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1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ FERNANDA MORGA CONRADI (IM)POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS FACE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS São José 2011

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

FERNANDA MORGA CONRADI

(IM)POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS FACE AOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS

São José 2011

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FERNANDA MORGA CONRADI

(IM)POSSOBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS FACE AOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS

Monografia apresentada à Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito

parcial a obtenção do grau em Bacharel em

Direito.

Orientador: Prof. MSc. Juliano Keller do Valle

São José 2011

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FERNANDA MORGA CONRADI

(IM)POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS FACE AOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração:

Local, dia de mês de ano.

Prof. MSc. Juliano Keller do Valle UNIVALI – Campus de

Orientador

Prof. MSc. Nome Instituição Membro

Prof. MSc. Nome Instituição Membro

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.

Dedico este trabalho à minha família,

em especial aos meus pais João José

Conradi e Jane Maria Morga Conradi

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, João José Conradi e Jane Maria Morga Conradi, que em

nenhum momento mediram esforços para realização dos meus sonhos;

Aos meus avós, Emílio Morga e Maria Santa Morga, pelo carinho e

dedicação durante todos esses anos;

Ao meu irmão, Felipe, pelo apoio e incentivo;

Aos meus tios, Antônio e Cristiane, pelo estimulo aos estudos;

Ao meu namorado, Anderson, pelo incentivo e tempo cedido durante esta

jornada;

Aos meus familiares, por acreditarem em minha formação;

Ao meu orientador, Juliano Keller do Valle pela sua paciência e motivação

durante a elaboração deste trabalho;

A minha grande amiga Maria Salete Ferreira Krüger, pelo apoio durante

esses cinco anos de faculdade e pela amizade que se eternizará;

Aos meus superiores, Silvane Dresch, Dra. Andréia Regis Vaz e Dra.

Andréia da Silva Duarte, por terem colaborado em minha formação;

À Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, por todo aprendizado

acadêmico.

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A liberdade é o direito de fazer tudo quanto as leis permitem: e, se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem, não teria mais liberdade porque os outros teriam idêntico poder. (Barão de Montesquieu)

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, novembro de 2011.

Fernanda Morga Conradi

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RESUMO

A presente monografia visa demonstrar o entendimento jurisprudencial e doutrinário

acerca da concessão da liberdade provisória nos crimes hediondos, muito embora

haja proibição legal quanto a sua concessão. A Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu a expressão “crimes hediondos” e

equiparou a esses a prática de tortura, o tráfico ilícito de drogas e o terrorismo. Tais

crimes são insuscetíveis de fiança, graça e anistia conforme estabelecido no artigo

5º, XLIII da Constituição Federal. A Lei 11.464/07 trouxe diversas mudanças a Lei de

Crimes Hediondos, entre elas suprimiu da redação legal do inciso II, do art. 2º a

expressão “liberdade provisória”, dando margem a entendimentos de que ante a

retirada da palavra “liberdade provisória” é possível a concessão de liberdade

provisória sem fiança, visto que a lei hedionda continua fazendo menção apenas a

vedação da fiança. O trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo

abordam-se os princípios constitucionais norteadores do processo penal. A seguir,

no segundo capítulo, aborda-se a Lei dos Crimes Hediondos e alguns de seus

aspectos destacados, assim como o significado de crime hediondo, os fatores

contributivos para a elaboração da Lei dos Crimes Hediondos. Ainda, no segundo

capítulo, trata-se de alguns movimentos políticos criminais, como a “teoria das

janelas quebradas” e o movimento “lei e ordem”, os quais baseavam-se na ideia de

que punindo com severidade até as pequenas atitudes delituosas a conseqüência

seria a diminuição da criminalidade. Por fim, no terceiro capítulo, apresenta-se

análises acerca da possibilidade ou não da concessão de liberdade provisória nos

crimes hediondos, para isso utiliza-se de jurisprudências do Tribunal de Justiça de

Santa Catarina, Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Palavra-chave: Princípio da presunção de inocência, princípio do devido processo

legal, Liberdade provisória, Crime hediondo.

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ABSTRACT

This thesis aims to demonstrate the doctrinal and jurisprudential understanding about

the granting of bail in heinous crimes, although there are legal prohibition on the

grant date. The Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1988 established

the term "heinous crimes" equivalent to those that torture, illegal drug trafficking and

terrorism. Such crimes are not susceptible of bail, grace and amnesty as set out in

Article 5 of the Federal Constitution XLIII. Law 11.464/07 brought many changes to

the legislation hideous, including suppressed the legal writing of item II of art. 2 The

term "bail", giving rise to understandings that before the removal of the seal is

possible to grant bail without bail, since the law only mentions hideous seal bail. The

work was divided into three chapters. In the first chapter discusses the principles

guiding constitutional criminal procedure. Then in the second chapter deals with the

Heinous Crimes Act and some of its salient features, as well as the meaning of hate

crime, the factors contributing to the heinous drafting of legislation. Still, in the

second chapter, it is criminal some political movements, such as "broken windows

theory" and then "law and order", which were based on the idea that severely

punishing even small consequence to criminal attitudes would be to reduce crime.

Finally, the third chapter presents analysis about whether or not the granting of bail in

heinous crimes, it is used for the jurisprudence of the Court of St. Catherine, Superior

Court of Justice and the Supreme Court.

Keyword: The principle of presumption of innocence principle of due process of law,

parole, heinous crime.

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ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

APF Auto de Prisão em Flagrante

ART. Artigo

CP Código Penal

CPP Código de Processo Penal

CRFB Constituição da Federativa do Brasil

DJU Diário da Justiça da União

DOU Diário Oficial da União

HC Habeas Corpus

INC. Inciso

j. Julgado em

LCH Lei de Crimes Hediondos

Rel. Relator

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal Justiça

TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina

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ROL DE CATEGORIAS

Inconstitucionalidade

Ocorre quando há um ato infraconstitucional que afronta à Constituição, podendo

constituir-se quanto à forma, quanto à matéria, por ação ou omissão.1

Crime Hediondo

[...] um ato profundamente repugnante, imundo, horrendo, sórdico, ou seja, um ato

indiscutivelmente nojento, segundo os padrões da moral vigente. [...] é o crime que

causa profunda e consensual repugnância por ofender, de forma acentuadamente

grave, valores morais de indiscutível legitimidade, como o sentimento comum de

piedade, de fraternidade, de solidariedade e de respeito à dignidade da pessoa

humana2.

Liberdade Provisória

[...] a liberdade provisória é uma medida alternativa, de caráter substitutivo em

relação à prisão preventiva, que fica efetivamente reservada para os casos graves,

em que sua necessidade estaria legitimada3.

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

“a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta

singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que

1 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, 10ª ed. São Paulo: Método, 2006.p. 98.

2 LEAL, João Jose. Crimes Hediondos: A lei 8.072/90 como expressão do direito penal da

severidade. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003. p. 37. 3 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal: e sua conformidade Constitucional. 7ª ed Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011. 2 v, p. 174.

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traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se

um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que,

somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos

fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem

todas as pessoas enquanto seres humanos”4.

Princípio da Presunção de Inocência

[...] este princípio reconhece, um estado transitório de não-culpabilidade”, onde o

acusado é dito como inocente até que uma sentença penal transitada em julgado o

declare culpado5.

Princípio da intervenção mínima

[...] o direito penal só deve intervir em último caso, ou seja, quando os demais ramos

do ordenamento se revelarem insuficientes para a solução do conflito6.

4 MORAES, Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas. 2007, p.16.

5 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva,

2007, p. 45. 6 BONFIM, Edilson Mougenot; CAPEZ, Fernando. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva,

2004. p. 125.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15

1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NORTEADORES DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO ............................................................................................................ 18

1.1 Conceito ....................................................................................................... 18

1.2 Princípio do devido processo legal ............................................................... 20

1.3 Princípio da presunção de inocência............................................................ 23

1.4 Princípio da Intervenção Mínima (“Ultima Ratio”) ......................................... 28

1.5 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ................................................. 31

2 DA LEI DE CRIMES HEDIONDOS..................................................................... 35

2.1 Histórico da Lei ................................................................................................ 35

2.2 Aspectos destacados da lei de crimes hediondos ........................................ 37

2.3 “Teoria das Janelas Quebradas” ...................................................................... 39

2.4 Direito penal máximo e o movimento lei e ordem (“Law and Order”) ............... 43

2.5 Da teoria do garantismo penal e o direito penal mínimo .................................. 45

3 DA (IM)POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS ..................................................................................... 51

3.1 Do instituto da liberdade provisória .................................................................. 51

3.2 Do instituto da fiança ........................................................................................ 57

3.3 Da possibilidade de concessão de liberdade provisória nos crimes hediondos ............................................................................................................................... 59

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3.4 Da impossibilidade de concessão de liberdade provisória nos crimes hediondos .............................................................................................................. 64

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 69

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 71

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como estudo analisar (im)possibilidade de

concessão de liberdade provisória nos crimes hediondos.

O seu objetivo é desenvolver uma análise acerca da possibilidade ou não da

concessão do instituto da liberdade provisória nos crimes hediondos, visto que tanto

a Constituição Federal como a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90)

determinou que tais delitos seriam insuscetíveis de fiança.

A partir da alteração trazida pela Lei 11.464/07, a qual retirou do inciso II,

artigo 2º da legislação hedionda a expressão “liberdade provisória”, diante dessa

supressão alguns juristas passaram a adotar o entendimento de que é possível a

concessão da liberdade provisória sem fiança.

Logo, segundo entendimento de alguns juristas ainda mostra-se inadmissível

a concessão da liberdade provisória, com ou sem prestação de fiança nos crimes

hediondos, por entenderem que a supressão da expressão “liberdade provisória”

não passou de mera alteração textual.

Entretanto, há divergência quanto à possibilidade ou não da concessão

desse benefício nos crimes hediondos. A inafiançabilidade do delito não é por si só

causa justificadora da segregação do imputado, podendo o juiz nesse caso

conceder-lhe liberdade provisória vinculada a uma das imposições previstas no

artigo 319 do CPP.

É nesse momento que surge a controvérsia, ponto central de exame da

presente pesquisa e alvo de entendimentos divergentes.

Assim, a finalidade do presente trabalho é estudar a possibilidade de

concessão da liberdade provisória nos crimes hediondos.

No mais, levantar-se-á as seguintes hipóteses: é admissível que uma norma

infraconstitucional, no caso a Lei 8072/90 permita a concessão da liberdade

provisória sem fiança, enquanto a Constituição Federal determinou que os crimes

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hediondos serão insuscetíveis de fiança? Ainda, é possível uma interpretação

implícita com relação à vedação da liberdade provisória, visto que a Lei 8072/90 em

nenhum momento faz menção à vedação desse instituto, apenas faz menção à

impossibilidade de fiança? E mais, é possível, a vedação da liberdade provisória aos

crimes hediondos, mesmo sendo esta vedação uma afronta ao princípio

constitucional da presunção de inocência, que disserta que “ninguém será

considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória”,

não seria essa vedação uma antecipação de eventual pena imposta, o que é

inadmissível em nosso ordenamento jurídico.

Para tanto, a presente pesquisa é dividas em três capítulos, nos quais se

desenvolverá o conteúdo pertinente.

No primeiro capítulo, inicia-se a análise dos princípios constitucionais

norteadores do processo penal, valores integrantes do nosso sistema processual

penal, devendo, assim, serem observados e respeitos quando da análise da

concessão ou não da liberdade provisória.

Já no segundo capítulo, será abordado o conceito de crime hediondo, além

de alguns aspectos destacados da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos).

Também será abordado no capítulo 2 o tratamento dispensado pela Constituição da

República Federativa de 1988 aos crimes hediondos e assemelhados, os fatores

contributivos para elaboração da referida legislação. Abordar-se-á, também acerca

da “teoria das janelas quebradas”, o direito penal máximo e o movimento lei e

ordem. Por fim, no segundo capítulo tratar-se-á da teoria do garantismo penal e o

direito penal mínimo.

Derradeiramente, no capítulo 3 analisar-se-á os institutos da liberdade

provisória e da fiança, com as devidas alterações trazidas pela Lei nº 12.403/2001,

que entrou em vigor em 04 de junho de 2011.

Ainda no terceiro capítulo serão expostos entendimentos acerca da

admissibilidade ou não da liberdade provisória nos crimes hediondos, para isso

serão analisadas jurisprudências e doutrinas acerca da matéria.

A metodologia empregada será a do método dedutivo, a qual consiste em

pesquisas que partirão do conceito do processo do trabalho, bem como, até o

momento da nomeação do depositário nesta fase processual.

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Será utilizada a técnica de documentação indireta, através da pesquisa

documental, que envolverá a analise da Lei nº 8.072/90, alterada pela Lei nº

11.464/07, do dos princípios constitucionais contidos na Constituição Federal de

1988 e das jurisprudências dos Tribunais Superiores, além da pesquisa bibliográfica

em livros e artigos que versem sobre a matéria, a fim de verificar se é ou não

admissível a concessão de liberdade provisória nos crimes hediondos.

Pretende-se com a presente pesquisa, contribuir para o esclarecimento de

alguns pontos polêmicos quanto a (im)possibilidade da concessão de liberdade

provisória nos crimes hediondos.

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1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NORTEADORES DO PROCESSO

PENAL BRASILEIRO

1.1 Conceito

Analisar-se-á, neste capítulo alguns dos princípios constitucionais

norteadores do processo penal brasileiro.

Princípios são os pilares das normas jurídicas, a base para o ordenamento

jurídico. Miguel Reale conceitua princípio como:

[...] “verdades fundantes” de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis7.

Ainda dissertando acerca do tema, Reale dispõe que:

[...] princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas8.

De acordo com os ensinamentos de Fernando da Costa Tourinho Filho “o

processo penal é regido por uma série de princípios e regras que outra coisa não

represente senão postulados fundamentais da política processual penal de um

Estado”9.

