10
PROCURADORIA GERAL DO ESTADO PROCURADORIA REGIONAL DE RIBEIRÃO PRETO EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA __ VARA DA COMARCA DE SERTÃOZINHO-SP AUTOR: ABUD SERVIÇOS RADIOLÓGICOS LTDA RÉ: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO A FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por sua procuradora infra-assinada, nos autos do processo em epígrafe, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar sua CONTESTAÇÃO, sob as razões de fato e direito que passa abaixo a expor. DOS FATOS Surge no presente feito demanda da autora para que seja declarado nulo débito fiscal decorrente do não pagamento de Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor. Fundamenta sua pretensão em susposta inconstitucionalidade na lei 13.296/2008 de São Paulo; a seguir, demonstramos por que o pleito não deve prosperar. PRELIMINARMENTE DA CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO DO MÉRITO -

Impugnação - creditamen

Embed Size (px)

DESCRIPTION

creditamento indevido

Citation preview

Page 1: Impugnação - creditamen

PROCURADORIA GERAL DO ESTADOPROCURADORIA REGIONAL DE RIBEIRÃO PRETO

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA __ VARA DA COMARCA DE

SERTÃOZINHO-SP

AUTOR: ABUD SERVIÇOS RADIOLÓGICOS LTDA

RÉ: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

A FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por sua

procuradora infra-assinada, nos autos do processo em epígrafe, vem mui

respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar sua CONTESTAÇÃO,

sob as razões de fato e direito que passa abaixo a expor.

DOS FATOS

Surge no presente feito demanda da autora para que seja

declarado nulo débito fiscal decorrente do não pagamento de Imposto sobre

Propriedade de Veículo Automotor. Fundamenta sua pretensão em susposta

inconstitucionalidade na lei 13.296/2008 de São Paulo; a seguir, demonstramos

por que o pleito não deve prosperar.

PRELIMINARMENTEDA CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO

DO MÉRITOA TRIBUTAÇÃO DA PROPRIEDADE DE VEÍCULO

AUTOMOTOR

-

Page 2: Impugnação - creditamen

PROCURADORIA GERAL DO ESTADOPROCURADORIA REGIONAL DE RIBEIRÃO PRETO

A discussão no presente caso se dá, fundamentalmente, em torno da legalidade e

constitucionalidade da cobrança de IPVA nos moldes da lei 13296/2008,

promulgada pelo Estado de São Paulo. Primeiramente, temos de retomar a

moldura constitucional das competências tributárias. Pelos moldes da

constituição, são os Estados e o Distrito Federal que têm competência para

instituir imposto sobre a propriedade de veículo automotor. Na redação

constitucional:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos

sobre:

III – propriedade de veículos automotores.

Nesse sentido, o legislador constitucional atribuiu aos Estados e ao

Distrito Federal competência legislativa para instituir determinados tributos; no

presente caso, a propriedade de veículos automotores sobressai como de

competência privativa dos Estados. Importante salientar o entendimento

unânime de que a competência prevista no artigo 155, dentre todas as outras do

Capítulo I, Título VI da Constituição Federal são competências legislativas; nas

palavras de Paulo de Barros Carvalho: “A competência tributária, em síntese, é

uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as

pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar sobre a produção de

normas jurídicas sobre tributos.”1

Em suma, a Constituição deu poder ao Estado de São Paulo de instituir o

imposto sobre a propriedade de veículo automotor, sem impor nenhuma

limitação específica além daquelas já previstas no texto constitucional. Mais

ainda, nos termos do artigo 24 da Constituição Federal

O artigo 155 da Constituição tinha em sua redação originária a

incidência de impostos sobre mercadoria importada da seguinte maneira

“[incidirá] sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se

tratar de bem destinado ao consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como

sobre serviço prestado no exterior”. A redação do inciso IX, portanto, colocava

algumas dúvidas: se o importador não fosse empresário ou sociedade

1 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13ª edição, página 267. Saraiva, 2010.

