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IMPLANTAÇÃO DE ATIVIDADES DE LEITURA NA EJA
Maria Cândida Gramkow
“A leitura é a extensão da escola na vida das pessoas. A maioria do que se
deve aprender na vida terá de ser conseguido através da leitura fora da escola.
A leitura é uma herança maior do que qualquer diploma”.
(Caligari, L.C. Alfabetização e lingüística. São Paulo: Scipione, 1997)
2
IMPLANTAÇÃO DE ATIVIDADES DE LEITURA NA EJA
Maria Cândida Gramkow
RESUMO
Este trabalho de pesquisa tem como objetivo incentivar os professores de
língua estrangeira (LE) a adotar uma prática pedagógica que ultrapasse a excessiva
preocupação com estruturas gramaticais em busca de uma mudança de mentalidade.
(Lewis, Michael,1996)
Para tanto, apresenta um perfil mais real da atual clientela da EJA e, com
base nisso, desenvolve uma proposta de intervenção através da implantação de atividades
de leitura na EJA. (Lopes, Moita, 2000 & Leffa, Vilson J.,1996)
A fábula foi o gênero textual escolhido para o mencionado trabalho e
material didático para as atividades foi um OAC que apresenta o embasamento teórico para
a escolha do texto escrito.
O resultado da intervenção é relatado no último segmento do trabalho.
Palavras chaves: Mentalidade – Texto escrito – Atividades de leitura
3
IMPLEMENTING OF READING ACTIVITIES IN EJA
Maria Cândida Gramkow
ABSTRACT
This paper means to foster teachers to adopt a pedagogic practice that
reaches beyond the extreme worry about grammar structures, aiming a change of
mindset.(Lewis,Michael,1996)
It introduces a more real and updated profile of the students of EJA and,
based on it, develops a proposal of intervention through the implementing of reading
activities in EJA. (Lopes,Moita.2000 & Leffa, Vilson J.,1996)
The fable was the textual genre chosen for the initial intervention and the
didactic material was an OAC which, introduces the theoretical basis for the choice of the
written text.
The outcome of the intervention was reported in the last part of the paper.
Key words: Mindset – Written text – Reading activities
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IMPLANTAÇÃO DE ATIVIDADES DE LEITURA NA EJA
Maria Cândida Gramkow
INTRODUÇÃO
Pesquisadores brasileiros (Moita Lopes, Leffa, Coracini dentre outros) têm
realizado pesquisas para melhor compreender a realidade da sala de aula com o propósito
de trazer soluções para os problemas relacionados ao ensino-aprendizagem, não somente
da língua materna, mas também da língua estrangeira.
Um dos fatores que influenciam o que acontece em sala de aula é o
construto de idéias, conhecimento e atitudes que representa a mentalidade do professor.
Tal conjunto é, por um lado, parcialmente explícito, ou seja, ele se evidencia sob a forma de
informações transmitidas ao professor, aprendizado formal, e por outro, em sua maior parte
é implícito, ou seja, provém da própria imagem que o professor tem a seu respeito, seu
sistema de valores e até mesmo seus preconceitos.
Mudar de mentalidade é muito mais do que acrescentar uma nova técnica
ao acervo de muitas que o professor possui. É mais do que assumir uma visão diferente no
que se refere a uma determinada atividade de sala de aula, haja vista que a mentalidade diz
respeito à totalidade de idéias e valores do professor, de tal modo que qualquer mudança
não só é difícil, mas também desconfortável. Sendo assim, a proposta do projeto em
questão, ainda que singela, não poderia ter sido aceita sem questionamentos pela maioria
dos professores, porque incentivava uma mudança de mentalidade, uma vez que tal
proposta pretende enfatizar o texto em sala de aula: “... o texto escrito, visual, oral e
hipertexto para questionar e desafiar as atitudes, os valores e as crenças a eles
subjacentes.” (DCE,2006,p.34)
1. O questionamento
Há, pelo menos, duas razões para o questionamento da proposta, visto que
ela pretende incentivar aos professores de LE a adotar uma prática pedagógica que está na
interface daquilo que o professor afirma que se faz e, o que, de fato, ele faz em sala de
aula.
Num levantamento feito junto aos professores da Rede Pública Estadual
sobre aspectos relativos ao ensino da Língua Estrangeira, a maioria afirmava que, no que
se refere a suas práticas e objetivos atribuídos à disciplina, a abordagem comunicativa tem
5
sido adotada, ainda que de maneira limitada e, conseqüentemente, com resultados
limitados.
Ainda que seja isso que se afirme, a prática pedagógica a qual, de fato,
ocorre em sala de aula é a da Gramática Normativa, de caráter prescritivo; ou seja, o
trabalho é desenvolvido segundo regras a serem seguidas.
No entanto, ao centrar suas considerações na comunicação oral ou na
gramática descontextualizada, sem significado algum, negligencia-se “aspectos importantes
constitutivos de uma língua: as diferentes vozes que permeiam as relações sociais e as
relações de poder que as entremeiam.” (DCE,2006,p.27)
Sendo assim, a proposta do projeto em questão ultrapassa a excessiva
preocupação com estruturas gramaticais como com a expressão oral e de modo a incentivar
o professor a assumir seu papel de levar adiante uma educação que acredita dimensionar,
respeitados os fatores burocráticos, a qualidade da experiência do aprendiz e sua faixa
etária. Isso tudo exige uma mudança de mentalidade.
2. A clientela da EJA
Essa mudança de mentalidade também implica em uma nova leitura a
respeito da clientela da EJA. O paradigma da EJA de inspiração freireana pretende a
atender as necessidades dos alunos adultos sem escolarização, trabalhadores que, mesmo
morando nas grandes cidades, mantinham grandes vínculos com uma cultura rural. Esse
modelo serviu de referência para os educadores interessados em qualificar tal ensino e
aproximá-lo das necessidades educativas de seu alunado.
