da terra.

Ainda nas proximidades de São Paulo registrou que, a partir do Braz, conforme já

assinalado, a terra era inteiramente estéril. Que até Itaquaquecetuba, freguesias da Penha e de São

Miguel, “o caminho é excelente”, mas os terrenos “são sempre maus”. Observou que a “freguesia

da Penha está em decadência”. Com certeza a decadência era causada pelo esgotamento do solo

devido às práticas agrícolas rotineiras. Mas a partir de “Itaquecetuba”, passando o rio Tietê, as

60

Hoje, Itaquaquecetuba.

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terras “vão melhorando e já se vê mais moradores”, porém eles são “baixos, pálidos e geralmente

frios”. A agricultura era precária e estava aquém das necessidades dos moradores da região:

“pode-se dizer que não há cultura alguma, apenas pequenas roças de milho e pequenas

plantações de cana”. (QUEIROZ, 1965, p. 94). O que será que queria dizer ao constatar a

inexistência de cultura, uma vez que milho e cana são culturas? O quê ou qual seria uma cultura

digna de receber esse nome? Seria uma cultura em grande escala para exportação? Poderia ser

também uma alusão à lavoura cafeeira. É mais uma lacuna, no sentido que Ginzburg lhe atribui,

que ficou sem preencher. O mais provável é que talvez quisesse dizer que aquelas plantações

fossem insignificantes.

Manoel Elpídio anotou que a vila de São José, hoje São José dos Campos, “está no

meio de um campo, que vem desde uma légua de Jacareí. As terras são ordinárias, porém o povo

mais vistoso.” (QUEIROZ, 1965, p. 95). Sempre presente no autor a mesma representação:

campos associados às terras ordinárias, mas ainda não era possível aos cidadãos comuns, ainda

que da elite, a percepção do motivo da existência das tais terras de má qualidade. Mas, apesar

delas serem pobres, o povo era mais vistoso. Talvez a contradição se explique pelo fato de nos

arrabaldes montanhosos, tanto nas encostas da Mantiqueira, quanto nos contrafortes da Serra do

Mar, da Vila de São José ainda haver naquela época, muitas matas61

, o que significava terras

férteis para agricultura itinerante e caça abundante. Sem falar que o Paraíba do Sul e afluentes

eram rios piscosos.

Embora observasse o rural, não fez uma única menção aos cafezais, não obstante se

encantasse com a riqueza da cidade de Bananal62

, que na época provinha do café:

“A cidade é pequena, porem tem muito boas casas, elegantes. As ruas

principais são do Comércio, Direita e do Rosário; a matriz mostra ser

61

Edgard Cavalheiro (1955, p. 609, nota 7) conta que as matas da fazenda Buquira, do Visconde de Tremembé, avô

de Monteiro Lobato, foram mencionadas no livro Brésil, de Maurício Lamberg, que a visitou em 1887. Por essa

época já possuíam 500 mil pés de café, que não deveriam existir em meados do século. 62

Sobre Bananal, em sua chegada a Areias, Lobato ouvia muitas histórias. Assim escreveu ao amigo Godofredo

Rangel, em carta datada de “14, 05,1907”: “Perto de Areias fica Bananal - com um passado escravocrata que é um

cacho de crimes lindos e muita banana ouro. Houve grossa riqueza por lá, quando aquilo era o Ribeirão Preto da

época. Barões que usavam pinicos de ouro. Mulheres ciumentas que cortavam o seio das escravas. Cada casa lá -

dizem aqui - é cofre duma lenda - aqueles casarões abandonados. Ainda ha mistérios no ar”. (LOBATO, 1959 p.

167),

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ordinária, é melhor a Igreja do Rosário, posto que pequena. No pátio

desta Igreja está se fazendo uma rica casa do comendador Manoel

d'Aguiar Vallim, notável pelo seu tamanho. Tem no largo da Matriz

lindas casas; a rua do Comércio começa desde a margem direita do

ribeirão até o largo da Matriz. Enfim, o Bananal é linda cidade, com

bons prédios e rica; a primeira em riqueza da Província de S. Paulo e a

última na extrema da Província para este lado do Norte” (QUEIROZ,

1965, p. 98).

A cidade de Bananal o impressionou, mas ele não notou os cafezais em seu entorno.

O comendador Manoel d'Aguiar Vallim foi o mais importante cafeicultor da região63

e construiu

uma residência até hoje preservada e que atualmente ainda pode ser considerada grandiosa.

Manoel Elpídeo encantou-se de tal forma com a exuberância da cidade que, no dia seguinte, por

estar impedido de prosseguir viagem devido a um incidente, retornou a ela para desfrutar mais

um pouco do prazer que sua pujança lhe proporcionava.

O autor na sua viagem atravessou as tradicionais regiões cafeicultoras do Rio de

Janeiro em plena produção e não as relatou. Ele notou o milho, a cana e a ausência de laranjeiras,

comum nos quintais do sul da então província de São Paulo, mas não percebeu a exuberância do

café. Como ele era de uma família de cafeicultores, talvez isso não o impressionasse por lhe ser

familiar e rotineiro, pois o que chamava a atenção talvez fosse o diferente ou os campos e cultura

de milho e cana-de-açúcar, que também eram usados para alimentar os muares que transportava.

Segundo Sérgio Milliet, a região onde está incluída Jundiaí respondia, em 1854 por catorze por

cento do total do café produzido no estado de São Paulo, conforme indica o mapa abaixo:

63

Para a história de Bananal e da Fazenda Resgate, do major Manoel de Aguiar Vallim ver: CASTRO; SCHNOOR,

1995.

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Quando Manoel Elpídio, em sua viagem ao Rio de janeiro, em meados dos

Oitocentos, passou pelos arredores da cidade de São Paulo, descreveu os solos da região como

sendo estéreis e a região pobre. Em Bananal - e no Vale do Paraíba de ocupação mais antiga -

notou o progresso. Cerca de cinquenta anos mais tarde, no início do século XX, Euclides da

Cunha e Monteiro Lobato descreveram de forma literária a mesma região outrora próspera e se

espantaram com a decadência e com a miséria em que se encontrava. A paisagem rural descrita

por esses autores se assemelha àquela que Manoel Elpídio observara nos arredores da capital

paulista: campos improdutivos, que Euclides da Cunha, talvez inspirado em Derby, chamou de

“ruínas” e Monteiro Lobato de “cidades mortas”.

A visão do solo da região do entorno da capital de São Paulo como sendo estéril se

cristalizou em parte da historiografia recente que tratou do assunto. Morse, por exemplo, baseado

em um relatório do vice-presidente da província, afirma que em 1856 os arredores da capital

paulista eram estéreis,

“A cidade de São Paulo (...) fica numa zona estéril que bloqueou o

avanço do café quando este atingiu a extremidade ocidental do vale do

Figura 2: Distribuição da produção de cafeeira no estado de São Paulo,

em 1854. Fonte: Milliet, 1939, p. 24.

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Paraíba. Um relatório ao vice-presidente da Província em 1856 definia

tal zona a partir da Capital: ao norte até o Tietê; a este e ao sul até os

“bosques que se distendem da serra de Paranapiacaba e suas

ramificações”; e a oeste até as “matas da serra de S. Francisco, que se

erguem a meia distancia da Cutia a S. Roque”. Dentro destes limites

podiam ser encontradas nas colinas ou ao longo dos rios algumas

árvores, mas a vegetação mais usual era “uma qualidade de gramínea, á

que o vulgo chama 'barba de bode', que a nada se prestando mata o

diverso vegetal que ai se introduza”. (MORSE, 1970, p. 158).

Esta análise de Morse, solidamente documentada, é importante porque mostra que o

deserto era maior que do que se supunha: abrangia todos os arredores da capital paulista. No

relato do governador compilado por Morse a região “este”, atual Zona Leste (São Miguel e

Itaquaquecetuba) da capital paulista corresponde àquela descrita por Manoel Elpídio64

e parece

ser mais extensa e estar mais desgastada do que na descrição deste. Os dois relatos são da mesma

época, porém o governador deveria, por dever de ofício, ser um observador mais atento e a

destinação desse relatório talvez exigisse maior precisão.

A ideia da região da capital paulista ser estéril é tão arraigada que o próprio Morse cai

em contradição, pois no primeiro capítulo, quando fala dos primórdios da formação paulistana,

no remoto século XVI, aponta a cidade como sendo tipicamente rural e produtiva.

“A liberdade com que os animais domésticos vagueavam pela cidade,

derrubando paredes e estragando casas, marcava a primazia da vida

rural: a verdadeira habitação eram as fazendas e a casa da cidade não

passava de mero alojamento para visitas temporárias. As culturas

básicas sendo algodão e açúcar, as fazendas possuíam geralmente os

seus próprios teares e engenhos de aguardente. Plantado por toda parte,

o trigo era ali mesmo moído em farinha; as frutas cultivadas eram

muitas, inclusive o marmelo, que fornecia à comunidade o principal

produto de exportação, sob a forma de marmelada. E desde logo houve

abundância de gado.” (MORSE, 1970, p. 32).

Passado mais de dois séculos, em 1819, continua a descrevê-la com as mesmas

características:

64

Era na época de Manuel Elpídio também chamada de Norte, pois o referencial era Santos. O Rio de Janeiro está ao

norte de Santos, daí a cidade Aparecida ser do Norte e Campinas ser do Oeste, a Princesa do Oeste.

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“Estas chácaras (...) davam indícios de um solo aparentemente fértil. A

propriedade do Brigadeiro Bauman, a noroeste da cidade, ostentava em

1819 lindos pomares com pêssegos, abricós, ameixas, maçãs e peras,

bem como castanheiros, videiras, e flores comuns como cravos, ervilhas

de cheiro, ranúnculos e papoulas. Nas proximidades da cidade

abundavam os morangos, tão bons quanto os europeus, o mesmo

acontecendo com muitos vegetais europeus e a maioria das flores de

Portugal. Eram muito variadas as plantações de frutas e gêneros

alimentícios: laranjas, abacaxis, jabuticabas, cerejas, marmelos, limões,

bananas, figos, romãs, mandioca, cana-de-açúcar, ervas, nabo, couve,

couve-flor, alcachofra, batata, arroz, milho, ervilha, feijão, espinafre,

aspargo, alface, agrião e cebola - além das frutas mencionadas primeiro.

“Aqui”, escrevia Florence (1826) “a terra produz muito mais alimento

do que podem os habitantes consumir” (MORSE, 1970, p. 45).

Há uma dissonância: o autor primeiro apresenta a região como sendo abundantemente

produtiva no século XVI e, algumas páginas adiante, a mesma região é apresentada como sendo

estéril no século XIX. Há necessidade de se refletir sobre esse fato. Ou houve um processo de

esterilização das terras ao longo do tempo, e aí compete ao historiador desvendar esse processo,

ou suas fontes não são fidedignas, daí a necessidade de uma hermenêutica mais cuidadosa nos

documentos. Talvez a explicação mais adequada esteja ligada à compartimentalização do período

por ele estudado, que é muito longo, pois o tema do livro é a cidade de São Paulo desde sua

fundação. Morse dividiu esse período em diversas etapas e deve ter estudado cada uma delas de

maneira estanque e nas suas conclusões acabou por não estabelecer relações entre os diversos

períodos estudados, sobretudo em temas periféricos ao seu trabalho, como eram a agricultura e o

meio ambiente nos arredores da capital paulista.

Outra possibilidade bastante plausível é o desconhecimento do assunto, porque os

estudos de História ambiental são recentes. A falta de conhecimentos em história ambiental ou

em geografia histórica gera esses equívocos. Se informações a respeito do uso da terra pela

agricultura através de práticas predatórias que por séculos aconteceu na região fossem

disponibilizadas ao autor, ele certamente não qualificaria aquelas terras como estéreis, mas sim

como desgastadas pelo uso inadequado65

. Faltou a Morse a sensibilidade de Capanema para

entender a dinâmica da agricultura no Brasil. Ou de Derby, que magistralmente sistematizou o

65

Nos anos trinta do século passado, Caio Prado Jr (1992) e, nos anos cinquenta, Stanley Stein (1961), dentre outros,

já haviam notado que a falta de cuidados com o solo era o responsável pela decadência da lavoura cafeeira.

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problema e propôs a ocupação racional dessas terras, como se verá mais adiante. O fato de ser

estrangeiro e de não viver no Brasil aliado à falta de formação em ciências da terra ou em

ciências naturais podem ter causado a Morse esse tipo de dificuldade.

Ihering também fez ao final do século XIX um relato sobre as características do solo

nos arredores da capital paulista. Ihering, no artigo “As aves do Estado de S. Paulo”, tem uma

visão semelhante a que Queiroz teve em 1854. Constata que “desaparecem os últimos capões e

até as vassouras, tornando-se secos e estéreis os campos, deteriorados ainda por queimadas,

cada vez mais frequentes” (IHERING, 1898, p. 123). A mata já havia sido destruída e

reconstituída. Esse tipo de vegetação reconstituída era chamado de capão, que significava o

mesmo que capoeirões. Esse processo de destruição e reconstituição, que leva aproximadamente

vinte anos, talvez já houvesse ocorrido repetidamente ao longo da colonização paulistana.

Lamenta o desaparecimento das aves pela caça praticada por “malandros”, que é como ele

classifica os indivíduos pobres que vendiam aves canoras em gaiolas e outras como alimento nos

mercados da capital. Ihering aponta as queimadas como sendo a causa da destruição da flora (os

caçadores estavam destruindo o que havia sobrado da fauna). Por outro lado, Queiroz, por não

ser, como Ihering, um homem de ciência, não tinha condições e interesse em enxergar as causas

da existência de terras estéreis nas paisagens que observou.

Para Ihering, na capital paulista, a região compreendida “entre a Serra do Mar e a

Serra da Cantareira, na época da descoberta estava ocupada por pinheirais que hoje

desapareceram quase que completamente” (IHERING, 1907, p. 131). Assim se explica a

existência de um local chamado originalmente de bairro “dos pinheiros” e de um rio com o

mesmo nome. Para ele, as matas de pinhais não se regeneravam tão bem quanto a Mata Atlântica,

daí os campos se formarem rapidamente e de se chegar ao ponto da regeneração natural não

acontecer mais, devido ao aumento da frequência com que as queimadas eram realizadas. Talvez

as partes serranas do Vale Histórico fossem também matas de pinhais, o que ajudaria a explicar a

sua rápida decadência.

A hipótese inicial levantada por Ihering de que essas terras teriam sido reconstituídas

várias vezes, talvez justificasse as observações de Morse sobre a fertilidade da mesma. Talvez,

realmente, o solo ora estivesse fértil, ora estivesse desertificado, e depois do pousio, novamente

fértil. Se esta hipótese for verdadeira, escapou a Morse a descrição do processo de recuperação do

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solo. E conforme apontado por Ihering, as queimadas se tornaram tão frequentes que não seria

mais possível sua recuperação pelo pousio.

Há, portanto, fortes indícios de que o solo da região da capital paulista ao final do

século XIX se apresentava como estéril à população devido ao desgaste causado pelas práticas

agrícolas de então.

Guilherme Schüch, Barão de Capanema (1824-1908), que também fazia parte do

corpo de redatores da Revista Agrícola paulista, talvez tenha feito a observação mais

impressionante de seu tempo a respeito da agricultura brasileira, mais especificamente da relação

entre ela e a ferrovia, então algo muito recente no Brasil:

“Nossas ferrovias, em vez de nos serem úteis, passarão a ser prejudiciais.

Em volta de nossa capital nada vemos além de montanhas cobertas por

capoeiras; suas florestas primevas desapareceram e assim também as

fazendas que as substituíram: hoje a terra está exaurida e improdutiva, e

quem quer que deseje boas colheitas viaja longe para encontrar terras

virgens. Os cafezais próximos ao litoral, que há vinte anos eram

lucrativos, são hoje desprezados, e nenhum outro é ali cultivado, apenas

no planalto a produção é excelente, mas dentro de poucos anos seja

necessário ali também abandonar o solo cansado, para buscar uma zona

fértil mais remota, de sorte que as linhas férreas terão de atravessar

muitas léguas de terreno de pousio para encontrar carregamento apenas

em sua extremidade e para ligar centros de população, que serão, por

sua vez, abandonados quando a ferrovia se estender para além deles, e

deixarem de ser os empórios de uma região cultivada” (CAPANEMA:

apud DEAN, 1996 p. 226).

O tema de Capanema nesse excerto coligido por Dean é o impacto da ferrovia sobre a

agricultura e sobre a Mata Atlântica no Rio de Janeiro em meados século XIX. O autor percebeu

claramente um descompasso entre a modernidade da ferrovia e o atraso da agricultura. Diz que a

ferrovia seria prejudicial, pois estaria condenada a perecer antes mesmo de nascer porque que iria

interligar centros populacionais que seriam logo abandonados66

assim que o solo se tornasse

improdutivo e entrasse em pousio, a aguardar recuperação. Então não haveria comércio nessas

66

Ginzburg chama a atenção que o uso rotineiro das palavras pode esconder significados: “abandonado”, por

exemplo, quando se fala em pousio, não pode ser entendido literalmente, no sentido de estar sem dono ou largados,

mas, mas sim sem a ocupação econômica que lá existia anteriormente. O fato de a principal atividade econômica ter

migrado não significa que as terras ficaram devolutas. Na verdade estavam apenas cumprindo um processo: o de

regeneração.

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cidades porque não haveria produção a ser comercializada e, obviamente, nem produtos a serem

transportados numa escala que justificasse a existência da ferrovia.

Capanema captou magistralmente a dinâmica da agricultura cafeeira ao observar o

entorno da então capital imperial. Há aproximadamente vinte anos antes de ele escrever esse

artigo, os arrabaldes do Rio de Janeiro eram lucrativas plantações de café, mas em 1858, as matas

não existiam mais e o cafezal era desprezado, isto é, abandonado, porque era improdutivo devido

ao desgaste do solo. As paisagens ao redor do Rio de Janeiro se constituíam apenas de terras em

pousio aguardando a reconstituição natural e demorada do solo para serem reutilizadas. Se em

comparação aos outros biomas a reconstituição da Mata Atlântica é relativamente rápida, para os

fazendeiros, aguardar vinte anos para usufruir economicamente do solo, parece ser uma espera

interminável.

Conforme já anunciado, percebeu Capanema o caráter migratório da lavoura cafeeira,

que depende de constantes buscas de terras virgens e férteis em áreas cada vez mais distantes,

bem como o abandono a que ficam relegadas as regiões por onde o café passou. Nossas ferrovias

somente seriam realmente úteis, na visão de Capanema, se acompanhassem as frentes pioneiras

do café. Pensava na inutilidade das ferrovias diante da realidade agrícola que se apresentava

então, sendo que no decorrer dos anos ela não teria o que transportar porque seus trilhos

passariam por terras abandonadas que não produziriam o que comerciar e que, portanto, não

teriam também o que consumir por falta de recursos. A ferrovia nessas condições traria um

imenso dispêndio ao erário público.

Se tomado isoladamente, de forma descontextualizada, como fez Dean, parece haver

certo fatalismo no texto supracitado de Capanema, pois ao mencionar as terras exauridas, fica-se

com a impressão de que o pousio era uma fatalidade inevitável e que as ferrovias seriam

inviáveis, exceto para as frentes pioneiras.

A agricultura tradicional baseada no deslocamento constante das lavouras era então

aceita plenamente e perdurará até o início da República. O Manual do Agricultor Brasileiro, de

Taunay, publicado em 1834, como demonstrou Heloisa Maria Bertol Domingues em sua tese de

doutorado, de 1995, defendia essa prática por ser a mais viável economicamente. Porém,

começava a haver mudanças no sentido de questionar tais métodos.

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O artigo “Fragmentos do relatório dos comissários brasileiros a exposição Universal

de Paris de 1855” de Capanema, do qual Dean compilou a citação do trecho em exame, também

foi analisado por Begonha Bediaga em sua tese de doutorado, de 2011. E suas conclusões

merecem ser confrontadas com Dean.

A análise feita por Dean deixa transparecer certo fatalismo: fica-se com a impressão

que sempre foi assim e que sempre assim será. O brasialianista afirma que

“Capanema antevia, assim, que as ferrovias promoveriam a perpetuação

da agricultura extensiva, itinerante, e acelerariam a destruição da

floresta. Não seriam um instrumento de progresso mas “um instrumento

de devastação”. (DEAN, 1996 p. 226)

Ver a ferrovia como perpetuadora da agricultura intensiva e itinerante é, no mínimo,

exagerado. Dean o faz porque toma uma citação retirada de seu contexto original para servir a

seus propósitos. Ela, a ferrovia, permitiria mais facilmente o deslocamento da lavoura tradicional

sertão adentro, mas não a sua perpetuação. Atravessar áreas sem ocupação econômica causa

prejuízo às ferrovias, mas isso não significa que isso será sempre assim. A devastação ocorria

também em São Paulo, antes da chegada da ferrovia, pois o texto de Manuel Elpídio é de 1854 e

primeira ferrovia somente chegou em 1867. A estrada de ferro apenas tornava possível a

ocupação econômica de áreas que antes de sua chegada eram inviáveis devido à distância em

relação aos mercados consumidores, ou seja, ela permitia a inclusão de novas áreas à agricultura,

que será a responsável pela ampliação da velocidade da devastação das florestas. Mais tarde, no

último decênio do século XIX, a ferrovia causará forte impacto ambiental ao usar lenha como

combustível, conforme aponta o próprio Dean (1996, p. 225).

Por seu turno, Bediaga (2001) ao analisar o mesmo artigo de Capanema citado por

Dean, mostra que Capanema fez um diagnóstico da agricultura brasileira ao revelar que ela ainda

produzia como nos tempos coloniais. E o Barão propunha, ao contrário do que diz Dean, a

transformação da agricultura:

“Para sair do estado 'estacionário' em que se encontrava a lavoura,

sugeria Guilherme Capanema a criação de um estabelecimento agrícola

com laboratório de química, viveiros, fábrica de máquinas de lavoura,

dois museus (um com a coleção de máquinas empregadas na lavoura e

outro de produtos brasileiros) e, por fim, uma escola prática de

agricultura. Cada uma dessas propostas era acompanhada de

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justificativas e exemplos. Todavia, destacava que os bons resultados

obtidos em alguns países não se verificariam necessariamente no Brasil,

e poderiam resultar em soluções equivocadas devido ao clima do nosso

país. Finalizava o artigo mostrando que o estabelecimento rural que

propunha deveria vincular a silvicultura às suas atividades, e alertava

sobre o risco de as nossas florestas se transformarem em desertos devido

à escassez de madeira e água, que acreditava ocorrer em curto prazo.”

(BEDIAGA, 2011, p. 40).

Ou seja, as leituras que Dean e Bediaga fizeram do artigo de Capanema são opostas:

enquanto Dean vê nas ferrovias um instrumento de perpetuação da lavoura extensiva e itinerante,

Bediaga, com mais propriedade, anota que no artigo de Capanema há uma proposta de

transformação da agricultura rotineira em agricultura científica.

O que faz Capanema nesse relatório é um diagnóstico da agricultura brasileira:

“Examinaremos portanto quais os defeitos da nossa agricultura, e indicaremos depois os meios

mais eficazes de os remover...” (CAPANEMA, 1858, p. 218). O defeito da agricultura brasileira

eram para Capanema os métodos rotineiros aos quais estava submetida e não a ferrovia como

quer Dean. Ao tomar a ferrovia como a causa da eternização do problema, a lógica mandaria que

pensasse em alternativas à ferrovia e não à agricultura. A preocupação de Capanema nesse artigo

também não era com o meio ambiente, mas sim com a ocupação agrícola (rentável) das terras

cansadas.

As soluções dos problemas apontados por Capanema somente viriam a ser

enxergadas a partir da difusão da agricultura científica com a criação do Imperial Instituto

Fluminense de Agricultura, em 1860, não por acaso apenas dois anos depois de seu artigo, e da

Escola Agronômica da Bahia, em 1875. Em São Paulo, a nova agricultura seria implantada com a

criação de duas instituições científicas ligadas à agricultura surgidas já no ocaso da monarquia: o

Imperial Instituto de Agricultura de Campinas (1887) e a Comissão Geográfica e Geológica

(1886) e, já no período republicano, da Escola de Agricultura de Piracicaba (1901) e também

através da organização dos produtores agrícolas enquanto classe social disposta a interferir

organizadamente e conscientemente nos rumos da agricultura, com a fundação da Sociedade

Pastoril e Agrícola (1895) e da Sociedade Paulista de Agricultura, sua sucessora a partir de 1896.

Os empresários devem ter percebido mais claramente que o esgotamento do solo e seu abandono,

deixariam as ferrovias sem ter mercadorias transportar, o que significa prejuízos financeiros com

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risco de falência. A primeira ferrovia a falir foi a Estrada de Ferro do Bananal, que com a crise

cafeeira tornou-se inviável.

Cotejando-se as descrições de Manoel Elpídio de Souza Queiroz com as do Barão de

Capanema pode-se ver que em meados do século XIX as capitais dos cariocas e dos paulistas

apresentavam aspectos comuns em seus respectivos entornos. As paisagens de ambas as regiões

eram compostas por terras desgastadas, exauridas por práticas agrícolas.

O deserto em ambas as regiões era ali, bem próximo, visível, a causar prejuízos

econômicos, a enfear a paisagem e a ocasionar dificuldades. A falta de água potável, grave

problema social no Rio de Janeiro devido ao desmatamento, tornou necessário às autoridades a

desapropriação dos sítios e chácaras da Tijuca e o reflorestamento da região para a preservação

de mananciais67

. Em São Paulo, ocorreu problema semelhante, porém um pouco mais tarde. Com

crescimento da cidade, na década de 1890, o Estado desapropriou terras no Ipiranga68

e as deixou

em pousio a aguardar a recomposição natural das matas para resolver problema de captação de

água, solução, aliás, pouco durável, haja vista o crescimento descontrolado da cidade69

. Na virada

do século tiveram de instalar uma nova estação captadora de água na serra da Cantareira. É

curioso notar que embora os processos de reconstituição das florestas carioca e paulista sejam

diferentes70

, os resultados são idênticos: a floresta recomposta existe igualmente em ambas as

regiões e são importantes áreas verdes nas duas metrópoles intensamente urbanizadas.

Concluindo, espera-se ter demonstrado a partir da análise duas fontes primárias

(Manoel Elpídio e Capanema) as representações que se fazia no século XIX a respeito das áreas

campestres. Ter demonstrado que elas eram consideradas estéreis e que eram essas

representações que Derby, ainda no século XIX, reconhecia como “preconceito” a ser desfeito.

67

Claudia Heynemman (1995) considera esse apenas um dos motivos da criação da Floresta da Tijuca. Para essa

autora, ela se insere num quadro mais amplo: a adoção da silvicultura como princípio científico, a preocupação com

a salubridade da cidade, a questão do paisagismo, que propunha a criação de espaços civilizados para elites, dentre

outros. 68

Atualmente é denominado Parque Estadual das Fontes do Ipiranga. Sobre a história dessa reserva, ver Godoy e

Trufem (2007, p. 8). O uso das águas desta área para abastecimento cessou em 1928. 69

Cristina Campos (2005) aponta também como causa da falta de água em São Paulo naquela época a inoperância da

empresa então constituída para essa finalidade e a falta de interesse do Estado. 70

Na Tijuca a floresta foi plantada, enquanto que em São Paulo houve um processo de regeneração natural,

cuidando-se para que não houvesse ocupação irregular, desmatamento e fogo.

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Ficou demonstrado também que dois autores contemporâneos influentes, Morse e Dean, que

abordaram as terras desgastadas dos arredores de São Paulo e do Rio de Janeiro, respectivamente,

a despeito de suas obras serem reconhecidas, fizeram uma abordagem acrítica e pouco

convincente sobre as áreas campestres, e que, embora tivessem se equivocado, isso não é

demérito, pois há poucos estudos sobre as terras de campo e esse não foi o tema central de suas

pesquisas.

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4 A CONTRIBUIÇÃO DA COMISSÃO GEOGRÁFICA E GEOLÓGICA PARA O

DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA DAS ÁREAS CAMPESTRES PAULISTAS.

O objetivo desse capítulo é analisar o artigo de Orville Adalbert Derby

“Considerações sobre o futuro agrícola do estado de S. Paulo”, publicado na Revista Agrícola,

em 1895. E, ao fazê-lo, mostrar a concepção que o chefe da CGG tinha a respeito das tarefas

necessárias para o desenvolvimento da agricultura em São Paulo. Além de descrever e analisar

suas propostas, se pretende também apontar sua possível repercussão sobre a formulação da

plataforma política e econômica do sindicato patronal dos agricultores, primeiro na Sociedade

Pastoril e Agrícola e em seguida na sua sucessora, a Sociedade Paulista de Agricultura.

Inicialmente far-se-á um levantamento dos estudos que levaram Derby a escrever o

seu artigo “Contribuição para o futuro da agricultura de S Paulo”, que já traz implícita no título

sua intenção: procura definir o que deveria ser feito no futuro para o bom andamento da

agricultura paulista. Como antecedente é possível detectar a presença dos artigos “Contribuição

para o estudo da geografia física do vale do Rio Grande”, que está na gênese de seu pensamento

sobre as terras de campo, e os boletins que contém notícias sobre a exploração do Rio

Paranapanema, de Theodoro Sampaio e os levantamentos botânicos realizados pela Seção

Botânica da CGG chefiada por Löfgren.

4.1 A exploração do Vale do Rio Grande, por Derby.

Ainda na época em que era naturalista viajante do Museu Nacional71, Derby fez um

estudo sobre o Vale do Rio Grande, tanto na sua porção paulista quanto mineira, ocasião em que

percorreu a zona pelas ferrovias que serviam àquelas localidades. Dessa excursão resultou o

artigo “Contribuição para o estudo da geografia física do vale do Rio Grande”, publicado em

1885, no qual o geólogo mostrava que essa área estava apta a se converter para o Brasil no que

71

Segundo os Fastos do Museu Nacional (1905, p.53), em agosto de 1878 Orville Derby “assumiu a direção da 3ª

secção do Museu, como funcionário contratado, sendo-lhe permitido ocupar-se dos trabalhos da extinta comissão

geológica [do Império]” Em São Paulo, a partir de 1886, Derby continuaria a realizar trabalho idêntico.

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era o Vale do Mississipi72 para os Estados Unidos: uma importante área de produção agrícola. A

constatação mais surpreendente foi o fato de haver a predominância de campos, que eram terras

inaproveitadas para o cultivo devido aos métodos inadequados com os quais se praticava a

agricultura na época. Constatou também que o senso comum acreditava que a presença dos

campos era devia-se à má qualidade do solo, que ele qualificava como sendo uma ideia

preconceituosa:

“Sejam quais forem as causas, que determinam a distribuição de matas e

campos, basta a mais ligeira observação, para desvanecer o preconceito

geral de que a qualidade do solo é a principal, e que os campos são

necessariamente estéreis e as matas férteis.” (DERBY, 1885, p. 304).

Desvanecer preconceitos, esse é o indício que permite que se perceba, para alem do

econômico e do social, a dimensão também cultural - e aqui entendida como imaginário, no

sentido atribuído a essa palavra por Sandra Jatahí Pesavento - do trabalho de Derby. Preconceitos

são representações criadas no campo da cultura e são baseados no senso comum. Sobre esses

preconceitos, na verdade, eles são as representações que foram sendo construídas ao longo do

século XIX, talvez até mesmo antes, conforme já vistos anteriormente. Nesse caso, nos

preconceitos sobre as terras de campo, a representação não é a realidade, mas uma leitura que se

faz da realidade. E Derby tinha como meta demonstrar que representações seculares estavam

equivocadas. Tarefa hercúlea, sem dúvida.

Continua Derby a explicar:

“Nas margens das matas vêm-se terras da melhor e da pior qualidade,

passando delas para o campo sem modificação, a não ser na proporção

de matéria orgânica e húmus, cuja maior abundância na mata deve ser

considerado como efeito (em virtude das condições mais favoráveis de

conservação) e não como causa.” (DERBY, 1885, p. 305).

Dois pontos precisam ser observados: primeiro que o cientista não se arriscava a

penetrar na mata, portanto a paisagem que relata é vista, sobretudo, das janelas de um vagão de

trem e das bordas da mata e, em seguida, de que nela existem tanto terras de boa, quanto de má

qualidade.

72

Derby quase acertou na profecia: a região de Ribeirão Preto, no vale do Rio Pardo, afluente do Grande, é

conhecida por Califórnia brasileira devido à exuberância de sua agricultura.

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Derby (1885, p. 305) não está seguro na determinação dos motivos da distribuição

natural de campos e matas no território: “Parece que as causas determinantes devam ser

procuradas nas condições de clima, de drenagem etc.”. Está inseguro sobre as causas reais, mas

tem certeza de que o senso comum está errado, pois a as explicações não deveriam ser buscadas

“numa diferença original dos caracteres químicos e físicos do solo”. Ou seja, os chamados

“padrões de terra boa”, usados inclusive por Theodoro Sampaio na sua exploração do Vale do

Paranapanema, que são um tipo de saber consagrado pelo tempo, que associa terras férteis á

presença de matas exuberantes, não se confirma cientificamente, daí ser qualificado por ele de

preconceito. Não se confirma justamente porque há grandes matas em solos ruins e campos em

solos férteis.

Sua proposta em 1885, ainda no Museu Nacional, para a ocupação econômica das

áreas campestres é a agricultura científica:

“As capacidades agrícolas debaixo de um sistema racional de cultura

dos campos nunca foram experimentadas, mas não é muito arriscado

profetizar que, quando forem, serão encontradas, como nas matas terras

boas e terras fracas, mas que, no geral os resultados serão bastante

satisfatórios para destruir a crença tão enraizada de que só prestam para

a criação” (DERBY, 1885, p. 305).

A agricultura racional proposta por Derby é a agricultura científica. Portanto, em

1885, um ano antes da criação da CGG, Derby, além de demonstrar o imenso potencial

econômico do território do Vale do Rio Grande, propunha a ocupação econômica dos campos

com agricultura científica. Esses campos serão mais tarde chamados por ele de “reservas para o

futuro”, num porvir não muito distante quando não haverá mais terras com mata virgem. Ele

mesmo vê um tom profético nas suas previsões para essa região.

Figueirôa (1987, p 21) aponta, como fio condutor do projeto político dos homens do

café, a garantia da expansão e da rentabilidade da lavoura cafeeira. É dentro desse contexto, que

vinha se gestando desde os anos de 1870, que esse artigo de Derby deve ser entendido, embora

fosse ainda patrocinado pelo governo imperial. Outra possibilidade, que não exclui a primeira,

era a de que, talvez já em 1885, se estivesse buscando alternativas para os agricultores do Vale do

Paraíba, haja vista a grande migração dos fazendeiros daquela área para o chamado Oeste

paulista. Enfim, Derby, antes mesmo da criação da CGG, acrescentou aos fazendeiros de São

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Paulo: a) a possibilidade de se identificar as áreas de terras férteis através de estudos geográficos

e geológicos; b) a expansão das lavouras pelas terras de campo; c) a adoção da agricultura

científica.

Esse artigo veio, portanto de encontro aos interesses dos fazendeiros do estado de São

Paulo, que acabaram por criar a Comissão Geográfica e Geológica e fizeram dele - Derby - seu

chefe e seus estudos paleontológicos acabaram por ficar em segundo plano. Além das qualidades

intelectuais, Derby tinha intuição bastante forte e viu nas possibilidades do reconhecimento

geográfico e geológico do território um terreno fértil, sem trocadilho, para a sua atuação

profissional no Brasil, isto é, um manancial a ser explorado sob várias facetas e construiu uma

trajetória intelectual profícua.

Uma vez criada, em 1886, sob a orientação de Derby, os trabalhos da CGG se iniciam

pelas expedições de reconhecimento do território, com o objetivo imediato de fazer a carta

geográfica do estado e de procurar terras agricultáveis para o café, mas concomitantemente estes

estudos, conforme já dito, estabeleceram um intenso diálogo com a agronomia, com a botânica e

com a zoologia enquanto ramos do conhecimento aplicados à agricultura e à pecuária.

Para além de questões científicas específicas de seu campo de estudo, a CGG também

intervinha direta ou indiretamente em assuntos relacionados à agricultura, seja emitindo pareceres

ou demonstrando qualidades de certas plantas e sobre os modos de cultivá-la. Seja na descrição

das raças bovinas, além de outras em nível de políticas agrícolas, tais como a criação de um

Serviço Florestal, mais tarde de um Código Florestal. Löfgren e Ihering discorreram sobre os

mais diversos assuntos relacionados às práticas agrícolas.73

Tanto a Comissão Geográfica e Geológica, sobretudo esse texto específico de Derby,

quanto a SPA através da Revista Agrícola, foram os responsáveis pela construção de uma nova

maneira de se enxergar a natureza e a população do estado de São Paulo. Nas representações

artísticas e literárias do período anterior à CGG não se encontram artigos descrevendo as

maravilhas dos estrumes e dos fosfatos, o milagre das novas variedades de plantas resistentes às

73

Ver no Anexo II, a relação dos artigos que Löfgren, Ihering, Theodoro Sampaio e Derby publicaram na Revista

Agrícola.

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pragas, as vicissitudes do clima e outras práticas da agricultura científica. A incorporação desses

temas pela sociedade do período se deve ao impacto favorável que a produção científica

originária das expedições de exploração do território realizadas pela CGG, particularmente das

Seções de Botânica e de Climatologia, causaram. As noções de mudança nos regimes de chuvas e

desertificação causadas por práticas agrícolas inadequadas, bem como sobre o rápido declínio dos

cafezais se espalharam por toda a sociedade culta da época. O novo conhecimento do território

implicou o conhecimento da natureza e o reconhecimento de uma cultura sertaneja em São Paulo,

embora este último fosse carregado de preconceitos classistas. As representações literárias e

pictóricas do final do século XIX e início do século XX sobre as áreas campestres e seus

habitantes foram construídas inspiradas direta ou indiretamente na produção científica da CGG e

da Revista Agrícola. As representações literárias inspiradas por essa produção científica serão

estudas nos capítulos seguintes.

Conforme já visto, nos Relatórios de Atividades da CGG de 1888, Derby designou

as terras de campo como reservas potenciais para os agricultores paulistas. Em 1895 ele retomou

ao assunto no seu artigo “Contribuição para o Considerações sobre o futuro agrícola do estado de

S. Paulo” e mostrou que tais áreas somente sobreviveriam intactas enquanto houvesse terras com

mata virgem disponíveis, cuja fertilidade do solo era sobejamente conhecida. Acrescentou

também que nem todas as áreas campestres eram naturais.

Em 1895, a ferrovia atendia a um terço do território paulista e ainda não havia

alcançado parte significativa das terras ocupadas por campos nativos ou cerrados, mas já se

observava com frequência, ao longo dos trilhos, porções de campos produzidos artificialmente

pela incúria humana, seja pelas frequentes queimadas ou incêndios acidentais causados pelas

fagulhas que escapavam das chaminés das locomotivas74

ou por coletores de mel, que se valiam

da fumaça para espantar os enxames de abelha. Não se descartando também a hipótese de haver

incêndios criminosos causados por vingança política ou desavenças pessoais e também os casos

de pirotecnia.

74

Somente no início do século XX, foi inventado aquele tipo de chapéu que era colocado sobre chaminés das

locomotivas para impedir que as fagulhas se espalhassem.

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4.2 A exploração do Vale do Paranapanema, por Theodoro Sampaio.

No Boletim nº 4 da CGG, de 1890, Theodoro Sampaio fez menção à necessidade de

ocupação das áreas de campo. O autor chamava seu libreto de “notícia” e informava que ela

complementava o seu relatório sobre os trabalhos de exploração dos rios Itapetininga e

Paranapanema. Mostrava que os campos, que constituíam mais da metade da região por ele

estudada, eram férteis, embora talvez fossem impróprios ao plantio do cafeeiro, mas podendo ser

usados para outras lavouras:

“Os campos são na realidade reservas do futuro, serão um dia o teatro

de uma lavoura, mais inteligente e racional, quando o coeficiente da

população relativa deixar de ser uma fração para se tornar o

representativo de muitas dezenas de entes humanos por kilometros

quadrados do nosso território. Então os campos que representam tantos

mil kilometros de terras abertas e desimpedidas, com superfície igual ou

quase nivelada, com uma temperatura branda e clima saudável, serão de

fato, como solo eminentemente arável, o teatro de uma poderosa cultura

intensiva.” (SAMPAIO, 1890, p. 17).

Como se pode observar é uma leitura muito semelhante à que Derby fizera sobre o

Vale do Rio Grande: as terras de campo deveriam ser ocupadas por uma lavoura racional. A

defesa da policultura aparecerá na última década do século XIX como alternativa de ocupação

econômica para uma área considerada inadequada ao café e como substituição de importação de

gêneros alimentício e fibras têxteis. Em Sampaio, a ocupação dos campos era designada como

um porvir não muito distante quando a população aumentasse.

O autor não toca na questão da preservação da Mata Atlântica, pelo contrário, exalta

as qualidades das terras cobertas de florestas por ele visitadas, que poderiam em breve ser

ocupadas pela lavoura cafeeira. Sampaio seguia os critérios da época ao usar como indicador de

solos férteis a presença de certas árvores que só crescem em terras boas para o café:

“A mata virgem oferece; aos conhecedores da boa terra os indícios mais

inconcussos da sua superioridade, a figueira branca com as raízes

colossais - o pau d'alho, a peroba com grossos troncos. Unheiros, a

cabriúva, o cedro, a chumbuva, guaraitá, o jataí, jacarandá são aí

árvores gigantescas. Enorme variedade de cipós ou plantas sarmentosas

faz através da mata uma rede impenetrável. Grande abundância de

orquídeas e de bromélias cobrem os troncos envelhecidos, enquanto da

massa espessa da folhagem se levantam esbeltas e lindíssimas palmeiras

de que também ha aqui grande variedade.” (SAMPAIO, 1890, p. 13).

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A notícia da existência desse tipo de terra deve ter feito a alegria de muitos

fazendeiros pois Sampaio indicou a existência de terras férteis disponíveis. Do ponto de vista do

ambientalismo do século XXI, fica-se perplexo ao notar que para a CGG a terra e a natureza eram

vistas como recursos naturais75

isto é, como algo a ser explorado economicamente, mas não se

pode cobrar de Theodoro Sampaio atitudes em favor da proteção da natureza que se

desenvolveram muito posteriormente, risco comum nos historiadores ambientais, conforme

apontado por Martinez (2003)76

, mas, correndo esse risco, ele descrevia a exuberância da mata

virgem para poder... cortá-la!

Não se espera encontrar em cientistas ou exploradores do século XIX posturas de

ambientalistas modernos em defesa da natureza, sobretudo aquelas popularizadas após a

publicação do trabalho-denúncia de Raquel Carson77

e da Conferência Ambiental de

Estocolmo78

, realizada em 1972, com propostas que estruturaram o movimento ecológico a partir

de então. Conservação da biodiversidade, apontamentos sobre o esgotamento dos recursos

naturais, a defesa da qualidade de vida são bandeiras do ambientalismo moderno. Também não se

deve dispensar às discussões das mudanças climáticas do século XIX o mesmo tratamento dado a

questão hoje. Seriam anacronismos imperdoáveis em historiadores profissionais. Um dos

objetivos dessa pesquisa é analisar a leitura que esses autores ligados à CGG faziam do meio

ambiente e não o de encontrar neles atitudes ambientais inexistentes em sua época. Entretanto, as

práticas ambientalistas modernas podem iluminar uma análise ambiental do passado, desde que

se esteja atento às armadilhas apontadas por Martinez. (2003)

Há aparentemente em Sampaio um êxtase típico do romantismo na apreciação da

paisagem. Na verdade, o seu deslumbramento é causado não pela natureza enquanto valor

75

Para a visão da natureza como recurso natural, ver Figueirôa, 1987, p. 98. 76

Segundo Martinez (2003, p. 199). “a identificação de vínculos entre o passado e o presente, a tentativa de fazer

com que o passado ilumine a compreensão do presente, tanto quanto fazer com que este também contribua para o

melhor conhecimento daquele” é “um valioso procedimento analítico, sempre difícil, sempre desafiador”. Os riscos

“são grandes, pois o anacronismo pode campear e o historiador fraquejar. Lamentável armadilha a que todos os

que lidam com o estudo do passado estão submetidos”. 77

Livro lançado nos Estados Unidos em 1962 com o título de Silent Spring. Em português: Primavera Silenciosa.

Lisboa: Pórtico, c1962. 359 p. 78

A Organização das Nações Unicias reuniu em Estocolmo, “representantes de 113 países com o objetivo de

estabelecer uma visão global e princípios comuns que servissem de inspiração e orientação à humanidade, para a

preservação e melhoria do ambiente humano” (DIAS, 2000, p. 79).

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intrínseco em sua diversidade biológica ou beleza cênica ou poética, mas pelo seu valor potencial

para o aumento da riqueza pública e ao fato de ter atingido seu objetivo: encontrou terras férteis

em grande quantidade, ou seja, disponibilizou aos fazendeiros e demais interessados informações

que eles esperavam encontrar79

. Portanto, o contentamento é devido ao sucesso da exploração ao

encontrar tais terras. O indício, no sentido ginzburguiano, que permite essa inferência é o fato

dele destacar que por baixo dessa natureza exuberante havia terra boa, de superior fertilidade. É

um êxtase análogo aos dos bandeirantes quando descobriam ouro no sertão em séculos anteriores.

4.3 O levantamento da Flora Paulista, por Alberto Löfgren

A leitura atenta do Boletim número 5 da Comissão Geográfica e Geológica, do

mesmo ano que o anterior, lança novas luzes sobre a questão do uso dos campos. Alberto

Löfgren, seu autor, foi designado por Derby para estudar a flora da região campestre de São

Paulo. Já no princípio do texto expõe seu estranhamento. Por que não começar pelas matas,

parece perguntar. Seria o mais óbvio. Löfgren apresentou duas justificativas para o seu plano de

trabalho. A primeira razão é evasiva, prefere apontar que afinal tinham de começar por algum

lugar, ou seja, de que seria uma escolha ao acaso, alegando imposição metodológica:

“Efetivamente, o explorador botânico no Estado de S. Paulo não pode

produzir trabalho algum de valor, nem apresentar resultados

satisfatórios ou dar uma ideia exata da distribuição característica desta

multidão de vegetais, sem plano previamente traçado. Reconhecendo essa

verdade foi que, por indicação do ilustrado chefe Dr. Orville A. Derby,

iniciamos os nossos trabalhos com o estudo da flora dos campos.”

(LÖFGREN, 1890, p. 3)

O seu estranhamento inicial provém do fato não ter ainda uma justificativa clara para

sua resposta sobre os motivos que o levam a optar por iniciar pelos campos. Diz que apenas

separou os biomas e escolheu um para começar, ficando-se com a impressão de que foi uma

escolha aleatória. É possível também que seja um estratagema para livrar-se de uma

79

Já em 1900, Henrique Raffard, que era secretário do IHGB em empresário do setor canavieiro, em Capivari, SP,

constatava os bons resultados da expedição da CGG à área: “Em consequência dessa exploração afluíram para o

vale do Paranapanema braços e capitais, aumentando a riqueza pública de S. Paulo em muitos milhares de contos

de réis” (RAFFARD, 1900, p. 152).

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responsabilidade com aparência de absurda ao olhar do leigo, sobretudo da imprensa. Estaria,

portanto se defendendo antecipadamente de possíveis críticas. Pode ser também que estivesse

querendo agradar ao chefe. Em seguida, apontava as verdadeiras razões sobre os motivos de se

começar o estudo pelas áreas de campo: eram de natureza econômica.

“A razão de começarmos por essa zona baseia-se na sugestão do mesmo

Dr. Derby de que os campos talvez não sejam tão-estéreis como são

reputados e que seria de incalculável alcance prático achar provas

concludentes do contrário e contribuir deste modo para arrancar da

inação em que jazem estes vastos territórios desprezados, que um dia

talvez possam ser entregues a lavoura, criando assim novos meios de

riqueza, a este já tão próspero Estado.” (LÖFGREN, 1890, p. 4).

Para Derby as terras de campo se constituíam numa reserva econômica para o futuro,

ou seja, vê a potencialidade dos campos como recurso natural a ser aproveitado. Potanto, Löfgren

deixa claro que Derby indicou o começou da exploração pelas áreas campestres para provar que

elas não eram estéreis. O chefe da CGG deve ter dado a mesma instrução a todos os membros da

Comissão. Por outro lado, a explicitação feita por Löfgren de que foi Derby e não ele era o autor

do plano de trabalho de se começar pelos campos, parece sugerir certo desapontamento ou

descontentamento, pois o previsível seria estudar a Mata Atlântica. Estaria a dizer que tal

disparate não era de sua responsabilidade? Esse libreto especificamente deixa entrever isso, mas

em escritos posteriores há uma plena aceitação da ideia.

Existe uma semelhança muito grande entre as leituras que Löfgren e Sampaio fazem

da área de campo, pois ambos seguiam a mesma orientação de Derby. A principal diferença é que

Löfgren notou o fato de haver, além dos campos naturais, também os artificiais formados por

“queimadas sucessivas” do “cerradão”80

. A formação dos campos não foi discutida por Sampaio

nesse estudo. Löfgren pôde perceber que as queimadas eram responsáveis pela formação campos

porque estudou uma região de ocupação mais antiga e regiões que eram originalmente cobertas

por matas, mas que naquela época já estavam intercaladas por campos artificiais, enquanto que os

vales do Itapetininga e Paranapanema81

eram ainda quase que inexplorados pela lavoura

80

Löfgren (1890, p. 4) refere-se às regiões de Rio Claro. Também àquelas ao longo das estradas de ferro Mogiana

(entre Mogi Mirim e Casa Branca) e da Cia Paulista, que compreende toda a área de Pirassununga e Araraquara. 81

O trabalho de Anfrísio Rodrigues Neto (2011) sugere que algumas dessas áreas poderiam ter sido devastadas para

a extração de lenha para os fornos da Fábrica de Ferro de São João do Ipanema.

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extensiva, onde presumivelmente não havia tantas terras devastadas, ou seja, em sua maioria, os

campos que Sampaio avistou eram predominantemente naturais.

A percepção que Löfgren teve de que os campos eram formados a partir de

queimadas sucessivas foi incorporada por Derby artigo “Considerações sobre o futuro agrícola do

estado de S. Paulo”.

4.4 Análise do artigo “Considerações sobre o futuro agrícola do estado de S. Paulo”, de

1895, de Orville Derby.

Neste texto, Derby é enfático ao descrever a paisagem: chama a atenção para o fato

de que quando até mesmo um turista viajando descompromissadamente a percorrer o interior do

estado, ao observar a paisagem, seja ela rural ou urbana, a vê com um olhar bastante parcial,

enxergando apenas os belos aspectos que lhes sejam convenientes, esquecendo-se daqueles que

são feios ou desagradáveis:

“Os touristes nacionais e estrangeiros, que percorrem as estradas de

ferro de S. Paulo costumam descrever com bem justificado entusiasmo o

belo aspecto; das cidades e vilas, a prospera e risonha aparência das

fazendas que aqui e acolá se avistam ao longo das estradas, e muito

particularmente a beleza incomparável dos cafezais, as verdadeiras joias

do Estado. Pela maior parte, porém, deixam de mencionar léguas e

léguas de campos, sapezais, samambaias e capoeiras incultas que,

entretanto, para o bom observador, constituem a feição dominante da

paisagem”. (DERBY, 1895, p. 67)

Trata-se de um olhar pouco comum sobre a paisagem paulista, porque essa imagem

era quase inédita na literatura agronômica ou propagandística da agricultura moderna, ao menos

em São Paulo, qual seja, a de que os campos naturais ou produzidos artificialmente - e até então

inaproveitados - se constituíam na feição predominante da paisagem, que, por oposição às

paisagens das cidades e das fazendas, que eram prósperas e risonhas, a dos campos pode-se

inferir que eram tristes e desanimadoras. Derby chama a atenção dos leitores, sobretudo ao fato

delas serem dominantes na paisagem. E, finalmente, concluiu que, devido as suas grandes

dimensões, as paisagens campestres do interior paulista podiam ser definidas como “vastas

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extensões de deserto cercando oásis de cultura”. (DERBY, 1895, p. 67). Presume-se que ao

redor as ferrovias não se avistavam mais matas virgens: apenas campos, capoeirões e plantações.

Embora não estivessem presentes na literatura agronômica até então, em pouco

tempo, nos primeiros anos do século XX, a ocupação econômica das terras de campo se tornará

tema constante na Revista Agrícola. Na literatura agronômica, a ocupação dos campos era uma

bandeira importante desde a criação da Sociedade Pastoril e Agrícola em 1895, mas enquanto

prática agrícola far-se-á paulatinamente, pois a lavoura do café, com sua altíssima rentabilidade,

era o foco de todas as preocupações. A partir de 1904, no governo Tibiriçá, haverá um aumento

de incentivos reais à policultura, mas ainda assim restrito a poucas iniciativas isoladas82

. As

imagens tristes e desanimadoras da região campestre, que até 1895 eram pouco notadas, serão

fortemente marcantes em obras literárias de anos mais tarde, sobretudo em Euclides da Cunha e

Monteiro Lobato.

Os campos que Derby observou não eram apenas os naturais, mas sim em grande

parte produzido pelos homens e que somente seriam aproveitáveis para a agricultura sob duas

condições: com a introdução de novas culturas adequadas a esse tipo de solo e com o uso de

métodos racionais. Além da agricultura, esses campos poderiam ser aproveitados também pela

pecuária científica.

O olhar derbyano sobre a paisagem paulista causava estranhamento porque ele

expunha o que não deveria ser exposto, que eram três aspectos intimamente ligados. O primeiro

aspecto a ser considerado é que a formação do “deserto”83

era resultante de práticas agrícolas

inadequadas, que provocavam destruição. Entretanto essas práticas vinham sendo combatidas

desde José Bonifácio84

com seus desertos da Líbia85

; com o Imperial Instituto Fluminense de

82

A de maior sucesso foi a plantação de arroz do vale no Paraíba, mas houve também a criação do Horto Botânico de

Cubatão, para o aproveitamento das terras do litoral e fundação de colônias para o cultivo plantas alimentícias e

têxteis. Na iniciativa privada, ganhava espaço a silvicultura com a plantação de eucaliptos, que dará prioridade, mas

não exclusividade, à ocupação de solos inadequados ao café. 83

Observa-se que nos escritos da CGG a palavra deserto é usada em duas acepções. Na primeira para designar o

sertão distante, desconhecido, quase despovoado, habitado por índios bravos. Em Löfgren e Derby é também usado

como sinônimo de áreas degrada. E nenhuma delas corresponde ao significado mais usual do termo, que é o de terra

estéril. 84

As referências a José Bonifácio aparecerão somente em 1910 com os artigos de Antonio Gomes do Carmo

publicados na publicados em A Lavoura. O autor se surpreende com a atualidade de Bonifácio enquanto reformador

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Agricultura; com a Escola Bahiana de Agronomia dentre outros. A pergunta que se faz é porque

não era mostrado, na literatura agronômica da época, dimensão do estrago ambiental praticado

pela lavoura cafeeira, ou seja, o fato das terras se tornarem inaproveitáveis em função das práticas

agrícolas de então. A resposta mais apropriada certamente refere-se ao fato de haver ainda muita

terra com mata virgem e solo fértil, mas ao final do século XIX elas estavam se esgotando. A

segunda possibilidade de resposta, que transcende o econômico, parece ser o ufanismo reinante

durante os primeiros anos do período republicano, resultante da necessidade de mostrar o Brasil

ao mundo como um país civilizado e a região cafeicultora do Sudeste como a mais progressista:

“A muitos paulistas justamente orgulhosos do progresso e riqueza do seu

Estado, a frase parecerá dura, porém, a estes se convida a percorrerem

com os olhos abertos, uma qualquer das vias férreas de uma extremidade

a outra, notando cuidadosamente a proporção relativa das áreas

aproveitadas para a cultura regular e as inaproveitadas e que eles

próprios consideram - como inaproveitáveis”. (DERBY, 1895, p. 67).

Para Derby, o orgulho paulista ferido não permitia que se observassem os aspectos

indesejáveis da paisagem.

No século XIX, a partir de 183686

, procurava o romantismo brasileiro dar uma cor

local e um passado mítico ao culto à natureza no Brasil. A busca dos românticos era encontrar na

natureza tropical, os elementos formadores da nacionalidade. Consuelo Alcioni Borba Duarte

Schlichta, baseada em Antônio Cândido87

, mostra que na

“criação de símbolos ou mitos, os artistas românticos tentam justificar e

explicar a nacionalidade, de um lado, por meio da celebração da

natureza tropical e do indígena como o dono da terra e identificado com

suas belezas.” (SCHLICHTA, 2006, p. 90).

da agricultura e lamenta o seu esquecimento. Ihering (1911, p. 489) se referiu a Bonifácio numa conferência

proferida em Piracicaba, seu mais eloquente protesto contra o desmatamento, resgatando Bonifácio enquanto

defensor das matas. 85

José Augusto Pádua, 2000, analisou a questão ambiental na obra de José Bonifácio, que argumentava que o Brasil,

dado o tipo irracional de agricultura que se praticava no país, se tornaria um deserto semelhante ao da Líbia. 86

1836 foi o “Ano da publicação do livro Suspiros Poéticos e Saudades, de Domingos José Gonçalves de

Magalhães (1811-1882) (...) e perdura até aproximadamente 1881, quando a obra O Mulato, de Aluísio Azevedo,

traz em seu bojo as premissas da tendência realista e naturalista que influenciarão as artes no Brasil, a partir de

então.” (SCHLICHTA, 2006, p. 89). 87

CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (1750/1836). 7. ed. Belo

Horizonte (MG): Itatiaia, 1993. v.1. p. 281.

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A exuberância de nossa paisagem, idealizada ao extremo, definia a nossa

especificidade no contexto das nações e, na falta de um Ivanhoé ou de uma Joana d’Arc, o culto

ao indígena, também idealizado, conferiam à jovem nação um passado de longa duração, anterior

à ainda recente descoberta. São expressões do culto à paisagem, dentre vários, o celebre poema

de Gonçalves Dias, “Canção do Exílio” com suas palmeiras e sabiás e da exaltação do indígena

por José de Alencar com suas personagens Ubirajara, Iracema e Peri, embora ambos os temas, o

indianismo e o culto à paisagem, estivessem presentes nos dois autores, pois é impossível ser

indianista sem o culto da paisagem, que é o habitat natural do ameríndio. Nos autores

românticos, a paisagem provocava a exaltação dos sentidos88

. Deste imaginário romântico

fortemente arraigado advém a resistência da sociedade paulista em notar os campos naturais. Os

campos provocavam nela efeito oposto ao que a floresta provocava, ou seja, indiferença e até

mesmo repugnância.

O segundo aspecto, na análise de Derby, a causar estranhamento é que em São Paulo,

apesar da propalada prática de progresso e da fabulosa riqueza, ainda se praticava a agricultura

rotineira (a ferro e fogo) - as tais “práticas agrícolas rudimentares e pouco remuneradoras”, como

diz Derby - e que mudanças nessa forma de agricultura dependiam de transformações de outra

natureza, que possibilitassem o desenvolvimento de outras lavouras que não apenas a cafeeira, o

que na época, ao menos até as primeiras crises de superprodução de café, parecia não ser de

interesse de ninguém, pois o café era altamente remunerador. Mais uma vez Derby tocou num

assunto capaz de ferir os paulistas mais sensíveis: o atraso da agricultura não era nada compatível

com os ideais de progresso da elite do estado.

Para viabilizar a introdução de outras lavouras compatíveis com as terras de campo os

governantes deveriam, através de amplas reformas, reduzir os custos de produção e transporte,

porém, afirma Derby, para consegui-lo seria necessário “efetuar um conjunto de reformas

políticas, administrativas, sociais, industriais e agrícolas, das quais somente algumas das

últimas podem ser mencionadas neste lugar”. (DERBY, 1895, p. 68)

88

Valdeci Rezende Borges (2006) fez uma interessante apresentação desse tema, a exaltação dos sentidos, ao

descrever os encantos que a exuberância da floresta da Tijuca provocava em José de Alencar (p. 107 - 108). Alencar

chegava quase ao êxtase. A preocupação de Borges nesse artigo é com a formação da nacionalidade.

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Observe-se a última sentença, “por que somente algumas das últimas podem ser

mencionadas nesse lugar”. Não poderia mencionar as reformas políticas necessárias, por quê? Por

se tratar de uma revista agronômica e não política? Ou se trataria dos limites das páginas do

próprio artigo? Ou seria autocensura, pois o cientista não deveria se meter em política? A real

questão parece ser a dos limites relacionados à produção científica na época. O autor deveria

evitar, para o bom andamento dos trabalhos da CGG ou o comprometimento de seu cargo, temas

que pudessem causar polêmicas ou problemas políticos. Essa era uma característica valorizada na

época: em 1900 Henri Raffard, em artigo na revista do IHGB, reconheceu esse fato como sendo

uma característica da CGG desde sua criação:

“Empenhado em satisfazer o conselheiro João Alfredo com a almejada

passagem da lei [pela Assembleia provincial], o conselheiro Rodrigo

Silva obteve do conde do Pinhal, leader dos liberais, a apresentação do

projeto que foi aprovado com o concurso de todos. Portanto, sem sombra

de partidarismo, feição que até hoje teve a fortuna rara de conservar.”

(RAFFARD, 1900, p. 150).

Derby, até onde se sabe, não escreveu abertamente89

sobre política, mas mantinha

relacionamentos profundos com a família Prado, sobretudo com Eduardo Prado, que era

monarquista ferrenho. Frequentava os salões de D. Viridiana, privilégio de poucos, e participava

do cotidiano da família, onde frequentemente fazia refeições. O prédio da Rua da Consolação,

onde durante muito tempo funcionou a CGG, foi alugado pela família ao Estado para instalar a

Comissão. Antonio Prado90

e João Alfredo Correia de Oliveira, presidente da província de São

Paulo de 19 de outubro de 1885 a 26 de abril de 1886, eram ligados ao Partido Conservador.

Derby mantinha também relacionamentos com intelectuais monarquistas, que prestaram

relevantes serviços ao país inclusive na era republicana ao solucionar intrincadas questões de

limites, tais como, Joaquim Nabuco91

e Barão do Rio Branco, com os quais deve ter travado

conhecimento por meio de Eduardo Prado, habitué das residências de ambos em Paris. Era

89

A única menção a respeito da simpatia intelectual de Derby pelo Imperador foi o testemunho de Theodoro

Sampaio: “Agassiz, Hartt, Gorceix e Derby não encontraram, nesse país, ninguém mais cientificamente orientado

no progresso de suas investigações e estudos do que D. Pedro. Orville Derby disse-me por vezes: - “não tenho, no

governo, com quem me entender mais cabalmente em matéria de ciências do que com o Imperador.” ( SAMPAIO,

1925, p. 142) 90

Era, quando da criação da CGG, Ministro da Agricultura no gabinete do Barão de Cotegipe. 91

Nabuco foi padrinho de casamento de Eduardo Prado.

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amigo, colaborador e admirador de Capistrano de Abreu92

, que era republicano, mas também

ligado ao grupo do Barão.

