23
Informativo 856-STF (20/03/2017) Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 1 Márcio André Lopes Cavalcante Processo excluído deste informativo por não ter sido concluído em virtude de ter sido suspenso: RE 574706/PR. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Na ADI a causa de pedir é aberta. COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS Estado-membro pode legislar sobre a concessão, por empresas privadas, de bolsa de estudos para professores. DEFENSORIA PÚBLICA Para que a DPE atue no STJ é necessário que possua escritório de representação em Brasília. DIREITO PENAL CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Receber propina sob o disfarce de doações eleitorais oficiais e tipificação penal. CRIMES DA LEI DE LICITAÇÕES O crime do art. 89 da Lei 8.666/93 exige dano ao erário? Critérios para verificação judicial da viabilidade da denúncia pelo art. 89. DIREITO PROCESSUAL PENAL NULIDADES A investigação criminal contra Prefeito deverá ser feita com o controle jurisdicional do TJ. Declarações colhidas em âmbito estritamente privado sem acompanhamento de autoridade pública não apresentam confiabilidade. A denúncia contra Prefeito por crime em licitação municipal deve indicar sua participação ou conhecimento acerca dos fatos. Em caso de denúncia envolvendo crime do DL 201/67 e delito diverso, deverá ser assegurada a defesa prévia para ambas as imputações. DIREITO TRIBUTÁRIO IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS Os livros eletrônicos gozam de imunidade tributária. Os componentes eletrônicos que fazem parte de curso em fascículos de montagem de placas gozam de imunidade tributária ICMS Inconstitucionalidade de lei estadual que concede isenção de ICMS para empresas patrocinadoras de bolsas de estudo. Inconstitucionalidade de lei estadual que concede vantagens no parcelamento do ICMS para empresas que aderirem a programa de geração de empregos.

ÍNDICE - dizerodireitodotnet.files.wordpress.com · CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Receber propina sob o disfarce de doações eleitorais oficiais e tipificação penal

Embed Size (px)

Citation preview

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 1

Márcio André Lopes Cavalcante Processo excluído deste informativo por não ter sido concluído em virtude de ter sido suspenso: RE 574706/PR.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Na ADI a causa de pedir é aberta. COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS Estado-membro pode legislar sobre a concessão, por empresas privadas, de bolsa de estudos para professores. DEFENSORIA PÚBLICA Para que a DPE atue no STJ é necessário que possua escritório de representação em Brasília.

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Receber propina sob o disfarce de doações eleitorais oficiais e tipificação penal. CRIMES DA LEI DE LICITAÇÕES O crime do art. 89 da Lei 8.666/93 exige dano ao erário? Critérios para verificação judicial da viabilidade da denúncia pelo art. 89.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

NULIDADES A investigação criminal contra Prefeito deverá ser feita com o controle jurisdicional do TJ. Declarações colhidas em âmbito estritamente privado sem acompanhamento de autoridade pública não

apresentam confiabilidade. A denúncia contra Prefeito por crime em licitação municipal deve indicar sua participação ou conhecimento acerca

dos fatos. Em caso de denúncia envolvendo crime do DL 201/67 e delito diverso, deverá ser assegurada a defesa prévia para

ambas as imputações.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS Os livros eletrônicos gozam de imunidade tributária. Os componentes eletrônicos que fazem parte de curso em fascículos de montagem de placas gozam de imunidade

tributária ICMS Inconstitucionalidade de lei estadual que concede isenção de ICMS para empresas patrocinadoras de bolsas de estudo. Inconstitucionalidade de lei estadual que concede vantagens no parcelamento do ICMS para empresas que

aderirem a programa de geração de empregos.

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 2

DIREITO CONSTITUCIONAL

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Na ADI a causa de pedir é aberta

Importante!!!

O STF, ao julgar as ações de controle abstrato de constitucionalidade, não está vinculado aos fundamentos jurídicos invocados pelo autor.

