14
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia Campus I Salvador - BA ESCOLHAS MARCADAS PELO GÊNERO SOBRE O INGRESSO DE JOVENS MULHERES E HOMENS NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO DA ÁREA DE EXATAS NA UFBA Márcia Barbosa de Menezes 1 Ângela Maria Freire de Lima e Souza 2 RESUMO A educação, no contexto de uma sociedade patriarcal, foi sedimentada a partir de diferenças sexuais que estabeleceram papéis diferenciados para homens e mulheres. Neste contexto, a matemática se consolidou com um forte viés androcêntrico, estabelecendo pré-conceitos em relação às capacidades cognitivas das mulheres neste espaço. A partir da análise dos dados sobre ingressos na UFBA, através do Processo Seletivo / Vestibular dos 10 últimos anos (2003-2012) para a área das Ciências Exatas, verificamos a manutenção de certas assimetrias na escolha de jovens mulheres e homens para os diferentes cursos, o que pode significar a permanência de estereótipos de gênero no campo cognitivo, que, de forma invisível, continua estabelecendo os espaços das ciências consideradas “duras” como mais adequados ao domínio masculino. PALAVRAS-CHAVE: GÊNERO; CIÊNCIAS EXATAS; ESCOLHAS PROFISSIONAIS. 1 Professora do Instituto de Matemática da Universidade Federal da Bahia. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo NEIM/UFBA. [email protected] 2 Bióloga, doutora em Educação, professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo NEIM/UFBA. [email protected]

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO … · influenciando as decisões de homens e mulheres ... sobre o que as mulheres e os ... tidos como racionais, objetivos, abstratos, são

  • Upload
    letuyen

  • View
    213

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

ESCOLHAS MARCADAS PELO GÊNERO –

SOBRE O INGRESSO DE JOVENS MULHERES E HOMENS

NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO DA ÁREA DE EXATAS NA UFBA

Márcia Barbosa de Menezes1

Ângela Maria Freire de Lima e Souza2

RESUMO

A educação, no contexto de uma sociedade patriarcal, foi sedimentada a partir de

diferenças sexuais que estabeleceram papéis diferenciados para homens e mulheres.

Neste contexto, a matemática se consolidou com um forte viés androcêntrico,

estabelecendo pré-conceitos em relação às capacidades cognitivas das mulheres neste

espaço. A partir da análise dos dados sobre ingressos na UFBA, através do Processo

Seletivo / Vestibular dos 10 últimos anos (2003-2012) para a área das Ciências Exatas,

verificamos a manutenção de certas assimetrias na escolha de jovens mulheres e homens

para os diferentes cursos, o que pode significar a permanência de estereótipos de gênero

no campo cognitivo, que, de forma invisível, continua estabelecendo os espaços das

ciências consideradas “duras” como mais adequados ao domínio masculino.

PALAVRAS-CHAVE: GÊNERO; CIÊNCIAS EXATAS; ESCOLHAS

PROFISSIONAIS.

1 Professora do Instituto de Matemática da Universidade Federal da Bahia. Doutoranda do Programa de

Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo NEIM/UFBA.

[email protected] 2 Bióloga, doutora em Educação, professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos

Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo NEIM/UFBA. [email protected]

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

No Brasil, as diferenças de gênero têm pautado os sistemas de ensino que, desde

seus primórdios, vem estabelecendo papéis de condutas diferenciados para homens e

mulheres. Segundo Badinter:

“[...] desde o surgimento do patriarcado, o homem sempre se definiu como ser

humano privilegiado, dotado de alguma coisa a mais, ignorada pelas mulheres.

Ele se julga mais forte, mais inteligente, mais corajoso, mais responsável, mais

criativo ou mais racional”3.

Já as mulheres, como nos diz Passos (1999, p. 116): “Desde bebês, as crianças

do sexo feminino são tratadas como bibelôs – lindas, frágeis, intuitivas, sensíveis – a

quem os pais, os irmãos, a sociedade devem proteger e defender.”

É inevitável que, neste contexto, concordemos com Vallejos (2003, p. 19), para

quem “a educação é um processo ‘generificado’, quer dizer, uma prática social

constituída por gênero e que por sua vez constitui gêneros.” A educação constitui os

diversos sujeitos, que por sua vez passam a perceber e organizar os espaços sociais de

acordo com as relações de gênero apreendidas.

