73
Nações Unidas A/59/2005 Assembleia Geral Distr.: Geral 21 de Março de 2005 Original: inglês 05-27078 (E) 210305 *0527078* 59ª sessão Pontos 45 e 55 da Ordem dos Trabalhos Implementação integrada e coordenada dos principais resultados das principais conferências e cimeiras das Nações Unidas nos domínios económico, social e conexos, e seguimento dado aos mesmos Seguimento dado aos resultados da Cimeira do Milénio Em maior liberdade: desenvolvimento, segurança e direitos humanos para todos Relatório do Secretário-Geral Índice Parágrafos Página I. Introdução: uma oportunidade histórica em 2005 .......................... 1–24 3 A. Os desafios de um mundo em transformação .......................... 6–11 4 B. Maior liberdade: desenvolvimento, segurança e direitos humanos ......... 12–17 5 C. O imperativo da acção colectiva .................................... 18–22 6 D. É tempo de tomar decisões ........................................ 23–24 7 II. Viver ao abrigo da necessidade ........................................ 25–73 7 A. Uma visão comum de desenvolvimento .............................. 28–32 8 B. Estratégias nacionais ............................................. 33–46 12 C. Viabilizar o Objectivo 8: comércio e financiamento do desenvolvimento ... 47–56 16 D. Garantir a sustentabilidade ambiental ............................... 57–61 19 E. Outras prioridades da acção mundial ................................ 62–71 20 F. Respeitar os compromissos: um desafio ............................. 72–73 22

In larger freedom pt

Embed Size (px)

DESCRIPTION

http://www.unric.org/html/portuguese/uninfo/in_larger_freedom_PT.pdf

Citation preview

Nações Unidas A/59/2005

Assembleia Geral Distr.: Geral 21 de Março de 2005 Original: inglês

05-27078 (E) 210305

*0527078*

59ª sessão Pontos 45 e 55 da Ordem dos Trabalhos Implementação integrada e coordenada dos principais resultados das principais conferências e cimeiras das Nações Unidas nos domínios económico, social e conexos, e seguimento dado aos mesmos Seguimento dado aos resultados da Cimeira do Milénio

Em maior liberdade: desenvolvimento, segurança e direitos

humanos para todos Relatório do Secretário-Geral

Índice

Parágrafos Página

I. Introdução: uma oportunidade histórica em 2005 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1–24 3

A. Os desafios de um mundo em transformação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6–11 4

B. Maior liberdade: desenvolvimento, segurança e direitos humanos . . . . . . . . . 12–17 5

C. O imperativo da acção colectiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18–22 6

D. É tempo de tomar decisões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23–24 7

II. Viver ao abrigo da necessidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25–73 7

A. Uma visão comum de desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28–32 8

B. Estratégias nacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33–46 12

C. Viabilizar o Objectivo 8: comércio e financiamento do desenvolvimento . . . 47–56 16

D. Garantir a sustentabilidade ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57–61 19

E. Outras prioridades da acção mundial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62–71 20

F. Respeitar os compromissos: um desafio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72–73 22

2

A/59/2005

III. Viver sem medo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74–126 24

A. Uma nova concepção da segurança colectiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76–86 24

B. Prevenção do terrorismo catastrófico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87–96 26

C. Armas nucleares, biológicas e químicas 97–105 28

D. Resolução e prevenção de conflitos…………………………………………… 106–121 29

E. Uso da força . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122–126 33

IV. Viver com dignidade 127–152 34

A. Primado do direito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133–139 35

B. Direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140–147 37

C. Democracia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148–152 38

V. Reforçar as Nações Unidas 153–219 39

A. Assembleia Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158–164 40

B. Os Conselhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165–183 41

C. Secretariado 184–192 46

D. Coerência do sistema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193–212 47

E. Organizações regionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213–215 52

F. Actualização da Carta das Nações Unidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 216–219

52

VI. Conclusão: uma oportunidade e um desafio 220–222

Anexo

Propostas apresentadas aos Chefes de Estado e de Governo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

I. Introdução: uma oportunidade histórica em 2005 1. Decorridos cinco anos do novo milénio, temos a possibilidade de deixar aos nossos filhos um legado mais auspicioso do que qualquer outro jamais recebido por uma geração anterior. Podemos reduzir a pobreza mundial para metade e travar a propagação das principais doenças conhecidas nos próximos 10 anos. Podemos reduzir a prevalência de conflitos violentos e do terrorismo. Podemos aumentar o respeito pela dignidade humana em todos os países. E podemos criar um conjunto de instituições internacionais actualizadas para ajudar a humanidade a alcançar estes nobres objectivos. Se agirmos corajosamente – e se agirmos em conjunto – podemos tornar as pessoas do mundo inteiro mais seguras, mais generosas e mais aptas a gozarem os seus direitos humanos fundamentais.

2. Estão já reunidas todas as condições necessárias para o fazermos. Numa era de interdependência global, o cimento do interesse comum, correctamente entendido, deveria unir todos os Estados nesta causa, tal como os deveriam unir também os impulsos da nossa humanidade comum. Numa era de abundância global, o nosso mundo

3

A/59/2005

possui os recursos necessários para reduzir drasticamente as enormes disparidades que continuam a existir entre ricos e pobres, desde que esses recursos sejam colocados ao serviço de todos os povos. Após um período difícil nos assuntos internacionais, perante novas ameaças e novas manifestações de velhas ameaças, existe em muitos círculos o desejo de um novo consenso em que se possa alicerçar a acção colectiva. E existe também o desejo de efectuar as reformas mais profundas da história das Nações Unidas, de modo a equipá-la e muni-la dos recursos necessários para ajudar a levar por diante as prioridades do século XXI.

3. O ano de 2005 proporciona-nos uma oportunidade de avançarmos resolutamente nessa direcção. Em Setembro, os dirigentes mundiais irão reunir-se em Nova Iorque para examinar os progressos realizados desde a Declaração do Milénio das Nações Unidas,1 adoptada por todos os Estados-Membros em 2000. A fim de preparar essa cimeira, os Estados-Membros pediram-me que lhes apresentasse um relatório minucioso sobre a execução da Declaração do Milénio. É esse relatório que apresento hoje, respeitosamente. Em anexo, apresento um projecto de ordem de trabalhos para adopção, e a que deverá ser dado seguimento na cimeira.

4. Ao preparar o presente relatório, apoiei-me nos meus oito anos de experiência como Secretário-Geral das Nações Unidas, na minha consciência e nas minhas convicções, bem como na minha interpretação da Carta das Nações Unidas, cujos princípios e finalidades me cumpre promover. Inspirei-me ainda em duas amplas análises dos desafios que enfrentamos a nível mundial – uma delas realizada pelo Grupo de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança, ao qual pedi que apresentasse propostas destinadas a reforçar o nosso sistema de segurança colectivo (ver A/59/565); a outra efectuada pelos 250 peritos responsáveis pelo Projecto do Milénio, que preparou um plano de acção tendo em vista a consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio até 2015.

5. No presente relatório, resisti à tentação de incluir todas as áreas em que é importante ou desejável realizar progressos. Limitar-me-ei a focar os tópicos relativamente aos quais considero ser vital e viável empreender acções nos próximos meses. Trata-se de reformas que estão ao nosso alcance – reformas que será possível concretizar, se conseguirmos reunir a vontade política necessária. Com muito poucas excepções, é esta a lista das grandes prioridades para Setembro. Há muitas outras questões que será necessário promover noutras instâncias e noutras ocasiões. E, evidentemente, nenhuma das propostas aqui apresentadas excluem a necessidade de, este ano, se agir urgentemente com vista a avançar no sentido da resolução de conflitos de longa data que constituem uma ameaça à estabilidade regional e global.

A. Os desafios de um mundo em transformação 6. Na Declaração do Milénio, os dirigentes mundiais mostraram-se confiantes em que, nos próximos anos, a humanidade conseguiria fazer progressos mensuráveis em direcção à paz, à segurança, ao desarmamento, aos direitos humanos, à democracia e à boa governação. Apelaram à formação de uma parceria global para o desenvolvimento com o fim de realizar os objectivos acordados até 2015. Comprometeram-se a proteger as pessoas vulneráveis e a responder às necessidades especiais de África. E concordaram que a ONU deve passar a participar mais, e não menos, activamente na configuração do nosso futuro comum.

4

A/59/2005

7. Passados apenas cinco anos, apresentar um relatório minucioso sobre a execução da Declaração do Milénio não seria, a meu ver pertinente, na medida em que as circunstâncias exigem que revitalizemos o consenso sobre os principais desafios e prioridades e transformemos esse consenso em acção colectiva.

8. Desde a adopção da Declaração do Milénio aconteceram muitas coisas que nos obrigam a optar por tal abordagem. Depois dos ataques horrendos de 11 de Setembro de 2001, pequenas redes de actores não estatais – terroristas – têm levado até os Estados mais poderosos a sentirem-se vulneráveis. Simultaneamente, muitos Estados começam a pensar que o simples desequilíbrio de poder no mundo é uma fonte de instabilidade. As divisões entre as principais potências sobre questões fundamentais revelaram que não existe um consenso quanto aos objectivos e aos métodos. Entretanto, mais de 40 países sofreram as terríveis consequências do conflito violento. Hoje, o número de pessoas deslocadas internamente situa-se aproximadamente em 25 milhões, e quase um terço dessas pessoas não estão ao alcance da assistência das Nações Unidas, sem contar a população total de refugiados que é de 11 a 12 milhões de pessoas, algumas das quais foram vítimas de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade.

9. Muitos países foram dilacerados e arrasados por um tipo de violência diferente. O VIH/SIDA, a praga do mundo moderno, já matou mais de 20 milhões de homens, mulheres e crianças, e o número de pessoas infectadas aumentou para mais de 40 milhões. A promessa dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio continua a ser uma realidade remota para muitas pessoas. Mais de mil milhões de pessoas continuam a viver abaixo do limiar da pobreza extrema de 1 dólar por dia, e todos os dias morrem 20 000 pessoas devido à pobreza. A riqueza mundial aumentou, mas a sua distribuição ao nível dos países, das regiões e do mundo em geral é cada vez menos equitativa. Embora se tenham realizado alguns progressos reais no sentido da consecução dos Objectivos em alguns países, são muito poucos os governos – tanto do mundo desenvolvido como do mundo em desenvolvimento – que empreenderam acções suficientes para alcançar as metas fixadas para 2015. E embora tenha sido realizado trabalho importante sobre questões tão diversas como a migração e as alterações climáticas, a dimensão dos desafios a longo prazo é muito superior à acção colectiva que empreendemos até à data para lhes responder.

10. Os acontecimentos dos últimos anos também levaram a que o público perdesse a confiança na própria ONU, ainda que por razões contrárias. Por exemplo, no caso do debate sobre o Iraque, os dois campos opostos sentem que a Organização os desiludiu – segundo um dos campos, por não ter conseguido fazer cumprir as suas próprias resoluções, e, segundo o outro, por não ter conseguido impedir uma guerra prematura ou desnecessária. No entanto, a maioria das pessoas que criticam a ONU fazem-no, precisamente, por considerarem que a Organização é extremamente importante no nosso mundo. Ao declínio da confiança na instituição contrapõe-se uma convicção quanto à importância do multilateralismo efectivo.

11. Não estou a sugerir que não tenha havido nada de positivo nos últimos cinco anos. Pelo contrário, há muitas coisas que podemos apontar para demonstrar que a acção colectiva pode produzir resultados reais, desde a unidade impressionante do mundo a seguir a 11 de Setembro de 2001 até à resolução de uma série de conflitos civis, e desde o aumento sensível de recursos para o desenvolvimento até aos progressos constantes registados na consolidação da paz e da democracia em alguns territórios dilacerados pela guerra. Nunca devemos desesperar. Os nossos problemas

5

A/59/2005

não são superiores à nossa capacidade para os resolver. Mas não podemos contentar-nos com êxitos incompletos nem procurar superar as deficiências detectadas com respostas paulatinas. O que devemos fazer é unir-nos para produzir mudanças profundas.

B. Maior liberdade: desenvolvimento, segurança e direitos humanos 12. A luz que nos deve guiar é a das necessidades e esperanças de povos do mundo inteiro, No meu Relatório do Milénio, "Nós os Povos" (A/54/2000), citei as palavras de abertura da Carta das Nações Unidas para lembrar que a ONU, apesar de ser uma organização de Estados soberanos, existe para responder a essas necessidades e, em última análise, para as servir. Para isso, e tal como eu disse quando fui eleito pela primeira vez há oito anos, temos de "aperfeiçoar o triângulo do desenvolvimento, da liberdade e da paz".

13. Os autores da Carta compreenderam isso muito claramente. Ao proporem-se poupar as gerações seguintes ao flagelo da guerra, compreenderam que não seria possível realizar esse objectivo sem uma ampla base de apoio. Decidiram, portanto, criar uma organização destinada a garantir o respeito pelos direitos humanos fundamentais, criar as condições necessárias à manutenção da justiça e do primado do direito, e "promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade".

14. Escolhi como título do presente relatório "Em maior liberdade" para sublinhar a relevância da Carta das Nações Unidas ainda hoje, e para frisar que os seus objectivos têm de ser promovidos ao nível da vida dos homens e das mulheres. O conceito de maior liberdade também expressa a ideia de que o desenvolvimento, a segurança e os direitos humanos são indissociáveis.

15. Mesmo que possa votar para escolher os seus governantes, um jovem com SIDA que não saiba ler nem escrever e que mal tenha que comer não é verdadeiramente livre. Do mesmo modo, mesmo que ganhe o suficiente para viver, uma mulher que viva sob a ameaça de violência diária e não tenha uma palavra a dizer sobre a forma como o seu país é governando não é verdadeiramente livre. Uma liberdade maior implica que os homens e as mulheres, em toda a parte, tenham o direito de ser governados de acordo com a sua vontade, em conformidade com a lei, numa sociedade em que todos os indivíduos possam exercer as liberdades de expressão, religião e associação sem discriminação ou represálias. Devem também poder viver ao abrigo da necessidade – de modo que as penas de morte da pobreza extrema e das doenças infecciosas deixem de ameaçar a sua vida – e sem medo – de modo que a sua existência e o seu modo de vida não sejam destruídos pela violência e pela guerra. Com efeito, todas as pessoas têm direito à segurança e ao desenvolvimento.

16. O desenvolvimento, a segurança e os direitos humanos não só são imprescindíveis, como também se reforçam mutuamente. Esta relação só se intensificou na nossa era de progressos tecnológicos rápidos, interdependência económica crescente, globalização e grandes mudanças geopolíticas. Embora não se possa dizer que a pobreza e a negação de direitos humanos são a "causa" das guerras civis, do terrorismo ou da criminalidade organizada, aumentam o risco de instabilidade e violência. Do mesmo modo, a guerra e as atrocidades não são de modo algum as únicas razões que impedem os países de sair da armadilha da

6

A/59/2005

pobreza, mas atrasam, sem dúvida, o desenvolvimento. Mais uma vez, um acto de terrorismo catastrófico numa parte do mundo – por exemplo, um ataque contra um importante centro financeiro de um país rico – pode afectar as perspectivas de milhões de pessoas no outro extremo do mundo ao provocar um acentuado abrandamento económico e mergulhar milhões de pessoas na pobreza. E os países que são bem governados e respeitam os direitos humanos estão em melhor posição de evitar os horrores do conflito e superar obstáculos ao desenvolvimento.

17. Assim sendo, não podemos usufruir do desenvolvimento sem segurança, não podemos usufruir da segurança sem desenvolvimento, e não podemos usufruir de uma coisa nem outra sem que haja respeito pelos direitos humanos. Se não promovermos todas estas causas, nenhuma delas triunfará. Neste novo milénio, o trabalho das Nações Unidas tem de levar o nosso mundo a aproximar-se do dia em que todas as pessoas tenham a liberdade de escolher o tipo de vida que desejam levar, tenham acesso aos recursos necessários para que essa escolha seja profícua, e usufruam da segurança necessária para garantir a possibilidade de a viverem em paz.

C. O imperativo da acção colectiva

Num mundo em que as ameaças e os desafios estão interligados, é do interesse de todos os países abordá-los eficazmente. Por conseguinte, só será possível promover a causa de uma liberdade maior mediante uma cooperação ampla, profunda e permanente entre os Estados. Esta cooperação será possível se as políticas de todos os países tiverem em conta não só as necessidades dos seus cidadãos mas, também, as necessidades dos outros. Este tipo de cooperação não só promove os interesses de todos, como reconhece a nossa humanidade comum.

19. As propostas contidas no presente relatório visam reforçar os Estados e permitir que sirvam melhor as suas populações, trabalhando em conjunto com base em princípios e prioridades comuns – e esta, afinal, a razão de ser da Organização das Nações Unidas. Os Estados soberanos são pedras basilares indispensáveis do sistema internacional. É a eles que compete garantir os direitos dos seus cidadãos, protegê-los contra a criminalidade, a violência e a agressão, e criar um quadro que lhes permita viver em liberdade dentro da lei, de modo que os indivíduos possam prosperar e a sociedade possa desenvolver-se. Se os Estados forem frágeis, os povos do mundo não terão a segurança, o desenvolvimento e a justiça que são seus por direito. Por conseguinte, um dos grandes desafios do novo milénio é garantir que todos os Estados sejam suficientemente fortes para responderem aos numerosos desafios que enfrentam.

20. Os Estados não conseguirão, porém, fazer isso sozinhos. Necessitamos de uma sociedade civil activa e de um sector privado dinâmico. A sociedade civil e o sector privado ocupam ambos uma parte cada vez maior e mais importante do espaço anteriormente reservado exclusivamente aos Estados, e é manifesto que os objectivos aqui definidos não serão alcançados sem a sua participação plena.

21. Necessitamos, também, de instituições intergovernamentais regionais e mundiais eficazes para mobilizar e coordenar a acção colectiva. Sendo o único organismo universal ao qual foi atribuído o mandato de se ocupar de questões de segurança, desenvolvimento e direitos humanos, a ONU tem uma responsabilidade especial. À medida que a globalização reduz as distâncias no mundo inteiro e estas

7

A/59/2005

questões passam a estar cada vez mais interligadas, as vantagens comparativas da ONU vão-se tornando cada vez mais evidentes. O mesmo se aplica, porém, a algumas das suas fragilidades reais. Desde modificar as suas práticas de gestão e construir um sistema das Nações Unidas mais transparente, eficiente e eficaz até remodelar as nossas principais instituições intergovernamentais de modo a reflectirem o mundo actual e promoverem as prioridades definidas no presente relatório, temos de reformar a Organização de formas que nunca imaginámos e com uma ousadia e uma rapidez que nunca demonstrámos.

22. Nos nossos esforços para reforçarmos os contributos dos Estados, da sociedade civil, do sector privado e das instituições internacionais de modo a poderem promover uma visão de maior liberdade, temos de assegurar que todos os intervenientes neste processo assumam as suas responsabilidades, passando das belas palavras aos actos. Necessitamos, portanto, de novos mecanismos destinados a assegurar a prestação de contas – a prestação de contas pelos Estados aos seus cidadãos, pelos Estados entre si, pelas instituições internacionais aos seus membros, e pela actual geração às gerações futuras. A finalidade da cimeira a realizar em Setembro de 2005 terá de ser assegurar que, a partir deste momento, as promessas que se fazem sejam promessas que se cumprem.

D. É tempo de tomar decisões 23. Neste momento decisivo da história, temos de ser ambiciosos. A nossa acção tem de ser tão urgente como as necessidades e ter a mesma escala. Temos de tirar partido de um consenso sem precedentes sobre a forma de promover o desenvolvimento económico e social mundial, e temos de criar um novo consenso sobre a forma de fazer frente a novas ameaças. Só agindo decisivamente conseguiremos superar os desafios prementes em matéria de segurança e obter uma vitória decisiva na batalha global contra a pobreza até 2015.

24. No mundo de hoje, nenhum Estado, por mais poderoso que seja, se pode proteger a si mesmo sozinho. Do mesmo modo, nenhum país, seja frágil ou forte, pode alcançar a prosperidade no vazio. Podemos agir em conjunto, e temos de o fazer. Devemos isso uns aos outros, e temos, uns para com os outros, a obrigação de prestar contas sobre a forma como o fazemos. Se estivermos à altura destes compromissos mútuos, conseguiremos que o novo milénio mereça que lhe chamemos novo.

II. Viver ao abrigo da necessidade 25. Nos últimos 25 anos, assistimos à redução mais drástica da pobreza extrema que o mundo jamais viu. Graças aos progressos realizados na China e na Índia, literalmente centenas de milhões de homens, mulheres e crianças no mundo inteiro conseguiram escapar às dificuldades da pobreza extrema e começar a beneficiar de um melhor acesso a alimentos, aos cuidados de saúde, à educação e à habitação.

26. No entanto, ao mesmo tempo, houve dezenas de países que se tornaram mais pobres e crises económicas devastadoras que lançaram milhões de famílias na pobreza, e a desigualdade crescente em muitas partes do mundo significa que os benefícios do crescimento económico não estão a ser repartidos equitativamente.

8

A/59/2005

Actualmente, mais de mil milhões de pessoas – um em cada seis seres humanos – continuam a viver com menos de um dólar por dia, a carecer dos meios necessários para sobreviver em situações de fome crónica, doença e catástrofes naturais. Por outras palavras, trata-se de uma pobreza que mata. Uma simples picada de um mosquito portador de malária é quanto basta para matar uma criança, por não haver uma rede mosquiteira para lhe dar ou 1 dólar para pagar o seu tratamento. Uma seca ou uma peste que destrua uma colheita transforma a subsistência em fome que mata. Um mundo em que, todos os anos, morrem 11 milhões de crianças com menos de 5 anos e em que 3 milhões de pessoas morrem de SIDA não é um mundo de maior liberdade.

27. Durante séculos, este tipo de pobreza foi considerado uma circunstância triste mas inevitável da condição humana. Hoje, esta posição é intelectual e moralmente indefensável. A dimensão e âmbito dos progressos realizados por países de todos os região do mundo já demonstraram que, em muito pouco tempo. é possível reduzir drasticamente a pobreza e a mortalidade materna e infantil, e que é possível promover consideravelmente a educação, a igualdade entre os sexos e outros aspectos do desenvolvimento. A combinação sem precedentes de recursos e tecnologia de que dispomos hoje significa que somos, verdadeiramente, a primeira geração que possui os instrumentos, o conhecimento e os recursos necessários para permitir que todos os Estados respeitem o compromisso que assumiram na Declaração do Milénio de "fazer do direito ao desenvolvimento uma realidade para todos e em libertar toda a humanidade da carência".

A. Uma visão comum de desenvolvimento 28. O desafio multifacetado do desenvolvimento abrange uma grande diversidade de questões que estão interligadas – desde a igualdade entre homens e mulheres à saúde e educação, e ao ambiente. As conferências e cimeiras históricas realizadas pela ONU na década de 1990 ajudaram a criar, pela primeira vez, um quadro normativo completo englobando essas ligações ao delinear uma ampla visão de prioridades comuns no domínio do desenvolvimento. Foi este trabalho que serviu de base à Cimeira do Milénio e à definição de um conjunto de metas sujeitas a um prazo em todas estas áreas – desde a redução da pobreza para metade até conseguir que todas as crianças se inscrevam no ensino primário, todas elas a realizar até 2015 – e que viriam posteriormente a substanciar-se nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ver Caixa 1).

Caixa 1 Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio

9

A/59/2005

Objectivo 1 Erradicar a pobreza extrema e a fome

Meta 1

Reduzir para metade, entre 1990 e 2015, a percentagem de pessoas cujo rendimento é inferior a um dólar por dia.

Meta 2

Reduzir para metade, entre 1990 e 2015, a percentagem da população que sofre de fome.

Objectivo 2 Alcançar o ensino primário universal

Meta 3

Garantir que, até 2015, todas as crianças, de ambos os sexos, terminem um ciclo completo de ensino primário.

Objectivo 3 Promover a igualdade entre os sexos e a autonomização das mulheres

Meta 4

Eliminar as disparidades entre os sexos no ensino primário e secundário, se possível até 2005, e em todos os níveis, o mais tardar até 2015.

Objectivo 4 Reduzir a mortalidade de crianças

Meta 5

Reduzir em dois terços, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade de menores de cinco anos.

Objectivo 5 Melhorar a saúde materna

Meta 6

Reduzir em três quartos, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade materna.

Objectivo 6 Combater o VIH/SIDA, malária e outras doenças

Meta 7

Até 2015, deter e começar a reduzir a propagação do VIH/SIDA.

Meta 8

Até 2015, deter e começar a reduzir a incidência da malária e de outras doenças graves.

