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Inauguração das novas carruagens RAP (Rede de Ambulâncias Postais), encomendadas à Alemanha na década de 1950.

Sacos de correspondência.Produção fotográfica realizada para o Guia Oficial dos CTT

e publicada entre junho e agosto de 1943.

Carruagem de ambulância postal, modelo CC4.

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4 INTRODUÇÃO DO EDITOR

Francisco de LacerdaCEO – CTT CORREIOS DE PORTUGAL

Correios, infraestruturas viárias e meios de transporte sempre estiveram ligados intrinsecamente. Podemos até considerar que a atividade postal foi um dos pilares do desenvolvimento das comunicações em Portugal nas suas vertentes rodoviária e ferroviária.No final do século xix, o País carecia de estradas eficazes e modernas que permitissem ligações seguras entre as capitais de distrito. A aventura da Mala-Posta, iniciada por José Mascarenhas Neto em 1798 no troço Lisboa-Coimbra e depois alargada ao Porto, demonstrava estas debilidades quando se pensava na generalização a outros trajetos.Em 1859, a ligação entre Lisboa e Porto através das carreiras da Mala-Posta fazia-se em 34 horas e passava por 23 estações de muda. Desta forma, e apesar da qualidade de serviço das diligências com cavalos quando comparada com os meios de transporte anteriores, a sua extinção foi irreversível com o aparecimento do comboio.De facto, logo em 1866 os serviços de correios portugueses aproveitaram, como os seus congéneres europeus, a chegada do transporte ferroviário para criarem a ambulância postal, uma carruagem postal atrelada ao comboio onde eram transportadas cartas e volumes para todo o território.A carruagem postal teve tanto êxito que só foi eliminada definitivamente no nosso país 120 anos depois. A forma de funcionamento era simples: aos comboios portugueses acoplavam-se carruagens especialmente adaptadas para o tratamento do correio a bordo, onde seguiam viagem funcionários dos CTT a trabalhar durante toda a deslocação. Alguns desses trabalhadores dos Correios exerciam as suas funções de noite, nos comboios mais extensos ao longo das linhas principais, e os outros pela manhã, nos comboios de percursos mais curtos.Nos anos 80 do século xx, o “correio” vindo de Lisboa passava, já na cidade do Porto, da “Ambulância Postal” para uma outra carruagem puxada por uma locomotiva a diesel, uma English Electric 1400, e partia em dire-ção à Linha do Douro, fazendo a distribuição dos objetos postais em todos os apeadeiros de destino.Estes comboios-correio, não só em Portugal como em toda a Europa, eram considerados os comboios mais importantes do dia em cada percurso e subordinavam a marcha de todos os restantes. As carruagens adaptadas a tratamento postal de objetos eram propriedade dos CTT — que chegou a possuir cerca de 30 —, tendo sido algumas doadas ao Museu Nacional Ferroviário para memória histórica destes 120 anos de bons e leais serviçosCom todo este estreito relacionamento entre o serviço postal e os comboios em Portugal, faz todo o sentido que os CTT Correios de Portugal tenham decidido editar um livro sobre as memórias dos 160 anos da ferrovia em Portugal, constituído por testemunhos de pessoas que foram agentes diretos desta aventura sobre carris. Aventura que não só ainda não acabou como, pelo contrário e devido aos atuais pressupostos de sustentabilidade ambiental, está cada vez mais na moda em todo o mundo.

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CAMINHO-DE-FERRO: GENTES E MEMÓRIAS 5756

Dia de chuva e noite fria…Encontrava-me de prevenção (Equipa de Carrila-mentos) quando, por volta da 1h25, toca o telefone. Do outro lado da linha a voz do costume: “Fala da Permanência de Campanhã e é para o infor-mar que temos um descarrilamento em Freixo de Numão.” Silêncio da minha parte e pergunto: “O que é?” E a resposta foi: “Uma locomotiva English e seis tremonhas.”Com muito custo em deixar a cama, dirigi-me para a Estação de Ermesinde para apanhar o com-boio de socorro e seguir juntamente com o resto do pessoal da prevenção. O Chefe do piquete nesse dia era o Sr. Adriano Monteiro (já falecido), conhecido por “Americano”. “Americano”, porquê? Porque tinha sempre ideias muito avançadas para a época e arranjava sempre soluções para tudo, fosse o assunto mais difícil.Quando chegámos ao local ainda era noite e de-parámos com uma das tremonhas descarrilada em cima da ponte de Freixo de Numão e o resto do material no sentido de Barca d’ Alva. O vagão de socorro, para nosso desgosto, parou em cima da ponte. O medo surge entre nós quando tive-mos de tirar todo o material de carrilamento do vagão de socorro e transportá-lo para o início do comboio onde estava a locomotiva descarrilada

