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Índice

Depoimentos

Adelino Colombo(Lojas Colombo S.A.) ...................................................................................... 5

Clovis Benoni Meurer (CRP Companhia de Participações) ............................................................. 7

Nelson Eggers(Diretor Presidente da Bebidas Fruki S.A.).................................................. 9

Nelson Sirotsky(Presidente da Maromar Investimentos / Membro dos Conselhos do Grupo RBS e do Grupo Algar) ....................11

Wilson Peres(Multiplan Empreendimentos Imobiliários) .............................................13

Artigos

Pedro Dominguez Chagas Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out................................................15

André Silveiro O Desafio da Sucessão em Empresas Familiares Reconstituídas ............31

André SilveiroQuedas de Braço em Famílias Empresárias ...............................................37

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Daniel Báril e Lazar HalfonPrecisamos falar sobre dívidas... ..................................................................45

Vasco Maestri Trindade Tomada de Decisões: Apontamentos ..........................................................55

Eduardo Matzenbacher Zarpelon Notas Sobre A (In)Efetividade do Sistema de Aplicação da Lei no Mercado de Capitais Brasileiro ..................................................69

Giovani Zeilmann CecconCross-Border Use of Losses (Net Operating Loss): Taxation on International M&A and Its Consequences to the Tax Group ..................91

Bruno Sartor Cunha Investidor anjo e sua regulamentação na Lei Complementar 155/16 ..109

Nikolai Sosa Rebelo Aspectos Contratuais do Venture Capital no Vale do Silício .................121

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Conheci o Dr Silveiro, quando de uma negociação com uma empresa de Porto Alegre, Este empresário sugeriu que fôssemos fazer uma con-sulta com o Dr Silveiro, seu conhecido.

Fiquei impressionado com a maneira cordial e profissional que fomos atendidos.

Colocado o assunto para discussão, foi claro e objetivo, e em suscinto comentário e de fácil entendimento, conseguiu nos subsidiar para dar-mos andamento a nossa negociação.

Conclui, que estava diante de um profissional que poderia confiar e a partir deste primeiro contato, passei a ter também uma relação de ami-zade.

Tive mais alguns contatos, sempre na assessoria jurídica.Decorrido algum tempo, retornei ao Escritório para convidá-lo a ser

membro do nosso Conselho de Administração. Para minha satisfação, aceitou de imediato, e foi muito importante, para mim, tendo participa-ção ativa, na condução dos negócios e na assessoria jurídica.

Tive muitos outros contatos com o Dr Silveiro, Deixou um legado importante, a nossa relação de cliente, da empresa

que ele com muita dedicação, seriedade e experiência soube conduzir durante sua vida.

Adelino ColomboLojas Colombo S.A.

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A Indústria de Private Equity e Venture Capital, no Brasil, cresceu de forma mais expressiva a partir de meados dos anos 90/inicio dos anos 2000, com o ingresso de grandes investidores nacionais e estrangeiros, pelo surgimento de um ambiente macroeconômico mais favorável, Plano Real se consolidando, juros menores, movimento de privatizações acon-tecendo, maior numero de IPOs em Bolsa, e investimentos empresariais num mercado maior e mais promissor.

A primeira normatização da indústria de PE/VC surgiu somente em 1994, com a ICVM 209, seguindo-se em 2003, com a criação dos Fundos de Investimento em Participações (FIPs), pela ICVM 391.

Essa atividade atua hoje em vários segmentos econômicos do País, desde com empresas startups criadas nos ambientes de inovação, até grandes empresas de liderança no País e exterior. Gestores de PE/VC, in-vestidores e prestadores de serviços, incluindo escritórios de advogados, congregam a ABVCAP, Associação Brasileira de PE/VC, que foi consti-tuída somente em 2000.

Neste contexto, de forma pioneira, criou-se no RS, em 1981, a CRP, como uma companhia de participações, para atuar nos moldes das ventu-re capital, investindo em empresas de promissor crescimento e retornos.

E, entre os criadores da CRP, estava nosso saudoso Dr. Joao Carlos Silveiro.

Por isto, um Pioneiro.Dr. Silveiro elaborou os documentos de constituição da CRP; articu-

lou seus sócios, inclusive multilaterais; criou os Acordos entre acionis-tas, toda estrutura legal de holdings, governança e regimentos internos e operacionais. Enfim, fez a CRP funcionar, numa época praticamente sem empresa similar no País.

Este pioneirismo teve continuidade nas etapas seguintes da CRP, quando o Dr. Silveiro deu o suporte jurídico nas operações de investi-mento, criando os primeiros Contratos e Acordos em moldes apropria-dos para uma indústria de PE/VC que recém iniciava a operar no País, sempre numa forma conciliadora e pratica de advogar nas relações entre investidores e empreendedores.

Dr. João Carlos Silveiro, um Pioneiro.

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Nosso grande reconhecimento por todo este pioneirismo; e a toda equipe de Silveiro Advogados, que segue o padrão Joao Carlos Silveiro de ser.

Clovis Benoni Meurer e equipeCRP Companhia de Participações

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A Silveiro Advogados coloca excelência em tudo o que faz, tratando (ou cuidando) dos mais diversos assuntos sempre com o mesmo zelo, dedicação e competência.

E é isso o que faz toda a diferença, nos dando tranquilidade para avan-çar nas questões estratégicas da empresa e nos auxiliando muito na toma-da de decisões.

Nelson EggersDiretor Presidente da Bebidas Fruki S.A.

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O Dr. João Carlos Silveiro entrou na vida da família Sirotsky e do Gru-po RBS em um momento sensível: logo após a morte do fundador, meu pai, Maurício Sirotsky Sobrinho. Estabelecemos um vínculo profissional com o Dr. Silveiro para que ele nos ajudasse neste complexo processo de sucessão.

A competência deste grande profissional ficou marcada na nossa his-tória. Foi ele um dos incentivadores para que criássemos um Conselho de Administração profissional na RBS. Não só aceitamos a sugestão como também o Dr. Silveiro foi, por muitos anos, membro do nosso primeiro Conselho de Administração e muito contribuiu para estabelecer os fun-damentos de como deveria funcionar uma empresa familiar profissional .

Foi também o Dr. Silveiro que nos orientou com relação a como deve-ríamos executar as nossas ações sociais. Quando transformamos a então Fundação RBS em Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, em 1987, o Dr. Silveiro fez parte do Conselho e nos mostrou as diferenças entre os prin-cípios jurídicos , ritos e processos de uma organização deste tipo e os de uma pessoa jurídica tradicional.

Além disso, o Dr. Silveiro foi sempre um profissional que norteou suas contribuições à nossa família pela ponderação, pela serenidade e pela busca da harmonização e da prevenção de conflitos. Ele era um apazi-guador.

A família Sirotsky e o Grupo RBS reconhecem a relevância do Dr. João Carlos Silveiro na sua própria história.

Nelson SirotskyPresidente da Maromar Investimentos e

membro dos conselhos do Grupo RBS e do Grupo Algar

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O falecido Dr. João Carlos Silveiro - uma pessoa admirável, não só apenas pelo seu saber - deixou uma semente que cresceu e floriu. Refiro-me ao Escritório Silveiro Advogados, de quem somos clientes até hoje - há mais de 25 anos - com quem mantemos uma relação não só pelos bons serviços prestados à nossa empresa, como, também, de amizade.

Wilson PeresMultiplan Empreendimentos Imobiliários S.A.

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Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

Por Pedro Dominguez Chagas

Advogado com ampla atuação em Direito So-cietário, Empresarial e Tributário, Compra e Venda de Empresas, Reestruturação Societária, Investimentos Nacionais e Internacionais, Joint Ventures, Venture Capital e Private Equity, Pla-nejamento Patrimonial e Sucessório, Empresas Familiares, Acordos, Negociação, Contratos. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS (1996) Especialis-ta em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas – FGV (1999) Prêmio IEE BANKBOSTON – 1° lugar – Instituto de Estudos Empresariais – IEE (2000) Presiden-te do Instituto de Estudos Empresariais – IEE (2001-2002) Membro do Conselho Deliberati-vo do Instituto de Estudos Empresarias – IEE (2002-2003) Membro do Conselho Acadêmico do Instituto Liberdade RS (2004-2006) Associa-do do Instituto Brasileiro de Governança Cor-porativa – IBGC (desde 2005) Reconhecido pelo Chambers Latin America 2015

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 201816

Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

“Valuation is an art, not a science.”Desconhecido.

I – IntroduçãoPor ocasião dos 60 anos da Silveiro Advogados em 2016, os profissio-

nais da área do escritório denominada “Societário e Contratos” delibera-ram criar a primeira compilação de “Temas de Direito Empresarial 2017”, visando prestar homenagem ao finado fundador Dr. João Carlos Silveiro.

Com o sucesso da primeira empreitada, veio o desafio da continui-dade do projeto, que contou com o entusiasmo de todos os integrantes. Assim, este segundo “Temas de Direito Empresarial 2018” continua a homenagem, buscando cristalizar algumas das principais experiências, aprendizados e desafios enfrentados no dia a dia da consultoria jurídica de negócios.

Neste artigo mantemos o foco em operações de compra e venda de empresas e reorganizações societárias, mais especificamente, na regula-ção de cláusulas que vêm ganhando complexidade nos últimos anos em função da crescente sofisticação das operações realizadas no Brasil. Desta vez iremos analisar a chamada cláusula de earn-out.

II - O que é earn-out?Conforme analisado no primeiro caderno, M&A significa Mergers

and Acquisitions, ou, Fusões e Aquisições, que são as operações de con-centração empresarial em suas diferentes modalidades, abrangendo des-de a compra e venda de sociedades, suas operações ou ativos, de um lado, e, de outro, as operações de reorganização societária, tais como incorpo-ração, incorporação de ações, cisão e a desusada fusão.

O predomínio da termologia inglesa decorre das maiores operações serem processadas no eixo Nova Iorque e Londres, onde a dinâmica das negociações cria a necessidade diária de novas regulações que vão sendo copiadas e testadas, pelo que, cláusulas de maior destaque e/ou utilidade ganham nomes ou apelidos que simplificam a comunicação de intenções de parte a parte, agilizando a formalização dos novos negócios.

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 2018 17

Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

Com efeito, os termos e condições dos contratos são frutos de nume-rosas horas de negociação antes de se tornarem letra escrita em cláusulas que, baseadas na sua razoabilidade e pertinência, vão sendo reproduzi-das em operações similares, criando-se uma verdadeira “jurisprudentia” negocial, ou seja, um conjunto reiterado de decisões negociais conside-radas justas e prudentes pelas partes. Convém destacar que ditas cons-truções não são puramente jurídicas, uma vez que as operações de M&A envolvem várias especialidades e interesses, tais como de investidores, banqueiros, executivos, advogados, auditores, contadores, reguladores, autoridades, dentre outros.

A cláusula de earn-out surge neste contexto como uma forma de criar uma ponte entre as expectativas de valor do comprador, de um lado, e, as expectativas do vendedor, de outro, promovendo uma alocação mais eficiente dos riscos envolvidos em uma aquisição, quase como uma espé-cie de “seguro de performance”, além de poder viabilizar operações com acesso mais difícil a financiamento.

Como o valor é um fator subjetivo, pode ser muito difícil chegar a um acordo quanto ao preço em uma operação de M&A. Especialmente no caso de compra e venda de uma empresa ou de um estabelecimento em estágio inicial, que desenvolveu um novo produto ou tecnologia, ou que atua em setores de alta volatilidade e/ou, ainda, esteja localizada em mercado emer-gente, e, portanto, sujeito a diversas influências exteriores ao negócio e fora do controle das partes. Igualmente pode ser difícil obter consenso no valor de uma empresa que está em processo de turnaround e da qual se espera um incremento significativo de resultados em caso de sucesso da recuperação.

De acordo com a definição do Cambridge Dicionário de Inglês para Negócios (© Cambridge University Press), earnout ou earn-out seria “an amount of money paid to the seller of a company in addition to the price that was agreed, often because the company has performed well”. Já An-drew Nyombi (2017, p. 4) define da seguinte forma: “earn-out is payment for performance after the deal is closed.”

Portanto, a cláusula de earn-out nada mais é do que uma estipulação de preço contingente, ou seja, dependente da ocorrência de eventos futuros.

III - Compra e Venda de Sociedades e o Direito BrasileiroDentre as operações mais comuns de M&A está a compra e venda de

sociedades. No contrato de compra e venda de participações além das cláu-sulas essenciais, ao longo do tempo foram sendo criadas cláusulas especiais

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 201818

Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

que se incorporaram às melhores práticas de contratação se tornando um padrão, a ponto de já existirem modelos de minutas tipo (templates ou sam-ples) dessas modalidades contratuais em diversas jurisdições. Nesse senti-do, destaca-se especialmente aquelas sugeridas por entidades internacio-nais para celebração de negócios entre suas associadas, sendo mais comum no Brasil que cada escritório de advocacia desenvolva o seu modelo com base em experiências acumuladas, notadamente em relação ao enforcement de determinadas cláusulas perante os tribunais locais.

De acordo com o direito brasileiro, são cláusulas essenciais de uma compra e venda a determinação do objeto e do preço. No caso deste úl-timo, é lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros objetivos, desde que suscetíveis de objetiva determinação. Além disso, podem as partes outorgar ao arbítrio de terceiro a fixação do preço, de-signado desde logo ou no futuro, mas neste caso, se o terceiro não aceitar a incumbência, o contrato perde eficácia, salvo se as partes convencio-narem designar outra pessoa. De outro lado, é cláusula proibida para o direito brasileiro aquela na qual se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço, bem como constitui-se ato ilícito o abuso do exercício do direito de determinação do preço.

Importante destacar que muitas vezes o comprador de uma empresa é uma entidade estrangeira, e, por este motivo, parâmetros da cláusula de earn-out podem vir a ser referenciados à moeda estrangeira. Tal fato é lícito, desde que após a determinação do preço variável, o seu valor seja convertido em moeda corrente nacional por ocasião de sua liquidação.

IV – Cálculo do Preço e o Direito BrasileiroO cálculo de preço de uma sociedade geralmente é o (1) valor atribuí-

do ao negócio levando em consideração (2) um nível suficiente de capital de giro, descontando (3) as dívidas da sociedade e agregando (4) o valor em caixa, já que não se vende dinheiro.

Cada um destes pontos foi analisado de forma sucinta em nosso artigo anterior quando tratamos das cláusulas de ajuste de preço relativas ao capital de giro e ao caixa (cash free/debt free).

O importante de reprisar agora é que a fixação do preço de uma socie-dade é uma equação em constante evolução, não existindo uma fórmula correta para todos os casos, mas sim métricas, parâmetros e práticas uti-lizadas em conjunto ou isoladamente para tratar de objetivar o valor, que é um fator subjetivo, cifrando-o em um preço.

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 2018 19

Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

Pode ser fácil em grandes operações com sociedades maduras atuan-do em mercados desenvolvidos adotar parâmetros de mercado na fixação do preço e discutir condições de pagamento a prazo. Entretanto para so-ciedades em estágio inicial e/ou que estejam atuando em negócios novos e inovadores pode ser muito difícil chegar a um consenso entre com-prador e vendedor acerca de um valor ou até mesmo de um parâmetro. Notadamente em mercados emergentes cujas variáveis externas podem ser bastante assustadoras para um estrangeiro.

Empresas novas não tem um retrospecto confiável para aferição de va-lor através da utilização de múltiplos, não tem uma geração de caixa atual que retrate seu real potencial futuro e muitas vezes podem ainda nem ter faturamento e/ou dependerem de uma aprovação governamental ou da concessão de uma patente para iniciar suas operações. Além disso, mes-mo em empresas médias, a dependência do trabalho do controlador é tamanha que uma saída repentina pode resultar em um problema de con-tinuidade da rentabilidade do negócio e até mesmo da própria empresa.

É principalmente neste nicho de pequenas e médias empresas que a cláusula de earn-out acaba revelando sua maior utilidade, notadamente em caso de impasse entre comprador e vendedor acerca das estimativas do fluxo de caixa livre. Por que não atribuir parte do preço à condição da efetiva realização futura deste fluxo projetado? Sobretudo se o compra-dor está preocupado em manter o controlador trabalhando por um pe-ríodo de tempo, seja para transferir know-how, treinar novos dirigentes, ou completar a maturação da empresa, como condicionar a sua perma-nência com real interesse no sucesso da empresa muito além do que um contrato de prestação de serviços é capaz de promover?

Parece um ovo de colombo, e realmente dita cláusula funciona muitas vezes para destravar negociações, mas como tudo, além do lado bom, tem o lado ruim, e por este motivo as partes devem estar bem assessoradas para evitar as armadilhas mais comuns deste tipo de regulação.

V - Cláusula de Earn-outA cláusula conhecida como “earnout” ou “earn-out”, tal como o pró-

prio nome indica, é um ajuste entre as partes compradora e vendedora para que parte do preço seja protelada no tempo e somente seja devida na ocorrência de determinados eventos ou parâmetros que podem ser das mais variadas espécies, como por exemplo condicionantes relativas ao atingimento de metas, realização de eventos, performance da empresa

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 201820

Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

ou qualquer evento futuro e incerto que as partes possam escolher, desde que suscetíveis de objetiva determinação. Simplificando, seria como se, no momento da venda, parte do preço é certo e determinado, enquanto que parte não o é, pois, dependente de condições. De forma prática, te-mos uma parte fixa e uma parte variável.

Portanto, o earn-out é uma parte do preço e deve observar as dispo-sições da legislação brasileira para que sua regulação seja válida e eficaz.

Normalmente é um conceito fácil de entender e bastante razoável, sendo aceito pelas partes muitas vezes sem maiores aprofundamentos quando do início das tratativas negociais e/ou da assinatura de uma carta de intenções ou de um memorando de entendimentos. Ocorre que, como o provérbio alemão ensina, o diabo mora nos detalhes, e as definições dos termos e condições podem gerar arestas e uma escalada contenciosa negocial que inclusive inviabilize o fechamento final de uma operação, notadamente porque afetam de forma significativo o valor do negócio.

Os juristas Paul M. Crimmins, Bem Gray e Jessica Waller, citados por Daniel Rodrigues Alves (2016, p. 32), destacam como principais elemen-tos de uma cláusula de earn-out:

1) “Definição e o escopo do próprio negócio adquirido; ” 2) “Escolha da métrica e dos parâmetros de aferição do desempenho

da sociedade em questão”; 3) “Seleção dos padrões contábeis que servirão de base para a aferi-

ção do valor contingente”; 4) “Determinação do período de maturação do earn-out, da estru-

tura de pagamento e das potenciais garantias de recebimento do valor contingente pelo vendedor”; e

5) “Alocação do nível de ingerência e controle sob a companhia adqui-rida entre comprador e vendedor após o fechamento da operação e durante o período do earn-out, assim como o nível de suporte que o comprador se comprometerá a dar ao vendedor para que este atinja as metas do preço contingente”.

Quanto ao primeiro item, pode parecer muito simples regular uma meta de receita líquida em caso de compra de sociedade brasileira por estrangeiro que somente atuará no país através da sociedade adquirida. Atingidas as metas de crescimento nos primeiros anos, o preço variá-vel seria devido. Entretanto a discussão pode enveredar para o volume e destinação de investimentos e despesas porventura necessários durante o

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 2018 21

Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

período de aferição do earn-out, como por exemplo ampliação da capa-cidade fabril, aumento da área comercial, propaganda e marketing, etc. Muitas vezes pode ser necessário discutir e acordar um plano de negócios e/ou orçamento plurianual incluindo capex para se ter alguma garantia de que a sociedade poderá atingir as metas propostas.

Se, neste cenário mais singelo de parâmetro de receita líquida a discussão pode complicar, o que pode ser dito no caso de uma adquirente estrangeira que já atue no país através de diversas outras sociedades no mesmo segmento da empresa adquirida? Como evitar concorrência intra grupo ou direciona-mento contra os interesses do vendedor? E se a empresa adquirida for poste-riormente incorporada por uma delas? Não se tem uma resposta fácil e cada situação terá seu desafio para proteger os interesses das partes. Para tanto o importante é atentar para as condições que os vendedores terão para poder atingir suas metas, e, com isso, receber seu preço na integralidade, enquan-to que o comprador tem que se assegurar que os vetores de incentivo estão alinhados para evitar que o vendedor atue de forma irresponsável ao visar exclusivamente as metas estabelecidas para o earn-out.

Quanto ao segundo e terceiros itens, em resumo, os critérios de apu-ração combinados entre as partes devem estar estipulados de forma ob-jetiva. Neste sentido, não se deve economizar tinta, pois a regulação dos parâmetros pode e deve incluir a definição dos conceitos, das fórmulas de cálculo, e, se possível, de exemplos de cálculos, de modo que as partes tenham o máximo de clareza daquilo que combinaram.

É bastante comum a utilização de parâmetros contábeis e financeiros para medir o desempenho em cláusulas de earn-out, como por exemplo: receita bruta, receita líquida, fluxo de caixa, lucro bruto ou lucro líquido, ou mesmo métricas como o EBITDA.

A aferição do earn-out também pode ser baseada em parâmetros não fi-nanceiros. Lançamento de uma nova tecnologia, número de licenças ou pro-dutos vendidos, novos clientes, market share, ou novos contratos com clien-tes já captados, manutenção de clientes estratégicos, inauguração de novas fábricas ou lojas ou obtenção de licenças ambientais, concessão de patente, aprovação pela Anvisa para lançamento de um novo medicamento, etc.

Neste sentido, vendedores preferem se ater a critérios mais objetivos de faturamento ou receita enquanto compradores, a resultado, geração de caixa ou até mesmo lucro líquido. Nas negociações é importante praticar a escuta ativa para entender as reais preocupações de cada lado de modo a construir uma alternativa viável para ambos, já que todas têm prós e contras.

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 201822

Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

Regular como e quem efetuará o cálculo ou a aferição do atendimento das condições, sua substituição em caso de não aceitação, bem como os procedimentos de revisão pelas partes e a forma de resolução de confli-tos relacionadas é importante para atender aos requisitos da legislação brasileira.

É bastante relevante que todas as definições, fórmulas e até mesmo exemplos de cálculo utilizados sejam construídos para o caso específico da sociedade alvo, de modo a levar em consideração suas peculiaridades. Neste sentido, outra medida usual recomendada, é a de atrelar à cláusula de earn-out às práticas da companhia de modo a garantir consistência, espe-cificando que em caso de dúvida, prevalecem as práticas da empresa alvo, de seu setor ou as práticas contábeis geralmente aceitas de determinada jurisdição, de preferência da sede da companhia adquirida. É importante destacar que as práticas contábeis geralmente aceitas podem não ser uma boa indicação para sanar dúvidas quanto ao tratamento de determinadas rubricas ou itens, por não serem muito específicas em diversos casos.

Dada a natureza específica e técnica das definições, apurações e cál-culos envolvidos, cabível a regulação de método especial de resolução de disputas relativas ao cômputo do earn-out de modo a evitar cair na vala comum da arbitragem e seus litígios maiores e dispendiosos. Desta forma a indicação ou um método objetivo de escolha de uma empresa de audi-toria é recomendável para um procedimento expedito de conferência ou saneamento de dúvidas ao aferir os levantamentos e seu ajuste em caso de controvérsia. É possível inclusive regular que tipo de decisão a mes-ma poderá tomar, qual seja, se deve indicar qual das duas posições em confronto é mais acertada, ou, se pode propor forma intermediária, bem como, até mesmo, se referida decisão é final e vinculante, ou se comporta recurso, e, nesta hipótese, em que casos.

Convém destacar que apesar de ser campo fértil para criações hetero-doxas, as métricas e parâmetros tem que ser consistentes no tempo, eis que durante o período do earn-out podem se tornar inapropriadas ou se-rem superadas à medida que o negócio se desenvolve devido a mudanças externas, tais como alterações tecnológicas, do mercado consumidor, ou até mesmo de legislação.

Quanto ao quarto item, não existe um padrão temporal, mas usual-mente não ultrapassa cinco anos, sendo muito utilizado o prazo de até três anos. Tudo dependerá das peculiaridades da operação e do tempo razoável e necessário para atingimento das metas propostas.

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 2018 23

Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

Nesta seara, é possível regular cláusula “tudo ou nada”, ou seja, se atin-gir a meta recebe o preço variável e se não atingir, não recebe. Entretanto, o mais usual são escalas proporcionais de atendimento que determinam recebimentos proporcionais. Também são possíveis métricas periódicas independentes ou cumuladas com uma métrica global total, podendo ser adiantado o recebimento de parte do preço contingente à medida do cumprimento de metas parciais, ou ainda regular que é possível recupe-rar ao final eventuais metas intermediárias não atendidas caso a meta final venha a ser.

Relevante tratar de garantir que quaisquer cálculos e verificações se-jam feitos com valores de moeda devidamente corrigidas em relação à época em que forem utilizados ou pagos.

Outro problema grave é que as cláusulas de earn-out expõe os vende-dores ao risco de crédito do comprador, eis que tipicamente são obrigações sem garantias que podem não serem pagas em casos de problemas de sol-vência. Além das participações na própria sociedade alvo, pelo que convém analisar a viabilidade de garantias reais sobre ativos ou recebíveis.

Sérgio Botrel (2014, p. 247) igualmente citado por Daniel Rodrigues Alves (2016, p. 47) também destaca hipóteses de aceleração ou venci-mento antecipado do earn-out: “os eventos que antecipam o vencimento das parcelas futuras podem ser livremente pactuados pelas partes, podendo variar desde a previsão de vencimento antecipado em virtude da alienação direta ou indireta das ações adquiridas do vendedor ou mesmo a prática de atos que possam colocar em dúvida a solvência do comprador (tais como protestos, execuções judiciais, pedidos de falência etc.)”.

Nesta linha, a eventual descontinuidade de gestão do vendedor por ato ou fato não atribuível a ele deve ser discutido e considerado.

O quinto item diz respeito à principal causa de discussões relacionadas às cláusulas de earn-out, uma vez que durante o período de maturação a forma como será gerida a companhia e como o comprador se comportará são mais do que determinantes para o atendimento das metas. Por este motivo é que as cláusulas de earn-out fazem mais sentido com a manu-tenção da gestão pelo vendedor cumulada com um nível de ingerência e/ou fiscalização por parte do comprador pré-determinada no contrato ou em acordo de acionistas em caso de venda de controle e não da totalidade das participações societárias pelo vendedor. De outro lado, a reciproca é verdadeira, ou seja, não é razoável que o comprador não tenha ingerência e/ou fiscalização no período de maturação suficiente para evitar que o

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vendedor se utilize de práticas condenáveis apenas para atender sua meta no curto ou médio prazo, sem qualquer compromisso com o longo prazo ou outras estratégias do comprador, por exemplo.

Durante o prazo de aferição das metas do preço variável, portanto, é importante discutir que tipos de conduta na administração da sociedade podem impactar futuramente o cálculo do preço, e, de forma preventiva, regular como isso será ajustado, se for o caso. De nada adianta regular que parcela do preço dependerá da performance de venda de um produto, se este produto puder vir a ser descontinuado pelo novo controlador, ou, o que é mais comum, se as práticas gerenciais e contábeis forem alteradas pela nova administração. Também é importante ter presente e discutir eventuais impactos em função de alterações da carga tributária do país.

Finalmente, convém elencar com base na experiência estrangeira confor-me resumida por Ian Smith (1998, p.54) citado por Daniel Rodrigues Alves (2016, p.50), os principais pontos que geram conflitos quando da aplicação de cláusulas de earn-out. Isso porque no Brasil, além de incipiente, as opera-ções de maior monta normalmente direcionam a resolução de disputas para arbitragem sob a qual o sigilo impede o conhecimento das decisões e mesmo da existência das disputas em si. Assim é importante que as contas da socie-dade adquirida sejam auditadas por empresa independente durante o prazo de aferição do earn-out, e, de forma mais específica, como tal empresa é esco-lhida, quais serão os padrões de despesas administrativas aceitas pelas partes, as políticas de preços intra grupo, seja de produtos, matérias primas, serviços ou financiamento, a distribuição de dividendos em face da necessidade de autofinanciamento, assim como alterações no quadro de pessoal em especial de funcionários chave, despesas com marketing e propaganda, investimento em pesquisa e desenvolvimento, dentre outros aspectos com impacto direto na operação da companhia e seus indicadores.

De forma prática, no Brasil a cláusula de earn-out pode também as-sumir diferentes estruturas de acordo com os interesses das partes. A se-guir, destacamos alguns conforme reportagem da revista Capital Aberto (2010, p.1 ed. 80): 1) “Bônus: pagamento de bônus aos vendedores, condicionado ao

cumprimento de metas predefinidas contratualmente; ” 2) “Depósito vinculado: parte do preço da aquisição é depositada

em uma conta vinculada (escrow) e liberada aos vendedores as-sim que cumprirem certa condição, como a finalização de um produto, ou a superação de um nível de vendas; “

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3) “Opções: trata-se basicamente de direitos para adquirir ações do comprador. O preço de exercício é estabelecido acima do valor de mercado na data do fechamento, sendo calculado para refletir a valorização esperada em razão da aquisição da companhia-alvo;”

4) ”Plano de “earn out”: estabelece gatilhos que devem ser cumulati-vamente atingidos, sendo baseados em fórmulas e acordos para a aferição de desempenho e resultado. ”

Além disso, mesmo que no direito brasileiro o princípio da boa-fé objetiva venha sendo cada vez mais aplicado pelo Judiciário, mesmo que com mitigação do princípio de que os pactos devem ser cumpridos de acordo com o contrato entre as partes, é importante para o vendedor que sejam reguladas obrigações de melhores esforços por ambas as partes para atendimento das metas ou até mesmo maximização do earn-out.

Também importante regular penalidades em caso de descumprimen-to destas obrigações com estipulação de multas elevadas e/ou vencimento antecipado do earn-out independentemente de suas condições originais. Convém destacar que pode ser muito difícil provar prejuízo em caso de não atendimento de metas de earn-out em decorrência de ato ou fato atri-buível a qualquer das partes em se tratando de decisões administrativas de caráter empresarial durante o período de maturação.

De outro lado, em favor do comprador, importante discutir até que ponto e por qual período eventuais parcelas do earn-out podem ser reti-das e/ou compensadas em função de eventuais indenizações porventura devidas pelo vendedor em função de passivos supervenientes e/ou ativos insubsistentes que surgirem após o fechamento da operação. Isso porque, ditas parcelas podem ajudar a destravar operações cujas contingências potenciais sejam muito relevantes, o que é situação corriqueira em mer-cados emergentes.

Do ponto de vista contábil, o CPC 15 que trata das combinações de negócios define “Contraprestação Contingente” da seguinte forma: “são obrigações contratuais, assumidas pelo adquirente na operação de combi-nação de negócios, de transferir ativos adicionais ou participações societá-rias adicionais aos ex-proprietários da adquirida, caso certos eventos futu-ros ocorram ou determinadas condições sejam satisfeitas. Contudo, uma contraprestação contingente também pode dar ao adquirente o direito de reaver parte da contraprestação previamente transferida ou paga, caso de-terminadas condições sejam satisfeitas”.

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Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

De acordo com o respectivo item 39, a contraprestação que o adqui-rente transfere em troca do controle sobre a adquirida deve incluir qual-quer ativo ou passivo resultante de acordo com uma contraprestação con-tingente. O adquirente deve reconhecer a contraprestação contingente pelo seu valor justo na data da aquisição como parte da contraprestação transferida em troca do controle da adquirida.

Já o item 40 determina que o adquirente deve classificar a obrigação de pagar uma contraprestação contingente que satisfaça a definição de instrumento financeiro como passivo financeiro ou como componente do patrimônio líquido, com base nas definições de instrumento patri-monial e passivo financeiro, constantes do item 11 do Pronunciamento Técnico CPC 39 – Instrumentos Financeiros: Apresentação. O adquiren-te deve classificar uma contraprestação contingente como ativo quando o acordo conferir ao adquirente o direito de reaver parte da contrapresta-ção já transferida, se certas condições específicas forem satisfeitas. O item 58 fornece orientações sobre a contabilização subsequente de contrapres-tações contingentes. (Alterado pela Revisão CPC 06)

Quanto aos aspectos fiscais, por ser parte do preço, fica sujeito ao regi-me de ganho de capital. Por ser contingente, dependerá do seu efetivo re-cebimento para vir a ser tributado. Muitas vezes é possível que o earn out seja camuflado como um pacote de compensação por prestação de servi-ços, neste caso, o fisco pode entender que não é preço e pode impor tri-butação como renda, cumulado ainda com contribuição previdenciária. Neste sentido, eventual conexão mais explícita entre continuar prestando serviços como condição para o earn out pode favorecer tal entendimento, notadamente se os prazos são coincidentes e a remuneração por serviços estiver abaixo do nível de mercado.