Objectivo 7

10

A/59/2005

11

A/59/2005

12

A/59/2005

29. Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio desencadearam esforços sem precedentes no sentido de satisfazer as necessidades das pessoas mais pobres do mundo, tornando-se critérios de aferição mundialmente aceites de progressos mais gerais a alcançar que foram adoptados pelos dadores, pelos países em desenvolvimento, pela sociedade civil e pelas principais instituições de desenvolvimento. Como tal, reflectem um conjunto de prioridades urgentes partilhadas e subscritas a nível mundial, que teremos de examinar na cimeira de Setembro de 2005. Graças ao trabalho desenvolvido pelo Projecto do Milénio, cujo relatório, Investir no Desenvolvimento: Um Plano Prático para Alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio,2 me foi apresentado em Janeiro de 2005, já dispomos actualmente de um plano de acção para realizar os Objectivos. Há também sinais animadores de que o ingrediente crucial – a vontade política – começa a surgir. A prova real será saber se as importantes acções a realizar pelos países desenvolvidos e em desenvolvimento com vista a cumprir esse plano serão apoiadas pela duplicação, ou mais, da ajuda ao desenvolvimento mundial, pois é isso que será necessário para ajudar a alcançar os Objectivos.

30. Ao mesmo tempo. temos de ver os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio como parte de um conjunto de prioridades de desenvolvimento ainda mais amplo. Embora os Objectivos estejam a ser muito atentamente acompanhados dentro e fora das Nações Unidas, é manifesto que eles não constituem, em si mesmos, a totalidade das prioridades de desenvolvimento. Não englobam alguns dos grandes temas abrangidos pelas conferências da década de 1990, nem visam as necessidades específicas dos países de rendimento médio, nem as questões relacionadas com a desigualdade crescente ou as dimensões do desenvolvimento humano e da boa governação em geral, que exigem todas uma implementação eficaz das deliberações daquelas conferências.

31. No entanto, nunca é demais sublinhar que é urgente alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Apesar dos progressos realizados em muitas áreas, o mundo está, de um modo geral, aquém daquilo que é necessário, especialmente no caso dos países mais pobres (ver Caixa 2). Tal como se diz claramente no relatório do Projecto do Milénio, as prioridades que nos propusemos continuam a ser globalmente viáveis na maioria dos países, se não em todos – mas apenas se começarmos a agir de uma maneira diferente e acelerarmos e intensificarmos a nossa acção até 2015, começando já nos próximos 12 meses. Para sermos bem-sucedidos teremos de empreender uma acção sustentada durante toda a próxima década, desde o presente até ao fim do prazo fixado. É assim que temos de agir porque, em matéria de desenvolvimento, não se conseguem êxitos de um dia para o outro, e muitos países debatem-se com limitações consideráveis em termos de capacidades. Leva tempo a formar professores, enfermeiros e engenheiros, a construir estradas, escolas e hospitais, e a criar pequenas e grandes empresas capazes de gerar os empregos e o rendimento necessários.

Caixa 2 Progressos ao nível dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio

Os progressos ao nível da consecução dos Objectivos de

13

A/59/2005

Os progressos ao nível da consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio não têm sido de modo algum uniformes em todo o mundo. Os maiores melhoramentos têm-se registado no Sudeste Asiático e no Sul da Ásia, onde mais de 200 milhões de pessoas deixaram de viver na pobreza só desde 1990. No entanto, quase 700 milhões de pessoas na Ásia continuam a viver com menos de 1 dólar por dia – quase dois terços das pessoas mais pobres do mundo –, e, por outro lado, nem alguns dos países que estão a crescer mais rapidamente estão a fazer progressos no que se refere aos Objectivos não relacionados com o rendimento, como, por exemplo, a protecção do ambiente e a redução da mortalidade materna. A África ao Sul do Sara está no epicentro da crise, sem conseguir avançar em direcção à realização da maioria dos Objectivos, e com uma insegurança alimentar persistente, taxas de mortalidade materna e de crianças preocupantemente elevadas, um número crescente de pessoas a viver em bairros degradados, e um aumento geral da pobreza extrema, apesar de alguns progressos importantes em vários países. A América Latina, as economias em transição, e o Médio Oriente e Norte de África, regiões muitas vezes condicionadas pela desigualdade crescente, têm apresentado resultados mais díspares, com variações significativas em termos de progressos, mas apresentando tendências gerais que estão aquém daquilo que é necessário para cumprir o prazo de 2015.

Os progressos alcançados relativamente aos vários Objectivos também têm variado. Embora a África ao Sul do Sara e a Oceânia estejam atrasadas em quase todas as áreas, noutras regiões tem havido avanços importantes ao nível da redução da pobreza, melhoramento do acesso a água potável e aumento do número de crianças que estão a frequentar o ensino primário. As taxas de mortalidade de crianças também diminuíram de um modo geral, mas em muitas regiões os progressos abrandaram e houve até um retrocesso em partes da Ásia Central. Entretanto, apesar dos progressos extraordinários em alguns países, o acesso ao saneamento continua a ser de um modo geral insatisfatório, particularmente em África e na Ásia, onde o número de pessoas que vivem em bairros degradados também está a aumentar rapidamente. A mortalidade materna mantém-se a níveis inaceitavelmente elevados em todo o mundo em desenvolvimento, tal como a incidência e prevalência do VIH/SIDA, da tuberculose e da malária. Ainda não se alcançou a igualdade entre os sexos, e muitos países não conseguiram atingir a meta de eliminar as disparidades no ensino. A degradação ambiental constitui uma enorme preocupação em todos as regiões em desenvolvimento.

32. Em 2005, é necessário que se concretize o estabelecimento de uma parceria global entre países ricos e pobres – que constitui o Objectivo 8, reiterado e desenvolvido na Conferência sobre o Financiamento do Desenvolvimento, realizada em Monterrey, no México, e na Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo, na África do Sul. Vale a pena recordar os termos desse pacto histórico. Cada país em desenvolvimento é fundamentalmente responsável pelo seu próprio desenvolvimento – mediante o reforço da

14

A/59/2005

governação, a luta contra a corrupção e a introdução das políticas e investimentos necessários para promover um crescimento impulsionado pelo sector privado e afectar o máximo de recursos nacionais possível ao financiamento de estratégias de desenvolvimento nacionais. Os países desenvolvidos, por seu turno, comprometem-se a assegurar que os países em desenvolvimento que adoptem estratégias de desenvolvimento credíveis e cujos custos tenham sido correctamente calculados recebam todo o apoio de que necessitam, sob a forma de uma maior ajuda ao desenvolvimento, um sistema comercial mais orientado para o desenvolvimento e uma maior redução da dívida. Tudo isto foi prometido, mas não cumprido. Este fracasso está patente nas listas de mortos – a que se acrescentam todos os anos milhões de nomes.

B. Estratégias nacionais 33. A pobreza extrema tem muitas causas, que vão desde circunstâncias geográficas adversas até à devastação e consequências dos conflitos, passando por uma governação insatisfatória ou corrupta (incluindo a indiferença para com comunidades marginalizadas). As armadilhas de pobreza, que deixam muitos dos países mais pobres num círculo vicioso de miséria, mesmo quando têm governos honestos e empenhados, são particularmente perniciosas. Sem infra-estruturas básicas, capital humano e uma administração pública, e sujeitos aos efeitos da doença, da degradação ambiental e de recursos naturais escassos, estes países não podem realizar os investimentos de base necessários para se lançarem num novo caminho de prosperidade, a menos que recebam um apoio externo sustentado e bem orientado.

34. Como primeiro passo no sentido de resolver estes problemas, os países necessitam de adoptar um quadro de políticas ousadas e orientadas para objectivos específicos nos próximos 10 anos, com vista a intensificar o investimento e alcançar pelo menos as metas quantitativas dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Para esse efeito, cada país em desenvolvimento onde haja pobreza extrema deve adoptar e começar a implementar, até 2006, uma estratégia de desenvolvimento nacional suficientemente ousada para alcançar as metas dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio fixadas para 2015. Essa estratégia deve alicerçar-se numa intensificação real do investimento público, bem como no reforço de capacidades, na mobilização de recursos nacionais e, nos casos em que isso seja necessário, na ajuda pública ao desenvolvimento. Esta recomendação poderá não parecer revolucionária, mas ao articularem-se directamente as acções com as necessidades decorrentes de metas ambiciosas e mensuráveis, a sua execução representará um avanço fundamental no sentido de uma atitude mais ousada e da prestação de contas ao nível da luta contra a pobreza.

35. É importante sublinhar que isto não exigirá a criação de novos instrumentos. A única coisa que exige é uma abordagem diferente em relação à sua concepção e aplicação. Os países que já têm documentos de estratégia para a redução da pobreza – planos-quadro nacionais de despesas acordados com o Banco Mundial e outros parceiros internacionais para o desenvolvimento – devem alinhá-los por um quadro decenal de políticas e investimentos que seja compatível com a consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Nos países de rendimento médio e noutros onde a realização dos Objectivos já é viável, os governos devem adoptar uma estratégia "ODM plus", com metas mais ambiciosas.

15

A/59/2005

Um quadro de acção

36. Por muito bem preparadas que sejam no papel, as estratégias de investimento destinadas a viabilizar a realização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio não funcionarão na prática se não forem apoiadas por Estados com sistemas de administração transparentes e controláveis, baseados no primado do direito, que tenham em conta os direitos civis e políticos, bem como os direitos económicos e sociais, e alicerçados numa administração pública controlável e eficiente. Muitos dos países mais pobres necessitarão de investimentos substanciais no reforço de capacidades a fim de criarem e manterem as infra-estruturas necessárias e formar e contratar pessoal qualificado. Mas sem uma boa governação, instituições fortes e um empenhamento claro em eliminar a corrupção e a má gestão onde quer que existam, não será possível realizar progressos de carácter mais geral.

37. Do mesmo modo, sem políticas económicas dinâmicas orientadas para o crescimento destinadas a apoiar um sector privado robusto capaz de ir gerando empregos, rendimento e receitas fiscais ao longo do tempo, não haverá um crescimento económico sustentável. Isto exige um reforço considerável do investimento em capital humano e em infra-estruturas orientadas para o desenvolvimento, designadamente, nos sectores da energia, transportes e comunicações. Além disso, as pequenas e médias empresas necessitam de um ambiente jurídico e regulamentar favorável, incluindo legislação comercial eficaz que defina e proteja os contratos e os direitos patrimoniais, bem como de uma administração pública racional que limite e combata a corrupção e de maior acesso a capital financeiro, designadamente, acesso ao microfinanciamento. Tal como me informaram, no ano passado, duas importantes comissões – a Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização3 e a Comissão do Sector Privado e do Desenvolvimento4 – isto é imprescindível para criar empregos dignos que permitam aos pobres, e, especialmente, às mulheres e aos jovens, obter um rendimento e tornarem-se autónomos.

38. As organizações da sociedade civil têm um papel crucial a desempenhar na implementação do processo de "fazer a pobreza passar à história". A sociedade civil não só é um parceiro indispensável quando se trata de prestar aos pobres serviços na escala que os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio exigem, como também pode impulsionar a acção dentro dos países relativamente às questões de desenvolvimento mais prementes, mobilizando movimentos com uma ampla base de implantação e gerando pressões a nível local com vista a obrigar os dirigentes a prestarem contas dos compromissos assumidos. No plano internacional, algumas organizações da sociedade civil podem ajudar a criar ou dinamizar parcerias globais relativamente a questões específicas ou chamar a atenção para a situação dos povos indígenas e de outros grupos marginalizados, enquanto outras podem trabalhar no sentido de partilhar boas práticas ao nível dos países, através do intercâmbio entre comunidades, e prestar apoio técnico e aconselhamento aos governos.

Prioridades do investimento e políticas nacionais 39. As estratégias nacionais devem ter em conta sete "categorias" gerais de investimentos e políticas públicos directamente orientados para a consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e criar as bases para um crescimento conduzido pelo sector privado. Este tema é desenvolvido no Projecto do Milénio, onde se explica que essas sete categorias são todas indispensáveis para realizar os

16

A/59/2005

Objectivos, bem como para ir ao encontro de necessidades mais gerais do desenvolvimento.

Igualdade entre os sexos: superar preconceitos sexistas comuns 40. Quando dotadas de autonomia, as mulheres são impulsionadoras muito eficazes do desenvolvimento. As intervenções directas destinadas a promover a igualdade entre os sexos visam, nomeadamente, aumentar o número de raparigas que concluem o ensino primário e têm acesso ao ensino secundário, assegurar os direitos de propriedade das mulheres, garantir o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, promover a igualdade de acesso aos mercados de trabalho, proporcionar a oportunidade de maior representação nos órgãos decisores do governo e proteger as mulheres contra a violência.

Ambiente: investir numa melhor gestão dos recursos 41. Os países devem adoptar metas ambientais a alcançar dentro de prazos concretos, particularmente no que se refere a prioridades como a replantação de florestas, gestão integrada dos recursos hídricos, preservação dos ecossistemas e contenção da poluição. Para realizar essas metas, o maior investimento em gestão ambiental deve ser acompanhado de reformas políticas de carácter mais geral. Para que haja progressos são também necessárias estratégias sectoriais, nomeadamente para os sectores da agricultura, infra-estruturas, silvicultura, pescas, energia e transportes, que exigem todos medidas de protecção ambiental. Além disso, para reduzir a pobreza e proteger o ambiente, é imprescindível melhorar o acesso a serviços energéticos modernos. As estratégias de desenvolvimento devem ainda ter em conta a necessidade de assegurar um maior acesso a água potável e ao saneamento.

Desenvolvimento rural: aumentar a produção alimentar e os rendimentos 42. Os pequenos agricultores e outras pessoas que vivem em zonas rurais pobres necessitam de nutrientes para o solo, variedades vegetais de melhor qualidade, uma melhor gestão da água e formação em práticas agrícolas modernas e sustentáveis em termos ambientais, bem como de acesso a transportes, água, saneamento e serviços energéticos modernos. Na África ao Sul do Sara, há que reunir estes elementos com vista a lançar uma revolução verde para a África do século XXI, a partir de 2005.

Desenvolvimento urbano: promover o emprego, reabilitar bairros degradados e criar alternativas para evitar o aparecimento de novos bairros degradados 43. Há um número cada vez maior de pobres a viver em zonas urbanas que necessitam de infra-estruturas de serviços básicas, como energia, transportes, controlo da poluição e eliminação de resíduos, sendo igualmente necessário melhorar a sua situação em termos de direitos de propriedade e desenvolver esforços ao nível das comunidades locais no sentido de construir habitações dignas e apoiar o planeamento urbano. Para isso, há que reforçar as autoridades locais e trabalhar em estreita colaboração com organizações de pobres das zonas urbanas.

Sistemas de saúde: garantir o acesso universal a serviços essenciais

17

A/59/2005

44. São necessários sistemas de saúde robustos para garantir o acesso universal a serviços de saúde básicos, incluindo serviços destinados a promover a saúde materna e das crianças, apoiar a saúde reprodutiva e controlar doenças mortíferas como a SIDA, a tuberculose e a malária (ver Caixa 3). A criação desses sistemas exige investimentos suficientes, um número elevado de profissionais de saúde motivados e devidamente remunerados, sistemas de gestão sólidos e a eliminação das taxas pagas pelos utentes.

Educação: garantir o ensino primário universal e alargar o ensino secundário e superior 45. A fim de promover a educação a todos os níveis, os pais e as comunidades devem poder exigir que as escolas lhes prestem contas e os governos devem melhorar os programas de estudos, a qualidade da educação e os métodos de ensino, reforçar os recursos humanos e a capacidade das infra-estruturas, onde necessário, e criar incentivos para levar crianças vulneráveis a frequentarem a escola, incluindo a eliminação da propinas.

Ciência, tecnologia e inovação: reforçar as capacidades nacionais 46. Para aumentar o potencial endógeno dos países nos domínios da ciência e tecnologia, incluindo as tecnologias da informação e comunicação, os governos devem criar organismos consultivos científicos, promover as infra-estruturas como oportunidade de aprendizagem tecnológica, aumentar o número de docentes de ciências e engenharia, e dar destaque às aplicações do ensino científico e tecnológico nas áreas do desenvolvimento e das empresas.

Caixa 3 A tragédia do VIH/SIDA

A pandemia de VIH/SIDA está a matar mais de 3 milhões de pessoas todos os anos e constitui uma ameaça sem precedentes ao desenvolvimento humano e à segurança. Esta doença está a destruir milhões de famílias e a tornar órfãs dezenas de milhões de crianças. Sendo mais do que uma simples crise de saúde pública, a SIDA compromete a estabilidade económica e social, destruindo os sistemas de saúde, educação, agricultura e segurança social. Além de provocar um enorme atraso no crescimento económico, também enfraquece as estruturas de governação e segurança, o que constitui uma outra ameaça.

Esta epidemia exige uma resposta excepcional. Na ausência de uma cura, só a mobilização em massa de todos os sectores da sociedade – de que não há conhecimento na história da saúde pública até à data – poderá começar a travar a SIDA. Isto exige programas abrangentes de prevenção, educação, tratamento e atenuação do impacte da doença, que, por sua vez, não produzirão resultados sem o empenhamento pessoal dos Chefes de Estado e de Governo em apoiar e liderar soluções verdadeiramente multi-sectoriais para o problema da SIDA.

Desde 2000, o mundo começou a alcançar alguns êxitos na luta contra a SIDA. Já há um maior número de governos que a tornaram uma prioridade estratégica e criaram estruturas administrativas integradas

18

A/59/2005

19

A/59/2005

20

A/59/2005

C. Viabilizar o Objectivo 8: comércio e financiamento do desenvolvimento 47. Para muitos países de rendimento médio e alguns dos países mais pobres, a maioria dos recursos necessários para financiar estas estratégias podem e devem ser mobilizados internamente a partir da reafectação das receitas públicas, contribuições dos agregados familiares e investimento do sector privado, podendo ser complementados por empréstimos. Mas na maioria dos países de baixo rendimento e em quase todos os países menos avançados, o máximo de recursos que se conseguirá obter desta forma ficará muito aquém daquilo que é necessário para realizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Segundo o Projecto do Milénio, num país de baixo rendimento típico, o investimento necessário só para realizar os Objectivos representará um custo de aproximadamente 75 dólares per capita em 2006, aumentando para cerca de 140 dólares em 2015 (em termos de dólares constantes). Estes montantes pequenos, que representam 33% a 50% do rendimento anual per capita desses países, ultrapassam os recursos da maioria dos países de baixo rendimento. A fim de criar as condições necessárias para um aumento do investimento privado e uma "estratégia de saída" que permita a estes países deixarem de depender da ajuda a longo prazo, é necessário um aumento substancial da ajuda ao desenvolvimento.

Ajuda 48. Uma das tendências mais animadoras dos últimos anos tem sido o aumento da ajuda pública ao desenvolvimento (APD), após dez anos de diminuição progressiva na década de 1990. Expressa como percentagem do rendimento nacional bruto dos países desenvolvidos, a APD mundial situa-se actualmente em 0,25% - muito aquém dos 0,33% alcançados em finais da década de 1980, para não falar da meta há muito fixada de 0,7%, que foi reafirmada no Consenso de Monterrey, em 2002.5 De acordo com as promessas recentes de futuros aumentos por parte de vários doadores, os fluxos anuais de APD deverão aumentar para cerca de 100 mil milhões de dólares até 2010 – quase o dobro do nível a que situavam na altura da Conferência de Monterrey. Mas uma parte significativa deste montante deve-se a reduções da dívida e à desvalorização do dólar, e não a financiamentos líquidos a longo prazo, e, em qualquer caso, o total continuaria a ser inferior em cerca de 50 mil milhões de dólares aos níveis de APD que o Projecto do Milénio calcula serem necessários só para realizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, sem falar de outras prioridades de desenvolvimento de carácter mais geral.

49. Felizmente, há indícios de novos progressos. Surgiu um novo grupo de doadores, entre os quais se incluem os novos membros da União Europeia (UE) e alguns dos países em desenvolvimento mais ricos, como o Brasil, a China e a Índia, que têm vindo, cada vez mais, a oferecer os seus conhecimentos especializados a outros países em desenvolvimento sob a forma de cooperação técnica. Cinco países doadores já atingiram a meta de 0,7%, e outros seis estabeleceram recentemente calendários para a alcançar. Os países desenvolvidos que ainda não o fizeram devem estabelecer calendários para alcançar a meta de 0,7% do seu rendimento nacional bruto para ajuda pública ao desenvolvimento, o mais tardar, até 2015,

21

A/59/2005

o que implica aumentos significativos já em 2006, a fim de conseguirem atingir um nível de 0,5% até 2009.

50. Embora haja, nitidamente, limitações de capacidade em muitos países em desenvolvimento, temos de assegurar que os países que estão preparados comecem a beneficiar imediatamente de um aumento da ajuda. Com início em 2005, os países em desenvolvimento que já apresentaram estratégias nacionais sólidas, transparentes e controláveis e necessitam de uma maior ajuda ao desenvolvimento devem beneficiar de um aumento de ajuda suficiente, de qualidade suficiente e atempado para poderem realizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

51. A maneira mais directa de aumentar os volumes de APD consiste em consagrar à ajuda percentagens crescentes dos orçamentos nacionais dos países doadores. No entanto, dado que a consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio implica um acréscimo progressivo do total de gastos de APD nos próximos anos, valerá a pena explorar novas formas de financiar um aumento acentuado a curto e médio prazo. Foram já apresentadas várias ideias sobre fontes de financiamento inovadoras a longo prazo para complementar a APD, e, neste momento, algumas delas estão a ser exploradas no âmbito de uma importante iniciativa que tem à cabeça o Brasil, o Chile, a França, a Alemanha e Espanha. Mas aquilo que é necessário agora é um mecanismo destinado a assegurar uma intensificação imediata do financiamento. O Mecanismo Internacional de Financiamento, cuja criação foi recentemente proposta, terá a possibilidade de o fazer "antecipando" fluxos futuros de APD e continuando, simultaneamente, a utilizar os canais existentes de mobilização de fundos. A comunidade internacional deve lançar, em 2005, um Mecanismo Internacional de Financiamento destinado a apoiar uma antecipação imediata de APD, com base em novos compromissos de alcançar a meta de 0,7% do RNB para APD, o mais tardar até 2015. A mais longo prazo, devem considerar-se outras fontes inovadores de financiamento do desenvolvimento destinadas a complementar aquele mecanismo.

52. Estas medidas podem, e devem, ser complementadas por acções imediatas destinadas a apoiar uma série de acções de efeitos rápidos ("quick wins") – iniciativas relativamente pouco dispendiosas e de grande impacte com a possibilidade de gerar importantes benefícios a curto prazo e salvar milhões de vidas. Essas iniciativas vão desde a distribuição gratuita em massa de redes mosquiteiras e medicamentos eficazes contra a malária até à expansão de programas de refeições escolares confeccionadas com produtos cultivados localmente e a eliminação das propinas no ensino primário, bem como das taxas cobradas aos utentes dos serviços de saúde. Estas medidas rápidas poderiam constituir um apoio vital às estratégias nacionais relacionadas com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Trata-se de medidas susceptíveis de produzir rapidamente um efeito dinâmico e de gerar êxitos a curto prazo, o que iria impulsionar o empenhamento nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, embora não substituam o investimento sustentado a longo prazo.

53. Simultaneamente, são necessárias medidas urgentes para aumentar a qualidade, transparência e controlo da APD. A ajuda deve ser articulada com as necessidades locais identificadas nas estratégias nacionais dos países e com a consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, e não com os interesses dos fornecedores dos países doadores. Isto irá evidentemente beneficiar os países

22

A/59/2005

em desenvolvimento, mas também é do interesse dos próprios países desenvolvidos mostrarem aos seus contribuintes que a ajuda é eficaz. No seguimento do Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda, realizado em Paris em Março de 2005, os países devem estabelecer, até Setembro de 2005, calendários e metas controláveis para o alinhamento dos seus mecanismos de mobilização da ajuda com as estratégias nacionais baseadas nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio dos países parceiros. Isto implica compromissos relativamente a planos de investimento baseados nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, um horizonte temporal tendo como prazo-limite 2015, financiamentos plurianuais previsíveis, uma simplificação drástica dos procedimentos e apoio orçamental directo aos países que já disponham de mecanismos apropriados.

Divida 54. Uma questão que está intimamente ligada à APD é a da dívida externa. Até à data, já foram prometidos, no âmbito da iniciativa a favor dos PPME (países pobres muito endividados), 54 mil milhões de dólares para redução da dívida de 27 países que atingiram já os pontos de decisão ou conclusão. Mas embora haja indícios convincentes de que a redução da dívida é uma forma de libertar recursos vitais para os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, os compromissos assumidos continuam a estar muito aquém daquilo que é necessário. Para avançarmos, devemos redefinir sustentabilidade da dívida como o nível de endividamento que permite a um país realizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e chegar a 2015 sem um aumento do grau de endividamento. Para a maioria dos PPME, isto exigirá financiamentos exclusivamente sob a forma de auxílios não reembolsáveis e cancelamento total da dívida, enquanto para muitos outros países muito endividados não incluídos na categoria de PPME e países de rendimento médio exigirá uma redução da dívida consideravelmente maior do que a que tem sido proposta até à data. O cancelamento de novos montantes da dívida deverá ser conseguido sem uma redução dos recursos disponíveis para outros países em desenvolvimento, e sem comprometer a viabilidade financeira das instituições financeiras internacionais a longo prazo.