Com base no que dispõe José Afonso da Silva existem duas categorias de

princípios constitucionais, a primeira onde os princípios são político-constitucionais e

7 REALE, Miguel. Lições Preliminares de direito. 27.ed. ajustada ao novo código civil. São Paulo:

Saraiva, 2006, p.303. 8 REALE, Miguel. Lições Preliminares de direito. 27.ed. ajustada ao novo código civil. São Paulo:

Saraiva, 2006, p.304. 9 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. vol 1. 30. ed.rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2008, p. 35.

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na segunda os princípios jurídico-constitucionais10, nas palavras do doutrinador, os

princípios jurídico-constitucionais “são princípios constitucionais gerais informadores

da ordem jurídica nacional. Decorrem de certas normas constitucionais e, não raro,

constituem desdobramentos (ou princípios derivados) dos fundamentais [...]”.

Aury Lopes Junior11 afirma que:

[...] imprescindível que o processo penal passe por uma constitucionalização, sofra uma profunda filtragem constitucional, estabelecendo-se um (inafastável) sistema de garantias mínimas. Como decorrência, o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático é a sua instrumentalidade constitucional, ou seja, o processo enquanto instrumento a serviço da máxima eficácia de um sistema de garantias mínimas.

Os princípios têm a função de orientar a compreensão do nosso

ordenamento jurídico, tanto para a aplicação como para elaborar novas normas.

Princípios são fundamentos que servem de base para a legislação, pode estar

expressos no ordenamento jurídico ou implícitos. Para José Afonso da Silva12, “os

princípios são ordenações que irradiam e imanam os sistemas de normas".

Dos ensinamentos do doutrinador Aury Lopes Junior13 destaca-se que tendo

em vista que os princípios são “normas” eles gozam de plena eficácia normativa,

sendo normas fundamentais ou gerais do sistema.

Diferente das demais constituições, a Constituição da República Federal do

Brasil de 1988, passou a dar prioridade ao tratamento dos direitos fundamentais.

Assim, os princípios basilares da Constituição devem ser devidamente observados

na elaboração de novas leis.

Expõe José Aquino que não se deve confundir princípio com fundamento,

assim “[...] por princípio se entende aquilo que de alguma coisa deriva ou procede, o

fundamento é aquilo de que algo necessariamente depende”14. Os princípios são

10

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. ed.São Paulo: Malheiros, 2003, p.92. 11

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3. ed. rev e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 107.1 v.1. 12

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. rev e atual.São Paulo: Malheiros, 2007, p. 92. 13

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3. ed. rev e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 107. 1 v. 14

AQUINO, José Carlos G. Xavier de. Manual de processo penal. 2. ed.rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.85.

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utilizados no preenchimento de lacunas deixadas pela lei, matérias que por alguma

razão a lei omitiu.

1.2 Princípio do devido processo legal

Deve a prestação jurisdicional ser proporcionada com a devida obediência

das formalidades legais. O direito ao devido processo legal muito embora não se

encontrasse de forma expressa no nosso ordenamento jurídico sempre esteve

implicitamente previsto, sendo consagrado na categoria de dogma constituição na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual dispõe em seu artigo

5º, inciso LIV que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal”15, garantindo obediência ao conteúdo previamente estabelecido na

lei.

Para Alexandre de Moraes16 a Constituição Federal de 1988 incorporou o

princípio do devido processo legal, o qual remonta à Magna Charta Libertatum de

1215, outorgada pelo rei João sem Terra aos barões ingleses, de grande

importância ao direito anglo-saxão, versando o seu artigo XI, nº 1, que:

todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa v.

Também, o artigo 39, da Carta Magna de 1215, dispunha que:

Nenhum homem livre será capturado, ou levado prisioneiro, ou privado dos bens, ou exilado, ou de qualquer modo destruído, e nunca usaremos da força contra ele, e nunca mandaremos que outros o façam, salvo em processo legal por seus pares ou de acordo com as leis da terra.

O devido processo legal é uma garantia do individuo contra possíveis

atuações arbitrárias do Estado, possuindo uma dupla natureza, sendo uma no

15

BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 01 abr.2011. 16

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas. 2002. p.158.

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sentido processual (procedural due process) e outra no substancial (substantive due

process). O primeiro sentido, o processual, devendo-se obedecer a uma série de

regras e princípios já estabelecidos, para isso observando as formalidades legais,

por sua vez, no sentido substancial, o devido processo legal atua na proteção dos

direitos e liberdades dos cidadãos contra legislação opressora ou que não seja

dotada de razoabilidade17, não sendo necessário apenas que o processo esteja

completo na sua formalidade, sendo necessário também, que as decisões nele

proferidas sejam razoáveis e proporcionais.

O devido processo legal é um direito fundamental, uma garantia de

liberdade, assegurado no artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos18:

Art. VIII - Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Também prevê a aplicação do devido processo legal o artigo 8º, 1 do Pacto

de São José da Costa Rica, in verbis:

Art. 8º: Garantias Judiciais

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação pena formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

A expressão devido processo legal, como bem destaca Mougenot, deriva do

inglês “due processo of law”, estabelecendo a devida obediência ao que a lei

previamente estabelece”.

Acerca do tema Mougenot19 leciona que:

A cláusula do devido processo legal estabelece a garantia do acusado de ser processado segundo a forma legalmente prevista, reconhecendo no processo penal, além de sua instrumentalidade,

17

PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 11. ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p.144. 18

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/direitoshumanos.htm>. Acesso em: 02 abr.2011. 19

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 40.

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22

também sua natureza constitucional. O Estado está obrigado, na busca da satisfação de sua pretensão punitiva, a obedecer ao procedimento previamente fixado pelo legislador, vedada a supressão de qualquer fase ou ato processual ou o desrespeito à ordem processual.

Esse princípio garante ao acusado plenitude de defesa, a qual consiste no

direito de ser ouvido, ser informado, pessoalmente, de todos os atos do processo,

acesso a defesa técnica, oportunidade de manifestar-se após a acusação,

publicidade e motivação das decisões20.

Conforme demonstra Tourinho Filho o devido processo legal traz um relação

com uma série de direitos e garantias constitucionais:

[...] presunção de inocência, duplo grau de jurisdição, direito de ser citado e de ser intimado de todas as decisões que comportem recurso, ampla defesa, contraditório, publicidade, Juiz natural, imparcialidade do Julgador, direito às vias recursais, proibição da reformatio in pejus, respeito à coisa julgada (ne bis in idem), proibição de provas colhidas ilicitamente, motivação das sentenças, celeridade processual, retroatividade da lei penal benigna, dignidade da pessoa humana, integridade física, liberdade e igualdade.21

É oportuno registrar que segundo leciona Tourinho o devido processo legal

não é previsto apenas na nossa Constituição Federal, mas também em todas as

Constituições dos Estados contemporâneos22.

Outro aspecto que cabe ser destacado é quanto a consideração da doutrina

moderna, a qual trata esse princípio como “cláusula de segurança”, identificando

dois aspectos inseridos no devido processo legal, sendo a) devido processo legal

material e b) devido processo legal formal. Nesse sentido o devido processo legal

em sentido material diz respeito ao direito material de garantias fundamentais do

cidadão, ou seja, é uma proteção ao particular contra atividade estatal arbitrária,

desproporcional ou não razoável que venha a violar qualquer um dos direitos

fundamentais. Já o devido processo legal formal, constitui-se de algumas garantias

20

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14. ed.rev.eatual. São Paulo: Saraiva. 2007, p.32. 21

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. vol 1. 10. ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 26. 22

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. vol 1. 10. ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 26.

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23

de natureza processual, as quais são concedidas as partes no decorrer do processo

e também na sua relação com o Poder Judiciário.23

O devido processo legal é uma garantia ao acusado de que será processado

nos exatos termos legais, dessa forma, o Estado encontra-se obrigado, em sua

pretensão punitiva, a obedecer ao procedimento estabelecido anteriormente pelo

legislador.

1.3 Princípio da presunção de inocência

O princípio da presunção de inocência, também denominado de princípio do

estado de inocência ou da não culpabilidade encontra respaldo legal no inciso LVII o

art. 5 da Constituição Federal de 1988, o qual disciplina que “ninguém será

considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” 24, o

que quer dizer que o acusado é inocente durante todo o trâmite processual sendo

que seu estado apenas modifica-se diante de uma sentença condenatória transitada

em julgado25.

Para Mougenot26 “este princípio reconhece, um estado transitório de não-

culpabilidade”, onde o acusado é dito como inocente até que uma sentença penal

transitada em julgado o declare culpado.

Tal princípio representa o coroamento do due process of law, constituindo

um ato de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda sociedade livre. Assentando-

se no reconhecimento dos princípios do direito natural como fundamento da

sociedade, princípios que, aliados à soberania do povo e ao culto da liberdade,

constituem os elementos essenciais da democracia. Nesse diapasão, a princípio da

presunção de inocência é decorrência do princípio do processo legal, inspirado na

razão iluminista esse princípio positivou-se inicialmente no art. 9º da Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão no ano de 1798, proclamando que “todo homem é 23

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 5. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 72 24

BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 01 abr.2011. 25

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 23. 26

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 45.

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24

considerado inocente, até o momento em que, reconhecido como culpado, se for

indispensável sua prisão, todo rigor desnecessário, empregado para efetuá-la, deve

ser severamente reprimido pela lei”.

Após muitos anos, foi reafirmado na Declaração Americana de Direitos e

Deveres de 1948, onde se fixou no seu art. 26 e também no art. 11 da Declaração

Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948 na Assembléia das

Nações Unidas27, também tratou a respeito desse princípio a Convenção Americana

sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica), dispondo sobre o princípio

no seu art. 8º, 2. Sendo positivado no nosso ordenamento jurídico apenas com o

advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Mirabete acredita que “haveria uma presunção de inocência do acusado da

prática de uma infração penal até que uma sentença condenatória irrecorrível o

declarasse culpado”28.

Acerca do tema, em sua doutrina Luiz Flávio Gomes cita Bettiol29 quando

este dispõe que o princípio da presunção de inocência:

(...) vale como uma idéia-força, no sentido de impedir que o réu seja tratado como se já estivesse condenado, que sofre restrições de direito que não sejam necessárias à apuração dos fatos e ao cumprimento da lei penal, em suma, que não seja tratado como mero objeto de investigações, mas como sujeito de direitos, gozando de todas as garantias comuns ao devido processo legal, sobretudo „as garantias de plena defesa‟.

Como decorrência do princípio do estado de inocência, conclui Mirabete30

que:

(a) a restrição à liberdade do acusado antes da sentença definitiva só deve ser admitida a título de medida cautelar, de necessidade ou conveniência, segundo estabelece a lei processual; (b) o réu não tem o dever de provar sua inocência; cabe ao acusador comprovar a sua culpa; (c) para condenar o acusado, o juiz deve ter convicção de que

27

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 2. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 44. 28

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 22/23. 29

BETTIOL, 1999 apud GOMES, Luiz Flávio. Direito de apelar em liberdade. Conforme a Constituição Federal e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996, p. 41. 30

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 23.

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ele é responsável pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida a respeito da sua culpa (in dúbio pro reo).

Após a aderência do Brasil à Convenção Americana Sobre Direitos

Humanos, Pacto de São José da Costa Rica, passou a vigorar no país a regra de

que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência

enquanto não se comprove legalmente a sua culpa”, conforme disposto no artigo 8º,

231.

Nos dizeres de André Ramos Tavares quanto aos suspeitos de delitos ou

contravenções, deve o Estado proceder à acusação formal e no decorrer do devido

processo legal comprovar a autoria do delito, por este motivo é que se fala que tal

princípio esta ligado com o Estado Democrático de Direito, caso contrário se estaria

retornando ao arbítrio estatal32.

Tourinho Filho disciplina que “enquanto não definitivamente condenado,

presume-se o réu inocente. Sendo este presumidamente inocente, sua prisão antes

do trânsito em julgado da sentença condenatória poderá ser admitida a título de

cautela”33. Acerca do tema dispõe ainda Tourinho34:

[...] a expressão presunção de inocência não deve ter o seu conteúdo semântico interpretado literalmente – caso contrário ninguém poderia ser processado -, mas no sentido em que foi concebido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: nenhuma pena pode ser imposta ao réu antecipadamente. E a melhor doutrina acrescenta: a prisão antecipada se justifica como providência exclusivamente cautelar, vale dizer, para impedir que a instrução criminal seja perturbada, ou, então, para assegurar a efetivação da pena.

Tal doutrinador defende a idéia de que tendo em vista que a presunção de

inocência conferida ao réu até o momento do trânsito em julgado da sentença penal

condenatória a sua prisão deve ocorrer somente como medida cautelar. Assim, sua

prisão provisória apenas deve ocorrer nos casos onde fique demonstrada a intenção

31

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 24. 32

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p.630. 33

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 30. ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2008, p.64. vol 1. 34

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 30. ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2008, p.62. vol 1.

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26

do réu em fugir da aplicação da sanção penal, apenas justifica-se a prisão provisória

quando esta for estritamente necessária para os fins do processo35.

Por sua vez, Aury Lopes Junior preceitua que a presunção de inocência

impõe um dever de tratamento, a qual atua em duas dimensões, sendo elas a

interna ao processo e a exterior ao processo. A primeira dimensão, interna ao

processo é um dever de tratamento, o qual impõe que a prova seja totalmente pelo

acusador, visto que se partindo da presunção de que é inocente este nada precisa

provar, devendo em caso de dúvida haver a absolvição do réu. Já na dimensão

externa ao processo exige-se proteção a abusivas publicidades e estigmatizações

antecipadas do réu, a presunção de inocência há de ser usada como limitador da

exploração da mídia a fatos delituosos e ligados ao processo judicial36.

