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8/6/2019 Imprensa amazonense no incio do sculo XX: aportes para um estudo das intersees entre literatura e periodismo
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Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoX Congresso de Cincias da Comunicao na Regio Norte Boa Vista RR 1 a 3 de junho 2011
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Imprensa amazonense no incio do sculo XX: aportes para um estudo das
intersees entre literatura e periodismo1
Luiza Elayne AZEVEDO2Gilmar Simo CORREIA3
Rosiel do Nascimento MENDONA4
Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM
Resumo
Uma vez que estudar a histria da imprensa compreender uma parte da prpriadinmica da sociedade, este artigo tem o objetivo de propor discusses tericas iniciaisque sirvam de aporte para o desenvolvimento da pesquisa Literatura e informao naimprensa amazonense do incio do sculo XX , que vai analisar folhas da imprensa doAmazonas que veiculavam contedos literrios e noticiosos. As publicaes a seremanalisadas so: O Atheniense (1907), O Vesvio (1909) e O Combate (1915).
Palavras-chave: histria da imprensa; Amazonas; literatura, periodismo.
Introduo
Este artigo a parte inicial do projeto de pesquisa que se prope investigar a imprensa
amazonense do incio do sculo XX, atravs da anlise de jornais que circularam em
Manaus nesse perodo especfico e que tinham como proposta editorial a veiculao de
contedos literrios e noticiosos.
De modo a privilegiar a discusso dos aspectos essenciais formao de umpanorama histrico e contextualizado da imprensa amazonense nas dcadas iniciais do
sculo XX (e nos anos imediatamente anteriores), optou-se por dividir o estudo em duas
partes: esta primeira, que a priori vai revisar temas importantes para o desenvolvimento
terico da pesquisa, e uma segunda (a ser publicada), focada nas anlises a posteriori do
material colhido junto aos acervos hemerogrficos do Laboratrio de Histria da
Imprensa do Amazonas (LHIA) e do Museu Amaznico.
Ao pesquisador da Comunicao que pretende fazer uma abordagem histrica
em seu trabalho, Romancini (2007) recomenda que exponha com mxima clareza a
1 Trabalho apresentado no IJ 1 Jornalismo do X Congresso de Cincias da Comunicao na Regio Norte realizadode 1 a 3 de junho de 2011.2 Doutora em Cincias Ambientais, professora do Departamento de Comunicao Social da UFAM e lder do Grupode Estudos e Pesquisas em Comunicao Social (GEPECS), email: [email protected] de Graduao 3. semestre do Curso de Comunicao Social Relaes Pblicas da UFAM, bolsista doPET de Comunicao e colaborador do GEPECS, email: [email protected]. 4 Estudante de Graduao 7. semestre do Curso de Comunicao Social - Jornalismo da UFAM, egresso do PET deComunicao e colaborador do GEPECS, email: [email protected].
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origem das suas fontes, possibilitando, a quem julgar necessrio, consultas posteriores.
Diante disto, julgamos como necessidade premente a definio do fator gerador da
nossa pesquisa, ou a problemtica construda para o estudo (ROMANCINI, 2007, p.
40).
A pesquisa surge do contato inicial com a obra Cem anos de Imprensa noAmazonas (1851-1950) , editada em 1990, fruto do projeto coordenado pelo Prof Jos
Ribamar Bessa Freire, que em 1978, junto a uma equipe de alunos da ento
Universidade do Amazonas (UA), deu incio catalogao dos jornais publicados no
Amazonas no perodo de um sculo. J naquela poca se sentia as dificuldades de
interpretao da histria da imprensa amazonense a partir desse material, devido
principalmente precariedade dos instrumentos de pesquisa, quer seja pela dificuldade
de acesso aos acervos, quer seja pelo pssimo estado de conservao dos mesmos
situao no muito diferente da encontrada hoje.Em meio a informaes de periodicidade, formato, e expediente, ao longo da
obra v-se surgir frequentemente referncias a folhas que traziam no subttulo
expresses como orgam noticioso, literrio e crtico , jornal noticioso, literrio e
poltico ou peridico noticioso e literrio , entre outras variantes. O subttulo, como
se depreende, revela muito do que os redatores pretendiam com a publicao, ou seja,
era a expresso da sua linha editorial. A ocorrncia de peridicos que publicavam
contedo noticioso e literrio acabou por suscitar questionamentos: de que forma se
trabalhava esses dois tipos de informao na poca? O que justificava a existncia de
jornais de notcia e literatura? Que importncia esses contedos tinham no contexto da
sociedade amazonense do incio do sculo XX?