Comércio 55. Embora o comércio não exclua a necessidade de investimentos em grande escala no desenvolvimento com base na APD, um sistema comercial aberto e equitativo poder ser um motor poderoso de crescimento económico e redução da pobreza, especialmente quando associado a um nível de ajuda adequado. Por conseguinte, o desenvolvimento está, justificadamente, no cerne do ciclo de negociações comerciais multilaterais de Doha promovido pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Neste momento, os países em desenvolvimento não têm frequentemente acesso a condições equitativas ao nível do comércio mundial porque os países ricos utilizam uma série de tarifas, quotas e subsídios para restringir o acesso aos seus próprios mercados e proteger os seus produtores. A reunião ministerial da OMC a realizar em Dezembro de 2005 oferece uma oportunidade, que não devemos perder, de preparar um acordo sobre a forma de corrigir este tipo de anomalias. Uma prioridade urgente é estabelecer um calendário para os países desenvolvidos desmantelarem as barreiras que impedem o acesso aos seus mercados e para começarem a eliminar gradualmente subsídios nacionais, sobretudo no sector agrícola, que provocam distorções no comércio. A fim de ir ao encontro desta

23

A/59/2005

prioridade, o ciclo de negociações comerciais multilaterais de Doha deve cumprir a sua promessa no que se refere ao desenvolvimento e ficar concluído, o mais tardar, em 2006. Como primeiro passo, os Estados-Membros devem permitir o acesso sem restrições quantitativas e com isenção de direitos para todas as exportações dos países menos avançados.

56. O Consenso de Monterrey sublinha que, para muitos países em desenvolvimento, sobretudo os mais pobres, que dependem de um reduzido número de produtos de base, existe também um problema do lado da oferta que se manifesta sob a forma de falta de capacidade para diversificar as exportações, vulnerabilidade a flutuações de preços e um declínio progressivo das razões de troca. A fim de aumentar a competitividade comercial, as estratégias nacionais relacionados com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio devem dar destaque aos investimentos na produtividade agrícola, em infra-estruturas relacionadas com o comércio e em indústrias de exportação competitivas, especialmente no caso dos países menos avançados, países em desenvolvimento sem litoral e pequenos Estados insulares em desenvolvimento. Embora já existam várias iniciativas destinadas a superar estes problemas, a promover a diversificação e a reduzir a vulnerabilidade em relação às flutuações de preços dos produtos de base, o apoio a essas iniciativas tem estado muito aquém daquilo o que é necessário.

D. Garantir a sustentabilidade ambiental 57. A nossa existência e desenvolvimento dependem, fundamentalmente, de sistemas e recursos naturais. Os nossos esforços para vencer a pobreza e alcançar o desenvolvimento sustentável serão em vão se permitirmos que a actual situação de degradação ambiental e depauperamento dos recursos naturais se mantenha. Ao nível dos países, as estratégias nacionais devem prever investimentos no melhoramento da gestão ambiental, bem como as alterações estruturais necessárias à sustentabilidade ambiental. Há que intensificar os esforços mundiais e regionais no que se refere a muitas prioridades ambientais, designadamente, as vias fluviais comuns, florestas, zonas de pesca marinhas e biodiversidade. Já temos um exemplo animador que nos mostra ser possível encontrar soluções globais. Graças ao Protocolo de Montreal sobre as Substâncias que Deterioram a Camada de Ozono,6 o risco de radiações prejudiciais parece estar a diminuir – uma prova clara da forma como os problemas ambientais globais podem ser geridos quando todos os países desenvolvem esforços firmes no sentido de implementar medidas acordadas a nível internacional. Hoje em dia, a comunidade internacional enfrenta três grandes desafios, que passamos a descrever.

Desertificação 58. A degradação de mais de mil milhões de hectares de terras tem tido um impacte devastador no desenvolvimento em muitas partes do mundo. Há milhões de pessoas que se viram obrigadas a abandonar as suas terras à medida que a agricultura e os estilos de vida nómadas se foram tornando insustentáveis. Mais umas centenas de milhões de pessoas correm o risco de se virem a tornar refugiados por motivos ambientais. A fim de combater a desertificação, a comunidade internacional tem de apoiar e aplicar a Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação nos Países Afectados por Seca Grave e/ou Desertificação, particularmente em África.7

24

A/59/2005

Biodiversidade

59. Um outro motivo de grave preocupação é a perda de de biodiversidade que se está a dar a um ritmo sem precedentes em muitos países. Para além de ser preocupante em si mesma, esta tendência também está a prejudicar gravemente a saúde, modos de vida, produção alimentar e salubridade da água, bem como a aumentar a vulnerabilidade das pessoas em relação às catástrofes naturais e as alterações climáticas. Para inverter estas tendências, é necessário que todos os governos adoptem medidas, a título individual e colectivamente, tendo em vista a aplicação da Convenção sobre a Diversidade Biológica8 e que respeitem o compromisso de Joanesburgo no sentido de alcançarem uma redução significativa da taxa de perda de biodiversidade até 2010.9

Alterações climáticas 60. Um dos maiores desafios do século XXI em termos de ambiente e desenvolvimento será controlar e superar os efeitos das alterações climáticas. A grande maioria dos cientistas concorda actualmente que a actividade humana está a ter repercussões significativas no clima. Desde o início da era industrial em meados do século XVIII, as concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera aumentaram consideravelmente, deu-se um aquecimento significativo do planeta e registou-se uma subida mensurável dos níveis do mar. Durante a década de 1990, a mais quente de que há registo, o degelo provocou uma redução da massa dos glaciares do Árctico. Dado prever-se um aumento ainda maior da concentração de gases com efeito de estufa durante o próximo século, é provável que o correspondente aumento da temperatura média da superfície do planeta contribua para uma maior variabilidade climática e uma maior incidência de fenómenos meteorológicos extremos de grande intensidade, tais como furacões e secas. Os países mais vulneráveis a estas mudanças – pequenos Estados insulares em desenvolvimento, nações costeiras com uma grande densidade populacional na faixa litoral, e países da zona árida e semi-árida dos trópicos e subtrópicos – são aqueles que menos capacidade têm para se proteger. São também aqueles que menos contribuem para as emissões mundiais de gases com efeito de estufa e que, sem fazerem nada por isso, irão sofrer as duras consequências das acções dos outros.

61. A entrada em vigor, em Fevereiro de 2005, do Protocolo de Quioto de 199710 à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas11 representa um passo importante no sentido de procurar soluções para o aquecimento global, mas aquele instrumento apenas se manterá em vigor até 2012. Depois desta data, a comunidade internacional terá de chegar a acordo sobre metas de estabilização das concentrações de gases com efeito de estufa. Os progressos científicos e a inovação tecnológica têm um importante papel a desempenhar no que se refere a atenuar os efeitos das alterações climáticas e a facilitar a adaptação a novas condições. Há que mobilizá-los desde já a fim de se desenvolverem atempadamente os instrumentos necessários. Em particular, devem aumentar-se substancialmente os fundos para investigação e desenvolvimento no domínio das fontes renováveis de energia, gestão do carbono e rendimento energético. Devem igualmente alargar-se mecanismos políticos como os mercados de direitos de emissão. Tal como ficou acordado em Joanesburgo, é sobre os países que mais contribuem para os problemas que deve recair a principal responsabilidade por atenuar as alterações climáticas e outros modelos insustentáveis de produção e consumo. Temos de definir um quadro

25

A/59/2005

internacional mais abrangente para depois de 2012, com uma maior participação dos principais responsáveis pelas emissões, bem como dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, de modo a assegurar uma acção concertada definida a nível mundial com base no princípio de responsabilidades comuns mas diferenciadas e a desenvolver, nomeadamente, através da inovação tecnológica, com o objectivo de atenuar as alterações climáticas.

E. Outras prioridades da acção mundial 62. Para ir ao encontro de necessidades de desenvolvimento mais gerais, são igualmente necessárias acções nas áreas que referimos a seguir.

Vigilância e controlo das doenças infecciosas 63. A comunidade internacional tem, de um modo geral, reagido ao aparecimento de novas pandemias com uma lentidão chocante e recursos que continuam a ser escandalosamente insuficientes. A malária continua a grassar no mundo tropical, apesar de já existirem medidas altamente eficazes para a combater e tratar. Muitas das doenças infecciosas que estão hoje a causar devastação nos países em desenvolvimento, principalmente o VIH/SIDA e a tuberculose, representam graves riscos para o mundo inteiro, sobretudo devido à resistência aos fármacos. Para combater doenças infecciosas conhecidas e novas é necessária uma resposta internacional concertada. O surto de síndrome respiratória aguda (SRA) de 2003 chamou a atenção para o facto de que a duração dos voos de longo curso é inferior aos períodos de incubação de muitas doenças infecciosas, o que significa que qualquer um dos 700 milhões de passageiros que viajam anualmente em voos internacionais pode ser, inadvertidamente, um portador de doenças.

64. A rápida reacção à SRA também mostrou que é possível conter a propagação de doenças infecciosas quando instituições mundiais eficazes, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), trabalham em estreita parceria com organismos de saúde nacionais eficientes e instituições técnicas especializadas. Nenhum Estado teria conseguido tais resultados sozinho. A fim de reforçar os mecanismos existentes e assegurar uma cooperação internacional eficaz e atempada, insto os Estados-Membros a chegarem a acordo sobre a revisão dos Regulamentos Internacionais de Saúde na Assembleia Mundial de Saúde, a realizar em Maio de 2005. Para reduzir o risco de futuros surtos, é também necessário afectar mais fundos à Rede Mundial de Alerta e Resposta a Surtos da OMS, de modo que esta possa coordenar uma ampla parceria internacional nas suas acções de apoio aos sistemas nacionais de vigilância e resposta no domínio da saúde.

Catástrofes naturais 65. O impacte devastador do tsunami no Oceano Índico lembrou-nos a todos a vulnerabilidade da vida humana face às catástrofes naturais, bem como as suas repercussões desproporcionadas para as populações pobres. Se não desenvolvermos esforços mais determinados no sentido de reduzir a perda de vidas, modos de vida e infra-estruturas, as catástrofes naturais tornar-se-ão um obstáculo cada vez maior à consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. A Conferência Mundial sobre Redução de Catástrofes Naturais, realizada no princípio de 2005, adoptou o

26

A/59/2005

Quadro de Acção de Hyogo para 2005-2015, que identifica os objectivos estratégicos e as áreas prioritárias com vista à redução do risco de catástrofes nos próximos 10 anos. Temos de avançar com a sua implementação.

66. Os países da região do Oceano Índico estão agora a adoptar medidas destinadas a criar um sistema regional de alerta rápido de tsunamis. Não devemos, no entanto, esquecer os outros riscos a que estão expostas as populações em todas as regiões do mundo, incluindo tempestades, cheias, secas, aluimentos de terras, ondas de calor e erupções vulcânicas. Para complementar iniciativas mais gerais de preparação para catástrofes e atenuação dos seus efeitos, recomendo a criação de um sistema mundial de alerta rápido para todos os perigos naturais, destinado a reforçar as capacidades nacionais e regionais existentes. Para dar apoio à criação desse sistema, vou solicitar ao secretariado da Estratégia Internacional para a Redução de Catástrofes Naturais que coordene a realização de um inquérito sobre as capacidades e lacunas existentes, em cooperação com todas as instituições pertinentes do sistema das Nações Unidas, e aguardo com expectativa os resultados desse inquérito e as recomendações do secretariado. Quando se dá uma catástrofe, é necessário também que haja mecanismos aperfeiçoados de resposta rápida que nos permitam mobilizar imediatamente a ajuda humanitária. Falaremos desses mecanismos na secção V.

Ciência e tecnologia em prol do desenvolvimento 67. A fim de impulsionar o desenvolvimento económico e permitir que os países em desenvolvimento encontrem soluções para os seus próprios problemas, é necessário um esforço mundial acrescido de apoio à investigação e desenvolvimento de modo a ir ao encontro das necessidades especiais dos pobres nos domínios da saúde, agricultura, recursos naturais e gestão ambiental, energia e clima. Devemos considerar como prioridades especiais a organização de uma ampla iniciativa mundial de investigação sobre doenças tropicais e a prestação de um maior apoio ao Grupo Consultivo para a Investigação Agrícola Internacional (CGIAR) com vista a promover a investigação sobre agricultura tropical.

68. As tecnologias de informação e comunicação (TIC) podem dar um contributo significativo para a consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. A fim de utilizar o potencial das TIC, é necessário reduzir o fosso digital, designadamente através de mecanismos voluntários de financiamento, como, por exemplo, o Fundo de Solidariedade Digital, criado recentemente.

Infra-estruturas e instituições regionais 69. Para apoiar o desenvolvimento económico é essencial que haja infra-estruturas regionais e cooperação política. Isto é particularmente importante no caso de países em desenvolvimento que não têm litoral ou são ilhas pequenas, dois tipos de países que necessitam de apoio especial. Mas há outros países que podem simplesmente ter populações pouco numerosas ou que dependem dos seus vizinhos no que se refere a transportes, alimentos, água ou energia e que também necessitam de assistência. Os doadores internacionais devem apoiar a cooperação regional que tem por objectivo resolver estes problemas, e os países em desenvolvimento devem integrar essa cooperação nas suas estratégias nacionais. A cooperação regional não deve consistir apenas em cooperação económica, devendo abranger também mecanismos

27

A/59/2005

destinados a promover o diálogo político e a procura de consensos a nível regional, de que são exemplo o Mecanismo de Avaliação Intra-Africano e a Nova Parceria para o Desenvolvimento de África (NEPAD).

Instituições mundiais 70. As instituições financeiras internacionais são essenciais para garantir o desenvolvimento no mundo inteiro e a implementação eficaz dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Exorto essas instituições a procurarem assegurar que os programas nacionais que apoiam sejam suficientemente ambiciosos para permitir a realização dos Objectivos. Além disso, as instituições financeiras internacionais e os seus accionistas devem considerar as modificações a introduzir de modo a reflectirem melhor as mudanças na economia política mundial desde 1945. Essas modificações devem ser efectuadas no contexto dos compromissos assumidos no âmbito do Consenso de Monterrey no sentido de alargar e reforçar a participação dos países em desenvolvimento e em transição no processo de decisão e estabelecimento de normas económicas internacionais. As instituições de Bretton Woods já adoptaram algumas medidas tendentes a reforçar o direito de expressar opiniões e a participação dos países em desenvolvimento. Mas são necessárias medidas mais significativas para que os países em desenvolvimento deixem de sentir que não têm representação suficiente em ambas as instituições, o que, por sua vez, põe em causa a legitimidade das mesmas.

Migração 71. Hoje em dia, o número de pessoas que vive fora do seu país de origem é maior do que em qualquer outro momento da história, e prevê-se que esse número venha a aumentar no futuro. A migração oferece muitas oportunidades – aos próprios migrantes, aos países que recebem mão-de-obra mais jovem e, também, aos países de origem dos migrantes, designadamente sob a forma de remessas de divisas, que aumentaram espectacularmente nos últimos anos. Mas a migração também acarreta muitos desafios complexos. Pode contribuir simultaneamente para o desemprego numa região ou sector e para escassez de mão-de-obra e para a "fuga de cérebros" noutra região ou sector. Se não for bem gerida, a migração também pode causar graves tensões sociais e políticas. Estas tendências têm um impacte que ainda não compreendemos inteiramente, mas penso que o relatório da Comissão Mundial sobre as Migrações Internacionais, que irei receber ainda em 2005, constituirá uma orientação valiosa. O diálogo de alto nível sobre este tema a realizar pela Assembleia Geral em 2006 proporcionará uma importante oportunidade de procurar soluções para questões difíceis neste domínio.

F. Respeitar os compromissos: um desafio 72. A tarefa urgente, em 2005, consiste em respeitar plenamente os compromissos já assumidos e viabilizar verdadeiramente o quadro já criado. Os princípios da responsabilidade mútua e do dever mútuo de prestação de contas que norteiam o Consenso de Monterrey são princípios válidos que devem ser traduzidos em acções concretas. É necessário que, na cimeira de Setembro, se estabeleça um pacto, a subscrever por todas as nações, mediante o qual estas se comprometam a agir e com base no qual se possa avaliar a sua acção. Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio não podem continuar a ser metas variáveis, a que volta e meia se faz

28

A/59/2005

referência para medir os progressos alcançados. Têm de estar, diariamente, na base das estratégias nacionais e da ajuda internacional. Sem um avanço ousado em 2005 que possa abrir caminho a progressos rápidos nos próximos anos, não conseguiremos cumprir as metas fixadas. Sejamos claros quanto ao preço que teremos de pagar se não aproveitarmos esta oportunidade: perder-se-ão milhões de vidas que poderíamos ter salvo, serão negadas muitas liberdades que poderíamos ter assegurado, e viveremos num mundo mais perigoso e instável.

73. Por essas mesmas razões, estaremos, na melhor das hipóteses, a prejudicar o desenvolvimento e, na pior das hipóteses, a inverter o processo de desenvolvimento, num mundo dilacerado por conflitos violentos ou paralisado pelo medo do terrorismo e das armas de destruição maciça, ou num mundo em que os direitos humanos serão espezinhados, o primado do direito será ignorado e as opiniões e necessidades dos cidadãos serão descuradas por governos pouco sensíveis e pouco representativos. Por conseguinte, é essencial que se registem progressos relativamente às questões de que nos ocupamos nas secções III e IV do presente relatório, se quisermos realizar os objectivos supracitados, sem esquecer que o desenvolvimento é, em si mesmo, um esteio indispensável da segurança, dos direitos humanos e do primado do direito a longo prazo.

Caixa 4 As necessidades especiais de África

Os problemas que estamos a analisar no presente relatório são problemas de carácter global, para os quais são necessárias soluções globais. Trata-se, porém, de problemas que afectam desproporcionadamente África. Se quisermos encontrar soluções verdadeiramente globais, temos de reconhecer as necessidades especiais de África, tal como fizeram os dirigentes mundiais na Declaração do Milénio. Desde as acções destinadas a realizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio até ao aumento da capacidade colectiva para estabelecer a paz e reforçar os Estados, as necessidades especiais de África estão no cerne de todas as partes do presente relatório.

Nos últimos cinco anos, têm-se registado alguns progressos em África. Actualmente, o número de Estados africanos com governos eleitos democraticamente é o maior de sempre, e os golpes militares naquele continente diminuíram significativamente. Alguns conflitos de longa data, tais como os de Angola e da Serra Leoa, foram resolvidos. Do Uganda a Moçambique, há muitos países em que se está a dar uma recuperação económica e social rápida e progressiva. E, em todo o continente, os cidadãos comuns estão a organizar-se e a expressar as suas opiniões.

Há, no entanto, uma grande parte de África – especialmente ao sul do Sara – que continua a sofrer os efeitos trágicos de conflitos violentos persistentes, da pobreza extrema e da doença. Cerca de 2,8 milhões de refugiados – e pelo menos metade dos 24,6 milhões de pessoas deslocadas internamente – são vítimas de conflitos e convulsões em África. A África continua a estar mais atrasada do que o resto do mundo em desenvolvimento no que se refere à consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Cerca de três quartos do total de mortes

29

A/59/2005

Os problemas que estamos a analisar no presente relatório são problemas de carácter global, para os quais são necessárias soluções globais. Trata-se, porém, de problemas que afectam desproporcionadamente África. Se quisermos encontrar soluções verdadeiramente globais, temos de reconhecer as necessidades especiais de África, tal como fizeram os dirigentes mundiais na Declaração do Milénio. Desde as acções destinadas a realizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio até ao aumento da capacidade colectiva para estabelecer a paz e reforçar os Estados, as necessidades especiais de África estão no cerne de todas as partes do presente relatório.

Nos últimos cinco anos, têm-se registado alguns progressos em África. Actualmente, o número de Estados africanos com governos eleitos democraticamente é o maior de sempre, e os golpes militares naquele continente diminuíram significativamente. Alguns conflitos de longa data, tais como os de Angola e da Serra Leoa, foram resolvidos. Do Uganda a Moçambique, há muitos países em que se está a dar uma recuperação económica e social rápida e progressiva. E, em todo o continente, os cidadãos comuns estão a organizar-se e a expressar as suas opiniões.

Há, no entanto, uma grande parte de África – especialmente ao sul do Sara – que continua a sofrer os efeitos trágicos de conflitos violentos persistentes, da pobreza extrema e da doença. Cerca de 2,8 milhões de refugiados – e pelo menos metade dos 24,6 milhões de pessoas deslocadas internamente – são vítimas de conflitos e convulsões em África. A África continua a estar mais atrasada do que o resto do mundo em desenvolvimento no que se refere à consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Cerca de três quartos do total de mortes causadas anualmente pela SIDA ocorrem em África, sendo as mulheres as mais afectadas. A elevada prevalência de VIH/SIDA em muitos países africanos é não só uma tragédia humana mas também um importante obstáculo ao desenvolvimento. Do milhão ou mais de pessoas que morrem anualmente devido à malária, aproximadamente 90% são habitantes da África ao Sul do Sara, na sua maioria crianças com menos de 5 anos. Grande parte da África ao Sul do Sara continua a debater-se com uma série de problemas, designadamente, custos de transportes elevados e mercados pequenos, reduzida produtividade agrícola, os efeitos devastadores da doença e a lenta difusão da tecnologia estrangeira. Todos estes factores contribuem para a persistência de pobreza nesta região.

Hoje em dia, os Estados africanos estão a tentar superar estes problemas com uma nova energia e determinação. Estão a adoptar estratégias de desenvolvimento mais vigorosas com vista a alcançarem os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio até 2015. A África está a edificar uma nova arquitectura institucional, de que fazem parte, por exemplo, a União Africana e a Nova Parceria para o desenvolvimento de

30

A/59/2005

Hoje em dia, os Estados africanos estão a tentar superar estes problemas com uma nova energia e determinação. Estão a adoptar estratégias de desenvolvimento mais vigorosas com vista a alcançarem os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio até 2015. A África está a edificar uma nova arquitectura institucional, de que fazem parte, por exemplo, a União Africana e a Nova Parceria para o desenvolvimento de África, com vista a prevenir, gerir e resolver conflitos violentos, promover a boa governação e a democracia, e criar as condições necessárias para as suas economias crescerem e prosperarem de uma forma sustentável.

Tal como afirmou a Comissão para África, constituída pelo Reino Unido, no relatório que publicou em Março de 2005, os dirigentes e populações de África necessitam de um apoio especial do resto do mundo para que este processo pioneiro seja bem sucedido. A comunidade internacional tem de ir ao encontro dessa necessidade. Tem de prestar um apoio concreto e constante aos países africanos, bem como às organizações regionais e sub-regionais, num espírito de parceria e solidariedade. Isto implica que se respeitem os compromissos já assumidos e a assumir no que se refere à redução da dívida, à abertura dos mercados e a um aumento significativo da ajuda pública ao desenvolvimento. Significa também que a comunidade internacional tem de contribuir com tropas para operações de manutenção da paz e para o reforço da capacidade dos Estados africanos para garantirem a segurança dos seus cidadãos e satisfazerem as suas necessidades.

III. Viver sem medo

74. No domínio do desenvolvimento, os resultados são insuficientes, mas, em relação à questão da segurança, apesar de haver um sentimento crescente de insegurança em muitos de nós, não chegámos sequer a um consenso e os resultados que conseguimos obter são, com demasiada frequência, contestados.

75. Se não chegarmos a acordo sobre a gravidade das ameaças e não compreendermos que todos temos o dever de as enfrentar, a ONU não poderá garantir a segurança de todos os seus Membros e de todos os povos do mundo. Nesse caso, a nossa capacidade de ajudar aqueles que querem viver sem medo a gozarem desse direito será, na melhor das hipóteses, limitada.

A. Uma nova concepção da segurança colectiva

76. Em Novembro de 2003, alarmados com as divergências de opinião entre os Estados-membros sobre como a ONU devia garantir a segurança colectiva — ou mesmo sobre a natureza das ameaças mais graves com que somos confrontados — formei o Grupo de Allto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança. Em Dezembro de 2004, o Grupo apresentou o seu relatório, intitulado "Um mundo mais seguro: a nossa responsabilidade comum" (A/59/565).

31

A/59/2005

77. Subscrevo sem reserva o projecto ambicioso exposto no relatório, bem como o seu conceito de uma segurança colectiva mais global, que abranja todas as antigas e novas ameaças e os problemas de segurança de todos os Estados. Estou convencido de que esse conceito permite superar as divergências em matéria de segurança e nos dá a orientação de que precisamos para enfrentar os dilemas dos nossos dias.

78. No século XXI, a guerra e os conflitos internacionais não são as únicas ameaças à paz e à segurança; a violência civil, o crime organizado, o terrorismo e as armas de destruição maciça constituem também ameaças. O mesmo se pode dizer da pobreza, das epidemias mortais e da degradação do ambiente, as quais têm consequências igualmente catastróficas. Todos estes fenómenos podem provocar a morte ou pôr em risco a sobrevivência. Podem minar os Estados como elemento fundamental do sistema internacional.