VI – ConclusãoDesde o momento em que o vendedor toma a decisão de vender um

negócio até sua efetiva concretização, diversas etapas devem ser supera-das. A assinatura de um mandato para um banco de investimento ou as-semelhado, a construção de um “book” da sociedade alvo, o recebimento de propostas, assinaturas de acordos de confidencialidade, negociação e conclusão de cartas de intenções ou de memorandos de entendimento, parecem indicar que finalmente se encontrou um comprador disposto a pagar um montante considerado justo pelo vendedor por todo sangue, suor e lágrimas gastos na construção de seu negócio.

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Entretanto, o valor inicial de uma proposta escrita pode representar uma ducha de água fria caso a sociedade alvo esteja em estágio inicial ou dependa ainda de fatos futuros para que tenha efetivamente seu valor reconhecido pelo comprador. Ou pior, caso esteja em um país sem se-gurança jurídica capaz de dar tranquilidade a um potencial adquirente de comprar uma empresa por um grande valor, sem garantia de que no outro dia as regras do jogo não sejam alteradas afetando diretamente a atividade da sociedade alvo, e, portanto, o investimento realizado, antes mesmo que se tenha chance de fazê-lo dar frutos.

Para evitar que o potencial vendedor se ofenda com uma proposta muito baixa, o comprador tem que ter o discernimento de onde extrai-rá valor em caso de aquisição e propor estruturas flexíveis de preço e condições que possam vencer margens muito distantes de expectativas. É neste momento que a cláusula de earn-out pode ser o definidor de viabi-lidade de uma operação. Se o vendedor otimista acredita nas suas proje-ções, ficará tranquilo em poder implementá-las, já tendo embolsado uma parte fixa na frente, e, tendo prazo e maiores recursos para implementar as metas que lhe proporcionarão o recebimento de uma parte variável. De outro lado, o cético comprador terá segurança de pagar aquilo que a empresa vale, se esta conseguir efetivamente “performar”, até porque o vetor de incentivo provavelmente estará bem alinhado entre ambas as partes no sentido de incrementar a rentabilidade da companhia. Além disso, o comprador também terá melhores condições de avaliar o negócio e sua administração, de forma a planejar de forma adequada a transição ao final do período do earn-out. Não é por nada que a Google Inc utiliza frequentemente esta ferramenta nas suas aquisições de companhias de tecnologia de alto crescimento.

Contudo antes de ser uma quimera simples, a cláusula de earn-out pode abrir uma caixa de pandora, tamanha a complexidade de detalhes, situações e possíveis armadilhas subjacentes. Geralmente earn-outs são muito complexos para negociar e podem consumir bastante tempo e energia das partes. O principal problema deste tipo de cláusula tem sido a falta de rigor dos instrumentos contratuais com sua regulação, pelo que este trabalho busca resumir os principais pontos e jogar luz sobre alguns conceitos e sua aplicação que prescisam ser levados em conta quando da elaboração de uma cláusula deste tipo, até porque seu sucesso depende-rá, além da melhor técnica em sua redação, também dos atos que serão praticados pelas partes durante o período de maturação e de sua boa-fé.

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Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

A venda de uma empresa é um processo complexo que exige cada vez mais tempo e dedicação para que não se transforme em um mal negó-cio. A administração e acompanhamento do processo antes e depois da assinatura de qualquer documento é recomendada para garantia de que o preço negociado, de um lado, e, a sociedade alvo, de outro, não sejam esvaziados, principalmente em função de cláusulas de earn-out com pro-blemas.

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Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

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DEBT FREE E CAPITAL DE GIRO) In Temas de Direito Empresarial 2017 – p. 15-28 – Pedro Chagas - e-book http://www.silveiro.com.br/wp-content/uploads/2017/02/Miolo-Editado-FINAL.pdf

2. DETERMINABILIDADE, NEGOCIAÇÃO E ELABORAÇÃO DAS CLÁUSULAS DE PREÇO CONTINGENTE (EARN-OUT) NAS OPERAÇÕES DE COMPRA E VENDA DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA OU DE ESTABELECIMENTO E ANÁ-LISE DE CONFLITOS À LUZ DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA - Daniel Ro-drigues Alves - Dissertação apresentada à Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - São Paulo 2016; bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/17494

3. MERGER DEAL STAGE FRIGHT AND THE USE OF EARN-OUTS (English Edi-tion) 1 mai 2017 por Andrew Nyombi - eBook Kindle

4. BOTREL, Sérgio. Fusões e Aquisições. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

5. CRIMMINS, Paul M.; GRAY, Ben; WALLER, Jessica. Earn-outs in M&A Transac-tions: Key Structures and Recent Developments. In: The M&A Journal. v. 10. n. 10, p. 1. https://www.mayerbrown.com/Files/Publication/5b829276-5f8b-4a5a-ad5f-a-492e73d6574/Presentation/PublicationAttachment/a5e9717d-c9d1-4c00-be87-828e-f83e4776/Earn-outs_MA.pdf

6. CLÁUSULAS DE “EARN OUT” EM AQUISIÇÕES - Posted By Capital Aberto On 1 de abril de 2010 @ 00:00 In Bimestral,Boletins,Private - Equity,Edição 80 -Capital Aberto - https://capitalaberto.com.br

7. HOW TO STRUCTURE AN EARN-OUT - By Christine Lagorio-Chafkin - https://www.inc.com/guides/earn-out-structuring.html

8. EARN-OUT CLAUSES: ADVANTAGES AND PITFALLS - Giulia Quatrini, Manuela Cavallo - http://www.portolano.it/2012/03/earn-out-clauses-advantages-and-pitfalls/

9. CLÁUSULAS DE EARN-OUT EM CONTRATOS DE FUSÃO E AQUISIÇÃO - Rodrigo Thomaz Scotti Muzzi - https://daniellixavierfreitas.jusbrasil.com.br/arti-gos/146773302/clausulas-de-earn-out-em-contratos-de-fusao-e-aquisicao

10. GUIA DA ERNST & YOUNG PARA ADMINISTRAÇÃO DE FUSÕES E AQUISI-ÇÕES - Stephen L. Key (Editor); tradução de Nivaldo Montingelii Jr. – 2ª ed. Rio de Janeiro ; Record, 1995.

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O Desafio da Sucessão em Empresas Familiares Reconstituídas

Por André Silveiro

Especialista em empresas familiares, sócio da Silveiro Advogados. Profissional com experiên-cia tanto na área do direito societário e empre-sarial como na área de administração de em-presas, mediante a atuação como conselheiro de administração de empresas de diversos setores econômicos, tendo renome no meio empresarial do Rio Grande do Sul.

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 201832

Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

O Desafio da Sucessão em Empresas Familiares Reconstituídas

Com a crescente longevidade humana, são cada vez mais frequen-tes os descasamentos e recasamentos de fundadores de empresas, com formação de famílias “reconstituídas”, ou seja, em que há filhos de leitos diferentes. Estes sucessores podem conviver sob o mesmo teto ou com-partilhar espaços na vida corporativa, situação que traz desafios de rara complexidade com impacto direto nas famílias e nas empresas.

Deter melhores noções sobre os fatores inerentes a nesse novo cenário pode ser útil para que os envolvidos percorram esse caminho espinhoso, que pode desembocar em recompensas extraordinárias ou em desfechos trágicos.

O primeiro casamento do fundador implica na confluência de dois grupos familiares com culturas diversas e com todas as complicações ine-rentes, mas os filhos ao menos tem em comum um mesmo casal paren-tal. Nesta configuração, algumas famílias empresárias se beneficiam da aliança entre irmãos afinados e complementares entre si, enquanto outras empresas sofrem com batalhas fraternas.

Já o segundo casamento do fundador envolve o entrelaçamento bem mais complexo de três, quatro ou mais famílias, cujos cursos de ciclo de vida anterior foram interrompidos por uma dolorosa perda referente a morte do cônjuge ou o divórcio. Entram em cena os delicados relaciona-mentos com padrastos ou madrastas, bem como os conflitos de lealdade com a figura paterna ou materna que não está mais presente. Igualmente delicada é rivalidade entre meio-irmãos pelo afeto da figura parental co-mum. O inadequado equacionamento de algumas destas questões pode gerar sequelas ligadas a distorções na governança corporativa e sobretu-do ao sempre complexo processo sucessório.

Não há dúvida que a situação se complica ainda mais quando filhos de ambos os leitos ingressam, como sói acontecer, em cargos de maior responsabilidade dentro da organização podendo trazer para dentro da empresa as instabilidades domésticas não equacionadas.

Como lidar com o “magnetismo” que atrai os filhos para dentro da em-presa, e como blindar o negócio de pendências familiares não resolvidas?

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Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

A meta maior do desenvolvimento de todo indivíduo é a aquisição de uma plena identidade, em direção a uma progressiva diferenciação. O maior presente que um pai pode dar aos filhos é completar seu próprio processo de individuação e estimular os filhos a fazerem o mesmo, o que é diferente de, inconscientemente, projetar neles seus próprios sonhos empresariais.

Os filhos intuem qual é o sonho paterno e se empenham muito para se amoldar a eles, pois, no fundo buscam o afeto dos pais, de outra par-te demandam reconhecimento de seus esforços nesse sacrifício pessoal, sendo que a privação deste reconhecimento tende a gerar raiva do Pai, a qual pode ser deslocada para irmãos e meio-irmãos.

Se os pais souberem valorizar os diferentes talentos naturais dos filhos esses saberão que disputar espaço na empresa ou lutar pelo bastão no processo sucessório não é a única forma de obter reconhecimento pater-no, pois serão valorizados também por seus dotes artísticos ou atléticos, relacionais ou profissionais, etc.

Em contrapartida, se o único lugar ao sol do reconhecimento paterno é reservado aos atributos gerenciais ou de liderança corporativa, nesse espaço restrito os irmãos tenderão a se acotovelar, instilando nos preteri-dos, dor e revolta, erguendo o palco de enfrentamentos de um previsível drama cruento.

Nesse diapasão, a primeira cautela preventiva seria então tentar não deixar enredados nas malhas da empresa familiar diversos irmãos e meio irmãos com pendências não equacionadas, sobretudo se têm personali-dades incompatíveis, se não contam história de compartilhamento dos mesmos espaços, ou que não foram preparados para colaborar entre si, o que compõe uma receita de prováveis embates futuros.

Os sucessores podem ser preparados para serem donos e não para serem gestores, ou seja, serem incentivados a pensar no ingresso na em-presa da família na qualidade de sócios-acionistas e\ou de sócios-conse-lheiros, assim preservando a possibilidade de desenvolverem uma carrei-ra fora da empresa.

Se essa cautela não foi tomada, nem tudo está perdido, mas se torna imperioso que todos entendam empaticamente a situação sob a ótica dos demais, evitando a distorção fácil de separar o mundo entre o bem e o mal, ou seja, nós contra eles.

Sob a ótica do Fundador existem dois conflitos internos que o atormen-tam: (a) priorizar os interesses da empresa ou os da família; (b) encontrar o difícil equilíbrio entra as demandas do cônjuge e dos filhos do 1º e do 2º leito.

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Dividido entre dar prioridade à solução sucessória que mais convenha à empresa, mediante a escolha do filho mais apto para liderar a conti-nuidade das operações, ou dar preferência à saída que seja mais adequa-da aos interesses da família reconstituída, cuja harmonia pode ser ainda mais sacudida pelo “favorecimento” de um meio-irmão em detrimento de outros, a situação tensiona, de um lado, o intento do presidente de viabilizar a perpetuação de seu empreendimento e, de outro, o desejo do sofrido Pai, de preservar sua relação e o equilíbrio entre as ambas as proles de leitos diferentes, ameaçado pelo possível rompimento decor-rente da eclosão de sentimentos de inveja e raiva nos filhos que se sintam desfavorecidos e suas respectivas mães.

Sob a ótica dos Filhos do 1º casamento, tendo idade superior aos ou-tros, geralmente ingressaram antes no negócio colaborando com a curva de crescimento da empresa, obra da qual se sentem coautores, ao mesmo tempo que podem se ressentir da falta de reconhecimento do Pai e dos meio-irmãos acerca de sua contribuição ao negócio.

Sob a ótica dos Filhos do 2º casamento, sendo mais jovens, podem se considerar mais atualizados e inovadores. Atribuem ao Fundador a maior parte do mérito pelo crescimento do negócio. Se ressentem de serem vis-tos como intrusos pelos mais velhos e pelo fato de que tiveram que lutar mais arduamente para conquistar uma posição na empresa, na qual os principais espaços já estavam ocupados pelos meio-irmãos que não te-riam tido tantas dificuldades na entrada.

Essas e outras diferentes perspectivas, bem como o envolvimento emocional a que são submetidos, em meio a um mar de desconfianças, levam os membros da família a ficarem privados de distanciamento críti-co e a se responsabilizarem reciprocamente pela causa dos desconfortos enfrentados ou da crise instalada.

Sob tensão é possível os envolvidos se comportarem de forma inade-quada, mas na verdade não são causadores, mas vítimas de uma conjun-tura, já que todos estão submetidos a um contexto gerador de tensões (conflict-generating system).

É recomendável nestas situações recorrer a ajuda de mediadores pro-fissionais que ajudem a adotar ferramentas adequadas para gerir o ritual de passagem, como é o caso da criação do conselho de família e\ou do conselho de administração com a presença de membros externos (outsi-ders), bem como conceber um modelo societário para o futuro e elaborar um acordo acionário, costurado com o consenso de todos, sobretudo

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enquanto a posição hegemônica e o pulso firme do controlador sobre o grupo ainda não estiver estremecido pelo peso dos anos.

Assim, os sofridos herdeiros, absolvendo-se reciprocamente, poderão tratar de buscar uma solução pragmática, seja criando um modus vivendi tolerável, seja mediante a adoção de alguma das muitas fórmulas de dis-sociação disponíveis, inclusive cisões, compra e venda interna ou aliena-ção do negócio para terceiros.

A verdade é que a sucessão é o teste supremo de todas as empresas familiares. É um ritual de passagem complexo, fascinante e desafiador, sendo o planejamento sucessório a ferramenta que pode auxiliar os fun-dadores a construir mecanismos pacíficos de transição, que ajudem a família a usufruir seu patrimônio e a não destruí-lo depois da falta do patriarca.

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 201836

Contratos de M&A: Cláusula de Earn-Out

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zel, 1988.

2. Luiz Kancyper, “El Complejo Fraterno, “Estudio Psicoanalitico”;

3. Herbert Goldenberg, Irene Goldenberg, “Family Therapy: An Overview”, Thomson Brooks, Belmont, CA, 2008;

4. Betty Carter, “The Changing Family Life Cycle”, New York, Gardner Press, 1988;

5. David Zimerman, “Fundamentos Psicanalíticos”, Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

6. Lodi, João Bosco, “Sucessão e Conflito na Empresa Familiar”, São Paulo : Pioneira, 1987.

7. Gersick, Kelin E. e outros. “De Geração para Geração – Ciclos de Vida da Empresa Familiar”: São Paulo; Negócio Editora, 1997.

8. Bernhoeft, Renato, “Empresa Familiar”, São Paulo: Nobel, 1995.

9. Bernhoeft, Renato, “Como Criar, Manter e Sair de uma Sociedade Familiar”, 2ª ed., São Paulo : Editora Senac, 2001.

10. Bernhoeft, Renato, “Manual de Sobrevivência Para Sócios e Herdeiros”, São Paulo: Nobel, 1995.

11. Bernhoeft, Renato, Martins, Ives Gandra da Silva; Meneses, Paulo Lucena de (org.), “Empresas Familiares Brasileiras: Perfil e Perspectivas”, São Paulo: Negócio Editora, 1999.

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Quedas de Braço em Famílias Empresárias

Por André Silveiro

Especialista em empresas familiares, sócio da Silveiro Advogados. Profissional com experiên-cia tanto na área do direito societário e empre-sarial como na área de administração de em-presas, mediante a atuação como conselheiro de administração de empresas de diversos setores econômicos, tendo renome no meio empresarial do Rio Grande do Sul.

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Quedas de Braço em Famílias Empresárias

Quedas de Braço em Famílias Empresárias

“There’s no such thing as a person who isn’t competitive.”Ashley Merryman1

1. Coautora do Livro “Top Dog: The Science of Winning and Losing”.

Essencialmente, as empresas são formadas por pessoas, melhor dizen-do, por um grupo de indivíduos. Logo, a solidez das empresas depende delas estarem sustentadas por uma equipe de pessoas coesas, ligadas por vínculos saudáveis e construtivos.

Vínculos saudáveis são baseados em uma boa interação do grupo, em um ambiente de respeito às diferenças, com compartilhamento de cul-tura, valores e objetivos, com uma boa comunicação entre todos, o que permite enriquecedoras trocas de informações, potencializa suas capa-cidades individuais e complementares em prol da assimilação de novos conhecimentos, adaptação ao mercado e decorrente aumento de produ-tividade nos negócios e da maximização de resultados.

No entanto, não é raro que no convívio de qualquer equipe, surjam “enfrentamentos de vaidades”, também chamadas de “disputas de egos”, que produzem longas discussões, desgastes, redução da comunicação e distanciamento interpessoal. Quando sócios e gestores mantêm ainda uma relação de parentesco entre si, com sobreposição de papéis, os em-bates são amplificados por complexas interferências emocionais entre eles.

Quando prevalece um clima de disputa, tende a surgir dificuldade de solução até de simples questões objetivas que poderiam ser facilmen-te resolvidas com uma comunicação fluida. Contudo, toda vez que um tema é transformado em arena para medição de forças, seu processa-mento se delonga, ou se soma à lista de pendências não equacionadas, uma vez que cada um bate pé, teimosamente, na sua crença em busca de prevalência: “dessa vez não vai ser do jeito dele, é como eu digo ou não serve...”.

Nesse diapasão, mesmo quando se chega a um desenlace após acomo-dar todas as vaidades, o resultado tende a ser tardio e desvirtuado. Por isso se diz que o “camelo é o cavalo projetado por um comitê”.

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Quedas de Braço em Famílias Empresárias

Com o acúmulo de pendências, multiplicam-se as contrariedades e descontentamentos, que tendem a fermentar como ressentimentos e se-dimentar mágoas inseridas em situações progressivamente conflitivas.

Os conflitos são uma decorrência natural dos vínculos humanos e, quando enfrentados, podem ser benéficos na medida que revelam proble-mas de relacionamento antes obscurecidos; quando criam oportunidades para as pessoas abordarem contrariedades mal deglutidas, exporem seus sentimentos e desabafarem emoções; e quando levam os indivíduos a cla-rificar suas ideias e desenvolver sua capacidade de negociação, multipli-cando as alternativas para resolver questões práticas, ensejando aumento de criatividade e motivação e catalisando a busca de soluções.

Todavia, impasses e conflitos não resolvidos trazem efeitos negativos à família e à empresa, como dificuldade e desconforto nas interações, sofri-mento psíquico, redução no intercâmbio de informações relevantes, au-mento de estresse, desperdício de tempo, bloqueio do processo decisório e progressiva má alocação de recursos.

Com efeito, os desgastes erodem progressivamente as relações inter-pessoais, as quais, se não administradas, vão minando a capacidade dos grupos de convergir, reunir e canalizar os esforços em uma mesma dire-ção. Ditos impasses começam a consumir longas e infrutíferas reuniões, esterilizando núcleos pensantes que deveriam estar atuando de forma dinâmica e inovadora para responder ou se antecipar às mudanças do mercado.

Enquanto prevalecem as posturas desagregadoras, as boas ideias de uns passam a ser boicotadas pelos outros e vice-versa, envenenando a atmosfera de trabalho. O resultado é a ruptura nas comunicações, a pa-ralisia nas interações, a insatisfação disseminada e a perda de eficiência, que podem, ao longo do tempo, estagnar a empresa e, em casos mais graves, inviabilizar as operações. Pouca atenção é prestada nas empresas familiares para o real abalo na performance corporativa resultante das dificuldades dos relacionamentos e consequente subutilização dos talen-tos humanos.

Afinal, o que leva às disputas de ego e de poder nas famílias empresá-rias, que desembocam em tantas perdas econômicas?

Nietzsche sustentava que o homem pode estar bem alimentado, bem abrigado e inclusive ter amor, mas se não tiver poder não estará satisfeito. Em outras palavras, as constantes quedas de braço são um funcionamen-to típico inerente à própria condição humana.

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É importante entender que essa dinâmica competitiva não é eventual, mas sim está presente, em maior ou menor grau, em boa parte do tempo em praticamente todas as modalidades de comunicação e de comporta-mento interpessoal.

Realmente, nas diversas formas de relacionamento humano encontra-mos enfrentamentos acerca de quem se colocará em posição superior e inferior ao outro em cada tópico, matéria e situação do convívio, ou seja, levando as partes a se categorizar, definindo sempre a hierarquia desses relacionamentos, em uma ordem que pode, ou não, ser alternada entre os interlocutores para assuntos e situações diversas do plano do convívio.

Mas em que tipo de mensagens e como ocorre essa comunicação cate-gorizadora, com intenção de definir nosso ranking nas diferentes facetas do relacionamento?

Há que se entender que estamos nos comunicando em todos os mo-mentos, e sendo sempre afetados pela comunicação alheia, sendo que todo o comportamento (até mesmo o silêncio) é uma forma de comu-nicação e todas as formas de comunicação afetam o comportamento. O padrão do vestuário, a marca do carro e muitos símbolos de status são habitualmente utilizados como meios de comunicação e posicionamento na escala social.

O que nem sempre atentamos é que todas as mensagens que enviamos e qualquer forma de comunicação que promovemos carregam embutidos dois aspectos distintos, ou seja há um duplo propósito e significado sendo invariavelmente transmitidos.

De um lado, na parte mais perceptível da mensagem, há a transmissão de uma informação relativa ao conteúdo de uma questão concreta. De outro lado, de forma mais subjacente, está sempre uma sutil manobra ou tentativa de categorizar e definir a hierarquia2 do relacionamento no assunto em pauta naquele momento.

Esta é outra maneira de dizer que uma comunicação não só transmite informações, mas que, ao mesmo tempo, define a intenção do remetente de como ele deseja estabelecer seu relacionamento com o destinatário da mensagem na situação em voga. "É assim que me vejo; É assim que vejo você. Entendo deter eu primazia nesse assunto, e poder assumir o protagonismo em tópicos envolvendo economia, futebol, nutrição e as-tronomia. Aceito ser coadjuvante em assuntos ligados à política, culiná-ria, astrologia, dentre outros menos interessantes para mim. É assim que

1. Jay Haley, “Strategies Of Psychotherapy”, University of Connecticut Libraries, New York, 1963.

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espero que você me veja e me trate”. Seguindo Bateson, essas duas operações passaram a ser conhecidas

como o aspecto de “relato” e o aspecto de “comando”, respectivamente, de qualquer comunicação.

Em interações mais saudáveis e produtivas, o aspecto de “relato” com transmissão de informações prevalece na busca de solução dos proble-mas práticos, ficando em segundo plano os aspectos de “comando” e suas manobras categorizadoras do relacionamento.

Por outro lado, em interações conturbadas, como em famílias em-presárias disfuncionais, ou transitoriamente vivendo uma situação estressante, o aspecto de “comando” passa a se sobrepor nas trocas de mensagens, ensejando rivalidade direta acerca da hierarquia do relacio-namento, deixando relegado a um segundo plano o aspecto do conteúdo da comunicação.

Isso fica mais fácil de observar nas escaladas verbais de discussões acirradas, onde a troca de informações vai sendo perdida na medida em que cada um interrompe o outro em tom cada vez mais alto, querendo ambos dar a última palavra e se impor como superior ao interlocutor. Nesses casos, as palavras pronunciadas vão perdendo qualquer vestígio de informação, de conteúdo ou significado concreto, passando, quase exclusivamente, a estar a serviço do esforço de manter a palavra, tentar prevalecer e se sobrepor ao outro3.

Alguns tipos de relacionamento são mais suscetíveis a estas disputas. Para entender melhor, vamos classificar as interações humanas em duas modalidades: elas podem ser complementares ou simétricas.

Com menor suscetibilidade a disputas, as interações complementares são aquelas baseadas na maximização das diferenças entre os interlocu-tores o que geralmente é aceito entre eles, sendo que, dependendo da situação, uma das partes se situa naturalmente em uma posição “supe-rior” (como entre um diretor e um funcionário, uma mãe e um filho, um médico e seu paciente, o professor e o aluno), e a outra parte se coloca em posição “secundária”.

Não se trata de ser “forte” ou “fraco”, nem “bom” ou “ruim”, mas de se posicionar com maior ou menor autoridade, frente ao outro, em determi-nada temática balanceando a lacuna ou deficiência de um com a fortaleza do outro.

3. In such struggles words may eventually lose their last vestige of content meaning and become exclusively the tools of “one-upmanship”. Paul Watzlawick, “Pragmatics of Human Communication”, New York, Norton, 2011.

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De notar que, embora com menor propensão a embates, nada impede que um aluno arrojado, que estudou previamente a matéria, questione a afir-mação do seu mestre. A pretexto de apresentar uma crítica ou agregar mais informações, o estudante pode estar também propondo, de forma subjacen-te, uma desafiante manobra para redefinir o relacionamento de complemen-tar para simétrico, instaurando uma igualdade entre eles. O professor pode aceitar a manobra e reconhecer a competência simétrica do aluno naquela questão, ou rejeitar a manobra com uma contra-manobra que desqualifica ou relativiza o subsídio do aluno e o reconduz uma posição subalterna.

Muitos casais têm relacionamentos complementares, seguindo o axio-ma físico de que “os opostos se atraem”. Esse fator realmente reduz as quedas de braço na interação, mas, em contrapartida, gera maior risco de dependência de um dos cônjuges em relação ao outro.

Já a interação simétrica, é caracterizada pela maior igualdade entre as partes e pela minimização das diferenças, reduzindo a co-dependência, mas aumentando o risco de competição e disputas. Nessas situações, se um parceiro tentar se enaltecer mencionando uma proeza, o interlocutor tende a replicar destacando uma façanha não menos significativa, dando sequência à medição de forças.

Mesmo assim, é usual muitas pessoas preferirem estabelecer relações simétricas por que se sentem atraídas pelas respectivas semelhanças em relação a valores, interesses e gostos comuns, bem como traços de per-sonalidade, origens e experiências de vida similares que podem ensejar maior harmonia e estabilidade.

Em um relacionamento simétrico saudável, os parceiros devem tam-bém aceitar-se mutuamente em sua singularidade, suas particularidades e idiossincrasias, o que conduz ao respeito mútuo.

Em geral, quando um relacionamento se estabiliza, é por que os envol-vidos já chegaram a um certo consenso sobre o tipo de comportamento que deve prevalecer entre eles. Em casais e famílias, é saudável que os membros se relacionem simetricamente em algumas áreas e com com-plementaridade em outras.

Ao longo do tempo, é usual haver uma revisão do tipo de interação. Quando o filho do fundador se torna adulto, é hora do pai revisar seu padrão de relacionamento complementar em direção a uma progressiva simetria, e o filho tem que lutar por esta transformação, sem ser afoito. As frequentes disputas geracionais nas empresas de família demonstram que essa trajetória costuma ser espinhosa.

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Relações difíceis são aquelas em que as pessoas envolvidas têm difi-culdade em chegar a um acordo acerca da definição dos aspectos de co-mando do relacionamento, ou seja, em que áreas a relação será simétrica ou complementar. Na falta de consenso, surgem disputas de comando em torno da qual multiplicam-se os debates e desgastes.

O erro é que, nessas discussões, as partes não tem consciência do na-tural contexto de emulação em que estão inseridas. Em função disso, a ênfase é colocada aonde não está o problema, isto é, o foco recai no nível do relato acerca de questões aparentemente objetivas que apenas disfar-çam a verdadeira natureza da dissonância. Os embates podem ser con-duzidos abertamente por bate boca, ou como é comum, por sabotagens, resistência passiva, triangulações e sintomas.

Com efeito, parte da atrapalhação decorre de nossa inabilidade de nos comunicarmos sobre a comunicação, ou seja, vem de nossa dificuldade de dialogar sobre nossos padrões de interação, acerca dos aspectos de comando e em que áreas a relação será simétrica e complementar. Cír-culos viciosos de desgastes não são desfeitos até que harmonizemos esse assunto com o interlocutor.

Assim, quando um sócio aprova a compra de uma máquina e o outro critica a aquisição, um longo desgastante debate pode se estabelecer em torno das características positivas e negativas do equipamento ou acerca da boa ou má relação de seu custo benefício. Essa discussão não terá fim por que o foco está no lugar errado. A ênfase foi colocada na questão objetiva, enquanto que o problema real está no aspecto relacional e de comando.

O diálogo poderá ter um desenlace produtivo se for enfrentada a ques-tão de a quem compete o poder, ou seja de quem é a competência interna, a atribuição de tomar esta decisão, se um tem que consultar previamen-te o outro para poder aprovar uma compra acima de um determinado montante e como deve ser doravante. Falar sobre o padrão de interação e o processo de comunicação (a consulta prévia), é o que chamamos de metacomunicação.

Vale destacar ainda que o aspecto de relato da comunicação está mais concentrado no conteúdo verbal das palavras, enquanto que o aspecto de comando costuma vir muito embutido no tom da voz, em padrões linguísticos e na linguagem corporal (linguagem não verbal).

Um diligente empregado pode dizer ao patrão o que fazer, mas se es-tiver com as mãos para traz, ou o semblante cabisbaixo, ou com o tom de voz humilde, essa linguagem não verbal estará revelando que não se trata

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de uma petulante manobra pró simetrização. Assim, fica fácil perceber por que uma conversa presencial é muito mais rica do que querer resolver algo por telefone, e muito melhor ainda do que tratar através de e-mail ou de aplicativos de mensagem instantânea, ferramentas estas famosas por provocarem frequentes mal-entendidos…

Em famílias, os sintomas de uma pessoa muitas vezes são uma ma-nobra para controlar o comportamento de outra em determinadas situ-ações. Quem nunca alegou dor de cabeça ou febre para escapar de um compromisso?

Os pais enfrentam uma série de dificuldades na criação de uma criança. Se eles destacam demais seus cuidados e controles impondo apenas uma relação complementar, não estarão fornecendo um contexto de aprendiza-gem onde o filho, em certas situações pode se comportar como um igual.

De outra parte, se enfatizam demais a igualdade, em prematura dire-ção a uma relação simétrica, afastam a autoridade que é essencial à for-mação da criança e diminuem a sensação desta estar sendo cuidada, fator que precisa ser bem internalizado para o desenvolvimento da autoestima infantil.

De volta às quedas de braço, gostaria de encerrar reforçando que não se trata de uma patologia, sendo importante ter sempre presente a noção de que estamos naturalmente inseridos nestas disputas. Essa consciência pode nos ajudar de duas formas distintas: a) a absolver nosso interlocutor da recriminação unilateral e injusta

que fazemos, repartindo entre todos os envolvidos a responsabi-lidade pelos desgastes decorrentes dos antagonismos surgidos;

b) a se envolver mais na metacomunicação, retirando a ênfase de onde não se encontra a raiz do problema, com o objetivo de construir uma relação mais produtiva para o futuro.

Você, caro leitor, sim você mesmo, pode agora aceitar a suposta au-toridade do autor deste ensaio no assunto tratado, ou pode promover uma manobra em busca de simetria em nossa breve interação. Nesse caso, você tem a faculdade de questionar, criticar ou agregar subsídios a qualquer aspecto abordado, enviando uma mensagem para meu e-mail ([email protected]). Dependendo do que você esgrimir em seu comunicado, eu terei que optar entre aceitar sua contribuição reco-nhecendo nossa simetria, ou, opor uma contra-manobra contestando seu imput. Então, aos mais ousados, está lançado aqui o desafio.

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Precisamos falar sobre dívidas...