O que ocorre, entretanto, é que a clientela da EJA tornou-se
crescentemente mais jovem e urbana, em função das dinâmicas escolares brasileiras e
das pressões oriundas do mundo do trabalho. Isso implica na construção de uma nova
identidade pedagógica e de sua adequação às características específicas da população a
que se destina: uma clientela cada vez mais jovem.
A entrada precoce dos jovens das camadas mais pobres no mercado de
trabalho provoca a sua transferência para os programas de educação, originalmente,
destinados à população adulta e aí chegam com mais expectativas que, os adultos mais
velhos, de prolongar a escolaridade pelo menos até o ensino médio para se inserir ou
ganhar mobilidade no mercado de trabalho.
6
Assinalo ainda que superar a concepção compensatória de educação
de pessoas adultas não implica, porém, negar que há desigualdades educativas a serem
enfrentadas.
Nesse contexto, a EJA constitui-se em oportunidade de educação para
um largo segmento da população com três trajetos escolares básicos: aqueles que
iniciam a escolaridade já na condição de adultos trabalhadores; para adultos e adultos
jovens que ingressaram na escola regular e a abandonaram há algum tempo,
freqüentemente motivados pelo ingresso no trabalho ou em razão de movimentos
migratórios e, finalmente, para adolescentes que ingressaram e cursaram recentemente a
escola regular, mas acumularam aí grande defasagem entre a idade e a série cursada.
Nesse sentido, a EJA converte-se em mecanismo de “aceleração de estudos” para
adultos e jovens com baixo desempenho na escola regular.
A tendência histórica à ampliação e alongamento da educação básica
vem produzindo o que os sociólogos da educação denominam “efeito desnivelador”: cada
vez que se amplia a escolaridade mínima obrigatória, um novo contingente de jovens e
adultos fica com uma escolaridade inferior àquela a que todo cidadão tem direito (Flecha
Garcia,1996). Assegurar essa escolaridade mínima comum é responsabilidade da qual o
poder público não pode se esquivar, ainda que possa contar com a colaboração da
sociedade civil organizada para efetivá-la.
A LE na EJA potencializa várias oportunidades a sua clientela. Desde a
possível ascensão social, opções de lazer, de interesse pela leitura e escrita, além de ser
um espaço que contribui para o desenvolvimento da percepção da escola como um local
que auxilia o aluno na construção de sua identidade.
Na aprendizagem de uma LE, há algumas características que são
associadas ao sucesso, a saber: motivação, personalidade, estratégias de aprendizagem,
estilo de aprendizagem entre outras, além dessas características que serão retomadas
mais tarde. Neste momento, o presente trabalho de pesquisa pretende salientar um tipo
de característica que causa bastante controvérsia: a idade.
A hipótese do período crítico, na aprendizagem de uma LE por adultos,
alega existir um período no desenvolvimento humano quando o cérebro está predisposto
ao sucesso na aprendizagem de línguas. Tal período crítico ocorre em torno da
puberdade, sendo que depois dos 12 ou treze anos, as pessoas parecem se tornar
relativamente incapazes de adquirir um “accent” como o de um falante nativo. Mark
Patkowski (1980) estudou a questão e concluiu que de fato a idade é um dado limitador,
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não só na questão do “accent”, mas também quanto ao reconhecimento de sentenças
gramaticalmente corretas ou incorretas.
Para melhor entendimento de tais questões, considerações de ordem
neurológica, psicomotora, cognitiva, afetiva e lingüistas podem, certamente, auxiliar no
entendimento de fatores que nelas são implícitos.
2.1 Considerações Neurológicas
O estudo da função do cérebro na aprendizagem da LE é deveras
intrigante, uma vez que a lateralidade do cérebro é vista por alguns estudiosos, como a
resposta para questionamentos sobre a relação entre a aprendizagem de uma LE e o
desenvolvimento neurológico. Há evidências na pesquisa neurológica que, à medida que
o cérebro amadurece, certas funções são designadas – ou “lateralizadas” – para o
hemisfério esquerdo do cérebro e outras para o hemisfério direito. Funções intelectuais,
lógicas e analíticas parecem estar mais localizadas no hemisfério esquerdo; enquanto, o
direito controla funções relacionadas às necessidades emocionais e sociais. As funções
da linguagem parecem ser controladas principalmente no hemisfério esquerdo.
Há, ainda, uma questão crucial para os pesquisadores de LE: quando
a lateralidade acontece e como afeta a aprendizagem da língua. Não há consenso entre
os pesquisadores sobre a idade limite em que tal lateralidade ocorre. Mas, há referências
concordantes quanto ao conceito rigidez/plasticidade do cérebro. Sugerem que a
plasticidade cerebral, anterior à puberdade, capacita as crianças a adquirir não somente a
primeira língua, mas também a estrangeira. Passado o chamado período crítico, a rigidez
cerebral dificultaria a aprendizagem da LE, pelo menos, no aspecto de uma pronúncia
sem “accent”.
2.2 Considerações Psicomotoras
Uma questão relacionada às considerações neurológicas é o papel da
coordenação psicomotora dos “músculos da fala” na aprendizagem de uma LE. A
existência de centenas de músculos que são usados na articulação da fala humana
(garganta, laringe, boca, lábios, língua e outros músculos) exige um enorme controle
muscular para que se possa obter a fluência de um falante nativo de qualquer língua.
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Pesquisas sobre a aprendizagem de um autêntico controle da
fonologia de uma língua estrangeira reforçam a noção da existência de um período
crítico. A evidência indica que pessoas além da puberdade, geralmente, não adquirem
pronúncia autêntica na LE.
É importante ressaltar, no entanto, que a pronúncia não é o único
critério a ser considerado na aprendizagem da LE e, nem o mais importante.
