Imagem, Cinema e Quadrinhos

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    Resumo:As histrias em quadrinhos cada vez mais se mostramuma mdia extremamente funcional para a comunicao. Algunsautores, recentemente, trabalharam com o gnero jornalstico,trazendo uma nova perspectiva para sua funcionalidade. Atravs dequestes sobre o narrador de Walter Benjamin e conceitos deCerteau, pretende-se mostrar a vitalidade dessa mdia na construodos relatos de cotidiano.

    " Ainda que relegados a uma condio minoritria, os quadrinhos oferecem um inestimvelportal atravs do qual podemos ver nosso mundo. Hoje a imagem animada - tanto pelocinema como pela tev - constitui parte do leo de tais portais. Os quadrinhos, comooutras formas minoritrias, so vitais para diversificar nossas percepes de mundo."

    Scott Mc Cloud.

    As histrias em quadrinhos, durante muito tempo, foram percebidas pelo

    grande pblico como sub-literatura direcionada ao pblico infantil. Para os maisradicais e irascveis, causava danos, interferindo na formao da criana e na

    constituio de um adulto saudvel. Apesar de tais reaes e de um sensocomum estabelecido sobre os problemas que essas histrias podiam gerar porserem direcionadas aos jovens, desde sempre houve aquelas produzidas para um

    magem, cinema e quadrinhos:

    linguagens e discursos de cotidiano

    I

    Felipe Muanis

    Felipe Muanis professor deAudiovisual e mestre em Comunicao

    Social pela PUC-Rio. Ilustrador e diretorde arte de cinema e comerciais,atualmente doutorando emComunicao Social na Universidade

    Federal de Minas Gerais, com fomentoda FAPEMIG, e escreve artigos sobrecinema para revistas especializadas.

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    Palavras-chave: quadrinhos. contador de histrias, temporalidade.

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    Abstract: Comics have proved to be an extremely functionalmedia for social communication. Some authors have been addingjournalistic elements to comics, bringing a new perspective to theirfunction. Using questions about the narrator, in Walter Benjamin,and some concepts elaborated by Michel de Certeau, the purposeof this essay is to show the vitality of this media that can be reallyuseful on building everyday narratives.

    Key words: comics. narrator, temporality.

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    pblico adulto: no tanto pelas temticas, mas pelos formatos, linguagens etemporalidades mais refinadas, menos adequadas ao pblico infantil. Umexemplo contundente, ainda dos primrdios dos quadrinhos, de um dospioneiros no Brasil; o italiano Angelo Agostini que realizava uma decupagem

    bastante criativa j em 1869.No entanto os quadrinhos tinham, de fato, genericamente, um carter

    mais infantil, seja nas tirinhas de jornal ou nas revistas peridicas. Seuspersonagens ou eram caricatos, muitas vezes animais com caractersticas

    humanas (como alguns desenvolvidos por McCay ou Disney), ou aventurasseriadas com personagens de traos realistas. Esses ltimos iam dos super-heris (Super-Homem e Batman no final da dcada de 30) aos aventureiros

    que seguiam um padro baseados na pulp-fiction e nas peas radiofnicas (OSombra, the Crimson Avenger), na esttica do cinema noire suas histrias dedetetive e mistrio (Dick Tracy) e at mesmo na literatura (Tarzan). Comeavamtambm, as histrias em quadrinhos, a serem reconhecidas atravs da estrutura

    dos gneros literrios, estes reforados pelo imaginrio desenvolvido pelordio e pelo cinema..

    Tais gneros se aprofundam e diversificam na dcada de 60, com acontra-cultura. Surgem personagens mais humanos e reais, menos hericos e

    aventureiros, no sentido fantstico. O homem comum, o personagem que vive margem da sociedade, passa a ser o grande personagem, assim como foi nocinema a partir do neo-realismo. Seu maior atrativo o prprio carter marginal,

    suas dificuldades, dvidas existenciais e incoerncias advindas do ps-guerra, dacontestao poltica e social, da revoluo sexual e das drogas. As histriasmundanas tornam-se atrativas para um pblico de quadrinhos que continuavajovem e se identificava cada vez mais com o sentimento de rebeldia da poca.

    Somado ao conservadorismo crescente, foi o perodo em que, por outro lado,mais se atacou esse tipo de mdia nos Estados Unidos. importante que se diga,porm, que h duas vertentes bem distintas nessa produo da dcada de 60:

    de um lado o quadrinho de massa conformista, folhetinesco, presente nos jornaise em algumas revistas americanas - como Ariel Dorfman desenvolveu em seutrabalho sobre os quadrinhos de Disney - e do outro o quadrinho underground,anti-conformista, imbudos de crtica social ao american way of life, que comea

    a explorar os vencidos e os que no tem voz na sociedade. A crtica social nosquadrinhos passa a ser, ento, um espao ocupado tradicionalmente pela contra-

    cultura. Ou seja: existe, cria seu discurso, mas se mantm margem, perifrica dosistema comercial de distribuio e aceitabilidade do grande pblico. Mas essa

    liberdade crtica, que sobrevive duras penas, um dos fatores que possibilitauma maturidade temtica que vem se desenvolvendo, criando aceitabilidade epenetrando em mercados mais ridos, at os dias de hoje.

    A caa s bruxas e a m-vontade com os quadrinhos, portanto, noimpediu de sempre haver autores como Will Eisner, Harvey Kurtzman, RobertCrumb, Alan Moore, Art Spiegelman, entre tantos outros, que transcendiamos gneros existentes e as estruturas mais comerciais para inovar na narrativa,

    deixando marcas positivas nas transformaes que o meio dos quadrinhosviria a absorver.

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    Com as revistas em quadrinhos e as inseres em jornais possibilitando obras mais longasna quarta e na quinta dcadas, alguns pioneiros previram os efeitos liberadores das histriasextensas e puseram em ao seu gnio de composio. Uma gerao mais tarde, o trabalhode reinventar os quadrinhos caiu nas mos de um grupo politicamente ativo deiconoclastas que escarneceram incansavelmente do status quoe acabaram pagando umalto preo por seus excessos. Todavia, mesmo nos confins estritos de gneros muitas vezeslimitados, surgiam artistas com novas e imponentes vises da fora potencial dosquadrinhos (...). Tambm vimos com especial clareza no movimento undergrounddo fimdos anos 60 e incio dos 70 que mesmo quando no havia mercado estabelecido paraum tipo de trabalho, artistas com algo a dizer encontravam um meio de se expressar!Nos ltimos vinte anos, observei fascinado como a sensibilidade underground , asambies formais e a polinizao cruzada internacional revigoraram os quadrinhosamericanos e nos ltimos quinze vi novos artistas brotando bem debaixo do meu nariz ealimentando uma revoluo ainda muito nova e muito recente para a classificarmos. Nemsempre compensava ser um pioneiro nos quadrinhos, e alguns de nossos maioresinovadores labutaram na obscuridade por anos, embora o grande mercado usualmenteacabe se tocando e tomando nota. (McCLOUD, 2006: 15,17).

