Imagens do poder: a política xinguana na etnografia

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    cadernos de campo, So Paulo, n. 17, p. 1-348, 2008

    Imagens do poder: a poltica xinguana na etnografia1

    vida nativa - incluindo sistemas de classificaode parentes, norma de casamento preferencial,mitologia, rituais apontaram outro elemen-to compartilhado pelos habitantes da regio, asaber, uma certa distino hierrquica internas aldeias, associada transmisso hereditriade posies de liderana. Mais do que isso,

    essa configurao poltica no s estaria pre-sente de maneira similar nas diversas unidadeslingsticas que participam da comunidademoral xinguana (Basso, 1995) como estariaintimamente ligada ao kwarup (nome Tupipelo qual mais conhecido), o ritual funer-rio intercomunitrio que, assim como o uluri,ainda hoje simboliza o Alto Xingu na imagina-o antropolgica e leiga. sobre tal aspectoda vida xinguana uma filosofia poltica cujos

    traos de centralizao e hierarquia parecemdistingui-la de outras socialidades amerndias- que pretendo me debruar.

    Uma anlise antropolgica motivada peloencontro com a alteridade, que no se conten-te em reafirmar as concepes espontneas doantroplogo, h que problematizar a prpriadelimitao do campo de estudo. Via de regra,em abordagens inspiradas por um sociologis-mo durkheimiano ou marxista, poltica oueconomia so apontadas como a razo ltima

    da organizao social, a verdade cuja existn-cia pode-se entrever sob o vu da vida religio-sa. Para pensar o que a poltica xinguana,no entanto, talvez seja preciso nos afastarmosde uma noo fundada no modelo ocidentaldo Estado, atrelada ao paradigma da coero edo controle econmico3. Sob a perspectiva doEstado, de fato, os povos amerndios s podemfigurar como sociedades da falta um proble-ma que conduziu os americanistas a rejeitarem

    resumo O artigo apresenta uma reviso dosmodos pelos quais a liderana indgena tem sidodescrita nas etnografias do conjunto multilngexinguano (MT). A anlise aponta para uma opo-sio entre trabalhos que delineiam um sociushie-rrquico e centralizador e aqueles que focalizamo que poderamos caracterizar como vetores cen-

    trfugos do processo poltico local. Mesmo quetal divergncia corresponda em alguma medida arealidades etnogrficas diversas diferena entreperspectivas Aruaque e Carib, por exemplo aoposio tratada aqui sobretudo como produtodos diferentes alinhamentos tericos dos etngra-fos. O objetivo deste trabalho no escolher a des-crio mais verdadeira ou propor uma descrioalternativa da poltica xinguana, mas relacionar asetnografias aos modelos que as informam e, simul-

    taneamente, enfatizar a necessidade de constantereviso da linguagem antropolgica pelo confron-tamento com as prticas nativas.

    palavras chaveAlto Xingu. Poltica amern-dia. Modelos etnogrficos.

    A regio dos formadores do Xingu, no cen-tro-norte do Mato-Grosso, tornou-se conheci-da na etnografia como sistema socialxinguanoou sociedade xinguana em funo da consta-

    tao, j presente nos primeiros relatos sobreos habitantes da regio (Steinen, 1940), degrande homogeneidade cultural entre os povosali residentes, a despeito de sua variedade lin-gstica. Para expressar esta homogeneidade,e referindo-se ao uso generalizado do adereopubiano feminino, Galvo (1953) denominoua regio rea do uluri2. As etnografias produzi-das ao longo do sculo XX, alm de confirmara abrangncia regional de diversos aspectos da

    MARINAVANZOLINI FIGUEIREDO

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    os modelos derivados, sobretudo, dos estudos

    africanos, como veremos melhor a seguir.Como bem sublinham Goldman e Lima(2003, p.19) na introduo da reedio brasi-leira deA sociedade contra o Estado, o trabalhode Pierre Clastres um marco fundamentaldo esforo de desenvolvimento de um modelode poltica genuinamente amerndio, isto ,um modelo que analisa positivamente as fei-es particulares das socialidades amaznicas.No que a noo de poder em Clastres setransfigure mas, vendo-a ainda sob a figura do

    poder coercitivo, o que o autor procura deter-minar um modo propriamente amerndio delidar com esse poder (Sztutman, 2005, p.36).

    Ao invs de se perguntar que condies pro-piciam o acmulo e a manuteno do poder,Clastres indaga sobre as condies sociais efilosficas que permitiriam a no-acumulaodo poder. O autor interpreta, deste modo, aausncia de Estado em certas sociedades comoproduto de um esforo histrico to grande

    quanto o demandado pela presena do Estadoem outras. Para Clastres, haveria uma descon-tinuidade radical entre o chefe amerndio e ochefe de Estado, pois o chefe primitivo repre-senta a negao do poder, ou o poder da so-ciedade contrao Estado (1974, p.223). Maisdo que isso, a unidade poltica primitiva seriaanti-estatal no s por ser contra-hierrquica,mas tambm por ser movida por uma lgicado centrfugo: tendncia disperso das uni-dades no espao, das pessoas em unidades au-

    tnomas de tamanho controlado, e do poderdentro de cada unidade poltica.

    Ainda que lanando as bases para um mo-delo amerndio de liderana, Clastres foi acu-sado de manter-se atrelado noo ocidentalde poder, mantendo-o associado a coero f-sica e controle econmico. Crticas sua teo-ria sugerem que a idia paradoxal de um chefesem poder um engano etnogrfico, como seo autor tivesse sistematicamente procurado o

    poder no lugar errado (Santos-Granero, 1993,

    2002; Descola, 1988). Questionando a asso-ciao feita por Clastres entre poder e coero,alguns autores apontam o poder do xam (quedetm os meios msticos de reproduo so-cial e assim controla a produo econmica,nas palavras de Santos-Granero) como o ver-dadeiro poder poltico (mas no-coercitivo),enquanto o chefe-sem-poder seria apenas umafico antropolgica criada para dar conta depapis sociais diversos. A partir dessa crtica, afissura entre sociedades com Estado e socieda-

    des sem Estado perde sentido: o xam podero-so descrito por Descola e Santos-Granero estem continuidade com o chefe de Estado namedida em que seu poder no , por princ-pio, regulado pelo grupo.

    Um comentrio de Philippe Erickson(1988) tese de Santos-Granero complicade maneira pertinente o problema do poderna figura do xam ou chefe com poderes so-brenaturais. Erickson lembra que mesmo o

    controle mstico no tido como legtimoseno sob a confirmao da sua efetividade:o sucesso na caa e a atualizao do ideal degenerosidade seriam necessrios como ndi-ces de conexes msticas poderosas. Sem meprolongar na discusso, noto apenas que elaaponta para uma considervel complexidadeno imbricamento das relaes humanas comseres sobrenaturais, das relaes entre huma-nos que legitimam as primeiras e assim pordiante, complexidade esta que no se con-

    funde com aquela da centralizao do poderatravs do controle dos meios de produoou da fora fsica. Em outras palavras, mes-mo em se tratando do poder mstico, umtermo que no me agrada muito, possvelque encontremos uma certa dinmica con-tra o Estado, isto , contra a cristal izao dopoder, nas socialidades amerndias. A seguirveremos como essa hiptese pode ser prof-cua para o caso xinguano.

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    Ao questionar a distino radical entre so-

    ciedades estatais e sociedade sem Estado, a tesede Sztutman (2005) sobre formas de lideran-a entre os Tupinamb quinhentistas tambmoferece um caminho interessante para uma re-apropriao das anlises de Clastres. Seguin-do a filosofia de Deleuze e Guattari, Sztutmansugere que os mecanismos anti-estatais dosndios sul-americanos no constituram umaoutra forma de vida social em relao formaEstado, mas umamquina de guerra, uma po-tncia de desestabilizao da estrutura social,

    presente tanto l como em sociedades estatais.A imagem deleuze-guattariana de uma plura-lidade de centros que podem por vezes coin-cidir e formar ncleos de poder, mas podendotambm ser atravessados por linhas contrriasque desfazem estas estruturas (Deleuze; Guat-tari, 1980, p. 94), permite a Sztutman fugirda tipologizao e do grande divisor ns/elespara entender os processos pelos quais figurasde poder puderam e podem se constituir nos

    sociusamerndios. no sentido de identificaronde h formao de centros de poder e ondeestes so atravessados por linhas de fuga, ouvetores centrfugos, para retomar Clastres,que a anlise de Sztutman pode ser bastanteinspiradora para uma descrio da vida po-ltica xinguana. Note-se que esta morfologiada poltica est necessariamente associada aocontedo do poder poltico, ou quilo queest em jogo na poltica, tema das crticas deDescola e Santos-Granero. Sztutman, como

    estes autores, demonstra a necessidade de as-sociar a liderana entre os amerndios a pro-cessos de apreenso de potncia mstica, isto, exterior ao mundo humano; a instabilidadeda posio do lder derivaria em larga medidada natureza extra-social dessa potncia4.

