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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES IMAGENS PARA A INFÂNCIA PROCESSOS CONSTRUTIVOS DA ILUSTRAÇÃO DO LIVRO INFANTIL EM PORTUGAL Catarina Isabel Martins de Azevedo MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA 2007

IMAGENS PARA A INFÂNCIA - Repositório da Universidade de ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/7266/2/ULFBA_TES287.pdf · universidade de lisboa faculdade de belas-artes imagens

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

    IMAGENS PARA A INFNCIA

    PROCESSOS CONSTRUTIVOS DA ILUSTRAO DO LIVRO INFANTIL EM PORTUGAL

    Catarina Isabel Martins de Azevedo

    MESTRADO EM EDUCAO ARTSTICA

    2007

  • UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

    IMAGENS PARA A INFNCIA

    PROCESSOS CONSTRUTIVOS DA ILUSTRAO DO LIVRO INFANTIL EM PORTUGAL

    Catarina Isabel Martins de Azevedo

    MESTRADO EM EDUCAO ARTSTICA

    Dissertao orientada pelo Prof. Doutor Jorge Ramos do

    2007

  • AGRADECIMENTOS

    Gostaria de expressar os meus sinceros agradecimentos ao Professor Doutor

    Jorge Ramos do pela orientao, pela transmisso dos seus

    conhecimentos e pela constante disponibilidade, sem os quais este trabalho

    jamais seria possvel.

    Agradeo a preciosa ajuda e colaborao da Professora Doutora Ana Bela

    Mendes.

    A minha profunda gratido ao Jorge Maurcio pelo apoio incondicional

    desde o comeo. A sua presena e compreenso foram elementos

    imprescindveis de motivao e auxlio em todos os momentos.

    A todos os meus familiares e amigos que me apoiaram e incentivaram ao

    longo deste percurso, o meu sincero obrigada, especialmente a Andreia

    Moreira pela colaborao e pelas palavras carinhosas.

    Aos ilustradores e aos colegas Christine Reyntjens e Pedro Delgado,

    agradeo a colaborao e disponibilidade dispensada, sempre que foi

    necessrio ao longo deste estudo.

    A todos os meus amigos e colegas do mestrado, especialmente Lgia

    Duverg, Ana Graa, Catarina Martins e Helena Cabeleira.

    Esta tese dedicada minha me por nunca ter deixado de acreditar em

    mim e a quem devo tudo o que sou.

    I

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    RESUMO

    Esta dissertao de mestrado apresenta como proposta a pesquisa sobre o

    processo construtivo da ilustrao no livro infantil em Portugal, tendo como

    ncleo de anlise dez entrevistas sobre a produo grfica de alguns

    ilustradores: Alain Corbel, Andr Letria, Carla Pott, Cristina Sampaio, Ins de

    Oliveira, Joo Fazenda, Joo Vaz de Carvalho, Margarida Botelho, Pedro

    Morais e Teresa Lima. Pretende-se com este estudo contribuir para um

    conhecimento e uma compreenso melhores do quotidiano do ilustrador,

    atravs do estudo das suas preocupaes, expectativas, decises e da

    percepo que apresenta no trabalho criativo. A construo de todo o

    processo de estudo teve em considerao uma breve contextualizao

    sobre o panorama infantil em Portugal. Para auxiliar o desenvolvimento da

    pesquisa foram tratadas questes relacionadas com a criao como um

    acto comunicativo, analisando-se: a noo que o ilustrador tem da

    percepo da criana leitora e as suas imposies; a importncia da

    memria de infncia na produo grfica; a relao existente entre o

    discurso narrativo e a linguagem visual; por ltimo, a inteno e

    fundamentao pedaggica na narrativa visual. O que o presente estudo

    visa, afinal, ajudar a lanar novos olhares acerca do papel da ilustrao,

    enquanto elemento na educao do olhar esttico da criana.

    Palavras-chave: ilustrao, literatura infantil, ilustradores, infncia,

    educao artstica.

    II

    Armindo B SerraRectangle
  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    RSUM Le thme de cette dissertation de matrise est la recherche sur le processus

    constructif de lillustration du livre infantile au Portugal. Lanalyse se base sur

    dix entrevues sur la production graphique de quelques illustrateurs savoir :

    Alain Corbel, Andr Letria, Carla Pott, Cristina Sampaio, Ins de Oliveira,

    Joo Fazenda, Joo Vaz de Carvalho, Margarida Botelho, Pedro Morais et

    Teresa Lima. Cette tude, a comme objectif de contribuer pour une

    meilleure connaissance et comprhension du quotidien de lillustrateur,

    avec ltude de ses proccupations, expectatives, dcisions et avec la

    perception quil prsente dans le travail cratif. La construction de tout le

    processus de ltude a tenu en compte un bref encadrement du panorama

    infantile au Portugal. Pour aider le dveloppemennt de la recherche on a

    ralis des questions connexe avec la cration comme un acte

    communicatif, en analysant la motion que lillustrateur a de la perception de

    lenfant lecteur et ses impositions ; limportance de la mmoire de lenfance

    dans la production graphique ; la relation existante entre le discours narratif

    et le langage visuel et, pour finir, lintention et la justification pdagogique

    dans la narrative visuelle. Ce que la prsente tude vise, au fait, cest

    profiter dun veil des consciences, ayant comme objectif lhypothse du

    rle de lillustration, en tant qulment dans lducation du regard

    esthtique de lenfant.

    Mots-clef : illustration, littrature infantile, illustrateurs, enfance, ducation

    artistique.

    III

    Armindo B SerraRectangle
  • NDICE GERAL

    AGRADECIMENTOS ....................................................................................................... I RESUMO ......................................................................................................................... II RSUM.......................................................................................................................... III NDICE GERAL ............................................................................................................. IV NDICE DE FIGURAS .................................................................................................... VI NDICE DE ANEXOS.....................................................................................................VII INTRODUO................................................................................................................1 1. Seleco e caracterizao da amostra ............................................................3 2. Guio de entrevista.................................................................................................4 3. Metodologia de anlise das entrevistas .............................................................5 4. Roteiro de escrita da dissertao.........................................................................6 CAPTULO I - A ARTE DE ILUSTRAR PARA A INFNCIA.............................................8 1. Breve introduo sobre o panorama da ilustrao infantil em portugal .....8 2. Definio do conceito ilustrao infantil ..........................................................12 3. Ilustrao ou Arte? ................................................................................................15 4. A criatividade na ilustrao para a infncia ...................................................16 CAPTULO II - A IMAGEM E O DISCURSO NARRATIVO ..........................................18 1. Introduo ..............................................................................................................18 2. A importncia da imagtica no discurso narrativo ........................................21 3. A liberdade de expresso no processo criativo ..............................................22 4. A autonomia ou descrio da imagtica........................................................23 5. Uma ilustrao, um significado...........................................................................27 CAPTULO III - O AUTOR ILUSTRADOR.......................................................................40 1. Introduo ..............................................................................................................40 2. Biografias .................................................................................................................42 3. O processo pessoal e o pblico alvo.................................................................63 4. Incluso do autor no processo imagtico........................................................65 5. Ilustrao e memrias de infncia.....................................................................67 6. Tcnicas de representao no processo criativo ...........................................67 CAPTULO IV - O PBLICO DA ILUSTRAO...........................................................70 1. Introduo ..............................................................................................................70 2. O pblico-alvo........................................................................................................71 3. Especializao do ilustrador por faixa etria ...................................................72 4. Imposies do pblico-alvo ................................................................................73 CAPTULO V - PEDAGOGIA NA ILUSTRAO.........................................................76 1. Introduo ..............................................................................................................76 2. Inteno pedaggica na narrativa visual........................................................78 3. Fundamentao pedaggica na narrativa visual .........................................79

    IV

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    4. Funo da imagem na criana .........................................................................81 5. A criana e as novas tecnologias ......................................................................82 CONSIDERAES FINAIS ...........................................................................................85 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................88 ANEXO I Entrevistas aos Ilustradores..................................................................92 ANEXO II Grelha de Categorias.......................................................................177

    V

    Armindo B SerraRectangle
  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    NDICE DE FIGURAS Ilustrao 1 Alain Corbel, Ilhas de fogo..............................................................27

    Ilustrao 2 Andr Letria, Versos para os pais lerem aos filhos em noites de

    luar .......................................................................................................................28

    Ilustrao 3 Andr Letria, Letras e Letrias............................................................29

    Ilustrao 4 Carla Pott, O Soldadinho de Chumbo..........................................31

    Ilustrao 5 Cristina Sampaio, Bom dia Benjamim ..........................................32

    Ilustrao 6 Ins de Oliveira, Lendas e Contos Indianos..................................33

    Ilustrao 7 Joo Vaz de Carvalho, Prendas de Natal ...................................35

    Ilustrao 8 Joo Fazenda Um Saltinho a Madrid ............................................34

    Ilustrao 9 Margarida Botelho, Os Lugares de Maria.....................................36

    Ilustrao 10 Pedro Morais, Branca Flor, o Prncipe e o Demnio .................37

    Ilustrao 11 Teresa Lima, Histrias de Animais de Rudyard Kipling..............38

    Ilustrao 12 Pedro Morais, Os Super 4 Sangue Secreto ..............................66

    VI

    Armindo B SerraRectangle
  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    NDICE DE ANEXOS

    (Algumas disponveis em suporte digital na Contracapa)

    ANEXO I 1 - Entrevista ao ilustrador Alain Corbel.............................................93

    ANEXO I 2 - Entrevista ao ilustrador Andr Letria............................................101

    ANEXO I 3 - Entrevista ilustradora Carla Pott...............................................117

    ANEXO I 4 - Entrevista ilustradora Cristina Sampaio...................................122

    ANEXO I 5 - Entrevista ilustradora Ins de Oliveira......................................129

    ANEXO I 6 - Entrevista ao ilustrador Joo Fazenda........................................134

    ANEXO I 7 - Entrevista ao ilustrador Joo Vaz de Carvalho.........................144

    ANEXO I 8 - Entrevista ilustradora Margarida Botelho................................149

    ANEXO I 9 - Entrevista ao ilustrador Pedro Morais..........................................158

    ANEXO I 10 - Entrevista ilustradora Teresa Lima..........................................167

    VII

    Armindo B SerraRectangle
  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    INTRODUO

    A ilustrao para a infncia oferece-nos um campo de estudo inesgotvel.