    A polinizao cruzada citada por McCloud no , contudo, fenmenorecente nem apenas um simples cruzamento entre tendncias e estilos de quadrinhos.Acontece desde a absoro dos gneros, passando pelas influncias mtuas entrevariados estilos, tcnicas, personagens, mas tambm pela relao mais estreita que aassim chamada oitava-arte passa a ter com a literatura e a pintura. a partir da dcadade 70 que at mesmo o quadrinho "mais comercial", adquire um formato que lhepossibilita um desenvolvimento e variedade maior nos aspectos narrativos.

    Foi Will Eisner um dos maiores colaboradores para que, aos poucos, osquadrinhos passassem a ter uma maior respeitabilidade e deixassem de ser vistos, emdetrimento aos discursos apocalpticos, como baixa-cultura. Suas colaboraes noaspecto da linguagem eram visveis nas tiras de "The Spirit" publicadas nos jornais,

    ainda na dcada de 40, e que lhe valeram a comparao com Orson Welles. Outrofator importante foi a criao de um formato de histria longa, com tempo e espaopara o desenvolvimento de uma narrativa mais elaborada e consistente. "Contrato comDeus", na dcada de 70, inaugura o termo graphic novel, ou o "lbum", aproximandoainda mais os quadrinhos do romance e da literatura, porm com o diferencial de seutilizarem tambm dos desenhos como recurso narrativo criativo e indispensvel. Seo quadrinho agora tinha um formato que lhe possibilitava um desenvolvimento evariedade maior nos seus aspectos narrativos, o termo a seguir, tambm elaboradopelo prprio Eisner, foi arte-seqencial. Este termo, tambm adotado neste artigo,denota uma preocupao com a arte de narrar atravs de imagens sucessivas em seusdiversos enquadramentos, suas relaes entre texto e imagem, e que lhe garantiriamaiores possibilidades artsticas e narrativas:

    Durante os ltimos 35 anos, os modernos artistas dos quadrinhos vm desenvolvendo noseu ofcio a interao de palavra e imagem. Durante o processo, creio eu, conseguiram umahibridao bem-sucedida de ilustrao e prosa.A configurao geral da revista de quadrinhos apresenta uma sobreposio de palavra eimagem, e, assim, preciso que o leitor exera as suas habilidades interpretativas visuais everbais. As regncias da arte (por exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e as regnciasda literatura (por exemplo, gramtica, enredo, sintaxe) superpem-se mutuamente. A leiturada revista de quadrinho um ato de percepo esttica e de esforo intelectual. (...)Em sua forma mais simples, os quadrinhos empregam uma srie de imagens repetitivas esmbolos reconhecveis. Quando so usados vezes e vezes para expressar idias similares,tornam-se uma linguagem - uma forma literria, se quiserem. E essa aplicao disciplinadaque cria a "gramtica" da Arte Seqencial. (EISNER, 1989: 8).

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    Se a arte seqencial trabalha com tal interao entre literatura e artes plsticase se sempre o quadrinho, como toda a mdia de massa, recebeu influncia de outrasmdias, seja em seu contedo e em sua forma, mais do que natural que o quadrinhose hibridizasse com outras modalidades narrativas da modernidade. Assim transforma-se, inova e viabiliza produtos e leituras diferenciadas, exercendo tambm influnciasobre as mdias de origem. nesse momento que se percebe a aproximao entrequadrinhos e o discurso jornalstico, criando um tipo muito especfico de produto: aarte seqencial documental.

    Antes, porm, de aprofundarmos o aspecto jornalstico dos quadrinhos, necessrio compar-lo com uma outra mdia que associa texto, palavra e imagem. Ocinema a mdia que mais tem proximidade com os quadrinhos, seja na linguagem,nas influncias mtuas e hibridizaes de forma e contedo. No mbito dalinguagem, observa-se facilmente a gramtica visual comum, a saber, osenquadramentos, a montagem, a dramaticidade e o eixo de cmera, elementosessenciais para criar ritmo, aumentar a carga dramtica, construir a narrativa eestabelecer uma lgica compreensvel de decodificao da informao para o leitor.Cortes, elipses de tempo, montagem paralela so todos recursos de cinema, utilizados

    pelos quadrinhos, porm a partir de imagens estticas. Essa a diferena maisevidente: enquanto a imagem do cinema apresentamovimento, o quadrinho sugeree simula movimento atravs de cdigos pictricos estabelecidos durante seu percursohistrico narrativo. Ao aprofundar a questo se pode dizer, at mesmo, que no hmovimento nem mesmo no cinema, que este movimento apenas uma ilusoprovocada pela velocidade das imagens imposta pela mecnica, pela mediao dacmera na filmagem e do projetor na exibio.

    Da mesma forma que a lgica da montagem estabelece sensaes a partir deconcluses que o espectador do filme tira da justaposio de dois planos - aexperincia de Kuleshov -, o leitor de quadrinhos simula, alm dessas relaes, o

    movimento em sua mente, da ao contida em cada quadrinho, a partir dos recursosda arte seqencial. Tanto na montagem de cinema quanto na decupagem dosquadrinhos, a experincia e a participao ativa do receptor se d pelo preenchimentosubjetivo das lacunas entre um plano e outro (anterior e posterior), que o leva a umareflexo subjetiva. A arte seqencial ganha, nesse sentido, alguns recursos a mais:primeiro o uso grfico subordinado narrativa; do texto, que pode ganhar densidadedramtica pelo uso de tipologia variada (inclusive onomatopias), por suas cores outamanhos diferenciados, bem como pelo formato dos filactrios. O segundo, amudana dos prprios quadrinhos, que podem ganhar diferentes formatos criando

    efeitos nicos, at mesmo refletindo o estado de esprito do personagem , recursoesse que a tela de cinema raramente se permite. O efeito para o leitor maiscontundente do que o habitual e favorece a metalinguagem.