Ainda o tema Aury Lopes Jr. determina que sob o prisma do julgador, a

presunção de inocência tem que ser um princípio de grande importância, sobretudo

no tratamento dado ao acusado pelo juiz, devendo o juiz manter uma “postura

positiva”, ou seja, tratando o acusado como inocente e não como culpado37.

Rosberg Souza Crozara ao tratar da presunção de inocência cita Ferrajoli

quando este trata acerca da normativa da presunção de inocência sob dois sentidos,

o primeiro como regra de tratamento do imputado e o segundo como regra de juízo.

Assim, no sentido de regra de tratamento objetiva-se tratar o imputado, antes da

sentença condenatória, como se ele fosse inocente, já no seu sentido por regra de

juízo se estabelece a restrição ao máximo das limitações das liberdades pessoais38.

Nos dizeres de Alexandre de Moraes:

A consagração do princípio da inocência, porém, não afeta a constitucionalidade das prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não

35

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 30. ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2008, p.64. vol 1. 36

JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 6. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, vol. 2. p. 56. 37

JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 6. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, vol. 1. p. 185. 38

CROZARA, Rosberg Souza. Prisão e Liberdade: Qual o Real sentido da Presunção de Inocência?.

In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho. O

Novo Processo Penal à Luz da Constituição: (Análise Crítica do Projeto de Lei nº 156/2009, do

Senado Federal). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 274.

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27

obstante a presunção júris tantum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis39.

Para Ferrajoli, “a culpa, e não a inocência, deve ser demonstrada, e é a

prova da culpa- ao invés da de inocência, presumida desde o início – que forma o

objeto do juízo”. Acrescenta afirmando que esse é um princípio fundamenta de

civilidade, o qual representa o resultado de opção garantista em favor da proteção

dos inocentes, mesmo que a custo da impunidade de eventual culpado40.

Aury Lopes Junior cita Vegas Torres quando este aponta a existência de três

manifestações integradas, da presunção de inocência, quais sejam41:

a) É um princípio fundante, em torno do qual é construído todo o processo penal liberal, estabelecendo essencialmente garantias para o imputado frente à atuação punitiva estatal. b) É um postulado que está diretamente relacionado ao tratamento do imputado durante o processo penal, segundo o qual haveria de partir-se da ideia de que ele é inocente e, portanto, deve reduzir-se (incluindo-se, é claro, a fase pré-processual). c) Finalmente, a presunção de inocência é uma regra diretamente referida ao juízo do fato que a sentença penal faz. É sua incidência no âmbito probatório, vinculado à exigência de que a prova completa da culpabilidade do fato é uma carga da acusação, impondo-se a absolvição do imputado se a culpabilidade não ficar suficientemente demonstrada.

O princípio constitucional da presunção de inocência consagra uma regra de

tratamento, impedindo que o Estado trate, como se culpado fosse, aquele que não

recebeu sentença penal condenatória transitada em julgado. Dessa forma, em razão

do princípio da presunção de inocência não pode o Poder Público utilizar-se da

prisão preventiva como se esta fosse uma antecipação da pena que futuramente

poderá ser imposta ao réu, devendo utilizar a prisão provisória apenas nos casos

estritamente necessários.

39

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas. 2002, p.132. 40

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.506. 41

JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 6. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, vol. 1. p. 186.

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28

1.4 Princípio da Intervenção Mínima (“Ultima Ratio”)

O princípio da intervenção mínima, também conhecido como “ultima ratio”,

não se encontra expressamente disciplinado na Constituição Federal de 1988, tem a

função orientadora e limitadora do poder incriminador do Estado. Nessa senda, Isto

implica em dizer que, o Estado apenas utiliza-se do Direito Penal quando os demais

meios de controle jurídico ou estatal forem insuficientes para resolução das relações

jurídicas e sociais.

Nesse diapasão Bitencourt42 dispõe que:

O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequadas e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isso é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade. Como preconizava Maurach, “na seleção dos recursos próprios do Estado, o Direito Penal deve representar a ultima ratio legis, encontra-se em último lugar e entrar somente quando resultado indispensável para a manutenção da ordem jurídica”.Assim, o Direito Penal assuma uma feição subsidiária e a sua intervenção se justifica quando – no dizer de Muñoz Conde – “fracassam as demais normas protetoras do bem jurídico previstas em outros ramos do direito”.

Nesse mesmo sentido, Fernando Capez e Edilson Mougenot lecionam que a

interferência do direito penal, nos conflitos dos indivíduos, fica resguardada,

devendo ser utilizado como ultima ratio, ou seja, só deve ser utilizado para interferir

nas situações graves43.

Determina o artigo 8º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de

1789, que a lei só deve prever as penas que são estritamente necessárias, in verbis:

42

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 13. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 13. 43

BONFIM, Edilson Mougenot; CAPEZ, Fernando. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2004, p.126.

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Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada44.

Parte a intervenção mínima da característica da fragmentariedade do direito

penal, apenas existirá direito penal quando houver um fato típico e que a lei o

descrever como crime, caso contrário, não havendo descrição do fato como

criminoso não haverá interferência do direito penal. Assim, somente haverá invasão

à liberdade do indivíduo que realizar conduta cuja lei, previamente, definiu como

infração penal45.

Embora exista o princípio da legalidade, consistente na limitação do poder

punitivo estatal, este não evita a criação pelo Estado de tipos penais injustos e a

eles comine sanções degradantes e cruéis dai porque surge a necessidade de

limitar, eliminar o arbítrio do legislador46.

Nessa senda extrai-se dos ensinamentos de Damásio de Jesus47:

“Procurando restringir ou impedir o arbítrio do legislador, no sentido de evitar a definição desnecessária de crimes e a imposição de penas injustas, desumanas ou cruéis, a criação de tipos delituosos deve obedecer à imprescindibilidade, só devendo intervir o Estado, por intermédio do Direito Penal, quando os outros ramos do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita”.

Acerca desse princípio Luiz Regis Prado disciplina que o Direito Penal

apenas deve atuar para a defesa dos bens jurídicos que são imprescindíveis para a

coexistência pacífica dos homens, os quais não poderiam ser eficazmente

protegidos de forma menos gravosa48.

44

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – 1789. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html. Acesso em 30 abr.2011. 45

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 13. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 13. 46

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 13. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 13. 47

JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte geral. 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p.10. v.1. 48

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral - arts.1.º a 120. 10. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008, p.148 v.1.

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O princípio da ultima ratio deu origem ao princípio fragmentariedade. De

acordo com o princípio da fragmentariedade o direito penal deve tutelar os bens

jurídicos de maior relevância, combatendo apenas aquilo que possa vir a prejudicar

a convivência social. Tratando a respeito do tema Luiz Regis Prado49 diz que:

(...) pelo postulado da fragmentariedade ou essencialidade, corolário do primeiro, tem-se que a função maior de proteção de bens jurídicos atribuída à lei penal não é absoluta, mas sim relativa, visto que todo o ordenamento jurídico dela se ocipa. O que faz com que só devam eles ser defendidos penalmente ante certas formas de agressão, consideradas socialmente intoleráveis. Isso quer dizer que apenas as ações ou omissões mais graves endereçadas contra bens valiosos podem ser objeto de criminalização.

Bittencourt50 leciona que por caráter fragmentário do Direito Penal entende-

se:

(...) que o Direito Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas dos bens jurídicos, mas tão somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes.

Finalizando o doutrinador diz que direito penal não ira proibir toda e qualquer

ação que venha a lesionar bem jurídicos, tampouco irá proteger a todos os bens

jurídicos, limitando-se apenas a punir as ações mais graves praticadas contra

aqueles bens jurídicos mais importantes, decorrendo o seu caráter fragmentário,

visto que aplica sua atenção a uma parte dos bens jurídicos protegidos pela ordem

pública.51

49

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral - arts. 1º a 120. 10 rev e atual. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2010, p.148. v.1. 50

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 13. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 15. 51

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 13. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 14.

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1.5 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana é um fundamento da República

Federativa Brasileira, dessa forma norteia todo o nosso sistema normativo,

sobretudo no direito processual penal, onde o direito de punir do estado entre em

conflito com o direito a liberdade do indivíduo.

A Constituição de 1934 referenciava a dignidade da pessoa humana, quando

enunciava em seu artigo 115 à necessidade de que a ordem econômica fosse

organizada de maneira a possibilitar a todos uma “existência digna”. Porém, em

razão de sua característica autoritária, a Constituição de 1937 não mencionou em

seu texto a dignidade da pessoa humana, sendo apenas na Constituição de 1946,

retomada a ideia de organizar a ordem econômica e social de maneira a garantir a

existência digna, tal qual estabelecia a Constituição de 1934, fazendo referência ao

trabalho humano, por meio do qual se possibilitaria essa existência digna. Apenas

em com a outorga da Constituição de 1967, é que pela primeira vez foi mencionado

o termo “dignidade humana”, em seu artigo 157, II, estabelecendo que o fim da

ordem econômica, com base em alguns princípios, era realizar a justiça social,

porém, não se tratava ainda da dignidade da pessoa humana do modo como é

tratada pela atual Constituição52.

No ano de 1966, o Pacto de Nova Iorque declarava que “toda pessoa

privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade

inerente à pessoa humana". Para que haja a privação da liberdade do indivíduo faz-

se necessário a existência de um processo, no qual o órgão de julgamento deve

respeitar os direitos do acusado durante o transcorrer processual.

Muito embora algumas das Constituições anteriores mencionassem em seus

textos a dignidade humana, apenas na Constituição de 1988, influenciada pelas

Constituições Alemã, Espanhola e Portuguesa, é que pela primeira vez foi tratado o

princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República e do

Estado Democrático de Direito53, declarando em seu artigo 1º, III a dignidade da

52

MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati Martins. Dignidade da pessoa humana: Princípio Constitucional Fundamental. 1. ed. Curitiba: Juruá.2006, p. 47/50. 53

MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati Martins. Dignidade da pessoa humana: Princípio Constitucional Fundamental. 1. ed. Curitiba: Juruá.2006, p. 50/51.

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pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil,

constituído em Estado Democrático de Direito, dessa maneira, optou-se por não

incluí-la junto aos direitos fundamentais previstos no artigo 5º.

Como a dignidade humana é própria da essência da pessoa humana esta

deverá acompanhar o homem desde o nascimento até a morte. A dignidade

identifica o homem como um ser único e especial, sendo um valor inseparável da

condição humana.

Para Alexandre Moraes:

“a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”54.

Segundo Kant55:

Os seres cuja existência depende não em verdade da nossa vontade, mas da certeza, têm, contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso são coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue há com fins em si mesmo, que dizer, como algo que não pode ser empregado com simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (e é um objeto de respeito).

Dissertando sobre a matéria André Ramos Tavares preceitua que do

idealismo alemão de Kant foi que surgiu a delimitação para conceituar-se a

dignidade da pessoa humana, o qual concebia definia o homem como um ser que

existia como um fim em si mesmo e não como meio ou instrumento, o que o tornava

diferente dos outros seres irracionais56.

54

MORAES, Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas. 2007, p.16. 55

Kant. apud, MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati Martins. Dignidade da pessoa humana: Princípio Constitucional Fundamental. 1. ed. Curitiba: Juruá.2006, p. 27/28. 56

TAVARES, Andre Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva. 2007, p.508.

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Porém, tal doutrinador destaca que a dignidade da pessoa humana não

surgiu com Kant, sob esse enfoque cita Ingo Wolfgang Sarlet, quando este diz57:

“já no pensamento estóico, a dignidade era tida como qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, noção esta que se encontrava intimamente ligada à noção da liberdade pessoal de cada indivíduo (o Homem como ser livre e responsável por seus atos e sei destino), bem como à idéia de que todos os seres humanos, no que diz com a sua natureza, são iguais em dignidade”.

Respeitando-se os direitos fundamentais se concretizará a dignidade da

pessoas humana, Flademir Jerônimo Belinati Martins nesse contexto disserta que

“[...] quando a Constituição elencou um longo catálogo de direito fundamentais e definiu os

objetivos fundamentais do Estado, buscou essencialmente concretizar a dignidade da

pessoa humana”58.

Tal princípio é de extrema importância para o direito penal, visto que

disciplina as normas de natureza penal, no momento de sua elaboração, alteração e

da sua aplicação de acordo com a Constituição Federal e com os direitos humanos,

evitando-se dessa forma abusos, penas desumanas, penas de morte e outras que

por ventura venham a ofender a integridade física e moral do sujeito. Com base no

que dispõe Bittencourt59

:

(...) Esse princípio sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados. A proscrição de penas cruéis e infamantes, a proibição de torturas e maus-tratos nos interrogatórios policiais e a obrigação imposta ao Estado de dotar sua infra-estrutura carcerária de meios e recursos que impeçam a degradação e a dessocialização dos condenados são corolários do princípio de humanidade. Segundo Zaffaroni, esse princípio determina “a inconstitucionalidade de qualquer pena ou conseqüência do delito que crie uma deficiência física (morte,

57

INGO WOLFGANG SARLET, apud TAVARES, Andre Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5ªed.rev. atual. São Paulo: Saraiva. 2007, p.511. 58

MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati Martins. Dignidade da pessoa humana: Princípio Constitucional Fundamental. 1. ed. Curitiba: Juruá.2006, p. 65. 59

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 13. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 16/17.

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34

amputação, castração ou esterilização, intervenção neurológica etc.), como também qualquer conseqüência jurídica inapagável do delito”.

O art. 5º, inciso XLIX, da CF/88, garante aos "presos o respeito à integridade

física e moral", estabelecendo assim, apenas será retirada parte da liberdade do

indivíduo sujeito do processo, não podendo lhe ser retirada a sua dignidade humana.

Significa dizer que o ainda que preso ou condenado o indivíduo preserva o direito à

sua integridade física, moral e psíquica, sendo vedadas qualquer forma de tortura ou

ameaça.