Não se sabe a respeito das ligações de Derby com republicanos históricos. Somente é

possível afirmar com segurança que era amigo de Euclides da Cunha que, embora republicano

convicto, não teve participação ativa na proclamação e nem nos rumos da República. Acabou por

ser incorporado pelo grupo do Barão do Rio Branco para tratar de limites com o Peru.

O pacto entre as elites politicamente divergentes, porém concordando quanto se

tratava de assuntos econômicos, que possibilitou a criação e aprovação da CGG em tempo

recorde, se fazia também presente na Sociedade Pastoril e Agrícola, mais tarde na SPA e na

Revista Agrícola, mas foi rompido em 1904, quando a dissidência do PRP ganhou as eleições

para o governo do Estado. Derby, em 1905, perdeu o cargo de chefe da CGG. Ao final do

governo Tibiriçá a revista deixará de existir93

e será recriada com o nome de O Fazendeiro e será

fortemente ligada à família Prado, mas os interesses da família já eram outros, conforme já visto.

Navarro de Andrade, diretor d’O Fazendeiro, pode ser considerado um representante dos

interesses da família.

Derby, no tocante ao atraso da agricultura, feriu o orgulho paulista e não se estendeu

no assunto, cuja transformação exigia reformas profundas em nível estrutural, provavelmente

para não afetar susceptibilidades políticas e colocar seu cargo ou trabalho em risco. Seus

compromissos políticos pareciam pender mais para os monarquistas.

O terceiro aspecto da visão derbyana da paisagem paulista que causava

estranhamento aos seus contemporâneos é que ele mostrava o feio, o sem valor, aquilo que

denigre, que deveria ser escondido, o que envergonha ou criava sentimentos de culpa. E esse feio

remetia ao medo, na época ainda difuso, do que hoje se poderia chamar de bancarrota, que seria a

92

Segundo Henri Raffard foi Capistrano quem indicou Derby para a presidência da CGG: “Informado do plano do

Conselheiro João Alfredo, lembrou-se o Dr. Domingos Jaguaribe de o comunicar ao historiador e geógrafo João

Capistrano de Abreu que indicou para sua realização o Dr. Orville A. Derby, diretor da secção de geologia do

Museu Nacional no Rio de Janeiro” (RAFFARD, 1900, p. 150). Em carta a Domingos Jaguaribe Jr., de 10 de maio

de 18 dizia que Derby “que a ti [Jaguaribe] quase exclusivamente atribui a grandiosa ideia [da criação] da Comissão

Geológico-geográfica (sic)” (ABREU, p.30, 1977) 93

Pode ser apenas coincidência, pois ela deixou de existir logo em seguida à morte de seu principal redator, o Dr.

Santos Werneck.

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consequência imediata do desgaste de todo solo disponível, trazendo à lavoura a decadência, ao

fazendeiro a pobreza e a emigração, ou, se se pensar de modo mais dramático, ao desterro. Essas

imagens serão apenas dedutíveis por oposição ao que Derby dizia ser de fato notado pelos

viajantes ao percorrerem interior do estado: a mata e a beleza das fazendas. Se notavam apenas

belo, consequentemente, o deixado de perceber era o feio. Euclides da Cunha e Monteiro Lobato,

em suas crônicas, farão descrições sublimes deste feio, como se verá mais adiante. Havia pouca

literatura, tanto científica quanto de ficção, chamando a atenção para o desmatamento e sua

consequente desertificação.

A palavra “deserto” é imprópria para designar as áreas campestres de São Paulo

porque não se criou um deserto stricto sensu, visto que se a terra ficasse abandonada por um

período maior de tempo a Mata Atlântica seria naturalmente recomposta, não em sua riqueza

original, mas formaria uma floresta semelhante à do Parque do Estado hoje existente na Capital

Paulista e no prazo geração a fertilidade do solo estaria reconstituída. A ideia de deserto nesse

caso está ligada à da perda de fertilidade do solo e, consequentemente, da terra não estar mais

apropriada à produção de café. Os métodos agrícolas em uso na época não previam a fertilização

do solo pelo homem. Derby inclui na categoria “deserto” áreas que

“sem ser estéreis (felizmente poucas há que em absoluto entram nesta

categoria,) são impróprias para esta cultura, e por consequência jazem

incultas ou aproveitadas em tão pequena escala que quase não contam

no cômputo da riqueza do Estado”. (DERBY, 1895, p. 68).

Terras ocupadas com lavouras de baixa produtividade também eram por ele colocadas

na condição de deserto, visto que seu critério para a definição de deserto é o econômico.

Praticamente tudo o que não era ocupado economicamente com o café formava, portanto, um

deserto. Não há menção à cana de açúcar de Porto Feliz e aos diversos engenhos centrais do

Estado, ao cultivo do algodão, que alimentava indústria têxtil em Sorocaba, Americana e

Piracicaba, à pecuária existente, que era o foco da Sociedade Pastoril e Agrícola. Também não

menciona a ocupação anterior à lavoura cafeeira94

. O interior de São Paulo foi ocupado por

94

Esse tema foi estudado por Gilmar Arruda. Em um texto fluente, carregado de oralidade e de reminiscências

pessoais, o autor mostra que o sertão não era um vazio demográfico, nem desconhecido, mas, apoiado em outros

autores, que seus primitivos habitantes foram combatidos e desqualificados pelos exploradores e, mais do que isso,

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refugiados da Revolta Liberal mineira de 1842, pelos que fugiam da convocação para a Guerra do

Paraguai e também por “grileiros, aventureiros, pistoleiros e foragidos da justiça” (MAHL,

2007, s/n).

Outros autores ligados à Revista Agrícola neste período têm percepção semelhante à

CGG quanto à desertificação, mas com outro enfoque, isto é, propunham o aproveitamento

imediato dessas terras e não viam nela a condição de reserva para o futuro. A título de exemplo,

podemos citar Antonio Gomes do Carmo, para quem

“a invasão do fogo nas matas, que cobriam os altos das nossas

montanhas, tem reduzido àquelas a imensos samambaiais, acabando as

madeiras que nos eram indispensáveis para a construção das nossas

máquinas e edifícios.” (CARMO, 1897, p. 16).

A preservação da mata, para Carmo, tinha um caráter utilitarista, pois havia a ameaça

de faltar madeira e lenha e também estava preocupado com alterações climáticas decorrentes do

desmatamento. Paralelamente, para as terras cansadas o autor pensa no uso de maquinário para

aproveitá-las melhor, pois a falta de máquinas somente se justificava “quando as nossas florestas

embaraçavam o lavrar a terra” (CARMO, 1897, p. 16), não vendo, portanto, o caráter de reserva

para o futuro nessas terras. Ou seja, as matas deveriam ser preservadas, pois tinham sua utilidade

e as terras agricultáveis já desmatadas, melhor aproveitadas. Nesse sentido, ele é mais

preocupado com a preservação das florestas do que Derby, que pensava na ocupação dos campos

enquanto possibilidade de expansão de negócios para quando não houvesse mais mata virgem.

Entretanto, é preciso ressaltar que Carmo se referia ao Vale do Paraopeba em Minas Gerais, que

não era uma região cafeeira e que tinha uma ocupação agrícola mais antiga.

E quem eram os causadores dos desertos? Löfgren atribui a responsabilidade sobre as

queimadas que criam desertos aos “moradores pobres [que] estabelecem-se no campo e ali fazem

as suas roças”. (LÖFGREN, 1890, p. 9). Ou seja, refere-se a pessoas que estão à margem do

sistema, não aos fazendeiros. Em Derby, há indícios de que os fazendeiros teriam certa

responsabilidade sobre o deserto. Refere-se ele às lavouras pouco produtivas, terras de mata com

culturas abandonadas e ou vitimadas por incêndios casuais. Entretanto não nomeia, isto é, não

foram excluídos da memória ou tiveram sua memória pervertida. O autor pretende resgatar a memória das sucessivas

gerações que participaram das transformações do espaço na Região de Tupã.

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explicita, os responsáveis pelas lavouras abandonadas e pelas matas queimadas. Ao não explicitar

os verdadeiros responsáveis pela lavoura itinerante, estariam Löfgren e Derby praticando a

autocensura para não criarem problemas de ordem política? Ou não teriam percebido a causa real

do problema?

O desmatamento não era assunto novo na literatura de viagem brasileira, mas era

frequentemente esquecido. O protesto mais radical talvez seja o de Severiano da Fonseca, médico

do exército brasileiro na Guerra do Paraguai e depois médico da primeira expedição que fizera

demarcação de limites entre Brasil e Bolívia, e chefe da segunda. A análise de seu texto é

importante por ser um contraponto às opiniões políticas moderadas, senão conservadoras, de

Derby e por ter sido professor no Colégio Militar onde Euclides da Cunha estudou, e com seu

radicalismo pode tê-lo influenciado.

João Severiano da Fonseca era irmão do então governador da província do Mato

Grosso, General Deodoro da Fonseca, mais tarde proclamador da República, e aponta para o

mesmo problema naquela província, o desmatamento:

“A beira do Paraguai, apesar da ignara devastação dos lenhadores, a

custo se avista um ou outro jacarandá, guatambu ou vinhático, que o

mais já têm desaparecido para converter-se em combustível para os

vapores que sulcam o rio: precioso material que só de longe em longe

deixa ver um ou outro exemplar, que de julho a setembro, na estação das

flores, tornam tão belas as matas, esmaltecendo-lhes o verde escuro com

as altivas grimpas transmutadas em ramalhetes enormes e formosíssimos,

brancos, amarelos róseos, escarlates e violetes. Se ainda abundam e

avultam os ipês, peiúvas na província, não é porque sejam pior

combustível, mas por embotarem os machados e cansarem o braço dos

lenhadores. Quanto mais escasso for o outro material de carvão,

quebracho, quebra machado dos espanhóis, será derrubado em tanta

cópia quanta se apresente; só a preguiça o têm poupado até agora.”

(FONSECA, 1880-1881, p. 152).

Ou seja, a devastação no Mato Grosso era intensa, muitas espécies já não existiam

mais na região ribeirinha, só eram avistadas ao longe95

na época da floração, sendo que o autor

achava que nem elas escapariam:

95

O autor faz anotações enquanto viajava de barco pelo Rio Paraguai.

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“Tempo virá, e não longe, que os vapores, já não encontrado madeiras

de lei para queimar, recorram às outras; e quando tudo estiver

completamente devastado, tudo consumido, buscarão outro recurso no

carvão de pedra.” (FONSECA, 1880-1881.p. 154).

A crise econômica do final do século XIX impedirá que o carvão mineral seja

importado devido a seu alto preço.

A transcrição desse texto se justifica, pois as condições da desertificação são, em

parte, análogas. No Mato Groso desmatava-se para a produção de lenha combustível para os

barcos a vapor da marinha mercante, que, finda a guerra, começaram a transitar livremente pelo

Rio Paraguai, e embora ainda fosse uma frota pequena, tenderia a crescer. Provavelmente

também havia contrabando dessas madeiras para as repúblicas platinas, de onde talvez fossem

reexportadas para a Europa. Em São Paulo, o corte das florestas era para a constituição de

lavouras de café e, a partir do “encilhamento” (1890), para o uso da lenha como combustível das

locomotivas das vias férreas - fato, aliás, não citado por Derby, o quê, dada sua capacidade de

percepção, seria bastante improvável. Talvez ele não quisesse se indispor com o empresariado

ferroviário, que era também o empresariado agrícola, sobretudo com a família Prado, proprietária

da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a mais importante do estado. Também pode indicar

que não havia lido Fonseca, mas isso é pouco provável, pois o livro alcançou grande prestígio

junto ao IHGB e foi bastante comentado na imprensa96

. O texto de Fonseca foi publicado cerca

de quinze anos antes a esse de Derby. Fonseca nomeava claramente os sujeitos da destruição

ambiental no Mato Grosso. Derby não fazia o mesmo para São Paulo.

Contrariamente a Derby, que via a destruição da floresta como inexorável e já

procurava alternativas a ela, Fonseca estranhava a indiferença da província mato-grossense

perante a devastação:

“E já que há ocasião para falar nessas derrubadas, nessa devastação

sem limites, verdadeira depredação do Estado, seja lícito estranhar-se a

indiferença com que a província vê arderem essas riquezas tão fácil de

ser aproveitadas.” (FONSECA, 1880-1881, p. 153).

96

Seu livro foi resenhado por Capistrano de Abreu, que era intelectual respeitado por Derby. A resenha elogiosa foi

publicada no jornal carioca Gazeta de Notícias em 26/06/1881. (SILVA, 1989, p 95).

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110

Está a reivindicar, portanto, de maneira incisiva, uma intervenção mais ampla do

Estado ao cobrar uma legislação que proteja a mata, considerada por ele um recurso econômico

valioso não para ser queimado como lenha, mas vendido como madeira nobre a um preço

compensador:

“Mais vale tarde do que nunca; faça-se agora o que a desídia e a

ganância não têm querido fazer; salve-se o que ainda resta dessa

preciosa vegetação ribeirinha; - e os jacarandás, o pau-santo, os cedros,

o vinhático, o guatambu, etc., em vez de serem reduzidos a achas para

alimentar as caldeiras, descerão como cargas desses mesmos vapores,

para serem vendidos a preços décuplos ou serem usados em artefato de

subido valor. A navegação desse modo que é feita hoje na província

prejudica mais do que favorece-a. (...). (FONSECA, 1880-1881. p. 154).

Estavam queimando algo que poderia ser vendido (exportado), isto é, descer o Rio

Paraguai por um valor dez vezes maior do seu preço ou ser usado no Brasil mesmo, mas em obras

de grande valor. Pode-se ver com clareza a sua concepção utilitarista de natureza: a devastação é

entendida como “depredação” devido ao seu mau aproveitamento econômico; queimam-se

madeiras de espécies nobres de alto valor, que poderiam ser mais bem utilizadas, gerando lucros

aos proprietários e ao Estado, ao cobrar impostos. A natureza é vista como recurso econômico,

isto é, como riqueza a ser explorada pelo seu proprietário e dela auferir ganhos e não ser

desperdiçada ao queimar nas caldeiras.

Apesar de Derby não se referir às ferrovias como causadoras do desmatamento, já no

número 7 da revista, ou seja, dois meses depois, Luiz de Queiroz fez um protesto contra o

desmatamento e incluía a ferrovia como agente devastador:

“Mas destruir matas ou capoeiras só para tirar duas ou três colheitas,

atear fogo em quase um distrito inteiro, para fazer verde a algumas

cabeças de gado, queimar imensos campos e matas pela locomotiva de

estrada de ferro mal dirigida ou arrasar florestas de íngremes morros, de

profundas barrocas, de nascentes d'água ou de beira-rio, ou inutilizar as

matas junto a centros populosos só para aproveitá-las como carvão ou

lenha, é simplesmente procedimento de bugres ou de vândalos e o

governo ou mesmos as Câmaras Municipais deveriam com leis as mais

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111

severas pôr um paradeiro a tão insensato, quão imprudente

procedimento” (QUEIROZ, 1895, p. 112).97

Se Derby não cobrou uma ação do Estado no sentido de se coibir as queimadas, criou

a possibilidade que outros o fizessem e Luiz de Queiroz o fez com veemência: mesmo tratando-se

uma transcrição de Semler, sua nota na Revista Agrícola era oportuna. Para ele as ferrovias eram

mal dirigidas e as queimadas eram coisas de bugre ou vândalos, sendo, portanto, tal estado de

coisas, incompatível com o orgulho paulista e com a imagem de estado civilizado e progressista

que pretendiam construir.

Fonseca em seu relato de viagem comenta os estudos que Agassiz, Hartt e Derby

fizeram sobre geologia do Mato Grosso e paleontologia na Amazônia (p. 50), sobre os quais, no

decorrer da obra, teceu comentários nem sempre elogiosos. Provavelmente leu seu livro Geology

and Physical Geography of Brazil, de Hartt, publicado em 1878, que já chamava a atenção para

o efeito nefasto das queimadas: “O resultado dessa prática seria, já no século passado, o grande

estreitamento da faixa arborizada.” (HARTT, apud: SANTANA, 2001, p. 117). Para Santana,

Hartt foi o primeiro a perceber o efeito nocivo da queimada sobre a natureza.

Como se pode observar, as diferenças entre Fonseca e Derby, no tocante à

preservação das florestas, eram grandes. O protesto de Fonseca soa radical ainda hoje, tanto no

sentido etimológico da palavra, pois sua argumentação vai à raiz do problema, quanto no sentido

atual de intransigente, inflexível.

Se Derby não pode ser considerado otimista em relação à questão da preservação da

Mata Atlântica, o é em relação ao futuro da agricultura: vê o deserto - as áreas abandonadas ou

subutilizadas - como reserva potencial para quando as terras com matas, isto é, as regiões de

solos férteis, forem totalmente ocupadas com o café. E nisso era coerente com o objetivo

principal da CGG, que era o de procurar áreas férteis para o café. Ora, se esta era uma das

97

Embora assinado por Luiz Queiróz, esse excerto foi na verdade por ele compilado do livro do alemão Henrique

Semler - O café: observações botânicas, produção consumo (1896, p.161) - que se trata é apenas de uma parte de

sua grande obra Die Tropische Agriculture; Ein Handbuch fiir Pflanzer und Kaufleute, Editora Wismar.

Hinstorff, sche Hofbuchhandlung Verlagsconto, 1887. 693 p. A SPA pretendia que o Dr. Draenert o traduzisse a

expensas do Estado, mas ele somente seria publicado em 1908 (v.1) e 1910 (v. 2) com tradução do próprio Draenert,

com revisão (supervisão) de Antônio Gomes do Carmo (1908, p. XII), que fez a revisão técnica dos dois volumes da

obra na sua passagem pelo Ministério da Agricultura. A tradução da edição de 1896, embora não assinada, talvez

seja do próprio Luiz Queiroz, que o recomendava na Revista Agrícola em 1895 (p. 44).

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112

missões da CGG, como propor a não utilização de terras que historicamente tinham sido

ocupadas pela lavoura cafeeira, preservando a Mata Atlântica da destruição? Dito de outra

maneira: por que bradar contra a destruição das matas e dessa forma impedir a utilização de terras

com bom potencial para a lavoura cafeeira? Ficaria numa situação embaraçosa perante as elites

paulistas. Já Löfgren e Ihering devem ter criado situações constrangedoras com suas propostas

conservacionistas, nas quais se posicionavam explicitamente contra o desmatamento. Seja por

zelo do cumprimento de seu dever ou para evitar constrangimentos entre a elite agrária e a CGG,

Derby acrescentou aos fazendeiros a possibilidade de se ocupar terras consideradas estéreis para

café, porém usando-se de cultivares e métodos adequados àquelas áreas, mas sem questionar a

destruição das florestas.

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113

4.5 Iconografia: A exuberância da Mata Atlântica98

.

Taunay não exagerou na dimensão da floresta. Pintou um homem com a camisa

vermelha para contrastar com o verde escuro da floresta para que se pudesse ter uma ideia mais

próxima de sua dimensão. Comparar com as fotos subsequentes:

98

Não foram encontradas representações iconográficas significativas sobre os campos artificiais de São Paulo:

ninguém parecia querer representar as terras estragadas.

Figura 3 - Félix Émile Taunay, Vista de um mato virgem que se está reduzindo a carvão,

1843, 134 x 195 cm, óleo sobre tela, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

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114

Figura 4. Jequitibá Gigante. Fonte: Não disponível (o autor a

recebeu por e-mail e o remetente não soube informar sua origem e

as buscas na internet resultaram inúteis.)

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115

Figura 5 - Floresta em Nova Odessa, SP. 1916.

Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo. Disponível em:

ttp://www.arquivoestado.sp.gov.br/galerias_acervodigitalizado/vistas_saopaulo/

frameset1.htm. Acesso em: 25/09/2012.

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116

Figura 6 - Toras de Madeira em Ribeirão Preto, SP. 1916.

Fonte: Arquivo Publico do Estado de São Paulo Disponível

em:http://www.arquivoestado.sp.gov.br/galerias_acervodigitalizado/vistas_saopau

lo/frameset1.html. Acesso em: 25/09/2012.

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117

4.6 As regiões campestres: o que fazer com elas?

Derby classificava o solo paulista em quatro categorias e afirmava que cada uma

delas tinha suas especificidades e que deveriam apresentar no futuro formas e métodos de

ocupação econômica diferenciados:

“1° As terras de mato em condições favoráveis para a cultura do café.

2ª As terras de mato que em virtude de condições climatológicas são

impróprias para esta cultura, não estando, porém, a outros respeitos

inferiores a da 1ª categoria.

3ª As terras estragadas que primitivamente eram da 1ª ou 2ª categoria,

mas que hoje pelo abandono da cultura ou incêndio casual das matas se

acham em capoeira, samambaia ou sapé.

4ª As terras campestres” (DERBY, 1895, p. 68).

As terras de mato, assinaladas primeiro item, dispensam comentários, pois sua

fertilidade é sobejamente sabida, sendo na época conhecidos os critérios baseados na presença de

certas plantas99

para avaliar sua qualidade para a formação de cafezais e estavam sendo

“avidamente procuradas e desbravadas para a cultura mais permanente e remuneradora que

hoje existe no Brasil.” (DERBY, 1895, p. 68). Cabe observar que Theodoro Sampaio, já citado,

também fazia uso desse indicador. Derby, conforme já visto, considerava preconceito avaliar a

qualidade do solo pela sua cobertura vegetal.

Para as terras em condições climáticas desfavoráveis ao café e nas terras estragadas

pelo homem, neste caso entendido como agente geológico, num sentido amplo e negativo do

termo, Derby propunha o que hoje seria chamado de substituição de importações. Tais terras

eram

“universalmente reconhecidas como susceptíveis de cultura para uma

grande variedade de gêneros da primeira necessidade, como sejam

mantimento, cana, algodão, etc., sendo, porem, desprezadas, porque no

atual regime a produção destes gêneros é menos remuneradora do que a

do café. Entretanto, o Brasil, e especialmente o Estado de S. Paulo, gasta

anualmente somas enormes comprando no estrangeiro estes mesmo

gêneros que podiam perfeitamente ser produtos do seu próprio solo

ficando estas somas no ativo da lavoura nacional.” (DERBY, 1895, p.

68).

99

Eram chamados padrões de terra boa. Ver Ferraro, 2005, p. 27.

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118

A policultura entrou em definitivo no projeto da agricultura moderna paulista. E

nunca mais deixou de fazer parte dela, embora com forte resistência da maioria dos fazendeiros.

A introdução e adaptação de novas variedades de plantas agrícolas passaram a ser a principal

meta do Instituto Botânico Florestal, sob a direção de Löfgren. No Horto Florestal de Cubatão,

criado no governo Tibiriçá (1904 - 1908) o objetivo era selecionar e introduzir plantas adequadas

à área litorânea. O cacau, o coco, a baunilha, a juta e outros produtos foram testados. Em Iguape,

foram feitas novas experiências com o arroz, cultivo então tradicional naquela região. Este

produto foi introduzido com sucesso no Vale do Paraíba paulista e o estado em pouco tempo

passou de importador a exportador. Foram feitas tentativas com trigo, novo hábito de consumo

trazido pelos italianos (até então se usavam farinhas de milho e de mandioca para fazer pão)100

. O

mesmo aconteceu com a procura de um sucedâneo para o azeite de oliva, pois os italianos não se

adaptavam à gordura de porco (os primeiros resultados positivos foram com o óleo de amendoim

na década 20). Novas variedades de uvas viníferas, bem como novas técnicas de vinificação

foram experimentadas com a mesma finalidade101

. O preço do café, altamente remunerador

apesar de crises sazonais, desestimulava as iniciativas menos lucrativas. A resistência a outras

culturas que não a cafeeira será tema de um conto amargo de Monteiro Lobato intitulado “Café!

Café!”, que será analisado mais adiante.

Uma iniciativa intelectual importante do período em relação às áreas de campo foi a

publicação do livro Cultura dos campos, de Assis Brasil, cuja primeira edição é de 1898, no

qual desenvolveu de maneira bastante prática uma proposta para se ocupar economicamente as

regiões campestres102

. Não se pode dizer se há influência explícita de Derby em Assis Brasil, mas

sim que há uma consonância muito forte. Este livro foi distribuído gratuitamente aos associados

100

Segundo, Henrique Ataíde da Silva (2008, p. 129) os ítalo-brasileiros acabaram por aderir ao milho, uma vez que

esse vegetal já era cultivado na Europa. A polenta, comida básica desses imigrantes, era feita com fubá e não com

farinha de milho. Essas farinhas apresentam características distintas e são preparadas por processos diferentes. A

farinha de milho é tipicamente paulista. Na década de setenta do século XX, uma das formas de bullying praticadas

pelos adolescentes da elite campineira era chamar os colegas de escola ítalo-brasileiros de “polenteiros”. 101

Sobre vinhos, ver Graciela de Souza Oliver, (2005, p. 1) 102

Esse livro tem um tom de profecia, pois propunha transformar o Rio Grande do Sul em grande produtor de grãos,

o que acabou por se concretizar. No próprio texto o autor afirma que o Reforma da agricultura brasileira, de

Gomes do Carmo era anterior, mas que ele não havia tomado conhecimento, pois não chegou a suas mãos a tempo. O

autor dizer ser apenas uma compilação de bibliografia europeia e argentina. Assis Brasil foi fundador, ao final do

século XIX, da Sociedade Brasileira para a Animação da Criação e Agricultura, que tinha sede em Paris. Não há

ninguém ligado à CGG nos quadros de sócios da Sociedade destacavam-se o Barão Rio Branco e Joaquim Nabuco e,

dentre os notáveis da agricultura paulista, Antônio Prado e Domingos Jaguaribe.

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119

da Sociedade Paulista de Agricultura e isso pode ser um indício de que atuavam em parceria.

Ambos os autores também faziam parte do mesmo grupo de intelectuais que gravitava em torno

do Barão do Rio Branco. Em todo caso, a SPA o adotou porque estava em sintonia com seus

objetivos. Ou seria porque veria nele uma apropriação saudável e o desenvolvimento de ideias

que eram suas?

No começo do século XX, pressionados pelo aumento da população, o que exigia

maior produção de alimentos, a concepção de imigração e colonização ganhou um novo

significado. Até então os imigrantes eram trazidos ao Brasil para trabalhar no regime de colonato

ou em trabalho assalariado. A eles eram reservadas uma área para produzir seus próprios

alimentos, sobretudo entre as fileiras dos cafezais novos, ou nas baixadas não aproveitadas para o

cultivo do café, que era plantado nas encostas. Mas este sistema não fixava o trabalhador nas

fazendas, que a abandonavam imediatamente assim que surgisse oportunidade melhor de

trabalho, inclusive voltando à Itália ou indo para a Argentina. A nova concepção de colonização

consistia em fixar os imigrantes enquanto pequenos proprietários e contratá-los sazonalmente

como assalariados em função das necessidades dos fazendeiros, pois era sabido que alguns

hectares de terra não seriam suficientes para sua sobrevivência e de sua família. Então,

pressionados pela necessidade, aceitariam trabalhar como assalariados nas fazendas.

As terras de campo improdutivas para o café tornavam-se baratas e foram

desapropriadas ou doadas para a colonização com a finalidade de se produzir gêneros de primeira

necessidade, sobretudo alimentos e de se criar uma reserva de mão de obra para o fazendeiro. A

fazenda Pontal, onde foram assentados imigrantes letos ou letões103

, na atual Nova Odessa, é um

exemplo. Todas as colônias estabelecidas ou ampliadas no governo Tibiriçá se enquadram nessa

categoria, e embora houvesse planos para se utilizar terras devolutas, eles parecem não ter

vingado.

103

Inicialmente, tentou-se a imigração russa, que não prosperou, daí o nome Nova Odessa, então trouxeram

imigrantes da Letônia, os letos ou letões.

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120

A Estrada de Ferro Funilense104

, que ligava os Núcleos Coloniais São Bento e

Campos Sales105

à cidade de Campinas, importante entroncamento ferroviário, passou a ter, a

partir de 1909, sua estação inicial na plataforma lateral no edifício do novo Mercado Municipal,

conectando-a diretamente ao mercado consumidor interno e não apenas com a Cia. Paulista, o

caminho para Santos. Daí se pode inferir a importância das Colônias Agrícolas enquanto

produtoras de gêneros de primeira necessidade para o mercado interno. Em 1902, a importância

da colônia São Bento já era destacada, pois o seu estabelecimento

“no extremo da linha veio dar alento à empresa [ferroviária], valendo-lhe

repetidas subvenções do Estado, uma em 1897 de 591:500$000 de réis,

outra em 1899 de 250:000$000 de réis, para conclusão das obras, o que

só se efetuou em 18 de setembro de 1899.” (PINTO, 1902, p. 71).

O Estado reconhecia a importância daquela ferrovia concedendo-lhe subsídios aos

quais as outras não tinham acesso. Havia matas106

nessas colônias, pois era impossível viver sem

lenha e madeira para cercas e construções107

. As terras do Funil108

eram improdutivas apenas para

o café, não eram, portanto, estéreis. O nome “Pasto do Meio” permite inferir tratar-se de terras de

campo. Entretanto, ao longo da ferrovia era a cafeicultura de exportação que predominava. A

região é ainda hoje ocupada pela lavoura canavieira e a Usina Ester ainda se encontra em

atividade e um de seus herdeiros, Paulo Nogueira Neto, foi um ativo ambientalista no século XX.

104

A Estrada de Ferro Funilense foi fundada em 24 de agosto de 1890 e “teve como incorporadores João Manuel de

Almeida Barbosa, José da Silva Leme e Francisco de Paula Camargo, mas cuja realização efetiva se deve a esforços

de importantes fazendeiros na região, como os Nogueiras (José Paulino, Arthur e José Guatemozim), João Aranha e

o Barão Geraldo Rezende” (MATOS, 1974, p. 90). 105

O Presidente da Republica, Campos Sales visitou a região ao inspecionar a ferrovia em 1898. (REVISTA

AGRÍCOLA, 1898, p. 60). 106

"Esta via férrea é uma das mais interessantes já pelo terreno pouco acidentado que percorre, já pelos sertões que

começa a atravessar a duas léguas da cidade, até quase o ponto terminal.” Amaral, Leopoldo - Almanack de

Campinas, para 1900, pag. 260. (Apud: MATOS, 1974, p. 90). Chamava-se Funilense porque “partindo de

Campinas [chegava] até ao lugar denominado Pasto do Meio na Fazenda do Funil” (PINTO, 1902, p. 71), local

assim denominado por ser onde se encontram os rios Atibaia e Jaguarí, formando o Piracicaba. Era uma região,

embora próxima, de difícil acesso, daí o desbravamento tardio. Talvez o fato de ser um terreno baixo e pouco

acidentado também tenha contribuído para sua ocupação tardia, pois se acreditava que o café somente se adaptava a

terras altas. 107

“(...) acontece que na colônia de Nova Odessa, mensalmente, mil metros cúbicos de lenha são vendidos a

Companhia Paulista, pelo preço de 3$000 réis cada um” (IHERING, 1911, p. 489). 108

Matos não menciona a importância dessa ferrovia no abastecimento do mercado interno, obcecado pelo progresso

do café, esquece-se desse fato. Porém reconhece que “boa parte da área servida pela nova estrada era utilizada,

também, para a cultura da cana de açúcar, ali se localizando, por exemplo, a Usina Ester, uma das maiores do

Estado”. (MATOS, 1974, p. 90).

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121

As ideias de Derby a respeito da ocupação das terras de campo, portanto, começaram

a encontrar ecos nas políticas públicas de colonização e produção de alimentos. Embora isso já

viesse ocorrendo há algum tempo, foi no governo Tibiriçá que elas foram postas em prática.

Contraditoriamente, foi o mesmo governo que tirou Derby da chefia da CGG.

4.7 Derby e a influência norte-americana na agricultura paulista.

Derby pedia no seu artigo “Considerações sobre o futuro agrícola do estado de S.

Paulo” que, a exemplo do que fizera Hartt em 1875, quando propunha a criação de um serviço

geológico no Império, que se mirasse no exemplo norte-americano109

. Que se observasse a forma

como era organizada a produção agrícola naquele país, para se poder produzir em São Paulo de

maneira mais barata e assim tornar viável a ocupação das terras de campo. Ou seja, produzir

outros gêneros que não o café não era condição suficiente. Era preciso produzi-los com métodos

que barateassem a produção e que, dessa forma, se pudesse obter uma remuneração

compensadora:

“Se o lavrador paulista pudesse produzir e pôr no mercado estes gêneros

com a mesma despesa que faz o seu colega norte-americano, ele teria

com os preços de S. Paulo, lucros superiores aos do mais prospero

fazendeiro de café.” (DERBY, 1895, p. 68).

Estava preocupado com a competitividade da lavoura paulista, que deveria produzir

mais barato que seus competidores externos e, dessa forma, evitar a evasão de divisas.

Segundo Ferraro (2005) esses assuntos abordados por Derby - influência americana e

produzir mais barato - farão parte da pauta da Revista Agrícola nos anos subsequentes sob duas

formas: a primeira será a adoção explícita dos Estados Unidos da América como modelo a ser

seguido, daí pensar-se em adubação, mecanização, estações experimentais, campos de

demonstração de culturas, ensino agrícola e outros. O Serviço Agrícola daquele país se

109

O Barão de Capanema, em artigo de 1895, na Revista Agrícola, alertava para que se prestasse a atenção às

comissões que se formaram nos Estados Unidos para estudar os mais diversos assuntos relacionados à agricultura.

Chamava a atenção para os danos causados pelas queimadas que, graças aos estudos dessas comissões, foram

proibidas nos Estados Unidos. Muito provavelmente um apoio a Derby, pois foi publicado no número seguinte ao

seu “Considerações...”. Se não tinha a intenção de sê-lo, funcionou enquanto tal.

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122

constituirá no modelo a ser imitado. A segunda - como se produzir mais barato110

- será

incorporada em relação ao café a partir de 1900. Percebeu-se que o preço do café era determinado

pelas torrefadoras no exterior111

que manipulavam ou controlavam os estoques e que era

impossível controlar essa variável, dada a força dos trustes americanos. Portanto, não era mais

possível atingir os preços astronômicos de outrora, então a solução seria lucrar produzindo mais

barato, daí a necessidade da implantação da agricultura científica.

Antonio Gomes do Carmo defendia desde 1891, em artigos publicados no jornal

Minas Gerais, que se deveria produzir mais barato. Seu livro Reforma da Agricultura

Brasileira, de 1897, prefaciado por Campos da Paz, traz também “a transcrição de estudos do

Rvm. Padre António Caetano da Fonseca e dos Srs. Burlamaqui, Nicolau Moreira e engenheiro

agrônomo Ernesto Lehmann” (PAZ, 1897, p.X112

). O assunto principal da obra é a cultura do

milho no Vale do Paraopeba, em Minas Gerais113

, mas há também relatos de experiências bem-

sucedidas em diferentes lugares e com diversas culturas de plantas alimentícias de e fios têxteis.

A ideia central é que com o uso de máquinas agrícolas se poderia substituir o trabalho de vários

homens. Ao fazer uso dos métodos rotineiros o fazendeiro “empregaria um pessoal dez ou quinze

vezes maior do que o necessário, caso usasse de métodos racionais” (CARMO, 1897, p. 37). Se

contratasse menos trabalhadores que produzissem mais, obteria maiores ganhos. Suas

experiências são documentadas com dados quantitativos.

Carmo, em sociedade com seu irmão, abriu um “depósito de máquinas agrícolas” em

Itabira do Campo, Minas Gerais. Tratava-se de uma espécie do que hoje se poderia chamar de

filial da empresa de comércio de implementos agrícolas dos Srs. M. M. King e C. do Rio de

Janeiro. Em 1894 Carmo era agente desses revendedores em Ouro Preto, então capital mineira.

O livro A Reforma da Agricultura Brasileira funcionava como um catálogo da

empresa: apresentava os produtos (com ilustração), informava o preço e em qual loja poderia ser

110

Carmo e Lehmann já usavam esses termos, mas aplicados à produção de cereais. 111

Em decorrência dessa participação os fazendeiros paulistas começaram a atuar também diretamente no comércio

de café e várias casas comissárias foram fundadas em Santos. 112

Está em algarismo romano por se tratar do prefácio, que tem uma numeração diferente. 113

A fazenda de seu pai, a Contenda, onde os experimentos foram realizados, se localizava no atual município de

Itabirito, antiga Itabira do Campo.

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123

adquirido. O grande trunfo de Carmo foi um plantio de cana que realizara na Fazenda Contenda,

propriedade de seu pai, que era usado como exemplo de negócio bem sucedido. Em dois anos,

devido ao sucesso das experiências na fazenda paterna ele vendeu 106 arados naquela localidade,

o que era uma grande quantidade. Significava mais que uma simples estatística de vendas: era a

adesão a uma nova maneira de se conceber a agricultura, isto é, estava a se aderir à agricultura

moderna.

O esforço americano de colocar suas máquinas agrícolas no mercado brasileiro

antecede a Exposição de Filadélfia, de 1876. Havia um capitalista daquele país, o Sr. Willian

Lidgerwood114

, representante de seus interesses comerciais no Brasil, participando da Sociedade

Auxiliadora da Indústria Nacional, a defender o uso de maquinário na agricultura, como

comprova o Diário e Notas Autobiográficas, de André Rebouças.

Os produtos da indústria de maquinário agrícola americana também estavam

presentes nas exposições universais de outros países desde a Exposição Universal de Londres, em

1851. De acordo com Derry e Willians (1978) na “Inglaterra se le dio mucha publicidad al

invento de McCormick115

en la Gran Exposición de 1851, senalando The Times que era «la

contribución más valiosa del extranjero» y que «valia el coste total de Ia exposición»“ (p. 991).

O invento de McCormick116

consistia numa segadeira bastante eficiente, que a partir de 1848,

passou a ser fabricada em Chicago e que mais tarde, a partir de 1860 conseguiu suplantar seu

principal concorrente, que deixou de produzir tal máquina agrícola. A produção da McCormick

em 1860 era de quatro mil máquinas ao ano. Ainda segundo os mesmos autores, “Hacia 1899 la

producción anual de maquinaria agrícola en América, incluyendo las ventas de exportación,

ascendia a 101 millones de dólares, frente a los 7 millones de dólares de cincuenta anos antes”

(DERRY e WILLIANS, 1978, p. 1005). Com esse volume de produção e sua crescente

penetração mundial, o Brasil não poderia ficar imune à influência americana. Carmo tecia loas ao

114

No Brasil, Willian Lidgerwood fazia parte da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. Mais tarde fundou

uma metalúrgica que produzia maquinário agrícola. O edifício de sua fábrica em Campinas, localizado ao lado da

estação ferroviária, está tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Municipal. Funcionava também

no Rio de Janeiro e Taubaté. 115

O nome do equipamento - McCormick - aparece em diferentes grafias, pois foi respeitada a forma de grafar de

cada autor citado. 116

Antonio Gomes do Carmo demonstra no seu livro Reforma da Agricultura Brasileira as vantagens de se usá-lo

baseando-se num jornal de Ilinois (EUA) e em sua experiência pessoal.

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progresso agrícola norte-americano em geral e ao uso de máquinas agrícolas em particular,

sobretudo as produzidas em Chicago. A segadeira McCormick é enaltecida como exemplo de

eficiência:

“Um jornal de Ilinois noticiou há pouco que um agente de Mac-Cormick

tinha vendido em uma só localidade, e na estação [ferroviária] própria,

250 ceifadores ou segadores. Afirma-se que uma máquina de segar

puxada por dois cavalos, e servida por dois homens e uma criança117

, faz

a mesma obra que doze trabalhadores. “Se isto é assim, economiza-se o

trabalho de cinco homens. Deste calculo, pode-se concluir que a

localidade que comprou as 250 máquinas de Mac-Cormick, economizou

durante uma só estação o trabalho de 1250 homens.” (CARMO, 1897, p.

74).

As possibilidades de aumentar a produtividade agrícola e de se livrar da dependência

do trabalho manual, e consequentemente dos jornaleiros - deixavam Carmo fascinado. Os lucros

a serem obtidos com o comércio de máquinas talvez o fascinassem igualmente. Se a América, ex-

colônia europeia tanto quanto o Brasil, conseguiu tamanho progresso, porque o Brasil não

conseguiria?

Segundo Heloisa Maria Bertol Domingues, a cooperação entre Brasil e Estados

Unidos da América, que deve ser entendida como oficial, isto é, entre governos, começou

imediatamente após a visita do Imperador D. Pedro II à Exposição Universal de Filadélfia,

organizada em 1876 para comemorar o centenário da independência daquele país.

“O Brasil enviou uma tão grande delegação de expositores à Filadélfia,

a qual obteve tal sucesso, que 436 participantes foram premiados. Ao

término da Exposição dos Estados Unidos, o representante da

Smithsonian Institution, de Filadélfia, Spencer I. Baerd escreveu ao

Museu Nacional do Rio de Janeiro, pedindo que este lhe enviasse

coleções de minerais, animais, pássaros, sementes, plantas, fibras,

madeiras, etc., as quais esperava retribuir oferecendo-lhe a cooperação

do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.” (DOMINGUES,

1995, p. 198).

117

No Brasil a situação não era diferente: a questão dos malefícios do trabalho infantil não estava colocada no país.

O livro Abc do agricultor, de Dias Martins, era destinado “também às crianças pobres, que em grande número são

obrigadas a abandonarem a escola primária geralmente no fim de dois anos,” (MARTINS, 1930, p. 9-10) para

trabalhar. Seu objetivo era levar um pouco da “luz do sol da ciência, assim (...), de utilidade imediata para se viver

melhor, mesmo sabendo apenas o abc.” (MARTINS, 1930, p. 9-10).

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125

Severiano Fonseca (1881-1882) começou a perceber, mas ainda com visão crítica não

o suficiente, a configuração do papel que Brasil e Estados Unidos, representavam no contexto das

nações. Havia na exposição de Filadélfia de 1876, chamada por ele de “grande bazar

internacional118

do Fairmount Park” (p. 153), máquinas americanas inteligentes que substituíam

o trabalho humano, mas também matérias brutas que precisavam ser trabalhadas para que se

tornassem riquezas. E essas matérias-primas eram provenientes de países como o Brasil. Os

americanos não estavam apenas interessados em expor suas máquinas agrícolas, mas também que

países interessados em vender seus produtos expusessem aqueles que pudessem servir de

matérias-primas para a indústria local. Severiano da Fonseca percebeu esses interesses norte-

americanos.

“Não é o fim dessas indústrias coroar somente os raros estados de

espírito, os inventos e os descobrimentos: animam também, acoroçoam e

protegem a atividade e a perseverança em trabalhos que, parecendo

materiais, pressupõem o estudo. Ao lado de máquinas inteligentes, que

substituem o braço do homem, dos livros de alta ensinança, dos inventos

utilíssimos, são premiados as matérias brutas de que se pode obter

artefatos, necessários; os produtos de fantasia que deleitam apenas os

sentidos; o útil como o agradável” (FONSECA, 1880-1881, p. 159).

Ou seja, a mensagem é a de que as riquezas do Brasil, mesmo aquelas que ao olhar

leigo pareciam insignificantes, poderiam ser colocadas no mercado norte-americano e que

esforços nesse sentido deveriam ser iniciados. O conhecimento do território e de suas riquezas

poderia, para ele, proporcionar o descobrimento de novos produtos.

“Cada produto se liga a uma arte ou uma ciência de que é subsidiário, a

que se liga e o enobrece. O curioso expositor de armas, utensis (sic) e

objetos do costume dos índios, é um colecionador que trabalha em bem

da etnografia e da antropologia; o colecionador de borboletas e

besouros, o entomólogo, é um benemérito da história natural; o expositor

de madeiras de construção, de medicinas e minerais, é um obreiro do

progresso que trabalha para o bem do país, pelo bem da sociedade,

descortinando aos olhos do mundo as riquezas que aquele possui. Os

objetos, os mais insignificantes na aparência, pode ter um imenso valor

real. Que [a] coisa mais sem apreço, a primeira vista, do que a terra que

118

Essa cognominação das grandes exposições deveria ser generalizada, pois Rebouças a usou para referir-se à

exposição Universal de Viena de 1873.

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126

pisamos; e, entretanto, quanto não vale ela aos olhos do sábio

indústrial?”. (FONSECA, 1880-1881, p. 160).

O papel da ciência para Fonseca não era somente o de coroar os estados nobres do

espírito, mas o de promover o progresso material através do conhecimento de novos territórios e

produtos. O que Fonseca está expondo é missão do cientista na construção da sociedade: a

ciência deveria ser colocada a serviço do progresso da nação. Parece aceitar o papel de

exportador de matérias-primas, mas defende também a indústrialização do país, seguindo o

modelo norte-americano.

Os americanos tinham interesse nas matérias brutas brasileiras e estavam dispostos a

uma contrapartida, que era colocar os serviços agronômicos americanos à disposição do Brasil e

o desenvolvimento e uso de maquinário agrícola eram umas particularidades das particularidades

da agricultura norte-americana. Ou seja, provavelmente negociava-se o ingresso dos produtos da

indústria de equipamentos agrícolas americanas no Brasil. Lentamente, mas não exclusivamente,

elas ganharam espaço em todo o território nacional.

Fonseca constata que, apesar de pobre para a agricultura, os solos de Mato Grosso119

,

com a ajuda da ciência e dos maquinários agrícolas, poderiam produzir riquezas,

“Apresente-se coleção dessas variedades de terras e o ignaro rir-se-á;

mas o indústrial irá sôfrego revistá-las, revolvê-las, estudá-las, analisá-

las para ver onde por maior profusão, menor despesa e trabalho, colherá

tal e qual produto. E lá virá ele, e com ele a indústria, e as fábricas, o

trabalho e a população, desenvolvimento social, a prosperidade, o

progresso e o engrandecimento” 120

(FONSECA, 1880-1881, p. 160).

A exposição de Filadélfia, ao divulgar o desenvolvimento da indústria em geral,

contribuiu para a propaganda da agricultura científica e permitiu a Fonseca observar que terras

consideradas inadequadas para a agricultura, como eram os campos do Mato Grosso, poderiam se

tornar, com o apoio da ciência e do maquinário, terras produtivas e lucrativas. A palavra

“indústria” é usada por ele no sentido comum do século XIX, quando era aplicada a qualquer

119

O Mato Grosso de então correspondia aproximadamente aos atuais estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso

e Rondônia. 120

Há fortes semelhanças com as justificativas da proposta de Hartt (1875, p. 1) para a criação do Serviço do

Geológico do Império.

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127

atividade produtiva, mas em Fonseca, há uma ambiguidade, pois acrescenta a palavra “fábrica”,

imaginando talvez um desenvolvimento industrial devido a sua grande expectativa em relação

aos minérios de Mato Grosso (ouro, ferro, prata, paládio e platina, chumbo e outros metais). O

texto de Fonseca oscila entre os modos aristocráticos em relação ao trato com a natureza, que

privilegia o agradável, com seu deleite diante das belezas da natureza, o que é típico do

romantismo e a noção de utilitarismo.

O autor se mostra preocupado com o aproveitamento econômico dos recursos

naturais, de modo semelhante a Vandelli e José Bonifácio que, pode-se dizer, vinculavam-se ao

mercantilismo. Não obstante, perceba-se nele, influências difusas do capitalismo indústrial.

Segundo Pestre (1996, p. 36) desde a fundação da Royal Society de Londres os centros de

interesse dos cientistas se voltaram para noção de “utilidade social”, “isto é, para a

transformação dos novos saberes em máquinas e aparelhos de fácil de fácil utilização

disponíveis no mercado (como as bombas e máquinas a vapor)”. Aos poucos foi se criando a

noção que a produção científica e tecnológica para ser legítima não precisaria passar pelo crivo

da aristocracia, que era movida pela curiosidade, mas tornar-se útil na geração de dinheiro.

Fonseca, alinhado às tendências dos cientistas de sua época, propunha a industrialização do Mato

Grosso, sobretudo, um melhor aproveitamento de seus recursos naturais (madeiras, minérios,

plantas medicinais, frutos e animais), ou seja, a exploração científica do território deveria gerar

ganhos monetários e nisso estava em sintonia com os cientistas do século XIX.

Até este ponto há uma forte consonância com a análise que Heloisa Maria Bertol

Domingues fez da agricultura do período, mas há um indício que permite - sem discordar dela -

ampliar sua apreciação, que é o fascínio exercido pelas máquinas expostas em Filadélfia,

sobretudo pelas agrícolas. Elas fascinavam não apenas pelo seu valor econômico, mas também

pelo seu valor simbólico.

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O encarregado da elaboração do relatório da presença brasileira nessa exposição foi

Pedro Paulo Gordilho Paes Leme. Em 1898, passados mais de vinte anos da realização do evento,

Gordilho escreve que o os maquinários lá expostos ainda eram recomendáveis121

:

“Depois, porém, em 1876, de termos visitado as grandes fábricas da

América, e julgado o concurso de Filadélfia o grande arsenal agrícola ali

exposto, é que começamos a apreciar o grande impulso dado à indústria

agrícola naquele país e a excelência do material por ela empregado”

(LEME, 1898, p 251).

As máquinas expostas na Filadélfia devem ter fascinado também Sua Majestade, o

imperador D. Pedro II, talvez mais do que o telefone inventado por Alexander Graham Bell, o

invento mais espetacular da exposição. Segundo Pesavento,

“As exposições universais que se realizaram na segunda metade do

século XIX tiveram um caráter de feira de mercadorias, “lições de

coisas”, mostruário de novidades, locus de realização do lucro

capitalista” (PESAVENTO, 1994, p. 158).

O caráter prático dessas exposições para a agricultura brasileira era sem dúvida a

abertura de novos mercados para os produtos da terra, tanto os extrativos quanto os de origem

agrícola, e de colocar o país em contato com “as mais recentes inovações norte-americanas para

uso na agricultura”. (PESAVENTO, 1994,. 160). Entretanto, ampliando a leitura de Domingues,

para além do econômico ela “foi capaz de articular não apenas uma feira internacional, mas

toda uma visão da América” (PESAVENTO, 1994, p. 157). Representava também a construção

de um imaginário: “a exposição é, com efeito, criadora, no mais alto ponto, das representações

mentais e do imaginário coletivo”. (PESAVENTO, 1994, p. 154) A Exposição Universal de

Filadélfia de 1876 colocou o Brasil em contato com “as mais recentes inovações norte-

americanas para uso na agricultura”. ((PESAVENTO, 1994, p. 160). Pesavento, portanto,

mostra que a imagem da América nela veiculada ia além das atividades comerciais, e estava a

criar um imaginário da América como uma grande nação:

“A América, pátria-mãe, berço acolhedor dos imigrantes, fora capaz de

erguer-se como nação que surpreendia o mundo com o seu

121

Recomendava “comprar os instrumentos da celebre fábrica John Deer, de Moline, Ilinois, onde se manufaturam

50 mil arados anualmente” (LEME, 1898, p 251). Hoje John Deerer é uma indústria de tratores e outras máquinas

agrícolas com forte presença no mercado mundial.

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129

desenvolvimento tecnológico e a sua bem sucedida experiência de um

governo democrático. Em suma, o mito do progresso, tão presente no

imaginário do século XIX, encontrava a sua materialização

inquestionável em terras americanas. Em tempo recorde, a jovem nação

americana conseguira alçar-se ao nível tecnológico de outras potências.

Nesta trajetória de desenvolvimento, fortalecia-se a autoimagem,

consolidando-se noções tais como o “gênio inventivo” do povo

americano ou o seu “senso prático”, que conjugados, eram capazes de

presentear o mundo com novos inventos e descobertas, que contribuíam

para tornar a vida mais fácil e consolidar a sociedade do bem-estar.”

(PESAVENTO, 1994, p. 157).

Nesse sentido a Exposição de Filadélfia adquire não apenas importância econômica,

mas também simbólica, graças à presença do Imperador e o seu encantamento com os produtos

expostos, bem como ao sucesso que sua pessoa fez nos EUA, país visceralmente antimonarquista,

mas pragmático, e também devido ao sucesso dos produtos brasileiros lá expostos. O Imperador,

por outro lado, desejava o mesmo progresso para o Brasil: já era de longa data um patrocinador

das ciências. Fonseca queria o mesmo para o Mato Grosso. De acordo com Pesavento,

“Para a tropical monarquia dos Bragança, a Exposição foi muito além

da expectativa dos povos europeus. Enfim, a modernidade atravessava o

oceano e comprovava-se ser possível a aventura do progresso em terras

americanas. Os Estados Unidos, que também haviam sido colônias

d'além-mar, eram o exemplo vivo de que era possível acompanhar o trem

da história.” (PESAVENTO, 1994, p. 162).

No Mato Grosso, onde Fonseca foi governador, apesar de seus clamores, não havia

um ou outro produto de boa aceitação no mercado internacional nem uma classe dominante

disposta a investir na modernização da agricultura, quer por motivos econômicos ou sociais. No

Vale do Paraíba e outras regiões do país ao fim do Império a aplicação da ciência à agricultura

parecia não entusiasmar os agricultores escravocratas. Houve também uma imensa falta de

entusiasmo demonstrada por André Rebouças (1938, p. 245) quando de sua viagem à Europa e

Estados Unidos, na qual teve a companhia, tanto em Londres quanto em Nova Iorque, dos irmãos

Lidgerwood, indústriais em ambos continentes, que, a exemplo do capitalista C. J. Harrat, devem

ter patrocinado sua viagem com contribuições financeiras122

, pois escreveu em seu diário que

122

O espírito cavalheiresco de Rebouças não lhe permitia ainda perceber o jogo de interesses capitalistas.

Ingenuamente, não entendia porque C. J. Harrat, capitalista inglês que já estivera no Brasil trabalhando na construção

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visitou a fábrica “por dever de amizade”, mas apenas diz o nome da fábrica, sua localização e que

ela compreende todas as oficinas da especialidade, não se atendo à questão da mecanização

agrícola.

Sua viagem à Europa e Estados Unidos é anterior à Exposição de Filadélfia, todavia

Rebouças teve a oportunidade visitar a Exposição de Viena (1873), que também não o

entusiasmou por ser apenas um grande evento comercial e por não ter “caráter algum

civilizador” (REBOUÇAS, 1938, p. 245), ao contrário do pensamento de Fonseca123

e do

Imperador, que se entusiasmaram com as realizações de cunho tecnológico. Entretanto, nos

Estados Unidos, Rebouças, que tinha interesse em produzir papel a partir da madeira em sua

Companhia Florestal do Paraná (p. 239), teve um insight e passou a cogitar a possibilidade de

implantar a silvicultura no Brasil (p. 249), mostrando que não estava totalmente alheio às coisas

do campo. Seu livro “A Agricultura Nacional” foi escrito em 1875, talvez durante sua viagem

ao exterior e publicado em 1883. Era uma proposta de organização do trabalho agrícola articulada

ao movimento abolicionista, a mostrar aos fazendeiros renitentes que a libertação dos escravos

não significaria a bancarrota. Faltava tanto a Fonseca quanto a Rebouças a articulação com uma

classe social disposta a levar adiante esses projetos, que lhes desse sustentação política.

Entretanto, esses autores fazem parte do lento processo de constituição da classe e de sua

consciência enquanto tal. São autores que, embora com limitações, ampliaram o universo do

conhecimento de então ao vislumbrar e divulgar novas possibilidades para agricultura brasileira,

ainda que seus projetos não tenham prontamente se concretizado124

.

do C. F. Pedro II, lhe forçara “a aceitar a fineza de duas cartas de crédito” totalizando seis mil dólares para serem

descontadas na América. Para ele era uma “extraordinária prova de simpatia de uma pessoa a quem nunca prestei o

menor serviço” (REBOUÇAS, 1938, p. 245). Da mesma forma não foi desinteressadamente que um dos irmãos

Lidgerwood o ajudara pessoalmente a ser recebido em empreendimentos industriais e hotéis americanos, o que, na

América segregacionista, sua ascendência africana prejudicava. 123

Para Fonseca as exposições universais eram uma “escola das nações, onde se ensina trabalho, onde se inventa o

progresso onde se descobre os gênios criadores, onde ensina a curar os povos, enriquecendo-lhes a seiva, onde se

aprende a ser grande próspero e feliz” (FONSECA, 1880-1881, p. 166). 124

O mesmo pode-se dizer a respeito do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, que embora seja discutível a

sua eficácia na implantação efetiva da agricultura moderna, manteve vivo um corpo de conhecimento agronômico

que prosperou quando encontrou condições econômicas e políticas favoráveis. Capanema e Pedro G. Paes Leme

continuaram a produzir conhecimentos sobre agricultura mesmo no período republicano e eram ativos na Revista

Agrícola paulista. E a existência de uma fábrica de implementos agrícolas como a Lidgerwood e de um comerciante

importador do porte da casa King no Rio de Janeiro parece indicar que a atuação efetiva do IIFA não foi tão

ineficiente assim.

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No período republicano, o governo paulista, em 1893, teve uma participação

importante na exposição universal de Chicago, na qual se destacou ao ser premiado em diversas

modalidades. Adolpho Augusto Pinto, “consultor” da Cia Paulista relatou em seu livro de

memórias Minha Vida: memórias de um engenheiro paulista. (19-?) que foi comissionado pelo

governo do Estado para organização da participação de São Paulo nessa exposição e de lá enviou

diversas crônicas que foram publicadas no jornal O Estado de São Paulo. Elas começaram a

criar junto à opinião pública paulista um clima favorável àquele país. Os relatos da viagem a

Chicago e da participação do Brasil naquele evento foram reunidos no livro Viajando,

publicados somente em 1901, quando já era explícita a opção da Revista Agrícola (e da SPA)

pelo modelo americano. O livro, provavelmente, visava ao convencimento da opinião pública por

aquele modelo.

A mostra de Chicago representou para São Paulo um valor simbólico grande devido à

exposição, no evento, do relatórios da exploração científicas dos Vales do Paranapanema e

Itapetininga, da coleção de minerais da CGG, de máquinas de beneficiar café e de mármores de

Ytuporanga, no atual município de Votorantim. A Agricultura paulista e a CGG saíram

fortalecidas com participação do Estado naquela exposição. O café foi o principal produto

paulista exposto, afinal era a principal riqueza do estado. Pela primeira vez, o país apresentou

trabalhos científicos produzidos pela Comissão Geográfica e Geológica, que levou a Chicago os

estudos sobre a exploração do Vale do Paranapanema e a uma coleção de cento e tantas rochas do

estado de São Paulo, fato alardeado pela imprensa paulista. Também foram divulgados

maquinários para o beneficiamento do café de três indústrias paulistas, a Companhia Mecânica e

Exportadora, a Mac-Hardy e a Lidgerwood. As pinturas de Almeida Jr., que retratavam o país

mais fielmente do que as idealizações românticas da paisagem e do indígena, também foram

exibidas. O país pareceu demonstrar que também podia fazer ciência e se industrializar e, dessa

forma, alcançar os patamares de desenvolvimento norte-americanos. Começava orgulhar-se de si

próprio. Não obstante fosse uma participação pequena, representava uma nova maneira de se

enxergar o país: industrialização e a pesquisa científica prática eram indicadores de progresso e

de civilização.

Em São Paulo, desde a criação da CGG e do IAC no ocaso do Império, as mudanças

no campo se tornaram possíveis por haver uma classe dominante organizada. Essa elite agrária,

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que já estava articulada politicamente desde a Convenção de Itu em favor de mudanças no

sistema político, passou, por razões econômicas, a desejar também mudanças na agricultura

através da aplicação de ciência e de tecnologia e, para tanto, havia criado as instituições

científicas mencionadas. Entretanto, a criação de instituições científicas não era condição

suficiente para promover o progresso da agricultura. A classe deveria se organizar sindicalmente,

no sentido norte-americano, da palavra para atingir suas metas. A partir de 1895 os fazendeiros e

seus intelectuais passaram a atuar organizadamente através da Sociedade Pastoril e Agrícola. A

Revista Agrícola se tornou seu veículo privilegiado de expressão. Gradualmente adotaram os

Estados Unidos como modelo de sua atuação. A organização dos fazendeiros, a implantação de

instituições científicas ligadas à agricultura e A Revista Agrícola se constituem simultaneamente

e são partes integrantes de um mesmo processo: a reforma dos processos produtivos no campo e a

influência na formulação de políticas públicas para a agricultura. Neste contexto, as palavras de

Derby encontraram acolhimento. Derby não era uma voz a clamar no deserto, como as de

Fonseca e Rebouças.

Foi às imagens criadas pelas exposições de Filadélfia e Chicago, que apresentavam os

Estados Unidos enquanto país que saía da condição de colônia e que, através do progresso

tecnológico, foi alçado ao patamar mais elevado entre as nações, que Derby provavelmente

recorreu no seu artigo “Considerações sobre o futuro agrícola do estado de S. Paulo” para

formular a necessidade de se adotar aquele país como modelo125

. Porém não havia unanimidade

em relação à aceitação da América como referência para nossa agricultura. Eduardo Prado era

monarquista e antiamericano. Praticamente todos os cientistas atuando na agricultura paulista até

1900 eram formados na Europa (Prússia, Bélgica, França e Inglaterra apresentavam o maior

contingente). Edmundo Navarro de Andrade (1903b), por exemplo, propôs que a reforma da

Escola Agrícola de Piracicaba tivesse Coimbra como modelo126

. Pode-se inferir que para Antonio

125

Na verdade a influência americana já era sentida mesmo antes da exposição de Filadélfia. André Rebouças visitou

o país em 1872 e ficou encantado com as ferrovias, fábricas de papel e com a silvicultura, conforme já mencionado.

E Hartt, mestre de Derby, (1875, p. 1), propunha a criação de um serviço geológico inspirado nos surveys

americanos. 126

Posteriormente, Navarro se tornará um americanófilo convicto. Chegou a receber uma medalha da American

Genetic Association em 1941. The Science News-Letter, Honor Brazilian Botanist for Millions of Eucalyptus Trees

The Science News-Letter, Vol. 39, No. 24, 1941, p. 373-374. Disponível em <http://www.jstor.org/stable/3918176>

Acessado em :29/09/2008

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Gomes do Carmo o modelo a ser seguido era o prussiano, inspirado em Semler e Dafert, o diretor

do Instituto Agronômico, que era austríaco. Havia, portanto resistências que seriam

paulatinamente superadas, dado o sucesso irrefutável da agricultura estadunidense. O texto de

Derby estava, portanto, fortemente vinculado a uma corrente internacional em franca ascensão,

que era a emergência norte-americana no cenário internacional.

Há um paralelismo entre a agronomia e a geologia no que diz respeito à influência

americana. Segundo Figueirôa (1987, p. 57), a Comissão Geológica de São Paulo foi fundada

com base nos surveys americanos. Ambos os surveys, o agrícola e o geológico, eram exemplos de

eficiência e de cooperação entre si. Era, portanto natural que Derby se espelhasse em modelos de

seu país não apenas devido à sua nacionalidade, mas à eficácia daqueles serviços127

. Se a

experiência da CGG, em 1895, calcada no modelo norte-americano já era bem sucedida, por que

não criar um serviço agronômico também nos moldes daquele país? Segundo Ferraro (2005) a

agricultura brasileira teve de esperar iniciar o século XX para assumir definitivamente a opção

por aquele modelo, que se deu após as visitas de Pereira Barreto e Carlos Botelho àquele país.

