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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 6780 IMPACTOS SÓCIO-ESPACIAIS E POLÍTICO-ECONÔMICOS DOS GRANDES PROJETOS DE MINERAÇÃO EM MOÇAMBIQUE, o caso da exploração do carvão mineral de Moatize EDUARDO JAIME BATA 1 CELENE CUNHA M. A. BARREIRA 2 Resumo- O objetivo é analisar o megaprojeto de exploração do carvão mineral de Moatize, buscando compreender os impactos sócio-espaciais, político-econômicos e as contradições inerentes a esse megaprojeto, no tange às formas de organização ou de (re) organização sócio-espacial e político-econômica, com vista a atender aos interesses do capital mineiro multinacional. A análise baseou-se na categoria geográfica espaço, segundo a concepção de espaço de Santos (1997) e no método materialismo histórico e dialético. A partir da pesquisa bibliográfica e documental foi possível compreender que o início da exploração do carvão mineral suscitou a (re) organização sócio-espacial e político-econômica para atender às demandas produtivas deste megaprojeto e/ou de suas atividades complementares e, concomitante a isso, criou uma enorme pressão sobre as instituições do Estado, incrementou a segregação sócio-espacial e gerou novas oportunidades de trabalho. Palavras- Chave: Megaprojetos de mineração. Impactos político-econômicos e sócio-espaciais. Carvão mineral. Moatize. Abstract- The aim is to analyze the mega-project of coal exploitation from Moatize, seeking to understand the socio-spatial, political and economic impacts and the contradictions of this megaproject, in respect to organizational forms or socio-spatial (re) organization and political- economic in order to serve the interests of multinational mining capital. Analysis was based on the geographic space category, according to the design of space of Santos (1997) and historical materialism and dialectical method. From the bibliographical and documentary research was possible to understand that the beginning of the coal exploitation raised the ( re) spatial and socio- political and economic organization to achieve the production demands of this megaproject and/or its complementary activities and, concurrent with this created enormous pressure on state institutions, increased socio- spatial segregation and generated new job opportunities. Keywords: Mining mega-projects. Political-economic and socio-spatial impacts. Coal mining. Moatize. 1- Introdução Moçambique, após alcançar a independência política em 1975, enveredou pelo modelo socialista de desenvolvimento e, mais tarde, isto é, a partir de 1987, iniciou as reformas econômicas e sociais que, permitiram a transição para o 1 - Doutorando em Geografia no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás, bolsista da CAPES. E-mail: [email protected] 2 - Docente do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia, do Instituto de Estudos Sócio- Ambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás. Orientadora, e-mail: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

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IMPACTOS SÓCIO-ESPACIAIS E POLÍTICO-ECONÔMICOS DOS

GRANDES PROJETOS DE MINERAÇÃO EM MOÇAMBIQUE, o caso

da exploração do carvão mineral de Moatize

EDUARDO JAIME BATA1

CELENE CUNHA M. A. BARREIRA2

Resumo- O objetivo é analisar o megaprojeto de exploração do carvão mineral de Moatize,

buscando compreender os impactos sócio-espaciais, político-econômicos e as contradições inerentes a esse megaprojeto, no tange às formas de organização ou de (re) organização sócio-espacial e político-econômica, com vista a atender aos interesses do capital mineiro multinacional. A análise baseou-se na categoria geográfica espaço, segundo a concepção de espaço de Santos (1997) e no método materialismo histórico e dialético. A partir da pesquisa bibliográfica e documental foi possível compreender que o início da exploração do carvão mineral suscitou a (re) organização sócio-espacial e político-econômica para atender às demandas produtivas deste megaprojeto e/ou de suas atividades complementares e, concomitante a isso, criou uma enorme pressão sobre as instituições do Estado, incrementou a segregação sócio-espacial e gerou novas oportunidades de trabalho. Palavras- Chave: Megaprojetos de mineração. Impactos político-econômicos e sócio-espaciais. Carvão mineral. Moatize.

