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IMPLEMENTAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO PARA A MODALIDADE · promover o letramento crítico de alunos tão heterogêneos. Nesse sentido, amparadas pela Análise Dialógica do Discurso,

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IMPLEMENTAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO PARA A MODALIDADE

INDIVIDUAL NA EJA: DIFICULDADES E DESAFIOS

Autor: Maria Olésia Simões FAGLIONI (PDE)

Orientador: Cláudia Valéria Doná HILA (UEM)

Resumo

A singularidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA) é, constantemente, desafiadora, especialmente em relação aos chamados momentos individuais, que ocorrem nos Centros Estaduais de Educação Básica de Jovens e Adultos (CEEBEJAS), no Paraná, quando o professor acolhe o aluno em diferentes níveis, em um mesmo momento e espaço. Esse desafio é ainda maior quando pensamos em materiais didáticos que possam se ajustar a esse contexto e que possam promover o letramento crítico de alunos tão heterogêneos. Nesse sentido, amparadas pela Análise Dialógica do Discurso, por meio dos estudos bakhtinianos, esse artigo traz os resultados da implementação de um material didático, no ano de 2011, com vistas a atender a modalidade individual da EJA, por meio do trabalho com módulos individuais que estabelecem, de forma progressiva, o letramento crítico. Os resultados evidenciam, de um lado, a resistência dos alunos, acostumados com um ensino em que a linguagem assume um caráter mais monológico e, de outro, professores regentes, que vivenciam a EJA, e professores com perfis de pesquisadores, com funções diferentes da regência.

Palavras-chave: EJA; material didático; letramento crítico; modalidade individual.

1 Introdução

O trabalho com a Educação de Jovens e Adultos (EJA), além dos desafios

que lhe são inerentes, pelas características de seu próprio alunado que, ao longo

dos anos, tem se modificado, enfrenta, dentre tantos problemas, a dificuldade de se

encontrar materiais didáticos que, conforme o proposto nas Diretrizes Curriculares

Estaduais (2008, p. 48), “(...) dá ênfase à língua viva, dialógica, em constante

movimentação, permanentemente reflexiva e produtiva”, facilitando diferentes

práticas sociais que permitam acesso ao conhecimento e à aquisição de novos

letramentos.

Considerando letramento como “a participação nas práticas sociais que, de

alguma maneira, envolvem a leitura e a escrita” (KLEIMAN, 1995), conforme citação

em Rojo (2010, p. 14) e entendendo a escola como promotora desse letramento, ao

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viabilizar variedade de práticas e de textos que conduzam hoje ao multiletramento,

de “maneira ética, crítica e democrática” (ROJO, p.11), convencemo-nos da eficácia

desse objeto de estudo/ensino, principalmente pela característica inclusiva que o

permeia, característica análoga à EJA, agente da inclusão educacional e

consequente inserção social.

No entanto, face à especificidade do aluno de EJA, particularmente o que

frequenta os CEEBJAS, em momentos individuais, há necessidade de material

didático direcionado a esses momentos e que contemple o letramento desse aluno,

considerando e respeitando sua diversidade e sua expectativa, já que o material em

uso, produzido na década de 90, embora tenha atendido satisfatoriamente até o

momento (sofrendo alterações, acréscimos, adaptações...), não mais corresponde

aos anseios, às exigências atuais, especialmente em relação ao trabalho com os

gêneros discursivos.

Não bastasse a defasagem/precariedade (atual, frise-se) do material em

uso, constata-se, também, a escassez de substituto à altura, ou seja, que seja fruto

do conhecer, do vivenciar o contexto singular da EJA, nos CEEBJAS, em momentos

individuais, porém plenos de pluralidades. Um material que possa ser disponibilizado

e trabalhado como um instrumento facilitador e inclusivo nesse processo de

retomada de estudos e que, aparentemente estanque, interaja com um aluno que

nem sempre prima pela assiduidade sequencial rotineira, isto é, um aluno que tem

autonomia e flexibilidade em relação ao seu tempo na ou para a escola, mas que

merece (tem direito a) um material que propicie o seu progressivo letramento, de

forma dialógica, dinâmica e qualitativa.

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é discutir os resultados da

implementação de um material didático para a modalidade individual, aplicado no

ano de 2012, com vistas a atender o letramento crítico do aluno. Discutimos tanto a

recepção, por parte dos alunos, como também por parte dos professores no Grupo

de Trabalho em Rede (GTR). Com esse intuito, organizamos este artigo da seguinte

forma: na primeira seção discutimos a realidade histórica e política do ensino de

língua portuguesa, destacando a modalidade da EJA; na sequência, explicamos a

metodologia de trabalho para elaboração do material didático, para, finalmente,

apresentar os resultados.

