Implicações do nexo técnico epidemiológico previdenciário sobre a ação indenizatória por acidente do trabalho

Embed Size (px)

Citation preview

Implicaes do nexo tcnico epidemiolgico previdencirio sobre a ao indenizatria por acidente do trabalhoRoseli Quaresma Bastos Resumo: O presente estudo visa analisar o nexo tcnico epidemiolgico previdencirio- NTEP e seus efeitos sobre a ao indenizatria por acidente do trabalho. Preliminarmente, trata da problemtica social que envolve o acidente do trabalho, da evoluo legislativa de amparo ao funcionrio acidentado, bem como das definies extradas da Lei n. 8.213/1991.Posteriormente, aprofunda-se a hiptese de caracterizao do acidente do trabalho a partir das doenas ocupacionais, as quais podero ser declaradas, voluntariamente, pelo empregador atravs da Comunicao de Acidente do Trabalho- CAT ou pelo perito do Instituto Nacional de Seguro Social- INSS atravs do NTEP. Nesse sentido, pontua o conceito do NTEP, assim como relata as garantias concedidas pela legislao ao trabalhador acidentado nas esferas previdenciria, trabalhista e civil. Esta ltima possui maior destaque, vez que desenvolve a temtica da responsabilidade civil do empregador frente aos danos causados pelo acidente do trabalho ao funcionrio.

Palavras chaves: Acidente do Trabalho. Empregado. Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio. Direito. Trabalho. Previdencirio. Cvel. Responsabilidade.

Sumrio: 1. Introduo; 2. Acidente do Trabalho; 2.1. Consideraes Iniciais; 2.2. Evoluo Legislativa; 2.3. Definio de Acidente do Trabalho; 3. Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio- NTEP; 3.1. Doenas Ocupacionais; 3.2. Comunicao de Acidente do Trabalho; 3.3. Definio do Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio; 3.4. Garantias do Empregado com a Caracterizao do Acidente do Trabalho; 4. Responsabilidade Civil do Empregador; 4.1. Abordagem Inicial; 4.2. Danos Morais, Materiais e Estticos; 4.3. Responsabilizao; 5. Consideraes Finais; Referncias Bibliogrficas;

1. INTRODUOO presente trabalho debate problemtica existente na relao jurdica trabalhista frente tipificao do acidente do trabalho pelo empregador atravs do comunicado de acidente do trabalho e a criao do nexo tcnico epidemiolgico previdencirio.

Nesse sentido, objetiva abordar os aspectos que envolvem o nexo tcnico epidemiolgico previdencirio, na tipificao do acidente do trabalho e as suas conseqncias nas esferas previdencirias, trabalhistas e principalmente na cvel, no que tange a responsabilizao do empregador.

Para tanto, o trabalho foi confeccionado a partir da pesquisa bibliogrfica e eletrnica dos principais sites especializados.

A investigao inicia-se com algumas consideraes sobre a ocorrncia de acidentes do trabalho na sociedade moderna, abordando a sua problemtica entre capital x trabalho. Aponta-se, nesse sentido, a evoluo legislativa das normas que regem os infortnios trabalhistas, chegando s suas definies modernas consagradas pela Lei n. 8.213/1991.

Em um segundo momento, discute-se Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio - NTEP, iniciando-se a discusso nas doenas ocupacionais, as quais so equiparadas a acidente do trabalho, na Comunicao de Acidente do Trabalho- CAT e propriamente do NTEP, pontuando sua definio e importncia na caracterizao do acidente do trabalho e, conseqentemente, sobre as garantias legislativas concedidas ao empregado acidentado no mbito trabalhista e previdencirio.

Aps, discute o reflexo da caracterizao do acidente do trabalho a partir do NTEP na seara da responsabilidade civil do empregador. Dessa forma, reflete sobre os principais conceitos que envolvem o tema e critica a aplicao incondicional da responsabilizao civil objetiva do empregador frente aos infortnios trabalhistas.

Por conseguinte, nota-se que o trabalho possui importncia jurdico-social, pois, alm de sintetizar os principais tpicos do direito do trabalho, previdencirio, questiona a atuao dos magistrados nas aes indenizatrias trabalhistas por acidentes do trabalho.

2 ACIDENTE DO TRABALHO

2.1 Consideraes Iniciais:

Os acidentes de trabalho comprometem de sobre maneira a produtividade econmica. So responsveis por grande impacto no sistema de proteo social e interferem no nvel de satisfao do trabalhador e no bem-estar da sociedade, alm do que representam altos custos humanos e sociais, pouco conhecidos quer no mbito empresarial ou no governamental.

Atenta-se que o acidente do trabalho reflete negativamente a todas as partes envolvidas. Ao trabalhador e sua famlia, os prejuzos so financeiros e emocionais. J na empresa ocorrem prejuzos financeiros, pelo afastamento temporrio do funcionrio e pelo eventual custo em ao indenizatria pelos danos morais e materiais causados ao empregado. Em contrapartida, o governo, sofre com os altos gastos com sade pblica e com a Previdncia Social.

Segundo Paulo Rogrio Albuquerque de Oliveira (2010, p. 13/14) no ano de 2006, foram notificados atravs da Comunicao do Acidente do Trabalho- CAT, 503.890 acidentes do trabalho na populao empregada, sendo que 2.717 foram fatais. Atenta-se que isso representa quatro acidentes por minuto e 10 bitos por dia til, situao absurda quando se trata de um pas emergente.

Por certo, o perfil apresentado pelo Brasil alarmante, principalmente com o aumento das doenas modernas, as quais so influenciadas pelo ambiente de trabalho e, portanto, caracterizadas como acidentes do trabalho. Salienta-se que tais enfermidades so, muitas vezes, ignoradas pelos empregadores, que se omitem na emisso da Comunicao do Acidente do Trabalho- CAT.

2.2 Evoluo Legislativa:

Como relatado, os acidentes do trabalho so bastante comuns na sociedade moderna, considerando o contraponto lucro x bem-estar do empregado. Para tanto, ao longo dos anos, houve a necessidade da criao de normas especificas, a fim de proteger o trabalhador frente aos infortnios trabalhistas.

O primeiro diploma legal a tratar do acidente do trabalho foi o Cdigo Comercial (1850), que garantiu ao preposto lesionado trs meses de salrio.

J a Lei n. 3.724/1919 inovou trazendo a primeira lei geral sobre os acidentes do trabalho, a qual baseou sua atuao na responsabilidade civil do empregador pelos infortnios decorrentes de dolo e culpa e, ainda, tratou dos casos fortuitos.

Logo aps, a Constituio Federal de 1934 tratou da proteo ao acidente de trabalho, como prestao previdenciria, e determinou a contratao de seguro de natureza privada, a cargo da empresa.

O Decreto n. 24.637/1934 esclareceu sobre o direito de penso por morte aos herdeiros do acidentado. Da mesma forma, o Decreto-lei n. 7.036/1944 estendeu as hipteses de acidente do trabalho, abarcando as concausas, o perodo in itinere e os intervalos de trabalho e a proteo do trabalhador urbano.

Novamente, a Constituio Federal de 1946 pontuou a obrigatoriedade de o empregador manter o Seguro de Acidente do Trabalho- SAT, que at ento no era monopolizado pela Previdncia Social.

A Lei n. 5.316/1967, buscando a evoluo dos direitos do empregado acidentados, adotou a teoria do risco social, integrou o seguro de acidentes do trabalho na Previdncia, abarcando as doenas profissionais e do trabalho, tornou a explorao do SAT monoplio Estatal, sendo excludas as seguradoras privadas.

A Lei n. 6.195/1974 beneficiou os empregados rurais com o SAT, passando esses a terem assegurados a proteo acidentria.

A Constituio Federal de 1988 apontou o acidente do trabalho como risco social, portanto passvel de proteo previdenciria. O SAT permanece incumbncia do empregador, mas isso no excluiu o direito do trabalhador a indenizao por dolo ou culpa.

Por fim, a Lei n 8.213/1991 consagrou as definies de acidente do trabalho, assim como os procedimentos previdencirios cabveis. Atenta-se que tal regra, apesar de possuir cunho eminentemente previdencirio, intervm de sobre maneira no mbito trabalhista, assegurando direitos aos obreiros, situao que ser melhor abordada no decorrer no trabalho.

Como se verifica, o acidente do trabalho encontra-se nas pautas de discusso legislativa desde o ano de 1850, com o Cdigo Comercial, o que anunciava, desde longa data, o conflito de interesses, especialmente, entre empregado e patro.

2.3 Definio do Acidente de Trabalho:

Em sntese, considera-se como acidente do trabalho, no apenas o incidente que envolva o trabalhador no desempenho de suas atividades profissionais, mas todas aquelas situaes/enfermidades desenvolvidas no labor.

De acordo com o art. 19 da Lei n. 8.213/1991 o acidente de trabalho infortnio ocorrido no exerccio do trabalho ou proveniente do labor que gera incapacidade ou a prpria morte do empregado, como se verifica:

Art. 19. Acidente do trabalho o que ocorre pelo exerccio do trabalho a servio da empresa ou pelo exerccio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando leso corporal ou perturbao funcional que cause a morte ou a perda ou reduo, permanente ou temporria, da capacidade para o trabalho.

1 A empresa responsvel pela adoo e uso das medidas coletivas e individuais de proteo e segurana da sade do trabalhador.

2 Constitui contraveno penal, punvel com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurana e higiene do trabalho.

3 dever da empresa prestar informaes pormenorizadas sobre os riscos da operao a executar e do produto a manipular.

4 O Ministrio do Trabalho e da Previdncia Social fiscalizar e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharo o fiel cumprimento do disposto nos pargrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.

Da mesma forma, o art. 20 da Lei n. 8.213/1991 equiparou a acidente do trabalho as doenas profissionais e do trabalho, como exposto:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mrbidas:

I - doena profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerccio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relao elaborada pelo Ministrio do Trabalho e da Previdncia Social;

II - doena do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em funo de condies especiais em que o trabalho realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relao mencionada no inciso I.

J o art. 21 da Lei n. 8.213/1991 enumerou diversas situaes as quais, em funo de sua relao mesmo que indireta com o trabalho foram tipificadas como acidentes laborais:

Art. 21. Equiparam-se tambm ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:

I - o acidente ligado ao trabalho que, embora no tenha sido a causa nica, haja contribudo diretamente para a morte do segurado, para reduo ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido leso que exija ateno mdica para a sua recuperao;II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horrio do trabalho, em conseqncia de:a) ato de agresso, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;b) ofensa fsica intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;c) ato de imprudncia, de negligncia ou de impercia de terceiro ou de companheiro de trabalho;d) ato de pessoa privada do uso da razo;e) desabamento, inundao, incndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de fora maior;III - a doena proveniente de contaminao acidental do empregado no exerccio de sua atividade;IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horrio de trabalho:a) na execuo de ordem ou na realizao de servio sob a autoridade da empresa;b) na prestao espontnea de qualquer servio empresa para lhe evitar prejuzo ou proporcionar proveito;c) em viagem a servio da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitao da mo-de-obra, independentemente do meio de locomoo utilizado, inclusive veculo de propriedade do segurado;d) no percurso da residncia para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoo, inclusive veculo de propriedade do segurado. 1 Nos perodos destinados a refeio ou descanso, ou por ocasio da satisfao de outras necessidades fisiolgicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado considerado no exerccio do trabalho. 2 No considerada agravao ou complicao de acidente do trabalho a leso que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha s conseqncias do anterior.