Abstract- The aim is to analyze the mega-project of coal exploitation from Moatize, seeking to

understand the socio-spatial, political and economic impacts and the contradictions of this megaproject, in respect to organizational forms or socio-spatial (re) organization and political-economic in order to serve the interests of multinational mining capital. Analysis was based on the geographic space category, according to the design of space of Santos (1997) and historical materialism and dialectical method. From the bibliographical and documentary research was possible to understand that the beginning of the coal exploitation raised the ( re) spatial and socio- political and economic organization to achieve the production demands of this megaproject and/or its complementary activities and, concurrent with this created enormous pressure on state institutions, increased socio- spatial segregation and generated new job opportunities. Keywords: Mining mega-projects. Political-economic and socio-spatial impacts. Coal mining. Moatize.

1- Introdução

Moçambique, após alcançar a independência política em 1975, enveredou

pelo modelo socialista de desenvolvimento e, mais tarde, isto é, a partir de 1987,

iniciou as reformas econômicas e sociais que, permitiram a transição para o

1- Doutorando em Geografia no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia do Instituto

de Estudos Sócio-Ambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás, bolsista da CAPES. E-mail: [email protected] 2 - Docente do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia, do Instituto de Estudos Sócio-

Ambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás. Orientadora, e-mail: [email protected]

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neoliberalismo econômico. Moçambique, ao “optar” pela economia neoliberal, abriu

assim as portas ao investimento externo, e a uma menor intervenção do Estado nas

questões econômicas.

No país, o investimento externo, também designado Investimento Direto

Estrangeiro (IDE), está concentrado, principalmente, no complexo mínero-energético

e localiza-se, preferencialmente, nas zonas francas industriais e econômicas

especiais. Tal investimento tem sido apontando por alguns estudiosos (Mosca,

Selemane, Castel-Branco, e outros), como sendo a “locomotiva” que dinamiza a

economia nacional e garante os atuais níveis de crescimento econômico que o país

tem registrado, sobretudo, nos últimos dez anos.

A despeito das vantagens desse crescimento econômico, Castel- Branco e

Ossemane (2010) deploram o fato de o tal crescimento se restringir apenas ao setor

dos recursos minerais e energéticos. A falta de diversificação dos setores de

economia sinaliza o alto grau de vulnerabilidade da economia nacional,

principalmente, a choques externos decorrentes da queda dos preços de alguns

minerais no mercado internacional. Castel- Branco (2008) lembra ainda que a

riqueza gerada pelas grandes corporações mineiras pertence aos grandes projetos

que possuem e controlam e não à economia como um todo.

Portanto, o impacto gerado por estes empreendimentos mineiros à economia

dependerá do grau de retenção e absorção da riqueza pela economia nacional e não

apenas pela quantidade de riqueza bruta.

Assim como em outras economias periféricas, em Moçambique a inserção

do capital deu-se via implatação de megaprojetos voltados para o desenvolvimento

de várias atividades, com destaque para a mineração. Os megaprojetos de

mineração caracterizam-se pela intensidade no capital investido, elevado consumo

de energia, concentração espacial o que conjectura maior pressão sobre a terra.

Assim, a viabilização desses empreendimentos suscitou a organização e/ou a (re)

organização do espaço local, para atender às demandas produtivas destes

empreendimentos e de outras atividades complementares.

Esses (re) arranjos espacais resultam frequentemente em conflitos, opondo

de um lado, a população local, com direitos “seculares” de uso e ocupação de terra;

e do outro lado, os megaprojetos detentores de licença de exploração. Portanto, à

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medida que cresce o volume de investimentos no setor mínero-energético,

aumentam concomitantemente as pressões devido à intensidade do uso da terra, o

que demanda uma nova organização sócio-espacial, cujo fito é albergar frações do

capital multinacional para a produção de commodities minerais. No bojo dessa (re)

organização, os megaprojetos alteram profundamente a estrutura, a forma, assim

como a função inicial do espaço nas regiões onde se instalam, na medida em que as

exigências de produção dessas corporações são outras, isto é, diferentes da

produção tradicional (SANTOS, 1997).