    No entanto, apesar da vasta publicao de estudos referentes literatura

    para crianas e jovens, existe uma lacuna no que diz respeito

    investigao terica sobre a ilustrao no livro infantil e o seu processo. A

    presente dissertao apresentar um estudo introdutrio sobre o processo

    criativo do mundo pictrico da literatura infantil em contraste com o

    enriquecimento esttico e contributo para a educao artstica.

    Em algumas partes do mundo a ilustrao para a infncia considerada

    uma manifestao de arte. De acordo com algumas entrevistas realizadas

    a alguns escritores sobre o significado da cor e da ilustrao na literatura

    infantil em 1980, podemos analisar a relevncia proporcionada pelas

    diferentes opinies, tal como refere Sophia de Mello Breyner Andresen (1980)

    a ilustrao deve ser iniciao cultural no s atravs do texto mas

    tambm atravs da ilustrao e da qualidade grfica. A autora defende

    que o ilustrador deve ser um verdadeiro pintor e artista por isso ser

    fundamental que o pintor esteja disposto a mergulhar no reino da

    imaginao primordial que o conto infantil.

    Segundo Ilse Losa (1980) a ilustrao torna-se um elemento fulcral na

    literatura infantil, deve ser encarada como arte e imprescindvel o contacto

    da criana desde cedo com os artistas plsticos do pas, da o cuidado de

    recorrer a ilustradores de qualidade. Lusa Ducla Soares (1980) indica que

    tanto a ilustrao como a cor, constituem um apoio visual para o texto e

    simultaneamente um meio de estimular a sensibilidade esttica. J Maria

    Lcia Namorado (1980) refere que so complementos enriquecedores da

    obra literria para a infncia e que no pode deixar de ser uma expresso

    de arte. Alice Gomes (1980) classifica a ilustrao para a infncia como um

    complemento na literatura infantil, independentemente de apresentar cor,

    o desenho auxilia a criana leitora a formar imagens mentais que o texto

    1

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    lhe prope e sobre as quais tem dificuldade de concretizao. Maria

    Ceclia Correia defende a necessidade da visualizao da imagem nos

    primeiros anos de vida de uma criana, pois guardar consigo aquilo que

    lhe for dado, da a urgncia de boas ilustraes.

    luz da citao da ilustradora checa Kveta Pacovsk - um livro ilustrado

    a primeira galeria de arte que uma criana visita - poderamos afirmar que

    um livro ilustrado dotado de imagens de acentuado valor esttico, pode

    assumir um contributo importante para a Educao Artstica; tanto na

    formao do leitor visual como na criana produtora de imagens,

    promovendo a sensibilizao do olhar e uma experincia esttica atravs

    de um acesso mais fcil e generalizado.

    Apesar do confronto de inmeros veculos culturais para o pblico infantil,

    nomeadamente o cinema de animao, a banda desenhada e a

    publicidade foi escolhida a arte de ilustrar para a infncia por vrios

    motivos:

    a) a conscincia do interessante e promissor desafio de tentar associar a

    formao visual do pequeno leitor com um objecto que lhe prximo e

    acessvel: o livro ilustrado;

    b) A preocupao com o livro entendido no apenas como suporte de

    palavras e ideias, mas tambm como um volume que se projecta no

    espao e que desperta sentidos estticos, sensaes, amplia-se a

    percepo visual do que nos rodeia e como estimulante da criatividade,

    tudo atravs de um simples contacto do imaginrio pictrico do ilustrador;

    c) O imenso fascnio que a ilustrao infantil exerce sobre a minha

    sensibilidade esttica;

    2

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    d) Devido carncia de investigao terica sobre a imagem no livro

    infantil, mesmo nos casos em a linguagem verbal e plstica so

    indissociveis;

    e) E, sobretudo pela evoluo da ilustrao infantil em Portugal.

    O intuito do trabalho aqui desenvolvido traduz-se num estudo comparativo

    de alguns ilustradores residentes em Portugal, tendo como objecto a

    apreenso do processo criativo na concepo de imagens, tal como o seu

    contributo para o enriquecimento esttico na criana leitora. A amostra do

    estudo composta por dez ilustradores, nomeadamente: Alain Corbel,

    Andr Letria, Carla Pott, Cristina Sampaio, Ins de Oliveira, Joo Fazenda,

    Joo Vaz de Carvalho, Margarida Botelho, Pedro Morais e Teresa Lima,

    alguns atravs de encontros directos, com auxilio de um gravador udio

    digital Olympus-Digital Voice Recorder VN-480 PC, quando no foi possvel

    o encontro pessoal entre mim e o ilustrador, foi feito o inqurito atravs de

    correio electrnico. As declaraes dos entrevistados encontram-se em

    anexo atravs do suporte de papel, assim como as gravaes udio

    disponveis em suporte digital na contracapa. (Ver Anexo I, pg. 92)

    1. Seleco e caracterizao da amostra

    a) Que todos os ilustradores entrevistados apresentassem nacionalidade

    portuguesa ou que residissem em Portugal h pelo menos dois anos;

    b) Em relao experincia, todos os ilustradores deviam ter participado ou

    ainda participam na publicao de livros infantis ilustrados.

    Todos os ilustradores concordaram em fazer parte da amostra, depois de

    expostos os objectivos de estudo.

    3

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    2. Guio de entrevista

    Foi utilizada uma entrevista com o objectivo de recolher as informaes

    relativas ao pensamento e auto-percepo do processo criativo dos

    ilustradores, onde ser discutido:

    a) A formao acadmica e profissional

    1. Qual foi o seu percurso escolar?; 2. Qual foi o seu percurso profissional?; 3.

    Como chegou ilustrao?

    b) A existncia ou no de uma recolha pedaggica sobre o pblico infantil.

    4. No processo de criao de uma ilustrao, tem por hbito a realizao

    de alguma recolha documental de carcter pedaggico sobre o pblico

    infantil?; 5. Como se apercebe da formao do gosto e dos costumes

    culturais das crianas em torno das novas tecnologias?; 6. Existe uma faixa

    etria determinada, no pblico das suas ilustraes? Se no h, como

    convive com ideias de pblicos diferentes?; 7. Entende que importante

    especializar-se numa faixa etria especfica, por exemplo, dos zero aos trs

    anos ou dos trs aos seis anos?; 8. Esteve alguma vez ligado ilustrao

    didctica, relativa a manuais escolares?

    c) Os processos de traduo imagtica da obra.

    9. O que para si a ilustrao?; 10. Ilustrao ou arte?; 11. A construo de

    uma ilustrao depende dos autores do texto, ou tem bastante liberdade

    de expresso?; 12. Considera o seu trabalho, como ilustrador, entre o

    descritivo ou autnomo em relao ao texto?; 13. Que tcnica artstica

    costuma utilizar na Ilustrao?; 14. Quando falamos de criatividade em

    ilustrao de livros infantis, estamos a falar de qu, exactamente?; 15. At

    que ponto, o pblico infantil impe processos criativos diferentes: se altera

    toda a linguagem plstica ou s os temas, o que muda?; 16. Sente que o

    processo criativo o reenvia para a infncia? Como? (Se atravs de filmes,

    livros ou revistas); 17. O que mais decisivo no processo criativo: a imagem

    de si, como ilustrador, ou as fantasias que lhe surgem, sobre a criana

    leitora?;18. Como define a importncia de um texto ser ilustrado?; 19. No

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  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    processo criativo, d mais importncia originalidade ou tcnica?; 20. J

    alguma vez aconteceu sentir a necessidade de se incluir nas ilustraes que

    produz?

    d) O impacto esperado na criana.

    21. Qual a sua opinio sobre o impacto esperado na criana, ao observar

    uma ilustrao? Seduzi-la para a leitura? Lev-la a evadir-se da leitura; 22.

    Quais os temas que costumam fazer parte da sua ilustrao (Ambiente,

    Cincia, Homem, Criana); 23. As suas ilustraes apresentam algum cariz

    pedaggico; 24. Escolha uma imagem produzida por si e descodifique-a.

    3. Metodologia de anlise das entrevistas

    A metodologia utilizada para analisar as entrevistas ser a anlise de

    contedo, que segundo Bardin (1977), um mtodo que possibilita

    inferncias sobre as condies de produo das comunicaes a partir de

    indicadores quantitativos ou no. Em seguida sero apresentados os passos

    a ter em conta nos procedimentos utilizados na anlise de dados, e a sua

    posterior transformao em categorias. Em relao metodologia de

    anlise, a aplicao das entrevistas foi precedida de algumas

    preocupaes a ter na aplicao desta tcnica. Desta forma, foi

    necessrio percorrer os seguintes passos, procedimentos e regras:

    a) Elaborar o guio de questes para a entrevista guiada;

    b) Contacto anterior com os ilustradores, para a autorizao da entrevista e

    respectiva publicao na dissertao;

    c) Garantia da no utilizao indevida ou abusiva das entrevistas e

    ilustraes;

    d) Preparao para a entrevista, tentando diminuir os receios que a

    entrevista sempre provoca nos entrevistados.

    Aps a gravao udio das entrevistas, foi necessrio transcrever as

    declaraes dos entrevistados para protocolo escrito, de forma a proceder-

    se mais facilmente anlise de contedo. O passo seguinte foi eliminar os

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  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    segmentos sem significado, bem como as repeties de palavras, muitas

    vezes naturais num discurso. O sistema de anlise foi efectuado atravs do

    processo de categorizao e de inferncias. Segundo Bardin (1997) a

    categorizao uma operao de classificao de elementos

    constitutivos de um conjunto, por diferenciao e, seguidamente, por

    reagrupamentos segundo o gnero (analogia), com os critrios

    previamente definidos. Este procedimento permitiu quantificar os dados da

    entrevista para posterior anlise, juntamente com os dados referentes ao

    processo criativo dos ilustradores.

