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Trabalho de Conclusão de Curso em Design de - Patrícia Pimenta - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (2012)

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Núcleo de Pesquisa PipolProjetos Integrados de Pesquisa On-line

Patrícia PimentaOrientador - Prof. Dr. Dorival Campos Rossi

Design 2012

Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação

Universidade Estadual Paulista - UNESP

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AgradecimentosEsse projeto faz parte de uma importante fase da minha vida. Essa vida que, hoje, carrega parte de muitas outras, de pessoas que cruzaram o meu caminho e contribuíram para o que sou hoje. A vocês, meu sincero obrigada:

Meus pais e avó Lourdes, que dedicaram suas vidas à minha educação e foram os responsáveis pelas escolhas que me trouxeram até aqui.

Meus grandes amigos, companheiros de curso, com quem tive o prazer de dividir tantas experiências, incertezas e cervejas. Diogo, Lucão, Uva e Coutinho, vocês fizeram TODA a diferença nesses últimos 5 anos.

Prof. Dorival, meu orientador, por abrir a porta de um mundo sensível, cheio de possibilidades, no qual eu me encontrei.

Minha querida Pagu, que, mesmo entrando nessa vida há poucos meses, me trouxe tantas alegrias! Biju, Vivi, Marília e Flan, obrigada pelo apoio e por dividirem um pouquinho das suas vidas comigo.

Pessoas especiais, que me inspiram e me impulsionam: minha prima Cris, meus amigos-irmãos Dani e Caio, Fernanda Moraes, Mara De Santi, Victor Sanches, Ciro Bertolucci e Cássia Villa.

Meu irmão Fernando, pelo companheirismo e colaboração neste projeto.

Mayara, pela doçura (que eu sinto tanta falta) e pela revisão desse relatório.

Por fim, não menos queridos, mas, sim, essenciais: Nath, Má, Larissa, Thaís, Aline, Wanessa, Burns, Alexandre e Lili.

“Que a gente seja tão descomprometido quanto possível; que a gente se aproxime das coisas como se o mundo tivesse acabado de ser criado; que a gente não reflita determinada coisa até a destruição e sim que a gente conserve, livre, permitindo seu desdobramento. Que a gente seja simples, mas não pobre (“a simplicidade é uma grande palavra”), que a gente prefira ser primitivo a ser vaidoso, complicado e inchado; que a gente não seja sentimental, mas que a gente em vez de sê-lo, tenha espírito. Com isto está dito tudo como não está dito nada! Mais: que a gente parta do elementar. E o que quer dizer isto? Que a gente parta do plano, da linha, da superfície simples, e que a gente parta da simples composição de superfícies: a partir do corpo.

Que a gente parta das cores simples como são: branco, cinza, vermelho, azul, amarelo e preto. Que a gente parta do material, descubra as diferenças de tecido dos materiais como vidro, metal, madeira, e assim por diante, assimilando-o interiormente. Que a gente parta do espaço, da sua lei e do seu segredo, deixando-se “enfeitiçar” por ele. Com isto, novamente, está dito muito e não é dito nada, até o momento em que estes conceitos tenham sido sentidos e preenchidos. Que a gente parta da situação do corpo, do ser, do estar em pé, do caminhar e somente no fim do saltar e do dançar. Porque o dar um passo representa um importante acontecimento: e nada menos do que isto, levantar uma mão, mexer um dedo. Que a gente tenha tanto respeito quanto consideração diante de cada ação do corpo humano, de vez que no palco se manifesta este mundo especial da vida, do aparecer, esta segunda realidade, na qual tudo está circundado pelo brilho do mágico.”

(Oskar Schlemmer, diário, maio de 1929)

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O desejo de mexer com as pessoas, de criar movimentos,

foram intenções que me tocaram e fizeram que eu trilhasse um

caminho em busca de um design de relações.

Inspirada por esta nova maneira de pensar design, me re-

descobri durante os últimos anos de graduação e vi como objetivo

de trabalho também possibilitar descobertas. Ainda, sob influência

de filosofias orientais, como o yôga, comecei a questionar a quali-

dade das experiências que vivemos, o que fez com que eu olhasse

para um possível sentido inverso de conceituação, pensando na

informação construída de “dentro para fora”.

Foi aí que o corpo entrou em cena. Percebi que o primeiro

e mais natural instrumento do homem, onde se manifestam aspec-

tos existenciais, culturais e sociais, complexo em sua totalidade

física e biológica, oferecia as ferramentas que eu buscava para

estimular um (re)conhecimento. E, além desse potencial, eu ainda

contava com uma íntima relação com o assunto, já que corpo e

expressão estão presentes na minha vida através da dança.

INTRODUÇÃO

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Sempre refleti sobre os conceitos de aprendizagem e unin-

do isto à questão dos fluxos internos/externos, me perguntei várias

vezes como se daria a construção de conhecimento a partir do

corpo. E, com a noção de corporeidade de Merleau-Ponty (1908-

1961), através da qual foi difundida a ideia de corpo como estrutura

física e vivida ao mesmo tempo, quebrando o dualismo mente x

corpo herdado por Descartes (596 – 1650), pude entendê-lo como

parte fundamental na concepção dos processos cognitivos.

Mas, além disso, há por trás desse projeto um desejo de en-

volver pessoas, abrir caminhos para o desconhecido, proporcionar

sensações, criar intensidades. É a busca por um corpo sensível, um

processo que começa através de estímulos sensórios, explorando

os sistemas háptico (tato), auditivo e a visual, e se estende, criando

movimentos em si-mesmo. Neste sentido, segundo estudos de

Gerald Edelman, o “si-mesmo” não diz respeito apenas ao interior

de um corpo, mas às conexões do interior com o exterior.

“Tenho consciência do mundo por meio de meu corpo. É por meu corpo que compreendo o outro, assim, como é por meu corpo que percebo as coisas. O sentipensar do corpo nessa impregnância com o universo manifesta algo além da percepção biofísica, que ainda temos muito o que estudar para entendermos esse fluir que transcende a materialidade corpórea das emoções e sentimentos. São ondas que nos envolvem, nos afetam, as quais não é possível ver, mas senti-las, como constituidoras de campos energéticos que autoregulam e auto-organizam a vida.”

Merleau-Ponty (1994, p. 314)

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Para mediar essas relações, proponho uma interface vestí-

vel com a intenção de servir como uma extensão da pele, que guia

a percepção através do som e da luz em um processo do conhecer,

do tocar. Onde a conceituação se dá através da expressão, do cor-

po que fala e do corpo que cria, e compõe com essa ferramenta

interativa uma outra maneira de sentir.