    O que h em comum aos trabalhos de Clas-tres e seus crticos a postulao da necessidadede descrever processos polticos em termos dasprticas e do pensamento nativos. Este mesmo

    princpio me guia na crtica s etnografias xin-

    guanas, no no sentido de defender o abandonodos modelos tericos em prol de uma supostafidelidade ao real, e sim no apontamento da ne-cessidade de contnua reviso da linguagem an-tropolgica. Veja-se, por exemplo, o problemada traduo de termos indgenas: as etnografiasindicam que para os xinguanos inmeras posi-es de liderana sobrepem-se, distinguindo-se entre elas uma que os ndios hoje traduzempor caciqueou chefe, por vezes desdobrada emdono da aldeiae capito,e outra a que denomi-

    nam paj5. No preciso, no entanto, aceitara traduo nativa como definitiva, assumindode antemo uma perfeita coincidncia de sen-tido entre a palavra cacique pronunciada porum xinguano e o mesmo termo redigido numamonografia. A traduo de termos indgenaspor chefedeve ser problematizada, ou ento anoo ocidental de chefe que precisar se alar-gar para comportar os predicados do chefe emuma aldeia xinguana6.

    Meu ponto de partida uma descrio bas-tante particular da poltica xinguana, apresen-tada por Michael Heckenberger (2000, 2000b,2005) em trabalhos recentes baseados na com-binao de pesquisa arqueolgica com obser-vao participante entre os Kuikuro (Caribxinguano). A diferena fundamental entre suapesquisa e outras etnografias da regio queHeckenberger produz menos uma descrio dapoltica no Alto Xingu hoje do que a imagemde como ela teria sido no passado e, o que me

    parece mais complicado, comoseriaagora nofosse a tragdia demogrfica decorrente da co-lonizao. A partir de uma construo hipot-tica resultante da combinao de dados atuaiscom a interpretao de vestgios arqueolgicos,Heckenberger localiza a poltica xinguana numquadro tipolgico, sugerindo em seguida quea no coincidncia entre prticas nativas e otipo ideal, retirado da etnologia polinsia, se-ria explicvel pela interrupo de um processo

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    evolutivo das formas polticas baseado na dis-

    tino hierrquica de linhagens e no controleprogressivo das linhas superiores sobre os benssimblicos em circulao na aldeia. Neste ce-nrio pr-colonial j estaria presente, sugere oautor, ao menos uma idia de Estado (2005,p. xiii). Isso no difere muito do que disse Clas-tres, mas me parece que os autores conferemvalores opostos a tal idia.

    Heckenberger articula sua argumentaosobre uma crtica direta a algumas descriesbastante influentes da poltica amerndia a

    partir de meados do sculo XX. Em primei-ro lugar, a classificao dos alto xinguanos noHandbook of South American Indians (Lvi-Strauss, 1948), como povos da floresta, isto ,comunidades igualitrias e isoladas, com fracaliderana e pouca nfase nas linhas de descen-dncia. Heckenberger prope uma nova posi-o para o Alto Xingu dentro de um quadrotipolgico traado fundamentalmente sobreos mesmos princpios que orientam a classifi-

    cao do Handbook, mantendo-se, portanto,no mesmo regime conceitual daquela obra.Outra crtica do autor se dirige tese desen-volvida por Clastres acerca das sociedades semEstado, comentada acima. Clastres usara, alis,uma etnografia xinguana (Murphy & Quain,1955 apudClastres, 1974) para exemplificar afalta de poder coercitivo do chefe amerndio,e a imagem esboada ento coincidia em cer-ta medida com aquela das sociedades da florestaque aparecia no Handbook se bem que te-

    nham resultado de bases tericas, propsitos emtodos analticos radicalmente diferentes. Porfim, entre os alvos da crtica de Heckenberger,est a noo depreenso relacional, desenvolvi-da por Viveiros de Castro (1986) a partir docruzamento de material histrico Tupinam-b com a etnografia Arawet (Tupi-Guarani).Posteriormente tomada como modelo para adescrio das cosmologias de outros povos dasterras baixas do continente, esta noo se refe-

    re a uma forma de constituio de identidade,

    e conseqentemente, de liderana, atravs daapreenso de potncia estrangeira, horizontalou verticalmente distante, isto , uma potnciaadquirida de outrossociolgicos e/ou cosmol-gicos (modelo utilizado, por exemplo, na tesede Sztutman (2005), referida acima).

    Vejamos mais de perto o teor da crtica deHeckenberger (2001) e a anlise que ele propeda poltica xinguana. Em seguida, um sobrevos etnografias stricto sensu (baseadas apenas naobservao participante) oferecer contraponto

    a esta anlise e nos permitir aprofundar a con-siderao das resistncias que o caso xinguanopode apresentar a diferentes modelos tericos.

    Uma idia de Estado

    A crtica classificao do sistema xingua-no no Handbook of South American Indians bastante anterior tese de Heckenberger alu-

    dida acima. Robert Carneiro (1978, 1995),pesquisando tambm entre os Kuikuro, haviautilizado suas observaes no Alto Xingu paraquestionar a teoria, bastante influente ento, daarqueloga Betty Meggers (1971, 1995) sobrea (no) evoluo dos sistemas polticos amaz-nicos. Enquanto Meggers via nos ambientesfora da vrzea amaznica condies ambientaisdefinitivamente limitadoras para a constituiode sociedades de larga escala que permitis-sem o desenvolvimento de estruturas polticas

    e econmicas complexas7 Carneiro argumen-ta que o territrio habitado pelos xinguanos,por exemplo, ofereceria as condies suficien-tes para o desenvolvimento de chefaturas, tipode organizao intermediria entre atribo e oEstado8. O problema desse tipo de regio, paraMeggers, seria a baixa fertilidade do solo, masCarneiro sustenta que o fator ambiental rele-vante relacionado ao crescimento demogrfi-co seria o acesso mais ou menos garantido, ao

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    longo do ano, protena animal - mais fcil

    quando a dieta baseada na pesca, caso dosxinguanos. Deste modo, Carneiro no s ex-plicou o que considerava ser a complexidadeatual do sistema scio-econmico xinguano,mas tambm sugeriu a existncia de uma or-ganizao muito mais complexa no passado. quase como se, antes, o Alto Xingu fosse maisplenamente xinguano, no sentido de mais de-senvolvido naquilo que Carneiro identificavanos Kuikuro do tempo da sua pesquisa: hie-rarquia social, poder centralizado e integrao

    regional pacfica.Ao mesmo tempo em que segue a agenda

    de Carneiro, Heckenberger evita uma argu-mentao puramente materialista baseadana relao entre base alimentar, crescimentopopulacional e formao de organizaes po-lticas e sugere que centralizao do poder ehierarquia seriam caractersticas de uma basecultural anterior fixao dos povos xingua-nos no territrio atual9. Em linhas muito ge-

    rais, o autor afirma que a sociedade regionaldo Alto Xingu resultado de um processode aculturao assimtrico de grupos Caribpor grupos Aruaque que ocupavam a rea noperodo entre 500-880 e 1750 d.C., depoisacompanhados de outros contingentes etno-lingsticos, que tambm teriam passadopelo mesmo processo de xinguanizao, isto, no entendimento do autor, de adoo dacosmologia e do ethosProto-Aruaque10 (He-ckenberger, 2005, p.152). O autor sustenta

    ainda que esta hierarquia de origem Arua-que operaria em nvel local, dentro de cadaaldeia, e no nvel regional, entre as aldeiasde todas as matrizes tnicas constituintes doconjunto cultural xinguano, o que justifica-ria sua caracterizao como sociedaderegio-nal. Esta nfase na imagem de uma unidadepoltica centralizada lhe permite sugerir quemudanas ocorreram basicamente no sentidode enfraquecimento de certas instituies.