79. A riqueza, a situação geográfica e o poder de cada um de nós determinam aquilo que considera como ameaças mais graves. Mas a verdade é que não temos possibilidade de escolha. Hoje em dia, a segurança colectiva depende de aceitarmos que aquilo que constitui uma ameaça para uma das regiões do mundo deve ser considerado como tal por todas elas

80. No nosso mundo globalizado, as ameaças que nos espreitam estão interligadas. Os ricos são vulneráveis àquilo que representa uma ameaça para os pobres e os pobres são vulneráveis aos ricos e vice-versa. Um atentado terrorista nuclear contra os Estados Unidos ou a Europa teria consequências desastrosas para o mundo inteiro. Mas o mesmo se pode dizer acerca do aparecimento de uma nova doença infecciosa num país pobre que careça de um sistema de saúde eficaz.

81. Dado que as ameaças estão interligadas, é preciso chegar a um novo consenso sobre a segurança, cujo princípio primordial será que todos têm o direito de viver sem medo e que tudo o que constitui uma ameaça para um é uma ameaça para todos. Uma vez compreendido isto, não teremos outra opção senão enfrentar todas as ameaças. Devemos combater o VIH/SIDA tão energicamente como o terrorismo, e lutar com a mesma determinação contra a pobreza e a proliferação das armas. Devemos mostrar-nos igualmente empenhados em eliminar a ameaça das armas ligeiras e a das armas de destruição maciça. Além disso, devemos ter uma atitude preventiva perante estas ameaças e agir suficientemente cedo, recorrendo a todos os instrumentos de que dispomos.

82. Devemos assegurar-nos de que os Estados actuam em conformidade com os tratados que assinaram, para bem de todos. São necessários uma fiscalização mais coerente, uma aplicação mais rigorosa e, se for caso disso, uma repressão mais firme, se quisermos que os Estados confiem nos mecanismos multilaterais e recorram a eles, para evitar conflitos.

83. Não estamos a falar de questões teóricas, mas sim de questões de que é urgente tratar. Se não chegarmos a um acordo sobre essas questões, durante este ano, e se não começarmos a agir, poderemos ter perdido a nossa última oportunidade. É agora ou nunca que temos de transformar a ONU num instrumento eficaz de prevenção de conflitos, como foi sempre a sua vocação, tendo em conta prioridades essenciais em termos de políticas e de opções institucionais.

84. Devemos agir de modo a garantir que o terrorismo catastrófico nunca se torne uma realidade. Para isso, teremos de adoptar uma nova estratégia mundial, cujo ponto de partida será um acordo entre os Estados-membros sobre uma definição de

32

A/59/2005

terrorismo e a inclusão desta numa convenção global. Todos os Estados deverão ainda assinar e ratificar as grandes convenções sobre o crime organizado e a corrupção e também respeitá-las. Deverão igualmente comprometer-se a tomar medidas urgentes para impedir que as armas nucleares, químicas e biológicas caiam nas mãos de grupos terroristas.

85. Devemos revitalizar os sistemas multilaterais que criámos para lutar contra as ameaças provenientes das armas nucleares, biológicas e químicas. O perigo que estas armas representam não se limita ao seu uso por terroristas. Os instrumentos multilaterais que visam promover o desarmamento e impedir a proliferação das armas, concluídos entre os Estados, contribuíram, em grande medida, para a manutenção da paz e da segurança internacionais. Mas estão agora em perigo de sofrer as consequências da sua erosão. Há, por isso, que revitalizá-los, se quisermos avançar na via do desarmamento e afastar a ameaça crescente de uma proliferação em cadeia, em especial de armas nucleares.

86. Devemos continuar a procurar pôr fim aos actuais conflitos e por impedir a deflagração de novos conflitos. Isto exige esforços em prol do desenvolvimento, como preconiza a secção II deste relatório, e o reforço do apoio militar e civil, com vista a prevenir os riscos de guerra, a resolver os conflitos existentes e a instaurar uma paz duradoura. Se investirmos na prevenção, no estabelecimento, na manutenção e na consolidação da paz, poderemos salvar milhões de vidas. Teria bastado que dois acordos de paz fossem rigorosamente aplicados (os Acordos de Bicesse, em Angola, e os Acordos de Arusha, no Ruanda), no início dos anos 90, para poupar 3 milhões de vidas.

B. Prevenção do terrorismo catastrófico

Terrorismo transnacional

87. O terrorismo é uma ameaça a todos os valores que as Nações Unidas defendem: o respeito pelos direitos humanos, o primado do direito, a protecção de civis, a tolerância entre os povos e as nações, e a resolução pacífica de conflitos. Esta ameaça não parou de crescer nos últimos cinco anos. Redes transnacionais de grupos terroristas operam em todo o planeta e defendem objectivos comuns, para se tornarem uma ameaça universal. Não escondem o seu desejo de adquirir armas nucleares, biológicas e químicas e de causar perdas maciças de vidas humanas. Um único atentado terrorista poderia desencadear uma cadeia de acontecimentos que faria mudar o mundo para sempre.

88. Perante o terrorismo, devemos adoptar uma estratégia global assente em cinco pilares: dissuadir as populações de recorrerem ao terrorismo ou de o apoiarem, impedir os terroristas de obter fundos e equipamento, dissuadir os Estados de financiarem o terrorismo, ajudar os Estados a aumentarem a sua capacidade de vencer o terrorismo e defender os direitos humanos. Peço insistentemente aos Estados-membros e às organizações da sociedade civil em todo o mundo que se associem a esta estratégia.

89. É preciso tomar urgentemente as medidas que em seguida se enunciam.

90. Devemos convencer todos os que se sentem tentados a apoiar o terrorismo de que não é um meio aceitável ou eficaz de promover a sua causa. Contudo, a ONU

33

A/59/2005

não pôde exercer plenamente a sua autoridade moral nem condenar explicitamente o terrorismo, porque os Estados-membros não conseguiram chegar a um acordo sobre uma convenção contra o terrorismo que contenha a definição de terrorismo.

91. Chegou a altura de deixarmos de nos interrogar sobre o que se entende por "terrorismo de Estado". O uso da força por parte dos Estados já está regulado em termos precisos pelo direito internacional. O direito de resistir à ocupação deve ser entendido no seu verdadeiro sentido. Não pode abranger o direito de matar ou de ferir intencionalmente civis. Subscrevo inteiramente o apelo lançado pelo Grupo de Alto Nível, no sentido de que a definição de terrorismo englobe, para além dos actos visados pelas convenções em vigor, todos os actos cometidos com a intenção de causar a morte ou ferimentos graves a civis e não-combatentes, no intuito de intimidar uma população ou de obrigar um Governo ou uma organização internacional a praticarem um determinado acto ou a absterem-se de o praticar. Acredito na força moral desta proposta e exorto vivamente os dirigentes mundiais a unirem-se em torno dela e a concluírem uma convenção global sobre terrorismo, antes do fim da sexagésima sessão da Assembleia Geral.

92. É imperativo impedir os terroristas de adquirirem materiais nucleares. Para isso, é preciso reunir, proteger e, se possível, destruir os materiais perigosos e aplicar controlos efectivos das exportações. O Grupo dos Oito Países Mais Industrializados (G-8) e o Conselho de Segurança tomaram medidas importantes nesse sentido, mas devemos certificar-nos de que são aplicadas plenamente e de que se reforçam mutuamente. Exorto os Estados-membros a concluírem, sem demora, a elaboração de uma convenção internacional para repressão dos actos de terrorismo nuclear.

93. O terrorismo biológico constitui um tipo de ameaça diferente. Em breve haverá no mundo inteiro milhares de laboratórios capazes de fabricar micróbios artificiais de uma terrível letalidade. A nossa melhor defesa contra este perigo consiste em reforçar a saúde pública e, neste sentido, as medidas recomendadas na secção II têm um duplo mérito: permitir-nos-iam simultaneamente conter o flagelo das doenças infecciosas e enfrentar com êxito as epidemias provocadas pelo homem. Comprometemo-nos a reforçar os serviços locais de saúde pública -- uma tarefa que levará uma geração a ser realizada -- mas devemos esforçar-nos por dar uma resposta mundial adequada. A Rede Mundial OMS de Alerta e de Acção em Caso de Epidemia tem feito um trabalho absolutamente notável de vigilância e de intervenção em caso de epidemias mortais, de origem natural ou suspeita, dispondo apenas de um orçamento muito modesto. Exorto os Estados-membros a fornecerem-lhe os recursos de que necessita para levar a bom termo essa tarefa, no interesse de todos nós.

94. Os terroristas não têm de prestar contas a ninguém. Não esqueçamos que, pelo contrário, nós temos de responder pelos nossos actos perante os cidadãos do mundo inteiro. Na nossa luta contra o terrorismo, nunca devemos transigir em matéria de direitos humanos, pois, se o fizermos, estaremos a ajudar os terroristas a alcançarem os seus objectivos. Se renunciarmos a alguns dos nossos valores morais, não poderemos deixar de gerar tensões, ódio e desconfiança em relação aos governos entre os sectores da população em que os terroristas são recrutados. Peço insistentemente aos Estados-membros que criem um posto de relator especial encarregado de informar a Comissão de Direitos Humanos da compatibilidade

34

A/59/2005

das medidas de luta contra o terrorismo com as normas internacionais relativas a direitos humanos.

Crime organizado

95. A ameaça do terrorismo está estreitamente ligada à do crime organizado, que tem vindo a ganhar terreno e põe em perigo a segurança de todos Estados. O crime organizado fragiliza os Estados, entrava o crescimento económico, alimenta muitas guerras civis, mina os esforços de consolidação da paz das Nações Unidas e fornece mecanismos de financiamento aos grupos terroristas. As organizações criminosas estão fortemente implicadas no tráfico de migrantes e de armas.

96. Nos últimos anos, a ONU conseguiu avanços significativos na elaboração de um quadro regulador e normativo de luta contra o crime organizado e a corrupção, graças à adopção ou entrada em vigor de várias convenções e protocolos importantes. Contudo, numerosos Estados partes nestes instrumentos não os têm aplicado rigorosamente, muitas vezes apenas por falta de meios. Todos os Estados deveriam ratificar e aplicar estas convenções e ajudar-se mutuamente a reforçar o seu sistema nacional de justiça penal e o seu regime de direito. Os Estados-membros devem dotar o Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime de recursos suficientes para poder desempenhar a sua função primordial, que é controlar a aplicação dessas convenções.

C. Armas nucleares, biológicas e químicas

97. A acção multilateral que visa controlar os perigos da tecnologia nuclear, ao mesmo tempo que explora as suas potencialidades, remonta à origem da própria ONU. O Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares,12 que este mês completará 35 anos de existência, revelou-se indispensável: atenuou o perigo nuclear mas, ao mesmo tempo, demonstrou o papel importante dos acordos multilaterais na preservação da paz e da segurança internacionais. Mas hoje, denunciado pela primeira vez por uma das partes, o Tratado perdeu a sua credibilidade e o seu cumprimento suscita dúvidas, pois é cada vez mais difícil fazê-lo aplicar e verificar essa aplicação. Por sua vez, a Conferência sobre Desarmamento vê posta em causa a sua razão de ser, em parte porque as disfunções que caracterizam os seus processos de decisão a paralisam.

98. É essencial avançar nos domínios do desarmamento e da não proliferação e nenhum deles deve ficar refém do outro. Há que registar com agrado as decisões a favor do desarmamento tomadas recentemente pelos Estados possuidores da arma nuclear. Os acordos bilaterais, nomeadamente o Tratado de 2002 sobre a Redução das Armas Estratégicas Ofensivas, assinado pelos Estados Unidos da América e a Federação Russa, levaram à destruição de milhares de armas nucleares, destruição essa que foi acompanhada de compromissos assumidos pelas partes no sentido de reduzir ainda mais acentuadamente os seus stocks de armas. Contudo, o estatuto especial dos Estados detentores da arma nuclear confere-lhes uma responsabilidade especial e devem ir mais longe, procedendo, entre outras coisas, a uma redução adicional do seu arsenal de armas nucleares não-estratégicas e continuando a respeitar os acordos de controlo dos armamentos que impõem a destruição total e definitiva dessas armas. Deveriam igualmente

35

A/59/2005

reafirmar a sua determinação em oferecer garantias negativas de segurança. É importante que negoceiem rapidamente um tratado de proibição de matérias físseis. A moratória sobre os ensaios nucleares deve ser aplicada, enquanto não se tiver conseguido a entrada em vigor do Tratado de Proibição Total dos Ensaios Nucleares. Incentivo vivamente os Estados partes no Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares a aprovarem estas medidas na Conferência das Partes de 2005.

99. A proliferação da tecnologia nuclear exacerbou as tensões que há muito se faziam sentir no regime nuclear e que se deve simplesmente ao facto de a tecnologia que serve para fabricar combustíveis nucleares civis poder servir para produzir armas nucleares. Para atenuar essas tensões, é preciso enfrentar os perigos da proliferação nuclear mas também tomar em consideração as importantes aplicações da tecnologia nuclear em domínios como o ambiente, a energia, a economia e a investigação. Em primeiro lugar, os poderes de verificação da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) deveriam ser reforçados por meio da adopção universal do Modelo de Protocolo Adicional. Em segundo lugar, ao mesmo tempo que preservamos o acesso dos Estados não detentores da arma nuclear aos benefícios da tecnologia nuclear, devemos tentar incitar os Estados a renunciarem voluntariamente a possuir meios de produção de urânio enriquecido e de separação do plutónio, garantindo-lhes o fornecimento de combustível destinado a utilizações pacíficas. Uma opção possível seria um acordo que permitisse que a AIEA actuasse como garante do fornecimento de matérias físseis a utilizadores de materiais físseis para fins civis, a preços de mercado.

100. Se bem que o Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares continue a ser o fundamento do regime de não-proliferação, devemos acolher com satisfação as medidas tomadas recentemente para o complementar. Entre elas figuram a resolução 1540 (2004) do Conselho de Segurança, que visa impedir os actores não estatais de terem acesso a armas, tecnologias e materiais nucleares bem como aos seus vectores; e a Iniciativa de Segurança contra a Proliferação, à qual se tem vindo a associar um número crescente de Estados, para impedir o tráfico ilícito de armas nucleares, biológicas e químicas.

101. As quantidades disponíveis de mísseis balísticos de longo alcance e de precisão acrescida constituem um problema cada vez mais preocupante para muitos Estados, o mesmo acontecendo com o proliferação de mísseis portáteis que poderiam ser utilizado por terroristas. Os Estados-membros deveriam adoptar medidas de controlo eficazes que abrangessem as exportações de mísseis e de outros vectores de armas nucleares, biológicas e químicas e de mísseis portáteis e proibir a sua venda a actores não estatais. O Conselho de Segurança deveria ponderar a possibilidade de adoptar uma resolução que visasse impedir os terroristas de adquirirem ou utilizarem mísseis portáteis.

102. Nos casos em que se registaram progressos, há que consolidar os resultados obtidos. A Convenção de 1997 sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenagem e Utilização de Armas Químicas e sobre a sua Destruição13 preconiza a eliminação e a destruição completas das armas químicas por todos os Estados Partes, dando, assim, pela primeira vez a possibilidade de levar a bom termo uma tarefa iniciada há mais de um século. Os Estados Partes na Convenção sobre

36

A/59/2005

Armas Químicas deveriam renovar o seu compromisso de destruir, nos prazos acordados, os stocks de armas químicas declaradas. Peço a todos os Estados que adiram imediatamente à Convenção.

103. A Convenção de 1975 sobre a Proibição do Desenvolvimento, da Produção e do Armazenamento de Armas Bacteriológicas (Biológicas) ou Toxínicas e sobre a sua Destruição14 tem beneficiado de um apoio notável e de uma forte adesão, reforçada pelas últimas reuniões anuais. Os Estados Partes deveriam consolidar os resultados destas reuniões na Conferência das Partes de 2006 e comprometer-se a tomar novas medidas destinadas a reforçar a Convenção sobre Armas Biológicas e Toxínicas. Exorto também todos os Estados a aderirem imediatamente à Convenção e a tornarem os seus programas de defesa biológica mais transparentes.

104. É necessário intensificar os esforços para reforçar a segurança biológica. A competência do Secretário-Geral para investigar possíveis casos de utilização suspeita de agentes biológicos, que lhe foi conferida pela Assembleia Geral, através da sua resolução 42/37, deve ser reforçada, de modo a ter em conta a evolução das tecnologias nesse domínio; e o Conselho de Segurança deveria fazer um apelo nesse sentido, nos termos da sua resolução 620 (1988).

105. De facto, o Conselho de Segurança deve ser melhor informado acerca de todas as questões relativas a ameaças nucleares, químicas e biológicas. Insto o Conselho a convidar regularmente o Director-Geral da AIEA e o Director-Geral da Organização para a Proibição das Armas Químicas a informá-lo da situação dos procedimentos de salvaguarda e de verificação. Pela minha parte, comprometo-me, em virtude dos poderes que me são conferidos pelo Artigo 99º da Carta, a chamar a atenção do Conselho de Segurança para qualquer surto importante de doença infecciosa que possa ameaçar a paz e segurança internacionais, depois de ter consultado o Director-Geral da Organização Mundial de Saúde.

D. Resolução e prevenção de conflitos

106. Nenhuma tarefa se reveste de maior importância para a ONU do que a prevenção e resolução de conflitos mortíferos. A prevenção, em particular, deve estar no centro de toda a nossa acção, desde a luta contra a pobreza à promoção do desenvolvimento sustentável, passando pelo reforço das capacidades nacionais de gestão de conflitos, a promoção da democracia e do estado de direito, a redução da circulação de armas ligeiras e as actividades de prevenção directa, tais como os bons ofícios, as missões do Conselho de Segurança ou o envio preventivo de forças.

107. Os Estados-membros devem dar à ONU a estrutura e os recursos de que precisa para realizar essas tarefas essenciais.

Mediação

108. Embora seja difícil demonstrá-lo, a ONU impediu muito provavelmente numerosas guerras, recorrendo aos bons ofícios do Secretário-Geral para ajudar a resolver os conflitos pacificamente. A mediação permitiu resolver mais conflitos civis nos últimos 15 anos do que durante os dois séculos anteriores, em grande parte medida graças às Nações Unidas, que deram um impulso importante e criaram possibilidades de negociações, asseguraram a coordenação estratégica e forneceram recursos necessários para a aplicação dos acordos de paz. Mas teríamos certamente

37

A/59/2005

podido salvar mais vidas, se tivéssemos disposto dos meios e pessoal suficientes. Peço insistentemente aos Estados-membros que forneçam recursos suplementares, destinados a permitir que o Secretário-Geral prossiga as suas missões de bons ofícios.

Sanções

109. As sanções são uma ferramenta essencial que permite que o Conselho de Segurança enfrente as ameaças à paz e segurança internacionais. Representam um meio termo indispensável entre a intervenção armada e as palavras. Em certos casos, podem ajudar a estabelecer acordos. Noutros, conjugadas com pressões militares, podem contribuir para enfraquecer e isolar grupos rebeldes ou Estados que agem em flagrante violação das resoluções do Conselho de Segurança.

110. A ONU continuará a impor sanções (financeiras, diplomáticas, no domínio das armas, transporte aéreo, viagens, bens, etc.) especificamente dirigidas aos beligerantes e, em especial, aos dirigentes directamente responsáveis por políticas condenáveis. Tais sanções continuam a ser um dos principais meios de acção de que a Organização dispõe. Todas as sanções decretadas pelo Conselho de Segurança devem ser rigorosamente impostas e respeitadas; é preciso dar aos Estados os meios necessários para o efeito, introduzir mecanismos de vigilância dotados de rescursos suficientes e atenuar as consequências no plano humanitário. Atendendo às condições difíceis em que as sanções são, com frequência, aplicadas e às lições aprendidas nos últimos anos, os novos regimes de sanções devem ser definidos com precisão, de forma a pouparem tanto quanto possível terceiros inocentes (incluindo a população civil dos países visados) e a proteger a integridade dos programas e instituições envolvidos.

Manutenção da paz

111. Durante décadas, a ONU esforçou-se seriamente por estabilizar zonas de conflito e, nos últimos 15 anos, ajudou também alguns países a saírem de um conflito, colocando no terreno as suas forças de manutenção da paz. Desde a apresentação do relatório do Grupo de Estudo sobre as Operações de Manutenção da Paz (A/55/305-S/2000/809, anexo), que esteve na origem de importantes reformas em matéria de gestão das operações de manutenção da paz, os Estados-membros recuperaram a confiança no papel da ONU no domínio da manutenção da paz e pedem cada vez mais que o desempenhe. Nunca houve tantas missões das Nações Unidas no terreno como hoje. A maioria delas actua em África, para onde, lamento muito dizê-lo, os países desenvolvidos hesitam cada vez mais em enviar as suas tropas, se bem que estejamos no limite dos nossos meios de intervenção.

112. Apelo aos Estados-membros para que se esforcem mais por dotar a ONU de meios que lhe permitam manter a paz eficazmente e sejam proporcionados às expectativas depositadas na Organização. Exorto-os, em especial, a melhorar as modalidades de envio de forças, criando reservas estratégicas que possam ser colocadas rapidamente no terreno, no quadro dos mecanismos das Nações Unidas. Os novos meios de intervenção que a ONU venha a criar não irão fazer concorrência aos notáveis mecanismos criados por numerosas organizações regionais, devendo antes cooperar com eles. As decisões tomadas pela União Europeia e a União Africana no sentido de constituir grupos tácticos e forças de reserva,

38

A/59/2005

respectivamente, deram um contributo precioso para a nossa acção. De facto, creio que chegou o momento de darmos um passo em frente decisivo: a criação de um sistema de capacidades de manutenção da paz interdependentes, graças ao qual a ONU poderia trabalhar com as organizações regionais competentes em parcerias previsíveis e fiáveis.

113. Sem estado de direito não pode haver uma paz duradora. As forças de paz das Nações Unidas têm, por isso, o dever de agir de acordo com a lei e, em particular, de respeitar os direitos das populações que foram encarregadas de ajudar. Em face das recentes acusações de comportamento repreensível feitas a funcionários da ONU e a Capacetes Azuis, o sistema das Nações Unidas deveria reafirmar o seu compromisso de respeitar e aplicar o direito internacional, os direitos fundamentais e as regras processuais básicas. Velarei por que a ONU disponha de meios suplementares para supervisionar as operações de manutenção da paz e lembro aos Estados-membros que é seu dever apresentar à justiça todos os membros dos seus contingentes que tenham cometido delitos ou infracções nos Estados onde foram colocados. Estou particularmente consternado com as acusações de exploração sexual de menores e de outras pessoas vulneráveis proferidas contra Capacetes Azuis. Dispus que, em relação a esses casos, fosse adoptada uma política de "tolerância zero" que se aplica a todo o pessoal das operações de manutenção da paz das Nações Unidas. Incito vivamente os Estados-membros a fazerem o mesmo em relação aos seus contingentes nacionais.

Consolidação da paz

114. Os êxitos alcançados no plano das actividades de mediação e de aplicação de acordos de paz foram lamentalmente ensombrados por certos fracassos com consequências terríveis. Na verdade, alguns dos episódiós mais violentos e mais trágicos da década de 90 registaram-se após a negociação de acordos de paz, como aconteceu em Angola, em 1993, e no Ruanda, em 1994. Cerca de metade dos países que saem de um conflito volta a cair na violência nos cinco anos seguintes. A comprovação destes dois factos fez-nos perceber que, se quisermos prevenir conflitos, temos de velar por que os acordos de paz sejam aplicados de uma maneira viável e duradoura. Existe, no entanto, uma lacuna enorme na estrutura institucional da ONU: nenhum elemento do sistema das Nações Unidas tem capacidade para ajudar eficazmente os países a serem bem sucedidos no processo de transição de um conflito para uma paz duradoura. Assim, proponho aos Estados-membros que criem, para esse efeito, uma Comissão intergovernamental de Consolidação da Paz bem como um Gabinete de Apoio à Consolidação da Paz no Secretariado da ONU.

115. A Comissão de Consolidação da Paz poderia desempenhar as seguintes funções: no rescaldo da guerra, reforçar as actividades de planeamento da ONU em prol da recuperação duradoura, privilegiando a rápida criação das instituições necessárias; ajudar a assegurar o financiamento previsível das actividades de recuperação, nomeadamente apresentando um resumo dos mecanismos de financiamento (contribuições estatutárias, contribuições voluntárias e fundos permanentes); melhorar a coordenação de muitas actividades posteriores ao conflito levadas a cabo pelos fundos, programas e organismos das Nações Unidas; proporcionar um fórum que permita à ONU, aos principais doadores multilaterais, aos países que fornecem contigentes, às organizações e actores regionais

39

A/59/2005

competentes, às instituições financeiras internacionais e às autoridades nacionais ou ao governo de transição do país em questão partilhar informações sobre as suas respectivas estratégias de recuperação após um conflito, com vista a uma maior coerência; analisar periodicamente os progressos alcançados no domínio da realização dos objectivos de recuperação a médio prazo; e focar durante mais tempo a atenção política aos países em fase de recuperação de um conflito. No meu entender, esse órgão não deveria assumir funções de alerta precoce ou de controlo, mas seria desejável que os Estados-membros pudessem, a qualquer momento, pedir conselho à Comissão de Consolidação da Paze e solicitar a ajuda de um fundo permanente para a consolidação da paz, para criarem as suas próprias insituições nacionais, a fim de atenuarem os conflitos, nomeadamente reforçando as instituições que garantem o estado de direito.