Por Daniel Báril1 e Lazar Halfon2

1. Sócio coordenador da área de Insolvência e Reestruturação, da Silveiro Advogados, em São Paulo e Porto Alegre. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da Co-missão de Falências e Recuperação Judicial da OAB/RS. Membro da Comissão de Recu-peração de Empresas da Federasul. Membro da Turnaround Management Association (TMA). Foi vice-presidente da ADVB-RS. Coordenador de Cursos na Escola Superior da Advocacia (OAB). Possui formação na área de Reestruturação, pelo Insper, FGV e ESPM. Palestrante, e autor de artigos e li-vros, dentre eles Turnaround: Revigorando Empresas Familiares.

2. Sócio fundador da HSA Soluções em Finan-ças desde 1994, especialista em reestrutu-ração de dívidas, com MBA no Insead, em Fontainebleau- França. Na HSA concluiu a reestruturação de dívidas de mais de 160 empresas, atuou em dezenas de concordatas e foi um dos pioneiros na elaboração de pla-nos de Recuperação Judicial com base na lei 11.101/2005. Anteriormente exerceu cargos de CFO e CEO em grandes empresas nacio-nais. Atualmente participa em 3 Conselhos de Administração e Consultivos.

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Precisamos falar sobre dívidas...

Dever é verbo que se conjuga em todas as pessoas do singular e do plural, e em todos os tempos verbais.

Dever faz parte do cotidiano, de pessoas físicas a jurídicas; por incrí-vel que pareça, dever pode até mesmo ser, em determinadas circunstân-cias, saudável.

Pessoas – físicas - contraem divida, por exemplo, para realizaram o sonho do imóvel próprio; pessoas – jurídicas - contraem dívida para rea-lizarem projetos especiais (v.g., nova filial, novo produto, novo mercado), que segundo a previsão de seus administradores, possibilitar-lhes-á pagar a dívida contraída e ainda auferir relevantes lucros com o negócio.

Neste sentido, a propósito, interessante notar que, quando determi-nada empresa contrai uma dívida a fim de investir num projeto especial, indica ao mercado que seus acionistas confiam no negócio. Isso porque, de uma certa maneira, a alternativa de emissão de novas ações indica, por outro lado, que seus acionistas pretendem, trazendo novos sócios ao negócio, dividir riscos com o mercado.

Dever e inadimplir, porém, são verbos que muito embora sejam con-sentâneos – este daquele -, carregam entre si uma oceânica distância.

-No contexto de reestruturação financeira, um dos coautores do pre-

sente artigo, em 2013, publicou livro (“Turnaround: Revigorando Empre-sas Familiares”1) que, citando Slatter & Lovett, referia diferentes possibili-dades para fins de ajuste na estrutura de capital da empresa (relação entre capital próprio e de terceiros): a) Conversão de dívida em capital; b) Formação de joint ventures com parceiros fornecedores de capi-

tal e/ou tecnologia; c) Aumento de capital ou emissão de debentures conversíveis; d) Recapitalização do negócio (v.g., venture capital ou private equi-

ty); e) Renegociação com credores e alongamento do perfil das dívi-

das.

Precisamos falar sobre dívidas...

1. “Como recuperar uma Empresa: A gestão da recuperação do valor e da Performance”. Stuart Slatter e David Lovett. Editora Atlas.

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Precisamos falar sobre dívidas...

É, então, o objeto precípuo do presente artigo discorrer de maneira mais aprofundada, sem no entanto perder a objetividade, sobre o item ‘e’ (“Renegociação com credores e alongamento do perfil das dívidas”), eis que dentre as formas de ajustes da estrutura de capital, este é o que possui, quiçá, os contornos mais dramáticos e sensíveis.

Inobstante sua dramaticidade, de positivo se tem que, uma vez que um devedor inicia este processo de renegociação do seu passivo, pelo me-nos pode-se considerar já superada uma importante etapa prévia – mui-tas vezes fatal às empresas -, de ultrapassar o mais rapidamente possível o estágio de negação da crise.

Bem porque, neste estágio de negação, as empresas soem cometer dois pecados gravíssimos, que em vez de lhes ajudar a superar a crise, em ver-dade as afundam cada vez mais nela; quais sejam:

2 PECADOS(a) Aumento das receitas:

Querer ou tentar superar a falta de caixa apenas com o aumento das receitas, certamente, é o mais clássico dos erros cometidos pelas empre-sas e seus gestores nestas circunstâncias de crise.

Aliás, ao se deparar com empresa em crise, é mais comum encontrar histórico pregresso de aumento de faturamento do que o contrário.

Sem perceber, esta opção aumenta a necessidade de capital de giro (já inexistente na empresa), além de, na maioria dos casos, reduzir as margens de contribuição; isso porque, para vender mais, o mercado exige maiores descontos, sacrificando justamente as margens sem as quais o saneamento das finanças é mera ilusão.

O outro lado desta mesma moeda diz respeito a problemas no geren-ciamento das compras e estoques, cujas consequências podem ser muito mais nefastas ao negócio do que o das despesas financeiras propriamente ditas2.

(b) Novos empréstimos:O segundo pecado, qual seja, a busca reiterada de empréstimos para

cobrir os prejuízos da operação, em verdade é irmão siamês do anterior.Isso porque ambos, embora por caminhos inversos, têm o condão de

trazerem “new money” ao negócio.

2. Exemplo clássico é quando há monopólio no fornecedor de matéria prima principal (caso das siderúrgicas, em alguns países). Ou em mercados que vivem apenas de um fornecedor, como o das concessionárias automotivas.

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Henry Ford, em seu livro Princípios da Prosperidade3, refere:

“A constante necessidade de capitais de terceiros nada mais é do que um sursis à incompetência”.

Ora, são diametralmente diferentes empréstimos contraídos a fim de investir num novo projeto (nicho, produto, mercado) dos empréstimos contraídos “apenas” com o objetivo de ‘pagar’ outro empréstimo.

Um, se bem gerido, pode levar ao desenvolvimento sustentável do ne-gócio; outro, independentemente do contexto, tem o condão único de gerar uma acomodação no corpo diretivo da empresa, que em vez de corrigir o rumo do negócio, apenas alimenta uma doença pré-existente, dificultando cada vez mais seu soerguimento.

É justamente por isso que Waren Buffet preconiza:

“A coisa mais importante a se fazer quando você se encontra em um buraco é parar de cavar”.

Ou seja, dinheiro novo – seja oriundo de vendas sem margem, seja oriundo de novos empréstimos – inevitavelmente gerará na empresa uma acomodação de efeito deletério.

10 SOLUÇÕESÉ de todo inegável que, muito embora inadimplir carregue uma carga

dramática considerável, o mercado financeiro vive e se alimenta destes mútuos, sendo que um índice natural de inadimplemento é, inclusive, precificado pelo sistema e instituições antes da concessão de emprésti-mos.

Por isso a relevância de as empresas inadimplentes dividirem seus problemas com consultores da área (de expertises multidisciplinares), eis que em vez de enfrentarem seus problemas como “lobos solitários”, pode-rão encará-los com bastante mais racionalidade e prudência.

Independentemente disso, ao se enfrentar seriamente o assunto da Renegociação com credores, há que se saber que este problema, genera-lizado na economia nacional, deve ser enfrentado relevando-se, essen-cialmente:

3. “Os Princípios da Prosperidade”. Henry Ford. Editora Freitas Bastos.

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1. Timing:O momento para se iniciar a reestruturação das dívidas é crucial. Um dos autores do presente artigo costuma dizer aos seus clientes que

“dificuldades de fluxo de caixa são como doenças raras: no inicio são difí-ceis de diagnosticar, mas a cura é fácil; com o passar do tempo, o diagnósti-co fica fácil, mas a cura difícil”.

Especificamente sobre as recuperações judiciais, o juiz Paulo Furtado responsável, pela 2ª Vara de São Paulo, salienta:

“Há vários casos de empresas que chegam aqui praticamente sem atividade e com número reduzido de funcionários. Já em situação falimentar. Você detecta, então, que foi tardia a apresentação da recuperação. Acho que é uma cultura do empresário brasileiro. Ele acha que pode reverter a situação de crise. Muitas vezes, porém, quando ele ingressa com o pedido de recupe-ração, a crise é irreversível4”.

A regra acima vale, porém, para todo e qualquer tipo de reestrutura-ção, seja judicial ou extrajudicial.

Justamente por isso, aliás, que a fase de negação do problema, intro-dutoriamente mencionada, costuma ser uma grande mazela à reestrutu-ração do negócio, eis que é justamente no período inicial que a doença da empresa ainda contaria com cura razoavelmente simplificada.

2. Racionalidade:O processo de reestruturação não é artístico, artesanal; é científico, ma-

temático. Ou seja, não se trata a renegociação de dívida de forma intuitiva ou emocional. Pouco adianta tentar resolver o problema na base do relacio-namento com o credor; é preciso solucionar a situação de forma profissio-nal e com base na análise da real capacidade de pagamento da companhia.

Não são poucos os casos de empresários que, com base na “relação” que detêm com determinados credores, obtém condições inferiores ao que o próprio credor (mui amigo) oferece no mercado para situações de todo semelhantes.

Destarte, o devedor não deve perder de vista que na relação com seus stakeholders (credores e bancos em especial, embora a regra seja irrestri-tamente aplicável) não há amigos, ou irmãos; o que sim há são regras de mercado, que alguns sabem usá-las a seu favor, e outros não.

4. Jornal Valor Econômico. Edição de 11/02/2015.

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Saber usá-las a seu favor, porém, é determinante para que um determina-do negócio, mesmo em crise momentânea, venha eventualmente a prosperar.

Por isso, inclusive, é de todo recomendável em reestruturações que o processo de renegociação seja liderado e evoluido sem a participação di-reta daqueles que, de alguma forma, vivenciaram a gênese da crise, e que dificilmente darão a ela um tratamento frio e profissional.

3. Planejamento:Antes de se iniciar rodadas de negociação com credores, há que se ter bem

planejado os critérios de renegociação, quanto a (i) prazos, (ii) formas de pa-gamento, (iii) garantias, (iv) credores estratégicos e, principalmente, (v) a real capacidade de pagamento da empresa devedora, projetada no fluxo de caixa.

4. Conservadorismo:Conservadorismo nunca é demais em renegociações.Assim, posteriormente à análise do fluxo de caixa da empresa, há que

se avaliar meticulosamente os prazos com que se pode quitar as dívidas, a fim de que a negociação os obtenha em condições consideravalemnte melhores do que a capacidade projetada de pagamento da empresa.

Isso tudo para que, num imprevisto, não se corra o risco de restar a empresa novamente inadimplente.

Até porque o que para o empresário pode ser considerado um “imprevisto”, em verdade, nada mais é do que regra natural de variação do mercado: cotação do dólar, preço da gasolina, inflação, confiança dos consumidores, etc.

No Brasil atual, de crise econômica e política agravadas, salvo me-diante auxílio de bola de cristais, é de todo impossível fazer-se planos de médio prazo sem alguma dose considerável de aleatoriedade.

5. Maquiavel:Também nesta seara de crise aplica-se o princípio maquiavélico, no

sentido de que o mal deve ser todo feito de uma só vez, enquanto que o bem aos poucos.

Assim, a pedida inicial aos credores nunca poderá ser ultrapassada, ape-nas mitigada; isso porque quem pede 10, pode “levar” de 0 a 10, nunca 11.

Mesma regra costuma ser aplicada também no que diz respeito a eventuais demissões indispensáveis ao soerguimento do negócio; e assim é não apenas por conta dos naturais motivos financeiros, mas também anímicos do grupo de trabalho que continuará a frente do negócio.

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6. Soberania:É natural e habitual, nos devedores, o sentimento de que são ou es-

tão reféns de seus credores; em meio a seus enfrentamentos, porém, não percebem que, muitas vezes - conforme o montante devido, o problema da dívida é tão ou mais drástico para o credor do que o é para o devedor.

Assim, há que se ficar tranquilo, porque os sistemas jurídicos atuais (pelo menos do ocidente) não mais preveem medidas drásticas face aos devedores inadimplentes, como mãos sendo cortadas, ou pessoas sendo escravizadas.

Neste sentido, é de grande relevância que nunca, sob hipótese alguma, aceitem-se imposições dos credores. Ora, a decisão sobre a forma e prazo de se quitar uma determinada dívida está condicionada, inexoravelmen-te, à capacidade financeira da empresa. Assim, jamais o devedor deve e pode perder a sua soberania, até porque é ele, e não o credor, quem detém a expertise do negócio e o conhecimento do seu caixa, fonte precípua dos pagamentos a serem acordados.

7. Garantias:As trocas devem ser justas; consequentemente, há que sempre se ter

calma, racionalidade e firmeza quando for o caso de se adicionar garan-tias a determinadas dívidas.

Ou seja, o oferecimento de uma garantia deve ter como contropartida algo que seja objetivamente benéfico ao devedor. Por exemplo, redução substancial de juros, dilação de prazo, tudo sempre harmonizado às reais necessidades da empresa.

8. DaçõesComo corolário do item acima, há que se sublinhar que, mal negocia-

das, as garantias podem em verdade caracterizar nada mais do que uma futura dação do bem.

Por isso, na maioria dos casos é melhor entregar de uma vez um ativo ao credor, do que simplesmente dá-lo em garantia.

Assim, ou a empresa tem real necessidade deste bem (apego nunca!), e tem considerável segurança matemática de que poderá quitar as parcelas renegociadas, ou é preferível que de uma vez dacione o bem, já quitando total ou parcialmente o montante devido.

Isso por conta de um princípio básico, óbvio, mas normalmente olvi-dado: com o tempo o valor do ativo deprecia, e o da divida cresce.

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9. Credibilidade:A credibilidade é dos mais necessários ativos a uma real recuperação

de uma empresa em crise; uma vez que ela é perdida, necessariamente as liderenças (ou pelo menos, a interlocução da empresa) devem ser altera-das.

Destarte, renegociações devem ser firmadas com o fito de adimpli-las. Ou seja, não adianta (em verdade, prejudica) o devedor cogitar que uma determinada renegociação não é definitiva, para posteriormente ser re-feita.

Ou seja, é preferível ter o desgaste da negociação prolongada no tem-po, e obter as condições necessárias para a empresa, do que simplesmente descumprir o acordo em pouco tempo.

Justamente por isso é que, conforme for a análise jurídica da dívida, muitas vezes recomenda-se o litígio (polo ativo ou passivo), mesmo que este tenha o precípuo condão de gerar uma carência indireta que, de ou-tra maneira, não seria outorgada pelo credor.

10. Interesses conflituais:É natural e habitual que, diante da crise, acionistas/quotistas controla-

dores criem sentimento de gratidão aos funcionários e diretores à frente do negócio; em especial, este sentimento é relevado relativamente aos fi-nanceiros/CFO das empresas.

Isso porque é eles quem, mais diretamente, suportam todas as conse-quências nefastas que a falta de caixa acarreta.

Entretanto, sem adentrar no mérito da real capacidade que a média destes profissionais detém para enfrentar as renegociações (isso varia de caso a caso, e ainda mais pela experiência pregressa destes) estes acio-nistas/quotistas não devem perder de vista que estes profissinoais, como todos os outros, aliás, não são perenes nas empresas.

Ora, é natural que o maior ativo que um profissional de mercado (fi-nanceiro ou não) detém é sua reputação e seu networking; mesmo se todos eles detivessem vasta experiência para enfrentar uma crise e sua renegociação, muitas vezes lhes é mais cômodo não enfrentar estes pro-blemas de frente, principalmente porque a empresa que eles no momento representam tem, por conta da crise, futuro um tanto mais incerto do que a média do mercado.

Também por este motivo, então, repise-se a recomendação antes dada no sentido que a renegociação seja travada por profissionais da matéria

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Precisamos falar sobre dívidas...

alheios ao dia a dia da empresa; isso não apenas pela expertise que estes detêm, mas antes de tudo porque, no caso deles, os interesses não serão conflituais.

-

UM POUCO DE PACIÊNCIATudo isso considerado, já a título de encerramento, referimos que é

necessário do empresário uma alta dose de paciência.A crise lhe parece sufocante; não raras vezes, perde-se a esperança

de que um dia ela terminará. Finalizada a esperança, é que se coloca em dúvida a sobrevivência da empresa, e tragicamente até do empresário, em casos não tão raros.

Inobstante isso, ajustes (finos ou não) nos rumos de um negócio ne-cessitam de prazo adequado para que seus efeitos comecem a surtir:

“não importa quão grande o talento ou o esforço, algumas coisas levam tempo” (Warren Buffet).

E como alento consigne-se que, uma vez superada a crise, determina-da empresa e empresário sairão dela mais fortes do quando entraram; a crise, tal qual uma doença, quando vai embora tende a deixar determina-dos “anti-corpos” que, futuramente, auxiliarão a empresa na consecução e construção de um futuro mais próspero e saudável.

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Tomada de Decisões: Apontamentos

Por Vasco Maestri Trindade

Advogado, graduado em Direito pela Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2003) e Mestre em Administração de Empresas pela University of Hong Kong - HKU (2014)

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Tomada de Decisões: Apontamentos

Tomada de Decisões: Apontamentos

‘Alfred P. Sloan Jr. é um dos executivos mais reconhecidos da história, tendo liderado por décadas, a partir de 1923, a General Motors – GM na trajetória da empresa para se tornar a maior organização industrial do mundo. Relata-se que, em reunião de um dos comitês da GM, o Sr. Sloan dirigiu-se aos demais integrantes do órgão anunciando “Senhores, suponho que estamos todos plenamente de acordo com esta decisão”. Tendo os demais presentes demonstrado sua concordância com a afirmativa, o Sr. Sloan complementou “Proponho então que discussão adicional do tema seja adiada até a próxima reunião a fim de que tenhamos tempo para de-senvolver dissenso e eventualmente alcançar alguma compreensão sobre o que se trata a decisão.”1.

Normalmente, ignoramos o quanto nosso próprio pensamento e aquele do grupo estão interligados. As pessoas costumam repassar parte do trabalho cognitivo para outras, a quem confiam uma fração das in-formações necessárias para suas tarefas, supondo ainda que tais pessoas compartilham os dados que elas próprias têm. Há uma grande dificul-dade para as pessoas, inclusive, em discernir entre o seu conhecimento e aquele ao seu redor2: “nós tendemos a pensar que o que está em nossas cabeças está na cabeça de outros”3.

É natural assim para os seres humanos inferir sobre o pensamento dos outros de forma automática, o que permite o seu envolvimento em diversas atividades coletivas. Essa característica social da mente huma-na é assim fundamental para a colaboração entre as pessoas e pode ser indicada, provavelmente, como a razão para as maiores realizações da Humanidade. Contudo, confiar exageradamente no que supomos estar na mente dos outros equivale paradoxalmente a nos apoiar em última análise apenas no que pouco sabemos, uma superficialidade que nos im-pede de alcançar a uma consciência quanto ao pouco que sabemos e ao bastante que ignoramos.4

1. The Essential Drucker, p. 254.2. The Knowledge Illusion, Capítulo 6.3. The Knowledge Illusion P. 1284. The Knowledge Illusion, Capítulo 6.

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Tomada de Decisões: Apontamentos

No livro The Adventures of an IT Leader, as personagens Jim Barton e “o garoto” têm o seguinte diálogo: “Ao assumir uma nova tarefa, como aquela que foi a você atribuída, você deve...você deve se dar conta que há algumas categorias de coisas que você sabe, e outras coisas que não. E você deve saber o que está em cada categoria.” “Ah, entendi. Eu acho. Eu não tenho que realmente saber as coisas que eu não sei. Eu só tenho que saber o que são e me dar conta que elas estão na categoria “eu não sei”.”5

Em sentido similar, comentando sobre a reação do Presidente norte-a-mericano Harry S. Truman à invasão da Coreia do Norte à Coreia do Sul em 19506, os autores Neustadt and May reforçam a importância de referida distinção. Para os autores, é indispensável como etapa inicial de um processo decisório que seja levantado o que é Sabido, do que é Pouco Claro e do que é Suposto sobre os elementos relevantes, anotando tais pontos. O procedi-mento tem como objetivo definir primeiramente o porquê uma decisão é necessária, possibilitando em seguida se chegarem aos objetivos da decisão a ser tomada, ainda que, mesmo nesta etapa inicial, a avaliação do critério de relevância dos elementos será respaldada essencialmente em opiniões e pontos de vista, os quais poderão já abrir caminho para divergências.

A adoção de tal procedimento é benéfica por afastar o impulso por se tomar uma decisão imediata, com maior probabilidade de ser preci-pitada ou irrefletida. Complementarmente, estará se evitando que sejam adotadas soluções pré-prontas para o problema, que não se ajustam à si-tuação ainda não apropriadamente analisada. Por fim, é necessário ainda se desenvolver uma reflexão sobre se a há uma decisão a ser tomada, isto é, se as circunstâncias, porventura por terem se alterados, efetivamente exigem que uma ação seja tomada.

Com a pergunta sobre sua necessidade respondida e a identificação de seus objetivos, opções já podem ser criadas. Como destaca Peter F. Drucker “A menos que a pessoa tenha considerado alternativas, a pessoa tem uma mente fechada. (...) Decisões do tipo que um executivo tem que tomar não são feitas bem por aclamação. Elas são bem tomadas somente se baseadas no choque entre diferentes pontos de vista, a escolha entre defe-rentes julgamentos. A primeira regra na tomada de decisão exceto se haja discordância.”7 Com efeito, a discordância é importante para estimular a

5. The Adventures of na IT Leader, p. 24-25.6. Thinking in Time, p. 38.7. The Essential Drucker, p. 254.

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imaginação, a fim de se elaborarem soluções criativas para determinada situação, bem como essencial para que se reflita mais acuradamente sobre o problema, identificando-se falhas em um curso de ação ao ser contra-posto a outros.

Ao se estimular e até demandar confronto de ideias, há cuidados a serem observados. Com efeito, um conflito de perspectivas pode trans-bordar para o plano emocional, criando-se um conflito pessoal em dois níveis, intelectual e emocional, que, muitas vezes não podem mais ser dissociado. Recomenda-se assim que, em tais debates de perspectivas, sejam utilizadas construções gramáticas que busquem retirar o aspecto pessoal de qualquer contraposição, sejam reorganizados os grupos a fim de dividir os membros de eventuais coalizões que se formem e que as pessoas sejam requisitadas a rever fatos e premissas, a fim de que se dis-tanciem do foco exclusivo na contraposição de certos posicionamentos antagônicos de ideias que tenham se constituído no âmago do grupo.8

Contudo, um debate efetivo de ideias pode encontrar dificuldades em se desenvolver por vezes. Certas pessoas, seja por traços de personalida-de, seja por outras circunstâncias específicas, preferem se comportar de modo a se integrar melhor ao grupo a expressarem visões contrárias a outros participantes da discussão. Tais condutas podem resultar na con-clusão prematura do debate, antes de que haja uma geração e um exame suficiente de opções.9

Com efeito, conforme a pesquisa no ramo da psicologia das últimas décadas10, o que ocorre durante o processo decisório é uma construção e uma adaptação das regras relativas à decisão de forma oportunística. De-cisões não são tomadas com a simples aplicação de normas previamente estabelecidas, de cima para baixo. À medida em que as informações vão sendo angariadas, o agente pode identificar ou construir as alternativas de escolha que estão à sua disposição, ao mesmo tempo que elabora os critérios que pautarão sua decisão entre tais opções disponíveis.

O debate, contudo, não é uma exclusividade das decisões tomadas em grupos. Para o indivíduo tomar boas decisões, a literatura especializada também recomenda que um período de deliberação consigo próprio é necessária, na qual a pessoa possa avaliar as circunstâncias em diferentes

8. On Making Smart Decisions, p. 81 e ss.9. On Making Smart Decisions, p. 88 e ss.10. Die Psychologie der Entscheidung, p. 256.

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dimensões. O indivíduo não pode concluir que seja o único a ter o acesso ao julgamento correto, isolando-se das opiniões e dos pontos de vistas dos demais, e, principalmente, que sua posição “não está aberta à dis-cussão”, em vez de a considerar “uma questão de fatos, juízo e perspectiva, onde os indivíduos podem razoavelmente divergir”11.

A HeurísticaA heurística é definida como o “Mecanismo, com base no qual juízos

intuitivos, espontâneos, naturais sobre eventos e situações incertos são construídos”12. Isto é, a heurística trata basicamente de como o ser hu-mano corriqueiramente faz avaliações sobre o futuro, ou seja, de forma intuitiva ou com alguma ajuda da intuição. Dessa forma, ainda que não produza resultados sempre acertados, a heurística é suficiente para aten-der as questões que as pessoas enfrentam cotidianamente.

Enfim, a heurística simplifica a análise e a tomada de decisão em situações complexas, na medida em que o agente pode se concentrar em um número menor de informações que percebe como sendo de maior importância13. Tal mecanismo é essencial, portanto, para que as pessoas conduzam satisfatoria-mente suas vidas. No quadro abaixo, apresentam-se as regras de heurística mais comumente utilizadas pelos indivíduos na tomada de decisões, cujo exame evi-dencia como a heurística produz uma simplificação do processo de decisão.

11. Questions of Character, p. 179.12. Die Psychologie der Entscheidung, p. 132.13. Risiko, p. 4714. Die Psychologie der Entscheidung, p. 356.

Heurística14 Regra Situação Compatível Heurística do Quando só uma de duas Validade de Reconhecimento alternativas é conhecida, Reconhecimento > .50 escolha a conhecida. (Correlação entre Critério e Reconhecimento) “Take the Best” (1) Procura de Cues por Grande variação da Validade Validação; das = Cues; Alta (2) Conclusão, na medida redundância em que uma Cue é das Cues identificada; (3) Escolha da Alternativa com a Cue positiva.

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“Tallying” Contagem do número de Baixa variação da validade Cues positivas e escolha a das Cues; baixa redundância Alternativa com o maior das Cues. número. Heurística da Escolha a alternativa com Opções Inseguras (Loterias) Priorização o retorno mínimo mais alto, com aproximadamente o ou verifique as probabilidades mesmo valor esperado dos retornos mínimos e dos retornos máximos. Heurística da Escolha a alternativa, que Correlação entre o Critério e Fluência pode ser reconhecida mais a Velocidade de rapidamente. Processamento (Reconhecimento, Familiaridade) 1/N – Heurística Divida os recursos Nenhuma diferença disponíveis em iguais partes dominante entre a utilidade dentre todas as N Alternativas dos recursos (p.ex. justiça social) Heurística da Comporte-se, como a Imitação maioria se comporta Adaptação às normas sociais Heurística do Comporte-se em relação aos Cooperação social “Olho por Olho” outros, da forma como os outros se comportam em relação a você

Heurística14 Regra Situação Compatível

A eficácia da heurística decorre de uma capacidade mental que foi se aperfeiçoando simultaneamente ao desenvolvimento do próprio cé-rebro humano. A esta faculdade mental, veio se acrescentar em período mais recente, a ferramenta matemática da probabilidade e da estatística, possibilitando um olhar para o futuro bem mais preciso, no contexto do processo de tomada de decisões. A disponibilidade desse instrumental, por vezes, leva muitos, principalmente no campo acadêmico, a menos-prezarem, contudo, a capacidade da heurística em julgar apropriadamen-te a maior parte das situações, inclusive com maior êxito do que com a utilização de ferramental mais técnico ou científico.15

O êxito profissional e a capacidade de liderança passam, na opinião de alguns autores, principalmente pela competência em utilizar a regra

15. Risiko, p. 48 e seguintes.

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heurística que se adapte melhor a cada situação. Concomitantemente, pode ser apontado que tais pessoas de sucesso podem ainda se beneficiar da identificação de regras gerais ou de ouro, que tenham se mostrado efi-cientes, as quais são adotadas como pontos norteadores para a sua ação e decisão. O autor Gerd Gigerenzer16 destaca por exemplo as normas gerais adotadas por um empresário norte-americano de sucesso17:

Pessoas: • Primeiroouça,depoisfale. • Quandoumapessoanãoéhonestaeconfiável,orestoéirrelevan-

te. • Incentiveaspessoasatomaremriscoseasautorizeelasatomar

decisões e a assumir a responsabilidade pelas mesmas.

Estratégia: • Inovaçãoéomotordosucesso. • Vocênãopodeapostarnasegurançaevencer.Umaanálisetam-

bém não reduzirá a incerteza. • Naavaliaçãodeumplano,aspessoassãotãoimportantesquanto

o plano.

Nesse sentido, tais normas inclusive podem entregar melhores resul-tados que avaliações mais complexas. Para serem úteis, todavia, as regras de ouro precisam ser efetivamente gerais, não ficando adstritas a situa-ções muito específicas. Assim, a regra de ouro pode auxiliar o indivíduo a identificar a informação que realmente importa em uma situação de decisão, ao passo que avaliações mais complexas podem não ter um foco tão preciso, em uma real situação em que o menos é mais.

Diante disso, a intuição deve ser reabilitada, pois a visão das pesso-as sobre a intuição é muitas vezes equivocada. A intuição não é assim irracional. A intuição pode ser inconsciente, mas contém a inteligência da experiência pessoal, bem como das regras gerais que pautam nosso comportamento.18

16. Risiko, p. 159 e seguintes.17. Ray Stata, co-fundador da Analog Devices; Risiko, p. 159-160.18. Risiko, p. 167.

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Complementarmente, o pensamento racional e lógico nem sempre é mais efetivo que a intuição. Geralmente, o pensamento lógico ou esta-tístico tem um melhor desempenho em situações em que o risco pode ser calculado, isto é, com riscos conhecidos. Já a intuição e as regras de ouro são uma ferramenta bastante adequada para enfrentar a situações indefinidas.

Em resumo, supõe-se que a intuição opera através de em uma pon-deração complexa das informações à disposição do indivíduo. Todavia, o entendimento é que as regras que orientam a intuição são simples. Por tudo isso, a desconfiança popular quanto à intuição se mostra justificada efetivamente apenas nas circunstâncias em que os riscos são conhecidos.

De todo modo, o processo de se tomarem decisões baseadas na heu-rística está sujeito a algumas armadilhas. Com efeito, para as pessoas usualmente podem passar desapercebidos os preconceitos, estimativas, prognósticos e fatos equivocados que são processados em suas pondera-ções. Podem ser identificadas diferentes espécies de ditos enganos, que permitem sua classificação em categorias diferentes, que facilitam a pre-venção quanto à sua ocorrência.

Uma primeira categoria trata dos erros de representatividade, nos quais a intuição e a lógica normalmente se desencontram, de modo que a maior parte das pessoas ignora princípios probabilísticos como risco, dimensão da amostragem, a probabilidade de ocorrência de coincidên-cias, probabilidade de ocorrência de eventos conjuntos e regressão para a média. Tomando como exemplo este último caso, se alguém joga tênis com um amigo, que é melhor jogador, quanto maior o número de jo-gos entre os dois, maior a probabilidade do melhor jogador ganhar um maior número de jogos do pior jogador, já que o evento mais provável é a vitória do melhor jogador sobre o pior jogador. É constatado, contudo, que a maior parte das pessoas avalia como sendo indiferente o número de jogos a serem disputados entre os dois para tal resultado, relevando o fato de que “em qualquer série de eventos aleatórios, há uma grande pro-babilidade de um acontecimento extraordinário ser seguido, em virtude puramente do acaso, por um acontecimento mais corriqueiro”19.

Em sentido parecido, sobrestimamos a probabilidade de eventos com os quais tenhamos mais familiaridade. Assim, os eventos cuja ocorrên-cia chegue com mais frequência ao nosso conhecimento, ou que nos im-

19. https://pt.wikipedia.org/wiki/Regressão_à_média

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pressionem mais, parecerão como sendo mais prováveis, ainda que não representem uma amostragem adequada das ocorrências em geral. Por exemplo, hipoteticamente, se um maior número de notícias sobre chuva de granizo seja veiculado, suporemos que este evento é mais provável que as quedas de raios, ainda que não seja.