Assim, articulada a essas modificações altera-se também a estrutura social e

cultural da população local, visto que a chegada dos megaprojetos, insere novos

hábitos de consumo (muitas vezes estranhos ao lugar), novas formas de

relacionamento com o meio, bem como a mudança nos modos de vida da população

local. Ou seja, estes empreendimentos geram e/ou estimulam a “perda de valores

culturais”, ou aquilo que Santos (1997) denomina desculturização.

No domínio político-econômico, o início da mineração do carvão gerou maior

pressão sobre o setor público local e as instituições do Estado, demandando, assim,

a necessidade de (re) organização de alguns setores em função das necessidades

produtivas desses megaprojetos. De entre essas demandas, pode-se citar a título de

exemplo, a reelaboração do Plano Diretor da cidade de Tete.

Diante desse quadro, o nosso objetivo neste estudo, é analisar o

megaprojeto de exploração do carvão mineral de Moatize, buscando compreender

os impactos sócio-espaciais, político-econômicos e as contradições inerentes a esse

megaprojeto, no que tange às formas de organização ou de (re) organização sócio-

espacial e político- econômica, com vista a atender aos interesses do capital mineiro

multinacional. Do ponto de vista teórico, a análise foi baseada na categoria

geográfica espaço, segundo a concepção de Santos (1997), que considera o espaço

como um sistema de sistemas. A relevância do espaço como categoria de análise

geográfica é notável em vários estudos, sobretudo nos da Geografia, cujo enfoque é

o espaço geográfico, compreendido a partir do sistema espaço-tempo, palco no qual

ocorrem todas as coisas, conceito-chave considerando a “constelação” de conceitos

de Haesbaert (2010).

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Para a melhor sistematização das idéias apresentadas, iniciamos com uma

breve caracterização de Moatize, posto que esta região constitui o recorte espacial

deste artigo. Na sequência, apresentamos uma breve discussão teórica sobre as

concepções do espaço, e seguida desvelarmos as tramas sócio-espaciais e político-

econômicas dos megaprojetos de mineração na construção dos espaços de

mineração nas duas regiões.

Concluímos vincando que a instalação dos megaprojetos não afetou apenas

negativamente a estrutura sócio-espacial e político-econômica local, mas, e,

principalmente, produziu uma nova dinâmica, abriu novas oportunidades de negócio

e de trabalho (temporário e permanente) e, gerou uma pequena elite nacional que foi

a que mais se beneficiou e/ou se beneficia desses megaprojetos.

2- Moatize e Cidade de Tete - a dimensão espacial da pesquisa

O Distrito de Moatize, cuja sede é a vila de Moatize, situa-se a NE da cidade

de Tete, e fica a 20 km desta. É limitado ao Norte pelos Distritos de Chiúta e

Tsángano, a Sul pelo Distrito de Tambara, Guro, Changara e o Município de Tete, a

Leste pela República do Malawi, a Oeste pelos Distritos de Chiúta e Changara

(MAE, 2005).

Do ponto de vista geomorfológico, Moatize está assentado num vasto

complexo gnaisso-granítico do cinturão de Moçambique (Mozambique belt), do qual

sobressaiem em às rochas do pós-karroo, na qual ocorrem os seguintes tipos de

solo: solos castanho- cizentos, castanho - avermelhados pouco profundos sobre

rochas calcárias e os derivados de rochas basálticas, podendo estes últimos, serem

avermelhados, castanho - avermelhados ou pretos (MAE, 2005).

A geologia de Moatize distingue-se pela ocorrência de importantes jazidas,

das quais os filões de quartzo carbonatados, jazidas de ferro e chumbo, jazidas de

coríndon, de fluorite e de carvão do tipo hulha. As jazidas de carvão cobrem uma

extensa área que vai desde Chingodzi ao rio Mecombedzi. Portanto, essa extensa

área compõe a Bacia Carbonífera de Moatize-Minjova, a maior e, mais importante

reserva de carvão mineral no país, cujas quantidades são estimadas em

aproximadamente 2,5 bilhões de toneladas (MAE, 2005).