No contexto histórico, muitos avanços em relação ao acesso das mulheres aos

setores educacionais podem ser considerados, contudo, os dados estatísticos

demonstram, ainda nos dias atuais, o alijamento das mulheres e um desnível em

determinados setores como na área das Pesquisas em Ciências Exatas.

Ainda é visível na sociedade brasileira, as ideias preconcebidas em relação à

profissionalização das mulheres. (...) a ideia de que algumas profissões são

“mais adequadas” (para as mulheres) do que outras. (...) são justamente as áreas

cientificas, das ciências exatas e da natureza, aquelas vistas como “menos

adequada”.4

Podemos certamente dizer que a nossa questão não é “onde estamos?”, afinal

estamos em todos os setores profissionais: somos engenheiras, somos físicas, somos

matemáticas, entre outras profissões, mas, hoje, a nossa questão é: “Como estamos

nestes lugares?” “Quais as nossas posições hierárquicas em relações aos homens?”.

3 BADINTER, Elisabeth. XY – sobre a identidade masculina. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1993, p.6 4 TABAK, Fanny. O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no feminino. Rio de Janeiro:

Garamond, 2002, p.196.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

Estas questões, por certo, estão relacionadas às influências dos estereótipos de

gênero que envolvem as representações sociais e que figuram na nossa sociedade,

influenciando as decisões de homens e mulheres quanto às escolhas profissionais.

Neste momento, os jovens são acometidos pelos fatores históricos, culturais,

sociais, econômicos que lhes foram impostos pela sociedade patriarcal. Segundo

Moscovici (2003), os preconceitos de gênero assumem um pensamento dito “ingênuo”,

veiculam significados e os discursos se tornam “verdades” que se cristalizam na

sociedade. Neste sentido,

Mulheres e homens realizam trajetórias educativas diferenciadas, com saídas

profissionais diversificadas. Os acessos ao saber são socialmente orientados

para mulheres e homens [...] os territórios “corretos” que umas e outros têm

habitado, e as situações que condicionam suas “escolhas” [...] sem dúvida, as

interpelações produzidas pela experiência familiar, o discurso escolar, os meios

de comunicação social, entre outros aspectos, são capazes de criar identificações

e de fundar imaginários profissionais e de trabalho,, inclusive de gerar

expectativas de “êxito” ou “fracasso” que influem nas escolhas.5

Observamos que as áreas científicas mais afetadas em relação a esses discursos

pré-concebidos, que delimitam e impõe espaços como sendo próprios de cada individuo,

são as áreas que envolvem o domínio da matemática, que foi “naturalizada” e

“absorvida” como sendo própria apenas aos homens.

Neste contexto, as metáforas de gênero foram e continuam sendo impregnadas

na Matemática, que é vista como um campo de predominância masculina, em que as

realizações das mulheres são invisibilizadas e onde são praticamente ausentes nas

atividades científicas de maior poder e prestígio. Se considerarmos que, desde o

surgimento da Ciência Moderna, que se fundamenta na busca das “verdades absolutas”,

na qual o conhecimento científico é pautado nos pressupostos da objetividade,

neutralidade e razão, a matemática constituiu-se como a principal ferramenta para a

execução do novo modo de pensar o mundo, podemos perceber as repercussões dessas

metáforas na vida profissional de mulheres que adentram esta área de conhecimento.

A imagem estereotipada da incapacidade matemática das mulheres ganhou

visibilidade através de filósofos entre os quais podemos citar Kant, Rousseau, dentre

5 VALLEJOS, Adriana; YANNOULAS, Silvia; LENARDUZZI, Zulma. Lineamientos epistemológicos.

Equipe Gênero. Brasília: FLACSO/Sede acadêmica Brasil, 2003, p. 14.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

outros. Contudo, não podemos negar que ainda hoje, existem discursos inapropriados

que contribuem para manter as mulheres numa posição de inferioridade intelectual em

relação aos homens, tomando por base diferenças sexuais, como pode ser visto no

discurso do reitor da Universidade de Harvard, Lawrence Summers em 2005:

“diferenças biológicas entre os sexos garantem o sucesso dos homens no mundo das

ciências exatas. Já as mulheres não são geneticamente aptas para a matemática”.