Em situações de indefinição, principalmente nos casos em que o indi-víduo tem pouca informação ao seu dispor ou não possui resposta acessí-vel, quaisquer indícios que forem oferecidos para que possa montar o seu juízo serão provavelmente incorporados ao processo heurístico, desem-penhando a função de uma âncora. Dessa forma, qualquer dado recebido, ainda que sabidamente aleatório, será usado pela pessoa como parâmetro para sua avaliação da questão. Assim, se a alguém forem apresentados de forma transparente números de uma empresa em um cenário de condi-ções ideais, ficará mais difícil para essa mesma pessoa de imaginar os nú-meros dessa mesma empresa em um cenário de normalidade, na medida em que os números inicialmente visualizados agirão como âncora em sua mentalização, podendo esse efeito ser reduzido na medida em que outros cenários da empresa também lhe forem introduzidos, com a redução da influência da primeira âncora.20

Decisões vs. TempoNo processo decisório, atenção deve ser dada ainda a um mecanismo

mental baseado na distância psicológica, que é analisado pela Construal Le-vel Theory. Eventos, memórias e pessoas são imaginados de forma diferente pelos seres humanos, conforme aqueles estejam próximos ou distantes refe-rencialmente aos indivíduos em questão. Referida “distância” em relação ao indivíduo não diz respeito unicamente ao aspecto temporal – distância entre o momento atual e o momento posterior ou anterior -, podendo se referir também aos planos espacial – distância geográfica em relação à posição atual -, social – distância de status social - e hipotético – verossimilhança da situa-ção imaginada tomando como referência o momento presente.21

Desse modo, ao imaginar a situação futura ou passada, em função do contexto de tempo, espaço, diferença social e grau hipotético de referi-da situação, acima mencionado, caberá à pessoa realizar uma “viagem mental” maior ou menor. Quanto mais “longa” for dita viagem mental,

20. Die Psychologie der Entscheidung, p. 138 e ss.21. Die Psychologie der Entscheidung, p. 76.

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mais idealizada e menos detalhada será a imaginação da situação, ou seja, maior o grau de abstração que será exigido do indivíduo resultando em uma ideia mais imprecisa e homogênea (representação de alto nível). Por outro lado, a imaginação de um evento mais familiar e próximo ao indiví-duo gerará mais detalhes com maior vivacidade, ou seja, uma imaginação mais concreta (representação de baixo nível).

O grau de idealização de uma representação de alto nível conduz a um resultado menos real, impedindo que se antecipem equívocos e in-consistências em seu conteúdo, inclusive, com a utilização de otimismo exagerado em tal ideação. Na representação de baixo nível, por exemplo, ao se imaginar um evento que acontecerá no dia seguinte, grande parte dos aspectos adversos esperados serão incorporados no exercício mental, ponto que provavelmente não estará integrado em uma representação de alto nível. Diante disso, decisões que envolvam situações mentalmente longínquas devem ser tratadas com maior cuidado, na medida em que as premissas vinculadas às representações de alto nível têm uma maior pro-babilidade de estarem equivocadas (por exemplo, a capacidade de uma empresa de atender um compromisso em data futura).

Uma medida, sugerida na obra Thinking in Time, que pode mitigar as dificuldades originadas de tal aspecto psicológico é pensar as circuns-tâncias que envolvem a decisão em um fluxo temporal, isto é, olhar “para uma questão com um senso tanto do passado como do futuro”22. Referido exercício possibilita primeiramente se extrair o potencial do passado de predizer algo do futuro, pois “o futuro não tem lugar de onde vir exceto do passado”23, permitindo ainda identificar as situações e tendências presen-tes que podem alterar o rumo histórico mais esperado. Por fim, esse olhar facilita a oscilação do pensamento entre o passado e o futuro, autorizan-do uma comparação mais rigorosa, com um olhar mais crítico em relação às projeções e às idealizações em relação ao futuro.

Considerações FinaisGerhard Roth24 ressalta que as emoções têm grande influência no

processo decisório, diminuindo por exemplo a cautela do indivíduo com relação a determinados riscos. O indivíduo pode inclusive se orientar no

22. Thinking in Time, p. 249.23. Thinking in Time, p. 251.24. Persönlickeit, Entscheidung und Verhalten, p. 157.

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sentido de uma decisão mais cooperativa, ainda quando a melhor decisão pudesse ser adotada sem que se atentasse para esse aspecto social. Muitas vezes então, os indivíduos tomam decisões com base em padrões usuais de conduta, com caráter eminentemente emocional, apresentando a lite-ratura especializada estratégias para maior rigor em tais decisões:

• “Sempreverifiqueafimdeconfirmarsevocêestáexaminandotoda a evidência com rigor equivalente. Evite a tendência de acei-tar evidência que confirme sua posição sem questionar.

• Chamealguémquevocêrespeitaparafazeropapeldeadvogadodo diabo, para argumentar contra a decisão que você está con-templando. Ainda melhor, crie você mesmo os contra-argumen-tos.Qualéarazãomaisforteparafazeralgodiferente?Asegun-darazãomais forte?Aterceira?Considereaposiçãocomumamente aberta.

• Sejahonestoconsigomesmosobreosseusmotivos.Vocêestáreal-mente reunindo informações que ajudem você a tomar uma deci-são inteligente, ou você está só procurando por evidência confir-mandooquevocêimaginaquegostariadefazer?

• Nabuscadoconselhodosoutros,nãopeçaporperguntastenden-ciosas que convidem evidência de confirmação. E se você encon-trar um conselheiro sempre apoia o seu ponto de vista, encontre um novo conselheiro. Não se cerque de “yes-men”.”25

Em todo caso, cabe se ter em consideração a advertência, novamente de Roth26, sobre a dificuldade de mudarmos nossos traços de personali-dade, os quais têm grande impacto em como decidimos. Com efeito, o que desencadeia ao fim e ao cabo a mudança é o inconsciente e o siste-ma límbico, não sendo tal iniciativa dependente simplesmente de força de vontade. Ainda conforme o autor, apenas em situações específicas, tal mudança é possível.

Psicoterapia e relacionamento em um casal poderiam ser considera-dos como a primeira possibilidade para mudança de personalidade, ba-seadas em uma relação de vínculo ou de confiança entre duas pessoas. As outras hipóteses apontadas através da identificação de um modelo de

25. ‘On Making Smart Decisions, p. 11.26. Persönlickeit, Entscheidung und Verhalten, p. 157.

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comportamento a ser seguido, a segunda seria por meio da fixação de metas claras, e a última seria por meio de pequenos passos combinados com gratificação de tais esforços. Por tudo isso, em função da complexi-dade dos processos comportamentais envolvidos na tomada de decisões, fica claro que o aprimoramento de tal capacidade é desafio tanto psicoló-gico como intelectual.

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 2018 67

Tomada de Decisões: Apontamentos

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Notas Sobre A (In)Efetividade do Sistema de Aplicação da Lei no Mercado de Capitais Brasileiro

Por Eduardo Matzenbacher Zarpelon

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2003); Especia-lista em Direito Empresarial pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2009); LL.M. em Direito Corporativo pelo Instituto do Mercado de Capitais - IBMEC-RJ (2013); Mes-trando em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP).

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Notas Sobre a (In) Efetividade do Sistema de Aplicação da Lei no Mercado de Capitais Brasileiro

Notas Sobre a (In)Efetividade do Sistema de Aplicação da Lei no Mercado de Capitais Brasileiro

Sumário. 1. Introdução. 2. Ação de responsabilidade contra os acionistas controladores. 3. Ação de responsabilidade con-

tra administradores. 4. Ação coletiva de reparação de danos aos investidores. 5. Conclusões. 6. Bibliografia.

1. Conforme lição basilar do Prof. Luis Gastão Paes de Barros Leães (in: Mercado de capitais e insider trading. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. Apud MUNHOZ, Eduardo Secchi. A importância do sistema de solução de conflitos para o direito societário: limites do instituto da arbitragem. In YARSHEL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti (coords.). Processo Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 80). Na mesma linha, ressaltam LA PORTA, LOPEZ-DE-SILANES, SHLEIFER e VISHNY que “public and private institutions are less effective in countries exhibiting low levels of trust among citizens” (in: Legal Determinants of External Finance. The Journal of Finance. v. LII, n. 3, jul. 1997. Disponível em: <http://scholar.harvard.edu/shleifer/files/legaldeterminants.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2015).

2. Nesse sentido, EIZIRIK afirma que “os objetivos da regulação, orientados pelo interesse público, são os seguin-tes: proteção aos investidores; eficiência do mercado; criação e manutenção de instituições confiáveis e compe-titivas; evitar a concentração de poder econômico; impedir a criação de situações de conflitos de interesse.” (In: Mercado de Capitais: Regime Jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008).

3. Legal Determinants of External Finance. The Journal of Finance. v. LII, n. 3, jul. 1997. Disponível em: <http://scholar.harvard.edu/shleifer/files/legaldeterminants.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2015.

1. IntroduçãoO elemento central necessário para o desenvolvimento – e o funciona-

mento – dos mercados de capitais é a confiança das partes “nas regras do jogo e na conduta dos jogadores”1. Isso decorre da própria função econô-mica desempenhada por esses mercados, que, em linhas gerais, consiste na criação de um ambiente propício à aproximação entre partes deficitá-rias e partes superavitárias de recursos financeiros, de modo que aquelas possam desenvolver seus projetos e estas possam auferir lucros a partir do investimento de seu capital. A confiança passa a ser, então, bem jurí-dico tutelado pelo direito, ensejando o surgimento de normas que visam garantir o cumprimento das regras legais no âmbito dos mercados2.

A importância dos mecanismos de proteção dos investidores – e, em última análise, de sua confiança no sistema de mercado – restou eviden-ciada por LA PORTA, LOPEZ-DE-SILANES, SHLEIFER e VISHNY, em estudo empírico realizado em 19973. De acordo com essa pesquisa, o grau

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de desenvolvimento dos diferentes mercados de capitais estaria relacio-nado, diretamente, com o nível de proteção aos investidores conferido pelo sistema legal de cada país4, de modo que, quanto maior a proteção, maior seria a dispersão acionária e, pois, maior seria o desenvolvimento do mercado.

Em trabalho posterior, os mesmos autores identificaram quatro gran-des modelos societários adotados pela maior parte dos países, quais sejam, o sistema inglês ou norte-americano, o sistema germânico, o es-candinavo e o francês (no qual o Brasil estaria inserido). Novamente, o desenvolvimento do mercado foi relacionado ao grau de dispersão acio-nária, de modo que o sistema inglês de common law foi referido como o que ofereceria maior proteção para investidores e credores e, portanto, teria mercado de capitais mais desenvolvido. Na mesma linha, o siste-ma francês seria o que propiciaria menor proteção aos investidores, e os sistemas alemão e escandinavo estariam em posição intermediária, sen-do utilizados por menor número de países. O que se observou em cada um desses sistemas foi, em síntese, os direitos conferidos aos acionistas para que possam obter retorno de seus investimentos frente aos insiders. Exemplos desses direitos são o direito de voto na eleição dos administra-dores e outras matérias relevantes e o direito de propor demandas especí-ficas contra a sociedade, para buscar indenização por eventuais prejuízos suportados, direta ou indiretamente, por eles.

Uma nova perspectiva sobre os diferentes sistemas legais de regulação do mercado foi apresentada, em 2005, por Ronald Gilson5, segundo o qual os modelos societários de capital concentrado podem ser tão efi-cientes quanto os de capital disperso. Contrapondo os dados dos modelos sueco (de grande concentração acionária) e norte-americano (de altíssi-ma dispersão de capital), Gilson observou que, no sistema de controle concentrado, o acionista controlador tem maior incentivo para fiscalizar os administradores, ou mesmo, para ele próprio assumir a administração da companhia, reduzindo a possibilidade de obtenção de benefícios par-ticulares pela administração.

4. “We have strong evidence that the legal environment has large effects on the size and breadth of capital markets across countries” (LA PORTA et al. Legal Determinants of External Finance. The Journal of Finance. v. LII, n. 3, jul. 1997. Disponível em: <http://scholar.harvard.edu/shleifer/files/legaldeterminants.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2015).

5. Cf. Controlling Shareholders and Corporate Governance: Complicating the Comparative Taxonomy. European Corporate Governance Institute (ECGI). Law Working Paper Series. Working Paper n. 49/2005. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=784744>. Acesso em: 07 nov. 2015.

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Para GILSON6, então, o elemento distintivo essencial entre os diver-sos sistemas é a sua maior ou menor tolerância em relação à obtenção de benefícios particulares pelos acionistas controladores, podendo, pois, haver modelos societários de capital concentrado eficientes ou ineficien-tes. Para o autor, quanto menor o número de ações detidas pelo controla-dor, maior seria o incentivo para ele usar o controle para obter benefícios particulares. Assim, o que os acionistas não controladores e investidores em geral devem avaliar, ao comprar títulos de uma companhia de capital concentrado, é se os custos de agência mitigados pela existência de um acionista controlador – por exemplo, com a maior fiscalização dos admi-nistradores – são menores ou maiores do que os benefícios particulares obtidos pelo controlador a partir de sua maior participação. Para possibi-litar essa avaliação dos investidores e, com isso, minimizar a ineficiência dos sistemas de controle concentrado, os sistemas legais devem estabele-cer: (a) padrões de conduta que tornem ilícita a obtenção de benefícios particulares pelos controladores; (b) disclosure das informações que per-mitam a fiscalização dos benefícios particulares obtidos pelos controla-dores, inclusive incentivando entidades que promovam maior exposição das informações para o mercado; e (c) regras de enforcement, em nível público e privado, para possibilitar uma atuação efetiva contra o descum-primento das normas7.

Desse modo, a possibilidade de se buscar o cumprimento forçado das regras de direito societário (enforcement) também passa a ser vista como elemento essencial para medição da eficiência de qualquer sistema legal de mercado. Sem essas normas de caráter processual, não há como se garantir a efetiva proteção dos investidores. Nesse sentido, leciona MU-NHOZ que “as normas de direito material não fincam raízes na realidade, se não forem acompanhadas dos instrumentos necessários para assegu-

6. O trabalho de GILSON tomou por base pesquisa empírica realizada por DYCK e ZINGALES, segundo a qual “quanto maior a diferença entre o valor das ações integrantes do bloco de controle em relação às demais, maior a capacidade de o acionista controlador extrair para si benefícios privados do controle e, por consequência, menor a eficiência do modelo societário” (cf. MUNHOZ, Eduardo Secchi. A importância do sistema de solução de conflitos para o direito societário: limites do instituto da arbitragem. In YARSHEL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti (coords.). Processo Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 81).

7. “Improving the legal system generally involves eliminating deficiencies in three areas – the statement of the standards that make significant pecuniary private benefits of control unlawful; the disclosure process that allows pecuniary private benefits of control to be observed by those who have the power to enforce the legal standard; and the public and private enforcement mechanisms available to prosecute violations.” (GILSON, R. Controlling Shareholders and Corporate Governance: Complicating the Comparative Taxonomy. European Corporate Governance Institute (ECGI). Law Working Paper Series. Working Paper n. 49/2005. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=784744>. Acesso em: 07 nov. 2015).

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rar o seu cumprimento. Por isso, além da qualidade do direito societário (direito material), é imprescindível analisar a eficiência do sistema que se destina a assegurar o cumprimento de suas normas”8.

No Brasil, o prêmio elevadíssimo normalmente pago pelas ações inte-grantes de bloco de controle das companhias indica o enorme potencial de obtenção de benefícios particulares pelos acionistas controladores, tornando evidente a ineficiência do sistema de enforcement das regras de direito societário, de acordo com a classificação de GILSON. Afora os fatores conjunturais e culturais que afetam, de modo geral, a efetivida-de dos procedimentos administrativos e judiciais no país – tais como a morosidade, a precariedade de infraestrutura, a falta de qualificação dos profissionais atuantes nos órgãos judiciários, o alto grau de improbidade, entre outros –, no caso da aplicação das normas de direito societário, há também dificuldades técnicas específicas decorrentes de deficiência na própria previsão legislativa dos institutos destinados ao enforcement dessas regras.

No presente trabalho, sem a pretensão de esgotar a matéria, exami-naremos, em linhas gerais, as principais críticas levantadas em face da efetividade das regras para responsabilização dos administradores e con-troladores, na esfera civil, obtida, essencialmente, através (a) da ação de responsabilidade contra os acionistas controladores, (b) da ação de res-ponsabilidade contra os administradores de companhias e (c) da ação coletiva de reparação de danos aos investidores.

2. Ação de Responsabilidade Contra os Acionistas Controladores

A Lei das S/A estabelece um regime próprio de responsabilidade em face do acionista controlador, decorrente do descumprimento dos deve-res que lhe são impostos, por sua condição especial de titular do poder de direção das atividades sociais, com reflexos diretos no patrimônio dos demais acionistas e de terceiros com quem a companhia tenha algum tipo

8. E o mesmo autor complementa: “O sistema destinado a assegurar o cumprimento das normas societárias é integrado por diferentes elementos. Primeiro, o chamado direito processual societário, assim entendidas as medidas previstas especificamente pelo direito societário para assegurar o cumprimento das garantias nele previstas […]. Segundo, o direito processual em sentido amplo, que há de assegurar os princípios do devido processo legal […]. Terceiro, as instituições encarregadas de fiscalizar e aplicar sanções no caso de violação das normas societárias. Quarto, os mecanismos de solução dos conflitos societários” (MUNHOZ, Eduardo Secchi. A importância do sistema de solução de conflitos para o direito societário: limites do instituto da arbitragem. In YARSHEL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti (coords.). Processo Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 82).

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de relação9. A razão dessa distinção é bem esclarecida pela brilhante lição de COMPARATO10, o qual destaca os aspectos essenciais que caracteri-zam o “poder-dever” de controle:

“Ora, a propriedade dinâmica, ou controle sobre bens de produção, não tem por objetivo a fruição, mas a produção de outros bens ou serviços e, por isso mesmo, implica, necessariamente, uma relação de poder sobre outros homens, na medida em que a produção sai da fase artesanal para a indus-trial. A propriedade dinâmica dos bens de produção é a que se realiza sob a forma de empresa. Perante uma propriedade desse tipo, a problemática fun-damental não é a de proteção e tutela contra turbações externas, mas sim a de fiscalização e disciplina do seu exercício, a fim de se evitar o abuso ou desvio de poder […]. A sociedade não é o empresário, isto é, titular do poder de controle, mas o ‘titular da empresa’. A ligação da pessoa jurídica aos bens sociais não é de poder (plena in re potestas) e sim de mera pertinência. Os bens sociais pertencem à sociedade, mas quem detém sobre eles o poder de disposição é o empresário, ou seja, o titular do controle. […] O titular do poder de controle exerce, efetivamente, como sustentou Champaud, a dis-posição dos bens alheios e, por isso mesmo, essa ‘propriedade, sob a forma de empresa’ não somente tem uma função social, mas é uma função social. A atividade empresarial deve ser exercida pelo empresário nas sociedades mercantis, não no interesse próprio, mas no interesse social, isto é de todos os sócios uti socii. Trata-se, portanto, de um poder-dever, a meio caminho entre o jus e o munus.”

9. Nesse sentido, o parágrafo único do artigo 116 da Lei das S/A estabelece que “O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”

De outra parte, o parágrafo primeiro do artigo 117 arrola diversas modalidades de exercício abusivo do poder de controle, a saber: a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional; b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tec-nicamente; e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembléia-geral; f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas; g) aprovar ou fazer aprovar contas irregu-lares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade; h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia.

Além disso, as Instruções CVM 323/2000 e 319/1999 definem outras hipóteses de exercício abusivo do poder de controle para companhias abertas.

10. In: O Poder de Controle na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 130-131.

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A própria Lei acionária estabelece, em seu artigo 24611, a ação cabível para apuração de responsabilidade do acionista controlador pela infração de algum dos deveres já referidos. Em essência, como anota EIZIRIK12, “constitui abuso de poder de controle qualquer decisão que não tenha por finalidade o interesse social, mas que vise a beneficiar exclusivamente o acionista controlador ou uma das sociedades integrantes do grupo, em detrimento da companhia, dos acionistas minoritários e dos demais in-teresses que ele tem o dever de preservar”13. Todavia, diversas controvér-sias na interpretação desse dispositivo e, mesmo, a repartição iníqua dos riscos e ganhos dessa medida acabam por inibir a utilização do instituto.

Um primeiro ponto a se considerar diz respeito ao próprio alcance subjetivo dessa ação, ou seja, se poderia ser intentada apenas contra “so-ciedades controladoras”, ou se também contra acionistas controladores que sejam pessoas naturais. Isso porque a previsão em tela está inserida na Seção III do Capítulo XX da Lei, que trata da “Responsabilidade dos Administradores e das Sociedades Controladoras”, sendo que o caput do artigo 246 faz menção apenas à obrigação de reparar atribuída à socie-dade controladora inserida no contexto dos grupos de fato e de direito, sem fazer qualquer ressalva ou distinção em relação à responsabilidade do acionista controlador pessoa natural. Embora a interpretação literal ainda seja acolhida por parte da doutrina14, a interpretação sistemática do instituto tem predominado na doutrina e na jurisprudência, eis que, no contexto dos dispositivos, não faria sentido o legislador restringir a possibilidade de reparação de danos aos controladores pessoas jurídicas.

No que tange à definição de quem seria o acionista controlador, o arti-go 116 da Lei das S/A relaciona os requisitos legais para a configuração do controle, quais sejam: (a) possuir a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral, de modo “permanente”; (b) o poder de eleger a maioria

11. Art. 246. A sociedade controladora será obrigada a reparar os danos que causar à companhia por atos pratica-dos com infração ao disposto nos artigos 116 e 117. § 1º A ação para haver reparação cabe: a) a acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social; b) a qualquer acionista, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogado devidos no caso de vir a ação ser julgada improcedente. § 2º A sociedade controladora, se condenada, além de reparar o dano e arcar com as custas, pagará honorários de advogado de 20% (vinte por cento) e prêmio de 5% (cinco por cento) ao autor da ação, calculados sobre o valor da indeniza-ção.

12. A Lei das S/A Comentada. v. II – Arts. 121 a 188. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 367.13. No mesmo sentido, salienta DOMINIQUE SCHMIDT que, “para caracterizar o abuso, basta constar que o

oponente tem por desejo satisfazer um interesse pessoal contrário a seu interesse de sócio” (apud ADAMEK, M. V. Abuso de minoria em direito societário. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 96).

14. ARAGÃO, Paulo Cézar. Aspectos Processuais da Legislação Societária. Revista dos Tribunais. v. 641, a. 78, 1989, p. 61-71.

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dos administradores; e (c) o uso efetivo do poder para dirigir as ativida-des sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Desse modo, como ensina EIZIRIK15, “o poder de controle da companhia cons-titui um poder de fato, não um poder jurídico, uma vez que não decorre de norma jurídica”, sendo que o acionista controlador somente detém o poder de controle “enquanto for titular de direitos de voto em número suficiente para assegurar a maioria nas deliberações da assembleia geral”. No que tange ao caráter “permanente” do controle sugerido pela referida norma legal, o mesmo autor sugere que se observe a orientação da re-vogada Resolução nº 401/1976 do Conselho Monetário Nacional, a qual estabelecia como critério de controle o exercício da maioria absoluta dos votos nas três últimas assembleias gerais16.

Por outro lado, a legitimação ativa dessa ação foi atribuída a acionistas que representem 5% ou mais do capital social17, ou a qualquer acionista, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogado que serão devidos em caso de improcedência da ação18.

No que tange à exigência de caução, a mens legis se refere à tentativa de se evitar, no país, a propagação das chamadas strike suits, comuns no sis-tema norte-americano, em que acionistas minoritários ajuízam demandas em massa contra companhias em que investem seu capital, sem maiores cautelas ou certeza de seu direito, com o fim de elevar seu poder de bar-ganha frente aos administradores e de buscar vantagens indevidas em face das companhias19. Contudo, afora a inadequação prática dessa exigência para o mercado de capitais brasileiro, ainda incipiente e com enorme con-centração acionária, a doutrina diverge, ainda, quanto à recepção dessa exi-

15. A Lei das S/A Comentada. v. II – Arts. 121 a 188. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 363.16. EIZIRIK lembra, ainda, que este foi o critério adotado também pelos Regulamentos do Novo Mercado e dos

Níveis 1 e 2 de listagem da BM&FBOVESPA, assim como do segmento Bovespa Mais (ibidem).17. Vale destacar que, de acordo com o art. 291 da Lei das S/A, a CVM poderá reduzir esse percentual, “mediante

fixação de escala em função do valor do capital social”.18. Neste ponto, CARVALHOSA lembra que “o fundamento para a outorga da legitimidade originária aos mino-

ritários é que se presume que os administradores, eleitos pela controladora, não promoverão ação de respon-sabilidade, na forma dos procedimentos assembleares previstos no art. 159.” (Comentários à lei de sociedades anônimas, 4º volume, tomo II: artigos 243 a 300. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 70.

19. Tal estratégia de abuso de minoria é assim descrita por ADAMEK: “De outro lado, pode também a investida ju-dicial do sócio inserir-se no contexto de táticas obstrucionistas e, assim, encorpar uma mui nefasta modalidade de abuso – pela qual o sócio almeja, através da obtenção de liminares com espectros os mais diversos, da im-pugnação aos atos dos gestores e do ataque a atos assembleares hígidos, apenas causar embaraços à sociedade, aos demais sócios e aos administradores e demais titulares de órgãos – e, neste caso, já então estar-se-á diante das famosas ações de combate (strike suits), ações cujo propósito imediato é paralisar ou dificultar o bom anda-mento dos negócios sociais para, de forma mediata, conseguir o sócio hostil uma vantagem indevida qualquer: ter suas participações adquiridas sob condições vantajosas, ou comprar barato a parte dos demais; guindar-se à posição de titular de órgão; sujeitar a sociedade à sua política de negócios ou à sua visão de mundo etc. – vencer, em qualquer caso, pelo cansaço.

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O fenômeno do uso disforme de medidas judiciais é hoje universal, mas no passado teve marcante repercussão sobretudo no direito norte-americano, onde a excessiva facilitação à propositura de ações derivadas pelos sócios (derivative suits) trouxe como consequências indesejadas o abuso e a desvirtuação do instituto, que se trans-formou em fonte de chantagem. Movidos somente pelo desejo de obter ganhos econômicos pessoais, certos indivíduos, litigantes profissionais (impugnatori di profissioni), especializaram-se em detectar falhas cometidas na gestão das sociedades para, na sequência, adquirirem participações societárias e, com isso, poderem então processar os administradores, auferindo, assim, resultados financeiros expressivos, por conta de acordos cele-brados […]” (Abuso de minoria em direito societário. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 204-205).

20. Cf. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas, 3º volume: artigos 138 a 205. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 393.

21. “[…] RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ACIONISTAS CONTROLADORES. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 159 DA LEI N. 6.404/76. AÇÃO INDIVIDUAL. DANOS CAUSADOS DIRETAMENTE À SOCIEDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ACIONISTA. […] 3. Aplica-se, por analogia, o procedimento previsto no art. 159 da Lei n. 6.404/76 às ações que visam responsabilizar os controladores da companhia por danos decorrentes de abuso de poder. 4. É parte ilegítima para ajuizar a ação individual o acionista que sofre prejuízos apenas indire-tos por atos praticados pelo controlador/administrador da sociedade. Inteligência do § 7º do art. 159 da Lei n. 6.404/76 . Se os danos são causados diretamente à companhia, cabível é a ação social, obedecidos os requisitos exigidos pelos §§ 3º e 4º daquele dispositivo legal. 5. Recurso especial provido. (STJ, REsp nº 1.214.497/RJ, 4ª Turma, Relator Min. João Otávio de Noronha, julgado em 23 set. 2014, publicado no DJe em 06 nov. 2014).

gência pela Constituição de 1988, que garante ampla apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV)20.

Finalmente, destaca-se que o objeto dessa ação é a reparação de “da-nos causados à companhia”, e não aos acionistas não controladores que, eventualmente, tenham suportado algum prejuízo indireto em face da atuação do controlador. Na tentativa de fomentar esse tipo de demanda de acionistas realmente interessados na boa condução dos negócios so-ciais, a Lei estabelece prêmio de 5% sobre o valor de indenização devido à companhia a ser pago pelo controlador ao acionista autor da ação, em caso de êxito. A crítica que se faz a esse instituto é de que, dado o reduzi-do número de demandas já ajuizadas envolvendo abuso de controladores, esse prêmio não seria suficiente para estimular o ajuizamento dessas ações pelos acionistas não controladores. Na prática, os potenciais benefícios desse tipo de demanda acabam não sendo suficientes para compensar os altos custos envolvidos com as ações (com a contratação de advogados, eventual realização de perícia, entre outros), a demora na sua tramitação, a exigência de caução, o ônus de provar os fatos constitutivos do direito à indenização. Os investidores acabam preferindo trocar as ações por tí-tulos de outras companhias, ou mesmo, computar as perdas decorrentes dos abusos dos controladores nos riscos do investimento.

Por fim, vale destacar entendimento jurisprudencial que vem se con-solidando, no sentido de que a ação individual de reparação de prejuízos suportados por acionista em face da atuação dos administradores (art. 159, § 7º, da LSA) deve ser estendida, por analogia, aos casos de danos individuais diretos decorrentes da atuação dos acionistas controladores21.

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Tal entendimento tem por base a inexistência de disposição expressa tra-tando do tema na própria Lei das S/A, bem como regra de hermenêu-tica no sentido de que, em microssistemas jurídicos, devem prevalecer, internamente, as normas criadas especificamente para o microssistema. Ou seja, mesmo havendo norma legal expressa, na legislação civil, esta-belecendo o dever de reparação de danos diretamente causados a outrem, é preferível a aplicação analógica interna das regras do próprio microssis-tema, de modo a manter a sua harmonia e estabilidade22.

Destarte, percebem-se, no dispositivo em foco, diversas deficiências e óbices adredemente criados pelo legislador, com o fim de inibir o abuso de minoria em face dos acionistas controladores. Dentre os exemplos já citados, destacam-se a identificação do sujeito passivo da ação de respon-sabilidade dos controladores, em caso de grupo de sociedades; a possi-bilidade de se utilizar essa mesma ação em caso de controlador pessoa natural; a exigência de prestação de caução como condição para o ajuiza-mento da ação; as dificuldades de produção de prova pelos não contro-ladores dos danos a serem indenizados à companhia; e a inexistência de previsão legal expressa que ampare pretensão reparatória individual de acionistas não controladores.

22. Sobre o tema, vale destacar a lição de ANA FRAZÃO, segundo a qual “apesar de controladores e administradores exercerem diferentes funções e níveis de poder na condução dos negócios sociais das companhias, têm em comum a circunstância de serem gestores da atividade empresarial. Estão, portanto, sujeitos aos mesmos princípios da ordem econômica constitucional, que oferece os parâmetros para a delimitação dos fins e objetivos da atividade empresarial, bem como para a redefinição do interesse social das companhias. Daí a possibilidade do tratamento conjunto da responsabilidade civil de controladores e administradores, conclusão que é reforçada pelos pressupos-tos funcionais e pragmáticos já examinados, os quais mostram que o regime de responsabilidade civil dos gestores é arquitetado para assegurar uma boa gestão, em obediência aos interesses constitucional e legalmente protegidos, tanto ao nível do controle, quanto ao nível da administração strictu sensu. […] Já se viu que a própria Lei da S/A prevê a chamada ação de responsabilidade individual (art. 159, § 7º), por meio da qual acionistas ou terceiros podem exercer pretensões ressarcitórias contra os administradores. Embora não haja previsão expressa em relação ao controlador, impõe-se a aplicação analógica da mesma solução processual, tendo em vista que também ele está sujeito ao dever de diligência.” (in: Função Social da Empresa - Repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/As. São Paulo: Renovar, 2011. p. 248-249). Posição similar é propalada por CARVALHOSA, o qual destaca que “o controlador responderá solidariamente com os administradores, se tiver concorrido para a prática dos atos ilícitos (art. 158). Pode, portanto, o controlador ser sujeito passivo da ação. Esse litisconsórcio passivo é diverso da responsabilidade direta e pessoal do controlador-administrador, prevista no art. 117 da lei. Convém enfatizar que cabe ação de responsabilidade contra o controlador, a qual pode ser inten-tada pela própria companhia, diretamente ou por substituição processual, sem embargo da que cabe diretamente por acionista individual. Muito embora a norma comentada não se refira ao acionista controlador como sujeito passivo da relação processual, o art. 117 explicitamente declara que ele responde pelos danos causados, nos casos que especifica. Consequentemente, os procedimentos previstos no artigo ora comentado aplicam-se inteiramente aos controladores, pessoas físicas ou jurídicas, também por atos ilícitos próprios, independentemente daqueles praticados pelos administradores” (in: Comentários à lei de sociedades anônimas, 3º volume: artigos 138 a 205. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 396). Em outra passagem, porém, o mesmo autor afirma que “o art. 159 estabelece medidas contra os administradores e não contra o controlador, a não ser que este faça também parte da administração (art. 117, § 3º)” (Comentários à lei de sociedades anônimas, 4º volume, tomo II: artigos 243 a 300. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 70).