A partir dessas instigaes, que contriburam para a delimitao dos objetivos da
pesquisa, foram pr-selecionadas trs folhas para anlise, obedecendo principalmente ao
critrio de acessibilidade para consulta: O Atheniense (1907), O Vesvio (1909) e O
Combate (1915).
O lugar da Imprensa na Histria
A Comunicao, atravs das particularidades da imprensa e dos diferentes tipos de
mdia, constitui-se hoje como um legtimo campo de interseo com a pesquisa de
cunho histrico. Lene (2010) acena com uma explicao para esse relacionamento
profcuo entre imprensa e Histria: se, por um lado, a Histria pode mostrar as
diferenas entre o que foi e o que , o jornal impresso, e os meios de comunicao em
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geral, concorreram para o delineamento de um modelo de sociabilidade compartilhado
ainda hoje. Portanto, apesar da consolidao de um paradigma digital como o que temos
vivenciado nos ltimos anos, e apesar da ameaa lanada por esse paradigma contra
os formatos miditicos tradicionais, a autora acredita que os jornais impressos tm se
convertido cada vez mais em lugares de memria, verdadeiros redutos da histria social.Por esse motivo, debruar-se sobre folhas de jornal muitas vezes uma
necessidade que se impe ao pesquisador, quer seja da Histria ou da Comunicao,
uma vez que a mdia tem a capacidade de centralizar os fatos, acontecimentos e
discursos que esto/estiveram em curso na sociedade, tornando-se, portanto, importantes
fontes de informao e consulta no processo de (re)construo da Histria.
De acordo com Lene (2010), a mdia trabalha quotidianamente com a dialtica
fundamental da memria, lembrana e esquecimento (p. 5), diagnstico que se reflete
no escopo da teoria comunicacional do agendamento, ou seja, do poder que a mdia temde pautar os assuntos do dia e, consequentemente, pautar a sociedade. A partir da,
pode-se atribuir imprensa um papel legitimador, na medida em que ela confere maior
ou menor importncia a um determinado assunto ou debate.
Nesse sentido, Ribeiro acrescenta que
o resgate do jornalismo como fonte histrica deve-se mudanado estatuto do fato histrico. Quando se admite que ele produzidoe no dado, o mais importante deixa de ser o fato em si e passa aser a forma pela qual os sujeitos tomam conscincia dele e o
relatam, assumindo certas posies (apud LENE, 2010, p. 9).
Para Romancini (2007), essa condio faz com que os jornalistas tenham, por vezes,
papel importante e ao mesmo tempo polmico na elaborao da chamada histria
imediata (p. 24).
Pelo fato de revelar dimenses do vivido, que se manifestam a partir de sua
forma e de seu contedo (LENE, 2010, p. 8) que a imprensa se configura como um
suporte importante s pesquisas documentais, podendo transparecer diversos aspectos
culturais de uma sociedade, a partir de um determinado recorte histrico.
Abelle poque chega aos Trpicos
No perodo de 1890 a 1910, Manaus, capital do Amazonas, viveu um intenso
desenvolvimento econmico proporcionado pela produo gumfera, ento um produto
cuja demanda era internacional e que alimentou durante certo tempo a indstria de
automveis norte-americana. O ciclo da borracha marcou o incio de um processo
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acelerado de urbanizao e crescimento demogrfico no Amazonas, bem como de uma
srie de transformaes na esfera sociocultural.
Diante dessa situao econmica promissora, a principal preocupao do poder
pblico da poca de transio entre os sculos XIX e XX passou a ser a adequao do
espao urbano ao projeto de desenvolvimento capitalista imposto pelo ciclo da borracha.At ento, a imagem que se tinha de Manaus estava cristalizada nos relatos dos
viajantes e intelectuais que haviam passado pela regio amaznica nas dcadas
anteriores: um lugarejo tacanho sem maiores pretenses de sofisticao (DIAS, 2007).