    No que diz respeito ao sistema de categorizao das entrevistas, foi

    realizada uma grelha categorial com as respectivas inferncias que se

    encontra em anexo. (Ver Anexo II, pg. 177)

    Categorias:

    1 Formao Acadmica; 2 Fundamentao Pedaggica; 3 Novas

    Tecnologias; 4 Pblico-Alvo; 5 Especializao por Faixa Etria; 6 Manuais

    Escolares; 7 Definio do Conceito; 8 Ilustrao ou Arte; 9 Relao

    Imagem/Texto; 10 Autonomia da Imagem; 11 Tcnicas de Representao;

    12 Conceito Criatividade/Ilustrao; 13 Dinmica do Processo Criativo; 14

    Processo Criativo/Infncia; 15 Processo Pessoal/Pblico-Alvo; 16

    Texto/Ilustrao; 17 Originalidade/Tcnica; 18 Incluso do Autor; 19

    Funo da Ilustrao na Criana; 20 Temas; 21 Inteno Pedaggica

    4. Roteiro de escrita da dissertao

    A presente dissertao dividir-se- em cinco captulos: no primeiro far-se-

    uma breve introduo acerca do panorama da ilustrao para a infncia

    em Portugal. Sero abordados os conceitos dentro do tema, tais como: a

    ilustrao infantil, a criatividade e a ilustrao como forma de arte.

    No segundo captulo proceder-se- a uma anlise acerca da relao entre

    a imagtica na literatura infantil e o discurso narrativo. Para tal, abordar-se-

    6

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    o os aspectos inerentes a estes dois factores, que implicam a relevncia

    da ilustrao; analisar-se- a existncia ou no de liberdade por parte do

    ilustrador, na concepo da imagem; procurar perceber-se se o trabalho

    ilustrativo se apresenta autnomo ou descritivo em relao ao texto; por

    fim, proceder-se- a anlise descritiva por parte do ilustrador de uma

    ilustrao da sua autoria.

    No terceiro captulo perspectivar-se- uma contextualizao do autor

    ilustrador, atentando nos seguintes aspectos: anlise das biografias; imagem

    de si como ilustrador e o impacto esperado na criana leitora; envolvimento

    pessoal no processo criativo, particularmente a incluso ou no de si na

    ilustrao; concepo de imagens como processo de reenvio para a

    infncia e anlise de procedimentos tcnicos nas propostas visuais.

    O quarto captulo do presente estudo ocupar-se- do processo de avaliar o

    pblico da ilustrao, no sentido de determinar a existncia de uma faixa

    etria determinada; a pertinncia no que diz respeito a uma especializao

    do ilustrador a um pblico-alvo especfico e as imposies da criana

    leitora em relao aos temas propostos e respectiva linguagem plstica.

    O ltimo captulo desta dissertao visa a anlise do papel pedaggico

    referente alfabetizao visual da criana leitora, ou seja, a existncia de

    uma inteno de cariz pedaggico na proposta visual por parte do

    ilustrador; a presena ou no de uma fundamentao pedaggica na

    ilustrao infantil; a inteno da ilustrao para a criana, referentemente

    ao discurso narrativo, se existe um papel sedutor em relao ao texto ou de

    evaso e por ltimo, o espao das novas tecnologias em relao leitura.

    O que o presente estudo visa, afinal, tirar partido de um despertar de

    conscincias em relao ilustrao infantil e o seu processo de

    concepo, como papel fundamental na formao artstica da criana.

    7

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    CAPTULO I - A ARTE DE ILUSTRAR PARA A INFNCIA

    Os ltimos vinte anos trouxeram inovaes tecnolgicas de relevo que

    beneficiaram o aspecto grfico da produo editorial. O frequente uso

    da impresso a quatro cores, o recurso ao computador, tanto para a

    impresso como para o desenho e tambm para a apresentao de

    originais, so elementos que contriburam para notveis alteraes no

    trabalho de edio. Ligando estes benefcios expanso do livro para o

    pblico infanto-juvenil, no podia deixar de se esperar que os reflexos da

    nova situao se avolumassem no campo da ilustrao. (Rocha:

    2001:163)

    1. Breve Introduo sobre o Panorama da Ilustrao Infantil em

    Portugal

    A extenso de assuntos a abordar nesta dissertao impossibilita uma viso

    histrica muito pormenorizada do panorama da literatura infantil em

    Portugal. Assim, sero mencionados, de um modo sucinto, apenas alguns

    marcos fundamentais, especialmente os aspectos conotativos do tema

    primordial deste estudo, sendo excludos nomes de escritores e os seus

    respectivos livros.

    No sculo XIX assistimos a um momento marcante no historial da literatura

    para crianas. As profundas transformaes sociais, derivadas da revoluo

    burguesa na Europa da viragem do sculo XVII, impuseram alteraes

    significativas ao conceito de infncia que, paralelamente a uma

    metamorfose no domnio da educao, foram responsveis pelo princpio

    de uma literatura destinada aos mais novos.

    Ressalte-se que, nas primeiras dcadas do sculo XX, Portugal presencia o

    nascimento das correntes estticas modernistas, que se fazem sentir de uma

    forma indirecta na ilustrao de alguns livros infantis. Assim, surgem

    8

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    ilustraes assinadas por nomes como: Mmia Roque Gameiro (1901-1996);

    Raquel Roque Gameiro (1889 -1970); Milly Possoz (1888 -1967); Martins Barata

    (1899 1970); Raul Lino (1879 - 1974); Sarah Afonso (1899-1987) ou em

    edies mais recentes, Lus Filipe de Abreu (1935).

    Em 1936 o governo de Oliveira Salazar leva a cabo uma reforma do Ensino

    Primrio, que implica a reduo da escolaridade obrigatria a trs anos, o

    que resulta no encerramento de vrias escolas generalizando-se a

    separao dos alunos por sexo. Diversas escolas do magistrio Primrio so

    encerradas, dando-se a extino de classes infantis no ensino oficial.

    Portugal assiste por um lado transformao de contedos de ensino

    simplistas e ideolgicas, marcando assim nos anos trinta a sua poltica

    educativa, por outro lado, tal como refere Jos Antnio Gomes,

    Os livros infantis ressentem-se desta situao: assiste-se ao surto de

    uma literatura de pendor nacionalista (por vezes historicista), no raro

    de cariz moralizante, onde se exaltam pretensos valores nacionais no

    contexto dos objectivos de doutrinao ideolgica do Estado Novo.

    Neste perodo e salvo algumas excepes (...) no se regista, pois,

    um enriquecimento significativo da nossa literatura para crianas.

    (Gomes: 2002,15)

    Para alm dos ilustradores referidos, outros nomes evidenciaram durante

    estas dcadas nomeadamente, Jos de Lemos (1910-1995) tambm

    escritor; scar Pinto Lobo (1913-1995); Mrio Costa; Emmerico Nunes (1967-

    1888); Eduardo Teixeira Coelho (1919-2005); Manuela Lapa; Laura Costa;

    Cambraia; Oflia Marques (1902-1952); Maria Vasconcellos e mais tarde,

    Neves e Sousa (1921-1995); Jlio Pomar (1926) e Fernando Bento (1963) - que

    se impor nos anos seguintes.

    Todavia, em 1956 a escolaridade passa a ser obrigatria para o sexo

    masculino, em 1960 para o sexo feminino e, em 1964, ser alargado at seis

    anos. Estas transformaes provocam uma exploso escolar e,

    9

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    consequentemente, um aumento do pblico leitor que requer um maior

    nmero de material de leitura e maior diversidade. Salienta-se assim, em

    1958, a criao da rede itinerante por parte da Fundao Calouste

    Gulbenkian e das bibliotecas fixas, trs anos mais tarde, constituindo assim

    um passo importante no encontro facilitado da criana leitora e do adulto

    com o livro.

    Surgiam ento vrias movimentaes que divulgavam os autores e a

    literatura para crianas mostrando a importncia desta rea cultural.

    Importa salientar que, entre os anos cinquenta e sessenta, se assiste

    revelao ou confirmao do talento de vrios ilustradores, realando os

    nomes de Maria Keill (1914); Cmara Leme; Csar Abbott; Armando Alves;

    Tssan (1943); Fernando Bento (1963) e Leonor Praa.

    Em 2 de Abril de 1967 iniciou-se a comemorao do Dia Internacional do

    Livro Infantil, iniciativa do IBBY (International Board on Books for Young

    People).

    Entre 1974 e 1980, muitos foram os escritores e ilustradores que se dedicaram

    a esta rea da criao. No poderia deixar de destacar Manuela Bacelar

    (1943), vencedora de prmios de ilustrao e que se ligou tambm a uma

    experincia dedicada ao lbum para crianas em idade pr-escolar, alm

    de Jlio Resende (1917), Drio Alves (1940), Joo Machado (1942) e Joo

    Botelho (1949).

    Embora em Portugal fossem raras as apostas na criao e edio de livros

    ilustrados para os mais pequenos, a dcada de setenta assiste a um

    aparecimento de uma produo com interesse, destinada faixa pr-

    escolar ou a crianas no incio da Escola Primria.

    Importa salientar que a nossa literatura para a infncia continuou a dispor

    de ilustradores de qualidade, cujo trabalho tem sido reconhecido, tanto a

    nvel nacional como internacional. Assim, desde a dcada de setenta do

    sculo XX at actualidade so muitos os que se vo dedicando com mais

    10

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    regularidade ilustrao para crianas, tais como Henrique Cayatte (1957);

    Antnio Modesto (1957); mais tarde juntaram-se Teresa Lima (1962); Andr

    Letria (1973); Joo Caetano (1962); Joo Fazenda (1979); Danuta

    Wojciechowska (1960); Alain Corbel(1965); Joo Vaz de Carvalho (1958);

    Cristina Valadas (1965); Lus Mendona (1965); Elsa Navarro; Marta Torro

    (1974); Carla Pott (1973); Margarida Botelho (1979); Ins de Oliveira (1979);

    ngela Melo; Jos Manuel Saraiva (1974); Pedro Morais (1962); Cristina

    Sampaio (1960); Fernanda Fragateiro (1962); Carlos Marques; Jos Miguel

    Ribeiro (1966) entre outros.

    Todavia, no poderemos esquecer que para esta evoluo de criadores e

    de novos talentos, contriburam iniciativas como o Prmio Nacional de

    Ilustrao (promovido pelo Instituto Portugus do Livro e das Bibliotecas e

    pela Associao Portuguesa para a Promoo do Livro Infantil e Juvenil

    seco portuguesa do International Board on Books for Young People) que

    teve incio no ano de 1996, o Grande Prmio Calouste Gulbenkian de

    Literatura para Crianas e jovens, modalidade ilustrao, o Prmio do

    Melhor Livro de Ilustrao Infantil (promovido pelo Festival Internacional de

    Banda Desenhada da Amadora, que teve incio em 2003) e o Prmio

    ILUSTRARTE 1.

