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IMPLICAÇÕES DAS TEORIAS DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO SOBRE AS INFORMAÇÕES CONTÁBEIS DIVULGADAS POR INSTITUIÇÕES DO TERCEIRO SETOR Alcides Bettiol Junior Mestre em Controladoria e Contabilidade pelo Departamento de Contabilidade e Atuária da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo [email protected] RESUMO O desenvolvimento do Terceiro Setor pressupõe a superação de desafios como: eficiência, colaboração, sustentabilidade, legitimidade e, principalmente, garantir a transparência da sua condição econômico- financeira e do seu desempenho na implementação de projetos/programas sociais. Todavia, observa-se que, no Brasil, as demonstrações contábeis elaboradas por instituições do Terceiro Setor são adaptações de demonstrativos desenvolvidos para empresas, o que pode prejudicar o processo informacional. As diferentes teorias do Patrimônio Líquido (proprietário, entidade e dos fundos) ressaltam as características das organizações, empresariais ou não, e as perspectivas distintas quanto ao foco da evidenciação contábil. Portanto, o objetivo deste trabalho é explicar como tais teorias influenciam a formulação de normas práticas pelos órgãos reguladores no Brasil e Estados Unidos da América e, conseqüentemente, a elaboração e divulgação de informações contábeis pelo Terceiro Setor. Desenvolveu-se um caso de estudo da Fundação Zerbini, o qual revelou incoerência quanto à adoção das teorias do Patrimônio Líquido, deixando de atender adequadamente as necessidades dos usuários externos da contabilidade. Palavras-chave: Teorias do Patrimônio Líquido; Demonstrações Contábeis; Terceiro Setor. p. 57 - 71 Patrícia Siqueira Varela Doutoranda em Controladoria e Contabilidade do Departamento de Contabilidade e Atuária da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo [email protected] ABSTRACT The development of the Third Sector presupposes the overcoming of challenges such as efficiency, collaboration, sustainability, legitimacy, and above all, to guarantee the disclosure of its economic and financial condition, as well as its performance in the implementation of social projects and programs. However, one may notice that in Brazil accounting statements prepared by Third Sector institutions are adaptations of statements created for private corporations, which can hamper the disclosure process. The various theories of Equity (proprietary, entity and funds) highlight the characteristics of organizations, corporate or otherwise, and the different perspectives in relation to the focus of accounting disclosure. Thus, this paper aims at explaining how such theories influence the formulation of the practical standards by regulatory agencies in IMPLICATIONS OF EQUITY THEORIES ON ACCOUNTING STATEMENTS DISCLOSED BY THIRD SECTOR INSTITUTIONS Gilberto de Andrade Martins Doutor em Administração Professor Titular do Departamento de Contabilidade e Atuária da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo [email protected] 57 Paraná maio / agosto 2007 v. 26 n. 2 Enf.: Ref. Cont.

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IMPLICAÇÕES DAS TEORIAS DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO SOBRE AS INFORMAÇÕES CONTÁBEIS DIVULGADAS

POR INSTITUIÇÕES DO TERCEIRO SETOR

Alcides Bettiol JuniorMestre em Controladoria e Contabilidade

pelo Departamento de Contabilidade e Atuáriada Faculdade de Economia,

Administração e Contabilidadeda Universidade de São Paulo

[email protected]

RESUMO

O desenvolvimento do Terceiro Setor pressupõe a superação de desafios como: eficiência, colaboração,sustentabilidade, legitimidade e, principalmente, garantir a transparência da sua condição econômico-financeira e do seu desempenho na implementação de projetos/programas sociais. Todavia, observa-seque, no Brasil, as demonstrações contábeis elaboradas por instituições do Terceiro Setor são adaptaçõesde demonstrativos desenvolvidos para empresas, o que pode prejudicar o processo informacional. Asdiferentes teorias do Patrimônio Líquido (proprietário, entidade e dos fundos) ressaltam as característicasdas organizações, empresariais ou não, e as perspectivas distintas quanto ao foco da evidenciação contábil.Portanto, o objetivo deste trabalho é explicar como tais teorias influenciam a formulação de normas práticaspelos órgãos reguladores no Brasil e Estados Unidos da América e, conseqüentemente, a elaboração edivulgação de informações contábeis pelo Terceiro Setor. Desenvolveu-se um caso de estudo da FundaçãoZerbini, o qual revelou incoerência quanto à adoção das teorias do Patrimônio Líquido, deixando de atenderadequadamente as necessidades dos usuários externos da contabilidade.

Palavras-chave: Teorias do Patrimônio Líquido; Demonstrações Contábeis; Terceiro Setor.

p. 57 - 71

Patrícia Siqueira VarelaDoutoranda em Controladoria e Contabilidadedo Departamento de Contabilidade e Atuária

da Faculdade de Economia,Administração e Contabilidadeda Universidade de São Paulo

[email protected]

ABSTRACT

The development of the Third Sector presupposes the overcoming of challenges such as efficiency,collaboration, sustainability, legitimacy, and above all, to guarantee the disclosure of its economic and financialcondition, as well as its performance in the implementation of social projects and programs. However, onemay notice that in Brazil accounting statements prepared by Third Sector institutions are adaptations ofstatements created for private corporations, which can hamper the disclosure process. The various theoriesof Equity (proprietary, entity and funds) highlight the characteristics of organizations, corporate or otherwise,and the different perspectives in relation to the focus of accounting disclosure. Thus, this paper aims atexplaining how such theories influence the formulation of the practical standards by regulatory agencies in

IMPLICATIONS OF EQUITY THEORIES ON ACCOUNTING STATEMENTSDISCLOSED BY THIRD SECTOR INSTITUTIONS

Gilberto de Andrade MartinsDoutor em Administração

Professor Titular do Departamento de Contabilidade e Atuáriada Faculdade de Economia,

Administração e Contabilidadeda Universidade de São Paulo

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Brazil and in the United States, and consequently, the elaboration and release of accounting information byThird Sector institutions. A case study on Fundação Zerbini was developed, which revealed incoherenciesin the adoption of Equity theories. These inconsistencies compromised the access of outsiders to thatinstitution’s accounting data.

Keywords: Equity Theories; Accounting Statements; Third Sector.

1 INTRODUÇÃO

Até recentemente, a abordagem conceitual da ordemsociopolítica brasileira compreendia a existência dedois setores com características distintas: o setorpúblico (primeiro setor), formado pelo Estado e portodos os organismos a ele interligados e querepresentam o interesse público, e o mercado(segundo setor), composto por um conjunto deentidades comumente denominadas “empresas” eque lidam com os interesses privados.

Contudo, ao longo dos últimos anos, oreconhecimento da existência de um grupo deinstituições privadas (sem finalidade lucrativa),constituídas com vistas a atender objetivos sociaisou públicos, acrescenta ao tema mais uma variável:a existência de um Terceiro Setor.

Problemas decorrentes do processo deindustrialização e urbanização e da dificuldade doEstado em atender várias demandas da sociedade,resultantes da crise das últimas décadas, têm feitocom que as entidades do Terceiro Setor, tambémconhecidas como instituições sem fins lucrativos,sejam impulsionadas a ocupar espaço na procurade soluções para a redução das desigualdadeseconômicas e sociais, por meio da ação isolada ouem parceria com o Estado e empresas. Todavia, oprocesso de desenvolvimento de tais entidadesdepende da superação de desafios referentes àlegitimidade, eficiência, colaboração,sustentabilidade e transparência.