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2 O ensino da língua portuguesa na EJA

Ao refletir sobre a disciplina de Língua Portuguesa, historicamente, é

perceptível que o ensino dessa disciplina, embora tenha passado por concepções

diversas, não tem concretizado o objetivo maior: ensinar a ler e a escrever

proficientemente, conforme ROJO, 2009, p. 8, “(...) os resultados obtidos pelos

alunos brasileiros nas diferentes avaliações de percurso (SAEB, SARESP, Prova

Brasil, ENEM, PISA) não são satisfatórios.”

Retomando as Diretrizes Curriculares Estaduais da Educação de Jovens e

Adultos, 2006, que apontam para um comprometimento com a formação humana e

com o acesso à cultura geral, respeitando as muitas diversidades, o papel da escola

como promotora de práticas de linguagem inclusivas e libertadoras, torna-se ainda

maior, desafiador e de difícil efetivação, já que a EJA – realidade concreta – foi e

está “(...) incompreensivelmente relegada para segundo plano (...)” (ROJO, 2009, p.

22), fato também comprovado pela trajetória da EJA no estado do Paraná, que já

teve um Departamento específico (DEJA), na SEED, e no presente, está

subordinada ao Departamento de Educação Básica, prioritariamente voltado ao

Ensino Regular.

Pautamo-nos, portanto, nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica de

Língua Portuguesa (2008) para registrar o papel da educação com o fim do regime

militar:

a consolidação da abertura política resultou em pesquisas que fortaleceram a pedagogia histórico-crítica, propiciando uma rede de outras pesquisas, inserindo, no pedagógico dos anos 80, uma vertente progressista. A pedagogia histórico-crítica vê a educação como mediação da prática social. (DCE, 2008, p. 45)

Essa abertura política favoreceu e trouxe consigo novos ares, novos

paradigmas que encerram questões de uso, contextuais e que valorizam o texto

como unidade fundamental de análise/ensino, enfim, “uma proposta que dá ênfase à

língua viva, dialógica, em constante movimentação, permanentemente reflexiva e

produtiva.” (DCE, 2008, p. 48) e uma diferente postura à escola, que tem como

tarefa “possibilitar que seus alunos participem de diferentes práticas sociais que

utilizem a leitura, a escrita e a oralidade, com a finalidade de inseri-las nas diversas

esferas da interação...” (DCE, 2008, p.48), elegendo, portanto, uma concepção de

linguagem que valoriza o processo de interação social, considerando os aspectos

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sociais e históricos em que o sujeito está inserido e o contexto de produção do

enunciado, já que os seus significados são sociais e historicamente construídos.

Essa nova (e ainda idealizada) postura da escola requer que essa seja

promotora de constante (e efetivo) letramento do aluno, levando-o a participar de

diferentes práticas de uso da língua, de forma a compreender e interagir com

diferentes discursos.

Assim, há de se retomar, à luz de Bakhtin (1979) o gênero “como um

enunciado de natureza histórica, sócio-interacional, ideológica e linguística”

(MARCUSHI, 2005, p. 17), ainda “São formações interativas, multimodalizadas e

flexíveis de de organização social e de produção de sentidos.” (MARCUSCHI, 2005,

P.18), que, ao serem eleitos como objeto de estudo, afastam de um ensino

normativista para ensinar um modo de atuação sócio-discursiva, não dissociando o

texto de sua realidade social, já que o texto passa a abranger as condições de

produção, de circulação e também a pressupor uma atitude responsiva ativa,

favorecendo a construção do sujeito capaz de interferir na sociedade, pelo seu

discurso, objetivo inerente e essencial à EJA, no seu compromisso de resgatar e

(re)inserir os já alijados do Ensino Regular.

Nesse sentido, partindo do (e perpassando pelo) entendimento dos

conceitos de alfabetização – “ação de alfabetizar, de ensinar a ler e a escrever” – e

de alfabetismo – “estado ou condição de quem saber ler e escrever”, conforme

Soares, 2003 [1995], em Rojo, 2009, percebe-se que o crescente grau de exigência

para o leitor ideal – que compreende atos de decodificação, de compreensão, de

interação e o de se posicionar discursivamente com outros discursos, gerando novos

discursos, leva à necessária prática do letramento – “participação efetiva do aluno

nas práticas sociais que envolvem a escrita (Kleiman, 1995)” e, mais

especificamente, à adoção da prática de letramentos (múltiplos, multissemióticos,

críticos), de acordo com Rojo (2009), pelo professor de Língua Portuguesa, levando

aos alunos possibilidades de “participar das várias práticas sociais que se utilizam

da leitura e da escrita (letramentos) na vida da cidade, de maneira ética, crítica e

democrática.”, (ROJO, 2009, p.107), grifos da autora.