127

Sobre a influência dos surveys americanos no Brasil, ver Figueirôa (2001, p. 114 -116), Derby, com certeza, ao

fazer essa opção, seguia a proposta de seu mestre, Hartt, que defendia no jornal O Globo, de 29 de janeiro de 1875

(p. 1) a constituição de um serviço geológico brasileiro inspirado no modelo americano exatamente por ser um

modelo de eficiência. A exposição on-line de jornais impressos no século XIX facilitou as buscas e foi possível, num

arroubo de sorte, localizar o fragmento do artigo citado por Figueirôa, que acertadamente, apoiada em outro autor

intuiu ser de Hartt. Agradecimentos à senhorita Maria Luiza Emi Nagai, do Instituto Geológico de São Paulo, pelo

muito que tem ajudado.

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134

4.2.4 Iconografia: Alguns artefatos tecnológicos da agricultura científica no século XIX.

Figura 7 - Arrancador de Tocos.

Fonte: Carmo, 1896

Figura 7 - Cultivador. Fonte: Carmo, 1896

Figura 9 - Propaganda dos

Arados John Deere (Século

XIX). Disponível em:

<http://www.deere.com/pt_BR/f

orestry/about_us/historia_mundi

al.html>. Acesso em 26 de mai

2012

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135

Figura 10-. Manejo do arado na Escola Agrícola de

Piracicaba. Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Disponível em:

<http://www.arquivoestado.sp.gov.br/galerias_acervodigitali

zado/vistas_saopaulo/frameset1.html>. Acesso em 25 set

2012.

Figura 11 - O arado no século XXI.

Disponível em: <http://fazendaalfheim.blogspot.com/>

Acesso em 25 jun 2012.

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4.9 Derby e a pecuária paulista.

Como ocupar economicamente as terras de campo, naturais ou não, era a questão

levantada por Derby. Sua resposta é de uma simplicidade desconcertante e merece uma exposição

mais detalhada.

Quando a Sociedade Pastoril foi fundada seus membros pretendiam o

desenvolvimento da pecuária voltada para a exportação, a ter como referência o modelo científico

que fazia a riqueza da Argentina e do Uruguai, implantado desde a época em que foram criados

vagões e navios frigoríficos capazes de transportar carne por longas distâncias por ferrovias e

oceanos respectivamente. Almejava-se também, concomitantemente à criação de gado de acordo

com os princípios racionais, desenvolver uma agricultura de modo a se usar maquinário agrícola,

que se serviam da tração animal, isto é, que eram movimentados por bois, burros e cavalos, fato

subdimensionado, senão ignorado pelos agricultores. A originalidade da percepção de Derby

neste caso está em notar que para se implantar a agricultura racional era

“(...) preciso ter animais de trabalho em muito maior número e em muito

melhores condições para o serviço do que os de hoje. Eis aí o ponto em

que todo o desenvolvimento futuro da agricultura no Brasil depende do

prévio ou pelo menos do simultâneo desenvolvimento e aperfeiçoamento

da indústria pastoril”. (DERBY, 1895, p. 68).

Ele não estava a descartar a pecuária voltada para exportação, mas a mostrar a relação

entre pecuária e agricultura racional, afinal os instrumentos agrícolas (arados, gradeadores,

colheitadeiras e outros) eram movidos à tração animal. Mais uma vez ele, voluntariamente ou

não, expôs cruamente o despreparo dos fazendeiros paulistas e o quanto a agricultura moderna

em 1895, era ainda um porvir distante. Havia uma fina ironia: queriam modernizar a agricultura,

pensavam nas máquinas, mas se esqueciam dos animais. Ora, sem os animais as máquinas não

serviriam para nada! Numa analogia com o momento presente, era como se o condutor tivesse se

esquecido de abastecer o automóvel, e querer que ele andasse.

Derby demonstrou que nem mesmo o grupo forte dos fazendeiros de São Paulo ligado

ao sindicato da classe, isto é, a sua vanguarda, tinha clareza sobre como desenvolver uma prática

agrícola moderna. Pode-se inferir que para o agricultor comum essas ideias e práticas estavam

ainda mais distantes.

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A presença dessa proposta de Derby pode ser claramente sentida no discurso de

abertura do primeiro “curso itinerante”, criado em 1900, cinco anos depois do artigo em análise,

para instrução de pequenos sitiantes e lavradores nos princípios da agricultura científica. O

conferencista na abertura do evento defendia que:

“São duas as necessidades que se apresentam ao lavrador

que deseja transformar as suas culturas: fertilizante e motores”

O fertilizante por excelência, por ser produtor de húmus, é o

estrume.

O motor por excelência, por ser paciente e robusto

trabalhador e representar sempre um capital efetivo, é o boi. E para

conseguir estrume gratuito e trabalho gratuito, o único meio é produzir

carne, isto é, criar para o açougue o boi, que dará o resto de sobejo”

(REVISTA AGRÍCOLA, 1900, p. 223).

Como se vê, a tese de Derby foi incorporada pela Secretaria da Agricultura. Não

havia ainda divulgação em larga escala da adubação química, apesar dos intensos esforços de

Dafert e do IAC, mesmo após sua saída, em 1897.

Esses cursos itinerantes visavam fazer propaganda para o convencimento dos

fazendeiros sobre a necessidade da aplicação de novos métodos na agricultura em substituição à

rotina.

Antonio Gomes do Carmo talvez seja quem melhor trabalhou em favor do

convencimento do fazendeiro brasileiro sobre as vantagens da agricultura científica. Ele era

agrônomo, mas não foi por longos anos ligado a nenhuma instituição agrícola128

. Poderia ser

considerado um empreendedor: era comerciante de máquinas agrícolas. Foi dono da Revista

Agrícola entre agosto 1897 a dezembro de 1898, quando ingressou no Instituto Agronômico de

Campinas e a vendeu para Fernando Werneck Júnior. Nesse intervalo gerenciou a reformulação

dos processos produtivos com a introdução de máquinas nas fazendas de Carlos Botelho e Santos

Werneck129

, que se tornaram fazendas modelos: verdadeiras vitrines da agricultura moderna. No

128

Era, antes de vir para São Paulo, lente por concurso no Ginásio Mineiro. Não foi possível apurar quais disciplinas

lecionava. 129

Santos Werneck (1898, p. 154) publicou na Revista Agrícola uma carta relatando o sucesso da empreitada e o

reconhecimento da “competência e da solicitude profissional” de Carmo. Afirma que desse empreendimento pode-se

prejulgar que a mecanização da lavoura “trará a chave de um dos problemas mais debatidos de nosso progresso

agrícolas”. A firma de implementos agrícolas que Carmo representava também vendeu os equipamentos. Em carta

aberta a Revista Agrícola agradecia os excelentes serviços da firma King e C. e aproveitava o ensejo dizendo estava

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início do século, mudou-se estado mas não foi possível apurar para onde, provavelmente para o

Rio de Janeiro (Capital Federal), pois na indicação para o IHGB é apresentado como alto

funcionário do Ministério da Agricultura. Colaborava com A Lavoura, periódico da SNA,

editado no Rio de Janeiro, e quando os ânimos entre republicanos e monarquistas já haviam

arrefecido, promoveu a reabilitação do pensamento agronômico de José Bonifácio de Andrada e

Silva. Em suma, era essencialmente um homem prático.

Escreveu vários livros130

, dentre os quais, são os mais conhecidos são: a Reforma da

Agricultura Brasileira (1897) e O Estado moderno e a agricultura (1908), no qual traçou um

panorama do estado da arte da agricultura moderna em diversos países do globo, tanto dos

avançados quanto naqueles que se encontravam em estágio semelhante ao Brasil. Queria

convencer os fazendeiros com atos (os experimento agrícolas) e palavras (os textos).

Provavelmente viera a São Paulo em função dos avanços que a SPA promovia na agricultura

paulista. Convencer os fazendeiros a respeito de mudanças de hábitos não era tarefa fácil131

:

Derby pessoalmente parece ter se esquivado de entrar diretamente nesse assunto. Para Dean

(1989), Dafert falhou nessa empreitada devido à sua condição de estrangeiro132

. Sem dúvida esse

é um fator importante, mas a mentalidade autocrática do fazendeiro comum de então, parecia ser

“esperando o arado pedido para o Sr. Santos Werneck, sentindo não ter chegado o semeador. Vamos engenhar

qualquer coisa que reremedeie (sic) até que chegue”. (REVISTA AGRÍCOLA, 1897, p. 262) 130

Com o livro Problema nacional da produção do trigo, de 1911, Carmo concorreu a uma vaga no IHGB, sendo

aceito em 23 de agosto de 1912, mas não por unanimidade (INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO

BRASILEIRO, 1913, p. 481). A partir de 1914 seu nome deixa de constar na relação de sócios. Não foi possível

apurar o porquê de seu desligamento. Outro livro curioso foi o estudo que realizou sobre a pecuária na Argentina,

que foi publicado em espanhol (A indústria pastoril na República Argentina. Buenos Aires: Sociedade Rural

Argentina, 1916. 172 p.). Não foram encontradas referências sobre sua estada em Buenos Aires. Como a partir de

1912 não há mais sua presença na imprensa especializada brasileira foi levantada a hipótese dele ter migrado, mas

não há sequer indícios. Edgard Carone (1972) sustenta que ele publicou dois livros satirícos-políticos com

pseudônimo de Simão de Mantua Sua publicação agronômica mais recente, até onde se sabe, é de 1939, no Rio de

Janeiro. 131

De acordo com Dean, “The resistance of the Paulista coffee planters, precisely the group whose fortunes the

institute was designed to maximize, to experimentation and intensification was ruinous to the realization of Dafert's

"indispensable" reforms. The obstacles, he insisted, were not technical, but "social." Management of plantations

would have to be improved. Both planters and workers had to be "called forth to harder but more productive and

remunerative labor.” (DEAN, 1989, p. 109). José Miguel Rasia (1980, p. 100) argumenta que os experimentos de

Dafert possuiam um erro interno: ele comparava os níveis de produtividade no Brasil em relação à agricultura na

Prússia, que era dez vezes maior, mas que essas regiões não eram passíveis de comparação, pois tratavam de

realidades diferentes. Para Rasia, Dafert é conservador, pois não desejava alterar aestrutura do latifúndio. 132

Para Dean (1989), a: “Dafert's inability to convince the state of the need to intensify coffee production may well

have been partly a result of his emigre status, no matter how well acclimated he felt himself.” (DEAN, 1989, p. 113)

Talvez o mesmo tenha ocorrido com Derby que escreveu somente mais um artigo sobre agricultura: “Possibilidades

agrícolas da região das secas”, publicado no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro em 18 de outubro de 1906.

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inexpugnável a novas ideias, como se verá mais adiante nos contos “O Pito do Reverendo” e

“Café! Café!” de Monteiro Lobato.

Ainda com relação à criação de gado, os campos de São Paulo representavam para

Derby, uma dificuldade para a implantação de uma pecuária eficiente: eram pobres em forragens

naturais. Havia dois problemas a serem resolvidos: o primeiro era encontrar forragens adequadas.

As espécies nativas do estado eram consideradas pobres. O segundo era cultivá-las de maneira

correta. Derby argumenta também nesse artigo que “os pastos naturais podem ser muito

melhorados pelo cuidado do homem” com a utilização de novas plantas forrageiras mais

resistentes. O armazenamento de alimento para o gado era igualmente um obstáculo que poderia

ser resolvido com a construção de silos. O pecuarista que fizer um “trabalho inteligente nesse

sentido será remunerado pelo aumento da produção, diminuição na mortalidade e a melhora

geral nas condições da criação” (DERBY, 1895, p. 68). Se nas regiões de clima temperado o

problema era alimentar o gado no inverno, na zona tropical era encontrar alimentos nas estações

de seca. Descobrir novas plantas forrageiras resistentes a ela era a tarefa que se impunha, bem

como encontrar novas formas de armazenagem. Ao longo dos anos a Revista Agrícola deu

imensa publicidade às novas variedades de capim, muitas vezes com polêmicas acirradas. O

armazenamento das forragens também era um problema bastante abordado na revista. O primeiro

silo de São Paulo no formato de torre circular foi construído no Posto Zootécnico Central, na

Capital dos paulistas no início do século XX.

Nessa época, a polêmica mais notável da pecuária paulista foi a respeito de qual seria

a melhor raça bovina para ocupação dos campos. Pecuaristas de renome pretendiam a introdução

do gado zebu, de origem indiana, o que irritou aqueles que insistiam na manutenção do gado

caracu ou na introdução de raças de origem europeia, a serem criadas puras ou em miscigenação

com o gado nacional. O mais notável polemista defensor dessas duas últimas foi Luiz Pereira

Barreto. Essa polêmica ainda encontrava ecos nos anos 60 do século XX!

O avô de Alfredo Ellis Jr., Francisco da Cunha Bueno, introduziu, no final do século

XIX, na Fazenda Santa Eudóxia, em São Carlos (SP), o gado Zebu, o que segundo ele

“contrariou frontamente (sic) a opinião do acatado homem de ciências Pereira Barreto, que

ditava os ensinamentos científicos, os quais na época tinham o valor de axiomas” (ELLIS Jr.,

1960, p. 385). Essa experiência foi interrompida ou abortada. Mas seu pai, o Dr. Alfredo Ellis,

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140

introduziu o nelore novamente em 1913. E, a partir dos bons resultados desse experimento, mais

tarde, Ellis Jr. tornou-se “zebuísta”, defendendo essa raça nos jornais. Cinquenta anos não foram

suficientes para abrandar seu rancor contra Barreto, mesmo tendo o zebu se tornando, por razões

econômicas a raça prioritária dos pecuaristas. Na bigrafia romanceada de seu avô, publicada em

1960, deixa transparecer todo seu ressentimento:

“Assim ficou explicada a estátua [de] Pereira Barreto, erigida

evidentemente, por engano, em S. Paulo, quando deveria ter sido

colocada na praça pública em Uberaba! Ele evitou, pela sua propaganda

contra o zebu que S. Paulo fizesse concorrência a Uberaba, que durante

25 anos teve o monopólio do zebu”. (ELLIS Jr., 1960, p. 385).

A escolha das forragens rendeu polêmicas semelhantes: qual seria a melhor variedade

de capim para alimentar o gado? Löfgren e Ihering opinaram sobre esses temas.

4.10 Últimas palavras sobre este capítulo.

À guisa de conclusão parcial pode-se afirmar que a CGG com Löfgren, Sampaio e Ihering a

seguir a orientação de Derby, e, sobretudo esse último, em seu único artigo enquanto chefe da CGG que

tinha stritu sensu a agricultura como tema, formularam propostas que posteriormente se transformaram em

diretrizes para a lavoura paulista. Ao apresentarem os campos naturais como reserva potencial para os

lavradores, foi desfeito o mito de que eram estéreis. Mostraram que essas terras poderiam ser ocupadas

por outras culturas que não o café, pela pecuária de exportação e como criadouro de gado para tração das

máquinas agrícolas e adubação. Apontaram aos agricultores de São Paulo a possibilidade de novos ganhos

em regiões antes consideradas improdutivas e como ocupar terras desgastadas pelo cultivo do café com

métodos rotineiros, até então consideradas estéreis.

Além de que, por analogia à proposta de Pesavento com relação à Exposição Universal de

Filadélfia, os trabalhos da CGG não produziram somente ganhos no plano econômico, mas somando-se a

eles, permitiu a construção de representações que elegiam os Estados Unidos como modelo e Derby como

um símbolo visível desse progresso em terras brasileiras. Possibilitou também o surgimento nas artes em

geral e na literatura em particular de representações inspiradas em sua produção científica. Autores como

Almeida Jr. e Benedito Calixto, respectivamente pintaram o sertão e o litoral inspirados em temas

discutidos na CGG e Revista Agrícola. Euclides da Cunha e Monteiro Lobato, dentre outros,

representaram literariamente as áreas campestres.

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141

5 AS ÁREAS CAMPESTRES DO VALE DO PARAÍBA EM EUCLIDES DA CUNHA

A presença da Comissão Geográfica Geológica nos escritos de Euclides foi apontada

por Santana no livro Ciência e Arte em Euclides da Cunha, de 1998, no qual mostra que a

amizade e a cooperação intelectual entre os membros daquela Comissão e Euclides foi intensa.

Em seus estudos preparatórios para a viagem à Bahia a fim de viabilizar a cobertura jornalística

da campanha de Canudos para o jornal O Estado de São Paulo, Euclides obteve ajuda de

Theodoro Sampaio a respeito das características geográficas e geológicas da região133

e de Derby

134. Em março de 1897, Albert Löfgren, Orville Derby e Theodoro Sampaio indicaram Euclides

para ingressar no quadro de sócios do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, antes,

portanto, de sua viagem ao Nordeste, o que demonstra que havia uma confiança grande no

potencial de Euclides, pois o autor ainda não tinha publicado nada que se destacasse nas áreas de

ciências naturais, da Terra ou em história.

Segundo Ferretti (2009), a identidade entre esses intelectuais era tão forte que

chegaram a constituir uma corrente historiográfica dentro Instituto, tal o nível de proximidade

ideológica. Euclides da Cunha sofreu influência, conforme demonstrado por Santana, da

produção científica da CGG como um todo, entretanto, parece haver maior proximidade dele em

relação a Löfgren, pois, conforme já visto, esse autor foi o primeiro a observar a degradação da

paisagem ao longo da ferrovia. O que aproximava esses autores era a concepção territorialista da

história, bastante em voga na época devido aos conflitos sobre limites, tanto os internos, quanto

os externos.

Em 4 de março de 1897, Euclides da Cunha (1984) publicou no jornal O Estado de

São Paulo uma resenha elogiosa do livro de Löfgren Ensaio para uma distribuição dos

133

O Capistrano de Abreu (1976, p 80) em carta a João Lúcio de Azevedo (19 de dezembro de 1917) escreveu que

“sobre Euclides muito influiu T. Sampaio, conforme este me disse, que não é gabarola”. Em outra carta (1976, p

226) ao mesmo destinatário, datada de 17 de novembro de 1921, diz que “veio-me a ideia [de] que minha prosa pode

ter influído sobre Theodoro Sampaio, que foi o mestre de Euclides da Cunha”. Ou seja, estava a reivindicar sua

parcela de influência na obra euclidiana. 134

Santana apoia-se em Freyre, Gilberto. Perfil de Euclides e outros perfis (1944). Rio de Janeiro: José Olympio,

1987, 209 p. Ver p. 32 - 36.

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142

vegetais nos diversos grupos florísticos no Estado de São Paulo. Este livro, na verdade, era

apenas uma versão com estatísticas atualizadas do boletim nº 5 da CGG, ao qual também foi

anexada uma exaustiva relação de plantas que compõem a flora paulista. A admiração de

Euclides da Cunha por Löfgren foi explicitada nessa resenha.

Segundo Euclides, Löfgren demonstrou em seu livro que.

“as regiões campestres geralmente consideradas estéreis e inaptas a

qualquer cultura regular; - regiões destinadas entretanto a notável ação

sobre o nosso desenvolvimento econômico, em próximo futuro, quando o

esgotamento das terras ora cultivadas coincidindo com o aumento da

população, determinar o surto de uma lavoura mais inteligente, na qual

graças a um maior desdobramento de energias, exigidas pela cultura

intensiva, a inteligência do homem, em íntima colaboração, se alie à

força inconsciente da terra.” (CUNHA, [1897] 1984, p. 73).

O homem, com o uso da razão, deveria se aliar às forças inconscientes da terra, essa

era proposta de Euclides. Embora o tema do homem como agente geológico, isto é como, agente

transformador da natureza, apareça já de forma embrionária, ele vai ganhar sua expressão

máxima n’Os Sertões.

Löfgren, quando esteve no Vale do Paraíba, dirigindo uma expedição botânica

particular, isto é, não patrocinada pelo Estado, à fazenda do Barão da Bocaina135

, descreveu o

caminho entre Lorena, estação onde desembarcou do trem, e Piquete, ainda na planície, como

sendo pouco interessante ao botânico, pois eram regiões ocupadas há séculos. No pé da serra,

onde começavam as ondulações, a situação era idêntica e a cultura cafeeira já estava abandonada:

“o cultivo, ou antes, a destruição das esplendidas matas que outrora

deviam ter coberto estas ondulações, deixou apenas uma espécie de pasto

sujo e magro que apresenta um aspecto desolador de esterilidade e de

abandono. As próprias fazendas com seus cafezais cobertos de capoeiras

atestam com veemência a pouca necessidade de luta pela existência e

ilustram de um modo frisante a regra agrícola seguida naquela lavoura,

que ‘quem vier atrás que feche a porta136

’”. (LÖFGREN, 1897, p. 188).

135

O relato dessa expedição foi publicado por Löfgren (1897a, 1897b) originalmente no jornal Diário Popular e

depois na Revista Agrícola. O patrocinador era o próprio barão, que queria implantar uma estação de cura na sua

propriedade no alto da Mantiqueira. 136

No original, a frase grifada está destacada em itálico.

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143

A frase grifada é a chave para a compreensão da visão de Löfgren sobre a área: ela se

encontrava total abandono. Mais que isso, quando fala na existência de uma “regra agrícola”, está

anotando a dinâmica da lavoura cafeeira, que sempre exaure o solo e deixa o abandono, assim

como cerca de meio século antes havia notado Capanema. Portanto, a representação de Euclides

sobre o abandono da área tem sua fundamentação indubitavelmente em Löfgren. Nesse mesmo

texto Löfgren menciona a cidade abandonada de Itajubá Velha, um antigo garimpo de ouro que,

após seu esgotamento, ficou deserto. Há em sua representação um certo paralelismo entre a

prática mineradora e a agrícola: ambas exploram os recursos naturais até o seu completo

esgotamento, depois, quando tudo se acaba, abandonam o local. Porém, Euclides vai além de

Löfgren ao discutir mais profundamente as causas do abandono da região cafeeira, conforme será

visto mais adiante.

Euclides da Cunha, na crônica “Entre Ruínas”, publicada no jornal O Estado de São

Paulo em 15 de agosto de 1904, descreveu a paisagem do Vale do Paraíba no sentido do estado

do Rio de Janeiro. A personagem principal da crônica, que também é o narrador, portanto, seguia

sua viagem na direção oposta à marcha da expansão cafeeira, que se fez seguindo o Vale do

Paraíba fluminense para São Paulo. O Vale do Paraíba, portanto, era uma região de cafeeiros

antigos. Ele constata que o vale, outrora majestoso, cortado pela Estrada Real três vezes secular,

vai se tornando uma terra “desabrigada e pobre” em apenas uma fração do tempo de formação

dos cafezais, há cerca de oitenta anos, a idade dos cafezais. Contrariamente à ocupação

econômica, que foi lenta, pois levou cerca de oitenta anos, a decadência da lavoura ocorreu

rapidamente, pois em aproximadamente vinte anos a região já se encontrava em ruínas, enquanto

que no Oeste paulista137

, Campinas e adjacências, a produção se expandia, embora na passagem

para o século XX já houvesse sinais de declínio.

137

Nesta região o café aproveitou-se da infraestrutura criada pela lavoura canavieira (casas de vivenda, senzalas,

tulhas, vias de transporte, meios de transporte, animais de tração, escravos e agregados, dentre outros), mas pode-se

afirmar com segurança que não ocupou o mesmo solo anteriormente destinado a lavoura canavieira, pois para a

rubiácea preferia-se, dado a dinâmica da agricultura da época, as áreas de mata virgem. As terras ocupadas pela cana,

ao se desgastarem foram deixadas em pousio, e posteriormente, cerca de vinte anos depois, ocupadas pela lavoura

cafeeira. Hoje o solo as fazendas são intensamente ocupados, no século XIX não: havia áreas com mata virgem, que

eram necessárias para extração de madeira e lenha e para expansão da lavoura; terras com capoeirão, que eram áreas

em reconstituição a aguardar a ocupação do solo e campos, que serviam como pastagem.

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144

Figueirôa (1987, p. 19), apoiada em Cano138

destacou o crescimento vertiginoso do

café no Oeste Paulista. Em 1870, “o café d’oeste de São Paulo representava apenas 16% do total

produzido na Província. A partir de então, saltou para 25% da produção nacional em 1875 e, em

1885, perfazia 40% deste total”.

Segundo Morse (1970), que se apoia em Milliet139

, a decadência do café no Vale do

Paraíba se iniciou na década de 80 de século XIX. Nas estatísticas oficiais relativas à produção

cafeeira paulista pode-se observar que, enquanto a produção se expandia pelo Noroeste paulista,

o Vale do Paraíba entrava em decadência, isto é, sua produção diminuía.

Os dados estatísticos demonstram que a produção do Noroeste paulista cresceu mais

de dez vezes entre 1854 e 1887, enquanto que no Vale do Paraíba houve uma diminuição de mais

de vinte por cento no mesmo período, conforme tabela abaixo.

Tabela 1- Distribuição da produção cafeeira no estado de São Paulo - Século XIX.

Fonte: Morse (1970), p. 230.

Como a vida útil dos cafeeiros era de cerca de 20 anos nas condições em que então se

praticava a agricultura, à medida que atingiam essa idade deixavam de ser produtivos. No início

138

CANO, Wilson. Raízes do desenvolvimento indústrial em São Paulo. São Paulo: Difel, 1977. (Corpo e Alma

do Brasil, 53), p. 31. 139

MILLIET, Sérgio. Roteiro do Café e outros ensaios. São Paulo: BIPA, 1946, p. 18-19.

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145

do século XX quase não havia cafezais fecundos no hoje chamado Vale Histórico140

, como se

pode observar no mapa abaixo:

Porém, no mapa abaixo, que se trata de uma carta cafeeira, inspirada na carta agrícola

de 1907 da CGG, publicado em Milão por Belli, a região vale-paraibana paulista é representada

ainda como área cafeeira, o que talvez se explique por ser notória a intenção de ser um livro que

faz propaganda em favor da imigração, embora sua produção já fosse muito pequena.

140

As cidades históricas são Silveiras, Areias, São José do Barreiro, Arapeí e Bananal.

Figura 12 - Mapa da produção cafeeira no Estado de São Paulo em 1920.

Fonte: Milliet, 1939.

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146

O mesmo se repete no mapa seguinte anexo ao livro de Lalière publicado em Paris, em 1909, que

foi feito para exposição de Bruxelas de 1910, sendo, portanto também uma obra com caráter

propagandístico. Embora inspirado na Carta Agrícola de 1902, a Carta Agrícola apresentado por

Lalière é mais detalhada e mais completa que a do Italiano Belli.

Figura 13 Carta Cafeeira do Estado de São Paulo, de Belli . Fonte Belli (1910).

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147

Figura 14 Carta Agrícola do Estado de São Paulo. Fonte Lalière, 1909.

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148

Entretanto, na Carta Cafeeira Lalière, reproduzida na página seguinte, baseada na

carta agrícola de 1907, da CGG, observa-se claramente que praticamente não há mais cafezais em

números expressivos, exceto em pequenas manchas da região mais próximas às cabeceiras do Rio

Paraíba do Sul, isto é, entre Guaratinguetá e a Capital paulista:

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149

Portanto, como se pode observar pela sequencia de estatísticas e de cartas agrícolas a

situação realmente não se apresentava favorável aos fazendeiros: a decadência econômica era

Figura 15, Carta Cafeeira do Estado de São Paulo, de Lalière. Fonte: Lalière (1909)

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150

patente e a decadência econômica parecer ser inexorável e não havia muito o que fazer. A miséria

se aproximava.

A imagem do deserto como possibilidade de miséria para os fazendeiros já se fazia

presente na Revista Agrícola desde 1900. Santos Werneck apontava para ela quando, num artigo

no qual mostrava a relação entre as então ditas “derribadas” das florestas e a seca. Possivelmente

inspirado em Löfgren141

, escreveu que:

“Sob os trópicos a floresta é o guarda da fertilidade, o docel da fortuna;

sem ela, a seca, a aridez, o deserto, a miséria e a fome; com ela, a chuva,

o húmus, o povoamento, a abundância, a riqueza. A agricultura tropical

só tem dois caminhos: pela floresta e pela chuva vai ter ao Vale do

Amazonas; pelo descampado e pela seca a acabar no Saara”

(WERNECK, 1900, p 40).

Nesse artigo, Werneck, que era natural de Vassouras no vale do Paraíba fluminense e

migrara para o Oeste paulista, escrevia um lamento sobre a decadência dos cafezais na sua terra

natal, embora sua conclusão fosse válida para qualquer região onde houvesse desmatamento. São

através das imagens da decadência do Vale do Paraíba, pelos indícios nelas apresentados, que se

pretende construir paulatinamente, sem ficar muito enfadonho, o diálogo entre diversos atores da

agricultura paulista (CGG, SPA e IAC) e a literatura de Euclides da Cunha142

sobre a região.

Também não resta dúvida quanto à presença implícita do artigo “Considerações sobre

o futuro agrícola do Estado S. Paulo”, de Derby, na crônica “Entre Ruínas”, de Euclides. Um

indício que permite essa constatação é a presença do viajante, em ambos os textos, como

observador e comentarista da paisagem que apresenta a mesma característica em ambos os

autores: descrevem as regiões campestres produzidas artificialmente. Enquanto que Euclides

descreve o Vale do Paraíba, Derby não se refere a uma região específica, mas sim a qualquer

região do estado cortada por ferrovia.

141

Se inspirava também em Derby quando descrevia a formação dos campos concomitantemente à decadência da

lavoura cafeeira. 142

As longas transcrições de trechos das crônicas de Euclides da Cunha são necessárias, pois são os indícios nos

quais nos baseamos para construir nossa análise sobre as relações entre os atores citados. Também foram feitas para

permitir que o leitor perceba claramente o caminho percorrido pelo pesquisador. E finalmente, levando em conta as

considerações metodológicas apontadas por Arthur Soffiati (2003) para não deixar dúvidas no leitor.

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151

Para Derby, até mesmo um turista incauto poderia, se assim desejasse ou conviesse,

notar tal paisagem, indicando que não seria necessário muito esforço, ou seja, que qualquer um,

mesmo não sendo especialista treinado, poderia reconhecê-la. Entretanto, apesar de ser acessível

a qualquer turista interessado, suas observações eram calcadas nos conhecimentos produzidos ela

sua viagem de estudos ao Vale do Rio Grande ainda nos tempos do Museu Nacional e nos

estudos científicos que Theodoro Sampaio e Löfgren haviam publicado, respectivamente, sobre

as expedições de reconhecimento do Vale do Paranapanema e de estudos botânicos da flora

paulista.

Diferentemente de Derby, o viajante euclidiano é um observador atento. Não vai de

trem, mas assim como Löfgren e Sampaio a cavalo, o que proporciona maior lentidão e controle

do tempo de observação e permite que ele faça uma observação atenta e pormenorizada, pois o

cavalgar proporciona um contato próximo e prolongado com a paisagem, tornando possível uma

avaliação mais precisa se comparada a do viajante embarcado num vagão de trem. Ao se fazer

uma observação mais criteriosa é possível também se levar em conta o aspecto emocional e

explicitar os sentimentos resultantes desse encontro do homem com o meio degradado e,

consequentemente, produzir um relato carregado de subjetividade. É o consórcio entre a ciência e

a arte, tão bem estudado por Santana (1998), que reúne o rigor da observação científica com a

subjetividade do poeta. Euclides da Cunha transita entre o memorialismo, o depoimento, a ficção

e a descrição científica, que são também características da produção dos naturalistas viajantes

europeus que por aqui andaram nos séculos XVIII e XIX, e que por força das necessidades,

viajavam a cavalo ou em muares quando não havia rios ou onde estes não eram navegáveis.

Euclides, portanto, na construção de sua personagem, o narrador de “Entre Ruínas”, se inspirou

também nos naturalistas viajantes que percorreram o país e deixaram escritos seus relatos. Talvez

o naturalista que mais inspirou Euclides tenha sido o próprio Löfgren, que publicou seus relatos

de viagem em expedição botânica à Serra da Mantiqueira em 1897 e se referiu passageiramente

ao abandono do Vale, conforme mencionado.

Euclides, diferentemente de Derby, é incisivo em suas conclusões: descreve a

bancarrota e sinaliza para a miséria vindoura para cafeicultores de outras regiões do estado ainda

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152

muito prósperas. Na verdade, a decadência na Região de Campinas já havia principiado143

. A

presença do observador da paisagem como apreciador crítico é tão importante em “Entre Ruínas”

que o autor lhe confere o status de narrador.

Em outra crônica de 1901, “Os fazedores de deserto”, presente na mesma coletânea,

Contrastes e Confrontos, cuja primeira edição é de 1906, Euclides já havia retomado a imagem

descrita por Derby, ou seja, a ferrovia e a paisagem predominantemente campestre, onde outrora

havia a exuberante Mata Atlântica. Entretanto as áreas degradadas foram apresentadas por ele

como sendo frutos da incúria humana, o que está pouco enfatizado em Derby. Também,

conforme se verá pouco adiante, Euclides expõe a relação entre as ferrovias e a formação das

áreas campestres paulistas, denunciando essa última como sendo um agente formador deserto.

A paisagem ao longo da ferrovia, descrita por Euclides da Cunha é semelhante à

apontada por Derby, no entanto, diferentemente do segundo, vem carregada de subjetividade:

“Daí o quadro lastimável descortinado pelos que se aventuram, nestes

dias, a uma viagem no interior - varando a monotonia dos campos mal

debruados de estreitas faixas de matas, ou pelos carreadores longos dos

cafezais requeimados, desatando-se indefinidos para todos os rumos -

miríades de esgalhos estonados, quase sem folhas ou em varas, dando em

certos trechos, às paisagens, um tom pardacento e uniforme, de estepe.”

(CUNHA, [1901] 1923, p. 202).

Euclides se aproxima de Derby ao relatar a presença das estreitas faixas de matas, o

equivalente àquilo que o geólogo da CGG denominou de “oásis”, dizendo que os campos já

predominavam. Entretanto, o engenheiro se atém mais à descrição dos cafezais decadentes, ainda

não totalmente substituído por outra vegetação. Derby, por outro lado, se referia mais às áreas

ocupadas por samambaias, sapé e barba de bode, conforme visto anteriormente, tipo de vegetação

que se forma após queimadas sucessivas ou em terrenos erodidos. Há uma lacuna (um silêncio)

143

Por exemplo, a Fazenda Rio Prata, na então divisa entre Jundiaí e Campinas (hoje município de Itupeva), segundo

Queiroz, (1965), em 1898 era uma fazenda produtiva. No inventário feito 1898, ela apresentava 140

alqueires.cobertos de café, 60 alqueires de capoeirão livres e mais 100 de mata virgem. Havia ainda 80 alqueires de

capoeirão, 60 alqueires de pasto e 20 de capoeiras estragadas. Parte dos cafeeiros deveria ser velha. Cerca de trinta

por cento das terras já estavam inutilizadas para o café e tendiam a aumentar rapidamente à medida que os cafezais

fossem envelhecendo. As possibilidades de expansão dos cafezais eram pequenas, pois não podiam cortar todas as

matas porque precisavam de lenha e madeiras. Como ela, parte das fazendas da região de Campinas na mesma época

estava em vias de decadência.

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153

em seu discurso ao não associar explicitamente as áreas degradas ao declínio do café. Euclides,

por seu turno, menciona os carreadores para mostrar a presença de trabalho humano e das

relações sociais na produção. Ao fazê-lo, responsabiliza os fazendeiros pela degradação do solo.

Carreadores eram os caminhos que cortavam os cafezais por onde transitavam os carros de bois

que faziam o transporte da colheita.

A expressão “cafezal requeimado” pode ter duplo sentido: significar apenas que foi

atingidas pelo fogo várias vezes ou estar sendo usada no sentido metafórico, isto é, que devido ao

abandono, tinham a aparência de queimada, daí o tom pardacento.A catinga tinha esse aspecto144

.

144

Joaquim Nabuco, na ocasião em que visitou a Fazenda São Martinho, da família Prado, na região de Ribeirão

Preto e teve uma imagem singular da floresta queimada, que somente um homem urbano e viajado poderia ter.

Registrou Nabuco (2005, p. 305) que ele e seus anfitriões partiram “para São Martinho. Atravessamos o Moji-

Guaçu em Porto São Martinho. Na fazenda. Visitamos os cafezais. Efeito da queimada: uma cidade de

marfim gótico, o teto de Paris” (NABUCO, 2005, p. 305). Associava o tom pardacento não à caatinga, mas

aos tlhados de Paris.

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154

Euclides aproxima-se de Derby ao defender explicitamente a agricultura moderna. O

cafezal apontado por Euclides é aquele já improdutivo, pois “pardacento e estonado” é o oposto

de viçoso e verdejante. Ambos os autores vislumbram possibilidades de ocupação rentável dessas

terras desgastadas com outras culturas mais adequadas ou com outros métodos de produção (a

agricultura racional). Ponto de vista, aliás, já explicitado na resenha que Euclides fez de Löfgren,

citada anteriormente.

Figura 16 - Estação de Paraibuna, em Comendador Levy Gasparian (RJ), no final do

século XIX. Pode-se obervar a vegetação campestre frutos do desgaste do solo, os

carreadores (trilhas), as árvores retorcidas. Esta era a típica paisagem do “day after” da

lavoura cafeeira, embora não possa afirmar que havia cafeeiros nesta localidade. Fonte:

klumb, 18721.

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155

O título da crônica em exame, “Fazedores de deserto”, já é um prenúncio de tragédia:

“Temos sido um agente geológico nefasto, e um elemento de antagonismo terrivelmente bárbaro

da própria natureza que nos rodeia.” (CUNHA, [1901]1923, p. 203). A tragédia em questão foi

a destruição da Mata Atlântica, num primeiro momento e, cerca de vinte anos depois, a exaustão

do solo causada pela cultura cafeeira que a substituiu. Há, portanto duas destruições ambientais

em foco. A primeira, visível e fulminante: a derrubada da floresta. A segunda, lenta e pouco

sensível em seu processo, mas escancaradamente visível em seu resultado, foi o desgaste do solo.

Floresta e solo, em menos de 20 anos, ambos destruídos!

A concepção de Euclides de conceber o homem com um agente capaz de mudar a

natureza também já estava presente na resenha que o autor fez de Löfgren145

, quando propõe que

a “inteligência do homem, em íntima colaboração, se alie à força inconsciente da terra”

(CUNHA, [1897] 1984, p. 73). Euclides complementou o trabalho de Löfgren ao designar

claramente os personagens da tragédia do Vale do Paraíba, como se verá mais adiante.

Se as palavras de Euclides são mais fortes que as de Derby, provavelmente se deve à

experiência radical advinda do contato com as regiões pobres da Caatinga e da convivência

traumática com a guerra de Canudos, a qual Decca e Gnerre (2002) identificaram como sendo a

“cena original” do “trauma” (no sentido freudiano do termo) presente tanto na narrativa da guerra

em Os Sertões, quanto da nacionalidade146

. Euclides da Cunha não ocupava cargos públicos e

nem tinha relações profundas com o empresariado agrícola ou do setor ferroviário, sequer tinha

ligações formais com a SPA e Revista Agrícola. Presume-se, portanto, que ele poderia expressar

suas opiniões com maior liberdade. Talvez sua verborragia crítica seja o motivo de sua

deambulação incessante por diferentes regiões do país por não conseguir arranjar um trabalho

fixo. Porém, pode ser que a causa real de suas andanças seja a defesa que fazia dos caboclos,

expressas no seu papel auto-atribuído de advogado dos sertanejos.

Em “Fazedores de deserto”, crônica de 1901, desenvolveu a ideia de serem os

homens um agente geológico nefasto. Para comprovar essa ideia, mencionou impactos ambientais

145

O tema do homem como agente geológico foi desenvolvido por Euclides em duas outras crônicas, alem dos

“Fazedores de Deserto”: “Plano de uma Cruzada”, de 1901 e “Ao Longo de uma Estrada”, do mesmo ano. 146

De Decca e Gnerre (2002) fizeram uma leitura instigante e original do episódio tendo como referência textos

freudianos.

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156

historicamente criados pelo bandeirismo predatório, pela mineração, pela agricultura e pela

pecuária, primeiro no atual Nordeste, onde a seca se faz mais sensível e no estado de São Paulo.

Nesta crônica anotou que os agricultores interioranos de São Paulo reclamavam

através da seção do leitor do Jornal O Estado de São Paulo, a mesma onde Monteiro Lobato

seria consagrado com o “Velha Praga”, que seus saberes tradicionais a respeito da previsão do

tempo não eram mais válidos em função das mudanças climáticas de então. As chuvas haviam se

tornado mais escassas e imprevisíveis e isso os deixavam incomodados. Certamente constatação

inspirada em Löfgren, pois, segundo Dean (1996, p. 248), os estudos realizados por Löfgren

“sobre espécies de árvores econômicas e seus cálculos sobre chuvas e temperaturas” criaram

um intenso debate sobre as mudanças climáticas que estavam ocorrendo naquela época, ao ponto

de apontá-los, acrescidos de suas boas relações com a elite paulista, como os fatores responsáveis

pela sua nomeação, para o Serviço Florestal e Botânico de São Paulo147

. Euclides, portanto,

poderia estar a fazer referências aos estudos climáticos de Löfgren, que foram publicados nos

boletins da CGG. Eram considerados importantes a ponto de, em 1897, Löfgren ser convidado

pelo Barão da Bocaina para fazer uma avaliação climática de suas terras no Alto da Mantiqueira,

interessado que estava em instalar um hospital para tratamento de turbeculosos em São Francisco

dos Campos, onde, à semelhança do que ocorria em Campos de Jordão148

, os doentes procuravam

espontaneamente aquelas terras na esperança de cura. Dafert (1896, p. 151), diretor do IAC,

também reconhecia publicamente a importância desses estudos e entendia que, na ocasião,

Löfgren era o homem mais apto a dirigir o Horto Botânico, em processo de criação, por ser “um

dicionário ambulante das ciências naturais”, em clara alusão ao livro Distribuição dos Vegetais

no Estado de São Paulo e por ele manter boas relações com as instituições da agricultura de São

Paulo.

Euclides da Cunha, em outra crônica, os Fazedores de Deserto, apontou as queimadas

como sendo as responsáveis pela mudança no regime dos ventos que traziam vapores do oceano e

que causavam as precipitações pluviométricas. Porém, além das queimadas inerentes às práticas

147

Dean se confunde com nomes e datas. Em 1896 foi criado o Horto Botânico da CGG. Em 1899 o Horto Botânico

passou para o controle do Serviço Agronômico. Em 1909, foi denominado Horto Botânico e Florestal e em 1911 foi

transformado em Serviço Florestal. 148

Sobre os tuberculosos, ver Löfgren 1897b, p. 203 - 204.

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157

agrícolas rotineiras e amplamente praticadas, identificou outra causa para o problema, ainda mais

voraz em suas exigências, que é o uso de lenha proveniente de árvores da Mata Atlântica como

combustível das ferrovias:

“E o que observa quem segue, hoje, pelas estradas do oeste paulista?

Depara, de momento em momento, perlongando as linhas férreas, com

desmedidas rumas de madeira em achas ou em toros, aglomeradas em

volumes consideráveis de centenares de steres, progredindo,

intervaladas, desde Jundiaí ao extremo de todos os ramais.” (CUNHA,

[1901] 1923, p. 206).

Como essa descrição pode não soar familiar ao leitor de hoje, talvez exija uma

explicação: trata-se de montes de lenha cortada num tamanho adequado à sua finalidade e

empilhadas na beira da ferrovia de modo a facilitar o manejo. Essas pilhas estavam a aguardar

uma composição ferroviária que as carregassem para serem usadas no abastecimento das

caldeiras das locomotivas. Assim como Fonseca se insurgira contra o uso das árvores das

florestas ribeirinhas do rio Paraguai para abastecer os barcos a vapor que singravam aquele rio,

Euclides se insurgiu contra o uso indiscriminado de lenha das florestas próximas ao leito das

estradas de ferro como combustível das locomotivas:

“São o combustível único das locomotivas. Iludimos a crise financeira e

o preço alto do carvão de pedra atacando em cheio a economia da terra,

e diluindo cada dia no fumo das caldeiras alguns hectares da nossa

flora.” (CUNHA, [1901]1923, p. 206).

Diante dessa assertiva de Euclides, as palavras de Fonseca escritas cerca de trinta

anos antes adquirem um tom profético e acabam por extrapolar os limites do Mato Grosso:

“Tempo virá, e não longe, que os vapores, já não encontrando madeiras

de lei para queimar, recorram às outras; e quando tudo estiver

completamente devastado, tudo consumido, buscarão outro recurso no

carvão de pedra.” (FONSECA, 1880-1881, p. 154).

Da mesma forma que os barcos a vapor, as ferrovias também usavam lenha para

manter aceso o lume das caldeiras. E as florestas tombavam com uma intensidade nunca antes

vista. Há, portanto, uma forte consonância entre Euclides e Fonseca.

O uso de carvão de pedra no início do século XX não era mais possível devido à crise

econômica que se agravava pela baixa geral dos preços do café. As críticas ao uso de lenha se

espalhavam pela imprensa e no parlamento. A resposta da Cia Paulista de Estradas de Ferro a

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158

essas críticas viria através do plantio de eucalipto, proposta por Adolpho Augusto Pinto em 1903

e acatada pela empresa, que passaria a produzir parte de seu próprio combustível. A partir de

1904, Edmundo Navarro de Andrade será encarregado do plantio dessas árvores, inaugurando a

silvicultura moderna no país.

Euclides percebeu claramente que a “constância” das derrubadas que diluía “a cada

dia no fumo das caldeiras parte de nossas matas”. Ou seja, enquanto a agricultura queimava

espaçadamente, isto é, apenas quando se faziam necessários novos plantios, devastando grandes

áreas numa única vez, as derrubadas destinadas às caldeiras das ferrovias, por outro lado,

desmatavam de maneira constante, ininterrupta, em todas as épocas do ano, em todos os lugares e

com voracidade.

A devastação florestal já vinha sendo debatida há algum tempo. Adolpho Augusto

Pinto, em 1903, propôs a cultura do eucalipto porque estava a faltar madeira e lenha149

e , em

1910, levou uma proposta ao Congresso de Vias de Transportes do Brasil para estimular todas as

ferrovias a fazerem a cultura florestal com essa planta.

“A continuar o sistema primitivo, segundo o qual operam os

fornecedores do combustível vegetal - de destruir sem reconstruir, sem

restaurar, a obra da natureza - máxime em campo de ação limitado á

estreitíssima faixa marginal às linhas férreas, porque o produto, como já

disse, não suporta pesado ônus de transporte, é intuitivo que a lenha, por

seu natural e progressivo encarecimento, em próximo futuro não poderá

competir com o combustível mineral.” (PINTO, 1910, p. 172).

O medo de faltar combustível para as ferrovias era o motivo real que leva ao plantio

de eucaliptos e não o desejo de refrear o desmatamento para impedir a formação de desertos.

Pinto desejava também não depender de importações nem de madeira, nem de carvão mineral.

Também fica claro que não se quer impedir a destruição das matas nativas, mas promover a sua

restauração por meio da silvicultura moderna, de modo a nunca faltar lenha combustível.

Para Euclides, em “Entre Ruínas” a desertificação, que atormentava a todos, era

representada na figura do fantasma, que era ao mesmo tempo a representação do pavor que se

tinha da miséria. A consequência, num futuro próximo, da formação do deserto seria a miséria e o

149

Também como resposta às críticas dos naturalistas e jornalistas.

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159

medo dela era o sentimento que tanto incomodava. Importunava tanto, que chegava ao ponto de

gerar angústia nos fazendeiros, pois o espectro da miséria produzia um terror ameaçador, tal qual

uma assombração, que também despertava emoções desprazerosas. Entretanto, apesar da forte

tensão emocional150

que acompanha o texto, produzindo ora medo, ora indignação no leitor,

podendo chegar até mesmo à revolta, a conclusão do escritor é destituída de apelo emocional,

postura típica do cientista social da época, que descobre uma lei a partir de uma constante do

comportamento:

“deste modo - reincidentes no erro - a inconveniência provada das

lavouras ultra extensivas e ao cautério vivo das queimas, aditamos o

desnudamento rápido das derribadas em grande escala.” (CUNHA,

[1901] 1923, p. 206).

Cautério e desnudamento eram os males que afligiam o solo. Mário de Andrade

acrescentaria no seu Macunaíma a pouca saúde e a muita saúva como novos males. O deserto,

vale apena frisar, para Euclides da Cunha, tinha duas causas: a lavoura extensiva e a extração de

lenha para as locomotivas. E era um erro reincidente, isto é, constante, tal qual uma lei natural.

Fazendeiros e capitalistas do setor ferroviário eram seus agentes, sendo que aqueles mais

representativos ocupavam ambos os papéis.

Euclides foi além de Derby ao acrescentar, ao lado de práticas agrícolas e

mineradoras seculares, as ferrovias, enquanto obra humana, como poderosos agentes geológicos

(os fazedores de desertos) na medida em que cortavam árvores para usar a lenha como

combustível. Por outro lado, se aproximou dos relatos de Fonseca, no livro Viagem ao Redor do

Brasil, anteriormente mencionado, ao perceber o uso das florestas como matriz energética do

sistema de transportes brasileiro, o que incluía barcos a vapor e ferrovias. O indício que permite

apontar para possibilidade da influência desse livro sobre Euclides é o fato de, segundo Alberto

Martins da Silva (1989, p. 45), o General Severiano da Fonseca, autor da obra, ter sido o

professor da Cadeira de Ciências Físicas e Naturais entre 13 de julho de 1889 e 15 de junho de

1890, na Escola Militar da Praia Vermelha onde Euclides estudara entre 1886 e dezembro de

1888 até ser expulso, retornando em 1889. Ele era rebelde, mas não faria a desfeita de deixar de

150

A leitura desses textos ainda provoca esses sentimentos. Isso é um indício que Euclides continua atual.

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160

ler o livro do professor de Ciências Físicas e Naturais, embora não seja possível precisar se tenha

sido aluno dele151

.

A destruição dos solos pelos cafezais, que no início do século XX estava a atingir o

Oeste Paulista - portanto, não permanecia mais restrita ao Vale do Paraíba -também havia sido

notada por Derby, mas na descrição euclidiana essa ampliação territorial dos chamados desertos

que estavam a alcançar outras regiões, faz com que o porvir se torne ainda mais fantasmagórico,

pois as ameaças causadas pelas queimadas e derrubadas estão mais próximas para os fazendeiros

de todo o estado: não era mais a longínqua lavoura do Vale do Paraíba que apresenta sintomas de

decadência, mas o próprio Oeste Paulista, que passados apenas trinta anos de inaugurar as

primeiras ferrovias, começava a apresentar sinais evidentes dela. E a disponibilidade de terras

com matas virgens parece estar chegando ao seu final mais rapidamente do que se supunha.

O binômio café e ferrovia, decididamente, não agradava a Euclides da Cunha. Na

crônica “Ao longo de uma Estrada”, de 1902, ele faz uma crítica incisiva a ele:

“nenhuma [das ferrovias] busca o centro do país visando despertar as

energias latentes que o afastamento do litoral amortece. Progridem

arrebatadas por uma lavoura extensiva que se avantaja no interior à

custa do esgotamento, da pobreza e da esterilização das terras que vai

abandonando.” (CUNHA, [1902] 1923, p. 249).

Esta é uma análise do ponto de vista geopolítico: o que o deixa frustrado é o fato de

as ferrovias não atenderem a um plano global de transportes e desenvolvimento para o país, mas

de serem, para ele, apenas subsidiárias ou tributárias da expansão da cafeicultura, que se faz à

custa das florestas e do desgaste do solo. Apresenta também severas críticas à expansão da

lavoura cafeeira pelo seu caráter nômade e predatório, que deixa a decadência e o abandono por

onde passa. Euclides, na verdade retoma e amplia os horizontes da análise de Capanema152

desse

mesmo processo, ao vislumbrar novas possibilidades com a agricultura racional, que dispensaria

o uso do pousio.

151

Segundo Silva (1989, p.45), o irmão do então coronel João Severiano da Fonseca, General Severiano Martins da

Fonseca é que era o comandante da Imperial Escola Militar da Praia Vermelha e não o autor de Viagem ao Redor

do Brasil. Vários historiadores fazem essa confusão. 152

Cf. capítulo 2.

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161

As ferrovias

“Povoam despovoando. Não multiplicam as energias nacionais,

deslocam-nas. Fazem avançamentos que não são um progresso. E

alongando para a frente os trilhos, à medida que novas terras roxas

abrolham em novos cafezais, vão, ao acaso, nesse seguir o sulco das

derribadas, deixando atrás um espantalho de civilização tacanha nas

cidades decaídas circundadas de fazendas velhas...” (CUNHA, [1902]

1923, p. 249).

Euclides da Cunha faz, portanto, severas críticas aos empresários paulistas, que

exerciam o controle das fazendas de café e ferrovias concomitantemente. Talvez essas análises

explícitas justifiquem a opinião elevada que Derby e Löfgren tinham a seu respeito, pois

Euclides, em suas críticas, ao nomear o quê e quem produzia os desertos, dizia aquilo que não

podia ser dito por eles, em função de compromissos políticos da CGG.

As críticas euclidianas eram contundentes. E ressoam até hoje como um canto radical

ainda agradável aos ouvidos dos críticos do desenvolvimento brasileiro, calcado na monocultura

e pecuária extensiva, que ainda provoca sérios impactos ambientais ao avançar pelo cerrado e

Amazônia, da mesma forma que o café avançara pela Mata Atlântica. Não perderam sua

atualidade. Entretanto, essa crítica euclidiana pode enganar o leitor pouco atento, pois se tem a

impressão que Euclides é contra a lavoura cafeeira, mas na verdade não é contra ela, mas sim

desfavorável ao método pelo qual é praticada, baseado na queimada e nomadismo. Além disso, é

contra o fato dela não integrar um plano de desenvolvimento que abrangesse todo território

nacional, mas apenas atendendo a interesses muito particulares, isto é, restritos a uma pequena

área e exclusivamente a uma lavoura.

Na mesma época, no artigo “Plano de uma Cruzada”153

, o autor radicalizou sua

posição a respeito da cafeicultura. A principal riqueza nacional foi qualificada por ele como

sendo um progresso “falaz e duvidoso, até agora medidos pelos stocks sacas de café, pelas levas

de migrantes e por uma política que ninguém entende” (CUNHA, [1904] 1897, p. 90). Percebia

esse progresso como sendo não planejado, feito à base do empirismo. Propunha como missão “a

153

Não consta no livro Bibliografia de Euclides da Cunha, de Irene Monteiro Reis (1971) referência à publicação

desse artigo em data anterior a 1907. Na Obra Completa, edição de 2009, consta ter sido publicada em O Paíz, Rio

de Janeiro, 08 de maio de 1904.

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162

organização das atividades e do regime geral das riquezas” (CUNHA, [1904]1897, p. 90). Há,

em Euclides, um forte descontentamento com a República, que considerava incapaz de planejar

um desenvolvimento adequado ao país154

. Por ter formação positivista, exigia um planejamento

científico para o desenvolvimento do país.

Em “Entre Ruínas”, também publicada originalmente em 1904, a descrição euclidiana

da terra desertificada pelo uso de métodos impróprios na cafeicultura impressionava e foi feita

para incomodar emocionalmente e para mobilizar a sociedade em torno de transformações

sociais. A paisagem erodida, onde outrora vicejavam os cafezais, é assim apresentada:

“Os morros escalvados, por onde trepa teimosamente uma flora tolhiça,

de cafezais de 80 anos, ralos e ressequidos, mas revelando os

alinhamentos primitivos; cintados ainda pela faixa pardo-avermelhada

dos carreadores tortuosos, por onde subiam, outrora, as turmas dos

escravos; tendo ainda pelos topos, a ourela dos velhos valos divisórios,

extensos renques de bambuzais; e ao viés das encostas, salteadamente,

branqueando nas macegas, as vivendas humildes por ali esparsas, a

esmo, dão quase um traço bíblico ás paisagens. Sem mais a vestidura

protetora das matas, destruídas na faina brutal das derribadas,

desagregam-se, escoriados dos enxurros, solapados restolhos pardos, no

horizonte monótono, que abreviam entre as encostas íngremes...” pelas

torrentes, tombando aos pedaços, nas «corridas da terra», das chuvas

torrenciais, e expõem agora, nos barrancos a prumo, em acervos de

blocos, a rígida ossamenta de pedra desvendada, ou alevantam-se

despidos e estéreis, revestidos de restolhos pardos, no horizonte

monótono, que abreviam entre as encostas íngremes... “(CUNHA,

[1904] 1923, p. 212).

Impossível não notar a semelhança com a descrição das montanhas

desertificadas da região do Rio Paraíba do Sul com a das caatingas nordestinas. A terra

escalvada, com suas árvores ralas e ressequidas, macegas, vivendas humildes e esparsa, a

apresentar ossamentas de pedra, do Vale do Paraíba, lembra fortemente a paisagem

nordestina presente n’ Os Sertões. Há, porém dois diferenciais: trata-se no Sudeste de

uma paisagem construída pelas turmas de escravos depois da faina brutal das derrubadas e

de mais de oitenta anos de produção da monocultura cafeeira, enquanto que no Nordeste

154

Os principais motivos de descontentamento de Euclides com relação à República são a Revolta da Armada e a

Guerra de Canudos. Ver Roberto Ventura (1996).

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163

foi, sobretudo, a pecuária extensiva a responsável pela destruição ambiental. A segunda

diferença é que no Nordeste o clima seco dificulta a recomposição florestal, enquanto que

no Sudeste abundam as chuvas, que destroem as terras descobertas levando-as através das

torrentes. Este contraste está apontado no texto “Plano de uma cruzada”, da mesma época,

no qual procura mostrar que o homem enquanto agente geológico precisa agir sobre o

clima, mas de maneira positiva, como os americanos no Colorado, os franceses na

Tunísia, dentre outros. No Brasil, dever-se-ia praticar uma agricultura que não fizesse

desertos como se propunha para São Paulo e que corrigisse, no sentido de melhorar, o

clima do atual Nordeste e que, dessa forma, proporcionasse melhores condições de vida

aos sertanejos de ambas as regiões. Se o homem era um agente geológico capaz de criar

desertos, também seria capaz de seria transformar o deserto em área agricultável.

A ruína da terra, no Vale do Paraíba, levava à ruína do homem: eram muitos os que

abandonavam a terra (choupanas vazias) e poucos os que persistiam em ficar. A região tornava-

se desabitada:

Sucedem-se choupanas pobres, em ruínas umas - tetos de sapé caídos

sobre montes de terras e paus roliços -; habitadas, outras, centralizando

exíguas roças maltratadas, à beira dos córregos apaúlados, onde os

lírios selvagens derramam, no perfume insidioso, o filtro das maleitas.

(CUNHA, [1904]1923, p. 213).

A pobreza e a maleita arruinavam também o homem que insistisse em permanecer:

“As estradas são ermas. De longe em longe um caminhante. Mas é

também um decaído. Não é daqueles caboclos rijos e mateiros, que

abriram neste vale as picadas atrevidas das «bandeiras». O caipira155

desfibrado, sem o desempenho dos titãs bronzeados que lhe formam a

linha obscura e heroica, saúda-nos com uma humildade revoltante,

esboçando o momo de um sorriso deplorável, deixa-nos mais

apreensivos, como se víssemos uma ruína maior por cima daquela

enorme ruinaria da terra.” (CUNHA, [1904] 1923, p. 213).

Nas bandeiras, a figura do índio e do mestiço é robusta156

. Sem a ajuda, quase sempre

involuntária, deles seria impossível a conquista do sertão. Euclides mostra o caboclo como sendo

155

No original, em itálico. É a primeira vez que se notou o uso da palavra caipira por Euclides da Cunha. 156

Como exemplo, o monumento às bandeiras de Vitor Brecheret no parque do Ibirapuera em São Paulo, SP.

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164

um homem desfibrado, isto é, aquele que perdeu suas forças, que alguns anos mais tarde será

descrito com mais exatidão e acrescido de outros aspectos, no Jeca Tatu, personagem de

Monteiro Lobato.

A imagética dos bandeirantes é recorrente na obra de Euclides. Ela foi elaborada na

produção historiográfica do Instituto Histórico de São Paulo. Ferretti, ao estudar a o dialogo entre

Os Sertões e a historiografia da época mostra que

“O bandeirante revalorizado emergia (...) em finais do século XIX, ao

mesmo tempo como carro-chefe de uma historiografia nacional renovada

pela temática territorialista, e como um símbolo identitário regional

vincado por um forte sentido republicano, fruto do investimento de

intelectuais paulistas contra a interpretação monárquica de nosso

passado”. (FERRETTI, 2009, p. 267)

Segundo Ferretti (2009), eram a temática territorial e a visão política republicana que

aproximavam Euclides da Cunha da CGG.

Essa temática ganhou força no Brasil no final do século XIX em função das

chamadas “questões de limites”. O Barão do Rio Branco liderava um grupo de historiadores que

pesquisavam esse tema157

. Dentre eles estavam Eduardo Prado e Capistrano de Abreu. Havia de

se convencer os árbitros das nações em conflitos por disputas de fronteiras, que aqueles territórios

pertenciam ao Brasil porque foram povoados por brasileiros. Sobretudo no Acre e nas Guianas

brasileiras.

Nos litígios sobre as fronteiras do estado de São Paulo com os estados vizinhos,

Derby também passou de estudar documentos históricos sobre os caminhos coloniais. De acordo

com Raffard (1900, p. 159) ele atuava em parceria com o então diretor do Arquivo do Estado, Dr.

Antonio de Toledo Piza, que realizava os levantamentos dos documentos históricos, e que eram

usados pelo chefe da CGG na construção de artigos em defesa das fronteiras paulistas.

Surpreendentemente, até mesmo Ihering, em seu artigo de 1895, “As ilhas oceânicas

do Brasil”, aderiu a essa perspectiva historiográfica ao traçar um panorama histórico da

157

Sobre as questões de limites e sobre esse grupo ver o artigo de Daniel Mesquita Pereira e Eduardo Ferraz Felippe,

“Missivas que constroem limites: projeto intelectual e projeto político nas cartas de Capistrano de Abreu ao Barão do

Rio Branco (1886-1903)”, de 2008. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 28, nº 56, p. 487-506 - 2008

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165

exploração dessas ilhas e, para isso, resgatou os relatos que inúmeros exploradores escreveram a

respeito delas. Sua motivação era política: tratava-se de historicizar a posse do território, de

conhecê-lo e, se possível, de povoá-lo. Argumentava que a questão se tornava premente devido à

possibilidade de ocupação do território nacional por potência europeia.

Em meados da década de 90 do século passado os ingleses invadiram e se apossaram

da Ilha de Trindade. Assis Brasil, que era embaixador brasileiro em Lisboa escreveu para seu

colega, o embaixador brasileiro em Londres, Souza Correia, pedindo para fazer ingerências

juntos ao governo britânico no sentido de exigir a sua desocupação imediata. Mais interessante,

porém é sua observação sobre a sua ocupação momentânea.

“Escrevo-lhe da Biblioteca de Lisboa, onde tenho sido enterrado em

papéis velhos na busca de documentos contra a pretensão de nossos

melífluos158

amigos dessa ilha [a Grã-Bretanha] que querem tragarnos a

pobre e rochosa ilha da Trindade” (ASSIS BRASIL, 1895, p. 116).

Ou seja, pesquisava-se em bibliotecas com uma finalidade bem prática: a defesa do

território brasileiro. Essa era também a posição de Ihering, que deve ter escrito sua série de

artigos sobre as ilhas oceânicas brasileiras com documentação fornecida pelo Itamaraty, uma vez

que ele não fazia pesquisas históricas. .

Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa, na sua dissertação de mestrado, Modernos

bandeirantes: A Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo e a exploração científica do

território paulista, também mostrou que a CGG, após 1905, recorria à imagem dos bandeirantes

na representação que ela mesma fazia sobre seus trabalhos de conhecimento e conquista do

sertão. Seus membros se consideravam os desbravadores, conquistadores e civilizadores de uma

região bravia. Era o “avanço da Civilização sobre a ‘barbárie vergonhosa’ que ainda existia em

São Paulo” (FIGUEIRÔA, 1987, p. 99). Para essa autora, a vinculação dos trabalhos da CGG ao

bandeirismo era tão forte que ela a colocou como título de sua dissertação de mestrado. Porém,

ela não trabalhou a imagem do caboclo, presente nas Bandeiras, que não fazia parte do tema de

sua pesquisa.

158

Segundo o Dicionário escolar da língua portuguesa, “melífluo”: muito doce; suave, mavioso. Também: que afeta

falsa doçura; hipócrita, fingido.

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166

Entretanto, para além da imagética dos caboclos desvinculadas do bandeirismo, outra

possibilidade de interpretação se apresenta ao se notar que Euclides parecia falar o que Derby e

Löfgren se recusavam a dizer, pois eles não atribuíam aos fazendeiros a responsabilidade pelo

deserto ou a atribuíam genericamente ao camponês ou ao agregado.

É certo que há forte semelhança entre Euclides e Löfgren quando se referem ao

caboclo. Löfgren notou as atribulações desses fazedores de deserto, porém sua abordagem é mais

discreta, não usa adjetivos, evita metáforas, enfim limita-se a chamá-los de pobres. Para Löfgren

os fazedores de desertos eram os trabalhadores rurais sem propriedade que se agregavam aos

latifúndios e não os cafeicultores. Os agregados não eram os responsáveis pelo desmatamento

para o plantio da grande lavoura, isto é, da cafeicultura, mas também tinham a sua parcela de

responsabilidade, pois também praticavam os desmatamentos para a formação de suas roças e de

pasto para suas criações:

“Muitas vezes também acontece que moradores pobres estabelecem-se

no campo e ali fazem as suas roças, mas como nunca plantam no mesmo

lugar dois anos em seguida, ocupam em pouco tempo grandes extensões

que abandonam, e as quais nunca mais perdem o caráter especial que a

cultura lhes imprimiu” (LÖFGREN, 1890, p. 9).

Entretanto é preciso fazer uma ressalva: Löfgren estava descrevendo as regiões

campestres, que é onde se estabeleciam provisoriamente esses camponeses, que eram famílias de

pequenos agricultores não proprietários da terra, isto é, que cultivavam terra alheia. Eram os

posseiros pobres, que ocupavam as terras das fazendas de terceiros, sem que os proprietários

legais se incomodassem muito, pois para expulsá-los de lá, não haveria dificuldades: eram

simplesmente “tocados”, como se verá mais adiante. Euclides, por outro lado, apontava o

verdadeiro responsável pelo deserto: a lavoura cafeeira.

Esses camponeses eram tolerados pelos fazendeiros porque, além de pagarem um

pequeno aluguel em espécie159

- quase simbólico, é verdade - produziam alimentos, cujo

excedente era vendido ou barganhado com o proprietário. Além disto, serviam sazonalmente

como jornaleiros e prestavam outros serviços menos convencionais, tais como capangagem e

159

Segundo Dean, (1996, p. 216), os agregados pagavam “uma renda simbólica em produto” e acabavam por

concordar “em portar armas para proteger (...) o proprietário contra escravos e inimigos políticos”.

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167

marcar presença nos enterros mediante pagamento160

(o equivalente das carpideiras do meio

urbano). Aproximam-se, talvez com certo exagero, do posseiro pobre de tempos mais recentes. É

o sujeito que vive a perambular de região em região para tirar o sustento de si e de sua família da

terra da qual não é possuidor.

Em sua descrição das áreas degradadas do Vale do Paraíba, em “Entre Ruínas”,

Euclides percebeu intuitivamente o processo de recomposição florestal das terras abandonadas

pela agricultura, pois as embaúbas e tabocas, que ele observou, são duas das chamadas plantas

secundárias, que criam o sombreamento e assim impedem o franco desenvolvimento das

gramíneas e, com o tempo, permitem que sementes presentes no solo ou trazidas por pássaros,

roedores e morcegos geminem e reconstituam a floresta.

“Em vários trechos cerradões trançados, guardando ainda no afogado

das embaúbas e dos tabocais, alguns raros pés de café de remotas

culturas em abandono, desdobram-se inextricáveis na lenta

reconquista do solo, num resurgimento da floresta primitiva”

(CUNHA, [1904]1897, p. 213).

Como se trata de imagens que versam sobre o rural de outra época, a frase,

“guardando ainda no afogado das embaúbas e dos tabocais, alguns raros pés de café de

remotas culturas em abandono”, talvez necessite de um esclarecimento: devido ao abandono,

as embaúbas e as tabocas cresciam livremente devido à falta de carpina e abafavam ou

sufocavam os pés de café, ou seja, eram plantas invasoras de cultura que ganharam a

competição na luta pela sobrevivência em busca de luz solar e nutrientes e o cafezal pereceu.

Os raros pés de café ainda presentes entre as embaúbas e tabocas demonstravam

ser o abandono ainda recente. A recuperação natural da Mata Atlântica é relativamente rápida

se comparada com outros biomas, entre de 20 anos e 35 anos, isto se não houver fogo. Porém

se houvesse fogo não haveria lá também pés de café, contudo o abandono não era tão remoto,

senão a mata já teria tomado totalmente conta da plantação e se transformado num

160

A matriarca da família Pereira de Queiróz deixou em seu testamento “100$000 aos pobres que comparecessem

ao seu enterro” (QUEIROZ, 1965, p.42). Quanto mais gente rezando por pelo defunto, mais chance de salvação da

alma. A quantia era considerável, pois um boi custava 6$000, ou seja, deixou o equivalente a dezesseis bois.

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168

capoeirão161

. Em suma, o abandono não era tão antigo ao ponto do cafezal ser totalmente

invadido pela mata e nem tão recente devido à presença dos tabocais e de embaúbas se

sobrepondo aos pés de café.

Mas não era apenas o caboclo que estava decadente. O solar dos barões do café

também refletia o abandono. O

“constante pervagar de sombras; choros plangentes; ulular golpeante de

espectros merencórios; aparições macabras; longos arrastamentos de

correntes; e adoidados sabats das almas vagabundas; e cabeças, e

pernas, e braços que despencam do teto e rompem. Nem um olhar para a

vivenda sinistra e mal assombrada, onde imagina coisas pavorosas as

paredes, fundindo-se improvisamente em demônios horrosos...”

(CUNHA, [1904]1923, p. 215).

Os fantasmas imaginários, oriundos do medo da bancarrota, prevaleciam sobre a

ruína real da construção e dos objetos presentes no interior da moradia. Não era tanto o estado da

construção ou do homem que importava ao escritor, mas os sentimentos insuportáveis que a

pobreza e o consequente abandono da região provocavam. O narrador euclidiano, que até aquele

momento descrevia a paisagem como um cientista, assustado com o que via e sentia, passava a

descrever os sentimentos através de imagens literárias e não mais inspirado na objetividade do

cientista naturalista, provavelmente por não encontrar nas evidências empíricas e nos argumentos,

as palavras adequadas162

e precisas, para a representação dos sentimentos evocados pela

decadência da casa senhorial. Talvez evocasse imagens e símbolos para dizer o indizível, aquilo

que não se pode expressar de modo racional. Não há dúvidas tratar-se de um texto com trechos

que podem ser caracterizados como poéticos163

.

161

O capoeirão é a mata reconstituída, mas não totalmente, pois guarda apenas uma pequena parte da diversidade

biológica da mata original. Quando as queimadas se tornam muito frequentes, ou com uso muito intenso e impróprio,

havendo erosão as possibilidades de recuperação do solo diminuem, podendo chegar ao atualmente chamado de

“campo sujo” por sapés, macegas, samambaias, barba de bode, dentre outros e exigem manejo agrícola adequado

para se tornarem produtivos novamente. 162

Algo parecido com Manoel Elpídio, conforme já visto, que, em seu relato de viagem se recusava a escrever sobre

a emoção que sentia diante das belezas da capital imperial, se recusava a descrever as maravilhas do Rio de Janeiro

por que lhe faltava palavras. 163

As influências literárias na obra de Euclides foram estudadas por Francisco Foot Hardman (1996). A principal

delas segundo ele é “um romantismo de base, de matriz hugoniana, que provoca em sua prosa e poesia uma

interessante combinação entre estética do sublime, dramatização da natureza e da história e discurso socialmente

empenhado” (HARDMAN, 1996, p. 294).

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169

Na descrição da casa abandonada, não há como não se lembrar do Inferno de Dante,

citado por Euclides em sua Caderneta de Campo164

(p. 31). Ele achara pequeno o cenário do

círculo do inferno dantesco se comparado à imagem do hospital militar de Canudos após uma

batalha. O inferno dantesco era considerado de segundo plano (ou pequeno) porque ele

apresentava pouco sofrimento e dor em relação ao que ele observara em Canudos. Não há

dúvidas a respeito da inspiração danteana na descrição da morada abandonada: é lúgubre,

povoada por espectros e demônios, também de choro, sofrimento e dor. Euclides aponta aquela

vivenda como malsinada165

. Em sua etimologia, a palavra malsina remete ao destino, que é o

porvir inexorável dos homens. É um sinal de maldição, de mau agouro, como se fosse uma

imposição dos deuses ou um fado, que acompanhará o homem onde quer que ele esteja.

“O viajante deixa a vivenda malsinada com uma emoção maior que a dos recoveiros:

vai como quem foge (...)” (CUNHA, [1904] 1923, p. 217). A malsina assustou o viajante, que

temendo ser atingido por ela, fugiu apavorado ao ponto de fazer ressuscitar nele, isto é, na

personagem do cientista narrador, velhas crenças aprendidas na infância. E ele

“Não voltará mais: segue pelos caminhos em torcicolos, torneja outros

morros escalvados, atravessa outras fazendas antigas, divisa outras

vivendas desertas, depara outros caminhantes taciturnos; e ao encontrar,

de momento a momento, intermináveis, como se andasse pelas avenidas

de um velhíssimo cemitério - as mesmas “santas-cruzes” à orla dos

caminhos, sente-se; sem o querer, invadido pelas crenças ingênuas dos

caipiras”. (CUNHA, 1923, p. 216).

Muitos cafeicultores do Vale do Paraíba fluminense também fugiram em debandada.

Compram terras no Oeste de São Paulo, como o Barão Geraldo de Rezende que formou a fazenda

Santa Genebra, em Campinas, SP. Outros no Banharão, atual município de Mineiros do Tietê,

(Santos Werneck e Virgílio Alves166

) ou então, na região de Ribeirão Preto (Pereira Barreto).

Estes três exemplos não são casuais, pois permitem levantar uma questão. Todos esses

164

“Quando, a 1 hora da tarde, da porta da Farmácia [do hospital de campanha] contemplei o quadro comovedor e

extraordinário achei pequeno o gênio sombrio e formidável de Dante. Porque há uma coisa que ele não soube pintar

e que eu vi naquela sanga estreitíssima, abafada e ardente, mais lúgubre que o mais lúgubre vale do Inferno: a

blasfêmia orvalhada de lágrimas, rugindo nas bocas simultaneamente com os gemidos de dor e os soluços extremos

da morte." (CUNHA, 1975, p. 31). 165

Dentre outros significados, de acordo com o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de

Letras, malsinar significa: dar mal destino a; desejar má sorte a; agourar desgraças a; dentre outros. 166

Irmão do Sr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, presidente da República entre 1902 e 1906.

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170

fazendeiros eram defensores e praticantes em suas fazendas da agricultura moderna. A fazenda

Santa Genebra167

era apontada por Carmo (1897, p. 79) como exemplar, pois era onde se

realizavam as experiências do IAC com trabalho agrícola. Santos Werneck e Pereira Barreto

foram fundadores da SPA e redatores da Revista Agrícola. Estariam eles, assim como o narrador

euclidiano, também assombrados pelo fantasma da miséria? Seria essa vivência da decadência em

um passado recente que os impulsionaria em defesa de novas práticas agrícolas baseadas em

princípios científicos? A malsina se fará presente mais uma vez, agora na recém-desbravada

região para onde eles se deslocaram e que eram terras ainda prósperas? A militância em favor da

agricultura moderna seria uma forma de afugentar esses fantasmas?

Ao final da crônica, o narrador retomou a posição de cientista ao posicionar-se como

não crente. Pode-se perceber nesse ponto a influência positivista. Crente é o caipira, o ignorante,

mas em contato com o meio hostil, todavia, a crença também parecia invadir o cientista viajante

no momento em que ele perseguinava-se168

. Contraditoriamente, nesse momento do texto em que

o narrador parece temer ser identificado ao caboclo supersticioso, o texto passa a ser puramente

literário e o aspecto científico quase que desaparece, pois afinal tratava-se de crendices e

supertições. Nesse momento de crise, para um cientista, o fundamental seria não perder a

capacidade de raciocinar, então o texto deveria pender mais para a objetividade, mas Euclides

parece identificar-se mais com as personagens vitimadas e deixa a cientificidade de lado para

descrever o mundo tal como suas personagens comuns faziam. Euclides era ateu, assim como

muitos intelectuais do período. Alguns, posteriormente, se converteram ao catolicismo169

.

Euclides, em sua imagem espectral da decadência, possivelmente se inspirou em

Pereira Barreto, que pode ter se inspirado no conto “Café! Café!”, de Monteiro Lobato, que é de

167

Augusto Silva Telles (1900, p. 207), informa que a fazenda Santa Genebra, além contar com grande produção

cafeeira calcada em princípios científicos, abastecia Campinas com frutas, verduras, animais. Seus cafezais muito

antigos, graças à agricultura científica, ainda eram produtivos. Em 1900, A Santa Genebra ganhou o “Diploma de

Superioridade” (prêmio máximo) do concurso para eleger melhor fazenda do Segundo Distrito Agrícola de São

Paulo, cujo inspetor era o prestigiado agrônomo Germano Vert. (VERT; MONTEIRO; REIS, 1900, p. 341). Sendo o

artigo de Telles da mesma época do concurso, seria pressão em favor da Santa Genebra? 168

De acordo com o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, perseguinar-se

significa: fazer com o polegar três sinais da cruz: o primeiro na testa, o segundo na boca, o terceiro no peito, dizendo

respectivamente: pelo sinal da Santa Cruz, livrai-nos Deus, Nosso Senhor, dos nossos inimigos. 169

Joaquim Nabuco é um exemplo notável. Capistrano de Abreu permaneceu ateu e ficou profundamente abalado e

jamais se conformou com a ida de sua filha Honorina de Abreu para o convento de Santa Tereza.

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171

1901. Em 1902, diante da horrível crise gerada pela superprodução do café, quando novas

medidas se faziam necessárias e urgentes e as eleições se aproximavam, Barreto recorreu a essas

imagens, que Ferraro (2005) qualificou de “apocalípticas”, dado tratar-se de um futuro desolador,

“Nos momentos críticos, quando, o espectro da miséria se alevanta diante

de nós, nítido, frio, descarnado, deixando ver bem desenhada em sua

atitude a realidade imisericordiosa da situação social, é permitido, é

justo, é indispensável que o nosso espírito se entregue a toda sorte de

conjecturas, e procure um remédio para nossas aflições.” (BARRETO,

1902, p. 73).

É notória a imagem construída por Barreto no texto de Euclides. O espectro é o

“espectro da miséria”, que é explicitamente nomeado por Barreto: trata-se do fantasma da

miséria170

, o que o torna mais próximo, intimo e familiar, pois miséria é coisa que todos temem e

ninguém deseja, mas que sempre se apresenta como possibilidade. Assemelha-se a um cadáver.: é

frio, desencarnado, imisericordioso, o que o deixa mais assustador. Em Entre Ruinas, ao espectro,

que em Euclides é simbolizado nas vivendas abandonadas, são acrescentadas outras

representações que o torna mais terrificante: sugere que são fantasmas, algo semelhante a espíritos

a penar no limbo, atribui-lhe conotação sobrenatural.

Como o texto de Barreto é anterior ao de Euclides e foi publicado no jornal O Estado

de São Paulo, com o qual Euclides tinha fortes ligações, do qual Barreto também era articulista,

sem falar que ambos eram membros do IHG-SP, é impossível que o médico não tivesse tomado

conhecimento dele. Este é portanto mais um indício da inspiração da Revista Agrícola em

Euclides da Cunha.

Pode-se concluir parcialmente, baseado nos indícios, que “Entre Ruínas”

provavelmente fez reviver as velhas apreensões naqueles que um dia tiveram de abandonar suas

terras e reconstruir a vida em outro lugar devido à decadência da lavoura cafeeira no Vale do

170

A representação da crise como um fantasma da miséria encontra paralelo em Lobato. Sua personagem no conto

”Café! Café!”, de 1900, depois de três safras deficitárias, via seu cafezal definhar e “estava um espectro, já nu de

todo, os olhos esbugalhados a se revirarem nas órbitas com desvario. Um espectro sem carnes, só pele calcinada e

ossos pontiagudos.” (LOBATO, 1995, p. 163). Pode inclusive ter influenciado Euclides da Cunha na crônica “Entre

ruínas”, que é de 1901. Entretanto, segundo seu biógrafo, Edgard Cavalheiro (1955, p.188) Lobato somente foi

convidado a escrever na Revista do Brasil, depois de Barreto ter notado seu artigo, “A conquista do nitrogênio”, que

tratava de assunto agronômico. É dessa época também e teve boa repercussão o “Pecuária suína”.

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172

Paraíba. E nos fazendeiros-leitores, moradores das regiões ainda prósperas, deve ter despertado

medo e apreensão, ou mesmo angústia, talvez nunca antes sentidos. E esse medo tornou-se um

estímulo, um agente mobilizador, para a ação em favor de mudanças.

Porém, Barreto, homem de ciência e de militância classista, não se deixou abater nem

pela crise e nem pelo pavor e traçou um plano técnico-político, que envolveu agrônomos,

naturalistas, geólogos, no sentido de salvação da agricultura paulista e que recebeu a adesão dos

agricultores agrupados na SPA171

. Muito provavelmente as imagens fantasmagóricas criadas por

Euclides e o uso político que Pereira Barreto fez delas contribuiu para mobilizar os agricultores

em favor de mudanças políticas no período. O esforço de Barreto, que falava em nome da SPA,

criará uma grande mobilização que culminará na eleição de Jorge Tibiriçá172

ao governo de São

Paulo, em 1904. Durante seu governo, entre 1904 - 1908, Tibiriçá realizou importantes reformas

na agricultura. As imagens fantasmagóricas de Euclides da Cunha tiveram, portanto, um efeito

mobilizador dos fazendeiros para a concretização de mudanças na agricultura.

Derby escreveu apenas um artigo na Revista Agrícola, Euclides jamais escreveu.

Entretanto, anonimamente, isto é, sem ser citado nominalmente, Euclides, foi introduzido nela por

meio de Pedro Gordilho Paes Leme173

, que também era um colaborador assíduo do periódico

paulista, em artigo intitulado “A propósito das derrubadas” (1900), no qual comentou o artigo “Ao

longo de uma estrada”, de Euclides da Cunha, mas não citou o nome do autor, referindo-se a ele

apenas como um “escritor fluminense”. Todavia, trechos inteiros da obra foram transcritos. Esse

fato nos apresenta um problema de hermenêutica: o texto de Leme foi publicado em 1900 e o de

Euclides posteriormente, em 1901. Nas biografias de Euclides não consta que “Ao longo de uma

estrada” tenha sido publicado antes da data citada. Como Gordilho vivia no Rio de Janeiro, e

como texto causou furor por lá, pode ser que tenha saído antes em algum jornal carioca. Não há

dúvidas de que o texto comentado por Leme seja de autoria de Euclides de Cunha.

171

A atuação de esse grupo partir de 1900 foi estudada a por Ferraro (2005). 172

Tibiriçá foi eleito como dissidente do Partido Republicano Paulista, o PRP. Não esquecer que foi um dos

fundadores da SPA. 173

Pedro Gordilho Paes Leme foi uma personalidade importante da agricultura nacional, colaborador da antiga

Revista Agrícola (1867 -1891), do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, que funcionava no Jardim Botânico

do Rio de Janeiro, do qual também Leme foi diretor entre 1886 e 1891, sendo o último do período imperial.

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173

Por que precisou um autor carioca, indubitavelmente reconhecido como autoridade

legítima em agronomia, escrever um artigo para que somente então Euclides pudesse ser

apresentado ao público leitor da Revista Agrícola? O texto de Leme é uma análise com

transcrições quase literais do “Ao longo de uma estrada”. É dessa forma que a transformação das

matas em campos improdutivos, mas não estéreis, temática levantada por Derby e Löfgren, aos

quais Euclides chamou de deserto, voltou a ser enfatizada pela Revista Agrícola. Nos anos

seguintes diversos artigos, de diferentes autores, incluindo João Pedro Cardoso, na época inspetor

da agricultura, retomaram o assunto. Não se sabe por que Derby e Theodoro Sampaio escreveram

pouco para o periódico agronômico e por que Euclides nunca escreveu A noção euclidiana do

fazendeiro como um fazedor de deserto, fruto de sua concepção de homem como agente

geológico, parece não ter agradado, pois era uma restrição a expansão da lavoura cafeeira e para

produção de lenha, haja vista a ideia de Navarro de Andrade, que fazia uso do liberalismo174

para

justificar o direito do fazendeiro em cortar suas matas e era contrário a posturas restritivas a esse

direito.

Na crônica “Plano de uma Cruzada”, a cruzada em questão era a necessidade de uma

luta tenaz e persistente de todos os setores da sociedade contra as secas na região Norte, que hoje

é chamada de Nordeste, em oposição aos esforços emergenciais em função do flagelo como se

fazia então. No Nordeste, para ele, o homem deveria aproveitar de sua condição de agente

transformador da natureza e criar condições climáticas favoráveis à sobrevivência das populações

sertanejas. Defendia, além da construção de açudes, reflorestamento e construção de ferrovias,

inclusive uma

“provável derivação das águas do S. Francisco, para os tributários

superiores do Jaguaribe e do Piauí, levando perpetuamente à natureza

torturada do norte os alentos e a vida da natureza maravilhosa do sul.”

(CUNHA, 1923, p. 79).

A transformação da natureza em favor do homem era a tarefa reservada à engenharia.

“Não há mais elevada missão a nossa engenharia. Somente ela, ao cabo

de uma longa tarefa (que irá das cartas topográficas, e hipsométricas,

aos dados sobre a natureza do solo, as observações meteorológicas

174

cf: Ferraro, 2005, p. 16 - 21 ou Ferraro, 2010, p. 31 - 24.

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174

sistemáticas e aos conhecimentos relativos à resistência e

desenvolvimento da flora), poderá delinear o plano estratégico desta

campanha formidável contra o deserto.” (CUNHA, 1923, p. 78).

Euclides, para dar combate ao deserto, conclamava uma cruzada. Todos deveriam

estar unidos. Observe-se que, embora esteja falando do papel da engenharia, ele a coloca ao lado

de uma lista de tarefas a serem executadas e que todas, sem exceção, foram desenvolvidas ou

propostas pela CGG. Porém, Euclides tinha um propósito diferente dela: sua preocupação não era

em aumentar a riqueza pública, nem buscar novas terras agricultáveis para o café, nem

proporcionar aos fazendeiros a ocupação vantajosa das terras de campo, como queria a entidade

paulista, mas sim em oferecer melhores condições de vida aos camponeses, fossem eles de quais

regiões fossem. Parece sugerir uma crítica à CGG: cartas topográficas e hipsométricas, dados

sobre a natureza do solo, observações meteorológicas sistemáticas, conhecimentos relativos à

resistência e desenvolvimento da flora eram trabalhos da CGG, porém a serviço dos fazendeiros

em São Paulo, cujo projeto era a expansão e a rentabilidade da lavoura cafeeira. Euclides

desejava que os serviços prestados pela engenharia devessem ser colocados à disposição de

outros atores sociais, os sertanejos. Outra possibilidade menos radical de interpretação apontaria

no sentido de apropriar do saber produzido pela CGG e colocá-lo a serviço da nação como um

todo, mas não convém esquecer que Euclides havia lido Karl Marx, e tinha uma visão classista da

sociedade, embora não há elementos claros que permitam dizer que ele estimulava a luta de

classes.

Dizia que, há quatrocentos anos, os caboclos do Norte em sua tragédia, isto é, desde a

expulsão de seus lares modestíssimos pela seca e pela miséria, conseguiram numa atitude heroica

a sua maior glória: povoaram o país do Paraguai ao Acre.

“Assim, sob um duplo aspecto nós devemos, em parte, a sua miséria um

pouco da nossa opulência relativa, e as suas desgraças a melhor parte da

nossa gloria.

E esta dívida tem mais de quatrocentos anos” (CUNHA,

1923, p. 81).

Euclides, portanto ressignificava a produção científica da CGG. Dava ela um novo

caráter: ampliava seu campo de abrangência ao colocá-la serviços de atores sociais cuja

existência fora colocada em pauta pela CGG, e ao fazê-lo, se apropriava do saber por ela

produzido e o transformava em uma proposta de alcance nacional.

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175

Em “Ao Longo de uma Estrada”, Euclides novamente colocou o homem como agente

transformador da natureza e fez, igualmente, e a defesa dos sertanejos, ao comentar o projeto de

construção da estrada do Taboado, que ligaria Jaboticabal, então ponto final da linha da Cia

Paulista, ao Porto do Taboado, na divisa entre São Paulo e Mato Grosso175

. O debate sobre a

construção desse caminho era intenso e Euclides acrescentou a ele um novo propósito para a

estrada.

“Deste modo uma estrada de rodagem (...) não seria apenas o melhor

leito para a futura via-férrea e o melhor meio do nos emanciparmos do

Prata, nesta fase incandescente da política sul-americana, mas ainda,

sob aspecto mais grave, um belo laço de solidariedade prendendo-nos

aos patrícios dos sertões e revigorando uma integração étnica, já

consideravelmente comprometida.” (CUNHA, 1923, p. 251).

Euclides, devido à influência socialista, pois fora leitor de Karl Marx176

e, na sua

militância política, chegou a ser redator um jornal para difundir essas ideias, pretendia colocar a

ciência a serviço de outros atores, os patrícios do sertão! Os Sertões era um livro vingador. Ele se

autodenominava advogado dos sertanejos. Talvez fossem esses os reais motivos dele não ter sido

aceito como professor na Escola Politécnica ou de não arranjar emprego fixo. Ou de ser nomeado

para trabalhar nos confins da Amazônia.

5.1 Conclusão do Capítulo

Pode-se concluir que Euclides da Cunha incorporou elementos da produção científica

da CGG ao fazer uma abordagem na qual predominava o conhecimento do território. Em seus

artigos usou os trabalhos da CGG a respeito da valorização das terras de campo na composição de

seus textos literários supra-analisados. Atribuiu importância ao discurso científico desenvolvido

não só na CGG, mas também no IHG-SP. Reelaborou esses conhecimentos, pois fez mais que uma

simples transposição literária ao acrescentar a eles vários sentidos novos. Deu a eles um caráter

175

Acabou por prevalecer à construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que partindo de Bauru seguia pela

margem esquerda do Tietê seguia até a atual Três Lagoas. O caminho defendido por Euclides corresponde, grosso

modo, à Estrada de Ferro Araraquarense, que partia de Araraquara e não de Jaboticabal, que foi construída anos mais

tarde. 176

Denise Adélia Vieira (2004), numa dissertação com titulo sugestivo de A literatura da Foice e do Martelo,

expôs a presença de Karl Marx em Euclides da Cunha e também não vê nele militância política marxista.

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176

político, ao exigir providências no sentido de, pela ação do Estado, se alterar a ordem das coisas;

um caráter sociológico ao se fazer de advogado de uma população em abandono e, finalmente, um

caráter ambiental ao exigir a não conversão das matas em deserto, sobretudo em relação à sua

transformação em combustível para ferrovia e na defesa de uma agricultura menos impactante

ambientalmente falando. Porém, o que de fato o impulsionava não era apenas a possibilidade da

falta de terras férteis para agricultura, ou seja, a miséria prevista, mas acrescia a ela a possibilidade

de incorporação dos sertanejos à cidadania. Era um defensor da natureza dentro das limitações que

seu tempo impunha, não possuía o que hoje se chama “consciência ecológica”, pois essa é uma

criação posterior.

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177

6 As áreas campestres do Vale do Paraíba em Monteiro Lobato.

O objetivo deste capítulo é demonstrar que a CGG e a SPA, por meio da Revista

Agrícola, extrapolaram os limites das suas respectivas instituições e o âmbito da atividade

econômica a que se ligavam - a agricultura - e estimularam, naquilo que diz respeito ao seu

projeto de modernização da lavoura, a produção de representações culturais na literatura adulta

de Monteiro Lobato. Embora elas abarcassem vários temas (crise do café, destruição ambiental,

camponeses, demonstração de máquinas, policultura e outros), serão estudados apenas aqueles

que estão diretamente ligados à CGG ou da Revista Agrícola no ambiente cultural paulista, à

formação das regiões campestres, chamadas de deserto, e suas consequências sociais. Essas

representações eram imagens e símbolos que foram usados como estratégias de convencimento

da sociedade acerca da necessidade de uma nova agricultura e como instrumento de mobilização

política em favor dela. Alguns contos de Monteiro Lobato serão analisados sob essa perspectiva.

Serão também apontadas algumas semelhanças e diferenças entre as representações de Monteiro

Lobato e Euclides da Cunha sobre a decadência do Vale do Paraíba.

A decadência do café e a apatia gerada por ela se tornaram assuntos nos livros

Cidades Mortas e Urupês, de Monteiro Lobato. A influência de Euclides da Cunha nessas obras

é evidente e já foi apontada por diversos autores.

Para Hardman (1996), Brito Broca foi o primeiro a notar a influência de Euclides da

Cunha sobre Monteiro Lobato. As crônicas de Euclides são

“... textos da virada do século e Brito Broca sugeriu a possível forte

influência que teriam tido sobre o imaginário de Monteiro Lobato e

Godofredo Rangel, em obras posteriores, (respectivamente, Cidades

mortas, 1919 e Vida ociosa, 1920) ambientadas no mesmo clima e

cenário”. (HARDMAN, 1996, p. 297)

Para demonstrar os pontos em comum entre Euclides da Cunha e Monteiro Lobato,

Leopoldo Bernucci, no seu livro A imitação dos sentidos, de 2005, dedicou todo um capítulo à

comparação entre os dois autores, na qual foi bastante preciso, chegando mesmo a estabelecer

colunas paralelas e a colocar ideias e frases muito semelhantes de ambos os autores lado a lado.

Para ele, Euclides influenciou Lobato.

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178

No decorrer do desenvolvimento desse trabalho a relação entre os dois autores se

mostrou mais complexa, e foi possível perceber tratar-se de um diálogo intelectual entre ambos e

que já não era mais possível identificar claramente quem influenciava quem, pois eles se

influenciavam mutuamente. Como Euclides da Cunha e Monteiro Lobato se valiam de fontes em

comuns - os trabalhos da CGG, do Instituto Histórico e a Revista Agrícola - para a construção de

suas representações sobre o Vale do Paraíba, no início do século XX, era natural que tivessem

proximidades intelectuais. Com certeza, pode-se afirmar que Euclides influenciou mais Lobato

que o contrário.

Euclides da Cunha, no exercício de sua profissão de engenheiro, morou no Vale do

Paraíba de 1901 a 1904, quando em 15 de janeiro mudou-se para o Guarujá. Com certeza,

Euclides conheceu Lobato através dos jornais da região, nos quais ele publicava suas crônicas

desde a entrada do século XX. Embora a presença de Euclides da Cunha em Monteiro Lobato

seja inegável, ela não era a única exercida sobre ele. A mais profunda motivação de Lobato

provinha da Comissão Geográfica e Geológica, particularmente de Derby, seu diretor e do IHG-

SP.

A influência da Revista Agrícola também é bastante visível, sendo Lobato um adepto

da modernização da agricultura do país177

. Sua filiação a esse modelo é visível também na

esperança da eficácia desse modelo agrícola na construção do país, em artigo publicado

originalmente na imprensa paulista talvez em 1916, e republicado na coletânea póstuma

Conferências, Artigos e Crônicas, em 1964178

. Dizia que esse tipo de agricultura:

“(...) solverá todos os problemas em causa. Restaurada sistematicamente

a terra, cessará o nomadismo; extinguir-se-á o taperismo; a riqueza

criada subsistirá definitiva e crescente; as cidades mortas renascerão;

regiões e Estados inteiros voltarão à vida salvos da marasmeira em que

apodrecem; e - aqui está tudo - o povo reentrará na posse da sua perdida

energia vital. E poderá arrancar violentamente do gasnete a corda que o

enforca.” (LOBATO, 1964b, p. 217).

177

Em carta a Godofredo Rangel, de 1904, Lobato dizia ao amigo “vou mandar-te uma assinatura do Boletim da

Agricultura, que é de graça e ensina coisas substanciais” (LOBATO, 1959, p. 56). Desde muito jovem, portanto,

ele lia a literatura agronômica. 178

Trata-se uma resenha do livro de Teixeira de Freitas intitulado Salvação do Brasil, publicado em 1916. Não foi

possível apurar a data e local da publicação original da resenha.

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179

Foi, um pouco mais tarde, amigo íntimo de Edmundo Navarro de Andrade,

importante agrônomo paulista, de quem era admirador179

. Quando se tornou editor, Lobato

publicou algumas obras de Navarro. Em sua homenagem, Lobato escreveu o artigo “Os

Eucaliptos”, publicado primeiro no jornal “O Estado de São Paulo” e depois na coletânea Onda

verde: artigos jornalísticos, cuja primeira edição é de 1921180

. Chegou inclusive a colaborar n’O

Fazendeiro, revista que tinha Navarro como diretor. Nossa hipótese é de que as obras adultas de

Lobato, particularmente Cidades Mortas e Urupês, são representações da sociedade da época

construídas sob a inspiração da produção científica da CGG e da Revista Agrícola.

A influência de Euclides da Cunha na obra de Monteiro Lobato não se restringia

apenas ao objeto e aos temas - O Vale do Paraíba, a decadência da cultura cafeeira e o sertanejo -

mas também a uma concepção semelhante da relação entre ciência e literatura. Lobato recriou ou

reelaborou os textos euclidianos de tal forma que, embora pareça plágio, não o é. Na verdade,

trata-se de uma identidade profunda sobre o modo de escrever literatura, mas com diferenças, ora

marcantes, ora sutis, que serão explicitadas adiante. O fato de haver temas em comum e a mesma

concepção sobre a relação entre ciência e literatura permitiu a abertura de um diálogo entre

ambos os autores, e nesse diálogo se influenciavam reciprocamente, construindo duas das mais

sólidas obras literárias do país.

Uma diferença marcante entre os dois autores é o tom universalista da obra de

Euclides: ainda que tematizasse uma região específica, o Vale do Paraíba, sua preocupação era

com a construção do Brasil enquanto nação. Pretendia ter, portanto, um alcance nacional, pois era

suas propostas eram válidas para qualquer lugar do Brasil onde o homem atuasse como agente

geológico destruidor da natureza. Nas crônicas “Por uma cruzada” e “Ao longo de uma estrada”,

o projeto de construção da nação é evidente, conforme apontado anteriormente. Lobato tem

179

Para Lobato (1964a, p. 245) Navarro de Andrade era o nosso “Ford dos Eucaliptos”, alusão a Henry Ford, o

empresário americano da indústria automobilística. Queria dizer que ele era tão eficiente quanto o americano na

organização da produção, pois os hortos por ele formados tinham características de produção em massa e grande

barateamento de custos por unidade produzida. 180

Lobato, no Onda Verde (1988) , relatou literariamente uma polêmica científica ou tecnológica que Navarro travou

com Francisco Paes Leme de Monlevade, que era engenheiro civil Inspetor Geral da Cia Paulista de Estradas de

Ferro, a respeito de qual seria a melhor madeira para a construção de dormentes para a ferrovia, porfia na qual

Navarro, evidentemente saiu vencedor. Para essa finalidade Navarro defendia o eucalipto, enquanto que Monlevade

apostava no Guarantã.

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180

outras características: de início escrevia crônicas para jornais locais do Vale do Paraíba, com O

Minarete de Guaratinguetá, por exemplo, e abordava problemas locais numa linguagem

acessível ao fazendeiro rude e pouco intelectualizado e à pequena classe média urbana das

cidades do interior, comerciantes e profissionais liberais. A partir de 1919, se tornou um editor

bem sucedido e bastante atento às preferências do público leitor. Isso não quer dizer que estivesse

alheio às questões políticas, mas que as abordava de outra maneira, dando-lhes cores locais, pois

desejava a incorporação das populações intelectualmente e socialmente marginalizadas à

cidadania, o que ficará explícito somente a partir da década de vinte.

A segunda diferença marcante está no uso da linguagem. A linguagem na obra escrita

de Euclides da Cunha é o oposto da de Lobato. Laurence Hallewell (2005, p. 319) é de

“rebuscada sintaxe de recontida verbosidade” e eivada de termos científicos. Walnice Nogueira

Galvão181

(1984, p. 37) qualificou pontuação na redação de seus textos como sendo

“frequentemente extravagante”, o que tornava (ainda torna) difícil a sua leitura. Euclides

procurava descrever com precisão científica as paisagens, os homens e as relações sociais. Lobato

(1959, p. 241) comentava em carta a Godofredo Rangel que Euclides da Cunha havia sido “um

grande ledor de léxicos”. Sobre Os Sertões, Lobato anotou que seu autor “fugia à vulgaridade

sem cair no abstruso, por meio do emprego de palavras que o jornalismo não estafou”, isto é,

não desgastou. Em outra carta de 1911, Lobato (1959, p. 313) reiterou essa ideia exemplificando-

a fartamente.

Lobato, por sua vez, tinha um alvo específico, o ainda pequeno, embora crescente,

público leitor da época182

formado a partir dos esforços de alfabetização empreendidos pelo

regime republicano e é para ele que escreve. A partir de 1917, em sua editora também voltada

para esse público, publicou os mais diversos autores, que também abordavam problemas locais

181

Para Walnice Nogueira Galvão (1984, p. 34), Euclides da Cunha é “uma personalidade intelectual que se

aproxima de outras de seu tempo, todas elas desviantes na medida em que rejeitam o galicismo de nossa belle

époque e uma certa vivência epidérmica de salões e modismos - como Theodoro Sampaio, amigo e colaborador, ou

Cândido Mariano Rondon, colega de turma na Escola Militar.” Rejeitar os galicismos significava não aceitar a

Academia Brasileira de Letras. O mesmo pode ser dito a respeito de Lobato. A não aceitação da vida mundana era

prática comum entre grande parte dos positivistas. 182

No conto intitulado “A vida em Obvilion” (1995) contou que na cidade fictícia do mesmo nome havia apenas

doze leitores e três livros. Partindo dessa constatação, Lobato pretendia ampliar o número de leitores e de livros

disponíveis. Isso implicou na construção de textos de fácil entendimento e na publicação de autores com

características semelhantes. Talvez, ninguém tivesse acreditado mais no poder civilizatório dos livros que Lobato.

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181

em textos de leitura acessível. Desde os primeiros artigos, sua preocupação era fazer um texto de

leitura facilmente digestiva para ampliar as vendas, das quais, anos mais tarde, se gabaria183

. Daí

incorporar elementos da cultura caipira, se é que se pode assim chamar. Embora tenha

incorporado alguns elementos dessa cultura, Lobato é muito crítico e preconceituoso em relação a

ela, conforme se verá mais adiante, mas é justamente por que considerava a presença dos jecas-

tatus uma aberração numa sociedade civilizada, que pretendia modificá-la e a educação e os

livros seriam seus instrumentos Quando escrevia sobre as elites, também não deixava de ser

irônico ao demonstrar seu provincianismo e ignorância, como no conto “Gens Ennuyeux”, no

qual essa fina flor da sociedade assistia a uma conferência científica sobre a evolução do planeta,

e no conto “O Pito do Reverendo”, onde a chegada de um visitante ilustre à cidade interiorana

provocava ansiedade no vigário, a expressão máxima da nata local, que não desejava deixar

transparecer seus modos pouco civilizados.

Pode-se perguntar se haveria alguma relação entre a maneira de escrever de Lobato

com os trabalhos da CGG na busca do conhecimento do território. O paralelo que se pode traçar é

que enquanto a CGG buscava o conhecimento das potencialidades econômicas do território,

Lobato procurava conhecer o elemento humano presente nele, de início, como no Urupês e

Velha Praga, preocupado com os prejuízos econômicos que “os piolhos da terra” (Porrigo

decalvans, escrevia ele), os caipiras, lhes causavam com as queimadas. E, a partir do livro

Problema Vital, quando reconheceu através de estudos higenistas, que o Jeca Tatu não era o

único responsável pela situação, com integração desses indivíduos à sociedade. Descrever a vida

desses indivíduos acabou por adquirir um caráter de denúncia social, o que inicialmente não era a

intenção do autor.

183

Em carta a Jaime Adour da Câmara, de 10 de maio de 1946, ao reclamar das hostilidades que vinha sofrendo,

justiçava-as dizendo que: “No fundo, o que há contra mim é inveja em consequência de minha vitória comercial nas

letras. Até o fim do ano, passo de 2 milhões em minhas tiragens. Estou (ou vou ficar até o fim do ano) com 66

edições aqui e 37 na Argentina (ou mundo de língua espanhola), tudo isso dando renda. Aqui é que está o busílis.

Eles, por mais que eu escondesse o leite, descobriram que o ano passado paguei 54 mil cruzeiros de imposto sobre a

renda - renda exclusiva de direitos autorais. Isso sem contar a minha renda na Argentina. Eles, são uns gênios - mas

não vendem; têm que viver como carrapatos do Estado, presos a empreguinhos. O Lobato é uma besta, mas está

vendendo bestialmente, cada vez mais. Daí o atual "pau no Lobato." (LOBATO, 1959, p.178).

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182

Laurence Hallewell (2005) classificou a mensagem de Lobato como sendo

revolucionária e notou que o sucesso de Urupês era inicialmente devido à propaganda boca a

boca184

e que

“essa propaganda se devia, por sua vez, à natureza revolucionária,

oportuna e persuasiva do livro - o tema revolucionário da mensagem de

Lobato, sua maneira revolucionária de expressá-la e seu conceito

revolucionário do público leitor que estava procurando atingir.”

(HALLEWELL, 2005, p. 316).

O escritor Lobato, diferentemente dos demais escritores do período, fazia uso da

temática nacionalista: pregava um jeito brasileiro de escrever, uma vez que o falar brasileiro

diferia do português europeu. A escrita numa linguagem mais familiar para leitor foi bem

recebida. Segundo Hallewell, (2005, p. 317), foi significativa para sua recepção positiva a “opção

por escrever sobre a flora, a fauna e os habitantes do interior do Brasil”. Se não existissem os

trabalhos da CGG talvez Lobato não valorizasse da mesma forma essas áreas185

por que era quem

fazia o estudo desses espaços no último decênio do século XIX. Ainda de acordo com Hallewell,

(2005, p. 317), Lobato “devido ao uso constante do diálogo idiomático natural” foi importante

“no abrasileiramento da linguagem literária” em nosso país.

O método revolucionário do editor Lobato, que entrou para esse ramo de negócios

em 1919, para Hallewell, consistia em ampliar o número de vendas de exemplares, que seria o

resultado esperado do tratamento dado ao livro como sendo ele uma mercadoria. Esse conceito de

livro tornou possível o estabelecimento de novos pontos de comercialização em “vendas”186

,

farmácias, padarias e outros lugares inusitados. Dizia Lobato que vendedor não precisava saber o

que havia dentro dos livros, pois os jornais se encarregariam disso. Não editava autores

conhecidos, seu prazer era descobrir autores novos que escrevessem usando um linguajar não

acadêmico e que abordassem assuntos regionais. O público alvo do editor, assim como do

escritor Lobato, era formado pelas pessoas comuns que estavam se alfabetizando. Embora

184

Isso significa que esse novo público encontrou em Lobato a expressão de seu modus vivendi. 185

Embora declarasse em carta a Godofredo Rangel escrita em 20/10/1914, que a observação desses fatos devesse a

sua experiência na fazenda que herdara do avô em 1911. Ver Lobato, 1959, p. 364. Entretanto, desde 1900, ele

descreve a região. 186

Como eram chamados os armazéns de secos e molhados em pequenas cidades e na zona rural. Em lugares mais

remotos eram também pousada e restaurante. Uma mercadoria muito vendida era chumbo e pólvora, imprescindíveis

para a caça em lugares pouco povoados.

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183

Hallewell estivesse se referindo a Urupês, de 1917, Lobato tinha essa percepção de publico leitor

desde 1900, ano de “Café! Café!”, nas crônicas que publicava nos jornais vale-paraibanos.

Lobato inovou também em poesias fazendo uso dessa mesma concepção de literatura. Foi o

pioneiro dos haicais no Brasil. Tinha o gosto pela síntese.

A ideia de Lobato de escrever de uma maneira nova era, portanto, derivada da

constatação da presença de um novo publico leitor, que tinha exigências que os autores

acadêmicos da época não estavam suprindo. Suas críticas eram endereçadas à Academia

Brasileira de Letras. Vale lembrar que vinha escrevendo desde a passagem do século XIX, e

como não aceitava a literatura predominante na época, é possível que tivesse recorrer a outros

referenciais e, a partir dessa constatação, pode-se levantar a hipótese de que sua fonte de

inspiração fosse produção científica das instituições da agricultura paulista, pois a produção

científica dessas instituições tinha grande difusão pela imprensa. No início século XX a presença

da CGG, do Instituto Histórico e Geográfico, do Museu Paulista, do Horto Botânico, do Instituto

Agronômico e da Revista Agrícola, eram marcantes em São Paulo.

Lobato teve de esperar até 1914, quando foi publicado o conto “Velha Praga”, para

ser reconhecido como escritor e até 1916, com a fundação da Revista do Brasil para poder

publicar suas historietas.

6.1 Monteiro Lobato e Euclides da Cunha: aproximações e diferenças.

Euclides da Cunha, por sua vez, não escrevia para um público leitor específico, seja

ele o tradicional ou o neófito, mas para a História, isto é, para o leitor dos tempos futuros187

.

Pretendia com Os Sertões deixar um testemunho de seu tempo. Atribuía à sua literatura um valor

documental, o que não fazia parte da ficção de Monteiro Lobato. Desejava tornar-se advogado

dos sertanejos em situação de abandono, mas não desejava transformá-los explicitamente em seus

187

Em carta ao amigo Escobar datada de 25 de dezembro de 1901, comentando a recém-acabada primeira edição

d’Os Sertões, escreveu “Já vês que os pobres jagunços [...], afinal, que dessem a palavra ao seu [...] advogado

diante da História. E este papel satisfaz inteiramente a minha vaidade”. (CUNHA, 1901: apud. GALVÃO, p. 128).

Ele diz ter se submetidos a cláusulas leoninas com editores para que esse papel fosse cumprido. Os colchetes foram

inseridos pela organizadora da coletânea.

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184

leitores. Euclides, numa linguagem rebuscada, escreve seriamente, ao ponto de ser taciturno,

sombrio, com imagens fantasmagóricas, embora se preocupasse em escrever um texto fluente,

que não fosse confundido com um compêndio, conforme se verá adiante.

Escrevendo sobre Euclides da Cunha, Gilberto Freire (1947) o apresenta como um

profeta dos tempos bíblicos. Seu livro Os Sertões é um “clamor no deserto”188

. Um clamor em

favor de seu povo desamparado e oprimido. É, segundo Freire, consenso que Euclides é um autor

sem par no período, o que fazia dele um solitário, pois a condição de ser solitário implica em não

ter par. E somente os solitários conseguem vagar pelos desertos, tal qual Euclides vagara. Seu

deserto não era somente a região campestre desertificada do Vale do Paraíba, mas o sertão

paulista de São José do Rio Pardo, que havia pouco tempo começado a ser ocupado, o sertão da

Bahia e os confins despovoados da Amazônia. Euclides se autodenominava engenheiro errante.

Para Euclides, a decadência econômica do Vale do Paraíba era algo exterior a ele,

dada sua vida errante, pois embora lá vivesse por algum tempo, não participava da ruína enquanto

vítima direta, mas transitoriamente, como um viajante e isso possibilitava a ele uma certa

identidade com os naturalistas viajantes dos séculos anteriores, que estavam apenas de passagem.

Euclides da Cunha ao longo de sua conturbada existência viveu experiências intensas

e trágicas, carregadas de incertezas: a proclamação da República, a Revolta da Armada e a

Campanha de Canudos. Foi punido politicamente desde a adolescência, quando viu seus sonhos

desmoronarem ao ser expulso da Escola Militar, mas com a ajuda do sogro influente

politicamente se refez. Foi novamente castigado com a transferência compulsória para a cidade

mineira de Campanha por ter escrito uma crônica que desagradou aos florianistas, que usavam da

força para punir dissidentes, dentre eles seu sogro. Não conseguia emprego fixo; não se adaptava

ao mundo rural (fracassou em sua experiência como produtor rural na fazenda do pai em Belém

do Descalvado189

; não frequentava os salões chics da burguesia e dependia de indicações de

amigos para ser contratado para um trabalho comissionado temporário. Era um desiludido,

sobretudo com a República. Via o mundo como que sendo repleto de injustiças e clamava contra

188

Lobato (1964b, p. 255), em uma resenha da edição argentina do livro, publicada em 1938, escreveu, com muita

sensibilidade, que Os Sertões não passavam “de um uivo de indignação e desespero”, como são todos os clamores

no deserto dos profetas de todos os tempos e lugares. 189

Atual município de Descalvado, SP.

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185

elas. Consequentemente, o tom de sua obra tinha de ser mais universal. Essa caracterização

parece apontar Euclides como sendo um homem atormentado.

Já para Lobato promotor ou fazendeiro, a convivência com a decadência fazia parte

de seu cotidiano e o afetava diretamente. A partir de 1905, depois de formado, quando voltou a

morar no Vale do Paraíba e passou a atuar como promotor de justiça em Areias190

, quando,

portanto, passou a residir na área de cafeicultura mais antiga do Vale do Paraíba do Sul passou a

vivenciá-la mais de perto, pois a região já estava há bom tempo em declínio. E em momento

posterior se defrontou com enormes prejuízos causados pelo declínio dos cafezais da Fazenda do

Buquira191

, herdada do avô em 1911. Em 1917 teve de vendê-la devido às dívidas. Daí advém

provavelmente o tom mais provinciano de suas crônicas, pois o que descrevia era fruto de sua

vivência ao longo de uma vida. Experimentou, pois, a grandeza e a decadência da região.

Há também certo saudosismo192

nos contos de Lobato que tratam da época do

esplendor do café. Essa nostalgia será mais marcante em suas obras de literatura infantil. A

nostalgia parece ser substrato para suas histórias que reportam à boa infância, que coincidiu

justamente com o tempo bom da fazenda avô, isto é, quando ainda não se encontrava em

decadência econômica, no final do século XIX. A fazenda do avô estava localizada, partindo-se

de São Paulo, antes da estação de Cachoeira, ponto a partir de onde, segundo Euclides da Cunha,

começava a decadência dos cafezais. Lobato nasceu em 1882 e foi na época de sua infância que a

região onde residia viveu tempos áureos.

A descrição da decadência da região, porém, além de ser eivada de saudosismos, é

também carregada de ressentimentos causados pela falência de sua fazenda, sobretudo nos contos

“Velha Praga”, no qual Lobato, segundo Murari (2002, p. 251), destilava sua ira contra a maneira

190

Logo de sua chegada a Areias, Lobato (1959, p. 167) escreveu a Godofredo Rangel, sobre a cidade: “O mesmo

não posso fazer eu, pois vim ver se Areias existia e fiquei. (...). Areias, tipo de ex-cidade, de majestade decaída. A

população de hoje vive do que Areias foi. Fogem da anemia do presente por meio duma eterna imersão no

passado”. 191

Buquira era um distrito de São José dos Campos. Emancipou-se politicamente em 1948, passando a chamar-se

Monteiro Lobato em homenagem ao morador ilustre. Não esquecer que Lobato nasceu em Taubaté e morou na

infância em uma fazenda próxima ao Ribeirão das Almas. Seu pai também possuía casa na cidade, onde o menino

passava temporadas. 192

“Umas tantas cidades moribundas arrastam um viver decrépito, gasto em chorar na mesquinhez de hoje as

saudosas grandezas de dantes.” (LOBATO, 1995, p. 21). Quem estava lamentando as perdas era o próprio Lobato,

ao colocar na boca das personagens situações que ele vivenciava.

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186

pela qual os jecas-tatus tratavam a natureza, que lhe causava inúmeros prejuízos com as

queimadas feitas sem critérios. Em “Luzeiro Agrícola” (1910) “Nuvem de Gafanhoto” (1923) e

seu veneno é por conta da desilusão com os políticos e altos funcionários do Estado, incapazes de

implementar na agricultura, as reformas necessárias. Na verdade, o próprio Lobato, em entrevista

com Silveira Peixoto para o periódico “Gazeta-Magazine”, afirmava que todos os seus contos

eram “vingancinhas pessoais”193

contra as pessoas que de alguma forma o incomodavam,

portanto carregados de ressentimentos.

Os textos de Lobato, no oposto a Euclides, adquiriam certo tom provinciano ao falar

mais realisticamente do cotidiano local com uma linguagem típica da época e do lugar. Ou seja,

eram frutos de sua longa vivência na região, com a convivência prolongada com os habitantes de

várias classes sociais, tornou possível a ele a extração da matéria-prima da tradição oral para a

construção de sua obra literária, acrescentando a ela a desilusão gerada pela sua bancarrota como

fazendeiro.

No conto “A vida em Oblivion”, publicado originalmente em 1908, e depois

novamente, em 1919, na coletânea Cidades Mortas194

, a decadência e o abandono da região do

Vale do Paraíba também são retratados. “Oblivion” é uma palavra da língua inglesa que significa

esquecimento, termo bastante apropriado à realidade daquelas cidades. Dois dos pontos que

diferenciam Lobato de Euclides estão presentes neste: o linguajar regional e uso de metáforas

extraídas do cotidiano.

193

Comprovando o que escreveu Luciana Murari, com as palavras do próprio Monteiro Lobato:

“- O livro mais interessante que eu poderia fazer seria a história de meus contos... diz Lobato enquanto mordisca

uma "mãe benta".

- Por que não o faz?

- Já não me interesso por coisa nenhuma. Meus contos foram quase todos vingancinhas pessoais, desabafos.

Quando eu sentia necessidade de vingar-me de um sujeito qualquer, não sossegava enquanto o não pintasse numa

situação ridícula ou trágica, que me fizesse rir.

- Então "Urupês" nasceram de tais vingancinhas?

- Mais ou menos. Em meio à produção pseudônima, foram vindo esses contos, muitos dos quais também eram

desabafos.” (LOBATO, 1964b, p. 172). 194

Cidades Mortas é uma coletânea de contos de Lobato publicados em periódicos desde 1900. A reunião desses

contos, em 1919, veio na esteira do sucesso editorial de Urupês, publicado em 1918.

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187

O uso do linguajar regional (“urupê”, por exemplo, que é um fungo que decompõe a

madeira seca, embora necessite de umidade) tornava a leitura mais acessível aos leitores pouco

familiarizados aos clássicos universais.

O uso de metáforas extraídas de expressões de uso cotidiano pode ser percebido no

exemplo seguinte:

“O mundo esqueceu Oblivion, que já foi rica e lépida, como os homens

esquecem a atriz famosa logo que se lhe desbota a mocidade. E sua vida

de vovó entrevada, sem netos, sem esperança, é humilde e quieta como a

do urupê escondido no sombrio dos grotões.” (LOBATO, 1995, p. 21).

Oblivion e Itaóca195

são cidades fictícias que representam ou simbolizam todas as

cidades modorrentas do interior do Brasil aonde o progresso não chegou ou se foi. Poderia ser

qualquer uma das que compõem a área por ele descrita. A metáfora “vida de vovó entrevada”

remete à inerte vida cotidiana, abandonada e sem esperança. A cidade fictícia que nos seus

tempos áureos tivera muitos atrativos, mas que ao empobrecer, os perdeu, é comparada à imagem

de uma atriz famosa, que enquanto persistem seus encantos, é reverenciada, mas quando

envelhecida, fica esquecida e triste. São metáforas inimagináveis em Euclides da Cunha, que

descrevia a paisagem numa linguagem mais próxima da científica. A vida nos contos de Lobato é

a vida ordinária e mesquinha do dia a dia, o que em nada diminui o seu valor, pelo contrário, o

faz aumentar, porque tem um sentido de descoberta ou de redescoberta de uma fração da

população que andava ausente das produções literárias.

No conto “Perturbadores do Silêncio”, originalmente publicado em 1908, o cotidiano

da cidade fictícia ganhou um colorido vivaz e alegre ao ser descrito em minúcias e tendendo ao

exagero. O autor, nessa obra, fez uso da oralidade peculiar dos caipiras contadores de causos, em

geral analfabetos, típicos das regiões interioranas, que na literatura e no teatro inspiraram

195

“Este livro reflete a alma de Itaóca, e um bocado a de S. Paulo.

- Mas Itaóca onde é?

Em toda parte. Em toda parte onde uma cidadezinha vegeta de cócoras ante um coronel da guarda, um vigário e

uma queda de braço que não tem fim. .

Coitadinha de Itaóca! Já foi; não é. Vive do passado, a rememorá-lo, saudosa, sem esperanças de futuro. Si a

estrada de ferro viesse... Si viesse o telégrafos... Si... Si...” Epigrafe da nona edição de Cidades Mortas, de 1923,

que foi suprimida na edição de 1995.

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188

Cornélio Pires196

; no rádio, Alvarenga e Ranchinho e no cinema, Mazzaropi. Nesses autores, o

bom humor, embora caricato - e politicamente incorreto, dir-se-ia hoje - do homem interiorano

predominava. O humor, por vezes cáustico, de Lobato transformou o caipira em figura folclórica,

o que não deixa de ser uma forma de preconceito, porque acabou por criar um estereótipo

ofensivo ao caipira real ao descrevê-los em seu desvalor, conforme se verá adiante. O conto

“Vidinha Ociosa”197

, também de 1908, igualmente relata com humor o cotidiano modorrento das

cidades vale-paraibanas sem perspectivas de futuro. Outros contos retratam aspectos da vida do

caipira da zona rural, como “Pedro Pichorra”, de 1910, que aborda ironicamente as crendices do

caipira, no caso o saci198

.

Quanto às florestas, Lobato também pretendia pintá-las com as cores locais e nesse

sentido o uso que fazia da ciência era explícito, bem como de Euclides da Cunha:

“Ensejo de pintar a natureza florestal com cores novas e processos novos

(...) com ciência, com biologia, com botânica. A floresta deste país de

florestas que é o Brasil nunca foi pintada, nem interpretada! Não temos

nada d'après e nature199

em matéria de mata. Tudo é imaginado e tratado

com receitas, com frases feitas - e sem ciência nenhuma. O grande triunfo

de Euclides foi meter um pouco de ciência na literatura. Os papuas

arregalaram o olho!” (LOBATO, 1959, p. 279).

A relação entre botânica e escrita de um romance já havia sido usada antes, porém

como metáfora para o trabalho de composição do conto.

“Os botânicos agem com um sistema ótimo para os romancistas.

Herborizam e classificam - isso antes, preliminarmente200

. Ponha o [seu

personagem] Fernandes no teu herbário; depois decalque-o” (LOBATO,

1959, p. 190).

Aconselhava Lobato, ao amigo romancista, a proceder à maneira dos botânicos:

primeiro definir e classificar (caracterizar) bem suas personagens, depois sim, escrever o conto. O

196

Cornélio Pires é citado por Lobato no conto “Resto de Onça” como exemplo de escritor fiel à linguagem e

temática caipira. Mais tarde, Lobato foi seu editor. Cornélio Pires fazia “conferências” em teatro, nas quais contava

os causos que coletava pelo interior. Lançou também o primeiro disco de música sertaneja no país. 197

Alusão ao livro de seu amigo e correspondente Godofredo Rangel, Vida Ociosa, de 1909, do qual fez a revisão

dos originais e emitiu pareceres. 198

Lobato posteriormente escreveu um livro valorizando essa figura do folclore brasileiro: O Saci-Pererê: resultado

de um inquérito, cuja primeira edição é de 1918. 199

Grifos de Lobato. 200

Grifos de Lobato.

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189

botânico em evidência em São Paulo no período era Alberto Löfgren. Talvez fosse uma alusão ao

livro Phytographia: com indicação sobre o modo de colleccionar e preparar as plantas para

o herbario para uso das escolas no curso de botânica201

, cuja primeira edição é de 1900, que

na verdade era um manual de instruções para os funcionários do Horto Botânico e da Comissão

Botânica da CGG, que acabou por ser publicado para um público maior.

Quanto à agricultura, Lobato pensava da mesma forma que a respeito das florestas.

Em carta a Godofredo Rangel, datada de 9 de novembro de 1909, dizia ao amigo que:

“Uma das vantagens do romancista brasileiro é poder lidar só com

virgindades. Nenhum tema nosso tem “barriga suja”. A literatura faz

pendant202

com a lavoura; ambas só lidam com matas virgens, terras

virgens. Tudo está por fazer. (...) A Terra Roxa, o caboclo queimador de

mato, o bandoleiro avant coureur203

da civilização representada pelo

colono italiano: o bandoleiro espanta o “barba-rala” e permite que o

calabrês se fixe na terra grilada (...); a fusão das raças nas camadas

baixas - e na alta; o norte de São Paulo204

invadido pela decadência do

Estado do Rio e a migração dos fortes para o Oeste...” (LOBATO, 1959,

p. 317).

Lobato via uma semelhança entre o trabalho do agricultor tradicional e o do escritor

brasileiro do período: ambos requeriam terrenos virgens inexplorados. Isto é, a realidade social e

econômica do país não era explorada pela literatura e a missão do escritor seria fazê-lo. Seria

influência da literatura científica da época que combatia a rotina agrícola, que exigia terras com

matas virgens? Estaria Lobato a usar o estado da agricultura ainda predominante época como

201

Esse livro foi resenhado por J. Campos Porto na Revista Agrícola (1900). Foi apresentado como um livro que

poderá servir até mesmo a mestres. O autor argumenta que os manuais estrangeiros não atendiam as especificidades

brasileiras e essa obra veio a completar essa lacuna. Comenta também, com fina ironia, o fato de um órgão da

imprensa paulistana, por um erro de impressão, mas não exatamente, grafou “Photografia e Arborização”, ao invés

de Phitografia e Herbarização. 202

Numa tradução livre: “pouco caso”, querendo dizer que a literatura “passa direto pela lavoura sem se deter nela”.