Em relação ao desafio da transparência, percebe-se a necessidade de evolução da Contabilidade, poisas instituições sem fins lucrativos, no Brasil,elaboram suas demonstrações contábeis com baseem modelos desenvolvidos para atender àsnecessidades de usuários ligados a instituições comfins lucrativos. Tal fato pode prejudicar o processode accountability, de avaliação da entidade, de seusgestores e da prestação de contas para a sociedade,particularmente, seus provedores de recursos.

Sendo assim, é necessário conhecer a lógica

subjacente à preparação das peças contábeis paraverificar se o foco de atenção das informaçõesgeradas favorece a tomada de decisão dos usuáriosdas instituições sem fins lucrativos. Uma das formasde identificar a lógica subjacente é por meio doestudo de algumas das Teorias do PatrimônioLíquido: proprietário, entidade e dos fundos.Portanto, a questão orientadora deste estudo é:Como as teorias do Patrimônio Líquido influenciama elaboração de informações contábeis pelasinstituições sem fins lucrativos?

O objetivo deste trabalho é apresentar as teorias doPatrimônio Líquido e explicar como elas influenciama formulação de normas práticas pelos órgãosreguladores da contabilidade no Brasil e EstadosUnidos da América e, conseqüentemente, aelaboração e divulgação de informações contábeispelas instituições do Terceiro Setor.

Para isso, foi feito um estudo das normas brasileirasde contabilidade relativas ao Terceiro Setor e doStatement of Financial Accounting Standards Nº 117(FAS 117), apresentando os fatores queinfluenciaram seu desenvolvimento e as principaiscaracterísticas do conjunto de demonstraçõescontábeis adotadas por tais regulamentações. Alémdisso, foi apresentado um caso de estudo de umainstituição paulistana: Fundação Zerbini.

A escolha das normas dos EUA como parâmetro decomparação com as normas brasileiras deve-se aoatual estágio de desenvolvimento da Contabilidadee do Terceiro Setor em tal país, como constatadopor Coelho (2000, p.21):

1. Os Estados Unidos são o país ondeo terceiro setor mais se desenvolveu,em virtude, como veremos adiante,de uma cultura política voltada parao associativismo e o volutarismo. Oterceiro setor americano é, portanto,segundo a visão de vários analistas,um parâmetro mundial de comparação.

2. Por isso mesmo, as agências financiadorasinternacionais, como é o caso do BancoMundial, estabelecem a relação do terceiro

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setor americano com as áreasgovernamentais como orientadora dosparâmetros a serem exigidos nogerenciamento dos recursos repassadospelo banco.

O intuito deste trabalho é contribuir para a discussão,estudo e aperfeiçoamento das demonstraçõescontábeis utilizadas, atualmente, no Brasil, porinstituições do Terceiro Setor, a partir do estudo deteorias que orientam a elaboração das demonstraçõesexistentes e a experiência de um importante ator docenário mundial, tendo em vista as especificidadesdo Terceiro Setor e a importância das informaçõescontábeis para o processo de tomada de decisõesdos usuários internos e externos.

2 TERCEIRO SETOR: CARACTERÍSTICAS EDESAFIOS

Vários são os fatores que têm contribuído para osurgimento de um ambiente propício aodesenvolvimento das organizações que constituemo Terceiro Setor, dentre eles: problemas sociaisdesencadeados pelo processo de industrialização eurbanização, sinais de esgotamento do Estado deBem-Estar social e a disposição dos indivíduos emmobilizar-se para minimizar o sofrimento decamadas excluídas da população.

No Brasil, assim como no mundo, existe um elevadonúmero de organizações que compõem o universodas instituições sem fins lucrativos. Essasorganizações apresentam como uma dascaracterísticas mais marcantes a heterogeneidade.

Assim, podem-se citar, como exemplo dessasentidades, os clubes de futebol, hospitais euniversidades privadas, associações de interessemútuo, centros comunitários, entidadesambientalistas, associações de bairro, centros dejuventude, associações de produtores rurais,organizações de defesa de direitos, fundações einstitutos empresariais, clubes recreativos eesportivos, organizações não-governamentais,creches, asilos, abrigos, organizações religiosas,cartórios, serviços sociais autônomos, condomíniosem edifícios, partidos políticos e sindicatos.

Apesar de serem comumente designadas porexpressões como entidade, ONG – OrganizaçãoNão Governamental, instituto, instituição etc., essesadjetivos tem como função designar dois entesjurídicos que possuem importantes diferenças entresi e são regidas no Brasil pelo Código Civil (Lei nº

10.402/02): associações e fundações. (Cartilha doTerceiro Setor, 2005, p.7).

A multiplicidade de organizações que compõem oTerceiro Setor faz com que exista uma enormedificuldade na geração de uma definição precisa eamplamente aceita para esse segmento dasociedade, sendo esse problema enfatizado naspalavras de Fischer e Falconer (1998, p.12):

O Terceiro Setor foi se ampliando sem queesse termo, usado para designá-lo, sejasuficientemente explicativo da diversidadede elementos componentes do universoque abrange.

Um primeiro passo no sentido de compreendermelhor o que é o Terceiro Setor é entender asdiferenças existentes entre os três setores quecompõem a sociedade.

As características de cada um dos setores são,assim, descritas por Coelho (2002, p.39):

• Governo ou primeiro setor: distingue-se,sobretudo, pelo fato de legitimar e organizar suasações por meio de poderes coercitivos. Tem suaatuação limitada e regulada por um arcabouçolegal, fato esse que torna sua atuação previsível atodos os atores da sociedade.

• Mercado ou segundo setor: a demanda eos mecanismos de preços baseiam aatividade de troca de bens e serviços, cujoobjetivo principal é a obtenção de lucro.Comparativamente ao Governo, o mercadoatua sob o princípio da não coerção legal, ouseja, os clientes têm liberdade para escolhero que e onde comprar.

• Terceiro Setor: nesse segmento dasociedade, as atividades não têmcaracterística coercitiva ou lucrativa,objetivando o atendimento de necessidadescoletivas ou públicas.

Falconer (1999, p.36, grifo do autor) entende oTerceiro Setor como

[...] um setor privado não voltado àbusca de lucro, que atua na esfera dopúblico, não vinculado ao Estado.

A dificuldade encontrada para definir esse segmentoda sociedade pode ser visualizada na concepçãoapresentada pelo autor, uma vez que mostra oTerceiro Setor fazendo referência ao que ele não é,ou seja, não-governamental e não-lucrativo,abstendo-se de dizer o que realmente significa esse

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conjunto de entidades.

O Handbook on Nonprofit Institutions in the Systemof National Accounts (Manual sobre as InstituiçõesSem Fins Lucrativos no Sistema de ContasNacionais) - elaborado pela Divisão de Estatísticadas Nações Unidas, em conjunto com aUniversidade Jonh Hopkins, em 2002, define asentidades que compõe o terceiro setor como

[...] (a) organizações que (b) são semfins lucrativos e que, por lei ou costume,não distribuem qualquer excedente, quepossa ser gerado, para seus donos oucontroladores; (c) são institucionalmenteseparadas do governo, (d) são auto-geridas e (e) não-compulsória. (ONU,2003, p. 26).