e as restantes tremonhas. A passadeira da ponte era demasiado estreita para levar todo o mate-rial para a frente: malhais, macacos, ponte, carri-nho, mangueiras, motor e piano (mesa de co-mando dos macacos hidráulicos). Era uma mão no corrimão da ponte e a outra a segurar o equi-pamento. Com muito custo, lá ficou todo o ma-terial no início do comboio.Para demonstrar as ideias do “Americano”, Chefe do carrilamento, ele disse: “Vamos começar pela locomotiva, pois quando chegarmos à última tremonha já é noite.” E porquê? Porque tínhamos que trabalhar em cima das travessas da ponte e à noite não víamos o rio, nem tínhamos a noção da altura e do perigo que corríamos.Já dia, terminámos o carrilamento. Depois de tantas horas de trabalho, o que mais nos custa é arrumar todo o material que saíra do vagão… tudo é mais pesado!!! Tudo arrumadinho, há ordem de arranque e, chegados à Estação de Vesúvio, fomos obrigados a fazer uma paragem, pois tinha caído uma pedra à linha e não podía-mos seguir viagem até o Pessoal da Via dar a linha livre. Aproximava-se a hora do almoço, e, como sou um bocado habilidoso na cozinha, compe-tiu-me fazer alguma coisa para aconchegar o estômago.

Nas estações, normalmente o Chefe tinha um pequeno quintal com umas “coivinhas”. Fui ter com ele e pedi-lhe se me arranjava uma penca para fazer uma sopa. Não só me deu uma penca, como me deu um chouriço para pôr na sopa, com uma condição de ele também comer da mesma, visto que não tinha nada para almoçar.Acordo feito, lá fui eu para a cozinha preparar a sopinha. Estava a sopa quase, quase pronta quan-do o Chefe de Estação veio ter connosco a dizer que a via já estava livre e tínhamos que arrancar. Arrancámos, e o coitado do Chefe, se não tinha nada para comer, com nada para comer ficou, e sem chouriço!Esta é uma pequena história dos muitos carrila-mentos que fiz, enquanto permaneci no Grupo de Prevenção aos descarrilamentos do Posto de Manutenção de Contumil.

Sábado, 30 de Novembro de 1985— A R M I N D O F E R R E I R A —ELECTRICISTA, CP E EMEF (REFORMADO)

“Depois de tantas horas de trabalho, o que mais nos custa é arrumar todo o material que saíra do vagão…”

Linha do Douro, Freixo de Numão.

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CAMINHO-DE-FERRO: GENTES E MEMÓRIAS 5958

Desde muito pequeno, e mesmo tendo nascido numa família sem quaisquer ligações ao setor ferroviário, os “cavalos de ferro” fizeram sempre parte da minha vida. Assim como o Douro, onde assenta parte das minhas raízes familiares, ape-sar de ter nascido no Porto. A minha infância teve sempre presente o Douro e os comboios… Desde as férias de verão, às viagens sobre carris ao longo do rio e às muitas vezes que ia com a minha mãe, buscar o meu pai a Campanhã nos seus regressos de Lisboa, e a São Bento buscar a minha avó Helena e o meu bisavô Sebastião, vindos do Douro, os comboios eram sempre um ingrediente indispensável…Quando ia com a família, de carro, para Guiães, as viagens eram sempre feitas com o desejo de que todas as passagens de nível do percurso estives-sem fechadas e de preferência que passassem vários comboios. E habitualmente, apesar da fal-ta de paciência dos meus pais, lá parávamos em Paredes, na Rede, na Régua, e por fim na Linha do Corgo. Era uma aventura e um verdadeiro ban-quete de “cavalos de ferro”.