Ainda em consonância com Rojo (2009), trabalhar com letramentos múltiplos

implica na organização escolar de inúmeras e diferentes práticas, de diversas

esferas, mídias e culturas e, para isso, conceitos bakhtinianos como o de esfera de

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atividade ou de circulação de discursos e o de gêneros discursivos são de extrema

valia, já que o homem circula por diferentes esferas de atividades, em diferentes

posições sociais, como produtor ou receptor de discursos, em gêneros, meios e

cultura também diferentes. Portanto o trabalho com os letramentos multissemióticos

ou multimodais , com os letramentos multiculturais e com os letramentos críticos,

levando o educando a perceber sentidos, finalidades e intenções dos textos para um

posicionamento de interlocutor que replica e dialoga com esses textos, é o caminho

viabilizado para a organização dessa diversidade de textos, eventos e práticas.

Em suma, os letramentos múltiplos podem ser operacionalizados por uma

seleção de gêneros, de esferas, de práticas letradas adequadas que propiciem

abordagem e estudo, organizando uma progressão curricular que se ajuste à

comunidade escolar, em especial à EJA, nos CEEBJAS, que precisam de material

específico que atenda a sua diversidade e particularidade e que, sem ignorar o

(sempre) presente modelo autônomo de letramento, privilegie o modelo ideológico,

que leva em conta a pluralidade e a diferença, sejam culturais ou sociais,

favorecendo o conflito, a interação - práticas discursivas em contextos de

aprendizagem efetivos e produtivos, conforme registra Kleiman (2004), ao discorrer

sobre letramento e alfabetização de adultos.

Nessa perspectiva, “cabe ao professor a tarefa de dar oportunidade aos

alunos de se apropriarem das características discursivas e linguísticas dos mais

variados gêneros textuais, inseridos em práticas reais e contextualizadas, de modo a

fazê-los letrados.” (HILA, 2009, p.161), apontando a importância do trabalho com

gêneros em sala de aula, citando Nascimento (2008), dentre relevantes autores, ao

afirmar que “o uso do gênero em sala de aula permite incorporar, em único objeto,

elementos da ordem do social e do histórico, do conteúdo temático, da estrutura

composicional e da situação de produção de um dado discurso” (p.162) e

recomenda a retomada de conceitos bakhtinianos como o de enunciado concreto,

grifo da autora, argumentando que “Vida e enunciado são indissociáveis, separá-los

ou ignorá-los significa impedir a desejada autonomia do indivíduo e a formação de

um leitor crítico.” (p.163), portanto, deve-se entender que o enunciado só será pleno

de significação se inserido num contexto social e histórico específico.

Hila (2009), cita, também, a relevância do conceito de dialogismo como

inerente à linguagem, demandando a presença do outro e a noção de compreensão

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responsiva ativa, já que “a compreensão de um enunciado é sempre uma resposta”

(p.165), isto é, a compreensão só se efetiva com a cumplicidade ( ou não) do outro.

Por fim, embora para Dolz e Schneuwly (1999), a transposição didática de

gêneros textuais constitui uma prática de linguagem fictícia, já que as condições de

produção não correspondem integralmente às que ocorrem na realidade social,

conforme citam Saito e Nascimento (2005), a “escolarização” dos gêneros é

primordial para que o professor possa levar o aluno a situações de

uso/ensino/aprendizagem da linguagem, de maneira a promover, gradativa, efetiva e

constantemente o seu letramento e, no caso específico deste objeto, que se elabore

atividades pedagógicas norteadoras de material didático específico para a EJA, nos

CEEBJAS, em momentos individuais, que os contemple e os entenda como sujeitos

que são – uma utopia a ser perseguida.

3 A elaboração do material didático

Todo projeto é um plano, um intento, logo, permeado por considerável dose

de idealização, já que projetar também significa atirar longe, arremessar. O objetivo

geral traçado inicialmente – produção de uma sequência didática que contemplasse

o discurso como prática social e que norteasse, especificamente, confecção de

material didático para a EJA, na modalidade individual – revelou-se arrojado, já que

envolvia (e dependia de) diferentes sujeitos (mantenedor, professor e aluno) para

seu desenvolvimento e efetivação.

Assim, provocou leituras, reflexões, análises e discussões que consolidaram,

principalmente, o valor da leitura na formação de um sujeito ativo, em constante

(re)construção, e o fundamental papel da escola como promotora da prática de

letramentos que, operacionalizada pelo estudo de diferentes gêneros textuais,

considerados como instrumentos de autonomia, de inserção social e política,

propicie o desenvolvimento de capacidades de leitura.