“A única realidade da vida é a sensação. A única realidade em arte

é a consciência da sensação.”

Fernando Pessoa

UM PASSEIO PELO CORPO

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Mesmo sem total consciência, foi a partir do corpo em mo-

vimento, em formato de dança, que percebi a sua capacidade de

comunicar e levar mensagens. As informações não verbais que ali

habitavam tinham o poder de criar significados, além das sensações.

Depois de estudar dança por muitos anos, posso dizer que

falar com o corpo é um processo de descoberta e aprendizado, é

olhar e sentir o suporte que habitamos por uma outra ótica e, desta

maneira, recriar a relação homem-corpo-ambiente.

Sabemos que o corpo, como base estrutural humana, de-

termina nosso modo de vida e nossa relação com o ambiente. O

desenvolvimento do homem sempre esteve atrelado à sua evolução

física. Suas características peculiares, como a postura e bipedalis-

mo, são o que o torna único e diferente dos outros animais. Como

é impossível separarmos o corpo do seu meio, este homem é ainda

reflexo da sua própria cultura. A formatação dessa sociedade que

conhecemos submeteu esse homem a diversas influências políti-

cas, ideológicas e religiosas, que ditaram o seu comportamento e

o seu desenvolvimento ao decorrer da história.

Acho importante lembrar dessa carga histórica que carre-

gamos, pois isto afeta diretamente a maneira como agimos hoje.

Foucault, em seu livro Vigiar e Punir, defende que os séculos XVII

a XIX não foram marcados apenas pela organização da sociedade

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em exércitos, prisões, escolas, hospitais e fábricas, mas também

pela conversão do homem à máquina. É a intenção de tornar o

indivíduo útil, dócil e disciplinado através do trabalho, e isto atinge

diretamente seu corpo, que passa a ter gestos, hábitos e atitudes

controladas.

Esse condicionamento de ações e atitudes aprisionou o

corpo. Ainda sob influência religiosa, os instintos sexuais foram

reprimidos e, assim, fomos privados de explorar e conhecer pro-

fundamente muitas de nossas capacidades corpóreas.

Neste ponto é interessante observar o avanço que se deu

nos estudos do corpo a partir do começo do século passado. Com

o rompimento do dualismo herdado por Descartes (1596-1650),

muitas áreas do conhecimento voltaram a se expandir de maneira

significativa e o pensamento sistêmico que se instaurou trouxe ao

corpo a ideia de organismo, múltiplo e processual. A fenomeno-

logia de Merleau-Ponty (1908-1961) traz a noção de corpo como

conjunto inseparável, é estrutura física e vivida ao mesmo tempo.

Antonin Artaud (1896-1948) surge com a metáfora do corpo sem

órgãos, fluído e orgânico. Esses e outros conceitos extrapolam os

limites do corpo.

Com esta nova maneira de pensar surgem diversos estudos

transdisciplinares que deram a esse corpo uma nova visibilidade,

muito além daquela racional biológica que conhecíamos.

No Brasil, através da a figura de Klauss Vianna, (1928-

1992), inicia-se um trabalho no campo da artes que busca romper

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como esse aprisionamento. Bailarino, professor, e preparador

corporal, Klauss dedicou-se a criar um método que pudesse pro-

mover o reconhecimento corporal, voltado para a corporeidade

expressiva, que tinha como fundamento respeitar o corpo e sua

anatomia, incentivando bailarinos e atores a descobrir a autono-

mia dos seus próprios movimentos.

Seu método buscava a organicidade, o fluxo natural dos

membros e, neste sentido, Klauss desenvolveu o conceito de

“expressão corporal”, defendido em um manuscrito entitulado

“Corpo” (sem data) através do qual é possível perceber sua visão

sensível sobre este suporte, entendendo-o como um organismo

que pensa, reage, e que quando desenvolvido, consegue ampliar

nossa percepção de mundo.

“O processo de expressão corporal na mesma medida em que vai se verbalizando - tornando as palavras cada vez mais sem sentido, vai ampliando a percepção visual, táctil e motora.”

Klauss Vianna e alunos, Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (1963)

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“O indivíduo vai aprender a existir em um mundo cada vez mais amplo, mais rico e mais complexo. Basta isto para alterar consideravelmente o sentido das palavras.”

Klauss Vianna, Corpo (sem data)

Assim como já defendido por Focault, Klauss também

relaciona a educação e os costumes sociais ao condicionamento

dos nossos membros e sentidos. A forma como lidamos com nos-

so meio é determinante para a nossa percepção e aprendizado.

Quando crianças, desenvolvemos essa percepção de forma lúdica,

experimental e processual: enxergando, ouvindo, sorrindo, pro-

vocando, tocando e sentindo, sem preferências.

Ao longo da vida nos tornamos escravos da visão e do

verbo, dificilmente tocamos, cheiramos ou experimentamos como

fazíamos na infância e, desta forma, percebemos o mundo de

maneira mais racional, menos intuitiva.

“Nós ensinamos as crianças que guardem suas mãos para elas mesmas e que elas mesmas não usem estas mãos para explorar seu próprio corpo. Devem conservar a mão longe de outra pessoa, no mínimo um braço esticado de distância um do outro. “

“Não é de admirar que sejamos tensos, ansiosos, alienados; fora do contato integral com todo o corpo, seremos sempre desintegrados, desorganizados. O que precisamos é reintegrar, reorganizar. O despertar do sensorial aliado à pesquisa corporal seria por tese a definição de expressão corporal. Um método que pode ajudá-lo a trazê-lo de volta para todos os seus sentidos.”

Klauss Vianna, Corpo (sem data)

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O método de Klauss é baseado na exploração dos mús-

culos recriando suas relações com a gravidade. Articulados em

ângulos e situações ainda não pensadas, o corpo passava a criar

novas relações consigo mesmo, ampliando suas possibilidades

de movimento, e rompendo com os padrões incorporados ao de-

correr da vida.

É desta forma, com um corpo inserido em um contexto

diferenciado, que se dão outras maneiras de sentir, expressar-

se (e também conceituar). É o que ocorre no trabalho de Oskar

Schlemmer com o Ballet Triádico da Bauhaus, na qual a estética

construtuvista é explorada ao máximo, rompendo com os padrões

tradicionais de dança, com uma coreografia que é estritamente

ligada às relações do espaço, seja de palco ou figurino. Essa relação

possibilita uma desmaterialização do corpo, e os bailarinos passam

a mover-se suavemente, quase flutuando como marionetes.