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3. Ação de Responsabilidade contra AdministradoresO artigo 158 da Lei das S/A23 estabelece que o administrador respon-

derá pelos prejuízos que causar à companhia, nos casos em que haja den-tro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; ou com violação da lei ou do estatuto. A Lei fixou, ainda, rol exemplificativo de deveres fiduciários que devem pautar a atuação dos administradores das compa-nhias, no desempenho de suas funções (arts. 153 a 158), de modo que a infração a qualquer desses deveres pode ensejar o ajuizamento da ação reparatória.

Dentre os deveres impostos aos órgãos de administração das socieda-des, o dever de diligência24-25 é, sem dúvida, o de maior relevo, constituin-do-se no padrão de conduta do qual emanam todos os demais deveres “fi-duciários” atribuídos aos administradores26. Com efeito, consoante lição de LAMY FILHO e BULHÕES PEDREIRA, afora o dever de diligência, todos os demais deveres consistem em “meros desdobramentos e exem-plificações do padrão de comportamento dos administradores definido pela lei em vigor”27-28-29.

23. Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proce-der: I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II - com violação da lei ou do estatuto.

24. Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.

25. Também o Código Civil de 2002, em seu art. 1.011, positivou a mesma regra, ao tratar das sociedades simples: “O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo ho-mem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”.

26. ADAMEK esclarece que os deveres dos administradores podem ser agrupados em deveres específicos (“apli-cáveis a hipóteses determinadas, encontram-se em vários outros preceitos”), deveres implícitos (“dedutíveis de normas gerais ou mesmo de princípios societários”), deveres individuais (“os deveres dos administradores os obrigam para com a companhia de forma individual, ainda quando eles integram órgão coletivo e não tenham, de per si, atribuições individualmente exercitáveis”) e deveres para com a companhia (ou seja, os deveres fidu-ciários dos administradores não se dirigem aos sócios – pelo menos não diretamente –, e sim, à sociedade) (in Responsabilidade de Administradores de S/A e as ações correlatas. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 120).

27. PEDREIRA, José Luiz Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo. A Lei das S/A. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 235.28. Vale destacar, por todos, a crítica de Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, para quem a atual Lei das So-

ciedades Anônimas “nesse ponto ficou atrás, até, do Código Comercial. Este, com efeito, ao tratar do mandato mercantil, dispõe que o mandatário deve empregar ‘na sua execução a mesma diligência que qualquer comer-ciante ativo e probo costuma empregar na gerência dos seus próprios negócios’ (Código Comercial, art. 142). Os textos aparentemente próximos, na verdade distinguem-se sob um aspecto de muita relevância: a Lei das Sociedades por Ações não toma como parâmetro do administrador um empresário, e sim um cidadão qualquer, que exerça ou não atividade empresarial, podendo, pois, não ter nenhuma prática na administração da empresa. […] Deveria o legislador ter adotado fórmula referencial que levasse em conta a profissionalidade da gestão de empresa. Esta é uma atividade que cada dia mais se torna complexa, sendo ligada a conhecimentos específicos que dificilmente podem ser obtidos apenas na prática negocial” (O Conselho de Administração na sociedade anônima. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 54-55; apud ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade de Administradores de S/A e as ações correlatas. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 123).

29. Em que pese a solidez das críticas a respeito do standard de diligência adotado pelo legislador, compartilhamos da posição de CLARK, o qual, ao tratar de diferentes formulações do padrão de diligência aplicadas por autori-dades norteamericanas, pragmaticamente, afirma ser duvidoso que tal distinção afete o resultado de cada caso:

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“Statutes and case law say that directors and officers owe their corporations a duty of care: They must exercise that degree of skill, diligence, and care that a reasonably prudent person would exercise in similar circumstan-ces. At times, some authorities have applied the stricter formulation that the director or officer must act as a reasonably prudent person would act in the conduct of his own affairs. It is doubtful whether this difference in standard has affected the outcome of cases. In any event, by analogy to the duty of care concept used in tort law, violation of the director’s or officer’s duty of care is frequently described as negligence” (CLARK, Robert C. Corporate Law. New York: Aspen & Law Business, 1986. p. 123).

30. Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.

§ 1º A deliberação poderá ser tomada em assembléia-geral ordinária e, se prevista na ordem do dia, ou for con-seqüênciadiretadeassuntonelaincluído,emassembléia-geralextraordinária.

§ 2º O administrador ou administradores contra os quais deva ser proposta ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembléia.

§ 3º Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de 3 (três) meses da deliberação da assembléia-geral.

§ 4º Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social.

§ 5° Os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados.

§ 6° O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia.

§ 7º A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.

31. A Lei das S/A Comentada. v. II – Arts. 121 a 188. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 410.

A ação própria para apuração de responsabilidade de administrador está prevista no artigo 159 da Lei das S/A30, cuja principal distinção em relação à ação de responsabilidade do acionista controlador talvez seja a exigência de prévia deliberação assemblear, como requisito formal para o ajuizamento da demanda. Caso haja autorização da assembleia para o

ingresso da ação, tratar-se-á de ação social ut universi, cuja legitima-ção ativa será da própria companhia lesada pelos administradores. No entanto, como destaca EIZIRIK, “a companhia não é obrigada a mover a ação de responsabilidade contra seus administradores, ainda que haja in-dícios de que atuaram de forma ilegal. Trata-se de decisão absolutamente soberana da assembleia geral, que deve pesar: (i) a gravidade do eventual ato ilícito; (ii) os danos efetivamente causados ao patrimônio social; (iii) os custos e benefícios da propositura da ação; e (iv) as reais possibilidades de êxito na demanda”31.

Passados três meses da deliberação assemblear que autorize o ajui-zamento da ação reparatória, se a companhia não a ajuizar, qualquer acionista poderá fazê-lo, em nome próprio, pleiteando o ressarcimento para a companhia dos prejuízos por ela suportados. Do mesmo modo, se a assembleia deliberar pelo não ajuizamento da ação, ou negar-se a deliberar sobre a matéria, acionistas representando, pelo menos, 5% do

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capital32 poderão ajuizar a ação social em tela, em seu próprio nome. Em ambos esses casos, será uma ação social ut singuli, cujos benefícios ne-cessariamente serão revertidos em favor da companhia. E vale ressaltar que, diferentemente da ação de responsabilidade proposta em face do acionista controlador, não há, na presente hipótese, qualquer previsão de pagamento de prêmio ao acionista que promover pessoalmente a ação ut singuli, caso efetivamente obtenha a condenação dos administradores.

Segundo CARVALHOSA, na Alemanha, caso a companhia não pro-ponha a ação reparatória, os minoritários não terão direito de substitui-ção processual, mas sim de exigir o exercício da ação por parte da própria sociedade. Além disso, a lei acionária alemã estabelece a possibilidade de representação extraordinária da companhia pelo Conselho de Super-visão, para propor medidas judiciais contra a diretoria. Já a lei francesa reputa ineficaz qualquer estipulação estatutária que condicione o ajuiza-mento da ação de responsabilidade a uma deliberação prévia da assem-bleia.

Outrossim, a única hipótese em que o acionista poderá pleitear inde-nização para si próprio está prevista no parágrafo 7º do dispositivo em comento, concernente ao caso de ter ele suportado prejuízos pessoalmen-te33. Será, então, uma ação social individual, em que deverá ser compro-vada a ocorrência de danos diretos ao acionista.

De outra parte, destaca-se que um dos pontos de maior controvérsia para o ingresso de ação de responsabilidade contra administradores se refere à quitação que lhes é outorgada por ocasião da deliberação assem-blear anual de aprovação das contas34. É que, a partir daí, o administra-dor somente poderá ser responsabilizado por atos que tiveram alguma

32. Neste ponto, CARVALHOSA anota a iniquidade desse requisito, que acaba por prejudicar a efetividade da proteção dos acionistas não controladores (Comentários à lei de sociedades anônimas, 3º volume: artigos 138 a 205. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 391). No mesmo sentido é a crítica de ADAMEK: “Justo seria, pois, que o acionista que não reúne o percentual mínimo pudesse propor a ação social ut singuli, desde que prestasse caução às custas e honorários, nos exatos termos em que isso é possível no âmbito grupal (LSA, art. 246, § 1º, b)” (Responsabilidade civil dos administradores de S/A e as ações correlatas. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 509-510).

33. Para CARVALHOSA, “a linha divisória ou distintiva entre o objeto da ação social e o da individual é extrema-mente tênue”, citando os seguintes exemplos de prejuízos individuais que poderiam ensejar a ação própria: (a) prática de insider trading e de manipulação do mercado pelos administradores, com reflexos nos preços das ações; (b) recusa da administração ao fornecimento das certidões previstas no art. 100 da LSA; (c) protelação no pagamento de dividendos pela criação de formalidades excessivas ou abusivas; (d) existência de relação contra-tual direta entre acionista e administrador, tal como na hipótese de abuso no exercício de mandato outorgado pelo acionista (Comentários à lei de sociedades anônimas, 3º volume: artigos 138 a 205. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 390-391).

34. Art. 134. […] § 3º A aprovação, sem reserva, das demonstrações financeiras e das contas, exonera de responsa-bilidade os administradores e fiscais, salvo erro, dolo, fraude ou simulação (artigo 286).

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repercussão nas contas aprovadas caso aquela primeira deliberação seja anulada, no prazo de até dois anos previsto no art. 286 da Lei das S/A35. Além disso, para a ação de responsabilidade o prazo prescricional é de três anos, nos termos do art. 287, II, da mesma Lei.

Diante disso, aponta ADAMEK que seria recomendável eliminar o efeito de quitação da deliberação, de modo a não favorecer a impunidade dos administradores. Tal como previsto nas legislações da Itália, França e Alemanha, o mesmo autor destaca que o direito brasileiro deveria estipu-lar exatamente o oposto, que a aprovação das contas não implica isenção de qualquer responsabilidade por atos praticados no exercício da gestão.

Além disso, assim como nas ações de responsabilidade contra con-troladores, sendo os acionistas não controladores os autores da ação de responsabilidade, na ação ut singuli ou na ação individual, cabe a eles produzir as provas que entenderem pertinentes para comprovar suas ale-gações, sempre às suas próprias expensas. Salvo na ação individual – cuja hipótese de ocorrência é bastante de difícil – os ganhos dos acionistas autores são apenas indiretos, a partir da recomposição do patrimônio da companhia. Com isso, o procedimento acaba tornando-se custoso de-mais para os acionistas minoritários, que arcam com todos os custos e riscos, para, ao final, não receberem qualquer ganho direto da ação. No caso das ações de responsabilidade de administradores, como já referido, não há nem mesmo o prêmio de 5% estipulado para as ações ut singu-li promovidas contra acionistas controladores. Para ADAMEK, “o ideal teria sido conceder honorários mais expressivos, ao advogado do substi-tuto, e prêmio proporcional ao benefício econômico obtido, ao próprio substituto”36.

Finalmente, alguns autores sustentam que diversos problemas en-volvendo a atuação dos administradores decorre da própria adoção de standards com a finalidade de definir, genericamente, qual deve ser a con-duta dos administradores37. Para esta corrente, os deveres fiduciários de-

35. Art. 286. A ação para anular as deliberações tomadas em assembléia-geral ou especial, irregularmente convoca-da ou instalada, violadoras da lei ou do estatuto, ou eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação, prescreve em 2 (dois) anos, contados da deliberação.

36. E segue ADAMEK: “Com isso, não se estaria propriamente a incentivar a propositura de ações temerárias, que tanto são prejudiciais às empresas; o que se quer é apenas garantir que os instrumentos de tutela coletiva da sociedade e dos seus acionistas tenham efetividade prática, e não mera previsão legal” (Responsabilidade civil dos administradores de S/A e as ações correlatas. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 504).

37. Cf. HOPT, Klaus J.; TEUBNER, Gunther. (Coord.) Corporate Governance and Directors’ Liability. Legal, Economic and Sociological Analyses of Corporate Social Responsibility. Berlin/New York: De Gruyter, 1985. Disponível em: <http://publikationen.ub.uni-frankfurt.de/frontdoor/index/index/docId/2770>. Acesso em: 21 mar. 2013. p. 151.

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veriam ser concretizados através de standards procedimentais e normas organizacionais específicas para cada aspecto definido da atuação dos administradores, complementando, assim, a estruturação legal da “go-vernança corporativa”. Com isso, em vez de estabelecer um dever de dili-gência geral dos administradores, a Lei estipularia padrões de comporta-mento e formas de atuação determinadas para, por exemplo, o exercício dos deveres de informar e de manter sigilo, para os deveres de organizar e monitorar, entre outros38. Na mesma linha, pondera ADAMEK39 que “as dificuldades envolvendo o dever de diligência não decorrem do standard adotado pelo legislador, mas, de certo que sim, resultam da aplicação do ‘standard’ ao caso concreto”, ou seja, a dificuldade está em se determinar qual seria a conduta razoavelmente esperada do administrador em situa-ções semelhantes, considerando as peculiaridades do caso analisado.

Diante desses pontos, percebe-se que também as ações de responsa-bilidade dos administradores de companhias carecem de melhorias no sistema brasileiro, o que, por certo, tem impacto na efetividade do siste-ma. Como visto, seja (a) pela falta de incentivos financeiros para que os acionistas promovam ações ut singuli, seja (b) pelo desincentivo a essas medidas – através da restrição da ação a acionistas detentores de percen-tual mínimo de participação no capital –, seja, ainda, (c) pela exoneração de responsabilidade dos administradores pela aprovação anual das con-tas, resta evidente que o sistema legal de aplicação das regras em face dos administradores, no Brasil, é bastante falho.

4. Ação Coletiva de Reparação de Danos aos Investidores A tutela coletiva dos investidores do mercado de capitais, no Bra-

sil, está prevista na Lei 7.913/1989, a qual regula “a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários”. Tal legislação é aplicada em conjunto com a Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), assim como com o Código de Defesa do Consumidor, que distingue os diferentes interesses coletivos passíveis de serem tutelados.

38. Cf. HOPT, Klaus J.; TEUBNER, Gunther. (Coord.) Corporate Governance and Directors’ Liability. Legal, Economic and Sociological Analyses of Corporate Social Responsibility. Berlin/New York: De Gruyter, 1985. Disponível em: <http://publikationen.ub.uni-frankfurt.de/frontdoor/index/index/docId/2770>. Acesso em: 21 mar. 2013. p. 167.

39. ADAMEK, Marcelo Vieira von. Responsabilidade de Administradores de S/A e as ações correlatas. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 125.

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O artigo 1º da Lei 7.91340 estabelece um caráter dúplice à demanda co-letiva no mercado de capitais, que tem por fim a “prevenção” de prejuízos aos investidores, bem com a “reparação” de eventuais danos já observa-dos. A partir dessa definição, o dispositivo arrola três hipóteses exem-plificativas41 de cabimento da ação civil pública, visando à proteção dos investidores em face de práticas de grande potencial lesivo ao mercado, assim resumidas: (a) prática não equitativa ou de manipulação do merca-do; (b) prática de insider trading; e (c) violação de deveres de informação pelos administradores ou controladores de companhias sujeitas a regras de disclosure do mercado de capitais.

Trata-se, portanto de tutela de interesses coletivos e de direitos indivi-duais homogêneos42, conforme se esteja falando dos investidores do mer-cado de capitais como um todo, ou dos acionistas de uma determinada companhia aberta43-44.

40. Art. 1º. Sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministério Público, de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobiliários — CVM, adotará as medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado, espe-cialmentequandodecorreremde:I—operaçãofraudulenta,práticanãoeqüitativa,manipulaçãodepreçosoucriação de condições artificiais de procura, oferta ou preço de valores mobiliários; II — compra ou venda de va-lores mobiliários, por parte dos administradores e acionistas controladores de companhia aberta, utilizando-se de informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento do mercado ou a mesma operação realizada por quem a detenha em razão de sua profissão ou função, ou por quem quer que a tenha obtido por intermédio dessas pessoas; III — omissão de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa.

41. Sobre o caráter exemplificativo das hipóteses mencionadas na Lei, o Prof. Paulo Fernando Campos Salles de Toledo comenta que (A Lei 7.913, de 7 de dezembro de 1989. A tutela jurisdicional do mercado de valores mobiliários. Revista de Direito Mercantil, a. 29, v.80, out.-dez. 1990, p. 138-148. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br>. Acesso em: 28 nov. 2015).

42. Ada Pellegrini Grinover resume bem a distinção entre interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos: “Grosso modo, os primeiros são indivisíveis e possuem como titulares pessoas indeterminadas, unidas por meras circunstâncias de fato (CDC, art. 81, par. único, I); os segundos também são indivisíveis mas possuem como titulares pessoas que estão jungidas por algum vínculo jurídico e integram uma classe ou categoria (CDC, art. 81, par. único, II) [sujeitos indeterminados, mas determináveis]; os terceiros, por fim, embora divisíveis, são titularizados por pessoas unidas pelo fato que lhes dá origem (CDC, art. 81, par. único, III)” (A tutela coletiva dos investidores no mercado de valores mobiliários: questões processuais. In YARSHEL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti (coords.). Processo Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 28-31).

43. O texto legal em questão foi o primeiro a cuidar dessa espécie de tutela no Brasil, antes mesmo do CDC, que positivou a denominação dada aos interesses tutelados pelas ações coletivas e ações civis públicas (difusos, coletivos e individuais homogêneos).

44. Sobre a natureza dos interesses tutelados pela legislação em exame, assim se posicionou Ricardo de Barros Leonel: “Não se pode negar a natureza dos interesses em jogo – individuais (ainda que homogêneos) e disponí-veis (cunho patrimonial). Mas adquirem conotação social pela sai dimensão ou extensão, e pela possibilidade de lesões graves, diretas como indiretas à coletividade. Isto por serem relativas ao funcionamento do sistema econômico, ao equilíbrio do mercado, à especulação financeira, com consequências na sociedade como um todo.” (Manual do Processo Coletivo. 2ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 118, apud GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela coletiva dos investidores no mercado de valores mobiliários: questões processuais. In YARSHEL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti (coords.). Processo Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 35). Do mesmo modo, baseando-se nas lições de Kazuo Watanabe, Ada Pellegrini Grinover ensina que “Os direitos são transindividuais na medida em que transcendem à relação jurídica individual, abrangendo, nos termos acima vistos, grupo, categoria, ou classe de pessoas. São indivisíveis, porque a satisfação do interesse ou direito por

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parte de um membro do grupo indica a igual satisfação por parte de todos os outros – ou, vice-versa, a negação do interesse ou direito para um significa igual negação para todos os outros. E os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas são todos acionistas da sociedade, mantendo relação jurídica base entre si e com a parte contrária, qual seja a de acionista minoritário ou investidos da companhia” (A tutela coletiva dos investidores no mercado de valores mobiliários: questões processuais. In YARSHEL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Se-toguti (coords.). Processo Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 37).

45. Cf. A tutela coletiva dos investidores no mercado de valores mobiliários: questões processuais. In YARSHEL, Flá-vio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti (coords.). Processo Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 39).

No que tange à legitimação ativa para a ação civil pública em foco, vale notar que a legislação em tela faz referência expressa, unicamente, ao Ministério Público – que agirá de ofício ou por provocação da Comissão de Valores Mobiliários. Não obstante, a posição majoritária da doutrina é no sentido de que é possível – e desejável – a extensão da legitimação aos demais entes previstos na Lei 7.347/85, de modo a facilitar a proteção do mercado contra práticas ilícitas, tendo em vista a aplicação cumulativa de ambos os diplomas.

As críticas que se fazem à legitimação ativa da ação civil pública es-tão relacionadas, ainda, à comparação do sistema brasileiro com o nor-te-americano, onde qualquer acionista poderá ajuizar uma class action, requerendo sua nomeação como representante da classe (representative party). E aí reside uma diferença fundamental entre os dois sistemas: no Brasil, a Ação Coletiva não vinculará o sujeito que não participou da re-lação processual diretamente, exceto se a decisão lhe for favorável. Já nos Estados Unidos, a classe deverá ser tratada de igual forma e a decisão será vinculativa independentemente do resultado da demanda, à exceção de que o sujeito ressalve seu direito de propor ação individual.

O primeiro obstáculo que se aponta para a efetividade das ações cole-tivas no âmbito do mercado de capitais se refere à grande dificuldade de se comprovar o dano a ser reparado de forma coletiva pelo controlador ou administrador da companhia. É que, como explica Ada Pellegrini Gri-nover45, após a prolação de uma eventual sentença condenatória genérica na ação civil pública, será necessário que cada sujeito comprove, em com-plicada fase de liquidação de sentença, o seu dano pessoal, assim como o seu nexo causal com a conduta objeto da demanda.

Ademais, o art. 2º da Lei 7.913/89 limita-se a mencionar que “as im-portâncias decorrentes da condenação reverterão aos investidores lesa-dos, na proporção de seu prejuízo”, bem como que, até a habilitação dos investidores, os valores ficarão depositados em conta judicial. Ambos os pontos são bastante obscuros. Não há qualquer indicação de como será calculada a “proporção do prejuízo” suportado por cada investidor. Da

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Notas Sobre a (In) Efetividade do Sistema de Aplicação da Lei no Mercado de Capitais Brasileiro

mesma forma, a regra de depósito de valores em conta judicial difere da regra da Lei da Ação Civil Pública, a qual estabelece o depósito dos valo-res em um Fundo posteriormente revertido em benefício da coletividade, em caso de não habilitação do credor individual, para recebimento da parcela.

Afora isso, há também controvérsias quanto à possibilidade e/ou efe-tividade de a própria companhia ser a parte passiva de uma ação coletiva. Tal ocorreria, por exemplo, no caso de ação intentada em razão de dano resultante de deliberação tomada em assembleia geral. Com isso, a parte que poderá ser condenada a ressarcir os investidores prejudicados po-deria ser justamente a companhia investida, o que restringiria os ganhos com a ação.

Diante dessas considerações, nota-se que o instituto da ação civil pú-blica aplicado ao mercado de capitais ainda é muito pouco usado no país, e poderia ser melhor aproveitado para as diferentes demandas que envol-vem interesses individuais homogêneos dos investidores. No mínimo, tal medida evitaria decisões conflitantes e desafogaria o Judiciário. Contu-do, seria recomendável que se fizessem ajustes na legislação vigente, de maneira a facilitar a propositura de ações coletivas por outros entes que não o Ministério Público, mesmo porque tal órgão dispõe de recursos humanos e financeiros limitados, e não poderia ser a solução para todas as demandas envolvendo mercado de capitais no país.

As dificuldades de comprovar o dano e a demora no julgamento dos casos resultam em um sistema pouco efetivo de indenização de danos aos investidores pela via da ação civil pública.

5. ConclusõesComo destacado, na parte introdutória deste trabalho, os mecanismos

de aplicação forçada das regras aos participantes do mercado são essen-ciais para o próprio funcionamento do mercado. No direito comparado, as legislações que mais simplificaram e desenvolveram as técnicas de en-forcement são justamente as dos países que mostram maior desenvolvi-mento do mercado de capitais, não deixando dúvidas da correlação direta entre esses fatores.

Diante de tal constatação, seria de grande relevância para o desenvol-vimento do mercado de capitais nacional a realização de uma reforma legislativa, que trouxesse novas soluções para conferir maior efetividade às regras de direito societário voltadas ao mercado.

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Notas Sobre a (In) Efetividade do Sistema de Aplicação da Lei no Mercado de Capitais Brasileiro

Ao longo deste trabalho, foram apontadas diversas críticas aos insti-tutos hoje vigentes entre nós, tais como o desincentivo financeiro e até jurídico (com a criação de verdadeiros obstáculos legais), para a atuação direta dos acionistas não controladores na tutela de seus interesses nas companhias. Para o investidor acaba sendo menos custoso se conformar com os abusos dos administradores ou dos controladores – e considerar esse custo como parte do risco de seu investimento – do que enfrentar uma longa batalha judicial, sem menor previsibilidade de resultado ou de valores a pagar e a receber.

Da mesma forma, no plano coletivo, as normas atuais não propiciam segurança jurídica suficiente aos investidores e até são pouco utilizadas, seja pelo Ministério Público, seja pelos próprios investidores que, em grande parte, nem mesmo tem conhecimento da possibilidade de exercer esse tipo de tutela, através de associações.

Paralelamente, observa-se forte tendência das companhias e investi-dores do mercado de valores mobiliários a adotarem a arbitragem como forma de solução de suas disputas (inclusive com recente alteração legis-lativa bastante importante sobre o tema). Trata-se, sem dúvida, de exce-lente forma de resolução alternativa de conflitos que, por certo, deverá contribuir para uma maior efetividade do sistema legal brasileiro. Toda-via, obviamente, a arbitragem societária não resolverá todos os proble-mas acima apontados no que tange ao enforcement das normas que regem o mercado de capitais.

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 201888

Notas Sobre a (In) Efetividade do Sistema de Aplicação da Lei no Mercado de Capitais Brasileiro

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 2018 89

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss): Taxation on International M&A and Its Consequences to the Tax Group

Por Giovani Zeilmann Ceccon

Advogado com experiência em Direito Societá-rio, M&A, Joint Venture, Private Equity, Venture Capital e ContratosGraduado em Direito pela Pontifícia Universida-de Católica do Rio Grande do Sul PUCRS (2007) e pela Universidade de Copenhague (2013)

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss):

Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss): Taxation on International M&A and Its Consequences to the Tax GroupSummary

One of the motivation for acquisition transactions may be tax benefits to be obtained by acquiring a loss-making company. This chapter envisage to provide an analysis of the tax aspect to be considered in the process of merger and acquisition transaction in particular concerning a cross-bor-der deal and it will go through the effects thereof related to the taxation of the group. In such context, it is impossible to keep aside the domestic jurisdiction that ultimately will be involved. Nonetheless, we have tried to place this analysis in more internationally broad terms for the reader to have an understanding of the core issues concerned to the topic. For the purposes of this chapter is the use of losses, more specifically, the Net Operating Losses (NOLs) for taxation purposes and its consequences to the entire tax group. The related aspects regarding the use of capital losses will not be covered, what does not mean it is of less importance, but if considered here would make this chapter far too extensive.

By doing an in-depth analysis of the subject, it will be taken into ac-count all the relevant correlated issues, such as whether and how the use of NOLs would be possible in cross-border mergers and acquisitions transactions when a national company acquires foreign target company. It has also considered all the aspects related to the formation of tax group as it is important and will directly influence the issue appertaining to the use of NOLs.

IntroductionThe tax consequences of Merger and Acquisition (M&A) transactions

can be decisive for taking a decision whether entering the transaction or not. There are many situations where a target company could be bought just because it would provide enough tax benefits, meaning in fact po-sitive results for the acquiring company. One of the benefits that can be

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss)to the Tax Group

originated in merger and acquisition transactions, for the acquiring com-pany is the use of losses, which normally shall be subject to negotiation between the parties involved on who will enjoy the tax benefit from and thus the parties must agree on the type of transaction, whether an asset or share purchase. The issues related to international taxation have extra implications. A cross-border transaction means that another level of ta-xation is established, unless there is a treaty between the countries where the target and the parent have their tax residency.

The literature regarding this subject is scarce, thus our special interest and that is one of the reason for choosing it, noting that although the local jurisdiction plays an ultimate role, the intention here is to place the topic on a broader perspective serving as a guidance on the relevant tax aspects for the players entering cross-border the most certainly challenging in-ternational acquisitions or joint ventures. Nowadays, local tax laws and regulations have to adapt and thrive in an ever changing and challenging economy and technological developments. These challenges refer mainly to the capacity the domestic tax system have to achieve efficiency and also to allow the national economic growth by attracting companies and pro-viding the necessary incentive to businesses within their boundaries. The economic welfare of most western countries depends on the same source, which is the result of taxation on income, either on the individuals or cor-porations. The revenue generated is only possible to be obtained through the production a commerce of both goods (also as row material), as well as providing services. An economic system is based on the exchange of goods and services – to what it is also possible to attribute numeric value expressed in a specific human creation, the currency. Besides that, ano-ther characteristic of our civilisation is that it is possible to cumulate the numbers expressed in printed currency. This possibility of accumulating economic resources originates riches and corporate groups.

In order to provide the necessary infrastructure for making possible the economic model all modern society is subject to a national State that will centralise the initiative to decision making, and will normally take part in the economic transaction held in a daily basis by charging a “per-centage”, the source allowing investment in infrastructure and arguably the conditions necessary for the development as such. What we here refer as the “percentage” is to be understood as the taxation that applies for each specific economic transaction. In some cases specific rules intend to mitigated and relief the onerous and burdensome taxation, some very

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss):

specific circumstances being the use of NOLs - losses incurred by a com-pany in carrying out its operational activities, so the corresponding losses may in certain circumstances be offset against the taxation on the income to be paid by the concerned company.

Considering the above, the intention here is to go further in search for understanding the NOLs relating to acquisition transactions, whereby a different companie – other than the one that have incurred in such losses – could be entitle to benefit from the corresponding tax relief according to rules in a specific jurisdiction. There are some studies trying to investi-gate if tax benefits to be obtained in a M&A deal would really be the solely reason for encouraging many of the transaction happening worldwide and, also, whether in fact the companies have in the end obtained any ad-vantages at all. This work shall investigate the underlying issues thorou-ghly, leaving aside matters related to capital losses, such as in transaction concerning shares, debt and debt claims, and financial instruments.

1. Rules on the Use of Losses (Net Operating Losses)The use of NOLs is a very complex subject, which is of interest not only

from the buyer point of view, who may envisage the possibility of using the losses and so offset against income realised by another company belonging to the buyer’s economic group, which has realised or realises profit. Howe-ver, there are indirect issues related to this topic and the possibility it has to influence the occurrence of transactions, which in its turn may preserve a loss-making company that otherwise could go bankruptcy and, therefore, eliminating work positions, a corporate taxpayer (as the target would be if it was a successful business), impact other companies doing business with the target (the concerned supply chain), the goods or services the target provi-des for the benefit of the society where it is operating, what could also be of international or global spectrum and also obviously the entrepreneur itself. It is also understood that the “natural” market law serves to eliminate inef-ficient companies, but this efficiency can also be reached by having another company taking over the troubled business and establishing new manage-ment team for instance. Therefore, it is easy to see that the topic chosen has an important impact not only on the direct aspects involved in it, but also on what we could call the indirect aspects, which are related to the different stakeholders of the target company and the parent acquiring the target.

As it has been referred before, for the purpose of this work we shall consider the situation regarding essentially trading activities, where in

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss)to the Tax Group

every financial year the company making its accountancy will find out whether it has realised profits or losses. By presenting their definition of trading activities Nicolaj Bjørnholm and Anders Oreby Hansen argue that there is a distinction between trader taxpayers, which are those en-gaged in selling and buying asset, or goods in general, always dealing in a systematic, professional and extensive basis; and, other taxpayers en-gaged in a transaction of selling and buying of any asset or good not in a systematic, professional and extensive manner, which generally are not subject to taxes on their gains neither are their losses deductible, but the-re are also exceptions.1 In certain context the local regulation allowed that losses could be carried forward for a time limit of 5 year, what eventually changed so the losses can be carried forward indefinitely until there is taxable income to be deducted.2 However, the use is to be made as soon as possible, whenever there is income to be taxed.3 When it come to the possibility of losses carry back, a possibility is found in the tax legal sys-tem of some countries, such as the United States, whereas other countries such as Denmark it is not allowed.4

Different countries with their domestic legislation may treat the use of losses differently. At the international level, it is possible to find arguments mentioning tax reason for takeover activities, where one of the transac-tion benefits would be the possibility to use NOLs by a profit-making company in the buyer’s tax group.5 Informal studies have been conducted by scholars in the United States, where takeover were believed to happen just because of the tax benefits it could provide. Moreover, considering the north American example, already in 1986 there has been adopted a Tax Reform Act limiting the tax benefits originated from M&A activities.