    J em 1997 se realizava em Salamanca o IV Simpsio sobre a Literatura

    Infantil e Leitura intitulado La ilustracin: primera lectura e educacin

    artstica. No incio do encontro, a directora da Fundao de Madrid referiu

    que, tendo a literatura infantil um indiscutvel valor, constituindo um

    caminho que conduz a um grande prazer e utilidade da leitura, ser

    evidente que a ilustrao constituir a porta para esse caminho.

    Neste captulo apresenta-se uma questo fulcral desta dissertao: a

    definio de ilustrao infantil, um facto que por lacuna, no est patente

    1 Um dos maiores contributos para a divulgao desta rea em Portugal, um projecto cultural centrado no livro infantil ilustrado, com a primeira edio em 2003 e mais tarde a segunda edio em 2005, a Bienal Internacional de Ilustrao para a Infncia, ILUSTRARTE que tem lugar no Barreiro.

    11

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    no panorama literrio infantil. Numa primeira seco ser feita uma anlise

    sobre a opinio pessoal de cada ilustrador com o intuito de esclarecer e

    definir o conceito.

    Numa segunda seco discutir-se- o estatuto da ilustrao como arte,

    sendo que esta questo surgiu atravs da leitura da entrevista inserida no

    catlogo pertencente ILUSTRARTE e de como alguns pases,

    nomeadamente Espanha, promovem a ilustrao nesse sentido.

    Na ltima seco deste captulo ser feita uma anlise acerca da

    concepo de criatividade na ilustrao infantil. De que forma poder o

    ilustrador conceber um trabalho criativo, a partir do momento em que est

    condicionado a um tema que lhe imposto pelo escritor que cria a histria.

    2. Definio do Conceito Ilustrao Infantil

    No que concerne s opinies dos ilustradores, relativamente definio

    pessoal sobre a ilustrao, grande parte destes referiram que a ilustrao

    para a infncia constitui um complemento do texto e que esta no

    funciona como uma interpretao do mesmo. Segundo Joo Vaz de

    Carvalho a ilustrao apresenta-se como uma forma de expresso que

    faz uso da imagtica com o objectivo de transmitir ao leitor emoes que

    o autor tenciona transmitir. Assim, o ilustrador tem o dever de pesquisar,

    atravs da ideia do escritor, complementando atravs de imagens que

    seduzam o leitor, estabelecendo assim um ponto de contacto com o

    discurso literrio.

    No que diz respeito a Joo Fazenda, este refere que a ilustrao no se

    demonstra ilustrativa ou como uma legenda desenhada; relaciona-se

    de uma forma muito dinmica com o texto, tendo a obrigao de o

    completar e o enriquecer, excluindo a prpria reproduo, transmitindo

    todos os factores exteriores. J Andr Letria, alega que a ilustrao

    12

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    deve ser uma coisa entendida como uma leitura paralela em

    relao ao texto. Alguma coisa que no repita aquilo que est no

    texto. No fundo uma maneira de dar a conhecer a histria, mas

    atravs das imagens e sempre com a preocupao de que cada

    imagem deve ter essa ligao com o texto, mas tambm deve ela

    prpria contar uma histria e deve permitir s pessoas que lem o

    livro, poder imaginar mais qualquer coisa para alm daquilo que est

    naquele livro, para alm daquilo que est naquela histria e naquela

    ilustrao. (Ver Anexo I, pg. 106)

    Cristina Sampaio define ilustrao como uma linguagem, ou seja, uma

    maneira visual de transmitir uma histria, funcionando como um

    complemento do texto, no sentido de aparecer em primeiro lugar o

    discurso literrio e posteriormente a solicitao para a ilustrao da

    narrativa.

    No entanto, alguns dos entrevistados fizeram referncia ao seu trabalho

    como uma recriao nica do prprio ilustrador, o que pode resultar num

    imaginrio dos autores reflectido numa imagem, baseado num texto ou

    numa histria. Imaginrio que segundo Postic (1989) Visa criar um mundo

    medida da sua fantasia, nela se libertando. Tudo possvel. Tudo se realiza.

    Na vida quotidiana, imaginar uma actividade paralela aco que

    desempenhamos, ancorada na realidade. A imaginao um processo. O

    imaginrio o seu produto.

    Para Teresa Lima a ilustrao transmite a recriao do prprio ilustrador,

    tal como um complemento, nunca como uma explicao, devido ao

    acrescento de elementos ao texto. Apesar de no estar descriminada, a

    imaginao actua como um veculo para outras ideias. Melhor dizendo, a

    autora refere que uma ilustrao, que se apresenta independente do texto,

    confere a este um valor prprio e intrnseco. Tambm Joo Fazenda

    refere que o enriquecimento e a interpretao do texto depende do

    universo do ilustrador, visto que seria impossvel dois ilustradores

    13

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    procederem mesma interpretao de um texto. Ressalte-se a opinio

    de Margarida Botelho em relao a esta questo

    o interessante da ilustrao poder abrir portas para a histria,

    acentuar certas coisas que esto na histria de forma atenuada e

    que so interessantes de explorar, ou ento ao contrrio, mostrar o

    outro lado do espelho, coisas que esto l, mas que esto de uma

    forma subliminar ou de uma forma muito low profile e a ilustrao

    poder atravs da imagem acentu-las. (Ver Anexo I, pg. 152)

    O conceito de ilustrao parece remeter para uma relao de

    engrandecimento do texto, ou seja, o trabalho do ilustrador reflecte a

    criatividade de acrscimo de elementos atravs da imagem,

    independentemente de se encontrarem ou no referidos no prprio texto.

    Contudo, a ilustrao para a infncia poder surgir de uma forma

    completamente autnoma do texto, tal com se tem verificado nas

    inmeras exposies realizadas em Portugal, nomeadamente exposies

    individuais e colectivas de vrios ilustradores, ILUSTRARTE Bienal

    Internacional de Ilustrao para a Infncia e Ilustrao Portuguesa Salo

    Lisboa Ilustrao e Banda Desenhada, Centro Nacional de Banda

    Desenhada e Imagem da Amadora, Auditrio Municipal Augusto Cabrita

    Barreiro, organizao VER PRA LER, entre outros.

    14

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    3. Ilustrao ou Arte?

    Os inquiridos manifestaram a sua opinio quanto classificao de

    ilustrao como forma de arte. A grande maioria respondeu que a

    ilustrao uma forma de arte, 90%; no entanto salientaram uma diferena

    em relao a outras variveis do ramo da arte que diz respeito ao facto

    tema, ou seja, na maioria dos casos de ilustrao o tema no se apresenta

    intrnseco ao ilustrador, o tema surge atravs do texto que por sua vez

    fornecido pelo autor/escritor. Assim, o processo criativo parece remeter

    para algumas regras estabelecidas priori por todo o processo envolvente

    da prpria ilustrao em si. Ressalte-se a opinio de Andr Letria, que define

    a ilustrao como uma

    arte aplicada, porque estamos a fazer uma coisa que vai ser feita

    em funo de determinadas regras, tem a ver com a paginao, a

    encadernao do livro e o seu formato. Portanto uma arte

    aplicada a um determinado objecto ou suporte, mas no deixa de

    ser arte. A ilustrao deve ser vista consoante a maneira como

    utilizada, isso tambm importante. Tanto pode ser exposta numa

    galeria, mesmo tendo sido j utilizada para ser ilustrao de livros,

    como pode ser vista como uma tal arte aplicada, se estiver impressa

    ao lado de um texto ou se representar um conjunto de ilustraes

    que funcionam como um todo. H diferentes maneiras de ver a

    ilustrao. Tem tudo a ver com a funo que se lhe d. (Ver Anexo

    I, pg. 107)

    Como referem Ins de Oliveira e Margarida Botelho, a ilustrao um

    ramo ou uma forma de arte que est dependente de algumas regras

    que surgem a partir do trabalho do ilustrador, excluindo a ideia de uma

    tabela ou receita pr-concebida, que possa dar essa definio.

    Segundo o ponto de vista do ilustrador Joo Fazenda, o autor no

    apresenta preocupaes ao nvel da catalogao da ilustrao no livro

    15

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    infantil. Invoca fundamentalmente o resultado do processo criativo e a

    recepo do leitor e o respectivo feedback como principal relevncia no

    seu trabalho.

    J a ilustradora Cristina Sampaio, no apresenta nenhuma apreenso a

    este nvel. Focando a questo do ilustrador ser ou no ser considerado

    artista, refere como fundamental a autonomia do criador no que diz

    respeito submisso ou no do prprio texto.

    4. A Criatividade na Ilustrao Para a Infncia

    Os ilustradores entrevistados manifestaram a sua opinio em relao ao

    conceito de criatividade na ilustrao de um livro infantil. Enquanto um

    grupo de ilustradores referenciaram que a criatividade se conceptualiza no

    trabalho original 20%, outro registo indicou, 70%, que a criatividade est

    inerente composio da imagem e a linguagem entre ilustrao e o

    texto (Andr Letria).

    No que diz respeito opinio da ilustradora Teresa Lima, a criatividade

    surge atravs do

    facto de a minha ideia partir de um texto, que a condicionante

    que eu no posso fugir, mas que possibilita o retirar de ideias que

    depois me permitem criar imagens e criar solues que so s vezes,

    independentes, no que sejam completamente independentes do

    ponto de partida. (Ver Anexo I, pg. 173)

    Segundo a ilustradora Carla Pott, a criatividade na ilustrao para a

    infncia consiste num estmulo para a imaginao, assim o livro para alm

    de se apresentar como um brinquedo no se deve esquecer a funo

    ldica e educativa, conjugando os factores design, ilustrao e texto.

    16

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    J Joo Vaz de Carvalho, no fez discernimento entre a criatividade na

    ilustrao do livro infantil com outras actividades (10% das respostas).

    Esta questo parece remeter para uma grande preocupao da parte do

    ilustrador quanto ao aspecto criativo no processo de ilustrar um texto. De

    acordo com a maioria das respostas, torna-se imprescindvel a capacidade

    do autor ilustrador criar a partir do texto uma linguagem visual singular, tal

    como refere Andr Letria esse facto tem a ver com a persuaso do

    ilustrador de transmitir a histria atravs da imagtica, interligando a sua

    interpretao do texto com a habilidade de criar um objecto grfico.

    Concluindo, a criatividade parece estar subjacente prpria ilustrao.