2.3 Considerações Cognitivas
A cognição humana se desenvolve rapidamente nos primeiros 16 anos
de vida e mais lentamente na fase adulta. Algumas dessas mudanças são críticas, outras
são mais graduais e difíceis de serem detectadas. Segundo Piaget, o estágio mais crítico
para aquisição da primeira língua e da LE ocorre na puberdade. É quando a pessoa
torna-se capaz de abstrações e de pensamento formal, de modo a ser capaz de
transcender a experiência concreta e percepções diretas. Cognitivamente, portanto, há
um forte argumento a favor do período crítico na aprendizagem de uma língua ao se
associar aprendizagem de língua e a transição do estágio concreto para o formal. No
entanto, por alguma razão, adultos, com raras exceções, possuidores de capacidade
cognitiva superior, freqüentemente não aprendem uma LE com sucesso.
Outro aspecto importante é a relação da idade e as estratégias
aplicadas para aprender. Ausubel faz distinção entre aprendizagem de memorização (rote
learning) e aprendizagem significativa. Os adultos desenvolvem, de fato, maior
concentração e, portanto, eles têm maior habilidade para rote learning: mas tal
aprendizado é normalmente usado somente para a memória de curto prazo ou para
algum propósito artificial. Por inferência, deduz-se que a sala de aula da LE não deve se
transformar num local de excessiva rote learning – rote drills (exercícios intensivos e
constantes para criação de hábitos), padrões lingüísticos praticados sem contexto,
memorização de regras, e outras atividades que não estão no contexto de uma
comunicação significativa.
2.4 Considerações Afetivas
9
Os seres humanos são criaturas emotivas. É compreensível, portanto,
olhar-se para o campo afetivo para se encontrar algumas das mais significativas
respostas para os problemas da aprendizagem de uma LE.
O campo afetivo inclui muitos fatores: empatia, auto-estima,
extroversão, inibição, imitação, ansiedade, atitudes – a taxionomia varia de pesquisador
para pesquisador. Nesta pesquisa serão mencionados os fatores que são mais visíveis
em sala de aula da EJA.
Alexander Guiora, pesquisador das variáveis da personalidade, propôs
o que ele chamou de ego lingüístico. À medida que o indivíduo aprende um LE,
desenvolve paralelamente uma segunda identidade, afetando seu modo de pensar, agir e
sentir. Esse novo “ego”, intimamente ligado à LE, tende a criar um senso de fragilidade,
de defesa, - a origem de inibições que afetam a sua aprendizagem.
Outro fator que tem sido alvo de pesquisas é o papel da atitude na
aprendizagem da LE. Atitudes negativas em relação às raças, culturas, grupo étnicos,
classes de pessoas e línguas podem interferir na aprendizagem da LE.
O sucesso do desenvolvimento lingüístico na criança parece não ser
afetado por qualquer fator afetivo como: personalidade, socialização, motivação, atitude,
etc. Isso está em conformidade com a visão de que tal processo é controlado pelo
desenvolvimento de uma faculdade inata de domínio específico (Chomsky) e contrasta,
fortemente, com a aquisição de habilidade geral do adulto, que é altamente susceptível a
“fatores afetivos”.
Há um consenso universal entre os pesquisadores da aquisição de L2,
bem como entre professores e alunos, que tais fatores são essenciais para a
aprendizagem de uma língua estrangeira. Desde o início dos anos 70, começando com o
trabalho de Gardner e Lambert (1972), numerosos estudos empíricos mostram
correlações significantes entre fatores afetivos e proficiência. A situação, com certeza, é
bem mais complicada: o emocional em si é complexo e difícil de medir. Grupos diferentes
e situações diferentes mostram diferentes tipos de correlações, para as quais não há
muitas explicações disponíveis. É evidente que, ainda assim, o papel do emocional é
indiscutível no aprendizado da língua estrangeira.
A LE que é objeto de estudo na EJA é o inglês: língua do comércio e
das trocas, língua da diplomacia e das grandes instituições internacionais, língua de
Hollywood e da internet, o inglês não pára de estender sua supremacia sobre o mundo.
(Delphine Papin citada, RAJAGOPALAN,2005,p116)
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O alunado da EJA apresenta duas atitudes em relação ao inglês:
rejeição e aceitação. Ambas influenciam na aprendizagem da língua.
A rejeição ao inglês e a tudo o que ele representa ocorre em resposta
à forma arrogante e unilateral pela qual o mundo anglófono conduz sua política externa
(como no caso da guerra contra o Iraque, para citar apenas um exemplo recente). Em
países da América Latina, a desconfiança em relação à língua inglesa se confunde com
as dúvidas a respeito das pretensões do Grande Irmão do hemisfério norte, pautadas na
longa história de intromissões nos assuntos internos desses países. Além disso, os
alunos que rejeitam o inglês alegam que o estudo de uma LE só serve para atrasar ainda
mais a conclusão dos seus estudos.
A aceitação do inglês ocorre, principalmente, entre os alunos mais
jovens da EJA, visto que o inglês continua a ser a língua materna da maioria dos artistas
sejam eles cinematográficos ou do mundo musical.
2.5 Considerações Lingüísticas
Os processos que os adultos usam para a aprendizagem da LE são
difíceis de detectar. As pesquisas, no entanto, revelam que os adultos se aproximam da
LE sistematicamente e tentam formular regras lingüísticas baseando-se em qualquer
informação lingüística que estiver ao seu alcance – informações que advém tanto da
língua materna quanto da LE. A interferência da língua materna na aprendizagem da LE
é, de fato, um fator significativo, o qual pode igualmente facilitar como dificultar a
produção e a compreensão da língua alvo. Quando facilita, é denominado de
transferência. Quando dificulta, é chamado de interferência. Tal interferência será
freqüentemente o foco do feedback do professor na sala de aula. Os “erros” dos alunos
são como pontas de icebergs, sinalizando um sistema subjacente em funcionamento.
Eles são, de fato, janelas para uma percepção da quantidade e qualidade de
conhecimento da LE pelo aluno, e que fornecem ao professor as evidências do processo
internalizado e em desenvolvimento, além dos insights acerca dos meios necessários
para entendê-los e saná-los, se for este o caso.
