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Português 9º Ano Ano letivo de 2016/2017 Ilha dos Amores O episódio da Ilha dos Amores ocupa uma quinta parte do poema. Encontra-se colocado estruturalmente na convergência de todos os diversos níveis de ação presentes na obra: -a viagem dos marinheiros; -a intriga dos deuses; -a conceção da estrutura do mundo (cosmos); -a visão da história passada e futura de Portugal (e do mundo de então); -a interpretação filosófica do significado da ação dos homens no mundo; -a crítica da situação factual da política do tempo de Camões. Fácil será fazer uma extrapolação e dizer que a Ilha é a visão paradisíaca do verdadeiro Portugal ou que ela representa uma utopia de feição idealista: o lugar da recompensa dos homens após o longo sofrimento, privação e risco da demorada viagem. Mas convém notar que, com a prática erótica que essa Ilha faculta aos homens e ao Gama, é feito, paralelamente, o discurso da revelação da sabedoria histórica e cosmogónica. Para além de considerações de carácter esotérico (secreto, misterioso), o que o poema nos dá é de facto a prática e o apogeu do amor físico como sendo a chave textual para a abertura do conhecimento. Tais propostas são manifestamente heréticas (ofensivas) relativamente às doutrinas quer neoplatónicas quer católicas. Simbologia do episódio da Ilha dos Amores A Ilha dos Amores simboliza o reconhecimento dos feitos do povo português através de uma recompensa – a celebração de um casamento cósmico entre as ninfas e os portugueses, através do qual Camões os eleva a um estatuto de deuses, é como se se dissesse que quem pratica feitos de tal magnitude, não esquecendo os sacrifícios causados pelos homens inimigos e pelos deuses, principalmente Baco, que os vai atraiçoando no decorrer da sua jornada, merece a imortalidade própria da condição divina «Por feitos imortais e soberanos/O mundo cos varões que esforço e arte/Divinos os fizeram, sendo humanos».

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Português 9º Ano

Ano letivo de 2016/2017

Ilha dos Amores

O episódio da Ilha dos Amores ocupa uma quinta parte do

poema. Encontra-se colocado estruturalmente na convergência

de todos os diversos níveis de ação presentes na obra:

-a viagem dos marinheiros; -a intriga dos deuses; -a conceção da estrutura do mundo (cosmos); -a visão da história passada e futura de Portugal (e do mundo de então); -a interpretação filosófica do significado da ação dos homens no mundo; -a crítica da situação factual da política do tempo de Camões. Fácil será fazer uma extrapolação e dizer que a Ilha é a visão paradisíaca do

verdadeiro Portugal ou que ela representa uma utopia de feição idealista: o lugar

da recompensa dos homens após o longo sofrimento, privação e risco da

demorada viagem. Mas convém notar que, com a prática erótica que essa Ilha

faculta aos homens e ao Gama, é feito, paralelamente, o discurso da revelação

da sabedoria histórica e cosmogónica.

Para além de considerações de carácter esotérico (secreto, misterioso), o que o

poema nos dá é de facto a prática e o apogeu do amor físico como sendo

a chave textual para a abertura do conhecimento. Tais propostas são

manifestamente heréticas (ofensivas) relativamente às doutrinas quer

neoplatónicas quer católicas.

Simbologia do episódio da Ilha dos Amores

A Ilha dos Amores simboliza o reconhecimento dos feitos do povo

português através de uma recompensa – a celebração de um casamento cósmico

entre as ninfas e os portugueses, através do qual Camões os eleva a um estatuto

de deuses, é como se se dissesse que quem pratica feitos de tal magnitude, não esquecendo os sacrifícios causados pelos homens inimigos e pelos deuses, principalmente Baco, que os vai atraiçoando no decorrer da sua jornada, merece a imortalidade própria da condição

divina «Por feitos imortais e soberanos/O mundo cos varões que esforço e

arte/Divinos os fizeram, sendo humanos».

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Vénus, deusa do Amor e da Beleza, é

assim a deusa que se identifica com

estes heróis e os vai salvando dos

perigos, cria a "Ilha dos Amores", auxiliada por Cupido, seu

filho, recompensando os portugueses

pelo seu esforço, bravura,

persistência e dedicação na tarefa da

superação da humanidade.