    Sobre a constituio da liderana, Hecken-

    berger afirma que o pertencimento a uma li-nhagem de chefes seria condio necessria,mas no suficiente, para a ascenso de umindivduo a uma posio de liderana oficial(2005, p.269). Esta hierarquia seria objetifi-cada e reproduzida medida que membros delinhagens de alto statusdetm o acesso a benssimblicos, tais como conhecimentos rituais,objetos distintivos e ttulos de posse do terri-trio, da praa central da aldeia e dos cami-nhos; estes dariam, por extenso, acesso a bens

    econmicos e a direitos polticos, isto , poderde mobilizao de pessoas. A aldeia circularassume um papel fundamental neste modelo,enquanto reflexo e promotora da assimetria so-cial: o acesso praa central, lugar da palavrae da ao pblica, seria restrito aos indivduosde statussuperior, enquanto os demais ficariamconfinados aos espaos politicamente passivosda periferia. Tambm o posicionamento dascasas importantes em pontos cardeais definidos

    visto como fixao fsica e simblica da hie-rarquia no espao.O elemento fundamental para a constitui-

    o de hierarquia entre linhagens, segundo omodelo de Heckenberger, seria a superiori-dade das linhas de primognitos. Os chefes,por serem primognitos, seriam os indivduosgenealogicamente mais prximos dos herisculturais. Nas suas prprias palavras, o autordelineia a um processo de institucionalizaoe fixao de uma nascente estrutura hierr-

    quica, o modo

    pelo qual padres incipientes de hierarquia ba-seados em princpios de gnero [subordinaodas mulheres aos homens] e idade [subordina-o dos mais novos aos mais velhos] e incor-porados na praa puderam ser transformadosem controle real do ritual e da ao/processopolticos por certos segmentos da sociedade(2005, p. 311).

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    Este processo derivaria da combinao de

    uma ideologia hierrquica (ideologia que te-ria o estatuto, no modelo de Heckenberger,de um arbitrrio cultural, isto , de um dadoscio-cosmolgico primordial dos povos Aru-aque) com condies ambientais determina-das, a saber, condies que favorecessem umcrescimento demogrfico tal que a distribui-o das casas em crculo em volta da praa,em anis concntricos, representasse uma dis-tino real e simblica entre os mais prximose os mais distantes do centro da aldeia, que

    seria de fato um centro de poder. necessrio contextualizar a insistncia

    de Heckenberger quanto especificidade doethosAruaque em relao a outros autores quetm procurado distinguir esta mesma matriznum quadro de ontologias amaznicas11. Oargumento principal destes autores que ummodo de constituio da identidade e, conse-qentemente, do poder, tipicamente Aruaqueno poderia ser descrito por um modelo que

    privilegia a predao, como o desenvolvidopor Viveiros de Castro (1986) para interpre-tar a cosmologia Arawet e o material qui-nhentista, simultaneamente. Ao que parece, oregime predatrio entendido pelos autorescomo um tipo no qual se encaixariam algu-mas formas sociais das terras baixas e outrasno. Seria preciso considerar, no entanto, orendimento de uma distino tipolgica parao conhecimento sobre os povos amaznicos, afim de evitar os reducionismos ou oposies

    simplistas que poderiam resultar deste pro-cedimento. Mesmo que a noo de preensorelacionaltenha se confirmado como modelopertinente para a descrio de diversos regi-mes de subjetivao amaznicos, seu valorno poderia ser mais que instrumental, porpermitir o aparecimento, em meio aos dadosrecolhidos em campo, de certos conceitos oulgicas indgenas. Isto , a observao de quea relao com o exterior do sociusparece ser

    um aspecto central do pensamento e da expe-

    rincia de alguns povos, no deveria implicarnuma homogeneizao das etnografias; pelocontrrio, como observa Strathern acerca domtodo comparativo, um dos efeitos desteprocedimento, que consiste em projetar sobreoutras sociedades um trao cultural observadonum dado grupo, a percepo da variaode valor conferido quele aspecto: central parauns, perifrico para outros (Strathern, 1991,p. xviii). O rendimento de um conceito pararealidades diferentes daquela em que foi pro-

    duzido s poderia ser analisado, de fato, nodecorrer da investigao. De preferncia, almdisso, o modelo ser reformulado ou alargado medida em que confrontado com aquelasrealidades12.

    A mesma observao vale para a noo dechefaturautilizada por Heckenberger (2005).Como lembra o autor, no contexto america-nista o termo fora utilizado por Oberg paradescrever o sistema multitnico (freqente-

    mente comparado ao xinguano) do noroesteamaznico. De Oberg, Heckenberger toma oconceito de chefatura teocrtica para classifi-car a poltica xinguana, a qual seria, segundosua descrio, baseada na proximidade genea-lgica de chefes com ancestrais mticos. Mas da etnologia sobre material polinsio queHeckenberger tira as linhas principais de suadescrio do Alto Xingu (em seu hipotticoapogeu). Refiro-me especialmente noo decl cnico, caracterstico de um tipo de estru-

    tura em que linhagens de primognitos teriamestatuto superior s demais linhagens. De fatoHeckenberger reconhece que a etnografiaxinguana apresenta no poucas contradiesem relao ao modelo polinsio, no que dizrespeito, significativamente, constituio delinhagens de primognitos. Mas que outrosmodelos poderiam ser traados para uma me-lhor compreenso das prticas/pensamentosdos xinguanos atuais acerca da liderana?

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    Descendncia: ser e no ser chefe

    Uma considervel variao de bases te-ricas marca o material etnogrfico j produ-zido sobre o Alto Xingu, no muito vasto secomparado produo sobre outras regiesamaznicas, e do qual apenas uma parte nosinteressa para o presente exerccio. Como jfoi dito, o primeiro relato disponvel sobreos povos desta regio provm dos registrosde von den Steinen (1940) em sua viagem de1886. Apesar de resultarem de contatos bas-tante breves, estes escritos revelam um olharextremamente aguado sobre os xinguanos.Steinen registra, por exemplo, a prolifera-o das figuras de liderana em cada aldeia,a flexibilidade das regras de sucesso e at asdificuldades enfrentadas por um chefe, comoaparece neste trecho curioso sobre um certolder Bakairi (grupo ento agregado aos hojeconsiderados xinguanos) a quem coube a vezde ficar cacique; preferiu emigrar, com medo

    de tratar gente, de modo que outro lhe ocu-pou o lugar (Steinen, 1940, p.426). A obradeste autor tem assim o grande valor de pro-piciar certa profundidade histrica aos traba-lhos mais recentes, alm de trazer uma coleoimpressionante de dados da cultura material.

    Os trabalhos seguintes de que tratarei japresentam a forma da etnografia moderna,principalmente no que concerne preocupa-o com a descrio da estrutura social, dasbases econmicas e dos rituais. O trabalho

    de Galvo (1953) especialmente relevantepela pregnncia da definio do Alto Xingucomo rea cultural, denominada pelo autorrea do uluri. Quanto a este aspecto, a pesqui-sa muito posterior de Patrick Menget (1977)entre os Txico, grupo que na poca passavapor um processo de incorporao ao sistemaxinguano, oferece um interessante contrapon-to. Pela posio peculiar dos recm-chegadosTxico entre os xinguanos, Menget consegue

    perceber e descrever mecanismos de abertu-

    ra daquela comunidade ideal, isto , meiospelos quais novos grupos poderiam passar acompartilhar daquela identidade comum re-conhecida pelos xinguanos13. Este ponto sermelhor discutido a seguir.

    Galvo tambm um dos precursores, noAlto Xingu, da crtica aplicabilidade do con-ceito de linhagens, forjado pela antropologiaafricanista, realidade amerndia14. Tendo cen-trado sua pesquisa sobre os Kamayur, Galvodescreve o chefe xinguano como o cabea de

    uma famlia extensa, cuja influncia exerci-da quase que somente sobre seus co-residentes.Para o autor, a grande extenso dos termos deparentesco possibilitaria uma alta flexibilidadena formao de grupos baseados nas relaes deobrigao entre parentes. Galvo problematizaainda a aparente organizao das famlias xin-guanas em grupos de descendncia, alegandoser esta uma falsa impresso sobre a composiofrouxa da famlia extensa, dada a possibilidade

    do indivduo escolher a que grupo se unir.Quanto s disputas em torno da chefia, Gal-vo observa, tanto na aldeia Kamayur quantoentre os Trumai (lngua isolada), que indivdu-os auto-proclamados chefes tinham seu statusquestionado por um grupo oponente com baseem acusaes de falsa descendncia, mau com-portamento e impureza tnica (por descenderde pai ou me de outra etnia). Tais observaeslevam o autor a afirmar que a chefia estaria li-gada no somente transmisso do status em

    linhagem preferencialmente patrilinear, massobretudo ao apoio de uma parentela extensae ao comportamento do indivduo que pleiteiaa posio de liderana. a flexibilidade do sis-tema classificatrio de parentes, aparentemen-te intrnseca ao sistema, que aparece a comoelemento fundamental da disputa pelo poder,tanto pelo seu papel na formao de gruposquanto pela ampla possibilidade de estabeleci-mento de linhas de transmisso de status.

