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Imagem e Memória da República. A Rua Quintino Bocaiuva/Assis/SP: A reflexão de um esquecimento. A instauração do regime republicano e a emergência de núcleos urbanos como Assis estão de uma forma ou de outra, coligados. Dentro dessa perspectiva, a cidade tem seu patrimônio constituído dentro do signo da República e do aporte simbólico que ela produziu. A rua Quintino Bocaiúva constitui, nesse sentido, um instrumento de análise da importância da memória republicana para a formação da cidade de Assis. Em vista de tais levantamentos históricos e preceitos, voltando-se mais propriamente para a discussão e o ponto ao qual nos propomos a analisar, entraremos em uma discussão maior sobre a memória, para embasar nossas reflexões. Tal discussão teve como referência essencial os trabalhos de Maurice Halbwachs (1990). Segundo ele, baseando-se em Emile Durkheim, a memória e a impressão pessoal se apóiam na memória coletiva criando assim um ponto de vista do grupo e, conseqüentemente, uma consciência geral. Com isso, cria-se uma relação “indivíduo- grupo” e essa gera a passagem de memória, de geração à geração. Halbwachs ainda marca uma distinção entre a história e a memória coletiva; sendo a história uma compilação de fatos, compondo assim, um panorama geral e a memória coletiva um ciclo de pensamentos que coexistem com outras memórias. Pode-se dizer com isso, que a memória é uma construção social. Contudo, como já dito anteriormente e ainda como ressalva Pierre Nora, as sociedades mais modernas perderam essa capacidade de passar sua memória de geração à geração. Com essa perda, o homem teve a necessidade de criar “locais de memória”. Esses são caracterizados como “momentos de articulação onde a consciência da ruptura com o passado se confunde com o sentimento de uma memória esfacelada, mas onde o esfacelamento desperta ainda, memória suficiente para que se possa colocar o problema de sua encarnação”, passando o sentimento de continuidade residual para os locais (NORA, 1993, p.7). A Rua Quintino Bocaiúva seria, diante de tais explicações, um “local de memória” e, certamente, um semióforo, “local onde toda a sociedade pode comunicar-se celebrando algo comum a todos e que conserva e assegura o sentimento de comunhão e unidade”. (CHAUI,p.11-12) ligando o nome da rua Quintino Bocaiúva à própria República e aos valores que ela representa. Porém, isso não ocorre nesse sentido pode existir uma memória ligada à rua, mas essa se dá de forma pessoal e particular de cada morador. O papel inicial que seria de fazer uma ponte, através do nome do personagem, ligando os ideais republicanos de origem ao momento atual, se perdeu. Isso pode ser constatado com as falas dos próprios moradores da rua, aos quais entrevistamos nos dias 24 e 25 de novembro de 2008. Para isso, podemos usar como exemplo dois moradores muito antigos da comunidade envolvida, o Senhor e Senhora Zauil e Aparecida Santana, cujos depoimentos foram fundamentais para embasarmos nossas reflexões. Moradores há 45 anos no mesmo local viram todas as transformações da rua e da própria cidade de Assis. Como a própria senhora Aparecida disse: “Ixi fio, quando chegamos aqui era tudo de terra, não tinha casa nenhuma ai na frente não, tinha uma ou outra só e de madeira.”. Os moradores mesmo sendo antigos, como dissemos, criaram uma identificação com a rua. Mas, ao perguntarmos sobre o nome e se sabiam o porquê dessa escolha, manifestaram o seu desconhecimento nos seguintes termos: “Não sei não, só sei que já era esse nome desde muito tempo”. Outros moradores antigos da rua e até mesmo da vizinhança foram entrevistados, mas nenhum soube responder quem era tal homem. Mesmo com a imposição dessa memória republicana, como retrata Michel Pollack (1989), ela não teve sucesso. Perdeu-se, ou nunca existiu, uma memória por parte desses moradores que se ligue à imagem do republicano ao qual a rua homenageia com o nome. Constatamos ainda, que não só a comunidade da rua perdeu essa memória, como também uma boa parte da sociedade em geral o fez. Buscamos após isso, possíveis lembranças de outras pessoas, mas nada encontramos. Isso pode ser confirmado nas entrevistas que realizamos, até mesmo com universitários do curso de História dos segundo e terceiro ano da FCL-Assis/UNESP. A resposta foi que “Nunca ouvi falar nesse homem”. Tal fato remete, ao que atualmente acontece com os locais de memória em geral.A sociedade atual sofre conseqüências de um avanço tecnológico desenfreado, onde os processos de informação se dão de forma tão rápida e em quantidades volumosas, que alguns locais ou objetos de memória perdem seus valores.A sociedade em geral perde o interesse para a memória passada voltando-se somente ao novo. Como afirma Françoise Choay (2006), a sociedade não precisa mais se preocupar com o passado nem com os locais que com ele fazem ponte, pois a tecnologia dá a possibilidade de se ter uma memória virtual e digital, isto tem cada vez mais como conseqüência a perda de memória. Mais do que isso - os exemplos como o objeto de nossa pesquisa – de esquecimentos –, levam, aos poucos, a perda de identidade da sociedade brasileira. Sr. Zauil - década de 1970. Acervo Pessoal Familiar. BIBLIOGRAFIA BASBAUN, Leôncio. História Sincera da República: Das origens à 1889. São Paulo: Alfa-Omega: Fulgor, 1968. BOEHRER, George C.A. Da Monarquia a Republica: História do Partido Republicando do Brasil (1870-1889). Estados Unidos: Universidade Católica dos Estados Unidos. Tese de doutoramento. Tradução Benice Xavier. CHAUÍ, Marilena. Brasil: Mito Fundador e sociedade autoritária. Rio de Janeiro: Fundação Perseu Abramo, 2000. CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. Tradução de Luciano Vieira Machado. 3 ed. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006. HALBWACHS, Maurice. A Memória coletiva. Tradução de Laurent Leon Schaffer.São Paulo: Vértice, 1990, 189 p. NORA, Pierre. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. Tradução de Yara Aun Khoury. In: Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo: Educ, 1981. POLLACK, Michel. Memória, esquecimento e silêncio. In: Estudos históricos. Revista eletrônica CPDOC. n° 3. 1989/1. FONTES: Livro de Imposto Predial da Prefeitura Municipal de Assis - Arquivo do Fórum de Assis. CEDAP: Arquivo do Fórum da Comarca de Assis – Acervo Livro de Imposto Predial da Prefeitura Municipal de Assis. Pesquisa realizada entre os anos de 1934 e 1958. Entrevista realizada nos dias 24/11/08 ao dia 25/11/08 no intervalo de tempo 17:00 – 21:00 hrs. com o senhor e senhora Zauil e Aparecida Santana. Entrevista realizada nos dias 24/11/08 ao dia 25/11/08 com outros moradores aos quais, pouco sabiam e não revelaram seus nomes. Entrevista realizada entre os dias 19/11/08 e 26/11/08 no intervalo de tempo das 11:00 às 13:00 com os dez universitários do curso de