Posso dizer assim que é através de estímulos e da relação

com o espaço que se dão os escapes para o nosso aprisionamento

corporal. Gerald Edelman (1972) ainda defende que conceitu-

amos a partir das nossas experiências vividas, e sendo assim,

explorar o nosso potencial corpóreo possibilita alterar estados

de consciência, com os quais passamos a conhecer mais de nós

mesmos e ampliamos nossa capacidade de perceber o universo

que nos rodeia. É em busca desses estímulos sensíveis que este

projeto caminha, a fim de proporcionar um ambiente de experi-

mentação imersiva, um momento para nos atentarmos ao poder

no nosso corpo.

VIVER ÉMOVIMENTO

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O homem como “ser desejante”, vive um eterno ciclo de

busca, sempre se movimentando em direção a algo. É a busca

pela satisfação, pela felicidade, que é um processo eterno de re-

novação, a dobra na vida. Não existe ponto final, nunca estaremos

completos, e isto é uma coisa boa, pois é nesse movimento que

nos sentimos vivos, é essa busca que completa a nossa existência.

Eu, em meio a uma dessas buscas, me vi refletindo sobre

as imposições que sofremos do nosso mundo capitalista. Não

quero entrar nesses termos, entendo muitos prós e contras, mas

neste caso, eu sofria um incomodo com tantos produtos dirigidos

a preencher nosso “vazio”, que tentam suprir nossos desejos com

um ponto final.

Questionando a eficácia desses produtos e tentando entender

melhor esse nosso “vazio”, me vi levada à águas mais profundas,

como o yôga e a meditação. Sinceramente não sou uma extrema co-

nhecedora do assunto, mas filosofias orientais há séculos falam sobre

auto-realização, autoconhecimento e a busca pela unidade do ser.

Visualizei através dessas filosofias um caminho para a in-

tegridade, que poderia nos fortalecer como seres humanos, cientes

de nossas necessidades e desejos. Esta plenitude nos ajudaria a

filtrar as diversas influências que sofremos diariamente no mundo

em que vivemos.

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Foi assim que me interessei pela Kryia Yôga,

que explora o processo respiratório a fim da eleva-

ção do ser. Mas o yôga, que busca essa expansão da

consciência, possui diversas outras vertentes. Fora da

Índia, a Hatha Yôga e suas asanas (posturas) se tornou

a mais popular delas, e defende o fortalecimento físico

do corpo como base para suportar a força e o peso da

elevação espiritual.

Atividades físicas sempre estiveram também

ligadas à nossa saúde física e mental, e isso acontece

porque, no ato de nos movimentar, diversos processos

ocorrem no nosso organismo, inclusive os cognitivos,

onde se dá origem a conceituação.

Estudos como os de Mark Johnson (1987) em-

basam essas ideias. Ele trouxe um novo sentido para a

cognição, defendendo que sua origem estava na motri-

cidade. Os biólogos Fransciso Varela e Mark Anspach

(1994), também reforçam que o sistema motor tem

natureza cognitiva e, mesmo outros, como o sistema

imunológico. Assim, comprovam que nossos conceitos

não são apenas matéria do intelecto, eles fazem parte

das nossas funções cotidianas e também são parte do

processo de percepção.

Desta forma, podemos dizer que estamos em

constante processo de aprendizado, e que o movimento

dá sentido à vida, já que nos sentimos vivos enquanto Asanas da Hatha Yôga

Foto: Fernanda Vasconcelos (2010)

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aprendemos. Ao estimularmos o desenvolvimento corpóreo, con-

seguimos então potencializar estas capacidades; é o que acontece

no ato de dançar ou ao praticarmos yôga, por exemplo.

Essa relação aprendizado e movimento nos remete a trocas

internas-externas que se dão dentro do nosso organismo. Isto tam-

bém ocorre entre o nosso corpo e o meio onde estamos inseridos

e adaptados. Essas trocas são singulares em cada ser, e é por isso

que percebemos o mundo de maneira particular. Este, inclusive, é o

conceito de Umwelt, defendido por Jakob von Uexkull (1864-1944).

Já os sentidos, como porta de entrada de sensações e fun-

damentais nesse processo perceptivo, se apresentam como uma

forma diferenciada de internalizar as informações que vêm de

fora. Com eles, além de estarmos inseridos em um meio, fazemos

também contato com ele.

SENSAÇÕESCOMPLEXAS

O pensamento holístico instaurado no começo do século

passado mudou radicalmente a forma como concebemos o mundo.

Como eu já disse anteriormente, isto influenciou diversos pensa-

dores e seus estudos, e muitas relações puderam ser reavaliadas

a partir desta visão.

Uma delas diz respeito aos nossos sentidos. Em 1966,

James Gibson publicou em sua Teoria Ecólogica da Percep-

ção a reclassificação dos sentidos como sistemas perceptivos

complexos. Nela, Gisbon defende que nosso sistema sensório é

inter-relacionado e não apenas receptor passivo que responde a

estímulos. Nossos sentidos se sobrepõem e captam informações

de forma simultânea.

A classificação dos sentidos como conhecemos passa a ser

vista como incompleta, já que outros tipos de experiência perceptiva

foram encontrados. A classificação de Gibson não se baseia mais

na anatomia do corpo, mas na ação propositada, sendo organizada

da seguinte forma: sistema postural, sistema investigativo, sistema

de locomoção, sistema de apetite, sistema performativo, sistema

expressivo e sistema semântico. Esses, além de estarem ligados

aos olhos, ouvidos, pele, nariz e boca (que Gibson classifica como

exteroceptores), também dizem respeito aos músculos e juntas

(proprioceptores), e terminações nervosas (interoceptores).

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O sistema exteroceptor é formado pelos sistemas básicos

de orientação, sistema auditivo, sistema olfato-degustativo, sis-

tema visual e sistema háptico. Aqui, me interessa desenvolver

este último, pois inclui diversos órgãos voltados para vários

tipos de exploração, estando presente no corpo inteiro, em suas

partes e superfície.

“Para o ser humano, duas partes principais do aparto háptico são a pele e o corpo movente. Mas eles não são simples. A pele tem extensões e o corpo uma hierarquia de membros baseados no esqueleto. As extensões cutâneas são unidades receptoras. Estas são os pêlos com que a pele é suprida e as unhas extensões dos dedos. Assim, o tato é uma perturbação mecânica indireta da pele mediada por uma extensão, e não uma impressão direta na pele por um objeto, como tendemos a pensar.”