Esse percurso delineou o material aplicado, pautado pelo objetivo de ler e

(re)conhecer diferentes gêneros textuais, porém com tema único. Além disso

escolhemos trabalhar dentro desse tema único, gêneros que nos possibilitem uma

gradação nas fases de leitura, isto é, da compreensão literal à fase da interpretação.

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Essa oficina de letramento, assim poderíamos nominar, tem como foco a

exploração, gradual e constante, da leitura, em suas fases, propriedades discursivas

e linguísticas-textuais como situações de produção, temática e formas mais gerais

observadas na realização social do gênero escolhido, já que o reconhecimento do

gênero é o primeiro passo para produção de atividades de leitura e posterior

apreensão dos gêneros, conforme HILA (2009), nos moldes de suma sequência

didática.

Dessa forma, organizou-se o material em torno do tema Identidade, em

diferentes gêneros, resultando em 5 (cinco) módulos, sendo o primeiro (Contato

Inicial), composto pela Contextualização – uma conversa indutiva, que visa à

reflexão; e pela atividade de Ação – o registro, pelo aluno, de sua identidade, como

ele se vê, como se apresenta.

Os módulos II, III, IV e V abordaram os gêneros Verbete, Texto didático,

Resumo acadêmico e o Texto poético, respectivamente, sempre com a seção

Contextualização, com o propósito de induzir, problematizar e também relacionar,

comparar, “amarrar” aos gêneros precedentes. Incluiu-se, ainda, a seção

Explorando o texto, privilegiando a leitura e o reconhecimento do gênero em

estudo.

4 A recepção dos alunos

A implementação do material ocorreu na primeira quinzena de novembro de

2011, nos períodos da manhã e da noite, com alunos bem heterogêneos, porém

com receptividade idêntica. Contamos, no total, com 20 (vinte) alunos participantes,

sendo 9 (nove) do período da manhã e 11 (onze) do noturno.

Em princípio, é relevante registrar que houve uma certa resistência em

relação à participação, percebida nos dois grupos e motivada, principalmente, pela

época de aplicação, mas também pela organização espacial dos grupos e

condicionamentos comportamentais/culturais, dentre outros, que tentamos entender

e explicitar.

Não nos cabe, no momento, discutir e/ou justificar o cronograma

estabelecido para aplicação, mas certamente final de ano letivo não é o melhor

período para tal ação, pois os objetivos e interesses dos alunos são adversos ao

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experimento, principalmente se interfere no já traçado e em andamento... “É para

nota?” “É obrigatório?” “...tenho que terminar atividade x para a prova...” – falas que

marcam, endossam essa inadequação temporal e anunciam o não

comprometimento com as atividades, postura mais acentuada (e comprovada) no

grupo da manhã. Grupo formado por adolescentes egressos do Ensino Regular,

provavelmente por não se enquadrarem, tanto em relação à faixa etária como ao

comportamento e/ou aprendizado.

Outro fator comum aos grupos foi a organização física dos alunos, não mais

como a conhecida e prevista para aplicação, pois não se encontravam no ambiente

anterior, único para alunos do Ensino Fundamental e do Médio, atendidos por vários

professores e quando solicitassem, e sim em sala específica para o Fundamental.

Essa disposição em sala exclusiva significou, também, quebra de autonomia

para estudo e resolução de atividades, já que foi designado um único professor para

cada grupo, acarretando alunos habituados e dependentes da mediação desse

professor, consequentemente resistentes ao novo/desconhecido, conforme

indagaram os alunos do noturno “A professora não veio?”.

Apesar desses aspectos quase coercitivos, as ações de aplicação se

realizaram e, como anunciado, no grupo da manhã não houve grande empenho,

pois de 9 (nove) participantes, apenas 3 (três) alunos proporcionaram subsídios para

análise, já que os demais ou não concluíram ou simularam participar, responder.

Já o grupo da noite, composto por jovens e adultos, mais maduros e

comprometidos, embora relutantemente, entenderam o proposto e acolheram a

experiência, portanto nossa descrição/comentários terão como base maior as

atividades realizadas por esse grupo.

Como nosso intento é o material, nossa primeira percepção registrada foi em

relação ao que esse poderia ou deveria ter apresentado e não o fez, como imagens

coloridas, por exemplo. Certamente as cores teriam maior apelo e concorreriam para

uma leitura mais produtiva. Uma produção visual mais impactante evitaria ou

minimizaria o que habitualmente acontece em momentos individuais de estudo – o

aluno parte da pergunta e busca a resposta, não há ação de leitura. Durante a

aplicação, no automatismo, passaram (literalmente) pelos momentos de

contextualização e de pré-leitura sem reflexão, sem absorção.