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Imagem e Memória da República. A Rua Quintino Bocaiuva/Assis/SP: A reflexão de um esquecimento.

A instauração do regime republicano e a emergência de núcleos urbanos como Assis estão de uma forma ou de outra, coligados. Dentro dessa perspectiva, a cidade tem seu patrimônio constituído dentro do signo da República e do aporte simbólico que ela produziu. A rua Quintino Bocaiúva constitui, nesse sentido, um instrumento de análise da importância da memória republicana para a formação da cidade de Assis. Em vista de tais levantamentos históricos e preceitos, voltando-se mais propriamente para a discussão e o ponto ao qual nos propomos a analisar, entraremos em uma discussão maior sobre a memória, para embasar nossas reflexões. Tal discussão teve como referência essencial os trabalhos de Maurice Halbwachs (1990). Segundo ele, baseando-se em Emile Durkheim, a memória e a impressão pessoal se apóiam na memória coletiva criando assim um ponto de vista do grupo e, conseqüentemente, uma consciência geral. Com isso, cria-se uma relação “indivíduo-grupo” e essa gera a passagem de memória, de geração à geração. Halbwachs ainda marca uma distinção entre a história e a memória coletiva; sendo a história uma compilação de fatos, compondo assim, um panorama geral e a memória coletiva um ciclo de pensamentos que coexistem com outras memórias. Pode-se dizer com isso, que a memória é uma construção social. Contudo, como já dito anteriormente e ainda como ressalva Pierre Nora, as sociedades mais modernas perderam essa capacidade de passar sua memória de geração à geração. Com essa perda, o homem teve a necessidade de criar “locais de memória”. Esses são caracterizados como “momentos de articulação onde a consciência da ruptura com o passado se confunde com o sentimento de uma memória esfacelada, mas onde o esfacelamento desperta ainda, memória suficiente para que se possa colocar o problema de sua encarnação”, passando o sentimento de continuidade residual para os locais (NORA, 1993, p.7). A Rua Quintino Bocaiúva seria, diante de tais explicações, um “local de memória” e, certamente, um semióforo, “local onde toda a sociedade pode comunicar-se celebrando algo comum a todos e que conserva e assegura o sentimento de comunhão e unidade”. (CHAUI,p.11-12) ligando o nome da rua Quintino Bocaiúva à própria República e aos valores que ela representa. Porém, isso não ocorre nesse sentido pode existir uma memória ligada à rua, mas essa se dá de forma pessoal e particular de cada morador. O papel inicial que seria de fazer uma ponte, através do nome do personagem, ligando os ideais republicanos de origem ao momento atual, se perdeu. Isso pode ser constatado com as falas dos próprios moradores da rua, aos quais entrevistamos nos dias 24 e 25 de novembro de 2008. Para isso, podemos usar como exemplo dois moradores muito antigos da comunidade envolvida, o Senhor e Senhora Zauil e Aparecida Santana, cujos depoimentos foram fundamentais para embasarmos nossas reflexões. Moradores há 45 anos no mesmo local viram todas as transformações da rua e da própria cidade de Assis. Como a própria senhora Aparecida disse: “Ixi fio, quando chegamos aqui era tudo de terra, não tinha casa nenhuma ai na frente não, tinha uma ou outra só e de madeira.”. Os moradores mesmo sendo antigos, como dissemos, criaram uma identificação com a rua. Mas, ao perguntarmos sobre o nome e se sabiam o porquê dessa escolha, manifestaram o seu desconhecimento nos seguintes termos: “Não sei não, só sei que já era esse nome desde muito tempo”. Outros moradores antigos da rua e até mesmo da vizinhança foram entrevistados, mas nenhum soube responder quem era tal homem. Mesmo com a imposição dessa memória republicana, como retrata Michel Pollack (1989), ela não teve sucesso. Perdeu-se, ou nunca existiu, uma memória por parte desses moradores que se ligue à imagem do republicano ao qual a rua homenageia com o nome.Constatamos ainda, que não só a comunidade da rua perdeu essa memória, como também uma boa parte da sociedade em geral o fez. Buscamos após isso, possíveis lembranças de outras pessoas, mas nada encontramos. Isso pode ser confirmado nas entrevistas que realizamos, até mesmo com universitários do curso de História dos segundo e terceiro ano da FCL-Assis/UNESP. A resposta foi que “Nunca ouvi falar nesse homem”.