(Santaella, 2004: 45)

É importante perceber que esse sistema, integrado com o es-

queleto humano, permite uma noção de sensação muito mais ampla,

sem estar diretamente ligada a ideia de aproximação como entendí-

amos. Nossas extremidades (como mãos e pés) tem a capacidade de

entender as sensações de maneira tridimensional, expandindo nosso

corpo através do objeto sentido. Gibson utiliza o exemplo de uma vara

para explicar melhor este conceito: quando algo a toca, sentimos esse

algo na ponta da vara e não em nossas mãos.

“O ser humano está não só em contato com o meio ambiente, mas através da função exploratória e manipuladora das extremidades do

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sistema háptico, também faz contato com partes do meio externo. A habilidade das mãos para tatear, alisar, apalpar, coçar, cutucar, dedilhar, pegar, erguer, etc., justifica tudo o que o ser humano é capaz de fazer com elas. O tato exploratório ativo permite tanto agarrar os objetos quanto captar o seu significado.”

(Santaella, 2004: 47)

Outro ponto a ser destacado é a condição de aprendizado

dos nossos sistemas perceptíveis através da prática. É onde retomo

a importância de um desenvolvimento corporal, que tem a capaci-

dade de entender o mundo de maneira solida e captar significados

que vão muito além do verbal.

Essas classficações de Gibson podem parecer complexas,

mas basta olhar para o nosso corpo como um sistema integrado, que

conceitua, sente e vive em processo, para mudarmos de opinião. Por

isso, nossos conceitos não são pontuais e as experiências realmente

enriquecedoras também funcionam desta maneira.

Alguns artistas, percebendo essas possibilidades, começaram

a criar seus trabalhos a fim de estimular esse sistema háptico. É o caso

da artista brasileira Rejane Cantoni, que tem focado sua produção na

experimentação multisensorial.

Em um de seus trabalhos, chamado Hypperapple, Rejane

consegue extender a percepção e a cognição de aspectos físicos e semi-

óticos de um objeto. Como descrito em seu site: “O interator é convida-

do a vestir um dispositivo tátil do tipo CyberGrasp. Com essa ‘luva’, o

usuário poderá interagir com a versão virtual do objeto, poderá pegar

a maça virtual, rotacioná-la, sentir sua resistência e inércia, poderá

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inclusive apertar a maça até penetrá-la.” É a criação de uma dimensão

invisível a partir de uma máquina programada para explorar nossos

sentidos e expandi-los virtualmente. Desta maneira, o sistema háptico

não é só manipulado a partir da utilização da ferramenta, os estímulos

que são resultados dessa interação conseguem ampliar nossos limites

espaciais e a nossa capacidade cognitiva.

Esta é uma ideia que já presente em Flusser (2007). Ao

analisar o Homo-faber, ele considera que as ferramentas criadas

pelo mesmo imitam seus órgãos e funcionam como próteses que

prologam seus alcances. Muito além de simples ferramentas, elas

passam a ser partes integradas do nosso mundo, e as utilizamos

como módulos de expansão.

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Hyperapple (2007) - instalação imersiva e interativaRejane Catoni e José Wagner Garcia

Foi a necessidade do homem de romper com suas bar-

reiras que o levou ao caminho da criação, do desenvolvimento de

tecnologia. E estas, quando agregadas a vida, ao corpo, modificam

a nossa relação com o ambiente e ampliam nossa capacidade de

percepção. São esses conceitos que embasam também as teorias do

“pós-humano” defendido por Lúcia Santaella, como desenvolverei

melhor a seguir.

27

A HIBRIDIZAÇÃO DA ARTE

No momento em que interferimos de alguma forma em

nossa estrutura, recebemos de imediado respostas consequentes

dessas transformação. Alterações que se dão no nosso corpo al-

teram também a nossa relação com o meio, e as informações que

recebemos passam a ter este valor agregado.

É assim que as ferramentas criadas pelo homem reconfigu-

ram o seu espaço interno e sua relação com o mundo. A tecnologia

quando situada fora ou na superfície do corpo multiplica suas ca-

pacidades de expressão e de conexão.

"O homem que "abandona" o seu corpo é o homem que faz técnica, que se desprende do aqui e agora das circunstâncias, das imposições do meio ou das urgências vitais e produz, projeta o que não estava ali. É aquele, portanto, que estabelece com a natureza - com o seu corpo e com o seu meio - não uma simples relação de acomodação ou adaptação, mas de transformação. Deste modo, não é o corpo nu ou natural que estabelece a mediação ou a fronteira entre o homem e o mundo, mas um corpo atravessado, modulado pela técnica - não é por acaso que esta também se define como mediação. Mas isto não deve conduzir à suposição de que a técnica seja um mero prolongamento das funções do corpo - ai compreendidas como cognitivas - pois, ao disseminar suas funções no espaço externo, nem o corpo, nem o mundo permanecem os mesmos - o interior e o exterior, bem como a mediação entre eles, ganham novos contornos"(Serres, 1999:102)

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Se analisarmos o homem segundo o seu trabalho acom-

panharemos a evolução do homem das mãos para o homem das

ferramentas. É quando esse homem manipula matérias-primas e

cria objetos funcionais, que além de fazerem parte das suas ativi-

dades cotidianas, funcionam como verdadeiros potencializadores

dos seus órgãos.

Após milhares de anos, essa tecnologia evoluiu refletindo a

nossa cultura. Hoje, nos deparamos com o homem dos aparelhos

eletrônicos, e nosso corpo inserido nesse ambiente tecnológico

não encontra-se mais em seu estado in natura. Em um mundo

informatizado, já somos seres navegantes, e ao conviver com ce-

lulares, computadores, componentes eletrônicos, que expandem

nossa capacidade de conhecimento, nos hibridizamos, nos tornamos

ciborgues como define Lúcia Santaella.

"Em uma era de possibilidades ilimitadas, o corpo se torna uma medida do excesso, uma medida da possibilidade de ir além de si mesmo e de suas limitações físicas. Esse é o fenômeno de hibridização do corpo com as tecnologias: o ciborgue, o organismo tecnologicamente estendido que liga ritmos biológicos e o universo midiático atravessado por fluxos de informação."

Lúcia Santaella (2004:56)

Mesmo aqueles que tentam fugir dessa "tecnologia" não

estão alheios a este mundo, pois ela já está em inserida em nossa

cultura, seja na medicina, nas tecnologias de cultivo de alimentos,

controles ambientais, etc. É impossível escapar dessa realidade.