Para tanto, pode-se dizer que so caractersticas do acidente de trabalho a exterioridade da causa do acidente (dizer que o infortnio decorre de um evento causado por agente externo, ou seja, o mal que atinge o individuo no congnito ou preexistente), a violncia (considera-se como o fato que viola a integridade do individuo), a subtaneidade (o fato causador abrupto, apesar de seus efeitos poderem surgir posteriormente), e a relao com a atividade laboral (impe que a situao fatdica tenha ocorrido no desempenho de atividade laborativa). (CASTRO, 2011, p. 570/571).

Pelo exposto, todas essas as situaes expostas so caracterizadas como acidente do trabalho, restando direitos e obrigaes para as partes envolvidas (empregado, empregador e governo).

3 Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio - NTEP

3.1 Das Doenas Ocupacionais:Antes de adentrar no Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio- NTEP importante aprofundar a analise das doenas ocupacionais, que, conforme relatado anteriormente, em funo do art. 20 da Lei n. 8.213/1991 sero consideradas acidente do trabalho.

Em sntese, as doenas ocupacionais so aquelas que surgiram em funo da atividade laboral desempenhada pelo individuo, ocasionadas pela constante exposio a agentes fsicos, qumicos e biolgicos, ou pela inadequada utilizao dos recursos tecnolgicos, tais como a informtica.

Em regra, as doenas ocupacionais classificam-se em profissionais e do trabalho:Classifica-se como doena profissional aquela decorrente de situaes comuns aos integrantes de determinada categoria de trabalhadores, relacionada como tal no Decreto n. 3.048/99, Anexo II, ou, caso comprovado o nexo causal entre a doena e a leso, aquela que seja reconhecida pela Previdncia, independentemente de constar na relao. So tambm chamadas de idiopatias, tecnopatias, ou ergopatias. So comuns aos profissionais de certa atividade, como, por exemplo, a pneumoconiose, entre os mineiros.

Denomina-se doena do trabalho aquela adquirida ou desencadeada em funo de condies especiais em que o trabalho realizado e com ele se relacione diretamente, estando elencada no referido Anexo II do Decreto n. 3.048/99, ou reconhecida pela Previdncia. [...] exemplo dos Distrbios do Sistema Osteomuscular Relacionados ao Trabaho- DORT, dos quais as leses por esforo repetitivo so o principal evento; so casos em que as condies inadequadas sob o prisma da ergonomia, desenvolvem os problemas tpicos. A preveno, no caso, deve ser baseada na limitao do tempo de exposio (durao da jornada e concesso de pausas regulares), na alterao do processo e organizao do trabalho (evitando excessos de demanda) e na adequao de mquinas, moblia, equipamentos e ferramental do trabalho s caractersticas ergonmicas dos trabalhadores. [...] (CASTRO, 2011, p. 573).

Nota-se, que para a caracterizao do acidente do trabalho a partir de uma doena ocupacional faz-se necessrio presena do nexo causal, qual seja o vinculo ftico que liga a incapacidade ou morte do empregado sua causa.

Nesse caso, poder o empregador, voluntariamente, emitir a Comunicao de Acidente do Trabalho, pois vinculou a enfermidade incapacitante atividade profissional desenvolvida junto empresa. Contudo, tal situao apresenta-se como uma exceo, tendo em vista o conjunto de garantias concedidas ao empregado, que fogem aos interesses dos patres.

No entanto, observou-se, ao longo dos tempos, que os empregados portadores de doenas ocupacionais, diante da omisso dos empregadores em emitir a CAT, assim como pela dificuldade do INSS em apontar a vinculao entre a enfermidade e da atividade laboral, foram lesados quanto a seus direitos. Ressalta-se que sem a caracterizao do acidente do trabalho (doena ocupacional) o funcionrio no ter garantido diversos direitos trabalhistas, cveis e previdencirios.

Por isso, no ano de 2006, atravs da Lei n. 11.430, houve a criao do Nexo Tcnico Previdencirio, o qual concedeu ao perito do Instituto Nacional de Seguro Social a faculdade, de acordo com os elementos apresentados, de tipificar o acidente do trabalho, mesmo sem a apresentao da Comunicao de Acidente do Trabalho- CAT.

3.2 Comunicao de Acidente do Trabalho:

Em regra, ocorrido o acidente do trabalho ou verificada a doena ocupacional, o empregador esporadicamente dever comunicar o fato a Previdncia Social, nos termos do art. 22 da Lei n. 8.213/1991:

Art. 22. A empresa dever comunicar o acidente do trabalho Previdncia Social at o 1 (primeiro) dia til seguinte ao da ocorrncia e, em caso de morte, de imediato, autoridade competente, sob pena de multa varivel entre o limite mnimo e o limite mximo do salrio-de-contribuio, sucessivamente aumentada nas reincidncias, aplicada e cobrada pela Previdncia Social.

1 Da comunicao a que se refere este artigo recebero cpia fiel o acidentado ou seus dependentes, bem como o sindicato a que corresponda a sua categoria.

2 Na falta de comunicao por parte da empresa, podem formaliz-la o prprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o mdico que o assistiu ou qualquer autoridade pblica, no prevalecendo nestes casos o prazo previsto neste artigo.

3 A comunicao a que se refere o 2 no exime a empresa de responsabilidade pela falta do cumprimento do disposto neste artigo.

4 Os sindicatos e entidades representativas de classe podero acompanhar a cobrana, pela Previdncia Social, das multas previstas neste artigo.

5o A multa de que trata este artigo no se aplica na hiptese do caput do art. 21-A. (Includo pela Lei n 11.430, de 2006)

Nesse sentido, caso o comunicado de acidente do trabalho no seja formalizado pela empresa, essa ser penalizada com multa varivel entre o limite mnimo e o limite mximo do salrio de contribuio, sucessivamente aumentada nas reincidncias, sendo essa aplicada e exigida pela Previdncia Social.

Conforme disposto no 2 do art. 22 da Lei n. 8.213/1991, na falta de comunicao do acidente do trabalho pelo empregador, esse poder ser formalizado pelo prprio acidentado, seus dependentes, entidade sindical competente, mdico que assistiu ou qualquer autoridade pblica.

Contudo, mesmo com a emisso do comunicado por aqueles sujeitos de direito, a empresa empregadora permanecer obrigada ao pagamento da multa prevista no art. 22 da Lei n. 8.213/1991.

Sobre o tema cumpre salientar as palavras de Gustavo Filipe Barbosa Garcia:

Mesmo assim, essa comunicao subsidiria, pelas empresas acima arroladas (art. 22, 2 da Lei n. 8.213/1991), no exime a empresa de responsabilidade pela falta de cumprimento do disposto no art. 22. Tanto assim, que os sindicatos e as entidades representativas de classe podero acompanhar a cobrana, pela Previdncia Social, das multas previstas nesse dispositivo. Assim, desrespeitando a empresa o seu dever legal de emitir a CAT, no h uma imposio para que o prprio trabalhador acidentado o faa. Trata-se de mera faculdade dele, no se podendo sanciona-lo nem impor-lhe consequncias adversas pelo seu no exerccio.

Como se nota, em principio, cabe empresa comunicar o acidente do trabalho Previdncia Social. Apenas na falta dessa comunicao pelo empregador que podem formaliza-la o prprio acidentado, seus dependentes, a entidades sindical competente, o mdico que o assistiu ou qualquer autoridade pblica (2 do art. 22).

Da mesma forma, o art. 169 da CLT tambm prev que: Ser obrigatria a notificao das doenas profissionais e das produzidas em virtude de condies especial de trabalho, comprovadas ou objeto de suspeita, de conformidade com as instrues expedidas pelo Ministrio do Trabalho. Nesse sentido, observa-se a regulamentao prevista na NR da Portaria 3.214/1978, no item 7.4.8. (GARCIA, 2011. p. 51/52)

Contudo, diante da falta de efetividade da imposio do art. 22 da Lei n. 8.213/1991, seja pela esquiva do empregador, pela ignorncia do empregado na busca de seus direitos ou pela omisso da Previdncia Social em aplicar a respectiva multa, o legislador ciente da problemtica social foi obrigado a mudar a sistemtica de caracterizao do acidente do trabalho, atravs da criao do Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio- NTEP.

3.3 Definio do Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio:

A Lei n. 11.430/2006 inovou em criar o Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio- NTEP como alternativa a caracterizao do acidente do trabalho.

Nota-se que com essa modificao legislativa, que inseriu novo artigo Lei n. 8.213/1991, possibilitou ao perito do Instituto Nacional de Seguro Social- INSS vinculao do problema de sade a atividade profissional do trabalhador, como se verifica:

Art. 21-A. A percia mdica do INSS considerar caracterizada a natureza acidentria da incapacidade quando constatar ocorrncia de nexo tcnico epidemiolgico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relao entre a atividade da empresa e a entidade mrbida motivadora da incapacidade elencada na Classificao Internacional de Doenas - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento.

1o A percia mdica do INSS deixar de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistncia do nexo de que trata o caput deste artigo. 2o A empresa poder requerer a no aplicao do nexo tcnico epidemiolgico, de cuja deciso caber recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdncia Social.

Infere-se que a expresso epidemiolgica abarca o estudo interdisciplinar das situaes que influenciam na perpetuao de enfermidades e na sua propagao na sociedade.

Por conseguinte, ao mdico perito do INSS, para estabelecer o nexo tcnico epidemiolgico, dever atentar para as caractersticas individuais do trabalhador (sade + atividade profissional) com os dados coletivos laborais. Assim, presente a vinculao entre a doena ocupacional incapacitante, a atividade laboral e os dados coletivos poder o servidor da Previdncia Social tipificar o acidente do trabalho.

A fim de reformar o tema, cumpre transcrever as palavras de Fabio Zambitte Ibrahim:

[...] Neste contesto, o NTEP permite o reconhecimento, de ofcio, da incapacidade como derivada do trabalho, por meio de correlao entre a atividade econmica da empresa e da doena ocupacional- h correlao entre o CNAE e a tabela CID. Tal relao foi feita por meio de anlises estatsticas, que expe as doenas ocupacionais tpicas entre determinadas atividades econmicas. Naturalmente, a correlao no ser verdadeira em todas as situaes, mas o mrito da Lei n. 11.430/06, ao inserir o art. 21-A e impondo-o empresa, que efetivamente assume o risco da atividade econmica (IBRAHIM, 2011, p. 21).