3. Aquisição e Aprendizagem
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As considerações gerais que foram feitas sobre a aprendizagem da LE,
pelos adultos, parecem antever o fracasso, uma vez que eles são desprovidos de um
sistema de aprendizagem específico de línguas, além de adotarem a estratégia de
recorrer a sistemas de aprendizagem usados para adquirir qualquer habilidade para a
aprendizagem da LE, que não o sistema específico de aprendizagem de línguas. Essa
seria a conclusão se não fosse o fato de que os adultos possuem outros conhecimentos e
faculdades que os ajudam na aprendizagem da LE, a saber: o conhecimento de uma
língua (a língua materna) e de um sistema geral abstrato de solução de problemas.
A diferença, entre a capacidade de desenvolvimento lingüístico de uma
criança e o aprendizado da língua estrangeira pelo adulto, pode ser mais bem percebida
no quadro abaixo:
Para que o entendimento de tal diferença fique mais claro, faz-se
necessário alguns esclarecimentos sobre o que é Gramática Universal.
Em 1959, Noam Chomsky, famoso lingüista americano, sustentava,
contrariando a Skinner, que “as crianças nascem com uma predisposição natural
biologicamente condicionada para a aquisição da linguagem e que a simples
exposição a uma língua é suficiente para desencadear o seu processo de
aquisição”.
Esta visão da linguagem deu origem a teoria lingüística chamada
Gramática Gerativa, desenvolvida por Chomsky e seus seguidores desde 1957 e
cujo objeto de estudo é a Gramática Universal (GU), ou seja, “os aspectos sintáticos
que são comuns a todas as línguas do mundo”. Para os seguidores desta teoria,
portanto, a criança nasce com uma predisposição natural para a aprendizagem da
sua língua materna. Esta predisposição natural é exatamente o que chamam de
Gramática Universal, um conjunto de princípios e parâmetros que permitem a uma
Desenvolvimento lingüístico da criança Aprendizado da língua estrangeira do adulto
A. Gramática Universal A. Conhecimento da língua materna
B. Procedimentos de aprendizagem de domínio específico
B. Sistema geral de solução de problemas
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criança normal o desenvolvimento da linguagem durante os primeiros anos de vida,
a partir da exposição à sua língua materna. Na visão dos pesquisadores desta linha,
os princípios são responsáveis pelos aspectos comuns a todas as línguas humanas
e os parâmetros explicam a variação entre as línguas.
Há duas maneiras pelas quais o conhecimento da língua materna pode
proporcionar informação sobre a Gramática Universal. Em primeiro lugar, o sistema geral
de solução de problemas do aluno pode observar diretamente a própria língua materna,
não havendo necessidade de análises profundas, basta levar em consideração o caráter
geral da língua e fatos específicos sobre suas sentenças individuais. Em segundo lugar, o
sistema cognitivo geral pode ser capaz de acessar a representação interna da “gramática”
de uma determinada língua materna, embora, é claro, inconscientemente.
O conceito de conhecimento de uma língua ultrapassa um simples
conjunto de sentenças bem formadas. Na realidade, inclui o alcance total de intuições
sutis que o falante nativo possui. Muito da informação sobre o caráter geral da língua –
sobre os universais da língua – está implícito numa única língua, justamente porque
“universais” pretendem ter o caráter de “universais”. É preciso insistir no fato de que Isso
fica mais evidente nos amplos aspectos estruturais da língua (sintaxe, semântica, léxico,
morfologia, fonologia, etc.) O aluno terá motivo para antever que a língua a ser aprendida
não é algo completamente diferente da língua estrangeira. O aluno espera que a língua
estrangeira tenha uma sintaxe, um léxico que reconhece “partes do discurso”, uma
morfologia que fornece meios de modificar as formas das palavras, uma fonologia que
fornece um conjunto de fonemas e assim por diante. Universais deste tipo estão
disponíveis para o aluno de língua estrangeira, simplesmente, ao observar as mais óbvias
características da língua materna.
Assim, mesmo supondo que o esquema original da Gramática
Universal não esteja mais à disposição, o aluno adulto de língua estrangeira pode, num
certo sentido, reconstruir muito dessa Gramática, observando a língua materna.
Até certo ponto, o aluno adulto de língua estrangeira pode, inclusive,
saber mais do que a criança equipada com a Gramática Universal. O adulto saberá que,
provavelmente, haverá palavras para sol, lua, mãe, pai, para as partes do corpo, cores,
direção; saberá que, provavelmente, haverá estilos, registros, bem como dialetos
regionais e sociais.
O aluno adulto de língua estrangeira constrói, por esta razão, um tipo
de Gramática Universal substituta, com base no conhecimento da língua materna. A
13
língua materna deve ser peneirada: aquilo que, provavelmente, é universal deve ser
separado daquilo que é uma propriedade específica da língua materna. Os alunos
abordam esta tarefa de maneiras diferentes. Dessa maneira, não se pode esperar que
todos selecionem a mesma substituição e, muito menos, que todos tenham sucesso.
Pelo exposto, é preciso que o aluno adulto da EJA receba o input que
observe o perfil e as considerações acima descritas para que o mesmo atinja, ainda que
com relativo sucesso, a aprendizagem da LE.
4. Uma proposta singela
A proposta de intervenção é considerada singela porque, num primeiro
momento, optou-se pela linguagem escrita, destacando-se a leitura através da implantação
de atividades de leitura na EJA e, porque a atividade de leitura em si é familiar, o que,
portanto, não propõe algo que esteja além da capacidade das pessoas ou que lhes exija um
esforço sobre humano.
Acredita-se que devido ao perfil do aluno da EJA, a insistência em atingir
fins comunicativos não só cria frustrações no aluno adulto, bem como “restringe as
possibilidades de uma aprendizagem como experiência de identidade social e cultural, ao
postular os significados como externos aos sujeitos.” (DCE,2006,p.29)
Repetir a máxima de que eles não aprendem nem português é
acomodar-se no senso comum. Além disso, a clientela da EJA não vive numa ilha, faz parte
do mundo globalizado, onde a língua inglesa é considerada como lingua franca. Embora o
foco desse trabalho não seja discorrer sobre a geopolítica do inglês, é preciso ter em mente
que, especialmente, depois do fim da Segunda Grande Guerra a influência política e cultural
dos Estados Unidos se propagou.