Um grito pelo Douro…— A L B E R T O A R O S O —

ESPECIALISTA EM TRANSPORTES E VIAS DE COMUNICAÇÃO E FERROVIÁRIO (JAE, REFER, IP)

“Alberto, aquilo era túnel, ponte… Túnel, ponte… Túnel, ponte… Numa paisagem ímpar e que era possível apreciar tão bem,

dadas as janelas que contornavam todo o Ferrobus…”

Ponte das Prezas na Linha do Tua. Comboio histórico na Linha do Corgo.

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CAMINHO-DE-FERRO: GENTES E MEMÓRIAS 9190

Átrio da Estação ferroviária de São Bento, Porto.Pormenor de alguns painéis tais como: o Casamento de D. João I

com D. Filipa de Lencastre, Conquista de Ceuta, a Chegada do 1.º Comboio ao Minho, Romaria de S. Torcato e a Ceifa.

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CAMINHO-DE-FERRO: GENTES E MEMÓRIAS 101100

“[…] um segundo perdido ou recuperado […] chega para observar o que o comum dos mortais pode necessitar de minutos!”

Um dia pediram-me que contasse uma história, um episódio da minha vida profissional.Sou Maquinista na CP desde 1996 e trabalho des-de então numa escala rotativa por turnos. Por ser rotativa, numa semana de trabalho posso ter de executar serviços tanto de dia como durante a noite e em qualquer mês do ano, o que faz com que tenha a oportunidade de observar os vários fenómenos da Natureza, que vão desde o nascer ao pôr do Sol, as várias estações do ano com dias de Verão lindíssimos, de Primaveras verdejantes, de Outonos com árvores que parecem paletas de cores quentes e Invernos com trovoadas violen-tas e cheias, que nos podem atormentar por vá-rios dias e outros fenómenos, como, por exemplo: cometas, meteoritos, a evolução da fauna e da flora e os vários fenómenos lunares que tanto po-dem ser eclipses como as mais belas luas cheias.Como costumo dizer: “Da janela do meu escritó-rio itinerante, eu vejo um mundo, um mundo que muda a cada segundo e, mesmo que eu passe todos os dias no mesmo sítio, nada é igual ao dia anterior.”

A vida profissional de um Ferroviário tem altos e baixos, e a minha não será diferente, no entanto eu gosto de guardar os momentos bons, e esses momentos podem ser vários, sim, ao longo de 20 anos de carreira, podem ser muitos.Com o aproximar da Primavera, inicia-se a azáfa-ma da construção dos ninhos, e em particular na zona de Estarreja as cegonhas, que são em gran-de número, são as protagonistas de alguns episó-dios. Todos os anos, embora as cegonhas na zona já não sejam totalmente aves migratórias, cons-troem ninhos novos ou ampliam os já existentes. É frequente vermos as enormes aves transporta-rem enormes galhos de árvores que, por vezes, ao passarem na frente dos comboios, os deixam cair e que batem violentamente nos vidros frontais, ou mesmo fazerem voos rasantes. Estas aves gos-tam de fazer os seus ninhos em sítios altos, e por vezes os postes da catenária são os mais altos do lugar, sendo necessário retirá-los de lá, para isso é necessário informar o CCO, que alerta a equipa que irá proceder à remoção do ninho do poste da ca-tenária. Após a azáfama da construção dos ninhos e após o acasalamento e a nidificação, lá aparece mais um elemento na família e todos os dias evo-lui. Na Primavera, sempre que passo na zona de Estarreja, delicio-me com esse fenómeno, o fenó-meno da vida, da evolução da vida animal.

Ao longo da via-férrea, existe vida, vida animal, e não são só as cegonhas, são, por exemplo, os coe-lhos, que existem em vários locais, como em São Gemil ou perto de Famalicão, e também um pou-co por todo o lado. Existem aves de rapina, algu-mas têm o seu poste da catenária favorito que utilizam como vigia, e estou a lembrar-me em particular de um milhafre que costuma estar num poste na via descendente logo após o Apeadeiro de Carvalheira Maceda. Existem também as ra-posas, que se passeiam no Ramal de Braga e pela Linha de Guimarães. É frequente ver falcões entre Espinho e a Granja.Por vezes, quando estamos parados num apea-deiro ou estação, aqueles segundos enquanto se faz o serviço de passageiros ou quando paramos junto de sinal de cantonamento em plena via, os segundos de espera servem para observar os pormenores da Natureza, que só são possíveis de observar porque sou Maquinista e porque do lado de fora da janela do meu escritório o mundo passa como se de um filme se tratasse.A vida de um Maquinista pode ser stressante, pois cada segundo que passa pode ser um se-gundo perdido ou recuperado, mas com 20 anos a conduzir comboios, um segundo chega para observar o que o comum dos mortais pode ne-cessitar de minutos!