Importante registrar que no haver a utilizao do nexo tcnico epidemiolgico previdencirio para a configurao do acidente do trabalho tpico sentido stricto, ou seja, aquele fato ocorrido durante a atividade laboral que tenha ocasionado na morte ou incapacidade do empregado.

Infere-se que, de acordo com o art. 20-A, 2 da Lei n. 8.213/1991 poder a empresa requerer a no aplicao do nexo tcnico epidemiolgico, contudo, inexiste na legislao, a obrigatoriedade de previa notificao do empregador da concluso do perito da Autarquia Previdncia, a fim de permitir sua defesa ou justificao.

Tal situao, certamente, deixa a empresa em desvantagem, pois, aps a concesso do beneficio previdencirio acidentrio, passa a existir presuno jurdica (juris tantum) que confere ao funcionrio diversas garantias.

Nesse ponto, importante ressaltar a Smula n. 42 do Tribunal Superior de Trabalho que confere ao nexo tcnico epidemiolgico previdencirio grande destaque na esfera trabalhista: Presume-se a ocorrncia de acidente de trabalho, mesmo sem a emisso da CAT- Comunicao de Acidente de Trabalho, quando houver nexo tcnico epidemiolgico conforme art. 21-A da Lei n. 8.213/1991.

Ainda sobre o tema, ressalta-se que a pericia mdica da Autarquia Previdenciria, caso verifique indcios de culpa ou dolo por parte da empresa que contriburam para a incapacidade ou bito do segurado, ter que oficiar a Procuradoria Federal para, se for o caso, ingressar com ao regressiva contra os responsveis, nos termos do arts. 120 e 121 da Lei n. 8.213/1991, com forma ressarcir a Previdncia Social com os gastos no pagamento dos benefcios.

Dessa forma, com a tipificao do acidente do trabalho, seja pela emisso do comunicado de acidente do trabalho ou a partir do Nexo Tcnico Epidemiolgico Trabalhista, passam propagar diversos efeitos no mundo jurdico.

3.4 Garantias do Empregado com a Caracterizao do Acidente do Trabalho:

A legislao previdenciria, trabalhista e civil confere ao empregado acidentado diversas garantias, as quais, em funo dos consequentes prejuzos ao patro, problematizam a caracterizao voluntaria do acidente do trabalho, como j exposto.

Entretanto, nesse tpico cabe a abordagem, sem a inteno de esgotar o tema, de alguns benefcios concedidos ao empregado acidentado, conferidos pela legislao ptria. Ressalta-se que a responsabilizao civil do empregador ser mais bem especificada em item individualizado, considerando a sua grande importncia.

Inicialmente, enfocando a legislao previdenciria, o bito ou incapacidade do empregado ocasionado pelo acidente do trabalho gerar a concesso de benefcios junto ao Instituto Nacional de Seguro Social- INSS, quais sejam auxlio-doena acidentrio, auxlio-acidente, aposentadoria por invalidez acidentria, penso por morte e reabilitao profissional.

Atenta-se que por existir vinculao da enfermidade ou bito com o acidente do trabalho, a Previdncia Social no exigir carncia mnima para o segurado usufruir dos referidos benefcios (art. 26 da Lei n. 8.213/1991). Ou seja, no ser obrigatrio um tempo mnimo de contribuies.

Infere-se que o auxlio-doena acidentrio ser devido ao segurado que estiver incapacitado temporariamente para o desempenho de sua atividade laboral por prazo superior a 15 dias (arts. 59 e 60 da Lei n. 8.213/1991).

Entretanto, caso o abalo a sade do trabalhador seja total e permanente, poder ser-lhe concedido aposentadoria por invalidez (art. 42 da Lei n. 8.213/1991), sendo, para tanto, proibido a concomitncia do beneficio com a remunerao em qualquer atividade laboral.

J o segurado que, em gozo de auxlio-doena, no tiver condies de retornar a sua atividade laboral, sendo sua incapacidade parcial e permanente, poder ser incluso em programa de reabilitao profissional, a fim de facilitar a sua reinsero no mercado de trabalho (art. 89 da Lei n. 8.213/1991) em ramo profissional adequado as suas limitaes.

Salienta-se que o trabalhador, em funo do acidente do trabalho, que apresentar leses que resultem na reduo de sua capacidade laborativa habitual, poder perceber mensalmente, at a sua aposentadoria, auxlio-acidente (art. 86 da Lei n. 8.213/1991). Nesse caso, o trabalhador poder receber concomitantemente o beneficio previdencirio e os rendimentos de sua labor.

E, por fim, ser concedida a penso por morte, em conformidade com o art. 74 da Lei n. 8.213/1991, quando ocorrer o bito do segurado em virtude do acidente de trabalho, momento em que o beneficio ser concedido aos dependentes habilitados.

Na esfera trabalhista, um dos principais efeitos da tipificao do acidente do trabalho a estabilidade provisria prevista no art. 118 da Lei n. 8.213/1991, como se verifica:

Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mnimo de doze meses, a manuteno do seu contrato de trabalho na empresa, aps a cessao do auxlio-doena acidentrio, independentemente de percepo de auxlio-acidente.

Entretanto, o referido dispositivo legal deve ser interpretado em conformidade com a Smula n. 378 do Tribunal Superior do Trabalho:

378 - Estabilidade provisria. Acidente do trabalho. art. 118 da Lei n 8213/1991. Constitucionalidade. Pressupostos. (Converso das Orientaes Jurisprudenciais ns 105 e 230 da SDI-1 - Res. 129/2005, DJ 20.04.2005)

I - constitucional o artigo 118 da Lei n 8.213/1991 que assegura o direito estabilidade provisria por perodo de 12 meses aps a cessao do auxlio-doena ao empregado acidentado. (ex-OJ n 105 - Inserida em 01.10.1997)

II - So pressupostos para a concesso da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqente percepo do auxlio doena acidentrio, salvo se constatada, aps a despedida, doena profissional que guarde relao de causalidade com a execuo do contrato de emprego. (Primeira parte - ex-OJ n 230 - Inserida em 20.06.2001)

Alerta-se que o acidente do trabalho somente gerar a estabilidade prevista no art. 118 da Lei n. 8.213/1991 quando a incapacidade determinar o afastamento do funcionrio pelo prazo superior a 15 dias.

Infere-se que durante o perodo de afastamento o empregador permanece obrigado a realizar os depsitos do Fundo de Garantia por Tempo de Servio, computo do tempo de afastamento para fins de indenizao e estabilidade, assim como para aquisio de frias, desde que inferior a 6 meses.

Para tanto, cumpre transcrever os ensinamentos de Mauricio Godinho Delgado:[...]

As regras especiais que distinguem o presente caso de suspenso contratual so:

a) Computa-se o perodo de afastamento em face de acidente do trabalho (ou doena ocupacional), para fins de indenizao e estabilidade celetista (se aplicveis as figuras) pargrafo nico do art. 4 da CLT. Note-se, de todo mundo, que esta ressalva praticamente no mais subsiste, no plano da realidade, j que a Carta de 1988 inviabilizou novas aquisies de indenizaes e estabilidade celetistas no cenrio do pas (art. 7, I, e art. 10, ADCT, CF/88, que revoga, tacitamente, os arts. 477 caput, e 492, da CLT).

b) Computa-se o perodo de afastamento para fins de depsitos de FGTS (art. 28, Decreto n, 99.684/90 Regulamento do FGTS [...]). Os depsitos do FGTS, portanto, devem ser efetuados diretamente pelo empregador na respectiva conta vinculada obreira.

c) Computa-se perodo de afastamento previdencirio por acidente do trabalho ou por enfermidade desde que inferior a 6 meses para fins de perodo aquisitivo de frias do empregado ( art. 131, III, CLT). Aqui a lei no distingue a causa do afastamento previdencirio: qualquer doena (mesmo no profissional) enseja a exceo legal, favorecendo o obreiro com a contagem do tempo para fins de frias. [...] (DELGADO, 2007. P. 1073/1074)

Como relatado, o acidente de trabalho, caracterizado pelo NTEP ou pela CAT, gera diversas garantias ao empregado, que so desvantajosas ao empresrio. Por isso fcil entender o conflito de interesses existente sobre essa temtica, ainda mais, aps o enfoque da responsabilidade civil, prximo tpico a ser abordado.

4 Responsabilidade Civil do Empregador

4.1 Abordagem Inicial:

O infortnio trabalhista, aqui considerada sob a sua definio mais ampla, incluindo as doenas ocupacionais, poder acarretar prejuzos morais e materiais ao empregado, passiveis de indenizao pelo empregador, quando comprovada violao ao direito da personalidade. Infere-se que a ao indenizatria, regida pelas normas de direito civil, poder ser proposta, sem prejuzo dos benefcios acidentrios concedidos pelo INSS.

Tal entendimento encontra-se sedimentado na Constituio Federal, art. 7, XXVIII:

Art. 7- So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social: [...]

XXVIII- seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenizao a que este esteja obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; [...]

4.2 Danos Morais, Materiais e Estticos:

Ento, dano significa o prejuzo causado ao individuo que venha a acarretar-lhe leso bem jurdico tutelado, podendo ser de natureza moral e material.

Por sua vez, o dano moral constitui-se na leso em direitos extrapatrimoniais, tais como a honra, a dignidade, a imagem e a intimidade, que ocasione dor e sofrimento ao indivduo. Da mesma forma, o dano esttico caracteriza-se na leso a imagem fisicamente materializada. Por exemplo, uma grande cicatriz causada pelo acidente do trabalho.

Em contrapartida, o dano material aquele em que houve a violao de direitos patrimoniais. Nesse ponto, analisa-se sobre dois aspectos, o que efetivamente se perdeu (dano emergente) e o que deixou de ganhar com a perda inicial (lucros cessantes).

O doutrinador Maurcio Godinho Delgado integra, com propriedade, a temtica do acidente do trabalho com os seus possveis danos, como se verifica:

As distintas leses acidentrias podem se traduzir em deterioraes fsico-mentais do individuo em decorrncia do ambiente laborativo ou da forma de postura durante o cumprimento da prestao de servios (doenas profissionais, especificadamente). Podem ainda tais leses resultar de acidente do trabalho, que se traduz em fato ou ato unitrio, regra geral, ou pelo menos concentrado no tempo, que produz significativa agresso higidez fsico-mental do trabalhador.

As leses acidentrias podem causar perdas patrimoniais significativas ao trabalhador. Em primeiro lugar, o tocante aos prprios gastos implementados para sua recuperao (alm daqueles previdenciariamente acobertados, se for o caso). E, segundo lugar, podem produzir restrio relevante ou, at mesmo, inviabilizao da atividade laborativa do empregado, conforme gravidade da leso sofrida. [...]