Lobato não nutria simpatia pelos imigrantes em geral, como se pode entrever no prefacio do seu livro O Saci-

Pererê: resultado de um inquérito, onde comenta sobre as babás contadoras de histórias da carochinha para seus

filhos. Para ele bons eram os tempos em que “Tia Esméria contava estórias de cuca saci e lobisomens”, que para

eles eram bem mais interessantes que as “contadas hoje por umas lambisgóias de toucas brancas, n'uma algaravia

teuto-ítalo-nipônica que o diabo entenda. Vieram essas corujas civilizar-nos; mas que saudades da tia velha, quem

em vez de civilização a 70 mil réis por mês, afora os bicos, nos apavorava de graça.” (LOBATO, 2008b, p. 25).

Sugere saudades da escravidão. 203

Grifos de Lobato.Avant coureur: pioneiro 204

Norte, na época era o Vale do Paraíba. No caso, está a dizer que a decadência que atingira o Vale do Paraíba

fluminense se apresentava também na porção paulista do referido vale.

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190

metáfora explicativa para a construção da literatura? Da mesma forma que se processavam

mudanças na lavoura, lobato pleiteava também mudanças na literatura, com novos temas, novos

personagens nova maneira de escrever, dentre outros.

Lobato nessa carta expressava com a mesma sensação de Löfgren diante da floresta,

conforme citado anteriormente, que estava espantado com a dimensão da tarefa de conhecimento

da flora paulista e que, por haver tanta coisa a se estudar, nem sabia por onde começar e tinha a

impressão de que tudo estava para ser feito. Para Lobato toda realidade brasileira estava para ser

explorada e descrita.

O paralelo que se procura estabelecer entre Euclides da Cunha e Monteiro Lobato,

ora aponta para um distanciamento, ora para uma aproximação entre ambos. O conto “Cidades

Mortas”, de Lobato, permite que tal afirmação seja feita.

Em “Cidades Mortas”, publicado originalmente em 1906, Lobato fez uma releitura e

recriou a crônica “Entre Ruínas”, de Euclides da Cunha, porém ao contrário deste, pintou as

cidades decadentes do Vale do Paraíba com as cores locais. Ao fazer referências às cidades, às

fazendas e às pessoas; ao fazer uso de um linguajar e de alusões extraídas do cotidiano que foram

observadas ao longo de sua vivência na região, ele estava a dar um tom mais realista aos seus

contos e a fazer com que eles se tornassem familiar ao leitor. Possivelmente, recriou a crônica de

Euclides usando desses artifícios pensando em torná-la uma leitura mais fácil e digerível ao

crescente público leitor e dessa forma atingir pessoas que estavam naquele momento sendo

incluídas socialmente nessa condição, isto é, sendo alfabetizadas. “Entre Ruínas” de Euclides é

uma importante referência usada por Lobato, mas convém não esquecer que há outras, inspirada

nos procedimentos científicos dos botânicos na própria estruturação do conto, aquela oriunda da

bibliografia que a CGG produziu sobre o meio físico e que tinham grande repercussão em São

Paulo e a Revista Agrícola, juntamente com o Boletim da Agricultura. Vale ressaltar também

que autor já tinha a região vale-paraibana e a agricultura moderna como tema desde pelo menos

1900, como se pode ver no conto “Café! Café”, por exemplo, conforme se verá mais adiante.

Assim como na crônica “Entre Ruínas” de Euclides, no conto “Cidades Mortas”,

Lobato também descreveu o café como uma lavoura nômade, isto é, que muda constantemente de

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191

lugar à procura de terras férteis assim que a fertilidade do solo onde está instalada se esgota.

Lobato também a apresenta como uma lavoura que desloca o progresso:

“A quem em nossa terra percorre tais e tais zonas, vivas outrora, hoje

mortas, ou em vias disso, tolhidas de insanável caquexia, uma verdade,

que é um desconsolo, ressurte de tantas ruínas: nosso progresso é

nômade e sujeito a paralisias súbitas. Radica-se mal. Conjugado a um

grupo de fatores sempre os mesmos, reflui com eles duma região para

outra. Não emite peão. Progresso de cigano, vive acampado. Emigra,

deixando atrás de si um rastilho de taperas”. (LOBATO, 1995, p. 21)

O uso de metáforas rurais está também presente neste conto, como por exemplo, no

uso da expressão o “radica-se mal”, que significa “não enraíza bem”, o que quer dizer que

progresso trazido pela cafeicultura não se fixa como uma árvore, por ser nômade, isto é, por se

deslocar em função da exaustão do solo, deixando atrás de si a decadência. A expressão “não

emite peão” também é uma metáfora tipicamente rural, pois “peão” é como o homem do campo

chama a raiz principal das grandes árvores, isto é, aquela que ao atingir grande profundidade

prende firmemente a árvore ao solo. Associação entre nomadismo e o povo cigano hoje é lugar

comum, mas somente um grande escritor poderia ligar modo de vida cigano ao comportamento

da lavoura cafeeira. São os detalhes óbvios, que de tão usados, se tornaram rotineiros e passam

despercebidos, conforme alertou Ginzburg.

Na verdade, a passagem supracitada, que apresenta o café como lavoura nômade, foi

inspirada em outra crônica de Euclides, a “Ao longo de uma estrada”, de 1901, mas essa é

também a ideia central de “Entre Ruínas”, que é de fato a referência maior de Lobato. Isso mostra

que Lobato era leitor de Euclides desde muito jovem205

.

Quase todos os elementos da leitura euclidiana da paisagem estão presentes em

“Cidades Mortas”, exceto um: a percepção do homem como agente geológico capaz de

transformar a natureza.

“A uberdade nativa do solo é o fator que o condiciona. Mal a uberdade

se esvai, pela reiterada sucção de uma seiva não recomposta, como no

velho mundo, pelo adubo, o desenvolvimento da zona esmorece, foge dela

205

A primeira menção que Lobato fez sobre Euclides foi provavelmente na carta a Tito Lívio Brasil, não datada, mas

possivelmente de 1905. (LOBATO, 1959, p. 159).

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192

o capital - e com ele os homens fortes, aptos para o trabalho. E

lentamente cai a tapera nas almas e nas coisas.” (LOBATO, 1995, p.

21).

Lobato percebeu os desgastes do solo, mas não discutiu as suas causas, como fez

Euclides da Cunha. Não fez uso de estudos científicos prévios do meio físico como fez o autor

d’Os Sertões, mas com certeza lia a Revista Agrícola, que era de ampla circulação e o Boletim

da Agricultura, que era gratuito. Com certeza lia também a respeito da produção científica da

CGG, que tinha grande repercussão na imprensa e comparecia a reuniões científicas conforme se

verá adiante. Se Lobato não foi mais explícito nessa questão não foi por falta de informação.

Os temas discutidos na Revista Agrícola e no Boletim da Agricultura estão

presentes nesse conto, como a fertilização do solo, por exemplo. Notar que na expressão a

“uberdade se esvai”, não há sujeito histórico: ela se esvai pela reiterada sucção da seiva. Quem

reiteradamente suga a seiva é a planta. Falta no texto uma crítica explícita ao fazendeiro, como

fez em “Café! Café!”. A perda da fertilidade é decorrência da opção dos fazendeiros por aquele

tipo de agricultura. A recomposição do solo, referida por Lobato, deveria ser uma ação posta em

prática pelos fazendeiros, mas eles não são mencionados. É também possível de se inferir, a partir

da ausência de sujeito histórico explícito no excerto, que os fazendeiros pareciam não ter nada a

ver com isso. Não são apontados nesse conto como os responsáveis pela decadência econômica

nem pela degradação ambiental. Outra possibilidade de explicação, e talvez a mais convincente, é

opção pela dramaticidade: trata-se de um texto literário, concebido dessa forma e não obra de

cunho sociológico ou agronômico. A forma descrita por Lobato representa a visão do homem

comum, que, dada sua ignorância, ainda não consegue explicar de maneira racional os motivos

pelos quais em poucos anos o solo se degrada. São as emoções daqueles que permaneceram na

terra exaurida que Lobato está a representar: sentimentos de abandono, dor, angustia e saudade

dentre outros. Tem também um caráter pedagógico, pois pretende mostrar aos fazendeiros que

isso pode ser superado pela aplicação de ciência à agricultura.

A adubação, um dos pilares da moderna agricultura, era ainda um progresso em voga

apenas na Europa e na América distantes, mas que Lobato almejava trazer para sua fazenda e

para sua região. Neste caso, Lobato ampliou o horizonte euclidiano de “Entre Ruínas” ao apontar

explicitamente a necessidade de adoção dos métodos da agricultura moderna, que nesta crônica

Euclides deixou de fazer, embora o fizesse em outros textos, conforme visto anteriormente. A

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criação animais em confinamento nas fazendas para produzir adubos era uma meta da Secretaria

da Agricultura da Agricultura de São Paulo.

O símbolo maior da formação dos desertos, na época, era a tapera, a casa do caboclo

abandonada devido ao nomadismo da agricultura e que sempre se encontrava em ruína. Daí ser

essa uma construção simples, pois se sabia que seria rapidamente abandonada. Era também uma

edificação frágil, o que durante uma tempestade obrigava morador, temendo o seu desabamento,

a fugir de casa e a se alojar num “oco” de árvore206

. Para Murari (2002, p. 367), a tapera era “um

dos aspectos privilegiados da paisagem da literatura brasileira da época, materialização da

decadência e, mais ainda, do tempo como instância destruidora, revés do progresso”. A tapera

estava presente em diversos romances do período. Lobato encontrou no termo “tapera” a

simbolização da decadência retratada por Euclides da Cunha. A imagem de Lobato é belíssima,

poética e reflete um estado de espírito: “E lentamente cai a tapera nas almas e nas coisas.”,

entretanto, não deixa de ser uma imagem também de horror, mas não de um horror

fantasmagórico e sobrenatural como em Euclides. Está querendo dizer que a tapera na alma

representava a degeneração do ser humano, impotente diante da situação de decadência. O major

Mimbúia, personagem central do conto “Café! Café!” é um bom exemplo de homem com o corpo

e a alma em estado de tapera, como se verá mais adiante.

Assim como as construções que entravam em decadência formavam taperas, os

indivíduos também se degeneravam. A degeneração estava associada às condições econômicas.

Manuel Elpídio Pereira de Queiroz, conforme visto anteriormente cerca de meio século antes,

também associava o homem fragilizado que encontrou em sua viagem entre São Paulo e Rio de

Janeiro à baixa fertilidade do solo em que vivia. Note-se que, tanto em Lobato quanto em

Euclides da Cunha, os que puderam fugir das regiões com solos exauridos, o fizeram. Os que

ficaram acabaram por definhar e, como dizia Lobato, a “tapera” caiu-lhes também na alma, e não

apenas dos jecas-tatus de Lobato e dos caboclos desfibrados de Euclides, mas dos fazendeiros

também.

206

Cf: Lobato, 1994, p. 170.

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194

Em “Cidades Mortas” na descrição das fazendas, percebe-se a mesma forma de

pensar de Euclides da Cunha e as semelhanças com “Entre Ruínas” são notáveis, mas Lobato

continua a não apontar para as causas da incúria, apenas a retrata. Persiste em não nomear o

sujeito criador do deserto e continua a atribuir à planta essa condição.

“- Aqui foi o Breves. Colhia oitenta mil arrobas!...

A gente olha assombrada na direção que o dedo cicerone aponta. Nada

mais!... A mesma morraria nua, a mesma saúva, o mesmo sapé de

sempre. De banda a banda, o deserto - o tremendo deserto que o Átila

Café criou.” (LOBATO, 1995, p. 24).

É importante chamar a atenção para sutileza de linguagem neste trecho: em “aqui foi

o Breves” significa que esta era a fazenda dos Breves207

, mas não há nenhum indício de que as

terras teriam deixado de ser dele. Historicamente, após a decadência do café essas fazendas

ficaram por muito tempo abandonadas ou pouco produtivas, talvez tivessem sido vendidas, mas

não ficaram devolutas. Os Breves, porém, somente eram importantes enquanto tinham café, isto

é, riquezas. Está querendo dizer apenas que eles deixaram de ser importantes, e não de existir. Eis

que surge novamente a imagem da atriz formosa que ficou esquecida quando perdeu seu charme

e beleza.

No fragmento acima citado, quando o autor descreve a paisagem, também há uma

sutileza que pode gerar equívocos de interpretação: “a mesma morraria, a mesma saúva, o

mesmo sapé de sempre”. A palavra “sempre” nesse caso, enquanto imagem literária, não se

refere apenas ao tempo, mas significa também em “todo lugar” ou em “toda parte”. Em todo

lugar somente havia morros, saúva e sapé. A morraria está lá desde tempos imemoriais para seus

habitantes, mas para os cientistas não, pois estes levam em consideração o tempo geológico. A

saúva208

em excesso surgiu junto com o café, após o desmatamento. O sapé é posterior, pois

apareceu depois da cultura cafeeira ter exaurido os solos. A colocação de “morraria, do sapé e da

saúva” na condição de sempre ter existido, impede que se veja o que originalmente havia naquele

local: a Mata Atlântica. Euclides da Cunha é mais preciso que Lobato em suas descrições da

207

Na verdade, a escolha do nome é uma brincadeira com um amigo dos tempos de faculdade, Oscar Breves,

funcionário dos correios e proprietário do jornal “O Combatente”, no qual Lobato era colaborador. 208

A proliferação excessiva de saúvas é causada por desequilíbrio ecológico devido à destruição ambiental. Ver:

Dean, 1996, p. 206. Esse desequilíbrio já havia sido apontado por Ihering (1902, p. 486): “As içás, que outrora eram

destruídas em grande parte pelos suiriris, tesouras, bem-te-vis e outros pássaros insetívoros, atualmente podem

multiplicar-se à vontade”.

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natureza devido aos seus conhecimentos em Geologia e em Ciências Naturais, ciências estas

pouco conhecidas por Lobato, que ao se expressar dessa forma, se portava como o homem

simples ou simplório da região, que não tinha noção da história local. Melhor dizendo, escrevia

do mesmo de ponto de vista que esses homens, pois Lobato era culto, mas era advogado e não

cientista. Como diz Ginzburg, o uso rotineiro das palavras escondem significados que precisam

ser decifrados.

A morraria se constituía, portanto, num deserto que o “Átila café” havia criado. O

café era, assim como Átila, um fazedor de desertos. Lobato atribui poder de sujeito histórico ao

cafeeiro, um ente incapaz de praticar ações, como se a planta tivesse existência própria,

independentemente do humano. Ao fazer alusão a Átila, personagem de caráter quase mítico na

distante Idade Média, parece haver um desvio na atribuição de responsabilidade, o sujeito fazedor

de deserto é colocado como algo exterior e distante nos espaço e no tempo, ou ainda, sendo Átila

uma personagem com características mitológicas, pode dizer que estava fora do tempo. Ao fazer

uso da metonímia como figura de linguagem, na qual os verdadeiros sujeitos da frase não são

mencionados, cria uma lacuna no sentido apontado por Ginzburg, que compete ao historiador

preencher para que o passado seja desvelado. Ao se atribuir ao Átila-café209

o poder de

destruição, deixa-se de mencionar os plantadores de café, isto é, os grandes fazendeiros como

fazedores de deserto. A condição de fazendeiro e seus compromissos de classe talvez impedissem

Lobato de fazê-lo. Nesse aspecto, Lobato parece se aproximar mais de Löfgren e de Derby, que

também se eximiam de posições políticas que pudessem gerar atritos, que de Euclides. Entretanto

a obra de Lobato não tem seu valor diminuído devido a essas observações.Pelo contrário, revela

seus compromissos classistas. Lobato preferia culpar os jecas-tatus e o governo pelo deserto.

Opor-se ao governo é diferente de se indispor com sua classe social. Segundo Ginzburg, quem se

indispõe com sua classe se isola ou enlouquece210

.

A pergunta que fica é por que as queimadas feitas pelos jecas-tatus provocavam

indignação em Lobato e a dos fazendeiros não, uma vez que ambos faziam uso dos mesmos

209

Átila é lembrado pelo poder de destruição de seus exercito, que segundo a lenda, por onde passava, nem relva

nascia. Era, no sentido figurado um “fazedor de deserto”. 210

Segundo Ginzburg (1987, p.27) “da cultura do próprio tempo e da própria classe não se sai a não ser para

entrar no delírio e na ausência de comunicação”.

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métodos agrícolas. Podem-se fazer três tentativas de resposta: em primeiro lugar, ele não cita os

fazendeiros porque não queria se indispor com a classe à qual pertencia, conforme já anotado. Em

segundo lugar, em 1914 havia uma forte demanda por madeira e lenha para as ferrovias e a

Grande Guerra na Europa estava a elevar o preço do produto211

. A natureza, portanto, passou a ter

maior valor econômico e sua destruição significava perdas ainda maiores para o agricultor. Por

último, pode-se aventar que já havia escassez de terras férteis e esses agregados estavam

destruindo as últimas reservas. Há ainda remota possibilidade de haver uma consciência

ecológica em desenvolvimento, possibilitada a partir dos estudos da CGG, mas motivação

principal era a econômica e os trabalhos da CGG serviam apenas como inspiração.

Assim como os métodos obsoletos do caboclo para limpeza do terreno para o plantio

o deixavam irado, a inépcia do governo em coibir as queimadas também. Lobato era quase que

rancoroso com os políticos, porque eles eram incapazes de transformar a realidade, pois, segundo

sua visão, não tinham interesse algum em acabar com as queimadas, pois se o fizessem,

perderiam os votos dos jecas-tatus, como se pode perceber no prefácio da segunda edição de

Urupês, de 1918, num diálogo fictício travado entre ele e um agregado de sua fazenda:

“- Rebentou outro fogo no Varjão! - vinha dizer um agregado...

Mal se ia aquele, vinha outro:

- Patrão, o Trabiju está queimando!

-Então, já seis?

-É verdade. Há o fogo do Teixeirinha, o fogo do Maneta, o fogo do Jeca...

-Fogos signés!... Que patifes! Mas hão de pagar. Denuncio-os todos à

polícia.

O capataz sorriu.

- Não vale a pena. São eleitores do governo; o patrão não arranja nada.

- Mas não haverá ao menos um incendiado oposicionista que possa

pagar o pato?

- Não vê! Caboclo é ali firme no governo justamente p'r'amor do fogo.

Tinha razão o homem. Eram todos do governo. E o eleitor da roça, em

paga da fidelidade partidária, goza-se do direito de queimar o mato

alheio.” (LOBATO, 1994, p. 158).

211

Segundo Edmundo Navarro de Andrade (1916), destruição provocada pela Grande Guerra na Europa elevou o

preço das madeiras, pois era sabido que findo conflito o continente teria de ser reconstruído e haveria forte demanda

por esse produto. Navarro escreveu um livro de propaganda sobre as madeiras encontradas no estado de São Paulo,

em francês para ser distribuído gratuitamente pelas embaixadas brasileiras na Europa, aos possíveis compradores.

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O trecho nos mostra a percepção dos malefícios das queimadas como meio para se

limpar o terreno e a consequente cobrança, junto aos políticos, de sua proibição. Esta construção

literária somente foi possível a Lobato porque ele teve contato e considerava adequada a leitura

que a CGG, Euclides da Cunha e a Revista Agrícola fizeram sobre a formação das áreas

campestres do estado de São Paulo. Lobato, atento que era à produção científica, sabia através da

leitura desses atores sociais, que esse tipo de agricultura desgastava o solo e que isso causaria

prejuízos materiais de difícil reversão ao longo do tempo, não obstante trouxesse vantagens

imediatas. A perspicácia de Lobato aponta para uma contradição: de um lado há o imenso esforço

do Estado na criação de instituições científicas, da CGG e de instituições delas derivadas, do IAC

e da escola de Agronomia de Piracicaba para a promoção da agricultura moderna. Do outro,

existia a presença de um Estado incapaz de apresentar soluções concretas para que o camponês

realmente mudasse suas práticas agrícolas, devido a problemas de ordem político-eleitoral.

Outra semelhança em relação a Euclides da Cunha e a Derby é o fato de Lobato

retomar a questão do viajante enquanto observador da paisagem. No artigo de Derby sobre o Vale

do Rio Grande o viajante é o cientista em trabalho de campo, que percorre o interior pela

ferrovia. No “Considerações sobre o futuro agrícola do estado de S. Paulo” a paisagem degradada

é tão visível que qualquer um pode observá-la e notar a presença dos campos mesmo sem ter

treinamento científico algum. Nesse caso, então, o viajante observador da paisagem pode ser

qualquer pessoa, até mesmo um turista distraído. Em Euclides o observador é inspirado na figura

do cientista, talvez um naturalista212

, ou um geólogo - o próprio Derby? - pois descreve a

paisagem com os rigores típicos da prática científica. Em Lobato o viajante pode ser qualquer um

a percorrer tais zonas. Ou seja, no conto “Cidades Mortas”, o narrador é um forasteiro a visitar o

Vale Histórico, tanto o meio urbano, quanto o rural nos arrabaldes das cidades da região. Lobato

chegou a Areias em 1906, ano da publicação do conto, que é fruto de sua curiosidade em

conhecer o local onde passou a residir.

212

Os naturalistas se valiam de guias nas viagens por áreas desbravadas e de mateiros nas incursões por áreas

inexploradas, mas dificilmente se afastavam dos caminhos: “Quase todos eles se mantiveram nas mesmas trilhas de

mulas, na maioria evitavam as florestas altas, que eram demasiado impenetráveis e problemáticas” (DEAN, 1996,

p. 203). Quem acompanhava Lobato em suas caçadas na Serra Bocaina e pescaria nos rios da região era o delegado

de polícia Fídeas, que talvez ele descrevesse as paisagens.

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198

Em carta a Godofredo Rangel exclamava: “vim ver se Areias existia e fiquei. Areias,

Rangel! Isto dá um livro à Euclides (e, por falar, Euclides passou uns tempos aqui, ocupando

exatamente o quarto que é o meu)” (LOBATO, 1959, p. 167).

Durante o período em que lá esteve fez várias excursões aos arredores, hábito que

manteve posteriormente quando passou a residir na Fazenda do Buquira. Estava sempre

acompanhado em suas idas à Serra da Bocaina para praticar alpinismo, caçar, pescar ou coletar

frutos silvestres. É a presença do personagem narrador como viajante curioso e ignorante (ou

aprendiz curioso?) que permite a Lobato fazer uma descrição da paisagem pintada com as cores

locais e, dessa forma, o que o livra do rigor científico, dando margens à criatividade. Dá um

caráter aparentemente despretensioso ao relato, mas garante seu acesso aos novos leitores, sem

deixar de discutir os problemas que afligiam a nação, dos quais a necessidade de se reformar a

agricultura era o mais premente. Em síntese, o viajante de Lobato em cidades mortas parece ter

sido calcado em sua experiência pessoal, embora declarasse a Godofredo Rangel assim de sua

chegada a Areias que aquilo dava um conto à la Euclides. A experiência pessoal era sua “matéria-

prima”, Euclides seu modelo.

A crônica “Entre Ruínas” de Euclides serviu de inspiração não só para o conto

“Cidades Mortas”, mas também para Lobato escrever um amplo painel da vida no Vale do

Paraíba e na Mantiqueira paulista que compõe os livros citados, Urupês e Cidades Mortas. A

representação das regiões decadentes traçada por Lobato continua atual nos rincões distantes e ou

isolados do Brasil rural aonde o progresso ainda não chegou ou se foi. Outras reações entre

Monteiro Lobato e Euclides da cunha serão analisadas ao final do próximo subcapítulo, no far-se-

á um esforço para se perceber elementos da produção científica da CGG em Lobato nos contos

“O Pito do Reverendo” e “Gens Ennuyeux”.

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199

6.2 A presença da Comissão Geográfica e Geológica na literatura adulta de Monteiro

Lobato.

Uma alusão a Derby apareceu no conto o “Pito do Reverendo”213

, de 1906,

republicado em Cidades Mortas. História saborosa e hilária, na qual descreveu a espera

angustiante do pároco local por um visitante ilustre e desconhecido dele, Emerêncio do Val,

pessoa importante, diplomata que servira na Áustria, e que, ao retornar ao Brasil, pretendia fazer

uma viagem de recreio pelo interior do país para matar a saudade da terra. Foi recomendado ao

sacerdote, através de carta, por um amigo em comum. Por ser ele a pessoa mais culta e a sua casa

a mais importante de Itaóca, competia a ele hospedar visitantes célebres. “Já doutra feita

hospedara um eloquente inspetor agrícola e, logo depois, o tal sábio que colecionava pedrinhas -

grande falta de serviço!” (LOBATO, 1995, p. 54).

Era sua posição social na pobre Itaóca que credenciava o reverendo a hospedar gente

tão importante. Inspetor agrícola era um disputado cargo da Secretaria da Agricultura, Indústria e

Comércio do Estado de São Paulo214

. Os inspetores, num país eminentemente agrícola, numa

região dinâmica como o estado de São Paulo, eram pessoas de prestígio e de grande competência

técnica. Já, quanto ao tal “sábio que colecionava pedrinhas” não há dúvidas tratar-se de uma

referência a Derby215

, porém, na ironia lobatiana, o padre não teria informações científicas

suficiente para nomeá-lo como geólogo, nem para compreender seu trabalho. Como o padre não

conseguia compreender a tarefa do cientista, dizia que suas pesquisas eram “falta de serviço”. Em

outras palavras, parecia dizer que o sábio colecionava pedrinhas por não ter o que fazer216

.

213

Lobato (1959, p. 157) o qualificou “O pito do reverendo” como “uma das coisas tolas que tenho escrito, mas

muito gostada por aí afora”. Em 1909 estava na quarta republicação (1959, p. 239). 214

Em 1906, quando foi publicado o conto, São Paulo contava com ao menos seis distritos agrícolas, cada qual com

seu inspetor, todos de grande competência técnica. Nomes como Germano Vert, Adolpho Barbalho de Uchoa

Cavalcante, João Pedro Cardoso e Lourenço Granato exerceram a função por essa época. 215

Talvez faça alusão à coleção de minerais da CGG, provavelmente, àquela levada à Exposição Universal de

Chicago em 1893, relatada nas crônicas de Adolpho A. Pinto, no jornal O Estado de São Paulo, que haviam sido

reunidas no livro Viajando e publicadas no mesmo ano em que o conto. 216

Em 1908 Lobato tinha um projeto de participar de uma expedição escalar o Agulhas Negras, como ele dizia

“Galgar o nosso Everest!... Já somos sete - um geólogo, um fotografo, um Paganel, um Bompard, um botânico...

Faltava o cronista: indiquei você, já famoso com o De S. Paulo ao Guarujá”. (LOBATO, 1959, p. 217). Não se

sabe se a expedição concretizou-se, porém está claro que Lobato se relacionava pessoalmente com botânicos e

geólogos, mas quem seriam? Lobato praticava alpinismo na Serra da Bocaina como aprendizagem para a viagem ao

Agulhas Negras (p. 219).

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200

Essa relação entre os habitantes locais e os cientistas em trabalho de campo sempre

foi tensa e geradora de incompreensões, quando não incidentes, de ambos os lados. O assunto foi

estudado por Hebe Vessuri, que mostrou em seu paper “Los Viajos de G. G. Simpson a

Sudamérica: visión científica e experiência subjetiva”, de 1999, a visão subjetiva que o cientista

norte-americano G. G. Simpson217

tinha do outro, isto é, dos habitantes das áreas por ele

estudadas nas viagens para pesquisa de campo, realizadas na década de trinta do século XX. Os

“outros”, no caso, eram os habitantes da Patagônia argentina, de Barquisimeto e de Los Llanos,

na Venezuela. Para essa autora,

“los miembros de las poblaciones heterogéneas que se encuentran

normalmente en el campo desarrollan sus actividades

independientemente y a menudo resienten la presencia los unos de los

otros, también interactúan y se afectan entre sí de maneras

significativas” (VESSURI, 1999, p. 29).

A partir dessa asserção de Vessuri pode se perceber que Lobato faz humor com

problemas comum a todos os cientistas que se defrontam com pessoas incapazes devido à falta de

instrução de entender o significado de suas pesquisas. Nesse conto, percebe-se claramente que o

padre resistia à presença do cientista. Esse tema também pode ser associado ao juízo que os

habitantes locais faziam dos viajantes estrangeiros nos períodos coloniais e imperiais com os

quais tinham contato. No final do século XIX, devido às questões de limites, da necessidade

construção da nação e as novas concepções sobre o trabalho do historiador foram publicados e

dados à publicidade inúmeros trabalhos de viajantes, cientistas ou não, que muitas vezes

deixaram comentários nada lisonjeiros sobre os habitantes locais. Lobato poderia estar a fazer

uma “vingançinha” literária aos viajantes estrangeiros ao apresentar o cientista colecionador de

pedrinhas de maneira irônica, senão sarcástica.

Lobato, em verdade, na primeira década do século XX, fez o oposto de Simpson: ao

invés de emitir a opinião do cientista sobre os moradores locais, enunciou o juízo que o homem

comum e inculto da Mantiqueira fazia do cientista em suas coletas de rochas no trabalho de

campo, ou do agrônomo que fazia proselitismo em favor da agricultura moderna. Ou seja, ele

relatou a presença de Derby do ponto de vista do seu hospedeiro, que não conseguia enxergar a

217

Simpson, até 1955 tinha realizado oito viagens à América do sul.

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201

dimensão do trabalho do cientista, pois colecionar pedrinhas para ele era perda de tempo e coisa

sem sentido218

. Não se deve esquecer que Derby andou por essa região em para fazer a

demarcação de limites de São Paulo com Minas Gerais219

. Löfgren esteve por lá durante as

primeiras expedições da CGG e, em 1895, na mencionada expedição financiada pelo Barão da

Bocaina. Mas botânico que era, colecionava plantas e não pedrinhas.

Em outro conto de Lobato, “Gens Ennuyeux”220

, publicado originalmente em 1901,

há uma possível alusão a Derby: a personagem principal foi provavelmente inspirada nele. Trata-

se da descrição, carregada de ironia, de uma conferência pública sobre a história da Terra,

promovida por uma sociedade científica da época. A primeira dificuldade encontrada na leitura

do conto foi identificar a qual instituição científica a qual Lobato se referia. Como o livro

Cidades Mortas é explicitamente sobre São Paulo e sua gente, não há dúvida tratar-se, ou do

Instituto Histórico de São Paulo, no qual Derby era presença marcante, ou da Sociedade

Científica, fundada por Löfgren. Se a aula fosse no Rio de Janeiro, poder-se-ia pensar em outras

instituições e outros atores221

, mas em São Paulo havia grande probabilidade da personagem

palestrante ser um cientista ligado à CGG, sendo Derby, o mais provável. Além de Derby, Lobato

poderia ter se inspirado em Ihering, conhecedor profundo da teoria da evolução, mas não se sabe

de publicações ou palestras suas sobre assuntos geológicos.

O viés cômico do conto “Gens Ennuyeux” se dá não por zombar da palestra ou do

palestrante, mas da plateia ignorante, todavia posando de sábia. A tal “gente irritante” à qual se

refere o título.

218

Lembra os questionamentos do cozinheiro de Simpson, que não entendia porque o cientista colecionava ossos e

questionava suas motivações, “¡¡Nadie lo ve y aun así trabaja duro!! ¿Y qué clase de trabajo es ese? Treparse por

una barranca y llegar agotado, sólo para agarrar restos de rocas. Como si no hubiera rocas en todas partes,

¡inclusive en Norteamérica!” (VESSURI, 1999, p. 31). 219

Henri Raffard (1900) menciona que naquela data já se encontrava praticamente pronta a carta geográfica do

Buquira, bem como a de outras localidades em litígio da fronteira de São Paulo e Minas Gerias. Lobato deve ter

acompanhado a os trabalhos dos técnicos pela imprensa local ou mesmo pela imprensa paulistana. Os técnicos

devem ter se hospedado na fazenda do avô. Ou no vigário, como ocorria em Santos, SP, 220

Expressão do idioma francês que significa “gente irritante” ou “gente chata”. Com esse conto ganhou um

concurso literário na Faculdade de Direito de São Paulo, onde estudava. 221

Segundo Magali Romero de Sá e Heloisa Maria Bertol Domingues (1996), a partir de 1870 o Museu Nacional

criou as “Conferências Populares”, iniciativa que incluía os “Cursos Públicos do Museu Nacional”, que versavam

sobre as ciências naturais. Cientistas de todas as seções do museu ministraram curso, inclusive Hartt. Derby,

contratado no lugar de dele em 1879 começou a ministrá-lo somente em 1880. Estaria ele na São Paulo de 1900

repetindo sua experiência carioca?

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202

Derby, embora não nomeado explicitamente, é o mais provável inspirador da

personagem do “sábio professor”, que é criticado acidamente, não no que se refere ao seu saber

científico, mas à sua falta de didatismo. A plateia também é criticada devido à hipocrisia, por

fingir entender e gostar do que não entendia, pois as expressões em suas faces eram de

indisfarçável tédio e de dispersão ou desatenção. Seus olhos inicialmente estavam voltados em

reparar os outros membros da plateia. Como, por exemplo, em observar ou reparar o “burguês,

barbaçudo, verrugoso, bexiguento”, ou o adolescente com olhar “de bezerro disentérico”, uma

cientista do “sexo neutro” e todo tipo de gente que compunha a fina flor da sociedade paulistana.

O conto dá uma noção do ambiente intelectual paulistano, onde uma elite científica respeitável

convivia em meio à ignorância, por vezes crassa.

A descrição da cientista masculinizada (do sexo neutro, diz Lobato) merece ser

apresentada para que o leitor não conhecedor das obras menos comentadas de Lobato tenha uma

ideia de seu humor ácido e corrosivo e de seu preconceito de gênero222

e, sobretudo, por fornecer

indícios importantes para os resultados da investigação que permitiram reconhecer como sendo

Derby e o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo os inspiradores de Lobato nesse conto.

Na plateia encontrava-se,

“(...) sorrindo com bondade em meio dum grupinho amigo, uma espécie

de criatura do sexo neutro, acondicionada em alpaca, sem um só enfeite e

cujos cabelos grisalhantes se erguiam em ríspido pericote sob a copa

acartolada dum chapéu masculino”. Discutia Cuvier.

- É a doutora Mariote... - sussurrou-me o Lino. - Uma sábia

sapientíssima!...” (LOBATO, 1995, p. 90).

O que desperta inicialmente atenção é o tom caricatural da descrição. Referia à

doutora como “criatura”, não como mulher ou ser humano. Lobato poderia se referir a ela como

uma senhora excêntrica, uma mulher deselegante, mulher esquisita, até mesmo como uma mulher

masculinizada. Entretanto, prefere usar duas expressões que, no contexto, soam depreciativas,

que são “criatura” e “sexo neutro”.

222

Algumas obras da literatura infantil de Lobato estão sendo identificadas como veiculadoras de preconceitos

raciais. Chegou-se ao ponto de ser solicitada sua proibição nas escolas. Felizmente, prevaleceu o bom senso e elas

não foram censuradas. A obra deveria se tornar ponto de partida para a discussão do preconceito. Censurar é fazer de

conta que preconceito nunca existiu e como se ele não mais existisse.

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203

A palavra “criatura”, atualmente, faz parte do vocabulário usual daquelas pessoas que

têm preconceitos em relação às mulheres que exercem sua sexualidade fora de padrões

convencionais de esposa e mãe que são reservados a elas pela sociedade patriarcal. E é também,

hoje em dia, aplicada aos homossexuais de ambos os sexos223

.

Lobato descreveu a Doutora Mariote como uma mulher masculinizada, pois ela usava

vestido de alpaca (tecido feito com os pelos de um mamífero peruano, muito usado para

confecção de ternos masculinos) sem nenhum enfeite e chapéu masculino. Este estereótipo parece

ter origem em Georg Sand, pseudônimo de Amandine-Aurore-Lucile Dupin (1804 - 1876),

escritora famosa que circulava pela Paris no século XIX com codinome masculino, roupas

masculinas, cartola e charuto nos lábios, o que deixava as pessoas escandalizadas, assim como a

Doutora Mariote parece ter escandalizado o narrador, o que, indubitavelmente, não era sua

intenção.

Em relação à doutora, há indícios dela ser ela uma naturalista, pois discutia Cuvier.

Mas, em qual cientista da época Lobato teria se inspirado?

Maria Margaret Lopes (1992), ao estudar a presença feminina em alguns dos mais

proeminentes autores da história da ciência contemporânea, cita várias mulheres cientistas, porém

não foi possível associar a doutora Mariote a nenhuma delas. Parece não haver cientista mulher

atuando na Paulicéia, na virada do século do XIX.

Lopes constatou existir como mulher e cientista relacionada às ciências naturais, em

fins do século XIX, apenas

“Thérèse von Bayern224

solteira, aos 38 anos [que] veio ao Brasil, ao fim

do Império, exclusivamente para realizar expedições botânicas,

223

Há que se observar que semelhante preconceito ainda impera em alguns meios. Por exemplo, religiosos

fundamentalistas de diferentes denominações, quando se referem às mulheres “independentes” e aos homossexuais,

os chamam de “criaturas de Deus”, termo que os colocam no domínio da natureza, em oposição a “filhos de Deus”,

que lhes conferem humanidade. Todos os seres vivos são, para os que creem, criaturas de Deus, porém o epíteto

“filhos de Deus” é uma qualidade positiva reservada aos ditos “normais”. A condição para alcançar essa posição é a

não vivência da sexualidade para não pecar, o que ainda assim não é condição suficiente, pois é preciso merecer a

graça divina para galgar àquela posição. Ou seja, além de matar uma importante fonte de prazer, a sexualidade, o

indivíduo ainda depende do reconhecimento ou do perdão divino, do qual o profissional da religião será o portador,

para alcançar a condição de humano. 224

Também conhecida por Teresa da Baviera.

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204

zoológicas e etnográficas, a que se dedicou até o término de sua vida, aos

75 anos de idade. Era uma princesa, prima de D. Pedro II e veio

acompanhada de um pequeno séquito - uma dama de companhia, um

acompanhante e um taxidermista. Contou com a ajuda de Emilio Goeldi

no Pará e Orville A. Derby em São Paulo.” (LOPES, 1992, p. 100).

Os únicos indícios que apontam para Thérèse von Bayern são suas relações pessoais

com Derby e o fato dela ser naturalista, mas não há menções de que ela fosse estereotipada como

sendo do “sexo neutro”. Também, por ser ligada à Família Real, não seria de bom tom e nem

permitido que ela frequentasse reuniões sob o regime republicano.

Outra mulher mencionada por Derby em suas correspondências publicadas é D.

Leolinda de Figueiredo Daltro225

, educadora que atuou entre os índios Xerentes de Goiás.

Entretanto, ela foi educadora e não naturalista. Morava no Rio de Janeiro, não em São Paulo. É

certo que foi uma das pioneiras do feminismo no Brasil. Pode-se supor que Lobato a estivesse

ironizando por ser feminista, mas não parece adequado, pois a imagem das feministas como

mulheres pouco femininas (queimavam sutien em praça pública e não faziam depilação, por

exemplo) é um estereótipo que surgiu nos anos 60 do século XX. Os preconceitos de Lobato

sugerem essa leitura, mas seria um anacronismo.

Há também a possibilidade de Lobato estar caricaturizando a médica Marie Renotte

(1853 - 1943), filha de imigrantes belgas, pedagoga, ex-professora no Colégio Piracicabano226

,

formada em medicina na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, devido à similaridade

na pronúncia dos nomes da cientista e da personagem.

Segundo Luca e Luca (2003), em 1895, Marie Renotte foi admitida como sócia na

Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, onde conviveu com Luís Pereira Barreto. Atuou

como ginecologista e obstetra junto a comunidades carentes, sobretudo com imigrantes. Isso

poderia ser um indício de ser esta a inspiração de Lobato, já que ele qualificava Mariote como

sendo “bondosa” e como “sabia sapientíssima”.

225

Carta de Derby a Capistrano de Abreu, datada de 5 de novembro de 1896 In: Abreu, Capistrano de:

Correspondências de Capistrano de Abreu, v. III. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. p. 142. 226

Colégio protestante (presbiteriano) criado para servir aos imigrantes sulistas norte-americanos que, após a Guerra

de Secessão, fundaram uma colônia na região. A cantora Rita Lee Jones e historiador Jorge Cole são descendentes

desses imigrantes.

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205

Renotte teve também participação efetiva na vida intelectual de São Paulo. Escrevia

no periódico feminino A Mensageira, no qual fazia exortação por uma maior “participação

feminina na vida social” (LUCA, LUCA, 2003, p. 711). É considerada uma pioneira na luta em

defesa dos direitos da mulher.

Era uma mulher corajosa, que

“apoiou publicamente a professora Leolinda Daltro (1860-1935) em sua

proposta, muito polêmica na capital federal, de embrenhar-se pelos

sertões de Goiás para dar assistência às populações indígenas

ameaçadas de extinção”. (LUCA, LUCA, 2003, p. 711).

Ela, através de sua polêmica intervenção pública de apoio à causa de D. Deolinda,

deve ter contribuído para que Derby também o fizesse e pedisse apoio a Capistrano de Abreu,

embora o geólogo informasse que o fizera para atender a um pedido do amigo americano Dr.

Horace M. Lane.

O valor intelectual da Doutora Marie Renotte foi reconhecido quando ela tornou-se

“em 4 de maio de [1901], a primeira mulher admitida no Instituto

Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) (...). Apresentada aos

consócios por Dinamérico Rangel e por (...) Orville Derby e (...) Eduardo

Prado (1860-1901), ali iria conviver com influentes colegas médicos227

,

como (...) Pereira Barreto, ou com mestres de renome, como o professor

Sílvio de Almeida (1867-1924), marido de Prisciliana Duarte.” (LUCA,

LUCA, 2003, p. 715).

A formação profissional - vale destacar que os médicos tinham formação em ciências

naturais -; a convivência intelectual prolongada com Derby, com Pereira Barreto e com a Família

Prado; a atuação pioneira em atendimento à população carente, sobretudo imigrantes; a

participação ativa na vida intelectual de São Paulo, no IHG-SP e como escritora em periódicos;

ademais, a sonoridade semelhante entre os nomes Marie Renotte e Mariote. Enfim, são muitos os

indícios que indicam ser a médica Marie Renotte a musa inspiradora da personagem Doutora

Mariote, de Lobato.

227

Com certeza, conviveu também com Domingos Jaguaribe Filho.

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206

Todos os indícios apontados mostram também que a palestra científica retratada por

Lobato era de fato inspirada em reunião no IHG-SP e que Derby o inspirou na construção da

personagem conferencista. E que Derby tinha apreço por mulheres cultas e independentes.

Em “Gens Ennuyeux” é bastante expressiva a forma com que Lobato descreve a

conferência. É significativa porque revela como Lobato concebia a relação entre literatura e

ciência, conforme se verá mais adiante.

Depois de insistentes pedidos de silêncio feitos pelo mestre de cerimônia, a plateia se

acalmou e a palestra começou:

“Após o exórdio da praxe, o orador veste o escafandro da observação,

apoia-se no pau ferrado da crítica, encavalga na penca os nasóculos da

análise e, sem tirte, cai de mergulho no fundo sombrio das idades. Vai

aos períodos eos [sic] examinar gneiss e micaxistos228

, mostra

exemplares ao auditório, descreve-os com minúcia. Narra como vieram

os primeiros vegetais — samambaiuçus enormes e molengos - e como à

sombra deles foram surgindo bichinhos tontos, sem experiência da vida,

admiradíssimos de verem casa tão grande posta a seres tão pequenos”.

(LOBATO, 1995, p. 91)

Ao mostrar a paixão do conferencista pelo conhecimento de sua especialidade

científica, Lobato demonstrou também possuir certo conhecimento de Darwin e de Cuvier. Pode-

se afirmar que esses autores causavam admiração a Lobato, mas não se pode garantir que o autor

os tenha lido diretamente. Talvez os conhecesse através de algum manual ou por meio de seus

divulgadores, que no início do século XX já eram muitos.

Lobato nesse conto fazia uma divulgação literária, embora com ironia, de Darwin e

Cuvier, não no strito senso, isto é, mantendo a rigorosidade científica e a fidelidade ao texto

original, mas reescrevendo livremente, e de forma alegórica, o bê-á-bá da teoria da evolução,

embora misturando autores muito distantes no tempo, como o eram Darwin e Cuvier. Pretendia

divulgar as obras desses autores para estimular a difusão delas entre seus leitores. E,

concomitantemente, divulgava também Derby e o IHG-SP. Mas também ao misturar Cuvier e

228

Grifos de Lobato.

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207

Darwin de maneira aleatória, sem critério, poderia estar apenas ironizando a ignorância da

plateia.

O autor escreveu que o palestrante ao se expressar falava

“(...) com a segurança de um feto arborescente, testemunha ocular

daquilo, transfeito em sábio moderno. Diz e rediz. Vai e volta - porque o

gneiss pra aqui, porque o gneiss pra lá, porque, o gneiss, o gneiss, o

gneiss.” (LOBATO, 1995, p. 91).

O autor não fazia uma crítica ao conteúdo da palestra, pois o palestrante, inspirado

em Derby, falava “com a segurança de um feto arborescente”, isto é, como se a pré-história lhe

fosse íntima, numa alusão ao seu grande conhecimento. Era como se o cientista tivesse estado

presente naquela época, como se fosse testemunha ocular do descrito, tal era a precisão de sua

reconstituição do passado remotíssimo. Ele “diz e rediz” e a exposição, apesar dos imensos

conhecimentos do autor vai ficando monótona, a causar sono. Expressões tais como “diz e rediz”

e “vai e volta”, a repetição da palavra “gneiss”, não na boca da personagem palestrante, mas na

reconstrução do autor, parecem descrever um movimento pendular, que pode ser associado ao

uso do pêndulo pelos médicos hipnotizadores, sobretudo na Europa, ainda muito em voga na

época229

.

“Depois agarra os trilobitas, os amonitas, e mói, remói, tremói, pulveriza

os pobres bichinhos, digressiona, gesticula, sua: o amonita... porque o

trilobita... não obstante o amonita... bita... nita... e nita e bita, lá borbota

ele ciência pura, híspida, hirsuta, inexorável, num fluxo que berra por

tampões de percloreto de ferro”. (...). E a linfa científica a jorrar, a

jorrar durante quinze, trinta minutos, uma hora, hora e meia...”

(LOBATO, 1995, p. 92).

O cansaço tomava conta dos ouvintes, que começavam a embaralhar as palavras, a

misturar as rochas, não conseguindo mais articular à ideia central. O cientista continuava

empolgado, mas suas palavras pareciam não atingir mais a plateia despreparada. Sua fala era

229

O mais notável médico adepto da hipnose era o Dr. Charcot, de Paris, que descreveu a histeria. Segundo o próprio

Freud (1997), que foi aluno dele, a psicanálise em si teve início quando seu fundador deixou de usar a técnica

hipnótica e introduziu as “associações livres” como método para tratar neuroses, entretanto ainda demoraria para a

hipnose, enquanto método terapêutico, cair em desuso. Segundo Nelson Sena (2006) o imperador era admirador do

médico francês, que cuidou da saúde da família imperial brasileira, inclusive no exílio. Seus métodos, portanto, eram

conhecidos no Brasil.

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comparada a uma hemorragia que precisava ser estancada. As informações eram muitas e parecia

ser impossível aos ouvintes processá-las, devido à falta de conhecimentos básicos no assunto.

Nisso entra um casal, e sendo a mulher graciosa - uma tetéia -, acabou por atrair atenção dos

homens, que eram só sorrisos maliciosos. Porém, após alguns segundos, novamente o olhar recaía

sobre o cientista:

“Às dez e meia inda o corrimento paleontológico continuava copioso,

sem sintomas de exaustão. Sistemas sobre sistemas amontoavam-se,

induções sobre induções e hipóteses, num mascar monótono de realejo

elétrico. Nossas nádegas protestavam. Novos bocejos insolentes

amiudavam exigências: queriam sair já e já, queriam passagem franca,

bocas bem escancaradas - e nós lutávamos por conter-lhes a má-criação.

(...) E o chafariz científico a despejar.”230

(LOBATO, 1995, p. 93).

A fala incessante do conferencista tornava a palestra insuportável. Mas enfim chegou

o momento de alívio para os ouvintes: o cientista convidou a plateia exausta a examinar os

fósseis que estavam sobre a mesa. Nesse momento diz o narrador,

“o sábio penetrara no homem” [e toda a] “assistência aflui aos magotes

para junto à mesa a fim de examinar os bichos. (...) Todos comentavam,

queriam pegar, apalpar os fósseis, cheirá-los, prová-los.” (LOBATO,

1995, p. 94).

O alívio de todos os presentes foi generalizado:

“(...) Estrepitaram palmas, e após o uf! de ressurreição encheu o recinto

o sussurro do “à vontade”, das cadeiras recuadas, do frufrutar surdo dos

capotes enfiados, dos espreguiçamentos risonhos.

- Que gostosura, um fim de seca!”(LOBATO, 1995, p. 94).

Nada mais prazeroso para o caipira e fazendeiros de um modo geral do que o fim da

seca. As metáforas neste conto também foram tiradas do cotidiano rural, pois embora se tratasse

de um evento tipicamente urbano, seu público leitor não o era. E, finalmente, foram todos ver os

fósseis. A plateia, que não suportava mais a exposição verbal, agora se encantava com os objetos

exposto ao seu alcance. A relação com o cientista adquiriu outra característica quando ele mudou

230

Há, na literatura infantil, uma atualização de “chafariz” para “torneira” para descrever os jorros verborrágicos da

boneca Emilia. Lobato era atento aos progressos tecnológicos. Enquanto que o conferencista do conto era um

chafariz a jorrar conhecimento, Emília era uma torneirinha de asneiras. Tanto o chafariz quanto a torneira, enquanto

metáforas, transmitem a ideia de um fluxo continuo.

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209

seu método didático, que passou da exposição de conteúdos à demonstração231

, pois “Ao centro

da mesa o conferencista desfazia-se em amabilidades de caixeiro, fragmentando sua ciência e

distribuindo-a em pílulas”. (LOBATO, 1995, p. 94). Estava a fazer o que hoje chamamos de

dosagem do conteúdo.

Com os objetos em mãos, o público passou a interagir entre si:

“Com um estegossauro de palmo e meio seguro pelo cangote,

o sociólogo explicava ao pomólogo “de como pela restauração de Cuvier

se tinha ali um elo da vasta cadeia da evolução que Darwin descobrira”.

- Olhe, doutor - dizia ao filólogo -, olhe a baculite de

transição de que falei.

E para outro sujeito-.

- Já viu, doutor, o magnífico exemplar de hipurite que nos

veio de Berlim?”(LOBATO, 1995, p. 94).

A relação entre cientista e plateia passou a ser dialógica e desenvolveu-se a

cooperação e o diálogo não somente entre o conferencista e a plateia, mas também entre os

presentes, que deixaram de ser apenas ouvintes e se tonaram sujeitos ativos na aprendizagem. E

na sua ignorância, faziam um leve “samba do crioulo doido” misturando autores, rochas, eras

geológicas indiscriminadamente. Ou seja, ao interagirem entre si estavam expondo sua ignorância

em público! Deliciosa ironia.

Lobato, que sempre fora contra o ensino bacharelesco da época, talvez tenha lido

Dewey232

, criador da Pedagogia Ativa, também chamada de Escola Nova, bem antes do que se

imagina. Lobato levava a questão de um ensino centrado na vivência do aluno às últimas

consequências, a ponto de criar o “pirlimpimpim”, um pó mágico, que após ser inocentemente

cheirado233

, transportava suas personagens da literatura infanto-juvenil no espaço e no tempo.

Nessas viagens, eventos históricos, geográficos, mitológicos e fantásticos podiam ser mais bem

231

“Demonstração” dos processos produtivos era um método também comum no ensino agrícola. Ensinavam-se os

fazendeiros a manejar uma máquina mostrando-a em funcionamento. Ou a plantar de determinada maneira

mostrando-os como se fazia. 232

As experiências pedagógicas inovadoras de Dewey, na University Elementari Scool, da Universidade de Chicago

começaram em 1895. Seus livros Psychology of number, 1895; Interest as related to will, 1895; Ethical

principies underlying education, 1897; My pedagogic creed, 1897 e The school and the Society foram

publicados nos Estados Unidos até 1901, ano de publicação de “Gens Ennuyeux”. 233

A Rede Globo de Televisão, em sua versão televisiva do Sítio do Pica-pau Amarelo, suprimiu o tal pó da trama

para não estimular o uso de outro pó nada inocente pelos seus telespectadores infanto-juvenis.

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210

explicados, e entendidos com maior facilidade, pelas personagens que tomavam parte ativa do

conteúdo escolar.

Porém, suas conclusões neste conto não são pedagógicas, mas estão no campo da

ciência, mais especificamente na construção científica:

“Ciência e Arte nasceram para viver juntas, porque Arte é harmonia e

Ciência é verdade. Quando se divorciam, a verdade fica desarmônica e a

harmonia, falsa. Se este senhor sábio trouxesse pela mão direita a

Ciência e pela esquerda a Arte, para fundi-las no momento de falar, que

coisa esplêndida não faria de um tal tema! Trouxe uma só e por isso

maçou-nos, empanturrou-nos a alma de coisas duras, indigeríveis,

misturadas com mil pronomes fora dos mancais.” (LOBATO, 1995, p.

95).

Com certeza pensava num caminho de ida e de volta na relação entre ciência e arte: o

cientista deveria incorporar elementos da arte e o artista elementos da ciência e é isso que ele

pretensamente faz ao tornar a ciência acessível através da arte de contar uma boa história. O

auxílio da ciência permitia ao ficcionista construir uma história melhor, mais facilmente legível e,

deste modo, a atingir os cidadãos comuns. Estava, portanto, a propor a discussão da relação entre

a ciência e a sociedade; de como tornar a ciência acessível à sociedade. A arte auxiliaria a ciência

a ser mais comunicativa.

Isto posto, há que se retomar sua comparação com Euclides da Cunha, cuja escrita

baseava-se exatamente no consórcio entre ciência e arte, como demonstraram Santana (1998) e

Ferretti (2009). O primeiro estudando a relação entre geologia e literatura n’Os Sertões. O

segundo a historiografia, e a história já era entendida como ciência, presente n’Os Sertões. E,

nesse aspecto, quanta semelhança entre ambos!

O conto permite estabelecer mais diferenças e semelhanças entre Euclides da Cunha e

Lobato quanto ao uso da ciência na literatura. Ambos defendiam a incorporação da produção

científica pelo escritor de ficção e a necessidade de se promover uma ampla divulgação dela. A

diferença está na definição do publico alvo: Euclides da Cunha escreve para uma plateia culta,

então usa uma linguagem de difícil compreensão. Lobato, por outro lado escreve para o novo

público leitor, então faz uma transcrição literária da ciência para torná-la acessível a esse púbico,

conforme já mencionado. Ou seja, Lobato assumiu como bandeira a divulgação da ciência para

um público que não tinha acesso a ela.

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211

Em 3 de Dezembro de 1902, Euclides da Cunha escreveu uma carta a José Veríssimo,

que era proprietário da Revista Brazileira, e que foi o fiador do autor junto à editora na primeira

edição d’Os Sertões, respondendo-lhe a uma crítica feita ao seu livro, na qual o crítico assinalava

alguns erros técnicos. Para Euclides da Cunha os homens das letras tinham desprezo pela ciência.

Considerava que

“o consórcio da ciência e da arte, sob qualquer de seus aspectos, é hoje a

tendência mais elevada do pensamento humano, [que] o escritor do

futuro será forçosamente um polígrafo; e qualquer trabalho literário se

distinguirá dos estritamente científicos, apenas, por uma síntese mais

delicada, excluída apenas a aridez características das analises e

experiências” (CUNHA, apud GALVÃO, 1997, p. 144).

Nessa citação, é possível ser visualizada a relação entre ciência e literatura em

Euclides da Cunha. Como a análise produzida pelos cientistas é árida (para Lobato, são “coisas

duras, indigeríveis”), incumbiria, portanto, ao artista, amenizar a aridez do cientista e, dessa

forma, torná-la agradável prazerosa ao público leitor234

. Encontrava-se Euclides, portanto, a

pensar também na relação entre ciência e sociedade. Estava

“convencido que a verdadeira impressão artística exige,

fundamentalmente, a noção científica do caso que a desperta - e que,

nesse caso, a comedida intervenção de uma tecnografia própria se impõe

obrigatoriamente - e é justo desde que se não exagere ao ponto de dar um

aspecto de compêndio ao livro que se escreve, mesmo porque em tal caso

a feição sintética desapareceria e com ela a obra de arte.” (CUNHA,

apud: GALVÃO, 1997, p. 144).

O escritor, portanto deveria se munir do conhecimento técnico do assunto sobre o

qual desejava escrever, mas tomando o cuidado de não deixar seu livro parecido com um

compêndio. Está constatada, portanto, a definição do estilo euclidiano elaborada pelo próprio

autor. Ele fazia literatura. Não praticava apenas jornalismo, sociologia, história ou geografia. Mas

uma literatura que não podia deixar de lado o conhecimento científico. Sua inspiração é

234

Embora escrever de maneira menos árida que o cientista seja seu objetivo, sua escrita é não de fácil leitura.

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212

“Berthelot235

, (...) no memorável discurso com que entrou na Academia Francesa” (CUNHA,

apud: GALVÃO, 1997, p. 144)

A relação entre ciência e arte expressa no conto de Monteiro Lobato “Gens

Ennuyeux” e nas cartas de Euclides são, portanto, semelhantes. O conto de Lobato foi publicado

em 1901 e a carta de Euclides a Escobar também foi escrita em 1901, mas pouco depois, então

não se deve afirmar apenas que um influencia o outro. O que existe é uma identidade entre

ambos, baseada em uma concepção de literatura que faz uso da produção científica e uso de

fontes comuns. Há, evidentemente, um diálogo literário. Talvez, ambos, calcados também no

discurso de posse de Berthelot na Academia Francesa de Letras.

Em síntese: ambos os autores dialogavam entre si por partilharem da mesma

concepção sobre a relação entre ciência e literatura e, num diálogo fecundo, se influenciavam

mutuamente, não obstante a influência de Euclides sobre Lobato seja maior. O escritor de ficção,

para ambos, deverá se valer do conhecimento técnico e científico para construir sua obra literária.

Numa sociedade agrícola como a brasileira, numa fase de transição entre dois sistemas políticos

(da Monarquia para República) e duas formas de organização do trabalho (da escravidão para o

trabalho assalariado), com imigração estrangeira, com progresso convivendo com a decadência, a

realidade fornecia elementos férteis para construção, e a recepção positiva na sociedade, desse

tipo de literatura.

A produção da CGG, com seus boletins científicos especializados, a Revista

Agrícola, a Revista do Museu Paulista e, um pouco mais tarde, o Boletim da Agricultura,

publicado pelo Instituto Agronômico de Campinas partir de 1900 e a Revista do Centro de

Ciências, Letras e Artes, de Campinas forneceram a produção científica que Euclides da Cunha

e Lobato necessitavam para construir sua obra ficcional. Afinal, não é possível ser classificar

235

Pierre-Eugène-Marcelin Berthelot (1827 - 1907) Médico, químico, botânico, filósofo e político francês. Tornou-se

membro da seção de físico-química da Académie de Médecine (1863) e da seção de física da Académie des Sciences

de Paris (1873), substituindo Louis Pasteur no cargo de secretário perpétuo (1889). Também se tornou membro da

Sociétés de Philomatique (1855), de Biologie (1855), e da d'Agriculture de France (1883) e das principais academias

e sociedades cientificas estrangeiras. Foi eleito para Academia Francesa (1901). Escreveu Science et Philosophie

(1886), obra que deve ter também influenciado Euclides.

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213

esses autores como sendo cientificistas, sem especificar qual era a produção científica que eles

usavam.

Conclusão, não resta dúvida que em Lobato traçou um perfil de Derby nos dois

contos analisados, embora o caminho para se chegar a essa conclusão tenha sido tortuoso, por não

haver referências explícitas ao geólogo da CGG em sua obra. Também foi possível ampliar o

inventário das semelhanças e diferenças entre Euclides e Lobato ao se abordar a relação entre

ciência e arte presente em ambos.

Em seguida passar-se-á à análise da percepção que Lobato tinha a respeito dos

trabalhadores nacionais, expressas nos contos “Velha Praga” e “Urupês”, que o tornaram

conhecidos. Tentar-se-a detectar a presença da literatura científica da época nesses contos.

6.3 Monteiro Lobato e os trabalhadores nacionais.

Os estudos do território realizados pela CGG traziam à baila seus habitantes,

sobretudo os realizados, por Ihering sobre a defesa da fauna e da flora, não só fazendeiros

titulados ou não, mas também os trabalhadores, seja na condição de imigrantes estrangeiros ou

trabalhadores nacionais, que formavam o contingente necessário para o trabalho na lavoura

cafeeira e em outras atividades (desmatamento, queimadas, pecuária, construção civil,

capangagem etc.).Os, os estudos sobre o território e a natureza eram são também estudos sociais.

Para Regina Horta Duarte (2005, p. 156) é “certamente um erro considerar a biodiversidade

separadamente da socio-diversidade que a povoa.”. Ao lado da natureza exuberante, com

frondosas árvores ou em campos devastados e

“Paralela à variedade de espécies [na natureza], há uma variedade da

experiência humana: reconhecer isso implica em uma postura

diferenciada, que ultrapasse a visão da preservação de uma floresta

imaginariamente “intacta,” ou seja, uma floresta tal como ela não existe

(DUARTE, 2005, p. 156)

É sob esse prisma, que será analisada a controvertida figura do caipira: o da relação

homem natureza, sendo o caipira um agente transformador dela. Porém o caipira não está sendo

pensado somente do aspecto da relação homem e ambiente, mas do ponto de vista da ciência, ou

seja, da agricultura científica, que estava a implantar a tecnologia no campo. Como a ciência via

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214

esse caipira? Que fazer para torná-lo alguém aproveitável pela nova agricultura? Antonio Gomes

do Carmo, do Instituto Agronômico de Campinas, dentre outros 236

, estava a refletir sobre o tema,

e acabou, muito provavelmente por inspirar Lobato na criação de seu Jeca Tatu.

No século XIX o caipira enquanto ator social era praticamente ignorado e tratado com

preconceito ao longo de todo o período. Na literatura produzida por viajantes estrangeiros foram

descritos de forma depreciativa, assim como pelos exploradores brasileiros. A título de exemplo,

podemos citar o Major João Severiano da Fonseca a respeito dos mineradores de diamantes para

quem “(...) o resultado [da extração] dá-lhes sempre para passar uma semana ou duas, de

gáudio, bebendo restilo e tocando viola.”. (FONSECA, 1880 -1881, p. 144). Ou sobre os

lenhadores:

“Se ainda abundam e avultam os ipês, peiúvas na província, não é

porque sejam pior combustível, mas por embotarem os machados e

cansarem o braço dos lenhadores. Quanto mais escasso for o outro

material de carvão, o quebracho, o quebra machado dos espanhóis, será

derrubado em tanta cópia quanta se apresente; só a preguiça [dos

lenhadores] o têm poupado até agora.” (FONSECA, 1880 -1881, p. 152-

153).

Para esse autor, portanto o trabalhador nacional era preguiçoso e vadio.