“Da janela do meu escritório itinerante, eu vejo um mundo...”

— A N T Ó N I O J O S É C O R R E I A — MAQUINISTA (CP)

Sempre atento. Coleção fotográfica Varela Pècurto.

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Hoje, passados 27 anos, sou Ferroviária. O Ramal da Alfândega encerrou exactamente três meses após a minha entrada para a CP, em Junho de 1989. Cerca das 9h00 em ponto, apresentei-me, acanhada, no então Serviço de Pessoal, sediado na ímpar Estação de Porto-São Bento, orgulhosa-mente uma das mais belas estações do mundo, a minha segunda casa. Conheci distintas pes-soas e fiz bons amigos.Nesta escola ferroviária, tive excelentes profes-sores. Entre eles alguns Técnicos e um Especia-lista, que me incutiram prazer pelo conhecimen-to e dedicação pelo trabalho. De Secretária a Assistente de Gestão, nesta últi-ma carreira tive a oportunidade de experimentar algumas aventuras no terreno. O meu primeiro trabalho, no exterior, foi contri-buir para a caracterização das passagens de nível, com vista à elaboração de um estudo para a renovação do Ramal de Braga, com cerca de 15 quilómetros. Actualmente, não existem atra-vessamentos de nível, o que veio permitir o au-mento de velocidade das circulações ferroviárias, encurtando o tempo daquele percurso.

Com os meus tenros três anos de existência, acompanhada de meu pai, que passou pelo ca-minho-de-ferro assim como o seu pai, que fora Maquinista de comboios a vapor, e na compa-nhia de minha irmã de 11 anos, fomos à Quinta da China. Descemos pelo Seminário dos Salesia-nos do Porto, sobranceiro ao Ramal da Alfândega, que ligava a Alfândega do Porto à Estação de Campanhã.Aí chegados, o meu pai atravessou o Ramal, para entrar na Quinta. Sentei-me nos degraus muito próximos da via-férrea, não querendo atravessar, ali permaneci com a minha irmã. Eis senão quando um estranho barulho me fez paralisar. Recordo-me das palavras aflitas de meu pai: “Não se mexam, não tenham medo, vem aí um comboio!” E assim cumprimos imóveis.Foi um momento de emoções, medo, admiração e respeito. O comboio era gigante, com várias carruagens e vi pessoas à janela a acenar. A sua passagem provocava um vento forte mas eu mantive-me firme.Depois daquele singular momento, um dia o meu pai presenteou-me com uma magnífica pista de comboios. Delirei! A paixão estava a desabrochar.

Nesta, de muitas outras aventuras, tive como companhia e supervisão um Especialista, ho-mem experiente, sábio e culto, que me apontava e adjectivava os telhados das casas, enquanto eu palmilhava as travessas de madeira da via--férrea, sentindo de vez em quando algo estra-nhamente mole debaixo dos meus pés. O Colega distraía-me para não ver os animais colhidos pelos comboios. No final do dia percebi o quanto gostava da aprendizagem no exterior e de sentir a adrenali-na quando estava iminente a aproximação de um comboio, enquanto percorríamos a via-fér-rea, e tínhamos que nos resguardar.Esta cultura de se ser Ferroviário corre no sangue, mostra valores, mas também se ressente pelas perdas de Património contínuas.As infra-estruturas ferroviárias e os comboios complementam-se, não só o foi no passado como algo inovador, deverá sê-lo no futuro como a solução para um problema do presente: o im-pacto ambiental.

O gigante do Ramal da Alfândega

— F Á T I M A C O N S T A N T I N O — ASSISTENTE DE GESTÃO (CP, REFER, IP)

“Não se mexam, não tenham medo, vem aí um comboio!”

Interior da locomotiva a vapor CP E163.

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CAMINHO-DE-FERRO: GENTES E MEMÓRIAS 115114

AS PRIMEIRAS LEMBRANÇAS“Olha os rebuçados da Régua”, pregão que tão bem conhecemos, é a minha primeira lembrança do caminho-de-ferro. Eram os rebuçados da Régua que o meu avô trazia das suas viagens no comboio com a carruagem postal que transpor-tava o correio.