O Amazonas j era uma Provncia do Imprio autnoma desde 1850, e o boom
da borracha coincidiu com a Proclamao da Repblica, em 1889, quando a antiga
Provncia foi elevada categoria de Estado da Federao. A partir da, com o objetivo
de reorganizar a cidade de Manaus e deix-la aparentemente mais receptiva entrada do
capital internacional, empreendeu-se uma srie de reformas estruturais no espaourbano e de embelezamento de ruas e edifcios que marcaram a belle poque
amazonense, especialmente durante o governo de Eduardo Ribeiro. Sobe a belle poque
paulistana, Cruz (2000) afirma:
novas formas de sociabilidade pareciam se impor, jornais erevistas projetavam sobre a cidade as demandas de diferentesgrupos sociais e davam visibilidade a um processo acelerado deocupao/inveno dos espaos pblicos da metrpole emformao (p. 20).
Em Manaus, construes como o Teatro Amazonas, no mbito cultural, e o
Palcio da Justia, no mbito da afirmao dos poderes institudos, figuram como cones
desse perodo ureo. No foi por menos que a cidade passou a ser conhecida como a
Paris dos Trpicos. Conforme salienta Souza (2008), criou-se um clima de excessiva
alegria e vitalidade consumidora .
Dessa forma, o Estado comeou a interferir na dinmica da cidade na tentativa
de adequar os costumes dos seus habitantes aos padres de uma elite estrangeira que
fazia girar a economia local. Assim, foram sendo editadas vrias normas de condutacomo o Cdigo de Posturas Municipal e o Regulamento para Veculos na Capital. Alm
disso, havia a preocupao por parte das autoridades com a questo sanitria, o que
proporcionou a organizao da coleta de lixo na cidade e o incio da construo de uma
rede de esgotos.
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estruturao colonial (PINHEIRO, 2001, p. 30). Esse conjunto de fatores contribuiu
para que, inicialmente, o domnio da leitura e escrita ficasse restrito a uma elite branca.
Na poca em que ainda era uma comarca ligada ao Gro-Par, a realidade da
educao no Amazonas j no era das melhores; mas foi principalmente aps a sua
elevao categoria de Provncia, em 1850, com o incio da hegemonia da lnguaportuguesa, que as autoridades locais passaram a se empenhar com maior afinco na
estruturao de um sistema de instruo pblica que acompanhasse os avanos
educacionais empreendidos nacionalmente. A instruo pblica passou a ser o caminho
para a insero da populao local (mo-de-obra adaptada ) no seio da sociedade.
Apesar da criao de escolas e educandrios na capital e no interior, o estado
contava com poucos professores qualificados que pudessem ensinar as primeiras letras
aos habitantes. De acordo com o recenseamento geral da Repblica de 1890 (DIAS,
2007), Manaus possua 38.720 habitantes, dos quais 30.910 no sabiam ler e escrever, oequivalente a 79,82% da populao.
Alm disso, o projeto educacional desenvolvido na Provncia foi de negao da
cultura indgena e de combate ao cio, restringindo-se a uma espcie de adestramento
que s contribua para o perpetuamento das relaes coloniais de subordinao.
Segundo Pinheiro (2001), na base do insucesso educacional da Provncia est o imenso
fosso cultural que separava os diversos povos indgenas do mundo hierarquizado,
impositivo e violento dos colonos brancos (p. 35).
Outro obstculo no processo de escolarizao formal dos colonos era a sua forte
tradio de oralidade herdada das culturas indgenas e nordestinas (j nas ltimas
dcadas do sculo XIX). Nesse sentido, o Nheengatu, a lngua geral, contribuiu para o
fortalecimento de um sistema comunicativo todo baseado na linguagem falada.
Pinheiro (2001) registra que a partir de 1870 houve uma tendncia de aumento
da populao letrada e, consequentemente, do pblico leitor como reflexo do
surgimento das primeiras instituies ligadas s prticas da leitura. Exemplo disso est
na lei que em 1871 criou em Manaus uma sala de leitura com acervo de cerca de 1.200
livros. A partir da foram surgindo outras iniciativas individuais e coletivas no sentido
de disseminar o hbito da leitura entre os amazonenses. Mas o primeiro grande cone da
cultura letrada na Provncia s viria a surgir em 1883, com a inaugurao da Biblioteca
Pblica, de acervo superior a 5.000 volumes e mais de cem visitas ms. A respeito
disso, Monteiro (1976) salienta: certamente que veio abrir considervel oportunidade
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de expanso s tendncias intelectivas tristemente inativas, despertar vocaes
caboclas, apoiar inclinaes manifestadas... (p. 32).