Os Direitos Fundamentais devem orientar-se com base no princípio da

dignidade da pessoa humana60. Dessa forma, deve o princípio da dignidade da

pessoa humana estabelecer ao ser humano o devido respeito à sua dignidade

humana, devendo a lei ser aplicada e cumprida, de acordo com o delito cometido.

60

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 13. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 17.

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35

2 DA LEI DE CRIMES HEDIONDOS

2.1 Histórico da Lei

Disciplina o inciso XLIII, do art. 5º da Constituição da República Federativa

do Brasil, a qual deu início à repressão dos crimes hediondos61:

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 possibilitou que

legislador ordinário definisse como hediondos outros delitos penais além dos já

previstos no inciso XLIII, do art. 5º da CF. Como conseqüência do previsto na

Constituição Federal surgiu a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, baseada no projeto

5.405 do Deputado Roberto Jefferson62, denominada como Lei dos Crimes

Hediondos (LCH), a qual define os crimes de natureza hedionda.

Conforme o art. 1º da Lei 8.072/90 eram hediondos os crimes de:

[...] latrocínio (art. 157, § 3º, in fine), extorsão qualificada pela morte, (art. 158, § 2º), extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º), estupro (art. 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único), atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único), epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º), envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte (art. 270, combinado com o art. 285), todos do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), e de genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956), tentados ou consumados.

61

BRASIL. Constituição da república Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 10 de jan. de 2011. 62

Nesse período o Deputado Roberto Jefferson era o relator de Comissão de Constituição, Justiça e Redação.

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36

Os crimes previstos na referida lei tem presunção absoluta de hediondez.

Nesse momento, pela primeira vez que o sistema punitivo no Brasil passou a

diferenciar, entre as condutas criminosas, algumas com o nomem júris de crime

hediondo63. A ausência do delito de homicídio no rol dos delitos considerados

hediondos era tida pelos doutrinadores como uma contradição jurídica, uma grave

lacuna na lei 8.072/90. O crime de homicídio apenas passou a figurar no rol dos

crimes hediondos com o advento da Lei 8.930, de 06 de setembro de 1994, a qual

deu nova redação ao artigo 1º da Lei 8.072/90, com a promulgação da Lei 8.930/94,

passaram a ser rotulados também como hediondos os crimes de: homicídio

qualificado (art. 121, §2º, I a V, do CP) e o homicídio simples, quando praticado em

atividade típica de grupo de extermínio (art. 121, caput, do CP).

Destaca-se que as modificações trazidas pela Lei 8.930/94 não foi a de

apenas inserir o crime de homicídio como hediondo, foi excluído do rol da hediondez

o delito de envenenamento pela água potável ou de substância alimentícia ou

medicinal, qualificada pelo resultado morte (art. 270 c/c art. 258, ambos do Código

Penal).

Já no ano de 1998, diante de vários casos noticiados na mídia, a falsificação

de produto terapêutico ou medicinal (art. 273 do CP), passou a ser considerado um

delito hediondo pela Lei 9.695/98, assim o art. 1º da Lei de Crimes Hediondos (LCH)

teve novamente seu artigo alterado.

Diante das alterações trazidas, o artigo 1º da LCH64 estabeleceu que são

hediondos, os crimes ali elencados tanto na sua forma tentada como na consumada.

João José Leal aduz 65 que um dos fatores que contribui para o surgimento

da lei foi “[...] o intenso clima de violência, que vem marcando o cotidiano dos

grandes centros urbanos brasileiros, responsável por uma generalizada e

indisfarçável síndrome do medo [...]”.

Leal afirma ainda, que depois que “mais de uma década, a violência

continua mais intensa e aterrorizante, e a descrença nas instâncias formais de

controle é cada vez maior”.

63

LEAL, João José. Crimes Hediondos: A lei 8.072/90 como expressão do direito penal da severidade. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 31. 64

BRASIL. Lei dos Crimes Hediondos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8072.htm>. Acesso em: 10 de out. de 2011. 65

LEAL, João José. Crimes Hediondos: A lei 8.072/90 como expressão do direito penal da severidade. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 33.

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37

2.2 Aspectos destacados da lei de crimes hediondos

Inicialmente antes de tratar do conceito jurídico de crime hediondo

propriamente dito, cumpre esclarecer o significado da expressão hediondo, a qual

segundo Aurélio66:

Hediondo. [Do esp. hediondo.] Adj.1. Depravado, vicioso, sórdido, imundo. 2. Repelente, repulsivo; horrendo: “espécie de funâmbulo patibular, face contorcida em esgar ferino, como um traumatismo hediondo” [...] 3. Sinistro, pavoroso, medonho: crime hediondo. [...].

No Brasil, crime hediondo não é aquele que se demonstra no caso concreto

repelente, repulsivo, horrendo no seu modo de execução ou pelo objetivo do agente,

mas sim aqueles definidos de forma taxativa pelo legislador ordinário.

Os crimes hediondos encontram fundamento legal na nossa Carta Magna,

onde estão previstas conseqüência penais e processuais aos que cometem crimes

hediondos, porém a definição ficou a cargo da Lei Ordinária (art. 1º da Lei nº

8.072/90, alterado pelo art. 1º da Lei 8.930/94). A lei de crimes hediondos não

conceituou o que é um crime hediondo, também não criou tipos penais,

caracterizados pela sua hediondez. De acordo com a Lei dos Crimes Hediondos,

não há um conceito legal do que venha a ser um crime hediondo, existe apenas uma

listagem dos delitos que são tidos como hediondos.

Esse rol taxativo dos crimes considerados hediondos encontra-se previsto

no art. 1º da Lei nº 8.072/90, a qual teve sua redação alterada conforme o art. 1º da

Lei nº 8.930/94, dessa maneira são tidos como crimes hediondos os abaixo

elencados nos incisos do art. 1º da referida lei, tanto os praticados na forma

consumada quanto na tentada, sendo eles:

homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, mesmo que cometido por um só agente;

homicídio qualificado;

latrocínio;

extorsão qualificada pela morte;

extorsão mediante seqüestro e sua forma qualificada;

66

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa.1.ed.14.reimp.Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975, p. 715.

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38

estupro;

estupro de vulnerável;

epidemia com resultado morte;

genocídio.67

Segundo João José Leal68, para conceituar crime hediondo deve ser levado

em consideração o sentido semântico da expressão hediondo, o qual tem significado

de um ato profundamente repugnante, imundo, horrendo, sórdido, sendo um ato

nojento com base nos padrões morais da sociedade.

Assim, ainda de acordo Leal69:

[...] hediondo é o crime que causa profunda e consensual repugnância por ofender, de forma acentuadamente grave, valores morais de indiscutível legitimidade, como o sentimento comum de piedade, de fraternidade, de solidariedade e de respeito à dignidade da pessoa humana.

Pela Lei nº 9.695/98, foi acrescentado ao rol dos crimes hediondos além dos

anteriormente previstos, os crimes de falsificação, corrupção, adulteração ou

alteração de produto de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais.

Existem três critérios de fixação dos crimes hediondos: legal, judicial ou

misto. Para Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio70:

[…] critério legal aquele em que o próprio legislador diz quais são os delitos que ele considera hediondo, de forma taxativa.

Diferentemente, o critério judicial autoriza ao magistrado, em virtude da gravidade objetiva do fato, ou pela maneira de execução do delito, considerar no fato concreto a infração penal como crime hediondo, por ter causado intensa repulsa à sociedade e, consequentemente, o juiz poderá aplicar todas as conseqüências penais e processuais.

Por fim, temos o critério misto, que conjuga ambos os critérios anteriores, de forma que o legislador define, exemplificativamente, alguns crimes como hediondos, permitindo, porém, ao magistrado a

67

BRASIL. Lei dos Crimes Hediondos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8072.htm>. Acesso em: 09 de set. de 2011. 68

LEAL, João José. Crimes Hediondos: A lei 8.072/90 como expressão do direito penal da severidade. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p.39. 69

LEAL, João José. Crimes Hediondos: A lei 8.072/90 como expressão do direito penal da severidade. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p.39. 70

MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislação Penal Especial. 9 ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2006, p. 59.

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39

extensão desse rol dependendo do fato concreto e em virtude da gravidade objetiva do delito.

Por meio da Lei º 8072/90, o legislador infraconstitucional adotou o critério

legal, não dependendo de decisão do magistrado para que no caso concreto se

decida se o crime é ou não hediondo.

O legislador equiparou os crimes hediondos aos crimes de prática de tortura,

de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o de terrorismo, com base no que

dispõe o artigo 2º, caput da Lei 8.072/90 esses delitos recebem as mesmas

restrições e tratamentos processuais, dessa forma eles são insuscetíveis de anistia,

graça, indulto e fiança.

Conforme se infere do texto do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com as

alterações trazidas pela Lei nº 11.464/07, a pena aplicada será cumprida em regime

inicial fechado, a progressão de regime se dará após o cumprimento de 2/5 (dois

quintos) da pena em caso do apenado ser primário, sendo reincidente a progressão

será após 3/5 (três quintos) do cumprimento.

Caso haja sentença condenatória o juiz decidirá, de forma fundamentada, se

o réu poderá apelar em liberdade, conforme se extrai do contido no parágrafo 2º do

artigo 2º da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos).

2.3 “Teoria das Janelas Quebradas”

No ano de 1982, os americanos, James Q. Wilson, cientista político, e

George Kelling, psicólogo criminologista, publicaram um estudo, objetivando

demonstrar a relação causal entre a desordem e a criminalidade. Para explicar como

a criminalidade e a desordem poderiam chegar a uma comunidade e causar-lhe a

sua decadência e baixa na qualidade de vida dos seus indivíduos utilizaram-se da

figura de janelas quebradas.

Segundo os autores dessa teoria, se por ventura os pequenos delitos

fossem tolerados, estes poderão levar a prática de crimes maiores. Defendiam que a

imediata e severa repressão dos pequenos delitos, tolerância zero com qualquer tipo

de ato contrário ao que determina a lei, tem como conseqüência o

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desencadeamento de crimes mais graves, dessa forma acreditavam que o clima de

ordem nas ruas seria restabelecido.

De acordo com Alexandre Rocha Almeida de Moraes71, tais autores

sustentavam que:

(…) se uma janela de uma fábrica ou de um escritório fosse quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém se importava com isso e que, naquela localidade, não havia autoridade responsável pela manutenção da ordem. Em pouco tempo, algumas pessoas começariam a atirar pedras para quebrar as demais janelas ainda intactas. Logo, todas as janelas estariam quebradas. Daí, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém seria responsável por aquele prédio, tampouco pela rua em que se localizava o prédio. Iniciava-se, assim, a decadência da própria rua e daquela comunidade. A esta altura, apenas os desocupados, imprudentes, ou pessoas com tendências criminosas, sentir-se-iam à vontade para ter algum negócio ou mesmo morar na rua cuja decadência já era evidente. O passo seguinte seria o abandono daquela localidade pelas pessoas de bem, deixando o bairro à mercê dos desordeiros. Pequenas desordens levariam a grandes desordens e, mais tarde, ao crime.

Esse estudo, conhecido como broken windows, lançou os fundamentos da

política criminal americana moderna e, em meados da década de noventa, foi

implementada em Nova York com a denominação de “tolerância zero”. Em

decorrência da tolerância aos pequenos ilícitos, nas décadas de 70 e 80 a

criminalidade em Nova York teve um leve aumento.

No ano de 1994, Rudolf Giuliani, afirmando que iria combater a

criminalidade, foi eleito o prefeito de Nova Iorque, trazendo para a polícia o chefe

Willian Bratton, sendo lhe determinado solucionar o problema do metrô da cidade.

Bratton iniciou uma análise, onde verificou algumas janelas quebradas, primeiro a

população que pulava as catracas do metrô, causando grande prejuízo aos cofres

públicos, segundo a desordem e por último a criminalidade. Para solucionar esses

problemas, passou a aplicar uma estratégia de policiamento fundamentada na

manutenção da ordem, destacando o combate a pequenas infrações, essa

estratégia foi inspira na teoria das janelas quebradas. Inicialmente, buscou impedir

71

MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito Penal do Inimigo: A Terceira Velocidade do Direito Penal. Curitiba: Juruá, 2008, p. 211/212.

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que a população pulasse as catracas, assim, quando as demais pessoas

percebessem que aqueles cidadãos que pulavam a catraca eram repreendidos, não

adotariam tal conduta. Os policiais americanos puderam constatar que aquelas

pessoas que pulavam as catracas, na grande maioria das vezes, estavam armadas

ou possuíam mandado de prisão em aberto, assim, tentando combater um delito

menor consegui-se evitar a pratica de outros delitos. Com a utilização da teoria das

“janelas quebradas” houve uma considerável redução na criminalidade em Nova

York, a qual anteriormente era conhecida como a “Capital do Crime” sendo hoje a

mais segura dos Estados Unidos72.

A respeito da teoria Miranda de Coutinho e Edward Rocha citam Wacquant

quando este adaptando um ditado popular expressa que “quem rouba um ovo, roubo

um boi”, assim, se um criminoso pequeno não é punido o criminoso maior não ficará

receoso em cometer um crime na região da desordem73.

Segundo tais autores a queda nos números da criminalidade em Nova York

é considerada como um prova de que essa teoria funciona, porém destacam que a

diminuição da criminalidade em Nova York não se deve apenas a implantação da

Tolerância Zero, tendo também contribuído para a diminuição diversos fatores,

dentre eles o aumento de policiais nas ruas, queda no número de jovens entre 18 e

24 anos e a prisão de gangues de traficantes.

Miranda de Coutinho e Carvalho criticam o movimento da “Tolerância Zero”,

inspirada na teoria das Janelas Quebradas (“Broken Windows Theory”), dizendo ser

uma “invencionice americana vendida aos incautos como panacéia no mercado da

segurança pública mundial”74.