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Tal procedimento acentuou o estranhamento em relação às atividades, visto

que o material didático em uso, na escola, tem características monológicas, traz

definições, conceitos, diferindo do ora proposto, que implica em mais concentração,

reflexão e no estabelecimento de relações que provoquem e permitam a construção

de significados e de conhecimentos na interação com, nas e entre as atividades.

Esse estranhamento resultou em respostas inadequadas, em branco, sem

relação ao objeto de estudo e com justificativa/julgamento... “Isso é difícil.”, “Ainda

não estudei isso...” e, vale registrar, muitos alunos já tinham concluído a sexta série.

Fator também importante é o alusivo ao conhecimento prévio que se

pressupõe, todavia não se concretiza e que, somado à habilidade de leitura (muitos

estavam aquém da compreensão) tornaram-se barreiras só transpostas pela

mediação.

Um exemplo da fragilidade do conhecimento prévio é a questão transcrita na

sequência, formulada para iniciar o estudo do gênero resumo acadêmico, com raros

acertos.

O pequeno número de acertos permite inferir que, ao manusear DVDs, se o

fazem, apenas o título é observado, não há ação de leitura da capa. Evidenciando,

assim, que não há hábito de leitura, o que justifica o

distanciamento/desconhecimento dos demais suportes – revistas, jornais e livros.

A questão seguinte, além de revelar ausência de conhecimento prévio,

também é comprobatória do não estabelecimento de relações, pois se retomassem,

relessem as alternativas da questão anterior e as relacionassem com as desta,

certamente não incorreriam em erro em nenhuma das questões.

Assinale a(s) alternativa(s) que nomine(m) veículo(s) que traga(m),

divulgue(m) textos que lembrem o texto lido.

a. ( ) Revistas e/ou jornais, em seções que tratam de lançamentos de livros.

b. ( ) Capas de DVDs.

c. ( ) Contracapa de livros.

d. ( ) Capítulo de livros didáticos

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É importante ressaltar que os acertos ocorreram, majoritariamente, em

exercícios com assertivas, caminhando para o reconhecimento do gênero ou para a

compreensão do texto, “fechados”, que foram rapidamente resolvidos, já que

semelhantes aos do material em uso e também por permitirem a inversão habitual

(da pergunta ao texto) para a resolução. Outra possibilidade é o acerto por exclusão.

Como exemplo, a questão seguinte, também para estudo do resumo acadêmico.

Observando as questões abertas, que exigiram reflexão, compreensão e

interpretação, quando houve respostas (infelizmente, raras) não passaram de “sim”

ou “não”, se dependentes do texto e da construção do conhecimento. Os que se

arriscaram, ficaram na superfície, na obviedade, talvez pelo não compromisso com a

resolução das atividades ou por dificuldades em inferir, refletir, relacionar e até

mesmo em elaborar a resposta. São exemplos as questões transcritas abaixo.

Os textos encontrados nos veículos assinalados na questão anterior têm por

finalidade:

a. ( ) apresentar, de forma resumida e comentada, livros e filmes.

b. ( ) discutir obras de entretenimento.

c. ( ) promover estudos científicos sobre as obras.

d. ( ) relatar histórias reais.

O texto D, que você leu, tem como finalidade:

a. ( ) relatar um fato acontecido.

b. ( ) promover um produto comercial.

c. ( ) apresentar, resumidamente, um objeto de estudo.

d. ( ) divulgar um filme, comentando-o.

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E, finalmente, embora tenham caminhado com razoável sucesso no

reconhecimento do gênero resumo acadêmico, o antagônico resultado: a questão

final foi resolvida por pouquíssimos alunos e, dentre eles, apenas dois com acerto e

tentativa de justificativa. Cremos que nessa questão, a necessidade de voltar ao

texto, comparar, refletir e definir tenha provocado ausência e/ou inadequação das

respostas, já que grande parte desses alunos acostumaram-se às chamadas

perguntas de copiação. A justificativa, que também envolvia/dependia de outros

conhecimentos, foi considerada difícil.

1 Dentre os diversos grupos sociais que constituem a identidade brasileira, a

autora do texto D escolheu um para desenvolver seu trabalho.

a) Qual o grupo escolhido?

b) Que parcela de brasileiros esse grupo representa?

c) Como a análise será efetuada?

d) Que temática será discutida?

2 O projeto tem um destinatário específico. Qual é?

3 O produtor/autor do resumo é também o produtor/autor do projeto?

Comprove.