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Dados do Censo (2007), apontam que Moatize tem 113.409 habitantes.

Porém, de acordo com Instituto Nacional de Estatística (INE, 2013), o Distrito tem

155.663 habitantes, ou seja, um aumento populacional na ordem de 42.254

habitantes em relação ao número da população registrada no Censo 2007. Portanto,

este aumento da população não é surpreendente, pois a partir de 2008, Moatize

passou a receber significativos contigentes humanos vindo de quase todo o mundo,

visto que foi nesse período que iniciou a construção das primeiras infra-estruturas e

da base logística para garantir a exploração e exportação do carvão mineral a partir

de Moatize.

3- A reprodução do capital pelo carvão mineral de Moatize – as tramas sócio-

espaciais na construção dos espaços de mineração

3.1- Espaço – concepções teóricas

O espaço é um conceito polissêmico cujo entendimento depende do

adjectivo que o qualifica, por exemplo, espaço econômico, espaço pessoal, entre

outros. Em relação à escala de abrangência, o termo espaço pode abarcar tanto o

nível local, quanto a escala planetária ou global, (CORRÊA, 2003).

Esta polissemia, reflete também a diversidade de áreas de conhceimento

que se preocupam com o estudo desta categoria. Portanto, o estudo do espaço não

é exclusivo da geografia, embora este constitua o seu objeto de estudo. Atualmente

há cada vez mais ramos de conhecimento que estudam o espaço.

De entre essas disciplinas cumpre destacar além da geografia, a sociologia,

a economia, a psicologia, entre outras. Assim, a despeito desta pluralidade de

disciplinas que estudam o espaço, cabe salientar que, cada uma dessas áreas

temáticas o faz, a partir de um determinado prisma, ou seja, circunscrito à uma

perspectiva que vá de encontro aos seus objetivos.

Na ciência geográfica especificamente, na qual o espaço é considerado

conceito-chave, o seu estudo pode ser feito, a partir das correntes do pensamento

geográfico. Corrêa (2003), por exemplo, apresenta uma síntese sobre as diferentes

concepções do espaço mediado pela compreensão que se tinha sobre o espaço em

cada uma das etapas do pensamento geográfico.

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Assim, partindo da geografia tradicional, passando pela geografia teorético-

quantitativa (influenciado pelas ciências da natureza, sobretudo a fisica), e pela

geografia crítica (de cunho marxista) e, desembocando na geografia humanista e

cultural (realça a subjetividade, a intuição) que se contrapõe às tendências

marxistas, o autor aponta nessa demarché, as principais concepções do espaço.

Apesar das profícuas contribuições para a compreensão do espaço apresentadas

nas outras correntes geográficas, por razões de ordem metodológica, destacaremos

apenas a concepção do espaço na geografia crítica.

Na geografia nova (calcada no materialismo histórico e na dialética), o

espaço aparece definitivamente como conceito central, sobre o qual incidem

múltiplas contradições. Nesta corrente, destaca-se na análise espacial, as

contribuições do neomarxista Henri Lefebvre, para quem o espaço compreendido

como espaço social, vivido, em estreita correlação com a prática social e, não deve

ser visto como espaço absoluto, vazio, mas como o locus da reprodução das

relações sociais de produção, (CORRÊA, 2003).

Lefebvre (2000, p.7) vinca muito bem a sua percepção sobre o espaço e aponta que

o espaço é mais do que isso, ele se vende, se compra; ele tem valor de troca e valor de uso […] o espaço não é vazio, é produto por interação ou retroação, o espaço intervém na própria produção; organização do trabalho produtivo, […] o espaço é produtivo e produtor, ele se dialetiza, suporta as relações econômicas e sociais é o locus da reprodução das relações sociais de produção, isto é, da produção da sociedade.