“[…] era um daqueles navegadores que sulcava os oceanos no desconhecido e tínhamos que avançar […].”

Foram muitas viagens, e naquele tempo vivia, ainda criança, na casa dos meus avós e recebia um pequeno mimo sempre que o meu avô fazia essas viagens, principalmente na Linha do Douro.A casa dele ficava na Rua do Monte da Estação e dela podia ver as linhas férreas, e recordo-me perfeitamente do barulho das manobras dos com-boios e dos embates dos tampões do material circulante.Recordo-me igualmente de nesse tempo ter vindo uma vez com o meu tio Martins Pinheiro a um edifício na estação e subi umas escadas em re-dondo. Mais tarde reconheci essas escadas no edifício azul de Electrotecnia para chegar ao PCL no qual ele trabalhava.

COMO VIM CÁ PARAREstava a terminar o Serviço Militar e o meu tio tele-fonou-me a perguntar se queria vir para a CP. Tinha-se cruzado em Lisboa com o colega Eduardo Monteiro, que lhe falou que havia uma vaga para um Electrotécnico no Porto, para a Sinalização.Não tinha ideia do que era isso e, fresquinho da faculdade, queria era trabalhar na investigação, a robótica. Ainda tenho esse bichinho cá dentro. Tinha visto alguns anos antes um filme sobre andróides: Blade Runner.

Reflexões sobre a minha memória ferroviária

— F E R N A N D O P E R E I R A —TÉCNICO ESPECIALISTA (CP, REFER, IP)

Mas afinal tive sorte, adorei trabalhar na Sinali-zação, a lógica que continha, lidar com a segu-rança dos comboios e o futuro próximo com os encravamentos electrónicos e mais tarde a imple-mentação dos CCO. Não podia querer mais.

OS COLEGASTrabalhei com óptimos colegas, muitos já refor-mados ou falecidos, que me ensinaram muito do ofício e me fizeram crescer como pessoa e como Gestor de Equipas, e, posso dizer, com vontade de inovar: Pina Vaz, Ribeiro, Eduardo, Teixeira, Moço, Faria, Oliveira e tantos outros.Um deles, um Serralheiro, o Rocha, ensinou-me uma regra básica de relação com as Chefias: “Mesmo que discordes nalgumas ocasiões com eles, devemos manter sempre esse espírito de grupo e de fidelidade, fundamental para o su-cesso do líder.” Mais tarde, como Responsável, tive a confirmação dessa verdade, porque Cola-boradores meus não tiveram essa atitude e a Equipa (eu incluído) perdeu com isso. Conheci várias Chefias. Com todas elas aprendi coisas, mesmo nas diferenças, mas gostei sem-pre de destacar aquele que considerei e com quem tive mais empatia: Dionísio Ferreira.Entre cigarros e cafés que ele tomava — e eram muito —, tivemos longas conversas ao fim da tarde sobre muitas coisas, algumas delas fala-vam do Caminho-de-Ferro.

Sacos de correspondência da ambulância postal ferroviária.Produção fotográfica realizada para o Guia Oficial dos CTT e publicada entre junho e agosto de 1943.

Manipulação da correspondência postal da ambulância postal ferroviária.Produção fotográfica realizada para o Guia Oficial dos CTT e publicada entre junho e agosto de 1943.

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CAMINHO-DE-FERRO: GENTES E MEMÓRIAS 117116

Ambulância Postal Ferroviária APyf52.Produção fotográfica realizada em Évora no âmbito de uma exposição organizada pela Câmara Municipal de Évora, com a colaboração da Direção-Geral do Turismo, que decorreu entre os dias 18 e 26 de setembro de 1982, intitulada “Évora - Os Povos e as Artes”.