116. Penso que esse órgão ganharia em eficácia e legitimidade, se fosse colocado sob a autoridade do Conselho de Segurança e do Conselho Económico e Social, por esta ordem, em função das fases do conflito. Haveria que evitar a prestação simultânea de contas a estes dois órgãos, porque isso geraria duplicação de actividades e semearia a confusão.

117. Para ser realmente eficaz, a Comissão de Consolidação da Paz deveria ser composta por um número igual de membros do Conselho de Segurança e do Conselho Económico e Social, bem como por representantes dos principais países fornecedores de contingentes e dos principais doadores do fundo permanente para a consolidação da paz. A Comissão de Consolidação da Paz deveria fazer participar nas operações levadas a cabo em cada país as autoridades nacionais ou de transição, as organizações e actores regionais competentes, os países que fornecem tropas, se for caso disso, e os principais doadores do país em questão.

118. A participação das instituições financeiras internacionais é indispensável. Iniciei, por isso, discussões com elas, a fim de determinar qual a melhor maneira de participarem nestas actividades, tendo em conta os seus respectivos mandatos e os regimes pelos quais se regem.

119. Uma vez concluídas estas discussões, isto é, antes de Setembro de 2005, submeterei à apreciação dos Estados-membros uma proposta mais pormenorizada.

Armas ligeiras e de pequeno calibre e minas anti-pessoal

120. A acumulação e proliferação de armas ligeiras e de pequeno calibre continuam a ser uma ameaça grave à paz, à estabilidade e ao desenvolvimento sustentável. Desde a adopção, em 2001, do Programa de Acção para Prevenir, Combater e Erradicar o Tráfico Ilícito de Armas Ligeiras e de Pequeno Calibre em Todos os Seus Aspectos,15 a comunidade internacional tem maior consciência do problema e lançou várias iniciativas para lhe fazer face. Agora devemos começar a tentar que as coisas mudem, aplicando com mais firmeza os embargos de armas, reforçando os programas de desarmamento dos ex-combatentes e negociando a adopção de um instrumento internacional juridicamente vinculativo que regule a marcação e rastreamento e um segundo instrumento que vise prevenir, combater e eliminar a corretagem ilícita. Peço insistentemente aos Estados-membros que adoptem um instrumeno que regule a marcação e o rastreamento, antes da Conferência encarregada de analisar a execução do Programa de Acção, que terá lugar no próximo ano, e a acelerarem as negociações sobre um instrumento relativo à corretagem ilícita.

40

A/59/2005

121. Devemos igualmente prosseguir a nossa acção contra o verdadeiro flagelo que são as minas anti-pessoal que -- tal como todos os restos de explosivos de guerra -- continuam a matar e mutilar inocentes em quase metade dos países do mundo e impedem comunidades inteiras de vencer a pobreza. A Convenção sobre a Proibição da Utilização, Armazenagem, Produção e Transferência de Minas Antipessoal e sobre a sua Destruição,16 complementada pelo Protocolo II17 que altera a Convenção sobre a Proibição ou Limitação do Uso de Certas Armas Convencionais que podem ser consideradas como produzindo efeitos traumáticos excessivos ou ferindo indiscriminadamente,18 tem agora 144 Estados Partes e modificou realmente a situação no terreno. As transferências de minas cessaram praticamente, foram desminadas vastas zonas e mais de 31 milhões de minas armazenadas foram destruídas. Contudo, nem todos os Estados Partes na Convenção a aplicaram plenamente e os Estados que ainda não aderiram à Convenção têm armazenadas nos seus arsenais importantes quantidades de minas. Peço, pois, aos Estados Partes que respeitem plenamente as suas obrigações e convido os Estados que ainda não o fizeram a aderir sem demora à Convenção e ao Protocolo.

E. Uso da força

122. Por último, o consenso que procuramos tem de estabelecer quando e como podemos recorrer ao uso da força para defender a paz e a segurança internacionais. Nos últimos anos, esta questão dividiu profundamente os Estados-membros. Estes tinham opiniões divergentes sobre se os Estados têm o direito ao uso preventivo da força militar para se defenderem de um ataque iminente; sobre se têm o direito de recorrer à força em caso de ameaça latente ou não iminente; e sobre se têm o direito -- ou talvez o dever -- de a usar a título de protecção, para ajudar os cidadãos de outros Estados que são vítimas de um genocídio ou de crimes comparáveis.

123. É fundamental chegar a acordo sobre estas questões, se se quiser que a ONU, tal como está previsto no seu mandato, sirva de fórum para resolver os diferendos e não de palco para os expor. Continuo a estar convencido de que a Carta das Nações Unidas, tal como existe hoje, proporciona uma boa base para o acordo de que precisamos.

124. As ameaças iminentes estão totalmente abrangidas pelo Artigo 51º da Carta, que garante o direito natural à legítima defesa de qualquer Estado soberano, sempre que for alvo de uma agressão armada. Há muito que os juristas reconheceram que esta disposição abrange os ataques iminentes bem como aqueles que já tiveram lugar.

125. Quando as ameaças não são iminentes, mas sim latentes, a Carta confere ao Conselho de Segurança plena autoridade para empregar a força militar, incluindo de forma preventiva, a fim de preservar a paz e a segurança internacionais. Quanto ao genocídio, à limpeza étnica e a outros crimes contra a humanidade comparáveis, será que não constituem também aemeaças à paz e à segurança internacionais, contra as quais a humanidade deveria poder pedir a protecção do Conselho de Segurança?

126. Aquilo que se pretende não é encontrar alternativas ao Conselho de Segurança, como fonte de autoridade, mas sim melhorar o seu funcionamento. Assim, quando ponderam autorizar ou aprovar o uso da força militar, os membros do Conselho de Segurança deveriam chegar a uma posição comum sobre como medir a gravidade da ameaça; a legitimidade do motivo da intervenção militar proposta; se é plausível que uma solução que não seja o uso da força possa pôr termo à ameaça; se a intervenção

41

A/59/2005

militar proposta é proporcional à ameaça considerada; e se há possbilidades reais de a intervenção ser bem sucedida. Se defendesse uma acção militar nestes termos, o Conselho tornaria os seus debates mais transparentes e as suas decisões seriam mais susceptíveis de ser respeitadas, tanto pelos governos como pela opinião pública mundial. Recomendo, pois, ao Conselho de Segurança que adopte uma resolução que defina esses princípios e expresse a sua intenção de se inspirar neles, quando decidir autorizar ou solicitar o uso da força.

IV. Viver com dignidade

127. Na Declaração do Milénio, os Estados-membros afirmaram que não poupariam esforços para promover a democracia e reforçar o estado de direito, bem como o respeito por todos os direitos e liberdades fundamentais reconhecidos a nível internacional. Ao fazê-lo, reconheceram que, se o direito de viver ao abrigo da necessidade e do medo era essencial, não era suficiente: todos os serem humanos têm igualmente direito a serem tratados com dignidade e respeito.

128. A protecção e promoção de valores universais como o primado do direito, os direitos humanos e a democracia constituem um fim em si. São indispensáveis para instaurar um mundo de justiça, de oportunidades e de estabilidade. Nenhum programa de segurança nem nenhum esforço em prol do desenvolvimento podem ser bem sucedidos, se não estiverem firmemente assentes no respeito pela dignidade humana.

129 Se pensarmos na legislação existente, concluiremos que nenhuma geração recebeu um património como o nosso. Temos a sorte de ter à nossa disposição uma carta internacional dos direitos humanos, que contém normas notáveis que visam proteger os mais fracos dos mais fortes, incluindo as vítimas de um conflito ou de perseguição. Beneficiamos igualmente de um conjunto de regras internacionais que abrangem todos os domínios, desde o comércio ao direito do mar, do terrorismo ao ambiente, das armas ligeiras às armas de destruição maciça. Tomámos consciência, à custa de uma experiência dolorosa, da necessidade de integrar nos acordos de paz disposições relativas aos direitos humanos e ao primado do direito e de velar pela sua aplicação. Uma experiência ainda mais dolorosa fez-nos compreender que em caso algum devia um Estado invocar um princípio legal -- mesmo o da soberania -- para deixar passar um genocídio, crimes contra a humanidade ou um sofrimento humano generalizado.

130. Mas, se não forem aplicadas, as nossas declarações parecem ocas. E, se não se traduzirem em actos, as nossas promessas carecem de sentido. Os aldeões que fogem com medo ao som dos ataques aéreos levados a cabo por ordem do seu governo ou quando aparecem ao longe milícias assassinas não encontram consolo no texto, que se tornou letra morta, das Convenções de Geneva, isto já para não falar nas promessas solenes de "nunca mais", proferidas pela comunidade internacional a propósito das atrocidades cometidas no Ruanda, há dez anos. Os tratados que proíbem a tortura são uma fraca consolação para os prisioneiros vítimas dos seus carcereiros, em particular se os dispositivos internacionais relativos aos direitos humanos permitirem que os responsáveis se escondam atrás de amigos detentores de altos cargos. Uma população cansada da guerra e cheia de esperança, após a assinatura de um acordo de paz, cai facilmente no desespero quando, em vez de comprovar avanços em direcção à instauração de um governo respeitador da

42

A/59/2005

legalidade, vê senhores da guerra e chefes de bandos tomarem o poder e estabelecerem as suas próprias leis. E as promessas solenes a favor do reforço da dmocracia a nível nacional, feitas por todos os Estados na Declaração do Milénio, não passam de palavras sem sentido para aqueles que nunca puderam eleger os seus dirigentes e que não vêem sinais de mudança.

131. A fim da promover um conceito mais amplo de liberdade, a ONU e os seus Estados-membros devem reforçar o quadro normativo que foi introduzido e desenvolvido de uma maneira tão impressionante nos últimos 60 anos. E, o que é ainda mais importante, devemos tomar medidas concretas para limitar a aplicação selectiva, o cumprimento arbitrário e a impunidade. Essas medidas dariam um novo impulso aos compromissos assumidos na Declaração do Milénio.

132. Estou, pois, convencido de que há que tomar decisões, em 2005, para contribuir para o reforço do primado do direito a nível nacional e internacional, elevar a estatura e melhorar a estrutura dos mecanismos das Nações Unidas relativos aos direitos humanos e apoiar mais directamente os esforços desenvolvidos em prol da instauração e reforço da democracia em todo o mundo. Devemos igualmente avançar na via da adopção e da aplicação do princípio da "responsabilidade de proteger" as vítimas, potenciais ou reais, de atrocidades maciças. Chegou o momento de os governos prestarem contas, aos seus cidadãos e aos outros governos, da sua acção a favor do respeito pela dignidade das pessoas, respeito esse que, com demasiada frequência, professam apenas por palavras. Devemos passar da era de elaboração de legislação para a da sua aplicação. É isso que exigem os nossos princípios declarados e os nossos interesses comuns.

A. Primado do direito

133. Creio firmemente que uma nação que proclame o primado do direito no seu território o deve respeitar no estrangeiro e que um nação que insiste no primado do reito no estrangeiro o deve respeitar no plano nacional. Na verdade, na Declaração do Milénio, todas as nações reafirmaram o seu compromisso em relação ao primado do direito como quadro indispensável para promover a segurança e a prosperidade. Contudo, em numerosos lugares, os governos e as pessoas continuam a violar o estado de direito, muitas vezes com impunidade, mas com consequências mortais para os que são fracos e vulneráveis. Noutros casos, aqueles que não têm a menor intenção de respeitar o primado do direito, nomeadamente os grupos armados e os terroristas, aproveitam-se da fraqueza das nossas instituições encarregadas de estabelecer a paz e dos nossos mecanismos de aplicação para escarnecer desse princípio. O primado do direito, enquanto mero conceito, não basta. É preciso adoptar novas leis, aplicar as leis que já existem e dar às nossas instituições meios para reforçarem o estado de direito.

134. É no domínio do direito internacional humanitário que o fosso entre retórica e realidade — ou seja, entre declarações e actos — é mais acentuado. Quando a comunidade internacional se vê confrontada com um genocídio ou com violações dos direitos humanos a grande escala, é inaceitável que a ONU se mantenha passiva e deixe os acontecimentos seguir o seu curso, com consequências desastrosas para milhares de inocentes. Há já vários anos que chamo a atenção dos Estados-membros para esta questão. Quando do décimo aniversário do genocídio no Ruanda, apresentei um plano de acção de cinco pontos que visava prevenir qualquer

43

A/59/2005

genocídio. Esse plano dá especial ênfase à necessidade de agir para evitar conflitos armados, de adoptar medidas concretas para proteger os civis, de tomar medidas judiciais contra a impunidade, de nomear um Assessor Especial para a Prevenção do Genocídio, no quadro de uma estratégia de alerta precoce, e de agir rapidamente e de maneira decisiva, quando foi ou está a ser perpetrado um genocídio. Ainda há, no entanto, muito a fazer para prevenir novas atrocidades e para garantir que a comunidade internacional aja sem demora, em caso de violações maciças dos direitos humanos.

135. A Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania dos Estados e, mais recentemente, o Grupo de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança, constituída por 16 membros, oriundos de todo o mundo, subscreveram aquilo a que chamam uma "nova norma que estabelece um dever colectivo internacional de proteger" (ver A/59/565, parº. 203). Apesar de ter perfeita consciência de que se trata de uma questão delicada, concordo totalmente com essa abordagem. Estou convencido de que devemos assumir a responsabilidade de proteger e, quando for necessário, tomar as medidas que se impõem. Esta responsabilidade recai, antes do mais, sobre cada Estado, que tem como principal razão de ser e como dever primordial proteger a sua população. Contudo, se as autoridades nacionais não puderem ou não quiserem proteger os seus cidadãos, cabe à comunidade internacional utilizar os meios diplomáticos, humanitários e outros necessários para proteger os direitos humanos e o bem-estar das populações civis. Se esses meios se revelarem insuficientes, o Conselho de Segurança pode decidir, em caso de necessidade, tomar medidas previstas na Carta das Nações Unidas, incluindo, se preciso for, uma acção coerciva. Neste caso, tal como noutros, deveria respeitar os princípios enunciados na secção III do presente relatório.

136. O apoio ao primado do direito deve ser reforçado por meio da adesão universal às convenções multilaterais. Actualmente, numerosos Estados permanecem fora do quadro das convencões multilaterais, impedindo, por vezes, a entrada em vigor de convenções importantes. Há cinco anos, criei modalidades especiais para permitir aos Estados assinarem ou ratificarem tratados de que sou depositário. Esta iniciativa foi coroada de êxito e, desde então, tiveram lugar todos os anos cerimónias desse tipo. A cerimónia deste ano centrar-se-á sobre 31 tratados internacionais que visam ajudar a comunidade internacional a vencer os desafios que enfrenta, sendo atribuída especial atenção aos direitos humanos, aos refugiados, ao terrorismo, ao crime organizado e ao direito do mar. Exorto os dirigentes a ratificarem e a aplicarem todos os tratados relacionados com a protecção de civis.

137. A existência de instituições jurídicas e judiciais nacionais eficazes é indispensável para garantir o êxito dos nossos esforços com vista a ajudar as sociedades a superarem um passado marcado pela violência. Contudo, a ONU, as outras organizações internacionais e os Estados-membros carecem de meios para apoiar essas instituições. Como sublinhei no meu relatório sobre o estado de direito e a administração da justiça durante o período de transição, nas sociedades que vivem um conflito ou saíram de um conflito (S/2004/616), as nossas capacidades de avaliação e de planeamento são insuficientes, tanto no terreno como na Sede. Isso leva a que a assistência seja, frequentemente, esporádica, lenta e pouco adaptada ao objectivo último. A fim de ajudar a ONU a realizar as suas potencialidades neste domínio, tenciono criar uma Unidade de Assistência em Matéria de Primado do Direito, que utilizará em grande medida os recursos humanos actualmente

44

A/59/2005

repartidos pelo conjunto do sistema das Nações Unidas, no seio do Gabinete de Apoio à Consolidação da Paz (ver secção V mais adiante), a fim de contribuir para as iniciativas nacionais que visam restabelecer o estado de direito nas sociedades que vivem um conflito ou acabam de sair de um conflito.

138. A justiça é uma componente indispensável do estado de direito. Alcançaram-se progressos consideráveis graças à criação do Tribunal Penal Internacional, ao trabalho do Tribunal Pena Internacional para a ex-Jugoslávia e do Tribunal Penal Internacional para o Ruando e à criação de um tribunal misto na Serra Leoa. Aliás, em breve, esperamos, será criado um tribunal misto no Camboja. Entre outras iniciativas importantes figuram a criação de comissões de peritos e de comissões de inquérito, tais como as relativas ao Darfur, a Timor-Leste e à Costa do Marfim. Todavia, a impunidade continua a obscurecer os progressos realizados no domínio direito internacional humanitário, tendo como consequências trágicas as violações flagrantes e generalizadas dos direitos humanos que ainda perduram. Para multiplicar as possibilidades de recurso oferecidas às vítimas de atrocidades e para impedir novos erros, encorajo os Estados-membros a cooperarem plenamente com o Tribunal Penal Internacional e com os outros tribunais internacionais ou mistos encarregados de julgar crimes de guerra e a entregarem as pessoas acusadas, quando isso lhes for solicitado.

139. O Tribunal Internacional de Justiça está no centro do sistema internacional encarregado de resolver os diferendos entre Estados. O número de sentenças proferidas pelo Tribunal aumentou significativamente, nos últimos anos, e alguns litígios foram resolvidos, mas os recursos continuam a ser largamente insuficientes. Há, pois, que ponderar a possibilidade de reforçar a acção do Tribunal. Peço insitentemente aos Estados que ainda o não fizeram que encarem a hipótese de reconhecer a jurisdição obrigatória do Tribunal, se possível de um modo geral ou, pelo menos, em situações precisas. Peço também insistentemente a todas as partes que tenham em conta a autoridade do Tribunal em matéria de pareceres e que recorram com mais frequência aos seus serviços. Seria ainda preciso, em cooperação com os Estados em litígio, tomar medidas que visem melhorar os métodos de trabalho do Tribunal e reduzir a duração dos seus procedimentos.

B. Direitos humanos

140. Os direitos humanos são tão fundamentais para os pobres como para os ricos e a sua protecção é tão importante para a segurança e prosperidade dos países desenvolvidos como para as dos países em desenvolvimento. Cometeríamos um erro, se entendêssemos que os direitos humanos podem ser sacrificados a outros objectivos, como a segurança ou o desenvolvimento. Só prejudicaríamos a luta contra a pobreza ou o terrorismo e o seu cortejo de horrores se, nos nossos esforços para os combater, negássemos os direitos humanos de que esses flagelos privam os nossos cidadãos. A adopção de estratégias assentes na protecção dos direitos humanos é essencial, não só para preservarmos os nossos valores morais mas também para garantirmos concretamente a eficácia da nossa acção.

141. Desde a sua criação, a ONU assimui o compromisso de se esforçar por todos os meios para instaurar um mundo de paz e de justiça, assente no respeito universal pelos direitos do homem. Essa missão foi reafirmada há cinco anos, na Declaração do Milénio. Mas o sistema de protecção dos direitos humanos a nível internacional

45

A/59/2005

está hoje submetido a duras provas. São necessárias mudanças, se a ONU quiser honrar os compromissos a alto nível e a longo prazo a favor dos direitos humanos, em todas as suas esferas de actividade.

142. Estão já em curso mudanças importantes. Desde a Declaração do Milénio, as entidades das Nações Unidas na área dos direitos humanos alargaram as suas actividades de protecção, de assistência técnica e de apoio às instituições nacionais de defesa dos direitos humanos, o que permitiu que as normas internacionais sobre direitos humanas sejam hoje mais respeitadas, em numerosos países. No ano passado, lancei a iniciativa "Decisão 2", um programa mundial concebido para dar às equipas inter-instituições nos países os meios de reforçarem, em colaboração com os Estados-membros que o pedirem, os sistemas nacionais de promoção e de protecção dos direitos humanos. Este programa necessita urgentemente de mais recursos financeiros e humanos, nomeadamente de meios acrescidos para formar equipas de países no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

143. Contudo, a assistência técnica e o reforço a longo prazo das instituições de pouco ou nada servem, se o princípio elementar de protecção for sistematicamente violado. Em situações de crise, uma presença reforçada no terreno das entidades que tratam de direitos humanos permitiria que os órgãos das Nações Unidas obtivessem em tempo útil informações prciosas e, quando necessário, chamaria imediatamente a atenção para as situações que exigem uma intervenção.

144. O facto de o Conselho de Segurança convidar cada vez mais frequentemente o Alto Comissário a mantê-lo informado da evolução de algumas situações mostra que se tem hoje maior consciência da necessidade de tomar em consideração os direitos humanos nas resoluções sobre a paz e a segurança. O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos deve desempenhar um papel mais activo nas deliberações do Conselho de Segurança e da Comissão de Consolidação da Paz cuja criação proponho, devendo ser atribuída especial importância à aplicação das disposições pertinentes das resoluções do Conselho. Na realidade, os direitos humanos devem ser tido em conta na tomada de decisões e nos debates, ao nível de todo o sistema. Se é verdade que, nos últimos anos, se tem prestado mais atenção ao conceito de "integração" dos direitos humanos, as principais políticas e decisões sobre recursos ainda não tomam isso devidamente em consideração.

145. Todas as observações feitas anteriormente apontam para a necessidade de reforçar o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Se bem que o papel do Alto Comissário tenha sido alargado a numerosos domínios (reacção a crises, reforço das capacidades em matéria de direitos humanos, promoção dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e prevenção de conflitos), o Alto Comissariado continua a sofrer de terríveis carências de meios para fazer face às diversas dificuldades que a comunidade internacional encontra no domínio dos direitos humanos. Os compromissos a favor dos direitos humanos, assumidos oficialmente pelos Estados-membros, devem traduzir-se na disponibilização dos recursos necessários para reforçar a capacidade do Alto Comissariado no que se refere a executar o seu mandato, que é de uma importância vital. Pedi à Alta Comissária que apresentasse o seu plano de acção no prazo de sessenta dias.

146. O Alto Comissário e o Alto Comissariado devem participar no conjunto de actividades da ONU. Esse esforço não pode, porém, ser bem sucedido, se os fundamentos intergovernamentais do nosso sistema de defesa dos direitos humanos

46

A/59/2005

não forem sólidos. Na secção V, apresentarei, por isso, uma proposta que visa transformar o órgão que deveria ser o principal pilar desse sistema, a saber, a Comissão de Direitos Humanos.

147. Os órgãos criados em virtude de instrumentos relativos aos direitos humanos devem ser também mais eficazes e mais capazes de responder às violações dos direitos humanos que estão encarregados de defender. O sistema de instrumentos relativos aos direitos humanos continua a ser pouco conhecido, a sua credibilidade é afectada negativamente pelo facto de numerosos Estados não apresentarem os seus relatórios nos prazos estabelecidos, quando os apresentam, bem como por uma aplicação das suas recomendações que deixa muito a desejar. Conviria elaborar e aplicar directivas harmonizadas sobre os relatórios a apresentar a todos os órgãos criados em virtude de tratados, a fim de que esses órgãos possam funcionar como um sistema unificado.

C. Democracia

148. A Declaração Universal dos Direitos Humanos,19 adoptada pela Assembleia Geral em 1948, enunciava os princípios fundamentais da democracia. Desde a sua adopção, inspirou a elaboração de constituições em todos os cantos do mundo e contribuiu, em grande medida, para a aceitação da democracia, em todo o planeta, como valor universal. O direito de escolherem como são e por quem são dirigidos deve ser um direito intangível de todos os povos e a sua realização deve ser um objectivo essencial de uma Organização dedicada à causa de uma maior liberdade.

149. Na Declaração do Milénio, todos os Estados-membros se comprometeram a reforçar a sua capacidade de aplicar os princípios e as práticas da democracia. Nesse mesmo ano, a Assembleia Geral adoptou uma resolução sobre a promoção e a consolidação da democracia.20 Mais de 100 países assinaram a Declaração de Varsóvia sobre a Comunidade de Democracias (ver A/55/328, anexo I), e, em 2002, essa Comunidade subscreveu o Plano de Acção de Seul (ver A/57/618, anexo I), que enumerava os elementos essenciais da democracia representativa e apresentava diversas medidas destinadas a promovê-la. As organizações regionais de numerosos países fizeram da promoção da democracia uma componente essencial da sua acção, e é animador ver surgir uma comunidade forte, constituída por organizações internacionais e regionais da sociedade civil, que trabalha em prol da governação democrática. Tudo isso reforça o princípio segundo o qual a democracia não pertence a nenhum país ou região, sendo antes um direito universal.