-

Page 3: Impugnação - creditamen

PROCURADORIA GERAL DO ESTADOPROCURADORIA REGIONAL DE RIBEIRÃO PRETO

empresária, não se falaria em estabelecimento, portanto, não haveria incidência

de ICMS? Pessoas físicas, por esse raciocínio, estariam excluídas, bem como

sociedades civis que não praticassem atividade comercial. Foi esse, inclusive, o

entendimento que as cortes sucessivamente incorporaram à jurisprudência a

respeito do tema, até edição de Súmula do Supremo Tribunal Federal – hoje,

Súmula 660. Para a Corte Maior, não haveria incidência do Imposto Sobre

Circulação de Mercadoria e Serviço sobre importação de mercadorias ou serviços

sempre que o ato de importação fosse praticado por pessoa física ou jurídica

não-contribuinte de ICMS.

Entendendo que esta não era a melhor interpretação ao

dispositivo, o Estado Brasileiro – por meio do Poder Legislativo – promulgou a

Emenda Constitucional 33/2001. Tal reforma constitucional alterou o inciso IX,

ampliando a sujeição passiva do ICMS de importação de maneira decisiva,

colocando de vez fim ao entendimento da Súmula 660: “[incidirá] sobre a entrada

de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda

que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade,

assim como sobre o serviço prestado no exterior [...]”.

Percebemos, aqui, alterações fundamentais na incidência do ICMS

de importação. Em primeiro lugar, ele passa a incidir não apenas sobre

mercadorias e serviços, mas também sobre bens. A distinção aqui é fundamental,

porque, como se sabe, mercadoria é espécie, enquanto bem é gênero; mercadoria

é todo o bem móvel destinado à circulação econômica. Portanto, temos aqui que

o ICMS de importação, a partir da edição da Emenda 33/2001, deixa de incidir

apenas sobre aqueles produtos que venham a compor a cadeia produtiva, mas

sobre todo e qualquer bem que venha a ser adquirido pela pessoa física ou

jurídico por meio de importação. Essa interpretação fica ainda mais clara com o

trecho “qualquer que seja a sua finalidade” inserido no inciso. O bem ou

mercadoria adquiridos se sujeitação à incidência do imposto ainda que não

sejam destinados à produção ou comercialização. Se forem, por exemplo,

adquiridos para consumo próprio, para fixação do ativo da empresa ou qualquer

outra finalidade, ainda assim sofrerão a incidência do imposto.

Ainda analisando o trecho do inciso IX do artigo 155, temos uma

ampliação constitucional do sujeito passivo da obrigação tributária de pagar

ICMS de importação. O poder constituinte reformador, entendendo que a sujeição

passiva estabelecida pela lei ordinária – qual seja, o rol de contribuintes de ICMS

-

Page 4: Impugnação - creditamen

PROCURADORIA GERAL DO ESTADOPROCURADORIA REGIONAL DE RIBEIRÃO PRETO

estabelecido pela Lei Complementar 87/1996 – é demasiado limitada para o caso

de ICMS de importação, inseriu o trecho “ainda que não seja contribuinte habitual

do imposto”. Isso significa que haverá incidência do imposto ainda que o ato de

importação seja praticado por aqueles que não estejam previstos no rol da Lei

Complementar.

É verdade que o artigo 146 da Constituição Federal estabelece, no

Inciso III, a, que cabe à Lei Complementar definir os contribuintes do imposto. No

entanto, o que temos aqui é uma fuga a essa regra, plenamente possível, aliás,

porque erigida por norma constitucional, isto é, regra hierarquicamente

superior à Lei Complementar. O ampliamento da sujeição passiva ocorre por

força constitucional, por vontade do legislador constitucional reformador. Em

perfeito estado, portanto, a sujeição passiva dos contribuintes não-habituais do

imposto, sejam eles pessoas física ou jurídicas.

Apenas para arrematar a questão, absurda a tese da autora de que

falta legislação que ampare a cobrança do ICMS na importação, por ter a

legislação paulista a instituído antes da alteração da Lei Complementar 87/1996,

que é a Lei do ICMS. Isto porque a Constituição, ao estabelecer que os

contribuintes do imposto devem ser descritos pela Lei Complementar, estão,

verdadeiramente, delegando tarefas à lei complementar. O que temos, portanto, é

que a Lei Complementar deve, verdadeiramente, fazer complemento àquilo que a

Constituição Federal estabelece. Nesse caso, tal complemento, a ser veiculado por

meio de emenda à LC 87/96, seria completamente desnecessário, uma vez que

todas as informações a respeito da sujeição passiva já estavam previstos na

própria constituição. Seria exigência formal tola e desnecessária, pois norma de

hierarquia superior já havia previsto tal comando. Tanto é que, quando

reformada, a Lei Complementar veio apenas a repetir aquilo que já estava

previsto na Carta Maior. Em perfeito estado de legalidade, portanto, a Lei 11.001

de 2001 do Estado de São Paulo.