Essas transformaes culturais j so resultado do novo momento vivido na
sociedade amazonense de ento, com o crescimento da economia impulsionado pela
exportao da borracha, o que Monteiro (1976) caracteriza como um dos cicloseconmicos influitivos na cultura e literatura pelos quais o Amazonas passou.
Apesar de nessa poca o Estado carecer de casas tipogrficas e profissionais
especializados no ofcio da impresso, Pinheiro (2001) entende que o surgimento da
imprensa no Amazonas foi o principal instrumento de difuso e dinamizao da cultura
letrada no contexto regional (p. 50), tendo mantido uma relao peculiar com a
tradio de oralidade que at ento dominava as formas de comunicao locais:
Desta forma, menos que destruda e alijada pela introduo daescrita, a oralidade, mesmo que questionada e pressionada pela culturaletrada, tende a se manter viva e atuante, se infiltrando em todos osespaos do social, inclusive no interior da prpria escrita, que muitasvezes teve que lhe fazer concesses para poder se legitimar no interiorde tais contextos (p. 55).
Partindo desse pressuposto, tem-se que a rpida expanso da imprensa no
contexto amaznico, j nas dcadas finais do sculo XIX, se deve em certa medida pela
insero que a cultura letrada empreendeu pelo universo da oralidade amaznica,
abrindo caminho para a proliferao e utilizao de novas linguagens na imprensa,
como o humor e a charge.
Imprensa no Amazonas
Por meio da sua tese de doutoramento em Histria intitulada Folhas do Norte ,
Pinheiro (2001) nos fornece uma ampla viso dos perodos iniciais da imprensa no
Amazonas. A autora afirma que o processo de editorao jornalstica no Estado ganhou
impulso na virada do sculo XIX para o XX, num momento de efervescncia cultural
partilhada com outras regies do pas. Dados de levantamento iniciado por Faria e
Souza revelam que em 1890, fase inicial do ciclo da borracha, 8 jornais eram editados
no Amazonas, enquanto que em 1901 esse nmero havia saltado para 26.
No entanto, o surgimento da imprensa no Amazonas remonta ao ano de 1851,
aps a criao da Provncia em 5 de setembro do ano anterior. O Cinco de Setembro5 foi
5 Seu primeiro nmero circulou a 3 de maio de 1851, tendo por diretor proprietrio o tenente Manoel daSilva Ramos, tipgrafo, natural do Par, que foi convidado por Tenreiro Aranha [primeiro presidente da
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a primeira folha a entrar em circulao, tendo seu nome alterado posteriormente para
Estrella do Amazonas6. A linha editorial desta primeira publicao era marcada por um
tom oficial, em conformidade com o discurso da nova cpula administrativa e poltica
que aqui se tinha instalado o jornalismo ulico de Freire (1990). Quase trinta anos
antes, O Paraense (1822) havia sido o primeiro jornal editado e impresso em Belm,por iniciativa de Felipe Patroni. Em direo oposta ao Cinco de Setembro, este
peridico apresentava um discurso crtico e revolucionrio fortemente influenciado pelo
movimento vintista portugus (FERNANDES, 2010).
At ento, as principais dificuldades que vinham emperrando o surgimento da
produo peridica no Amazonas eram de ordem estrutural e tcnica: de um lado, havia
o isolamento geogrfico e a baixa escolarizao servindo como obstculo para a
consolidao da lngua portuguesa; de outro, a escassez de mo-de-obra especializada
no trabalho grfico, a falta de equipamentos e de matrias-primas, que eram reflexodireto de uma economia local inexpressiva.
Portanto, em um contexto socioeconmico em que o livro era tido como artigo
de importao, a criao do Cinco de Setembro assinalou para o surgimento de
inmeros outros peridicos, conforme atesta Pinheiro (2001):
o nvel tcnico relativamente mais modesto dos processos deeditorao animaram pequenos grupos letrados a se lanarem na arena jornalstica [...] o grosso da publicao peridica amazonense aindarecaa sobre as pequenas folhas algo improvisadas (p. 62).