    Existe, entretanto, uma diferena importante entre as duas linguagens no quediz respeito ao tempo de fruio do receptor. A ao que est na tela do cinema, malcomparando, o que est dentro de cada quadrinho em uma pgina, ou seja, avisualizao do leitor de quadrinhos mais ampla, interferindo na temporalidade. Essatemporalidade diferenciada por dois motivos: primeiro pelo fato do receptor ter umcontrole absoluto do tempo de leitura, ele quem decide o quanto dedica o seuolhar aos quadros at o ponto de virar a pgina. No cinema, por outro lado, a ao

    se sobrepe ao olhar, o ritmo da montagem atropela, arbitrariamente, a durao defruio do espectador. O leitor de quadrinho, por ter a ampla viso da decupagemna pgina, apreende o ritmo podendo se dedicar o quanto quiser imagem para suatotal compreenso e legibilidade, consumindo-a.

    Um exemplo uma histria deBatman, chamada "A misso", em que opersonagem principal drogado e ao

    invs do autor simplesmente coloc-locaindo desmaiado, ele rachasucessivamente os quadrinhos de umasequncia at sobrarem apenas cacos

    do prprio quadro, com a imagemfragmentada do personagem espalhadapela pgina.

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    A segunda diferena quanto temporalidade vem do mesmo princpio. Se oleitor visualiza vrios quadrinhos em uma pgina, pelos quais a ao se desloca, elepercebe vrias temporalidades na mesma pgina, com um mesmo olhar - o que maisuma vez refora a idia de ritmo. Ou seja, se o olhar do leitor est em um quadro,ele v, simultaneamente, o tempo passado da ao, representado pelo quadroanterior; bem como o tempo futuro, representado pelo quadro posterior aoobservado. Nada impede porm, que seu olhar passeie pela pgina e por essasdiversas temporalidades, subvertendo-as, sem criar problemas de compreenso e

    comunicao com a mensagem pretendida pelo autor do texto. No cinema, naspoucas vezes que se v uma diviso em quadros na tela, se aproximando do que seriauma pgina de quadrinhos, muito raramente esses quadros trabalham emtemporalidades diferentes. Normalmente se limitam a espacialidades diferentes,reproduzindo os primrdios da montagem paralela de Griffith.

    Tais variantes tcnicas so relevantes para se pensar como se constri apercepo e a apreenso da imagem nos quadrinhos e no cinema. - duas artesseqenciais. Em funo do absoluto controle do tempo do leitor, sem abrir mo doritmo e usando tcnicas similares de montagem e enquadramento, o quadrinho passa

    a ter uma capacidade de legibilidade maior do que o plano de cinema. Cabe lembraraqui as idias de E.H. Gombrich sobre o "papel do espectador":

    Foi tambm Gombrich que, em sua clebre obra L'Art et l'illusion, props a expressode "papel (ou parte) do espectador" (beholder's share) para designar o conjunto dosatos perceptivos e psquicos pelos quais, ao perceb-la e ao compreend-la, oespectador faz existir a imagem. Essa noo no fundo o prolongamento direto,como a sntese, do que acabamos de observar.()Gombrich adota, sobre a percepo visual, uma posio do tipo construtivista. Paraele, a percepo visual um processo quase experimental, que implica um sistema deexpectativas, com base nas quais so emitidas hipteses, as quais so em seguidaverificadas ou anuladas. Esse sistemas de perspectivas amplamente informado pornosso conhecimento prvio do mundo e das imagens: em nossa apreenso dasimagens, antecipamo-nos, abandonando as idias feitas sobre nossa percepo(AUMONT, 2004: 86).

    A apreenso da imagem que verifica ou anula as expectativas comrelao ao que visto se d, como tambm explicita Jacques Aumont, atravs daateno central e da ateno perifrica. O espectador foca sua ateno emdeterminado ponto da imagem. Mas a ateno perifrica permite que ele captetambm a informao visual ao redor. Existe, portanto, uma percepo total daimagem, ainda que variada, em funo das desigualdades entre a captao daimagem central e perifrica e ainda, do que o espectador elege como atenocentral em detrimento ao que perifrico. Como essa ateno se realiza naimagem do cinema e na imagem esttica dos quadrinhos?

    No cinema a imagem possui movimento e relaes de foco emprofundidade, o que direciona o olhar do espectador em um plano. Ou seja, suaateno central se desloca para um lugar especfico na imagem, imposto pelofilme. Com a montagem mais rpida esse "autoritarismo" torna-se ainda maior eo tempo de apreenso da ateno perifrica passa a ser muito menor. Assim, oespectador retm uma parcela pequena da constituio da imagem como um

    todo. freqente, ao rever um filme, reparar em detalhes do plano que nohaviam sido vistos anteriormente. Na imagem esttica, e especificamente nosquadrinhos, o que ocorre o contrrio: como no tem o movimento mas apenasas representaes de profundidade direcionando o olhar, a temporalidade dominada pelo leitor, permitindo que seus olhos passeiem livremente peloquadro. Vo do primeiro ao ltimo plano da imagem, deslocando a ateno

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    central para o que seriam pontos perifricos. A ateno perifrica, nosquadrinhos pode vir a ser - no sempre, vai depender da forma de leitura doespectador - um momento anterior ao movimento dos olhos que busca aateno central pela imagem. A possibilidade de percepo e apreenso total daimagem, nos quadrinhos, portanto, muito maior do que no cinema.

    Sendo assim, quando Gombrich relaciona o "conhecimento prvio dasimagens" "apreenso das imagens", conclui-se que toda e qualquer informaoconstituinte da imagem - plano ou quadro - fundamental para a compreenso de

    sua totalidade. Portanto quanto mais o espectador apreender, objetivamente, o quenormalmente s caberia ateno perifrica, mais ele poder absorver da imagem emquesto. Uma correspondncia a essa noo da importncia dos elementosconstitutivos da imagem j era apresentada por Eisenstein, no cinema, que j entendiaque a menor parte do filme no era o plano mas sim a atrao: subsdios internos aoplano que ajudavam a dar sentido imagem. Tal sentido dado pela unio dessesrecursos elabora no apenas um conhecimento das imagens, mas em seureconhecimento baseado na experincia e na cultura de cada leitor-espectador:

    Contudo, no caso especfico dos humanos devemos manter em altssima considerao ofato de que, se verdade que os rgos dos sentidos codificam biologicamente aspercepes (e os mundos da decorrentes), tambm verdade que estes rgos desentidos se encontram igualmente codificados por convenes e valores - convenes evalores que os retiram da pura biologia e os inscrevem no reino das relaes sociais e dacultura. Decorrncia disso, para compreender os segundos mundos humanos seriaimprescindvel observar tambm como variam os sentidos, suas utilizaes e suasqualificaes segundo os diversos grupos sociais. (RODRIGUES, 2005: 6).