Esses discursos vêm sendo desarticulados através de estudos que mostram que a

capacidade de desenvolvimento matemático nada tem haver com os aspectos biológicos

de homens e mulheres.

Por exemplo, com base em seus estudos, Fine (2010) mostra que os testes usados

para medir as capacidades e habilidades matemáticas estão generificados e

contaminados pelas diferenças sexuais que habitam o pensamento dos pesquisadores.

Esses cientistas buscam explicações em padrões estruturais do cérebro para “explicar”

as diferenças entre homens e mulheres. Fine apresenta uma crítica muito bem

construída a esses autores, argumentando que não existe um “macho” ou uma “fêmea”

pré-definidos no cérebro humano. As supostas diferenças no uso da linguagem

masculina e feminina, em particular sobre as habilidades em matemática, muitas vezes

inexistentes, são influenciadas por nossas ideias e concepções culturais e históricas

sobre o que as mulheres e os homens devem “ser”, “fazer” e “pensar”.

A escola constituiu-se como um dos principais articuladores deste processo,

distinguindo campos cognitivos diferenciados para apreensão do saber de meninos e

meninas. Desde o Ato de 1827, no qual ficou estabelecido o acesso das meninas as

escolas públicas, a matemática já figurava como um “divisor de águas”, delimitando o

conhecimento e o aprendizado dos indivíduos. Os artigos 6º e 12º desde ato

demarcaram as desigualdades sexuais que iram predominar na educação brasileira.

[...] Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética,

prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria

prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da

doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão

dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História

do Brasil. [...] As Mestras, além do declarado no Art. 6o, com exclusão das

noções de geometria e limitado à instrução de aritmética só as suas quatro

operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

Claramente fica evidenciado nestes artigos que o ensino da matemática começou

estabelecendo diferenças sexuais para aquisição destes conhecimentos. A matemática

estabelece-se e firma-se com a concepção de que a indução, a abstração, o pensamento

lógico, a geometria, etc., são capacidades inerentes apenas ao ser homem, visto como

objetivo, racional, criativo. Como argumenta Schienbinger (2001, p. 314): “A

matemática serve como um filtro crítico para carreiras científicas. O prestígio de uma

ciência depende geralmente de seu grau de matematização e quanto mais matemática for

exigida para um dado emprego, maior a remuneração e menor a taxa de participação de

mulheres”.

Neste contexto inferimos que a matemática e as áreas afins são atravessadas por

um forte viés androcêntrico que mantém as mulheres afastadas dos seus espaços de

construção. Mas, segundo Lerner (1990, p. 323): “...criar um pensamento abstrato,

obviamente, isto não depende do sexo; a capacidade de pensar é inerente a humanidade:

pode-se alimentá-la ou desanimá-la, mas não se pode reprimi-la”.6

Apesar destas construções históricas e culturais, desde a antiguidade algumas7

mulheres romperam os limites dessas estruturas, ingressando em espaços

tradicionalmente masculinos, mostrando sua capacidade de produzir conhecimento,

apesar de todas as barreiras construídas em torno dos estereótipos de gênero.

Vários estudos8 demonstram que aos poucos, o número de mulheres ingressando

nas carreiras das Ciências Exatas está aumentando, contudo, ainda se faz necessário

analisar as barreiras “invisíveis” que estão afetando o desenvolvimento profissional

diferenciado entre homens e mulheres, levando as mulheres a estarem num patamar

inferior da pirâmide cientifica. Desta forma,

(...) as desigualdades na representação do sexo dentro da atividade científica

constituem uma negação dos direitos humanos. (...) as mulheres estão não só

sub-representadas numericamente na Ciência, mas as oportunidades para fazer

carreira também variam de acordo com o sexo.9

6 ...un pensamiento abstrato, obviamente, esto no depende del sexo; la capacidad de pensar es inherente a

la humanidad: puede alimentársela o desanimarla, pero no se la puede reprimir.(Tradução livre da autora) 7 Na matemática podemos citar Theano, Hipátia(ou Hipácia) de Alexandria, Emilie du Chatelet, Maria

Gaetana Agnesi, Sophie Germain, Sofia (ou Sonia) Kovalevskaia, dentre outras. 8 TABAK, Fanny. O laboratório de Pandora, 2002; MELO, H.P. de; LASTRES, H.M.M; MARQUES,

T.C. de N. Gênero no Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, 2004; LETA, Jacqueline.