Portanto, a partir destas considerações, fica claro que a concepção do

espaço tem se modificado concomitante à modificação da sociedade e também dos

paradigmas do conhecimento geográfico. No âmbito da geografia crítica (iniciada

nas décadas de 1960 e 1970), cabe salientar o papel que o espaço tem, não só

como fonte de obtenção de recursos, mas e, sobretudo, como o locus da reprodução

das relações sociais, ou seja, da produção da sociedade.

3.2- Desvelando os impactos sócio-espaciais e político-econômicos dos

megaprojetos de mineração em Moatize

A exploração dos recursos naturais (minerais, água, solo) conheceu um inusitado aumento nas últimas décadas do século XX e nas primeiras décadas deste século. Esse crescimento justifica-se, por um lado, pelo aumento dos níveis de consumo desses recursos em muitas economias emergentes como por exemplo, o

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Brasil, China, Índia, entre outros países, e por outro lado, pela necessidade de acumulação enquanto estratégia de contenção e enfrentamento da crise capitalista. Nos últimos tempos, a mineração é caracterizada pelo predomínio de

grandes consórcios multinacionais detentoras de poder econômico, que dividem o

mundo entre si e operam num sistema interligado, isto é, em redes. Nas regiões

onde esses “gigantes” se instalam, tal como é o caso de Moatize, as multinacionais

organizam e (re) organizam o espaço, eliminam os sujeitos indesajados que

eventualmente podem constituir “barreiras naturais” e, buscam impor uma lógica

produtiva, bem como novas formas de organização sócio-espacial que atendam às

suas necessidades, (SANTOS, 1997).

Em Moatize, a inserção do capital via megaprojetos de mineração implicou

na desestruturação das formas de organização sócio-espacial preexistentes, na

precarização das relações de trabalho, na formação de enclaves econômicos e, foi

marcado, principalmente por conflitos entre as comunidades locais e as

multinacionais. A nova lógica produtiva introduzida nesta região, demandou a

retirada e o reassentamento de 1313 famílias afetadas, processo este, que não só

produziu novas formas de organização sócio-espacial, mas também afetou

significativamente a dimensão simbólica e cultural dessas famílias.

Do ponto de vista simbólico e cultural, a retirada e o reassentamento

compulsório das famílias diretamente afetadas forçou os sujeitos a distanciarem-se

dos seus lugares de sacralização das relações espirituais, o que gerou um enorme

descontentamente no seio destes.

Calaça (2013, p. 26), demostra muito bem os impactos da inserção do

capital e explica que a “ “territorialização” do capital (grifo do autor) impacta o mundo

dos sujeitos, criando modos de desenraizá-los alterando seus modos de vida,

interferindo nos valores políticos, sociais, econômicos e culturais, nos símbolos e

nas representações”.

A chegada dos megaprojetos em Moatize produziu enormes contigentes

humanos excluídos e residindo nas periferias da vila, em terrenos íngremes,

marginais, com ravinas e sem as mínimas condições de vida. Ou seja, a inserção

dos megaprojetos em Moatize engendrou novas formas de organização sócio-

espacial por meio da refuncionalização ou readaptação dos espaços preexistentes,

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impondo assim, uma nova racionalidade, por meio de ordenamento territorial, que

permita o exercício “seguro” de suas atividades produtivas.

Santos (1997) fundamenta essa idéia destacando que, o processo de

incorporação das formas técnico-científicas demanda a (re) organização espacial

com vista a abrigar frações de capital que exigem uma rentabilidade maior. Por essa

necessidade, “as multinacionais organizam a sua produção em função do seu

próprio jogo de interesses, criando ali, ampliando ali, ou mesmo suprimindo suas

atividades nas áreas consideradas menos interessantes” (SANTOS, 1997, p.44).

Harvey (2012) finaliza afirmando que, a racionalidade imposta pelas

empresas define os limites das ações quanto ao uso e funções do espaço, de modo

que o funcionamento assegure a reprodução do capital.