Assim, pode-se dizer que na ADI, ADC e ADPF, a causa de pedir (causa petendi) é aberta.

Isso significa que todo e qualquer dispositivo da Constituição Federal ou do restante do bloco de constitucionalidade poderá ser utilizado pelo STF como fundamento jurídico para declarar uma lei ou ato normativo inconstitucional.

STF. Plenário. ADI 3796/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 8/3/2017 (Info 856).

Imagine a seguinte situação: O Paraná editou a Lei nº 15.054/2006 prevendo que as empresas privadas que aderissem a um determinado programa de geração de empregos no Estado teriam direito a vantagens no parcelamento de débitos do ICMS. Vale ressaltar que esta Lei foi de iniciativa parlamentar. ADI O Governador do Estado ajuizou ADI alegando que a referida lei seria: a) formalmente inconstitucional por vício de iniciativa (deveria ter sido proposta pelo Executivo); b) materialmente inconstitucional por ofensa ao princípio da isonomia; O STF rejeitou esses dois argumentos, mas resolveu declarar a Lei inconstitucional com base em um terceiro fundamento que não foi alegado pelo autor da ADI: o de que a Lei violou o art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88, que prevê que qualquer benefício fiscal relacionado com ICMS somente pode ser concedido após deliberação dos Estados. Isso é possível? O STF poderá declarar uma lei inconstitucional com base em outro fundamento jurídico que não foi alegado pelo autor da ADI? SIM.

O STF, ao julgar as ações de controle abstrato de constitucionalidade, não está vinculado aos fundamentos jurídicos invocados pelo autor. Assim, pode-se dizer que na ADI, ADC e ADPF, a causa de pedir (causa petendi) é aberta. Isso significa que todo e qualquer dispositivo da Constituição Federal ou do restante do bloco de constitucionalidade poderá ser utilizado pelo STF como fundamento jurídico para declarar uma lei ou ato normativo inconstitucional. STF. Plenário. ADI 3796/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 8/3/2017 (Info 856).

Por outro lado, pelo fato de a causa de pedir ser aberta, se o STF julgar improcedente uma ADI, isso quer dizer que o Tribunal afirmou que a lei impugnada não violou nenhum dispositivo da Constituição Federal, quer tenha sido invocado pelo autor ou não (STF. 1ª Turma. RE 372535 AgR-ED, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 09/10/2007). Veja como Nathalia Masson explica o tema:

"Quanto aos fundamentos, não vale a regra da adstrição. Isso significa que o Supremo Tribunal não se vincula aos fundamentos jurídicos apresentados na peça inaugural, de forma que a causa de

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 3

pedir pode ser considerada aberta. Assim, o legitimado ativo está obrigado a apresentar a fundamentação do seu pedido, sob pena de, não o fazendo, a Corte não conhecer a ação direta; todavia a Corte pode julgar com base em fundamentos diversos. Para ilustrar, imaginemos que o legitimado ativo ingresse com uma ADI alegando a inconstitucionalidade da lei "X", que instituiu um tributo, ao argumento de que ela violou o princípio da legalidade. O STF decide pela procedência do pedido, no entanto, por fundamento diverso: a lei em análise não afetou o princípio da legalidade, ao contrário, é inconstitucional por ofensa ao princípio da anterioridade tributária. É importante reconhecer a necessidade de a Corte percorrer todos os dispositivos constitucionais para decidir, afinal, quando ela afirma que uma determinada lei é constitucional, isso importa no reconhecimento de sua compatibilidade com todos os preceitos da Constituição. Por isso, não basta que o STF avalie somente os fundamentos apresentados pelo autor, eis que a lei não pode ser considerada constitucional só porque não ofende o parâmetro indicado pelo legitimado ativo nos fundamentos: ela é constitucional somente se além de não ofender o parâmetro constitucional indicado pelo legitimado, não ofender também nenhum outro dispositivo constitucional." (MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 3ª ed., Salvador: Juspodivm, 2015, p. 1106-1107).