Na tentativa de sistematizar esse processo, a autora identifica trs momentos-chave no
desenvolvimento da imprensa amazonense:
O momento embrionrio (1851-1880), que compreende os trinta primeirosanos aps o surgimento do Cinco de Setembro. Nesse perodo, 46 folhas
entraram em circulao, apesar da m qualidade grfica e de outros fatores
que contribuam para sua efemeridade;
O boom do periodismo, a partir de 1880, em que se buscou ampliar aqualidade das publicaes, havendo ampla adeso de grupos de intelectuais
Provncia] para montar a primeira oficina tipogrfica de Manaus... Aps 8 meses de circulao [...]mudou o nome paraEstrella do Amazonas (FREIRE, 1990, p. 57).6 Divulga atos administrativos do Imprio e do governo local. Noticia acontecimentos da corte e dasprovncias. Publica avisos de leiles da Fazenda Provincial, alteraes contratuais de estabelecimentoscomerciais da cidade e vilas, e sobre o movimento do porto (FREIRE, 1990, p. 91).
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massa produtora dos jornais. Essas pessoas enxergavam na imprensa um
veculo propcio ao debate poltico, expresso e intercmbio de idias;
A retrao, a partir do incio da dcada de 1920, que coincidiu com a criseda economia gumfera. A essa altura, a imprensa havia passado por
profundas transformaes, com a consolidao do jornal enquanto estruturaempresarial, com grandes tiragens e custo elevado de produo.
Sodr (1999) salienta que a passagem do sculo [...] assinala, no Brasil, a
transio da pequena grande imprensa. Os pequenos jornais [...] cedem lugar s
empresas jornalsticas, com estrutura especifica, dotadas de equipamento grfico... (p.
275). De acordo com Pinheiro (2001), esse foi o momento em que a experimentao e
o amadorismo (grficos e editoriais) comeavam a ser confrontados seriamente por
uma gerao de jornalistas profissionais (p. 83). A historiadora registra que, por umaquesto de estilo, ao longo das duas primeiras dcadas do sculo XX, pelo fato de serem
adeptas de uma linguagem coloquial e por vezes debochada, as pequenas folhas
amazonenses passaram a enfrentar resistncia por parte de pessoas que defendiam um
jornalismo restrito norma culta da burguesia. Afinal,
no ambiente da metrpole em formao, a imprensa peridicaapresenta-se como foco fundamental de formulao, discusso earticulao de concepes... [Enquanto que] a pequena imprensa de
folhas e revistas aproxima o jornalismo do cotidiano da vida urbana(CRUZ, 2000, p. 71).
A seguir, apresentaremos as principais caractersticas que marcaram a imprensa
no Amazonas de outrora.
Peculiaridades da imprensa amazonense
Ao contrrio de Sodr (1999), que se utiliza de um recorte historiogrfico e cronolgico
para explicar a imprensa no Brasil, Freire (1990) delimita cinco grandes linhas do
periodismo nacional com base em diferentes concepes de jornalismo, mas comcaractersticas e linguagem comuns. Segundo ele, tem-se: o jornalismo ulico, o
panfletrio, o literrio, o poltico e o informativo, cada tipo dominando certo perodo da
Histria, mas coexistindo a certa altura com os demais em diversos formatos.
Conforme registra Freire (1990), em certos momentos, o desenvolvimento da
imprensa amazonense sofreu influncia dessas cinco grandes linhas, apesar das
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peculiaridades regionais. Portanto, como se viu anteriormente, a fase inicial do
periodismo no Amazonas corresponde ao jornalismo ulico (o que no impede o seu
aparecimento em outras pocas), dedicado publicao dos atos do governo da
Provncia e do Imprio. Nessa linha, publicaes de edio nica como Dr. Fileto Pires
(1897) e Silverio Jos Nery (1900) eram editadas em homenagem a autoridades efiguras pblicas.