Por fim, cabe explicitar o descabimento da arguição da

inconstitucionalidade da emenda, por ferir o princípio da não-cumulatividade. É

sabido que a vedação à reforma ou revisão constitucional deve obedecer

determinados limites – temporais, formais e materiais. Tais limites materiais são

as denominadas cláusulas pétreas da constituição – matérias que, pela sua

importância, não podem ser modificadas. Dizendo de outro modo, a Constituição

-

Page 5: Impugnação - creditamen

PROCURADORIA GERAL DO ESTADOPROCURADORIA REGIONAL DE RIBEIRÃO PRETO

Federal é toda modificável – com ritos difíceis, é verdade, mas ainda assim

modificável – exceto se a modificação for tendente a abolir: a forma federativa de

Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes; e

os direitos e garantias individuais.

A partir disso, convencionou-se na doutrina e jurisprudência da

Corte Maior – guardiã da Constituição – que poderia ser arguida a

inconstitucionalidade de Emendas Constitucionais, desde que fosse apontada

violação a uma das quatro cláusulas pétreas do artigo 60, parágrafo 4º. No

entanto, não se vislumbra essa possibilidade no presente caso. A autora alega que

a cobrança de ICMS de importação mesmo que o importador seja contribuinte

não-habitual do imposto seria uma violação ao princípio já consagrado da não-

cumulatividade e que, portanto, a Emenda 33/2001, por estar violando preceito

constitucional originário, seria inconstitucional.

O que a autora não demonstra, no entanto, é de que forma a

Emenda 33/2001 violaria alguma cláusula pétrea. De fato, não há risco algum de

abolição da forma federativa de Estado, da separação dos poderes ou do vodo

direto, secreto, universal e periódico. E nem se diga que o princípio da não-

cumulatividade seria direito ou garantia individual, pois estes são aqueles

essenciais à própria condição humana, como a vida, a propriedade, a segurança e

a liberdade. A mera sujeição ao pagamento de um imposto não pode ser vista

como violação a direito individual.

Além disso, não se pode falar em não-cumulatividade no presente

caso. O princípio da não-cumulatividade, consagrado no artigo 155, parágrafo

segundo, se volta às mercadorias e serviços que passam por diversas fases de

produção e comercialização. Melhor dizendo: quando se tem uma mercadoria,

que se submeterá à natural circulação econômica para sua transformação,

necessariamente teremos de falar em não-cumulatividade. Esse princípio foi

pensado para que haja sucessivas compensações de crédito tributário ao longo

da cadeia produtiva. Assim, quando falarmos em bens não-mercantis, como é o

caso da presente discussão, não estamos diante de circulação de etapas

sucessivas. Até porque, a hipótese de incidência no caso de ICMS de importação é

a circulação da riqueza, mas, sim, o ato de importar.

Em suma, temos duas possibilidades de incidência de ICMS de

importação: os casos em que o bem (sentido amplo) se destina a diversas etapas

de circulação e o caso em que, uma vez importado, o bem se destina a consumo

-

Page 6: Impugnação - creditamen

PROCURADORIA GERAL DO ESTADOPROCURADORIA REGIONAL DE RIBEIRÃO PRETO

próprio ou a aumento de ativo da pessoa física ou jurídica, caso em que não fará

diversas etapas de circulação. No primeiro caso, por haver diversas etapas, o

ICMS é não-cumulativo, pois há pagamento sucessivo do imposto pelos diversos

participantes da cadeia produtiva. No segundo caso, não é sequer possível falar

em não-cumulatividade, pois o bem importado não passa por diversas etapas,

mas, sim, se fixa ao patrimônio do importador. Não há supressão deliberada do

princípio da não-cumulatividade, como faz entender a autora, mas mera

impossibilidade fática de sua aplicação. Não há como o importador se creditar

de créditos já pagos, se, após o desembaraço aduaneiro, o bem – no caso, o

equipamento médico – será movido diretamente para seu estabelecimento. Não

havendo etapas de circulação, não há créditos pagos e, portanto, não hã aplicação

de não-cumulatividade. O importador é, no caso, o único contribuinte.

