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90 v 24 DE FEVEREIRO DE 2011 AVENTURA SOCIEDADE É mais caro viver em Portugal, tendo casa e carro para pagar, do que vir para a Índia», diz Inácio Rozeira, 32 anos, guia de viagens. Ele e a namorada, Helena Pimen- tel, 23 anos, mestre em Psicologia, deixa- ram Nova Deli a 2 de novembro, com um objetivo muito claro: dar a volta ao país de Gandhi e chegar ao ponto de partida, no fim de março, ao cabo de 8 mil km e cinco meses em trânsito. Se podiam tê-lo feito de uma maneira mais fácil? Podiam, mas não seria a mesma coisa que viajar numa Royal Enfield Bullet 350cc, de 1966, com sidecar. E é aqui que começa a originalida- de de todo este passeio. A Índia não era uma novidade para nenhum dos dois. Helena apaixonou-se pelo país das castas desde que, em ado- lescente, leu O Fio da Navalha, de Somer- set Maugham, e esta é a terceira vez que o visita. Já Inácio trabalha para a agência de viagens Nomad, especializada em pa- cotes de aventura e expedições por todo o mundo, e é o guia responsável pelas ati- vidades naquele país. Começaram a dis- cutir a ideia de passar uma grande tem- porada na Índia, em 2009, o último ano de faculdade de Helena, mas só em 2010 as coisas se agilizaram. Foi num café, no Porto, de onde são naturais, mais ou me- nos assim: «E se fizéssemos de mota?»; «Mota, Inácio?! Nunca andei de mota na minha vida! E se for com aquela coisinha de lado?»; «Sidecar, Leninha, chama-se sidecar.» «Só sabíamos que tinha de ser diferente», conta Leninha, como se apre- senta no site que criaram para divulgar a aventura (http://www.daravolta.com). Assim, contactaram com um amigo, em Nova Deli, que lhes arranjou um modelo tipicamente indiano, a tal Royal Enfield Bullet 350cc, a que resolveram acoplar um carro lateral. Chamaram-lhe Royal Chamuça Rolante. LÁGRIMAS E BARRACAS Chegaram em setembro, porque Inácio Rozeira tinha dois grupos de turistas para guiar de Nova Deli a Bombaim e por- que precisavam de acompanhar a mon- tagem da Chamuça, que estava a ser pre- parada e recuperada por um mecânico local. Desde a partida, a 2 de novembro, já visitaram locais tão distintos como Jaipur, Udaipur, Damão, Cochim – onde adotaram Kashi, uma cadela abandona- da na rua, que agora viaja com eles – ou Kanyakumari (o ponto mais a sul do ter- ritório indiano). Hoje, quinta-feira, 24, devem chegar a Calcutá. Foi Bombaim, porém, que mais os marcou. «Adoro a cidade, mas foi chocante percorrer o ca- minho até ao centro. São quilómetros de miséria: as barracas, os cheiros, o lixo, as pessoas a dormir na rua, as crianças a to- mar banho em bacias...», recorda Inácio. Helena sentiu o mesmo, mas também não esquecerá Goa: «Entrei numa igreja, tipicamente portuguesa, e chorei, por me sentir em casa, por ter saudades da minha família e amigos.» Não fizeram contas, embora assegurem que gastam muito pouco e que a Índia é um destino barato: «Dormimos em ho- téis por €6/noite e comemos por €5, em qualquer lado.» Como forma de financia- rem o combustível, inventaram a cam- panha Ofereça uma emoção. Em troca de uma quantia monetária, enviam uma fo- tografia de um local, com uma mensagem previamente combinada, à pessoa e na data que o «dador» escolher. Já juntaram, assim, mais de €700. Viajar pela Índia? É barato e até dá dinheiro. Índia nossa Como um casal, numa moto com sidecar, percorre um dos maiores países do mundo POR PEDRO MIGUEL SANTOS LUÍS BARRA HUMOR Inácio Rozeira e Helena Pimentel chamaram Royal Chamuça Rolante à sua viatura Nova Deli Jaipur Udaipur Damão Bombaim Goa Cochim Kanyakumari Puducherry Calcutá Bodh Gaya Agra Varanasi Khajuraho 8 000 Número de quilómetros que Helena Pimentel e Inácio Rozeira irão percorrer na volta que estão a dar à Índia, numa mota com . Partiram da capital, Nova Deli, a 2 de novembro, e é lá que pretendem terminar a aventura, a 31 de março, ao cabo de quase cinco meses de viagem. INFOGRAFIA MT/VISÃO NEPAL CHINA PAQUISTÃO sidecar

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Como um casal, numa moto com sidecar, percorre um dos maiores países do mundo