    A cultura e experincia do indivduo so fundamentais no processo dereconhecimento da imagem mas ainda no so suficientes para possibilitar uma

    leitura absoluta do que se est vendo. Reconhecer os elementos da imagem nosignifica compreend-la em sua totalidade. Talvez caiba aqui outra comparao, entrea fotografia e o quadrinho. Ao observar as famosas fotografias de Robert Capa nofront de batalha, a experincia e cultura do espectador, de um modo geral, identificaque uma guerra atravs das imagens de armas, soldados, feridos mutilados e da aocongelada na foto. Mas a que guerra a imagem se refere, o que acontece? Por queaquelas pessoas se encontram ali naquele momento? Por mais que se tenha a culturapara reconhecer a imagem de uma fotografia, ainda assim ela continua limitada,necessita de legenda para complementar sua informao, como Benjamin explicaatravs da fotografia:

    Mas o que nem Wiertz nem Baudelaire compreenderam, no seu tempo, so as injunesimplcitas na autenticidade da fotografia. Nem sempre ser possvel contorn-las com umareportagem, cujos clichs somente produzem o efeito de provocar no espectadorassociaes lingsticas. A cmera se torna cada vez menor, cada vez mais apta a fixarimagens efmeras e secretas, cujo efeito de choque paralisa o mecanismo associativo doespectador. Aqui deve intervir a legenda, introduzida pela fotografia para favorecer aliteralizao de todas as relaes da vida e sem a qual qualquer construo fotogrfica correo risco de parecer vaga e aproximativa. () No se tornar a legenda a parte mais essencialda fotografia? (BENJAMIN, 1996: 107).

    E qual a legenda das fotos de Capa? A que o reprter escrevia e quefigurava ao lado da imagem na revista ou quem sabe at mesmo o annciopublicitrio na outra pgina, como observou Susan Sontag? Como se preenche umalegenda, ou se apreende os detalhes da imagem com o olhar, quando quem vivenciouo acontecimento em Omaha Beach no dia 6 de junho de 1944, por exemplo,

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    declara que fotografou " 'freneticamente' e no conseguia tirar os olhos do visor dacmera fotogrfica, durante o desembarque" (BERLINCK, 2004, 4)? evidente que issoem nada diminui o trabalho do fotgrafo hngaro, mas atesta uma limitao entrecontedo da imagem - representao do real - e fotografia. Essa a limitao daimagem nica, como atesta Sontag:

    Poderia algum ser mobilizado para opor-se guerra de forma atuante por uma imagem(ou por um grupo de imagens) ()? Parece mais plausvel que uma narrativa demonstre uma

    eficcia maior do que uma imagem. Em parte, a questo reside na extenso de tempo emque a pessoa obrigada a ver e sentir. Nenhuma foto ou coleo de fotos pode sedesdobrar, ir alm (). (SONTAG, 2003: 101,102).

    A imagem nica no em si uma narrativa, mas o conjunto delas podevir a se tornar uma. O cinema uma narrativa formada por uma sucesso de

    fotos (fotogramas) que ganham sentido entre si atravs de seus cdigoslingsticos e gramaticais, e da experincia cultural do seu espectador. Em umnico fotograma, tal qual uma foto, reside uma informao limitada. Na arteseqencial se d o mesmo. Sua menor parte, o quadrinho em si, apenas uma

    ilustrao. Mas a sucesso desses quadros compem uma narrativa em que alegenda, apesar de sempre presente (atravs dos filactrios - os balesrecordatrios), pode vir a ser desnecessria, assim como no cinema.

    Outra diferena entre a imagem fotografada e a desenhada se mostra

    diante da impossibilidade de definio da fotografia, em funo da mediaodas lentes, da tica. Ao capturar a imagem, o fotgrafo opta por uma lenteespecfica que ir determinar o resultado da imagem apreendida atravs da

    profundidade, da abertura e do foco. A imagem captada atravs de uma lenteteleobjetiva tem um campo focal menor. Com isso o desfoque do que

    perifrico muito grande. Uma grande-ngular tem uma grande rea de foco,contudo distancia o plano mais afastado. A lente que menos distorceria a

    imagem seria a normal, mas ainda assim ela tem um campo focal determinadoque, a partir de um determinado espao, perderia o foco. Se o detalhe, portanto, importante para a apreenso completa da imagem, existe na imagemfotogrfica uma limitao: na maioria das vezes, dependendo da foto, no se

    pode, por mais ateno central que se d s partes perifricas da imagem, haveruma total decodificao do receptor do que representa o que est sendo visto.Fotografar "freneticamente" no captarcom os olhosa imagem, e precisar dos

    recursos de ampliao, prprias da fotografia, para v-la de fato. Tal limitao ficaevidente na dvida de Thomas, no filme "Depois daquele beijo" (Blow-up), deMichelangelo Antonioni. Aps bater uma fotografia em um parque, Thomas vuma mancha que poderia ser o indcio de um cadver por trs de uma moita,

    algo que no havia percebido no instante da foto. Sem poder ter umacomprovao pela imagem da foto, Thomas utiliza de todos os recursos tcnicose fotogrficos para ampli-la e buscar obsessivamente pela verdade do instante,

    que a imagem fotogrfica no conseguiu comprovar com exatido e clareza.A imagem desenhada no depende de um artifcio tcnico como a lente,

    ou melhor, no se limita pelo instrumento tcnico, mas sim pela habilidade epela inteno do desenhista em retratar a imagem que ele prprio apreende com

    os olhos. Alguns artistas realistas tm, pela forma de retratar a imagem, umdetalhismo que supera as limitaes tcnicas do aparelho fotogrfico: desdeNorman Rockwell passando por Geof Darrow e Joe Sacco. O detalhe pensado,

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    o objeto por menor que seja desenhado com toda a definio necessria paraser reconhecido. A fotografia pode ser utilizada, nesse caso apenas como umareferncia visual primeira do detalhe, para que possa, posteriormente, construir

    os detalhes de sua imagem atravs do desenho. Essa a metodologia de JoeSacco. Os quadrinhos passam a ser, segundo ele, em funo da possibilidade deconstruo do detalhe, um poderoso meio jornalstico de retratar a realidade:

    Antes que eu chegasse l, li numa matria jornalstica algo sobre Gorazde que chamou

    minha ateno, mas no conseguia imaginar a cidade na minha cabea. Eu no sabia seera um vilarejo ou outro tipo de lugar. Quando cheguei l, vi que era uma cidade deprdios muito altos e complexos de apartamentos. Histrias em quadrinhos podem seruma grande fonte de informao visual, o que acredito fazer com que umlugar como Gorazde se torne REAL aos olhos do leitor. E no somente o lugar, mas aspessoas, porque no detalhes no fundo da imagem pode-se ver o que eles vestiam, comoeles cortavam a lenha, a extenso dos danos aos seus lares, etc. Histrias em quadrinhosso um meio jornalstico muito atraente. Elas permitem que um senso de tempo e espaopenetre nas imagens repetidas. uma maneira mais orgnica de criar uma atmosfera queo fotojornalismo, que normalmente tenta usar uma s fotografia para resumir uma histriainteira. Mas no quero dizer com isso que eu no aprecie fotojornalismo.

    (http://www.fantagraphics.com/artist/sacco/sacco_qa.html).

    Se existe, portanto, limitaes no entendimento total de uma imagem,

    entre imagem unitria e a imagem seqencial que forma uma narrativa, se otempo de observao e o controle do leitor determinam uma captao maiordos elementos constitutivos da imagem e se o desenho pode ser superior a

    fotografia para representar os detalhes, pode-se concluir que a narrativa emquadrinhos, aparentemente, tem uma capacidade maior de comunicao comseu leitor, em detrimento tanto da fotografia quanto do cinema. Talvez quembusque representaes mais fidedignas do real, encontre nos quadrinhos o meio

    mais adequado para exercer a comunicao, embora caiba lembrar que nenhummodo de representao atinge a verdade de forma absoluta. Alguns certamenteesbravejaro: como pode um desenho, representao da realidade suplantar aimagem captada, congelada do real? A fotografia e o cinema, tanto quanto o

    desenho, so mediaes da mesma forma. Todos so mediados pelo olhar deum homem, aquele que enquadra, que restringe e seleciona o olhar, transferindopara si o poder de representao do real atravs das cmeras ou da pena. Mais

    uma vez se problematiza a questo da verdade. impossvel de se chegar a elade forma absoluta, atravs de qualquer modo de representao:

    () No pode haver verdade absoluta em um ponto de vista, mas uma verdade parcial, averdade do diretor, a forma como ele enxerga a realidade. Logo, aspectos da realidadepodem estar no filme, mas a verdade no. Ela est deslocada do filme porque existem vriasverdades, vrias opinies de quem manipula (essa palavra no deve ser entendida de formapejorativa) o material constitutivo da narrativa que se pretende como verdade. Todos osfilmes so verdadeiros e nenhum o .Mas se no h verdade dentro do filme, onde ela se encontra? Dentro do espectador e,assim mesmo, a sua prpria verdade - uma verdade individual. (MUANIS, 2005: 74,75).

    a verdade individual, baseada na experincia cultural do receptor -

    como escreveu Jos Carlos Rodrigues -, que associada s opes discursivas doemissor constroem uma interpretao mais ou menos rica do que apreendido.

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    Ao discutir, portanto, opes discursivas e noes do real, o olhar se volta instantaneamente para linguagens documentais e jornalsticas. Nessecampo, uma das opes mais interessantes, preocupadas com a honestidade eidentificao do prprio discurso, est em uma linhagem de cinedocumentaristasque passa de Vertov, ao cinema-verit de Jean Rouch e o brasileiro EduardoCoutinho. Para eles a presena da cmera e do realizador em quadro soimportantes. O filme no tem a pretenso de apresentar a verdade de um fatomas sim da prpria filmagem e da relao do objeto do filme com a cmera.Tambm considera o "objeto" como co-autor, como parte de um processo, aquem permitida alguma interferncia nos caminhos tomados pela narrativa. Talmaneira de lidar com o objeto oposta construo pretensamente objetivaque dada no jornalismo, esteja ele em que mdia estiver. Cabe, ento, umaanlise um pouco mais acurada sobre um novo tipo de relato jornalstico que

    vem surgindo, carregado com todas as possibilidades que essa mdia podeoferecer: a arte seqencial documental ou os quadrinhos jornalsticos.

    "O Contrato com Deus", de Will Eisner, foi um dos lbuns queinaugurou o quadrinho de testemunho. Na verdade eram histrias inspiradasna vivncia pessoal do autor. De l para c vrios autores tm aprofundadoessa relao, alguns que anteriormente faziam relatos autobiogrficos ou quetransmitiam a experincia vivida em determinado contexto e outros quetrabalhavam de forma jornalstica, indo ao local do evento e investigandocomo um reprter. Coincidentemente, a maioria desses relatos tm de formadireta ou indireta, como temtica, a guerra. Nesse sentido seria importante

    citar e fazer comparaes entre algumas obras, entender suas semelhanas edistines. So elas:

    a) "Gen", de Keiji Nakazawa - Relato autobiogrfico, em quatro volumes,contando a histria do autor e sua famlia vivendo os horrores da queda da bombade Hiroshima e suas conseqncias. A obra foi lanada em mais de dez pases.

    b) "Maus", de Art Spiegelman - Os dois livros contam a histria de VladekSpiegelman, perseguido, preso e sobrevivente dos campos de concentrao nazistas.O autor retrata estilizadamente, os judeus como ratos, os nazistas como gatos, e ospoloneses como porcos. O livro ganhou o Prmio Pulitzer de literatura em 1992.

    c) "Fax from Sarajevo" , de Joe Kubert - Kubert conta a histria desobrevivncia do amigo Ervin Rustemagic e sua famlia, bem como suas tentativasde fuga de Sarajevo, durante a guerra na Bsnia. O livro foi inspirado nos faxesquase dirios que Rustemagic mandava aos amigos de outros pases, entre elesKubert, pedindo ajuda.

    d) "Gorazde", de Joe Sacco - Como um reprter, Sacco viaja para a BsniaOriental e l permanece durante meses, conhecendo lugares e pessoas, e relata osconflitos humanos diante da guerra. Fez o mesmo na Palestina, anteriormente,publicando dois lbuns. Gorazde foi eleita o melhor livro em quadrinhos do anopela revista Time.

    e) "Perspolis", de Marjane Satrapi - Satrapi conta a histria das lutasinternas do Ir, sua terra Natal, a guerra com o Iraque, atravs do olhar de umacriana em crescimento - ela prpria -e que vai se descobrindo em um pasem conflito.