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    A mesma direo indicada na monogra-

    fia de Ellen Becker (1969) sobre os Kalapalo(Carib). Pode-se dizer que um dos objetivos daautora era definir a estrutura social Kalapaloa partir da constatao da inaplicabilidade doconceito de linhagem, segundo sua formulaona antropologia africanista. Esta inaplicabili-dade de conceitos exgenos no se restringia etnologia dos grupos xinguanos, tendo se apre-sentado em dado momento como uma proble-mtica americanista (Overing Kaplan, 1976),alm de ter sido apontada para outras macro-

    regies, como a Melansia15. Basso busca pro-duzir, a partir desta crtica, uma descrio daflexibilidade do parentesco xinguano em ter-mos de princpios sociolgicos estruturais eno de uma discrepncia entre teoria e prticaou de involuo de um sistema complexo.

    Ao invs de linhagens funcionando comogrupos corporados, a autora encontra entre osKalapalo um termo que define uma parentelacogntica ego-centrada de limites variveis, o

    otomo. Quanto mais genealogicamente distan-tes, as pessoas so classificadas como parentesou no-parentes com progressivamente maiorliberdade, de acordo com interesses pessoais16.

    A categoriaotomo tambm pode designar, emoutros contextos, um grupo faccional, isto ,as pessoas em torno de um lder que o apiamem situaes de disputa. Este grupo isomor-fo (s) casa(s) de um grupo de germanos; acasa constitui, portanto, uma unidade polticadentro da aldeia alm de ser tambm a uni-

    dade produtiva mais consistente. Alternativa-mente, diz Basso, otomo designa o conjuntodos habitantes da aldeia; aqui, como j nota-ra Maybury-Lewis para os Xavante, a facoe a aldeia so tornadas homlogas pela rela-o com o chefe so o conjunto de pessoasque tm o lder em comum (Maybury-Lewis,1967). Vale notar que, entre os Kuikuro, Bru-na Franchetto (1986) tambm encontra apalavra otomo designando uma categoria de

    abrangncia contextualmente determinada:

    parentela, faco, co-residentes, co-aldeos.Alm de observar que um parente pode sermais ou menos prximo, e dependendo docontexto parente ou no-parente, no que dizrespeito chefia, Basso descobre uma gradaoentre chefes fortes, de status inquestionvel(em Kalapalalo, anetu ekugu) e chefes de statusquestionvel (anetu intsoo = chefe pequeno),distino que corresponderia melhor ao sis-tema classificatrio nativo que uma oposiodiscreta e rgida entre chefes e no-chefes. Esta

    gradao seria relativa ao seguinte critrio: ochefe forte (anetu ekugu) o primognito deum chefe cujo status tambm coletivamentereconhecido, enquanto o pequeno chefe (anetuintsoo) herdeiro do status por outras vias (fi-lho de me chefe, filho do irmo do chefe, filhono-primognito de um chefe ou filho de umchefe de statusquestionado). Ao lado deste sis-tema gradativo, Basso revela a freqente con-testao da legitimidade dos chefes. O fato de

    que possvel ser mais ou menos chefe, nestecaso, resultaria em um sistema em que nenhumou quase nenhum homem parece ser chefe osuficiente e inversamente, ningum suficien-temente no-chefe. Isso poderia explicar a au-sncia de termos nativos para no-chefes17.

    Num trabalho posterior, Basso (1975)demonstra que em larga medida a faco determinante das alianas matrimoniais, en-fatizando com isso o aspecto indeterminadodo sistema de parentesco j apresentado na

    tese de 1969 e, indiretamente, sugerindoser mais a faco que a linhagem a unidadepertinente de cooperao e troca. Segundoa autora, um dos critrios para designar umindivduo como casvel (suficientementedistante, isto , no-parente) ou no-casvel(prximo demais, parente), dada a abrangn-cia indeterminada do otomo, o pertencimen-to a uma faco diferente de ego. Em outraspalavras, mais o interesse em classificar tal

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    indivduo como consangneo no-casvel

    ou como possvel aliado que vai orientar otermo de parentesco empregado por ego, eno uma relao real genealgica. O aspec-to estratgico dessa escolha em grande partereferido pela autora ao jogo poltico em tor-no da chefia, mais especificamente em tornoda ocupao da posio de representante daaldeia. como se os Kalapalo fizessem alia-dos (e casas) para fazerem chefes melhores,de status inquestionvel. Isso, talvez possa-mos extrapolar, como condio de sobrevi-

    vncia, contra a violncia das acusaes quepairam sobre indivduos de status ambguo,tema que desenvolvo frente.

    A etnografia de Viveiros de Castro (1977)sobre os Yawalapit desdobra as observaes deBasso relacionando a flexibilidade do sistemade classificao de pessoas ao que poderamoschamar de flexibilidade do sistema cosmol-gico. A gradao nos sistemas classificatrios

    j observada na distino entre chefes fortes e

    fracos Kalapalo retomada e explorada a fun-do a partir de modificadores lingsticos queindicam maior ou menor proximidade dos re-ferentes em relao aos conceitos-prottipos docosmos nativo. Para os Yawalapit, diz Viveirosde Castro, tudo que existe ser pode ser identi-ficado a um prottipo mtico daquele ente, di-vino mas tambm monstruoso (caso em que onome associado ao sufixo -kum), ou, segun-do um regime de aproximaes sucessivas doprottipo, classificado como verso natural do

    ente sobrenatural (-ruru), como imagem apro-ximada dele (-mina) ou apenas como imitaoimperfeita do prottipo (-mal). Importantepara nossa discusso que a reencontramosa distino entre chefes fortes (amulaw-ruru)e fracos (amulaw-mina). Mais precisamente, acondio de nobreza18 (amulaw)seria expres-so da realizao em vida do prottipo de che-fe, uma vez que os Yawalapit entendem quetodos os indivduos nascem maus e tornam-

    se (ficam) amulawao longo do tempo.

    Para entender este processo de ficar che-fe, preciso rever, com Viveiros de Castro, anoo de pessoa Yawalapit. O autor define opensamento Yawalapit como particularmentepreocupado com uma lgica de substncias edo fazer do corpo. No que diz respeito che-fia, a etnografia obriga a uma reviso da noode transmisso de status, pois postula que a pes-soa fabricada no s na concepo, recebendosubstncia paterna (esperma) e materna (sangue;haveria controvrsia quanto contribuio fe-

    minina), mas tambm nos rituais de transiocomo iniciao e couvade. Esta fabricao docorpo se daria pela perda e acumulao de subs-tncias determinadas, e tambm por sonhos queassociam o indivduo a seres sobrenaturais quepossuem as caractersticas desejadas. A recluso,especificamente, seria um momento fundamen-tal de constituio de indivduos amulaw, poisela determina o sucesso do jovem como futurolutador, o que, por sua vez, seria condio fun-

    damental para o posterior exerccio da lideran-a. O amulawcondensa assim dois princpios,a transmisso de substncia na concepo (ca-rter dado da posio social) e a educao/fa-bricao corporal pela induo de determinadoscomportamentos (carter construdo da mes-ma). Como vimos, a ausncia de termo nativopara designar no-chefes pode indicar o amulawcomo prottipo da pessoa Yawalapit; como setodo indivduo, devidamente fabricado, pu-desse ser amulaw. Na reedio de seus comen-

    trios sobre a cosmologia Yawalapit, Viveirosde Castro enfatiza a conexo entre os conceitosde fabricao e metamorfose: a fabricao comotentativa de fixar identidade humana num mun-do onde o risco de metamorfosear-se em outro constante (2002, p.73). Nesse sentido, o chefe uma super sujeito, algum cuja posio de sujei-to num cosmos povoado de sujeitos em poten-cial est assegurada19. Chamo ainda ateno paraa diferena relevante entre a noo defabricao

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    da pessoa e a concepo de que os rituais so

    marcadores(smbolos) de status diferencial ad-quirido no nascimento, segundo encontramosem Heckenberger (2005).

    Utilizei at agora os termos nobre e che-fe com liberdade, j que meu objetivo imedia-to era mostrar de que maneira certas etnografiasmostram e procuram explicar a indistinoou ambigidade de status num sistema socialidealmente hierrquico. Considero a seguir oproblema colocado pela terminologia para adescrio da poltica xinguana.