Retomando a questão da opção feita para a intervenção na escola,
acredita-se que a leitura de textos escritos facilita a integração professor e aluno,
principalmente o da EJA, na sala de aula, pois a insistência em atingir fins comunicativos
cria frustração no aluno adulto da EJA.
A negociação patente na interação professor e aluno é que vai levar a
uma construção social do conhecimento, que é conjuntamente construído em sala de aula
por intermédio de um processo que envolve controle, negociação, compreensão e falhas na
compreensão entre aluno e professor até que passa a fazer parte do conhecimento
compartilhado na sala de aula (cf. Edwards & Mercer, 1987:1).
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Na tentativa de analisar o desenvolvimento de conhecimento comum em
sala de aula, Edwards & Mercer (1987) fazem uma distinção entre dois tipos de
conhecimento educacional: conhecimento ritualístico ou processual e conhecimento
baseado em princípios, aqui chamado de conhecimento de princípio.
O conhecimento ritualístico ou processual é relativo ao desenvolvimento
de uma tarefa não prática, isto é, o tipo de conhecimento que possibilita que um aluno seja
capaz de resolver uma tarefa proposta na metodologia de ensino, como, por exemplo,
solucionar um problema de palavras cruzadas, mas que não seja capaz de usar o
conhecimento lexical envolvido para resolver este problema na compreensão de um texto.
Em outras palavras, o aluno domina a estratégia de solucionar palavras cruzadas, que pode
envolver até adivinhação, mas não sabe o que fazer com este conhecimento na atividade
de leitura. É um tipo de conhecimento caracterizado pela procura da resposta certa para
agradar ao professor, ou seja, que se encaixa perfeitamente na estruturação discursiva de
Iniciação-Resposta-Avaliação.
O outro tipo de conhecimento, a saber, o de princípio, está relacionado à
compreensão subjacente ao conhecimento ritualístico, ou seja, é orientado para a
compreensão de como o conhecimento processual funciona na aprendizagem em vez de
ser visto simplesmente como um tipo de conhecimento arbitrário, o qual fornece a resposta
certa ao professor. Por exemplo, ter consciência e metaconsciência de que a ativação do
esquema formal, isto é, a organização retórica de um texto, por parte do professor, tem uma
função determinada em sua compreensão. Assim, no desenvolvimento do conhecimento em
sala de aula, o aluno pode ter sucesso ao dar a resposta certa, ou seja, ao adquirir
conhecimento ritualístico, mas fracassar ao se deparar com uma competência baseada em
princípios, a qual possibilita a utilização desse conhecimento em outros contextos. E é tal
tipo de competência que, em última análise, o professor tem como objetivo último, posto
que liberará o aluno da necessidade de andaimes (o que Bruner chama de scaffolding) e
possibilitará a passagem da competência ao aluno por parte do professor ou a autonomia
do aprendiz. Em geral, há uma grande lacuna entre o que o aluno já sabe e o novo
conhecimento que se espera que ele atinja. Um bom ensino objetiva ajudar o aluno a cobrir
tal lacuna. Uma das maneiras pela qual o professor pode ajudar o aluno, é dar ao aluno um
apoio cuidadosamente idealizado para o processo de aprendizagem. Esse processo é
descrito como, andaimes/scaffolding. O professor apóia os esforços do aluno, conduzindo-o
na direção certa, até que o conhecimento e a compreensão, que o aluno construiu, sejam
sólidos o suficiente para que os andaimes sejam retirados.
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O aprendizado através de andaimes envolverá o professor em:
▪ idealizar atividades que quebrem a tarefa a ser aprendida em estágios
gerenciáveis;
▪ idealizar atividades que são desenvolvidas apoiando-se em atividades,
previamente realizadas, até que finalmente o aluno consiga cobrir a lacuna entre o
conhecimento existente e o novo;
▪ ajudar o aluno a perceber como o conhecimento que ele já tem é útil para entender
o novo conhecimento;
▪ decidir quando o aluno está pronto para seguir para o próximo estágio.
Por tudo isso, em um primeiro momento, o modelo de leitura a ser
esboçado nesta intervenção apóia-se num modelo interacional de leitura na linha da
teoria de esquemas (LEFFA 1996) e na interação do professor e do aluno (MOITA
LOPES 2000), mediada pelo texto, na leitura dos mais variados gêneros textuais.
Assim sendo, a aula de LE se torna um espaço de
“acesso a diversos discursos que circulam globalmente, para construir outros
discursos alternativos que possam colaborar na luta política contra a hegemonia,
pela diversidade, pela multiplicidade da experiência humana e, ao mesmo tempo,
colaborar na inclusão de grande parte dos brasileiros que estão excluídos de (...)
[conhecimentos necessários] para a vida contemporânea, estando entre eles os
conhecimentos [em língua estrangeira]” (MOITA LOPES,2003,P.43) DCE,2006,P.33
Na perspectiva cognitiva de leitura, a noção de esquemas se refere a
verdadeiros pacotes de conhecimentos, validados e adquiridos socialmente, os quais nos
possibilitam predizer situações novas. Do mesmo modo, os esquemas procuram explicar
como são acionados os conhecimentos armazenados na mente do indivíduo. Esse tipo de
processamento textual é conhecido como processamento descendente ou top-down.
Alternativamente, o processamento textual pode ter como ênfase o
resgate do sentido a partir das menores unidades lingüísticas, conhecido como processo
ascendente ou bottom-up. Em outras palavras, é o processamento pelo qual o leitor parte
dos elementos lingüísticos do texto e procede linearmente em direção ao sentido.
Interessante notar que a visão interacionista da leitura funde o processamento top-down e
o bottom-up.