Não obstante ser uma metodologia amplamenteutilizada, cabe salientar que a abordagem apresentaalgumas limitações:

a) prioriza as organizações formais,desconsiderando toda a dinâmica não formalda sociedade civil;

b) cria uma área cinzenta entre o setor não-lucrativo, o primeiro e o segundo setores, noqual são colocados alguns tipos de organizaçãoque não atendem à totalidade das prescriçõesda metodologia, como, por exemplo: cartórios,serviços sociais autônomos, condomínio emedifício, sindicatos, comissão de conciliaçãoprévia etc.

Apesar da diversidade de instituições, este artigofoca aquelas que prestam algum tipo de serviçosocial à população, cujos benefícios favorecem odesenvolvimento econômico e social de umadeterminada comunidade.

Embora, o ambiente demonstre-se propício aodesenvolvimento de instituições sem fins lucrativosno plano nacional e mundial; muitos desafiosprecisam ser superados para que o setor possadesempenhar o papel social que lhe foi incumbido,dentre eles, quatro são considerados por Salamon(1997, p. 102-109) como críticos:

Desafio da legitimidade: a ausência deinformação disponível sobre o Terceiro Setor temfeito com que haja uma grande falta deconsciência a seu respeito. Isso porque ele é,sistematicamente, ignorado nas estatísticaseconômicas; poucas vezes referenciado nosdebates políticos e nos meios de comunicação;

além de não ter ainda despertado o interesse domeio acadêmico de forma a incentivar odesenvolvimento maciço de pesquisas.Desafio da eficiência: trata-se da necessidadede o setor demonstrar sua capacidade ecompetência em um ambiente em que crescemas pressões para aperfeiçoar o sistema deadministração, desempenho, controleinstitucional etc.Dificuldades relacionadas ao aspecto gerencialdecorrentes, em especial, da falta de profissionaiscapacitados, têm feito com que muitasinstituições não consigam desempenhar de formasatisfatória sua missão, comprometendo, assim,a própria existência:

O perfil das organizações do terceirosetor no Brasil parece, à primeira vista,apenas confirmar a percepção de queo problema do setor é,fundamentalmente, um problema decompetência na gestão: operando emum meio desfavorável, caracterizadopela falta de recursos e de apoio dopoder público, as organizações nãoconseguem romper o ciclo vicioso: faltade recursos humanos capacitados >gerenciamento inadequado > falta dedinheiro > insuficiência de resultados.(FALCONER, 1999, p.111).

Desafio da colaboração: desenvolver acolaboração com o Estado que, além deimportante fonte de financiamento, é umpoderoso parceiro no desenvolvimento deprojetos em conjunto, visando ao cumprimentodas demandas da sociedade no âmbito social. Ecolaborar com o setor empresarial, que tem sedemonstrado preocupado em participar deprojetos que beneficiem à sociedade. Isso podesignificar ao Terceiro Setor uma forma deviabilidade no longo prazo, dada a possibilidadede obter uma parte dos recursos necessários àsua sustentabilidade.Desafio da sustentabilidade: o problema dasustentabilidade abrange não só os aspectosfinanceiros, que têm trazido problemas desobrevivência a esse grupo de entidades, mastambém a sustentabilidade do capital humano,aqui caracterizado pelos profissionais que, muitasvezes, se afastam das entidades do terceiro setor,buscando a oportunidade de ocupar cargospúblicos, ou mesmo compor o quadro decolaboradores de empresas que desenvolvematividades sociais como forma de demonstrar suaresponsabilidade social perante os stakeholders.

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Os recursos financeiros usados pelas entidades quecompõem o Terceiro Setor são, normalmente,provenientes de interações com o Estado, organismosoficiais, organismos privados internacionais,fundações nacionais e internacionais, empresasnacionais e internacionais dos diversos segmentosda economia, geração de recursos próprios, bemcomo doações que podem abranger recursosmonetários ou outros tipos de recursos obtidos poressas instituições. Alguns desses recursos financeiroschegam às instituições do Terceiro Setor, mormente,sob a forma de contribuições, doações, subvenções,sendo que essas modalidades de ativos podem serassim definidas:

• Contribuições: transferências voluntárias eincondicionais de ativos para uma entidade(beneficiária) advinda de outra entidade quenão espera receber valor em troca e não agecomo um proprietário (doador). A contribuiçãotambém pode ocorrer sob a forma decancelamento de passivos do beneficiário(DELANEY et al., 2002, p. 1017).

• Doações: “transferências gratuitas, em caráterdefinitivo, de recursos financeiros ou do direitode propriedade de bens, com finalidade decusteio, investimento e imobilizações, semcontrapartida do beneficiário.” (BRASIL, NBCT 19.4, item 19.4.2.1).

• Subvenções: contribuições pecuniárias,previstas em lei orçamentária, concedidas porórgãos do setor público a entidades públicasou privadas, com o objetivo de cobrirdespesas com a manutenção e custeio, comou sem contraprestação de bens ou serviçospela entidade beneficiada (BRASIL, NBC T19.4, item 19.4.2.1).

Esses recursos podem ou não possuir algum tipo derestrição e quando presentes, os gestores e demaisinteressados na organização devem levá-las emconsideração no processo de tomada de decisão, umavez que podem influenciar diretamente no processode gestão da instituição e, conseqüentemente, nacontinuidade de projetos sociais.

Além dos desafios enunciados anteriormente, a faltade transparência caracterizada pela resistência emabrir-se à avaliação externa, deve ser entendidacomo outro importante obstáculo a ser superadopelas instituições do Terceiro Setor.

Em um setor em que existe escassez de recursos,o benefício obtido pelos indivíduos por meio dosserviços prestados por essas entidades, bem como

os valores despendidos para o custeio de suasatividades, chama cada vez mais a atenção dosdoadores de recursos e da sociedade, de formageral. Portanto, elaborar demonstrações contábeisque possam colaborar para satisfazer essasnecessidades se torna indispensável.

Para Rossi Jr. (2001, p.22),

[...] a credibilidade é fundamental paraa sustentabilidade das organizações doTerceiro Setor, que operam na suagrande maioria com recursosprovenientes de seus parceiros.

Falconer (1999, p. 132), abordando o problema danecessidade de transparência e do cumprimento daresponsabilidade da organização de prestar contasperante os diversos públicos que têm interesseslegítimos diante delas (stakeholders), apresentaalguns motivos que podem ter influenciado asorganizações do Terceiro Setor, no Brasil, quantoao hábito de não cultivar a transparência:

Muitas organizações foram criadas emum contexto repressivo e atuaram comoentidades semi-clandestinas por muitosanos. Entidades que tradicionalmenteforam subvencionadas pelo Estadoaprenderam que para obter os recursosnecessários deveriam percorrercaminhos obscuros de interessesclientelistas. Muitas organizaçõessimplesmente jamais desenvolveram apercepção de que têm um caráterpúblico, seja pela finalidade quebuscam, seja pela isenção de impostosde que se beneficiam.