150. Aos compromissos assumidos devem, porém, seguir-se resultados práticos e a protecção da democracia exige vigilância. As ameaças à democracia nunca deixaram de existir. Como temos visto repetidamente, a transição para a democracia é delicada e difícil e podem surgir graves reveses. A ONU ajuda os Estados-membros, oferecendo às novas democracias assistência e assessoria de ordem jurídica, técnica e financeira. Assim, tem podido dar apoio concreto às eleições em cada vez mais países, frequentemente em momentos decisivos da sua história -- só no ano passado, foram mais de 20 países, designadamente o Afeganistão, a Palestina, o Iraque e o Burundi. Do mesmo modo, as actividades levadas a cabo pela Organização em todo o planeta, para melhorar a governação no conjunto do mundo em desenvolvimento e para restabelecer o estado de direito e as instituições do Estado nos países

47

A/59/2005

devastados pela guerra são vitais, se se quiser que a democracia crie raízes e perdure.

151. A ONU faz mais do que qualquer outra organização para promover e reforçar as instituições e práticas democráticas em todo o mundo, mas esse facto é pouco conhecido. O impacte das nossas actividades é atenuado pela sua dispersão por diversos sectores da nossa burocracia. Chegou o momento de procedermos a uma unificação. Mas existem lacunas consideráveis nas nossas capacidades, em vários domínios decisivos. A Organização no seu conjunto deveria coordenar melhor a sua acção e mobilizar os seus recursos de uma maneira mais racional. A ONU não deveria limitar o seu papel à definição de normas, mas sim aumentar a ajuda que presta aos seus membros, a fim de alargar e aprofundar as tendências democráticas no mundo inteiro. Para o efeito, apoio a criação, nas Nações Unidas, de um fundo para a democracia, destinado a prestar assistência aos países que procurem instaurar a democracia ou fortalecê-la. Tenciono ainda velar por que as nossas actividades nesta esfera sejam mais coordenadas, graças a ligações mais claras entre a acção a favor da governação democrática por parte do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e por parte da Divisão de Assistência Eleitoral do Departamento de Assuntos Políticos.

152. Nas secções II a IV, enumerei os desafios interdependentes ligados à promoção da causa de uma maior liberdade, neste novo século. Referi igualmente os elementos essenciais da nossa resposta colectiva, nomeadamente nos domínios onde julgo que a ONU deveria dispor de meios mais eficazes para dar o contributo que dela se espera. Na secção V, concentrar-me-ei nas reformas especiais que julgo necessárias, se quiseremos que a nossa Organização desempenhe o papel que lhe compete na concepção e aplicação dessa resposta colectiva ao conjunto de questões de alcance mundial.

V. Reforçar as Nações Unidas

153. No presente relatório, defendi que os princípios e os objectivos da ONU, tal como são enunciados na Carta, continuam a ser tão válidos e pertinentes hoje como eram em 1945 e que o momento actual é uma oportunidade preciosa para os concretizarmos. No entanto, se é certo que os objectivos devem ser firmes e os princípios, constantes, não é menos verdade que a prática e a organização devem evoluir com os tempos. Se a ONU quiser ser um instrumento útil para os seus Estados-membros e para os povos do mundo, em face dos desafios que são descritos nas secções II a IV do presente relatório, deve estar inteiramente à altura das necessidades e circunstâncias do século XXI. Deve estar aberta não só aos Estados mas também a sociedade civil que, tanto no plano nacional como no internacional, tem um papel cada vez mais importante nos assuntos mundiais. Deve extrair a sua força da diversidade das suas parcerias e da sua capacidade de unir os seus parceiros em coligações eficazes em prol da mudança, em todos os domínios onde é imperativo agir para promover a causa de uma maior liberdade.

154. A nossa Organização, enquanto organização, foi, manifestamente, concebida para uma era diferente. É também evidente que nem todas as nossas práticas actuais estão adaptadas às necessidades de hoje. Foi por essa razão que, na Declaração do Milénio, os Chefes de Estado e de Governo reconheceram a necessidade de reforçar a ONU, de a tornar um instrumento capaz de lhes permitir uma melhor realização dos seus objectivos prioritários.

48

A/59/2005

155. De facto, desde que assumi as funções de Secretário-Geral, em 1997, uma das minhas grandes prioridades tem sido reformar as estruturas e a cultura interna da Organização, a fim de a tornar mais útil para os seus Estados-membros e para os povos do mundo. As realizações nesse campo foram numerosas. Hoje em dia, as estruturas da Organização são mais simples, os seus métodos de trabalho mais numerosos e há uma melhor coordenação entre os seus diversos programas; por outro lado, a ONU estabeleceu com a sociedade civil e o sector privado parcerias positivas em muitos domínios. No plano económico e social, os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio servem agora de quadro director comum para o conjunto do sistema das Nações Unidas e para a própria comunidade internacional do desenvolvimento. As missões de manutenção da paz são hoje melhor concebidas do que eram antes e reflectem uma visão global das tarefas numerosas e variadas ligadas às actividades que visam impedir o ressurgimento dos combates e lançar as bases de uma paz duradoura. E estabelecemos parcerias estratégicas com actores não estatais muito diversos que têm uma importante contribuição a dar para a segurança, a prosperidade e a liberdade, à escala mundial.

156. Mas são necessárias muitas outras reformas. Actualmente, os diferentes mecanismos de gestão das numerosas componentes do sistema, a duplicação de mandatos e os mandatos que reflectem as prioridades de ontem e não as de hoje concorrem para diminuir a nossa eficácia. É essencial dar aos administradores uma autoridade real, a fim de que possam ajustar sistematicamente as actividades do sistema aos objectivos subscritos pelos Estados-membros, que espero que sejam os que expus neste relatório. Devemos também intensificar os nossos esforços para melhorar as competências profissionais no seio do Secretariado e para responsabilizar plenamente o pessoal e e administração pela execução das suas tarefas. Devemos também procurar assegurar uma maior coerência -- entre os diversos representantes das Nações Unidas e entre as diferentes actividades da Organização em cada país e no conjunto do sistema, em especial nos domínios económico e social.

157. Mas, para ser eficaz, a reforma não pode ficar limitada ao poder executivo. Chegou o momento de revitalizar os órgãos intergovernamentais das Nações Unidas.

A. Assembleia Geral

158. Como a Declaração do Milénio reafirmou, a Assembleia Geral desempenha um papel central como principal órgão deliberativo, definidor de políticas e representativo das Nações Unidas. A Assembleia Geral tem, em particular, poderes para analisar e aprovar o orçamento e elege os membros dos outros órgãos deliberativos, incluindo o Conselho de Segurança. Os Estados-membros têm, por isso, motivo para estar preocupados com a perda de prestígio da Assembleia e com a sua contribuição decrescente para as actividades da Organização. É preciso inverter esta tendência e isso só será possível se a Assembleia Geral se tornar mais eficaz.

159. Nos últimos anos, o número de resoluções da Assembleia Geral adoptadas por consenso aumentou sistematicamente. Isto representaria uma evolução positiva, se reflectisse a existência de pontos de vista comuns entre os Estados-membros acerca dos problemas mundiais, mas o consenso (muitas vezes interpretado como exigindo a unanimidade) tornou-se, infelizmente, um fim em si próprio. É procurado, primeiro, no seio de cada grupo regional e, depois, ao nível do conjunto dos

49

A/59/2005

Estados. Não revelou ser um meio eficaz para conciliar os interesses dos Estados-membros: pelo contrário, leva a Assembleia a refugiar-se em generalidades, renunciando a toda e qualquer tentativa séria de tomar decisões. Os verdadeiros debates que têm lugar tendem a privilegiar o processo em detrimento das questões de fundo e muitas pretensas decisões limitam-se a reflecir o menor denominador comum entre opiniões acentuadamente divergentes.

160. Os Estados-membros reconhecem, há muitos anos, que a Assembleia deve harmonizar os seus procedimentos e as suas estruturas, a fim de melhorar o processo deliberativo e de o tornar mais eficaz. Foram tomadas muitas medidas de reduzido alcance. Agora, foram apresentadas por numerosos Estados novas propostas que visam "revitalizar" a Assembleia. A Assembleia Geral deveria tomar agora medidas audaciosas com vista a racionalizar os seus trabalhos e acelerar o processo deliberativo, nomeadamente simplificando a sua ordem dos trabalhos, a estrutura das suas comissões e os procedimentos relativos aos debates no plenário e aos pedidos de elaboração de relatórios, e reforçando o papel e autoridade do seu Presidente.

161. A ordem dos trabalhos da Assembleia Geral é actualmente muito vasta e abrange questões muito diversas, que por vezes se sobrepõem. A Assembleia Geral deveria privilegiar as questões de fundo inscritas na ordem dos trabalhos, concentrando-se nas principais, como as migrações internacionais e uma convenção geral sobre o terrorismo que há muito vem sendo debatida.

162. A Assembleia Geral deveria também colaborar muito mais activamente com a sociedade civil, tendo em conta que, após uma interacção crescente nos últimos 10 anos, a sociedade civil participa hoje na maior parte das actividades das Nações Unidas. Com efeito, os objectivos da ONU só poderão ser alcançados, se houver uma plena participação da sociedade civil e dos governos. O Grupo de Personalidades Eminentes sobre as Relações entre as Nações Unidas e a Sociedade Civil, que nomeei em 2003, fez numerosas recomendações úteis que visam melhorar o nosso trabalho com a sociedade civil, pelo que elogiei o seu relatório à Assembleia Geral (ver A/58/817 e Corr.1), quando apresentei os meus próprios comentários. A Assembleia Geral deveria seguir essas recomendações e criar mecanismos que lhe permitam colaborar plena e sistematicamente com a sociedade civil.

163. A Assembleia Geral deve também rever a estrutura das suas comissões, a maneira como funcionam, o enquadramento que lhes fornece e os textos que elaboram. A Assembleia Geral precisa de dispor de um mecanismo de análise das decisões das suas comissões, a fim de evitar sobrecarregar a Organização com mandatos para os quais não estão previstos fundos e que o problema da microgestão do orçamento e da atribuição de postos no Secretariado perdure. Se a Assembleia Geral não conseguir resolver estes problemas, não poderá ter nem a concentração nem a flexibilidade necessárias para servir os seus membros eficazmente.

164. Deveria ser evidente que nada disto acontecerá, se os Estados-membros não se demonstrarem um interesse sério pela Assembleia Geral, ao mais alto nível, e se não insistirem em que os seus representantes participem nos debates com vista a obterem resultados concretos e positivos. Sem isso, o funcionamento da Assembleia Geral continuará a desiludi-los e isso não deveria surpreendê-los.

50

A/59/2005 B. Os Conselhos

165. Os seus fundadores dotaram as Nações Unidas de três Conselhos, cada um dos quais tem grandes responsabilidades na sua esfera: o Conselho de Segurança, o Conselho Económico e Social e o Conselho de Tutela. Com o tempo, a divisão de responsabilidades tornou-se cada vez menos equilibrada: o Conselho de Segurança reinvindicou, cada vez mais, a sua autoridade e, sobretudo depois do fim da guerra fria, beneficiou de uma maior unidade de pontos de vista entre os seus membros permanentes, mas viu a sua autoridade ser posta em causa, devido à sua composição anacrónica ou insuficientemente representativa; o Conselho Económico e Social foi, com demasiada frequência, relegado para um plano em que ficou à margem da governação económica e social do mundo; e o Conselho de Tutela, que cumpriu com o êxito o seu mandato, ficou reduzido a uma existência puramente formal.

166. Acredito que devemos restabelecer o equilíbrio, por meio de três Conselhos que sejam responsáveis, respectivamente, (a) pela paz e segurança internacionais, (b) pelas questões económicas e sociais e (c) pelos direitos humanos, cuja promoção é um dos objectivos da Organização desde a sua criação, mas que exige hoje, obviamente, estruturas operacionais mais eficazes. Juntos, estes Conselhos deveriam ter como tarefa promover os objectivos definidos nas cimeiras e outras conferências dos Estados-membros e deveriam constituir instâncias mundiais onde as questões de segurança, de desenvolvimento e justiça pudesem ser correctamente tratadas. Os dois primeiros Conselhos já existem, claro, mas devem ser reforçados. Quanto ao terceiro, requer uma reforma mais profunda e uma melhoria do actual mecanismo de defesa dos direitos humanos.

Conselho de Segurança

167. Ao aderirem à Carta das Nações Unidas, todos os Estados-membros reconhecem que a manutenção da paz e da segurança internacionais é da responsabilidade primordial do Conselho de Segurança e aceitam ser vinculados pelas decisões deste. É, por isso, vital, não só para a Organização mas também para o mundo inteiro, que o Conselho disponha de meios para exercer essa responsabilidade e que as suas decisões inspirem respeito em todo o mundo.

168. Na Declaração do Milénio, todos os Estados decidiram redobrar os seus esforços para "reformar os procedimentos do Conselho de Segurança em todos os seus aspectos" (ver resolução 55/2 da Assembleia Geral, parº. 30). Essa posição é a expressão do ponto de vista, defendido há muito pela maioria dos Estados, segundo o qual é necessário modificar a composição do Conselho, a fim de que se torne mais amplamente representativo da comunidade internacional no seu conjunto e das realidades geopolíticas modernas e que passe a ter uma maior legitimidade aos olhos da comunidade internacional. Os seus métodos de trabalho devem também tornar-se mais eficazes e transparentes. O Conselho deve ser não só mais representativo mas também mais capaz de tomar disposições e estar disposto a fazê-lo, quando necessário. Conciliar os dois imperativos é o critério absoluto que qualquer proposta de reforma deve respeitar.

169. Há dois anos, declarei que, no meu entender, nenhuma reforma das Nações Unidas ficaria completa, sem uma reforma do Conselho de Segurança. Continuo a ser dessa opinião. O Conselho de Segurança deve ser amplamente representativo de todas as realidades do poder no mundo de hoje. Assim, apoio a proposta apresentada

51

A/59/2005

no relatório do Grupo de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança (A/59/565) sobre a reforma do Conselho de Segurança, segundo a qual:

(a) Em conformidade com o Artigo 23 da Carta, se deveria aumentar a participação no processo de tomada de decisões daqueles que mais contribuem para a Organização, nos planos financeiro, militar e diplomático, especificamente em termos de quotas para os orçamentos estatutários, de participação nas operações de manutenção da paz, de contribuições para as actividades voluntárias das Nações Unidas nos domínios da segurança e do desenvolvimento e de actividades diplomáticas realizadas em apoio aos objectivos e mandatos da Organização. Entre os países desenvolvidos, o facto de alcançarem ou de se aproximarem significativamente do objectivo, acordado à escala internacional, de consagrar 0,7% do seu Produto Nacional Bruto à Ajuda Pública ao Desenvolvimento deveria ser considerado um importante critério de cálculo da contribuição;

(b) Haveria que fazer participar na tomada de decisões países mais representativos do conjunto dos membros e, em particular, do mundo em desenvolvimento;

(c) Não se deveria prejudicar a eficácia do Conselho;

(d) Seria necessário democratizar e responsabilizar mais o Conselho.

170. Exorto os Estados-membros a considerarem as duas opções (modelo A e modelo B) propostas no presente relatório (ver caixa 5), ou quaisquer outras propostas viáveis em termos de número e de equilíbrio, inspiradas num ou noutro modelo. Os Estados-membros deveriam acordar em tomar uma decisão sobre esta questão importante, antes da Cimeira de Setembro de 2005. Seria preferível que tomassem essa decisão crucial por consenso; no entanto, o facto de não conseguirem chegar a um consenso não deverá servir de pretexto para adiarem uma decisão sobre a matéria.

52

A/59/2005

Conselho Económico e Social

171. A Carta das Nações Unidas confere ao Conselho Económico e Social uma série de funções importantes entre as quais figuram a coordenação, a análise de políticas e o diálogo sobre sobre políticas. A maior parte destas funções parece mais essencial do que nunca na era da globalização, numa altura em que das cimeiras e conferências dos anos 90 saiu uma agenda global para o desenvolvimento.Mais do que nunca, a ONU precisa de enunciar e de aplicar políticas neste domínio, de uma maneira coerente. As funções do Conselho são consideradas extremamente importantes para estes desafios, mas ainda não lhes foi dado o devido valor.

Caixa 5 Reforma do Conselho de Segurança: modelos A e B

Segundo o modelo A, seriam criados seis novos lugares permanentes sem direito de veto e três novos lugares não permanentes, com o mandato de dois anos, assim repartidos pelas principais regiões:

Região No.de Estados

Lugares permanentes

(já existentes) Novos lugares

permanentes

Lugares com mandato de

dois anos (não-

renovável) Total

África 53 0 2 4 6

Ásia e Pacífico 56 1 2 3 6

Europa 47 3 1 2 6

Américas 35 1 1 4 6

Total modelo A 191 5 6 13 24

O modelo B implica a criação não de novos lugares permanentes mas sim de uma nova categoria de oito lugares com mandato renovável de quatro anos e um novo lugar com um mandato não-revovável de dois anos. A repartição pelas principais regiões seria a seguinte:

Região No. de Estados

Lugares permanentes

(já existentes)

Novos lugares com mandato renovável de quatro anos

Lugares com mmdato nã-

renovável de dois anos Total

África 53 0 2 4 6

Ásia e Pacífico 56 1 2 3 6

Europa 47 3 2 1 6

Américas 35 1 2 3 6

Total modelo B 191 5 8 11 24

53

A/59/2005

172. Em 1945, os autores da Carta não deram ao Conselho Económico e Social poderes coercivos. Tendo acordado, no ano anterior, em Bretton Woods, em criar instituições financeiras internacionais poderosas, que esperavam que viessem a ser complementadas por uma organização comercial mundial e por vários organismos especializados, contavam claramente que a tomada de decisões de alcance internacional fosse descentralizada. Mas isto só contribui para tornar mais importante o papel potencial do Conselho como coordenador, organizador, lugar de diálogo e forjador de consensos. Trata-se do único órgão das Nações Unidas explicitamente mandatado pela Carta para coordenar as actividades dos organismos especializados e consultar as organizações não governamentais. Dispõe, ainda, de uma rede de comissões técnicas e regionais que funcionam sob a sua égide e privilegiam cada vez mais a realização dos objectivos de desenvolvimento.

173. O Conselho Económico e Social fez um bom uso destas vantagens nos últimos anos, por exemplo, ao estabelecer ligações por ocasião de uma reunião anual especial de alto nível com as instituições comerciais e financeiras e ao criar um Grupo de Estudo sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação que é único no seu género. Contribuiu ainda para ligar as questões de segurança às de desenvolvimento, graças à criação de grupos sobre determinados países.

174. Estas iniciativas permitiram promover uma coerência e coordenação acrescidas entre os diversos actores, mas existem lacunas visíveis que é preciso colmatar.

175. Em primeiro lugar, é cada vez mais necessário integrar, coodernar e analisar a aplicação da agenda de desenvolvimento das Nações Unidas, saída das conferências e cimeiras mundiais. Para isso, o Conselho Económico e Social deveria organizar reuniões ministeriais anuais com vista a analisar os progressos alcançados na realização dos objectivos de desenvolvimento, em especial dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Essas avaliações poderiam assentar nas análises recíprocas dos progressos de execução elaborados pelos Estados-membros, com o apoio dos organismos e das comissões regionais.

176. Em segundo lugar, é necessário estudar as tendências em matéria de cooperação internacional para o desenvolvimento, promover uma maior coerência entre as actividades em prol do desenvolvimento dos diferentes actores e reforçar as ligações entre as actividades normativas e as actividades operacionais do sistema das Nações Unidas. Para colmatar esta lacuna, o Conselho Económico e Social deveria servir de fórum internacional de alto nível para a cooperação em matéria de desenvolvimento. Este fórum poderia reunir-se de dois em dois anos, graças à transformação do debate de alto nível do Conselho.

177. Em terceiro lugar, é necessário superar os problemas, ameaças e crises económicas e sociais, quando surgem. Para o efeito, o Conselho Económico e Social deveria organizar rapidamente reuniões, de acordo com as necessidades, a fim de avaliar as ameaças ao desenvolvimento tais como fomes, epidemias e grandes catástrofes naturais, e promover intervenções coordenadas para lhes fazer face.

178. Em quarto lugar, é necessário avaliar as dimensões económica e social dos conflitos e abordá-las sistematicamente. O Conselho Económico e Social procurou responder a esta necessidade criando grupos consultivos especiais sobre determinados países, mas, dada a amplitude e a dificuldade das tarefas de recuperação, reconstrução e reconciliação a longo prazo, os mecanismos pontuais

54

A/59/2005

não bastam. O Conselho Económico e Social deveria institucionalizar a sua acção em matéria de gestão de situações pós-conflito, trabalhando com a Comissão de Consolidação da Paz, cuja criação é aqui proposta. Deveria também reforçar os seus laços com o Conselho de Segurança, a fim de promover a prevenção estrutural.

179. Por último, se bem que o seu papel social em matéria de estabelecimento de normas e de definição de estratégias seja obviamente diferente do papel desempenhado, no domínio da direcção e da formulação de políticas, pelos órgãos directivos das diversas instituições internacionais, espero que, quando começar a afirmar a sua liderança na execução de uma agenda para o desenvolvimento, o Conselho seja capaz de dar orientações aos esforços realizados neste campo pelos diversos órgãos intergovernamentais à escala do conjunto do sistema das Nações Unidas.

180. A aplicação de todas estas recomendações exigiria que o Conselho Económico e Social fosse dotado de uma estrutura nova e mais flexível, não necessariamente limitada pelo calendário anual actual de "debates" e de "sessões de fundo". O Conselho deve também dispor de um mecanismo intergovernamental eficaz, eficiente e representativo, para fazer participar os seus parceiros nas instituições financeiras e comerciais. Esse mecanismo poderia ser criado alargando a sua actual Mesa ou criando um comité executivo, cuja composição fosse equilibrada a nível regional.

A proposta de criação do Conselho de Direitos Humanos

181. A Comissão de Direitos Humanos deu à comunidade internacional um quadro universal relativo aos direitos humanos, constituído pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, os dois Pactos Internacionais21 e outros tratados fundamentais relativos aos direitos humanos. Durante a sua sessão anual, a Comissão chama a atenção do público para as questões e os debates relacionados com os direitos humanos, fornece um quadro para a elaboração de políticas das Nações Unidas em matéria de direitos humanos e instaura um sistema único de procedimentos especiais e independentes, levados a cabo por peritos, tendo em vista a observação e análise do respeito pelos direitos humanos, por tema e por país. As estreitas relações existentes entre a Comissão e centenas de organizações da sociedade civil são uma oportunidade para cooperar com a sociedade civil que não existe em nenhuma outra instância.

182. No entanto, a capacidade da Comissão, no que se refere a realizar essas tarefas, é cada vez mais minada pela erosão da sua credibilidade e profissionalismo. Em particular, alguns Estados procuram ser eleitos para a Comissão não para defender os direitos humanos, mas sim para se protegerem de críticas ou para criticarem outros. A Comissão perde, assim, cada vez mais credibilidade e a reputação de todo o sistema das Nações Unidas sofre com isso.

183. Se a Organização das Nações Unidas quiser estar à altura das expectativas dos homens e das mulheres do mundo inteiro -- e se se pretender que a Organização atribua à causa dos direitos humanos a mesma importância que dá à segurança e ao desenvolvimento -- os Estados-membros devem acordar em substituir a Comissão de Direitos Humanos por um órgão permanente e com menos membros, designado Conselho de Direitos Humanos. Os Estados-

55

A/59/2005

membros teriam de decidir se o Conselho de Direitos Humanos seria um órgão principal da ONU ou um órgão subsidiário da Assembleia Geral, mas em qualquer dos casos os seus membros seriam eleitos directamente pela Assembleia Geral, por uma maioria de dois terços dos membros presentes e votantes. A criação do Conselho daria aos direitos humanos uma posição que imporia maior respeito e estaria em plena consonância com o primado dos direitos humanos consagrado na Carta. Os Estados-membros deveriam determinar a composição do Conselho e o mandato dos seus membros. Os eleitos para o Conselho deveriam respeitar as normas mais elevadas em matéria de direitos humanos.

C. O Secretariado

184. Para que a ONU possa fazer o seu trabalho, é indispensável um Secretariado competente e eficaz. Tal como as necessidades da Organização mudaram também o Secretariado deve evoluir. Foi por isso que, em 1997, lancei um conjunto de reformas estruturais, a que se seguiu, em 2002, uma série de melhorias nos planos ténico e de gestão, tendo em vista dotar a Organização de um programa de trabalho mais incisivo e de um sistema de planeamento e de orçamentação mais simples bem como de permitir que o Secretariado preste serviços de melhor qualidade.

185. O facto de a Assembleia Geral ter dado um amplo apoio a essas mudanças é para mim um motivo de regozijo, tanto mais que estou convencido de que elas nos permitiram realizar melhor as tarefas que o mundo nos confiou. Graças à alteração dos procedimentos de orçamentação, de aquisição e de gestão dos recursos humanos e à maneira como as operações de manutenção da paz são apoiadas, trabalhamos agora de uma forma diferente, utilizando novas modalidades. No entanto, as reformas não vão suficientemente longe: se quisermos que a ONU seja verdadeiramente eficaz, deveremos remodelar totalmente o Secretariado.