Nas palavras dos autores75:

72

GOMES, Amanda Soares. Teoria das janelas quebradas: a desordem e a criminalidade. Disponível em: <http://www.jefersonbotelho.com.br/2009/08/15/teoria-das-janelas-quebradas-a-desordem-e-a-criminalidade/>. Acesso em: 25 set. 2011. 73

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Edward Rocha de. Teoria das janelas quebradas: e se a pedra vem de dentro?.Disponível em: <http://www.novacriminologia.com.br//ArtigosPrint.asp?idArtigo=1440>. Acesso em: 28 set. 2011. 74

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Edward Rocha de. Teoria das janelas quebradas: e se a pedra vem de dentro?.Disponível em: <http://www.novacriminologia.com.br//ArtigosPrint.asp?idArtigo=1440>. Acesso em: 28 set. 2011. 75

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Edward Rocha de. Teoria das janelas quebradas: e se a pedra vem de dentro?.Disponível em: <http://www.novacriminologia.com.br//ArtigosPrint.asp?idArtigo=1440>. Acesso em: 28 set. 2011.

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A Broken Windows Theory, assim, não prega a reforma do “desordeiro”, mas tão-só sua punição, sua exclusão. Julga-o não somente por dar a ele um antecedente criminal, tampouco por condená-lo, mas por tornar o indivíduo alguém que precisa ser controlado, removido e observado. A categoria do “desordeiro” permite a Tolerância Zero, e esta o abuso do Estado e a barbárie do Soberano. A desordem do Estado, enfim, garante a ordem. A violência policial é necessária; um meio para um fim maior.

Porém, diferente do que se pensa, tais autores destacam que a implantação

da política de tolerância zero não foi a única responsável pela diminuição da

criminalidade. A duplicação do número de policias nas ruas, condições econômicas

mais favoráveis, queda no número de jovem na faixa etária de 18 a 24 anos e a

prisão de gangue de traficantes, também são destacados pelos autores como

fatores contributivos para a que da nos índices de criminalidade da cidade76.

Ainda explanando sobre o tema Miranda Coutinho e Carvalho discursam que

a teoria das janelas quebradas é embasada em duas categorias, a da ordem e da

desordem, sendo que para o criadores da teoria, a desordem é o mesmo que dizer

que o bairro perdeu as rédeas e que ali não se preocupa com os crimes. Por sua

vez, a ordem seria algo natural, estabelecendo-se assim uma cristalina separação

entre os ordeiros e desordeiros e os seguidores da lei e os criminosos77.

Segundo Aury Lopes Jr. o modelo de tolerância zero é cruel, desumano e

aético, dessa maneira disserta nesse contexto que78:

Os socialmente etiquetados sempre foram os clientes preferenciais da polícia e, com o aval dos governantes, nunca se matou, prendeu e torturou tantos negros, pobres e latinos. A máquina estatal repressora é eficientíssima quando se trata de prender e arrebentar hipossuficientes.

A política implementada da Tolerância zero, nas palavras de Miranda

Coutinho e Carvalho ficou marcada pelo excesso do soberano e da desumanidade

76

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Edward Rocha de. Teoria das janelas quebradas: e se a pedra vem de dentro?.Disponível em: <http://www.novacriminologia.com.br//ArtigosPrint.asp?idArtigo=1440>. Acesso em: 28 set. 2011. 77

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Edward Rocha de. Teoria das janelas quebradas: e se a pedra vem de dentro?.Disponível em: <http://www.novacriminologia.com.br//ArtigosPrint.asp?idArtigo=1440>. Acesso em: 28 set. 2011. 78

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal: e sua conformidade Constitucional. 6. ed Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 18, v.1.

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43

da penas, estabelecendo um culpado e um inocente, um tudo ou nada. A teoria não

estabelece a reforma do “desordeiro”, visa apenas a sua punição e exclusão79.

2.4 Direito penal máximo e o movimento lei e ordem (“Law and Order”)

Diferentemente, do que se observa nos sistemas autoritários, os quais se

caracterizam pela fragilidade ou ausência de limites da intervenção punitiva do

estatal, o modelo do Estado de direito traz em sua essência um tipo de ordenamento

onde o Poder Público (poder penal) encontra-se limitados e vinculados à lei,

segundo Ferrajoli80:

[...] limitados e vinculados à lei no plano substancial (ou dos conteúdos penalmente relevantes) e submetidos a um plano processual (ou dos conteúdos processualmente vinculantes.

Nas palavras de Ferrajoli, o modelo de direito penal máximo, significa que

ele é incondicionado e ilimitado, caracterizando-se não só pela sua excessiva

severidade, mas também pela incerteza e imprevisibilidade nas condenações e nas

penas aplicadas, configurando um sistema de poder sem controle racional, visto não

existirem parâmetros de racionalidade para a convalidação e anulação81. A certeza

que se tem no direito penal máximo é a de que nenhum culpado ficará impune,

ainda que para isso algum inocente venha a ser condenado, com base no in dúbio

contra reum82.

O movimento lei e ordem, inspirado nas ideias da teoria das “janelas

quebradas”, surgiu nos Estados Unidos, na década de 70 como consequência do

79

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Edward Rocha de. Teoria das janelas quebradas: e se a pedra vem de dentro?.Disponível em: <http://www.novacriminologia.com.br//ArtigosPrint.asp?idArtigo=1440>. Acesso em: 28 set. 2011. 80

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.101. 81

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.102. 82

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 103.

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44

crescimento da violência, trazendo consideráveis modificações à política criminal e

legislação penal do país, pregando o Direito Penal Máximo, no qual o Direito Penal é

dito como a solução para os problemas da sociedade. Alexandre Rocha assevera

que há uma boa parte da doutrina que pregue a idéia de que tal movimento

influenciou a realidade do nosso país, em especial na década de 90, ocasião em que

muitos críticos relacionaram à Lei de Crimes Hediondos como sendo o símbolo

dessa política criminal.83 A política da “Tolerância Zero” é o mais significativo dos

exemplos do movimento lei e ordem.

Destaca Alberto Silva Franco que as valorações político-criminais do

movimento lei e ordem inspiraram o posicionamento adotado pelo legislador

constituinte. O movimento político-criminal da Lei e Ordem encontrou base e força

para se expandir em alguns fatos detectados nas décadas de 70 e 80, sendo eles84:

a) no incremento da criminalidade violenta direcionada a seguimentos sociais mais privilegiados e que até então estavam indenes a ataques mais agressivos (seqüestros de pessoas abonadas ou de alto estrato político ou social, roubos a estabelecimentos bancários etc); b) no terrorismo político e até mesmo no terrorismo imotivado, de facções vinculadas tanto à esquerda, como à extrema direita, do espectro ideológico; c) no crescimento do tráfico ilícito de entorpecentes e de drogas afins; d) no avanço do crime organizado ponto à mostra a corrupção e a impunidade; e) no incremento da criminalidade de massa (roubos, furtos etc) que atormenta o cidadão comum; f) na percepção do fenômeno da violência como dado integrante do cotidiano omnipresente na sociedade; g) no conceito reducionista de violência, fazendo-o coincidir com o de criminalidade; h) na criação pelos meios de comunicação social de um sentimento coletivo e individual de insegurança e no emprego desses mesmos meios para efeitos de dramatização da violência e para seu uso político.

Silva Franco cita João Marcelo Araújo quando este ao abordar o Movimento

Lei Ordem observa que85:

[...] o aumento, às vezes, só na aparência da criminalidade, no que tange aos delitos graves, “é apresentado pelas mass media e por alguns políticos como um fenômeno aterrador que gera insegurança,

83

MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. Direito Penal do Inimigo: A Terceira Velocidade do Direito Penal. Curitiba: Juruá, 2008, p. 212. 84

FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 5ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2005, p. 83/84. 85

FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 5ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2005, p. 86.

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conseqüência do trato benigno que a lei dispensa aos criminosos e que, portanto, não respeitam. Essa propaganda massiva de fatos atemorizantes provoca na população um verdadeiro estado de pânico, do qual se aproveitam os movimentos políticos, geralmente autoritários, para apresentar-se como possuidores de fórmulas infalíveis contra a onda criminosa” que dizem existir.

É mister esclarecer que segundo Silva Franco o movimento lei e ordem se

apóia em falsas premissas, dessa forma, não é possível concordar-se com a ideia

de que o mal é consequência do comportamento delitivo e o bem é uma

consequência da sociedade e que diante disso para a sobrevivência da sociedade

seria necessário exterminar os crimes86.

Aury Lopes Jr. assevera que tal movimento “é a mais clara manifestação

penal do modelo neoliberal, dos movimentos de extrema-direita”87. Em total

desrespeito aos indivíduos e aos seus direitos fundamentais prega a supremacia do

Estado.

O direito penal máximo criado como uma forma de defesa social inspirou-se

no movimento lei e ordem, onde busca-se a intervenção do Direito Penal inclusive

nos mínimos delitos, buscando intimidar a progressão da criminalidade. Entende-se

o Direito Penal máximo como um modelo efetivo de controle social da criminalidade,,

sendo uma firme e célere resposta ao criminoso, o qual intimida-os através de

sanções legitimadas88.

2.5 Da teoria do garantismo penal e o direito penal mínimo

O Direito Penal Mínimo significa um ideal de racionalidade e de certeza,

podendo ser compreendido como grau maior de tutela dos cidadãos face ao arbítrio

punitivo estatal, vedando qualquer possibilidade de responsabilização penal

86

FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 5. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2005, p. 89. 87

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal: e sua conformidade Constitucional. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, 1 v, p. 19. 88

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de Direito Penal. 6.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 44/45.

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46

baseada na incerteza ou indeterminação dos pressupostos. Sendo que nos casos

em que há incerteza quanto à condenação, a absolvição é medida que se impõe,

resolvendo-se a incerteza com uma presunção legal de inocência em prol do

acusado89.

Observa-se uma relação entre o garantismo e o racionalismo, pois o direito

penal é racional e correto à medida em que há uma previsão de suas intervenções,

caracterizando-se apenas as intervenções baseadas em “argumentos cognitivos de

que resultem como determinável a „verdade formal‟‟90.

No concernente ao direito penal mínimo Ferrajoli preceitua que:

[...] quer dizer, condicionado e limitado ao máximo, corresponde não apenas ao grau máximo de tutela das liberdades dos cidadãos frente ao arbítrio punitivo, mas também a um ideal de racionalidade e de certeza. Com isso resulta excluída de fato a responsabilidade penal todas as vezes em que sejam incerto ou indeterminados seus pressupostos. Sob este aspecto existe um nexo profundo entre garantismo e racionalismo. Um direito penal é racional e correto à medida que suas intervenções são previsíveis [...]91.

Em oposição ao direito penal máximo, onde a certeza funda-se em que

nenhum culpado deixará de ser punido, ainda que para isso tenho que punir um

inocente, a certeza determinada pelo direito penal mínimo está em que “nenhum

inocente será punido à custa da incerteza de que também algum culpado possa ficar

impune”. O princípio do in dubio pro reo traduz a certeza do direito penal mínimo ao

passo que determina que nenhum inocente será punido92.

O princípio do favor rei tem como fundamento a máxima in dúbio pro reo (na

dúvida, a favor do réu) fundada em um norma de limitação do modelo de direito

penal mínimo, consistente na razão e na certeza, por tal motivo exigem intervenções

89

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 102/103. 90

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 102/103. 91

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 102. 92

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 103/104.

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47

potestativas e valorativas de eliminação e de abrandamento da responsabilidade

cada vez que houve incerteza com relação aos pressupostos cognitivos da pena93.

Algumas instituições como o princípio da presunção de inocência, o ônus da

prova a cargo da acusação, e a absolvição do réu caso haja incerteza em relação

aos fatos e, também, a analogia in bonam partem,utilizam-se o critério acima

explicitado. Em todas essas hipóteses, observa-se a discricionariedade, mas esta

não é utilizada como extensão da intervenção penal e sim, para excluir ou minimizar

a intervenção penal quando não estiveram presentes argumentos cognitivos

seguros94.

Ainda em sua doutrina Ferrajoli disserta que o objetivo geral do direito penal

é mediante a minimização da violência impedir o exercício arbitrário das próprias

razões, o qual constitui-se no delito e na vingança. Tanto no delito como na vingança

há um conflito violento, resolvido mediante o uso da força. No delito usa-se a força

do réu e na vingança usa-se da força do ofendido95.

A defesa social dos interesses contras as ameaças representadas pelos

delitos não é o único objetivo do direito penal, observa-se também que a proteção do

fraco contra o mais forte é um objetivo, visto que96:

[...] a lei penal se justifica enquanto lei do mais fraco, voltada para a tutela dos seus direitos contra a violência arbitrária do mais forte. É sob esta base que as duas finalidades preventivas – a prevenção dos delitos e aquela das penas arbitrárias – são entre si, conexas, vez que legitimam, conjuntamente, a “necessidade política” do direito penal enquanto instrumento de tutela dos direitos fundamentais, os quais lhe definem, normativamente, os âmbitos e os limites, enquanto bens que não se justifica ofender nem com os delitos nem com as punições.

Aury Lopes Junior cita Luigi Ferrajoli no momento em que este disserta que

o garantismo constitui-se de elementos sólidos para a construção de filosofia do

93

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 103. 94

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 102. 95

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 311. 96

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.311/312.

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Direito Penal e do Processo Penal. Ressalta que essas disciplinas visam uma

intervenção estatal com importante influência na liberdade individual, inclusive com

relação às penas corporais97.

Segundo Ferrajolli a palavra “garantismo” pode ter três acepções distintas,

porém essas acepções são ligadas entre si, sendo elas, a primeira acepção designa

um modelo normativo de direito, por sua vez a segunda acepção designando uma

teoria jurídica da “validade” e da “efetividade” e por fim a terceira e última acepção

designando uma filosofia política98.

Na primeira acepção, onde temos garantismo como um modelo normativo do

direito, em um plano político firma-se como uma técnica de tutela hábil para

minimizar a violência e maximizar a liberdade. Já em um plano jurídico, “como um

sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos

dos cidadãos”, dessa forma ainda nos dizeres de Ferrajolli é garantista, “(...) todo

sistema penal que se conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz

efetivamente99.