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Os artistas que sempre levantaram questões pertinentes ao

seu tempo, também refletiram em seus trabalhos essa nova reali-

dade. A partir dos anos 80 muitos projetos visaram explorar esse

novo corpo inserido em um ambiente tecnologicamente crescente.

Stelarc, por exemplo, tornou-se grande referência no assunto. Com

obras que utilizam aparatos artificiais, como braços mecânicos,

plataformas com várias pernas, redimensionou o corpo humano e

estabeleceu um novo tipo de linguagem. Essas prótestes, que Stelarc

acolava em seu próprio corpo, representam a concepção desse um

novo homem hibridizado.

Stelarc, durante a performance de Handwriting (1982)

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Nesse contexto, o corpo deixa de ser

um condutor de ideias, como se dava nos

trabalhos pós-modernos, para ser o grande

realizador da obra, onde não é mais possível

definir os limites entre corpo e as interfaces

em questão.

Mas esse corpo como parte fundamen-

tal da linguagem já estava presente nos traba-

lhos de Lygia Clark e Hélio Oiticica. Esses artis-

tas brasileiros exerceram grande influência na

arte contemporânea, já que foram precursores

na inserção do receptor em suas obras.

Lygia Clark, que foi muito inspira-

dora na concepção deste projeto, mergulhou

fundo na subjetividade do corpo. Utilizou a

arte como terapia em sessões denominadas

Estruturação do Self, nas quais colocava seus

“pacientes” em um estado de imersão plena

utilizando os chamados Objetos Relacionais.

Estes, que eram formados pelos mais diversos

tipos de materiais do nosso cotidiano, fun-

cionavam como ferramentas para reativar o

corpo. Em contato direto com o corpo do pa-

ciente, eles estabeleciam uma relação íntima,

onde ganhavam novos significados e traziam

a tona sentimentos muito profundos.

Lygia Clark em uma das sessões da Estruturação do Self (sem data)

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Já Hélio Oiticica conseguia extrair a espontaneidade daque-

les que vestiam seus parangolés, em um devir bandeira, estandar-

te, muito além da avenida. Defendendo uma desintelectualização,

comunicava livremente através de sua obra, sem verbo, em uma

experiência única e viva, que ultrapassava os seus limites, e os li-

mites da arte.

Humildemente, é este tipo de significação que este projeto

tenta proporcionar. Através de um interface sensível e interativa,

que funciona como uma extensão da pele, procuro a sensibilização

espontânea do corpo, tocando o íntimo do receptor com a profun-

didade e intensidade de cada descoberta particular.

Nildo da Mangueira veste Parangolé (1964)

33

O PROJETO

37

Fazendo juz a teoria que acabo de defender, posso dizer que

a concepção deste trabalho também se deu de forma proces sual.

Relações que aqui estabeleço fluiram naturalmente, muitas vezes

até de forma inconsciente, conforme eu levava a diante os meus

estudos sobre o corpo.

As primeiras relações se deram durante o meu terceiro ano

de faculdade, onde eu, juntamente com meu amigo Diogo, criamos

uma interface baseada em uma navegação as escuras, que tentava

estimular o “conhecimento” através do som. O usuário, ao explorar

a interface, se deparava com vários tipos de ruídos, que quando

ativados, revelavam uma imagem relacionada àquele som.

As intenções eram boas, mas ao concluir o processo com uma

imagem final estávamos quebrando o processo individual de cada um.

O importante é que a partir dessa experiência comecei a buscar formas

de interações mais subjetivas, sem estabelecer algum tipo de imposição.

Este foi um momento onde eu também procurei descobrir

os meus interesses mais íntimos. Relembrando experiências pas-

CONCEPÇÃO

38

sadas, cheguei até a dança, que fez parte da minha vida durante

muitos anos, e pensei pela primeira vez no corpo como possível

suporte para essas tais experiências subjetivas.

Iniciei minha pesquisa a partir do livro “O Corpo - Pistas

para Estudos Indisciplinares”, de Christine Greiner, onde tive

contato com as teorias de Foucaut, Artaud, Ponty, e pude enten-

der um pouco melhor as relações que se dão nesse organismo

complexo. Já as ideias de movimento, sensações e imersão vieram

naturalmente a partir da conexão dessas teorias com obras com

as quais eu já me identificava, como as de Klauss Vianna, Lygia

Clark, Stelarc, etc.

Neste projeto o movimento sempre esteve presente a fim de

construir significados. Durante muito tempo pensei em manipular

o ambiente, por meio de uma instalação que estimulasse o corpo

a se movimentar e sentir na pele a interação. Mas esta ideia ainda

me parecia muito externalizada, e gostaria de proporcionar algo

mais intimista. Foi aí que pensei em trazer toda a expe riência para

o próprio corpo. Percebi que acoplando uma interface à própria

pele eu conseguiria estimular e expandir sensações, e desta forma,

dar um start nos processos de cognição que ocorrem a partir do

corpo em movimento.

Quando eu era questionada sobre as minhas intenções, sem-

pre respondi dizendo que gostaria de criar experiências únicas, in-

serindo o interator em um campo imersivo, fluído, que estimulasse

o auto-conhecimento. Acredito que trabalhando subjetivamente as

capacidades corpóreas é possível alcançar este nível de conceituação.

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IN corpore é baseado no toque, e me aproprio dos sentidos,

do sistema háptico, para criar uma espécie de (re)conhecimento

corporal. O tato, por meio das mãos, é o grande condutor da ex-

periência, investigando a superfície coberta por texturas sensíveis,

que quando tocadas, emitem sons que, além de ambientarem a

interface, elevam a percepção a outro patamar; e acionam luzes,

que guiam a procura por todo o corpo.

Este processo de exploração está alinhando aos conceitos

de Representação Subjetiva de Deleuze, pois é uma nova maneira

de escutar (perceptos) e uma nova maneira de sentir (afectos). As

sensações quando sobrepostas alteram e ampliam suas próprias

dimensões. A repetição, de causa e efeito em um sistema aberto,

desencadeia o gesto expressivo, e atinge o ritmo interior de cada

corpo. O desenvolvimento de um sentimento musical atra vés da

união do pensamento e do movimento corporal desperta instintos,

alcança a consciência e produz imagens mentais.

"Somos os propositores, somos o molde, no interior desse molde: o

sentido da nossa existência.