As leses acidentrias tambm podem causar dano moral ao trabalhador. Este, como visto, consiste em toda dor fsica ou psicolgica injustamente provocada em uma pessoa humana. Neste quadro a doena ocupacional, a doena profissional e o acidente do trabalho podem, segundo a sua gravidade, provocar substanciais dores fsicas e psicolgicas no individuo, com intensidade imediata ou at mesmo permanente, ensejando a possibilidade jurdica de reparao.[...]

As leses acidentrias tambm podem causar dano esttico pessoa humana atingida. A indenizao caber, segundo Sebastio Geraldo de Oliveira,no caso de a leso comprometer a harmonia fsica da vitima. Esclarece o autor que no se est diante, rigorosamente, de um terceiro gnero de danos, mas de uma especificidade destacada do dano moral. [...] (DELGADO, 2007, p. 616/618).

Apesar da discusso sobre o dano esttico compor o dano moral, o Supremo Tribunal de Justia, atravs da Smula n. 387 pacificou o assunto dizendo que lcita cumulao das indenizaes de dano esttico e moral.

Para tanto, conhecidos os tipos de danos amparados pelo direito civil, assim como a sua relao com o acidente do trabalho, passa-se a debater a responsabilizao do empregador propriamente dita.

4.3 Responsabilizao:

Ocorrido o acidente do trabalho ou doena ocupacional, caracterizada pela CAT ou pelo NTEP, que causou significativo dano ao funcionrio, poder existir o dever de indenizao pelo empregador.

Inicia-se a abordagem do tema citando os arts. 186 e 927 do Cdigo Civil:

Art. 186. Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilcito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repar-lo.

Pargrafo nico. Haver obrigao de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Desses dispositivos legais, conclui-se que a responsabilizao civil, em regra, exige a presena da ao ou omisso do agente (dolosa ou culposa), o dano (moral, material e/ou esttico) e o nexo causal existente entre ambos (arts. 186 e 927 caput do Cdigo Civil). Nesse caso, diz-se a aplicao da responsabilidade civil subjetiva, ou seja, haver a necessidade de comprovao do dolo ou culpa do agente causador do prejuzo.

Contudo, a legislao, no art. 927, pargrafo nico do Cdigo Civil, excepcionou a regra supra para os casos em que atividade seja de risco, dizendo que haver o dever de indenizar mesmo que o agente no tenha agido com dolo ou culpa. Nessa hiptese se estar frente responsabilidade civil objetiva, ou seja, independentemente da comprovao do dolo ou culpa do agente que causou o dano, haver o dever de indenizar.

No que tange a responsabilidade objetiva, assevera-se que haver situaes em que inexistir o dever de indenizar, quais sejam a culpa exclusiva da vitima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a fora maior (VENOSA, 2004, p. 46).

No mbito do direito do trabalho, mais precisamente nos acidentes do trabalho, em funo do risco natural do empreendimento aplica-se a responsabilidade objetiva, conforme entendimento que se consolida na doutrina:

Com os avanos produzidos pela Carta Magna, a reflexo jurdica tem manifestado esforos dirigidos a certa objetivao da responsabilidade empresarial por danos acidentrios. Tal tendncia objetivao, evidentemente, no ocorre no campo dos danos morais e imagem que no tenham relao com a infortunstica do trabalho. De fato, essencialmente na seara da infortunstica que as atividades laborativas e o prprio ambiente de trabalho tendem a criar para o obreiro, regra geral, risco de leses mais acentuado do que o percebido na generalidade de situaes normalmente vivenciadas pelo individuo na sociedade. (DELGADO, 2007, p. 621).

A teoria do risco surgiu durante a crise do modelo de estado liberal em que a liberdade e a autonomia eram enfocados primordialmente sob um aspecto formal. Os prprios acidentes de trabalhos demonstraram que a liberdade e a autonomia no podem ser efetivamente exercidas apenas a partir de garantias formais. A razo de se condenar o empregador era o reconhecimento de um desnvel material entre os envolvidos. O alargamento dos pressupostos visou sobretudo a resguardar a dignidade dos trabalhadores sob um ponto de vista substancial.

A adoo da teoria do risco, portanto, mostra-se como forma de possibilitar a distribuio equnime dos nus sociais. A teoria do risco apresenta variantes conforme critrios orientadores da eqidade, assim se fala em risco proveito, em risco criado, em risco da empresa, em risco profissional, etc. qualquer que sejam esses critrios de atribuio de riscos, todos eles exigem a assuno voluntria da atividade que potencialmente pode gerar o risco e os danos dela decorrentes. Como Josserand j afirmava, no se trata de atribuir a algum a responsabilidade por todos os riscos da humanidade, mas somente o risco que a pessoa criou, ou do qual ela retira benefcios, bem como os inerentes ao empreendimento ou ao exerccio da profisso. (Apelao Cvel N 70022253728, Nona Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 24/06/2009).

Pelo exposto, chega-se ao ponto de destaque no presente trabalho. Nota-se que os empregadores tero o dever de indenizar seus funcionrios acidentados no trabalho ou que contraram doenas ocupacionais independentemente de concorrem com dolo ou culpa.

Sobre esse aspecto ressalta-se a importncia do Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio- NTEP, inovao trazida pela Lei n. 11.430/2006, que permitiu ao perito da Previdncia Social, de acordo com o tipo de enfermidade, atividade laboral e dados coletivos, concluir pelo acidente do trabalho.

Tal situao ganhou relevncia na esfera trabalhista quando o Tribunal Superior do Trabalho, atravs da Smula n. 42 que entendeu que o NTEP faz presuno relativa do acidente do trabalho. Situao que determina, em regra, ao empregador o dever de indenizar o trabalhador, sem a perquirio de culpa ou dolo, pelos danos, quais sejam morais, materiais e estticos.

A dimenso utilizada pela legislao e pelo entendimento dos Tribunais Superiores mostra-se adequada frente hiposuficincia do empregado acidentado, entretanto essas medidas devem ser analisadas com cautela pelo Magistrado, pois, caso contrrio, se poder estar cometendo injustias, que podero determinar a extino financeira de uma empresa.

5. CONSIDERAES FINAIS

O direito do trabalho, por sua prpria natureza jurdica, sempre est envolvido em grandes discusses, vez que organiza a relao capital x trabalho.

No que tange aos acidentes do trabalho, tal situao no foge a regra, sendo esse um dos pontos mais discutidos pelos operadores do direito nas esferas do Poder Judicirio.

A Lei n. 8.213/1991 inovou em diversos aspectos sobre a temtica dos acidentes do trabalho, momento em que os definiu e equiparou diversas situaes, que a principio no teriam vinculao com a atividade laboral como causa principal.

Ressalta-se que essa norma, aps alterao da Lei n. 11.430/2006, criou o Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio- NTEP, como uma das formas de caracterizao do acidente do trabalho. Ou seja, o perito do INSS poder caracterizar o acidente do trabalho a partir da enfermidade apresentada pelo empregado, assim como pela sua vinculao com sua atividade profissional e com os dados mdicos da coletividade. Para tanto, verifica-se que o NTEP ganha importncia frente s doenas ocupacionais, ou melhor, aquelas contradas em funo do desempenho da atividade laboral.

A partir dessa abordagem, a Smula n. 42 do Tribunal Superior do Trabalho entendeu que o NTEP faz presuno relativa do acidente do trabalho. Situao que destaca a importncia do NTEP, considerando os diversos benefcios legais concedidos ao empregado acidentado, tais como manuteno dos depsitos na conta do FGTS durante o perodo de afastamento em auxlio doena e o direito a reparao pelos danos causados pelo acidente ou doena ocupacional.

Sobre essa ltima garantia encontra-se a maior polemica, pois a regra geral de responsabilizao civil a necessidade de perquirio de culpa ou dolo na atividade que gerou o dano (responsabilidade subjetiva), tendo como exceo as atividades de risco em que inexistir a obrigao de comprovar a motivao culposa ou dolosa (responsabilidade objetiva).

Pois bem, no mbito do acidente do trabalho (ou doena ocupacional), consolidou-se entendimento que permite a aplicao da responsabilidade objetiva, considerando a existncia do risco profissional assumido pelo empresrio no momento da contratao dos funcionrios.

Observa-se que como forma de defesa o empregador poder alegar, apenas, a culpa exclusiva da vitima, o fato de terceiro, o caso fortuito ou a fora maior. Alerta-se que inexistir a busca da existncia da culpa ou dolo do empresrio.

Por certo, tal amparo legislativo e jurisprudencial bastante vlido, tendo em vista a situao de desvantagem do empregado acidentado, entretanto esse entendimento deve ser aplicado com cautela, sob pena de inviabilizar o exerccio da atividade empresarial de determinados seguimentos.

Referncias bibliogrficasAGUIAR, Maria Rita Manzarra Garcia de. Nexo tcnico epidemiolgico. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1901, 14 set. 2008. Disponvel em: . Acesso em: 29 mar. 2012.BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponvel em: . Acesso em 04 mai. 2012.BRASIL. Tribunal de Justia do Estado do Rio Grande do Sul. Ao Indenizatria. Apelao Cvel N 70022253728. Relator: Tasso Caubi Soares Delabary. Porto Alegre/RS, Julgado em 24/06/2009. Disponvel em . Acesso em: 3/03/2012.BRASIL. Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991. Disponvel em: . Acesso em 04 mai. 2012.BRASIL. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponvel em: . Acesso em 04 mai. 2012.CARRION, Valetin. Comentrios Consolidao das Leis do Trabalho. 36 ed. So Paulo: Saraiva, 2011.CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdencirio. 13 ed. So Paulo: Conceito Editorial, 2011.DELGADO, Maurcio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6 ed. So Paulo: LTR, 2007.FARIAS, Thlio Queiroz. Acidente do Trabalho: Teoria e Prtica. So Paulo: Ananhanguera, 2011.GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Acidentes do Trabalho- doenas ocupacionais e nexo tcnico epidemiolgico. 4 ed. Rio de Janeiro: Mtodo, 2011.IBRAHIM, Fbio Zambitte. Curso de Direito Previdencirio. 13 Edio, Revista e Atualizada. Editora- Impetus, Pag. 620 a 623. Material de Aula 2 da Disciplina: Segurana e Sade do Trabalhador, ministrada no Curso de Pos-Graduao Televirtual de Direito e Processo do Trabalho- Anhanguera- Uniderp/ Rede LFG, 2011.NETO, Jos Affonso Dallegrave. Nexo Tcnico Epidemiolgico e seus efeitos sobre a ao trabalhista indenizatria. Revista Tribunal Regional do Trabalho da 3 Regio, v. 46, n. 76, p. 143-153, jul./dez. 2007. Disponvel em: Acesso em 14/11/2011.OLIVEIRA, Paulo Rogrio Albuquerque de. Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio NTEP e Fator Acidentrio de Preveno FAP: Um olhar sobre a sade do trabalhador. 2 ed. So Paulo, LTr, 2010.Tribunal Regional da 4 Regio. Disponvel em: . Acesso em: 14/11/2011.VENOSA, Silvio de Salvo Venosa. Direito Civil: responsabilidade civil. 4 ed. So Paulo: Atlas, 2004 (Volume IV).VIANNA, Joo Ernesto Aragons. Curso de Direito Previdencirio. 4 ed. So Paulo: Atlas, 2011.