4 Qual a profissão da autora do texto? Justifique.

5 Você participaria desse projeto? Por quê?

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De forma geral, supomos que as inadequações e ausências de respostas

espelham o não comprometimento, mas também certa defasagem nas habilidades

de leitura, na medida em que a fase da compreensão literal parece ser a única

conhecida por esses alunos.

5 A recepção dos professores no GTR

O projeto e o material didático foram disponibilizados, para apreciação e

discussão, no Grupo de Trabalho em Rede (GTR) aos professores da rede pública

do Paraná, no período de 10/10/2011 a 21/11/2011, na modalidade EaD.

Aderiram ao estudo um total de 10 (dez) professores, na maioria titulados

(especialistas, mestres, doutores). Desses, 5 (cinco) com considerável experiência

em EJA/CEEBJA; 1 (um) atuando especificamente em EJA – Fase I; outro, iniciante

na carreira, em sala de apoio e com um breve período na EJA (substituição) e 3

(três) com funções distintas à regência (dois em assessoria pedagógica – CTR e

CAP – e um vinculado à SEED, sem definição de função específica).

O trabalho foi organizado pela Coordenação Estadual do PDE, que delineou

3 (três) temáticas e respectivos objetivos.

Alguns requisitos para um bom resumo são:

a) linguagem e vocabulário adequados;

b) indicação de dados sobre o texto resumido;

c) possibilidade de avaliar a compreensão global do texto original, o

desenvolvimento das ideias e a articulação entre elas;

d) citação do autor do texto original;

e) registro de diferentes ações do autor do texto de origem;

f) apresentação das ideias principais do texto original, sem circunstâncias,

qualificações ou descrições, ou seja, sem detalhes;

g) ser compreensível, isto é, não ter necessidade de recorrer ao original

para entender o conteúdo principal;

h) palavras-chave, no caso de resumo acadêmico/científico.

O texto D, analisado, contempla todos os requisitos relacionados, menos

um. Qual não foi citado? Por quê?

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Resumidamente, a temática I propunha a apresentação do projeto, a análise

de questões conceituais e dos autores que o fundamentaram. A segunda, focada no

material didático, visava à viabilidade de aplicação e debate de questões teórico-

metodológicas. A última, em torno das ações de implementação, envolvia discussão

sobre e avaliação dessas ações e também requeria sugestões para modificar,

adaptar, aprimorar o material proposto.

Efetivada a descrição, passemos às percepções que, na temática I, refletem

a pertinência do projeto, referendada pelo participante 1,“O projeto de Intervenção

Pedagógica (...) apresenta coerência e é pertinente à modalidade à qual se destina.”

e corroborada nas postagens dos demais participantes, evidenciando o

convencimento do objetivado no projeto.

Também foi unânime o posicionamento em relação à adoção de um material

que privilegie o ensino da língua, conforme P2, “de maneira dialógica, reflexiva e

produtiva...”, advogando a necessidade do trabalho com os gêneros discursivos, e,

consoante P3, “encontrar práticas pedagógicas para efetivar, de forma dialógica,

reflexiva e produtiva, o trabalho com gêneros...”, portanto endossando, avalizando o

projeto.

A temática II intentava problematizar e validar (ou não) o material proposto,

ou seja, os participantes foram instigados, pelo tutor, a refletir sobre as atividades

que, focadas na leitura (e reconhecimento) de diferentes gêneros, pretendiam

propiciar letramento de forma gradual e eficaz.

Há de se ressaltar, neste momento, que o projeto evidenciou o papel a

escola como promotora de letramento, operacionalizado pelo estudo e apreensão de

diversos gêneros textuais. Ainda, que a apresentação do material sinalizou,

fortemente, a pretensão, o objetivo desse – leitura e reconhecimento dos gêneros

propostos.

Tal registro é relevante para descrição e para nossa reflexão sobre essa

temática, que polemizou, revelou e gerou posicionamentos, inclusive o que ora

assumimos, já que ousamos afirmar que boa parte do grupo não percebeu o

propósito do material – letramento provocado, gradualmente e em módulos

independentes, por atividades que ensaiavam desenvolver habilidades de leitura -

como ilustra P4,

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“(...), se nesse primeiro momento o objetivo é leitura e reconhecimento de

gênero, penso que a finalidade se cumpriu, (...)”.

Tal postagem ocorreu em momento posterior à interferência do tutor

enfatizando o objetivo maior do material – ler e reconhecer os gêneros propostos.

A não percepção do propósito do material foi marcada principalmente no

fórum II, nas interações em que os participantes se envolveram, centradas quase

que unicamente em questões como que gêneros deveriam ser colocados no

material, qual gênero deveria iniciar o trabalho, qual seria a sequência adequada,

como se observa nas falas:

P5 - “...a escolha dos gêneros textuais é critério fundamental...”