    Tomemos como exemplo a citao de Pedro Morais que refere que a

    criatividade depende do livro em questo, surgindo de uma forma

    espontnea e conforme o processo criativo: existe uma tentativa de

    adaptao entre o seu universo e o mundo criado pelo escritor. No

    entanto, cada ilustrador interpreta o texto de forma divergente, surgindo

    assim a criatividade.

    17

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    CAPTULO II - A IMAGEM E O DISCURSO NARRATIVO

    1. Introduo

    Este segundo captulo da dissertao dedicado relao existente entre

    o discurso literrio e a imagtica no livro infantil. Numa primeira seco

    sero analisadas as ideias dos autores ilustradores acerca da importncia

    de um texto ser ilustrado. Esta questo foi colocada devido ao facto de

    surgirem ao longo do tempo opinies controversas em relao ao conto

    ilustrado. Bruno Bettelheim, psiclogo reconhecido mundialmente como um

    nome de referncia na psicologia infantil e autor de Psicanlise dos Contos

    de Fadas, defendia que o conto ilustrado poderia ser uma fonte para

    tornar o texto mais fraco, um texto que lido ou ouvido, permite uma

    abordagem pessoal dos significados e possibilita um campo livre

    imaginao que o retomaria como entendesse, a ilustrao provoca um

    efeito contrrio. Assim, considerava que o conto, ao apresentar uma

    linguagem plstica, ficaria desprovido de grande parte do significado

    pessoal que poderia ter, a partir do momento em que existe uma

    imposio ao leitor de associaes visuais do ilustrador impedindo assim

    que a criana apresente as suas prprias, isso seria permitir que o

    ilustrador determinasse a nossa imaginao que deixaria de nos

    pertencer totalmente. (Bettelheim, 2005:83)

    Bettelheim afirmava ainda que, de acordo com o estudo dos livros

    ilustrados, a imagtica intercepta o processo de aprendizagem ao

    contrrio de o promover, visto que a ilustrao desvia a imaginao da

    criana leitora apesar de terem a capacidade de por si s sentir a histria

    sem qualquer auxlio. (Bettelheim, 2005:79)

    Eis por que um conto de fadas perde muito do seu sentido

    pessoal quando as figuras e as ocorrncias tm a substncia

    18

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    dada pelo desenhador e no pela imaginao da criana. Os

    pormenores, sem igual, derivados da sua vida individual, com os

    quais o esprito do ouvinte retrata a histria que lhe contam ou

    que lhe lem, fazem dela uma experincia muito mais pessoal.

    Tanto os adultos como as crianas preferem frequentemente o

    caminho fcil de algum que, por eles, toma a tarefa de imaginar

    o cenrio do conto. Contudo, se deixarmos o desenhador

    determinar a nossa imaginao, ela ser menos nossa e o conto

    perde muito do significado pessoal. (Bettelheim, 2005:80)

    Importa sublinhar que esta afirmao apesar de ser de 1975 a primeira

    edio do livro j referido, - no deixa de fazer sentido se analisarmos a

    ilustrao infantil como este pedagogo, que tende a ver a narrativa visual

    ao servio da leitura, e no como fim em si mesma ou pelo menos, com

    igual individualidade e possibilidade de explorao.

    Tambm Perry Nodelman (1988), citando o psiclogo S. Jay Samuels,

    confirma a hiptese de than when pictures and words are present

    together, the pictures would function as a distracting stimuli and interfere

    with the acquisition of reading responses.

    No entanto, segundo a opinio de Bruno Duborgel, professor de Filosofia e

    autor do livro Imaginrio e Psicologia

    A comunicao com as imagens plsticas constitui um acto

    complexo, no qual se encontram empenhadas, e so solicitadas,

    as potencialidades imaginativas, sensveis e intuitivas do leitor de

    imagens. Para funcionar como instrumento de fantasia ou

    engrenagem de uma dinmica do imaginrio, a prpria imagem

    deve conter uma dimenso onrica, uma complexidade plstica e

    uma amplitude simblica. (Duborgel, 1992:74)

    19

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    Na segunda seco, os inquiridos manifestaram a sua opinio em relao

    existncia ou no de um acompanhamento por parte do autor escritor

    durante o processo criativo. Esta questo surgiu no sentido de tentar

    perceber se seria benfico essa ligao entre escritor e ilustrador ou se, pelo

    contrrio, esse procedimento poderia condicionar o acto criativo da

    prpria ilustrao.

    Na terceira seco deste captulo perspectivar-se- a posio do ilustrador,

    no sentido de apresentar um trabalho autnomo ou descritivo face ao texto

    apresentado. Como diria Emlio Remelhe, a ilustrao no uma candeia

    frente ou atrs do texto mas uma quantidade de lmpadas colocadas a

    mais em dias de festa. um elemento de exaltao do livro, enquanto

    objecto (e que dele reclama atributos, enquanto suporte, capazes de a

    ajudar nessa tarefa. luz da citao que acabmos de ler, a ilustrao

    surge no como um complemento, mas como um atributo, que nasce da

    criao de dois autores, o autor literrio e o pictrico. No entanto surge

    uma dvida, que diz respeito ao relato de cada um, que se apresenta sobre

    a mesma temtica, se seria ou no possvel a autonomia imagtica em

    relao ao texto apresentado.

    Na ltima seco deste captulo abordar-se- o imaginrio pictrico dos

    ilustradores entrevistados. Foi realizada a proposta de escolha de uma

    ilustrao ao prprio critrio, com o objectivo de descodificar e interpretar

    as suas propostas visuais num sentido aleatrio. No entanto, houveram dois

    ilustradores que apenas seleccionaram a imagem, recusando-se

    descodificao da mesma.

    20

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    2. A Importncia da Imagtica no Discurso Narrativo

    Quando questionados acerca da importncia de um texto ser ilustrado, seis

    dos entrevistados assumiram que a ilustrao representa um papel

    fundamental na literatura infantil. Tal como refere Andr Letria, a ilustrao

    representa um papel indispensvel na literatura infantil, mas no delimita

    o imaginrio da criana leitora. Apesar de opinies contraditrias que

    defendem que a ilustrao poder restringir a criatividade, o autor defende

    que a ilustrao deve expressar um acentuado valor esttico,

    transportando consigo uma novidade para alm do que o discurso

    narrativo apresenta, correspondendo assim s exigncias que consistem no

    contar uma histria proporcionando um espao para sonhar e evadir-se

    do texto e da prpria ilustrao.

    Carla Pott, apesar de afirmar nunca ter reflectido sobre este assunto,

    pondera a possibilidade da ilustrao funcionar como um auxiliar no sentido

    de atrair a ateno para o texto e a descodific-lo. Tambm Ins de

    Oliveira partilha uma opinio favorvel ilustrao defendendo que

    Quando a ilustrao surge ao lado de um texto num livro, o leitor

    tem sua disposio duas apresentaes de diferente gnese

    que concorrem para a diversificao de relatos de autor sobre

    uma temtica. Desta maneira, a ilustrao assume uma

    importncia fulcral no enriquecimento pictrico e

    simultaneamente literrio do leitor. (ver Anexo I, pg. 132)

    No entanto, nem todos os inquiridos manifestaram a mesma opinio em

    relao a este aspecto; alguns defendem que o texto pode no ser

    obrigatoriamente enriquecido pictoricamente, 20% ou tal como afirma Joo

    Vaz de Carvalho, que depende exclusivamente da vontade do autor do

    texto. Segundo Joo Fazenda, um texto no deve ser ilustrado

    21

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    forosamente mas sempre que existe espao para isso acontecer, o autor

    considera que os textos no so obrigatoriamente ilustrveis.

    De acordo com a opinio de Teresa Lima, a ilustrao no altera a

    qualidade de um texto de literatura infantil, no entanto sublinha o facto de

    enobrecimento do livro enquanto objecto atravs da imagtica, devido ao

    acrescento da linguagem plstica.

    J Pedro Morais chega a comparar a ilustrao com um quadro, no

    sentido de ambos dispensarem uma descodificao ao lado das mesmas

    ou de um ttulo para descrever o que o leitor contempla. Segundo o

    ilustrador, um texto que apresente alguma qualidade literria torna a

    ilustrao prescindvel.

    3. A Liberdade de Expresso no Processo Criativo

    Os ilustradores foram convidados a reflectir sobre o seu trabalho, no que diz

    respeito a uma escolha entre a liberdade de expresso no processo criativo

    de uma ilustrao ou uma dependncia dos autores do texto. A opinio

    dominante incidiu no facto de existir autonomia criativa no seu trabalho e

    no haver a condicionante opinio do escritor, (100%). Tal como refere

    Teresa Lima, no existe contacto directo: a editora representa um elo de

    ligao entre o dois, onde especificado o texto a ilustrar, a paginao e

    o local onde se vai situar a imagem produzida pelo ilustrador. A autora

    considera favorvel a inexistncia de influncias de ambas as partes,

    singularizando cada linguagem e diferenciando formas de domnio.

    J Joo Vaz de Carvalho argumenta que este factor est dependente do

    escritor, no entanto, a possvel sugesto pictrica poder condicionar a

    liberdade de expresso e comprometer a qualidade da proposta visual.

    22

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    Tal como refere Andr Letria a histria apresentada representa uma

    condicionante no processo criativo. No entanto defende tambm que o

    ambiente e a atmosfera do prprio livro devero ser determinados em

    funo do texto.

    Segundo o ponto de vista dos inquiridos, a criao de uma ilustrao est

    sujeita a uma interpretao do prprio ilustrador em relao ao texto.

    Tomemos como exemplo a afirmao de Carla Pott, segundo a qual

    prevalece a ilustrao como complemento, a autora considera

    importante tambm a ligao entre o discurso literrio e a imagtica, tal

    como a opinio pessoal que o ilustrador implementa ao texto.

    Assim como referem Alain Corbel e Pedro Morais, a ilustrao um processo

    criativo intrnseco que parte do texto apresentado pelo autor escritor. O

    primeiro afirma que raro obedecer ao texto exactamente como ele se

    apresenta e que tenta sempre desviar ou contornar a histria. J Pedro

    Morais considera que o seu trabalho no depende de opinies de outras

    pessoas, a interpretao vem de dentro de si, intrnseca e depende da

    maneira como o sente.