Nexo tcnico epidemiolgico previdencirio e seus reflexos no nus da prova de doenas ocupacionais no processo do trabalho

Bruno de Melo Messias

RESUMO

O presente estudo aborda o novel instituto jurdico denominado Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio NTEP, especialmente no que pertine s suas projees no campo da prova de doenas ocupacionais dentro do processo do trabalho, sob o prisma da responsabilidade civil. De gnese calcada em valores humanitrios e destinado, numa primeira anlise, para uso exclusivo na via administrativa, pelos peritos do Instituto Nacional do Seguro Social, este instrumento de fixao do nexo de causalidade irradia sua matiz principiolgica tambm para o processo trabalhista, campo, de certo, propcio sua expanso, fixando procedimento que inverte a ordinria distribuio do nus da prova para que se determine a ocorrncia de acidente do trabalho. Objetiva-se verificar e demonstrar em que grau e de que maneira a aplicao da referida metodologia, nas aes reparatrias de doenas ocupacionais, tem o condo de materializar os direitos inerentes aos trabalhadores vtimas das leses acidentrias, ocorridas no mbito da relao de trabalho.

Palavras-chave: Nexo de Causalidade. Acidente de trabalho. Responsabilidade Civil.

SUMRIO. 1. Introduo. 2. Provas judiciais e distribuio do nus da prova no processo do trabalho. 3. Acidentes do trabalho e doenas ocupacionais: abrangncia e caracterizao. 4. Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio NTEP: definio e alcance. 5. Reflexos do Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio na prova de doenas ocupacionais no processo do trabalho, sob o prisma da responsabilidade civil. 6. Concluses.

1 INTRODUO

A peculiar situao de hipossuficincia do trabalhador, em face da exponencial voracidade empresarial por ampliao de seus mercados e conseqente lucros, traz aos operadores do direito do trabalho a rdua e constante tarefa de impedir ou minorar as conseqncias adversas desse avano - corolrio inevitvel do capitalismo -, sobre os trabalhadores em geral, preservando-se o esprito protetivo, marca indelvel desse ramo especializado do direito.

Nessa linha expansionista empresarial, o acidente de trabalho aqui tomado em sua acepo ampliativa, abarcando tambm a doena do trabalho e a doena profissional, as chamadas doenas ocupacionais tem acento destacado na contramo desse desenvolvimento, transportando para os trabalhadores um nus advindo do bnus que geram para os empresrios.

No obstante essa adversidade, os obreiros ainda se vem muitas vezes premidos dos direitos assegurados pela legislao acidentria, por encontrarem dificuldades na prova dos acidentes de que foram vtimas, sobremaneira na fixao do nexo de causalidade e do nexo tcnico entre o trabalho e a enfermidade.

Ciente do verdadeiro flagelo social que a infortunstica acidentria, bem como de outra mazela subjacente, e ainda mais grave, que se refere as subnotificaes, pelas empresas, dos acidentes de trabalho ocorridos em seu mbito, onerando sobremaneira os j combalidos cofres da Previdncia Social, o legislador resolveu atuar positivamente para mudar essa realidade, lanando mo da presuno legal na fixao do nexo tcnico-causal entre o acidente e o trabalho, criando-se, assim, por meio da lei 11.430/06, o chamado Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio NTEP.

Uma mudana pontual, porm substancial, poder, doravante, ser verificada nas aes trabalhistas motivadas por acidentes de trabalho, eis que a sistemtica de distribuio do nus probatrio, em tais casos, exsurge frontalmente modificada, trasladando para a classe empresarial dificuldade processual antes enfrentada pelos trabalhadores.

O estudo da responsabilidade civil aplicada ao acidente do trabalho tem importncia vital para a atenuao e efetiva reparao desses sinistros, dada a natureza jurdica tipicamente sancionatria daquele instituto, bem como para a manuteno do status protetivo da justia laboral, restando verificar, ao fim, se a adoo do NTEP poder levar a aplicao, com autoridade, da responsabilidade civil objetiva no processo do trabalho.

Nota-se o predomnio, na doutrina e jurisprudncia trabalhistas, da responsabilidade subjetiva, calcada na regra geral do vigente cdigo civil, a exigir a caracterizao do dolo ou culpa empresarial, porm, no passa despercebido o surgimento de corrente no sentido da objetivao dessa responsabilidade, com esteio no risco da atividade normalmente desenvolvida pelo empregador, encontrando bice, talvez, em sede constitucional.

O presente trabalho tem por finalidade, ainda que de forma superficial, analisar, num primeiro momento, os influxos do NTEP no processo trabalhista, naquelas aes reparatrias por acidentes do trabalho e, num segundo momento, verificar, nesses casos, a plausibilidade jurdica do emprego da responsabilidade civil objetiva do empregador ao acidente de trabalho.

Para tanto, utiliza-se o mtodo dedutivo, partindo-se de uma abordagem genrica dos institutos da responsabilidade civil e da principiolgica jus laboral, buscando suporte na doutrina e jurisprudncia especializadas e afunilando para as concluses daquilo trabalhado.

2 PROVAS JUDICIAIS E A DISTRIBUIO DO NUS DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO

A busca da verdade algo inerente s diversas reas do saber humano, utilizando o Direito, para tanto, e como meio de soluo racional dos conflitos interpessoais, o processo judicial, pelo que se vale do monoplio estatal da jurisdio, que vem a ser justamente o meio aceito pela sociedade para que se faa o traslado do dever-ser as normas gerais e abstratas para o ser o fato concreto, o litgio da vida real que d ensejo a atuao jurisdicional.

Para melhor compreenso daquilo que queremos expor, adotaremos a concepo grega de verdade, trazida pela doutrina nos seguintes termos: o verdadeiro o que se manifesta aos olhos do corpo e esprito; a verdade a manifestao daquilo que ou existe tal como .[1]. Tal conceito, como se ver mais frente, amolda-se com harmonia idia de proteo que o direito do trabalho confere ao plo mais fraco das relaes que regula.

Assim, a apurao judicial da verdade est umbilicalmente ligada ao conhecimento de como sucederam os fatos que do esteio ao processo judicial, para, aps a aplicao do contedo valorativo que ordinariamente atribumos aos mesmos, inserir-se as normas positivas para resoluo da contenda, tencionando-se com esse procedimento tridimensional a manuteno da ordem vigente, a pacificao com justia e a aplicao concreta do direito, atingindo em sua plenitude os escopos da jurisdio estatal.

As constantes mudanas no contedo valorativo que a sociedade imputa aos fatos da vida se refletem nas normas jurdicas que os regulam, na correlao com o nvel de aprovao ou desaprovao que tais condutas passam a desfrutar no senso comum, o que aumenta exponencialmente a importncia da busca da verdade ainda que formal no processo judicial, mediante procedimento de formulao de prova dos fatos aduzidos em juzo.

Adotando-se a concepo de que o Direito tem como seu fim primeiro a busca da justia, parmetro ideal que se concretiza atravs da tcnica jurdica[2], a elucidao dos fatos controversos do processo revela-se como medida de justia, a qual, no processo, pode ser compreendida pelo emprego da equidade, sobre a qual leciona a doutrina:

A aplicao da norma geral aos casos particulares, sem um trabalho prvio de ajustamento, importaria o risco de graves injustias; seria transformar o direito numa mecnica cega, funcionando indiferentemente ao bem ou mal que pode ocasionar. essa adaptao que a equidade se prope a realizar, trabalho de elastecimento e dulcificao da norma, para melhor ajust-la aos casos emergentes. O direito parte do geral para o particular, enquanto a equidade segue direo diversa, parte do caso concreto, que se esfora por enquadrar-se norma, com o mnimo de frico e sacrifcio. A equidade , assim, a justia em termos concretos, a justia dos casos particulares.[3]

que a busca da verdade, no processo judicial, ser feita mediante provas judiciais, as quais tero como destinatrio imediato o juiz, especificamente no tema que se aborda, o juiz do trabalho. Este, na instrumentalidade do processo judicial do trabalho, dispe de peculiaridades na busca da verdade dos fatos no extensveis ao campo processual comum s demais reas do direito, que o processo civil.

O processo do trabalho veculo apto efetivao dos direitos consagrados na legislao material trabalhista, direitos esses calcados na proteo social, portanto protetivos e inderrogveis. No tivesse o processo do trabalho essa caracterstica, no haveria sentido de sua existncia autnoma, como ramo independente do direito processual[4]. Assim, obviamente, o juiz do trabalho, no apreciar das provas judiciais, forosamente ter em conta os princpios materiais que informam a tutela pleiteada oriunda dos fatos ocorridos na relao de trabalho e deduzidos em juzo.

a que a noo grega de verdade, delineada no incio desta exposio, se encontra e se abraa com o direito do trabalho, pois, neste, vige o principio da primazia da realidade sobre a forma, a orientar os operadores desse ramo jurdico especializado no sentido de que os fatos, tais quais foram realizados, devem prevalecer em detrimento de provas outras, caso estejam em confronto.

dizer, noutras palavras, que o magistrado trabalhista, ainda que limitado pela regra genrica de direito processual que pauta sua atuao na controvrsia delimitada nos autos a lide -, na busca pela verdade no processo, tem maiores liberdades de atuao, podendo, por exemplo, como regra, na falta de disposio legal, decidir por equidade[5], ao contrrio do direito processual ordinrio, que s veicula tal possibilidade nos casos expressos em lei, como se nota da redao dos artigos 8o, caput, da Consolidao das Leis do Trabalho - CLT, e 127 do Cdigo de Processo Civil - CPC, respectivamente transcritos:

Art. 8.o As autoridades administrativas e a Justia do Trabalho, na falta de disposies legais ou contratuais, decidiro, conforme o caso, pela jurisprudncia, por analogia, por equidade e outros princpios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevalea sobre o interesse pblico. (grifamos).

Art. 127.o O juiz s decidir por equidade nos casos previstos em lei.