    Alianas

    Se as scio-lgicas ou cosmo-lgicas nativassurgem em algumas etnografias como impedi-mento para a formao de camadas sociais rigi-damente distintas, tambm a noo ocidentalde chefe (mesmo que implicitamente) pro-blematizada pela percepo das diversas figu-

    ras de liderana as quais nenhuma, em certasdescries, parece responder isoladamente poralgum tipo de poder. Basso aponta a condiode dono cerimonial como um meio de obten-o de prestgio independente das relaes deparentesco e sugere que a necessidade de acres-centar este status ao de chefe seria um recursodos indivduos ambiguamente classificados,chefes fracos, para fortalecer sua posio. Ostatus de dono, assim, deveria ser visto comocaminho alternativo para a obteno do status

    de chefe representativo. Segundo a etnografiade Viveiros de Castro, porm, a chefia comoatividade no seria indissocivel da condiode dono. Viveiros de Castro (1977) descreveo chefe como um dono dos espaos pblicos,mas de outras coisas tambm. Assim, descreveo autor, havia entre os Yawalapit um homemque tomava conta do grupo, representava-onas interaes formais com outras aldeias, co-ordenava a cerimnia de troca; este era o dono

    da aldeia e, ao que parece, so prerrogativas

    desta posio as funes normalmente associa-das ao chefe exortao do grupo ao traba-lho, representao regional, fala cerimonial. Oirmo mais novo deste dono da aldeia era, porsua vez, considerado dono de um grupo restri-to dentro da aldeia; com a sada deste grupo,passa a ser o ajudante principal do seu irmomais velho. J o filho do irmo mais novo, jo-vem que ento representava os Yawalapit noscontatos com o branco, estava sendo preparadopara substituir o irmo de seu pai como dono

    da aldeia20. Segundo informao pessoal do au-tor, o dono da aldeia Yawalapit tinha um filhohomem, apenas ligeiramente mais jovem queo filho do seu irmo mais moo. Em nenhummomento os Yawalapti teriam explicado a Vi-veiros de Castro as razes para a no-escolhadesse rapaz como futuro dono da aldeia. A vo-cao de Aritana, aquele que estava sendo pre-parado entre os brancos para substituir seu tiopaterno, era para aquele grupo um fato.

    Muitas outras relaes so pensadas em ter-mos de posse ou domnio (no sentido demaestria) pelos xinguanos: o feiticeiro Kalapalo dono de dardos que penetram no corpo deuma pessoa fazendo-a adoecer, conhecimentotransmitido pelos pais aos filhos homens noperodo de recluso (Becker, 1969, p. 213). Oguerreiro Kalapalo, heri das narrativas mticas, o mestre do arco (Basso, 1995). Um bomorador Mehinku um mestre das palavras, opaj cantador, um mestre da cano21. Basso

    (1969, 1973) traduz o Kalapalo oto alternati-vamente por dono (owner) e patrono (sponsor),pois o dono de uma cerimnia a pessoa que,ajudada por sua parentela, produz comida paradistribuir aos participantes do ritual (cantores/danarinos e convidados). Viveiros de Castro(1977) prope, para os Yawalapit, uma asso-ciao entre dono cerimonial e pai: ambos esta-riam em posio de alimentar/tomar conta oprimeiro, na relao com o esprito patognico

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    (a cerimnia filha do dono, dizem os Yawa-

    lapit), o segundo, na fabricao do filho (veracima sobre fabricao da pessoa Yawalapit).A relao de filiao mais evidente notada pormuitos etngrafos aquela do chefe que faladiariamente comunidade, referindo-se aosaldeos como seus filhos, os quais aconselha eexorta ao trabalho22. Esta fala seria de fato umaprerrogativa do dono da aldeia. V-se, por-tanto, que o chefe pode ser descrito como umdono, e o dono como um pai.

    Existem no entanto algumas divergncias

    entre interpretaes de tal relao paternalentre chefe e comunidade. Heckenberger apre-senta este fato de modo a justificar a caracte-rizao do sistema xinguano como chefatura,isto , afirmando que o chefe tratado comoancestral comum - descendente direto dos he-ris fundadores e conexo destes com os ho-mens atuais - o que teria por efeito a fixaocrescente(acompanhando o crescimento demo-grfico e a limitao do acesso a certos bens ou

    smbolos de poder) das distines hierrquicas.Com relao ao mesmo fato entre os Xavante,Maybury-Lewis enfatiza a posio paradoxaldo chefe, simultaneamente representante dacomunidade e de uma faco. Ele pai (ge-nealgico ou classificatrio) da sua linhagem,constituda basicamente por seus descendentese co-residentes, afins tornados consangne-os pela proximidade (1967, p. 227). Torna-sepai da comunidade apenas enquanto esta podeser considerada isomorfa faco enquanto

    sua faco dominante , mas isso no implicaa fixao de posies. A prpria maleabilidade daestrutura genealgica Xavante indicaria que a li-nhagem e, portanto, a legitimidade de status pordescendncia, constituem mais uma linguagemque uma entidade. O que no diminui a neces-sidade de traduo da noo dupla de pai-chefe.Mas ao invs de identificar o chefe a um pai(segundo o modelo genealgico), talvez puds-semos fazer o contrrio, procurando entender a

    figura do pai atravs da figura do chefe...

    A pesquisa recente de Aristteles BarcelosNeto (2004) entre os Wauja (Aruaque) sobrea fabricao e uso de mscaras rituais bastan-te elucidativa quanto atribuio do estatutode dono cerimonial e suas relaes com a lide-rana. Segundo a mitologia Wauja, espritospatognicos, apapaatai, so transformaesde espritos ancestrais que viviam no mundohoje habitado por humanos. Apapaatai aforma pela qual esses ancestrais se apresentamaos Wauja, mas isso no acontece e nem deve

    acontecer normalmente. Num encontro inad-vertido, pode ocorrer que parcelas de alma dapessoa se percam, indo passear com o apapa-atai em seu mundo, o que significa, para ovivo, doena. No ritual de cura, contexto deproduo das mscaras que representam osespritos23, o doente recupera as parcelas per-didas de sua alma e estabelece uma relao deproximidade amistosa com o apapaatairaptor.

    A produo do ritual envolve toda a comuni-

    dade na confeco das mscaras de apapaatai,na produo de comida para os danarinosque vestem as mscaras e na execuo de flau-tas sagradas. O grupo se divide entre o donodo apapaatai, que fornece matria-prima paraa produo das respectivas mscaras e comidapara os danarinos, e os danarinos e artesosde mscaras. A relao de proximidade ou co-laborao com os apapaataiperdura enquantoo ex-doente e dono do ritual mantiver a ali-mentao de seus danarinos, mesmo fora do

    contexto ritual. Em troca da alimentao, es-tes ltimos oferecero ao ex-doente artefatoscomo panelas, ps de virar beiju, casas, roasde mandioca etc. O ciclo de trocas constituio que Barcelos Neto chama de mquinas deproduo, das quais depende a manutenoda relao com os apapaatai. A eficcia dosobjetos residiria no fato de tornarem visvel edurvel a aliana com os apapaataique entra-ram em contato com o doente. As mscaras

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    e outros objetos seriam, assim, um canal de

    transferncia da potncia dos apapaataiparadeterminados indivduos. A efetividade datransferncia, prossegue o autor, sustentadapela qualidade formal dos objetos, sua decora-o grfica, durabilidade, excelncia tcnica.

    Segundo Barcelos Neto, porm, nem tododoente parece poder receber um diagnsticode ataque por apapaatai e tornar-se dono deritual; preciso ter substncia nobre, isto , seramunaw, chefe ou descendente de chefe emlinhagem paterna ou materna24. Este indivduo

    tambm deve ser algum que merece a con-fiana/respeito do grupo por ter demonstradopossuir certas qualidades, especialmente a ge-nerosidade, alm de possuir uma parentela queo ajude a manter o fornecimento de alimentosaos (danarinos de) seus apapaatai. Se os chefesso aqueles que, por nascimento, j merecemrespeito do grupo social e se, por meio da rela-o com apapaatai, ganham condies maioresde demonstrar sua generosidade e gerar mais

    respeito, o sistema ritual visto como umamquina operando em prol da manutenoda ordem e das posies de liderana na hie-rarquia social.

    Ao mesmo tempo em que caracteriza o sis-tema ritual Wauja como mquina de reprodu-o do poder, Barcelos Neto identifica ali o quechama de desconfiana do poder absoluto(2004, p. 285). Isso porque o chefe dependedo diagnstico do paj e da colaborao de seusdanarinos para estabelecer uma boa relao

    com apapaatai. O paj, cujo poder deriva daintroduo em seu corpo de substncias apa-

    paatai, responsvel por determinar no diag-nstico divinatrio quantos e quais apapaataiesto em relao com o doente. Depende donmero e dos atributos tecnolgicos dos apa-

    paatai patognicos a potncia transferida aodono do ritual. Os danarinos so responsveispela produo de objetos rituais e, portanto,pela manuteno da relao do ex-doente com

    os espritos. Em ao coordenada, todos os

    indivduos que participam desse processo for-mam o que Barcelos Neto chama de sistema dedistribuio de poderes polticos, fundado nainterdependncia dos estatutos sociais.