Na ilha "fresca e bela" encontram-se ninfas à espera, tendo os marinheiros a

oportunidade de se deleitar com elas que os acolhem, depois de jogos de

sedução, dividem-se entre o prazer sexual e o Amor. É aliás este Amor que

existe entre Vénus e os Portugueses. E, por isso, dá-se, nesta Ilha, um "casamento”, a união entre os descendentes de Luso e Vénus onde "Se prometem eterna companhia, / Em vida e morte, de honra e alegria.". Deste modo, Vénus reconhece os Portugueses como um povo nobre e concede-lhes como que um estatuto semidivino e eterna proteção.

A viagem, mais do que a exploração dos mares, exprime a

passagem do desconhecido para o conhecimento, não só a nível físico, mas

também a nívelespiritual/interior. Como diz Jorge de

Sena, estamos perante «a recolocação do Amor, do verdadeiro Amor, como centro da Harmonia do Mundo. A Ilha é uma catarse total (purificação), não apenas de todos os recalcamentos, mas das misérias da própria História, e das misérias da vida no tempo de Camões e fora dele (...)Ao desmistificar os deuses, Camões faz-nos assumir a fantasia como fantasia, dando aos homens a dignidade máxima de terem sido humanos, do mesmo modo que aponta aos homens a maneira de se divinizarem».

Na Ilha dos Amores, os prazeres concedidos aos portugueses inscrevem-se tanto no nível material como no espiritual do Herói. Por um lado, ao nível material temos as recompensas do amor físico e o banquete oferecidos por Tétis e pelas restantes ninfas. Por outro lado, o nível espiritual reporta-se à apresentação que Tétis faz da Máquina do Mundo a Vasco da Gama. Este último momento é de grande importância já que apenas aos deuses era possível a visualização do Universo. A ambição da descoberta de novas terras proporciona aos nautas esta honra, símbolo de todas as compensações que os Descobrimentos trazem ao Homem.

Ao contrário dos episódios da Inês de Castro e do Adamastor, este é o

episódio da Epopeia e um exemplo raro da obra camoniana, em geral, em

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que existe a plenitude amorosa, onde existe o prémio e não o castigo por

amor. É através do amor físico que os navegadores interagem com as ninfas

imortais, depois das provas que representam o amor pela pátria, a devoção e a

superação das dificuldades que os tornam também divinos, provando assim que nada

resiste à força do amor.

Camões coloca neste episódio toda a sua imaginação

e, utilizando elementos do Renascentismo e do

Humanismo, confere aos portugueses a possibilidade de

realização completa, sem as limitações e as

contradições impostas pela Natureza. E assim os

navegadores conseguem alcançar a imortalidade. Mas

isso também se aplica ao poeta que, ao compor esta

epopeia e ao dedicá-la ao herói português, dignifica

os seus feitos, permanecendo vivo não fisicamente,

mas espiritualmente, através desta e de muitas outras

obras.

No Canto IX, os nautas ao serem recebidos pelas ninfas

significa, entre outras coisas, a confirmação dos receios de

Baco: de facto, os navegantes cometeram atos tão grandiosos

que se tornam amados por deusas; e, de certo modo, divinizam-se também.

Em Os Lusíadas a revelação súbita da nudez desperta o instinto para o

qual o pecado não existe. É em plena inocência, como se o tabu bíblico

nunca tivesse existido, que se realizam as núpcias, sem restrições. Depois

desta recuperação da inocência e desta abolição da consciência do Bem e

do Mal, os homens recuperam também a

imortalidade. Como amantes das ninfas imortais,

tornam-se eles próprios divinos.

A mulher, intermediária da serpente maléfica, fizera Adão

ser sujeito à morte. Na Ilha dos Amores é também

a mulher (agora no plural) que liberta os homens da lei da

morte.

Evidentemente há uma entrega aos prazeres da carne, mas é um prazer fruto do

Amor, que preenche a alma e purifica. O Amor que deifica homens e humaniza

deuses, unindo-os num só ser, fazendo com que entre eles não haja mais distinção,

deixando criaturas humanas e divinas num mesmo patamar, numa mesma

existência.

Marinheiros e ninfas estavam todos entregues ao puro amor. O sentimento é tão intenso, o

afago é tamanho, que os enamorados “se prometem eterna companhia, / em vida e morte, de

honra e alegria”, daí que, mesmo inundados de lascívia, o relacionamento amoroso entre as

ninfas e os portugueses não representa uma orgia desenfreada e desmedida.