Somos os propositores: nossa

proposição é o diálogo. Sós, não existimos; estamos a vosso dispor.

Somos os propositores: enterramos a obra de arte como

tal e solicitamos a vocês para que o pensamento viva pela ação.

Somos os propositores: não lhes propomos nem o passado, nem o

futuro, mas o agora"Lygia Clark (1968)

40

41

Este projeto é atualizado na forma de uma roupagem,

funcionando como uma interface vestível que insere o corpo em

uma experiência sensória. O caráter estético dessa roupa não foi

pensado para representar significados, mas sim para funcionar

como uma ferramenta, que por meio de texturas consegue esti-

mular vários tipos de sensações.

A opção pelo macacão deu-se por sua capacidade de envol-

ver todo o corpo: tronco, braços e pernas. Ainda, para a constru-

ção da parte eletrônica, era importante trabalhar com uma peça

única, que integrasse todos os sensores a um único controlador

(explicarei melhor adiante). Para vestir tipos de corpos diferentes,

procurei criar esta roupa a partir de um tecido flexível, que pudesse

torná-la o mais abrangente possível. Me baseei em um formato

padrão, nas medidas de uma pessoa com 1,68m de altura e 60kg,

sendo que a elasticidade do tecido permite uma expansão de mais

ou menos 10cm de altura e largura.

Iniciei a produção utilizando lycra para lingerie, mas não

fiquei satisfeita com sua densidade, que de certa forma bloqueava

o contato com a pele. Minha primeira opção foi trabalhar com

sua versão cor da pele, imaginando-a apenas como estrutura, que

pudesse passar desapercebida. Com as aplicações de texturas na

cor branca, eu conseguiria ainda passar a impressão de que estas

camada1DAS TEXTURAS

Materiais utilizados no desenvolvimento da roupa:• Macacão de lycra pra lingerir (descartado)

• Tule de algodão com strech branco, base para a construção do macacão final, e renda utilizada

na aplicação de texturas.

Transferência dos “caminhos” estipulados no projeto da roupa para o macacão final.

Primeiro com molde em jornal, depois com marcações à lápis especial para tecido.

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estavam integradas a própria pele. Depois de testar alguns ma-

teriais, percebi que a combinação estética entre o tecido e essas

aplicações não surtiram o efeito visual que eu esperava, deixando

as texturas um tanto apagadas.

Com um tule, que é uma forma de renda com vários bu-

raquinhos, alcancei a combinação ideal para sentir a pele e criar

uma transparência sutil. Usei uma variação com algodão stretch,

que possuia a mesma flexibilidade da lycra, mas dessa vez com

um visual mais refinado.

Uma curiosidade é que venho de uma família onde a costu-

ra sempre esteve presente. Minha vó trabalhava profissionalmente

como costureira, e cresci vestindo roupas feitas pela minha própria

Cloé, por Florence Dagostini Aplicações de tecidos e textura sob tule. Camada tátil de IN corpore

43

mãe. Foi assim que tive contato com linhas e agulhas desde criança,

hora fazendo roupas para bonecas, hora bordando acessórios, até

começar a construir figurinos que utilizava para dançar.

Isto com certeza influenciou minha escolha de trabalhar

com tecidos, e a variedade de materiais disponíveis, tanto para

bordado, quanto para artesanato em geral, ricos em detalhes, me

pareciam as melhores ferramentas para explorar diversos tipos de

sensações. Isso também veio de encontro com um trabalho que eu

admirava e que exerceu boa influência sobre mim. Cloé, projeto de

conclusão de curso de Florence Dagostini, também desenvolvido

dentro do Núcleo de Pesquisa Pipol, tratava-se de um mapa flu-

ído, conectado por diversos materiais que estabelecem relações,

44

e formam um tapete, patchwork. O ponto em

comum aqui são os materiais que escolhemos

para defender nossos conceitos, como rendas,

pedras, fibras, fitas e fios de várias espécies, que

quando somados transmitem um certo encan-

tamento por sua beleza.

Na prática procurei criar texturas sutis,

puras e orgânicas, traduzindo assim a mesma

linguagem que eu tentava desencadear no corpo.

Por isso também escolhi essas materiais de forma

intuitiva e optei por trabalhar com o branco, que

ao meu ver é tão simples quanto complexo.

A aplicação dos materiais foi feita de

maneira manual, com linhas e agulhas comuns

de costura, seguindo o fluxo que estipulei em

meu projeto. Este, teve a preocupação de unir

os três tipos de estímulos com os quais eu tra-

balho, sobrepondo-os literalmente em cama-

das. Precisei estabelecer certos limites para não

tornar a construção complexa demais e delimi-

tei espaços que são suficientes para transmitir

as ideias que proponho. Eles funcionam como

caminhos para o reconhecimento corporal e

também foram importantes para a integração

entre a camada tátil e eletrônica, que controla

os estímulos visuais e sonoros. Close das aplicações de texturas Circuitos de LEDs

45

Circuitos de LEDs

Projeto estrutural

Esquema de luz Sensor de toque

LEDS bateria

integrados em um circuito paralelo

1234

5

Esquema de som Sensor de toque

Conexão com linhas condutivas que ligam os sensores ao Lilypad

Linhas condutivas

1 - Lilypad Xbee2 - Lilypad Arduíno3 - Lilypas Lipower4 - Bateria de lítio5 - Suporte rígido para controlador

Limites das texturas

sensor

46

47

A luz dentro desse projeto representa o movimento que

começa em um processo de investigação do corpo e termina no

toque. Conforme o usuário explora a camada tátil, desencadeia

também respostas luminosas que vão abrindo novos caminhos para

o descobrimento.

Escolhi trabalhar com luzes dentro de uma esfera visual por

seu carater subjetivo. Sua ondas inspiram sensações particulares, e

de certa foram fascinam.

Para conseguir este efeito utilizei a tecnologia dos e-textiles,

ou tecidos inteligentes. São tecidos de alta perfomace, que começaram

a ser desenvolvidos no MIT Media Lab por Rehmi Post, e funcionam

como componentes eletrônicos. Essa tecnologia permite o desenvol-

vimento de roupas sensíveis, assim como essa que desenvolvo, e esse

tipo de projeto vem sendo caracterizado como Wearable Technology.