Sob o prisma da segunda acepção, têm-se o garantismo como uma teoria

jurídica e da “validade” e da “efetividade”, sendo estas categorias não apenas

distintas entre si, mas também com relação a existência e vigência das normas.

Sobre este enfoque, garantismo designa uma aproximação teórica que mantém

separados o “ser” e o “dever ser” no direito, colocando como centro da questão

teórica a divergência nos modelos complexos existente entre os modelos

normativos, os quais possuem tendências garantistas, e as prática operacionais, as

quais possuem tendências antigarantistas, consistente na validade (e não

efetividade) dos modelos complexos e na efetividade (e invalidade)das práticas

operacionais100.

97

FERRAJOLI, apud OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 14ª ed Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 31. 98

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.785/786. 99

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.786. 100

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.787.

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49

Por fim, sob o enfoque da terceira acepção o garantismo designa uma

filosofia política, impondo ao Direito e ao Estado o dever da justificação externa

conforme os bens e os interesses dos quais a tutela e a garantia são a finalidade.

Nas palavras de Ferrajolli, neste último significado o garantismo:

(...) pressupõe a doutrina laica da separação entre direito e moral, entre validade e justiça, entre ponto de vista interno e ponto de vista externo na valoração do ordenamento, ou mesmo entre o “ser” e o dever “ser” do direito. E equivale à assunção, para os fins da legitimação e da perda da legitimação ético-política do direito e do Estado, do ponto de exclusivamente externo.

Os três significados de garantismo acima exposto, para Ferrajolli:

(...) delineiam, precisamente, os elementos de uma teoria geral do garantismo: o caráter vinculado do poder público no Estado de direito; a divergência entre validade e vigor produzida pelos desníveis das normas e um certo grau irredutível de ilegitimidade jurídica das atividades normativas de nível inferior; a distinção entre ponto de vista externo (ou ético-político) e ponto de vista interno (ou jurídico) e conexa divergência entre justiça e validade; a autonomia e a prevalência do primeiro e em certo grau irredutível de ilegitimidade política com relação a ele das instituições vigentes.

É oportuno registra ainda que segundo Ferrajoli o sistema garantista é

baseado em dez axiomas fundamentais, sendo eles101:

(...) 1) princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao delito; 2) princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; 3) princípio da necessidade ou da economia do direito penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do ato: além de típico, o ato deve causar efetiva lesividade ou da ofensividade do evento; 5) princípio da materialidade ou da exterioridade da ação; 6) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7) princípio da jurisdicionalidade, também no sentido lato ou no sentido estrito; 8) princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação; 9) princípio do encargo da prova ou da verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade.

101

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.91.

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50

Tais axiomas ordenados e conectados sistematicamente estabelecem o

modelo garantista de direito ou da responsabilidade penal, ou seja, estabelecem “as

regras do jogo fundamental do direito penal”102.

A base do garantismo penal visa o respeito não apenas aos direitos

fundamentais, como também aos deveres fundamentais disciplinados na

Constituição. Diante das diversas dificuldades quanto a afirmação da certeza, a

solução de um caso penal apenas terá legitimidade quando basear-se em

procedimento judicial, no qual garanta-se o contrário e a ampla defesa103.

102

FERRAJOLLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradutores: Ana Paulo Zomer Rica; Fauzi Hassan Choukr; Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.91. 103

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 14ª ed Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 31/32.

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51

3 DA (IM)POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIBERDADE

PROVISÓRIA NOS CRIMES HEDIONDOS

3.1 Do instituto da liberdade provisória

A Lei nº 12.403/2001 entrou em vigor no dia 04 de junho de 2011, trazendo

grandes alterações ao instituto das prisões no Brasil, criando diversas alternativas

ao cárcere, possibilitando ao juiz a aplicação de diversas medidas cautelares que

não a prisão104.

Antes do advento da referida lei, ou o juiz determinava a prisão ou concedia

a liberdade provisória ao acusado, impondo-lhe o cumprimento de algumas

condições, podendo incluir ou não a prestação de fiança105.

Eugênio Pacelli afirma que “a manutenção da expressão liberdade provisória

não tem a menor justificativa, senão o fato [...] de sua utilização na Constituição da

República. [...] cuida-se de medida cautelar, diversa da prisão”106.

As prisões estabelecidas no Código de Processo Penal, prisão em flagrante

e preventiva e aquela prevista na Lei 7960/89 a prisão temporária, constituem a

partir do advento da Lei 12.403/11 espécies de medidas cautelares do nosso

ordenamento jurídico107.

O instituto da liberdade provisória é um direito constitucional, que garante

que o acusado não seja preso enquanto durar a instrução criminal, este direito

encontra-se previsto no art. 5º, LXVI, da CF/88108, “ninguém será levado à prisão ou

nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança” e

também resta estabelecido no artigo 310 do Código de Processo Penal, in verbis:

104

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Atualização do Processo Penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de

2011, adendo ao Curso de Processo Penal. 14ª ed Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 53. 105

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Atualização do Processo Penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de

2011, adendo ao Curso de Processo Penal. 14ª ed Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.53. 106

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Atualização do Processo Penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de

2011, adendo ao Curso de Processo Penal. 14ª ed Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 54. 107

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Atualização do Processo Penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de

2011, adendo ao Curso de Processo Penal. 14ª ed Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 54. 108

BRASIL. Constituição da república Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 10 de jan. de 2011.

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Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

I - relaxar a prisão ilegal; ou

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação. 109.

O parágrafo único do artigo 310 do Código de Processo Penal possibilita ao

sujeito que teve sua liberdade vedada, o direito de adquiri-la novamente desde que

no caso concreto não estejam presentes os motivos autorizadores da prisão

preventiva, os quais se encontram explicitados nos artigos 311 e 312 mesmo código.

Denomina-se liberdade provisória, pois pode ser revogada a qualquer

momento e pela razão de que perdura até o momento do trânsito em julgado da

sentença final.

A liberdade provisória segundo Capez é o:

Instituto processual que garante ao acusado o direito de aguardar em liberdade o transcorrer do processo até o trânsito em julgado, vinculado ou não a certas obrigações, podendo ser revogada a qualquer tempo, diante do descumprimento das obrigações impostas.

Acerca do tema Aury Lopes Junior afirma que110:

[...] deve-se partir da premissa de que “provisória” deve ser a prisão cautelar. A liberdade é a regra, não necessitando ser legitimada e tampouco deve-se admitir, tão passivamente, o emprego do adjetivo “provisória” quando do que se trata é de um valor de dimensão.

109

BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 10 de jan. de 2011. 110

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3. ed. rev e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 173. 2 v.

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Antes do advento da Lei n. 12.403/2001, que entrou em vigor em

04.07.2011, o parágrafo único do artigo 310 do Código de Processo Penal previa a

possibilidade da concessão da liberdade provisória sem pagamento de fiança.

Segundo a nova redação do artigo 310 do Código de Processo Penal o juiz

ao receber o Auto de Prisão em Flagrante poderá relaxar a prisão ilegal, converter a

prisão em flagrante em prisão preventiva ou conceder a liberdade provisória com ou

sem a prestação de fiança, podendo inclusive vincular a essa liberdade o

cumprimento de uma das medidas cautelares dispostas no artigo 319 do Código de

Processo Penal.

No primeiro caso o relaxamento da prisão em flagrante, não se trata de

nenhum tipo de liberdade provisória, segundo Aury Lopes Junior ocorre o

relaxamento quando verificada uma ilegalidade na prisão, assim, toda prisão “que

não atenda aos requisitos legais (...) é ilegal e deve ser imediatamente relaxada (art.

5º, LXV, da CF), com a conseqüente liberdade plena do agente”111.

Caso fique constatada a legalidade da prisão o juiz poderá, nos casos em

que estiverem presentes os pressuposto dos arts. 312 e 313 do CPP e naqueles em

que as medidas cautelares diversas da prisão se mostrarem ineficazes, converter a

prisão em flagrante em prisão preventiva, destacando-se que a prisão preventiva é

ultima ratio, ou seja, última opção.

Por fim, caso não estejam presentes os requisitos dos arts. 312 e 313 do

CPP autorizadores da prisão preventiva, pode o juiz conceder a liberdade provisória,

mediante o pagamento ou não de fiança, podendo nesse caso cumular ou não como

uma das medidas cautelares diversas da prisão estipuladas no artigo 319 do CPP.

Dispõe o artigo 321 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 321. Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código.

As medidas cautelares diversas da prisão, elencadas no art. 319 do CPP,

são:

111

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 3. ed. rev e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 174. 2 v.

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I- comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX - monitoração eletrônica.

A partir de agora o juiz além da possibilidade de conceder medidas

cautelares como a prisão cautelar e a liberdade provisória, poderá ainda optar por

qualquer uma das 9 (nove) medidas cautelares diversas da prisão expostas acima,

devendo utilizar-se da prisão apenas nos casos em que essas medidas se

mostrarem ineficazes.

Ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz deverá, obrigatoriamente,

analisar, de ofício, a possibilidade da concessão da liberdade provisória, antes do

advento da nova Lei de prisões o juiz não era obrigado a analisar a possibilidade de

liberdade provisória.

Com o novo texto, a prisão em flagrante, por si só, não admite mais que a

pessoa fique presa, assim, ou ela é convertida em preventiva ou deverá ser

concedida a liberdade provisória. Nesse contexto Aury Lopes Junior assevera

que112:

A prisão em flagrante é uma medida pré-cautelar, de natureza pessoal, cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial, e que somente está

112

LOPES JUNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Cautelares Diversas: Lei 12.403/2011. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 37/38.

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justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24h, onde cumprirá ao juiz analisar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão (agora como preventiva) ou não.

Segundo Pacelli existem quatro espécies de liberdade provisória, sendo

elas113:

a) liberdade provisória em que é vedada a fiança: cabível após a prisão em flagrante, com a obrigatória imposição de qualquer das cautelares do art. 319 e do art. 320, CPP, com exceção da fiança, quando não for necessária a prisão preventiva e quando for expressamente proibida a imposição daquela (fiança – art. 323 e art. 324); b) liberdade provisória com fiança: cabível sempre após a prisão em flagrante e quando não necessária a preventiva. Será imposta, obrigatoriamente, a fiança, além de outra cautelar, se entender necessário o juiz; c) liberdade provisória sem fiança: cabível após a prisão em flagrante, quando inadequada ou incabível a preventiva, com a imposição de qualquer outra medida cautelar, por julgar o juiz desnecessária a fiança; d) liberdade provisória vinculada, ao comparecimento obrigatório a todos os atos do processo, sob pena de revogação (art. 310, parágrafo único).

Disciplina o art. 5º, LXVI da CF/88 que “ninguém será levado à prisão ou

nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Porém

no inciso XLIII do art. 5º da CF o legislador constituinte estabeleceu que os crimes

hediondos e os equiparados são insuscetíveis de fiança. Destaca-se ainda a

previsão contida no inciso II do artigo 2º da Lei 8072/90, no qual se encontra a

restrição ao arbitramento de fiança.

Reiterando o que já encontrava-se previsto na Constituição e também no

inciso II do artigo 2º da Lei 8072/90, o artigo 323, II do CPP, traz em seu texto a

vedação da fiança “nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas

afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos” (grifei).

Eugênio Pacelli acredita que114:

113

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Atualização do Processo Penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de

2011, adendo ao Curso de Processo Penal. 14ª ed Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.56. 114

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Atualização do Processo Penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de

2011, adendo ao Curso de Processo Penal. 14ª ed Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.56.

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56

[...] a liberdade provisória com a proibição da fiança é fruto de delírio legislativo, fundamentado na Constituição da República, que previu a inafiançabilidade para vários e graves delitos. A ideia parece ter sido a proibição de qualquer restituição da liberdade para aquele preso em crimes inafiançável.

Leciona ainda, Pacelli, que a autoridade judiciária competente para decretar

qualquer das modalidades de prisão existentes deve fazer por meio de ordem escrita

e devidamente fundamentada conforme determina a Constituição da República115.

Conforme muito bem ressalta Aury Lopes Jr.116, atualmente, “provisória” é a

prisão cautelar, “liberdade é a regra, não necessitando ser legitimada e tampouco

deve-se admitir, tão passivamente, o emprego do adjetivo provisória” quando do que

se trata é de um valor dessa dimensão”.

A nova redação dada ao artigo 319 do CPP estabeleceu um amplo regime

de liberdade provisória, com diversas possibilidades de vinculação ao processo,

criando-se uma pirâmide gradativa, onde a liberdade plena fica no topo dessa

pirâmide e nas outras escalas da pirâmide encontra-se à liberdade do réu durante o

decorrer do processo, porém com a imposição de algumas medidas cautelares

diversas da prisão. Aury Lopes Jr. acentua ainda, que “a liberdade provisória é uma

medida alternativa, de caráter substitutivo em relação à prisão preventiva, que fica

efetivamente reservada para os casos graves, em que sua necessidade estaria

legitimada”117.

As medidas cautelares, diversas da prisão, quando não for possível e

adequada a decretação de prisão preventiva, poderão substituir a prisão em

flagrante. Com o advento da Lei 12.403/2011 liberdade provisória passou a significar

diversidades de espécie de restituição da liberdade118.

115

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Atualização do Processo Penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de

2011, adendo ao Curso de Processo Penal. 14ª ed Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.56. 116

LOPES JUNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Cautelares Diversas: Lei 12.403/2011. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 153. 117

LOPES JUNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Cautelares Diversas: Lei 12.403/2011. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 154. 118

LOPES JUNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Cautelares Diversas: Lei 12.403/2011. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 6.

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57

3.2 Do instituto da fiança

Antes de adentrarmos propriamente na questão central do trabalho acerca

da possibilidade ou não da concessão de liberdade provisória, cumpre destacar o

conceito do instituo da fiança.