3 TEORIAS DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO E SUAINFLUÊNCIA NO PROCESSO DECOMUNICAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DOTERCEIRO SETOR

A mobilização de recursos financeiros, materiais ehumanos e a sua gestão eficiente e eficaz com ointuito de alcançar os objetivos previamente definidosexercem papel importante no processo decontinuidade das organizações do Terceiro Setor.

Diferentemente das empresas em que os gestoressão responsáveis pela satisfação dos clientes emaximização do lucro, nas instituições do TerceiroSetor, esses profissionais são avaliados pelosresultados alcançados no desenvolvimento deprojetos e pela adequação da aplicação dos recursos

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destinados à entidade.

Por desempenhar função de interessepúblico, espera-se que a organização doTerceiro Setor cultive a transparênciaquanto ao seu portofólio de projetos e,também, quanto aos resultados obtidos eos recursos alocados. O diagnóstico ex-ante e a avaliação ex-post constitueminstrumentos determinantes para o êxitoe o apoio a ser obtido em iniciativasfuturas. Nesse sentido, a preparação derelatórios de avaliação, e a suadisseminação constituem importantesinstrumentos de comunicação com asociedade. (MARCOVITCH, 1997, p.129).

Nesse contexto, a Contabilidade apresenta-se comouma ferramenta essencial no processo de gestão ede promoção da transparência das açõesdesenvolvidas pelas organizações do terceiro setor,uma vez que é definida

[...] como o método de identificar,mensurar e comunicar informaçãoeconômica, financeira, física e social, afim de permitir decisões e julgamentosadequados por parte dos usuários dainformação. (IUDÍCIBUS, 2000, p. 26).

No processo de comunicação das informações, cabeà Contabilidade, como elemento transmissor, decidirquanto à forma de transmissão da mensagem(conjunto de sinais escolhidos para transmissão daidéia - código), que permita ao receptor (usuário dasinformações contábeis) a compreensão eentendimento da mensagem transmitida.

Segundo Iudícibus (2000, p.121), as formas deevidenciação contábil (disclosure) podem variar, masa sua essência sempre será apresentar informaçõesquantitativas e qualitativas de maneira ordenada afim de propiciar uma base adequada de informaçãopara o usuário, deixando de fora das demonstraçõesformais o menos possível. O autor (2000, p.118) listaseis métodos para realizar a evidenciação:

• Forma de apresentação das demonstraçõescontábeis: elaboração dos demonstrativoscom a utilização de terminologia clara esimplificada e sua colocação em uma formaou ordem que melhore a interpretabilidade;

• Informações entre parênteses: oferecer aousuário informações curtas e objetivas,colocadas dentro do corpo do demonstrativocontábil entre parênteses com vistas aofornecimento de maiores esclarecimentos

sobre um título, um critério de avaliação, acomposição de uma conta etc.;

• Notas explicativas (rodapé): o objetivo dessaforma de evidenciação é fornecer informaçõesque não podem ser apresentadas no corpodo demonstrativo contábil;

• Quadros e Demonstrativos Suplementares: cujoobjetivo é detalhar itens dos demonstrativoscontábeis que não podem ser evidenciados nocorpo destes e/ou apresentar outrasdemonstrações, outra perspectiva de avaliação;

• Comentários do Auditor: fonte complementar dedisclosure para as demonstrações contábeis,oferecendo maior segurança ao usuário;

• Relatório da Diretoria: tem como objetivofornecer informações não financeirasrelacionadas à operação da entidade, taiscomo mercado de atuação, perspectivasfuturas, plano de crescimento, investimentoem pesquisa e desenvolvimento, entre outras.

Um dos pontos cruciais do disclosure dasorganizações do Terceiro Setor é o tratamento dadoao Patrimônio Líquido, pois uma boa evidenciaçãodos elementos constitutivos desse grupo do BalançoPatrimonial pode auxiliar a avaliação dos usuáriosdas informações contábeis quanto à capacidade decontinuidade da entidade e, conseqüentemente, dosdiversos projetos sociais desenvolvidos por ela.

Patrimônio Líquido, Patrimônio Social ou AtivosLíquidos podem ser simplesmente definidos como adiferença entre o valor total do Ativo e do Passivo.Entretanto, como salienta Iudícibus (2000, p. 169) emrelação às empresas, o Patrimônio Líquido contémelementos que caracterizam diversos interessescomo: direitos residuais no caso de liquidação,distribuições de dividendos, participações etc.

No caso das instituições do Terceiro Setor, osinteresses são diversos: a atenção volta-se para ouso dos ativos colocados à disposição delas naconsecução dos objetivos sociais, à necessidade dereposição desses ativos e as possíveis limitaçõesquanto à continuidade normal das atividades. Emuma situação extremada, poder-se-ia pensar, porexemplo, em um Patrimônio Líquido negativo.

A importância do Patrimônio Líquido e seu significadomerecem especial destaque, pois enquanto nasempresas o valor desse grupo (em tese) deverepresentar a riqueza dos proprietários em umdeterminado momento, nas entidades do TerceiroSetor o patrimônio líquido

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[...] deve representar a capacidade quea entidade tem de manter-se no mercado,oferecendo seus serviços à comunidade,com eficiência e qualidade sem, contudo,comprometer sua continuidade. (OLAK;NASCIMENTO, 2000, p.5).

Nesse sentido, é importante explicar algumas dasprincipais abordagens do Patrimônio Líquido, quaissejam: (1) teoria do proprietário, (2) teoria daentidade e (3) teoria do fundo.

A teoria do proprietário é a mais antiga abordagemdo Patrimônio Líquido e surgiu para revestir aspartidas dobradas de sua lógica formal, uma vez quefacilita o entendimento quanto ao funcionamento dascontas contábeis (IUDÍCIBUS, 2000, p.171).

A equação contábil é: Ativo – Passivo = Patrimônio Líquido

O proprietário situa-se na posição de principalinteressado, dessa forma se supõe que os ativospertencem aos proprietários e os passivos sãoobrigações do proprietário ou, então, são ativosnegativos. As receitas são aumentos de propriedadee as despesas representam diminuições. Assim, olucro líquido (diferença entre receitas e despesasde um determinado período) indica um aumento depropriedade. Os dividendos em dinheiro representamretiradas de capital e os lucros retidos fazem parteda propriedade (HENDRIKSEN; VAN BREDA, 1999,p.466). Tal teoria adapta-se melhor às formasorganizacionais mais simples, como firma individual.

Na teoria da entidade

[...] a entidade tem uma vida distinta dasatividades e dos interesses pessoaisdos proprietários de parcelas de seucapital. A entidade tem personalidadeprópria. (IUDÍCIBUS, 2000, p.171).

A equação contábil é: Ativo = Obrigações + Patrimônio Líquido

Pela teoria de entidade, os ativos representam osdireitos da empresa de receber bens e serviços eoutros benefícios específicos e o outro lado daequação diz respeito a obrigações específicas daorganização com terceiros e acionistas.

O lucro líquido é, geralmente, expresso em termosde variação líquida do patrimônio dos acionistas,após deduzir todos os outros direitos, incluindo jurosde dívida de longo prazo e imposto de renda.

Contudo, tal lucro somente será pessoal para oacionista caso o valor do investimento tenhaaumentado ou tenha havido declaração dedividendos. De acordo com essa idéia de lucro, asreceitas são o produto da empresa e as despesascorrespondem aos bens e serviços consumidos paraobter as receitas (HENDRIKSEN; VAN BREDA,1999, p.468).