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS Estado-membro pode legislar sobre a concessão, por empresas privadas,

de bolsa de estudos para professores

É constitucional lei estadual que preveja a possibilidade de empresas patrocinarem bolsas de estudo para professores em curso superior, tendo como contrapartida a obrigação de que esses docentes ministrem aula de alfabetização ou aperfeiçoamento para os empregados da empresa patrocinadora.

Essa lei insere-se na competência legislativa do Estado-Membro para dispor sobre educação e ensino, prevista no art. 24, IX, da CF/88.

STF. Plenário. ADI 2663/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 8/3/2017 (Info 856).

A situação concreta foi a seguinte: O Estado do Rio Grande do Sul editou a Lei nº 11.743/2002 prevendo que empresas privadas poderiam patrocinar bolsas de estudos para professores em faculdades particulares. Em contrapartida, tais professores ficariam obrigados a lecionar, durante determinado tempo, para cursos de alfabetização ou aperfeiçoamento dos funcionários das empresas patrocinadoras. Apenas a título de curiosidade, veja a redação da Lei:

Art. 1º As empresas que patrocinarem bolsas de estudo para professores que ingressam em curso superior, em atendimento ao disposto pelo § 4º do art. 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional, poderão, em contrapartida, exigir dos beneficiários que lhes prestem serviço para implementação de projetos de alfabetização ou de aperfeiçoamento de seus empregados, bem como outras atividades compatíveis com sua formação profissional. Art. 2º - Os serviços a que se refere o art. 1º serão prestados após a conclusão do curso, por tempo proporcional ao período em que vigorou a bolsa, não podendo ultrapassar a 4 (quatro) anos, nem obrigar o beneficiário a mais de 2 (duas) horas diárias de trabalho.

Essa Lei é constitucional? O Estado-membro poderia ter tratado sobre o tema? SIM.

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 4

O art. 24, IX, da CF/88 prevê que é de competência concorrente legislar sobre educação e ensino. Confira:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;

O STF afirmou que, por força do princípio federativo, que garante autonomia aos Estados-membros, é necessário que se abandone “qualquer leitura inflacionada centralizadora das competências normativas da União, bem como sugere novas searas normativas que possam ser trilhadas pelos Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal.” Em outras palavras, sustentou-se que se deve dar uma interpretação que favoreça mais a autonomia legislativa dos Estados-membros, DF e Municípios. O STF, antigamente, possuía uma postura mais rígida em aceitar que leis estaduais, distritais ou municipais trouxessem ideias normativas inéditas, não previstas na legislação federal. No entanto, há algum tempo houve overruling, ou seja, a superação desse antigo entendimento jurisprudencial e agora a Corte vem admitindo que os demais entes federativos tratem sobre esses assuntos, desde que não contrariem expressamente a lei federal ou normas da CF. Vejas as palavras do Min. Luiz Fux: “A ‘prospective overruling’, antídoto ao engessamento do pensamento jurídico, possibilita ao STF rever sua postura em casos de litígios constitucionais em matéria de competência legislativa, viabilizando o prestígio das iniciativas regionais e locais, ressalvadas as hipóteses de ofensa expressa e inequívoca a norma da Constituição.” Em suma:

É constitucional lei estadual que preveja a possibilidade de empresas patrocinarem bolsas de estudo para professores em curso superior, tendo como contrapartida a obrigação de que esses docentes ministrem aula de alfabetização ou aperfeiçoamento para os funcionários da empresa patrocinadora. Essa lei insere-se na competência legislativa do Estado-Membro para dispor sobre educação e ensino, prevista no art. 24, IX, da CF/88. STF. Plenário. ADI 2663/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 8/3/2017 (Info 856).

DEFENSORIA PÚBLICA Para que a DPE atue no STJ, é necessário que possua escritório de representação em Brasília

Atenção! Defensoria Pública

A Defensoria Pública Estadual pode atuar no STJ, no entanto, para isso, é necessário que possua escritório de representação em Brasília. Se a Defensoria Pública estadual não tiver representação na capital federal, as intimações das decisões do STJ nos processos de interesse da DPE serão feitas para a DPU.