P3 - “...os gêneros biografia, autobiografia, relato de experiências, bilhetes,

carta familiar, já no início...”

P1 - “A proposta é iniciar com textos mais simples e depois complicar?

Partindo desse princípio estaríamos acreditando numa sequência positiva? Ou

limitadora? (...)trabalhar textos da realidade próxima? E a distante, quando vão

entrar em contato?”.

A última fala polemizou e provocou fortes reações dos demais integrantes, já

que questionava as reiteradas sugestões de se iniciar o trabalho com gêneros tidos

como mais simples e/ou adequados, todavia sempre enfocando os gêneros e não a

leitura. Já o tema, Identidade, foi aprovado por todos, inclusive como fator indutivo,

aproximador.

Interessante anotar, também, que na atividade Diário, da mesma temática,

acessada apenas pelo tutor, a aprovação ao material foi manifestada por todos os

participantes e, nesse momento, formalmente, ancorados no referencial teórico

norteador do projeto, embora o gênero persistisse como foco.

Finalmente, a temática III, composta por três momentos que abordavam as

ações de implementação. Os desafios encontrados quando realizada a

implementação com os alunos, já explicitados, foram relatados e postos aos

professores como indutores ao primeiro fórum, resultando em interações denotativas

de apoio e, principalmente, de reconhecimento, legitimando os elementos listados

como característicos não apenas de alunos da EJA.

Ao expor os obstáculos, indiretamente sinalizamos, lembramos o caráter de

experimento do material, portanto sujeito a falhas, incompleto, não adequado. Além

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disso, observamos que compartilhar é dividir, provocar e permitir reações, desejáveis

e necessárias ao projeto.

Assim, os momentos finais, que consistiam em complementação ao material

e em relato das experiências ao desenvolver as atividades propostas, foram

reveladores e transparentes.

As interações fizeram jus ao sugestivo título “Vivenciando a prática”,

comprovaram que a vivência é essencial para toda e qualquer ação na educação,

conforme apreendemos nas e pelas interações e postagens do grupo.

Os professores regentes, calcados na experiência vivida nos CEEBJAs, em

momentos individuais, tiveram posicionamentos análogos e coerentes, nem sempre

traduzindo aprovação, já que também denotaram estranhamento, que não difere do

expresso pelos alunos, ou seja, a elaboração de atividades não precedidas ou

acompanhadas de conceitos, pretendendo construir e não reproduzir, motivou

sugestões como a inserção, no material, de lembretes, caixas-texto com

explicações, dentre outras, que são relevantes e pertinentes, embora continuamos

acreditando que conceitos e explicações devem formar um outro módulo e/ou anexo

e disponibilizado para eventuais (oxalá, constantemente) consultas pelos alunos.

As demais sugestões, tidas como mais produtivas, envolviam recursos

tecnológicos, certamente mais atraentes, de maior apelo, já que exigências da

sociedade atual.

No entanto, o emprego desses recursos esbarra, de imediato, na crua

realidade das escolas que, desprovidas até do básico essencial, como espaço físico

adequado para alunos e professores, só utopicamente, embora desejo e

necessidade de todos nós, poderiam disponibilizar computadores e internet quando

e quantas vezes forem requisitados pelo material e pelo aluno do individual,

detentor do seu tempo na escola e para estudo.

Além disso, há de se lembrar dos que desconhecem, literalmente, tais

instrumentos, que não saberiam operar, manusear, buscar. A escola teria como

promover o necessário, mesmo que básico, treinamento?

Outro aspecto observado, nas sugestões dos participantes que não atuaram

em EJA, especificamente em CEEBJAs, é o traço característico do coletivo regular,

presente em todo o percurso do GTR e mais evidente na temática III – as

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particularidades e as diversidades que compõem a modalidade individual raramente

foram/são consideradas ou pensadas.

Por fim, a possibilidade de reconhecimento e identificação do pesquisador,

principalmente nos relatos de experiência, convincentes, ancorados em sólida

fundamentação e factíveis no discurso, já que nem sempre aplicados, pois distantes

da sala de aula e do aluno que a frequenta. Distanciam-se tanto que conseguem ser

incoerentes e antagônicos a discursos anteriores, como ocorrido no GTR, em que

todas as postagens e interações efetivadas foram invalidadas pelo relato final.

Caso único no GTR, mas revelador de abstração e da necessidade de se

conciliar teoria e prática, afastando-nos de marcas e influências passadas em prol

de um ensino que promova, de fato, letramento.