De acordo com Hendriksen e Van Breda (1999,p.468), a teoria da entidade possui aplicação nasociedade por ações como forma de organizaçãode empresas, mas, também, é relevante para outrasformas de organização que possuem continuidadede existência separadamente das vidas de seusproprietários individuais.

A teoria do fundo

[...] abandona a relação pessoalpressuposta na teoria da propriedadee a personalização da empresa comounidade econômica e jurídica artificial,pressuposta na teoria da entidade.(HENDRIKSEN; VAN BREDA, 1999,p.470).

Um fundo pressupõe a existência de grupos de ativose obrigações e restrições correspondentes,indicando funções ou atividades econômicasespecíficas.

Olak (1996, p. 152) menciona que, visto comoentidade contábil,

[...] um fundo possui recursos própriospara serem aplicados em suasatividades ou projetos específicos.Assim, para consecução dos seus fins,um fundo pode ter um conjunto deativos, obrigações e patrimônio líquido,receitas/ganhos e despesas/perdas.

A equação contábil é:Ativo = Restrições sobre Ativos

Nessa equação, o ativo representa serviçospossíveis ao fundo ou unidade operacional e ospassivos restrições a ativos específicos ou geraisdo fundo. O capital investido, também, pode serconsiderado uma restrição legal ou financeira ao usode ativos.

O lucro não é o conceito principal na contabilidadefinanceira, em seu lugar, fica a descrição daoperação do fundo. As principais demonstrações

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financeiras são resumos das origens e aplicaçõesde fundos. Existindo uma demonstração deresultados será um acessório da demonstração dofluxo de fundos, com a descrição dos fundos geradospelas operações (HENDRIKSEN; VAN BREDA,1999, P.470).

O conceito de fundo tem tido mais utilidade eminstituições governamentais e sem fins lucrativos,mas pode ser aplicado em outros tipos deentidades.

Como visto, as organizações do Terceiro Setor têmcomo fontes significativas de recursos ascontribuições, doações e subvenções. Tais recursospodem conter cláusulas restritivas quanto à suaaplicação e a entidade deveria controlarseparadamente os ativos de usos irrestritos(dependendo somente das decisões daadministração) e os ativos com usos restritos,temporários ou permanentes, ou seja, que só podemser utilizados para atender propósitos específicos.Portanto, a teoria do fundo tem grande aplicaçãonesse tipo de entidade. Para Olak (1996, p.153), asdemonstrações contábeis de uma organização comoum todo seria o somatório de um conjunto dedemonstrações dos fundos a ela pertencentes.

De acordo com Hendriksen e Van Breda (1999,p.471), todas as teorias ou abordagens dopatrimônio líquido e as relações ou atividades aserem divulgadas são importantes em diferentesorganizações, relacionamentos econômicos eobjetivos contábeis. Entretanto, deve-se ter ocuidado de aplicar a teoria do patrimônio líquidomais lógica em cada caso e usar uma única teoriade maneira coerente em determinadascircunstâncias.

4 NORMAS QUE ORIENTAM AELABORAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕESCONTÁBEIS DE ENTIDADES DOTERCEIRO SETOR: BRASIL X EUA

No Brasil, o atendimento da demanda poraccountability e prestação de contas encontra-se,muitas vezes, prejudicado pelo fato de asdemonstrações contábeis util izadas pelasorganizações do Terceiro Setor serem elaboradas apartir dos modelos especificados pela legislaçãosocietária e que foram desenvolvidos para atenderàs necessidades de usuários de informações ligadosa instituições com fins lucrativos.

Durante longo período, a falta de previsão noordenamento jurídico do país sobre uma legislaçãocontábil específica, aplicável às instituições doTerceiro Setor, fez com que seus dirigentes usassemlegislações aplicáveis a outras organizações, emespecial às empresas. (PAES, 2003, p.319).

O mesmo autor (2003, p. 319) acrescenta que a Leinº 9.790/99, batizada de Lei do Terceiro Setor, e suaregulamentação apresentam-se como

[...] a legislação que deve servir deparâmetro e de referência para acontabilização das entidades sem finslucrativos.

A referida lei prevê em seus artigos 4º e 5º que aentidade sem fins lucrativos deve fazer observar osPrincípios Fundamentais de Contabilidade e asNormas Brasileiras de Contabilidade (NBC), devendoelaborar balanço patrimonial e demonstração deresultados do exercício.

O Decreto nº 3.100/99 aumentou o conjunto dedemonstrações contábeis exigidas das instituiçõessem fins lucrativos ao acrescentar a Demonstraçãodas Origens e Aplicações de Recursos, aDemonstração das Mutações do Patrimônio Líquido,além das Notas Explicativas.

As demonstrações contábeis elaboradas pelasentidades do Terceiro Setor têm sua estruturaestabelecida por meio da Lei nº 6.404/76 – Lei dasSociedades por Ações e pela NBC T 3 emitida peloConselho Federal de Contabilidade (CFC).

A NBC T 10 – item 10.4 Fundações, item 10.19Entidades sem Finalidade de Lucro e item 10.16Entidades que recebem subvenções, contribuições,auxílios e doações – prevê que as doações esubvenções patrimoniais devem ser contabilizadasno patrimônio social e as receitas de doações,subvenções e contribuições, recebidas para aplicaçãoespecífica, mediante constituição ou não de fundos,devem ser registradas em contas próprias,segregadas das demais contas da entidade. A mesmanorma determina ainda, que esses entes jurídicoselaborem o Balanço Patrimonial, Demonstração doResultado, Demonstração das Mutações doPatrimônio Líquido e Demonstrações das Origens eAplicações de Recursos.

Buscando fazer adaptações para atender àsespecificidades das organizações do Terceiro Setor,o CFC determina, em relação às demonstrações

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contábeis elaboradas pelas empresas, as seguintesalterações: (1) a conta Capital será substituída pelaconta Patrimônio Social; (2) a conta Lucros ouPrejuízos Acumulados pela conta Superávits ouDéficits Acumulados. Tais alterações fazem alusãoa quem pertence a riqueza líquida da instituição(sociedade) e, ao mesmo tempo, trata de superávitsou déficits acumulados por uma entidade.

Além das alterações previstas para o BalançoPatrimonial, outras demonstrações financeirastambém devem sofrer modificações, de acordo coma norma do CFC:

a) Demonstração do Resultado: a sua denominaçãoé alterada para Demonstração do Superávit ouDéficit, e deve evidenciar a composição doresultado de um determinado período;

b) Demonstração das Mutações do PatrimônioLíquido: a sua denominação é alterada paraDemonstração das Mutações do PatrimônioSocial, que deve evidenciar, num determinadoperíodo, a movimentação das contas queintegram o seu patrimônio. Além dessa alteração,deve ser efetuada a substituição da palavralucros, pela palavra superávit; e a palavraprejuízo, pela palavra déficit.

c) Demonstração das Origens e Aplicação eAplicação dos Recursos: nessa Demonstraçãoa palavra resultado é substituída pela expressãosuperávit ou déficit.