    Baseado na pesquisa de Barcelos Neto sobreos rituais de mscaras Wauja, Sztutman (2005)compara os ritos xinguanos em torno da doenae os ritos guerreiros dos antigos Tupi da costa. Atese do autor que a extenso das unidades po-lticas seria homloga extenso de pessoas, isto, o tamanho do grupo depende do tamanho

    do status reconhecido ao lder; variaes corres-ponderiam, entre os Tupinamb, distncia en-tre tempo de paz e tempo de guerra, este ltimotornando possvel a magnificao do guerreiroe a conseqente ampliao de seu domnio po-ltico. Em relao ao Alto Xingu, Sztutman sepergunta ento quais mecanismos permitiriamessa variabilidade (2005, p.226). Ora, se consi-deramos, seguindo o autor, a doena xinguanacomo mecanismo de magnificao anlogo

    ritualstica guerreira Tupi, isso contradiz as con-sideraes de Gertrude Dole (1966) e MichaelHeckenberger (2000, 2005) sobre o impactodas epidemias no sistema poltico xinguano.Segundo estes autores, a doena teve o duploefeito de esfacelar as linhagens cognticas e au-mentar a influncia dos pajs visionrios, ques ento teriam passado a representar poderconcorrente ao do chefe hereditrio. Alternati-vamente, inspirados pela tese de Sztutman, po-deramos pensar na possibilidade de uma maior

    concentrao do poder do chefe por acmulode estatutos cerimoniais adquiridos via doena- relacionada baixa demogrfica. possvel,por exemplo, que poucos homens tenham pas-sado a monopolizar diversas posies de donoantes distribudas por mais membros do grupo.Pelo mesmo raciocnio, podemos considerar ahiptese de a baixa demogrfica ter favorecidoo acmulo das funes de chefe e paj. O quemudaria um pouco as coisas.

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    foroso notar ainda que, se no regime

    Tupinamb o chefe enquanto matador/preda-dor se magnfica incorporando a potncia doinimigo morto, e assim estende a sua influn-cia por um grupo maior de chefiados, entre osxinguanos o chefe se magnfica no processo deser predado pelo esprito patognico, e que osubseqente apaziguamento do esprito preda-dor requer que seja constantemente alimenta-do pelo ex-doente. Haveria, portanto, algumasdiferenas interessantes quanto ao regime des-crito por Sztutman relacionadas aparentemente

    ao dito pacifismo xinguano: no Alto Xingu, ochefe o anti-guerreiro por excelncia, ele nofica bravo (Ball, 2007, p.93-94). De modo quea aplicao do modelo da preenso relacionalneste contexto requer ateno s particularida-des do regime local25.

    O paj xinguano no herda o status de seusancestrais. Os conhecimentos do paj podemser transmitidos de pai para filho, mas a ini-ciao pode ser feita por qualquer paj expe-

    riente mediante pagamento, o que parece sermais comum (Murphy & Quain, 1955; Dole,1964; Becker, 1969; Gregor, 1977; Viveirosde Castro, 1977). Sendo aquele que profere odiagnstico sobre a natureza da doena (qual oesprito patognico, se mais ou menos pode-roso), o paj que define quem vai tornar-sedono de qual cerimnia (Barcelos Neto, 2004).Considerando-se que a chefia conseqnciado acmulo de posies de destaque (Basso,1969, 1973) ou que a descendncia nobre

    do chefe precisa ser potencializada (BarcelosNeto, 2004) pelo patrocnio de cerimniasde espritos, a importncia do diagnsticoxamnico na distribuio de poder poltico considervel. A aliana constituiria assim umcontraponto ao poder das linhagens nobres,aliana tanto em nvel sociolgico (do iniciantecom o paj iniciado no-parente) quanto cos-molgico (do paj com o esprito que lhe con-fere poderes visionrios).

    Sobre os Wauja, Barcelos Neto (2004)

    sustenta que um impedimento acumulaodo poder poltico deriva da necessria nocoincidncia dos papis de xam e chefe re-presentativo. O autor, contudo, no focalizaas ambigidades classificatrias subjacentes diviso faccional. Se no h dvidas quanto legitimidade de um chefe, seu poder contro-lado na medida em que ele depende de outroshomens de destaque. Se a legitimidade doschefes nunca totalmente segura (como apon-ta Basso), a prpria ambigidade do estatuto

    desestabiliza sua situao da que a aquisiode outros estatutos, quer dizer, poderes, torna-se estrategicamente importante. Em todo caso,o peso da participao do paj na poltica xin-guana atual contrasta com a insistncia comque Michael Heckenberger recusa conceder-lhe uma importncia paralela da chefia here-ditria. Para Heckenberger, no antigo regime,a doena teria papel marginal, e conseqente-mente tambm o paj, em relao aos grandes

    rituais de confirmao de substncia nobre eproduo de ancestrais, tais como o kwarup e afurao de orelhas.

    Contra poder

    Se a ambigidade da classificao de pes-soas, segundo autores como Basso e Galvo,fundamenta a disputa pela liderana, as acusa-es de feitiaria so apresentadas em algumas

    etnografias como instrumento por excelnciada disputa faccional. Von den Steinen notaraque a acusao de feitiaria sempre dirigi-da a algum de outra aldeia; na mesma linha,Quain sugere que a feitiaria substitui a guerranas relaes intertribais xinguanas; Oberg tam-bm encontra sempre xinguanos de outras al-deias sendo acusados pelos Kamayur; Gregornota que a acusao de feitiaria se dirige sem-pre contra um homem no-parente e no-co-

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    residente do acusador. O feiticeiro xinguano

    comumente descrito como paradigma negativode socialidade, sendo ora contraposto ao che-fe (Gregor, 1977, sobre a oposio homem dapraaversushomem dos fundos da casa), ora aoxam (Viveiros de Castro, 1977). A feitiaria,assim como os conhecimentos xamnicos, no transmitida na concepo, mas normalmenteensinada pelo pai, secretamente, ao filho, noperodo da recluso. Sendo assim, o filho deum homem acusado de feitiaria ser tambmele alvo preferencial de futuras acusaes.

    Rafael Bastos talvez o etngrafo que maisdetalhadamente registrou a relao entre fei-tiaria e faccionalismo. Em dois artigos sobrea histria recente xinguana do ponto de vistade alguns indivduos Yawalapit e Kamayur,Rafael Bastos faz um levantamento detalha-do das trocas de acusaes entre uma facoMehinku, de um lado, e uma conexo Yawa-lapit-Kamayur, de outro, acusaes referen-tes ao adoecimento de uma mulher Mehinku

    (Bastos, 1984/85). Num trabalho posterior,o autor investiga a interveno mais ou me-nos involuntria dos irmos Villas-Boas, aotempo da formao do Parque Nacional do

    Xingu, nas disputas faccionais pr-existentes(1987/88/89). Suas pesquisas revelam que aassociao entre feitiaria e disputas faccio-nais nem sempre evidente, pois, muitasvezes, as acusaes no so feitas diretamen-te contra lderes faccionais, ou nem mesmocontra indivduos especficos, mas apenas

    dirigidas a aldeias que abrigariam feiticeiros.Por outro lado, os artigos de Bastos indicamque as acusaes so feitas pelo grupo faccio-nal de uma aldeia de acordo com suas rela-es de amizade ou inimizade geralmentetraadas por parentesco classificatrio - comuma faco da aldeia acusada. Assim, mesmoque um nome no seja apontado, o alinha-mento do grupo acusador indica ao menosqual grupo da outra aldeia est sendo acusa-

    do aquele com o qual os acusadores no

    tm proximidade reconhecida de parentesco.Num caso analisado por Bastos, a acusaosuscita por parte do chefe principal da aldeiaacusada uma reao em nome da coletividade,na forma ns Yawalapit no somos feiticei-ros; mas isso talvez porque era a sua facoque estava implicitamente sendo acusada porum grupo adversrio Mehinku (ligado a seusopositores Yawalapit).

    A anlise de uma narrativa Aweti (Tupi),por Marcela Coelho de Souza, fornece uma

    perspectiva sobre a relao entre chefia e feiti-aria. Segundo a autora, que se inspira na tesesupracitada de Menget, enquanto a chefia mar-ca a pacificidade que idealmente define o limitedaxinguanidade, a feitiaria seria o elementode abertura do sistema. Como verso xingua-na da guerra, a feiticeira seria o meio pelo qualos de fora seriam incorporados como outros- inimigos, feiticeiros - mas j segundo o cdi-go xinguano, isto , tornando-se parcialmente

    mesmos(Coelho de Souza, 2000, p. 373). Aoinvs, portanto, de definir os limites de um sis-tema social e cultural (definindo, pelo negati-vo, a moral pacifista que permitiria marcar asfronteiras do mundo xinguano), como sustentaGregor (1977), por exemplo, a feitiaria apon-taria o ilimitado neste sistema26.