Tal fato remete, ao que atualmente acontece com os locais de memória em geral.A sociedade atual sofre conseqüências de um avanço tecnológico desenfreado, onde os processos de informação se dão de forma tão rápida e em quantidades volumosas, que alguns locais ou objetos de memória perdem seus valores.A sociedade em geral perde o interesse para a memória passada voltando-se somente ao novo. Como afirma Françoise Choay (2006), a sociedade não precisa mais se preocupar com o passado nem com os locais que com ele fazem ponte, pois a tecnologia dá a possibilidade de se ter uma memória virtual e digital, isto tem cada vez mais como conseqüência a perda de memória. Mais do que isso - os exemplos como o objeto de nossa pesquisa – de esquecimentos –, levam, aos poucos, a perda de identidade da sociedade brasileira.

Sr. Zauil - década de 1970. Acervo Pessoal Familiar.

BIBLIOGRAFIABASBAUN, Leôncio. História Sincera da República: Das origens à 1889. São Paulo: Alfa-Omega: Fulgor, 1968. BOEHRER, George C.A. Da Monarquia a Republica: História do Partido Republicando do Brasil (1870-1889). Estados Unidos: Universidade Católica dos Estados Unidos. Tese de doutoramento. Tradução Benice Xavier. CHAUÍ, Marilena. Brasil: Mito Fundador e sociedade autoritária. Rio de Janeiro: Fundação Perseu Abramo, 2000.CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. Tradução de Luciano Vieira Machado. 3 ed. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006.HALBWACHS, Maurice. A Memória coletiva. Tradução de Laurent Leon Schaffer.São Paulo: Vértice, 1990, 189 p.NORA, Pierre. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. Tradução de Yara Aun Khoury. In: Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo: Educ, 1981.POLLACK, Michel. Memória, esquecimento e silêncio. In: Estudos históricos. Revista eletrônica CPDOC. n° 3. 1989/1.FONTES:Livro de Imposto Predial da Prefeitura Municipal de Assis - Arquivo do Fórum de Assis. CEDAP: Arquivo do Fórum da Comarca de Assis – Acervo Livro de Imposto Predial da Prefeitura Municipal de Assis. Pesquisa realizada entre os anos de 1934 e 1958.Entrevista realizada nos dias 24/11/08 ao dia 25/11/08 no intervalo de tempo 17:00 – 21:00 hrs. com o senhor e senhora Zauil e Aparecida Santana. Entrevista realizada nos dias 24/11/08 ao dia 25/11/08 com outros moradores aos quais, pouco sabiam e não revelaram seus nomes.Entrevista realizada entre os dias 19/11/08 e 26/11/08 no intervalo de tempo das 11:00 às 13:00 com os dez universitários do curso de História do 2° e 3° ano que quiseram manter seus nomes em anonimato.