Apesar da lógica subjacente às demonstraçõesfinanceiras previstas pela norma contábil estarrelacionada às teorias do proprietário e da entidade,o CFC faz menção à teoria dos fundos ao prever queas entidades do Terceiro Setor devem divulgar emnotas explicativas informações como, por exemplo:

a) os fundos de aplicação restrita e asresponsabilidades decorrentes desses fundos;

b) evidenciação dos recursos sujeitos a restriçõesou vinculações por parte do doador.

Mesmo existindo características específicas quediferenciam as instituições sem fins lucrativos dasempresas, a legislação exige daquelas entidades aelaboração de demonstrações contábeis que utilizema mesma estrutura, terminologia e conteúdo usadopor estas, excetuando-se as alterações observadasanteriormente (OLAK; NASCIMENTO, 2000, p.4).

As diferenças existentes entre as instituições quecompõem o mercado (empresas) e as que formam o

setor sem fins lucrativos fazem com que os gestoresde organizações do Terceiro Setor necessitem adaptaras ferramentas gerenciais, dentre elas asdemonstrações contábeis, para atender àspeculiaridades do ambiente no qual essasorganizações estão inseridas (CAMPOS, 2003, p. 48).

As alterações de nomenclatura determinadas peloConselho Federal de Contabilidade em algumas dasdemonstrações financeiras publicadas pelasorganizações do Terceiro Setor no Brasil nãoconseguem atingir o objetivo fundamental que éalterar o foco principal dos relatórios.

O estudo das normas contábeis relacionadas àsorganizações do Terceiro Setor nos EUA inicia-sepela pesquisa relativa às perspectivas dosinvestidores das empresas e dos provedores derecursos das instituições do Terceiro Setor, sendoesse tema objeto de análise do FASB (FinancialAccounting Standards Board). O Concepts StatementNº 4 (CON 4) – Objectives of Financial Reporting byNonbusiness Organizations destaca:

Os objetivos (dos relatórios financeirosemitidos por organizações sem finslucrativos) derivam do interesse comumdaqueles que provêm recursos àsorganizações (sem fins lucrativos) comintuito de mantê-las em funcionamentoe garantir a continuidade da prestaçãodesses serviços. Contrastando comisso, os objetivos das demonstraçõesfinanceiras (das empresas denegócios) derivam dos interesses dosprovedores de recursos na perspectivade receberem dinheiro como retorno deseus investimentos. Apesar de interessesdiferentes, provedores de recursos detodas as organizações procuram porinformações sobre recursos econômicos,obrigações, reservas líquidas, emudanças ocorridas, além disso,informações que sejam úteis paraavaliação de seus interesses. Taisprovedores de recursos concentram-seem indicadores de performance einformações sobre gestão administrativa.(FASB, 1993, p.19).

A existência de certas inconsistências nas práticascontábeis e de divulgação de informações adotadaspor instituições sem fins lucrativos nos EUA levou oFinancial Accounting Standards Bord (FASB) àrealização de um projeto, cujo objetivo era padronizarcertas informações básicas a serem apresentadasaos diversos usuários.

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Resultado do trabalho conjunto, iniciado em 1986,desenvolvido pelo American Institute of CertifiedPublic Accountants (AICPA) e pelo FASB e publicadoem junho de 1993, o FAS 117 apresentou como umade suas principais inovações, a obrigação dasentidades sem fins lucrativos elaborarem umconjunto de demonstrações financeiras compostopor (FASB, 1993, p. 5):

a) Relatório de Posição Financeira (Statement ofFinancial Position);

b) Relatório de Atividades (Statement of Actives);c) Relatório do Fluxo de Caixa (Statement of Cash

Flow);d) Notas explicativas (Accompanying Notes).

No desenvolvimento do projeto, o FASB pressupôsque os usuários externos das demonstraçõescontábeis publicadas pelas instituições do TerceiroSetor têm interesses comuns em avaliar

(a) os serviços oferecidos pela organização esua capacidade de continuar a oferecer essesserviços e (b) como os administradorescumprem com suas responsabilidades eoutros aspectos relacionados à suaperformance.(FASB, 1993, p.6).

Assim sendo, a proposta do conjunto dedemonstrações contábeis é oferecer aos usuários

da Contabilidade informações sobre (a) o montantee a natureza dos ativos, passivos e do ativo líquidoda organização, (b) os efeitos das transações eoutros eventos e ocorrências que alteram o montantee a natureza do ativo líquido, (c) o montante e o tipodo fluxo de entradas e saídas de recursoseconômicos durante um período, (d) a lista de comoas organizações obtêm, gastam e pagamempréstimos e outros fatores que afetam sualiquidez e (e) os serviços realizados por umaorganização (FASB, 1993, p. 6).

Os relatórios propostos pelo FASB, por meio doFAS 117, atendem mais adequadamente aexpectativa dos usuários externos dasdemonstrações f inanceiras, uma vez queprocuram abandonar a relação pessoal pressupostapela teoria da propriedade e a personalização daorganização como unidade econômica e jurídicaartificial, pressuposta na teoria da entidade,buscando demonstrar a existência de grupos deativos e obrigações e restrições correspondentes,indicando funções ou atividades econômicasespecíficas.

A seguir, apresenta-se, no Quadro 1, um comparativodas normas contábeis que regulamentam aelaboração e divulgação de demonstraçõesfinanceiras por instituições do Terceiro Setor noBrasil e nos EUA.

Quadro 1: Comparação das Normas Contábeis Brasileiras e Norte-americanasquanto à Elaboração de Demonstrações Financeiras

de Organizações do Terceiro Setor

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4.1 Statement of Financial Position versusBalanço Patrimonial

O Statement of Financial Position guarda granderelação com o Balanço Patrimonial elaborado pelasempresas e pelas organizações do Terceiro Setorno Brasil. Na visão do FASB (1993, p.30), essademonstração contábil tem como principal objetivofornecer aos seus usuários informações que possamcolaborar na identificação de aspectos positivos enegativos da situação financeira da empresa, bemcomo na avaliação de sua performance ao longo deum período e de sua capacidade em continuarfornecendo serviços à sociedade.

No Brasil, conforme Iudícibus et al. (2003, p.30), oBalanço Patrimonial apresenta a posição financeirae patrimonial da instituição em uma determinada data- posição estática. De acordo com o art. 178 da Leinº 6.404/76,

[...] no balanço, as contas serãoclassificadas segundo os elementos dopatrimônio que registrem, e agrupadasde modo a facilitar o conhecimento e aanálise da situação financeira dacompanhia.

Sendo assim, as contas do Ativo são classificadasem ordem decrescente de grau de liquidez e ascontas do Passivo em ordem decrescente deprioridade de pagamento das exigibilidades.

Na comparação entre o Balanço Patrimonial utilizadopelas organizações do Terceiro Setor no Brasil e oStatement of Financial Position, dois pontosmerecem destaque:• doações recebidas por instituições do Terceiro

Setor com restrições que impactam a liquidez dainstituição poderão ter seus valores reportadosseparadamente, em contas ou classes de contasespecíficas, dentro de grupos de ativo e passivona demonstração financeira;

• nas demonstrações elaboradas por instituiçõessem fins lucrativos nos EUA o termo PatrimônioSocial, comumente utilizado no Brasil, foisubstituído por Net Assets (Ativos Líquidos)sendo que ele deverá ser composto de pelosmenos três classes de contas relacionadas coma característica dos recursos recebidos pelaorganização. São elas: restrito, temporariamenterestrito e irrestrito. As restrições sobre os recursosimpõem limitações especiais sobre a gestão daorganização, podendo, em decorrência, refletirna capacidade das instituições continuarem aprover serviços à sociedade.