As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de sucesso, 2003. 9 TABAK, Fanny. O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no feminino. Rio de Janeiro:

Garamond, 2002, p.54.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

Podemos inferir que um dos fatores que mantém o processo de escolhas

profissionais, tão demarcado pelas diferenças de gênero, certamente está vinculado ao

processo de socialização que é imposto às nossas crianças, estabelecendo uma

hierarquia de papéis que vai sendo construída desde muito cedo. As meninas são

“trabalhadas” para não se sentirem aptas para os jogos competitivos, para o estudo das

abstrações e para as tarefas com sentido espacial; assimilam o gosto pelas tarefas do

cuidar, do servir, da leitura. Já os meninos, tidos como racionais, objetivos, abstratos,

são incentivados para os jogos racionais que envolvem pensamentos lógicos, abstrato,

de poder, de competição. Assim, simbolicamente, os meninos e as meninas assumem as

representações sociais que lhe foram impostas. A maioria dos homens continua

seguindo carreiras em campos diferenciados economicamente e de poder - as carreiras

tidas como “duras” (ciências exatas- imparciais, abstratas e quantitativas) - enquanto as

mulheres são atraídas para carreiras que supostamente exigiriam delas menos técnica,

voltadas principalmente para as funções do cuidar, carreiras tidas como “moles”

(ciências humanas e sociais- compassivas, qualitativas) (SCHIENBINGER, 2001,

p.296).

Nesse sentido,

[...] o avanço da escolarização delas e de sua qualidade encontrou certos polos

de resistência... e, parece também que esses polos de resistência se encontram

essencialmente, [...] ao nível das formações de mais prestígio. Justamente

aqueles que tomam o caminho dos estudos centrados em matemática e física.10

Buscando confirmar ou não, num contexto real, essas reflexões, escolhemos a

Universidade Federal da Bahia para realizar nosso estudo. Analisamos os dez (10)

últimos processos seletivos para o ingresso na referida universidade11

, registrando os

percentuais de aprovação de mulheres e homens e destacando, para essa comunicação,

apenas a área das Ciências Exatas (áreas I )12

.

Nossa análise se inicia na subárea das engenharias, que, segundo Melo (2006,

p.324), se caracteriza pelo fato de que as mulheres egressas estão escolhendo

10 FERRAND, Michèle. A exclusão das mulheres da prática das ciências: uma manifestação sutil da

dominação masculina. Revista Estudos Feministas, 2, 1994, p.359. 11

Vestibulares do ano de 2003 até o ano de 2012. 12

Agradecemos ao Serviço de Seleção, Orientação e Avaliação (SSOA) da UFBA, por gentilmente nos

ceder os documentos oficiais sobre os processos seletivos desta universidade entre os anos de 2003 até

2012.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

“especializações mais próximas do estereótipo feminino e submetidas a “segregação

horizontal” dentro da carreira”. Seria possível pensar que as mulheres estão mais

envolvidas com projetos nos escritórios e os homens estão nas atividades de campo,

como no caso da Engenharia Civil, em obras? Questões como essas apontam para

investigações futuras já no campo profissional onde se inserem os egressos desses

cursos. Contudo, segundo pesquisa de Lombardi (2006, p. 184), em outro estudo,

“algumas coisas mudam, mas permanece o mito das engenheiras fora das obras”, e

ainda, segundo esta pesquisadora, algumas das entrevistadas na pesquisa afirmaram:

“Poucas são as que “gostam” dessa atividade, (as mulheres) não se dão bem em obras,

[...] raramente são responsáveis pela obra”.

Analisando a tabela I13

(abaixo), observamos que, de um modo geral, em todos

os cursos da área I houve um aumento no número de mulheres ingressas, embora

tenham ocorrido algumas oscilações em anos intermediários. Apesar deste aumento, há

uma relação de desigualdade visível e marcante que se traduz na predominância maior

dos homens em quase todos os cursos de engenharia, exceção na Engenharia Sanitária e

Ambiental. Um percentual mais marcante de desigualdade é observado no caso da

Engenharia Mecânica, que durante os 10 anos analisados manteve a marca de domínio

majoritariamente dos homens, tendo em 2003, 96,25% de homens e em 2012, 80,56%.