Meu primeiro contato com esse tipo de trabalho foi com o

Three Dresses, projeto de Pedro Oliveiro e Luíza Prado, desenvolvi-

do durante o mestrado em Arte Digital da Universidade de Arts de

Bremem, Alemanha. Eles criaram vestidos que, através de respostas

sonoras ativadas por sensores construídos com esse tipo de material,

expressavam a personalidade de três personagens da peça “Don

Giovanni” de Mozart. Foi a partir desse projeto que vi a viabilidade

de desenvolver uma roupa eletronicamente orgânica.

camada2DAS LUZES

Componentes utilizados para construção do sensor de toque: tecido condutivo da MedTex 180,

linha condutiva 234/34 4ply da Shieldex, Lilypad LEDs da Sparkfun/Leah Buechley

Circuito pronto: sensor de toque já integrado à roupa, ligado pelo fio condutivo que é

costurado no próprio tecido e interliga os leds e bateria ao sistema.

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Esses tecidos quando alimentados por baterias conduzem

energia assim como os componentes eletrônicos convencionais, mas

por serem constituídos de fibras têxteis são sensíveis, leves e maleá-

veis. Essas qualidades foram fundamentais para o projeto, já que eu

incomporo essa tecnologia na roupa em si.

Para a produção de luz, construi 15 sensores de toque, que

quando acionados acendem 50 leds espalhados por toda a roupa.

O principio é o seguinte: duas partes do tecido condutivo são

cortadas no formato desejado para o sensor. Essas duas partes, quando

entram em contato, conduzem a energia alimentada pela bateria que

está integrada ao circuito. Para que o sensor seja acionado com o toque,

camadas de tecido não condutivo são colocadas entre essas duas partes,

Projeto Three Dresses, de Pedro oliveira e Luíza Prado. Foto1: vestido Elvira, fios de cobre são sensores de toque.

Foto2: sensor de pressão utilizado no vestido Anna.

Camada tátil já integrada com a camada luminosa.

49

fazendo com que os tecidos condutivos não entrem em contato em seu

estado normal. Mas essas camadas possuem furos, e quando tocamos

o sensor, colocamos em contato as duas partes condutivas. Com isso,

o circuito se fecha e a energia é conduzida até o led que é aceso.

Utilizei na construção desses circuitos materias que já são desti-

nados à aplicações têxteis, com estrutura própria para costura. São eles:

• Tecido condutivo da MedTex 180

• Linha condutiva 234/34 4ply da Shieldex

• Lilypad LEDs, cor branca, da Sparkfun/Leah Buechley

• Suporte para barata tipo moeda costurável, da MPD.

• Entretela (como tecido não condutor e usado

também para colar as parte de tecido condutor)

1

3

5

2

4

6

51

Estes sensores foram distribuidos ao longo

da roupa, seguindo a mesma orientação das texturas,

conforme já esquematizado no gráfico da página

45. Eles também foram organizados ao lado dos

sensores de som, e assim são acionados de forma

simultânea. Para este projeto não cabia usar um

sensor com as duas funcionalidades, já que o som

precisava ser controlado pelo computador, e os

leds precisam somente de energia.

1. Material utilizado na construção do sensor: tecido condutivo da MedTex 180, linha condutiva 234/34 4ply da Shieldex, entretela e tesoura.

2. O tecido condutivo é cortato em tiras, formato que eu mesmo determinei. Neste momento, camadas de entretela já são cortadas sob a mesma medida, e são furadas, já que esses furos que permitirão o contato entre as parte condutivas.

3. Com a ajuda de um ferro, o tecido condutivo é colado em uma das partes da entretela. Isto facilita o processo, já que os dois tecidos precisam estar bem integrados, Uma outra solução seria costurá-lo no tecido não condutivo. É necessário deixar uma ponta de tecido condutivo em um dos lados da entretela, já que ele será utilizado para fazer a ligação com o circuito.

4. Sensor montado: os tecidos condutivos ficam nas extremidades. As duas pontas ficam em lados opostos, é precido tomar cuidado para que elas nunca entrem em contato com a outra parte de tecido condutivo, já que isto propagaria energia constante, prejudicando o funcionamento do sensor.

5. Costurando a camadas de entretela com tecido condutivo, com a parte não condutiva.

6. Teste de sensor, em um circuito em série. Os fios jacaré-jacaré são ligados às pontas do sensor, e em seguida a uma bateria e led. Quando o sensor é pressionado, o led é aceso.

Construção dos sensores passo a passo

Circuitos finalizados

52

53

O som sempre esteve presente na concepção deste traba-

lho, desde os meus primeiros devaneios. Eu não poderia ignorar

seu potencial imersivo e o quanto influencia nossa percepção.

Aqui, ele é tão importante quanto o tato e o movimento, ele sensi-

biliza e eleva a experiência a outros patamares.

Procurei trabalhar o som com a mesma delicadeza das ou-

tras camadas. Assim como todo o projeto ele também é configu-

rado em um sistema aberto, e foi programado para soar de forma

única, através da inteligencia aritificial. Conforme interagimos

com a interface, acionamos sensores de som que também estão

espalhados pela roupa, e estes emitem notas de piano. É a intensi-

dade de cada toque que determina o fluxo desses tons, formando

sonoridades.

“Música, que deve viver e vibrar necessita de novos meios de expressão e somente a ciência consegue impregná-la com ímpeto juvenil… eu sonho com instrumentos que obedeçam ao pensamento e que, apoiados por uma torrente de timbres ainda não sonhados, servirão para qualquer combinação que eu lhe escolha impor e se submeterão às exigências de meu ritmo interior.”Edgar Varèse (1958)

Sensores iguais aos utilizados nos circuitos de LEDs fo-

ram aplicados, mas desta vez ligados a um microcontrolador que

camada3DOS SONS

Arduíno, em uma das suas versões encontradas no mercado. O controlador tem sido usado

para diversas trabalhos ligados a arte.

Os componentes Lilypad Xbee, Lilypad Arduíno, Lilypad Lipower (já conectado a bateria de lítio),

utilizados para controlar o sistema de som da interface.

54

gerência a construção desses sons. Da mesma forma que esco-

lhi os e-textiles pela capacidade flexível e adaptação a tecidos,

também tive que escolher um microcontrolador que se adaptas-

se bem nesse meio. Felizmente existe uma variação do Arduíno

própria para aplicações em tecidos, chamado Lilypad, que foi

desenvolvido por Leah Buechley e cooperativamente desenhado

com a SparkFun.