Para o legislador processual penal a fiança é uma garantia real, ou caução,

objetiva deixar o imputado em liberdade, mediante a prestação de uma caução,

devidamente prestada essa caução, o imputado é posto em liberdade provisória até

o trânsito em julgado da sentença penal119.

Nas exatas palavras de Aury Lopes Jr120.

A fiança é uma contracautela, uma garantia patrimonial, caução real, prestada pelo imputado e que se destina, inicialmente, ao pagamento das despesas processuais, multa e indenização, em caso de condenação, mas, também, como fator inibidor da fuga.

Considera-se a fiança um elemento capaz de inibir, desestimular a fuga do

imputado, o qual garante a eficácia da aplicação da lei penal em caso de eventual

condenação. Dispõe o artigo 336 do CPP, que:

Art. 336. O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado.

Parágrafo único. Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110 do Código Penal).

De acordo Tourinho Final a finalidade da fiança é “assegurar, no caso de

condenação, o pagamento das custas, a satisfação do dano ex delicto e eventual

multa”121.

119

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 10ª ed São Paulo: Saraiva, 2008, p. 643. 120

LOPES JUNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Cautelares Diversas: Lei 12.403/2011. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 159. 121

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 10ª ed São Paulo: Saraiva, 2008, p. 643.

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Segundo Aury Lopes Jr. a Lei nº 12.403/2001 trouxe significativas mudanças

ao instituto da fiança, passando agora a ter esse instituto duas dimensões122:

- aplicada no momento da concessão da liberdade provisória – art. 310 – portanto, como condição imposta neste momento e vinculada à liberdade provisória;

- como medida cautelar diversa (art. 319).

Com base no disposto no art. 310, III, ao receber o auto de prisão em

flagrante, após homologar, o juiz poderá: decretar a prisão a prisão preventiva ou

conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança. Assim sendo, Aury Lopes Jr.

destaca ser possível homologar o flagrante e conceder a liberdade provisória sem

arbitrar fiança, visto que a “afiançabilidade” não é pressuposto para a liberdade

provisória123.

Nos exatos termos do artigo 326 do Código de Processo Penal para o

arbitramento da fiança deve-se levar em “conta a natureza da infração, as condições

pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de

sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até

final julgamento”.

Encontra-se na Constituição Federal no artigo 5º, XLIII e também na Lei n.

8.072/90 no seu artigo 2º, inciso II a vedação a fiança aos crimes hediondos e aos

equiparados.

122

LOPES JUNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Cautelares Diversas: Lei 12.403/2011. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 160. 123

LOPES JUNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Cautelares Diversas: Lei 12.403/2011. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 161.

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3.3 Da possibilidade de concessão de liberdade provisória nos crimes

hediondos

Antes da entrada em vigor da Lei nº 11.464/2007, a qual trouxe significativas

mudanças à referida legislação, os crimes hediondos e os a ele equiparados eram

insuscetíveis de fiança e de liberdade provisória.

Porém, com a entrada em vigor da Lei nº 11.464/2007 suprimiu-se a

expressão “liberdade provisória”, passando a partir de então adotar-se o

entendimento de que seria admissível a concessão da liberdade provisória, sem

fiança, aos crimes hediondos e assemelhados.

Dos ensinamentos de Aury Lopes Jr. extrai-se que:

Para os crimes inafiançáveis. Evidencia-se que não existe prisão cautelar –obrigatória e que o flagrante „não prende por si só‟, como já explicado, de modo que, mesmo sendo o crime hediondo ou qualquer outro „inafiançável‟, poderá o juiz conceder liberdade provisória, sem fiança, e mediante a imposição de uma ou mais medidas cautelares diversas da prisão, conforme o caso. Diante de um flagrante por crime inafiançável, não estando presente o periculum libertatis da prisão preventiva ou, ao menos, não em nível suficiente para exigir a prisão preventiva, poderá o juiz conceder a liberdade provisória sem fiança, mas com medidas cautelares alternativas com suficiência para tutelar a situação fática de perigo124.

Ainda sobre esse enfoque Aury Lopes Jr., disserta que125:

O acerto da posição doutrinária que sempre resistiu a essa absurda vedação de liberdade provisória previsto na hedionda Lei nº 8.072 finalmente veio reconhecido pela mudança legislativa – tardia, é verdade – da Lei nº 11464. Agora, tendo sido preso em flagrante delito, pode ser concedida a liberdade provisória nos crimes hediondos, tortura, tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e terrorismo. Isso não significa que não se possa lançar mão da prisão preventiva nesses casos. Nada disso. A prisão preventiva poderá ser decretada desde que presentes seus pressupostos (fumus commissi delicti e periculum libertatis) e a real necessidade; do contrário, deverá o juiz conceder liberdade provisória mediante submissão do imputado às medidas cautelares diversas, do art. 319, conforme o caso.

124

LOPES JUNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Cautelares Diversas: Lei 12.403/2011. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 161. 125

LOPES JUNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Cautelares Diversas: Lei 12.403/2011. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 173.

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60

Com tal delineamento, disserta ainda que a inafiançabilidade dos delitos

veda apenas a concessão da liberdade provisória com fiança, porém não proíbe a

concessão de tal benefício vinculada a medidas cautelares diversas da prisão, as

quais em algumas hipóteses são mais gravosas do que o próprio pagamento da

fiança126.

Wilson Lavorenti assevera que no que diz respeito à concessão da liberdade

provisória sem fiança, destaca-se que a antiga redação do art. 2º, II da LCH, vedava

a liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados e que tendo em vista que

a Constituição Federal nada falou a respeito da possibilidade de concessão de

liberdade provisória sem fiança aos crimes hediondos, não poderia a legislação

infraconstitucional suprimir essa falta, pois se assim fosse estaria excedendo os

limites de norma constitucional. Assevera ainda, que a vedação da liberdade

provisória é uma afronta ao princípio previsto no art. 5º, LVII da Constituição Federal,

da presunção de inocência127.

Nessa senda, colhe-se da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que

já está decidindo a favor da concessão de liberdade provisória nos crimes

hediondos:

[...] O Superior Tribunal de Justiça assentou não ser lícito o indeferimento da liberdade provisória a acusados da prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes com base apenas na vedação contida no artigo 44 da Lei nº 11.343/2006. A confirma esse entendimento e com finalidade de adequar a legislação ordinária ao texto constitucional, estaria a Lei nº 11.464/2007, aplicável a todos os crimes hediondos e proibitiva unicamente da fiança. Conforme o condutor do julgamento, a restrição da liberdade deve sempre estar alicerçada em elementos concretos, sob pena de desrespeito ao princípio constitucional da presunção de inocência. A possibilidade de ser concedida liberdade provisória nos crimes hediondos também decorreria da circunstância de haver vedação constitucional apenas à fiança – artigo 5º, inciso XLIII, da Carta da República128. (grifei)

126

LOPES JUNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Cautelares Diversas: Lei 12.403/2011. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 170. 127

SILVA, José Geraldo da; BONINI, Paulo Rogério; LAVORENTI, Wilson. Leis Penais Especiais Anotadas. 11. ed.São Paulo: Millennium, 2010, p.216. 128

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral em Recurso Extraordinário n. 601.384-1/RS, Min. Rel. Marco Aurélio. Julgamento: 28/10/. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em 10 de outubro de 2011.

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Conforme bem disposto por Pacelli em sua doutrina acerca da

inafiançabilidade estabelecida pela Constituição129:

[...] embora pretenda a proibição de qualquer forma de restituição da liberdade, não se compadece com o sistema de garantias individuais estruturados nela própria (Constituição), sobretudo no ponto em que se exige ordem escrita e fundamentada da autoridade JUDICIÁRIA (e, não, legal, ou constitucional) para qualquer privação de liberdade (art. 5º, LXI).

Há ainda o argumento utilizado de que a mera gravidade do delito cometido,

por si só, não é capaz de justificar a necessidade de decretação da prisão

preventiva, devendo no caso concreto estarem presentes os requisitos previstos nos

artigos 312 e 313 do CPP, nesse diapasão já vem decidindo o Supremo Tribunal

Federal:

[...] 1. A jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que a gravidade do crime não justifica, por si só, a necessidade da prisão preventiva. Precedentes. 2. A referência hipotética à mera possibilidade de reiteração de infrações penais, sem nenhum dado concreto que lhe dê amparo, não pode servir de supedâneo à prisão preventiva. Precedente. 3. A vedação da concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo artigo 44 da lei n. 11.343/06, consubstancia afronta escancarada aos princípios da presunção da inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana [arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII, da CB/88]. Daí a necessidade de adequação desses princípios à norma veiculada no artigo 5º, inciso XLII, da CB/88. 4. A inafiançabilidade, por si só, não pode e não deve constituir-se em causa impeditiva da liberdade provisória. 5. Não há antinomia na Constituição do Brasil. Se a regra nela estabelecida, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade, sendo a prisão a exceção, existiria conflito de normas se o artigo 5º, inciso XLII estabelecesse expressamente, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória. Nessa hipótese, o conflito dar-se-ia, sem dúvida, com os princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência, da ampla e do devido processo legal. 6. É inadmissível, ante tais garantias constitucionais, possa alguém ser compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal. A inconstitucionalidade do preceito legal me parece inquestionável. Ordem concedida a fim de

129

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Atualização do Processo Penal: Lei nº 12.403, de 05 de maio de 2011, adendo ao Curso de Processo Penal. 14ª ed Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 60.

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que a paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória130. (grifei)

Nessa senda, Aury Lopes Jr., destaca ser inadmissível no nosso

ordenamento jurídico a manutenção da segregação do indivíduo apenas por tratar-

se de crime inafiançável, visto que o sistema cautelar possui diversas alternativas

para proteção de perigo, inexistindo a possibilidade de qualquer forma de execução

antecipada da pena eventualmente imposta131.

Ainda, no sentido da admissibilidade da concessão de liberdade provisória

nos crimes hediondos e equiparados, colhe-se da jurisprudência do Superior

Tribunal de Justiça:

[...] 1. A prisão processual, assim entendida aquela que antecede o trânsito em julgado, só pode ser imposta se evidenciada sua rigorosa necessidade. [...] 4. A Sexta Turma desta Corte vem decidindo no sentido de que, com o advento da Lei nº 11.464/07, que alterou a redação do art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90, tornou-se possível a concessão de liberdade provisória aos crimes hediondos ou equiparados, nas hipóteses em que não estejam presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Os embargos de declaração não trouxeram, portanto, fundamentação capaz de impedir a concessão de liberdade ao paciente. 5. Ordem concedida com o intuito de revogar a prisão cautelar e assegurar ao paciente o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória132. (grifei)

João José Leal acredita que a inadmissibilidade da concessão de liberdade

provisória nos crimes hediondos ofende os princípios constitucionais da presunção

de inocência e do devido processo legal133.

Assim, observa-se afronta ao princípio da presunção de inocência, previsto

no artigo 5º, LVII da Carta Magna, ao passo que na elaboração da lei de crimes

hediondos este não foi devidamente observado, tendo em vista que ao negar a

130

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 97579, Rel. Min. Ellen Grace. Órgão Julgador: Segunda Turma, julgamento: 02/02/2010. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp.> Acesso em 10 de outubro de 2011. 131

LOPES JUNIOR, Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Cautelares Diversas: Lei 12.403/2011. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 161. 132

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 199.907/ES, Rel. Min. Og Fernandes

Julgamento: 03/08/2011. Órgão Julgador: Sexta Turma. Disponível em

< http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp>. Acesso em 10 de outubro de 2011. 133

LEAL, João Jose. Crimes Hediondos: A lei 8.072/90 como expressão do direito penal da severidade. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 196.

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liberdade provisória ao autor de crime hediondo preso em flagrante delito se está

estabelecendo uma presunção de culpa134.

Corroborando com este entendimento Leal cita Alberto Silva Franco quando

este diz135:

[...] toda medida cautelar que implique, sem a verificação de sua necessariedade, a obrigatoriedade da prisão e a inadmissibilidade da concessão de liberdade provisória, lesa o princípio fundamental da presunção de inocência “na medida em que, em desarmonia com a Constituição Federal aplica uma pena de caráter aflitivo e iguala acusado a culpado”

No que diz respeito a afronta ao princípio do devido processo legal Leal cita

Odone Sanguiné no momento em que este disserta que “a proibição de concessão

de liberdade provisória transforma-se numa espécie de privação de liberdade

obrigatória, o que vale a uma pena infligida antecipadamente, sem o prévio e regular

processo e julgamento”136.

Constata-se que as decisões que se posicionam no sentido de vedação da

liberdade provisória apenas com base no disposto no artigo 2º, II da Lei 8.072/90

afrontam alguns princípios constitucionais, tais como a da presunção de inocência,

do devido processo legal e o da dignidade da pessoa humana, vez que apenas pode

ser mantida a segregação do acusado caso restam presentes os requisitos

estabelecidos no artigo 312 e 313 do CPP, requisitos estes autorizadores da prisão

preventiva.

Nesse norte colhe-se da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

A regra estabelecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de modo que, a admitir-se que o artigo 5º, inciso XLIII estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre normas estaria instalado. 4. A inafiançabilidade não pode e não devem ser considerados os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal constituir causa impeditiva da liberdade provisória. 5. Não se nega a acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade aferível pelos malefícios

134

LEAL, João Jose. Crimes Hediondos: A lei 8.072/90 como expressão do direito penal da severidade. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 196. 135

FRANCO, Alberto Silva, apud, LEAL, João Jose. Crimes Hediondos: A lei 8.072/90 como expressão do direito penal da severidade. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 197. 136

SANGUINÉ, Odone, apud, LEAL, João Jose. Crimes Hediondos: A lei 8.072/90 como expressão do direito penal da severidade. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, p. 197.