No caso da Engenharia Sanitária e Ambiental, o percentual de homens e

mulheres em geral se manteve mais ou menos equilibrado, mas nos dois últimos anos

(2011/2012) o ingresso de mulheres superou o número de homens, criando uma

expectativa de que essa área passa a ter maiores “atrativos” para as mulheres. Uma

suposição a ser investigada: este curso pretende responder à urgência do “cuidar”,

“manter” e “proteger” o meio ambiente e as condições sanitárias básicas para a

sobrevivência dos indivíduos e do planeta. É curioso o fato de que estas características

são historicamente condições impostas e normatizadas como próprias das mulheres.

Não necessariamente de modo consciente, as mulheres estariam condicionadas ao

cuidado, somando-se ao fato concreto de que a engenharia sanitária guarda uma grande

proximidade com as Ciências Biológicas, campo já dominado pelas mulheres, pelo

menos numericamente.

13

Na tabela I estão os percentuais de mulheres ingressas nos vestibulares de 2003 até 2012 da UFBA para

os cursos da área I, que abrange os cursos de Arquitetura, Física, Geologia, Matemática, Ciência da

Computação, Química, Estatística, Geofísica e as Engenharias: Civil, Minas, Elétrica, Mecânica,

Química, Sanitária e Ambiental.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

TABELA I – MULHERES INGRESSAS NO VESTIBULAR UFBA ÁREA I –10

ANOS

(percentuais em relação ao total de ingressos)

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Arquit. 61,67 60,00 68,33 64,17 65,83 63,33 70,00 68,33 68,33 68,75

Eng. Civil 21,78 11,88 16,88 20,62 20,00 16,25 22,78 25,56 28,33 26,38

Eng. Min. 26,67 16,67 16,00 14,00 10,00 18,00 20,00 24,00 30,00 27,50

Eng. Elet. 15,00 11,25 12,50 12,50 6,25 9,88 17,78 12,22 15,56 20,83

Eng. Mec. 3,75 1,25 10,00 6,25 5,00 11,25 10,00 5,56 10,00 19,44

Eng. Quim. 32,50 33,75 42,50 35,00 37,50 42,50 36,67 34,44 40,00 29,17

Eng. Sanit. 40,00 25,00 50,00 50,00 42,50 52,50 57,78 42,22 51,11 61,11

Física 12,00 18,00 8,00 12,00 20,00 8,00 10,00 22,00 30,00 25,00

Geologia 32,00 28,00 24,00 28,00 26,00 34,00 30,00 28,00 30,00 60,00

Matemática 25,00 23,33 25,00 23,33 23,33 20,00 33,33 26,67 41,67 47,50

Ci. Comp. 14,29 8,57 15,49 10,00 10,00 11,25 15,56 14,44 10,00 18,06

Química 47,50 40,00 43,75 47,50 36,25 51,25 52,50 47,50 61,25 50,00

Estatística 27,50 47,50 37,50 40,00 47,50 42,50 54,35 47,62 57,89 57,14

Geofísica 13,33 26,67 26,67 6,67 20,00 20,00 3,33 20,00 20,00 29,17

Fonte – Serviço de Seleção, Orientação e Avaliação – SSOA/UFBA, 2012

Um dado interessante emerge da tabela I: o único curso que durante os 10 anos

pesquisados manteve o número de mulheres maior que o de homens entre os ingressos

foi o curso de Arquitetura, que tem sido considerado um curso de preferência feminina.

Pode-se fazer algumas conjecturas: o curso de arquitetura abrange conteúdos na área de

Ciências Exatas e Ciências Humanas. A(o) profissional desta área deve conciliar

aspectos técnicos, históricos, culturais, estéticos e ambientais, de forma a proporcionar

uma melhor qualidade de vida às pessoas que irão viver nos espaços projetados.