    4. A Autonomia ou Descrio da Imagtica

    No que concerne identificao do trabalho ilustrativo como autnomo ou

    descritivo em relao ao texto, grande parte dos inquiridos referiram que

    consideram ambos importantes, (50%). Tal como refere Carla Pott, o seu

    trabalho apresenta-se autnomo mas estabelece uma relao com o

    texto. Andr Letria, por seu turno, considera que o trabalho ilustrativo deve

    ser autnomo e descritivo em relao ao texto, no sentido do leitor

    interpretar a ilustrao pertencente aquela histria.

    No entanto, apesar dos questionados privilegiarem a autonomia como um

    factor que apresenta algumas vantagens, acabam por referir que o facto

    de a ilustrao ser descritiva em relao ao texto, tambm pode

    23

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    representar os seus benefcios. Assim, Teresa Lima identifica o seu trabalho

    como autnomo excluindo alguns casos pontuais em que a descrio se

    apresenta to potica com imagens visuais to fortes que

    possivelmente pondera sobre uma ilustrao mais descritiva, no entanto

    sublinha que a ilustrao no a traduo em imagem do texto.

    Como refere Joo Vaz de Carvalho, uma ilustrao que se apresente muito

    descritiva pode representar alguns benefcios e boas solues por conter

    uma carga expressiva; no entanto o autor procura a maior autonomia

    possvel no seu processo criativo.

    Por outro lado, Pedro Morais considera as suas ilustraes descritivas em

    relao ao texto, sendo a partir da que surgem as ideias, tornam o seu

    trabalho condicionado, excepto os elementos e pormenores que o

    ilustrador vai acrescentando e que no apresentam uma ligao directa;

    porm, est tudo relacionado e complementam novas pistas de leitura.

    Quanto identificao do seu trabalho como autnomo ao texto, quatro

    responderam de forma positiva, assim como refere Cristina Sampaio, no

    considera que as suas ilustraes sejam descritivas, utilizando assim,

    metforas grficas o que resulta num trabalho autnomo.

    No caso da ilustradora Margarida Botelho, assinalada a importncia da

    presena de referncias do texto na ilustrao. Por isso no considera o

    seu trabalho descritivo, mas parece-lhe imprescindvel a existncia de uma

    ligao com o texto, visto que a criana leitora procura elementos comuns

    entre a imagtica e a linguagem literria.

    O processo de construo de uma ilustrao infantil parece reportar para

    um procedimento autnomo e descritivo relativamente ao texto que

    proporcionado pelo autor escritor. Apesar do ilustrador se esforar para

    apresentar um trabalho independente, existe obrigatoriamente uma

    24

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    ligao com o texto, visto que a criana leitora procura na imagem

    referncias apresentadas no texto. Tal como defende Andr Letria,

    a ilustrao deve ser autnoma porque deve abrir mais portas

    para alm do texto e isso tem muito a ver com a forma como se l

    o texto, que deve ser lido pelo ilustrador ao pormenor, e deve ser

    lido vrias vezes. Primeiro para perceber o que que o escritor

    quis, depois para perceber o que possvel criar de novo a partir

    dali e como se pode dar a sensao de que o leitor est a ler a

    mesma coisa olhando para a ilustrao e para o texto ao mesmo

    tempo. Essa autonomia deve permitir que se consiga ler a tal

    histria em cada ilustrao e para alm do que est naquele livro.

    A autonomia tambm muito importante para a ilustrao. Se

    no houver autonomia na ilustrao ela deixa de ter valor, porque

    para isso o texto j diz o que importante. Se a ilustrao no

    acrescenta nada de novo, penso que no beneficia em nada o

    livro. (ver Anexo I, pg.108)

    Pode concluir-se que o processo criativo de um ilustrador de livros para

    infncia no depende do autor do texto, sendo assumida bastante

    liberdade de expresso. Apenas Pedro Morais apresentou um exemplo

    pouco comum, com um contacto que teve com um autor escritor: j tive

    autores de textos a pegarem no papel e a fazerem um rabisco a dizerem

    como que as ilustraes vo ser. No entanto, os inquiridos defendem, na

    grande maioria, que no deve existir interferncia entre o autor do texto e o

    ilustrador, considerando importante a percepo do escritor no que diz

    respeito ao estilo particular do ilustrador.

    Contudo, existe uma grande diferena entre a interpretao do escritor e a

    do ilustrador em relao a um texto. A imagem geralmente uma nova

    abordagem, algo que deve sugerir ao leitor no s uma leitura especfica

    do discurso narrativo, mas muitas outras possibilidades de imaginar a

    histria. Nesse sentido, a imagem recria a histria que aparece no livro

    25

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    expressa em texto. Alm disso, constitui tambm uma pausa, algo como um

    momento em que a imaginao do leitor se desprende do texto, uma

    forma de evaso que apela ao imaginrio.

    A maioria dos livros para crianas apresenta o texto e a imagem em

    espaos distintos muito bem definidos, funcionando a imagem como um

    despertar da leitura. A ilustrao s elaborada aps o contacto e

    reconhecimento do texto, que produzido sempre previamente. A imagem

    potencialmente pode ganhar autonomia, evitando a redundncia em

    relao ao texto, sugerindo leituras contidas de forma implcita no texto,

    mas, como princpio, sem nunca deixar de partir deste.

    26

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    5. Uma Ilustrao, um Significado

    Alain Corbel

    Ilustrao 1 Alain Corbel, Ilhas de fogo. Texto de Pedro Rosa Mendes, Lisboa, Edies ACEP, 2002 Esta imagem a preto e branco, uma mulher feita a lpis de carvo que

    se chama Maria e muito grande. guineense e a mulher do dono da

    residncia onde me encontrava, no bairro Quebeque em Bissau. Ela

    gostava de mim, fazia-me a comida e um dia fiquei perto dela enquanto

    ela estava a matar uma galinha. Matou, tirou as penas, desfez a galinha e

    cozeu-a. medida que desenvolvia a sua actividade, eu desenhava-a,

    mas eram esboos muito rpidos. Houve um momento em que ela se

    cansou e ficou sentada na cadeira frente do lume, juntou as mos e ficou

    numa posio como se estivesse a rezar, desenhei-a nessa posio, mas

    no se sabe se ela est a rezar ou a dormir e eu gostei desta ilustrao

    porque est ligada a um momento que aconteceu quando eu j tinha 38

    anos, mas no fundo, poderia ter acontecido quando tinha 9 ou 13 anos,

    27

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    quando estava com as minhas tias e com a minha av. Acompanhei um

    processo que quotidiano, fazer a comida para toda a gente e h aquele

    lado espiritual de no saber se esta mulher estaria a rezar. Agora quem v a

    ilustrao no sei, quem olha para este desenho talvez no perceba todo o

    processo, mas o meu objectivo era transmitir um pouco dessa magia o que

    difcil. Dar a parecer no complicado, mas que haja alma difcil,

    seno se transmite um pouco dessa alma a ilustrao fica meramente

    decorativa, plana, bonita. Conheo ilustradores portugueses muito bons

    que desenham pessoas, mas sinto que falta qualquer coisa, so ilustraes

    bonitas, bem feitas, mas nas quais no transparece a alma da pessoa o que

    para mim uma falha, isto depende muito do trabalho em si e para onde

    vai. Este trabalho especfico destinava-se a um livro que se chama Ilhas de

    Fogo que um livro sobre associaes comunitrias, sobre pessoas que

    tentam desenvolver pequenos projectos e fala precisamente da alma

    dessas pessoas, porque elas merecem. (ver Anexo I, pg.99)

    Andr Letria

    Ilustrao 2 Andr Letria, Versos para os pais lerem aos filhos em noites de luar. Texto de Jos Jorge Letria, Porto, Ambar, 2003 Isso a parte mais complicada, porque todas as imagens destes livros que

    eu trouxe aqui, era possvel isol-las e falar sobre elas. No caso dos Versos

    28

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    para os pais lerem aos filhos em noites de luar, estamos a falar de ilustrao

    para poesia que deixa logo partida uma margem enorme de escolhas.

    Costumo fazer um exerccio quando vou s escolas que ler um verso e

    depois pergunto o que poderia resultar da ilustrao, porque isto dava para

    muita coisa. Se fosse a prpria criana a ilustrar ou outro profissional, podia

    ser qualquer coisa diferente e difcil fazer a ligao desta imagem com

    este texto. Aqui no se fala de um homem com uma chamin na cabea,

    mas h pequenos pontos de contacto que se podem fazer, at pela

    prpria mensagem que o texto quer passar que uma mensagem de apelo

    descoberta, de apelo vontade de aprender. Assim, uma coisa estranha

    que brinque com as imagens e brinque com o sentido das coisas, se calhar

    a melhor maneira de resolver isto. (ver Anexo I, pg.115)

    Ilustrao 3 Andr Letria, Letras e Letrias. Texto de Jos Jorge Letria, Lisboa,Dom Quixote, 2005 Aqui nesta imagem h uma surpresa maior, devido a qualquer coisa que

    no bate certo e isto funciona como um conjunto, mas h algumas coisas

    que podem ser isoladas s por si e o facto de aparecerem na pgina,

    como por exemplo, este caso da lmpada que aparece fora do contexto,

    isolada. Escolher uma imagem separada difcil. Neste livro Versos e Letrias

    aparece uma brincadeira constante com as palavras, a juntar depois a

    29

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    imagem. A brincadeira comea no texto, o objectivo de quem est a ler

    que se divirta primeiro e depois se ponha a pensar que isto poderia ser de

    outra maneira e isso resulta muito bem em conjunto, ver o texto e a

    ilustrao ao mesmo tempo. O facto de estar a ler uma coisa que diz A

    alegria de um menino d frutos do tamanho do seu sorriso, sozinho

    provavelmente no sugere nenhuma imagem, mas por aparecer a

    imagem, isto faz outro sentido e percebe-se que seria difcil separar ou se

    separssemos se perdia qualquer coisa. Nesta imagem possvel identificar

    alguns exemplos de como a ilustrao, mesmo utilizando elementos

    comuns, pode desmontar o sentido das coisas, pode obrigar-nos a olhar

    para as coisas de outra maneira, eu pessoalmente gosto muito desta

    ilustrao e gosto do efeito que ela provoca nas crianas quando eu

    mostro. Eu costumo ler o texto antes de mostrar a imagem e ento um

    grande choque quando vem isto. Primeiro porque difcil imaginar o que

    poderia sair daqui como imagem e depois porque percebem que afinal,

    realmente, pode-se brincar com isto com coisas que eles conhecem.