Destinatrio primeiro das provas, o juiz ou tribunal livre na conduo das providncias necessrias ao esclarecimento dos fatos e rpida soluo do litgio que lhe posto, como bem dispe os artigo 765 e 852-D, ambos da CLT, sendo este ltimo mais completo e preciso.[6] Sero objetos de prova, porm, somente os fatos que se tornarem controvertidos no processo, desde que relevantes, bem como as regras de direito invocadas pelas partes, no dependendo de prova os fatos notrios, aqueles afirmados por uma parte e confessados pela outra, os incontroversos e os que gozam de presuno legal de veracidade.[7]

As provas sero apreciadas livremente pelo juiz, de acordo com o encargo de prova concernente a cada um dos litigantes, decidindo o magistrado atravs do seu convencimento motivado artigo 131 do CPC -, traduo do sistema de persuaso racional decisrio, adotado pelo cdigo de ritos brasileiro, e aplicvel ao processo em geral.

Questo que se coloca, importante para o desenrolar do tema em anlise, a quem compete o chamado nus[8] da prova, sobretudo no processo do trabalho, que disciplina a matria de forma bem simples, quando, no artigo 818 da CLT, determina que a prova das alegaes incumbe a parte que as fizer, sem se preocupar, como o faz o artigo 333 do CPC, em distribuir a matria de acordo com as partes e com a natureza dos fatos que comporo o processo judicial.

Diz o artigo 333 do CPC:

Art.333. O nus da prova incumbe:

I ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II ao ru, quanto existncia de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

A doutrina processual trabalhista, em sua maioria, admite o emprego ao processo do trabalho do artigo supra transcrito, ante a simplria redao do artigo 818 da CLT, como pode ser observado nas palavras de Amador Paes de Almeida[9]:

Em princpio, pois, o nus da prova de quem alega o fato. Este princpio, devidamente interpretado, leva a seguinte concluso: a) ao reclamante cumpre provar os fatos constitutivos do seu direito; b) ao reclamado incumbe a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do reclamante.

Cumpre salientar, por fim, que, como dito, o direito processual do trabalho instrumento consecuo dos direitos consagrados na legislao material trabalhista. Assim, por mais que se utilize da forma de distribuio do nus da prova trazida pelo processo civil, porquanto insuficiente a confeccionada pela CLT, no se pode perder de vista as peculiaridades inerentes ao direito do trabalho, que tutela interesses desiguais, onde sempre existir uma parte hiperssuficiente em detrimento de outra hipossuficiente, devendo tal condio nortear o julgador na conduo da instruo probatria.

dizer que:

Em vista das peculiaridades do processo do trabalho, entendemos absolutamente necessria a adoo dos seguintes critrios para a anlise do nus da prova:

a) princpios de direito do trabalho;

b) princpio da aptido para a prova;

c) regras de pr-constituio da prova;

d) mximas de experincia;

e) art. 333 do CPC.[10]

Ainda que no exatamente nessa gradao, entendemos que, ante os direitos especiais que, pelo processo, tutela, o nus da prova no processo do trabalho observar, alm da forma distribuda pelo CPC, e antes dela, as diretrizes nucleares do direito material do trabalho, pois, como bem lembra Mozart Victor Russomano[11]:

A justia do trabalho imparcial, como rgo do poder judicirio. Entretanto, o juiz ao decidir a causa e apreciar a prova tem a obrigao de todo o hermeneuta: deve descobrir o esprito da norma aplicada. Como o esprito do Direito do Trabalho proteger os interesses sociais e os interesses operrios, a Justia do Trabalho interpreta a lei e a prova dentro desse intuito que justifica e fundamenta a lei material.

Essa linha protetiva, como se observar, norteia o instituto do Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio.

3 ACIDENTES DO TRABALHO E DOENAS OCUPACIONAIS: ABRANGNCIA E CARACTERIZAO

A conceituao de acidente do trabalho e de doena ocupacional pressupe a idia de contedo e contido, j que esta ltima equiparada por lei quele, consistindo em uma de suas espcies. O acidente do trabalho mencionado primeiramente, em nvel de hierarquia, na Constituio Federal de 1988, especificamente no seu artigo 7o, inciso XXVIII, quando assegura aos trabalhadores urbanos e rurais:

XXVIII seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenizao a que este est obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

O conceito de acidente de trabalho nos dado pela legislao infraconstitucional, a lei 8.213/91, que define aquilo que a doutrina chama de acidente de trabalho em sentido estrito, ou o acidente tpico:

Art. 19. Acidente do trabalho o que ocorre pelo exerccio do trabalho a servio da empresa ou pelo exerccio do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art.11 desta Lei, provocando leso corporal ou perturbao funcional que causa a morte ou a perda ou reduo, permanente ou temporria, da capacidade para o trabalho.

A definio acima referida tida como acidente tpico, ou restrito, pois o mesmo diploma legal, mais frente, amplia o horizonte do acidente do trabalho:

Art. 20.Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mrbidas:

I doena profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exerccio do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relao elaborada pelo Ministrio do Trabalho e da Previdncia Social;

II doena do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em funo de condies especiais em que o trabalho realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relao mencionada no inciso I.

Dito isto, a diferena entre os institutos no reside apenas na topologia da lei, ou seja, por estarem em artigos diversos, mas sim na prpria natureza do acidente e da doena (enfermidade), como bem salienta a doutrina especializada:

O acidente e a enfermidade tem conceitos prprios. A equiparao entre eles se faz apenas no plano jurdico, com efeito nas reparaes e nos direitos que resultam para o trabalhador nos dois casos. Enquanto o acidente um fato que provoca leso, a enfermidade profissional um estado patolgico ou mrbido, ou seja, perturbao da sade do trabalhador.[12]

A denominao genrica de Doenas Ocupacionais, englobando a doena do trabalho e a doena profissional, fruto da NR-7 da Portaria no 3.214/78, regulamentadora do Programa de Sade Mdico de Sade Ocupacional.

Merece relevo, outrossim, o 1o do j mencionado artigo 21 da lei 8.213/91, segundo o qual no so consideradas como doena do trabalho a doena degenerativa, a inerente a grupo etrio, bem como a que no produza incapacidade laborativa e ainda a doena endmica adquirida por segurado habitante de regio em que ela se desenvolva, salvo se resultante de exposio determinada pelo trabalho exercido. Entendeu o legislador que essas so situaes que no guardam nexo causal com o trabalho e, mesmo tendo a letra da lei se referido a doena do trabalho, estende-se tambm para as doenas profissionais, no podendo as excees mencionadas serem consideradas, desta feita, como doenas ocupacionais.

Evidente que, para a caracterizao das doenas ocupacionais foco de nossa exposio por ser objeto do Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio -, alm do enquadramento nos conceitos supra fornecidos, h que estar a mesma includa no rol anexo ao Decreto no 3.048/99 a que alude o inciso I do artigo 20 da lei 8.213/91 -, e que seja demonstrado o nexo causal entre a doena e o trabalho. Alis, referido anexo contempla rol meramente exemplificativo, podendo o trabalhador vtima de doena no constante do mesmo, demonstrando o nexo causal, pleitear os benefcios da previdncia social e eventual indenizao judicial.[13]

Questo tormentosa refere-se caracterizao do acidente do trabalho mediante comunicao de sua ocorrncia Previdncia Social via Comunicao de Acidente do Trabalho - CAT, sobremaneira nas doenas ocupacionais, que no tm um processo de causa e efeito imediato, como nos acidentes tpicos. Para a lei 8.213/91, a emisso da CAT veculo condutor obrigatrio para o gozo do benefcio previdencirio do auxlio-doena acidentrio e at mesmo de postulaes judiciais relativas ao acidente do trabalho, como se nota dos seus artigos doravante reproduzidos:

Art. 22. A empresa dever comunicar o acidente do trabalho Previdncia Social at o 1o (primeiro) dia til seguinte ao da ocorrncia e, em caso de morte, de imediato, autoridade competente, sob pena de multa varivel entre o limite mnimo e o limite mximo do salrio-de-contribuio, sucessivamente aumentada nas reincidncias, aplicada e cobrada pela previdncia social.

Art. 129. Os litgios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho sero apreciados:

I (...) omissis

II na via judicial, pela Justia dos Estados e do Distrito Federal, segundo o rito sumarssimo, inclusive durante as frias forenses, mediante petio instruda pela prova de efetiva notificao do evento Previdncia Social, atravs da Comunicao de Acidente do Trabalho CAT. (grifamos).

Caso o acidente provoque afastamento do trabalhador por mais de 15 dias e, sendo emitida a CAT, far jus o obreiro ao auxlio-doena acidentrio, que lhe proporciona, durante o afastamento, a manuteno do depsito do Fundo de Garantia do Tempo de Servio - FGTS, pelo empregador, bem como estabilidade de 12 (doze) meses aps a cessao do benefcio previdencirio, circunstncias que no ocorrem quando o acidente de que fora vtima fato gerador do auxlio-doena comum, o que quase sempre acontece em decorrncia da no comunicao do infortnio previdncia social.

No caso das doenas ocupacionais, estamos com Sebastio Geraldo de Oliveira, que cr ser ilegal a exigncia feita na Ordem de Servio INSS/DSS no 621/99, a qual determina que s se emita a CAT aps a concluso do diagnstico de doena ocupacional. Entende o referido autor que essa norma dificulta a emisso da CAT e afronta o artigo 169 da CLT, que diz ser obrigatria a notificao das doenas profissionais e do trabalho, ainda que as mesmas sejam objeto de suspeita.

Art. 169. Ser obrigatria a notificao das doenas profissionais e das produzidas em virtude de condies especiais de trabalho, comprovadas ou objeto de suspeita, de conformidade com as instrues expedidas pelo Ministrio do Trabalho.

Nessas situaes, a data do evento a ser preenchida na CAT ser aquela em que o profissional da medicina aferir a suspeita diagnstica.

No obstante possa a CAT ser emitida por pessoas outras que no a empresa, como o prprio trabalhador, sabe-se a comunicao, nestes casos, no goza da mesma credibilidade junto a Autarquia Previdenciria, tal qual gozaria se emitida pelo empregador. Essa situao, somada a enorme quantidade de subnotificaes de acidentes de trabalho, dificultam sobremaneira a comprovao do nexo causal pelo trabalhadores, que, quando muito, conseguem apenas o recebimento do auxlio-doena comum, ou previdencirio, perdendo, por muitas vezes, a estabilidade e os depsitos fundirios decorrentes do auxlio-doena acidentrio, pela falta de emisso da CAT.

Essa restrio, infelizmente, no est afeta apenas a via administrativa, no sendo raro encontrar situaes em que juzes do trabalho, sobretudo no primeiro grau, indeferem pleito de reintegrao ou mesmo de indenizao, ante a ausncia no processo de comunicao de acidente do trabalho. Neste sentido, como bem lembra Sebastio Geraldo de Oliveira[14]:

A no-emisso da CAT pelo empregador, apesar de dificultar, no impede o enquadramento do evento como acidente do trabalho. Segundo o art. 129 do Cdigo Civil de 2002, reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurdicos, a condio, cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte, a quem desfavorecer. Verificando-se pelas provas dos autos que ocorreu a hiptese legalmente classificada como acidente do trabalho, so reconhecidos pela sentena todos os efeitos jurdicos, como se a CAT tivesse sido regularmente emitida.