186. Aqueles que têm poder de decisão, a saber, essencialmente, a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança, devem ter o cuidado de, quando confiam tarefas ao Secretariado, o dotarem dos recursos necessários. Por sua vez, a administração deve ser mais responsabilizada pelos seus actos e a capacidade de controlo dos órgãos intergovernamentais deve ser reforçada. Há que dar ao Secretário-Geral e aos altos funcionários da Organização a liberdade de decisão, os meios, a autoridade e os serviços de peritos de que necessitam para dirigir uma Organização que deve ser capaz de responder a necessidades operacionais em rápida evolução, em muitas partes diferentes do mundo. Do mesmo modo, os Estados-membros devem dispor dos instrumentos de que necessitam para que o Secretário-Geral responda realmente pelas suas opções estratégicas e pela sua direcção.

187. Os Estados-membros têm também um papel essencial a desempenhar, no que se refere a garantir que as missões confiadas à Organização mantenham a actualidade. Assim, peço à Assembleia Geral que analise todos os mandatos que remontam a mais de cinco anos, a fim de apurar se as actividades que implicam ainda são verdadeiramente necessárias ou se os recursos que lhes haviam sido afectados podem ser consagrados a respostas a novos desafios.

188. Hoje em dia, o pessoal das Nações Unidas deve: (a) estar à altura das novas tarefas de fundo do século XXI; (b) ter meios para gerir actividades mundiais complexas; e (c) ser responsabilizado pelos seus actos.

56

A/59/2005

189. Em primeiro lugar, estou a tomar medidas para adaptar a estrutura do Secretariado às prioridades enunciadas no presente relatório. Para isso, será preciso criar um gabinete de apoio à consolidação da paz e reforçar a ajuda dispensada tanto à mediação (a minha função de "bons ofícios") como à democracia e ao estado de direito. Por outro lado, tenciono nomear um Assessor Científico do Secretário-Geral, a quem competirá dar conselhos estratégicos sobre questões de políticas, mobilizando para isso as competências científicas e tecnológicas disponíveis no seio da ONU e na comunidade de investigadores e académicos em geral.

190. Para alcançar progressos reais nos novos domínios, é preciso que o pessoal tenha as competências e os conhecimentos requeridos para estar à altura dos novos desafios. É ainda preciso um esforço redobrado para "assegurar à Organização os serviços de pessoas que possuam o mais elevado grau de eficiência, de competência e de integridade", como estipula o Artigo 101.3 da Carta das Nações Unidas, ao mesmo tempo que se faz o recrutamento do pessoal "com uma base geográfica tão ampla quanto possível" e, convém acrescentar hoje, "velando para que exista um justo equilíbrio entre homens e mulheres". Se é certo que há que dar ao pessoal existente oportunidades razoáveis de evoluir no seio da Organização, não é menos verdade que não é possível continuar a contar com o mesmo capital humano para responder a todas as novas necessidades. Peço, pois, à Assembleia Geral que me confira a autoridade e os meios necessários para levar a cabo um processo pontual de dispensa de pessoal, indemnizando os funcionários que forem dispensados, a fim de renovar o pessoal da Organização e de conciliar as suas competências com as necessidades actuais.

191. Em segundo lugar, há que dar ao Secretariado os meios para fazer o seu trabalho. O Grupo de Alto Nivel sugeriu que designasse um segundo Vice-Secretário-Geral, para melhorar o processo de tomada de decisões sobre questões de paz e de segurança. Preferi optar pela criação de um mecanismo de tomada de decisões colegial (dotado de mais poderes executivos do que o actual Grupo Superior de Gestão), para melhorar tanto a elaboração de políticas como a gestão. Seria apoiado por um secretariado restrito, encarregado da preparação e do acompanhamento das decisões. Espero, assim, poder assegurar uma tomada de decisões mais orientada para alvos, mais metódica e mais responsável, o que deveria ajudar -- sem, no entanto, ser suficiente -- para garantir a eficácia da gestão das actividades mundiais de uma Organização tão complexa. O Secretário-Geral, como Chefe da Administração, deve possuir mais autoridade e uma maior margem de decisão em matéria de gestão. Deve também ter a possibilidade de adaptar os efectivos às necessidades, sem condicionamentos excessivos. O nosso sistema administrativo deve também ser totalmente modernizado. Assim, peço aos Estados-membros que empreendam comigo uma análise completa das regras que regem actualmente os recursos orçamentais e humanos.

192. Em terceiro lugar, temos de continuar a melhorar a transparência e a responsabilização do Secretariado. A Assembleia Geral tomou uma medida importante a favor de uma maior transparência, ao tornar as auditorias internas acessíveis aos Estados-membros que desejem consultá-las. Neste momento, estou a identificar outos tipos de informação susceptíveis de ser difundidos regularmente. Vou criar um Conselho de Avaliação dos Desempenhos, incumbido de velar por que os altos funcionários sejam responsabilizados pelos seus actos e os resultados obtidos pelos seus serviços. Estão en curso várias outras melhorias internas. Visam harmonizar os nossos sistemas de gestão e as nossas políticas em matéria de

57

A/59/2005

recursos humanos com as melhores práticas de outras organizações públicas e privadas mundiais. Para reforçar a responsabilização e a supervisão, propus que a Assembleia Geral mande realizar uma análise aprofundada do Gabinete dos Serviços de Supervisão Interna, com vista a reforçar a independência e autoridade dos mesmos, bem como as suas competências e capacidades. Espero que a Assembleia tome rapidamente uma decisão sobre esta proposta.

D. Cooerência do sistema

193. Para além do Secretariado, os fundos, programas e organismos especializados do sistema das Nações Unidas representam um conjunto único de competências e de recursos, que abrangem todo o leque de questões mundiais. Aliás, o que é válido para as Nações Unidas é-o também para eles. Todos têm o dever de prestar contas tanto aos seus órgãos directivos como às pessoas no interesse de quem actuam.

194. Durante as últimas décadas, para responder a uma procura que aumentava sistematicamente, o sistema viu o número dos seus membros aumentar e o alcance e a amplitude das suas actividades desenvolverem-se. Infelizmente, isto teve como um um dos efeitos secundários duplicações de actividades e de mandatos, acompanhadas de dificuldades orçamentais importantes.

195. Para tentar resolver alguns desses problemas, lancei duas séries de reformas importantes. Primeiro, no meu relatório de 1997, intitulado "Renewing the United Nations: a programme for reform" ("Renovar a Organização das Nações Unidas: um Programa de Reformas"; A/51/950), introduzi diversas medidas, nomeadamente a criação de comités executivos, destinados a reforçar a capacidade de direcção do Secretariado e de melhorar a coordenação nos domínios das intervenções humanitárias e do desenvolvimento. Posteriormente, em 2002, num segundo relatório intitulado “Strengthening the United Nations: an agenda for further change” ("Reforçar as Nações Unidas: um Programa para Levar as Mudanças Mais Longe"; A/57/387 e Corr.1), apresentei novas medidas que visavam melhorar as actividades levadas a cabo a nível dos países, em especial por meio de um reforço do sistema de coordenadores residentes. Deleguei também mais poderes nos meus representantes especiais e instituí um sistema de operações de paz integradas.

196. Estas iniciativas deram frutos: as diferentes instituições puderam trabalhar numa mais estreita cooperação ao nível dos países, tanto entre elas como com outros parceiros, como o Banco Mundial. A coesão e a eficácia dos serviços prestados pelo sistema das Nações Unidas no seu conjunto continuam, no entanto, a não estar à altura daquilo de que os cidadãos do mundo precisam e que merecem.

197. O problema está, em parte, manifestamente ligado aos condicionamentos estruturais que enfrentamos. A médio e a longo prazo, teremos de encarar a possibilidade de adoptar reformas muito mais radicais que poderiam consistir em reagrupar vários organismos, fundos e programas em entidades administradas com mais rigor e que tratem respectivamente do desenvolvimento, do ambiente e da acção humanitária. Estas reformas poderiam também passar pela extinção ou a fusão dos fundos, programas e organismos cujos mandatos e competências se sobrepõem ou se completam.

198. Paralelamente, há outras medidas que podemos e deveríamos tomar desde já. Penso, em especial, nas novas melhorias a introduzir na coordenação da presença e do desempenho ao nível dos países e que assentam num princípio simples: em cada

58

A/59/2005

fase, o alto funcionário -- representante especial, coordenador residente ou coordenador da acção humanitária -- que representa a Organização no país deveria ter a autoridade e os recursos necessários para gerir uma missão integrada das Nações Unidas ou uma "presença no país", de modo que a ONU possa funcionar como uma só unidade integrada.

As Nações Unidas ao nível dos países

199. Em todos os países onde a ONU está presente no plano do desenvolvimento, os organismos, fundos e programos deveriam conjugar as suas actividades técnicas, de modo a ajudar o país a elaborar e pôr em prática as estratégias nacionais de redução da pobreza articuladas em torno dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e descritas anteriormente, na secção II. Se a tarefa de gerir a rede de coordenadores residentes devia continuar a ser confiada ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) -- o nosso principal organismo no domínio do desenvolvimento --, a orientação geral das equipas das Nações Unidas nos países, dirigidas por coordenadores residentes dotados dos recursos e meios necessários, deveria ser atribuída ao Grupo das Nações Unidas para o Desenvolvimento (GNUD). O Plano-quadro das Nações Unidas para a Ajuda ao Desenvolvimento deveria enunciar um conjunto de objectivos estratégicos precisos e definir a ajuda que cada entidade da ONU deve prestar para ajudar os nossos parceiros nacionais a alcançarem os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e a realizarem os seus objectivos mais vastos em matéria de desenvolvimento. Os Governos e a própria ONU poderão então apoiar-se na "matriz dos resultados" assim obtida para vigiarem e avaliarem os desempenhos do sistema das Nações Unidas ao nível nacional, e responsabilizar os seus representantes pelos resultados obtidos.

Reforçar a rede de coordenadores residentes

200. Para estimular este processo, tenciono reforçar ainda mais o papel dos coordenadores residentes, conferindo-lhes mais poderes que lhes permitam assegurar uma melhor coordenação, mas os conselhos de administração das diferentes instituições devem também contribuir para esse processo. Convido os Estados-membros a coordenarem a acção dos seus representantes nos conselhos de administração, de modo a assegurar que se empenhem em aplicar uma política coerente à escala do sistema, quando atribuem mandatos e afectam recursos. Peço-lhes também insistentemente que aumentem os fundos destinados às actividades de base e reduzam a proporção de fundos reservados a fins específicos, de forma a favorecer a coerência do sistema. Como referi mais acima, espero que um Conselho Económico e Social revitalizado imprima um novo impulso geral a esta nova coerência.

201. Nos últimos anos, congratulei-me com os benefícios que o sistema das Nações Unidas retirava da sua estreita cooperação com cientistas independentes, responsáveis pela formulação de políticas e dirigentes políticos do mundo inteiro. Isto é particularmente verdade no domínio do desenvolvimento, em que temos constantemente de integrar os últimos avanços da ciência e da tecnologia na prática das nossas organizações e programas. Em 2005, para reforçar as ligações entre a acção das Nações Unidas em prol do desenvolvimento e os principais peritos do mundo inteiro nos domínios pertinentes, tenciono formar um Conselho de Especialistas em Desenvolvimento. Trabalhando em estreita cooperação com o

59

A/59/2005

Conselheiro Científico acima mencionado, será constituído por cerca de vinte elementos, entre os quais figurarão alguns dos maiores cientistas do mundo, altos responsáveis pela formulação de políticas e dirigentes políticos. Competir-lhes-á aconselhar-me e aconselhar o Grupo das Nações Unidas para o Desenvolvimento sobre a melhor maneira de contribuir para a realização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio; publicarão regularmente relatórios e pareceres e estabelecerão uma ligação com os órgãos científicos, da sociedade civil ou outros com competências pertinentes. Os seus conselhos serão também transmitidos ao Conselho Económico e Social.

Sistema de intervenção humanitária

202. Do tsunami no Oceano Índico às crises no Darfur e na região oriental da República Democrática do Congo, estes últimos meses deram-nos exemplos eloquentes do contínuo alargamento do domínio de intervenção do sistema internacional de acção humanitária. Sob a autoridade e a coordenação das Nações Unidas, o sistema, que engloba organismos e organizações não governamentais, tem funcionado razoavelmente bem, dadas as circunstâncias. Hoje, bastam alguns dias para colocar pessoal humanitário experiente no terreno e para distribuir grandes quantidades de alimentos e de outros produtos de primeira necessidade às vítimas de guerras e de catástrofes naturais, no mundo inteiro. Há menos sobreposições entre as actividades realizadas pelos diferentes organismos e uma melhor coordenação entre os intervenientes não governamentais e os intergovernamentais presentes no terreno.

203. Se, contra todas as expectivas, o sistema foi capaz de, em apenas algumas semanas, realizar operações de socorro a grande escala junto de todas as comunidades do Oceano Índico afectadas pelo tsunami, a ajuda prestada às populações deslocadas no Darfur continua a estar muito aquém do que fora prometido e, no que se refere às grandes crises como a que se faz sentir na República Democrática do Congo, onde mais de 3,8 milhões de pessoas foram mortas e 2,3 milhões foram deslocadas, desde 1997, os fundos conseguidos continuam a ser gritantemente insuficientes. Para assegurar uma intervenção humanitária mais previsível, em todas as situações de emergência, devemos avançar rapidamente em três frentes.

204. Em primeiro lugar, é preciso que o sistema de intervenção humanitária disponha de uma capacidade de acção mais previsível nos domínios em que actualmente há a lamentar, com demasiada frequência, insuficiências, domínios esses que vão desde o abastecimento de água e o saneamento à disponibilização de abrigos e à gestão dos campos. Quando as crises deflagram, há que reagir rapidamente e com flexibilidade. Isto é particularmente verdade em situações de emergência complexas, em que as necessidades humanitárias podem estar ligadas à dinâmica do conflito e as circunstâncias se podem alterar rapidamente. Em geral, é a equipa das Nações Unidas no país, sob a direcção do coordenador das operações humanitárias, que está em melhores condições de identificar as possibilidades a explorar e os condicionamentos existentes. No entanto, existe uma necessidade evidente de reforçar as estruturas de coordenação no terreno, nomeadamente reforçando o papel do coordenador das operações humanitárias e garantindo a disponibilização sem demora dos recursos suficientes e flexíveis que são necessários para apoiar essas estruturas no terreno.

60

A/59/2005

205. Em segundo lugar, precisamos de dispor de financiamentos previsíveis para responder às necessidades das populações vulneráveis. Devemos poder garantir que as manifestações generosas de apoio que todos presenciámos, no mundo inteiro, quando do tsunami, sejam a regra e não a excepção. Isso implica que nos baseemos no trabalho realizado pelo conjunto do pessoal humanitário junto da comunidade de doadores e que procuremos sistematicamente envolver no esforço novos governos doadores e o sector privado. Para responder mais depressa e melhor às situações de crise, é preciso que as promessas de contribuições se concretizem rapidamente e que os fundos sejam mais previsíveis e mais flexíveis, em especial durante as primeiras fases da intervenção de emergência.

206. Em terceiro lugar, precisamos de ter um direito de acesso previsível e uma garantia de segurança para o nosso pessoal humanitário e as nossas intervenções no terreno. Acontece com demasiada frequência os trabalhadores humanitários verem-se impossibilitados de prestar ajuda, porque as forças governamentais ou grupos armados os impedem de actuar. Noutros lugares, são os terroristas que atacam o nosso pessoal humanitário, violando assim princípios fundamentais do direito internacional.

207. Estou a trabalhar com o meu Coordenador do Socorro de Emergência, com vista a resolver esses problemas e a formular recomendações concretas para reforçar a nossa acção. Está em curso uma análise exaustiva das intervenções humanitárias, cujos resultados serão conhecidos em Junho de 2005. Espero que incluam uma série de propostas que prevejam novos meios materiais e humanos em standby, a fim de permitir uma resposta imediata às grandes catástrofes e outras situações de emergência, eventualmente em vários lugares ao mesmo tempo. Trabalharei com os Estados-membros e as instituições pertinentes no sentido de assegurar que, uma vez formuladas, essas propostas sejam aplicadas sem demora.

208. Para dar uma resposta imediata a catástrofes repentinas ou a numerosas necessidades não satisfeitas em situações de emergência descuradas, é preciso dispor de mecanismos financeiros apropriados. Deveríamos analisar se conviria melhorar o Fundo Central Auto-renovável de Emergência que já existe ou criar um novo mecanismo de financiamento. Neste último caso, deveríamos analisar atentamente a proposta apresentada pelos doadores, tendo em vista instituir um fundo de contribuições voluntárias de mil milhões de dólares.

209. O problema crescente dos deslocados merece especial atenção. Ao contrário dos refugiados, que atravessaram uma fronteira internacional, os deslocados, que foram forçados pela violência e a guerra a migrarem no interior do seu próprio país, não beneficiam da protecção de normas mínimas instituídas.

210. Ora este grupo da população extremamente vulnerável compreende hoje 25 milhões de pessoas, ou seja, o dobro do número de refugiados. Peço insistentemente aos Estados-membros que adoptem os "Guiding Principles on Internal Displacement ("Princípios Orientadores Relativos à Deslocação de Pessoas no Interior do seu País" (E/CN.4/1998/53/Add.2), preparados pelo meu Representante Especial, como norma fundamental internacional para a protecção dessas pessoas e que se comprometam a promover a adopção destes princípios no quadro da legislação nacional. Ao contrário dos refugiados, de que o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados se ocupa, os deslocados e as suas necessidades são com frequência vítimas das falhas da rede de organizações humanitárias. Recentemente, foram tomadas medidas para garantir que essas

61

A/59/2005

organizações colaborem, na esfera das suas respectivas competências, para dar assistência a essa população. Contudo, é preciso ir mais longe, como a crise no Darfur recentemente provou. Tenciono reforçar a acção realizada a nível internacional, com vista a responder às necessidades dos deslocados, sob a direcção geral do meu Coordenador do Socorro de Emergência, e ao nível nacional, graças à rede de coordenadores humanitários. Confio em que os Estados-membros apoiem a minha acção.

211. Por último, tenciono apelar mais sistematicamente aos Estados-membros, em geral, e ao Conselho de Segurança, em particular, para ultrapassar as restrições de acesso inademissíveis com que o pessoal humanitário se vê, demasiadas vezes, confrontado. A fim de evitar sofrimentos inúteis, é essencial proteger o espaço humanitário e garantir aos intervenientes humanitários um acesso seguro e sem entraves às populações vulneráveis. Tomarei também, por intermédio do Departamento de Segurança que foi recentemente criado no Secretariado, medidas que visam consolidar o nosso sistema de gestão dos riscos, de modo que o pessoal humanitário possa levar a cabo as operações destinadas a salvar vidas em zonas de alto risco, sem por isso pôr desnecessariamente em risco a sua própria vida.

Governação e ambiente mundial

212. Devido ao número e complexidade dos acordos internacionais sobre o tema e dos organismos que dele se ocupam, a questão do ambiente põe especiais problemas de coesão: estão actualmente em vigor mais de 400 tratados multilaterais, regionais e mundiais que abrangem um vasto leque de questões ambientais, nomeadamente a diversidade biológica, as alterações ambientais e a desertificação. O carácter sectorial destes instrumentos jurídicos e a fragmentação do dispositivo que permite acompanhar a sua aplicação dificultam a adopção de medidas eficazes universais. É manifestamente necessário harmonizar e reforçar os nossos esforços em matéria de acompanhamento e aplicação desses tratados. Já em 2002, os participantes na Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento sustentável, celebrada em Joanesburgo, sublinhavam a necessidade de um quatro institucional mais coerente para gestão internacional do ambiente, quadro esse que deveria permitir uma melhor coordenação e um melhor acompanhamento. Há muito tempo que se deveria ter pensado numa estrutura mais integrada, que permitisse estabelecer normas em matéria de ambiente, realizar debates científicos e acompanhar a aplicação dos tratados. Esta estrutura deveria apoiar-se nas instituições já existentes, tal como o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, bem como nos órgãos criados em virtude de tratados e nos organismos especializados. Paralelamente, as actividades levadas a cabo nos países deveriam beneficiar de melhores sinergias entre os organismos da ONU, tanto no plano normativo como no operacional, aproveitando ao máximo as suas vantagens comparativas, de forma a adoptarmos uma abordagem integrada do desenvolvimento sustentável que atribua idêntica importância às componentes "desenvolvimento" e "sustentabilidade".

E. Organizações regionais

213. Existe actualmente um número considerável de organizações regionais e subregionais, que dão contributos importantes para a estabilidade e prosperidade dos respectivos países-membros bem como do conjunto do sistema internacional. A

62

A/59/2005

ONU e as organizações regionais deveriam desempenhar papéis complementares na acção a favor da paz e da segurança internacionais. Neste contexto, os países doadores deveriam prestar especial atenção à necessidade de estabelecer um plano decenal de reforço das capacidades da União Africana. A fim de melhorar a coordenação entre a ONU e as organizações regionais, no quadro da Carta das Nações Unidas, a ONU concluirá com estas organizações memorandos de acordo que regerão a partilha de informação, de conhecimentos especializados e de recursos, em função de cada situação concreta. No caso das organizações regionais que dispõem de capacidades no domínio da prevenção de conflitos ou da manutenção da paz, esses memorandos de acordo poderiam prever que tais meios fossem inseridos no quadro do Sistema de Forças e Meios em Espera?? das Nações Unidas.

214. Tenciono ainda convidar as organizações regionais a participarem nas reuniões dos órgãos coordenadores do sistema das Nações Unidas, quando aí forem debatidas questões em que têm um interesse particular.

215. As regras que regem o orçamento das operações de manutenção da paz das Nações Unidas deveriam ser alteradas, de modo a permitirem à Organização decidir, a título verdadeiramente excepcional, financiar por meio de contribuições obrigatórias operações regionais autorizadas pelo Conselho de Segurança ou autorizar as organizações regionais a participarem nestas operações de paz com múltiplas componentes, sob a tutela da ONU.

F. Actualização da Carta das Nações Unidas

216. Como referi no início da secção V, os princípios da Carta das Nações Unidas continuam a ser plenamente válidos e, na sua essência, a Carta continua a ser uma base sólida do nosso trabalho. Trata-se, no entanto, de um documento que foi redigido há 60 anos, na Conferência de S. Francisco. Muitas mudanças foram, entretanto, introduzidas na prática da Organização sem que, por isso, fosse necessário alterar o texto fundador. Na realidade, a Carta só foi modificada duas vezes na história da Organização: para aumentar o número de membros do Conselho de Segurança e o de membros do Conselho Económico e Social

217. Contudo, o mundo em que a ONU intervém hoje é radicalmente diferente do que existia em 1945 e a Carta deveria reflectir a realidade do mundo actual. Em particular, há muito que se deveria ter suprimido dos Artigos 53 e 107 as referências, que se tornaram anacrónicas, a "inimigo".

218. O Conselho de Tutela teve um papel vital no estabelecimento de normas de adminstração nos territórios sob tutela e, de um modo mais geral, na promoção do processo de descolonização, mas os seus trabalhos ficaram foram há muito concluídos. O Capítulo XIII intitulado "Conselho de Tutela" deveria ser suprimido da Carta.

219. Por razões idênticas, o Artigo 47, relativo ao Comité de Estado-Maior, deveria ser suprimido, o mesmo devendo ser feito em relação a todas as referências a esse Comité nos Artigos 26, 45 e 46.

63

A/59/2005

VI. Conclusão: uma oportunidade e um desafio

220. Nunca, na história da humanidade, os destinos de cada mulher, cada homem e cada criança estiveram tão inextricavelmente ligados. Com efeito, estamos todos unidos pelos mesmos imperativos morais e pelos mesmos interesses objectivos. Podemos construir um mundo onde reine uma maior liberdade, mas, para isso, temos de encontrar um terreno de entendimento e de realizar uma acção colectiva. Perante uma tarefa tão gigantesca, é fácil cairmos em generalidades ou perdermo-nos em debates em que a discordância é tão profunda que as divergências só se acentuarão, em vez de se esbaterem.

221. Todavia, é a nós que cabe decidir se o momento de incerteza que atravessamos conduzirá a um alargamento dos conflitos, a um agravamento das desigualdades e a uma erosão do estado de direito ou, se pelo contrário, servirá para renovar as nossas instituições comuns em prol da paz, da prosperidade e dos direitos humanos. O tempo das palavras bonitas e das declarações de boas intenções já passou. No presente relatório, limitei-me, em grande medida, a focar as decisões que considero simultaneamente indispensáveis e realizáveis em 2005 e, no anexo, apresentei uma lista de questões a submeter à apreciação dos Chefes de Estado e de Governo.