Humanizar, tornar belos e úteis os ambientes é tarefa fundamental nesta área. Esses

aspectos subjetivos (beleza, estética, emoção), por serem considerados formadores

“naturais” das características femininas, talvez estejam direcionando as mulheres para

essa carreira.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

Alguns pesquisadores14

estudam as relações de gênero no ambiente de trabalho

de arquitetas e arquitetos / arquitetas e engenheiros, e observam que:

O “trabalho chato”, miúdo, picado e contínuo, invisível, de organização, de

contatos, de registros é preferencialmente desenvolvido por elas porque a

maioria dos homens não o assumia de imediato e elas se antecipavam em aceitá-

los.15

Ainda segundo Lombardi (2011), a mulher precisa estar sempre provando sua

competência (isto ocorre em todas as áreas) porque sofre com uma vigilância

“silenciosa”, e muitas vezes quando demonstra autoridade é vista como mulher “braba”

(uma característica dita masculina).

A vigilância masculina sobre o desempenho profissional feminino se traduziu na

necessidade de provar constantemente o conhecimento técnico e na adoção de

uma maior firmeza para transmitir ordens, formas de agir e falar interpretadas

pejorativamente como “brabeza” das mulheres.16

Muitas vezes também, as mulheres são comparadas com os homens quando se

destacam nas atividades, como podemos observar na fala de uma das entrevistadas:

“Rosa, você é tão inteligente que parece um homem” (LOMBARDI, 2006, p.185).

O curso de arquitetura por ser considerado um curso feminino, provoca no

imaginário de algumas pessoas uma “desqualificação” para os homens que buscam esta

formação acadêmica. Em um estudo no qual, foram analisadas as relações de gênero

entre alunos e alunas em uma instituição de educação tecnológica brasileira, as autoras

afirmaram:

Faz parte do padrão tradicional de masculinidade que os homens devem estudar

em cursos do universo tecnológico que não sejam relacionados a atividades

artísticas. As opiniões dos entrevistados sobre os rapazes que estão no curso de

Artes Gráficas e Desenho de Móveis revelaram que há um certo preconceito na

sociedade em geral a este respeito. Para alguns esta maneira de pensar criou

problemas até para ingressarem nos cursos. Vimos que um deles chegou a mentir

para a mãe que estava fazendo vestibular para o curso de Engenharia Civil e

quando foi descoberto o seu verdadeiro curso teve que enfrentar a resistência dos

14 Maria Rosa Lombardi; Rosa Cristina Ferreira de Souza e Brigido Vizeu Camargo; Marília Gomes de

Carvalho, Samara Feitosa, Valter Cardoso da Silva. 15

LOMBARDI, Maria Rosa. Novas configurações do trabalho nos espaços urbano e rural Arquitetura

militante e relações de gênero em um empreendimento de trabalho associado. XV Congresso Brasileiro

de Sociologia. Curitiba (PR): Fundação Carlos Chagas. 2011, p.21. 16 LOMBARDI, Maria Rosa. Novas configurações do trabalho nos espaços urbano e rural Arquitetura

militante e relações de gênero em um empreendimento de trabalho associado. XV Congresso Brasileiro

de Sociologia. Curitiba (PR): Fundação Carlos Chagas. 2011, p.21.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

familiares. Outro, disse que o pai sentia-se constrangido perante os amigos pelo

fato do filho estar cursando Artes Gráficas e não um curso “de homem”.17

Como se pode ver, as escolhas profissionais são profundamente marcadas pelas

representações sobre ser mulher ou ser homem, havendo claramente uma associação

entre determinadas profissões e o gênero. O caso de Arquitetura é especialmente

interessante, por se tratar de um curso situado na área das Ciências Exatas; pode-se

inferir que, neste caso, os aspectos “artísticos” associados à profissão superam, em

importância, os preconceitos quanto á inadequação técnica ou mesmo cognitiva,

colocando as mulheres em vantagem e os homens “sob suspeita” quanto à

masculinidade.

A Física e a Geofísica continuam, em geral, mantendo as mulheres num nível

maior de afastamento. Segundo constatou Lombardi (2006) em sua pesquisa sobre a

inserção das engenheiras no campo profissional, ainda há muita resistência no mercado

de trabalho em relação à presença das mulheres em determinados setores. Por exemplo,

na área da geofísica, ficou constatado que há separação sexual nítida em relação a tipos

de trabalhos desenvolvidos por homens e por mulheres.