Marcelo Lapuente Mahl (2007), inspirado em Pierre Mombeig237

, é um dos poucos a

reconhecer que a expansão cafeeira não ocorreu num vazio demográfico. Demonstrou que o

sertão paulista foi povoado por migrantes mineiros que não encontravam mais o suficiente na

mineração do ouro, por aqueles que fugiam das perseguições causadas pela Revolta Liberal de

1810 e por gente fugindo da convocação para lutar na Guerra do Paraguai. Havia também

“grileiros, aventureiros, pistoleiros e foragidos da justiça” (MAHL, 2007, s/n), que praticavam a

agricultura de subsistência e a criação de suínos, da forma tradicional. Ou seja, havia os caipiras

nas áreas tradicionalmente povoadas e também naquelas ainda não ocupadas pela grande lavoura

de exportação.

236

Ernest Leman e Dafert, por exemplo. 237

MONBEING, P. Pioneiros e fazendeiros em São Paulo. São Paulo: Hucitec; Editora Polis, 1984. 392p.

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215

Do ponto de vista da transformação do caipira em alguém útil para agricultura de

exportação, há uma proximidade muito forte entre a caricatura que inicialmente Lobato fez do

Jeca Tatu em “Velha Praga” e o pensamento de Antônio Gomes do Carmo, que representava o

que o senso comum do que os fazendeiros pensavam a respeito dos trabalhadores rurais

nacionais, divulgado no livro a Reforma da Agricultura Nacional, de 1897. Vale destacar que

Carmo foi um dos donos da Revista Agrícola e que esse seu livro fez muito sucesso e que

posteriormente foi chefe da seção agronômica da Estação Agronômica de Campinas, hoje

Instituto Agronômico. Carmo, assim como Lobato, expressava a visão que os fazendeiros tinham

do caipira. Primeiro será feita uma apresentação e análise do pensamento de Antonio Gomes do

Carmo sobre os caipiras e algumas reflexões sobre o Jeca Tatu, sobre o qual não há necessidade

de se ater, pois é sobejamente conhecido.

Carmo (1897), ao descrever as dificuldades encontradas pelo fazendeiro daquela

época para contratar mão de obra para o trabalho nas fazendas, explicitou os motivos pelos quais

os produtores rurais não deveriam contar com o uso de jornaleiros (os trabalhadores nacionais

contratados sazonalmente) e concluiu que o uso de modernos maquinários agrícolas, dos quais

ele era vendedor, era a solução mais sensata e eficiente; a que menos infortúnios trariam e a que

proporcionaria maiores ganhos monetários. Defendia, portanto, a aplicação de tecnologia no

campo. Curiosamente, mesmo tendo uma visão negativa do trabalhador rural, Lobato não fez

uma defesa explícita do uso de maquinário agrícola como forma de substituí-lo. Talvez a tenha

feito em alguma crônica que esteja esquecida. Ou esse pesquisador não o leu com suficiente

atenção.

O fato de haver reservas quanto aos trabalhadores nacionais, não significa dizer que

com os imigrantes fosse diferente. As relações entre as classes não era exatamente cordial.

Vejamos a visão que o trabalhador italiano Vicenzzo Grossi, que conheceu Martinho Prado

pessoalmente falava a respeito do assunto:

"him a curious mixture of "audacious initiative, independence and

adventurous-ness" with what Grossi considered the defects of the

fazendeiros: "the feudal spirit, haughtiness and greed." He was

particularly struck by Prado's "stinginess’, indifference and cynicism"

toward his workers, whom he allegedly considered nothing more than

"instruments of labor." In short, according to Grossi, Martinho Prado was

a combination of "the great and the mean, the chivalrous and the

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216

bourgeois...at times a precursor, at times a retrograde, but never a

martyr.”(HALL, 1972, p. 84).

Tanto em Gomes do Carmo, quanto em Lobato, pode-se encontrar essas

características dos fazendeiros apontadas pelo trabalhador italiano: percebe-se no texto de Carmo

e quanto no conto “Jeca Tatu” de Lobato, a mesma indiferença em relação aos trabalhadores:

ambos não apenas instrumentos de labor, embora tanto um quanto o outro posteriormente

passassem a regeneração dos trabalhadores nacionais pela educação e pela higiene (esta última

somente em Lobato).

O problema central a ser enfrentado pelos proprietários rurais quando iam contratar

um jornaleiro era que o trabalhador rural nacional livre não era disciplinado no exercício do

trabalho, isto é, não era preparado, ou suficientemente treinado, para trabalhar no campo, daí as

dificuldades encontradas pelos fazendeiros contratantes de mão de obra.

De acordo com Carmo (1897), a via crucis do fazendeiro na busca de mão de obra, de

um jornaleiro ou, pejorativamente, de um “enxadeiro”, começava quando ele, ou alguém a seu

mando, saía à procura de trabalhadores batendo de porta em porta na casa de cada roceiro, que

apesar de proprietário de um pedaço de terra, também vendia sua força de trabalho mediante um

contrato verbal.

Carmo considerava esse duplo papel de pequeno camponês e de jornaleiro que o

trabalhador rural exercia um “pernicioso mal, desde que só se tenha em vista a organização e

disciplina do trabalho rural.” (CARMO, 1897, p. 39). O Agrônomo mineiro reclamava que esse

mal era proveniente do tempo em que havia um grande número de agregados nas fazendas, mas

que estes eram, em última instância, sustentados pelo trabalho dos escravos, daí a indisciplina dos

pobres, que acabaram por não se disciplinar no exercício do trabalho porque não o praticavam.

Queixava-se também da ausência de “repressão da vagabundagem”, das deficiências

da “colonização do solo nacional”, da falta de “instrução profissional agrícola e outras medidas

capazes de facilitar a substituição do braço por máquinas e animais de trabalho” (CARMO,

1897, p. 39). Ou seja, as tarefas em direção à implantação científica eram grandes e difíceis, pois

“nada se fez para organizar-se o serviço rural executado por homens livres” e conclui que em

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217

“suma quase que se pôde dizer que, durante todo o tempo da luta [pela abolição da escravidão],

só apareceram demolidores, jamais reformadores238

“ (CARMO, 1897, p. 39). A luta à qual o

autor se refere é a abolição da escravidão. Para ele, a abolição foi feita, mas não pensaram em

outra forma de viabilizar a agricultura com o uso do trabalho livre. O jornaleiro da Belle Époque,

para ele, era o “escravo de ontem e o caipira [de 1897]” a executar tarefas agrícolas para as quais

não estavam preparados.

Qualificava a contratação de um “enxadeiro” como sendo um suplício e uma

humilhação para o fazendeiro, que começavam quando ia

“o lavrador ou empregado seu de palhoça em palhoça, rogando e

implorando os serviços de todos os caipiras que conhece. Então roga,

suplica e desvasia [sic] a bolsa com antecipação, na expectativa de ver

reunido número avultado de enxadeiros; mas ilusão, no dia aprazado

nem a metade comparece!” (CARMO, 1897, p. 40).

A descrição é evidentemente exagerada por tratar-se de um texto planfetário em

favor da agricultura moderna e de propaganda de maquinário agrícola. O objetivo de seu livro é

convencer os fazendeiros sobre as vantagens do uso de dessas máquinas. Os caipiras, muito

provavelmente, não enjeitavam serviço nessa proporção e, a seguir o código de ética informal do

sertão, orgulhavam-se da palavra empenhada, portanto não deixariam de comparecer ao trabalho

em tão grande número.

E o fazendeiro, continuava a reclamar:

“Só nisso [eram] três perdas distintas: perda de tempo e na procura de

jornaleiros, perda de dinheiro, perdas de gêneros destinados aos homens

contratados, mas que faltaram. Perdas sobre perdas, e mais perdas!”

(CARMO, 1897, p. 40).

238

Certamente desconhecia a obra de André Rebouças, A agricultura Nacional, de 1878, que discute exatamente

alternativas para agricultura num futuro Brasil sem escravos, mas muito provavelmente conhecia Revista Agrícola

do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura. Aliás, para Begonha Bediaga (2011, p.203), a “sua criação insere-

se no contexto de fundação dos demais institutos agrícolas e de criação do Ministério de Agricultura, Comércio e

Obras Públicas (Macop) em que o Estado imperial buscava, assim, compensar os proprietários rurais dos efeitos

causados pelo fim do tráfico de escravos e pela implantação da Lei de Terras e amenizar a insatisfação que as

medidas do governo estavam causando”.

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218

A lógica do autor é a de que se esses homens pudessem ser substituídos por máquinas

não haveria tantos prejuízos e humilhações. Mas, com aqueles poucos caipiras prestativos que

compareciam ao serviço no horário combinado, antes do início das tarefas, o fazendeiro sofria

“mais humilhação e prejuízos”:

“O nosso enxadeiro jamais chega à casa do patrão antes das

7 horas da manhã.

Aí chegado, não dispensa o café, sem o que não dará começo

ao serviço.

Uma vez no eito, puxa da faca, pica o fumo e prepara o

clássico cigarro, e, tragando algumas fumaças em seguida as respira,

acompanhando com o olhar as espirais que ascendem às alturas. Sacra

beatitude!

Isto feito, persigna-se maquinalmente, a fim de evitar cobras

e espinhos, e só então fere com a enxada a terra!” (CARMO, 1897, p.

40).

Ao descrever os rituais dos trabalhadores, lança um olhar extremamente depreciativo

sobre eles. Não se deve esquecer que trabalhavam descalços e que contra cobras e espinhos

somente poderiam contar com a proteção divina, aliás, nem sempre efetiva. Não ocorria ao

fazendeiro, acostumado a lidar com escravos, a cessão de botas ao trabalhador para evitar esses

riscos e minimizar o problema. O cigarro era um hábito oriundo dos americanos nativos, de

tradições arraigadas, um dos poucos prazeres acessíveis ao caipira239

. As restrições ao cigarro no

mundo do trabalho somente começaram a ganhar força em tempos muito recentes com o

argumento dos malefícios causados pelo tabaco à saúde do trabalhador. São argumentos válidos,

porém trazem consigo aspectos não ligados à saúde: além da perda de tempo, já reclamada por

Carmo em 1897, a pausa para o cigarro atualmente é um momento de sociabilidade, onde são

articuladas as relações solidárias da classe, inclusive as greves.

A labuta do “enxadeiro” prosseguia: terminados os trabalhos no primeiro eito, ele

sentava-se para tirar espinhos, que o autor diz serem “imaginários”, ou seja, seria apenas um

pretexto para descansar. Logo

239

Guimarães Rosa, em a Hora e a Vez de Augusto Matraga, assim descreve a sensação de sal personagem-título,

que após longa abstinência forçada, ao fumar um cigarro: “(...) Tirou umas tragadas, soltou muitas fumaças, e sentiu

o corpo se desmanchar, dando na fraqueza, mas como uma tremura gostosa, que vinha até ao mais dentro,

parecendo que a gente ia virar uma chuva fininha.” (ROSA, 1996, p. 30). Sua descrição se assemelha a um

relaxamento ou a um êxtase místico. O tabaco é usado em rituais indígenas (catimbó e pajelança) e nos cultos

sincréticos afro-brasileiros em suas diversas variantes.

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219

“às 9 da manhã vem o almoço, que em regra compõe-se, além de outras

iguarias, de carne, feijão, arroz, e angu. Bem almoçado, jamais dispensa

o café e o imprescindível cigarro. Recomeça o serviço, interrompido

sempre de alguns minutos: de descanso, destinados à confecção do

cigarro, extração de espinhos, satisfação das necessidades corporais.”

(CARMO, 1897, p. 41).

Pode-se perceber, com segurança, que o autor exigia para os trabalhadores na lida,

que não se mostrava fácil, nem amena - mas ingrata, sob o tórrido sol tropical240

, um ritmo de

trabalho para o qual eles não estavam preparados. Outra possibilidade seria o fato de estarem

praticando uma resistência passiva ao ritmo de trabalho imposto pelo contratador.

“Em resumo, o enxadeiro começa o serviço das 8 as 8 e meia da manhã,

das 9 as 10 almoça, entre 10 e 11 mata o bicho, ao meio dia toma café e

descansa, em quanto faz e fuma um cigarrinho, as 2 nova dose de

aguardente, as 3 jantar seguido de sobremesa, aguardente e café, as 4

recomeça o trabalho, para suspendê-lo entre 5 e 5 e meia da tarde.”

(CARMO, 1897, p. 41).

Ao decompor minuciosamente a jornada do jornaleiro, Carmo mostra ser ele um

trabalhador indisciplinado, portanto, improdutivo, e que sai caro causando prejuízos ao lavrador,

termo usado para designar os proprietários. A jornada em termos de trabalho efetivo se resumia a

seis horas diárias e salário de dois mil réis era “realmente excessivo, atendendo-se a quantidade

de trabalho efetuado”. Em seguida, conclui que a posição do fazendeiro brasileiro “não é de

modo algum invejável, forçoso é convencer-se! Incerteza, subserviência e prejuízos, eis a fatídica

trindade que a sorte lhe outorga.” (CARMO, 1897, p. 41).

Esse retrato do trabalhador nacional, embora parecido com tantos outros, é inovador

para a época. O autor o construiu em função da nova realidade histórica que se apresentava então,

qual seja, a abolição do trabalho servil e as perspectivas de utilização de máquinas agrícolas. A

atividade de “enxadeiro”, devido ao uso de maquinário agrícola, era uma forma de trabalho

condenada lentamente a desaparecer.

A representação do “enxadeiro” feita por Carmo é a de um proscrito, de alguém

condenado à extinção, isto é, não dele enquanto indivíduo, mas do seu modo de vida, que deverá

240

Murari, 2002, p. 178.

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220

desaparecer. Em outras palavras, o “enxadeiro”, enquanto categoria social, tornar-se-ia

desnecessário em função dos novos tempos. No final do século XIX, ele se tornou uma figura

anacrônica, remanescente de um tempo histórico que já havia sido superado. Embora Carmo

traçasse uma visão desfavorável do caipira, foi uma das poucas vozes a se levantar contra a

imigração. Dizia não haver falta de braços no país, mas mau aproveitamento deles. Nisso reside a

semelhança entre Carmo e Lobato: ambos caricaturavam os caipiras negativamente em princípio,

mas ambos convergiam no sentido de apostar em sua regeneração através da educação e do

higienismo. E o faziam em nome da modernização da agricultura.

Quanto à representação da imagem do caipira elaborada por Lobato, há uma

discordância com leitura que Lúcia Lippi de Oliveira (1998) fez dela. A autora estabelece uma

relação de continuidade entre a denúncia do descaso das elites para com o sertanejo que fazia

Euclides n’ Os sertões e Lobato para com os sertanejos do sul.

Conforme já demonstrado a influência de Euclides sobre Lobato é inquestionável,

todavia no que se refere a especificamente a construção do Jeca Tatu, a inspiração de Lobato

talvez provenha de Carmo Antonio Gomes do Carmo (e da Revista Agrícola) e de Hermann

Von. Ihering e não de Euclides da Cunha, que não fez do sertanejo uma caricatura grosseira, ao

contrário, o tratou com respeito ao ponto de se considerar seu advogado. O Jeca de Lobato era

preguiçoso, ignorante e sem ambição, assim como os jornaleiros de Antonio Gomes do Carmo.

Para Euclides, o sertanejo era antes de tudo um forte, um caboclo titânico. Os caipiras do Vale do

Paraíba eram desfibrados devido à decadência econômica da região.

Maria Sylvia de Carvalho Franco (1997) nos mostra que a sobrevivência241

do caipira

no Vale do Paraíba enquanto categoria social, mesmo após a restrição do tráfico de escravos242

,

se devia às próprias características da lavoura cafeeira, que não ocupava a terra exaustivamente

(ou intensivamente, dir-se-ia hoje) por falta de mão de obra e por ser uma cultura onerosa, que

241

Ao comentar a sobrevivência, literalmente falando, do caipira, Dean ficou surpreso com o “extraordinário e

contínuo aumento demográfico [que] deve ser atribuído principalmente aos úteros das mulheres brasileiras, que

heroicamente sobrepujavam o ritmo da morte por malária, tuberculose, enterite, esquistossomose, doença de

Chagas, picadas de cobra, tiroteios e milhares de outros males e perigos” (DEAN, 1996, p. 207). 242

O modo caipira sobreviverá mesmo após a proclamação da República. Clayton Silva (2009, s/n) sugere que

somente na década de 20, o uso de maquinário agrícola será incorporado efetivamente pelos fazendeiros. Isto é, que a

agricultura moderna se efetivará.

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demorava anos para se formar e a exigir que se carpisse duas vezes por ano. Desse modo, ela

deixava espaço físico em seu interior para sobrevivência de trabalhadores rurais cultivando em

terra alheia sem serem incomodados, com condição de agradar ao senhorio, senão poderiam ser

“tocados”243

, isto é, expulsos de maneira violenta.

Como os caipiras eram obrigados a se mudarem constantemente, deslocando-se para

outra propriedade, seja em função dos atritos ou do desgaste do solo, possuíam somente bens que

eram passíveis de serem carregado numa mudança, geralmente feita às pressas, daí a falta de

mobília em suas casas, que tanto impressionara Lobato no conto “Urupês”. São com essas

relações de dependências pessoais que Carmo quer romper, ao caracterizá-las como danosas ao

fazendeiro. Carmo não é contra o modus vivendi caipira, mas contra o aproveitamento dele

enquanto mão de obra pela agricultura por ser ele indisciplinado, instável, pouco produtivo, além

de causador de prejuízos e aborrecimentos. Quer a relação impessoal de um contrato capitalista

de compra e venda da força de trabalho, no qual a única relação com o fazendeiro é o próprio

contrato. E isso estava em sintonia com aqueles que defendiam uma imigração na qual o

imigrante tornar-se-ia proprietário de um lote de terra.

Outra forma de sobrevivência do caipira enquanto categoria social no Vale do

Paraíba, segundo Franco (1997), era como pequeno sitiante, que se relacionava com o fazendeiro

de forma semelhante ao agricultor sem terras. O que regulava a relação entre proprietários e esses

camponeses era a cordialidade, e os fazendeiros por vezes chegavam a realizar papel de pai. Por

sua vez, os caipiras e sitiantes tinham de acatar as determinações do fazendeiro, sob pena de

sofrer sanções.

O camponês retratado por Carmo não corresponde literalmente àquele descrito por

Lobato, por ser proprietário e estar fixado a terra. Os jecas-tatus que causavam estragos nas matas

virgens da fazenda de Lobato eram trabalhadores rurais cultivando em terra alheia244

. Entretanto,

243

Expressão usada por Monteiro Lobato, que “tocou”, num momento de ira cega os jecas-tatus que botavam fogo

em sua fazenda naquele ano pirotécnico de1914: “Impossibilitado de agir contra eles por meio da justiça, o pobre

fazendeiro limitou-se a "tocar" alguns que eram seus agregados” (LOBATO, 1994, p. 158). 244

O senso comum literaliza a leitura de Lobato quando ele diz que o Jeca vivia do que a natureza lhes dava e os

qualifica como um “coletor” a viver como os homens do paleolítico. O preconceito, ainda hoje, é tão grande que

retiraram dele a condição de trabalhador agrícola.

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222

nada parece indicar que se o sitiante do Vale do Paraopeba, em Minas Gerais, onde Carmo era

fazendeiro, fizesse roças apenas em sua propriedade, que devido ao fogo e erosão ficariam

inutilizadas em pouco tempo, o que obrigava o sitiante a cultivar também em terra alheia usando

os métodos rotineiros de agricultura. Portanto, ambos os tipos de camponeses, os agregados e os

pequenos proprietários eram fazedores de desertos.

Nas crônicas de Euclides sobre o Vale do Paraíba é impossível precisar a respeito de

qual caboclo ele refere, se ao sem terra ou ao sitiante. Na sua obra sobre o Vale não há muita

importância reservada ao caboclo. Preferia se fixar nos reais sujeitos da degradação ambiental, os

fazedores de desertos, que eram o café e a ferrovia, nas pessoas de seus fazendeiros e capitalistas,

respectivamente. Nos artigos de Euclides aqui analisados, os caboclos outrora “titânicos”,

aparecem como vítimas de doenças (malária), da degradação ambiental. Os sertanejos do interior

ganharam em Euclides um “advogado”. Se Euclides não advoga pelos camponeses do Vale do

Paraíba, ao menos não os condena, embora os considere em sua ignorância, sujeitos às crendices

religiosas e outras superstições.

Derby, Löfgren e Sampaio não caracterizam os camponeses de sua época. Ihering

(1902) tinha uma visão bastante semelhante à de Lobato, mas apenas se referiu aos pobres dos

arredores da cidade de São Paulo, que no início do século XX ainda tinha características de

cidade interiorana, quando tratou da proibição da caça para o comércio. Como medida de

coibição à caça reivindicava a criação de uma lei que proibisse venda de pássaros silvestres nos

mercados, seja como alimento, como aves ornamentais ou como canoras, pois

“parte dos passarinhos que se vendem nos mercados não só caçados mas

capturados com redes e arapucas pelos caipiras, abuso que cessará logo

que os pássaros não sejam vendidos como caça nos mercados.”

(IHERING, 1902, p. 243).

A caça, nos arredores da capital, era “exercida por gente ociosa das classes inferiores

e por malandros”245

e no interior do estado, por “gente ordinária” (IHERING, 1902, p. 244).

Como se vê a imagem do caipira para ele não era nada positiva.

245

Para Dean (1996, p. 246), a lei sobre a proibição da caça do período era “aparentemente dirigida de maneira

dissimulada aos imigrantes italianos - cujo costume de caçar pássaros para alimentação era um dos muitos que a

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223

Os colonos estrangeiros, assentados como proprietários em áreas a eles destinadas

pelo governo, se portavam como os caipiras nacionais, fazendo queimadas, extraindo madeiras,

fabricando carvão, praticando a caça para o mercado, dentre outras práticas lesivas ao meio

ambiente, também mereceram as críticas de Ihering, pois estavam destruindo as florestas, como,

por exemplo, na colônia de Nova Odessa, onde havia inúmeras matas

“(...) Uma colônia à qual faltem matas não tardará a sofrer; de modo que

o interesse do governo exige que elas, ao menos em parte, sejam

conservadas nas colônias. (...) Na colônia de Nova Odessa, mensalmente,

mil metros cúbicos de lenha são vendidos à Companhia Paulista, pelo

preço de 3$000 réis cada um. Com tal preço a lastimável devastação nem

ao menos corresponde a um lucro razoável dos colonos. Quem é mais

prejudicado com tudo isto é o Estado, que já tem caipiras em número

suficiente para a terrível destruição e não precisa subvencionar uma

imigração estrangeira para que lhe venha acabar com as matas

restantes” (IHERING, 1911, p. 489).

Ihering se rebelava contra os destruidores da natureza, tanto das aves, quanto das

florestas. Lobato faria o mesmo em “Velha Praga”.

Esse texto de Ihering deve ter sido lido por Lobato. Além dos protestos contra

imigrantes e caipiras, há nele também a constatação que no distrito de Alto da Serra, em

Paranapiacaba, SP, na Serra do Mar, onde ele possua uma Reserva Florestal particular, que

posteriormente doou ao Estado em 1912, vivia uma situação muito semelhante a que Lobato

sofria na Mantiqueira de 1914. Estava a ser invadida “por lenhadores e intrusos que iam fazendo

suas roças e vendendo madeiras” (IHERING, 1911, p. 492). O que implicava também nas

queimadas e ocupação ilegal. Ihering cobrava providências do Estado no sentido de coibir a

ocupação de terras de pouca serventia para a agricultura, do mesmo modo, mais tarde Lobato

exigirá contra os Jecas pirotécnicos. 246

classe média nativa desdenhava.”. Segundo Keith Thomas, “em última instância, a pobreza quebraria a maior parte

das inibições.” (THOMAS, 2010, p.76). Comer pássaros considerados impróprios para o consumo era hábito na

Itália constado por viajantes ingleses em séculos anteriores, que notaram que “os italianos, na falta de comida,

comiam estorninhos e outros pássaros que encaramos como insalubres” (THOMAS, 2010, p.77). Sobre a

“hecatombe” das aves no início do período republicano, ver Regina Horta Duarte (2006) Pássaros e cientistas no

Brasil: em busca de proteção, 1894 - 1938. 246

Também nesse artigo, Ihering se colocava contra venda de terras pelo Estado por valores bastante abaixo daqueles

praticados pelo mercado e contra os especuladores que, de posse de documentos falsos, vendiam terras que não lhes

pertencia. A esses Lobato chamará de “grileiros”, e os combatera pela imprensa com veemência. Até onde esse

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Inspirada na produção científica da época, sobretudo da produção da CGG, que

visava um conhecimento profundo do território paulista em seus mais diversos aspectos e não

apenas territorial, a produção literária de Lobato se tornou portadora de uma missão: denunciar o

atraso social e cultural do caipira. Não o valorizava inicialmente, senão não faria dele uma

caricatura cruel. Mas desejava sua regeneração.

Para Lucia Lippi de Oliveira, conforme já visto

“denúncia do descaso e irresponsabilidade das elites para com o

sertanejo do norte, inaugurada por Euclides, teria sido continuada por

Monteiro Lobato ao denunciar o abandono do sertanejo do sul, o caipira,

caricaturado na figura do Jeca Tatu.” (OLIVEIRA, 1998, p. NE).

Em Lobato, o caipira foi inicialmente caricaturizado o em seu desvalor, em seus

aspectos negativos247

. Não há indícios nos seus textos anteriores a 1918 de que o homem

interiorano, seja do meio rural ou urbano, seja apresentado de forma positiva248

. Ele o vê mais

como um degenerado, preguiçoso, um ignorante sem iniciativa, e parece culpá-lo pelos seus

males. Para denunciar o descaso das autoridades para com eles, como quer Lippi, não haveria a

necessidade de desqualificar o sertanejo do sul. O que Lobato fez, na verdade, inspirado em

Ihering e Antônio Gomes do Carmo, foi apresentar a visão carregada de preconceitos que os

fazendeiros tinham do caipira. Mais tarde, a partir de 1918, estes pontos de vista tão negativos

serão revistos pelo autor por influência da Liga Higienista e, sobretudo, de sua amizade com

Arthur Neiva.

Euclides da Cunha percebeu as dificuldades de sobrevivência que meio da caatinga

impunha ao sertanejo e o cotidiano de dominação e de violência que pesava sobre os sertanejos

no sertão da Bahia, onde além do exercito republicano, jagunços e cabras se faziam presentes, e

repudiava essa opressão, tanto a do meio físico, como a social, tornando-se advogado de suas

personagens. O fato de Lobato inicialmente ignorar as injustiças e as violências cotidianas

apontadas por Franco (1997) no Vale do Paraíba, estabelece uma diferença marcante entre ele e

pesquisador tem conhecimento, Ihering foi o primeiro a associar grilagem e devastação das florestas, ou mesmo a

exigir providência contra essa prática. 247

O Jeca Tatu, que é sua personagem mais conhecida, apareceu nos contos “Velha Praga” (1914) e “Urupês”

(1917). Porém em muitos dos contos que compõem os livros Cidades Mortas e Urupês, as personagens principais

também são caipiras caricatos. 248

Por exemplo, no conto “Café! Café!” O caipira é apresentado como alguém que vegetava aos pés dos morros.

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Euclides da Cunha, pois o papel auto-atribuído de advogado dos sertanejos, é ponto bastante forte

na obra do segundo. Para o Lobato ainda não influenciado pelo higienismo, o sertanejo era o

piolho da terra.

Ainda precisará alguns anos para Lobato perceber que o Jeca Tatu não era um

degenerado. Que ele estava assim, mas que ele não era assim, que se tratava de uma questão

político social, portanto não natural. Segundo Nísia Trindade Lima (1999), isso ocorrerá ao

estudar as propostas higienistas em O problema vital249

e depois dele visitar a propriedade

agrícola dos monges trapistas250

, na qual os trabalhadores nacionais se mostraram tão produtivos

quanto os imigrantes estrangeiros. Ficou encantado ao vê-los manipulando as máquinas da

agricultura moderna. Com sua capacidade de, depois de receber um mínimo de cuidados com a

saúde, de aprender com a experiência no próprio trabalho. Isso aconteceu porque receberam casas

higiênicas, tratamento médico e alimentação adequada. A partir de então, Lobato verá o Jeca Tatu

como um homem doente e vitima do autoritarismo dos políticos e da falta de educação, bem

como do bacharelismo das elites, que envolvia o país em discussões desconectadas da solução de

problemas nacionais.

Lobato, embora valorizasse o progresso, o que implicava na valorização da ciência,

da agricultura moderna, da educação, e também, posteriormente, do petróleo, do ferro e da

industrialização, realizou poucos estudos científicos. Até onde se sabe, até 1918, somente havia

desenvolvido estudos para poder identificar quais eram principais doenças que acometiam os

brasileiros na ocasião. Embora não tenha se envolvido diretamente em estudos, ele, com certeza,

lia a produção científica brasileira da época. Era bacharel em Direito, não cientista.

249

Que começou a ser publicado no jornal O Estado de São Paulo desde 1918. 250

Lobato acompanhava assiduamente o trabalho desses monges, desde meados de 1907. Em carta a Godofredo

Rangel, de 7 de julho de 1907, comentava: “Portei em Taubaté, e com o Eugênio de Azevedo fui de bicicleta ver um

negocio na fazenda dos trapistas - futura Abadia da Maristela, e retornamos com 30 quilômetros marcados nos

ciclômetros.” (LOBATO, 1959, p.172). A Fazenda Paraíso, de seu pai era visinha da fazenda dos padres.

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226

6.4 Lobato e a Policultura.

No conto “Café! Café!”, Lobato brilhantemente discutiu a crise de superprodução

cafeeira do início do século XX e a consequente queda nos preços do produto e fez a defesa da

policultura, apontada como necessidade por Derby e bandeira da SPA e meta da Secretaria da

Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo.

Começa a história por apresentar as queixas dos fazendeiros contra governo

“(...) E este governo, santo Deus, que não protege a lavoura, que não

cria bancos regionais, que não obriga o estrangeiro a pagar o precioso

grão a peso de ouro!

E depois não queriam que ele [a personagem centra] fosse

monarquista... Havia de ser, havia de detestar a república porque era ela

a causa de tamanha calamidade, ela com seu Campos Sales de

bobagem.” (LOBATO, 1995, p. 159).

Este conto faz uma reflexão sobre o conservadorismo dos cafeicultores do Vale do

Paraíba, que formaram por muito tempo a base de sustentação do reinado de D. Pedro II. Com a

crise da lavoura no início do século XX eles passaram a reviver as velhas ideias de retorno do

regime monárquico, que havia coincidido com a era de fausto econômico do Vale. As

reivindicações de amparo por parte do Estado durante a crise eram, porém, comuns a todos os

fazendeiros de São Paulo.

A personagem central de seu conto, o major Mimbúia251

“Todo ele recendia a passado e rotina. Na cabeça já branca habitavam

ideias de pedra. Como essas famílias de caboclos que vegetam ao pé dos

morros numa casa de palha, cercada de taquara, com um terreirinho,

moenda e o chiqueiro e toda a imensidade azul e verde das serras e dos

céus a insultá-las da civilização, assim [era] a cabeça do major.”

(LOBATO, 1995, p. 159).

Lobato apresenta o fazendeiro como um homem inculto, assim com eram os jecas-

tatus que habitavam o Vale. Era apegado à rotina252

, a hábitos arraigados, mas, era, sobretudo,

apegado ao passado.

251

Talvez uma alusão à imbuia, madeira resistente, comum em mata de pinhais. Rigidez era principal característica

do major.

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A caracterização que faz do Major Mimbuia, personagem central de “Café! Café!”

comprova esse fato. A literatura agronômica da época se referia à agricultura de então como

sendo feita por “métodos rotineiros”. Essa rotina três vezes secular e o apego ao passado

impediam o fazendeiro-personagem de progredir.

Para caracterizar a mentalidade da personagem, o Lobato educador se faz presente

nesse conto:

“As primeiras ideias que ali abicaram, e isso já de sessenta anos, nas

remotas eras do bê-á-bá na escola do Ganimedes, meteram a foice na

capoeira, fincaram os paus da cerca, aprumaram os esteios da morada,

cobriram-na de sapé; e lentamente, à medida que vinham entrando,

compelidas pela vara de marmelo e a rija palmatória do feroz pedagogo,

foram erigindo a casa mental do nosso herói” (LOBATO, 1995, p. 160).

Há um debate entre duas correntes pedagógicas nesse conto: entre a hoje chamada

escola tradicional e a escola nova ou pedagogia ativa

Em “Café! Café!” mostrou que a escola da época, hoje chamada tradicional, criou na

cabeça do major Mimbuia um “deserto” à semelhança dos existentes lá no Vale. Os professores,

ao meterem a “foice na capoeira”, podaram a curiosidade e a criatividade que são inerentes a

todas as crianças. “Fincaram o pau de cerca”253

significa que botaram limites estreitos na cabeça

do rapaz, que acabou por ficar como o caboclo, que embora tendo “toda a imensidade azul e

verde das serras e dos céus” se restringia à cerca de taquara de sua palhoça. “Cobriram-na de

sapé” significa que ela estava desertificada, como a morraria da região, isto é, improdutiva, não

criativa, fechada, onde nenhuma ideia vingava. Por fim, mais duas observações de caráter

pedagógico. Primeira, a menção da vara de marmelo como meio disciplinador do aluno, mostra

que a disciplina na escola era imposta a ferro e fogo, isto é, que ela era férrea. Por último, o uso

da expressão “bê-á-bá” expressa um método de ensino calcado na repetição, típico da escola

252

Seria uma alusão à agricultura tradicional ou coincidêcia? 253

O equivalente atual de “fincar o pau na cerca do aluno” é “formatar o aluno”, termo oriundo da informática e o de

“meter a foice da capoeira” é “podar”, outro termo procedente da agricultura, porém podas são também práticas da

agricultura moderna, mas com um significado peculiar a ela: “a escolha da forma a dar a uma planta, não deve

obedecer apenas á fantasia, a um capricho, ou às regras do bom gosto; deve atender principalmente ao rendimento

dessa planta” (ANDRADE, 1903, p. 287).

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228

tradicional. As críticas de Lobato neste conto - “Café! Café!” - feitas à escola tradicional

coincidem com aquelas elaboradas pela Pedagogia Ativa, de Dewey254

.

Lobato, ao apontar os métodos pedagógicos baseados na memorização e disciplina

imposta, antecipou em muitos anos as concepções de Dias Martins que, em 1908, publicou o

livro Abc do Agricultor, um manual de ensino agrícola com propostas inovadoras para a época.

Martins renovou o ensino agrícola ao introduzir a demonstração de conteúdos escolares como

método pedagógico, se contrapondo ao ensino baseado na memorização, pois no decorrer dessas

demonstrações o aluno se tornava sujeito ativo do processo de ensino aprendizagem.

Lobato, no conto “Gens Ennuyeux”, de 1901, também fez uso, como já visto, da

concepção de ensino baseada na colocação o aluno como sujeito do processo de aprendizagem e

não como mero repetidor.

Em “Café! Café!”, além das lições escolares, o aprendizado da personagem central, o

Major Mimbuia, se fez também através das prédicas do sacerdote, na convivência familiar e na

doutrinação que recebera na Guarda Nacional. O resultado foi que a cabeça do major

transformou-se num deserto. Ele era refratário a quaisquer ideias novas:

“se uma ideiazita nova voava para ele, batia de peito em seus ouvidos

moucos, como rolinhas em paredes caiadas, caindo morta no chão, ou

como borboleta em casa aberta, entrava por uma orelha e saía por

outra.” (LOBATO, 1995, p. 160).

Pode-se reparar também o uso de metáforas rurais já em 1901. Rolinhas batendo

contra o vidro da janela, borboletas entrando e saindo. Em 1901 Lobato tinha dezenove anos. Um

enfant terrible, como sua Emília.

254

Teria sido Lobato um divulgador precoce de Dewey no Brasil? Em 1908, Lobato (1959, P. 219) usou a expressão

“pedagogia moderna” no sentido acima apontado em carta a Godofredo Rangel. A literatura somente menciona o

Lobato escolanovista a partir dos anos vinte, quando foi morar nos EUA e conheceu Anísio Teixeira. Tamara de

Abreu (2009, p. 40) comenta que Lobato certamente já ouvira falar de Dewey, mesmo antes de conhecer Anísio

Teixeira, mas não apresenta provável data ou evento. Francisco Foot Hardman (2009, p. 103 -104) faz referência à

prática da pedagogia ativa no Colégio Latino Americano, no Rio de Janeiro, que era dirigido por José Oiticica,

militante anarquista, onde os filhos de Euclides da Cunha estudaram por breve período no ano letivo de 1906. Resta

saber se o referencial teórico, tanto de Oiticica quanto de Lobato, era Dewey, pois eram várias pedagogias ativas em

voga. Lobato também pode ter tomado contato com ela na redação da Revista do Brasil, por volta de 1916, através

de Lourenço Filho antes, portanto, de conhecer Anísio Teixeira.

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229

No início do século XX a cultura cafeeira sofreu uma crise que teve como causa, por

um lado, a superprodução e, de outro, o maior controle dos preços pela ação especulativa dos

torrefadores norte-americanos, que reunidos em trustes, manipulavam os estoques e controlavam

os preços. O colapso do café não mobilizava o Major, que, devido à sua educação, era insensível

às novas ideias, no sentido da admissão de mudanças em sua fazenda, quer no uso de novos

métodos agrícolas, quer na introdução de novos cultivares. Ele tinha esperança na recuperação

dos preços do café, pois afinal sempre havia sido assim:

“Veio, porém, a baixa; as excessivas colheitas foram

abarrotando os mercados, dia a dia os estoques do Havre e de Nova York

aumentavam. Os preços baixavam sempre, cada vez mais; chegaram a

dez mil-réis, a nove, a oito, a seis. O major ria-se e limpando as unhas

profetizava: “Em janeiro o café está a 35 mil-réis”.

Chegou janeiro; o café desceu a cinco mil e quinhentos. “Em

fevereiro eu aposto que vai a quarenta!” Foi a cinco. O major

emagrecia. “Em março eu juro pela alma de meu pai, que Deus haja,

como o café há de subir a 45 mil-réis!” O café em março desceu a

quatro.” (LOBATO, 1995, p. 161).

A crise ia pelo terceiro ano consecutivo e o “major enlouquecia” por que “estava à

míngua de recursos, endividado, a fazenda penhorada, os camaradas desandando, os credores

batendo à porta” (LOBATO, 1995, p. 161).

O cafezal continuava viçoso e produtivo, mas a ruína se aproximava, não por desgaste

do solo, mas devido aos constantes déficits. Todos os recursos do Major Mimbuia, provenientes

da venda de pedaços terras de sua propriedade, de gado e de empréstimos eram investidos

irracionalmente, em plena crise, na produção do café, na esperança da recuperação dos preços.

“As casas desmoronavam, o mato viçava nos terreiros, invadindo as

tulhas, inundando tudo de clara verdura vitoriosa, o caruru já estava

cansado de nascer nos lugares proibidos onde, outrora, nem bem

repontava medroso, já vinha um negro cambaio a arrancá-lo sem dó. O

major passava à mandioca assada e canjica: nem pitava mais daqueles

longos cigarros de palha, por economia. Todo dinheirinho que entrava

das vendas do gado, de pedaços de terra, de empréstimos, de velhas

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230

dívidas pagas, tudo ia para o Moloch255

insaciável do cafezal”

(LOBATO, 1995, p. 161).

Ou seja, a rotina fazia com que o major investisse tudo em uma atividade sem

possibilidades de retorno financeiro. Essas imagens de ruínas são semelhantes àquelas descritas

por Euclides da Cunha256

, porém com uma diferença fundamental: em Euclides a motivação era a

decadência econômica causada pelo desgaste do solo. Em Lobato a motivação principal é a crise

econômica gerada pela superprodução. Mas, Lobato não era insensível à deterioração do terreno,

pois esse tema foi abordado em “Cidades Mortas”, de 1906, conforme já estudado.

Para Lobato, a mente petrificada do major o impedia de aceitar a mudança de

atividades ou de métodos.

“Aconselharam-lhe o plantio de cereais; o feijão andava

caro, o milho dava bom lucro. Nada! O homem encolerizava-se e rugia:

- Não! Só café! Só café! Há de subir, há de subir muito.

Sempre foi assim. Só café. Só café!”(LOBATO, 1995, p. 160).

Lobato estava a apresentar a policultura como alternativa à crise cafeeira, ou seja,

desejava a substituição da lavoura de café por outras mais rentáveis. Entretanto as pressões dos

fazendeiros sobre o governo nos anos seguintes serão fortes e em 1906, no Convênio de Taubaté,

optou-se por adotar medidas protecionistas que assegurassem artificialmente os preços do café.

Se, no início do século, a policultura não vingou como deveria, não foi por falta de apoio,

conforme visto anteriormente, pois muitas medidas de incentivo à agricultura foram tomadas

durante o governo de Jorge Tibiriçá.

A defesa da policultura feita por Lobato deve ter sido elaborada a partir do contato

com essas ideias na Revista Agrícola, ou indiretamente através da imprensa, pois elas foram

elaboradas nas instituições científicas e discutidas na SPA. Vale lembrar que um dos primeiros a

fazer a defesa da policultura na Revista Agrícola foi Derby, com seu artigo “Considerações

sobre o futuro agrícola do Estado de São Paulo “, de 1895.

255

Segundo Murari (2002, p. 267), Moloch era a divindade dos Amonitas. Os humanos sacrificados em seu louvor

eram obrigados a passar vivos pelo fogo, que os consumia. Seus corpos eram servidos como alimentos à divindade.

Para Lobato a cafeicultura em crise consumia todos os recursos e exigia sacrifícios de humanos, tal qual aquele deus. 256

“Café! Café!” foi publicado originalmente em 1900, “Entre Ruínas”, de Euclides em 1904. O fato de Lobato

incorporar a questão do desgaste do solo em “Cidades Mortas” deve-se a convivência com a decadência quando se

mudou para Areias e também um indício da influência euclidiana.

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Ainda dois aspectos merecem ser abordados nesse conto: a luta insana do major

contra a natureza e a sua loucura:

“Um dia desertou uma leva de camaradas: outros seguiram aqueles e em

breve Mimbuia viu-se completamente só no seu ranchinho do cafezal.

Levantava-se antes de clarear o dia e saía de enxada em punho, numa

raiva surda, a capinar, a capinar o dia inteiro como um possesso.”

(LOBATO, 1995, p. 162).

Assim como os Breves, personagens fazendeiros mencionados em “Cidades Mortas”,

o Major somente era respeitado enquanto tinha recursos. Assim que os recursos escassearam, e o

Major não tinha mais como prover a subsistência dos camaradas, eles se foram. Ou fugiram

assustado, como anotou Euclides em “Entre Ruínas”. O Major teimoso, já insano, como um

possesso, decidiu manter o cafezal limpo sozinho, mas sua luta foi inglória, pois “como o cafezal

fosse grande e ele um só, o mato brotou luxuriante, numa alegria verde-claro de vitória”.

(LOBATO, 1995, p. 162). Estava o homem sendo derrotado na sua luta contra a natureza257

.

“O velho, possesso, dentes cerrados, surdo ao sol e à chuva, seminu,

esfarrapado e macilento, baba a escorrer dos cantos da boca, torrado

pela soalheira, sujo de terra, já não podendo vencer o mato exuberante,

andava a arrancar as ervas mais atrevidas ou graúdas, catando uma

aqui, outra ali.” (LOBATO, 1995, p. 162).

O Major sozinho, obviamente, não conseguia controlar o mato e preservar a lavoura:

“A luta era gigantesca, de vida ou de morte. Pelo cafezal todo, as ruas outrora vermelhas e

varridas, eram extensas faixas do verde vitorioso” (LOBATO, 1995, p. 162). Por fim, derrotado

pela natureza, ele estava num estado lastimável:

“O velho Mimbuia estava um espectro, já nu de todo, os olhos

esbugalhados a se revirarem nas órbitas com desvario. Um espectro sem

carnes, só pele calcinada e ossos pontiagudos”. (LOBATO, 1995, p.

163).

O Major não aceitava nenhuma das alternativas que a situação exigia: ou

transformava a agricultura ou imigrava. Como não fez nem uma coisa e nem outra, acabou por

257

Esse tema foi abordado por Murari (2002). Para essa autora, a natureza na literatura brasileira da última década do

século XIX, a partir de uma leitura influenciada pelo darwinismo, era representada como sendo “um conjunto de

forças contrárias, violentas, opressoras dotadas de um imenso e oculto potencial de aniquilação” (MURARI, 2002,

p. 173).

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232

enlouquecer. Pode-se também levantar a hipótese de que Lobato, em termos educacionais,

desejasse um ensino que formasse pessoas criativas e capazes de resolver problemas, pois se o

Major tivesse sido educado segundo os princípios da Pedagogia Ativa talvez não tivesse

perecido. A tapera havia caído na alma do Major Mimbuia.

Depois da análise de “Café! Café!”, pode-se afirmar que Bernucci cometeu uma

injustiça ao afirmar que tanto em Lobato quanto em Euclides “nem uma palavra ouvimos sobre a

responsabilidade do dono da plantação” (BERNUCCI, 1995, p. 93). Em “Café! Café!” ela era

totalmente atribuída ao fazendeiro.

Mais uma vez, cabe ressaltar que, embora usem as mesmas imagens, as construções

sobre a decadência de Euclides e Lobato diferem258

: em “Entre Ruínas”, a moradia abandonada

parece estar habitada por fantasmas, no sentido literal da palavra, isto é, por assombrações. Em

“Café! Café!” é a pessoa do fazendeiro que, devido à miséria e a insanidade, se assemelha a um

fantasma. Teria Euclides se valido dessa crônica para escrever “Entre Ruínas”? Provavelmente,

sim, mas não foram encontradas referências que sustentassem essa hipótese.

Essa discussão remete a outra já aventada anteriormente: Lobato teria de fato

inspirado Luiz Pereira Barreto na construção da imagem espectral que apresentou na Revista

Agrícola sobre a crise do café? Segundo Pereira Barreto:

“Nos momentos críticos, quando, o espectro da miséria se alevanta

diante de nós, nítido, frio, descarnado, deixando ver bem desenhada em

sua atitude imisericordiosa da situação social, é permitido, é justo é

indispensável que o nosso espírito se entregue a toda sorte de

conjecturas, e procure um remédio para nossas aflições.” (BARRETO,

1902, p. 75).259

As possibilidades que estas imagens provenham de “Café! Café!” fortes, sobretudo

devido ao fato de Lobato abordar diretamente a crise da lavoura cafeeira. O ponto frágil dessa

258

Referindo-se à “Entre Ruínas” e "Cidades Mortas”, Bernucci, (1995, p. 90) diz que “são duas joias literárias da

pintura descritiva como poucas do seu período. Compõem-se grosso modo de idênticos bosquejos, completados

depois com as cores, texturas, ângulos e planos conforme era do agrado individual de cada um dos dois escritores”.

Conforme já visto, as duas joias são as mesmas, isto é, possuem o mesmo esboço, mas as diferenças não podem ser

creditadas as preferências pessoais ou aos agrados individuais, mas são resultantes de concepções diferentes acerca

do público leitor. 259

A repetição da citação se faz necessária.

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233

possibilidade é que, naquela época, Lobato era um escritor desconhecido. Porém, Barreto era

fazendeiro e clinicou fazia muito tempo, no início de sua carreira, em Jacareí, no Vale do Paraíba,

deveria ter contatos na região, ou seja, alguém pode ter lhe enviado o texto de Lobato. Mas

Barreto perspicaz como era, com certeza, não permitiria que um homem de talento como

Monteiro Lobato, continuasse na obscuridade, de onde somente sairia em 1914, depois do

sucesso de “Velha Praga”, publicado na seção dos leitores do Estado de São Paulo.

Espera-se que o leitor seja estimulado a ler (ou reler) Lobato e Euclides também.

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235

Considerações Finais.

O pressuposto básico dessa tese foi abordar a Comissão Geográfica e Geológica

como instituição da agricultura paulista, o que devido às ainda insuficientes pesquisas nas fontes

da agricultura paulista, somando-se à tradição científica posterior na qual se constituiu uma maior

especialização das áreas do conhecimento, a CGG tem sido pensada apenas em termos de

atividades específicas dos conhecimentos geológicos e geográficos, tais como levantamentos para

a construção de vias de transportes, buscas de terras férteis, construção de cartas geográficas,

dentre outras, de História Natural, como por exemplo, as pesquisas sobre flora e fauna, e de

estudos climáticos. Porém a referida comissão teve papel relevante na implantação da agricultura

moderna no estado de São Paulo ao exercer junto aos agrônomos pesquisas mais especificas

sobre problemas agrários.

A construção da agricultura científica em São Paulo foi proposta por Derby antes

mesmo da criação da CGG, ainda na época em que era naturalista-viajante do Museu Nacional do

Rio de Janeiro, na ocasião em que estudou a natureza e as potencialidades econômicas do Vale do

Rio Grande, tanto na porção mineira, quanto na paulista. Ao constatar que boa parte do território

bandeirante era constituída por campos naturais e artificiais considerados impróprios para o café,

mostrou que aquelas áreas não eram propriamente estéreis como então se acreditava e poderiam

ser ocupadas com outras culturas, desde que fossem realizadas por outros métodos diferentes do

tradicional, tal qual se fazia nos Estados Unidos e Europa. Demonstrou também que os solos

cobertos por matas não eram necessariamente férteis em razão de suas propriedades físico-

químicas, mas devido à grande quantidade matéria orgânica e umidade presentes nele. Em suma,

Derby queria desfazer o preconceito fortemente arraigado de que as terras cobertas de matas

virgens eram férteis e que as terras com campos eram estéreis, concepção que esteve presente até

o final do século XIX, e que apesar dos esforços dos naturalistas, geólogos agrônomos e outros

cientistas, adentraram o século XX e, ainda hoje, o bioma do cerrado é considerado inferior à

Mata Atlântica ou Floresta Amazônica.

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Pouco mais tarde, surgiram dois fatos históricos novos que iriam alterar

substancialmente os rumos da agricultura paulista: o primeiro foi a abolição da escravidão em

1888, que já era de certa forma esperada pelos fazendeiros do Oeste Paulista, haja vista que já

estavam a tomar precauções no sentido de sua substituição por imigrantes havia longo tempo. A

implantação do trabalho livre e escassez de trabalhadores impunham outro tipo de organização da

produção e do processo de trabalho, pois cada trabalhador deveria produzir mais, para compensar

a escassez de mão de obra e os gastos com salários. A solução encontrada foi a aplicação de

ciência e de tecnologia à agricultura visando o aumento da produção, de um lado, e da

produtividade do trabalho, de outro260

. Outro aspecto a ser notado foi a decadência da produção

cafeeira do Vale do Paraíba na sua área de ocupação mais antiga tanto no lado carioca quanto no

paulista, com seu estado de abandono e desolação, e a ameaça do mesmo ocorrer no Oeste

Paulista, pois a região de Campinas na década de noventa do século XIX já apresentava sinais

claros de decadência. Esse caráter nômade da lavoura cafeeira na procura por terras férteis não

era novidade e já havia sido percebido por Capanema em 1858, quando demonstrou que a

dinâmica da agricultura da época tinha por consequência criação de solos desgastados, que

seriam deixados em pousio por cerca de vinte e cinco anos para a recuperação da fertilidade. Em

1892 lavoura já alcançava Piracicaba, São Carlos e Ribeirão Preto, que eram polos dinâmicos.

O segundo fato novo era que no último lustro do século XIX as terras virgens

cobertas de matas virgens começavam a escassear - em 1895 restavam apenas quarenta por cento

da cobertura florestal original e a velocidade da destruição aumentava - e as lavouras não teriam

por onde facilmente se expandir. E isso criava um clima de insegurança e medo. A originalidade

da proposta de Derby para agricultura consiste em perceber que não sobrariam mais matas e que

as terras de campo, portanto, se constituiriam em “reservas para o futuro”, quando as florestas

naturais não existissem mais, mas que sua ocupação exigiria reformas profundas na agricultura. O

café deixava atrás de si uma decadência desoladora.

260

Seleção de variedades de sementes mais produtivas, aplicação de adubos, irrigação aumentam a produção das

terras e a produtividade por área plantada. Arados, carpideiras, colheitadeiras aumentam a produtividade do trabalho

humano, isto é, um homem passa a produzir o equivalente a vários, diminuindo assim a quantidade de indivíduos

necessários à agricultura.

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A partir da percepção de que as matas virgens estariam a se acabar, Derby iniciou

uma verdadeira batalha para o convencimento da elite paulista a respeito da necessidade de

ocupação dessas terras com outras culturas e outros métodos. Tarefa árdua, na qual muitos

falharam, sobretudo, o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura e a Revista Agrícola

carioca. Pode-se afirmar que não havia interesse dos fazendeiros pela agricultura moderna antes

de 1888, devido à ainda relativa facilidade com que se obtinham escravos e a disponibilidade

terras com mata virgem para serem derrubadas para a formação de cafeeiros. O indício que

permite dizer que falharam foi a decadência do Vale do Paraíba. Decaiu porque não deu conta de

diversificar a produção, de implantar o trabalho livre com eficiência, de mecanizar a agricultura,

de implantar adubação, dentre outras medidas. Begonha Bediaga (2010, p. 203) defende que o

Imperial Instituto Fluminense de Agricultura foi criado pelo Imperador como medida

compensatória para a abolição do tráfico de escravos. Ou seja, faltava-lhe organicidade. Era uma

Instituição alheia aos principais interessados, os fazendeiros, quase que de gabinete, pode-se

dizer. Nesse sentido, os paulistas do Oeste foram mais eficientes, criaram diversas Instituições

científicas de apoio à agricultura: a Comissão Geográfica e Geológica (1886), o Instituto

Figura 17 Mapas da cobertura vegetal natural do estado de São Paulo em diferentes épocas.

A cor verde indica a presença de matas e, na situação primitiva, o branco mostra os diversos tipos de

campos e restingas (no litoral). Fonte: <http://confins.revues.org/docannexe/image/6557/img-5.png>

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Agronômico de Campinas (1887) e a Escola Agrícola de Piracicaba (1901) foram as mais

destacadas. E criaram um organismo de representação de classe - A Sociedade Pastoril e Agrícola

- que se fortaleceu ao longo dos anos e uma revista - a Revista Agrícola - meio de expressão do

projeto de modernização da agricultura, um importante instrumento de agregação da classe e de

convencimento e mobilização do fazendeiro acerca das necessidades de reforma na agricultura.

Portanto, o grande diferencial em relação ao projeto paulista de modernização de

meados do século XIX e ao do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura foi a organização da

classe em sindicato patronal, a Sociedade Pastoril e Agrícola, em 1895 e seu porta-voz, a Revista

Agrícola, de grande circulação e durabilidade, que fomentaram as ideias reformistas em outros

setores da sociedade e que exerciam forte poder de pressão sobre o Estado. Isso mostra que havia

uma classe social forte - a dos fazendeiros - e disposta a investir em reformas para garantir a

expansão e a rentabilidade da lavoura cafeeira. Em 1896, a Sociedade Pastoril e Agrícola foi

transformada em Sociedade Paulista de Agricultura.

A agricultura rotineira era um hábito arraigado e os fazendeiros resistiam a mudanças.

Era senso comum que as terras de campo não se prestavam à agricultura, que somente os solos

ocupados pelos chamados padrões de “terra boa”, isto é, as terras com a presença determinadas

espécies de árvores, eram férteis. Em 1895, Derby demonstrou na Revista Agrícola que nem

todas as terras ocupadas com matas virgens eram férteis e que nem todas as terras de campo eram

estéreis. Em suma, as terras tinham especificidades que, se levadas em consideração, poderiam

gerar riquezas aos seus proprietários e ao Estado.

Como forma de ocupação das áreas campestres propunha a policultura, isto é, o

plantio com outras culturas que não a cafeeira. Para fazê-la, recomendava a adoção da agricultura

calcada em princípios científicos. Poderiam também ser ocupadas com a pecuária, que para além

da criação de gado para o mercado, deveria ser uma atividade suplementar à agricultura moderna,

pois os fazendeiros precisariam de bois para tracionar arados e outras máquinas agrícolas e do

estrume por eles gerados para fertilizar o solo, que passaria a ser ocupado permanentemente.

São propostas que hoje soam banais, consideradas ultrapassadas, mas que causaram

certo impacto na Paulicéia da virada do século XIX. Derby, desde a criação da CGG, direcionou

os trabalhos de campo da instituição levando em consideração esses aspectos. Por exemplo,

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Alberto Löfgren iniciou os trabalhos de campo para o levantamento da flora paulista - não sem

um sutil protesto - pelas regiões campestres do estado. A lógica da produção agrícola tradicional

indicava que se buscasse estudar primeiro as áreas de mata, que era o interesse imediato do

fazendeiro - e do botânico também, pois Löfgren, como todos os naturalistas, era deslumbrado

com a exuberância da floresta.

O Relatório da exploração do Vale do Paranapanema feito por Teodoro Sampaio

(1890) e o levantamento da flora paulista, de Löfgren (1890), foram publicados também sob a

forma de boletins; na verdade, eram libretos na forma de brochura, e alcançaram boa repercussão

na imprensa paulista, conferindo prestígio aos seus autores. Aliás, a publicação dos boletins

possibilitou a divulgação dos trabalhos da CGG em uma escala maior, pois eles eram permutados

por outros, produzidos por outras instituições.

São Paulo fez boa figura na Exposição Universal de Chicago, de 1892, na qual o

relatório de Sampaio foi apresentado, bem como a coleção mineralógica da CGG. O jornal O

Estado de São Paulo enviou um correspondente, Augusto Adolpho Pinto, que, via telégrafo,

permitiu uma cobertura eficiente do evento. Esse prestígio alcançado fez com que a CGG

ocupasse em São Paulo, um lugar simbólico forte como exemplo de instituição científica bem

sucedida.Ou seja, as propostas da CGG começam a ganhar apoio e legitimidade frente à opinião

pública e, sobretudo, junto aos fazendeiros, que começam a aderir ao projeto de modernização.

Da CGG derivaram, ainda no século XIX, duas outras instituições: O Instituto de

Botânica, chefiado por Löfgren, e o Museu Paulista, sob a gestão de Ihering, seu criador, um

museu predominantemente de História Natural. Ambas as instituições realizavam pesquisas

científicas e seus diretores participavam ativamente na Sociedade Pastoril e Agrícola e

posteriormente na Sociedade Paulista de Agricultura e publicavam regularmente artigos na

Revista Agrícola sobre assuntos relacionados à agricultura. Eram frequentemente convocados a

participar de comissões para resolver assuntos emergenciais ligados à problemas agrícolas, a dar

pareceres sobre diversos assuntos, dentre outras atividades.

A proposta de Derby para a ocupação econômica das terras de campo, em 1895, na

Revista Agrícola, incorporava conhecimentos produzidos pelas expedições de reconhecimento

do território de Theodoro Sampaio e de Löfgren e pelas novas instituições científicas paulistas.

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240

Derby classificava as terras de campo em matas virgens, campos naturais, desertos

naturais, que segundo ele, praticamente não existia no estado, e “terras estragadas”, que

pertenciam ao primeiro e segundo grupos e que se tornaram improdutivas para o café devido ao

manejo inadequado. Considerava as terras de campo, tanto as naturais quanto as artificiais como

“reservas para o futuro”, isto é, como áreas para a expansão da agricultura num futuro não muito

remoto quando não houvesse mais matas virgens. Ou seja, para ele, a floresta não sobreviveria à

expansão agrícola, e ele parecia considerar isso inexorável. Lamentavelmente acertou.

Derby mostrou que as “terras estragadas”, que eram chamadas de deserto, poderiam

ser ocupadas lucrativamente com outras culturas que não a cafeeira ou com a pecuária, desde que

se usassem métodos adequados, a exemplo do que se fazia na Europa e nos Estados Unidos,

sobretudo no Vale do Mississipi. Propunha para a região a agricultura científica: novos cultivos,

que deveriam ser aclimatados, adubação, introdução de maquinário agrícola dentre outras

medidas. Suas propostas serão incorporadas aos poucos como bandeiras da Sociedade Pastoril e

Agrícola. Portanto Derby apontava aos fazendeiros paulistas a possibilidade de ampliarem seus

ganhos com a incorporação de novas áreas agrícolas e outros cultivos.

Derby não estava sozinho nessa empreitada. A Comissão Geográfica e Geológica

atuava em estreita colaboração com o Instituto Agronômico de Campinas, sobretudo na gestão de

Dafaert. Derby, posteriormente, participava mensalmente das reuniões com os Inspetores dos

Disntritos Agrícolas do Estado, com os quais traçava diretrizes, estabelecia metas e realizavam

trabalhos. Derby permaneceu a frente da CGG desde sua criação, em 1886, até 1905.

Na historiografia, a modernização da agricultura paulista é apresentada como sendo

promovida pelo IAC, mas pode-se concluir que a Comissão Geográfica de São Paulo e as

diversas instituições derivadas (Horto Botânico e Florestal e Museu Paulista) tiveram importante

papel nesta atividade, conforme já relatado. E essa importância pode ser atribuída a sua atuação

junto às entidades representativas dos interesses de classe dos fazendeiros paulistas, que eram

homens empreendedores e ousados, e que agiam com tenacidade, quanto lhes interessava.

Löfgren e Ihering, que participaram de várias comissões para resolverem problemas

agrícolas, produziram um corpo de conhecimento bastante grande e variado sobre assuntos

agrícolas, e diferentemente de Derby, mais ao final do século, produziram concomitantemente um

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forte discurso na defesa da natureza: denunciavam destruição da flora e da fauna pela ferrovia,

pela caça, pelas queimadas feitas pelos “homens pobres” e de outras formas. Para eles, os

naturalistas, a natureza tinha um valor intrínseco. E seus protestos devem ter causado mal estar

entre o empresariado agrícola, sobretudo a partir da ocupação da direção do Horto Florestal por

Edmundo Navarro de Andrade, que não se cansava de fustigá-los, defendendo, em nome do

direito à propriedade, e da liberdade do fazendeiro fazer o que bem entendesse com suas matas,

desde que respeitasse certos critérios, aliás bastante amplos.

O corpo de conhecimento sobre a agricultura e sobre a natureza produzido pelas

instituições supracitadas fez delas um foco irradiador de cultura, pois sua produção científica

passou a inspirar outras áreas do meio cultural paulista.

As influências de Derby, Löfgren e Teodoro Sampaio na composição da obra Os

Sertões de Euclides da Cunha já haviam sido estudadas por José Carlos Barreto de Santana

(2001), entretanto, o autor analisara os outros escritos de Euclides apenas tangencialmente. Numa

primeira abordagem das notáveis crônicas “Entre Ruínas” e “Fazedores de Deserto”, que tratam

da decadência da lavoura cafeeira no Vale do Paraíba, percebeu-se haver indícios das discussões

promovidas não só pela CGG, mas também pelo Instituto Agronômico de Campinas. Feitas essas

constatações começou a incessante busca de indícios que permitissem a sustentação dessa tese.

Esses indícios foram buscados em dois níveis: em primeiro lugar na identificação de uma rede de

amizades pessoais e de afinidades entre os cientistas e literatos, que não foram objeto de estudos,

mas sim um critério para levantamento de dados. Portanto, não foi objetivo desse trabalho

desvendar e analisar essas redes. Em segundo lugar, mas concomitantemente, de estudos de

hermenêutica - na verdade quase uma exegese - que permitissem, internamente, a constatação de

indícios, à maneira de Carlos Ginzburg, que pudessem estabelecer correlações e afinidades entre

a produção intelectual desses autores de ficção com a produção científica da época.