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É de ser relevado que uma prática pedagógica que leve em conta os
processamentos textuais, o perfil do aluno adulto, as considerações feitas em relação ao
fator idade, a escolha de textos que abordem assuntos relevantes na esfera nacional e
internacional faz com que o aluno adulto se sinta mais confortável nas aulas de LE na
medida que sua autoconfiança seja fortalecida para que ele seja capaz de perceber
“uma visão de mundo mais ampla, para que avalie os paradigmas já existentes e crie
novas maneiras de construir sentidos do e no mundo, considerando as relações que
podem ser estabelecidas entre a LE e a inclusão social; o desenvolvimento da
consciência do papel das línguas na sociedade, o reconhecimento da diversidade
cultural e o processo de construção das entidades transformadoras.”
(DCE,2006,p.32)
O aprendizado de uma LE em que a exposição do aluno à língua alvo é
mínima torna-se mais desafiante e complexo do que aquele em que há exposição fora do
ambiente de sala de aula. Além disso, os alunos da EJA, por conta das dificuldades sócio-
econômicas que enfrentam, são extremamente imediatistas. Especialmente, os alunos do
ensino fundamental, consideram a LE um empecilho a mais para se conseguir a conclusão
em um tempo mais curto possível. Vale ratificar que a escolha do gênero fábula como
sugestão das primeiras atividades de leitura veio como a tentativa de se mudar esta visão.
As fábulas, ora pelas suas características lingüísticas e textuais ora por
seu conteúdo temático, têm sido apreciadas há muito tempo na literatura universal. Mesmo
sem lê-las a maioria das pessoas conhecem a história da Raposa e as uvas, O leão e o rato
entre outras. São curtas narrativas de ficção que ilustram uma moral, ou uma lição. Elas
são meios indiretos de dizer a verdade sobre a vida.
Sendo assim, seu nível de significado vai além da superfície da história.
É bem verdade que o trecho narrativo envolve pessoas e animais à medida que retrata um
acontecimento simples. No entanto, traz implícitos valores e situações de abrangência
mundial e atemporal.
A escolha do gênero fábula apóia-se na teoria da assimilação ou da
recepção significativa, conhecida também como Drive Theory ou Teoria do Impulso
(Ausubel 1980). Ele estudou os processos cognitivos envolvidos na aprendizagem como:
memória, resolução de problemas, assimilação de conceitos, transferências de
aprendizagem e processamento cognitivo da informação.
17
Segundo Gonçalves S. (Teorias da aprendizagem, práticas de ensino:
contributos para a formação de professores), a teoria da recepção significativa, aplicada ao
ensino, privilegia as situações escolares que envolvem transmissão verbal de conteúdos
acadêmicos. A preocupação fundamental deste método está em estudar a aprendizagem
escolar e suas implicações para o desenvolvimento de métodos de ensino eficazes.
De acordo com Gonçalves, os princípios que subjazem esta teoria são:
I) Admite que o principal objetivo da escola é o desenvolvimento intelectual
do aluno proporcionando-lhe conhecimentos significativos e culturalmente relevantes;
II) Atribui a maior importância à qualidade do treino intelectual na escola;
III) Dá ênfase à aquisição do conhecimento e aos processos cognitivos;
IV) Assume que a escola deve dirigir a aprendizagem e preparar instrumentos
educacionais adequados;
V) Defende que as necessidades e interesses não dependem do nível de
desenvolvimento maturacional do aluno, mas das razões extrínsecas, com a
identificação a pessoas significativas e aos valores do meio cultural decorrendo do
percurso particular das experiências de aprendizagem;
VI) Defende que o ensino adequado ao nível cognitivo do aluno favorece a
motivação;
VII) Defende que a motivação para a aprendizagem existe desde que haja um
ensino estimulante, significativo e adequado ao desenvolvimento particular do aluno;
VIII) Pressupõe que a atividade escolar deve ocorrer mais por meio de
transmissão de conhecimento do que por descoberta autônoma, porque a
transmissão ocupa maior parte do tempo do ensino, é mais realista em relação ao
que se pode esperar da maioria dos alunos, é mais compatível com os objetivos
democráticos do ensino (proporcionar a todos as mesmas oportunidades de obter
conhecimento).
Para Ausubel (apud Gonçalves) a aprendizagem por recepção
significativa é a melhor das modalidades para adquirir e armazenar uma grande quantidade
de informações e idéias, uma vez que permite reter os conteúdos mesmo quando a forma
de apresentá-los é mudada. Se o aprendiz compreendeu de forma significativa os assuntos,
ele não terá dificuldade em identificá-los, mesmo quando são apresentados de modo
diferente.
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Para que aconteça a aprendizagem por recepção significativa são
necessárias duas condições:
a) que seja apresentado ao aluno, por parte do professor, um material
potencialmente significativo;
b) que haja pré-disposição, por parte do aluno, para a aprendizagem
significativa.
Segundo Gonçalves, esta aprendizagem implica na aquisição ou
assimilação de novos conceitos e é sempre idiossincrática (depende da relação
entre a nova informação e o conhecimento pré-existente).
De acordo com Ausubel (apud Gonçalves), tanto a motivação
influência a aprendizagem como a aprendizagem influência a motivação. Ou seja,
um aluno motivado para aprender um assunto, aprende melhor este assunto, por
outro lado, um aluno, que já aprendeu algo sobre determinado assunto fica mais
motivado com relação a esse domínio de conhecimento.
Para Ausubel (apud Gonçalves), a motivação age sobre a
persistência, mas não sobre a retenção (memória); a motivação facilita a
aprendizagem à longo prazo, mas não é indispensável para aprendizagens à curto
prazo, desde que estas se façam em bases organizadas. Neste sentido, deve-se dizer
que se o professor organiza bons materiais não é necessário que o aluno esteja
motivado para poder aprender na aula. O ensino deve focar-se mais nos aspectos
cognitivos de aprendizagem do que nos aspectos motivacionais. No caso da
aprendizagem à curto prazo, o sucesso acadêmico do aluno irá motivá-lo a querer
aprender mais, mas no caso da aprendizagem a longo prazo se deve levar em
consideração o interesse do aluno.