    Podem passar a ver de outra maneira as situaes habituais do dia-a-dia.

    Se calhar nunca viram uma banana como um sorriso, a banana como fruto

    normalssimo, ao estar nesta posio numa cara, no s uma banana,

    mas tambm a boca do boneco que se est a rir. Este um bom exemplo

    de como gosto de trabalhar, estar muito atento s coisas que existem e que

    desprezamos ou que no damos muita ateno e perceber que elas

    podem ser postas num livro e de repente transformarem-se numa coisa

    fantstica e real. (ver Anexo I, pg.115)

    30

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    Carla Pott

    Ilustrao 4 Carla Pott, O Soldadinho de Chumbo de Hans Christian Andersen Nesta ilustrao que me foi encomendada para uma exposio dedicada

    a Hans Christian Andersen, por se tratar de uma histria da qual no

    gostava pois para mim fala sobre a morte e um amor no consumado, usei

    o tom azul no fundo por ser uma cor que tambm associo tristeza, como o

    enredo passa-se essencialmente num quarto, coloquei a cadeira para dar

    essa ideia. Usei um tom quase branco na face do soldadinho para expressar

    o tom plido da pele na morte, e este afasta-se no barco de papel pois na

    verdade o soldado parece estar sempre distante e a dizer um adeus eterno

    bailarina. A bailarina tem os olhos fechados pois durante a histria parece

    estar sempre indiferente ao amor do soldadinho, que alis julgava que esta

    por viver num palcio era algum com um estatuto para ele, impossvel de

    31

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    alcanar. Os dois coraes na boca do pssaro simbolizam o amor de

    ambos que acaba na fogueira. O soldado tem na mo o corao de

    chumbo que foi o que sobrou nas cinzas (juntamente com uma lantejoula

    do vestido da bailarina). Tentei colocar vrios elementos que so relevantes

    neste conto de Andersen, mas sobretudo sugerir e passar essa sensao de

    Tristeza e Morte. Alis uma ilustrao que me lembra sempre a morte. (ver

    Anexo I, pg.121)

    Cristina Sampaio

    Ilustrao 5 Cristina Sampaio, Bom dia Benjamim. Nuno Artur Silva,Rui Cardoso Martins, Jos Peixoto e outros, Lisboa, Movieplay/Texto Editora, 1995 Este foi um livro que saiu juntamente com um CD, com msicas do Jos

    Peixoto, Paulo Curado e os textos so do Nuno Artur Silva. O que est aqui

    so as letras das msicas, um dia da vida de um mido que entretanto foi

    adaptado para uma pea de teatro que eu adorei. Em relao

    interpretao, este livro bastante linear, no difcil descodificar, gosto

    muito desta banheira. Em relao ao texto, conta a histria do mido que

    vai tomar banho (normalmente os midos no gostam de tomar banho),

    32

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    mas podem entusiasmar-se e neste caso ele pensa que um golfinho.

    Porm, h um barco que pensa que ele um tubaro por causa da

    barbatana. Digamos que no h nada aqui que seja de leitura oculta, nem

    nenhuma destas ilustraes. No so coisas muito elaboradas, mas h uma

    metamorfose da gua da banheira que se transforma na onda do mar,

    tambm h uma planificao do espao da casa de banho, eu gosto de

    desenhos muito planos, talvez pela caracterstica do meu desenho, no

    gosto de coisas demasiado elaboradas mas sim de coisas mais simples e

    directas. (ver Anexo I, pg.128)

    Ins de Oliveira

    Ilustrao 6 Ins de Oliveira, Lendas e Contos Indianos. Texto de Jos Jorge Letria, Porto, Ambar, 2006

    A imagem escolhida integra o livro Lendas e Contos Indianos, de Jos

    Jorge Letria, recentemente editado pela Ambar. Esta imagem tem como

    ttulo O tamanho da fome, o mesmo ttulo do conto que ilustra. Aconselho

    33

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    uma leitura do conto (pg.42) para um melhor entendimento dos aspectos

    descritos. Procurou-se, com esta imagem, a criao de um ambiente

    quente derivado no s do pas onde a aco tem lugar a ndia mas

    tambm de um calor que se imagina iminente numa tenda de venda e

    fabrico de po. A apresentao das duas personagens que figuram na

    histria o rapaz e o padeiro revelou-se essencial para a sugesto de uma

    tenso derivada do conflito de interesses dos dois personagens (acentuada

    ainda pela diagonal que parte da figura central padeiro em direco

    ao rapaz que tranquilamente sacia a sua fome). O tecido que forma a

    tenda representado na parte superior da imagem, cria um ambiente

    cmplice que acolhe o rapaz vitorioso desta histria. (ver Anexo I, pg.133)

    Joo Fazenda

    Ilustrao 8 Joo Fazenda Um Saltinho a Madrid Texto de Isabel Zambujal, Oficina do Livro, 2004 Esta uma imagem do livro Um Saltinho a Madrid, relativa ao momento

    onde se fala do museu Rainha Sofia e, naturalmente da Guernica. No

    tenho grande vontade de explicar porque escolhi esta imagem, alis foi-me

    difcil escolher uma, mas penso que foi por estar muito prxima da sensao

    que se tem quando se v to impressionante obra. O mido que aparece

    no meio o heri da histria. (ver Anexo I, pg.143)

    34

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    Joo Vaz de Carvalho

    Ilustrao 7 Joo Vaz de Carvalho, Prendas de Natal Actual/ Expresso, 2004 No sei descodificar. A tentativa de explicao de um trabalho resulta

    normalmente mal. Alm disso, seria uma tarefa penosa para mim. (ver

    Anexo I, pg. 148)

    35

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    Margarida Botelho

    Ilustrao 9 Margarida Botelho, Os Lugares de Maria. Texto de Margarida Botelho, Lisboa, Edies Paulinas, 2005 Lembrei-me de representar esta imagem onde h uma srie de

    associaes que eles fazem de uma forma directa, mas existe aqui um

    aluno que no est sentado na cadeira e de propsito, para eles

    pensarem O que que ser que aconteceu a este personagem?. H aqui

    coisas imperceptveis e s com o visionamento dos originais que se

    percebem certos segredos, que se descodificam certas coisas, uma delas

    que este livro existe dentro do prprio livro, e est escrito, consegue-se ler

    at segunda pgina. Aqui no se consegue ou no se percebe, quando

    eu mostro as ilustraes, mostro-lhes o livro, eles vo mesmo ler, h um que

    l o livro, outro que l o original e coincide. bvio, so as duas primeiras

    folhas! Tentei fazer com este livro da Maria uma coisa. Eu queria que eles se

    aproximassem deste universo e que se reconhecessem nele, da esta

    organizao que perfeitamente normal, das cadeiras, das mesas, dos

    materiais, do que esto a fazer, do que esto a escrever, ou seja isto uma

    identificao directa. Tentei que houvesse uma srie de pequenos mistrios

    para descobrir ao ver o lado original e no s. Por exemplo, a histria das

    letras, que uma coisa importante porque as letras no costumam estar

    assim, mas muitas vezes eles tm na sala de aula as letras em placards

    quando esto a aprender, no primeiro ano. H a rgua, h os nmeros que

    entretanto esto espalhados, ou seja h coisas reais, mas depois h o outro

    lado que tem que ser ou no descoberto. H coisas que eles s se

    apercebem vendo os originais, o que engraado. (ver Anexo I, pg.157)

    36

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    Pedro Morais

    Ilustrao 10 Pedro Morais, Branca Flor, o Prncipe e o Demnio. Texto de Alexandre Parafita, ASA, 2001 A imagem pertence ao livro Branca Flor e o Prncipe Demnio. um livro

    curioso. No saiu nada como eu tinha imaginado, porque foi imaginado de

    outra maneira, mas foi um livro onde existiu um texto paginado e depois

    logo a seguir dupla pgina s com ilustrao. Eu acho que esta ilustrao

    interessante, mais do que todas as outras. Penso que consegui colocar aqui,

    apesar de tudo, um universo mais pessoal, uma histria que no tem nada a

    ver com o que eu fao. Eu adaptei esta ilustrao (que j tinha utilizado

    noutra histria) a esta histria. por isso que eu gosto dela, a maneira como

    consegui colocar o meu mundo pessoal, adaptando bem histria.

    Descodificar esta imagem. O texto fala de uma princesa que a Branca

    Flor, que vive no castelo do demnio e h um prncipe que a vai salvar. Isto

    um conto tradicional de Trs-os-Montes. Por isso que eles esto atrs dos

    montes. So estes pormenores que eu vou utilizando nas ilustraes, coisas

    invisveis, mas que so associaes de ideias que eu vou fazendo, conforme

    vou lendo o texto e que s aparecem conforme se vai trabalhando. uma

    ilustrao que eu gosto bastante porque tem uma das caractersticas dos

    desenhos que eu fao. Tem um horizonte vasto, tem espao, tem os

    primeiros planos e tem paisagens de fundo, panormico, acho que a

    melhor maneira de fazer as ilustraes. Para mim muito mais fcil fazer

    37

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    uma ilustrao ao baixo, bastante longa do que uma ilustrao ao alto.

    Gosto mais do formato de fotografia e acho que resulta bem. Fiquei

    satisfeito com a cor, o enquadramento, o desenho, a composio; tem um

    pr-do-sol com nuvens que aparece muito nas minhas ilustraes. uma

    ilustrao da qual me orgulho. (ver Anexo I, pg.166)

    Teresa Lima

    Ilustrao 11 Teresa Lima, Histrias de Animais de Rudyard Kipling Texto de Rudyard Kipling, Porto, Ambar, 2006 Esta ilustrao reporta-se passagem do texto em que Darzee, o pssaro-

    alfaiate e a sua mulher lamentam a morte do seu filho que foi comido por

    Nag, a cobra-capelo. No sabendo o que era um pssaro-alfaiate, nem

    to pouco o tendo descoberto nas pesquisas que fiz em livros de zoologia e

    na Internet, resolvi utilizar elementos relacionados com o desempenho da

    costura: fita-mtrica (que serve de cachecol), dedal (que serve de chapu)

    e porta-alfinetes e agulhas (que serve de pulseira). A infelicidade do casal

    de pssaros-alfaiates acentuada por dois movimentos opostos de ambos

    38

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    os protagonistas: Darzee de asas para baixo, inclinando a cabea na

    mesma direco, deixa transparecer a tristeza pela perda do filho. A sua

    mulher, por outro lado, reflecte o seu desespero levantando a cabea e

    cobrindo-a com as asas. O filho morto, em posio jacente deixado ver

    no interior da cobra que se estende , parcialmente, na linha horizontal

    inferior. Em termos formais a composio estrutura-se nas duas verticais dos

    pssaros, chegados esquerda e pela horizontal da cobra, na zona inferior.