No último quartel do século XIX, a questão política mais premente para a jovem

República era a demarcação de limites das fronteiras - tanto internas quanto externas - pois uma

nação para se constituir precisa de fronteiras estáveis. A questão não era meramente técnica,

havia a necessidade de comprovar a posse do território, pois o que tornava legítima as

reivindicações era a comprovação da descoberta e ocupação daquela área em conflito. Nesse

sentido, urgia construir conhecimento histórico sobre as áreas em litígio, daí a participação dos

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membros da CGG no IHG-SP. Este era o contexto geopolítico das pesquisas da CGG. O contexto

econômico era garantir a expansão e rentabilidade da lavoura cafeeira, conforme já dito.

Foi nesse contexto geopolítico que o Barão do Rio Branco reuniu em torno de si

numa imensa rede de informação, composta por intelectuais e instituições que pudessem auxiliar

na produção de conhecimento histórico e geográfico que auxiliassem no esforço nacional pela

conquista em batalha diplomática pelos territórios em litígio. Foi através das pesquisas sobre

Eduardo Prado, que se chegou a Doutora Marie Renotte, caricaturada por Lobato como Doutora

Mariote. E a muitos escritos e autores, que não seria possível de se relacionar de outra forma.

No decorrer da pesquisa, constatou-se na revisão de literatura que haveria suposta

influência de Euclides da Cunha sobre Monteiro Lobato, pois seu conto “Cidades Mortas” é

praticamente uma reelaboração criativa do “Entre Ruínas” de Euclides da Cunha. A pergunta

imediata foi: teria Lobato também se inspirado na CGG? Realizou-se com esse autor o mesmo

procedimento: procedeu-se a uma revisão bibliográfica, não tão completa quanto o desejável e

uma leitura de sua obra, tanto de ficção, quanto correspondência para se detectar a presença da

CGG no autor. Foram inicialmente selecionados esses dois autores - Euclides da Cunha e

Monteiro Lobato - porque abordavam diretamente as áreas degradadas do Vale do Paraíba

paulista contíguas ao Vale do Paraíba fluminense, também decadente, pois ambos os autores

moraram em Areias em épocas diferentes, mas próximas.

Aos poucos a presença da CGG foi se revelando presente em Monteiro Lobato, pois

foram descobertos indícios na sua obra que indicavam a presença dela, tal como a menção a “ao

sábio que colecionava pedrinhas”261

e, para grande surpresa, no conto “Gens Ennuyeux”, Derby

foi transformado em personagem central de um conto e ainda por cima ironizado. Foi possível o

estabelecimento de relações do autor não somente com as publicações da CGG, mas também da

Revista Agrícola como um todo, do Instituto Agronômico de Campinas, cuja produção em parte

também era publicada por ela, bem como a menção explícita ao Boletim da Agricultura¸ e do

Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, no qual Derby, Löfgren, Ihering e Teodoro

Sampaio eram presenças marcantes, bem como Euclides da Cunha.

261

A CGG esteve, ao final do XIX, no distrito de Buquira, onde se localizava a fazenda do avô de Lobato para

realizar trabalhos de demarcação de fronteiras entre São Paulo e Minas Gerais.

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Lobato, filho de uma relação não autorizada de seu pai, herdou do avô paterno a

Fazenda Buquira, já decadente e queria torná-la rentável, daí seu enorme interesse pela

agricultura moderna e a leitura apaixonada desses assuntos técnicos científicos, aos quais os

escritores, geralmente, não são muito afeitos. Mas também, fato peculiar da época, a emergência

do naturalismo nas artes, exigia que seus autores tivessem uma postura cientificista na descrição

da realidade e na própria estruturação de seus romances ou contos. Muitos historiadores apontam

como suporte tanto de Euclides, quanto de Lobato, Charles Darwin, Herbert Spencer, Henry

Thomas Buckle dentre outros, mas embora esses autores estivessem subjacentes de alguma

forma, eles não pensaram especificamente ou profundamente a realidade brasileira, entendida

nesta tese como a relação entre agricultura, ambiente e sociedade. Ou seja, quem produzia a

ciência que inspirava esses autores na construção de suas obras de ficção. Quem produziu o

conhecimento nessa área foram as instituições acima citadas e é natural que tanto um quanto

outro se valessem da produção científica delas também, afinal não é possível ser cientificista sem

conhecimento da produção científica . Além de Santana, parece não haver na historiografia,

autores que de alguma forma vinculem Euclides e Lobato à produção científica paulista no que se

refere à decadência da lavoura cafeeira e da formação das áreas campestres.

A apresentação das áreas degradas pela lavoura cafeeira, bem como a construção de

uma lavoura menos impactante para a natureza foram representadas por Euclides da Cunha e

Monteiro Lobato com imagens fantasmagóricas e aterrorizantes. Como uma realidade

ameaçadora a trazer miséria e abandono. Portanto, como uma realidade a ser mudada: o cenário

visualizado tanto por Lobato quanto por Euclides para a agricultura é o de sua transformação pela

agricultura científica para regenerar as áreas degradadas de um lado e impedir a formação de

novos desertos em áreas ainda férteis. Entretanto é preciso certa cautela: regenerar área

ambientalmente degradada significa torná-la novamente fértil para continuar aumentando o

patrimônio de seus proprietários, e não a sua preservação ambiental. O mesmo ocorre quando se

fala em impedir a formação de novos desertos.

Do ponto de vista da agricultura moderna, a agricultura paulista foi muito bem

sucedida: a atual agricultura do estado segue praticamente os mesmos princípios da agricultura

proposta pelas instituições agrícolas do estado ao final do século XIX, porém com muito avanço

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tecnológico. A meta ainda é produzir o máximo, com um mínimo de custos, um máximo de

lucro, em menos tempo e com o menor desgaste do solo possível.

Por fim, se o radicalismo de Löfgren e de Ihering na defesa da natureza encanta, pois

para ambos ela tinha um valor intrínseco, não deixa de causar má impressão o fatalismo de

Derby, que ao qualificar as áreas campestres como reservas para o futuro da agricultura, previa a

destruição total das florestas e não cobrava dos poderes constituídos medidas preservacionistas,

como outros, além de Löfgren e Ihering, fizeram.

Do ponto de vista ambiental, realizou-se a profecia derbyana: as florestas foram

destruídas (restam cerca de sete por cento da Mata Atlântica). As áreas campestres foram

ocupadas economicamente. Pouco adiantaram os protestos de Löfgren, Ihering, Euclides da

Cunha e Monteiro Lobato contra a destruição das florestas e do solo que, apesar disso, mantém

sua atualidade, pois a fronteira agrícola continua a provocar destruição ambiental em outras

partes do país e obras de engenharia civil (barragens, estradas, ferrovias e outras), mesmo em

áreas de ocupação de agrícola antiga, continuam a causar impactos ambientais sobre áreas

remanescentes florestais ou florestas reconstituídas.

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259

ANEXO I:

Relação dos artigos262

dos integrantes mais notáveis da Comissão Geográfica e Geológica

publicados na Revista Agrícola.

DERBY, Orville Adalbert. Considerações sobre o futuro agrícola do Estado de S. Paulo, Revista

Agrícola, São Paulo, ano 1, n 5, p. 67 68, out 1895.

IHERING, Hermman Von. As raças Bovinas no Brasil. Revista Agrícola, São Paulo, ano 1, n 1,

p. 9 - 11, jun 1895.

___. Café do Mato. Revista Agrícola, São Paulo, ano 1, n 8, p. 130, dez 1895.

___. A doença das Jabuticabeiras. Revista Agrícola, São Paulo, ano 3, n 35, p. 185 - 189, dez

1898.

___. A formiga saúva. Revista Agrícola, São Paulo, ano 4, n 37, p. 255 - 259, ago 1898.

___. A formiga saúva. Revista Agrícola, São Paulo, ano 4, n 38, p. 293 - 299, set 1898.

___. Laranjas bichadas. Revista Agrícola, São Paulo, ano 6, n 70, p. 179 - 181, maio 1901.

___. Os cogumelos insecticidos e sua utilidade. Revista Agrícola, São Paulo, ano 7, n 73, p. 311

- 313, maio 1901.

___. As formigas Cuiabanas. Revista Agrícola, São Paulo, ano 11, n 124, p. 511 - 522, nov

1905.

LÖFGREN, Alberto Apelo aos Senhores criadores. Revista Agrícola. São Paulo, ano 1, n 2, p.

32, juh 1895.

___. Revista Agrícola. São Paulo, Folha Santa, ano 1, n 5, p. 7, out 1895.

___. Uma utilidade nova para o girassol Revista Agrícola. São Paulo, ano 1, n seis, p. 90 - 81,

nov 1895.

___. Para que serve um “Serviço Florestal” em São Paulo? Revista Agrícola. São Paulo, ano 1,

n 9, p131 - 134, jan 1896.

___. Considerações sobre o valor sanitário das florestas. Revista Agrícola. São Paulo, ano 2, n

15, p. 46 - 47, abr 1896.

262

Relação incompleta, pois nem todos os exemplares estavam disponíveis nas coleões consultadas.

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260

___. Kaffir corn. Revista Agrícola. São Paulo, ano 2, n 16, p. 61, juh 1896.

___. A alfarrobeira. Revista Agrícola. São Paulo, ano 2, n 19, p. 103 - 104, juh 1896.

___. Serviço Florestal como ciência. Revista Agrícola. São Paulo, ano 2, n 20, p. 118 - 119, ago

1896.

___. . Método prático para ensaiar sementes. Revista Agrícola. São Paulo, ano 2, n 21, p. 130 -

132, ago 1896.

___. Serra da Mantiqueira. Revista Agrícola. São Paulo, ano 2, n 24, p. 188 - 191 mai 1897.

___. Serra da Mantiqueira. Revista Agrícola. São Paulo, ano 3, n 25, p. 202 - 204 jun 1897.

___. Arvore da Canfora. Revista Agrícola. São Paulo, ano 3, n 29, p. 256, jun 1897.

___. A maniçoba. Revista Agrícola. São Paulo, ano 3, n 35, p. 166 - 179 jun 1897.

___. A maniçoba. Revista Agrícola. São Paulo, ano 4, n 36, p. 224 - 225, já 1898.

___. Contribuição para a questão do consumo do café. Revista Agrícola. São Paulo, ano 5, n 50,

p. 325 - 329 set 1899.

___. Sociedade de Horticultura (uma ideia). Revista Agrícola. São Paulo, ano 5, n 51, p. 369 -

371 out 1899.

___. Escola Prática de S. João da Montanha em Piracicaba. Revista Agrícola. São Paulo, ano 6,

n 56, p. 106 - 109, fev 1900.

___. Uma moléstia da Maniçobeira. Revista Agrícola. São Paulo, ano 6, n 70, p. 197 - 199 mai

1901.

___. Sociedade Hortícola Paulista. Revista Agrícola. São Paulo, ano 7, n 72, p. 275 - 279, jul

1901.

___. Ainda o “Johnson-Grass”. Revista Agrícola. São Paulo, ano 8, n 84, p. 347 - 349, jul 1902.

___. A propósito de um artigo do Dr. Barreto. Revista Agrícola. São Paulo, ano 8, n 87, p. 498 -

499 jul 1902.

___. O rhum da Jamaica. Revista Agrícola. São Paulo, ano 10, n 108, p. 382 - 284, jul 1904.

SAMPAIO, Theodoro. Os Piolhos vegetais (Resumo de um capítulo da Revista do Museu

Paulista). Revista Agrícola. São Paulo, ano 3, n 32, p. 73 - 80, mar 1898.

___. A crise da Lavoura de Café e a Reforma agrária. Revista Agrícola. São Paulo, ano 3, n 33,

p. 101 - 105, abr 1898.

___. A crise da Lavoura de Café e a Reforma agrária II. Revista Agrícola. São Paulo, ano 3, n

34, p. 133 - 139, mai 1898.

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261

___. A crise da Lavoura de Café e a Reforma agrária (continuação do n. 34). Revista Agrícola.

São Paulo, ano 4, n 36, p. 210 - 220, jul 1898.

___. O Imposto Territorial. Revista Agrícola. São Paulo, ano 6, n 36, p. 126 - 130, abr 1901

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262

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263

ANEXO II:

Dados biográficos das principais personalidades citadas.

Albuquerque, Frederico Guilherme de.

Frederico Guilherme de Albuquerque foi considerado por Guilherme Mazza Dourado em sua tese

de doutorado como exemplo da influência francesa na jardinagem brasileira.

Segundo Dourado, (2008), Albuquerque nasceu no Rio Grande do Sul e “Estudou na Escola

Central (antiga escola militar), no Rio de Janeiro, mas desistiu ao final do terceiro ano”. Tornou-

se botânico autodidata, horticultor e paisagista reconhecido internacionalmente. Desenvolveu a

horticultura e silvicultura em Pelotas, no Rio grande do Sul.

Em 1874, migrou para capital imperial para atuar como praticante da Seção de Botânica do

Museu Nacional. Estabeleceu-se com a família numa chácara, onde organizou um centro de

horticultura denominado Beliche e continuou a realizar suas experiências com plantas

ornamentais. Aclimatava plantas estrangeiras e domesticava as nacionais. Atuava no mercado

carioca desses produtos: fazia os cultivos experimentais em sua chácara e atiçava a curiosidade

do público com a publicação de artigos científicos sobre elas na Revista do Horticultor, fundada

e dirigida por ele, que contava com colaboradores de prestígio, como Guilherme Capanema e

vários naturalistas ligados ao Museu Nacional. O carro chefe da revista era, justamente, a coluna

“Retratos de plantas novas”. E simultaneamente colocava as novidades no mercado. Muitas das

plantas usadas hoje em jardinagem devem a ele sua popularidade. Albuquerque recebeu muitos

prêmios em mostras hortícolas realizadas enquanto esteve no Rio de Janeiro.

Correspondia-se com naturalistas da Société Impériale Zoologique d’Acclimatation dentre eles

Charles Naudin, que era também correspondente de Pereira Barreto, mas não se sabe se

Albuquerque era sócio-correspondente ou não. Também trocava cartas com viveiristas franceses

de renome. Todos tinham interesse comercial e científico pelas plantas ornamentais brasileiras,

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264

bem como em exportar mudas e sementes para o Brasil.

Ainda de acordo com Dourado, em 1880, mudou-se para São Bernardo do Campo, SP, para

organizar uma escola de vinicultura encomendada por Antônio da Silva Prado. O projeto não foi

adiante e ele se dedicou à instalação de um estabelecimento de horticultura na mesma região,

também chamado de Beliche, que era reconhecido pela Revista Agrícola, e recebia visitas de

autoridades. Alberto Löfgren esteve lá em 1903 na comitiva do governador para assistir a

demonstrações de máquinas agrícolas. Em 1889, foi indicado administrador do Jardim da Luz e

dos jardins públicos de São Paulo, permanecendo nesse cargo até 1892, quando retornou ao Rio

de Janeiro. Ainda, segundo Dourado, Albuquerque, pouco antes de 1890, disputou com Löfgren a

direção de um museu de história natural, que o Estado tencionava criar e perdeu.

Seu nome contava na lista de colaboradores da Revista Agrícola, mas não chegou a escrever

nela. A chácara Beliche, em São Bernardo do Campo, mesmo em mãos de outros proprietários,

continuou a realizar experimentos agrícolas. Em 1901, como propriedade do Sr Abílio Soares,

recebeu a visita de Candido Rodrigues, acompanhado, dentro outros, dos redatores da Revista

Agrícola.

Em 1892, voltou ao Rio de Janeiro e estabeleceu seus viveiros na região do Encantado e

continuou a atuar como viveirista.

Referências Bibliográficas.

DOURADO, Guilherme Mazza. Belle Époque dos jardins: da França ao Brasil do século XIX e

início do século XX. Tese (Doutorado - Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e

Urbanismo. Área de Concentração em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo). Escola

de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, 2008. 215 p.

REVISTA AGRÍCOLA. Excursão a São Bernardo. In: Revista Agrícola. São Paulo, ano VIII, n.

90, p. 45 - 46.

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Andrade, Edmundo Navarro de (1881 - 1941)

Terminados os preparatórios, ingressou na Escola Militar. Sublevando-se, como Euclides da

Cunha, contra o comando, foi expulso do Exército. Transferiu-se, então, para sua terra natal. Foi

revisor de “O Município” de Domingos Jaguaribe Filho e “A Platéa”. Eduardo Prado, que era seu

padrinho, resolveu protegê-lo, enviando-o para a Escola Nacional de Agricultura de Coimbra.

Formou-se em 1903. Defendeu tese : As dunas. Por essa época, acompanhou o autor de Ilusão

Americana em suas excursões pela Europa. Teve ocasião de conviver com Eça de Queiroz,

Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Maria Amália e outras grandes figuras das letras

portuguesas. Depois do falecimento de Eduardo Prado, voltou ao Brasil, entrando, em 1903, para

a Companhia Paulista de Estradas de Ferro como diretor do Horto Florestal que ela tinha

empenho em criar entre Jundiaí e Cordeiro. Fundou e dirigiu, de 1908 a 1915, a revista O

Fazendeiro. Em 1911, ocupou o cargo de chefe do Serviço Florestal do Estado. Em 1913, fez,

comissionado pelo governo, uma viagem de estudos, percorrendo o Egito, a índia, Ceilão,

Malásia, Sumatra, Java, Nova Guiné e Europa. Realizou, em 1918, outra viagem, visitando, desta

vez, Cuba, Hawai, Japão, China, Estados Unidos e novamente a Malásia, Ceilão, Java e África do

Sul. Em 1922 e 1923, retornou à Europa; esteve em todos os países do Mediterrâneo, etc.. Para

completar seus estudos com referência à cultura do eucalipto, foi, em 1925, aos Estados Unidos.

De regresso, fez excursões pela América Central e toda costa ocidental da América do Sul. Foi

secretário da Agricultura de 1930 a 1931. Presidiu o Conselho Florestal do Estado, a Comissão de

Matérias Primas do Instituto de Defesa Nacional, foi sócio correspondente da Real Academia de

Turim, da Sociedade American Foresters e do Museu Nacional do Rio de Janeiro, membro do

instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo e da Sociedade Brasileira de Agricultura. Obteve a

medalha “Meyer” da Sociedade Americana de Genética, concedida a quem se destaque nos

trabalhos de introdução de plantas exóticas de importância comercial. Comendador da Ordem de

Cristo. Ocupou a cadeira n.” 38 (patrono Clemente Falcão Filho) da Academia Paulista de Letras.

Eucaliptólogo, entomólogo, e escritor.

Para análise de sua atuação como silvicultor ver Ferraro (2010).

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Referências Bibliográficas.

FERRARO, Mário Roberto. A modernização da agricultura e da silvicultura paulista (início

do século XX). Anápolis, GO: Universidade Estadual de Goiás, 2010, 106 p.Dicinário de

Paulistas.

MELO, Luiz Correia de. Dicionário de autores paulistas. São Paulo, SP: Comissão do IV

Centenário da Cidade de São Paulo, 1954. 678 p.

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Assis-Brazil, Joaquim Francisco de

Nasceu em São Gabriel, no Rio Grande do Sul, no dia 29 de julho de 1857 e faleceu 25 de

dezembro de 1938. Diplomou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo, em 1882. Ainda

estudante, influenciado pelo ambiente positivista, passa a atuar no movimento republicano sendo

redator de A República e A Evolução. Em 1881, publicou o seu primeiro livro A República

Federal. Deputado provincial no Rio Grande do Sul, nas eleições de 1887, em 1891 elegeu-se

deputado a primeira Constituinte republicana. Foi presidente do Rio Grande do Sul, de 12 a 19 de

novembro de 1891. Sua carreira parlamentar seria interrompida em virtude da ascensão e

sedimentação do castilhismo no Rio Grande do Sul, que constituiu tema permanente de sua obra

política e cuja oposição passou a liderar. Intermitentemente com sua vida política, na liderança da

oposição ao castilhismo no Rio Grande, Assis Brasil exerceu diversas funções na diplomacia;

embaixador do Brasil na Argentina (1890-92); enviado especial à China (1893); embaixador do

Brasil em Portugal (1895); embaixador nos Estados Unidos (1898); embaixador no México

(1902); ministro plenipotenciário do Brasil para o Tratado de Limites com a Bolívia (1903);

embaixador na Argentina (1905); delegado do Brasil ao 3° Congresso Internacional Americano

(1907). Depois de haver conseguido o fim das reeleições de Borges de Medeiros, em 1926, viria a

ser deputado federal pelo Rio Grande do Sul (1927-29); Ministro da Agricultura no Governo

Getúlio Vargas (1930-31); embaixador extraordinário na Argentina (1931) e chefe da delegação

brasileira à Conferência Econômica de Washington (1931). Integrou a famosa Comissão do

Itamarati, assim denominada por reunir-se no Palácio que leva esse nome, no Rio de Janeiro,

incumbida de elaborar o Anteprojeto da Constituição que seria votada em 1934. Participou

também do grupo que formulou a Lei Eleitoral de 1932, quando se criou a Justiça Eleitoral.

Elegeu-se em 1933 para a Assembleia Constituinte.

Escreveu um importante livro sobre agricultura moderna, A cultura dos campos, no qual procura

desfazer o mito de que somente as terras com matas virgens eram férteis. Foi fundador, em Paris,

da Sociedade para Animação da Agricultura Brasileira. Era amigo intimo de João Capistrano de

Abreu, a que foi professor particular de suas filhas. Também amigo do Doutor Domingos

Jaguaribe, de quem ganhou terras em Campos do Jordão.

Transformou sua fazenda, a Pedras Altas, em fazenda modelo. Recebia intelectuais e políticos.

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Capistrano de Abreu passou uma temporada lá.

Obras relacionadas a agricultura e pecuária.

Cultura dos campos; noções de agricultura. Lisboa: Tip. Universal, 1898. 367 p.; Conferência

n. 2” Congresso Nacional de Agricultura. Rio de Janeiro: Tip. do Jornal do Comércio, 1908;

Granjas de Pedras Altas; monografia. Buenos Aires: Talleres Gráficcos Ortega y Radaelli,

1908; A vida no campo e a reforma rural. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,

1917;Importemos garanhões puros-sangues árabes beduínos; conferência. Santa Maria,

1921;A indústria cavalar. Rio de Janeiro, 1927. (Conferência na Sociedade Nacional de

Agricultura); As exposições regionais. Pelotas, 1908. (Discurso na inauguração da 5a exposição

da soc. de agricultura e pastoreio de Pelotas - Almanaque Popular Brasileiro).

Referência Bibliográfica.

Paim, Antonio (apres). Dicionário biobibliográfico de autores brasileiros. Salvador ; Brasília,

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Barreto, Luiz Pereira (1840 – 1923)

Fluminense de Resende, nasceu em 11 de janeiro de 1840.

Formou-se em Medicina pela Universidade de Bruxelas, Bélgica, onde “formou-se em medicina

em 1864, depois de ter se doutorado em ciências naturais“.

Iniciou a vida política ainda no Império, como Deputado Geral por São Paulo. Renunciou ao

mandato em 1877, por não ser paulista nato.

Com a Proclamação da República, foi o 2º Vice-Governador do Estado (1889/90), nomeado pelo

Marechal Deodoro da Fonseca. Elegeu-se Senador Estadual pelo Partido Republicano Paulista

(PRP), tendo presidido o primeiro Congresso Constituinte Estadual, em 1891. Em seguida, foi

eleito Presidente do Senado Estadual, exercendo o cargo entre 15 de julho de 1891 e 29 de

janeiro de 1892.

Elegeu-se ainda, Deputado Federal para o período 1891/93.

Foi membro fundador da Academia Paulista de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de

São Paulo. Filósofo de vertente positivista, dedicou-se também às questões agrícolas.

Foi o primeiro reconhecer na imprensa o valor das terras roxas para a lavoura cafeeira e a fazer

campanha em favor da ocupação daquelas regiões na imprensa fluminense, o que atraiu muitos

cafeicultores do Vale do Paraíba decadente para o interior da província.

Foi redator da Revista Agrícola.

Segundo Miranda Azevedo, Pereira Barreto era correspondente, “amigo e emulador” do

naturalista francês, Charles Naudin, diretor da Villa Thuret, uma fazenda experimental, no

interior da França, para tranformar sua propriedade em Pirituba, nos arredores da capital paulista

em fazenda modelo e em centro de experimentação científica. Fez experimentos com eucaliptos e

com a viticultura. Por intermédio de Naudin, Barreto introduziu e aclimatou em sua chácara

inúmeras plantas. Azevedo propunha a transformação do sítio de Pirituba em escola Agrícola.

Pereira Barreto teve ativa participação na campanha eleitora em favor de Jorge Tibiriçá,

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responsável em seu governo por importantes reformas na agricultura paulista.

Atuava também na Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, fundada em 1895 e no

Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

Grande polemista, debateu-se com Eduardo Prado a respeito de questões de cunho teológico e

filosófico. Barreto era positivista e ateu e Eduardo Prado, que era católico praticante, mas

segundo Nabuco, controvertido, pois não abria mão da vida mundana parisiense, ao mesmo

tempo em que devotava as monjas beneditinas da Rua Monsieur, não deixava de apreciar os

cabarés de Montmartre. Perguntava-se Nabuco: “o que diriam os Padres da Igreja dos gostos

deste teólogo?” (NABUCO, 2005, p. 411) Essa polêmica foi relata por Jorge Americano ( 2004)

Pereira Barreto faleceu em São Paulo, no dia 11 de novembro de 1923.

Referências Bibliográficas.

AMERICANO, Jorge. São Paulo Naquele Tempo (1895 - 1915) .2. ed. - São Paulo: Carrenho

Editorial / Narrativa Um / Carbono 14, 2004. 432 p.

AZEVEDO, A. C. de Miranda Azevedo. Carlos Naudin. In: Revista Agrícola. São Paulo, v. 5, n.

48, p. 255 - 265, jun 1899.

NABUCO, Joaquim; MELLO, Evaldo Cabral de; FROTA, Lelia Coelho; Joaquim Nabuco:

diários. Rio de Janeiro; Recife, PE: Bem-Te-Vi: Massangana, 2005. 2v.

SÃO PAULO (Estado). Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Divisão de Acervo

Histórico. Galeria dos presidentes da Assembleia Legislativa de São Paulo. São Paulo:

Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, Departamento de Comunicação,2006. 72 p.

Disponível em <http://www.al.sp.gov.br/web/acervo2/publicacoes/Livros/Presidentes.pdf>

Acessos em 29/04/2011>.Acessos em jun. 2012.

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271

Beringuer, Sancho

Fazendeiro em Santa Rita do Passa Quatro, SP. Sua propriedade rural era considerada modelo.

Bacharel em direito, mas com conhecimentos em agronomia. Possuía estábulos modernos para

criação de amimais com a finalidade também de aproveitar o estrume, o que não era usual na

época.

Referências Bibliográficas.

BOTELHO, Carlos. Considerações sobre uma visita fazenda do Sr. Sancho de Berenguer em

Berenguer, Revista Agrícola, São Paulo, v 1, n 6, p. 85 -87, nov 1895.

LACERDA, J. B. de. Fastos do Museu Nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1913. 188

p.

Bicudo, Bento Augusto de Almeida

O coronel Bento Augusto de Almeida Bicudo, nasceu em meados do século XIX em São Paulo, e

era filho de João Bicudo de Almeida e de d. Maria Tereza Alves Nogueira. Foi voluntário da

Guerra do Paraguai e grande agricultor. Ocupou durante muitos anos uma cadeira no Senado

Estadual.

Era proprietário da fazenda Mato Dentro, em Campinas, SP. Hoje um pequeno fragmento da

fazenda original, com a sede preservada, forma o Parque Ecológico “Monsenhor Emílio José

Salim”, na área urbana do município.

Seu arquivo pessoal forma uma coleção ou fundo no Museu Paulista (MAKINO, 2002-2003. p.

261 )

Referências Bibliográficas.

SÃO PAULO. Prefeitura Municipal. Histórico das Ruas de São Paulo. Disponível em

<http://www.dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/ListaLogradouro.aspx>

Acessos em 25 de jun 2012.

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272

MAKINO Miyoko. O serviço de documentação textual e iconografia do Museu Paulista. Anais

do Museu Paulista. São Paulo, nova série. v. 10/11. p. 259-304, 2002-2003. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v10-11n1/14.pdf> . Acessos em 23 de jun 2012.

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273

Botelho, Antonio Carlos de Arruda - Visconde do Pinhal.

Segundo Ana Luiza Martins, apud Figueirôa (1987, p. 44), o Visconde de Pinhal, era “... um

homem de vanguarda de seu tempo, a despeito de monarquista: o fundador da cidade (São

Carlos), o empresário da ferrovia, o banqueiro, e idealizador da Comissão Geográfica e

Geológica. (...) Como cafeicultor abriu na região de São Carlos cinco fazendas e na região de

Jaú, oito, sendo que na fazenda 'Salto de Jaú' instalou uma serralheria modelo. (...) Com, cerca

de dois milhões de cafeeiros e modernos maquinarias para o tratamento de café, sua produção

ultrapassava 200 mil arrobas. Coexiste com o cafeicultor, a figura do político que atuou desde

1857 como presidente de Câmara de Araraquara para tornar-se um dos pilares do Império, não

só como membro prestigioso do Partido. Liberal, mas também pelos relevantes serviços

prestados ao monarca. (...) A figura do empresário aparece aparta de 1880, quando obtém

subscrições e também investe capital próprio na criação da Companhia de Rio Claro,

responsável pelo prolongamento dos trilhos da ferrovia de Rio Claro a São Carlos e

posteriormente até Jau.”.

Referências Bibliográficas.

MARTINS, Ana L. et alli. Restauro do palacete do Conde do Pinhal. São Paulo,

CONDEPHAAT, 1985. 58p. mimeogr. p. 04.

FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça. Modernos bandeirantes: a comissão geográfica e

geológica de São Paulo e a exploração científica do território paulista (1866-1931). 1987. 162f.

Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas, São Paulo, 1987.

BOTELHO, Carlos José de Arruda.

O Dr. Carlos José Botelho nasceu em Piracicaba, Estado de São Paulo, em 14 de

maio de 1855 e Faleceu em 1947. Era Filho do Conde do Pinhal. Ingressou na Faculdade de

Medicina do Rio de Janeiro, mas transferiu-se para Montpellier, na França, onde se formou em

1880. De volta ao Brasil, grangeou logo fama de operador emérito. Como fazendeiro foi um dos

primeiros a introduzir a agricultura moderna em suas terras. Fundou em São Paulo,na capital, o

Jardim da Aclimação, para adaptação de animais domésticos (gado vacum, cavalar, galinhas,

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dentre outros). Foi um dos fundadores da Revista Agrícola e seu redator até seu fechamento. Foi

co-fundador da Sociedade Pastoril e Agrícola e atuava na sua sucedânea, a sociedade paulista de

Agricultura.Foi secretário da Agricultura em São Paulo nos de 1904 a 1908. Nesse cargo prestou

relevantes serviços, tais como, introdução da cultura do arroz pelo sistema de irrigação, criação

do Posto Zootécnico Central na Capital, promoveu a importação de animais reprodutores, criou a

Agência Oficial de Colonização, etc. Os núcleos de colonização Nova Europa, Nova-Odessa,

Jorge Tibiriçá, Nova Paulicéa e Gavião-Peixoto foram criados com os seus esforços. Foi o

primeiro diretor clínico da Santa Casa de São Paulo, de 1891 a 1894. Faleceu em 20 de março de

1947.

Antonio Carlos Botelho de Souza Aranha publicou, numa edição bem cuidada, uma

biografia fartamente ilustrada de Carlos Botelho, seu bisavô, valendo-se de documentação

preservada em arquivo familiar. Para ele Carlos Botelho “nasceu no século XXI, viveu no XX e

vislumbrou São Paulo do século XIX”, conforme o título da obra.

Ferraro (2005) estudou sua contribuição para a reforma da agricultura paulista

enquanto secretário da agricultura do estado e São Paulo em sua dissertação de mestrado.

Referências Bibliográficas.:

ARANHA, Antonio Carlos Botelho de Souza. Carlos Botelho: nasceu no século XXI, viveu no

XX e vislumbrou São Paulo do século XIX. São Paulo: Edição do Autor, 2011.160p.

FERRARO, Mário Roberto. A gênese da agricultura e da silvicultura moderna no Estado de

São Paulo. Piracicaba, 2005.106p. Dissertação (Mestrado em Recursos Florestais.). Escola

Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Universidade de São Paulo. 2005.

SÃO PAULO. Prefeitura Municipal. Histórico das Ruas de São Paulo. Disponível em

<http://www.dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/ListaLogradouro.aspx>

Acessos em 25 de jun 2012.

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Brito, Eurico Augusto Xavier de

Naturalista do Museu Nacional, como atuação em antropologia e ictiologia. Foi secretário

instituição, na época um cargo de grande relevância, entre 1895 e 1899.

Referência Bibliográfica.

LACERDA, J. B. de. Fastos do Museu Nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1913. 188

p.

Burlamaqui, Frederico Leopoldo César (1803-1866)

Nasceu em Oeiras, Piauí. Seu pai ocupou cargos de governo, entre os quais o de presidente da

província de Sergipe.

Burlamaqui era doutor em matemáticas e ciências naturais pela Escola Militar, onde lecionou até

a sua aposentadoria. Exerceu a função de engenheiro militar e reformou-se como brigadeiro. Foi

diretor do Museu Nacional entre 1847 e 1866. Era sócio do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro (IHGB) e da Sociedade Vellosiana. Publicou inúmeros artigos em revistas

especializadas e jornais de grande circulação. Na Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional,

foi personagem atuante, tendo exercido o cargo de secretário honorário perpétuo, além de presidir

a Seção de Agricultura e assumir a redação do O Auxiliador desde 1854. Sua produção

intelectual é bastante diversificada, abrangendo geologia, matemática, metalurgia e agronomia.

Segundo Lopes, Burlamaqui foi também excelente químico e profundamente interessado tanto

nas atividades agrícolas como no processo emergente da industrialização do país‖ .

Desde a década de 1830, Burlamaqui se posicionara contra a escravidão e dizia-se discípulo de

José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838). O estudo Memória analítica acerca do comércio

de escravos e acerca dos males da escravidão doméstica (1837), hoje é importante referência

sobre pensamento antiescravista na época. O livro denunciava o caráter improdutivo da

escravidão e os males que ela incorporava à sociedade, distanciando cada vez mais o Brasil dos

países civilizados.

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Autor de vasta produção intelectual e um dos mais importantes homens das ciências do Brasil,

naquele período, Burlamaqui publicou sobre agricultura, pecuária e áreas afins. Dentre seus

trabalhos encontram-se Ensaio sobre a regeneração das raças cavalares do Império do Brasil‖

(1856); Aclimatação do dromedário nos sertões do norte do Brasil, e da cultura da tamareira

(1857); Manual dos agentes fertilizadores (1858); Manual de máquinas, instrumentos e motores

agrícolas (1859); Monografia do cafezeiro e do café (1860); Monografia da cana-de-açúcar

(1862); Monografia do algodoeiro (1863); Manual da cultura de arroz e de agricultura (1864);

Manual de Apicultura ou Tratado da cultura e tratamento das abelhas (1864); e Manual da

cultura, colheita e preparação do tabaco (1865).

Seu livro Catecismo de Agricultura, finalizado e publicado anos após sua morte por Nicolau

Joaquim Moreira, se observam uma intenção doutrinária e o propósito de enaltecer as ciências do

mundo civilizado. Ao mesmo tempo, demonstra o conhecimento de Burlamaqui sobre os mais

diversos assuntos relacionados a atividades do campo, como nutrição, anatomia e fisiologia

vegetal, química agrícola, estudo do solo, meteorologia agrícola, geologia agrícola, mecânica e

hidráulica agrícola, estrumes orgânicos e artificiais, pastos naturais e prados artificiais,

horticultura, silvicultura, melhoramento das raças e utilidade dos animais domésticos. A

linguagem é simples e a narrativa, construída em forma de diálogo entre mestre e discípulo, em

uma longa conversa por mais de 200 páginas.

Referências Bibliográficas.

BEDIAGA, Begonha. Marcado pela própria natureza: o Imperial Instituto Fluminense de

Agricultura e as ciências agrícolas - 1860 a 1891. ). 2011, 271 p. Tese (Dout.orado).,

Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências, Programa de Pós-Graduação em

Ensino História e Ciências da Terra, Campinas, 2011.

LOPES, Maria Margaret O Brasil descobre a pesquisa científica: os museus e as ciências

naturais no século XIX, São Paulo: Hucitec, 1997, 367 p.

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Camargo, José Fortunato de

Liderança política em Itapetininga, SP. Formado em agronomia em Gembloux, na Bélgica. Foi

deputado provincial . Escrevia esporadicamente na Revista Agrícola sobre assuntos ligados à

pecuária. Era criador de gado vacum e cavalar na Fazenda Aterradinho, no atual município de

Angatuba, SP, que provavelmente recebera como dote de seu sogro Domingos Jaguaribe Filho.

Possuia uma fabrica de manteiga considerada modelar, para a qual “contratou em 1899 os

agrônomos Láon Renaud e Hermai Vande Venne para instalar uma leiteria industrial e uma fábrica de

margarina [manteiga]. (STOLS, 1987, p. 373).

Referências Bibliográficas.

STOLS, Eddy . Penetraçao econômica, assistência técnica e “brain drain”: aspectos da emigraçao

belga para a América Latina por volta de 1900 .Jahrbuch für Geschichte Lateinamerikas =

Anuario de Historia de América Latina ( JbLA ), n. 13, 1976 (Ejemplar dedicado a: Emigración

europea a América Latina durante los siglos XIX y XX) , págs. 361-385.

Capanema, Guilherme Schuch, barão de (1824-1908).

Guilherme Schüch nasceu em Minas Gerais (em Timbopeba, nos arredores de Mariana-MG),

filho do austríaco Roque (Rochus) Schüch, bibliotecário e conservador do Gabinete de História

Natural da Imperatriz Leopoldina. Guilherme de Capanema ingressou no Imperial Instituto

Politécnico de Viena no ano letivo de 1841-42 (com 17 anos, portanto) e prosseguiu seus estudos

por 5 anos (ano letivo de 1845-46), Em 1846-47 Capanema estudou em na Academia de Minas

de Freiberg para completar sua formação.

Em 1847-48 ingressou por concurso como professor na Escola Militar e fez também as provas

necessárias para obtenção do titulo de Doutor em Ciências Físicas e Matemáticas.

Foi membro ativo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

De 1849 a 1876, quando foi adjunto da Seção de Geologia e Mineralogia do Museu Nacional.

Fundou um horto botânico para aclimatação de plantas em Curitiba, PR, localizado numa área

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que hoje se chama Vila Capanema em sua homenagem.

Esteve envolvido com mineração e era proprietário de várias minas. Foi também proprietário de

uma fábrica de papel, tecnologicamente considerada avançada para sua época.

Pertenceu e ajudou a fundar a Sociedade Velosiana, chefiou a Seção de Geologia da Comissão

Científica de Exploração das Províncias do Norte (também conhecida como Comissão do

Ceará·ou Comissão das Borboletas), e foi diretor da Repartição Geral dos Telégrafos desde

meados da década de 1850 ate o advento do regime republicano em 1889.

Segundo Begonha Bediaga (2010, p. 51) esteve na gênese do Imperial Instituto Fluminense de

Agricultura. Foi, portanto, um homem preocupado com os destinos da agricultura do país, sendo

um observador sagaz do estado de atraso da agricultura brasileira na época do Império.

Essa tese o apresentou como e foi membro do corpo de colaboradores da Revista Agrícola

paulista, como admirador da agricultura norte americano como sendo um dos primeiros a bradas

contra as queimadas.

Referências Bibliográficas.

ARAÚJO, Nilton de Almeida. Pioneirismo e Hegemonia: a construção da agronomia como

campo científico na Bahia (1832 - 1911). 2010 366 p. Tese (Doutorado em História).

Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.

BEDIAGA, Begonha. Marcado pela própria natureza: o Imperial Instituto Fluminense de

Agricultura e as ciências agrícolas – 1860 a 1891. 2011, 271 p. Tese (Doutorado em Ciência).

Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011.

FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça. Ciência e tecnologia no Brasil Imperial Guilherme

Schüch, Barão de Capanema (1824-1908). Varia história. Belo Horizonte, v. 21, n. 34, Jul.

2005. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-

87752005000200010&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 14 Fe, 2011.

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Cardoso, João Pedro

Nasceu no dia 17 de janeiro de 1871, em Pindamonhangaba, Estado de São Paulo.

Diplomou-se em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da Capital da República, na turma de

1893.

Iniciou o exercício de sua profissão como engenheiro da Estrada de Ferro Central do Brasil,

trabalhando nos prolongamentos de suas linhas. Integrou depois a Comissão Construtora da

Cidade de Belo Horizonte, no setor de implantação dos Serviços de Água e Esgotos. Retornou à

Estrada de Ferro Central do Brasil, na função de engenheiro residente da Seção de Construções,

sendo responsável por numerosas obras de arte, principalmente pontes em estruturas metálicas.

Vindo para São Paulo, exerceu as funções de Inspetor de Agricultura, em Campinas, onde

organizou memorável exposição de aparelhos a álcool.

Promoveu a primeira Festa das Árvores no país, em 7 de julho de 1902, na Cidade de Araras.

Foi convocado, a seguir, para a chefia do 2° Distrito da Superintendência de Obras Públicas do

Estado.

Ocupou depois o cargo de Engenheiro Ajudante da Inspetoria de Estradas de Ferro e Navegação

do Estado de São Paulo.

Com apenas 34 anos de idade e com o principal objetivo de explorar o longínquo sertão do

Estado, desconhecido a partir de Bauru e habitado pelos índios, aceitou o desafio da nomeação

para a chefia da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, onde sucedeu ao

notável Orville Derby, 1905; seguindo os cursos dos rios Tietê, do Peixe, Aguapeí, Santo

Anastácio, Feio, Paranapanema, Paraná e Grande, assim como os dos respectivos afluentes,

completou exploração Foi seu diretor até sua aposentadoria, em agosto de 1931.

Sob seu comando, a Comissão levantou, também, as cartas topográficas do litoral, em duas

etapas, Sul e Norte do Estado, assim como do Ribeira de Iguape, do Rio Juqueriquerê, das

Regiões de Taubaté, de Sorocaba e outras.

À sua repartição se devem ainda numerosas folhas topográficas, muitos boletins, cartas gerais do

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Estado e da Cidade de São Paulo, em diversas fases.

Como representante do Estado de São Paulo, assinou os acordos de divisas com os Estados de

Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro estendendo sua atuação a prol do Estado até 1937, com o

acordo de Belo Horizonte, nos Governos de 'Armando de Salles Oliveira e Benedito Valadares.

Em 1922 organizou, no Rio de Janeiro, o Pavilhão de São Paulo para a exposição do Centenário

da Independência, merecendo o “Prêmio de Colaboração”.

Representou São Paulo em vários congressos brasileiros de Geografia, destacadamente na Bahia,

onde foi árbitro da questão de limites com Sergipe.

Atuou na iniciativa privada como fundador da empresa que iniciou a comercialização das águas

minerais da Prata, como Presidente da Companhia Paulista de Drogas e da Companhia Força e

Luz São Valentim, e como diretor da Empresa Campineira de Luz e Força e da Companhia

Mogiana de Estrada de Ferro.

Presidiu a Sociedade Paulista de Apicultura e dedicou-se à Santa Casa de Misericórdia de São

Paulo, nas qualidades de irmão benemérito, de mesário e vice-mordomo do Abrigo Sampaio

Vianna.

Foi casado com sua prima Elvira de Paula Machado Cardoso, também descendente da ilustre

família Villela.

Deixou uma filha, Catharina Elvira Cardoso Bueno, casada com o Desembargador Fernando

Euler Bueno.

Referência Bibliográfica.

REVISTA DO INSTITUTO GEOLÓGICO. João Pedro Cardoso. Revista do Instituto

Geológico São Paulo, v.3, n.1, p. 39-47, jan./jun. 1982.

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Carmo, Antonio Gomes do

Pouco se sabe a respeito de Antonio Gomes do Carmo: pois não foi possível encontrar dados para

escrever sobre sua trajetória. Sabe-se que nasceu em Itabira do Campo, atual Itabirito, MG, filho

de um fazendeiro, que lamentava o fim da escravidão. Que estudou agronomia em Montpellier ,

na França, onde se formou em 1889. Que ficou algum tempo ainda na Europa trabalhando nas

fazendas na condição de simples operário para poder realizar suas observações. Que retornou ao

Brasil em 1891 e tornou-se lente concursado no Ginásio Mineiro. Dirigiu a Colônia Cesário

Alvim em Minas Gerais por curto período. Que realizou experimentos agronômicos na fazenda

paterna e que prestava assessoria agronômica a vizinhos e interessados. Plantava uva e produzia

vinho em parceria com o irmão. Que era agente (vendedor) empresa comercial dos Srs. M. M.

King e C. do Rio de Janeiro, em Ouro Preto, MG. Que migrou para São Paulo em 1894. Mais

tarde, reformulou as fazendas de Carlos Botelho e Santos Werneck, grandes cafeicultores

paulistas. Foi proprietário da Revista Agrícola e que em 1897 ingressou no Instituto Agronômico

de Capinas, onde permaneceu por poucos Foi articulista do periódico A Lavoura, da Sociedade

Nacional de Agricultura do Rio de Janeiro. Trabalhou por anos no Ministério da Agricultura

Indústria e comércio.

Com o livro Problema nacional da produção do trigo, de 1911, Carmo concorreu a uma vaga

no IHGB, sendo aceito em 23 de agosto de 1912, mas não por unanimidade (REVISTA IHGB,

1913, p. 481). A partir de 1914 seu nome deixa de constar na relação de sócios. Não foi possível

apurar o porquê de seu desligamento.

Realizou estudos sobre a pecuária na Argentina, que foi publicado em espanhol (A indústria

pastoril na República Argentina. Buenos Aires: Sociedade Rural Argentina, 1916. 172 p.). Não

foram encontradas referências sobre sua estada em Buenos Aires. Como a partir de 1912 não há

mais sua presença na imprensa, foi levantada a hipótese dele ter migrado, mas não há sequer

indícios. Sua publicação mais recente, até onde se sabe, é de 1939, no Rio de Janeiro.

Segundo Edgar Carone, Carmo também assinava como Simão de Mantua, mas há controvérsias,

pois outros autores acreditam ser Simão um jornalista português radicado no Rio de Janeiro.

Carone comentou os dois livros de Simão:

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“Mantua, Simão de, pseudônimo de Antônio Gomes Carmo. Cartas de um chinês do Brasil para

a China publicadas na gazeta chinesa Tomh-Ha-Pao. São Paulo, Monteiro Lobato, 1923.

Apanhado caricato do Brasil e seus defeitos. O mineiro Carmo é crítico feroz da oligarquia e dos

vícios da primeira República. Neste livro mostra os erros sociais e políticos existentes e faz

sátira dos pseudo valores da classe dominante.

Mantua,Simão de, pseudônimo de Antônio Gomes do Carmo. Figurões vistos por dentro. São

Paulo, Monteiro Lobato, 1921. 2v., 18cm.Estudos humorísticos e críticos sobre personalidades

da Primeira República: Pinheiro Machado, Borges de Medeiros, Bias Fortes, Nilo Peçanha,etc.

Dados esparsos e, às vezes, injustos sobre pequenos acidentes da vida pessoal e política desses

personagens.” (CARONE, 1972, p. 87)

Há grande possibilidade de Carone ter razão quanto a verdadeira identidade de Simão de de

Mantua.

Obras importantes: CARMO, Antonio Gomes do A indústria pastoril na República Argentina.

Buenos Aires: Sociedade Rural Argentina, 1916. 172 p.; ___. Considerações históricas sobre a

agricultura no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura: Serviço de Publicidade

Agrícola, 1939, 39 p.; ___. Reforma da agricultura brazileira. Rio de Janeiro: Imprensa da

Casa da Moeda, 1897. 191 p.; ___. O problema nacional da produção do trigo. Rio de

Janeiro, Oficinas gráficas do divulgador brasileiro, 1911. 324 p.;___. O Estado moderno e a

agricultura. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. 419 p.; ___,. Considerações históricas

sobre a agricultura no Brasil . Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura: Serviço de

Publicidade Agrícola, 1939. 39 p.

Referências Bibliográficas.

CARONE, Edgard Oligarquias: definição e bibliografia Revista de administração de empresas,

Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 81 - 92, jan./mar. 1972

FERRARO, Mário Roberto. A modernização da agricultura e da silvicultura paulista (início

do século XX). Anápolis, GO: Universidade Estadual de Goiás, 2010, 106 p.

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Carvalho, Domingos Sérgio de (1866-1924).

Formado em 1887, foi lente do Museu Nacional, e diretor da Seção de Antropologia e Etnologia.

Carvalho participou da Diretoria da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) desde sua

fundação em 1897, bem como de sua Diretoria Técnica, na Seção encarregada de estudos e

respostas a consultas sobre questões específicas sobre a temática do Álcool e Defesa Agrícola

(MENDONÇA, 1997: 119). Teve papel ativo no Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio

(MAIC) para a transformação da instituição em S. Francisco do Conde da Bahia em escola média

federal de agricultura.

Carvalho foi o principal formulador do projeto de autonomização institucional do curso federal

de agronomia, ligado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC) em vez do

Ministério da Educação e Saúde. Este projeto transcendia a reformulação da Escola Superior de

Agricultura e Medicina Veterinária (ESAMV, 1913) propondo ao fim e ao cabo a remodelação de

todo o ensino agronômico federal. Esse projeto foi aprovado quase dez anos após sua morte.

Organizou a reforma do Museu Nacional em 1911. Uma das suas principais medidas consistiu na

transferência do Museu do Ministério da Justiça e Negócios Interiores para o MAIC, alterando-se

significativamente os fins a que se destinava o museu, introduzindo explicitamente sua função

escolar. Coordenando a integração de mais uma agência científica ao âmbito do MAIC, e

ampliando sua esfera de influência, o regulamento explicitava, ao lado das funções de

investigação científica, prestação de serviços e consultoria ao ministério, sua obrigação de

promover por todos os meios convenientes a vulgarização do estudo da História Natural. As

conferências voltaram a ser cursos, o museu foi novamente aberto ao público, mas destacam-se

entre as novas diretrizes a realização dos cursos de especialização da Escola Superior de

Agronomia e Medicina Veterinária (ESAMV), que necessitavam de laboratórios (LOPES, 1997:

229). Araújo o qualifica Domingos Sérgio de Carvalho como reformista conservador.

Referência Bibliográfica.

ARAÚJO, Nilton de Almeida. Pioneirismo e Hegemonia: a construção da agronomia como

campo científico na Bahia (1832 - 1911). 2010, 366 p. Tese (Doutorado em História).

Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.

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Cesar, José Alves de Cerqueira

Fazendeiro em Batatais.

Presidente interino do estado de São Paulo (dez. de 1891 a maio 1892)

Senador estadual (1891 - 1901)

Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia da Capital (1900 - 1902).

Referência Bibliográfica

SILVA, Márcia Regina Barros da. Santa Casa de Misericórdia de São Paulo: saúde e assistência

se tornam públicas (1875-1910). Vária Histori, Belo Horizonte, v. 26, n. 44, Dez. 2010.

Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-

87752010000200004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 23 jun 2012.

http://dx.doi.org/10.1590/S0104-87752010000200004.

Costa Sobrinho, José Leite da

Foi herói na Guerra do Paraguai, mas não possuía alta patente: era alferes.

Na década de1880 colaborava com o jornal Diário Popular, de São Paulo.

Foi secretário da Revista Agrícola por cerca de dois anos. Morava em Santos.

Em 1909, era diretor de tiro do clube de tiro de Santos.

Obras:

“Caça e pesca” em Almanaque paulista ilustrado, para 1896; Noções e conselhos práticos

para o uso dos banhos de mar e de rio. São Paulo Escola Typographica Salesiana, 1902. 42

páginas.

Não foi possível obter referências sobre seu livro Desabafo de um voluntário da pátria.

Referência Bibliográfica.

TRINDADE, Laércio. Histórias e lendas de Santos. Disponível em:

<http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0177b.htm>Acesso em 5 de junho 2012

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CUNHA, Euclides da

Nasceu a 2 de janeiro de 1866, num distrito do município de Cantagalo, Estado do Rio de

Janeiro. Preparou-se para cursar engenharia, matriculando-se na Escola Politécnica em 1885 mas

logo transferiu-se para a Escola Militar, naquela oportunidade localizada na Praia Vermelha.

Considerando-se republicano exaltado, resolve protestar perante o Ministro da Guerra, em

novembro de 1888, o que lhe valeria exclusão da Escola. Com a proclamação da República, é

readmitido na carreira militar, mas dela se desliga em 1896, dedicando-se à engenharia. Nessa

altura, por sua colaboração na imprensa periódica, já era jornalista relativamente conhecido.

Encontrava-se trabalhando no interior de São Paulo -quando foi convidado pelo jornal O Estado

de S. Paulo a fazer a cobertura jornalística do conflito de Canudos, no interior da Bahia,

circunstância que alteraria profundamente sua vida. A exemplo do comum dos republicanos,

encarava-aquele movimento como manifestação de inspiração monarquista. Revendo essa

posição escreveria Os Sertões, lançado em 1902, que o consagraria como estudioso da realidade

brasileira. Incumbido de missão técnica na Amazônia, teria oportunidade de escrever sobre a

região. Inscreveu-se e foi aprovado no concurso para preenchimento da cadeira de Lógica do

Colégio Pedro II, em 1909. Nomeado não teria oportunidade de dedicar-se ao magistério, pois

viria a ser assassinado a 15 de agosto de 1909. Tinha então apenas 43 anos.

Principais obras:

Os Sertões, campanha de Canudos. Rio de Janeiro : Laemmert, 1902. 632 p. ; Relatório da

comissão mista brasileiro - peruana de reconhecimento do Alto Purus Rio de Janeiro :

Imprensa Nacional, 1906. 76 ; Castro Alves e seu tempo. Rio de janeiro: Imprensa Nacional,

1907. 4l p.; Contrastes e confrontos. Porto: Empresa Literária e Tipográfica, 1907. 257 p.; A

margem da história. Porto : Chardron, 1909. 390 p.; Peru versus Bolívia. Rio de Janeiro: Jornal

do Comércio, 1907. 201 p.; Canudos: Diário de uma expedição. Introdução Gilberto Freyre. Rio

de janeiro : José Olympio, 1939. 186 p. (Coleção documentos brasileiros, 16), dentre outras.

Referência Bibliográfica.

Paim, Antonio (apres). Dicionário biobibliográfico de autores brasileiros. Salvador ; Brasília,

CDPB ; Senado Federal, 1999. 506p.

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Dafert, Franz Josef Wilhelm

“Franz Josef Wilhelm Dafert nasceu em Viena no ano de 1863. Doutourou-se pela Universidade

de Giessen e trabalhou na Alemanha como assistente do professor Gorlet, em Munique, e do

professor Kreusler, na Academia Agronômica de Poppelsdorf-Bonn”. (MELONE, 2004, p. 54).

Realizou experimentos com adubação orgânica e química, bem como sobrem a produtividade do

trabalho agrícola realizado de maneira tradicional e com maquinário agrícola. Trabalhava em

estreita colaboração com a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo.

Deixou o Instituto Agronômico de Campinas em 6 de Junho de 1898.

“Após sua passagem pelo Brasil foi diretor da Estação Experimental de Agronomia e Química

de Viena, a primeira e maior do gênero na Áustria”. (MELONE, 2004, p. 55).

Referência Bibliográfica.

MELONE, Reginaldo. Ciência e produção agrícola: A Imperial Estação Agronômica de

Campinas 1887 - 1897. São Paulo: Humanitas/FFlCHE/USP, 2004.

Dantas, Rodolfo Epifânio de Sousa -

Advogado e político (1854 -1901) Filho do Conselheiro Dantas, nasceu em Salvador, Bahia, no

ano de 1854. Formado em Direito pela Faculdade de Recife em 1875, exerceria o jornalismo no

Diário da Bahia, órgão do Partido Liberal. Entrou para a Câmara em 1878, tornando-se Ministro

no Gabinete de Martinho de Campos em 1882. Afastado da política, foi morar em Paris até 1891,

quando, com Joaquim Nabuco, fundou o Jornal do Brasil. Deixaria a direção do jornal no ano

seguinte.

Referência Bibliográfica.

PROJETO MEMÓRIA. Disponivel em

<http://www.projetomemoria.art.br/RuiBarbosa/glossario/r/rodolfo-dantas.htm>. Acesso em 29

maio 2012.

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Derby, Orville Adalbert

Orville Adelbert Derby nasceu 1851, em Kelloggsville, Estado de Nova York (Estados Unidos).

Residiu no Brasil por 40 anos, tendo obtido a cidadania brasileira. Derby nunca se casou, e

retornou aos Estados Unidos somente em duas ocasiões, em 1883 e 1890. Suicidou-se em 27 de

novembro de 1915,

Em 1869 ingressou no curso de geologia da University of Cornell, na cidade de Ithaca, sede do

condado de Tompkins (Estados Unidos). Veio ao Brasil pela primeira vez em 1870, ainda como

estudante e a convite de Charles Frederic Hartt (1840-1878), seu professor de geologia e

geografia, para participar juntamente com outros alunos de Cornell, da Expedição Morgan,

dirigida por Hartt.

Na primeira viagem ao Brasil Orville Adelbert Derby visitou Pernambuco, onde organizou uma

importante coleção de fósseis da formação Maria Farinha, Na segunda viagem da Expedição

Morgan, em 1871, Derby se dirigiu ao vale do Rio Amazonas, onde explorou os Rios Tocantins,

Tapajós e Xingu, e realizou uma coleta de fósseis carboníferos de calcário de Itaituba do Rio

Tapajós, da qual resultou uma importante coleção. Graduou-se em geologia, em 1873, e obteve o

grau de “Master of Sciences” em junho de 1874, na University of Cornell.

Entre 1873 e 1875 ocupou o posto de instrutor de geologia e paleontologia na University of

Cornell. Em 1874, substituiu Hartt em suas funções acadêmicas, quando este realizou uma nova

expedição científica ao Brasil da aceitação do Governo Imperial.

Em 1875, Hartt foi convidado pelo Imperador D. Pedro II para chefiar a recém-criada Comissão

Geológica do Império e Derby foi nomeado seu assessor e passou a residir na cidade do Rio de

Janeiro. A comissão durou apenas dois anos e seu acervo foi transferido para o Museu Nacional,

onde Derby passou a trabalhar.

Orville Adelbert Derby foi nomeado chefe da 3ª seção de geologia nesta instituição,

permanecendo neste cargo até 1890.

De 1879 até 1886, Orville Adelbert Derby dedicou-se integralmente às atividades no Museu

Imperial como pesquisador, professor e organizador das coleções de mineralogia e de

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paleontologia pertencentes ao acervo da instituição. Realizou neste período, inúmeros trabalhos

de campo, e publicou cerca de 42 trabalhos não só no ramo da geologia, como também no campo

da mineralogia, petrografia, paleontologia, jazidas minerais e meteoritos..

Em 1885, Derby foi convidado pelo presidente da província de São Paulo, João Alfredo Corrêa

de Oliveira, para formular um plano de estudos sobre a geografia, o relevo, e a estrutura

geológica de São Paulo. Sua proposta apresentava uma visão integrada da natureza,

contemplando a geologia, a geografia, a botânica, a zoologia, a climatologia e a etnografia e foi

aceito, e daí resultou a criação da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo. Ocupou

concomitantemente o cargo de chefe da 3ª seção de geologia do Museu Imperial e Nacional,

segundo os Fastos do Museu Nacional (p. 181) até maio de 1890. Em 1905, após dificuldades

políticas com o governo do estado geradas por polêmicas sobre morosidade dos trabalhos da

Comissão e eu pedido de demissão foi aceito e ele foi substituído pelo engenheiro civil João

Pedro Cardoso.

Após desligar-se da Comissão paulista, Orville Adelbert Derby dirigiu o Serviço de Terras e

Minas do Estado da Bahia, cargo que ocupou até de janeiro de 1907. No período em que lá

esteve, estudou a geologia local, intensificando as pesquisas acerca da ocorrência de manganês e

de diamante em algumas áreas.

Em fins de 1906, organizou o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil,

O Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, a partir de 1909, ficou subordinado ao Ministério

da Agricultura, Indústria e Comércio. Depois de 1910, o órgão passou por uma série de

dificuldades, principalmente com a redução de verbas que levou à diminuição dos salários de

seus funcionários. Com o início da 1ª Guerra Mundial, o orçamento da instituição foi bastante

reduzido e as diretrizes foram modificadas, repetindo os episódios que haviam ocorrido

anteriormente com a Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo. Derby solicitou,

então, verbas para a instituição, mas esta reivindicação não foi atendida por José Rufino Bezerra

Cavalcanti, que assumira o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio em julho de 1915.

Orville Adelbert Derby trabalhou no Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil até seu

falecimento, em 1915.

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Orville Adelbert Derby atuou em vários campos das ciências geológicas, tendo publicado 48

trabalhos sobre mineralogia e geologia econômica, 42 de geografia física e cartografia, 32 de

geologia, 10 de petrografia, 19 de meteorologia, e 18 de arqueologia e paleontologia. Publicou

em 1891 os primeiros mapas pormenorizados da América Meridional, e em 1915 um dos

primeiros mapas geológicos do país. Muitos de seus estudos sobre o Brasil foram publicados na

França, Alemanha e Estados Unidos.

Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, da London Geological Society e

da American Association for the Advancement of Science, e colaborador dos periódicos

American Journal of Science, The Proceedings of the American Philosophical Society, e

Quarterly Journal of the Geological Society.

Referência Bibliográfica.

CASA DE OSWALDO CRUZ / FIOCRUZ. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da

Saúde no Brasil (1832-1930). Disponível em:

<.http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/P/pdf/derbyorv.pdf>. Acessos em 30 jun. 2012.

Draenert, Frederico Maurício.

Segundo Antônio Gomes do Carmo, apoiado, em artigo de M. Pinto, discípulo de Draenert, do

Almanack Uberabense, de 1906,”Frederico Maurício Draenert era natural da Alemanha, nasceu

em Weimar, a 2 de dezembro de 1838, onde diplomou-se em ciências físicas e naturais. Sua

carreira no magistério teve início em Mekemburgo, na escola denominada Instrução Superior;

ainda ali fez parte do corpo docente do Ginásio Realista do Dr. H. Shleiden, regendo a carreira

de ciências físicas.

Muito moço veio para o Brasil (1865) a convite do Barão de Paraguaçu, que exercia nessa

ocasião o cargo o cargo de cônsul de nosso país em Hamburgo, afim de educar os filhos de

abastado agricultor na então província da Bahia; tomou depois igual encargo, ensinado o Barão

de Passé, naquele província.