Aos homens o petróleo, às mulheres a água e outros minérios. Mesmo diploma

de engenheiro, trabalho igualmente árduo, mas sexos diferentes, aos quais se

atribuem carreiras diferentes, com patamares de remuneração e prestígio

diversos. [...] os métodos de analise do petróleo, é uma área mais valorizada, dá

mais dinheiros, existem grandes contratos. Já as especialidades femininas (como

a água) são caracterizadas por pequenos contratos, de menor valor e são menos

valorizados.18

Em relação à Física, ainda é visível o afastamento das mulheres, e um dos

fatores se baseia no fato desta ciência ser considerada, segundo Schienbinger (2001),

extremamente “hard”, que trata e lida com coisas e empregam muita matemática, não há

envolvimento com emoções. Esses fatores aliados aos condicionamentos culturais e

sociais podem estar contribuindo para afastar as mulheres.

O curso de Geologia que mantinha uma tradição de ingresso maior de homens

aparece em 2012 com um percentual maior de mulheres (60%), o mesmo ocorreu no

17

CARVALHO, M. G.; FEITOSA,S. e SILVA, V.C. da. Relações de gênero entre alunos e alunas em

uma instituição de educação tecnológica brasileira. nº 8, Revista tecnologia e sociedade, 2009, p. 131. 18

LOMBARDI, Maria Rosa. Engenheiras Brasileiras: Inserção e limites de gênero no campo profissional.

v.36, n. 127,Cadernos de Pesquisa, 2006, p.192.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

curso de Estatística, no qual a entrada de mulheres vem aumentando progressivamente,

inclusive atingindo percentuais relativamente próximos para os dois sexos, sendo que as

mulheres vêm superando a entrada dos homens nos dois últimos anos. Análises

quantitativas e qualitativas devem ser realizadas nos próximos anos para a verificação

desta tendência.

O curso de Ciência da Computação mantém-se com o predomínio dos homens.

Houve alguns períodos com uma baixa mais acentuada no número de mulheres no

curso, mas aparentemente, evidencia-se que o percentual continua variando em relação

às mulheres entre 15% e 18%.

O curso de Matemática, apesar de também apresentar um aumento em relação às

mulheres, continua basicamente mantendo a predominância masculina, apesar de em

2011 e 2012 a diferença percentual ter diminuído consideravelmente. Esta mudança

pode significar uma feminização do curso, o que seria um retorno às origens, vez que o

Instituto de Matemática da Universidade Federal da Bahia, desde sua fundação, sempre

foi um reduto feminino, contrariando todas as representações sociais sobre a

inadequação das mulheres para o pensamento matemático. No entanto, é importante ter

em mente que o curso tem duas habilitações: Licenciatura e Bacharelado. As mulheres

podem estar interessadas no exercício da profissão docente, o que corresponde à

expectativa social de profissionalização feminina. Uma investigação futura junto aos

discentes do curso deve apontar para as escolhas de homens e mulheres para as duas

habilitações, sendo interessante ouvir depoimentos que apresentem as razões para essas

escolhas.

Não há dados que nos permitam afirmar que há uma destinação consciente dos

cursos na área das Ciências Exatas para os homens e que a exclusão das mulheres é

explícita e determinada por fatores conhecidos. Concordamos com a pesquisadora Carla

Cabral (2005), para quem as mulheres continuam sofrendo com as barreiras invisíveis

que afetam suas trajetórias profissionais:

Hoje, não há restrições aparentes para o seu acesso aos sistemas educacionais,

mas ergue-se uma série de outras barreiras que restringem sua participação na

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

produção do conhecimento científico e tecnológico, hierárquica e

territorialmente, num universo androcêntrico de pesquisa e trabalho.19

Contudo podemos afirmar, respondendo à Ferrand (1994, p. 359): “Será que são

as moças que não gostam de matemática ou a matemática que não gosta das moças?”,

que não é nem uma coisa nem outra. As mulheres que se dedicam a essa área gostam e

se dedicam com verdadeira paixão; contudo, como esse campo foi construído baseado

nas percepções masculinas fortemente impregnadas historicamente pelos mitos das

desigualdades sexuais, se tem a pretensa noção de que o campo matemático não aprecia

as mulheres, mas isto é mais uma “armadilha” do poderio patriarcal que invisibiliza o

crescimento feminino. Acreditamos que absolutamente nada na Matemática em si

afasta as mulheres; a participação delas e sua produção de conhecimento só pode

enriquecer a área, agregando, talvez, abordagens criativas e provocadoras, abrindo-se

assim um vasto campo de possibilidades de pensar e fazer uma nova matemática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando as ideias apresentadas neste texto, verificamos que a construção

do conhecimento na área das ciências exatas, por ainda manter o pensamento

essencialista e biologizante, que reafirma uma pretensa incapacidade de abstração lógica

das mulheres neste espaço, acaba criando barreiras invisíveis que dificultam a entrada,

a permanência e o reconhecimento da capacidade de produção intelectual das mulheres.