    1 Discursos de Cotidiano

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    Todas essas narrativas tem algo em comum: so relatos baseados emexperincias vividas. Mas suas diferenas, no entanto, podem reforar algumasidias sobre a importncia das narrativas em quadrinhos. De todas a que mais sediferencia a histria de Rustemagic j que o autor, Joe Kubert, no participaativamente da histria, no est presente e no toma parte do relato mas ointerpreta, grfica e narrativamente, a partir dos faxes de quem de fato a viveu. Oestilo de Kubert, um dos autores clssicos dos quadrinhos de super-heris, cheiode ao e cor, torna a narrativa de Rustemagic bastante dramtica e espetacular.

    Kubert foge do que seria uma narrativa em quadrinhos com cunho de real e seaproxima da hiper-realidade fantstica dos super-heris. Mal comparando, seriasimilar ao contra-ponto entre a linguagem utilizada por Ridley Scott e JooMoreira Salles, caso filmassem a mesma histria.

    Todas as outras obras citadas parecem fugir de uma linguagem dequadrinhos hiper-real e se aproximam de um carter mais documental: todas soem preto e branco, tm enquadramentos muitas vezes simples, pouco espetacularese centram suas narrativas na relao entre texto, imagem e como esta relaoconstri a temporalidade. Em todas o autor aparece retratado, tomando parte daao, vivenciando o relato. Tal estratgia bastante similar usada pelos

    documentaristas aqui citados mas ainda mais relevante por se aproximar daproposta do extinto contador de histrias. Para Benjamin a arte narrativaencontrava-se na oralidade, na tradio, no relato da experincia que no era umaexperincia individual, mas coletiva. Diferente de um mero relato autobiogrfico, aexperincia coletiva passa as histrias da sabedoria de uma cultura, de um povo.Esse contador de histrias desapareceu quando os relatos passaram a ser escritose transformaram-se em informao, quando a palavra se vulgarizou na metrpole,atravs da imprensa. Como esse contador de histrias desapareceu juntamentecom a tradio oral, pode-se chegar apenas a algo prximo desta:

    A experincia que passa de pessoa para pessoa a fonte a que recorreram todos osnarradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores so as que menos se distinguem dashistrias orais contadas pelos inmeros narradores annimos. Entre estes, existem dois grupos,que se interpenetram de mltiplas maneiras. A figura do narrador s se torna plenamentetangvel se temos presentes esses dois grupos. "Quem viaja tem muito o que contar", diz opovo, e com isso imagina o narrador como algum que vem de longe. Mas tambmescutamos com prazer o homem que ganhou honestamente sua vida sem sair do seu pas eque conhece suas histrias e tradies. Se quisermos concretizar esses dois grupos atravs dosseus representantes arcaicos, podemos dizer que um exemplificado pelo camponssedentrio, e outro pelo marinheiro comerciante. () A extenso real do reino narrativo, emtodo o seu alcance histrico, s pode ser compreendido se levarmos em conta a

    interpenetrao desses dois tipos arcaicos. O sistema corporativo medieval contribuiuespecialmente para essa interpenetrao. O mestre sedentrio e os aprendizes migrantestrabalhavam juntos na mesma oficina; cada mestre tinha sido um aprendiz ambulante antesde se fixar em sua ptria ou no estrangeiro. Se os camponeses e os marujos foram os primeirosmestres da arte de narrar, foram os artfices que a aperfeioaram. No sistema corporativoassociava-se o saber das terras distantes, trazido pela casa pelos migrantes, com o saber dopassado, recolhido pelo trabalhador sedentrio. (BENJAMIN, 1996: 198,199).

    Joe Sacco o tipo marinheiro. Ele vivencia a experincia relatada no emsua prpria cultura mas em viagem. Busca os relatos orais de quem vivencia aexperincia da cultura palestina em seus detalhes, transformada pelo caos da

    guerra constante. Em um contato que dura meses, Sacco tem ele prprio a suavivncia pessoal daquela cultura e no hesita em se retratar na prpria histriaque narra, que reproduz do que ouviu, viu e viveu. O marinheiroSacco funde-secom as estratgias documentais do cinema-vritede Jean Rouch, evidenciandosua narrativa no apenas como o relato de um povo, mas como o contato dele,autor, com aquelas pessoas e aquela cultura:

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    Eu quero trazer alguma coisa a mais para a mesa. No planejado, como acontecea aproximao com o assunto. A maneira como eu me relaciono com as pessoas importante porque isso faz parte da histria. Minha relao com as pessoas no podeser descartada, mas no precisa ser uma histria muito rica. Todas as coisas banaisso importantes para mim. O que importante para mim como as pessoas valorizam essas situaes. claro que eles se preocupam em ter o que comer.Finalmente, prioridade para as questes de sobrevivncia. Mas se apenas voc temessas condies bsicas, o que significa? Vai depender da sua prpria perspectiva.(TUHUS-DUBROW, 2003).

    Sacco coloca seu personagem olhando para a cmera subjetiva virtual,olhando nos olhos do espectador. Ele prprio fala ao espectador, evidenciandosua prpria perspectiva, suas prprias dvidas com relao ao que est relatando.Em um quadro de "Uma histria de Sarajevo", depois de descobrir que opersonagem fio condutor de sua histria mentia, Sacco aparece desenhadocomo se retratado por uma cmera subjetiva e pergunta assustado: "E agoraleitor?". Ainda assim, Sacco no evitou o discurso duvidoso, desenhando-o erelatando-o nas pginas do livro, mas logo aps expondo ao leitor a dvidaquanto a sua veracidade. Muito similar estratgia do cineasta Eduardo

    Coutinho quando mantm o discurso da prostituta que assume que mente, em"Edifcio Master". Talvez, por tal metodologia, que Sacco esteja sendoconsiderado o inventor de um gnero, o "novo-novo-jornalismo", ou seja, o quetraz o novo-jornalismo mdia dos quadrinhos.