National legislations will set out the regulatory framework whether the parent company is to benefit from the NOLs incurred by the target in the previous year before the acquisition in order to use them to offset against the parent taxable income or even against the income realised by another company belonging to the same tax group of the parent company. The use of NOLs may also find regulatory restrictions to be used by the target itself after an acquisition transaction was carried out through a share deal where

1. Nicolaj Bjørnholm and Anders Oreby Hansen; Denmark in International Tax Planning (Amsterdam: IBFV Publi-cations BV, 2005); p. 131.

2. Ibid.; p. 203.3. Ibid.; p. 203.4. Ibid; p. 203.5. Alan J. Auerbach; Mergers and Acquisitions (Chicago: University of Chicago Press, 2008); pp. 69-70.

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss):

the controlling position is acquired. For instance, Denmark adopted rules hindering transactions done only on the basis of avoiding taxation and one of the provisions was that for losses to be carried forward in a context of M&A transaction, besides other rules that would apply, the target company would have to remain in activity, i.e. doing business, so it would be possible to see losses offset against operating profits and not against any other form of income.

Some jurisdiction are trying to pass legislation to reduce tax avoidance and thus making it harder for businesses to create a tax-efficient structure or to enter transactions in a more tax efficient manner, but it is still possible to make use of some structures allowed by law or foreign holding compa-nies that are in compliance with existing regulation.6 Another situation also to be considered is when a loss-making company buys a profit-making, which could be expected to find less restrictions than it would be if it was the other way round, but the some jurisdictions make no distinction at all in this regard.7 Finally, it is important to stress that whenever there is a bila-teral agreement to avoid double taxation (Double Taxation Treaties) all the taxation regarding the target company will happen in the country where the target established, i.e. resident for tax purposes.

Notwithstanding the above, under certain conditions it is possible to have a national company in cross-border transaction acquiring a target company and make use of the available NOLs whenever the controlling position has not been changed, however the use of NOLs may only ha-ppen within the same tax group the target belongs to or by the target company itself – as we will see in a later point if the parent company has not a controlling position in the target, it might not be able to join that certain national tax group. Nevertheless, besides this specific situa-tion some tax authorities are making special attention to the acquisition of controlling participation in the target company when structures ulti-mately avoiding taxation exist and limits to the right of using tax losses carried forward are being imposed.8 Taking Denmark as an example it

6. KPMG - Taxation of Cross-Border Mergers and Acquisitions (Denmark); Available on http://www.kpmg.com/Glo-bal/en/IssuesAndInsights/ArticlesPublications/cross-border-mergers-acquisitions/Documents/denmark-2012.pdf; accessed on August 2017; p. 02

7. Ibid.; p. 12.8. KPMG - Taxation of Cross-Border Mergers and Acquisitions (Denmark); Available on http://www.kpmg.com/Glo-

bal/en/IssuesAndInsights/ArticlesPublications/cross-border-mergers-acquisitions/Documents/denmark-2012.pdf; accessed on August 2017; p. 02; and, Danish Bill Targets “No-Tax Corporations; available on: http://www.bechbruun.com/en/Knowledge+centre/News/2012/Maj/Danish+Bill+Targets+No-Tax+Corporations; Accessed September 2017.

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss)to the Tax Group

was allowed unlimited carrying forward of losses incurred by a company after having entered the corresponding tax group, now there are restric-tion applying from 1st of July, 2012, having effect on losses being carried forward, including from previous years.9 The current rules set forth the possibility to fully offset tax losses carried forward from taxable income of DKK 7.5 million (Danish Krone, approx. EUR 1 million).10 The exceeding taxable income cannot be reduced by more than 60%.11 Another aspect of the reform in the tax legal system in Denmark is that the Danish Tax Authorities have power to better control and, thus, make use of special audit statement requested from companies, especially those registering losses, in order to make sure that the transfer pricing documentation are accurate regarding transaction involving related companies, so the Tax Authorities can assure that the price practiced is at arm’s-length.12

2. Use of Losses Within Multinational Economic GroupsThis topic is intended to understand how does the NOLs work for

companies belonging to the same corporate group and, therefore, belon-ging to the same national tax group. It is necessary to understand the corresponding implications for it in the scenario the target is very likely to be inserted in mainly because the major relevance regarding the use of NOLs is related to the possibility to use it for deductions from the taxable income of another company within the same group. So, under this topic it is important to distinguish three situations: (i) the target company had a change in ownership by means of a share deal13, thus the purchaser could expect that the corresponding existing NOLs would be carried along with the target and it will be used by the target itself whenever it realises capital gain; (ii) a target company that, as a matter of fact, actually entering the purchaser’s tax group carrying forward NOLs already existing before the M&A transaction occurs in relation to the controlling position and the purchaser is intending to use these losses to offset against the income of another company participating in the group. Regarding this last situation

9. Danish Bill Targets “No-Tax Corporations; Available on: http://www.bechbruun.com/en/Knowledge+centre/News/2012/Maj/Danish+Bill+Targets+No-Tax+Corporations; Accessed on the 15th September 2017.

10. Idem.11. Idem.12. KPMG - Taxation of Cross-Border Mergers and Acquisitions (Denmark); Available on http://www.kpmg.com/Glo-

bal/en/IssuesAndInsights/ArticlesPublications/cross-border-mergers-acquisitions/Documents/denmark-2012.pdf; accessed on the August 2017; p. 03.

13. see the description of ownership change in the subsequent topic.

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 201898

Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss):

it could be possible a third possibility; (iii) that the target is in the con-trary a profit-making company, whereby the purchaser intends to offset the NOLs of a loss-making company already existing in the tax group against the taxable income of the target. Considering item (i) it is not possible in some countries, as the rules do not allow at this point in time the use of existing NOLs after there has been a change in the controlling position in the target; whereas, considering items (ii) and (iii); the first si-tuation is more unlikely to find opportunities where the law would allow the use of losses to happen if the losses were incurred before the moment that the target has entered the tax group, whereas the second situation could be possible to imagine it in some circumstances to be allowed.

When it comes to group relief or consolidation, it is necessary to refer that at a national regulation level there must be rules regarding manda-tory national tax-consolidation, which apply to companies, permanent establishments and immovable property owned by non-resident compa-nies, also foreign subsidiaries. Thus, it is possible that the buyer in a cros-s-border transaction finds himself where there is a qualifying tax group relationship between the entities, even though the treatment of national companies occurs as separate entities. In this regard, two distinguished situations must be looked at in connection with a parent company having a controlling position either in (i) a national entity; or, (ii) a foreign subsi-diary; noting that item (i) happens only at the national level and item (ii) has an international element important when it comes to cross-border M&A transactions. By the term entity referred in (i) it must be read as already mentioned companies, permanent establishments or immovable properties. The corporate joint taxation or consolidated taxation (a na-tional tax group) may either be, in its turn: (a) mandatory joint taxation; or, (b) voluntary international joint taxation. In the first case, the joint taxation is mandatory whenever the national entity or the foreign subsi-diary (here we can include the target company in the cross-border M&A transaction) belongs to the same economic group, normally the buyer is obliged to bring the target into the national tax group, where consolida-ted taxation will happen – also if the connecting factor is foreign, such as national entities directly or indirectly controlled by a foreign parent company will have to join the tax group. In the second case, the joint taxation is voluntary and will happen in cross-border M&A transactions as there will always be an international connection, including cases regar-ding permanent establishment abroad or real estate owned by a national

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss)to the Tax Group

company located in a foreign jurisdiction. Therefore, in the case of item (ii) above, if the target company, an eventually foreign subsidiary, after the closing, enters the buyer’s economy group, it will be possible to form a voluntary international joint taxation group if the parent company de-cides to do so. However, for doing so generally it is necessary that all the companies with the qualifying relationship must be included in the national tax group and this is the reason why many companies have not chosen to do.14

Other aspects to be mentioned regarding item (a) above, referring to the mandatory joint taxation is that the parent company does not need to hold 100% of the capital of a subsidiary – but the controlling posi-tion in the subsidiary –, however the corresponding total income must be included in the joint taxation. In the European context for example, in a Danish tax group there will be a company responsible for the admi-nistration of the group, which is appointed according to specific rules and all the company in the group shall have the same financial year,15 even though each company participating in the group has to elaborate independently its income statement and pay the corresponding portion of the group taxation. In addition, in some cases it is possible to see that any company in the tax group has several liabilities for the whole tax debt. Besides that, the amount corresponding to the benefit obtained by the profit-making company that used the losses from a loss-making company within the Danish tax group must return it as cash consideration to the loss-making company.16 Whereas the aspects related to item (b) presents two conditions to be applied, which are: 1) the “Global pooling Princi-ple”, so all the related entities must participate in the tax group, it is not possible to choose which companies will be included, i.e. loss-making companies in detriment of profit-making companies; and 2) the group will be held for fixed periods of 10 years.17 One of the consequences of the formation of tax groups is the possibility in some jurisdictions that losses of one company be offset against profits of another company in Group.18 However, there is a time limit that applies to this circumstance,

14. Ibid.; p. 10.15. Ibid.; p. 10.16. Ibid.; p. 10.17. Ibid.; p. 10.18. KPMG - Taxation of Cross-Border Mergers and Acquisitions (Denmark); Available on http://www.kpmg.com/Glo-

bal/en/IssuesAndInsights/ArticlesPublications/cross-border-mergers-acquisitions/Documents/denmark-2012.pdf; accessed on August 2017; p. 10; and, BDO; Worth Knowing June 2012; Joint Taxation in Denmark; Available on http://www.bdo.dk/Publikationer/Publikationer/Joint%20Taxation%20in%20Denmark.pdf; accessed on July 2017.

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss):

which means, the losses incurred by a target company in a tax year before the tax group is formed cannot offset against profits of another company within this group, thus it will only be possible the use of NOLs among companies participating in the tax group by the time when the losses occurred, otherwise it would only be possible against the same company where the losses have been originated.19

There are specific qualifying factors so the target will be subject to the Consolidated Taxation Group; which are: (i) situation where one company has majority voting rights through equity; (ii) can appoint the majority of the directors; (iii) provisions in the article of association or similar agreement, including also shareholder’s agreement, establishing rights of decisive influence; or, (iv) one company has decisive influen-ce on the operations of the other.20 In some share deals one of the di-rect consequences is that the target company will leave the seller’s tax group during a specific financial year, so the income or the losses from the first period, obtained before the target has left the tax group, must be consolidated in such a group; whereas the income or the losses obtained by the same target company during the second period after leaving the tax group must then be consolidated already in the buyer’s tax group.21 That is why whenever there is a target company entering or leaving a tax group, the target must elaborate interim accounts before and after the event, so the losses of the target incurred after the event can be included in the joint taxation.22 All these aspects and the administrative issues con-cerning tax consolidation, also the exit from a tax group will have to be taken into consideration at the time of the transaction and duly reflected in the share purchase agreement.23 The rules establish also that it is not possible to form a group consolidation in relation to a tax transparent tax entity and its subsidiaries.24

19. Ibid.; p. 10.20. Taxand Global Guide to M&A Tax; Available on http://www.zorinlegal.com/fileadmin/user_upload/documents_

eng/Taxand_Global_Guide_to_M_A_Tax.pdf; accessed on July 2017; pp. 82 - 83.21. KPMG - Taxation of Cross-Border Mergers and Acquisitions (Denmark); Available on http://www.kpmg.com/Glo-

bal/en/IssuesAndInsights/ArticlesPublications/cross-border-mergers-acquisitions/Documents/denmark-2012.pdf; accessed on August 2017; p. 10.

22. BDO; Worth Knowing June 2012; Joint Taxation in Denmark; Available on http://www.bdo.dk/Publikationer/Publikationer/Joint%20Taxation%20in%20Denmark.pdf; accessed on July 2017.

23. KPMG - Taxation of Cross-Border Mergers and Acquisitions (Denmark); Available on http://www.kpmg.com/Glo-bal/en/IssuesAndInsights/ArticlesPublications/cross-border-mergers-acquisitions/Documents/denmark-2012.pdf; accessed on the August 2017; p. 10.

24. Nicolaj Bjørnholm and Anders Oreby Hansen; Denmark in International Tax Planning (Amsterdam: IBFV Publi-cations BV, 2005); p. 200.

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss)to the Tax Group

A part from the exception referred in the above paragraph national jurisdictions may allow the parent to decide whether the target will in-tegrate the group consolidation in case of voluntary international joint taxation. The relevant national regulations are issued every year and may change constantly. The concept of group is broad; thus it includes com-panies controlled by another company which ultimately is a subsidiary of the parent company, but the intermediate company for this purposes must also be included in the group consolidation. One important requi-rement is that the national company must own the foreign entity through direct ownership. Notwithstanding, in practice it is also possible for a foreign subsidiary of a foreign target company to take part in the group consolidation at the national jurisdiction of the ultimate parent company – in any case often there is an additional requirement and that is all com-panies must have the same financial year.

The rules regarding tax losses carried forward from previous financial years set forth a priority position of the losses to be offset against the taxable income, so the losses have to be first offset against the profits of the company where the losses were originated, but losses incurred by one company in the group in an earlier point in time have to be offset against another company’s own losses before this last company carries-forward its losses. Thus, all the excess losses carried forward are to be offset in the future by another company in the tax group proportionally against the corresponding income (see example25).26 Finally, we can see that the tax group consolidation has important aspects to be taken into consideration in a cross-border transaction impacting in the entire tax structure of ei-ther the seller or the buyer, most importantly with a financial impact on

25. In order to illustrate the situation how precisely the losses are used by companies within the same tax group – also including situation with foreign companies resident in countries with no bilateral anti double taxation agreement with Denmark –, I shall refer here exceptionally ipsis literis two examples provided by Nicolaj Bjørnholm and Anders Oreby Hansen available in their work “Denmark in International Tax Planning”, which is worthing for explaining precisely how losses realised in the current tax year of a company are transferred proportionally to a profit-making company: Example 1 – Four companies, A, B, C and D are included in the group consolidation. The profits of A and B are 400 and 200 respectively. The losses of C and D are (90) and (120) respectively. 400/600 multiplied with the aggregated losses, (210). Or (140) is allocated to A whereas 200/600 multiplied with (210) or (70) is allocated to B. Consequently, the profit of A is 260 and the profit of B is 130 and the total taxable income of the joint taxation is 390. The next example shows the situation where losses that could not be set off against income of profit-making companies, because there was no income to be taxed in that particular financial year, are then allocated proportionally among loss-making companies in order to be set off against the corresponding future profits of these companies or others in the same tax group. Example 2 – Same as above, however, the losses of C and D are (300) and (600). The aggregate losses exceeding the profits, (300), are allocated to C and D in the proportions 300/900 and 600/900 or (100) and (200). In Nicolaj Bjørnholm and Anders Oreby Hansen; Denmark in International Tax Planning (Amsterdam: IBFV Publications BV, 2005); p. 205.

26. Ibid.; p. 205.

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss):

taxation that may represent an economy for one of the parts involved in such a transaction or even an increase of the amount due to the corres-ponding tax administration according to how the transaction has been conducted.

3. Use of Losses in International M&A TransactionWhen international M&A transactions are planned, the investor will

always consider taxation before entering any deal. However, many other issues are also to be considered with no less importance, such as the legal form to be adopted in the transaction and its corresponding accountan-cy. Most national tax rules provides that any company registered in the country is considered resident in that jurisdiction and thus subject to the concerned tax authority, also it is widely considered resident in a cer-tain country any company registered there or having its effective place of management in the country – which might be qualified as a permanent establishment (PE). The correlation between taxation and international M&A transaction often is that, for instance, the foreign target company becomes subject to taxation in the jurisdiction where it is established, as well as in the country of the parent company according to the that national taxation rules and, therefore, subject to taxation in two different jurisdictions, unless there is a double taxation agreement in place. It is important to look into the situation where a foreign company acquires just the assets of a certain national company, so it begins business opera-tions in a different country after closing, then the foreign company will automatically be regarded as having a PE in that specific national juris-diction as well. This scenario also applies to transaction held on a share deal basis, when a subsidiary will be located in a foreign country where its tax rules will be expected to apply the same way as it has been described in regards to the PE. The consequence is that the income originated in the country of the parent company might be regarded by the jurisdiction of the target company as taxed only in this country according to the natio-nal tax legislation.

As already mentioned, the type of deal will play an important role - there is a major impact whether the transaction is to be conducted on the basis of an asset agreement or a share agreement. Normally, the NOLs are carried along with the target in M&A transaction related to the acquisition of shares, however there are limitations to apply in such a circumstance, i.e. NOLs can only offset trading taxable income of the

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss)to the Tax Group

target itself and not the corresponding income of another company in the group when the controlling position is acquired. As we have seen so far the use of NOLs may be restricted, so it is not possible to use NOLs by another company outside the existing tax group,27 more spe-cifically in case of corporate transactions or reorganisation involving change of ownership.28 However, if there is a tax group, deduction may happen concerning a profit-making company already existing within this group in relation to the NOLs incurred by another company alre-ady appertaining to the same group by the time the losses were origi-nated.29 Whenever a change in ownership is mentioned in this paper, it shall be understood as a change of more than 50% of a company’s share capital or voting rights that at some point of a financial year is held by a different shareholder than that one owning it at an earlier point of the same financial year. It is possible also that the assessment regarding the change of ownership will happen at the parent level, which is of major importance in relation to the tax efficiency plan that the corporation might have.

It is important to bear in mind that this criteria of controlling inte-rest in the company to determinate whether a company shall integrate the group of taxable companies for consolidated taxation (joint taxation) may be disqualified for this purpose in case there is a shareholder’s agre-ement providing binding rules by which the minority has a veto right on important decisions in the company, so the company cannot be jointly taxed with its subsidiary.30 Therefore, it is necessary to know if the parent company has any agreement carrying such a provision in order to know whether it will be able to enter a specific national tax group,31 where the losses of one company offset against the gains of another one would be expected. In some specific context, a company may have unlimited right of carry-forward tax losses regarding time, but as we will see restrictions

27. Ibid.; p. 05.28. Nicolaj Bjørnholm and Anders Oreby Hansen; Denmark in International Tax Planning (Amsterdam: IBFV

Publications BV, 2005); pp. 145-146; and, KPMG - Taxation of Cross-Border Mergers and Acquisitions (Denmark); Available on http://www.kpmg.com/Global/en/IssuesAndInsights/ArticlesPublications/cross-bor-der-mergers-acquisitions/Documents/denmark-2012.pdf; accessed on August 2017; p. 10.

29. Ibid.; pp. 145-146; and, KPMG - Taxation of Cross-Border Mergers and Acquisitions (Denmark); Available on http://www.kpmg.com/Global/en/IssuesAndInsights/ArticlesPublications/cross-border-mergers-acquisitions/Documents/denmark-2012.pdf; accessed on the August 2017; p. 10.

30. BDO; Worth Knowing June 2012; Joint Taxation in Denmark; Available on http://www.bdo.dk/Publikationer/Publikationer/Joint%20Taxation%20in%20Denmark.pdf; accessed on the 18th December 2012.

31. BDO; Worth Knowing June 2012; Joint Taxation in Denmark; Available on http://www.bdo.dk/Publikationer/Publikationer/Joint%20Taxation%20in%20Denmark.pdf; accessed on the 18th December 2012.

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss):

apply. Nevertheless, it is important to remind that in some countries rules for no carry back rules exist, as it occurs in the US.

To sum up, in this topic the intention is to go through all the circums-tances relating to the use of NOLs in international M&A transaction with direct impact after an acquisition has occurred. So, the related con-sequences presented in the last previous paragraphs are to be observed throughout the transaction, starting already at the negotiation level, as it will have important tax and financial implications in the future, therefore the relevance of the corporate strategy for the transaction in respect of the use of NOLs.

3.1. Implications to Asset and Share Purchase AgreementsIn a merger and acquisition transaction there are two possibilities,

either the acquisition occurs by the acquisition of the target’s share or its assets. Depending on the type of the agreement, the transaction will be concluded by the company itself or the shareholder(s), thus the par-ties have to decide, i.e. negotiate the transaction’s form to be adopted, which will have an important implication to the use of NOLs. Should it be the case of an asset deal, then the company itself will sign the docu-ment, so the target company itself take part in the formalities involved; whereas in a share deal the company itself has no participation. In the case of a share agreement it will be the shareholder who will take part in the corresponding formalities – who will therefore sign the related do-cuments. However, as it is the aim of this paper, there are tax aspects to be taken into consideration in merger and acquisition transaction. It is widely known that normally transaction occurs by means of acquisition of the target’s shares because there is a major tax reason as a consequen-ce for the seller’s choice. When choosing share deal, the transaction is to happen in a tax-exempt basis regarding a possible income to be realised by the seller. In the other hand, if the transaction is carried out by the acquisition of the target company’s assets and there are gains realised on the sale of such assets, then the target will normally be held liable for taxation purposes.

Notwithstanding, the referred reasons pointed here for supporting the choice of one type of transaction in detriment of the other show us that the transaction involving the assets in process of Merger and Acquisition can be more interesting from the seller’s point of view if we consider the possibility that target company has to use NOLs instead of opting for the

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss)to the Tax Group

tax-exempt transaction in share deals32, so the seller can possibly make use of these losses to offset taxation on income related to operational positive target’s results in the future or another company belonging to the seller, which is part of the concerned tax group. These issues are to be taken into consideration for drawing the transaction’s strategy. In the case where the losses are to be used by another company in the same tax group it will normally only be possible if the losses were incurred by the target after it entered a certain tax group. If the transaction in held on the basis of an asset agreement, then the corresponding existing NOLs will remain with the target company because losses are not transferable to the purchaser in this case. The different tax consequences referred here is due to the fact that the company selling the assets will remain existing, whereas the company that had its share sold by the shareholder to the buyer will pass on entirely to the new controlling shareholder who will be the successor for all the correlated legal rights and obligations. Even though in a share purchase deal the target company will remain existing in an initial moment, in the practice, the existence will normally last for a certain period of time until it is incorporated by the parent company in another corporate reorganisation.

4. Issues Concerning the M&A Vehicle – Joint VentureIn an international merger and acquisition transaction, if the transac-

tion is not done directly by the purchase of the target’s share by the pa-rent company, it is necessary then to choose the appropriate acquisition vehicle according to the strategy to be adopted by the buyer, what could either be a holding company, a joint venture, or a local branch. This last option is the less adopted one33 due to the fact that local branches have restriction on their activities, which means that they cannot operate as a fully operational company. In order to know which one would be more appropriate as for tax efficiency, it is necessary to consider the circums-tances of the case, in special tax value of the interest deductions and the tax treaties in force between the concerned countries.34

A joint venture is thus an alternative for the foreign investor to enter the envisaged market. If this is the case, the chosen vehicle being joint venture, then there will be three options: (i) a corporate joint venture;

32. Ibid.; p. 0333. Ibid.; p. 06.34. Ibid.; p. 06.

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss):

(ii) an unincorporate joint venture; and, (iii) a strategic joint venture. In the first case the partners will both be shareholders in a local company, whereas in the second, the legal form is a partnership agreement entered by the parties, and for the third case the basis is cooperation on specific strategic objectives. As we can see the first option is a corporate structure, therefore, corporate entity for Danish taxation purposes. In this regard the choice of the appropriate joint venture form can be based on the most beneficial tax position related to matter such as the offset of losses or in-terest expenses against profits subject to income tax. Being the case where a joint venture has been chosen, in any of its possible forms, then the consequence related to the use of NOLs is that the use will happen pro-portionally according to the corresponding participation of each investor in the joint venture agreement.35

5. ConclusionThe intention behind this chapter was entering the subject of inter-

national M&A, narrowing it to the specific aspect related to the use of NOLs incurred by the target company to offset against income realised by the parent company or another company belonging to the same tax group of the parent to which the target would also be expected to join according to the specific rules. Considering all the peculiarities of a mer-ger and acquisition transaction: (i) which normally starts with the letter of intent; (ii) going to a negotiation period, which generally includes a legal due diligence and tax due diligence to be carried out in the target by the potential buyer; (iii) the drafting of an agreement, what in its turns can be an asset or share purchase agreement; and (iv) finally the closing if the transaction is successful after the parties have signed the contract and all the condition precedents are successfully fulfilled in due course. But there are many implications to be considered in such normally com-plex M&A transactions. Besides what has been mentioned here the whole transaction include the choose of the appropriate vehicle, being amongst the options a holding company, a direct investment, a local branch or a joint venture.

It has not been proven yet that tax could be the only reason for the decision on entering any merger and acquisition transaction, although it can be a relevant issue in such a decision. Some decisions in the course

35. Ibid.; p. 06.

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Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss)to the Tax Group

of a M&A transaction are made regarding particular strategies that the buyer, or even the seller, might have in mind. In this regard the tax main issues directly related to the merger and acquisition transaction are: (i) deduction, i.e. interest; (ii) use of losses, either trading losses (Net Ope-rating Losses) or capital losses; and, (iii) depreciation. For the purposes of this work the focus has been on cross-border M&A transaction, analy-sing the possibilities of use of losses from perspective of taxation.

We have seen that if the transaction is to happen at an international level, then there are related consequences that can vary in the different jurisdictions involved. Therefore, when it comes to the use of NOLs, if the transaction is involving a foreign company, one of the most relevant consequences that we have seen is that in some jurisdictions it would not be possible to use the related losses incurred by the target before it has entered a certain tax group. In this situation is easy to understand the intention behind the law, because the target company incurred in losses in a foreign country regarding the operations conducted in that country, so it could not be expected to have its losses used to offset against taxable income of some other company national to a different country.

Finally, the conclusion is that if the transaction is done over an asset deal, then in some circumstances the NOLs carry forward are kept by the seller, so the seller may benefit from it by offsetting against future inco-me of the target or against taxable income of another company within the same tax group, what might even have no time limitation, whereas if the transaction happens by a share deal, then all the NOLs incurred by the target company before entering the buyer’s tax group will be lost, not being possible to use the existing available NOLs by the time of clo-sing, more specifically, those existing before filing the request for the tar-get company fulfilling all the conditions to enter the existing specific tax group.

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 2018108

Cross-Border Use of Losses (Net Operating Loss):

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Bibliography

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Investidor anjo e sua regulamentação na Lei Complementar 155/16

Por Bruno Sartor Cunha

Graduado em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (2013); Especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católi-ca do Rio Grande do Sul – PUCRS (2015); Perío-do de graduação na Illinois State University - Fi-nancial Accounting, International Business Law, U.S. Judicial Process (2011).

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 2018110

Investidor anjo e sua regulamentação na Lei Complementar 155/16

Investidor anjo e sua regulamentação na Lei Complementar 155/16

Entre diversas formas de realizar investimentos financeiros, uma que chama muita atenção da classe empresária, em especial pessoas físicas com experiência empresarial em áreas como administração, gestão, ven-das e/ou consultoria, é o chamado “investimento anjo”.

Este investimento anjo é conhecido por estar diretamente voltado ao incentivo e apoio de empresas emergentes, também chamadas de startups.

O grande incentivo ao investidor anjo nesta operação sempre foi a possibilidade de participar ativamente, através de seu know-how e ne-twork, nos momentos de decisão da empresa e, após período definido ou cláusulas de gatilho financeiro, obter retorno por seu investimento.

Antes sem legislação específica, as relações entre os investidores anjos e as startups eram reguladas com base nos contratos assinados entre eles, como mútuo conversível, acordo de acionistas, term sheet.

Ainda em 2007, foi apresentado o Projeto de Lei Complementar 25 (quando apresentado, foi chamado de “Projeto de Lei Complementar - Crescer sem Medo”) que, além de incluir regulamentações sobre o inves-timento anjo, buscava, principalmente, reorganizar e simplificar a apura-ção de imposto devido pelos optantes do Simples Nacional.

Após, como de costume, longa tramitação, na Câmara de Deputados e sanção presidencial, foi aprovada a Lei Complementar Nº 155, de 27 de outubro de 2016.

Assim, buscando garantir uma maior segurança jurídica as relações de startups e investidores anjos, a Lei Complementar 155/2016 incluiu 4 artigos, cuja vigência iniciou na data de 01 de janeiro de 2017, a Lei Complementar 123 de 2006.

Com isso, a Lei Complementar 123/2006, que inclusive instituiu o Es-tatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, pas-sou a conter em seu Capítulo IX, do estímulo ao crédito e à capitalização, os artigos 61-A, 61-B, 61-C e 61-D.

Com o intuito de aprofundar as mudanças apresentadas, segue trecho da Lei Complementar 155/2016 em que os artigos são introduzidos e, após cada um deles, comentários:

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Investidor anjo e sua regulamentação na Lei Complementar 155/16

Art. 1º A Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006, passa a vigorar com as seguintes alterações:(...)Art. 61-A. Para incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos, a sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pe-queno porte, nos termos desta Lei Complementar, poderá admitir o aporte de capital, que não integrará o capital social da empresa.§ 1º As finalidades de fomento a inovação e investimentos produtivos deverão constar do contrato de participação, com vigência não superior a sete anos. § 2º O aporte de capital poderá ser realizado por pessoa física ou por pessoa jurídica, denominadas investidor-anjo. § 3º A atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente por só-cios regulares, em seu nome individual e sob sua exclusiva responsabilidade. § 4º O investidor-anjo: I - não será considerado sócio nem terá qualquer direito a gerência ou voto na administração da empresa; II - não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recupe-ração judicial, não se aplicando a ele o art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil; III - será remunerado por seus aportes, nos termos do contrato de participa-ção, pelo prazo máximo de cinco anos. § 5º Para fins de enquadramento da sociedade como microempresa ou em-presa de pequeno porte, os valores de capital aportado não são considerados receitas da sociedade. § 6º Ao final de cada período, o investidor-anjo fará jus à remuneração cor-respondente aos resultados distribuídos, conforme contrato de participação, não superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade enqua-drada como microempresa ou empresa de pequeno porte. § 7º O investidor-anjo somente poderá exercer o direito de resgate depois de decorridos, no mínimo, dois anos do aporte de capital, ou prazo superior es-tabelecido no contrato de participação, e seus haveres serão pagos na forma do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, não podendo ultrapassar o valor investido devidamente corrigido. § 8º O disposto no § 7º deste artigo não impede a transferência da titulari-dade do aporte para terceiros. § 9º A transferência da titularidade do aporte para terceiro alheio à socie-dade dependerá do consentimento dos sócios, salvo estipulação contratual expressa em contrário. § 10. O Ministério da Fazenda poderá regulamentar a tributação sobre retirada do capital investido.

Neste artigo 61-A podemos perceber a intenção do legislador em in-dicar o objetivo da nova regulamentação e criar regras básicas, funda-mentais e claras – como prazo, remuneração, resgate e transferência – de como se dará o investimento, através de pessoa física ou jurídica, indican-do, inclusive o termo “investidor-anjo”,

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Investidor anjo e sua regulamentação na Lei Complementar 155/16

De início, já existe a indicação de que os aportes realizados não inte-grarão o capital social da empresa, visando que estes valores sejam dire-cionados para investimentos no crescimento do negócio.

Importante decisão da Lei Complementar 155/2016 é indicar, explici-tamente, permissões e proibições ao investidor anjo, tais como a impossi-bilidade de exercer as atividades da empresa, as quais são exclusivamente dos sócios regulares, o que, conforme anteriormente dito, não impede que o investidor anjo participe, através de seu know-how e network, indi-cando eventuais caminhos que possam ser seguidos.

Ainda sobre sócios regulares, o investidor anjo, nesta nova regulação, não será considerado sócio ou terá direito a votos sobre os andamentos da empresa.

A impossibilidade de se tornar sócio garante ao investidor anjo uma segurança maior com relação a não responder por dívidas da empresa e, em especial, não estar sob o risco da desconsideração da personalida-de jurídica, situação que ocorre cada vez com mais frequência em nosso judiciário que, quando verificada a impossibilidade de pagamento das dívidas por parte da empresa, pode, com o cumprimento de alguns re-quisitos, direcionar a cobrança aos bens do sócio da empresa.

Sobre remuneração dos aportes, o contrato de participação deverá in-dicar como serão realizados, porém existe limitação máxima de 5 (cinco) anos. Este prazo pode ser considerado curto se levarmos em considera-ção que uma empresa pode demorar um período maior para que o inves-timento tenha o retorno esperado.

Caso o investimento seja realizado com o intenção de fomento a ino-vação e investimento produtivo, a intenção de realizar o investimento neste formato deverá constar no contrato de participação, tento um prazo de duração maior de 7 (sete) anos.