Interior da Ambulância Postal APyf52

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Em 2009, fui reeleito no VI Congresso do SINAFE para mais um mandato (o último como Secretário--geral), que terminou em 2013.Neste ano, no VII Congresso do SINAFE, fui eleito Presidente do Conselho Geral, mandato que mantenho e que termina em Setembro de 2017.Saí da CP a 31 de Dezembro de 2012. Estive no desemprego até meados de Junho de 2016, data em que passei à reforma.Nestes três anos, quase quatro, continuo com a actividade Sindical, pelos diversos locais de tra-balho, em reuniões com as Administrações das empresas, bem como em contactos com as Chefias Intermédias e de 1.º Nível.Tenho feito parte das reuniões, negociações e//ou esclarecimentos. Tenho tido reuniões na Assembleia da República com vários Grupos Parlamentares.Tenho tido várias reuniões com a Medway, no sentido de se obter um Acordo de Empresa, para os trabalhadores oriundos da CP Carga.Em Dezembro de 2016, participei numa Confe-rência, na Câmara Municipal da Guarda, subordi-nada ao tema “Guarda - Uma Grande Plataforma Ferroviária”. No encerramento, esteve presente o Ex.mo Senhor Presidente da República.A vida é sempre em frente!

Mas só em 2006 voltei para o contexto de trabalho, mantendo o regular funcionamento do SINAFE.Em 2007, o Conselho de Administração da CP nomeou-me Chefe de Sector. Se já coordenava Portugal de lés a lés quando estava na Direcção de Produção de Transportes, ir para o Sindicato obrigou-me a deslocar-me a todos os locais de trabalho da Rede Ferroviária Nacional. Isto deu-me um vastíssimo conhecimento dos locais e das pessoas, bem como dos serviços e das dificulda-des existentes em cada local.Antes da nomeação a Chefe de Sector tinha a responsabilidade das Salas de Apoio do Pessoal Circulante, desde Valença a V. R. Santo António, de Castelo Branco às Caldas da Rainha, etc.Com a minha nomeação, foram designados mais dois. Assim, um deles ficou com a parte norte, acima de Aveiro, e o outro ficou com a parte a sul de Lisboa. Fiquei com Guarda, Coimbra, Coimbra-B, Pampilhosa, Serpins, Miranda do Corvo, Tomar, Castelo Branco, Covilhã, Abrantes, Entroncamento (várias), Castanheira do Ribatejo, Alhandra, Alverca, Bobadela, Gare do Oriente, Santa Apolónia (várias), Cais do Sodré, Alcântara-Terra, Cascais, Entrecam-pos, Rossio, Campolide, Algueirão, Sintra, Caldas da Rainha e Figueira da Foz.Fui incumbido de melhorar as condições das Salas de Apoio do Pessoal Circulante (algumas vezes extensivas ao Pessoal Fixo, por arrasto…). Ainda em 2009, aquando da constituição da CP Carga, SA, em várias conversações com o então Presidente do CA da CP, Dr. José Benoliel, traba-lhei no sentido de que os Direitos e as Regalias dos Trabalhadores que transitassem da CP para a CP Carga ficassem acautelados, o que deu ori-gem ao Dec.-Lei n.º 137-A/2009, de 12 de Junho.

Estação ferroviária do Cais do Sodré, Linha de Cascais.

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CAMINHO-DE-FERRO: GENTES E MEMÓRIAS 181180

É difícil como mecânico ferroviário “aparafusar” o turbilhão de peças soltas que tem sido a minha experiência profissional. Porque o trabalho é um trabalho que nunca está concluído, é uma sur-presa constante, uma fonte de aprendizagem diária. É o amor e ódio em vários momentos, mas acima de tudo é o nunca desistir, é a cumplicida-de do trabalho em equipa, é os momentos de solidão perante estes monstros de ferro que nos fazem sentir pequenos… mas sobretudo é o fas-cínio de os pôr em movimento para o fim para que foram criados, os comboios.Tenho particular orgulho de participar no projec-to do vapor da CP/EMEF, em que a ligação entre o Homem e a máquina (locomotiva a vapor) é quase uma união, em que a locomotiva quase que tem vida, em que os mecânicos fazem parte desta fabulosa engrenagem como um todo! Por isso, sinto que toda a experiência como fer-roviário me deu um estado de alma inatingível noutra profissão.Bem hajam todos os que, diariamente, vêm tra-balhando para, em segurança, fazer andar os comboios.

Movimentos— L U Í S M A R Q U E S —

OPERÁRIO (CP, EMEF – BARREIRO, CONTUMIL)

“[…] estes monstros de ferro que nos fazem sentir pequenos…”

As grandes locomotivas. EMEF – Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário, Barreiro.