    Satrapi, Nakazawa e Spiegelman so os camponeses sedentrios, falandode dentro, de sua prpria cultura. Os dois primeiros so participantes do relato,contam a sua histria, reproduzem os relatos orais que ouviram, masprincipalmente reelaboram suas tradies, como participantes ativos atravs doque viveram. Os detalhes de ambos, sobre os acontecimentos no Ir e em

    Hiroshima, respectivamente, expressam no apenas a informao mas retratam ocotidiano. atravs dos detalhes, da riqueza do cotidiano que seus relatosganham fora e ineditismo. A narrativa de Satrapi em muito se assemelha aodocumentrio "Anna dos 6 aos 18" em que o diretor Nikita Mickalkov relata astransformaes na Unio Sovitica, atravs das imagens das transfomaes docrescimento da prpria filha, no mesmo perodo. A diferena que a narrativade Satrapi est em primeira pessoa, na qual ela explora as suas prpriasreminiscncias, alm de ser fio condutor da trama. No documentrio asreminiscncias so as do autor, do pai, sobre as imagens da filha que conduzemo filme. As narrativas de Satrapi, Nakazawa e Mickalkov extrapolam o personagem

    e revelam as tradies de um povo atravs das pequenas histrias.Spiegelman, no entanto, no apenas um campons sedentrio, mas

    aquele que ouve o relato do marinheiro, seu prprio pai. Art Spiegelman noesteve nos campos de concentrao e sim Vladek. Vladek conta a sua viagemao filho, este reelabora sua prpria histria, sua prpria cultura, em funo dorelato do pai. Fala de dentro, parte da oralidade do marinheiroque viveu asituao. Podemos entender, portanto, que a narrativa dos quadrinhos, atravsde tais exemplos somados s suas particularidades especficas de leitura,detm grandes possibilidades de se aproximar mais do sentido original docontador de histrias de Benjamin, ainda que no o resgate plenamente. Todoscontam suas histrias e seus relatos atravs de imagens, de narrativasimagticas nas quais o receptor tem a liberdade de controlar o tempo deleitura da informao.

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    No entanto, ao pensar que a escrita, muitas vezes foi usada comoestrutura de poder, e levando em considerao que a arte seqencial tem umaescrita e linguagem prprias, cabe pensar como essa estrutura se daria nosquadrinhos. Nesse sentido seria interessante observar alguns conceitos deMichel de Certeau, apesar deste autor priorizar o enunciado e no alinguagem. Volta-se para a palavra do mstico, do louco e da mulher - odiscurso marginal, que no tem valor, a palavra "insignificante". Emboraestejamos tratando de uma linguagem, pode-se considerar o quadrinhostambm como uma fala marginal, insignificante , mesmo sendo um meiomassivo, pois seu discurso no costuma ser reconhecido como srio ou dignode veracidade. Contudo, como foi dito anteriormente, algumas dessasnarrativas em quadrinhos tendem a se aproximar mais do que seria esperadohoje da questo da experinciae da tradio, tal como tratadas por Benjamin,apesar de estarem inseridas na sociedade moderna, ps Gutenberg. Oquadrinho, por ter sua vertente marginal bastante forte, parece apropriado paraexpressar a diversidade cultural frente uma ordem hegemnica. Se o espao estruturado pelo poder e se a escrita ajuda a organizar este poder, so as elites

    que vo organizar as estratgias dos espaos. Cabe portanto, segundo Certeau,dar ateno ao cotidiano. atravs dele que o leitor passa pelos percursosqueo levam ao processo de descoberta da informao e do imaginrio,entendendo a formao dos espaos. Tal estratgia diferente de receber umanarrativa pronta, digerida, cujas etapas de construo no so visveis. Essa aimportncia desses pequenos relatos na constituio da narrativa:

    Michel de Certeau refere-se aos relatos de espao como sendo de dois tiposdistintos: "um como 'mapa' e o outro como 'percurso' (2000: 204). Os relatos quemapeiam, segundo este autor, so aqueles que do a ver, que apresentam um quadro,que visam conhecer a ordem dos lugares. Os outros so aqueles que organizammovimentos, que nos apontam processos, podemos assim dizer, que nos fazemexperimentar os durantes. (RESENDE, 2005: 2).

    Fernando Resende se baseia em Certeau para trabalhar o conceito dosdiscursos de resistncia, so "transformadores de lugares em espaos, narrativasque desorganizam e reconfiguram um todo que se antecipa perspectiva daordem" (RESENDE, 2005:7). Discursos anti-hegemnicos que, ao explorar ospercursos, o cotidiano, adicionam os caminhos, novos olhares e novasperspectivas que permeiam e invadem, no caso o jornalismo, e que mudam o

    carter do discurso. Nesse sentido algumas mdias so lugares propcios para queesses discursos apaream. A internet e os quadrinhos, os fanzines e pequenosjornais experimentais so exemplos disso. A produo jornalstica emquadrinhos, por deter essas caractersticas, parece adequada para veicular taisdiscursos e apresentar pontos de vista variados, mais meticulosos para expressaro cotidiano, e que a grande imprensa no faz:

    () Atentos a esta perspectiva e sem que seja necessrio valorizar um ou outro tipode relato, devemos saber que h relatos que dotam o mundo de diferenas, enquantoh outros que no; h os que rechaam as particularidades e ainda h os que asressaltam; h os que narram o mundo como algo esttico. So estes ltimos os maiscomuns no tecido do jornalismo. Nele, os relatos cumprem a funo de mapear omundo; eliminando o percurso, eles pretendem chegar objetividade do acontecido;eles reduzem os seus objetos (que a incluem outros sujeitos) ao "estar-a de ummorto" (CERTEAU, 200, 203), fazendo-se relatos que transforma espaos em lugares.(RESENDE, 2005: 7).

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    E continua:

    No espao da mdia, a ecloso de narrativas - de modo conflituoso porque tambmassimtrico e fragmentado, pois se fala de tudo e de todos os modos, ainda que nemtodos tenham acesso fala e/ou escuta - pode significar a inscrio de formasvariadas de dizer de um mesmo lugar, o que deve apontar para a possibilidade de queos sentidos se diversifiquem. Se assim for, na dimenso de um dia-a-dia que se querorganizado, os relatos do cotidiano so os principais responsveis por configurar, emconstante processo de perlaborao, os modos de conceber e viver o mundo.(RESENDE, 2005: 11).