Como alguns investimentos podem envolver cifras elevadas, a Lei Complementar 155/2016 destacou que os valores dos aportes não serão contabilizados como receitas da empresa, permitindo que o enquadra-mento como microempresa e empresa de pequeno porte seja mantido.

Houve limitação da remuneração ao investidor anjo em 50% dos lu-cros da empresa quando da distribuição dos resultados, mas, levando-se em conta que os investidores anjos dificilmente adquirem participação majoritária, em poucas situações a distribuição de lucros em percentual superior ao limitado pela legislação ocorreria.

Por se tratar de um investimento, a melhor maneira para obter retor-

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no antes do prazo seria, após a valorização da empresa, a alienação de sua participação à terceiros. Porém, a legislação teve por possibilitar o direito de resgate, se superados, no mínimo, 2 (dois) anos, ou período superior estipulado por contrato, do aporte de capital. Este resgate ocorreria nos termos do artigo 1.031 do Código Civil Brasileiro que trata da dissolução parcial da sociedade em relação a um sócio, o qual teria sua quota liqui-dada com base na situação patrimonial da empresa, verificada através de balanço especialmente levantado para tal fim.

Durante o período do investimento, é possível que o investidor anjo opte por transferir a titularidade de seu aporte à terceiros. Neste caso, é necessário que os sócios da empresa estejam de acordo com a trans-ferência, exceto em situações anteriormente discutidas e expressamente indicadas no contrato de participação.

A Lei Complementar 155/2016 teve por indicar, nos termos do artigo 61-A, §10, que o Ministério da Fazenda poderia regulamentar a tributa-ção nestes formatos de investimentos. Em 21 de julho de 2017 foi apre-sentada a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil n.º 1.719, a qual “Dispõe sobre a tributação relacionada às operações de aporte de capital de que trata o art. 61-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.”. A integra da Instrução Normativa encontra-se no Anexo I do presente estudo.

Neste momento cabe destacar o artigo 5º da Instrução Normativa 1.719, o qual teve por indicar que os rendimentos obtidos através do in-vestimento anjo serão tributados na fonte, com alíquota regressiva de im-posto de renda, conforme segue:

Art. 5º Os rendimentos decorrentes de aportes de capital efetuados na forma prevista nesta Instrução Normativa sujeitam-se à incidência do imposto sobre a renda retido na fonte, calculado mediante a aplicação das seguintes alíquotas:I – 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento), em contratos de participação com prazo de até 180 (cento e oitenta) dias;II – 20% (vinte por cento), em contratos de participação com prazo de 181 (cento e oitenta e um) dias até 360 (trezentos e sessenta) dias;III – 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento), em contratos de participação com prazo de 361 (trezentos e sessenta e um) dias até 720 (se-tecentos e vinte) dias;IV – 15% (quinze por cento), em contratos de participação com prazo supe-rior a 720 (setecentos e vinte) dias.§ 1º A base de cálculo do imposto sobre o rendimento de que trata o inciso II do § 2º corresponde à diferença positiva entre o valor do resgate e o valor do aporte de capital efetuado.

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Investidor anjo e sua regulamentação na Lei Complementar 155/16

§ 2º Entende-se como rendimento para fins de aplicação do disposto neste artigo:I - a remuneração periódica a que faz jus o investidor-anjo, correspondente aos resultados distribuídos de que trata o art. 2º; eII - o ganho no resgate do aporte de que trata o art. 4º.§ 3º Os rendimentos periódicos produzidos pelo contrato de participação, serão submetidos à incidência do imposto sobre a renda retido na fonte por ocasião de seu pagamento, aplicando-se as alíquotas previstas neste artigo, calculado o prazo a partir da data do aporte.§ 4º A sociedade que admitir aporte de capital deverá manter controles que permitam verificar a correta apuração da base de cálculo do imposto a que se refere o caput.§ 5º O imposto sobre a renda retido na fonte será considerado:I - definitivo para investidor pessoa física ou pessoa jurídica isenta ou op-tante pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contri-buições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional); eII - antecipação do imposto devido no encerramento de cada período de apuração ou na data de extinção, no caso de pessoa jurídica tributada com base no lucro real, presumido ou arbitrado.§ 6º O recolhimento do imposto sobre a renda retido na fonte deverá ser efetuado até o 3º (terceiro) dia útil subsequente ao decêndio de ocorrência dos fatos geradores.

O §2º da Instrução Normativa 1.719 indica a tributação, igualmente na fonte e com alíquota regressiva, quando o investidor anjo receber valores na forma de distribuição de resultados e no caso do investidor anjo optar pelo resgate de seu investimento, nos termos do artigo 1.031 do Código Civil Brasileiro – dissolução parcial da sociedade em relação a um sócio.

A tributação, na forma apresentada, vai na contramão da Lei Comple-mentar 155/2016, ou seja, desestimula o investidor anjo, que está reali-zando um investimento em operação com alto risco de insucesso e ainda arcará com tributação face o ganho do capital.

Neste modelo de tributação proposto pela Receita Federal, o formato anterior de investimento, através de aquisição de participação ou contra-to de mútuo com a empresa, é financeiramente mais atrativo, devido a tributação ser mais benéfica para credor da empresa, via instrumento de dívida ou distribuição de dividendos.

Feita a análise do Artigo 61-A, seguiremos com a análise dos outros artigos inclusos pela Lei Complementar 155/2016.

Art. 61-B. A emissão e a titularidade de aportes especiais não impedem a fruição do Simples Nacional.

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Investidor anjo e sua regulamentação na Lei Complementar 155/16

O artigo é claro ao indicar que existindo aporte de capital por inves-tidor anjo, a empresa poderá manter sua tributação através do Simples Nacional. Conforme dito anteriormente, a própria Lei complementar 155/2016 teve por alterar as faixas de faturamento deste regime tributário.

Art. 61-C. Caso os sócios decidam pela venda da empresa, o investidor-anjo terá direito de preferência na aquisição, bem como direito de venda conjun-ta da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios regulares.

A nova legislação decidiu incluir duas práticas muito comuns nas so-ciedades anônimas e sociedades empresárias, o direito de preferência e o chamado “tag along” ou direito de venda conjunta.

Ambos direitos encontram regulação na Lei 6.404 (“Lei das Socieda-des Anônimas”), nos artigos 171 e 254-A.

Em ambas as situações, direito de preferência e tag along, é necessá-rio que os sócios regulares da empresa tenham interesse em alienar suas participações.

No caso do direito de preferência, o investidor anjo pode equiparar a proposta realizada por terceiros, adquirido a participação dos sócios, nos mesmos termos e condições da oferta apresentada.

Já o tag along é o direito conferido ao investidor anjo de, havendo proposta formar e interesse dos sócios em alienar sua participação da empresa, obrigar que sua participação seja alienada na mesma operação, nos mesmos termos e condições ofertados pelo terceiro.

Tais direitos são extremamente comuns em operações de investimen-to de empresas e acordos de acionistas, porém por agora estarem expres-samente indicados, garantem que eventuais ausências de previsões nestes sentidos não causem prejuízo aos investidores anjos.

Por fim, temos o artigo 61-D.

Art. 61-D. Os fundos de investimento poderão aportar capital como inves-tidores-anjos em microempresas e empresas de pequeno porte.

Para ampliar o escopo dos possíveis investidores, este artigo indicou a possibilidade de fundos de investimento aportarem capital nas empresas.

Tal possibilidade já ocorria, mas agora possui maior segurança jurídi-ca para o fundo e para a empresa.

Feita a análise individualizada dos artigos incluídos, é possível per-ceber a intenção do legislador em oferecer aos investidores anjos maior

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Investidor anjo e sua regulamentação na Lei Complementar 155/16

segurança jurídica ao seu investimento, com o claro intuito de que esta forma de investimento seja realizada com mais frequência.

Algumas críticas podem ser feitas ao legislador por, por exemplo, li-mitar o prazo para remuneração do aporte em 5 (cinco) anos, talvez im-possibilitando o período necessário para que o investimento tenha efeito e o resultado seja o planejado.

O grande limitador de interesse neste formato de investimento certa-mente será a tributação dos rendimentos obtidos. A Instrução Normativa da Receita Federal foi na exata contramão da intenção do legislador. Ao tributar como se outro investimento financeiro fosse, o investidor anjo ficará ainda mais receoso em realizar alguma forma de investimento.

De todo o exposto, a legislação que visava o crescimento sem medo das pequenas e médias empresas brasileiras, garantindo direitos e segu-rança jurídica em novos aspectos, foi extremamente prejudicada, pois a tributação imposta pela Receita Federal certamente fará o investidor anjo pensar duas vezes antes de investir seu capital em uma startup.

Instrução Normativa RTB Nº 1719, de 19 de Julho de 2017

(Publicado(a) no DOU de 21/07/2017, seção 1, pág. 155)

Dispõe sobre a tributação relacionada às operações de aporte de ca-pital de que trata o art. 61-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de de-zembro de 2006.

O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos III e XVI do art. 280 do Regi-mento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF nº 203, de 14 de maio de 2012, e tendo em vista o disposto no art. 61-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, resolve:

Art. 1º Esta Instrução Normativa dispõe sobre a tributação dos rendi-mentos decorrentes dos contratos de participação com aportes de capital efetuados nos termos do art. 61-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, pelos denominados investidores-anjo, para incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos em sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte.

Parágrafo único. Não é condição para recebimento dos aportes de que trata o caput a adoção, pela sociedade enquadrada como microempresa

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Investidor anjo e sua regulamentação na Lei Complementar 155/16

ou empresa de pequeno porte, do Regime Especial Unificado de Arreca-dação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Em-presas de Pequeno Porte (Simples Nacional).

Art. 2º Ao final de cada período o investidor-anjo fará jus à remune-ração correspondente aos resultados distribuídos, conforme definido no contrato de participação, não superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade que receber o aporte de capital.

Art. 3º O investidor-anjo poderá alienar a titularidade dos direitos do contrato de participação para sócios da sociedade que receber o aporte de capital ou para terceiros alheios à sociedade, com consentimento daque-les, salvo estipulação em contrário expressa no contrato de participação.

Art. 4º O investidor-anjo poderá exercer o direito de resgate do valor do aporte depois de decorridos, no mínimo, 2 (dois) anos do aporte de capital ou em prazo superior estabelecido no contrato de participação, e seus haveres serão pagos na forma do art. 1.031 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.

Parágrafo único. O valor do resgate será limitado ao valor do aporte corrigido por índice de inflação definido no contrato de investimento.

Art. 5º Os rendimentos decorrentes de aportes de capital efetuados na forma prevista nesta Instrução Normativa sujeitam-se à incidência do imposto sobre a renda retido na fonte, calculado mediante a aplicação das seguintes alíquotas:

I - 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento), em contra-tos de participação com prazo de até 180 (cento e oitenta) dias;

II - 20% (vinte por cento), em contratos de participação com prazo de 181 (cento e oitenta e um) dias até 360 (trezentos e sessenta) dias;

III - 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento), em contra-tos de participação com prazo de 361 (trezentos e sessenta e um) dias até 720 (setecentos e vinte) dias;

IV - 15% (quinze por cento), em contratos de participação com prazo superior a 720 (setecentos e vinte) dias.

§ 1º A base de cálculo do imposto sobre o rendimento de que trata o inciso II do § 2º corresponde à diferença positiva entre o valor do resgate e o valor do aporte de capital efetuado.

§ 2º Entende-se como rendimento para fins de aplicação do disposto neste artigo:

I - a remuneração periódica a que faz jus o investidor-anjo, correspon-dente aos resultados distribuídos de que trata o art. 2º; e

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Investidor anjo e sua regulamentação na Lei Complementar 155/16

II - o ganho no resgate do aporte de que trata o art. 4º.§ 3º Os rendimentos periódicos produzidos pelo contrato de partici-

pação, serão submetidos à incidência do imposto sobre a renda retido na fonte por ocasião de seu pagamento, aplicando-se as alíquotas previstas neste artigo, calculado o prazo a partir da data do aporte.

§ 4º A sociedade que admitir aporte de capital deverá manter con-troles que permitam verificar a correta apuração da base de cálculo do imposto a que se refere o caput.

§ 5º O imposto sobre a renda retido na fonte será considerado:I - definitivo para investidor pessoa física ou pessoa jurídica isenta

ou optante pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional); e

II - antecipação do imposto devido no encerramento de cada período de apuração ou na data de extinção, no caso de pessoa jurídica tributada com base no lucro real, presumido ou arbitrado.

§ 6º O recolhimento do imposto sobre a renda retido na fonte deverá ser efetuado até o 3º (terceiro) dia útil subsequente ao decêndio de ocor-rência dos fatos geradores.

Art. 6º O ganho na alienação dos direitos do contrato de participação de que trata o art.

3º, recebido por investidor pessoa física ou pessoa jurídica isenta ou optante pelo Simples Nacional, será submetido à incidência do imposto sobre a renda por ocasião da alienação do contrato de participação, me-diante aplicação das alíquotas previstas no caput do art. 5º, calculado o prazo a partir da data do aporte, e recolhido o imposto devido até o últi-mo dia útil do mês subsequente.

§ 1º A base de cálculo do imposto sobre os rendimentos de que trata o caput corresponde à diferença positiva entre o valor da alienação e o valor do aporte.

§ 2º O ganho de que trata o caput, quando auferido por pessoa jurídi-ca tributada com base no lucro real, presumido ou arbitrado:

I - será computado no pagamento da estimativa e na apuração do lu-cro real; e

II - comporá o lucro presumido ou o lucro arbitrado.§ 3º Para fins de incidência do imposto sobre a renda, considera-se

alienação, qualquer forma de transmissão da propriedade, inclusive a cessão do contrato de participação.

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 2018 119

Investidor anjo e sua regulamentação na Lei Complementar 155/16

Art. 7º São dispensados de retenção do imposto sobre a renda os ren-dimentos e os ganhos líquidos ou de capital auferidos pelas carteiras dos fundos de investimentos que aportarem capital como investidores-anjo.

§ 1º Os resgates dos fundos de investimentos sujeitam-se à incidência do imposto sobre a renda na fonte aplicável aos fundos de investimentos regidos por norma geral.

§ 2º No caso de fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio fechado, que não admitem resgate de cotas durante o prazo de duração do fundo, devem ser observadas as regras estabelecidas no art. 16 da Instrução Normativa RFB nº 1.585, de 31 de agosto de 2015.

Art. 8º Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publi-cação no Diário Oficial da União.

JORGE ANTONIO DEHER RACHID

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Aspectos Contratuais do Venture Capital no Vale do Silício

Por Nikolai Sosa Rebelo

Graduado em Direito pela Pontifícia Universi-dade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (2009); Pós-Graduado em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS; Mestre em Direito pela University of California – Berkeley (2016), apro-vado no exame da ordem dos advogados de Nova Iorque nos Estados (2016), aguardando análise de documentação para inscrição em NY.

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 2018122

Aspectos Contratuais do Venture Capital no Vale do Silício

Aspectos Contratuais do Venture Capital no Vale do Silício1. Introdução

Venture capital é uma das atividades que mais movimenta a economia da Califórnia. Pode-se dizer, inclusive, que a indústria de venture capital é o combustível financeiro das empresas inovadoras que são criadas na famosa região do Vale do Silício. O modelo de financiamento se liga a outros importantes fatores para tornar a região o polo de inovação tec-nológica de maior importância no mundo, servindo de paradigma a ser estudado pelos demais países, a fim de incentivar o desenvolvimento eco-nômico mundial.

O surgimento do que se chama de ecossistema do Vale do Silício se iniciou há bastante tempo naquela região da parte norte do estado da Cali-fórnia nos Estados Unidos. Obviamente que houve um elemento de casu-alidade para que o Vale se tornasse esse centro mundial de inovação, pois, se fosse mera equação matemática, teríamos outros lugares com relevância equivalente a esta região, o que, de fato, inocorre. Entretanto, alguns as-pectos são perceptíveis e destacáveis, não se tratando de casualidade pura: • InstituiçõesdeEnsinoedePesquisacomequipamentosalta-

mente tecnológicos; • Cientistas e Engenheiros altamente capazes que vão atraídos

pela possibilidade da pesquisa; • Financiamento abundantedoGovernoAmericanoprincipal-

mente no início do surgimento do Vale do Silício – interesse nas novas tecnologias par auso aeroespacial e militar;

• EcossistemaeculturadeVentureCapital,comvaloresdesen-volvidos pelos investidores e empresários que encorajam a bus-ca pela inovação, por exemplo:

o Mobilidade de mão de obra – ou seja – as pessoas abrem mão de empregos estáveis para apostar em novas ideias;

o Assunção de riscos, no sentido de que todos são enco-rajados a tentar, pois mesmo a falha é vista como um aprendizado;

o Criatividade na busca de solucionar problemas existen-tes no mundo real ou melhorar as soluções já existentes.

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 2018 123

Aspectos Contratuais do Venture Capital no Vale do Silício

A história do vale demonstra a importância que a economia local tem para o mundo onde vivemos hoje. As ferramentas tecnológicas atuais fo-ram originadas de alguma maneira nas inovações trazidas pelas empresas do Vale. Foi de lá que se melhorou a tecnologia do chamado transistor que revolucionou a área de produção de hardwares no mundo. Graças a tec-nologia criada diversas realizações foram possíveis, desde levar o homem até a lua até colocar em nossos bolsos um smartphone, que nada mais é que um “mini” computador que interconecta pessoas em praticamente qualquer região do globo. Também foi no Vale onde foram criadas novas formas de comunicação e relacionamento social, com as empresas desen-volvedoras de redes sociais e aplicativos. Ainda em desenvolvimento com intensa pesquisa e investimento no vale, temos as energias renováveis, carros elétricos, biotecnologia etc.

Destarte, aos advogados, cabe traduzir o complexo ecossistema em linguagem jurídica, o que ocorre por meio de contratos, constituição de organizações societárias e observâncias das demais normas de direito que impactam a atividade empresarial. Merece destaque, ainda, o fato de o direito norte-americano, em especial, o direito estadual da Califórnia, entenderam a importância do modelo do vale do silício, tendo se desen-volvido de forma a dar suporte ao ecossistema da região.

2. O Modelo de Negócios do ValeO vale do silício é a região onde o sonho de empreendedorismo é

considerado como verdadeira possibilidade de sucesso. Todos os anos, milhares de novas start-ups são constituídas na região norte da Cali-fórnia, almejando ser a nova grande ideia, e tornar-se próxima grande companhia de tecnologia. Os empreendedores locais vivem e entendem a realidade empresarial e buscam o parceiro financeiro ideal para apostar em suas ideias inovadoras.

No Vale do Silício, as empresas bem-sucedidas passam por todos os seus estágios até se tornar uma grande companhia de capital aberto nas bolsas de valores dos Estados Unidos. Entretanto, é a disponibilidade gi-gantesca de recursos financeiros para os estágios iniciais destas socieda-des empresárias que torna o modelo de negócios do Vale algo merecedor de tanto estudo.

Essa disponibilidade é o grande motivo da busca por investimentos de venture capital, pois estes investidores têm por missão encontrar em-presas altamente inovadoras com grande potencial de crescimento. Faz

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 2018124

Aspectos Contratuais do Venture Capital no Vale do Silício

parte da lógica econômica deste investidor gastar muito dinheiro para desenvolver a empresa na crença de que o enorme crescimento do negó-cio trará retorno múltiplas vezes superior ao valor investido.

Pelo lado dos empresários, a necessidade deste investimento decorre da completa indisponibilidade das fontes comuns de financiamento. Por exemplo, nenhuma instituição financeira disponibilizaria empréstimos no montante necessário para os projetos inovadores, em razão do alto risco do negócio. Instituições financeiras, embora altamente lucrativas, trabalham com riscos muito menores do que o risco representado pelas empresas inovadoras. Os empréstimos exigem pagamentos de juros qua-se imediatos, enquanto os investidores de venture capital não exigirão o retorno dos valores durante alguns anos, além de estarem dispostos, até mesmo, a perder dinheiro nas operações. A lógica do venture capital é que, se 1 investimento obtiver o resultado esperado, superará os tantos outros que falharem.

Ainda, devemos entender quais os estágios da vida de um negócio. Negócios se desenvolvem numa sequência de etapas semelhantes aos se-res vivos. Nascem e se desenvolvem, com a diferença que buscam superar a morte e atingir a perpetuidade independentemente de seus criadores. Em termos técnicos, existem diferentes formas de classificar tais etapas, mas vamos nos limitar a seguinte classificação em relação aos ciclos de investimentos:

• Seed/Startup–investimentopequeno-Empresastêmquepro-var um conceito de produto e ideia;

• EarlyStage-Produçãoetestedeprodutos–estudodoMerca-do, contratação de administradores chave, elaboração de busi-ness plan;

• Expansão–InvestimentoemMarketingemelhoriasnoprodu-to;

• Estágios avançados - Companhia já atingiuumcrescimentoestável – podem considerar um IPO.

O venture capital costuma entrar ou na fase de startup ou no early stage da empresa. Os investidores preferem aguardar pelo menos a exis-tência da ideia inicial de negócio com um conceito básico do produto já estabelecido. Obviamente que a ideia ainda não é 100% testada, pois o investimento de venture capital é sempre de risco. Ideias consolidadas

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Silveiro Advogados: Temas de Direito Empresarial 2018 125

Aspectos Contratuais do Venture Capital no Vale do Silício

são alvos de outros tipos de investidores, como, por exemplo, de private equity ou do grande público da bolsa de valores e seus investidores pro-fissionais.

No vale do silício, todos são empreendedores em potencial e buscam criar o próximo grande negócio de escala mundial. Isso surge com as pessoas que criam uma ideia, debatem com colegas, professores etc., a fim de ter uma validação mínima. Trata-se de um estágio pré-operacio-nal da empresa. Entretanto, já com esta ideia estabelecida, os fundadores percebem, logo cedo, a necessidade de proteção jurídica e o fazem com a criação de uma pessoa jurídica empresarial.

A fim de desenvolver o primeiro protótipo de produto e de obter no-vas validações, inicia-se a captação dos investidores iniciais, normalmente, aqui, são os chamados investidores anjos e as pessoas próximas aos funda-dores (como familiares, amigos e os primeiros funcionários – estes últimos acabam exigindo a assunção de papel de cofundadores da empresa). Com os primeiros protótipos e novas (porém, ainda pequenas) validações, os investidores de venture capital costumam entrar em cena e se interessar pelo negócio. Quando um investidor destes se interessa a ponto de investir, acreditando no projeto, passa-se ao desenvolvimento acelerado do produ-to, intensificando a pesquisa e em busca de entrada no mercado, bem como de um agressivo crescimento do marketshare da empresa. O objetivo, algu-mas vezes, é, até mesmo, criar um mercado inexistente. A partir de então, as empresas bem-sucedidas passam a ser alvos de novos investidores, até chegar ao ponto de abertura do capital na bolsa de valores.

3. A Lógica Econômica por Trás de uma Avaliação Financeira

Existe uma lógica econômica peculiar do Vale-do-Silício, na visão dos profissionais da região, no que diz respeito às avaliações das empresas. Sabemos que existem diferentes técnicas de avaliar economicamente um negócio, como, por exemplo, comparação de múltiplos e o método de fluxo de caixa descontado. A verdade, porém, é que, em startups, tudo envolve grande especulação. Avaliadores até seguem o discounted cash flow, criando projeções futuras, mas a diferença de avaliar uma startup para uma companhia estabilizada é que esta última tem parâmetros do passado que tornam menos especulativas as projeções, enquanto as star-tups inovadoras não tem nenhuma parâmetro e tem um alto grau de risco de não se tornarem viáveis.

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Segundo o Professor de Berkeley e advogado Herb Fockler, a lógica econômica é simples. O investimento não depende de uma avaliação for-mal, mas, sim, de uma crença acerca do potencial da ideia e do time de empreendedores que estão à frente do negócio. Os investidores de ven-ture capital, uma vez convencidos do potencial do negócio, normalmen-te vão disponibilizar o capital necessário para desenvolver do produto. A avaliação do valor da empresa é importante para definir a parcela de participação que o venture capitalist exigirá pelo seu investimento. Nesse sentido, eles avaliam com base nos seguintes critérios:

• Estimativadovalortotalnecessáriodeinvestimentonotempo; • Estimativadotamanhodomercadonomomentode“saída”; • Determinar o valor da companhia combase nomercado da

“saída”; • Determinaro%necessáriodeaçõesparaterataxaderetorno

desejado; • Separaroinvestimentoemrodadasdeinvestimentos,combase

no valor estimado de financiamento do projeto; • Estimaropreçodasaçõesnasrodadasdeacordocomoinves-

timento para que o VC tenha o % desejado no tempo da saída.

Pelo lado dos fundadores, a lógica econômica é expressada pela má-xima “vender barato para os empregados e fundadores, vender caro para os investidores”. Importante destacar o papel dos fundadores em atrair talentos, sendo a grande prática valer-se das opções de compra de ações a serem oferecidas para os empregados-chave que a empresa busca con-tratar. Isso significa que o preço das ações para os investidores deve ser bastante elevado, para obter o financiamento necessário, diminuindo a diluição da participação acionária; de outro lado, para atrair talentos, o valor de venda das ações ou opções da compra devem ser reduzidos. No-te-se que a captação de talentos também é feita com base na crença do potencial do negócio, sendo, da mesma forma que para o investidor, uma transação de risco. Os empregados também estão submetidos ao risco do negócio, pois grande parte da sua remuneração depende do sucesso empresarial. De toda forma, como todo esse mercado respira os ares da inovação e a assunção de riscos em busca de se tornar o próximo negócio bilionário, tal forma de negociação é vista como normal e aceita pelas partes.

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Obviamente, o direito teve e tem papel fundamental no desenvolvi-mento desta cultura de venture capital. Existe o chamado duplo dilema entre investidores e inovadores, ou seja, o inovador tem medo de revelar e ver sua ideia copiada, enquanto o investidor tem medo de ver o seu dinheiro sendo mal utilizado ou até mesmo desviado para fins pesso-ais pelo empreendedor, conforme ensinam Cooter e Schafer (COOTER; SCHAFER, 2011, p. 27). Estes autores explicam o papel da lei na solução do duplo dilema entre inovadores e investidores (COOTER; SCHAFER, 2011, P. 27 e 31). A tese é de que a proteção estatal da propriedade privada é a base que apoia a confiança de se investir no futuro (COOTER; SCHA-FER, 2011, P. 27 e 31). Especificamente no caso do mercado financeiro, além do direito à propriedade, exige-se outros ramos do direito para se fortalecer a confiança no mercado (COOTER; SCHAFER, 2011, P. 32).

Assim, analisando o Vale do Silício sob o prisma do law and economics proposta pelos autores supracitados, o direito da Califórnia tem servido de suporte para reforçar a cultura do Vale, bem como os players deste mercado utilizam os mecanismos contratuais como solução do duplo di-lema acima referido.

4. Aspectos Jurídicos e ContratuaisO estudo de aspectos jurídicos e contratuais de venture capital de-

mandam a separação do tema em três partes: 1. Situação jurídica dos fun-dadores; 2. Organização jurídica dos investidores e 3. Aspectos jurídicos da relação entre fundadores e investidores.

4.1. Situação Jurídica Dos FundadoresO primeiro ponto importante do estudo dos aspectos jurídicos e con-

tratuais envolve questões de direito trabalhista em relação à propriedade intelectual sobre a nova ideia. Estes temas são relacionados, pois, normal-mente, os empreendedores costumam ter seus empregos em outras com-panhias maiores ao mesmo tempo que desenvolvem novas ideias. Assim, existem normas legais e contratuais que regulamentam a questão da propriedade sobre a ideia nessa fase em que o empreendedor atua como agente duplo, hora como empregado hora como empresário autônomo.

Do ponto de vista do direito estatal, ou seja, lei e jurisprudência, exis-te diferença de tratamento para o empregado chave (key employee) e o técnico (skilled worker), de um lado; e, de outro lado, tratamento menos restritivo ao não técnico. O técnico e o chave são contratados em razão

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de sua capacidade intelectual diferenciada sobre determinado assunto. O skilled atua em alguma área de especialidade técnica (por exemplo, enge-nharia ou T.I.), e o key employee tem importante papel na área de gestão do negócio. Na maioria das vezes, o empregado técnico tem o papel de desenvolver novos produtos e soluções para o seu empregador. Portanto, o skilled worker costuma ser contratado para inventar novas ideias, e o key employee para auxiliar a capitanear o negócio como diretor, membro do board ou gerente (BAGLEY, 2012, p. 13). O mesmo não ocorre com os demais funcionários, por isso, o direito os trata de forma diferente, em relação à propriedade intelectual sobre novas ideias.

A jurisprudência do Estado da Califórnia reconhece um dever espe-cial de lealdade do empregado contratado em razão das suas habilidades técnicas ou da sua capacidade gerencial, podendo impactar a propriedade intelectual sobre novas ideias criadas por estes empregados. A regra geral, aplicável para todos os empregados, técnicos ou não, é que ideias desen-volvidos durante do horário de trabalho e/ou com recursos do empre-gador serão de propriedade do empregador. Entretanto, o skilled worker tem a restrição adicional de não competir com o empregador durante o período em que estiver empregado, bem como abster-se de praticar qual-quer ato que possa causar danos ao seu empregador. Vale dizer, existem consequências jurídicas para o empregado que, mesmo desenvolvendo seu negócio paralelo fora do horário de trabalho, o faz em competição ao atual empregador.

Além disso, existem normas determinando que o empregado, mesmo após deixar o emprego, capte clientes e funcionários do seu ex-emprega-dor. Algumas vezes, porém, as normas são interpretadas restritivamente, a fim de não engessar a cultura do vale do silício que sempre valorizou a ideia de mobilidade e de assunção de riscos, a fim de incentivar a inova-ção. Nesse sentido, cita-se o caso Palm Computing, no qual a ex-funcio-nária não foi condenada pelo simples fato de informar aos seus colegas que estava deixando a companhia para abrir o próprio negócio, disponi-bilizando o seu novo contato caso alguém quisesse manter contato (BA-GLEY, 2012, p. 31).

Além da norma geral do dever de lealdade, as companhias da região tentam se valer de mecanismos contratuais para assegurar a lealdade dos seus skilled workers, bem como, garantir a propriedade sobre as ideias por eles desenvolvidas durante o vínculo contratual. Assim, os empreendedo-res do vale devem estar atentos às cláusulas do seu contrato para assegu-

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rar que terão o que se conhece no jargão local de clean IP, ou seja, uma propriedade sobre a ideia sem manchas, vale dizer, sem possibilidade de ser disputada. Nesse sentido, os consultores jurídicos criaram diversas cláusulas, tais como:

• Nomoonlighting; • Non-compete; • Non-solicit; • Non-disclosure(confidencialidade); • InventionAssignment

A cláusula no-moonlighting estabelece proibição ao funcionário de tra-balhar em outros negócios fora do horário de trabalho, ou seja, equivale a criação de um dever de exclusividade contratual com o seu empregador.

A cláusula de non-compete, por sua vez, proíbe que o empregado saia da empresa para atuar competindo com o seu ex-empregador. Porém, a jurisprudência da Califórnia entendeu ser nula esta cláusula, por violar a ordem pública deste estado, inclusive tendo sido positivada regra neste mesmo sentido [Edwards v. Arthur Andersen LLP, 44 Cal. 4th 937, 946 (2008)]. Esta é uma importante distinção do direito californiano em re-lação a outros estados americanos, onde as cláusulas de não competição são autorizadas se previstas com prazo e delimitação geográfica razoável. A doutrina acredita que esta diferença foi fator importante para o de-senvolvimento da cultura inovadora do vale, pois encoraja a mobilidade, permitindo que as habilidades dos trabalhadores sejam alocadas onde sejam melhor aproveitadas.

A cláusula non-solicit impede a captação de clientes e colegas de tra-balho por parte do empregado que está a criar novo negócio. Conforme referido, tal dever foi elevado a dever legal, principalmente para os skilled workers e key employees pelo dever de lealdade.

A cláusula mais utilizada, possivelmente presente em todos os contra-tos de trabalho da região do vale do silício é o dever de confidencialidade. Os non-disclosure-agreements são fundamentais para as companhias da região, pois todas estão investindo em produtos inovadores a fim de obter vantagens competitivas diferenciadas. Portanto, os negócios contemplam informações altamente sigilosas que, se descobertas pela concorrência, podem prejudicar enormemente a estratégia de uma companhia inova-dora.