Para mobilizar a aprendizagem de longo prazo o ensino deve
procurar aumentar o impulso cognitivo e fazer uso ponderado das motivações
aversivas e de engrandecimento do ego.
Ausubel (apud Gonçalves) apresenta algumas características de
motivação de realização:
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I) Impulso Cognitivo: pré-disposição intrínseca para explorar e compreender o
meio; necessidade de ter experiências e gerar idéias coerentes que
permitam encontrar soluções lógicas para os problemas; desejo de adquirir
conhecimento como um fim em si mesmo.
Características: orienta-se para a tarefa em si; é despertado para situações
onde haja novidade, surpresa, que provoquem conflitos de idéias ou
dissonâncias cognitivas. Estas situações provocam lacunas entre o que foi
aprendido e a nova tarefa de aprendizagem, isto faz com que o aluno tenha
vontade de aprender, desde que ele esteja insatisfeito com aquilo que já
sabe e possa antecipar conseqüências satisfatórias para a aprendizagem e
esforço e valoriza a aquisição do conhecimento.
II) Impulso afiliativo: motivo orientado para a realização de tarefas que o
sujeito acredite que contribuem para a sua aceitação social e aprovação por
parte daqueles com quem se identifica. Características: não está orientado
para a tarefa em si; a execução da tarefa de aprendizagem resulta da
vontade de evitar o castigo, a desaprovação social, ou seja, conseqüências
desagradáveis, aversivas para o sujeito.
III) Motivo de engrandecimento do ego: relacionado com a realização pessoal.
Aumento da auto-estima e do auto-conceito. Este motivo atua por meio da
comparação e da competitividade com os outros. Características: nada
orientado para a tarefa em si; muito ligado à avaliação escolar e exames; o
desejo de aprender é exercido no contexto da competição por notas.
Pelo exposto, acredita-se que a fábula, faz uma excelente ponte
entre o conhecido (L1) e o desconhecido (L2), por ser um gênero apreciado há muito
tempo na literatura universal e de grande significação, cujo cerne reside em
verdades fundamentais para o ser humano, faz uma excelente ponte entre o
conhecido (L1) e o desconhecido (L2).
A experiência nos mostra que não há fórmula mágica que
garanta o sucesso do processo envolvido no ensino/aprendizagem de uma LE. Todo
e qualquer processo de aprendizagem envolve um conjunto complexo de
habilidades, tais como observação, foco, prática, monitoramento, correção e
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redirecionamento. O uso persistente de uma gama de estratégias de aprendizagem
pode ser um dos caminhos para se atingir tal sucesso.
Inúmeras pesquisas apontam estratégias de aprendizagem que
pretendem ajudar o aluno a melhorar sua aquisição de LE. Professores e alunos têm
à disposição referências que elencam uma série dessas estratégias, bem como
explicam sua aplicação nas quatro habilidades. Atualmente, Rebecca Oxford (1990)
em (Strategy Inventory for Language Learning) fornece uma abrangente taxonomia
de estratégias de aprendizado, a qual Brown (1994) traz em Teaching by Principles
nas páginas 203-208.
De acordo com O’Malley and Chamot (1990), estratégias de
aprendizagem estão organizadas em três categorias básicas: sócio-afetivas,
cognitivas e metacognitivas. As estratégias sócio-afetivas abrangem interagir e
cooperar no aprendizado dos outros; estratégias cognitivas envolvem a manipulação
da língua a ser aprendida; ao passo que as metacognitivas encorajam o aluno não
só a refletir sobre os processos de pensamento, mas também planejar e avaliar
aspectos do próprio processo de aprendizagem.
Ainda que haja divergência entre os lingüistas quanto à
classificação das atividades em cognitivas e metacognitivas (Leffa, 1996), a
conscientização da existência de estratégias de aprendizagem pode ser ferramenta
valiosa, principalmente para a habilidade de leitura.
Leffa (1996) diz que a metacognição na leitura engloba o
problema do monitoramento da compreensão feito pelo próprio leitor durante o ato
da leitura. O leitor, em determinados momentos de sua leitura, volta-se para si
mesmo e se concentra não no conteúdo do que está lendo, mas nos processos que
conscientemente utiliza para chegar ao conteúdo. A metacognição envolve, portanto:
a) a habilidade de monitorar a própria compreensão (“Estou entendendo muito
bem o que o autor está dizendo”, “Esta parte está mais difícil mas dá para
pegar a idéia principal.”);
b) a habilidade para tomar as medidas adequadas quando a compreensão falha
(“Vou ter que reler este parágrafo”, “Essa aí parece ser uma palavra-chave no
texto e vou ter que ver o significado no dicionário”).
Embora a habilidade de leitura do aluno possa ser melhorada
quando ele descobre e faz uso de estratégias de aprendizado específicas, a
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pesquisa comprova que não é suficiente apresentar listas de estratégias, mas sim
oportunizar aos alunos o uso das mesmas em diferentes gêneros. Nunan (1999,11)
diz que é
“um erro presumir que alunos venham para a aula de língua com um sofisticado
conhecimento pedagógico, ou com uma habilidade natural para fazer escolhas
estando conscientes de seus próprios processos de aprendizagem.”
A visão de leitura como uma atividade silenciosa e individual só
ocorreu a partir do século XX na maioria das culturas. Mais precisamente, só após a
década de 50, os conhecimentos sobre o processo de leitura tomaram forma de
modelos teóricos explícitos, o que distinguiu cada um deles no que se refere ao
processamento da informação e ao envolvimento leitor/texto: modelo de
decodificação, psicolingüístico e o modelo interacionista. (Moita Lopes, 1987).