Assim, enquanto os Estados, mediante lei específica, não organizarem suas Defensorias Públicas para atuarem continuamente nesta Capital Federal, inclusive com sede própria, o acompanhamento dos processos no STJ constitui prerrogativa da DPU.

A DPU foi estruturada sob o pálio dos princípios da unidade e da indivisibilidade para dar suporte às Defensorias Públicas estaduais e fazer as vezes daquelas de Estados-Membros longínquos, que não podem exercer o múnus a cada recurso endereçado aos tribunais superiores.

STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 378.088/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 06/12/2016.

STF. 1ª Turma. HC 118294/AP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 7/3/2017 (Info 856).

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 5

Imagine a seguinte situação adaptada: João, assistido pela Defensoria Pública do Estado do Amapá, foi condenado pela prática de um crime, processo que tramitou na Justiça Estadual. Foi interposta apelação, tendo o Tribunal de Justiça mantido a sentença. O Defensor Público preparou e interpôs recurso especial contra o acórdão. O Ministro Relator no STJ, monocraticamente, negou seguimento ao Resp. Como a DPE/AP não possui representação (“escritório”) em Brasília, a Defensoria Pública da União foi intimada da decisão do Ministro. Como a DPU não recorreu, houve trânsito em julgado. Alguns meses depois, o Defensor Público estadual consultou o processo na internet e descobriu o que aconteceu. Diante disso, impetrou habeas corpus alegando que houve nulidade, considerando que a DPE/AP é quem deveria ter sido intimada da decisão do Ministro (e não a DPU). A tese do Defensor Público estadual terá sucesso nos Tribunais Superiores? NÃO. A Defensoria Pública Estadual pode atuar no STJ, no entanto, para isso, é necessário que possua escritório de representação em Brasília. Se a Defensoria Pública estadual não tiver representação na capital federal, as intimações das decisões do STJ nos processos de interesse da DPE serão feitas para a DPU. Nesse sentido:

Enquanto os Estados, mediante lei específica, não organizarem suas Defensorias Públicas para atuarem continuamente nesta Capital Federal, inclusive com sede própria, o acompanhamento dos processos em trâmite nesta Corte constitui prerrogativa da Defensoria Pública da União - DPU. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 378.088/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 06/12/2016.

A DPU foi estruturada sob o pálio dos princípios da unidade e da indivisibilidade para dar suporte às Defensorias Públicas estaduais e fazer as vezes daquelas de Estados-Membros longínquos, que não podem exercer o múnus a cada recurso endereçado aos tribunais superiores.

DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Receber propina sob o disfarce de doações eleitorais oficiais e tipificação penal

Determinado Senador solicitou e recebeu de uma construtora R$ 500 mil, valor destinado à sua campanha política. A quantia foi repassada pela construtora não diretamente ao Senador, mas sim ao partido político, como se fossem doações eleitorais oficiais. Ao pedir o valor, o Senador teria se comprometido com a construtora a manter João como Diretor da Petrobrás. Isso era de interesse da construtora porque João, em nome da estatal, celebrava contratos fraudulentos com a empresa. O Senador foi reeleito e, com sua influência decorrente do cargo, conseguiu manter João na Diretoria.

Em um juízo preliminar, para fins de recebimento da denúncia, o STF entendeu que a conduta do Senador, em tese, configura a prática dos seguintes crimes:

• Corrupção passiva (art. 317, caput e § 1º, do CP);

• Lavagem de dinheiro (art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/98).

STF. 2ª Turma. Inq 3982/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 7/3/2017 (Info 856).

Imagine a seguinte situação adaptada: Determinado Senador solicitou e recebeu de uma construtora R$ 500 mil, valor destinado à sua campanha política.