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Por fim, faz-se referência a cláusula ou contrato denominado inven-tion assignment, sendo a obrigação contratual que outorga propriedade intelectual ao empregador sobre todas as invenções criadas pelos empre-gados da empresa. No entanto, o judiciário californiano novamente criou limites para estas cláusulas a fim de defender a cultura da mobilidade do vale do silício que é tratada como verdadeira política pública do estado. Assim, este tipo de cláusula somente é aplicável para invenções que fo-rem relacionadas aos negócios do empregador, não podendo interferir na propriedade intelectual do empregado que desenvolveu nova ideia fora do horário de trabalho, sem recursos do empregador e em área de atua-ção não relacionada à atividade do seu empregador (Conforme o Califor-nia Labor Code, § 2870).

As questões supracitadas são importantes para a busca de investimen-to de venture capital principalmente em razão da questão da propriedade intelectual. Embora os investidores sejam investidores de risco, o risco de disputa sobre o bem maior das empresas de inovação, ou seja, sobre a propriedade intelectual é o único que constitui verdadeiro dealbreaker, mesmo que se trate de negócio com grande potencial. Assim, estes as-pectos contratuais e legais da relação de trabalho entre empreendedores e seu ex-empregador são relevantes especialmente em due diligences nas operações de venture capital.

O segundo aspecto jurídico sobre os fundadores diz respeito a escolha do tipo societário. É claro que, junto com a constituição da sociedade, surgem discussões ligadas ao percentual de participação de cada fun-dador, pois nem sempre as contribuições dos diferentes personagens da startup são equivalentes. A questão de avaliação, conforme acima men-cionada, é difícil de ser feita objetivamente, por causa da falta de elemen-tos para realização de uma valuation tradicional. Limitamo-nos, pois, à questão jurídica.

A escolha do tipo societário envolve duas etapas: 1. Em qual estado americano constituir a nova sociedade e 2. Qual o tipo jurídico societário.

Sobre a primeira etapa, importante destacar a distinta característica do ordenamento jurídico dos Estados Unidos, onde grande parte do di-reito é regulado em âmbito estadual. Neste sentido, o direito societário é regulado separadamente e os empresários podem escolher a regra jurídi-ca que melhor atende os seus interesses. De plano, quando se está a falar da startup do Vale do Silício, a dúvida fica entre os Estados da Califórnia e de Delaware. A Califórnia por ser a lei local e Delaware por ser o es-

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tado de se notabilizou como a legislação e o direito mais avançado em termos societários. Normalmente, as pessoas preferem utilizar o mode-lo de Delaware, devido à sua reconhecida tradição em direito societário, com juízes especializados e uma estrutura organizacional que possibilita respostas judiciais rápidas, bem como registros desburocratizados de so-ciedades empresárias.

O segundo ponto é qual o tipo societário ideal para uma startup inova-dora. Da mesma forma que no direito brasileiro, existem diferentes formas de exercer a atividade econômica organizada, o que nós chamamos, no direito pátrio, de empresa. A forma individual de exercício da empresa é chamada de sole proprietorship, ou seja, inicia-se uma operação empresarial sem necessidade de nenhum documento organizativo em caráter indivi-dual. Como no Brasil, o risco do sole proprietorship é a responsabilização patrimonial pessoal por dívidas decorrentes do negócio. Em contrapartida, é uma forma simples, em razão de não exigir nenhum documento espe-cial para poder operar. O mesmo vale para a chamada general partnership, que é a forma societária que não exige nenhum documento, mas também não limita a responsabilidade do sócio. A general partnership tem equiva-lência à sociedade em comum do direito brasileiro, com a diferença que no ordenamento pátrio, ela é vista como irregular, pela falta de registro. Depois, tem-se ainda as sociedades semelhantes às sociedades limitadas e as sociedades em comandita. São as limited partnerships-LP e as limited liability companies-LLC. A LP se caracteriza por ter dois tipos de sócios. Um deles é o limited partner que tem limitação da responsabilidade, mas não administra; e o outro é o general partner que tem responsabilidade ilimitada e é responsável pela operação e administração do negócio. A LLC é o tipo societário mais semelhante à sociedade limitada brasileira, ou seja, os sócios têm responsabilidade limitada, mas a sua participação societária não é corporificada por ações. As vantagens destes dois tipos são: 1. Tri-butária, pois só existe um nível de tributação da renda, que é diretamente na distribuição do lucro aos sócios e 2. Grande flexibilidade na estrutura organizacional e dos tipos de participação societária. Porém, em razão da própria flexibilidade, existe uma menor padronização, adicionando custos de transação para elaborar os documentos societários que possam emular situações que são já assimiladas automaticamente nas corporations.

As corporations são as equivalentes às sociedades anônimas. Existe nor-ma de diferenciação tributária que permite a escolha de dois regimes de tributação. A S-Corporation é o tipo societário que autoriza a companhia

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a ser tributada apenas em um nível, ou seja, somente os acionistas são tri-butados. Se por um lado, ela diminui a carga tributária, vale mencionar que o imposto é devido pelos sócios, mesmo se não forem distribuídos os dividendos, após a apuração de lucro. Ainda, as regras para optar por este regime impõem restrições legais que impedem investidores institucionais de investirem nessas companhias, sendo que os fundos de venture capi-tal incluem investidores institucionais. Por fim, temos a c-corportion, cuja principal desvantagem seria a dupla tributação da renda, ou seja, uma tri-butação do lucro da pessoa jurídica e uma segunda tributação da renda sobre o dividendo. A verdade, porém, é que startups demoram a ter lucro, então a questão tributária é um falso problema (pelo menos neste estágio). Em segundo lugar, o sistema de dupla tributação permite compensação das perdas com os lucros futuros, diminuindo a tributação, quando a com-panhia efetivamente tenha resultados positivos. Além do mais, o grande ponto positivo é que a estrutura organizacional é amplamente conhecida, permitindo o sistema de contratação de venture capital tradicional, bem como a criação do sistema de opção de compra de ações como forma de atrair empregados, sem necessidade de soluções criativas e pouco compre-endidas pelos players deste mercado. Os custos de transação, portanto, são menores na c-corporation e, por isso, são o tipo societário predominante das empresas do vale, sendo a recomendação dos advogados da região1.

4.2. Aspectos Jurídicos dos Investidores de Venture CapitalAo se falar em venturecapitalists-VC, se está a falar, em verdade, do

administrador dos fundos de investimentos e não exatamente de quem é proprietário dos fundos. Então, a organização do investimento é feita pelo VC que é um intermediário entre os investidores e os empreendedo-res. Assim, existe uma relação prévia entre investidores e os gestores de venture capital antes de haver investimentos em participações nas star-tups do vale. Esse modelo é importante, pois é reproduzido mundialmen-te, inclusive no Brasil.

Na Califórnia, a melhor forma de organizar a relação entre os donos do capital e o gestor do fundo é pelo tipo societário descrito acima chamado de limited partnership. Relembrando, é o modelo em que um sócio administra e tem responsabilidade ilimitada, enquanto o outro somente contribui com o

1. Mais informações sobre vantagens e desvantagens dos tipos societários americanos: http://www.startuplawblog.com/2011/09/30/12-reasons-for-a-startup-not-to-be-an-llc/ e http://www.startuplawblog.com/2009/06/02/top-re-asons-startup-c-corporation/

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capital e tem responsabilidade limitada. Nessa situação, os fundos de inves-timentos e investidores institucionais são os limited partners, fornecendo os valores, mas sem administrá-los. Já os gestores são os general partners.

Obviamente que o general partner também quer gozar da limitação da responsabilidade, por isso, ele próprio vale-se e uma interposta pes-soa jurídica para operar como general partner. Assim, os administradores profissionais de fundos de investimentos em participações constituem-se na forma de Corporation, usufruindo também da limitação de responsa-bilidade propiciada por esta forma societária.

A relação entre estas duas partes normalmente é regulada por um contrato denominado de limited partnership agreement, onde se regulam ainda as for-mas de remunerar os administradores do fundo de investimentos. O modelo comumente utilizado no vale do silício é uma taxa de manutenção anual, mais um success fee, sobre um percentual dos lucros obtidos pelo fundo de investi-mento com as estratégias de saída dos investimentos realizados. Douglas Cum-ming e Sofia Johan com base em dados empíricos concluíram que tal fórmula de remuneração é eficiente para estimular os General Partners a obter o melhor resultado possível. O contraponto foi com os chamados Corporate Funds, que se caracteriza por adotar forma societária, em que a mesma sociedade detém o capital e a administração do fundo, realizada internamente por empregados assalariados (CUMMING; JOHAN. 2009, p. 289). Certamente, a experiência californiana corrobora com a pesquisa ora mencionada.

4.3. Aspectos Jurídicos da Relação entre Fundadores e Investidores

Finalmente, impõe-se destacar os aspectos jurídicos e contratuais da relação entre os empreendedores e os investidores. Esta é a relação em que finalmente se aplicam os recursos financeiros para desenvolver as soluções inovadoras, ou seja, quando o capital encontra a ideia.

Em primeiro lugar, o processo de investimento merece uma breve nota. Conforme visto anteriormente, tudo inicia com uma ideia inovadora do em-preendedor. Logo, constitui-se uma companhia para ser veículo da atividade e receber o investimento. Primeiramente, quem investe são os fundadores, familiares, amigos e, possivelmente, algum investidor anjo. Com os primei-ros protótipos, iniciam-se os contatos iniciais com os gestores de fundos de investimentos de venture capital. A partir de então, entra-se em fase extre-mamente técnica, envolvendo questões econômicas, financeiras, jurídicas e estratégicas. Negocia-se a avaliação da empresa, a fim de determinar o per-

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centual a ser adquirido pelos investidores em função do valor investido. Isso vai ser escrito no term-sheet, que é semelhante ao memorando de entendi-mentos. A partir daí, negocia-se o contrato definitivo de investimento, cuja assinatura é precedida de due diligence. A due diligence é auditoria da empre-sa a ser investida a fim de minimizar riscos jurídicos, especialmente quanto a responsabilidades não reveladas e riscos de perda ou disputa da propriedade intelectual sobre o produto ou sobre a ideia do negócio. Somente com as con-firmações da due diligence, firma-se o contrato definitivo.

O term sheet é o primeiro documento assinado pelas partes, onde a maio-ria das obrigações das partes serão escritas. Trata-se de fase muito importante durante a operação de investimento em participações, podendo ser vincu-lante se atendidas determinadas condições estabelecidas neste contrato.

Os elementos do term sheet contemplam direitos dos investidores e dos fundadores, bem como as condições para o investimento, criando de-veres de promover as alterações jurídicas necessárias tanto nos documen-tos societários como em outros documentos jurídicos relativos à startup. Em síntese, são as seguintes partes de um term sheet:

• Cláusulasdepreço • Direitospreferenciaisdosinvestidoressobre: o os dividendos o a Liquidação o Anti-diluição o o voto o participação no conselho de administração • DireitosContratuaisdosinvestidores o Obtenção de informações o Registration rights o Pre-emption rights o Etc. • Outrasregrassobre o Despesas o Exclusividade na negociação o Confidencialidade

4.3.1. As cláusulas de preçoAs cláusulas que determinam o preço da aquisição da participação

societária pelo investidor têm íntima relação com a avaliação do negó-

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cio explicada acima. O importante, neste momento, é compreender as expressões utilizadas no mercado de venture capital. Existem três expres-sões muito utilizadas nas negociações e nos term sheets na cláusula de preço e avaliação da operação:

1. Fully diluted shares – significa a soma de todas as ações ordinárias emitidas, as ações a serem emitidas em razão de opções emitidas e ações ordinárias do plano de opções a serem emitidas no futuro

2. Pré-Money valuation (avaliação Pré-Investimento) – é o valor da companhia imediatamente anterior ao investimento

3. Post-Money valuation (avaliação Pós-Investimento) - significa a soma da avaliação Pre-Money e o Valor Investido.

Esses termos normalmente constam nos term sheets assinados no vale do silício. Por exemplo, pode constar em uma cláusula do contrato que o investidor se compromete a investir dez milhões de dólares em 10 mi-lhões de pre-money valuation. Vale dizer, significa que o investidor, não só se compromete a investir 10 milhões de dólares, mas também que este investimento representa 50% da participação societária. Isso porquê a avaliação pré-money é 10 milhões e, somando-se aos 10 milhões inves-tidos, teremos a avaliação post-money de 20 milhões de dólares com a entrada do investidor.

4.3.2. As preferências do investidorAs corporations são as sociedades anônimas do direito americano, e

tal qual como o caso da S.A. brasileira, a companhia pode emitir diferen-tes tipos de ações. A classificação principal separa as ações em ordinárias e preferenciais. No caso das startups do Vale, existe a necessidade de se utilizar os diferentes tipos de ações por diferentes razões. Por exemplo, a fim de justificar perante o fisco americano à distinção de preço entre as ações adquiridas pelos fundadores e as ações adquiridas pelos venture ca-pitalists, utiliza-se a dualidade de ações, criando características especiais para as ações preferenciais, com direitos que justificam a diferença no preço, evitando, assim, penalidades de natureza tributária. Além disso, as próprias exigências dos investidores encontram melhor expressão jurídi-ca nas ações preferenciais, ao invés de ter de criar diversos mecanismos e estruturas contratuais que são mais complexos de serem executados ju-dicialmente.

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Passa-se a analisar quais são as preferências mais comumente nego-ciadas nas operações de venture capital do vale, que, via de regra, são ex-portadas para outros países, inclusive, no caso dos contratos brasileiros.

a) Direito de Voto e o Poder sobre o Board of DirectorsEm primeiro lugar, merece destaque a questão do direito de voto e o po-

der sobre o conselho de administração da companhia. Estes direitos têm rela-ção direta com o exercício de controle sobre a sociedade empresária investida que é um dos dois principais pontos da negociação de venture capital (jun-tamente com o valor do investimento e preço das ações a serem adquiridas).

Desde logo, percebe-se que a ação preferencial do investidor de venture capital não é a de um preferencialista clássico, em razão de não haver limi-tação ao direito de voto como ocorre nas companhias tradicionais que emi-tem estas ações. Além disso, os venturecapitalists exigem poderes especiais de voto, especialmente com poder de vetar determinadas deliberações, quando estas envolvem a venda do negócio, captação de novas rodadas de investimento ou alterações significativas no objeto da sociedade. Em se-gundo lugar, existe uma disputa sobre quem deterá a maioria das posições do broad of directors (conselho de administração) da companhia, pois isto significa poder de controlar efetivamente a pessoa jurídica. É comum que os investidores tenham o controle sobre o board, deixando o controle sobre a administração diária da empresa nas mãos dos fundadores. Assim, nor-malmente o CEO da companhia é um dos fundadores, mas como o board fica sob o comando dos investidores, ele deve observar as determinações deste, sob pena de ser demitido da posição.

Estes poderes, porém, não são características inerente da ação prefe-rencial. Destarte, as partes valem-se de documento parassocietário (como diria a doutrina brasileira) para criar tais direitos e deveres jurídicos. Val dizer, no term sheet, as partes se comprometem a assinar um acordo de acionistas prevendo tais direitos de controle e de veto aos investidores. O term sheet funciona como uma pré-contrato e o acordo de acionistas é o acordo definitivo sobre esta questão.

b) Preferência de liquidaçãoPassa-se, agora, a análise das preferências propriamente ditas. A pri-

meira delas é a preferência na liquidação da sociedade. Destaca-se, entre-tanto, que o conceito de liquidação adotado nestas negociações de ven-ture capital do Vale do Silício não se limitam as situações de liquidação

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da companhia para fins de extingui-la. Esta é, apenas, uma das formas de liquidação. O termo, em verdade, serve para designar eventos de saída, ou seja, liquidação do investimento e não da sociedade em si. Por isso, operações de M&A, que resultam na venda da companhia ou transferên-cia do controle para terceiros, bem como operações de abertura do ca-pital são considerados eventos de liquidação que disparam a preferência ora em destaque.

Assim, compreendidos os eventos que disparam esta preferência, passa-se a descrever que efeitos elas possuem. Preferência na liquidação significa dizer que o investidor tem prioridade em receber algum valor do evento, antes que qualquer pagamento possa ser feito aos fundadores pelas suas participações na empresa. Normalmente, trata-se de um múlti-plo, por exemplo, 1x, 2x, 3x etc. 1x significa dizer que o investidor recebe integralmente o valor do seu investimento antes que qualquer dólar seja destinado para os fundadores; 2x significa que o investidor receberá duas vezes o valor do seu investimento antes de qualquer pagamento feito aos fundadores e assim por diante.

Além de estabelecer o múltiplo de preferência, a cláusula deve estabe-lecer o tipo de preferência, que se classifica em: 1. participating preferred (com participação), 2. sem participação ou 3. híbrida.

1. Participating preferred é a preferência na qual o investidor tem prioridade em algum múltiplo do seu investimento, recebendo primeiro e sozinho até este limite e, depois de recebida a prefe-rência, no valor excedente, recebe juntamente com os fundado-res na proporção das participações societárias de cada acionista.

2. Sem participação é a preferência na qual o investidor preferen-cialista somente recebe a preferência, e o valor excedente é inte-gralmente destinado aos acionistas ordinaristas (os fundadores).

3. Híbrida é a preferência pela qual há dois múltiplos, um o da preferência, pelo qual os preferencialistas recebem o valor (ou múltiplo do) seu investimento primeiro e, no excedente, parti-cipa na proporção da sua participação societária com o ordina-rista até um determinado limite.

Para melhor compreender os tipos de preferência, mostra-se como fun-ciona num exemplo prático. Supondo que um venture capitalist investiu o valor de um milhão de dólares americanos para adquirir 50% das ações

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totais da companhia, analisa-se como se distribuem os proventos oriundos da venda da totalidade do negócio por 2 milhões de dólares. A questão, porém, necessita de mais detalhes sobre a preferência para ser solucionada.

Imaginando que seja o caso de 1x participação simples, tem-se que o investidor tem preferência de receber sozinho 1 milhão de dólares, ou seja, uma vez o seu investimento de volta, sendo que ele terá direito de partici-par no excedente, na exata proporção da sua propriedade acionária, nos valores que são distribuídos também aos sócios ordinaristas, também no percentual detido por cada um. Assim, o investidor recebe 1,5 milhão de dólares, enquanto os fundadores recebem 500 mil com suas ações ordiná-rias. Isso ocorre porque o investidor recebe um milhão sozinho, e do 1 mi-lhão excedente, participa em 50%, por conta da sua participação societária.

Se a hipótese é mudada para alterar a preferência, agora, sem previsão de participação, o investidor somente recebe 1 vez a sua preferência, ou seja, um milhão de dólares e não participa em nada do valor restante. As-sim, na venda por 2 milhões de dólares, investidores recebem um milhão e fundadores/ordinaristas recebem o outro um milhão.

Para mostrar a terceira modalidade de participação, então, suponha-se que há previsão de preferência híbrida, sendo a preferência em si uma vez o valor do investimento, e a participação seja limitada a 30% do valor investido. Nessa hipótese, o venture capitalist recebem o primeiro milhão sozinho, sendo que participa no excedente até o limite de 30% do valor investido, ou seja, 300 mil, totalizando, no caso, 1.300.000 dólares.

Existe, ainda, uma outra característica fundamental da ação preferencial utilizada nas operações de venture capital que não configura uma preferência de liquidação, mas é muito importante para estes eventos: a conversibilidade em ações ordinárias por opção do investidor. A relevância ocorre quando o direito de preferência poderia impedir a disparidade na proporção de distri-buição dos proventos oriundos da venda da totalidade do negócio. Explica-se: supondo que existe previsão de preferência sem participação no valor de 1 vez o valor do valor investido (novamente, um milhão de US$), mas, agora, a empresa é vendida pelo valor de 10 milhões de dólares. Com base na cláusula de preferência, caberia 1 milhão de dólares ao investidor e os nove milhões restantes aos acionistas ordinários. Situação esta que não tem lógica eco-nômica, pois o investidor apenas “empata” o investimento e os fundadores absorvem sozinhos os lucros da operação. Entretanto, a conversibilidade da ação em ordinária fará com que o investidor participe do lucro da operação ao converter suas ações. Assim, o venture capitalist passa a ter a mesma ação

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dos fundadores e recebe na proporção de sua participação, sem aplicabilida-de da cláusula de preferência que deixa de existir nesta situação. Ambos os lados (investidores e fundadores) recebem 5 milhões, no caso do exemplo.

c) Proteção contra diluição por reajuste da participação acionária

O cenário que dispara esta proteção não é ideal do ponto de vista de investimento. Quando o venture capitalist ingressa na sociedade, ele tem a expectativa que a empresa será mais valiosa no futuro, tanto na hora do de-sinvestimento, como no momento das rodadas posteriores de captação de in-vestimento. Normalmente, se o negócio vem obtendo resultados muito bons, e o investidor tem fundos suficientes, ele próprio irá investir nas rodadas de investimento subsequentes. Porém, nem sempre ele ficará como único inves-tidor, muitas vezes, necessitando abrir para novos venture capilists.

No cenário não ideal, a ação da companhia desvaloriza e possibilita que os novos investidores paguem menos pela ação com características semelhantes às adquiridas pelo investidor original. Assim, para impedir prejuízos de dilui-ção, utiliza esta proteção de anti-diluição que recalcula a quantidade de ações do investidor protegido por uma “taxa de conversão – conversion rate”.

Esta é uma proteção específica para alterar a quantidade de ações ad-quiridas pelo investidor de uma rodada precedente caso o valor da em-presa tenha desvalorizada numa rodada subsequente. Diz-se, portanto, que ela protege contra a diluição, pois o investidor impede que novos investidores tenham vantagens de adquirir a mesma quantidade de ações do investidor original por um menor preço de avaliação.

Ou seja, se a ação desvalorizou no momento de uma nova captação de investimento, aquele que adquiriu ações preferenciais na primeira rodada terá direito a receber mais ações, a fim de readequar o valor originalmen-te pago à avaliação atualizada da empresa.

4.3.3. Direitos Contratuais do Investidor Algumas das proteções exigidas pelos investidores são de natureza

contratual. Ou seja, não decorrem simplesmente do tipo de ação adqui-rida. Estes direitos podem estar no contrato de investimento ou num acordo de acionistas firmados entre os venture capitlists e os fundadores, reproduzindo o que foi firmado na fase do terrm sheet.

Destaca-se, primeiro, o direito de informações. Na relação societária, tal qual nos acostumamos a ver na lei brasileira, existe sempre um dever de in-

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formar aos acionistas. Este dever deriva dos deveres fiduciários que incidem a quem detém algum tipo de controle, seja societário ou como administrador, dentro da companhia. De outro lado, as informações somente são devidas em formas e circunstâncias descritas na lei societária. Por tal razão, busca-se na via contratual ou pelo acordo de acionistas ampliar o direito de receber infor-mações em outras situações, além daquelas previstas na lei. Por exemplo, os investidores exigirão amplo acesso, vale dizer, a qualquer tempo, de documen-tos contábeis e financeiros, além de impor auditorias anuais, trimestrais, bem como outras formas de inspeção nos registros da empresa a qualquer momen-to. Todas estas informações não precisariam ser prestadas na forma da lei so-cietária de Delaware (sendo que no Brasil, a situação é bastante semelhante).

Uma outra cláusula utilizada como proteção contratual e em acordos de acionistas é o denominado first refusal. A cláusula equivalente a esta, no Brasil, é a preferência na aquisição da ação. Vale dizer, sempre que os fundadores quiserem vender suas ações, devem oferecer, primeiramente, aos investidores de venture capital que já são acionistas.

Ainda, tem-se duas outras cláusulas com objetivo semelhante ao first refusal, por também criarem algum tipo de bloqueio na livre circulação das ações, que são o tag along e o drag along.

O tag along configura o direito de venda conjunta, ou seja, quando o acio-nista recebe uma oferta pelas suas ações ele somente poderá vender se a ofer-ta contemplar também as ações dos acionistas com direito de tag along, que, por sua vez, podem optar por aderir ou não à oferta. Exemplo de tag along existe na própria lei societária brasileira, no artigo 254-A da Lei 6.404/76.

O drag along é o direito de exigir a venda. Por esta cláusula, se o acio-nista recebe oferta de aquisição de todas as ações da sociedade por um valor determinado na cláusula, ele terá o poder de demandar que todos os acionistas signatários da cláusula de drag along vendam a sua parti-cipação junto com ele. Essa exigência é uma proteção dos investidores contra o poder de bloquear que os fundadores poderiam ter em uma ope-ração pela resistência em vender a participação societária, especialmente quando o adquirente exige ser único controlador ou único acionista do negócio. Isso ocorre seguidamente quando a venda é estratégica, ou seja, um player do mercado adquire a empresa como estratégia de expansão de sua empresa e não puramente como investimento em participação.

Por fim, merece destaque a cláusula chamada de registration rights. Tra-ta-se de peculiaridade do mercado americano, uma vez que muitas empre-sas são capazes de trilhar todo o caminho até a abertura de capital na bolsa

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de valores. Tornar-se uma public company (companhia aberta) é o grande objetivo dos investidores e dos fundadores. O momento de se abrir o capi-tal, porém, gera debates entre os sócios. Existem diversos especialistas na área de mercado de capitais, que fazem detalhadas avaliações da empresa, principalmente sobre questões econômicas. Além disso, com a abertura do capital, vem enormes responsabilidades. O scrutiny se torna muito maior e isso gera diversos custos relacionados com as necessárias mudanças para se adequar ao novo patamar da empresa. Assim, o momento da decisão merece muita atenção e gera discordância dos envolvidos. Para ter controle sobre esta decisão, os venture capitalists valem-se da cláusula registration rights que lhes outorga o poder de dar a palavra final e impor o registro da empresa para fazer a Initial Public Offerring – IPO.

Existem ainda outros direitos que estão previstos, mas são raras as vezes que são efetivamente executados pelos investidores. Por exemplo, tem-se o direito de resgate que exige que a própria sociedade recompre as ações preferenciais dos investidores por um determinado valor. Isso seria útil no cenário não ideal, ou seja, a empresa não atinge o resultado almejado e o investimento é praticamente perdido. Na prática, quando o investimento naufraga, existe muito pouco a ser recuperado e, por mais que se tenha esta cláusula, a companhia não tem nem capital suficiente para readquirir as ações preferenciais no valor da cláusula.

4.3.4. VestingO vesting é um tema que chegou recentemente ao Brasil e tem clara

inspiração no modelo de operações adotados no Vale-do-Silício. Os inves-tidores, além da preocupação de má gestão do seu dinheiro por parte dos fundadores, têm a preocupação de que algum fundador ou empregado da empresa se aproveite do referido investimento para lucrar sem trabalhar. Por exemplo, imaginem que um dos fundadores resolve sair da empresa após o investimento de venture capital e mantém a sua participação societária. Des-ta forma, a sua única contribuição para o empreendimento, que era aplicar sua expertise e mão de obra deixa de existir, deixando de participar do risco do negócio, pois ele muda-se para um emprego “estável”. Em tudo correndo bem, lucrará imensamente com a valorização da sua ação, sem despender o suor que os demais fundadores despenderão. Da mesma forma, por óbvio, não arriscaram nenhum capital, pois não tinham nenhum capital.

O programa de vesting então evita que isso ocorra por meio da criação de condições para manutenção do status de sócio à permanência efetiva

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e colaborativa com a atividade da sociedade. Existem distintas formas de estruturar o vesting. 1. Pode-se ser por meio contratual ou por cláusula no contrato de investimento, prevendo que as ações dos fundadores poderão ser compradas pelo valor original da aquisição (ou seja, valor irrisório atri-buído pelos próprios fundadores) enquanto não atingidas determinadas condições, como por exemplo, tempo de permanência na condição de em-pregado da empresa ou performance estabelecida no contrato. 2. Alterna-tivamente, o contrato de vesting pode prever que os acionistas fundadores perdem as suas ações, no início, mas tem o direito de retomá-las conforme o tempo passa ou conforme as metas de performance são atingidas.

De outro lado, os programas de vesting criam uma preocupação nos fundadores, qual seja: sabendo que os investidores dominam o board of directors, os fundadores podem ser despedidos dos seus cargos de ge-rência e administração por decisão unilateral do investidor. Por isso, os fundadores devem estar atentos e negociar bem o programa de vesting.

Assim, tendo em vista os diferentes interesses, as partes podem nego-ciar as seguintes modalidades de vesting: vesting simples, cliff vesting, no fault vesting e accelerating vesting.

O modelo normal ou simples é aquele em que o fundador retoma mês-a-mês os direitos de propriedade sobre as ações. Por exemplo, um vesting de 10 meses, significa o direito de reaver 10% das suas ações por mês, até retomar os 100% no décimo mês.

O cliff vesting é aquele que exige um prazo mais longo para retomar as ações. Normalmente, ele é usado de forma híbrida com o vesting normal. Por exem-plo, o programa de vesting mais praticado é 4 anos de vesting com 1 ano de cliff vesting para 25% das ações. Isto significa que o acionista precisa ficar todo o primeiro para poder recuperar de uma vez só 25 % e, após este período inicial, vai retomando mês-a-mês os 75% faltantes nos próximos 36 meses.

De outro lado, os fundadores devem tentar buscar as modalidades de no fault e acellterating vesting para os casos de demissão sem justa causa. Isso é relevante para o caso de os investidores decidirem demitir o fun-dador do cargo que ocupam, pois eles têm risco de não receber nenhum percentual da companhia que ajudaram a criar. Note-se que, no exemplo de programa de vesting descrito no parágrafo anterior, a despedida no primeiro ano significaria que o fundador perderia a totalidade de suas ações. De outro lado, se negociado o no fault vesting ele veria acelerado o seu vesting, podendo receber uma parcela das suas ações ou a totalidade delas, dependendo do que for expressado no contrato.

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Por fim, também é objeto de negociação a possibilidade de pelo menos uma parte das ações terem seu vesting acelerado desde o início desta pro-gramação. Ou seja, no lugar de todas as ações serem retiradas, no início, os fundadores podem buscar o reconhecimento de que existe trabalho já feito, que justifica a manutenção automática de uma parte das ações.

5. ConclusãoForam apresentados, neste texto, os principais aspectos da tradicional

indústria de venture capital do Vale-do-Silício na Califórnia. Dito isto, ressalta-se que a inovação tecnológica transborda para o ambiente jurídi-co, sendo comum se verificar, no direito americano, constantes inovações contratuais desenvolvidas pelos profissionais locais para readequar-se às necessidades dos players deste mercado, tornando-se tarefa impossível abordar todos os aspectos das operações desta natureza. Certamente, ao momento de publicação deste artigo, novos tipos de cláusulas já estarão em fase de criação pelos advogados americanos, pois esta é uma característica marcante dos países de common law, onde o direito privado é muito mais aquele criado pelas partes do que normas provindas do ente estatal.

Além disso, embora seja sabido que existe grande diferença de sistema jurídico entre Brasil e Estados Unidos, sempre foi observado que a prática negocial americana tem “contaminado” (no bom sentido) as práticas de diversos países, inclusive do Brasil. O modelo de investimentos de venture capital brasileiro se espelha muito no modelo americano. Adicionalmente, este mercado tem grande relação com a área de M&A, muitas vezes abas-tecendo-a, sendo as operações de fusões e aquisições brasileiras também muito semelhantes ao que se pratica nos Estados Unidos (pelo menos, sob o enfoque da técnica de redação dos negócios jurídicos envolvidos). Por fim, reitere-se que o modelo de venture capital mais bem-sucedido é exata-mente o praticado no Vale do Silício. Assim, é sempre importante analisa-lo e compara-lo com a prática brasileira, a fim de aprimorar a nossa prática para tentar melhorar os resultados e o desenvolvimento do mercado nacio-nal, com base nas experiências bem-sucedidas.

Conclui-se dizendo que se exige sempre adaptar os institutos de direito es-trangeiro à realidade brasileira até mesmo para não prejudicar o enforcement dos contratos. Por isso, não é recomendável a simples cópia de todos os mode-los aqui citados, pois pode esbarrar em alguma norma do ordenamento bra-sileiro. Porém, considera-se possível, sim, adaptar todos os mecanismos acima descritos ao direito brasileiro, utilizando-se os mecanismos jurídicos corretos.

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