O Arduíno tem sido explorado exaustivamente por artis-

tas digitais, pois além de ter um preço acessível, ainda conta com

uma interface simples, e consegue se comunicar com várias lin-

guagens, como Processing, puredata, Max/MSP, etc. O Lilypad

possui as mesmas funções, mas foi construído para ser costurado

Primiro teste de sensor ligado ao Arduíno, nesta fase, ainda conectado diretamente no computador

Sensor conectado ao Lilypad Arduíno

55

diretamente sobre tecidos, e de modo similar se conecta a fontes

de alimentação e sensores com linha condutiva.

Configurado através de códigos de programação, esse

microcontrolador dá abertura para a construção de diversas re-

lações, alcançando altos níveis de complexidade. Sua utilização

neste trabalho é relativamente simples: quando adicionado, o

código seleciona aleatoriamente arquivos de uma biblioteca, que

é composta por várias notas gravadas de um piano. Enquanto

este fluxo ocorre as notas vão sendo sobrepostas de maneira con-

tinua, criando o que posso chamar de música. Um ponto interes-

sante, é que como este controlador é baseado em código, novos

desdobramentos são possíveis, já que pode ser reconfigurado

com certa facilidade. Neste momento a sensibilidade do piano é

56

suficiente para expressar a energia que eu desejo transmitir, mas

em outro momento ele pode ganhar um novo caráter.

Para reproduzir esses sons em tempo real tive que somar

a este controlador um dispositivo wireless que mantém a cone-

xão com o computador onde estão armazenados a biblioteca de

tons. Para isso utilizei o componente Lilypad Xbee, que está liga-

do ao Lilypad Arduíno e se comunica com o computador através

de outro dispositivo Xbee que é ligado diretamente no compu-

tador. Ainda para alimentar todo este circuito utilizo o Lilypad

LiPower que está conectado a uma bateria de lítio.

Em termos práticos, a configuração desse esquema ficou

da seguinte maneira: a parte de trás da roupa serve de base para

o “cérebro” do circuito, onde estão costurados e interligados o

Lilypad Arduíno, o Lilypad Xbee e o Lilypad Lipower. Esta cone-

xão se dá através da linha condutiva 234/34 4ply da Shieldex, a

mesma que faz conexão com os sensores espalhados pela roupa.

Ao tocarmos o sensor disparamos sinais elétricos que chegam

até o microcontrolador. O Lilypad Arduíno está configurado

para, ao receber esses impulsos elétricos, fazer conexão com o

computador, e isto se dá com a ajuda do Xbee que faz essa cone-

xão sem fios. Quando a conexão é feita, um código desenvolvido

dentro da linguagem de programação Processing é responsável

por entender esses impulsos elétricos e executar o código que

organiza as notas musicais de maneira aleatória. O mesmo emite

esses tons através da saída de som do próprio computador, que

por sua vez, está conectado a alto-falantes.

57

Nota: Foi somente com a ajuda de amigos e boas almas

que acreditam no open source que consegui viabilizar a parte

eletrônica deste projeto. Devo agradecer muito ao meu amigo e

também estudante de Design, Luiz Gustavo Zanotello, mais co-

nhecido como Uva, que já estava se aventurando com o Lilypad

no desenvolvimento do seu TCC quando eu decidi trabalhar com

o mesmo, e me passou dicas valiosas, além de me ajudar a im-

portar parte dos materiais necessários. Agradeço ao meu irmão

Fernando Pimenta, estudante de engenharia de automação, que

me ajudou com as noções de circuito e com as primeiras configu-

rações do microcontrolador. Ao meu querido amigo Caio Mora-

es, cientista da computação, que atendeu prontamente a todas as

minhas dúvidas malucas e me ajudou na configuração do Xbee

e finalização do código. Agradeço também ao Rafael Martins,

o Borto, também estudante de engenharia de automação, por

acreditar no meu trabalho desde o começo e disponibilizar parte

do seu tempo pesquisando referências para este projeto.

Os sites Instructables (www.instructables.com) e How

to get what you want do Kobakant (www.kobakant.at/DIY)

foram essenciais para o entendimentos desses eTextiles, e foi

onde encontrei também tutorais que serviram de base para a

construção dos sensores.

As comunidades dos sites Processing.org e Arduino.cc

também foram fundamentais nesse processo, por disponilizar

códigos abertos que serviram de base na programação do Li-

lypad Arduíno.

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Incorporar segundo o dicionário: dar ou assumir forma de

corpo, integrar, introduzir, ingressar, reunir intimamente.

INcorpore segundo meus anseios: tentativa de tocar nosso

IN através do corpo. Integrando nossos sentidos, introduzindo-os

em uma nova dimensão, ingressando na profundidade do ser e

reunindo intimamente o sentir e o pensar.

Muito antes desse projeto ganhar a forma de roupa, e to-

dos os aparatos tecnológicos que utiliza, ele já havia recebido essa

denominação. As primeiras intenções “experimentar novas sensa-

ções”, “olhar para si mesmo”, “corpo como suporte” já davam conta

da apropriação do corpo para internalizar a experiência vivida.

Desde essa época existia o desejo de envolver pessoas e

proporcionar uma experiência única a elas. Um sentimento nobre

que passou a soar como obrigação depois de conhecer um campo

de possibilidades infinitas aberto através das filosofias de Flusser,

Hakin Bey, Deleuze, Focault, e outros.

60

Essas ideias expandiram a minha concepção de mundo e

parte disso se reflete nesse trabalho que acabo de apresentar. Ele

também carrega as experiências que vivi ao longo desses meus

25 anos de vida. O meu entender de corpo depois de utilizá-lo

durante mais de dez anos para se expressar através da dança. A

moda que sempre esteve presente na minha casa e por onde eu

consigo passar informações. O meu vínculo com a tecnologia que

me levou a um colégio técnico onde me tornei programadora. A

música que sempre me tocou e me elevou a outras dimensões. A

arte que me inspira a continuar criando e crescendo como pessoa.

Ele também é a soma de todas as pessoas que passaram

pela minha vida. De uma vivência intensa e transformadora den-

tro de um campus universitário como o da UNESP, onde pude

conhecer e aprender com pessoas realmente especiais.

Me sinto muito feliz por ter sido de capaz de relacionar

tantas coisas que me tocaram, e conseguir sintetizar nesse projeto

conceitos que eu realmente acredito. Espero que ele sirva como

agradecimento a todos esses ensinamentos que me ampliaram

como pessoa e fizeram parte da minha formação como designer.

Desejo que as pessoas, ao usufruírem dessa sensível malha bran-

ca, possam se reconhecer e perceber o quanto são únicas, geram

conceitos únicos, vivem momentos únicos.

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