4.2 Statement of Actives versus Demonstraçãodo Superávit/Déficit

O Statement of Actives tem como objetivo principalprover os usuários da Contabilidade de informaçõessobre os eventos e transações que foramresponsáveis por mudanças ocorridas nos AtivosLíquidos da instituição durante um determinadoperíodo, comparando o conjunto de receitas eganhos com o de despesas e perdas.

Nessa linha de pensamento, o FASB (1993, p.35)entende que informações sobre receitas, despesas,perdas e ganhos, contidas em tal relatório sãoimportantes para avaliação dos efeitos das mudançasocorridas no total do Ativo Líquido e em suassubdivisões (restrito, irrestrito e temporariamenterestrito), bem como fornecer informações para avaliara performance da instituição ao longo de um período(FASB, 1993, p.35).

O Statement of Activies reflete uma das grandespreocupações das entidades sem fins lucrativos –reposição ou manutenção dos ativos para garantir acontinuidade da prestação de serviços àcomunidade. Ao evidenciar a forma de distribuiçãodos recursos obtidos dentro de um determinadoperíodo, possibilita o julgamento de valor por partedos usuários das informações contábeis (mormenteos “provedores de recursos” da instituição) quantoao desempenho no desenvolvimento de suasatividades.

No Brasil, as entidades do Terceiro Setor fazem usoda Demonstração do Superávit ou Déficit doExercício que, na prática, é uma adaptação daDemonstração de Resultados do Exercício (DRE)usada pelas empresas. Essa demonstração resumeas operações realizadas, durante o exercício social,demonstradas de forma a destacar o resultadolíquido do período. Conforme a Lei nº 6.404/76, ademonstração é estruturada de maneira dedutiva,com a apuração de diversos tipos de lucros e comdetalhes necessários de receitas, despesas, ganhose perdas.

[...] o lucro ou prejuízo líquido apuradonessa demonstração é o que se podechamar de lucro dos acionistas, pois,além dos itens normais, já se deduzemcomo despesas o Imposto de Renda eas participações sobre os lucros aoutros que não os acionistas, de formaque o lucro líquido demonstrado é ovalor final a ser adicionado aopatrimônio líquido da empresa que, em

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última análise, pertence aos acionistas,ou é distribuído como dividendo.(IUDÍCIBUS et al., 2003, p.31).

4.3 Statement of Cash Flow versusDemonstração das Origens e Aplicaçõesde Recursos

Na opinião do FASB (1993, p.45), a publicação daDemonstração do Fluxo de Caixa (DFC) devefornecer aos seus usuários relevantes informaçõessobre os recebimentos e pagamentos efetuados emdinheiro por uma entidade ao longo de um período.

Na elaboração da DFC as movimentações de caixa(pagamentos/recebimentos) são classificadas porgrupo de atividades:• atividades operacionais:

[...] estão relacionadas com a produçãoe entrega de bens e serviços e oseventos que não sejam definidos comoatividades de investimento efinanciamento. Normalmente,relacionam-se com as transações queaparecem na DRE. (IUDÍCIBUS et al.,2003, p.399-400);

• atividades de investimento:[...] relacionam-se normalmente com oaumento e diminuição dos ativos delongo prazo que a empresa utiliza paraproduzir bens e serviços. (IUDÍCIBUSet al., 2003, p.400);

• atividades de financiamento:[...] relacionam-se com os empréstimosde credores e investidores à entidade.(IUDÍCIBUS et al., 2003, p.400).

Ainda, em relação à Demonstração do Fluxo deCaixa, faz-se importante registrar que existem doismétodos de elaboração, cuja diferença reside naforma de apuração do caixa gerado ou consumidopelas atividades operacionais:• método direto:

[...] explicita as entradas e saídas brutasde dinheiro dos principais componentesdas atividades operacionais, como osrecebimentos pelas vendas deprodutos e serviços e os pagamentosa fornecedores e empregados.(IUDÍCIBUS et al., 2003, p.402).

O saldo final deve ser entendido como o montantede caixa gerado ou consumido pela atividade duranteum período.• método indireto:

[...] faz a conciliação entre o lucro

líquido e o caixa gerado pelasoperações, por isso é tambémchamado de método da reconciliação.(IUDÍCIBUS et al., 2003, p.402).

No Brasil, as entidades do Terceiro Setor sãoobrigadas a publicar a Demonstração de Origens eAplicação de Recursos (DOAR) que em algunspaíses vem sendo substituída pela Demonstraçãodo Fluxo de Caixa, devido “basicamente à maiorfacilidade de entendimento pelos usuários”.(IUDÍCIBUS et al., 2003, p.32).

5 CASO DE ESTUDO - FUNDAÇÃO ZERBINI

A Fundação Zerbini é uma pessoa jurídica de direitoprivado, sem fins lucrativos e filantrópica, com prazode duração por tempo indeterminado e comautonomia administrativa, operacional e financeira,tendo por objetivo colaborar com o Instituto doCoração – InCor, que é uma Unidade do Hospitaldas Clínicas da Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo (HCFMUSP), atuandoespecialmente nas áreas de saúde, de ensino e depesquisa no campo da cardiologia, visando acolaborar na realização das atividades do InCor.

Para consecução dos seus objetivos, a Fundaçãoutiliza parte das máquinas e dos equipamentos,funcionários administrativos, corpo médico,medicamentos, imóvel e outros bens do Hospital dasClínicas – HC, de acordo com convênio 01/94celebrado com a HCFMUSP, com vigência até 30de dezembro de 2014.

Ao término do exercício de 2004, a Fundação Zerbinidivulgou conjunto de demonstrações financeirasreferente aos exercícios findos em 31 de dezembrode 2004 e 2003, o qual se encontra disponível noendereço www.zerbini.org.br, sendo composto por:Relatório da Administração, Parecer dos AuditoresIndependentes, Balanço Patrimonial, Demonstraçãode Déficits, Demonstração das Mutações doPatrimônio Social, Demonstração das Origens eAplicações de Recursos e Notas explicativas àsdemonstrações financeiras, em conformidade coma legislação brasileira.

De acordo com a teoria dos fundos, a FundaçãoZerbini deveria elaborar suas demonstraçõesfinanceiras de maneira a apresentar, para osusuários externos, dados que possibilitassem avaliarsua capacidade de continuar provendo serviços àsociedade. Mas, ao atender a legislação brasileira,

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A forma utilizada para apresentação do PatrimônioSocial não permite ao usuário externo, em umaavaliação preliminar, constatar que a entidade passapor dificuldades financeiras que podem comprometersua capacidade futura de prestação de serviçossociais que se propõe a fornecer.

O Patrimônio Social encontra-se positivo,exclusivamente, pelos recursos recebidos pelaFundação Zerbini a título de dotação orçamentáriapela Câmara dos Deputados e Senado Federal eque são referentes a recursos restritos, ou seja,somente podem ser utilizados no projeto do InCordo Distrito Federal, conforme informações contidasno Relatório de Administração. Sob esse aspecto, orelatório proposto pelo FASB demonstra-se maisadequado às necessidades dos usuários externos.