    A arte seqencial se adequa tal narrativa de conflito, desde o momentoem que o desenhista presta ateno em cada detalhe do que estaria em suaviso perifrica e o retrata, atravs de seu desenho, com uma definio superiora da fotografia. At a prpria forma de construo do discurso. Isso fica claro,por exemplo, nas entrelinhas das declaraes que Sacco d a respeito de suametodologia de trabalho, que se mostra sempre preocupado em estabelecerpercursos e fugir de mapeamentos. Talvez seja importante centrar a ateno em

    suas declaraes j que, dos analisados, seu trabalho o que mais se aproximado jornalismo. importante ressaltar que ele no se denomina como artista. JoeSacco refora a sua formao jornalstica e que o que faz jornalismo emquadrinhos. Neste depoimento aponta ainda o carter de suas preocupaes:

    A grande coisa sobre o que eu fao quando eu fao com o meu dinheiro, indo porminha conta, com ningum olhando por cima dos meus ombros, eu decido quandoeu vou para l, o que a histria vai ser. Eu no tenho histrias pr-determinadas antesde ir. Estou interessado nas pessoas comuns. No era uma idia prtica ir para aBsnia, se transformou em uma. Eu fui principalmente para ver esse lugar sobre o qualeu estou ouvindo. Eu me apaixonei pela cidade e a veio minha histria. (). Eu tendo

    a ser parte da cena um pouco mais do que os outros jornalistas. A outra vantagem que eu no preciso fazer relatrios dirios. Eu no tenho um deadline queconstantemente me atormenta. Eu posso gastar dias saindo com pessoas e no lhesfazer nenhuma pergunta e isso perfeitamente vlido. ()Eu fao muito poucos esboos quando estou l. Na Palestina (e Bsnia) eu estavamais interessado em conhecer as pessoas. Eu percebi que era melhor fotografar asreferncias e depois voltar a elas quando necessrio. Depois de gastar algumassemanas ou meses escrevendo, eu comeo a desenhar. Eu tento mostrar como o lugarse parece porque isso essencial. Isso no uma experincia abstrata em um lugarqualquer. ()Eu busco leitores que sintam como as pessoas so reais, que aquela pessoas

    importam. Eu tento fazer isso introduzindo personagens e deixando o leitor ir asconhecendo como eu tive que fazer isso, depois os atordoando com o que se passou.O que importa fazer o leitor perceb-los como indivduos distintos como decisestomadas em um lugar afetam pessoas de outro, e como algumas pessoas passam porisso e outras no. Quadrinhos uma mdia pop, mas cartunistas que levam a mdia srio contam grandes histrias. Por um lado subversivo, instigante. Pode havermuita informao, muita coisa pesada, e desenhos-chave tambm. Voc podedescrever coisas graficamente que so muito desconfortveis de serem vistas. Esse o poder disso.(TUHUS-DUBROW, 2003).

    As imagens desconfortveis que a fotografia ou o audiovisual, atravs

    da imprensa e da televiso no conseguem mostrar, realidades e cotidianosespecficos, elucidativos, que no tm espao, podem encontrar seu lugar nosquadrinhos. Nestes existe tal possibilidade e ela cada vez mais aparece como

    uma alternativa do narrar. No h nenhuma imagem mais contundente namdia sobre a guerra de Hiroshima, do que as pessoas com a pele derretendo

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    retratadas por Nakazawa em "Gen", ou a narrativa de Spiegelman

    representando um prisioneiro no campo de concentrao, se alimentando comsopa de baratas. Esses percursos, como aponta Fernando Resende, soimportantes para compreender o todo, a experincia: a histria de Rustemagic,

    contada por Kubert, se passa em Sarajevo, parte dela no Hotel Holiday Inn. neste mesmo hotel no qual apresentado o personagem que conduz anarrativa de Sarajevo feita por Sacco. Este, por sua vez, conta seus relatos em

    1995, retornando por vezes s pocas de conflito de 1992, a mesma pocaem que Rustemagic se encontrava em meio ao seu prprio drama. Taispercursos, histrias perifricas, se cruzam e possibilitam ao leitor umacompreenso maior, com mais nuances, do que de fato se passou: Rustemagice sua famlia, apesar de terem tido maior sorte, representam todas as famlias

    que foram vtimas dos personagens desenhados por Sacco.Retornando Benjamin, que se preocupava com o potencial de

    transformador social da cultura de massa, no ser esse tipo de quadrinhos,

    guiado pela necessidade de romper as narrativas e discursos convencionais, o

    ideal para explicitar o cotidiano e mostrar o outro? Mostrar o que no costumaser mostrado, representar a imagem indigesta com definio e preciso, torn-la"comunicvel" sem contudo aviltar o choque? No ter ela a capacidade de criar

    uma conscientizao da necessidade de prestar ateno nas outras histrias, emoutros relatos? Sacco parece ter encontrado essas respostas,

    () ele acredita ter escolhido uma mdia que "uma maneira muito boa de alertaras pessoas." Isso descontrola a dinmica das pessoas perguntando como aquelelugar, mas que querem saber a histria inteira em apenas cinco minutos. "Com osquadrinhos", diz Sacco, "talvez as pessoas fiquem um pouco mais curiosas". Elecompara seu quadrinho com a experincia de ir a uma srie de apresentaes(provavelmente com slides), onde uma grande quantidade de informao apresentada de forma envolvente. "Eu acho que os artistas podem ter um papelpoltico," diz ele, "e eu acho que eu gostaria que mais cartunistas fizessem isso,porque eu acredito que realmente essa uma mdia eficiente para tratar dequestes polticas A arte est fazendo isso de uma forma que a torna palatvel.".(BENETT, 1994).

    E mais uma vez no ser essa a preocupao de Benjamin, de entendera arte e a cultura de massa como um instrumento de conscientizao poltica e

    mudana social? O quadrinho que retrata o cotidiano, que se desdobra atravs

    de uma narrativa jornalstica e documental um meio eficiente, contundente,porm ainda desconhecido, de se retornar ao carter brechtiano da arte. Sua

    fora est na constiutuio da narrativa atravs de suas imagens, na forma depercepo do seu leitor e em seu potencial de retratar aspectos da realidade quecriam o choque em seu pblico.

    evidente que esse gnero de quadrinhos no se tornar hegemnico

    ou, ao menos, ser de to grande difuso. Ainda constitui-se, pelos poucosautores que o fazem, em um quadrinho de exceo. Mas a proliferao recente,cada vez maior, desse tipo de narrativas, faz crer que a tendncia do quadrinho

    jornalstico se expandir. importante, portanto, que se preste mais ateno emsuas possibilidades, na sua fora narrativa. Entender seu funcionamento, valorizarsua experincia e entender o meio como um poderoso instrumento decomunicao e como um, talvez revolucionrio, meio jornalstico.

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