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 6

A quantia foi repassada pela construtora não diretamente ao Senador, mas sim ao partido político, como se fossem doações eleitorais oficiais. Ao pedir o valor, o Senador teria se comprometido com a construtora a manter João como Diretor da Petrobrás. Isso era de interesse da construtora porque João, em nome da estatal, celebrava contratos fraudulentos com a empresa. O Senador foi reeleito e, com sua influência decorrente do cargo, conseguiu manter João na Diretoria. Em tese, supondo que os fatos narrados são verdadeiros, como se poderia qualificar penalmente a conduta do Senador? O Senador praticou, em tese, dois crimes:

Corrupção passiva (art. 317, caput e § 1º, do CP);

Lavagem de dinheiro (art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/98).

Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Em um caso parecido com este, o STF recebeu a denúncia contra o Senador acusado. STF. 2ª Turma. Inq 3982/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 7/3/2017 (Info 856). Segundo entendeu o STF, o repasse de propina ao parlamentar teve por finalidade a manutenção do Diretor no cargo, fosse pela não interferência nessa nomeação e no funcionamento do esquema criminoso, fosse pelo apoio político, para sua sustentação, por parte do parlamentar, forte candidato à reeleição e nome de relevo de partido político, agremiação partidária da base do Governo Federal e uma das responsáveis pela Diretoria de Abastecimento da estatal. A propina foi paga sob o disfarce de doações eleitorais “oficiais” realizadas por empresa empreiteira que fazia parte do esquema criminoso em questão em favor do diretório estadual do partido do parlamentar. Os Ministros entenderam que havia indícios suficientes para o recebimento da denúncia. Se condenado, o Senador poderá receber a causa de aumento de pena prevista no art. 327, § 2º do CP? NÃO. O § 2º do art. 327 do CP prevê:

Art. 327 (...) § 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Conforme a jurisprudência pacífica do STF:

O simples fato de o réu exercer um mandato popular não é suficiente para fazer incidir a causa de aumento do art. 327, § 2º, do CP. É necessário que ele ocupe uma posição de superior hierárquico (o STF chama de "imposição hierárquica"). STF. 2ª Turma. Inq 3982/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 7/3/2017 (Info 856).

No caso concreto, o Senador não exercia função de superior hierárquico na Petrobrás, de forma que não se deve aplicar a referida causa de aumento.

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 7

CRIMES DA LEI DE LICITAÇÕES O crime do art. 89 da Lei 8.666/93 exige dano ao erário?

Critérios para verificação judicial da viabilidade da denúncia pelo art. 89

O crime do art. 89 da Lei 8.666/93 exige resultado danoso (dano ao erário) para se consumar?

1ª corrente: SIM. Posição do STJ e da 2ª Turma do STF.

2ª corrente: NÃO. Entendimento da 1ª Turma do STF.

O objetivo do art. 89 não é punir o administrador público despreparado, inábil, mas sim o desonesto, que tinha a intenção de causar dano ao erário ou obter vantagem indevida. Por essa razão, é necessário sempre analisar se a conduta do agente foi apenas um ilícito civil e administrativo ou se chegou a configurar realmente crime.

Deverão ser analisados três critérios para se verificar se o ilícito administrativo configurou também o crime do art. 89:

1º) existência ou não de parecer jurídico autorizando a dispensa ou a inexigibilidade. A existência de parecer jurídico é um indicativo da ausência de dolo do agente, salvo se houver circunstâncias que demonstrem o contrário.

2º) a denúncia deverá indicar a existência de especial finalidade do agente de lesar o erário ou de promover enriquecimento ilícito.

3º) a denúncia deverá descrever o vínculo subjetivo entre os agentes.

STF. 1ª Turma. Inq 3674/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/3/2017 (Info 856).