Marcada por jornais anarco-sindicalistas e pasquins moralistas, a imprensa
panfletria se aproxima conceitualmente da imprensa operria na medida em que esses
tipos de publicao comearam a dar vazo a discursos alheios aos oficias,
reivindicaes trabalhistas e denncias sociais. Segundo Pinheiro (2001), o surgimento
de uma imprensa operria no Amazonas est amplamente relacionado ao aumento de
trabalhadores grficos em Manaus a partir do boom da imprensa no final do sculo XIX.
Na sociedade de ento, os grficos eram considerados, por suas habilidades de leitura eescrita inerentes ao ofcio, uma elite entre os trabalhadores, cujo trabalho era o mais
intelectual dos ofcios manuais (FERREIRA apud PINHEIRO, 2001, p. 131).
Exemplos de jornalismo operrio oriundos da classe grfica so o Gutenberg (1891) eA
Lucta Social (1914).
Implcita ou explicitamente, o jornalismo de cunho poltico j estava diludo
nessas publicaes. Exemplo disso era o alinhamento do Gutenberg (1891) ao discurso
republicano e sua defesa da educao pblica e laica. Alm disso, como registra
Pinheiro (2001), em pocas de crise poltica, os jornais oposicionistas eram presas
fceis da truculncia situacionista (p. 144). Alm desses, havia os jornais partidrios,
como O Socialista (1936), do Partido Socialista do Amazonas, e oDiario do Amazonas
(1873), do Partido Republicano Federal, destinados veiculao de posicionamentos
ideolgicos.
Freire (1990) tambm destaca a existncia de dois tipos de imprensa
caracterizados como jornalismo do interior e jornalismo das colnias estrangeiras,
apesar de em nenhum dos casos ter ocorrido, como ele salienta, inovaes na linguagem
ou a busca por uma produo informativa prxima s feies modernas do jornalismo.
Assim, no caso do jornalismo do interior, o seu desenvolvimento se deu nas sedes dos
municpios em cujas regies se concentravam a produo de borracha, como os rios
Acre, Juru, Madeira e Purus. Porm, tambm havia espao nessas folhas para
informaes de interesse da comunidade, como reivindicaes para as reas de sade,
educao e agricultura. Em se tratando das folhas produzidas no mbito das colnias
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estrangeiras, destacam-se as editadas por italianos, srio-libaneses, espanhis, ingleses e
portugueses, de forma a atender aos interesses dessas populaes estabelecidas na
Amaznia. Freire (1990) aponta que a maioria desses jornais era escrita nas lnguas de
origem.
Por sua vez, as folhas produzidas no mbito de escolas, liceus e centrosacadmicos, como o Ginsio Amazonense, refletiam a preocupao dos estudantes com
questes literrias e at polticas, no se restringindo aos assuntos de interesse local,
muitos deles tendo sido confeccionados de forma manuscrita (FREIRE, 1990). Essas
publicaes serviam como verdadeiros espaos de maturao intelectual de integrantes
da classe estudantil engajada que mais tarde viriam a figurar entre os grandes nomes da
sociedade amazonense, quer seja por sua contribuio poltica ou literria. Alm disso,
fazer jornal escolar passa a constituir um exerccio de aprimoramento das formas de
escrita (CRUZ, 2000, p. 99).Outra espcie de jornalismo bastante praticado no Amazonas foi o de natureza
diversional, nos quais temos: o escandaloso e bisbilhoteiro adepto da crtica de
costumes e at mesmo da fofoca, e o de linguagem humorstica, popular e debochada
que no deixou de ser notado por Pinheiro (2001). Em sua maioria, essas publicaes
eram assinadas por pseudnimos, uma atitude defensiva por parte dos seus redatores,
uma vez que em suas pginas se faziam crticas ferrenhas a figuras do cenrio poltico e
de reparties pblicas, alm de alfinetarem membros de famlias notrias de
Manaus. Esse tipo de imprensa vai atravessar todo o chamado perodo ureo da
borracha, convivendo lado a lado com o jornalismo poltico ou a imprensa de opinio...
(FREIRE, 1990, p. 20). Pinheiro (2001) assinala:
as folhas de humor distanciavam-se da linguagem mais formalizadados grandes jornais, trocando-a pelo discurso direto, objetivo ecoloquial. Parecendo falar a lngua do povo [...] o jornal de humorprojetava, no pblico leitor, uma imagem de independncia que ojornal empresa no conseguia consolidar... (p. 174).