222. Para fazerem a escolha acertada, os dirigentes precisarão daquilo que Franklin D. Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos da América, cuja visão esteve no cerne da fundação das Nações Unidas, denominava "coragem de assumir as [suas] responsabilidades, num mundo incontestavelmente imperfeito”.22 Deverão também dar prova de sensatez para ultrapassarem as suas divergências. Com uma vontade política firme e clara, não duvido de que o conseguirão. Estou convencido de que é seu dever fazê-lo. As propostas que aqui apresento são possíveis, a sua realização está ao nosso alcance. Mais: estas primeiras medidas concretas poderiam levar a um mudança visionária de direcção do nosso mundo. São uma oportunidade e um desafio.

Notas

1 Resolução 55/2 da Assembleia Geral.

2 Investing in Development: A Practical Plan to Achieve the Millennium Development Goals (Publicação das Nações Unidas, código de venda 05.III.B.4); ver também http://www.unmillenniumproject.org.

3 A Fair Globalization: Creating Opportunities for All (Genebra, Organização Internacional do Trabalho, 2004).

4 Unleashing Entrepreneurship: Making Business Work for the Poor (Publicação das Nações Unidas, Código de venda 04.III.B.4).

5 Ver Report of the International Conference on Financing for Development, Monterrey, Mexico, 18-22 March 2002 (Publicação das Nações Unidas, Código de venda E.02.II.A.7), cap. I, Resolução 1, anexo.

6 Nações Unidas, Treaty Series, vol. 1522, nº 26369.

7 Nações Unidas, Treaty Series, vol. 1954, nº 33480.

8 Ver Programa das Nações Unidas para o Ambiente, Convenção sobre a Diversidade Biológica (Environmental Law and Institution Programme Activity

64

A/59/2005

Centre), Junho de 1992.

9 Ver Report of the World Summit on Sustainable Development, Johannesburg, South Africa, 26 August-4 September 2002 (Publicação das Nações Unidas, Código de venda E.03.II.A.1), cap. I, Resolução 2, anexo, parágrafo 44.

10 FCCC/CP/1997/7/Add.1, decisão 1/CP.3, anexo.

11 A/AC.237/18 (Part II)/Add.1 e Corr.1, anexo I. 12 Nações Unidas, Treaty Series, vol. 729, No. 10485.

13 Ver Official Records of the General Assembly, Forty-seventh Session, Supplement No. 27 (A/47/27), apêndice I.

14 Resolução 2826 (XXVI) da Assembleia Geral, anexo.

15 Ver Report of the United Nations Conference on the Illicit Trade in Small Arms and Light Weapons in All Its Aspects, New York, 9-20 July 2001 (A/CON F. 192/15), cap. IV.

16 CD/1478.

17 CCW/CON F.I/16 (Parte I), anexo B.

18 Ver The United Nations Disarmament Yearbook, vol. 5: 1980 (United Nations publications, Sales No. E.81.IX.4), apêndice VII.

19 Resolução 217 A (III) da Asembleia Geral.

20 Resolução 55/96 da Assembleia Geral.

21 Resolução 2200 A (XXI) da Assembleia Geral.

22 Ver mensagem do Presidente dos Estados Unidos da América ao Congresso, datada de 6 de Janeiro de 1945.

65

A/59/2005

Anexo

Propostas sobre as quais os Chefes de Estado e de Governo se devem pronunciar 1. A Cimeira proporcionará uma oportunidade única de os dirigentes mundiais considerarem uma grande diversidade de questões e tomarem decisões que irão melhorar significativamente a vida de muitas pessoas no mundo inteiro. Trata-se de uma importante tarefa, uma tarefa digna de uma assembleia de dirigentes mundiais.

2. No século XXI, todos os Estados e as instituições através das quais actuam colectivamente devem promover a causa de uma maior liberdade – garantindo o direito de viver ao abrigo da liberdade, sem medo e com dignidade. Num mundo cada vez mais interligado, os progressos nas áreas do desenvolvimento, segurança e direitos humanos são indissociáveis. Não haverá desenvolvimento sem segurança, nem segurança sem desenvolvimento. E o desenvolvimento e a segurança dependem ambos do respeito pelos direitos humanos e pelo primado do direito.

3. Nenhum Estado se pode isolar inteiramente no mundo de hoje. Somos todos responsáveis pelo desenvolvimento e segurança uns dos outros. É indispensável que haja estratégias colectivas, instituições colectivas e uma acção colectiva.

4. Os Chefes de Estado e de Governo devem, portanto, chegar a acordo sobre a natureza das ameaças e oportunidades que se nos apresentam e agir decisivamente.

I. Viver ao abrigo da necessidade 5. A fim de reduzir a pobreza e promover a prosperidade global para todos, exorto os Chefes de Estado e de Governo a:

(a) Reafirmar e comprometerem-se a aplicar o consenso sobre o desenvolvimento baseado no dever mútuo de responsabilidade e prestação de contas acordado em 2002 na Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento, realizada em Monterrey, no México, e na Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável realizada em Joanesburgo, na África do Sul. No espírito desse pacto histórico, que tem no seu cerne os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio:

(i) Os países em desenvolvimento devem comprometer-se novamente a assumir a principal responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento reforçando a governação, combatendo a corrupção e utilizando políticas e investimentos destinados a promover um crescimento impulsionado pelo sector privado e a mobilizar recursos nacionais com vista ao financiamento das estratégias nacionais de desenvolvimento.

(ii) Os países desenvolvidos devem comprometer-se a apoiar aqueles esforços aumentando a ajuda ao desenvolvimento e adoptando um sistema comercial mais orientado para o desenvolvimento, bem como medidas mais amplas e mais profundas com vista à redução da dívida;

(b) Reconhecer as necessidades especiais de África e reafirmar os compromissos solenes no sentido de responder urgentemente a essas necessidades;

66

A/59/2005

(c) Decidir, até 2006, que cada um dos países em desenvolvimento onde existe pobreza extrema deve adoptar e começar a aplicar uma estratégia nacional abrangente e suficientemente ousada para permitir a consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio até 2015;

(d) Comprometer-se a garantir que os países desenvolvidos que ainda não o fizeram estabeleçam calendários para alcançar a meta de 0,7% do rendimento nacional bruto para ajuda ao desenvolvimento, o mais tardar, até 2015, introduzindo aumentos significativos a partir de 2006, a fim de conseguirem atingir um nível de pelo menos 0,5% até 2009;

(e) Decidir que se deve redefinir sustentabilidade da dívida como o nível de endividamento que permite a um país realizar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e, simultaneamente, chegar a 2015 sem que o seu grau de endividamento tenha aumentado; que, para a maioria dos PPME, isto exigirá que os financiamentos concedidos consistam, exclusivamente, em auxílios não reembolsáveis, bem como o cancelamento total da dívida, enquanto, para os países muito endividados não incluídos na categoria de PPME e países de rendimento médio, exigirá uma redução da dívida consideravelmente maior do que aquela que tem sido proposta até à data; e que o cancelamento de novos montantes da dívida não deve comprometer os recursos disponíveis para outros países em desenvolvimento nem pôr em perigo a viabilidade financeira a longo prazo das instituições financeiras internacionais;

(f) Concluir, o mais tardar até 2006, o ciclo de negociações comerciais multilaterais de Doha, realizado no âmbito da Organização Mundial do Comércio, dando máxima prioridade ao desenvolvimento, e, como primeiro passo, conceder imediatamente, a todas as exportações dos países menos avançados, acesso aos mercados sem restrições quantitativas e com isenção de direitos;

(g) Decidir lançar, em 2005, um Mecanismo Internacional de Financiamento destinado a apoiar a mobilização imediata de ajuda pública ao desenvolvimento, com base no compromisso de alcançar a meta de 0,7% para APD, o mais tardar até 2015; e considerar outras fontes inovadoras de financiamento do desenvolvimento destinadas a complementar aquele mecanismo a longo prazo;

(h) Decidir lançar uma série de iniciativas de efeitos rápidos susceptíveis de gerar progressos a muito curto prazo no que se refere à consecução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, designadamente, medidas como a distribuição gratuita de redes mosquiteiras e medicamentos eficazes para o tratamento da malária, a expansão de programas de refeições escolares confeccionadas com produtos cultivados localmente e a eliminação de propinas no ensino primário, bem como das taxas cobradas aos utentes dos serviços de saúde;

(i) Assegurar que a comunidade internacional conceda urgentemente os recursos necessários para alargar e intensificar a luta contra o VIH/SIDA, conforme preconizado pela ONUSIDA e os seus parceiros, e para suprir as necessidades financeiras do Fundo Mundial de Luta Contra a SIDA, a Tuberculose e a Malária.

(j) Reafirmar a igualdade entre os sexos e a necessidade de superar os preconceitos sexistas, ainda generalizados, aumentando a conclusão do ensino primário pelas raparigas e o acesso das mesmas ao ensino secundário, garantindo os direitos de propriedade das mulheres, assegurando o acesso aos serviços de saúde reprodutiva, promovendo a igualdade de acesso aos mercados de trabalho, proporcionando a oportunidade de uma maior representação nos organismos

67

A/59/2005

decisores do governo, e apoiando intervenções directas destinadas a proteger as mulheres contra a violência,

(k) Reconhecer a necessidade de um apoio internacional significativamente acrescido à investigação e desenvolvimento científicos, de modo a responder às necessidades especiais dos pobres nas áreas da saúde, agricultura, recursos naturais e gestão ambiental, energia e clima;

(l) Assegurar uma acção mundial concertada com vista a atenuar as alterações climáticas, designadamente através da inovação tecnológica, e, neste contexto, decidir criar um quadro internacional mais abrangente para as alterações climáticas para depois de 2012, com uma maior participação dos principais responsáveis pelas emissões, bem como dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, tendo em conta o princípio de responsabilidades comuns mas diferenciadas;

(m) Decidir criar um sistema mundial de alerta rápido para todos os perigos naturais, partindo das capacidades nacionais e regionais existentes;

(n) Decidir que, com início em 2005, os países em desenvolvimento que apresentem estratégias nacionais sólidas, transparentes e controláveis e necessitem de uma maior ajuda ao desenvolvimento recebam um aumento suficiente de ajuda, de qualidade suficiente e concedida com rapidez suficiente para lhes permitir alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

II. Viver sem medo

6. A fim de garantir efectivamente a segurança colectiva no século XXI, exorto os Chefes de Estado e de Governo a comprometerem-se a tomar medidas concertadas para enfrentar todas as ameaças à paz e segurança internacionais e, em particular, a:

(a) Proclamarem um novo consenso sobre a segurança assente no reconhecimento de que as ameaças estão interligadas, de que o desenvolvimento, a segurança e os direitos humanos são interdependentes, de que nenhum Estado se pode proteger contando apenas consigo próprio e de que todos os Estados precisam de um regime de segurança equitativo, racional e eficaz e de que, portanto, devem comprometer-se a chegar a acordo e aplicar estratégias globais que visem combater todas as ameaças, desde as guerras internacionais, as armas de destruição maciça, o terrorismo e o desmoronamento do Estado às guerras civis, passando pelas doenças infecciosas mortais, a pobreza extrema e a destruição do ambiente;

(b) Comprometerem-se a respeitar todas as disposições do Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares, da Convenção sobre Armas Biológicas e da Convenção sobre Armas Químicas, a fim de reforçar o regime multilateral de não proliferação e de desarmamento; em particular a:

(i) Tomarem a decisão de levar rapidamente a bom termo as negociações relativas a um tratado sobre a proibição de produção de matérias físseis;

68

A/59/2005

(ii) Reafirmarem a seu compromisso em relação a uma moratória sobre os ensaios nucleares e ao objectivo da entrada em vigor do Tratato de Proibição Completa dos Ensaios Nucleares;

(iii) Tomarem a decisão de adoptar o modelo de Protocolo Adicional a norma em matéria de verificação da aplicação do Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares;

(iv) Comprometerem-se a acelerarem um acordo sobre soluções conformes com o princípio do direito à utilização para fins pacíficos e com a obrigação de não proliferação, enunciados no Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares, que possam substituir a aquisição de instalações nacionais de enriquecimento de urânio e de separação do plutónio;

(v) Comprometerem-se a reforçar a Convenção sobre Armas Biológicas e Toxínicas;

(vi) Instarem todos os Estados detentores de armas biológicas a acelerarem a destruição dos seus stocks;

(c) Elaborarem instrumentos internacionais vinculativos para regular a marcação, o rastreamento e a corretagem ilícita de armas ligeiras e de pequeno calibre e a velarem por que os embargos de armas decretados pela ONU sejam objecto de controlos eficazes e sejam efectivamente respeitados;

(d) Afirmarem que nenhuma causa ou queixa, por mais legítima que seja, justifica que civis e não-combatentes sejam escolhidos como alvos ou deliberadamente mortos e declararem que qualquer acto que vise matar ou ferir gravemente civis e não-combatentes ou que, pela natureza ou contexto, tenha como objectivo intimidar uma população ou obrigar um governo ou uma organização internacional a praticar um acto ou abster-se de agir de uma determinada maneira constitui um acto de terrorismo;

(e) Tomarem a decisão de aplicar a estratégia global de luta contra o terrorismo apresentada pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, a fim de dissuadir as pessoas de recorrer ao terrorismo, de negar aos terroristos o acesso a fundos ou material, dissuadir os Estados de apoiar o terrorismo, de reforçar as capacidades dos Estados no domínio da luta contra o terrorismo e de defender os direitos humanos;

(f) Tomarem a decisão de aderir às 12 convenções internacionais que visam combater o terrorismo e darem instruções aos seus representantes no sentido de:

(i) Concluírem o mais rapidamente possível uma convenção sobre terrorismo nuclear;

(ii) Adoptarem uma convenção global contra o terrorismo, antes do final da sexagésima sessão da Assembleia Geral;

(g) Comprometerem-se a aderir, o mais rapidamente possível, a todas as convenções internacionais que visam combater o crime organizado e a corrupção e tomarem todas as outras medidas necessárias para que elas sejam efectivamente aplicadas, nomeadamente incorporar as suas disposições na legislação nacional e reforçar a justiça penal;

(h) Pedirem ao Conselho de Segurança que adopte uma resolução sobre o uso da força que defina os princípios que regem o recurso à força e que proclame a

69

A/59/2005

sua intenção de se basearem nestes princípios para decidir se devem autorizar ou proibir o seu uso. Essa resolução deveria reafirmar as disposições da Carta sobre o uso da força, incluindo o Artigo 51; reafirmar o papel central do Conselho de Segurança no domínio da paz e da segurança; reafirmar que o Conselho de Segurança tem o direito de recorrer à força armada, entre outros para fins preventivos, para preservar a paz e a segurança internacionais, nomeadamente nos casos de genocídio, de limpeza étnica e de outros crimes contra a humanidade; e afirmar a necessidade de tomar em consideração, sempre que se tratar de autorizar ou aprovar o recurso à força, a gravidade da ameaça, o objectivo real da intervenção militar proposta, a possibilidade de neutralizar a ameaça por outros meios que não o uso da força, e de saber se a intervenção militar é uma reacção proporcionada à ameaça e com boas hipóteses de ser bem sucedida;

(i) Decidirem instituir uma Comissão de Consolidação da Paz, com as características enunciadas no presente relatório, e criar um fundo permanente de contribuições voluntárias para a consolidação da paz;

(j) Constituírem reservas de material estratégico para as missões de manutenção da paz das Nações Unidas; apoiarem os esforços da União Europeia, da União Africana e de outras organizações, com vista a enviar para o terreno as forças e meios de manutenção da paz em standby, no quadro de um sistema de capacidades interligadas, e criar unidades de polícia civil das Nações Unidas em standby;

(k) Velar por que as sanções impostas pelo Conselho de Segurança sejam efectivamente aplicadas, nomeadamente reforçando as capacidades de aplicação das mesmas pelos Estados-membros, criando mecanismos de vigilância dotados dos recursos necessários e estabelecendo mecanismos eficazes e responsabilizáveis, para atenuar as consequências humanitárias das sanções.

III. Viver com dignidade

7. Exorto os Chefes de Estado e de Governo a renovarem o seu compromisso de promover o estado de direito, os direitos humanos e a democracia, princípios que estão no cerne da Carta das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para isso, deveriam:

(a) Reafirmar o seu compromisso em relação à dignidade humana, tomando medidas para consolidar o estado de direito, garantir o respeito pelos direitos humanos e as liberdades fundamentais e promover a democracia, para que os princípios que são universalmente aceites sejam aplicados em todos os países;

(b) Adoptar o princípio da "responsabilidade de proteger" como fundamento da acção colectiva contra o genocídio, a limpeza étnica e os crimes contra a humanidade, e decidir assumir essa responsabilidade, afirmando que ela recai em primeiro lugar a cada Estado, que tem o dever de proteger a sua população, mas que, se as autoridades nacionais não quiserem ou não puderem proteger os seus cidadãos, essa responsabilidade cabe à comunidade internacional, que deve recorrer a meios diplomáticos, humanitários ou outros métodos para ajudar a proteger a população civil, e que, se esses meios parecerem insuficientes, o Conselho de Segurança pode ser obrigado a decidir tomar medidas nos termos da Carta, nomeadamente, se for necessário, medidas coercivas;

70

A/59/2005

(c) Apoiar a cerimónia dos tratados de 2005, centrada em 31 tratados multilaterais, e incentivar todos os Governos que ainda não o fizeram a ratificar os tratados sobre a protecção de civis;

(d) Comprometer-se a apoiar a democracia nos seus próprios países, na sua região e no mundo, tomar a decisão de reforçar a capacidade da ONU de ajudar as novas democracias e, para esse efeito, acolher favoravelmente a proposta de criação, no seio das Nações Unidas, de um Fundo para a Democracia que sirva para ajudar, nos planos financeiro e técnico, os governos que se esforçam por instaurar ou consolidar a democracia;

(e) Reconhecer a importância do papel do Tribunal Internacional de Justiça na resolução de diferendos entre países e procurar encontrar meios de reforçar o seu trabalho.

IV. Para uma acção colectiva indispensável: Reforçar as Nações Unidas

8. Para que a Organização das Nações Unidas se torne um instrumento mais eficaz e racional para uma resposta conjunta às ameaças e necessidades comuns a todos nós, exorto os Chefes de Estado e de Governo a:

(a) Reafirmarem a ideia, expressa na Carta das Nações Unidas pelos fundadores da Organização, de que a ONU devia ter a estrutura, os recursos e os meios necessários para tentar resolver todos os problemas que os povos enfrentam no domínio da segurança, no plano socioeconómico e na esfera dos direitos humanos e, nesse espírito, comprometerem-se a reformar, reestruturar e revitalizar os seus principais órgãos e instituições, se tal for necessário, para que possam de facto responder eficazmente ameaças, às necessidades e às novas circunstâncias do século XXI;

Assembleia Geral

(b) Revitalizarem a Assembleia Geral; para isso:

(i) Darem aos seus representantes instruções no sentido de adoptar, na sexagésima sessão, um pacote global de reformas que visem revitalizar a Assembleia Geral, nomeadamente racionalizando os seus trabalhos e acelerando as deliberações, simplificando a ordem dos trabalhos, a estrutura das comissões e os procedimentos que regem os debates no plenário e os pedidos de relatórios, e consolidando o papel e a autoridade do Presidente;

(ii) Tomarem a decisão de recentrar a ordem dos trabalhos da Assembleia Geral, dando prioridade às grandes questões de fundo actuais, por exemplo as migrações internacionais e a adopção de uma convenção global contra o terrorismo, que há tanto tempo tem vindo a ser debatida;

(iii) Criarem mecanismos graças aos quais a Assembleia possa associar plena e sistematicamente a sociedade civil aos seus trabalhos;

71

A/59/2005

Conselho de Segurança

(c) Reformarem o Conselho de Segurança, para que seja mais representativo da comunidade internacional no seu conjunto e corresponda melhor às realidades geopolíticas de hoje, e, nessa óptica, aumentar o número dos seus membros; para isso:

(i) Apoiarem os princípios propostos no presente relatório e analisar os dois modelos, A e B, que nele são apresentados, bem como qualquer outra proposta realista sobre o número e repartição dos membros que seja elaborada com base num desses dois modelos;

(ii) Acordarem em tomar uma decisão sobre esta importante questão, antes da Cimeira de Setembro de 2005. Seria preferível que os Estados-membros tomassem essa decisão por consenso, mas a ausência de um consenso não deverá servir de pretexto para adiar uma decisão;

Conselho Económico e Social

(d) Reformarem o Conselho Económico e Social. Para isso:

(i) Encarregarem o Conselho Económico e Social de proceder todos os anos a uma avaliação, ao nível ministerial, dos progressos na realização dos objectivos de desenvolvimento acordados, em particular dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio;

(ii) Decidirem que o Conselho Económico e Social seja a instância de alto nível encarregada das questões ligadas à cooperação para o desenvolvimento, competindo-lhe analisar as tendências da cooperação internacional para o desenvolvimento, promover a coerência das actividades dos diferentes actores a favor do desenvolvimento, e reforçar a ligação entre o trabalho normativo e as actividades operacionais dda Organização;

(iii) Incentivarem o Conselho Económico e Social a convocar, em tempo útil e em função das necessidades, reuniões destinadas a avaliar as ameaças ao desenvolvimento, como as fomes, as epidemias e as grandes catástrofes naturais, e a contribuir para a adopção de medidas coordenadas de resposta a essas ameaças;

(iv) Decidirem que o Conselho Económico e Social deveria ocupar-se mais sistematicamente da gestão das situações pós-conflito, em colaboração com a Comissão de Consolidação da Paz cuja criação aqui se propõe;

Conselho de Direitos Humanos (proposta de criação)

(e) Acordarem em substituir a Comissão de Direitos Humanos por um órgão permanente e com menos membros, denominado Conselho de Direictos Humanos; este Conselho poderia ser um órgão principal da ONU ou um órgão subsidiário da Assembleia Geral e os seus membros seriam eleitos directamente pela Assembleia Geral, por uma maioria de dois terços dos membros presentes e votantes;

Secretariado

(f) Reformarem o Secretariado; para isso:

72

A/59/2005

(i) Aprovarem o pedido do Secretário-Geral com vista a que a Assembleia Geral reanalise todos os mandatos que remontam há mais de cinco anos, para apurar se as actividades estipuladas continuam a ser realmente necessárias ou se os recursos que lhes foram afectados podem ser utilizados para resolver novos problemas;

(ii) Acordarem em dar ao Secretário-Geral a autoridade e os recursos necessários para executar um programa pontual de dispensa de pessoal, indemnizando os funcionários que forem dispensados, a fim de dar à Organização sangue novo e um pessoal que responda às necessidades actuais;

(iii) Decidirem que os Estados-membros conjugarão os seus esforços com os do Secretário-Geral, para que se proceda a uma análise exaustiva das regras da Organização em matéria orçamental e no domínio dos recursos humanos;

(iv) Aprovarem o pacote de reformas da gestão graças às quais o Secretário-Geral espera conseguir mais responsabilidade, transparência e eficácia no Secretariado;

(v) Encomendar um estudo exaustivo sobre o Gabinete de Serviços de Supervisão Interna, a fim de reforçar a sua independência e autoridade, bem como as suas competências e capacidades;

Coerência do sistema das Nações Unidas

(g) Darem mais coerência ao sistema das Nações Unidas, decidindo coordenar as actividades dos seus representantes nos conselhos de administração dos diversos organismos de desenvolvimento e de ajuda humanitária, para assegurar uma política coerente no que diz respeito à atribuição de mandatos às diversas componentes e à afectação de recursos ao nível do sistema;

(h) Comprometerem-se a proteger o espaço humanitário e a assegurar que os actores humanitários acedam livremente e com segurança às populações vulneráveis; tomarem a decisão de dar seguimento às propostas que visam acelerar a resposta humanitária, criando novos mecanismos de financiamento, para que os fundos de emergência necessário estejam disponíveis imediatamente; e a apoiar os esforços do Secretário-Geral destinados a reforçar as instervenções à escala inter-institucional e nacional, a fim de responder às necessidades dos deslocados;

(i) Reconhecerem que, para a elaboração de normas relativas ao ambiente, os debates e os controlos científicos e o controlo da aplicação dos tratados, é necessária uma estrutura mais integrada, assente em instituições existentes, como o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, bem como nos órgãos criados por tratados e nos organismos especializados; essa estrutura seria encarregada de distribuir as actividades operacionais relativas ao ambiente pelos organismos de desenvolvimento, a fim de assegurar a adopção de uma abordagem integrada do desenvolvimento sustentável;

Organizações regionais

(j) Apoiarem uma relação mais estreita entre as Nações Unidas e as organizações regionais, nomeadamente, para começar, elaborando e aplicando com a União Africana um plano decenal de desenvolvimento das capacidades e velando

73

A/59/2005

por que as organizações regionais que têm capacidades no domínio da prevenção de conflitos ou da manutenção da paz encarem a possibilidade de as disponibilizarem, no quadro do Sistema de Forças e Meios em standby das Nações Unidas;

Carta das Nações Unidas

(k) Decidirem suprimir dos Artigos 53 and 107 da Carta as referências a "Estado inimigo"; suprimir o Artigo 47, que diz respeito ao Comité de Estado-maior, bem como as referências ao Comité nos Artigos 26, 45 e 46; e suprimir o Capítulo XIII, sobre o Conselho de Tutela.