    Bastos (1984/85) aponta tambm a dificul-dade de definir fronteiras, neste caso, dos gru-pos locais, quando descreve as faces comoparentelas interligadas regionalmente por casa-

    mentos entre aldeias, sendo, portanto, fatoresimportantes da integrao supralocal, tantoquanto os rituais intertribais que celebram amorte e a iniciao de chefes/nobres27. Estesmesmos lderes seriam os pivs de disputas fac-cionais, e sua atuao, a nvel supralocal, pareceinterferir tanto no jogo faccional local quanto afora de sua faco em garante sua posio re-presentativa em contexto regional. Deste modoo autor desfaz a imagem corrente das faces

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    como subgrupos circunscritos poltica inter-

    na da aldeia, e dos rituais intertribais como co-nectores de unidades polticas isoladas.A nfase no conflito coincide, portanto,

    com o questionamento da viso congelada deuma unidade pacfica, e com uma tentativa deabordagem processual que diverge considera-velmente da teoria da colonizao Aruaque. Naanlise de Rafael Bastos (1984/85), os limitesda sociedade xinguana tornam-se muito maisdifusos do que muitas vezes se faz crer quan-do, por exemplo, ndios (considerados inimigos

    pelos xinguanos) Txiko ou Kayabi so inclu-dos no jogo faccional sob acusao de teremsido pagos por gente do Alto Xingu para matarum indivduo xinguano. A mesma indefiniodos limites sociais marcada em um conjun-to de narrativas Kalapalo traduzidas e comen-tadas por Ellen Basso (1995): nelas, o termoangikogo, ndios bravos, em oposio a kuge(xinguano, mas tambm humanoem determi-nados contextos) se refere alternativamente aos

    inimigos e aos prprios Kalapalo, antes da suaincorporao ao regime moral xinguano.

    Imagens paradoxais

    Mais do que descobrir o que apoltica xin-guana, interessava-me aqui delinear algumascoisas que ela talvez no seja, e principalmen-te identificar alguns empecilhos que ela colo-ca para a tentativa de traduo antropolgica.

    Neste sentido, em primeiro lugar acredito quea poltica praticada pelos xinguanos hoje de-finitivamente no precisa ser lamentada comoresultado de perda de complexidade, ou dafalta de condies para complexificar-se. Aocontrrio, espero ter mostrado que as prticasacerca da liderana xinguana so extremamen-te complexas, no sentido no evolucionista dotermo, e desafiam qualquer descrio baseadaem modelos exgenos, como o das linhagens

    africanas ou o do cl cnico polinsio, e tam-

    bm talvez o prprio modelo da preenso rela-cional elaborado no solo terico americanista.Evidentemente essa resistncia aos modelosno um privilgio dos xinguanos; qualquerdescrio etnogrfica se constitui no jogo decomparao com outras etnografias, alm deser moldada de acordo com os problemas queos antroplogos se propem.

    Assim, se inegvel que a colonizao re-presentou uma catstrofe de propores in-calculveis para a vida dos povos amerndios

    em perdas de vidas e de conhecimentos, issono torna menos interessantes ou legtimas asformas de organizao elaboradas pelos so-breviventes que, diga-se de passagem, no Alto

    Xingu ao menos, j h algum tempo aumen-tam em nmero. Quanto possibilidade deconferirmos sentido, partindo da vida atual,aos vestgios da vida passada o caminho per-corrido por Heckenberger ser tanto maispromissor quanto maior a compreenso do

    que est em jogo na poltica xinguana hoje, ede como ela jogada.O que considero interessante a respeito do

    Alto Xingu o aparente paradoxo entre, de umlado, a imagem de unidade pacfica, consagradaa partir dos rituais intercomunitrios em proldos lderes mortos a partir de onde tambmso iniciados novos lderes imagem associada nfase da descrio tanto nas distines hie-rrquicas quanto em valores compartilhados; e,por outro lado, o universo fragmentado que se

    revela no constante questionamento da legiti-midade dos chefes, na dificuldade de um ho-mem para tratar gente, lembrando as palavrasenigmticas de von den Steinen, e na violnciadas divergncias entre grupos domsticos emum mundo dominado pela feitiaria. claroque o pacifismo e a unidade hierarquicamenteordenada do sociusconstituem um ideal que osxinguanos expressam e professam, para si mes-mos e para seus visitantes. No entanto, a cons-

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    tante ameaa de subverso dessa ordem por

    foras poderosas como a feitiaria est igual-mente evidente nos discursos/prticas nativos.A questo o valor que se d a cada uma dessasimagens, igualmente projetadas por um coleti-vo que a partir delas se define em relao a umfora, e que pelo mesmo movimento se abre, tal-vez, para a exterioridade (como sugere Coelhode Souza, 2001). E no s isso. H ainda muitoque entender dos sentidos nativos de chefe,gente, feitio, parente, esprito etc.

    Apesar de ter usado as etnografias de Gre-

    gor, Dole e Barcelos Neto para questionar adescrio de Heckenberger, sustento que es-ses autores trabalham com uma nfase muitogrande na figura dapax xinguana, deixando delado o elemento disruptivo, as foras desagrega-doras. Vejo o trabalho de Heckenberger, dessaforma, como verso forte de uma histria sem-pre recontada a respeito do Alto Xingu, que a histria da hierarquia e da ordem. Mesmo dotrabalho de Galvo, com sua discusso a respei-

    to da flexibilidade do sistema de parentesco,foi a noo de rea do ulurique realmente vin-gou na imaginao ocidental, fixando a ima-gem de uma unidade de limites sociais, moraise cosmolgicos no problemticos. Com cer-teza Rafael Bastos um dos mais empenhadosem questionar essa imagem, inclusive no senti-do de avaliar a importncia da interveno dosirmos Villas-Boas na formao dessa unidade(1987/88/89) assunto que por ora deixo delado, mas que certamente da maior relevn-

    cia para o desenvolvimento desta discusso.Creio, contudo, ainda estarmos longe da des-crio exaustiva das foras contra o Estado, pararetomarmos os termos de Clastres, reveladospelo pensamento e prtica xinguanos. Isto nosignifica necessariamente, devo repetir, reinci-dir na grande oposio entre sociedades comEstado e sociedades com parentesco, para darsobrevida s implicaes valorativas preconcei-tuosas de tal oposio.

    Apontei aqui apenas alguns das muitos

    questionamentos possveis sobre a lideranaxinguana, e se alguma soluo foi esboadacreio que foi mais um deslize que um objeti-vo desta reviso bibliogrfica. Antes, e acimade tudo, pretendi mostrar que h ainda muitascoisas sobre o Alto Xingu, e alm, que justifi-cam a interminvel tarefa de re-escrever.

    Images of power: xinguano politics in eth-

    nography

    abstract is article reviews the ways indige-nous leadership has been described in the ethno-graphies of the multilingual ensemble of the Upper

    Xingu (MT, Brazil). e analysis points out to anopposition between works that delineate a hierar-chical and centralizingsociusand those that focuson what could be called centrifugal vectors of thelocal political process. Even considering that the-se different views could correspond in some way todifferent ethnographic realities as in Carib and

    Arawak perspectives, for instance - the oppositionis considered here mainly as a product of differenttheoretical premises. e aim of the present work isneither to elect the truer description, nor to pro-pose an alternative description ofxinguano politics,but to articulate these etnographies with the the-oretical premises they are drawn from and, at thesame time, to stress the need of a constant revisionof the anthropological language by confronting it tonatives practices.

    keywordsUpper Xingu. Amerindian politics.

    Ethnographic models.

    Notas

    1 Este artigo expe o argumento principal de minhadissertao de mestrado, defendida em maro de2006 no Museu Nacional/UFRJ.

    2 Grupos que formam este complexo multilnge hojeso: Kuikuro, Kalapalo, Nahukw, Matipu (Carib);

    Wauja, Mehinako, Yawalapit (Aruaque); Kamayur

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    e Aweti (Tupi); e Trumai (lngua isolada). No fareireferncias aos grupos desaparecidos. Reservo paraum prximo trabalho, em andamento, a necessriadiscusso sobre a definio dessas unidades, a que os

    Aweti, grupo que tenho pesquisado desde 2006, sereferem hoje como etnias. frente comento bre-vemente a problemtica definio do prprio siste-ma xinguano.