Naquela época grassava na Bahia uma devastadora moléstia na cana de açúca; e aproveitando

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sua estada em uma das fazendas do referido titular, o Doutor Draenert fez estudos importantes a

respeito, cabendo-lhe a glória de constatar a bacteriose no reino vegetal, isto em 1868,

publicando seus estudos no Jornal da Bahia e em periódicos nacionais e estrangeiros”

Em 1872, o Dr Draenert foi nomeado para encargos importantes na Escola Agrícola de São

Bento das Lages, também na Bahia; foi organizador dos trabalhos de gabinete e laboratório de

física e química e do respectivo museu, sendo mais tarde nomeado professor daquelas matérias,

de minarologia e tecnologia agrícola. (...) . Durante sua permanência na Escola Agrícola

publicou grande número de monografias, entre as quais: O fabrico do açúcar pela difusão, e

Meteorologia.” (CARMO, 1909, p. VI)

Posteriormente no Rio de Janeiro no Ministério da Agricultura, onde participou de importantes

comissões. Finalmente foi nomeado diretor do Instituto Zootécnico, de Uberaba.

Traduziu do inglês o livro Forragem e Nutrição e do alemão, o monumental livro Agricultura

Tropical, de Henrique Semler (1909, 1910).

Referências Bibliográficas.

REVISTA AGRÍCOLA. Dr Frederico Draenert In: Revista Agrícola, São Paulo, v. IX, n.99 , p.

441, out. 1903.

CARMO, Antônio Gomes do. O Dr Frederico Maurício Draenert e sua obra no Brasil (Proêmio)

In: Semler, Henrique. A agricultura nas regiões tropicais: manual para os agricultores e

comerciantes. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908 (v. 1), p. I -IX.

SEMLER, Henrique. A agricultura nas regiões tropicais: manual para os agricultores e

comerciantes. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908 (v. 1), 1910, (v. 2).

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Dutra, Gustavo Rodrigues Pereira

Natural de Santo Amaro, na Bahia.

Egresso da primeira turma da escola, em 1880, foi contrado professor logo em seguida e ocupou

o cargo de diretor da Escola Bahiana de Agronomia (1894-1898) Trabalhou no Instituto

Agronômico de Campinas de 1898 a 1913 e deixou vasta obra nos Boletins da Agricultura e

Revista Agrícola.

Em 1900, já emigrado para São Paulo partiu em comissionado para os Estados Unidos e Europa.

Especializou-se em agronomia na escola de Grignon (França).

No inicio do século XX foi diretor do IAC, onde permaneceu até 1908, quando foi para a

Secretaria da Agricultura de São Paulo, substituindo Cândido Rodrigues.

Foi o introdutor da soja no Brasil.

Primeiro diretor da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, no Rio de Janeiro.

Sua monografia de conclusão de Curso foi analisada por Araújo (2010), que qualificou o autor

como pragmático.

Publicou muitas monografias no Boletim da Agricultura e Revista Agrícola.

Referência Bibliográfica.

ARAÚJO, Nilton de Almeida. Pioneirismo e Hegemonia: a construção da agronomia como

campo científico na Bahia (1832 - 1911). 2010, 366 p. Tese (Doutorado em História).

Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.

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Ernest Lehmann

Austríaco, engenheiro agrônomo, em 1892, indicado por Dafaert, foi nomeado pelo governo do

estado de São Paulo como Diretor da Escola Agrícola de Piracicaba, em comissão, para realizar

os trabalhos de adaptação da fazenda para nela funcionar a escola. Era funcionário do IAC.

Falcão Filho, Clemente

Nasceu em São Paulo em 1834 e faleceu em 1887. Estudou na Faculdade de Direito de São Paulo

(1851 -1855). Continuou seus estudos e, após defesa de sua tese em 1857, recebeu o título de

Doutor. Foi professor na mesma faculdade. Colaborou em diversos jornais, em especial no

Correio Paulistano, tendo escrito também algumas peças de teatro. Como empresário, participou

de diversos empreendimentos na antiga Província de São Paulo. Deve-se a ele, por exemplo, a

organização da Cia. Cantareira de Águas e Esgotos e da Cia. de Gás e Óleo de Taubaté. Além

disso, esteve presente na implantação de diversas linhas férreas, das quais se destaca a “Cia. de

Estradas de Ferro do Norte”, que ligou a cidade de São Paulo com o Rio de Janeiro

(posteriormente essa estrada foi encampada pelo governo e anexada à E. F. Central do Brasil).

Fundador da Cia Estrada de Ferro Bragantina. Foi também o primeiro presidente da Companhia

Paulista de Estradas de Ferro.

MELO, Luiz Correia de. Dicionário de autores paulistas. São Paulo, SP: Comissão do IV

Centenário da Cidade de São Paulo, 1954. 678 p.

Fonseca, João Severiano da

Nascimento: 27/5/1836; Natural de: Cidade de Alagoas, AL. Filiação: Manuel Mendes da

Fonseca e Rosa Maria Paulina Barros Cavalcanti da Fonseca. Falecimento: 11/12/1897

Irmão do Marechal Deodoro da Fonseca e de Severiano Martins da Fonseca, que foi comandante

da Escola Militar da Praia Vermelha.

Formado em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1858.

Segundo Silva (1989, p. 21) Ingressou no exército como médico militar em 1862, servindo no

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Hospital Militar da Guarnição da Corte, depois Hospital Central do Exército. Foi Médico militar

do exército brasileiro na Guerra do Paraguai; Professor de Ciências Físicas e Naturais na Escola

Militar da Praia Vermelha.

Foi Senador da República entre 1890 e 1891 e de 1891 a 1891.

Homenagens Recebidas

Comendador da Ordem da Rosa; Cavaleiro da Ordem do Cruzeiro; Cavaleiro da ordem de Cristo;

Oficial da ordem de São Bento de Aviz.

Trabalhos Publicados

Fonseca, João Severiano. Da viagem ao redor do Brasil, 1875-1878. Rio de Janeiro. Tip. Do

Pinheiro, 1880-1881 2 V.; Da moléstia em geral; periodicidade das moléstias. Tese Inaugural.

Rio de Janeiro. 1958; A gruta do inferno. Memórias apresentadas ao IHGB na revista trimestral,

tomo 45, 1882, Parte segunda, Pp. 21-34; Relatório do quinquagenário do IHGB publicado no

livro Instituto Histórico, homenagem ao seu quinquagésimo aniversário 21/10/1888;

Climatologia de Mato Grosso; In Anais Brasilienses de Medicina, Tomo Quadragésimo Sétimo

1881-1882; Sobre o celibato clerical e religioso Revista do IHGB, Tomo 55, Parte Segunda, P.

384; - Origem das Sociedades de Estudo. Início da Publicação: Anais da Academia

Philosóphica 1858, Continuou sendo publicado na Revista Popular 1861.

Referências Bibliográficas.

BRASIL. Senado Federal. Biografias dos senadores do período republicano. Disponível em:

<http://www.senado.gov.br/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=1829&li=21&lcab=1890

-1891&lf=21> . Acesso em 22 de maio 2011.

SILVA, Alberto Martins da. General João Severiano da Fonseca. Rio de Janeiro: Biblioteca do

Exército Editora, 1989. 167 p.

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Fonseca, Antonio Caetano da, Padre

O padre Antonio Caetano da Fonseca, vigário da freguesia de São Paulo do Muriaé, proprietário

de terras e escravos, redigiu, em 1863, um manual de orientação agrícola* onde se preocupava,

entre outros assuntos, com o tratamento dado ao escravo e à sua constituição familial. Defendia a

agricultura moderna e era admirado por Antonio Gomes do Carmo, que inseriu artigos seus no

livro Reforma da Agricultura. O Padre Antonio Caetano se preocupava com a devastação

ambiental.

Os padres usavam do saber agronômico para fundarem escolas agrícolas para órfãos e como

instrumento proselitismo religioso.

Guimarães Rosa, por exemplo, no conto a Hora e a vez de Augusto Matraga, mostrou que o padre

que foi dar assistência religiosa a Matraga quando ele estava a se recuperar dos ferimentos, tinha

interesse nas plantas e animais domésticos, pois o padre”ainda achou de ensinar à preta um

enxofre e tal para o gogo dos frangos, e aconselhou o preto a pincelar água de cal no limoeiro, e

a plantar tomateiros e pés de mamão” .(ROSA, 1996, p. 22).

*Cf. FONSECA, Antônio Caetano da. Manual do agricultor de gêneros alimentícios ou

méthodo da cultura mista desses gêneros nas terras cansadas. Rio de Janeiro: Eduardo &

Henrique Laemmert,1863.

Referência Bibliográfica.

ROSA, João Guimarães. A hora e a vez de Augusto Matraga. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

1996. 52 p.

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Ihering, Hermann Friedrich Albrecht Von

Nasceu em 9 de outubro de 1850, em Kiel (Alemanha). Faleceu em 24 de fevereiro de 1930, em

Büdigen, Upper Hesse (Alemanha).

Casou-se com Anna Maria Clarz Belzer, viúva. teve dois filhos, Clara e Rodolpho von Ihering,

também pesquisador da zoologia brasileira. Viúvo, casou-se com Meta Buff. Naturalizou-se

brasileiro em 1885. Doutorou-se em medicina, em 1873, na Universidade de Göttingen, e obteve

seu PhD em zoologia em 1876. Foi lente de zoologia na Friedrich-Alexander-Universität-

Erlangen-Nürnberg (University of Erlangen-Nuremberg), em 1876, e Privatdozent de zoologia na

Universität Leipzig, em 1878 (FUNARI, 2002).

Ihering veio para o Brasil em 1880 residiu no Rio Grande do Sul até 1894, quando mudou-se para

São Paulo. No Sul organizou uma coleção de pássaros, a qual foi por classificada e empalhada

com a colaboração de seu amigo Theodor Bischoff (1807-1882) (VITORAZZI, 2006). Estudou

também a fauna da Lagoa dos Patos e arredores. Ihering retratou a natureza daquela região na

obra “A Lagoa dos Patos no século XIX: na visão do naturalista Hermann von Ihering”

(Compilação e Tradução de Clarisse Odebrecht. Pelotas, RS: Ecoscientia, 2003). Nomeou e

descreveu, junto com o ornitólogo alemão Hans Hermann Carl Ludwig von Berlepsch (1850-

1915), inúmeras aves da província do Rio Grande do Sul (NOMURA, 2006). Berlepsch era

Conde, e com seus recursos teria, inclusive, financiado alguma das expedições de Ihering

(HANS, 2006).

Em 1883 foi contratado como naturalista-viajante do Museu Nacional e demitido em 1891.

Em 1893 Orville A. Derby, chefe da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, o

trouxe a São Paulo para dirigir a recém-criada seção zoológica daquela Comissão, mas já 1894

Ihering foi nomeado Diretor do Museu Paulista, cargo que ocupou até 1915.

Na solenidade de inauguração o zoólogo alemão destacou o caráter científico daquela instituição:

“(...) Seja-me permitido congratular-me com sua excelência por ter criado um museu sobre bases

realmente científicas como até agora no Brasil não existiu (...) o fim de nossas coleções é

demonstrar a interessante natureza da America do Sul e do Brasil e em especial do homem sul

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americano (...) O que nós pretendemos fazer são classificações científicas (...).” (Revista do

Museu Paulista, 1895. Apud SCWARCZ, 1993, p.80)

A concepção de museu que imprimiu ao Museu Paulista foi a de um museu sul-americano, tendo

em vista seus próprios trabalhos que apresentavam dimensões continentais. Para tal entendeu que

deveriam ser coletados produtos de diversas regiões, e realizados estudos comparativos

fundamentados nos métodos mais utilizados nos museus modernos e apresentados com

indicações de fácil compreensão (LOPES, 1997).

Em janeiro de 1896 foi publicado o primeiro número da Revista do Museu Paulista,. Ihering foi

responsável por 40% dos artigos publicados pela revista da instituição, nos quais privilegiou o

tema da zoologia. Publicou, em quase todos os números da revista, matérias nas quais

apresentava um balanço das atividades da instituição, e sobre a organização e o crescimento das

coleções.

Hermann Von Ihering também manteve intercâmbio com outros cientistas e estabelecimentos

estrangeiros, como o Musée de Paris, o British Museum, o National Museum of Natural History e

a Smithsoniam Institution.

Em 1915, diante de acusações polêmicas, foi afastado do cargo de Diretor do Museu Paulista

Recebeu, em seguida, diversos convites de museus e universidades fora do Brasil. Foi para o

Chile e depois para a Argentina, onde contribuiu com o Museu de História Natural de La Plata e

lecionou zoologia na Universidade de Córdoba.

Fontes .

DESTAQUES. A Lagoa dos Patos no Século XIX: na visão do naturalista Hermann von Ihering.

Disponível em

<http://www.useb.com.br/busca_resultado.asp?buscar_livro=ihering&imageField3.x=15&image

Field3.y=10>. Acesso em 11 out. 2006.

FUNARI, Pedro. Paulo. Desaparecimento e emergência dos grupos subordinados na

Arqueologia Brasileira. Horizontes Antropológicos. Arqueologia e Socieades Tradicionais , ano

8, v. 18, p. 131-154, 2002. Disponível em:

<http://www.maea.ufjf.br/Artigos%20Funari/texto12.pdf.> Acesso em 11 out. 2006.

LOPES, Maria Margareth. O Brasil descobre a Pesquisa Científica: os Museus e as Ciências

Naturais no século XIX. São Paulo: Hucitec, 1997.

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297

NOMURA, Hitoshi. As Aves Brasileiras descritas no século XIX. Atualidades Ornitológicas ,

Ivaiporã, PR, n.132, p.29-30, jul./ago. 2006.. Disponível na em <

http://www.ao.com.br/download/secxix.pdf> . Acessos em 25 out. 2006.

ROCHA, Yuri Tavares; CAVALHEIRO, Felisberto. Aspectos Históricos do Jardim Botânico de

São Paulo. Revista Brasileira de Botânica , São Paulo,v.24, n.4, p.577-586, dez. 2001. Disponível

em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-84042001000500013&script=sci_arttext> .

Acesso em 25 out. 2006.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Museu Paulista ou Museu do Ypiranga. In: O Espetáculo das

Raças: cientistas, instituições e questão nacional no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia

das Letras, 1993. p. 78-83. (BCOC)

VITORAZZI, Daniel Henrique. Notas sobre um ilustre conterrâneo Rodolpho von Ihering

Disponível em: <http://www.portaltc.com/colunas/dani/01_4.htm> Acesso em 04 dez. 2006.

Referência Bibliográfica.

CASA DE OSWALDO CRUZ / FIOCRUZ., Hermann Friedrich Albrecht Von Ihering.

Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Disponível

em: <http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/P/verbetes/iheherm.htm>. Acesso em 28 de

jun 2012.

Hummel, Harold Alexander

Alexandre Hummel foi preparador no Museu Sertório, embrião do Museu Paulista, desde antes

de 1891.

Segundo Makino et all ( 2002 -2003, p. 261) existe um fundo ou coleção com documentos seus

no Museu Paulista.

Traduziu do alemão “Viagem do Paraguay ao Amazonas”, de Paulo Ehrenreich, e a “A segunda

expedição alemã ao rio Xingu”, de mesmo autor, que foram publicadas na revista do IHG_SP.

Morou em Tietê, SP, de onde frequentemente enviava material para as coleções do Museu

Paulista. Escrevia na imprensa local e foi professor particular de Cornélio Pires.

Referência Bibliográfica.

MAKINO, Miyoko. O serviço de documentação textual e iconografia do Museu Paulista. Anais

do Museu Paulista. São Paulo. Nova Série. v. 10/11. p. 259-304 (2002-2003). Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v10-11n1/14.pdf> . Acessos em 23 de jun 2012.

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Jaguaribe Filho, Domingos José. Nogueira

Filho do precedente e da Viscondessa sua esposa, Da. Clodes Santiago de Alencar Jaguaribe.

Nasceu em Fortaleza a 2 de Novembro de 1847. Doutor em Medicina pela Faculdade do Rio de

Janeiro tendo redigido com outros a Revista Acadêmica e o Acadêmico. Fez parte do Congresso

Constituinte de S. Paulo, Estado onde reside ha longos anos, e foi deputado geral pelo Ceará na

ultima legislatura do Império. É notável propagandista da autonomia do município e para

sustentação de suas ideias fundou e redigiu o jornal O Município, empresa em que despendeu

largos cabedais. O Dr. Domingos Jaguaribe é muito dado à propaganda do ciclismo, tendo sido

um dos fundadores e o l.° presidente do Veloce Club, de S. Paulo. A agricultura e a indústria

pastoril se tem também dedicado com afinco; provam-no os Comícios Rurais, que iniciou em S.

Paulo, a Sociedade Pastoril por ele fundada, o 1.° Congresso Agrícola havido em S. Paulo e no

qual representou o distrito do Rio Claro, e os diversos projetos que teve ocasião de apresentar

como deputado. É Comendador da Rosa, membro benemérito do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, um dos fundadores do Instituto

Histórico de S. Paulo (foram seus companheiros Estevão Bourroul e Antonio de Toledo Piza) e

do Gabinete de Leitura do Rio Claro, Professor correspondente da Escola de Psychologia de

Paris, Diretor do Instituto Psyco-physiologico de. S. Paulo, membro da Sociedade de Psycologia

de Paris e da Society for Psychical Research de Londres, sócio correspondente do Instituto do

Ceará. Encontra-se sua biografia em várias revistas como A Tarde Ilustrada e a Bicycleta, de S.

Paulo.

Obras: Os herdeiros de Caramuru, em 2 vols., de 205 e 232 pp., 1880, S. Paulo, Typ. de Jorge

Seckler. É um romance de propaganda abolicionista; Arte de formar homens de bem, oferecida

às mães de família, S. Paulo, Typ. do Correio Paulistano, 1880.. Ha desse seu trabalho uma

traducção franceza devida ao Dr. J. Neave; O Sul de S. Paulo. Contribuição para o estudo de

geographia physica desta zona da Província de S. Paulo, Typ. de Leroy King Bookwalter,

1886, 86 pp. Acompanha um Mappa da zona organisado por Porfirio Alvarez da Cruz e

offerecido ao autor; Catechismo Municipal, , S. Paulo, Typographia a Vapor d'O Municipio,

1896; Villa Jaguaribe nos Campos do Jordão, S. Paulo, Typ. King, 1897; Origens

Republicanas do Brasil antes do século XIX. In:Revista do Instituto Histórico do Instituto de

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299

S. Paulo, vol. 1.°; O Plantio da Amoreira no Ceará como inicio da sua riqueza industrial e

bem assim como causa modificadora do clima, S. Paulo, Typ. a vapor J. B. Endrizzi & C.a,

1897, de 36 pp.; Atlantide, romance histórico e satyrico, S. Paulo, Carlos Zanchi, Typ. King,

1897, edit. J. B. Endrizzi & C.a;- O Município e a Republica 3 vols., Typ. de J. B. Endrizzi, , S.

Paulo, 1897.; Veloareo, o aerostato dirigível, S. Paulo, 1 de Novembro de 1897, Typ. a vapor J.

B. Endrizzi & C.a, , 1897; Conferencia realisada no dia 24 de Junho de 1899 na Câmara

Municipal de S. José do Rio Pardo pelo Dr. Domingos Jaguaribe, presidente do Centro

União Municipal, S. Paulo, Typ. da Industria de S. Paulo, 1899; Radiação dos effluvios

humanos, estudo de psychologia physiologica, 1906, Casa Garraux, S. Paulo, 12 pp.; União

Municipal, Conferencia da União Municipal, realizada pelo Dr. Jaguaribe, no salão da

Associação Commercial, 1899, Typ. do Correio Paulistano, S. Paulo, 15 pp.; Conferencia em

prol da Autonomia Municipal, realizada na Camara Municipal de S. João do Rio Claro, a 2

de Agosto, A convite da Camara Municipal pelo Dr. Domingos Jaguaribe, presidente do

Centro União Municipal, Liberdade, Centralisação, S. Paulo, Typ. da Industrial de S. Paulo,

1899, 39 pp.; Revista Util, publicação periódica em folhetos., 1891 - 1893 - 1894, S. Paulo,

Leroy King Bookwalter, Typ. King, 1891. Reflexões sobre a Colonisação. Editado pela Casa

Garraux.; Mudança da Capital Federal. Replica á resposta do Dr. Cruls, S. Paulo, Typ. a

vapor d'“O Município”, 18 pp.; Chronicas do Paiz de Atlantide. Editores J. B. Endrizzi & C.a,

S. Paulo, 1897, com 142 pp.; Contribuição para a Canalização do Rio S. Francisco ao Rio

Jaguaribe, pelo Dr. Domingos Jaguaribe. Acompanhado do Mappa dos estudos feitos pelo Dr.

Tristão F. de Alencar Lima, Bruxelles, Imp. Gustave Fischlin, Rue des Gendres, 3-5, 1894, 40

pp.; Geografia Social, Memória apresentada ao 1.° Congresso de Geografia, Typ. Espindola

& C.a, S. Paulo, 1909, de 20 pp.; Os Andradas. Erecção de um monumento nacional por

iniciativa do instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo. Proposta e sua justificação, Typ.

Casa Garraux, S. Paulo, 1909, 23 pp; O Império dos Incas no Peru e no México. 1913,

Empresa Typographica Editora “O Pensamento”, S. Paulo.

Grande latifundiário. Fundador da Sociedade Pastoril e Agrícola e da Sociedade Nacional de

Agricultura. Proprietário e diretor da Revista Agrícola. Embora fosse cafeicultor, a maioria de

suas terras destinavam-se à pecuária.

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300

Morreu em Santos (SP), 14 de -novembro de 1926.

Fonte: 1001 Cearenses Notáveis - F. Silva Nobre.

Referências Bibliográficas.

PORTAL DE HISTORIA DO CEARA. Disponível em:

<http://www.ceara.pro.br/cearenses/listapornomedetalhe.php?pid=32593>. Acessos em 30 de

jun.2012.

Lane, Horácio M.

Horace Manley Lane nasceu em Readfield, Estado de Maine, EUA, no dia 29 de julho de 1837. Veio para

o Brasil em 1857, com apenas 20 anos de idade. Lecionou em vários colégios, inclusive no João Kopke,

no Rio de Janeiro, e nos da Glória e Beneditinos, em São Paulo. Regressou aos EUA onde continuou seus

estudos. Em 1878 diplomou-se em Medicina pela Universidade de Missouri. Voltou ao Brasil em 1879 e

fixou residência em Ouro Preto. Em 1884 veio para São Paulo e assumiu a direção da Escola Americana.

Juntamente com Willian Dulles Jr. influiu decisivamente para que John T. Mackenzie fizesse as doações

necessárias para a fundação do Mackenzie College, cuja pedra fundamental foi lançada em 1894. Foi o

primeiro presidente desse estabelecimento de ensino e ocupou este posto até seu falecimento ocorrido em

27 de outubro de 1912.

Foi um dos fundadores da sociedade paulista de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Era amigo de Pereira

Barreto.

Fez parte do conselho consultivo da Sociedade Paulista de Agricultura.

Seu filho, Giles Williams Lane foi auxiliar de 1ª classe da Comissão Geográfica e Geológica de 1898 a

1904 e Horácio E. Williams, seu genro chefe da seção de topografia até 1904.

Referência Bibliográfica.

SÃO PAULO. Prefeitura Municipal. Histórico das Ruas de São Paulo. Disponível em

<http://www.dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/ListaLogradouro.aspx>

Acessos em 25 de jun 2012.

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Lobato, José Bento Monteiro - 1882-1948

Nasceu em Taubaté a 18 de abril de. Faleceu na em São Paulo a quatro de julho de. Concluídos

os estudos primários e secundários em sua terra natal, veio para esta Capital, matriculando-se na

Faculdade de Direito. Formado, em 1904, deixou, porém, de lado a inclinação pela pintura e

pelas letras, resolvendo ingressar no ministério público. Foi nomeado promotor da comarca de

Areias, que traçou em “Cidades Mortas” e onde viveu cerca de sete anos. A sua vida literária

começa aos 14 anos de idade, quando, estudante do “Colégio Paulista”, de Taubaté, escreveu,

com o pseudônimo de “Josbon”, o primeiro trabalho para “O Guarani”, órgão da classe.

Colaborou, posteriormente, em “Pátria”, do Instituto Ciências e Letras da Capital, e, já

acadêmico, em “Arcádia”, “O Minarete” (Pindamonhangaba). “O Povo” (Caçapava), etc.. Mais

tarde, entra fundo na carreira jornalística, redigindo e fundando jornais. Escreveu para “A

Tribuna”, de Santos; o “Correio Paulistano”, o “Estado de S. Paulo”, o “Estadinho”, o “Correio

da Manhã”, “A Manhã”. “O Jornal”. “Cultura”, “Novíssima”, “Papel e Tinta”, “Revista do

Brasil”, etc.. Com Roberto Moreira, Júlio de Mesquita Filho, Antônio dos Santos Figueiredo,

Ademar de Paula, etc., fundou o “Estadinho” e “O Queixoso”. Também colaborou em “La

Nación” e ‘“Lá Prensa”, de Buenos Aires. Abandonando a promotoria pública, fez-se fazendeiro

no município de Buquira, época em que, nos vagares das preocupações agrícolas, compõe os

contos de “Urupês”, mandando para o “Estado de S. Paulo” a “catilinária” que se transformou em

“velha praga”, motivando uma citação de Rui Barbosa. Publicado pelo próprio autor, que

reenceta a publicação da “Revista do Brasil”, esse livro lhe dá a ideia de fundar uma editora.

Nasce daí a “Editora Monteiro Lobato”, tornando-se o padrinho literário de muitos escritores. A

empresa, entretanto, não teve êxito comercial, pedindo concordata. Tendo lançado, por esse

tempo, “A menina do narizinho arrebitado”, enveredou decisivamente pela literatura infantil,

criando uma biblioteca monteiro-lobateana para a criança brasileira. Em 1926, parte para os

Estados Unidos, a fim de assumir as funções' de adido comercial junto ao Consulado do Brasil

em Nova York. Permaneceu até 1931 na América do Norte, de lá trazendo um livro de

impressões: “América”. Regressando a S. Paulo, enfrenta, dentro do Estado Novo, o problema do

petróleo, que dá origem a dois livros: “O escândalo do petróleo” e “O poço do Visconde”.

Desesperado diante da atitude oficial, escreve diretamente ao ditador uma carta de reproche,

tendo preso e levado ao Tribunal de Segurança Nacional. Um pouco depois, é preso novamente.

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No “Minarete”, que às vezes escrevia quase totalmente, usou os pseudônimos de

“Lobatoyawsky”, “Devilky”, etc. Nos últimos anos de vida, o criador do “Jeca Tatu” tentou fixar-

se na Argentina, para onde se mudou; mas não se acostumou. Seus livros estão quase todos

traduzidos para vários idiomas e até editados em Braille. Foi um dos fundadores da Companhia

Editora Nacional, e um dos organizadores da revista “Fundamentos”. Segundo o seu arquivo, que

ficou em poder de Edgard Cavalheiro quando morou em Buenos Aires, a “Companhia Editora

Nacional e a Editora Brasiliense (diz Raimundo de Menezes) lançaram, até o ano de 1935. a

soma tremenda de um milhão e quinhentos e, vinte e um mil exemplares de livros seus; e, como a

Brasiliense lançou suas obras completas em 30 volumes, a 5 mil exemplares cada volume,

verificaram-se mais 150 mil exemplares, o que eleva o total acima de um milhão e seiscentos e

oitenta e um mil exemplares. E se a isto se acrescentarem as reedições de seus livros infantis,

verifica-se que, no fim. o total foi de um l milhão e oitocentos mil“.

MELO, Luiz Correia de. Dicionário de autores paulistas. São Paulo, SP: Comissão do IV

Centenário da Cidade de São Paulo, 1954. 678 p.

Löfgren, Alberto

Nasceu em Estocolmo em 1854, faleceu no Rio de Janeiro em 1918

Aos 21 anos terminou os estudos universitários, sendo, logo após, convidado para fazer parte da

expedição científica organizada por André Regnell em 1875, para trabalhos de botânica.

Extinto aquele empreendimento em 1877, fixou residência em Campinas, SP, onde se dedicou à

engenharia e ao magistério, trabalhando na Companhia Paulista até 1881 e em seguida no

Colégio Morton, lecionando matérias de sua especialidade.

Em de 1886, o Dr. Orville Derby chamou-o para um dos seus auxiliares na Comissão Geográfica

e Geológica de S. Paulo. Tornou-se chefe da Seccão de Botânica da de Meteorologia

Nesse tempo publicou uma “Sinonímia dos Nomes Populares das Plantas Indígenas de S. Paulo”

(1895), e, em seguida, “Colheita e preparo de plantas para herbário” (1897).

Nos boletins da Comissão Geográfica e Geológica de S. Paulo, deu a lume artigos interessantes,

d'entre eles as “Contribuições para a Botânica Paulista - Região Campestre” e o “Ensaio para

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uma distribuição dos vegetais dos diversos grupos florísticos do Estado de S. Paulo” (1895).

Em 1909 deu á publicidade com H. L. Evcrett, uma obra de grande esforço c desenvolvimento

“Systema analytico de plantas, ensaio de uma botânica descriptiva das espécies mais freqüentes

em S. Paulo e outros Estados do Brasil”.

Naquela data foi comissionado pela Inspetoria de Obras Contra as Sacas, para estudar as

condições do solo e da flora da região do nordeste flagelada pelas sacas, no sentido de seu

aproveitamento agrícola e pastoril e, ainda, das possibilidades de seu reflorestamento.

As primeiras observações acham-se registradas na publicação daquela repartição, intitulada

“Notas Botânicas” - Ceará •( 1910).

Na segunda excursão percorreu, além do Ceará, a Paraíba, o Rio Grande do Norte, Pernambuco e

Bahia, colhendo abundante e precioso material de herbário e valiosas observações mencionadas

nas “Contribuições para a questão florestal do nordeste do-Brasil”..Ainda no exercício desta

comissão fundou os hortos botânicos de Quixadá e de Juazeiro.

Com a supressão, em 1913, da secção botânica da Inspetoria de Obras contra as Sacas, foi

contratando para exercer o cargo de chefe de secção do Jardim Botânico; em dezembro de 1917,

concorreu ao concurso para o preenchimento deste cargo, obtendo o I.° lugar na classificação,

sendo então efetivada a sua nomeação em Janeiro de 1918.

No Jardim Botânico, iniciou Alberto Löfgren a organização do herbário, assim como os estudos

sobre as estruturas microscópicas das nossas mais importantes madeiras com o fim de pesquisar

suas especificações biológicas e determinações micrográficas.

Na Sociedade de Agricultura muito contribuiu com os seus conhecimentos, fazendo parte das

comissões encarregadas de dar parecer sobre as importantes questões que ali se agitam.

Os estudos de Geo-botânica e de Ecologia eram os de sua predileção, revelados no seu “Ensaio

para uma introdução de Ecologia Botânica” (1914), e, ainda, nas versões do sueco e do

dinamarquês para o português, das obras de Lindman e de Eugênio Warming, a primeira acerca

da flora do Rio Grande do Sul, a segunda referente à “Contribuição para a Geographia

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Phytobiologica - Lagoa Santa”.

Participou da fundação do Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo; do Centro de Sciencias,

Letras e Artes, de Campinas; da Sociedade Científica de São Paulo; era sócio correspondente do

Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco; do Grêmio e do Instituto Cearense, e sócio

fundador e secretario da Sociedade Brasileira de Ciências.

No estrangeiro era sócio correspondente das Academias de Stockholmo. Christiania,

Copenhague, Berlim e Helsingfors; sócio remido da Sociedade Linneana, de Londres, e efetivo

da Société International des Botanistes.

Além das distinções que lhe foram conferidas por instituições científicas no Brasil e em países

estrangeiros, recebeu demonstrações de consideração especial por parte do governo e

agremiações de sua antiga pátria. Assim, foi cônsul da Suécia em S. Paulo de 1891 a 1911;

cavalheiro de primeira classe da ordem de Wasa, desde 1902, e. recebeu a medalha Riegnelliana

da Academia de Stockholmo, em 1895.

A bibliografia de Alberto Löfgren é extensa, constando de um grande número de trabalhos, uns

em fôrma de artigos e ensaios, publicados em jornais e revistas, outros constituindo obras de

fôlego editadas em volume. Assim, pois, fora impossível mencionar senão poucos entre os mais

notáveis, o que faremos obedecendo ao critério da importância do assunto e do valor do trabalho

como fonte de subsidio para a ciência: 1888, A respeito das Uvas de Mato Grosso; 1890,

Contribuições para a Botânica Paulista, região campestre; 1890, A Sciencia em S. Paulo; 1892,

Flora Paulista, Família Compositae; 1895, o Manuscripto Botânico do Sr. Corrêa de Mello, de

Campinas; Ensaio para a synonymia dos nomes populares das plantas indígenas do Estado de S.

Paulo; 1896, A Flora da Lagoa Santa; 1896, Ensaio para uma distribuição dos vegetaes nos

diversos grupos florísticos do Estado de S. Paulo, índice das Plantas de Herbário da Commissão;

1897, Flora Paulista, Família Campanulaceae; Hans Stadden, suas viagens e captiveiro entre os

selvagens do Brasil, traducção do original allemão de 1557; 1902,'A Família Oeclogoniaccae;

1903, A Devastação das Maltas; 1903, o Mangue; 1903. Monographia da “Rhipsalis

megalantha”, espécie nova; 1904. A Baunilha; 1904, Monograplya da “Rhipsalis pilocarpa”, nova

espécie; 1905, As Formigas, Cuyabanas; A Vegetação do Rio Grande do Sul, tradução do

original Sueco do Professor Dr. K. Lindman; 1906, Plantas úteis .indígenas ou para introduzir;

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305

1906, La Flore de S. Paulo; 1906, Nova Chave para as Rhipsalideas Paulistas; 1907, Notas sobre

as plantas exóticas introduzidas no Estado de S. Paulo; 1910, A Cobra Mussurana; 1911, A Flora

em uma Região de Seca; 1911, Segunda Excursão à Zona da Secca; 1912. Um Perigo Sério para

os Coqueiraes do Littoral Brasileiro; A Flora Brasileira: 1914, Flora Brasileira não Brasiliensis;

1915. O Radium na Agricultura, sua importância para o Brasil; 1815; O Gênero Rhipsalis; 1917,

Os Gêneros Zygocactus e Schlumbergera; 1917, Manual das Familias Phancrogamas; 1917, Nova

Contribuição para o Gênero Rhipsalis; 1917. Subsidios para a Flora Orchidacea.

Referência Bibliográfica.

ARCHIVOS DO JARDIM BOTÂNICO. Alberto Löfgren. Archivos do Jardim Botânico. Rio

de Janeiro, n. 3, p. I -IV, 1922.

Morais, Domingos Corrêa de

Nasceu na cidade de Tietê, em 12 de maio de 1851. Formou-se em 1877, em engenharia civil

pela Universidade de Cornell, da cidade de Ithaca, nos Estados Unidos. Regressando à São Paulo

iniciou suas atividades na Companhia Cantareira e Esgotos. Como engenheiro dessa empresa

trabalhou até 1883. Após longa viagem pela Europa e Estados Unidos, foi presidente da

Companhia de bondes de São Paulo. Com a proclamação da República, inicia a sua carreira

política, exercendo os seguintes cargos: vereador da Capital, membro do Partido Republicano,

deputado em duas legislaturas, senador estadual e vice-presidente do Estado. Pela Revolta da

Armada, em 1892, prestou relevantes serviços a São Paulo. Foi um dos promotores do célebre

Manifesto contrário ao Marechal Deodoro da Fonseca, o qual se atribui a deposição do presidente

em 23 de novembro de 1891. Retirando-se da política, dedicou-se a agricultura em Batatais.

Faleceu em São Paulo - Capital, em 15 de dezembro de 1917.

Referência Bibliográfica.

SÃO PAULO. Prefeitura Municipal. Histórico das Ruas de São Paulo. Disponível em

<http://www.dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/ListaLogradouro.aspx>

Acessos em 25 de jun 2012.

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Moreira, Nicolau Joaquim

“Nicolau Joaquim Moreira nasceu no Rio de Janeiro em 1824 e veio a falecer em 1894. Doutor

em medicina dedicou-se com especial afinco à vulgarização científica. Ao assumir o cargo de

redator da Revista Agrícola, já publicara mais de vinte títulos especialmente direcionados ao

grande público, a maioria sobre química agrícola, zootecnia, botânica, agricultura e imigração.

A atuação de Moreira em instituições privadas e governamentais foi intensa, com cargos

relevantes como os de redator de O Auxiliador de 1866 a 1892, presidente da Comissão de

Agricultura da Sain de 1866 a 1874, 2o vice-presidente dessa Sociedade de 1874 a 1881 e seu

presidente de 1881 até 1894, ano em que faleceu. Foi professor de agricultura no Museu

Nacional, em curso criado por Ladislau Netto em 1876, além de diretor da seção de Botânica e

subdiretor do mesmo museu até 1883, ocasião em que assumiu a direção do Jardim Botânico,

Asilo Agrícola e Fazenda Normal, entre outros cargos e representações.

Foi também membro da Comissão Brasileira da Exposição Internacional de Filadélfia, em 1876.

O diretor dos estabelecimentos do IIFA possuía extenso currículo, com incisivas atuações a

favor da abolição da escravidão e da vinda de imigrantes europeus, bem como na propagação de

métodos inovadores na agricultura e na divulgação da química agrícola. Assim como

Burlamaqui, amigo e companheiro de ideias, Moreira era um cientista eclético e buscava aliar

seus conhecimentos à missão de divulgar a ciência, como o caminho para redimir o Brasil do

atraso e equipará-lo aos países civilizados” (BEDIAGA, 2011, p. 130).

Referência Bibliográfica.

BEDIAGA, Begonha. Marcado pela própria natureza: o Imperial Instituto Fluminense de

Agricultura e as ciências agrícolas – 1860 a 1891. ). 2011, 271 p. Tese (Doutorado).,

Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências, Programa de Pós-Graduação em

Ensino História e Ciências da Terra, Campinas, 2011.

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Paz, Arthur Fernnades Campos da

Campos da Paz formou-se médico aos vinte e cinco anos, em 1878. Professor e vice-diretor do

Colégio Aquino no Rio de Janeiro. Era fazendeiro em Ouro Branco, MG, onde praticava a

policultura. Cultivava uvas viníferas. Um dos grandes incentivadores da viticultura. Tinha

ligações com a Família Prado, pois a matriarca, dona Viridiana também era incentivadora dessas

experiências. Era abolicionista.

Foi lente catedrático de Química Orgânica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Tornou-

se o primeiro vice-presidente da Sociedade Nacional de Agricultura.

“Publicou 44 obras entre discursos, conferências, relatórios, etc., sobre diversos assuntos” ( A

lavoura, 1910, p.138). Sua obra mais conhecida é o Manual do viticultor brasileiro, com mais

de quatrocentas páginas e que foi uma importante obra de referencia, num momento em que a

presença dos recém chegados imigrantes italianos impunha a criação de novos hábitos

alimentares.

Referência Bibliográfica.

A LAVOURA. Campos da Paz, A Lavoura, Rio de Janeiro, ano XIV, n 3, , p. 135 -138, 1910

Peixoto, Bernardo Avelino Gavião

Proprietário do Banco de São Paulo em sociedade com João da Silva Carrão. Diretor e acionista

da Cia Paulista de Estradas de Ferro. Ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo em 1845.

Governador da Província do Rio de Janeiro (16/03 a 27/10 de 1882). Comerciante de escravos

interprovincial e fazendeiro, sendo de sua propriedade onde se instalou o Engenho Central de

Capivari (hoje Raffard). Proprietário das Colônias Bom Retiro e Taquaral, em Capivari, SP, bem

como da Fazenda São Bernardo, adquirida por José Estanislau do Amaral, onde nasceu, e viveu

parte de sua vida Tarsila do Amaral. Na Região de Araraquara, foi grande proprietário de terras,

que vendeu uma parte e doou a outra ao Estado, onde seriam fundadas as colônias de Nova

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Europa e de Nova Paulicéia. Foi juiz municipal e de órfãos em Santos, SP. Deputado à

Assembleia Imperial, na legislatura 1857 a 1860. Tinha grande prestigio na Corte: conseguiu

junto a D. Pedro II, o acordo para que a imigração fosse subsidiada. Fundador da Cia. Estrada de

Ferro Bragantina.

Um dos fundadores da Sociedade Pastoril e Agrícola.

Referência Bibliográfica.

MELO, Luiz Correia de. Dicionário de autores paulistas. São Paulo, SP: Comissão do IV

Centenário da Cidade de São Paulo, 1954. 678 p.

Pinto, Adolpho Augusto (1856 - 1930).

Diplomou em 1880 na Escola Central de Engenharia do Rio de Janeiro. Foi fiscal das Obras de

Abastecimento de Águas e dos Esgotos (1880).

Exerceu depois os cargos de fiscal do governo junto à S. Paulo Railway (1884-1888), consultor

técnico e chefe do Escritório Central da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, organizador da

primeira estatística geral da Província (1886), etc..

Organizou a participação paulista na Exposição Colombiana, de Chicago (1893), fez parte do

primeiro Conselho da Faculdade de Filosofia de S. Paulo, colaborou na revista “Educação”

(1902) e no jornal “S. Paulo” (1905). Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do

Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo, do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, do

Instituto de Engenharia de S. Paulo, etc.. Pertenceu à Academia Paulista de Letras e ao Conselho

de Estudos Universitários. Historiador, biógrafo, cronista, economista, etc. Bibliografia: “O

abastecimento d'água de S. Paulo”, 1881; “A província de S. Paulo”, de colaboração, S. Paulo,

Tip. King, 1888; “Melhoramentos”, 1890; “Viajando”, S. Paulo, Vanorden & Cia., 1893, 130 p.;

“Exposição colombiana de Chicago”, S. Paulo, 1893; “O cais de Santos”, 1894; “Companhia

Docas de Santos e o ministro da Fazenda”, S. Paulo, 1896; “Estrada de Ferro S. Paulo Railway e

o governo imperial”, S. Paulo, 1898; “Questões econômicas”, S. Paulo, Vanorden & Cia-, 1902,

120 p.; “História da Viação Pública de S. Paulo (Brasil)”, S. Paulo, Vanorden & Cia., 1903, 328

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p.; “Orientação da imprensa diária”, S. Paulo, 1903; “Ainda a questão do café. A providência

final”, S. Paulo, 1907; “Cartas da Europa”, S. Paulo, Vanorden. 1907, 112 p.; “Na brecha”, S.

Paulo, 1911; “As transformações e o embelezamento de S. Paulo”, S. Paulo, 1911; “As estradas

de ferro de S. Paulo. Suas tarifas, os seus impostos, os seus serviços, a sua encampação”, S.

Paulo, Vanorden, 1916, 116 p.; “Os jesuítas no Brasil”, S. Paulo,-1917; “O problema monetário

no Brasil”, S. Paulo, Vanorden, 1919, 132 p.” ; “Homenagens”, discursos, artigos, etc., S. Paulo,

Vanorden, 1926, 207 p.; “A catedral de S. Paulo”, 1930.

Era militante católico e participou da comissão que construiu a Catedral da Sé, de São Paulo.

Foi o responsável pela presença de Almeida Jr. na Exposição Universal de Chicago de 1893. Era

amigo íntimo do pintor Almeida Jr e teve sua família retratada por ele numa típica pintura de

gênero.

Referência Bibliográfica.

MELO, Luiz Correia de. Dicionário de autores paulistas. São Paulo, SP: Comissão do IV

Centenário da Cidade de São Paulo, 1954. 678 p.

Piratininga, Jorge Tibiriçá (1855 – 1928).

Nasceu em Paris, França, em 15 de novembro de 1855.

Agrônomo formado em Hohenheim, na Alemanha. Doutorou-se em filosofia pela Universidade

de Zurich, na Suíça.

Foi presidente do Partido Republicano Paulista (PRP).

Proclamada a República, durante o Governo Provisório, foi nomeado Governador do Estado

(1890/91), o segundo a ocupar o cargo. Presidente do estado de São Paulo de 1904 até 1908.

Senador Estadual pelo Partido Republicano Paulista (PRP), por diversas legislaturas (1892,

1895/97, 1998/00, 1901/03, 1907/09, 1910/12, 1913/15, 1916/18, 1919/21 e 1922/24), exerceu a

Presidência do Senado Estadual por nove anos consecutivos, entre 16 de novembro de 1915 a 17

de julho de 1924.

No governo de Bernardino de Campos foi Secretário de Estado da Agricultura, Comércio e Obras

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Públicas (1892/94). Com a criação do Tribunal de Contas do Estado,foi Ministro e seu primeiro

Presidente (1924/28).Grande fazendeiro em Itu/ SP. Proprietário da Cia Ytuana de Estrada de

Ferro. A Convenção do Partido Republicano Paulista, ocorreu na casa de seu pai, Carlos Tibiriçá,

em 1870.

Referência Bibliográfica.

São Paulo (Estado). Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Divisão de Acervo

Histórico. Galeria dos presidentes da Assembleia Legislativa de São Paulo. São Paulo:

Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, Departamento de Comunicação,2006. 72 p.

Disponível em <http://www.al.sp.gov.br/web/acervo2/publicacoes/Livros/Presidentes.pdf>

Acessos em 29/04/2011>.Acessos em jun. 2012.

Prado, Antonio da Silva

Nasceu nesta Capital a 25 de fevereiro de 1840. Faleceu a 23 de abril de 1929 no Rio de Janeiro,

onde fez os estudos preliminares, frequentando, a seguir, os colégios do Barão de Tautphoeus,

Calógeras c Pedro II. Formado, em 1861, pela Faculdade de Direito de S. Paulo. No mesmo ano

da formatura, foi eleito deputado provincial. Exerceu, por algum tempo, o cargo de delegado de

Polícia na Capital. Em 1862, seguiu para a Europa, tendo cursado a Faculdade de Direito de

Paris. Regressando ao Brasil, foi novamente eleito deputado provincial (1864) e deputado geral

(1868). Em 1868, figura como secretário nas reuniões em que se decide a fundação da

Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que presidiu por cerca de 35 anos. Várias vezes reeleito

deputado, ministro da Agricultura no gabinete Cotegipe e ministro dos Estrangeiros no de João

Alfredo. Proclamada a República aderiu ao novo regime, publicando um manifesto de apoio ao

governo provisório. Renovou as suas viagens à Europa. Foi prefeito de S. Paulo (1898), cargo em

que se manteve longamente. Jornalista combatente redigiu, em 1888, o “Partido Conservador”, o

“Diário de S. Paulo”, “O País”, que fundou com o Dr. Rodrigues Augusto da Silva e com Dutra

Rodrigues (1865), e o “Dois de Maio”. Foi proprietário do “Correio Paulistano”, fundador do

Jockey Clube, do Velódromo, do Automóvel Clube e do Balneário do Guarujá. Presidiu o Partido

Democrático. No começo da vida pública, ocupou as funções de suplente de juiz de paz, sendo

depois eleito vereador e presidente da Câmara Municipal. Quando ministro da Agricultura,

assinou em 1885 a lei que concedeu liberdade incondicional aos escravos maiores de 60 anos.

Principal fundador da Companhia Agrícola S. Martinho, incorporador da Companhia Matadouro

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Frigorífico de Barretos, presidente do Banco do Comércio, etc.. Bibliografia: “A nossa atitude”,

manifesto de adesão à República, 1889; “Exame crítico dos sistemas tributários, federais e

estaduais, nas várias taxas e disposições que afetam o serviço das vias de transportes”, in

“Congresso das Vias de Transporte do Brasil”, Rio, 1910, p. 129-141; “Melhoramentos da cidade

de S. Paulo”, S. Paulo, 1911; “Antônio Prado no Império e na República. Seus discursos e atos

coligidos e apresentados por sua filha Nazaré Prado, com prefácio de Graça Aranha”, Rio, Tip.

Briguiet, 1929, 816 p. ils., in-8.° ; “Diário : 1867-1868”, 46 p. manuscritas.

Referencia Bibliográfica

MELO, Luiz Correia de. Dicionário de autores paulistas. São Paulo, SP: Comissão do IV

Centenário da Cidade de São Paulo, 1954. 678 p.

Queiroz, Luiz Vicente de Souza

Nasceu na capital de São Paulo, filho dos Barões de Limeira, grandes latifundiários. Consta que

aos oito anos partiu com um irmão para a Europa realizando lá seus estudos, inclusive superiores,

de Agricultura e Veterinária, em Grignon na França e Zurique na Suíça.

Na realidade, embora pouco mencionado em relatos anteriores, não se tem certeza de que tenha

cursado ou completado seus estudos em uma dessas instituições já que buscas de seu nome

efetuadas junto a elas foram infrutíferas. Nos documentos da época referentes a Luiz de Queiroz

e mesmo nos textos que escreveu e que estão disponíveis, em lugar algum ele menciona ter

completado curso superior em ciências agrárias.

Em 1880 casou-se com Ermelinda Ottoni filha do Conselheiro e Senador do Império Cristiano

Ottoni. O casal não teve filhos.

Em 1873, desde seu regresso ao país até 1889, além de empresário e fazendeiro, atuou como

político abolicionista, instalou um serviço de telefonia em Piracicaba e já em 1884 fez com que a

cidade fosse a primeira ou uma das primeiras do país a possuir energia elétrica. Também foi

responsável pela arborização e por trabalhos de paisagismo na cidade.

Comprou em hasta pública a fazenda São João da Montanha, encomendou na Inglaterra um

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projeto para a escola agrícola, porém sem apoio oficial, teve de desistir. Doou a fazenda com as

benfeitorias ao Estado, com a condição que a escola fosse ali instalada no prazo de dez anos, caso

contrário as terras voltariam para seus herdeiros. O Estado, embora quase que esgotando-se o

tempo previsto, honrou seus compromissos e surgiu a escola agrícola de piracicaba, hoje Escola

Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. ESALQ/USP.

Referência Bibliográfica.

AZEVEDO, João Lúcio de A. Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz: sua inclusão na

USP e sua contribuição para a pesquisa em ciências agrárias. Revista USP, São Paulo, n.60, p.

14-39, dezembro/fevereiro 2003 - 2004.

Rebouças, André

Filho do conselheiro Antônio Pereira Rebouças e de Carolina Pinto Rebouças, nasceu na cidade

de Cachoeira, na Bahia, em 1838. Tendo mudado com os pais e os sete irmãos para o Rio de

Janeiro em 1846, André Rebouças frequentou a Escola Militar e mais tarde Politécnica, tendo

concluído as disciplinas obrigatórias em I857. Complementou seus estudos na Escola de

Aplicação da Praia Vermelha para obter o título de engenheiro militar, o que aconteceu em

dezembro de 1860. Depois de formados, prosseguiu seus estudos na Europa entre fevereiro de

1861 e novembro de 1862, custeados pelo pai. Trabalhou como comissionado do Estado

brasileiro para vistoriar e aperfeiçoar portos e fortificações litorâneas. Serviu na Guerra do

Paraguai como tenente membro da Comissão de Engenheiros do Exército. Lecionou cálculo,

botânica, zoologia, arquitetura, construção e resistência de materiais na Escola Politécnica (então

Central); no mesmo tempo, passou a desenvolver, novamente com seu irmão Antônio, projetos

visando a capacitar empresas privadas a captar recursos, por meio de empréstimos ou

investimentos, para realizar obras que pudessem acelerar a modernização do país. Entre as obras

realizadas pelos irmãos Rebouças, que lhes “conferiram projeção como engenheiros, estas ligadas

ao plano de abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro, realizada durante a seca de 1870,

e a construção das docas da Alfândega e das docas D. Pedro II, entre 1866 e I87I-

André Rebouças foi várias vezes à Europa e visitou os Estados Unidos. Esta última viagem teria

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lhe causado profunda impressão, pois, em virtude da política segregacionista ali vigente, foi

proibido de entrar em muitos lugares por ser mulato; ao mesmo tempo, reconheceu naquela

sociedade o valor do trabalho, negado no Brasil. Na década de 1880, André se engajou vivamente

na campanha abolicionista, participando de grupos como a Sociedade Brasileira contra a

escravidão, a Confederação Abolicionista e a Sociedade Central de Imigração. Foi como

abolicionista e engenheiro, membro da Escola Politécnica e do Clube de Engenharia, fundado cm

1880, que André Rebouças notabilizou-se, ao elaborar propostas para a modernização do

Império. Considerava tarefa profissional a criação de condições e a realização de obras para o

progresso e a modernidade da Corte. Ao mesmo tempo, apaixonado pelas “maravilhas

mecânicas” de seu tempo, idealizava um país moderno, de acordo com os padrões europeus. E

neste sentido que defendia a abolição da escravidão e a democratização da propriedade fundiária.

Monarquista ferrenho, presença assídua nos saraus da alta sociedade da Corte, André Rebouças

se viu forçado a sair do país em I 889, com a proclamação da República. Foi para a Europa com a

Família Real, permanecendo cm Lisboa até 1891, atuando como correspondente do jornal

londrino The Times. No ano seguinte, rumou para a França, onde permaneceu com a Família

Real até a morte de D. Pedro II. De lá, mudou-se para Luanda, mas acabou se fixando em

Funchal, na Madeira, em 1893. Consta que André Rebouças, além do precário estado de saúde,

andava deprimido e abatido por conta do exílio e dos rumos que seu país natal tomava.

Seu livro A Agricultura Nacional, pode ter influenciado Teodoro Sampaio, baiano, engenheiro,

culto, monarquista, negro assim como ele, porém de origem humilde.

Referência Bibliográfica.

VAINFAS, Ronaldo (org). Dicionário do Brasil imperial 1822-1889. Rio de Janeiro, Objetiva,

2002. 752 p.

Rodriguez, João Barboza

Nascido no Rio de Janeiro em 22 de junho de 1842, João Barbosa Rodrigues era filho de comerciante

português e mãe de ascendência indígena. Criado em Campanha, Minas Gerais, lá iniciou seus

estudos em ciências e artes, tendo-se mudado na década de 1850 para a capital do Império a fim de

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completar seus estudos. No Rio, cursou o Instituto Comercial do Rio de Janeiro, tornando-se

posteriormente secretário daquela instituição. À época, fez amizade com Guilherme Schüch de

Capanema, que se tomou grande incentivador e mentor de Barbosa Rodrigues para assuntos botânicos

e químicos. Por intermédio de Capanema, trabalhou como secretário e professor de desenho do

Colégio Pedro II, tendo atuado como tenente da Guarda Nacional. Desde os 16 anos, Barbosa já se

dedicava à literatura, publicando livros e folhetos literários. No entanto, seus dons artísticos,

conjugados a seu entusiasmo pela botânica e ao mecenato do barão de Capanema, acabaram por

encaminhá-lo para uma nova atividade: a de botânico. Casou-se três vezes, tendo tido ao todo 14

filhos. A última esposa, d. Constança Paca, desempenhou importante papel em sua trajetória como

naturalista, já que, além de tê-lo acompanhado em todas as suas campanhas botânicas, foi sua auxiliar

nos desenhos científicos de orquídeas e palmeiras.

Dirigiu por treze anos o Jardim Botânico do Amazonas. Em 1892 passa a diretor do jardim Botânico

do Rio de Janeiro.

Segundo magali Romero de Sá (2001, p. 992) “ainda hoje é considerado internacionalmente um

maiores botânicos que o Brasil já teve.”

Referência Bibliográfica.

SÁ, Magali Romero de. O botânico e o mecenas: João Barbosa Rodrigues e a ciência no Brasil na

segunda metade do século XIX. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.8,

supl., p.899-924. 2001. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/hcsm/v8s0/a06v08s0.pdf> Acessos

em 29 de jun. 2012.

Rutis, Affonso A.

Rutis apresentava-se como agente financeiro. Encarregava-se “de qualquer operação financeira

pra promover Companhias agrícolas e industriais - Sociedades anônimas - chamadas de Capital

da Europa - Colonização - Projetos de linhas de estradas de ferro - Bonds - Iluminação Pública

e privada - Empréstimos com ou sem garantia estadual e municipal (...) Faz vir também, sob

comissão, maquinas para lavoura, serrarias e tijolarias, para explorações mineiras, instalação

de luz elétrica e de outros sistemas novos.” (REVISTA AGRÍCOLA, 1900, p. 74).

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Também era representante no Brasil da Sociedade econômica e do Bem publico do cantão de

Berna, na Suíça, que fazia comércio da raça Simmenthal. (REVISTA AGRÍCOLA, 1900, p.

74).

Referências Bibliográficas.

REVISTA AGRÍCOLA. Affonso A. Rutis: Agente financeiro. Revista Agrícola, ano 3 , n31 , p.

74, fev 1898. (anúncio publicitário)

___. Affonso A. Rutis: Aviso aos senhores criadores de Gado. Revista Agrícola, ano 3 , n31 , p.

74, fev 1898. (anúncio publicitário).

Sampaio, Theodoro Fernandes, (1855- 1937,).

Natural de Santo Amaro da Purificação, BA, filho de Domingas da Paixão do Carmo, escrava do

engenho Canabrava, e do sacerdote Manoel Fernandes Sampaio, paternidade não comprovada até

hoje,Theodoro Sampaio, foi liberto do cativeiro por este Com dois anos de idade é entregue a D.

Inês Leopodina, senhora importante de Santo Amaro, que o criou até os nove anos. Quando

criança, além de protegido pelo sacristão, é deste que recebe as primeiras lições. Aos 10 anos vai

freguesia de Pinheiros, em São Paulo seguindo o sacristão. Logo em seguida manda-o para a

Capital Imperial e o interna no colégio São Salvador.

Nos últimos anos do preparatório, devido a doença e morte de seu protetor (genitor), Sampaio

começa a trabalhar para se sustentar; é quando, ajudado por Monsenhor Fonseca, passa a lecionar

matemática, filosofia, história, geografia e latim, nos Colégios São Salvador e Abílio, além de

aulas particulares.

Formou-se em 1877 na Escola Politécnica do Rio de Janeiro.

Formou-se em 1877 na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Em 1875, no 4° ano de engenharia,

é contratado para os trabalhos gráficos do Museu Nacional. É aí que conhece e trava amizade

com o geólogo norte americano Orville Derby e também convive e trabalha com Ladislau Neto

(então diretor do Museu Nacional).

Em 1879, integra a Comissão Hidráulica do Império como engenheiro de segunda classe. Em

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1879, integra a Comissão Hidráulica do Império como engenheiro de segunda classe. Um

importante trabalho foi a expedição pelo Rio São Francisco, que resultou no livro O Rio São

Francisco e a Chapada Diamantina,publicado somente em 1905. Trabalhou na Bahia até 1886,

quando foi convidado por Derby para integrar a CGG.

No governo Prudente de Morais (1890), é convidado por este, para realizar os estudos do

Saneamento de São Paulo, juntamente com o Dr. Antônio Francisco de Paula Souza.

Concomitantemente, assume a chefia dos Serviços de Água e Esgoto da cidade de São Paulo.

Dois anos depois, no governo de Bernardino de Campos, passa a exercer cumulativamente os

cargos de Engenheiro sanitarista, e consultor - técnico da Secretaria do Interior.

Em 1898, é nomeado chefe dos Serviços de Água e Esgoto do Estado de São Paulo. Exerce esse

cargo por cinco anos ininterruptos.

Em 1893, participou da Comissão que organizou a Escola Politécnica de São Paulo.

Após quatro anos ausente da Bahia, retorna a sua terra natal para apresentar ao Conselho

Municipal uma proposta para a execução do Serviço de Água e Esgoto da cidade do Salvador.

Detém-se neste projeto por 25 anos de sua vida. Para isso, muda-se para Salvador em 1904.

Na Bahia participou de inúmeras obras urbanísticas (criação Cidade Luz, na Pituba) e de

engenharia. Foi deputado Federal pela Bahia entre 1927 e 1929. Foi presidente do Instituto

Histórico e Geográfico da Bahia entre 1922 e 1937.

Morreu pobre.

Na CGG, seu trabalho mais importante foi a exploração do Vale do Paranapanema, relatada no

libreto Considerações geográficas e econômicas sobre o Vale do Rio Paranapanema (1890), esse

autor considera sua obra-prima. Para Costa (2001) sua obra prima é o livro O tupi na geografia

nacional (1902) e para Ernani da Silva Bruno é Rio São Francisco e a Chapada Diamantina

(1906).

Referência bibliográfica.

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COSTA, Luiz Augusto Maia. O ideário urbano paulista na virada do século: o engenheiro

Theodoro Sampaio e as questões territoriais e urbanas modernas. 2001. 2v Dissertação

(mestrado) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, SP.

Souza, José Bento de Paula

Médico, o Dr. José Bento de Paula Souza, foi chefe da Comissão Sanitária do Estado,

de16/06/1908 a 31/03/1909 e de 27/06/1916 a 20/12/1916). sendo substituido na última gestão

por Arthur Neiva.

Referência Bibliográfica.

MELLO, Guilherme Arantes. Revisão do pensamento sanitário com foco no Centro de

Saúde.2010, 300 p. Tese (doutorado), Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina da,

Programa de Medicina Preventiva. São Paulo, 2010.

Travassos, Joaquim Carlos

Ao término dos estudos preparatórios, com cerca de dezessete anos, ingressou na Faculdade de

Medicina do Rio de Janeiro. Após cursar as dezoito cadeiras do curso, a 30 de agosto de 1862

defendeu brilhantemente a sua tese, vindo a obter o grau em 27 de novembro do mesmo ano, em

cerimônia solene na presença de Suas Majestades Imperiais.

Com a Proclamação da República Brasileira, o Dr. Travassos foi eleito Senador na primeira

Legislatura do Estado do Rio de Janeiro. No Senado,apresentou um projeto de lei

regulamentando a colonização e a imigração no Brasil

Desde o golpe do Marechal Floriano dedicou todas as suas energias aos estudos da pecuária e da

agricultura,

Em 1907, Joaquim Carlos Travassos, engajado na introdução dos zebuínos no Brasil, fez uma

previsão histórica, ao observar a chegada de um lote de animais da Índia: “O importador

conseguiu, desta vez, adquirir também alguns reprodutores da notável raça Nelore ou Ongole,

que mais tarde, quando tivermos uma seleção inteligente, desenvolvidas todas suas boas

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qualidades, poderá ser considerada a melhor raça para os países tropicais”.

Foi também um pioneiro do espiritismo brasileiro.Traduziu obras de Allan Kardec

Na Revista Agrícola, Escreveu sobre forragens nacionais.

Sua obra Monographias Agrícolas que trata sobre o Zebu foi elogiada foi elogiada na Revista

Agrícola.

Foi recebido em 1906 com distinção no Instituto Agrônomico de Campinas e Escola Agrícola de

Piracicaba.

Referências Bibliográficas.

REVISTA AGRÍCOLA. Monographias Agrícolas. Revista Agrícola São Paulo. Ano XI, n. 129,

p. 173, abr 1906.

___. Carlos Travassos. Revista Agrícola São Paulo. Ano XI, n. 129, p. 174, abr 1906.

Vert, Germano

Colaborador do periódico A Lavoura, o boletim da Sociedade Brasileira de Agricultura.

Publicou o Almanach da Lavoura, de 1900.

A Revista Agrícola (1900, p. 113) recomendava para professor no curso de engenheiros

agrônomos da escola Politécnica, pois “em ciências físicas, químicas e naturais a erudição do dr

G. Vert é pasmosa.” Acabou por ser contratado pelo Instituto Agronômico de Campinas.

Atuou também na criação e demarcação de colônias agrícolas a partir do governo Tibiriçá.

Referências Bibliográficas.

REVISTA AGRÍCOLA, O Dr Germano Vert. In: Revista Agrícola, São Paulo, 15 de março de

1900, v. VI, n. 56. p. 113 -114.