A Fundação Zerbini procura reduzir a falta dedisclosure, relacionando em algumas passagens doRelatório da Administração a existência de gruposde ativos e passivos restritos, conforme apresentadona seqüência:• “A parcela da administração do InCor-HC/FMUSP

que é de responsabilidade da Fundação Zerbiniauferiu em 2004 um resultado operacionalnegativo de R$ 18.063 mil, representando 11%das receitas totais”.

• “Os custos do PSF-DF1 também impactaram afolha de pagamento pela contratação de 1.329funcionários entre fevereiro e dezembro, cabendoressalvar que estes custos foram totalmente

não conseguiu abandonar a relação pessoalpressuposta pela teoria da propriedade e apersonalização da organização como unidadeeconômica e jurídica artificial, pressuposta na teoriada entidade, haja vista as influências de taisabordagens do Patrimônio Líquido nas normascontábeis brasileiras.

O Patrimônio Social divulgado no BalançoPatrimonial pela Fundação Zerbini exemplifica o fato:

Tabela 1: Composição do Patrimonial Socialda Fundação Zerbini em 2003/2004

suportados por dotação orçamentária do Governodo Distrito Federal”.

• “Os custos referentes aos investimentos totaisdo InCor/DF foram suportados pela Câmara dosDeputados e pelo Senado Federal, totalizandoem 2004 uma dotação patrimonial de R$ 30.785mil e uma dotação para custeio de R$ 12.462mil”.

Apesar de o principal objetivo da Fundação Zerbiniser o de colaborar com o Instituto do Coração –InCor-HC/FMUSP, as passagens do Relatório daAdministração demonstram sua participação emoutros projetos que possuem como característicaas restrições impostas aos fundos a ela transferidos.Por outro lado, os recursos obtidos nas atividadesque visam a colaborar na realização de atividadesdo InCor não possuem nenhuma restrição expressae tem sido utilizados para suportar atividades ligadasao atendimento assistencial, pesquisa e ensino.

A forma de apresentação das restrições impostasaos fundos administrados pela Fundação Zerbinipode dificultar a avaliação dos usuários externos,pois não são evidenciadas na principal parte doconjunto de informações contábeis: asdemonstrações financeiras.

O FAS 117 determina que essas informações sejamreportadas no Balanço Patrimonial e amovimentação de fundos, com essas características,seja evidenciada na demonstração intituladaStatement of Actives. Essa proposta parece maislógica para atender as necessidades dos usuáriosexternos que aquela adotada pelas normasbrasileiras.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vários são os desafios a serem superados pelasinstituições que constituem o Terceiro Setor no Brasil,mormente aqueles relacionados à eficiência nasoperações, ao desenvolvimento de parcerias e àobtenção de recursos financeiros, físicos e humanos.Por sua vez, a superação de tais desafios requertranspor outro obstáculo - garantir a transparênciada condição econômico-financeira e do desempenhona implementação de projetos/programas sociaisdas entidades do Terceiro Setor.

Nesse contexto, a Contabilidade apresenta-se comouma ferramenta essencial no processo de gestão ede promoção da transparência das açõesdesenvolvidas pelas organizações do Terceiro Setor,

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uma vez que é definida como o método de identificar,mensurar e comunicar informações com a finalidadede permitir julgamentos e decisões adequadas porparte dos usuários internos e externos. Ocorre que,no Brasil, as demonstrações contábeis elaboradaspelas entidades do Terceiro Setor são adaptaçõesdos demonstrativos desenvolvidos pelas empresas,cujas características e perspectivas são bemdiferentes.

O estudo do Patrimônio Líquido das organizaçõesressalta essas características e perspectivasdistintas e seu significado merece especial destaque,pois enquanto nas empresas o valor desse grupo(em tese) deve representar a riqueza dosproprietários em um determinado momento, nasentidades do Terceiro Setor o patrimônio líquido deverepresentar (em tese) a capacidade de a instituiçãocontinuar operando e oferecendo seus serviços àcomunidade.

A análise comparativa das demonstrações contábeisdo Brasil com a dos Estados Unidos da Américarevelou que este último país parece atender maisadequadamente as expectativas dos usuáriosexternos das demonstrações financeiras, uma vezque procura abandonar a relação pessoalpressuposta pela teoria do proprietário e apersonalização da empresa como unidadeeconômica e jurídica artificial, pressuposta na teoriada entidade, buscando demonstrar a existência degrupos de ativos, obrigações e as restriçõescorrespondentes, indicando funções ou atividadeseconômicas específicas.

A teoria dos fundos, empregada na elaboração dedemonstrações financeiras para instituições doTerceiro Setor, mostra-se mais adequada quandocomparada às teorias da entidade e proprietário. Aforma como o patrimônio liquido é divulgado nasdemonstrações financeiras americanas (Net Assets)possibilita a organização externar uma das principaispreocupações das entidades do Terceiro Setor queé a reposição ou manutenção dos ativos paragarantir a continuidade da prestação de serviços àcomunidade. O Relatório de Posição Financeira(Statement of Financial Position) procura evidenciara situação dos ativos e obrigações quanto àsrestrições existentes, possibilitando aos usuáriosexternos um maior poder de julgamento em relaçãoaos aspectos financeiros da entidade.

O Relatório de Atividades (Statement of Activities),ao adotar estrutura distinta da Demonstração de

Superávit/Déficit elaborada Brasil, busca evidenciaro conjunto de receitas e ganhos e o de despesas eperdas segregado por tipo de fundos, o que permiteavaliar o desempenho da entidade nodesenvolvimento de suas atividades e as variaçõesfinanceiras ocorridas nos fundos num dado período.

A utilização da Demonstração do Fluxo de Caixa aoinvés da Demonstração das Origens e Aplicaçõesde Recursos pode garantir uma melhorcompreensão da situação financeira da entidade porparte de um conjunto maior de usuários, pois aprimeira pode ser de mais fácil entendimento.

As dificuldades de evidenciação das informações deinteresse do usuário externo puderam serobservadas no conjunto de informações contábeispublicadas pela Fundação Zerbini, pois a parteprincipal do relatório (demonstrações financeiras)não permite visualizar clara e diretamente asrestrições de uso dos ativos da organização.

Os resultados deste trabalho indicam que as normasadotadas na elaboração e divulgação dasdemonstrações financeiras nos EUA procuramrespeitar as especificidades quanto à necessidadede informações pelos usuários da contabilidade deorganizações do Terceiro Setor ao adotar a teoriado Patrimônio Líquido que, logicamente, mais seadapta às suas características, fato não observadonas normas brasileiras.

Por fim, espera-se que este trabalho possa fomentaro debate sobre o tema e, assim, contribuir para oaperfeiçoamento do processo accountability eprestação de contas das organizações quecompõem o Terceiro Setor no Brasil.

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IMPLICAÇÕES DAS TEORIAS DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO SOBRE ASINFORMAÇÕES CONTÁBEIS DIVULGADAS POR INSTITUIÇÕES DO TERCEIRO SETOR

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Paraná maio / agosto 2007v. 26 n. 2Enf.: Ref. Cont.