    Esta estabilidade quebrada pela movimento da fita mtrica e pela

    vegetao do roseiral que serve de fundo. O verde cria uma unidade tonal

    a nvel do plano de fundo e da base onde poisam os dois pssaros e a

    cobra. A variedade lumnica e textural criada pelo contraste da aguarela

    do fundo e o acrlico usado nos restantes elementos que compe a

    ilustrao. As rosas, de diversos tamanhos, pontuam cromaticamente a

    composio criando um certo ritmo e dinamismo. (ver Anexo I, pg.176)

    39

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    CAPTULO III - O AUTOR ILUSTRADOR

    O universo de imagens a que recorro tem razes fundas na

    minha memria distante, na minha infncia. Qualquer tema

    a ilustrar sempre abordado luz dessas vivncias.

    Considero cada vez mais importante esse patrimnio

    pessoal de memrias. (Joo Vaz de Carvalho)

    1. Introduo

    Apesar de ser um trabalho pouco valorizado bibliograficamente, o processo

    criativo do ilustrador no deve ser ignorado. Temos assistido a um salto

    esttico no lado pictrico do livro infantil, alcanado pelo ilustrador. Cada

    um com o seu estilo particular, formam narrativas visuais que despertam

    sentidos e emoes, que deve perpetuar-se na memria do leitor. No

    entanto, no se torna um trabalho complacente visto que para o escritor as

    palavras permitem uma maior flexibilidade na disposio da aco no que

    diz respeito ao tempo e ao espao. O ilustrador apresenta-se dependente

    da ambiguidade do signo visual, combatendo com a dificuldade de

    construir de imagem em imagem o sentido da narrativa. No entanto, como

    em geral os ilustradores se encontram muito mais preocupados com a

    qualificao em termos artsticos do que com compromissos de ordem

    moral ou didctica, a produo nacional de livros de imagens marcada

    pela diversidade de materiais, tcnicas e estilos empregados na criao

    das imagens.

    Neste captulo pretende-se abordar uma perspectiva essencialmente

    orientada para questes de anlise e representatividade actual,

    relacionada com o processo criativo de dez ilustradores. O criador de

    imagens para a infncia apresenta-se muitas vezes como um artista plstico

    que utiliza dois suportes: a tela (onde expressa as suas vivncias pessoais e

    interiores) e o livro (onde retrata as histrias dos outros), criando assim toda

    40

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    uma sucesso de imagens com maior ou menor valor plstico, capaz de

    despertar sentidos e estados de alma. Deste modo, criando e transportando

    a arte para o mundo da criana, contribui para a motivao e clarificao

    do texto escrito, tornando-o extensivo aos professores.

    Este terceiro captulo da dissertao visa uma anlise sobre o autor

    ilustrador, assim como os procedimentos utilizados na concepo de uma

    ilustrao. Foram analisadas questes sobre o pensamento, decises e

    comportamento do ilustrador, a sua relao com o leitor e as suas

    preocupaes.

    Numa primeira seco proceder-se- a uma apreciao das biografias dos

    ilustradores entrevistados, por ordem alfabtica: Alain Corbel (1965), Andr

    Letria (1973), Carla Pott (1973), Cristina Sampaio (1960), Ins de Oliveira

    (1979), Joo Fazenda (1979), Joo Vaz de Carvalho (1958), Margarida

    Botelho (1979), Pedro Morais (1962) e Teresa Lima (1962). Na segunda

    seco sero analisados dois temas preponderantes para a ilustrao

    infantil: o processo criativo do ilustrador e o seu pblico-alvo. Na terceira

    seco perspectivar-se- sobre a possibilidade de uma incluso do autor na

    prpria narrativa visual. Na quarta seco sero desenvolvidas opinies

    acerca do reenvio para a infncia durante o procedimento de concepo

    da imagem. Na ltima seco deste captulo abordar-se- os materiais e as

    respectivas tcnicas de representao artstica.

    41

  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    2. Biografias2

    1.1. Alain Corbel Nasceu em Saint Brieuc, Bretanha,

    Frana, em 1965. Diplomado em

    1988 do ensino superior artstico

    (Banda desenhada), em Bruxelas,

    Blgica. Trabalha na rea da

    ilustrao desde 1988. Vive e

    trabalha em Portugal desde 1997.

    Participou em vrias exposies colectivas, nomeadamente: Nuevas

    vietas. MEAC. Madrid em 1991; Autarcic Comix . Bruxelas de 1998 a

    2000; Festival de Saint-Malo em Saint-Malo, no ano de 1996; Opera

    Komix, Cracvia, Polnia em 1996; Ilustrao Portuguesa em Lisboa de

    1998 a 2002; 3.4 em Loures,1994,1996,1999; Dirios grficos. Biblioteca

    Orlando Ribeiro em Telheiras em 2004; Andersen, CM de Oeiras em Abril

    de 2005; Le 9me Rve, Muse de la Bande Dessine, Bruxelles, em 2006.

    Exps individualmente no Salo Lisboa em 1998, com uma exposio

    intitulada Mulheres de Lisboa e do Porto. Realizou uma Retrospectiva na

    Casa Roque Gameiro, Amadora em Outubro de 2003. Na Escola Politcnica

    de Beja, a exposio O branco do Sul as cores dos livros em 2005;

    Yaylalar, Bedeteca de Beja em Abril de 2005. Na Mediateca, Instituto

    Franco Portugus de Lisboa, uma Retrospectiva em Abril/Maio de 2005.

    Em 2002 foi-lhe atribudo o Prmio Nacional de Ilustrao, com Contos de

    Macau, de Alice Vieira, Edies Caminho e recebeu uma meno honrosa

    com A Mquina infernal, em 2005. No mesmo ano foi vencedor do Prmio

    FIDBA da Melhor Ilustrao Infantil no Festival Internacional de Banda

    Desenhada da Amadora, com O Pai Natal e a Rena Rodolfa, texto de Ana

    Saldanha, edies Caminho, o que se repetiu em 2006, para A Mquina

    2 As informaes acerca destas ilustraes so apresentadas no captulo II.

    42

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    infernal, com texto seu, edies Caminho. Foi candidato portugus ao

    Prmio Hans Christian Andersen (IBBY) em 2006.

    Foi editor das revistas de banda desenhada Mokka e Pelure Amre, de1990

    at 1995. Foi responsvel do suplemento juveno-infantil Nekepell Bihan, do

    semanal Nekepell (Bretanha, Frana) em 1996-1997. Foi professor de

    Ilustrao no IADE de 2001-2002 e de 2005-2006. Ilustrou vrias revistas e

    dirios: O Independente, Mxima, Cosmopolitan, Activa, Pais e Filhos, con,

    Dirio Econmico, Revista das Bibliotecas Pblicas, Pblico. Dirio de

    Notcias. O Independente. Coordenou e animou de vrias oficinas de

    ilustrao com as escolas Aruna Embal e Penha-Br, no bairro Quell em

    Bissau (Guin-Bissau) de 2001 a 2003. Coordenou e animou vrias oficinas no

    contexto de France Vacances em So-Tom e Principe, com o apoio da

    Alliance Franaise de STP, 2005. Foi professor de Ilustrao em MICA,

    Maryland Instittute College of Art (EUA), durante o primeiro semestre 2007.

    Consta da sua bibliografia de ilustrao os livros: Les yeux de la lune, de

    Martine Dora. Syros diteur, 1996 (Frana). Pour une poigne de shamallows,

    de Didier Cohen, Syros diteur, 1994 (Frana). O pssaro verde, de Alice

    Vieira, Edies Caminho, 1994; O conto do nadador, de Ldia Jorge. Edies

    Contexto, 1996; Contos da terra do drago, de Wang Suoying e Ana Cristina

    Alves, Edies Caminho, 2001; No meio da cidade, com Ana Esteves, Salo

    Lisboa. 1999; Gulliver, de Lusa Ducla Soares, Edies Civilizao, 2002;

    Contos de Macau, de Alice Vieira, Edies Caminho, 2002; Ilhas de fogo,

    com Pedro Rosa Mendes, Edies ACEP Ong), 2002; A cor Instvel, com

    Joo Paulo Cotrim, Edies Afrontamento em 2003; A cerejeira e outras

    histrias da China, de Antnio Torrado, Edies ASA, 2003; A minha terra

    com textos de Joo Paulo Cotrim, Edies rea Metropolitana de Lisboa,

    2001; Um oceano de histrias, com textos de Joo Paulo Cotrim, rea

    Metropolitana de Lisboa, 2004; Uma montanha de verde, com textos de

    Joo Paulo Cotrim, rea Metropolitana de Lisboa, 2004; Travessa do calado,

    com textos de Joo Paulo Cotrim, Edies Novo Embondeiro, Outubro de

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  • IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal

    2003; Contos judaicos, com textos de Jos Jorge Letria, Edies Ambar,

    2003; Todos os gatos so rapazes, com texto de lvaro Magalhes, Edies

    ASA, 2004; O pai natal preguioso e a rena esquecida, com texto de Ana

    Saldanha, Edies Caminho, 2004; Madre Cacau-Timor, com textos de

    Pedro Rosa Mendes, Edies ACEP, 2004; Lenin Oil, romance de Pedro Rosa

    Mendes, Edies Dom Quixote, 2006; O ladro de palavras, com textos de

    Francisco Duarte Mangas, Edies Caminho, 2006; O pas azul, com textos

    de Teresa Balde, Porto editora, 2006; O livro que falava com o vento, com

    textos de Jos Jorge Letria, Texto editora, 2006. Quanto a livros com texto da

    sua autoria: A viagem de Djuku (Livro recomendado pelo Servio de Apoio

    Leitura do Instituto Portugus do Livro e das Bibliotecas) com ilustraes de

    Eric Lambe, Editorial Caminho de 2003 e A mquina infernal, com texto e

    ilustraes suas, Editorial Caminho, 2005.

    A sua pgina pessoal pode ser visitada em http://alaincorbel.in-netz