Nunca demais lembrar que o Direito do Trabalho tem regras, por essncia, desiguais, porquanto disciplina uma relao desigual, em que a parte mais fraca, o trabalhador, objeto de tutela por suas normas, razo porque o princpio da proteo desdobra-se inclusive para que se interprete a norma de forma mais favorvel ao operrio.

Ademais, no pode o empregador se beneficiar da prpria torpeza, livrando-se do recolhimento do FGTS e mesmo de responsabilidade civil por sua omisso dolosa na confeco de CAT. Felizmente, a maior parte dos julgados vm sendo no sentido de corrigir tal distoro, e desconsiderando, como no poderia deixar de ser, a exigncia contida no supra delineado artigo 129, II, da lei 8.213/91:

ESTABILIDADE PROVISRIA DOENA PROFISSIONAL COMPROVADA NO EMISSO DE CAT Restando comprovado o nexo causal entre o trabalho executado e a doena profissional diagnosticada tendinite II/III -, e verificando-se que os afastamentos ocorridos superaram quinze dias anuais, sem que, no entanto, fosse emitida a competente CAT, deve a empresa suportar o nus da indenizao pecuniria, referente ao perodo estabilitrio a que faria jus a autora, uma vez que o hipossuficiente no pode ser prejudicado por ato omissivo do empregador.[15]

4 NEXO TCNICO EPIDEMIOLGICO PREVIDENCIRIO NTEP: DEFINIO E ALCANCE

O chamado Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio foi pensado como meio de resolver o problema das subnotificaes, pelos empregadores, dos acidentes de trabalho ocorridos em seu mbito, de grande conseqncia social para os trabalhadores e prejudicial aos cofres da previdncia social. Tal concluso obtida quando procedemos a uma interpretao autntica dos fatores que ensejaram a edio da lei 11.430, de 26 de dezembro de 2006, veiculadora do instituto em anlise.

Referida norma, que se trata, em verdade, de converso da Medida Provisria no 316/2006, alterou a lei 8.213/91 para introduzir em seu bojo o artigo 21-A, com a seguinte redao:

Art. 21-A. A percia mdica do INSS considerar caracterizada a natureza acidentria da incapacidade quando constatar ocorrncia de nexo tcnico epidemiolgico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relao entre a atividade da empresa e a entidade mrbida motivadora da incapacidade elencada na Classificao Internacional de Doenas CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento.

1o A percia mdica do INSS deixar de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistncia do nexo de que trata o caput deste artigo.

2o A empresa poder requerer a no aplicao do nexo tcnico epidemiolgico, de cuja deciso caber recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdncia Social.

Ainda fora introduzido um novo pargrafo, o 5o, ao artigo 22 da mesma lei, disciplinando no ser aplicvel a multa pela no emisso de CAT quando for verificado o nexo tcnico epidemiolgico previdencirio. De salientar que ainda no foi editado o regulamento a que alude o caput do artigo 21-A supra transcrito, o qual dever trazer o rol de patologias motivadoras de incapacidade, baseada na Classificao Internacional de Doenas CID, cujo rol dever ser meramente exemplificativo.

Os itens 7 e 8 da exposio de motivos no 33 do Ministrio da Previdncia Social[16], pertinente medida provisria que originou a indigitada lei deixam bem claro os fundamentos e objetivos do legislador com a sua edio:

7. Diante do descumprimento sistemtico das regras que determinam a emisso da CAT, e da dificuldade de fiscalizao por se tratar de fato individualizado, os trabalhadores acabam prejudicados nos seus direitos, em face da incorreta caracterizao de seu benefcio. Necessrio, pois, que a Previdncia Social adote um novo mecanismo que segregue os benefcios acidentrios dos comuns, de forma a neutralizar os efeitos da sonegao da CAT.

8. Para atender a tal mister, e por se tratar de presuno, matria regulada por lei e no por meio de regulamento, est-se presumindo o estabelecimento do nexo entre o trabalho e o agravo, e conseqentemente o evento ser considerado como acidentrio, sempre que se verificar nexo tcnico epidemiolgico entre o ramo de atividade da empresa e a entidade mrbida relacionada na CID motivadora da incapacidade.

Cuida-se o NTEP de tcnica de presuno legal que admite, porm, prova em contrrio, sendo, portanto, iuris tantum. Atravs da presuno, parte-se de um fato certo, que existe, para se deduzir a existncia de outro incerto. definida como:

A deduo, a concluso ou a conseqncia, que se tira de um fato conhecido, para se admitir como certa, verdadeira e provada a existncia de um fato desconhecido ou duvidoso. A presuno, pois, faz a prova e d a certeza do que no estava mostrado nem se via como certo, pela ilao tirada de outro fato que certo, verdadeiro e j se mostra, portanto, suficientemente provado.[17]

Desse conceito, integram a presuno, segundo Moacyr Amaral Santos:

1) o fato conhecido; 2) o fato desconhecido; 3) o nexo de causalidade entre o fato conhecido e o fato desconhecido. O fato desconhecido havido como provado pela lei, que tambm tem como reconhecido e preestabelecido o nexo de causalidade, mas isto e aquilo somente se verificam quando quem invoca a presuno faa prova do fato do qual ela dimana, isto , o fato conhecido.[18]

A aplicao do Nexo Tcnico Epidemiolgico, mediante presuno, verificada mediante associao da relao contida na Classificao Nacional de Atividades Econmicas CNAE e a lista de patologias assentes na Classificao Internacional de Doenas CID. Assim, os tcnicos do INSS, verificando que o trabalhador/segurado vtima de determinada patologia cadastrada na CID, fazem um cruzamento com o CNAE e observa-se o fator de risco patolgico que aquela atividade causa. uma associao estatstica, que considera a alta incidncia de determinadas doenas em determinados tipos de servio.

Note-se que, dos elementos da presuno acima fornecidos, encontram-se todos presentes no NTEP, a saber, a patologia que acomete o trabalhador (fato conhecido), a culpa empresarial (fato desconhecido) e o nexo de causalidade, tambm presumido. Decompondo a nomenclatura do instituto, temos que por tcnico deve se entender o Cadastro Nacional de Atividades Empresariais, e por epidemiolgico o Cadastro Internacional de Doenas, sendo o nexo justamente a associao dessas duas listas.

A fixao do nexo tcnico tem como conseqncia imediata a presuno de existncia do nexo de causalidade entre a leso e o trabalho. Merece ser salientado que, como o instituto em anlise toma como referncia, para efeito de doenas ocupacionais, o CID, o rol de patologias passveis de enquadramento como acidente do trabalho aumenta substancialmente, j que no mais estar adstrito lista de doenas somente profissionais ou do trabalho, mencionado no artigo 20 da lei 8.213/91 e constante do rol anexo ao Decreto 3.048/99.

Alm da finalidade de combater o verdadeiro flagelo social causado pelas subnotificaes dos acidentes do trabalho, o NTEP tem a funo de educao dos empregadores para a adoo de medidas que evitem o surgimento de doenas ocupacionais, pois agora se vero em situao inversa quela ordinariamente verificada, tendo contra si o encargo de desconstituir o nexo causal presumidamente constatado, sem falar que proporciona o aludido instituto maiores condies para concreo da determinao constitucional de um meio ambiente do trabalho equilibrado.[19]. Por fim, a caracterizao de doena ocupacional faculta a autarquia previdenciria mover ao judicial para cobrar do empregador os gastos que teve com os auxlios-doena ocupacionais.

No merece acolhida, destarte, a alegao do setor empresarial nacional de que o novo mtodo poder criar distores e gerar passivo trabalhista, j que, em verdade, trata-se de mecanismo de correo de desigualdade social, pela qual lucrava a classe empresarial em desabono do plo mais fraco, o proletariado, em verdadeiro enriquecimento ilcito oriundo da prpria torpeza.

5 REFLEXOS DO NEXO TCNICO EPIDEMIOLGICO PREVIDENCIRIO NA PROVA DE DOENAS OCUPACIONAIS NO PROCESSO DO TRABALHO, SOB O PRISMA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Diante do que j fora exposto, pode-se perceber facilmente que, mesmo destinado inicialmente para uso na via administrativa, pelos peritos do INSS, o instituto do NTEP altera profundamente a sistemtica de prova judicial para as reparaes civis decorrentes de doenas ocupacionais. Ao estabelecer, em lei, hiptese de presuno na fixao do nexo de causalidade, inverte-se o nus da prova em favor do obreiro, transpondo para o empregador a necessidade de desconstituir o nexo presumidamente firmado.

A presuno, segundo o Cdigo Civil vigente, constitui meio de prova. A presuno legal, ou seja, aquela estabelecida por lei mais do que isso, sendo instrumento que dispensa a prova dos fatos que faz crer como verdadeiros. Eis a redao dos dispositivos assentes, respectivamente, no Cdigo Civil e no Cdigo de Processo Civil:

Art. 212. Salvo o negcio a que se impe forma especial, o fato jurdico pode ser provado mediante:

(...) omissis

IV presuno;

Art. 334. No dependem de prova os fatos:

(...) omissis

IV em cujo favor milita presuno legal de existncia ou veracidade.

Temos que, ao estabelecer hiptese de inverso do nus da prova, presumindo-se a ocorrncia de doena ocupacional pelo risco da atividade empresarial, o instituto do NTEP estabelece para tais casos hiptese de responsabilidade objetiva em consonncia com o que dispe o pargrafo nico do artigo 927 do aludido Cdigo Civil, assim escrito:

Art. 927. Aquele que, por ato ilcito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repar-lo.

Pargrafo nico. Haver obrigao de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Para caracterizao do que vem a ser responsabilidade civil, tomamos por emprstimo a definio elaborada por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[20]:

...a responsabilidade civil deriva da agresso a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensao pecuniria vtima, caso no possa repor in natura o estado anterior de coisas. Decompe-se, pois, nos seguintes elementos, que sero estudados no decorrer desta obra: a) conduta (positiva ou negativa); b) dano; c) nexo de causalidade.

Responsabilidade civil, portanto, a sujeio do infrator de uma situao ideal de comportamento s conseqncias judiciais do seu agir. Vale dizer, o instituto em anlise tem vez com a prtica de ato ilcito, contrrio a ordem jurdica privada, coagindo o seu autor, verificada a existncia dos seus pressupostos de validade, a saber, conduta, nexo de causalidade e dano, na obrigao de reparar, indenizar ou compensar, a depender da natureza da leso.

Assim, temos a conduta humana, que na maioria das vezes deve ser positiva, j que para os casos de omisso mister se faz a previso legal de relevncia da omisso e o dever legal de agir, e sempre dever ser voluntria, passvel de controle pela vontade qual o fato imputvel, consoante lies de Maria Helena Diniz.[21]. A culpa, como gnero, est includa na conduta.