Precisamos intensificar a produção de conhecimento que associe os Estudos de

Gênero e Matemática, com o objetivo de integrar uma ampla discussão em relação às

assimetrias de gênero que continuam demarcando as escolhas profissionais dos jovens.

REFERÊNCIAS

BADINTER, Elisabeth. XY – sobre a identidade masculina. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1993.

CABRAL, Carla; BAZZO, Walter Antonio. A compreensão de CT e Valores de

professoras da área de tecnológica: barreiras e caminhos para uma consciência crítica.

19

CABRAL, Carla; BAZZO, Walter Antonio. A compreensão de CT e Valores de professoras da área de

tecnológica: barreiras e caminhos para uma consciência crítica, Nº 5. São Paulo: Bauru, Associação

Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências. 2005, p.5.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

In: Atas do V ENPEC – 2005, nº 5, São Paulo: Bauru. Disponível em

http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/venpec/conteudo/artigos/1/pdf/p718.pdf Acesso em:

11/08/2012.

CARVALHO, M. G.; FEITOSA,S. e SILVA, V.C. da. Relações de gênero entre alunos

e alunas em uma instituição de educação tecnológica brasileira. Curitiba: Revista

tecnologia e sociedade, 2009, nº 8, p. 87-135.

FERRAND, Michèle. A exclusão das mulheres da prática das ciências: uma

manifestação sutil da dominação masculina. Florianópolis: Revista Estudos

Feministas, 2, 1994.

FINE, Cordelia. Delusions of gender: the real science behind sex differences. Londres:

Icon, 2010.

LEI IMPERIAL DE 15/10/1827. Disponível em: www.histedbr.fae.unicamp.br

LERNER, Gerda. La creación Del patriarcado. Barcelona: Ed. Crítica. 1990.

LETA, Jacqueline. As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um

perfil de sucesso. São Paulo: Revista Estudos Avançados, Sept./Dec. 2003, vol. 17,

n.49.

LOMBARDI, Maria Rosa. Novas configurações do trabalho nos espaços urbano e rural

Arquitetura militante e relações de gênero em um empreendimento de trabalho

associado. In: XV Congresso Brasileiro de Sociologia. Curitiba (PR): Fundação

Carlos Chagas. 2011.

------------------------. Engenheiras Brasileiras: Inserção e limites de gênero no campo

profissional. Curitiba (PR): Cadernos de Pesquisa, Jan./Abr. 2006, v.36, n. 127,

p.173-202.

MELO, H.P. de; LASTRES, H.M.M; MARQUES, T.C. de N. Gênero no Sistema de

Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. Rio de Janeiro: Revista Gênero, 1.sem.2004,

v.4, n.2, p.73-94.

MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social.

Trad. de Guareschi. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

PASSOS, Elizete. Palcos e Plateias – as representações de gênero na Faculdade de

Filosofia. Salvador: EDUFBA, 1999.

TABAK, Fanny. O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no feminino. Rio

de Janeiro: Garamond, 2002.

SCHIENBINGER, Londa. O Feminismo mudou a ciência? São Paulo: EDUSC, 2001.

SOUZA, R.C.F. de & CAMARGO, B.V. Representações sociais e relações intergrupais

de duas categorias profissionais. Florianópolis: Revista de Ciências Humanas,

Especial Temática, 2002, p.35-43.

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013 Universidade do Estado da Bahia – Campus I

Salvador - BA

VALLEJOS, Adriana; YANNOULAS, Silvia; LENARDUZZI, Zulma. Lineamientos

epistemológicos. Brasília: Equipe Gênero. FLACSO/Sede acadêmica Brasil,

Nov.2003.