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CAMINHO-DE-FERRO: GENTES E MEMÓRIAS 213212

Acredito que nunca devemos cruzar os braços, devemos sempre pensar em atingir o topo, só assim nos valorizamos, só assim poderemos dar o melhor de nós, só assim poderemos dar satis-fação a quem de nós precisa. Quero com isto dizer que nunca devemos ficar reféns de parcos conhecimentos (é aqui que concordo, promoção, novo local de trabalho) e devemos procurar sempre aumentar os nossos horizontes, pois só assim podemos homenagear quem nos deixou a herança “ser ferroviário”, por-que “ser ferroviário” não se aprende nas universi-dades, aprende-se no terreno, como diziam os meus antepassados.Concorri à categoria de Inspetor e, após aprova-ção no curso, vim para Porto-Campanhã.Tenho acompanhado a evolução e o desmem-bramento do complexo ferroviário, desde o en-cerramento das Linhas do interior, do Corgo, do Tua, do Tâmega, também da Póvoa e Estrela de Évora, de algumas Estações, que fazem parte das memórias de amigos e amigas que deixamos com o tempo.Destaco o triste encerramento de uma linha, na qual o meu avô trabalhou e ajudou na sua cons-trução, a Linha da Póvoa.

Também era bom acompanhar o meu pai, que, para receber o vencimento, se tinha de deslocar ao pagador, que vinha num vagão, ou, mais tar-de, nas deslocações às bilheteiras.Nunca pensei vir para o Caminho de Ferro, mas o destino estava traçado… Iria ser a terceira gera-ção de uma família, como tantas outras, de fer-roviários.Assim foi e, em 1985, entrei para o Curso de Fato-res. No primeiro dia, além da entrega de cerca de 60 livros, recebi a mensagem do Instrutor (Ins-petor Sr. Ramos): “Vocês são o futuro do Cami-nho de Ferro!”Desses tempos, lembro a angústia de todos com o choque de comboios em Alcafache, o maior acidente da história ferroviária nestes 160 anos. Ainda recordo as imagens da televisão, o deses-pero das pessoas na procura dos seus entes que-ridos, o choro do Instrutor pelo acidente e o relato que íamos ouvindo das presumíveis causas, etc.Se pensarmos que a história não se repete, esta-mos enganados, senão vejamos:Depois de eu nascer, a minha família veio para Midões, na Linha do Minho. Passados 22 anos assentei “praça” precisamente em Midões, onde tinha começado a minha vivência ferroviária (desde que me restam memórias).Após nove anos, através de concurso e frequência de ação de formação, fui transferido para Braço de Prata como Chefe de Estação.Recordo-me de me dizerem: “Acha que faz bem em ir para Lisboa?”, ao que respondi: “Sr. Inspetor, para a frente é que é caminho!”Assim o pensei, assim o fiz e ainda hoje mantenho a mesma ideia, pois aprendi a gostar do Cami-nho de Ferro desde cedo.

Ermesinde, Valongo e Penafiel; “Quem quer re-buçados” na Estação da Régua (sim, os rebuça-dos que mal nos cabiam na boca); na magní-fica Linha do Tua, apanhar com as faúlhas do carvão nos olhos, abrir as janelas e apanhar o ar fresco, devido à deslocação do ”pouca terra”, ou-vir o som das máquinas e ver comboios cheios de pessoas, cabazes, sacos com frutos e outros produtos!E nessa altura não havia a preocupação do ar condicionado, que era o da deslocação dos com-boios, quando as janelas iam abertas.

Recordo que, quando entrei neste mundo profis-sional, éramos 22 mil e, agora, a drástica dimi-nuição de efetivos faz com que nem metade sejamos, o que, em parte, é justificado, obvia-mente, pela evolução das restantes linhas, que se traduz na eletrificação, na duplicação de vias, no sistema de sinalização, etc.Quero terminar com um único pensamento: es-tou no transporte mais seguro do mundo o “FER-ROVIÁRIO”!Bem haja quem deu tudo pelo “Cavalo de Ferro”!

Painéis de azulejos da Estação ferroviária de Évora. que representam o trabalho nos campos alentejanos e o Templo de Diana.

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CAMINHO-DE-FERRO: GENTES E MEMÓRIAS 259258

Geometria fora dos carris! Oficinas da EMEF – Empresa de Manutenção

de Equipamento Ferroviário, Barreiro.