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90 v 24 DE FEVEREIRO DE 2011

AVENTURA SOCIEDADE

Émais caro viver em Portugal, tendo casa e carro para pagar, do que vir para a Índia», diz Inácio Rozeira, 32 anos, guia de

viagens. Ele e a namorada, Helena Pimen-tel, 23 anos, mestre em Psicologia, deixa-ram Nova Deli a 2 de novembro, com um objetivo muito claro: dar a volta ao país de Gandhi e chegar ao ponto de partida, no fim de março, ao cabo de 8 mil km e cinco meses em trânsito. Se podiam tê-lo feito de uma maneira mais fácil? Podiam, mas não seria a mesma coisa que viajar numa Royal Enfield Bullet 350cc, de 1966, com sidecar. E é aqui que começa a originalida-de de todo este passeio.

A Índia não era uma novidade para nenhum dos dois. Helena apaixonou-se pelo país das castas desde que, em ado-lescente, leu O Fio da Navalha, de Somer-set Maugham, e esta é a terceira vez que o visita. Já Inácio trabalha para a agência de viagens Nomad, especializada em pa-cotes de aventura e expedições por todo o mundo, e é o guia responsável pelas ati-vidades naquele país. Começaram a dis-cutir a ideia de passar uma grande tem-porada na Índia, em 2009, o último ano de faculdade de Helena, mas só em 2010 as coisas se agilizaram. Foi num café, no

Porto, de onde são naturais, mais ou me-nos assim: «E se fizéssemos de mota?»; «Mota, Inácio?! Nunca andei de mota na minha vida! E se for com aquela coisinha de lado?»; «Sidecar, Leninha, chama-se sidecar.» «Só sabíamos que tinha de ser diferente», conta Leninha, como se apre-senta no site que criaram para divulgar a aventura (http://www.daravolta.com). Assim, contactaram com um amigo, em Nova Deli, que lhes arranjou um modelo tipicamente indiano, a tal Royal Enfield Bullet 350cc, a que resolveram acoplar um carro lateral. Chamaram-lhe Royal Chamuça Rolante.

LÁGRIMAS E BARRACASChegaram em setembro, porque Inácio Rozeira tinha dois grupos de turistas para guiar de Nova Deli a Bombaim e por-que precisavam de acompanhar a mon-tagem da Chamuça, que estava a ser pre-parada e recuperada por um mecânico local. Desde a partida, a 2 de novembro, já visitaram locais tão distintos como Jaipur, Udaipur, Damão, Cochim – onde adotaram Kashi, uma cadela abandona-da na rua, que agora viaja com eles – ou Kanyakumari (o ponto mais a sul do ter-ritório indiano). Hoje, quinta-feira, 24,

devem chegar a Calcutá. Foi Bombaim, porém, que mais os marcou. «Adoro a cidade, mas foi chocante percorrer o ca-minho até ao centro. São quilómetros de miséria: as barracas, os cheiros, o lixo, as pessoas a dormir na rua, as crianças a to-mar banho em bacias...», recorda Inácio. Helena sentiu o mesmo, mas também não esquecerá Goa: «Entrei numa igreja, tipicamente portuguesa, e chorei, por me sentir em casa, por ter saudades da minha família e amigos.» Não fizeram contas, embora assegurem que gastam muito pouco e que a Índia é um destino barato: «Dormimos em ho-téis por €6/noite e comemos por €5, em qualquer lado.» Como forma de financia-rem o combustível, inventaram a cam-panha Ofereça uma emoção. Em troca de uma quantia monetária, enviam uma fo-tografia de um local, com uma mensagem previamente combinada, à pessoa e na data que o «dador» escolher. Já juntaram, assim, mais de €700. Viajar pela Índia? É barato e até dá dinheiro.

Índia nossaComo um casal, numa moto com sidecar, percorre

um dos maiores países do mundo POR PEDRO MIGUEL SANTOS

LUÍS

BAR

RA

HUMOR Inácio Rozeira e Helena Pimentel chamaram Royal Chamuça Rolante à sua viatura

Nova Deli

Jaipur

Udaipur

DamãoBombaim

Goa

Cochim

Kanyakumari

Puducherry

Calcutá

Bodh Gaya

AgraVaranasi

Khajuraho

8 000Número de quilómetros que Helena Pimentel e Inácio Rozeira irão percorrer na volta que estão a dar à Índia, numa mota com . Partiram da capital, Nova Deli, a 2 de novembro, e é lá que pretendem terminar a aventura, a 31 de março, ao cabo de quase cinco meses de viagem.

INFOGRAFIA MT/VISÃO

NEPAL

CHINA

PAQUISTÃO

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