Ao seu lado, como elemento intangvel da responsabilidade, o nexo de causalidade o elo de ligao entre a conduta e o resultado (dano), como verdadeira relao de causa e efeito. Nosso Cdigo Civil adotou a teoria da causalidade adequada, pela qual somente as condutas relevantes para a deflagrao do resultado podem fazer surgir o dever de indenizar. Referido nexo somente ser excludo com a ocorrncia de um dos seguintes elementos: caso fortuito e fora maior; culpa exclusiva da vtima; culpa exclusiva de terceiro.

Por fim, faz-se imprescindvel, para que surja o dever de indenizar, a ocorrncia do dano ou prejuzo, como elo final da cadeia. Esse resultado (dano) pode ser tanto de ordem material, a englobar o que a lei civil denominou de danos emergentes ou positivos, em sntese, aquilo que efetivamente se perdeu, bem como os lucros cessantes, ou aquilo que deixou de se ganhar. O dano pode ser tambm de ordem moral, ou aquele que atinge os chamados direitos da personalidade, tais como honra, vida, liberdade, imagem. Admite-se, tambm, como categoria autnoma do dano moral, o dano somente imagem ou dano esttico, assim entendido como a ofensa a imagem-retrato da pessoa, sendo passvel de indenizao cumulativa com os demais.

A responsabilidade objetiva, com acento principal no j declinado pargrafo nico do artigo 927 do Cdigo civil, independe de demonstrao de qualquer grau de culpa, eis que fundada na teoria do risco. Por esta teoria, que se divide em vrias espcies, o causador do risco responder pelos danos que sua conduta, normalmente desenvolvida, cause a outrem. Interessa-nos, para compreenso deste trabalho, os conceitos de risco da atividade e de risco-proveito, pelo que socorremo-nos da doutrina de Flvio Tartuce [22]:

Teoria do risco da atividade (ou risco profissional): quando a atividade desempenhada cria riscos a terceiros; Teoria do risco-proveito: adotada nas situaes em que o risco decorre de uma atividade lucrativa, ou seja, o agente retira um proveito do risco criado, como nos casos envolvendo os riscos de um produto, relacionados com a responsabilidade objetiva decorrente do Cdigo de Defesa do Consumidor.

Portanto, como consta do artigo 927 do cdigo civil, a responsabilidade objetiva ter vez sempre que a lei assim o determinar ou nos casos em que se possa verificar a ocorrncia de situao enquadrvel na teoria do risco. Diante do exposto, podemos afirmar sem receio que o NTEP presume a existncia da conduta ato ilcito, englobando a culpa -, e do nexo causal, sendo que o dano j verificado pela constatao clnica da doena que vitima o trabalhador.

A prpria presuno do nexo de causalidade pressupe risco estatstico de determinada atividade empresarial causar a patologia objeto do NTEP, razo pela qual esto presentes todos os elementos da responsabilidade objetiva. A responsabilidade civil j contempla, em sua formulao existencial, os institutos da presuno a conduta dolosa ou culposa presumida -, bem como a inverso do nus da prova, j que caber ao infrator alegar uma das excludentes de responsabilidade. Outrossim, o Cdigo de Processo Civil, como visto, determina que no sero objeto de prova os fatos em abono dos quais milite presuno legal, o que leva ao empregador, fixado o nexo tcnico epidemiolgico, a responder por este judicialmente de forma objetiva.

Essa interpretao enfrenta aparente impossibilidade de aplicao na seara trabalhista face o disposto no artigo 7o, XXVIII, da Constituio de 1988, como se nota:

Art. 7o. So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social:

(...) omissis

XXVIII seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenizao a que este est obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

Com essa disposio, a Constituio federal joga por terra, num primeiro momento, toda a construo para aplicao da responsabilidade objetiva em desfavor do empregador com esteio na teoria do risco, j que exige a lei maior a verificao de dolo ou culpa na conduta do patro para que se implemente seu dever de reparar o dano.

Essa situao, entretanto, leva a ocorrncia de ocorrncias peculiares e paradoxais, como bem salienta a doutrina:

A aceitar tal posicionamento, vemo-nos obrigados a reconhecer o seguinte paradoxo: o empregador, pela atividade exercida, responderia objetivamente pelos danos por si causados, mas, em relao a seus empregados, por causa de danos causados justamente pelo exerccio da mesma atividade que atraiu a responsabilizao objetiva, teria um direito a responder subjetivamente...Desculpe-nos, mas muito para o nosso fgado...[23]

Para enfrentar essa superficial inconstitucionalidade, de aplicao da responsabilidade objetiva ao campo trabalhista, mormente nas aes de reparao por doenas ocupacionais, adotamos posicionamento esboado Sebastio Geraldo de Oliveira, com esteio em outros autores de renome, cuja idia central se transcreve:

Isso porque entendemos que a previso do inciso XXVIII mencionado deve ser interpretada em harmonia com o que estabelece o caput do artigo respectivo, que prev: So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social. Assim, o rol dos direitos mencionados no art. 7o da Constituio no impede que a lei ordinria amplie os existentes ou acrescente outros que visem melhoria da condio social do trabalhador.[24]

Portanto, h que se compreender o analisado artigo da constituio federal como norma de aplicabilidade limitada, ao menos na locuo alm de outros que visem melhoria de sua condio social, pelo que os artigos 927, pargrafo nico, do Cdigo Civil de 2002, bem como o artigo 21-A, da lei 8.213/91, constituem instrumentos de significativa melhoria da prpria dignidade humana do trabalhador, sobremaneira por combater de forma mais eficaz a infortunstica do acidente do trabalho.

Outrossim, no ocorre bis in idem para o empregador, j que a responsabilizao objetiva com base na teoria do risco da atividade decorre do normal desempenho desta, que por si s pressupe perigo para terceiros, nus suportado pela classe empresarial. J a indenizao a que alude o inciso XXVIII, artigo 7o, da lei das leis, quando incorrer o empregador em dolo ou culpa, deriva de uma atitude anormal do mesmo, sem correlao imediata com a corriqueira atividade por ele desenvolvida, razo pela qual, justamente, exige-se a demonstrao de dolo ou culpa.

Destarte, pensamos que a presuno de doena ocupacional, com a aplicao de responsabilidade objetiva, permite compreender que a prova por presuno no somente um meio admissvel de prova, mas um valor jurdico fundamental.[25]

6 CONCLUSES

a) Na busca da verdade dos fatos no processo do trabalho, deve-se ter em conta sempre os princpios que norteiam o direito material do trabalho, haja vista a existncia de um conflito de foras desiguais, podendo, para tanto, valer-se o juiz do trabalho do emprego da equidade, como ideal de justia, e utilizar a sistemtica de distribuio do nus da prova constante do Cdigo de Processo Civil;

b) As subnotificaes dos acidentes de trabalho, em decorrncia da no emisso de CAT pelos empregadores, constitui verdadeiro flagelo social que prejudica os trabalhadores e onera os cofres da previdncia social;

c) O instituto do Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio surgiu com a finalidade de combater as omisses de comunicao de acidentes do trabalho, fixando presuno legal de ocorrncia de doena ocupacional mediante associao tcnica entre a atividade do empregador e a patologia apresentada pelo trabalhador, com inverso do nus da prova em abono deste ltimo, tcnica que no ir ocasionar passivos trabalhistas e sim corrigir distoro social;

d) O Nexo Tcnico epidemiolgico previdencirio estabelece verdadeira responsabilidade objetiva na reparao judicial de doenas ocupacionais, calcada no risco da atividade, sem, entretanto, ofender a Constituio Federal de 1988, por se tratar de benefcio que melhora a condio social do trabalhador;

e) No h dupla imposio na obrigao do empregador reparar o trabalhador pelo acidente de trabalho de forma objetiva, pois a responsabilidade oriunda do Nexo Tcnico Epidemiolgico Previdencirio tem natureza diversa daquela estabelecida no artigo 7o, XXVIII, da Constituio Federal.

REFERNCIAS

BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF. Senado, 1988.

______. Decreto-lei no 5.452, de 01 de maio de 1943. Consolidao das Leis do Trabalho. Dirio Oficial da Unio, Braslia.

______. Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Cdigo de Processo Civil. Dirio Oficial da Unio, Braslia.

______. Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991. Dirio Oficial da Unio, Braslia.

______. Lei n 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Cdigo Civil. Dirio Oficial da Unio, Braslia.

______. Lei 11.430, de 26 de dezembro de 2006. Dirio Oficial da Unio, Braslia.

_____. Exposio de Motivos no 33 de 09 de agosto de 2006. Ministrio da Previdncia Social. Expe os motivos que levaram edio da Medida Provisria no 316 de 2006, posteriormente convertida na Lei no 11.340, de 26 de dezembro de 2006. Disponvel em < www.planalto.gov.br >. Acesso em 30.01.2008.

ALMEIDA, Amador Paes de. Curso Prtico de Processo do Trabalho. 18.ed. So Paulo: Saraiva, 2007.

DELGADO, Maurcio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. So Paulo: LTr, 2006.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 19.ed., So Paulo: Saraiva, 2005. 7o v.

GAGLIANO, Pablo Stolze. FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil. 2.ed. ver., atual. e ampl. So Paulo: Saraiva, 2004.

MACHADO JNIOR, Csar Pereira da Silva. O nus da prova no processo do trabalho. 3. ed. rev. e atual. So Paulo: Ltr, 2001.

MACHADO, Sidnei. Nexo Epidemiolgico. Presuno legal faz prova de doena ocupacional. Disponvel em: < http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22276 > . Acesso em 31.01.2008.

MARTINS, Srgio Pinto. Direito Processual do Trabalho: doutrina e prtica forense; modelos de peties, recursos, sentenas e outros. 23. ed. So Paulo: Atlas, 2005.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Iniciao ao Direito do Trabalho. 17. ed. So Paulo: LTr, 1991.

NBREGA, J. Flscolo da. Introduo ao Direito. 6. ed. So Paulo: Sugestes Literrias, 1981.

OLIVEIRA, Sebastio Geraldo de. Indenizaes por Acidente do Trabalho ou Doena Ocupacional. 2. ed. rev. ampl. e atual. So Paulo: Ltr, 2006.

TARTUCE, Flvio. Direito Civil Srie Concursos Pblicos: Direito das Obrigaes e Responsabilidade Civil. So Paulo: Mtodo, 2005.

Notas:[1] MACHADO JNIOR, Csar Pereira da Silva. O nus da prova no processo do trabalho. 3. ed. rev. e atual. So Paulo: Ltr, 2001. p. 41.

[2] NBREGA, J. Flscolo da. Introduo ao Direito. 6. ed. So Paulo: Sugestes Literrias, 1981. p. 26.

[3] NBREGA, J. Flscolo da. Op.cit.,p.30-31.