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provocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a danos concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no ordenamento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em situações marcadas pela demonstração cabal da necessidade da segregação ante tempus. Impõe-se, porém ao Juiz o dever de explicitar as razões pelas quais alguém deva ser preso ou mantido preso cautelarmente. 6. Situação de flagrante constrangimento ilegal a ensejar exceção à Súmula n. 691/STF. Ordem concedida a fim de que o paciente seja posto em liberdade, se por al não estiver preso137.

Vislumbra-se que nas decisões mais recentes dos tribunais vem adotando-

se a possibilidade de concessão de liberdade provisória nos crimes hediondos aos

casos concretos onde há a ausência dos pressupostos autorizadores da prisão

preventiva, respeitando-se dessa forma o que preceitua a nossa Constituição

Federal com relação aos princípios da presunção de inocência, do devido processo

e da dignidade da pessoa humana.

3.4 Da impossibilidade de concessão de liberdade provisória nos

crimes hediondos

O entendimento acima exposto acerca da possibilidade de concessão de

liberdade provisória nos crimes hediondos não é pacífico nos tribunais superiores,

existindo majoritariamente decisões no sentido de que inobstante a alteração trazia

pela Lei nº 11.464/2007, os crimes hediondos e os equiparados continuam sendo

insuscetíveis de liberdade provisória com ou sem a prestação de fiança.

Como bem já foi dito a lei de crimes hediondos vedava em seu artigo 2º a

concessão de fiança e de liberdade provisória aos crimes hediondos e aos

equiparados, porém com o advento da Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007, do

referido inciso suprimiu-se a expressão liberdade provisória, fazendo com que

muitos sigam o entendimento de que é possível a concessão da liberdade provisória,

sem fiança, aos crimes hediondos e equiparados.

137

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 100745 / SC, Rel. Min. EROS GRAU. Julgamento: 09/03/2010 Órgão Julgador: Segunda Turma. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em 15 de outubro de 2011.

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Em relação à fiança, a Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XLII e a

Lei nº 8.072/90, em seu artigo 2º, II, definiram os crimes hediondos e os equiparados

inafiançáveis. Encontram-se dispostas no artigo 323 do Código de Processo Penal

os fatores impeditivos de concessão de fiança, amoldando-se os crimes hediondos a

uma ou outra hipótese ali prevista, inviabilizando a estipulação de fiança aos

tipificados crimes hediondos138.

Porém, segundo entendimento da primeira Turma do STF, a retirada da

expressão “liberdade provisória”, limitou-se apenas a uma alteração textual, visto

que ao vedar a concessão de fiança, consequentemente, se esta vedando a

concessão da liberdade provisória, nesse ínterim extrai-se da jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal:

Habeas Corpus. Prisão em flagrante por tráfico de drogas. Liberdade Provisória: Inadmissibilidade. Ordem denegada. 1. A proibição de liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e equiparados, decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição da República à legislação ordinária (Constituição da República, art. 5º, inc. XLIII): Precedentes. O art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90 atendeu o comando constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Inconstitucional seria a legislação ordinária que dispusesse diversamente, tendo como afiançáveis delitos que a Constituição da República determina sejam inafiançáveis. Desnecessidade de se reconhecer a inconstitucionalidade da Lei n. 11.464/07, que, ao retirar a expressão 'e liberdade provisória' do art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/90, limitou-se a uma alteração textual: a proibição da liberdade provisória decorre da vedação da fiança, não da expressão suprimida, a qual, segundo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, constituía redundância. Mera alteração textual, sem modificação da norma proibitiva de concessão da liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados, que continua vedada aos presos em flagrante por quaisquer daqueles delitos139.

Observa-se do presente julgado que a vedação da concessão desse

benefício decorre da própria inafiançabilidade prevista na Constituição Federal a

vedação de liberdade provisória. O inciso II do artigo 2º da Lei n. 8.072/90 obedeceu

138

SILVA, José Geraldo da; BONINI, Paulo Rogério; LAVORENTI, Wilson. Leis Penais Especiais Anotadas. 11. ed.São Paulo: Millennium, 2010, p.216. 139

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n. 98548/SC. Rel. Min. Cármen Lúcia. Órgão Julgador: Primeira Turma. Julgamento: 24/11/2009. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em 15 de outubro de 2011.

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ao comando constitucional ao considerar os crimes hediondos e os equiparados

inafiançáveis. Seria inconstitucional caso a lei ordinária dispusesse contrariamente

ao que preceitua a Constituição, considerando afiançáveis aqueles delitos a que a

Constituição impôs a inafiançabilidade. Assevera-se que vedação da concessão de

liberdade provisória decorre da proibição da fiança e não da expressão suprimida da

legislação ordinária.

Rogério Sanches Cunha140 sobre este entendimento alerta duas razões

pelas quais esse entendimento não é o mais apropriado. Primeiro porque o instituto

da liberdade provisória não se confunde com o instituto da fiança, exemplificando

que muitas vezes o imputado recebe o benefício da liberdade provisória sem fiança,

e que se assim não fosse seria inviável conceder uma sem a outra. Segundo porque

o inciso ao tratar de medida privativa de direito deve ser interpretado de forma

restritiva, não permitindo interpretações implícitas.

Ainda no que tange a proibição da concessão de liberdade provisória nos

crimes hediondos alguns acreditam que esta decorre da própria inafiançabilidade

prevista na Constituição da República, a qual dispõe no inciso XLIII do artigo 5º, que:

a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

Corroborando e reafirmando o que preceitua a Carta Magna o inciso II do

artigo 2º da Lei nº 8.072/90 considera os crimes hediondos inafiançáveis.

Nesse diapasão colhe-se da jurisprudência Supremo Tribunal Federal:

Processual Penal. Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário. Homicídio Qualificado. Crime Hediondo. Prisão em flagrante. Liberdade Provisória. Vedação imposta pela Constituição Federal. Excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal. Superveniência de sentença condenatória. Prejudicialidade. Ordem denegada. 1. O inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal estabelece que os crimes definidos como hediondos constituem crimes inafiançáveis. Não sendo possível a concessão de liberdade provisória com fiança, com maior razão é a não-concessão de liberdade provisória sem fiança. 2. A Terceira Seção do Superior

140

GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches. Legislação Criminal Especial. 2. ed.rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 512.

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Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a vedação ao deferimento de liberdade provisória aos crimes hediondos decorre do texto constitucional (HC 76.779/MT, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 4/4/08). [...] 4. Ordem denegada141.

Mostra-se sem sentido o entendimento de que a supressão da expressão

liberdade provisória do texto da Lei n. 11.464/07 autoriza a concessão da liberdade

provisória, ao passo que é incoerente que o artigo 5º da Carta Magna proíba a

concessão de liberdade provisória com fiança e uma norma infranconstitucional

permita a concessão da liberdade sem fiança142.

Nessa senda o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo:

Habeas Corpus. Processual Penal. Crime de Latrocínio e extorsão mediante seqüestro. Prisão em flagrante delito. Decisão indeferitória de liberdade provisória. Vedação expressa da concessão do benefício na lei dos crimes hediondos. Precedentes do STF e do STJ. [...] 2. A vedação contida no art. 2.º, inciso II, da Lei n.º 8.072/90, sobre a negativa de concessão de fiança e de liberdade provisória aos acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados, não contraria a ordem constitucional, pelo contrário, deriva do próprio texto constitucional (art. 5.º, inciso XLIII), que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais. 3. A negativa do benefício da liberdade provisória encontra amparo, também, no art. 5.º, inciso LXVI, da Constituição Federal, que somente assegurou aos presos em flagrante delito a indigitada benesse quando a lei ordinária a admitir ou por decisão fundamentada do magistrado condutor do processo (art. 2.º, § 2.º, da Lei n.º 8.072/90). [...]5. Writ parcialmente conhecido e, nessa extensão, a denegado143.

Denota-se da análise das jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça

acerca da possibilidade da liberdade provisória nos crimes hediondos, que a Quinta

Turma vem adotando o posicionamento de que é inadmissível a concessão de tal

benefício, por sua vez a Sexta Turma segue o entendimento é imprescindível que se

141

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n. 117.711. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. Órgão Julgador: Quinta Turma. Julgamento: 13/10/2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em 15 de outubro de 2011. 142

SILVA, José Geraldo da; BONINI, Paulo Rogério; LAVORENTI, Wilson. Leis Penais Especiais Anotadas. 11.ed.São Paulo: Millennium, 2010, p. 216/217. 143

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 146108/SP. Rel. Min. Laurita Vaz. Órgão Julgador: Quinta Turma. Julgamento: 06/10/2011. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp>. Acesso em 15 de outubro de 2011.

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demonstre, com base no caso concreto, a necessidade de segregação, com base

nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.

O Superior Tribunal de Justiça tem adotado o entendimento quanto a

proibição da concessão de liberdade provisória nos crimes hediondos e

assemelhado, baseando esse entendimento no art. 5º, inciso XLIII, da CFRB, que

proíbe a concessão de fiança para crimes hediondos e assemelhados (tortura,

tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo), não havendo dessa

maneira razões para que se possa questionar a liberdade provisória.

Os julgadores acreditam ser inviável a concessão de liberdade provisória,

visto que conforme o art. 5º, XLIII da Constituição os crimes hediondos são

insuscetíveis de fiança, assim também não há que se falar na possibilidade de

concessão da liberdade provisória sem fiança. Afirmam de forma reiterada que a

supressão da expressão “liberdade provisória” do inciso II, do artigo 2º da Lei dos

Crimes Hediondos, trata-se apenas de uma alteração textual, a qual não significa

que a concessão da liberdade provisória é admissível.

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CONCLUSÃO

Como visto a presente monografia tratou de analisar um tema polêmico e

controverso relacionado à possibilidade ou não da concessão de liberdade provisória

nos crimes hediondos previstos na Lei nº 8.072/90.

A Constituição da República Federativa do Brasil dispensou tratamento

diferenciado aos crimes hediondos, entre eles a vedação a fiança. Porém, a

Constituição deixou a cargo da legislação estabelecer quais os crimes seriam

considerados hediondos. O legislador utilizou-se do critério legal para estabelecer os

crimes hediondos, não ficando a cargo de o magistrado decidir se o crime é ou não

hediondo. Assim, apenas os crimes elencados no artigo 1º da legislação hedionda

têm presunção absoluta de hediondez.

Infere-se que o processo penal, sobretudo no que diz respeito a liberdade

provisória, deve ser analisado e aplicado conforme o que preceitua a Constituição

Federal de 1988, devendo-se observar atentamente aos princípios constitucionais

norteadores do processo penal.

A Lei 11.464/07 trouxe significativas mudanças ao texto legal da Lei dos

Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), entre elas, excluiu do artigo 2º a expressão

“liberdade provisória”, porém permaneceu com a vedação à fiança.

A partir dessa alteração, há entendimentos doutrinários e jurisprudenciais

sustentando de que diante da supressão da expressão “liberdade provisória” tornou-

se possível a concessão da liberdade provisória, sem fiança, aos crimes hediondos,

nos casos em que não estejam presentes os requisitos autorizadores da prisão

preventiva, previstos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. Tal

entendimento funda-se na ideia de que se a lei veda apenas a concessão da fiança

não se pode interpretar de forma extensiva de que o desejo implícito do legislador

era proibir a concessão da liberdade com fiança e sem fiança, por se tratar essa

última de uma modalidade menos gravosa.

Porém, esse entendimento não é pacífico, visto que muitos acreditam que a

supressão da expressão “liberdade provisória”, não passou de mera alteração

textual, sendo dessa forma inadmissível a concessão de liberdade provisória nos

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crimes hediondos. Mostrando-se tal entendimento ser sem sentido, ao passo que a

Constituição Federal proíba a concessão de tal benesse com fiança e uma norma

constitucional disponha o contrário, permitindo a concessão sem fiança. Muitos

acreditam ainda ser inviável a concessão de liberdade provisória, ao passo que de

acordo com o previsto no inciso XLIII, artigo 5º da Constituição Federal os crimes

hediondos são insuscetíveis de fiança, dessa maneira também não há que se falar

em admissibilidade da concessão da liberdade provisória sem fiança.

Denota-se que o entendimento de que é inadmissível a concessão de

liberdade provisória nos crimes hediondos sob a fundamentação de que a supressão

não passou de mera alteração do texto legal, não é o mais adequado, posto que não

podemos confundir o instituto da liberdade provisória com o instituto da fiança, visto

que o objetivo da fiança é, nos casos em que sobrevenha condenação, assegurar o

pagamento das custas, do dano e de eventual pena de multa imposta, enquanto que

o objetivo da liberdade provisória é garantir ao acusado que este não seja preso

enquanto perdurar a instrução criminal.

De todo o exposto, parece mais adequado o entendimento adotado quanto à

possibilidade de concessão da liberdade provisória nos crimes hediondos, muito

embora a redação do artigo 2º da Lei 8.072/90 veda a fiança, tal benefício poderá

ser concedido ao imputado nos casos em que houver ausência dos requisitos legais

da prisão preventiva (arts. 312 e 313 do CPP), sendo dessa maneira devidamente

respeitados os princípios constitucionais do devido processo legal, da presunção de

inocência e da dignidade da pessoa humana.

Assevera-se ainda, que os crimes hediondos, conforme disposto no artigo

2º, II da Lei nº 8072/90, são insuscetíveis de fiança, porém nada proíbe que o

magistrado, quando da análise do auto de prisão em flagrante, conceda a liberdade

provisória, nos casos em que não couber a decretação de preventiva, ao imputado

vinculada a alguma das medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de

Processo Penal.

Destaca-se, por fim, que a inafiançabilidade dos delitos veda apenas a

concessão da liberdade provisória com fiança, entretanto não veda a concessão

desse benefício vinculado a medidas cautelares diversas da prisão, as quais em

algumas situações poderão ser mais gravosas do que o próprio pagamento da

fiança.

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