Como se pode compreender, a inserção do capital além dos seus efeitos

sobre a organização sócio-espacial vigente, o mesmo impacta fortemente a estrutura

social local na busca por uma maior rentabilidade. Ao proceder dessa forma, não só

transforma o espaço, como também produz o espaço a partir do espaço

preexistente, que em muitas vezes é um espaço totalmente excludente.

Em Moatize, a idéia difundida sobre os megaprojetos era de que estes

“redimiriam” a população da condição de pobreza. Na prática tal não aconteceu,

posto que os avultados investimentos realizados neste Distrito visam possibilitar a

expansão do capitalismo, em busca de novas regiões produtoras de matéria-prima,

da força de trabalho mais barata, dos incentivos fiscais, da legislação trabalhista e

ambiental precária, o que em parte encontraram em Moçambique.

Portanto, estes investimentos são estratégias de superação da crise, tal

como referenciado por Marx (1989) citado por Alves, Nascimento e Silva (2003).

Insistimos que, os megaprojetos não vão e, nem poderão gerar o desenvolvimento

em Moatize, uma vez que não garantem a integração social, pensada a partir da

liberdade de participação, acesso à cultura, a alimentação, infraestruturas de

serviços públicos, vestuário. Souza (2003, p.106) é enfático nesse aspecto e,

considera a “autonomia a base para o desenvolvimento, [portanto], encara o

desenvolvimento como o processo de auto-instituição da sociedade rumo à mais

liberdade e menos desigualdades”.

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A partir desta premissa, percebe-se que os requisitos básicos para o

desenvolvimento não existem em Moatize e/ou são escamoteados pelos

megaprojetos. Há evidências de que os reassentamentos dividiram membros da

mesma família ou da mesma comunidade para áreas distintas, aquilo que Ramos

(2009) designou de tática de dividir para reinar. Ademais, a partir do relato das

famílias diretamente afetadas, é possível apurar que os megaprojetos e o governo

reassentaram as famílias em regiões potencialmente impróprias para à prática da

agricultura, base de subsistência da grande maioria da população moçambicana.

Portanto, este movimento (retirada e reassentamento) produziu

concomitantemente novas formas de organização e/ou de (re) organização sócio-

espacial e político-econômica nos dois lugares, embora em ritmos e dinâmicas

diferentes. Tal processo foi acompanhado pelo movimento de desterritorialização e

reterritorialização das famílias diretamente afetadas, processo este que Heasbaert

(2003, p. 179) considera a “marca essencial da modernidade em seu conjunto, na

qual as relações sociais são deslocadas dos contextos territoriais de interação e se

reestruturam por meio de extensões indefinidas”.

No plano político-econômico e social, o início da mineração do carvão em

Moatize, engendrou não só novas formas de organização social, a partir do

surgimento de novos bairros (Matundo e Mateus Sansão Muthemba) sem as

mínimas condições de habitação, mas também aumentou a demanda interna,

principalmente, em relação aos produtos da primeira necessidade.

Mosca e Selemane (2011) explicam que a chegada dos megaprojetos de

mineração incrementou a oferta de serviços de empresas nacionais ou estrangeiras,

o fornecimento de energia, o transporte de longa distância, bem como o negócio de

aluguel de casas e do número de pessoas que trabalham no setor informal.

Concomitante a estas modificações cujos impactos afetam a estrutura sócio-

espacial, a inserção do capital mineiro multinacional gerou maior pressão sobre o

setor público local e para as instituições do Estado, que se viram na necessidade de

se (re) reorganizarem com vistas à atender a nova lógica produtiva imposta pelos

megaprojetos.

Assim, a reelaboração do plano diretor da cidade de Tete, bem como da

estratégia e da política nacional de descentralização, são exemplos dos (re) arranjos

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em nível institucional para acomodar as necessidades destes megapreendimentos.