Nesse tipo de imprensa destacam-se o uso de charges e caricaturas para retratarsituaes cotidianas ou exemplificar um determinado tema, sinais que indicam a
introduo da linguagem visual nas pginas dos jornais.
Imprensa: uma seara intelectual
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A exemplo de outras regies do Brasil e apesar de no se constituir a regra, foi
expressiva a presena de intelectuais, acadmicos e literatos no seio da produo
jornalstica amazonense. Como salienta Pinheiro (2001), foi nas pginas da imprensa
local que a intelectualidade amazonense da virada do sculo ganhou visibilidade e
respeitabilidade no interior da sociedade local (p. 99), uma vez que, ao contrrio dolivro, artigo de pouca acessibilidade poca, o jornal conseguia atingir um pblico mais
amplo.
Porm, mesmo com a consolidao da cultura letrada e o progresso da economia
da borracha, os integrantes dessas elites intelectuais, escritores e poetas frequentemente
se queixavam do marasmo esterilizante da provncia . Alm disso, o fato de a
produo intelectual amazonense do incio do sculo XX ter se dado principalmente nas
folhas dos jornais era, para autores como Pricles Moraes, a causa da pouca projeo
dos intelectuais do Amazonas no cenrio nacional. Conforme averigua Pinheiro (2001),nas antologias produzidas sobre o perodo, comum que seus autores lamentem o fato
de a produo literria de seus biografados ter ficado dispersa ou perdida nas pginas
da imprensa local (p. 113). Monteiro acrescenta que
a grande maioria dos letrados deixou, pelos jornais, suficiente cpiade material para uma avaliao mais justa. No somente romances emfolhetins, mas artigos de crtica literria e teatral, polmicasestrondosas, desaforos, picuinhas, anedotas... (apud PINHEIRO,2001, p. 114).
Apesar desses fatores, os intelectuais amazonenses procuravam se articular
internamente, quer seja atravs da criao de pequenos ncleos de produo e discusso
literria (muitas vezes motivo de divergncias e desentendimentos que tambm
ganhavam seu lugar na imprensa), quer seja por meio da organizao de saraus ou
conferncias que traziam para Manaus expoentes da literatura nacional, uma forma de
intercambiar produes e referncias e de manter contato com o que estava sendo feito
nos grandes centros culturais como Rio de Janeiro e So Paulo. Pode-se dizer que o
pice dessas articulaes culminou com a criao da Academia Amazonense de Letras,em 1918.
Imprensa e literatura
interessante notarmos a proximidade que a imprensa de um modo geral manteve com
a literatura em determinados perodos da Histria, criando novas narrativas e
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modificando as relaes entre produtor e produto. A esse respeito, Romero diria: no
Brasil, mais ainda do que noutros pases, a literatura conduz ao jornalismo e este
poltica que [...] exige que seus adeptos sejam oradores (apud SODR, 1999, p. 184).
Numa avaliao da produo cultural no Brasil Imprio, Sodr (1999) afirma que esta
era realmente a poca dos homens de letras fazendo imprensa (p. 192).Podemos destacar, a partir de Gomes (2008), uma tendncia surgida na metade
do sculo XIX que dotou a imprensa de uma caracterstica literrio-independente na
medida em que a sociedade civil passou a ter uma dinmica cultural prpria e os nveis
de alfabetizao comearam a despontar. Nesse ritmo, as dcadas finais do sculo XIX
tambm coincidiram com uma ampla produo intelectual: ...as letras se revestiram de
uma dignidade e de um prestgio talvez sem precedentes entre ns (PEREIRA apud
SODR, 1999, p. 289).
Os homens de letras se inseriam no periodismo, principalmente, em busca de umpossvel retorno financeiro e da projeo e reconhecimento no alcanados atravs do
livro. No mbito nacional, Machado de Assis, Jos de Alencar, Gonalves Dias,
Joaquim Manoel de Macedo e Manuel Antnio de Almeida foram alguns dos nomes
que desenvolveram seu trabalho intelectual e literrio nas pginas dos jornais, por meio
da publicao de crticas, artigos e folhetins. Segundo Gomes (2008), as crnicas desse
perodo j sinalizavam o jornalismo cultural (p. 54).