6 Conclusões

Uma utopia a ser perseguida, um lema, quase um refrão, já que

insistentemente retomado. Tradução, símbolo do anseio e da necessidade de

material didático específico para EJA, nos CEEBJAs, na organização individual, que

propicie contínua, progressiva e eficazmente, o letramento crítico dos alunos dessa

modalidade.

Pensado e elaborado, o protótipo foi implementado, revelando que há

desafios e obstáculos a serem transpostos, muito além de interferências,

necessárias e significativas, que visem à adequação e ao aperfeiçoamento das

atividades.

Há barreira facilmente neutralizada, como a época, pois em hipotética,

porém desejável, substituição de material, certamente o consenso indicará o início

de ano letivo para tal ação.

Outras, como o estranhamento e a resistência ao novo, determinam

gradação, persistência e convencimento, já que envolvem hábitos e certo

comodismo, mas também implicam em cuidados que não permitam reincidência –

novos hábitos.

Já os desafios que podem ser considerados culturais, como a dependência

do professor, oferecem maior resistência, pois essa não é gratuita ou resultante de

convívio, sinaliza muito mais para a visão do professor como detentor do saber e

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responsável por transmiti-lo, que ainda persiste. Portanto, implicam em reflexão,

análise e mudanças de todos que atuam na educação, atingindo,

consequentemente, toda a sociedade.

Esse mesmo traço se reflete em relação ao material proposto, considerado

difícil, visto que não monológico, exigindo habilidades de leitura que permitam

interação e construção de conhecimento e aí, o ponto neurálgico – ensinamos a ler?

Entendemos, como HILA (2009), que a escola não tem dado conta da

formação de leitores críticos, fato comprovado pelas diferentes avaliações externas

realizadas e divulgadas, bem como compactuando com a necessidade de se

ressignificar o ensino de leitura, emprestando os termos da autora.

Ainda em conformidade com HILA (2009), para que haja essa

ressignificação, é necessário, imprescindível, o diálogo entre a teoria e a prática,

pela parceria entre professores formadores e professores em exercício em todos os

níveis e modalidades de ensino. As reações advindas dessa parceria certamente

provocariam mudanças e, consequentemente, o ensino de leitura que forma leitores

proficientes, autônomos, críticos.

Os aspectos já apontados não são exclusivos da/na EJA, embora sejam,

talvez, mais sentidos ou notórios, particularmente nos CEEBJAs, que acolhem e

refletem o todo, visto que a maioria de seus alunos são egressos do Ensino Regular,

favorecendo diversidade e especificidades e, por isso, requerem um olhar diferente e

único.

Esse olhar diferenciado captaria, por exemplo, a necessidade de material

didático específico para a organização individual. Também reconheceria a

indispensável vivência, nessa modalidade, para e na construção desse material, que

tem destinatários com características e objetivos diferentes dos alunos da EJA fase I

ou dos que frequentam o coletivo, na fase II, que precisam ser reconhecidos e

atendidos.

O reconhecimento ao diferente, que promove a inclusão tão propagada e

cobrada, precisa estender-se aos CEEBJAs, frutos de um projeto para trabalhadores

que não podiam frequentar regularmente as escolas de EJA, no seriado, há mais de

vinte anos.

Projeto que se transformou em escolas comprometidas com a educação de

qualidade e com seus alunos (adolescentes, jovens, adultos e idosos, não apenas

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trabalhadores) e, ainda hoje, pouco conhecidas de fato, muitas vezes excluídas das

políticas de governos para a Educação, como toda a EJA, quando deveriam ter

políticas de estado, específicas e sólidas, principalmente se consideradas sua

abrangência e suas características inclusivas.

Com políticas específicas, certamente alguns obstáculos encontrados na

implementação do material não existiriam, como a organização física dos alunos, por

exemplo. Todavia, se não houvesse o vácuo, não teríamos, de repente, a motivação,

a experiência e as certezas conquistadas no percurso da carreira e para a realização

do material.

Concretizado, o material foi partilhado, analisado e implementado. Também

acabado? Não, pode e deve ser melhorado, ampliado, adaptado; que seja apenas

um protótipo, uma direção. Uma certeza é a de que nos incomodou e também a

nossos pares, provocando reações que podem significar transformações que, assim

como o material, demandam tempo para que sejam aceitas, logo, podem ser

pequenas, porém gradativas e contínuas.

Por fim, a utopia continua, o caminho foi apontado, resta-nos ter fôlego e

amparo necessários para percorrê-lo em direção à efetivação do objetivo maior: a

escola promotora, de fato, de práticas de letramentos que resultem em leitores

ativos, autônomos e críticos.

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