Portanto, é isto que alguns autores consideram como processo de

institucionalização, isto é, a criação de territórios ou o rearranjo de velhos limites,

com finalidade de normatizar o uso e a circulação espacial por meio da

institucionalização ou normatização dos territórios.

Esse processo é próprio da incorporação das formas técnico-científicas que,

pela sua natureza, demandam a (re) organização espacial com vistas a abrigar

frações de capital que exigem uma rentabilidade maior e, por conseguinte, a

reestruturação da própria administração pública, que tem de se reorientar com vista

a atender as demandas pelo consumo e por infraestruturas que sirvam de apoio ao

capital mineiro multinacional (SANTOS, 1997).

Assim, a implantação dos megaprojetos de mineração da Vale Moçambique,

Rio Tinto e da Jindal Steel and Power em Moatize, configurou novas espacialidades

e intensificou os mecanismos de segregação sócio-espacial, ao mesmo tempo em

que, aumentou as pressões da sociedade civil moçambicana sobre o Estado. A

sociedade civil entende que o Estado deve procurar soluções, deve ensejar novas

lutas, de modo que o crescimento do setor da mineração no país, sobretudo em

Moatize, não seja apenas o vetor multiplicador das desigualdades sócio-espaciais.

Ou seja, o Estado moçambicano deve intervir o quanto antes no sentido de

garantir que o boom da mineração contribua para a melhoria das condições de

trabalho e de suas relações, de habitação e uma cada vez maior participação da

população na vida econômica e social do país.

4- Algumas considerações

Em Moçambique, vários pesquisadores (Castel- Bransco (2008), Selemane

(2009), Ramos (2009), Mosca e Selemane (2011), Matos e Medeiros (2014), entre

outros), têm se dedicado ao estudo dos megaprojetos de mineração nas suas mais

diversas dimensões. Com a exceção de Matos e Medeiros (2014), o resto destes

autores, buscam compreender como a exploração dos recursos minerais poderá

contribuir para o alívio à pobreza e, no limite, promoverá o desenvolvimento

econômico e social do país.

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A partir da análise feita neste artigo, foi possível perceber que os impactos

sócio-espaciais e político-econômicos em curso no Distrito de Moatize, embora não

sejam exclusivos dos megaprojetos de mineração instalados naquela região, é

correto afirmar que tais impactos resultam, em boa parte, da concretude desses

megaprojetos e, por isso estão a eles imbricados. Pois, a inserção desses

empreendimentos, engendrou novas formas de organização e/ou (re) organização

sócio-espacial e político-econômico com o fito de atenteder às demandas produtivas

dos megaprojetos. Concomitante, gerou maior pressão sobre a terra, bem como

uma enorme demanda em busca de novos espaços para diversas atividades.

Por um lado, o início destas atividades pressionou as instituições do Estado

(distrital, municipal e provincial), posto que tiveram que se (re) organizar em função

das demandas dos megaprojetos, e por outro lado, intensificou os questionamentos

da socidade civil com relação ao papel do Estado no provimento dos serviços

báscios e na garantia dos interesses nacionais e da população local.

A despeito dessa realidade, cabe salientar que os megaprojetos de mineração

produziram à medida que geraram um “amontoado” de excluídos (Heasbaert, 2010),

uma pequena burguesia nacional constituída por empresários nacionais, ou por

indivíduos ligados ao poder político nacional que foi a que mais se beneficiou e/ou

se beneficia desses megaprojetos. Portanto, é essa a contradição do capitalismo

que ao socializar o trabalho e privatizar os meios de trabalho, produz concomitante

uma pequena elite completamente abastada, e um amontoado de excluídos

socialmente, que à custa do seu sangue, suor e dignidade, garantem a reprodução

do capital e a expatriação dos superlucros. É isto que alguns autores consideram a

essência invariável do capitalismo.

5- Referências

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Page 12: IMPACTOS SÓCIO-ESPACIAIS E POLÍTICO-ECONÔMICOS DOS GRANDES ... · 1- Doutorando em Geografia no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em ... riqueza gerada pelas grandes corporações

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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