    3 Veja-se, por exemplo, a introduo de African Politi-cal Systems, onde Radcliffe-Brown define organiza-o poltica como o estabelecimento e manutenoda ordem social, dentro de uma moldura territorial,pelo exerccio organizado da autoridade coercitivaatravs do uso, ou possibilidade de uso, de fora f-sica (In: Fortes; Evans-Pritchard, 1940, p. xvi). Parauma associao direta entre controle dos meios eco-nmicos e poder poltico, ver por exemplo Sahlins(1963; 1968) e Earle (1991).

    4 Cf. Sztutman 2005, p. 79.5 O portugus hoje uma lngua franca entre os pr-

    prios habitantes do PIX. A respeito do uso de termosde parentesco neste idioma nas relaes inter-lings-ticas, ver Basso (1973).

    6 Veja-se Viveiros de Castro, 2004, a respeito da noode equivocao como condio de possibilidade da

    antropologia.7 Uso aqui a noo de sociedade complexa seguindo

    seu sentido corrente no pensamento evolucionista.Sabemos que a noo de complexidade desenvolvidasegundo o modelo do Estado, portanto com base namaior ou menor semelhana a este referente que o ter-mo deve ser compreendido. Seus traos fundamentaisso a distino de esferas de ao poltica, econmicae social, a diviso da sociedade em classes, e o desen-volvimento de uma estrutura de governo associada aocontrole de bens materiais. Ou, mais simplesmente, oEstado caracterizaria um sistema de poder centraliza-

    do, em oposio a sistemas menos centralizados.8 Um resumo esclarecedor e sinttico desta tipologia apresentado em Sociedades Tribais (Sahlins, 1968).O autor caracteriza a tribo pela falta de autoridade so-berana sobre as diversas comunidades que a compe,ausncia de limites do grupo e ausncia de institui-es que regem a economia, poltica e religio, cujaorganizao seguiria ento o regime de parentesco.Sahlins localiza temporalmente a sociedade tribal en-tre uma suposta organizao menos complexa de ca-adores/coletores e a chefatura, estgio intermedirioentre a tribo e o Estado. Diferentemente das unidades

    sociais equivalentes de uma tribo, os grupos da che-fatura seriam hierarquicamente organizados. No setrata ainda de uma sociedade de classes, porque noh controle restrito da fora e dos meios de produo,mas como se, sendo todos parentes e membros dasociedade, uns fossem mais membros que outros, porserem de descendncia superior. A hierarquia carac-terstica de estruturas semi-complexas como a chefa-tura estaria fundada no cl cnico, estrutura em queo grupo de descendentes de um ancestral comum dividido em um ramo superior, de primognitos, elinhas de irmos mais moos.

    9 O autor retoma na verdade a tese de Max Schmidt(1917). Segundo Schmidt, a difuso de povos falan-tes de lnguas Aruaque carregou consigo uma matrizcultural comum, que, com a migrao desses povos,combinou-se a outras bases culturais formando h-bridos culturais e lingsticos. O trao fundamentaldessa matriz cultural (e motor principal da sua disper-so no continente) seria a economia de base agrcolae sedentria. Este regime econmico teria conduzidoos povos Aruaque expanso por trs motivos: buscade terras frteis para o cultivo; busca de mo-de-obrasubordinada para realizar os trabalhos de caa, pescae procura de lenha; e necessidade de estabelecimentode redes de troca para obteno de utenslios como

    as pedras prprias para a confeco de machados e acana de flecha, recursos que seriam escassos nas ter-ras favorveis agricultura. Schmidt acreditava quea expanso dos povos Aruaque teria se dado em levassucessivas de grupos avanando em busca de povosinferiores a serem submetidos economicamente,sugerindo que a diviso da sociedade em classes se-ria produto da incorporao de povos dominados.Essa incorporao teria se dado de maneira pacfi-ca, atravs de alianas de casamento e do controleeconmico, ou belicosa, com o rapto de mulherese crianas. A tese se baseia no estudo comparativo

    de duas reas que o autor considera de colonizaoAruaque, onde povos falantes de lnguas distintas te-riam sofrido um processo de aruaquizao: o Alto

    Xingu e o Rio Negro.10 Proto-Aruaque o termo usado pelo autor para

    designar a cultura expansivo-dominadora que teriase dispersado pelas terras baixas formando as etnias

    Aruaque atuais.11 Cf. Hill e Santos-Granero, 2002.12 O problema do essencialismo cultural contido nes-

    ta crtica que ele deriva de uma concepo esttica

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    de cultura e/ou sociedade, quando grande parte deliteratura antropolgica recente, e particularmenteuma teoria informada pela etnografia dos ndios sul-americanos, se volta para o questionamento dessaconcepo. Em acordo com esta corrente terica,sugiro que no preciso remeter a essncias culturaispara notar diferentes modos relacionais. Ver a defini-o de Viveiros de Castro e co-autores no projeto depesquisa Transformaes Indgenas: Qual, afinal, oobjeto da nossa disciplina? A sociedade, a cultura,a natureza humana? Admitamos, pois se h de co-mear por algum lugar, que a matria privilegiadada antropologia seja a socialidade humana, isto ,o que chamamos de relaes sociais; e aceitemos a

    ponderao (De Gell 1998, p. 4) de que a cultura,por exemplo, no tem existncia independente desua atualizao nessas relaes (o mesmo se poderiadizer, alis, da natureza humana: que ela no existefora da matriz relacional). Resta, ponto importante,que tais relaes variam no espao e no tempo; e sea cultura no existe fora de sua expresso relacional,ento a variao relacional tambm variao cultu-ral, ou, dito de outro modo, cultura o nome quea antropologia d variao relacional (Viveiros deCastro et al 2003).

    13 Ver tambm Coelho de Souza, 2000.

    14 Idem.15 Cf. Strathern, 1988.16 Cf. Coelho de Souza, 1995.17 Em Aweti, diz-se de um no-chefe que gente ape-

    nas, moat tene, onde moat = humano ou xinguano,dependendo do contexto de enunciao (observaopessoal) e tene = apenas, somente. Esta pode ser umaboa pista para entendermos a noo de chefe, mo-rekwat (observao pessoal).

    18 O autor prefere a noo de nobre de chefe paratraduo do termo nativo, justamente por associ-lo

    mais a uma condio da pessoa que uma posioinstitucional.

    19 Remeto mais uma vez tese de Sztutman sobre aconstituio da chefia Tupinamb.

    20 Idem, p.76.21 Para outros tipos de dono, cf. Gregor, 1977, p. 250.22 Noto que o termo aweti usado pelo chefe, kaminuaza,

    no se refere necessariamente aos filhos de um ho-mem, e sim s crianas designadas por um adulto. Arelao marcada aqui, a meu ver, de diferena gera-cional e no descendncia (observao pessoal).

    23 No seria o caso de discutir aqui a noo de repre-sentao implicada no uso das mscaras rituais, mas preciso ao menos notar o carter complexo dessarelao imagem-esprito, que constitui alis um temacentral da monografia de Barcelos Neto. O que se diznessas ocasies rituais que o esprito est sendo ali-mentado pelo dono.

    24 Isso vale, sobretudo, explica o autor, para apapaataipoderosos como as flautas kawok.

    25 Em artigo recente, Barcelos Neto (2007) descreve oprocesso de adoecimento entre os Wauja como ante-cipao de um devir sobrenatural que s se realizariaaps a morte: a alma do morto apapaatai. A cura

    representaria a preenso da potncia apapaatai aindaem vida, como se apapaatai fosse a origem de potn-cia vital para a constituio da agncia humana. Emcerta medida, o autor situa apapaatai na posio dosdeuses canibais Arawet (Viveiros de Castro, 1986).

    26 Cf. Gregor, 1977, e Zarur, 1975, sobre o feiticeirocomo um pria e a feitiaria como mecanismo decontrole moral.

    27 Seria preciso aqui analisar cuidadosamente quais mor-tos so homenageados, e qual o processo decisrioque leva realizao de um kwarup para determinadomorto. Segundo os Aweti, no s chefes (morekwat)

    so celebrados, ou antes, motivo da realizao de umkwarup, mas tambm crianas e jovens reclusos.

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    autor Marina Vanzolini Figueiredo

    Doutoranda em Antropologia Social PPGAS/UFRJ

    Recebido em 31/03/08Aceito para publicao em 12/11/08

    Agradecimentos:

    Eduardo Viveiros de Castro, Marcela Coe-lho de Souza, Tnia Stolze Lima e Marcio Gol-dman, o primeiro como orientador e os demaiscomo membros da minha banca de mestrado,fizeram valiosas crticas a este trabalho. A pes-quisa que deu origem minha dissertao foipossvel graas bolsa concedida pelo CNPqnos anos de 2004 e 2005. Agradeo, sobretu-do, aos Aweti por terem me recebido em suascasas ento e agora; esta investigao bibliogr-fica no teria sentido no fosse a perspectiva dereaprender, em seguida, com eles.