Desse modo, afastamos as alegações da autora, seja porque não há

supressão do princípio da não-cumulatividade no caso concreto, seja porque,

ainda que houvesse, esse princípio não é cláusula pétrea. As cláusulas pétreas

devem se referir sempre a direitos de primeira geração autoaplicáveis, o que não

é o caso da não-cumulatividade, que é mero princípio formatador do sistema

tributário do ICMS.

O ESTADO COMO POLO ATIVO DO ICMS IMPORTAÇÃO

Tampouco tem cabimento o argumento da autora de que o ICMS de

importação seria tributo de competência residual. A cobrança de ICMS sobre a

importação de bem, mercadoria ou serviço foi colocada na sistemática

constitucional do próprio ICMS, que é imposto de Competência Exclusiva dos

Estados e Distrito Federal. Não se trata, aqui, de competência residual, mas de

alargamento constitucional das hipóteses de incidência de um imposto já

atribuído aos Estados, qual seja, o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços. A cobrança desse imposto está contemplada pelas hipóteses já

anteriormente previstas ao Estado de São Paulo. A própria autora não parece se

convencer de seus argumentos, pois não se decide se o ICMS de importação seria

imposto novo, ou se bis in idem tributário, por repetir a hipótese de incidência do

Imposto de Importação. Tampouco isso é verdade, pois enquanto o Imposto de

Importação incide sobre o ato da importação em si, o ICMS incide sobre a entrada

de tal produto no território do Estado competente. Rechaçada, também, essa

argumentação da autora.

-

Page 7: Impugnação - creditamen

PROCURADORIA GERAL DO ESTADOPROCURADORIA REGIONAL DE RIBEIRÃO PRETO

DA COBRANÇA DE JUROS SELIC

Os impostos e multas não pagos nos prazos previstos estão sujeitos

à incidência de juros moratórios.

Nem se diga que esses juros deveriam ser veiculados por lei

complementar, como manda o artigo 146 do CTN, vez que tal artigo abrange

apenas as regras definidoras do tributo – fato gerador, base de cálculo, alíquota,

dentre outros. Os juros de mora não fazem parte desse âmbito, uma vez que

incidem apenas depois de já constituída a obrigação tributária. Mais ainda, só

passam a existir após vencida a obrigação, estando, portanto, albergados no

âmbito do direito financeiro, e não do direito tributário.

Ainda assim, há que se interpretar que os juros de 1º estabelecidos

no artigo 161 do CTN são patamar mínimo, e não máximo, para a cobrança de

juros moratórios. Isto é, estamos aqui a falar de regra supletiva, para os casos em

que o ente federado responsável pela cobrança do tributo não tenha fixado os

seus juros moratórios. O próprio artigo 161 CTN é expresso nesse sentido, ao

convencionar tal taxa de juros caso a lei não disponha de outra forma.

A lei 13.918, portanto, está em conformidade com a própria

competência do ente federado – qual seja, o Estado de São Paulo – de cobrar os

juros moratórios que entender satisfatórios à satisfação das perdas decorrentes

do não-cumprimento das obrigações vencidas. Basta, para isso, que esses juros

sejam fixados em lei -o que, de fato, ocorre, pois a cobrança de juros moratórios

de ICMS está previsto na legislação estadual, por meio da lei 13189/2009 e do

decreto estadual 55.437/2010.

Por todo o exposto, requer a extinção do feito com julgamento de

mérito, por ser IMPROCEDENTE o pedido de anulação do débito da autora, bem

como sua arguição em relação aos juros.

Protestando provar o alegado por meio de todas as provas

admitidas em direito,

nestes termos,

pede deferimento.

-

Page 8: Impugnação - creditamen

PROCURADORIA GERAL DO ESTADOPROCURADORIA REGIONAL DE RIBEIRÃO PRETO

Ribeirão Preto, 22 de agosto de 2012

Regina Maria de Paiva Pellicer Facine

Procuradora do Estado

OAB/SP 263.418

-