No primeiro, o sentido é inerente ao texto, e envolve uma
concepção logocêntrica da linguagem (Moita Lopes, 1994). Leitura é uma habilidade
passiva, em que se espera que o leitor decodifique o significado de cada palavra. O
fluxo da informação é visto como ascendente (bottom-up), do texto para o leitor.
Quanto ao modelo psicolingüístico, o significado não é visto
como exato, o texto tem como papel ativar o processo de atribuição de sentido, o
qual depende da contribuição do leitor. O fluxo de informação, portanto, é
descendente/ (top-down), já que é o leitor que atribui coerência ao texto.
O ato de ler pressupõe um leitor ativo que recria o significado,
ao mesmo tempo que, planeja, decide, coordena habilidades e estratégias, traz para
o texto expectativas, informações, ideais, crenças, enquanto seleciona pistas
significativas, formula ou confirma hipóteses.
A informação, as emoções, a experiência e a cultura que o leitor
traz para o texto vêm impregnadas de seu conhecimento anterior, o qual é ativado
com o intuito de promover uma compreensão mais efetiva do texto. Esse mecanismo
é explicado pela chamada Teoria dos Esquemas (schemata). Segundo Leffa, (1996)
os esquemas são estruturas abstratas, construídas pelo próprio indivíduo, para
representar a sua teoria do mundo. Na interação com o meio, o indivíduo vai
percebendo que determinadas experiências apresentam características comuns com
outras. Um almoço em casa com a família pode ser diferente de um almoço num
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restaurante com um executivo importante, mas há entre um e outro uma série de
elementos comuns que tipicamente caracterizam o acontecimento como almoço: a
hora, o uso de talheres, a ingestão de alimentos, etc
O modelo interacionista defendido por Moita Lopes,2000
(Oficina de Lingüística Aplicada), e, adotado nesta intervenção, apresenta dois tipos
de interação:
a) do fluxo da informação que opera em ambas as direções – na linha de teorias
de esquema; e
b) do discurso, entendido como o processo comunicativo entre leitor e escritor
na negociação do significado do texto. Trata-se, ao mesmo tempo, de um
fenômeno perceptivo e cognitivo.
CONCLUSÃO
Em continuidade a pesquisa teórica e o desenvolvimento do
material didático em forma de OAC, o passo seguinte foi o da apresentação da
proposta de intervenção às participantes do GTR (Grupo de Trabalho em Grupo). O
projeto recebeu boa aceitação, pois 14 (catorze) participantes concluíram o GTR e
enviaram seus planos de aula com sugestões de como os professores implantaram
o projeto.
Com o retorno à escola, o CEEBJA Potty Lazzarotto, a
oportunidade de implantação da proposta surgiu com a necessidade de se
apresentar uma atividade na Hora Atividade Concentrada, a qual ocorreu no dia
26/06/2008 no CEEBJA Paulo Freire.
Apoiando-se no Caderno Temático: “Qualidade de Vida,
Consumo e Trabalho”, as professoras iniciam a atividade que criaram com o
questionamento: “ O que você anda comendo?”
Em seguida, apresentam dois textos em língua materna: Os altos
lucros dos maus hábitos e Bom para a indústria. Os alunos lêem os textos e são
incentivados a se conscientizar dos próprios hábitos alimentares, além de se
posicionar quanto ao papel tendencioso da indústria, no que se refere o que é bom
ou não em relação a uma alimentação salutar.
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Apresenta-se, então, o texto em língua estrangeira: A Healthier
Pyramid. Há o objetivo de conscientizar os alunos quanto a existência de diferentes
pirâmides alimentares no mundo. Isso permite, inclusive, um viés cultural dentro da
atividade. Os exercícios que seguem são parecidos com os referentes aos textos em
L1, no entanto, faz-se uso da L2.
As estruturas gramaticais são apresentadas, por último, sob o
título “Aspecto Lingüístico”. Não há preocupação com a linearidade gramatical.
Cuida-se que as estruturas, ali introduzidas, sirvam para ajudar a entender o
significado do texto – a gramática a serviço do significado.
Incentivadas pela boa aceitação que a atividade recebeu de
colegas de outros CEEBJA, as professoras se organizaram e desenvolveram outras
atividades, todas atreladas aos Cadernos Temáticos e que foram chamadas de
Projetos de Leitura. Essas atividades foram apresentadas para a professora Marilei
Doro Negozzeki, Coordenadora da EJA/NREC, quando de sua visita ao Potty
Lazzarotto, no dia 19/11/2008. Ela não só aprovou as atividades, como solicitou que
fossem enviadas para ela, para que ela possa usá-las como referência em outras
visitas.
As professoras estão dispostas a enfrentar um novo desafio. O
OAC é o material didático dessa intervenção. O gênero sugerido para a primeira
atividade de leitura é a fábula. Por isso, está sendo desenvolvida uma atividade para a
TV pen-drive. Ela parte de um vídeo, baixado do Youtube, da fábula “O leão e o rato”.
As demais atividades, referentes ao vídeo, se assemelham as dos Cadernos
Temáticos.
Por fim, qualquer crítica quanto à validade do ensino de uma LE
em EJA deve ser rebatida, com firmeza, de que se nada ficou nas mentes dos alunos no
que diz respeito ao conhecimento da língua alvo em si, só o fato de tal ensino colaborar
com as habilidades cognitivas dos alunos, justifica sua presença no currículo. Isso já vale à
pena pois representa muito! E com certeza a alma não é pequena....
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROWN, H. Douglas. Principles of Language Learning and Teaching. 1994
DCE, Secretaria de Estado da Educação – SEED. 2006
LACOSTE, Yves (ORG); RAJAGOPALAN, K A Geopolítica do Inglês. 2005
LEFFA, Vilson J. Aspectos da Leitura. Uma perspectiva psicolingüística. 1996
MOITA LOPES, L.P. Oficina de Lingüística. 2000
MUSSALIN,F; BENTES A. C. Introdução à Lingüística 1, 2004
SPADA, Nina How Languages are Learned. 2000