Cruz (2000) chama a ateno para a diversificao de contedos e para o
surgimento de sees culturais nos almanaques7 de So Paulo, o que contribuiu para o
aparecimento do Almanach Litterrio Paulista, em 1876, trazendo em seu escopo
pequenos romances, lendas, poesias, charadas e informaes cientficas com o objetivo
de ampliar seu pblico leitor a partir de novas temticas. Em suas pginas foram
testados novos contedos e forma de contar que, mais tarde, seriam amplamente
adotados pelas pequenas folhas literrias... (p. 86). Segundo a autora, as pequenas
folhas culturais se constituam como espao de liberdade criativa para os grupos
letrados tradicionais, uma vez que estas publicaes estavam parte dos controles e
compromissos assumidos por proprietrios e editores da imprensa diria (p. 90). Alm
disso,
7 Tradio na cultura letrada europia, os almanaques eram publicaes de interesse da administraopblica, comrcio e indstrias que traziam informaes sobre importaes/exportaes, impostos/taxas,atos administrativos e estatsticas da provncia. Eram publicados no Rio de Janeiro desde o incio dosculo XIX (CRUZ, 2000).
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os contedos explicitamente literrios [...] emergem como forma
privilegiada para amenizar contedos considerados mais ridos edesinteressantes das publicaes. Colocar um soneto ao lado de umartigo de fundo, usar versos como epgrafes, quadrinhas populares,fazer reclames em poesia, inserir sonetos entre sees mais pesadasso estratgias largamente usadas por essas publicaes (CRUZ,2000, p. 109).
Acima de tudo, essa conjuno entre periodismo e literatura revela a inexistncia
de uma linguagem e identidade prprias dentro do jornalismo que se fazia naquela
poca, panorama que em muito difere das caractersticas encontradas na produo
jornalstica atual, herana norte-americana: o conceito de pirmide invertida como norte
para a construo textual, a busca pela objetividade e imparcialidade, dentre outros.
Sodr (1999) exemplifica: o noticirio era redigido de forma difcil, empolada. O
jornalismo feito ainda por literatos confundido com literatura... (p. 283).O autor credita consolidao das relaes capitalistas na sociedade a causa para
o desaparecimento gradual do esprito bomio-literrio, com o qual eram incompatveis,
e seu conseqente reflexo na imprensa, que passa por mudanas progressivas: primeiro,
com o declnio do folhetim; em seguida, pela introduo de novos gneros textuais e o
destaque para temas antes considerados secundrios, como os fatos policiais e
esportivos:
aos homens de letras, a imprensa impe, agora, que escrevam menoscolaboraes assinadas sobre assuntos de interesse restrito do que oesforo para se colocarem em condies de redigir objetivamentereportagens, entrevistas, notcias (p. 297).
o incio da separao entre jornalismo e literatura, a definio dos limites de cada
rea, ou o que Cruz (2000) chama de rearticulao da cultura impressa (p. 147) provocada
pelo surgimento do jornal-empresa. As colaboraes literrias, alis, comeam a ser separadas
[...] constituem matria parte, pois o jornal no pretende mais ser, todo ele, literrio (SODR,
1999, 297). A partir da, ocorre uma migrao dos literatos para as revistas ilustradas, cuja
caracterstica marcante era o uso de fotografias.
Concluso
Ao longo do artigo, foram discutidos tpicos importantes para a ambientao da
pesquisa proposta. Acredita-se que um resgate histrico da sociedade e da imprensa no
Amazonas fornea o suporte necessrio para a anlise da insero da literatura no
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periodismo local. Uma vez que esta no foi uma tendncia indita, tendo sido
identificada em toda a imprensa nacional, espera-se encontrar as especificidades da
imprensa literria amazonense no que tange s suas caractersticas editoriais, ao dilogo
com o seu pblico e a sociedade, afinal, todo o processo de elaborao e transmisso
das mensagens pelo comunicador deve refletir as experincias culturais do pblicoreceptor (MELO apud GOMES, 2008, p. 55).
No entanto, preciso frisar que as caractersticas da imprensa amazonense aqui
abordadas no apareceram nas folhas de maneira isolada. Eventualmente, um ou mais
estilos, formatos e linguagens conviveram ao mesmo tempo, disputando espao no
ambiente de circulao da cultura letrada, alm da ateno e interesse dos leitores.
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