A Lei de Licitação (Lei nº 8.666/93) prevê alguns tipos penais. O art. 89 tipifica como crime a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitação. Veja:

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena — detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

OBRIGATORIEDADE DE LICITAÇÃO Regra: obrigatoriedade de licitação Como regra, a CF/88 impõe que a Administração Pública somente pode contratar obras, serviços, compras e alienações se realizar uma licitação prévia para escolher o contratante (art. 37, XXI). Exceção: contratação direta nos casos especificados na legislação O inciso XXI afirma que a lei poderá especificar casos em que os contratos administrativos poderão ser celebrados sem esta prévia licitação. A isso, a doutrina denomina “contratação direta”. Resumindo: A regra na Administração Pública é a contratação precedida de licitação. Contudo, a legislação poderá prever casos excepcionais em que será possível a contratação direta sem licitação. CONTRATAÇÃO DIRETA A Lei de Licitações e Contratos prevê três grupos de situações em que a contratação ocorrerá sem licitação prévia. Trata-se das chamadas licitações dispensadas, dispensáveis e inexigíveis. Vejamos o quadro comparativo abaixo:

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 8

Dispensada Dispensável Inexigível

Art. 17 Art. 24 Art. 25

Rol taxativo Rol taxativo Rol exemplificativo

A lei determina a não realização da licitação, obrigando a contratação direta.

A lei autoriza a não realização da licitação. Mesmo sendo dispensável, a Administração pode decidir realizar a licitação (discricionariedade).

Como a licitação é uma disputa, é indispensável que haja pluralidade de objetos e pluralidade de ofertantes para que ela possa ocorrer. Assim, a lei prevê alguns casos em que a inexigibilidade se verifica porque há impossibilidade jurídica de competição.

Ex.: alienação de bens imóveis provenientes de dação em pagamento.

Ex.: compras de até R$ 8 mil. Ex.: contratação de artista consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública para fazer o show do aniversário da cidade.

Procedimento de justificação Mesmo nas hipóteses em que a legislação permite a contratação direta, é necessário que o administrador público observe algumas formalidades e instaure um processo administrativo de justificação. CRIME DO ART. 89 Tipo objetivo O crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93 ocorre se o administrador público...

dispensar a licitação fora das hipóteses previstas em lei;

inexigir (deixar de exigir) licitação fora das hipóteses previstas em lei; ou

deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade (as formalidades estão previstas especialmente no art. 26 da Lei).

Desse modo, haverá o crime tanto na hipótese em que a licitação é dispensada mesmo sem lei autorizando ou determinando a dispensa, como na situação em que a lei até autoriza ou determina, mas o administrador não observa os requisitos formais para tanto. Norma penal em branco Como as hipóteses de dispensa e inexigibilidade estão previstas na Lei nº 8.666/93, este tipo penal é taxado como: norma penal em branco (porque depende de complemento normativo); imprópria, em sentido amplo ou homogênea (o complemento normativo emana do legislador); do subtipo homovitelínea ou homológa (o complemento emana da mesma instância legislativa). Exige-se resultado danoso (dano ao erário) para que este crime se consuma? Existe polêmica atualmente sobre o tema:

SIM. Posição do STJ e da 2ª Turma do STF NÃO. Entendimento da 1ª Turma do STF

O crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93 não é de mera conduta, sendo necessária a demonstração do dolo específico de causar dano ao erário e a configuração do efetivo prejuízo ao patrimônio público. STJ. 6ª Turma. HC 377.711/SC, Rel. Min. Nefi

O tipo penal do art. 89 da Lei de Licitações prevê crime formal, que dispensa o resultado danoso para o erário. STF. 1ª Turma. Inq 3674/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/3/2017 (Info 856).

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 9

Cordeiro, julgado em 09/03/2017. Para que haja a condenação pelo crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93, exige-se a demonstração de que houve prejuízo ao erário e de que o agente tinha a finalidade específica de favorecimento indevido. Assim, mesmo que a decisão de dispensa ou inexigibilidade da licitação tenha sido incorreta, isso não significa necessariamente que tenha havido crime, sendo necessário analisar o prejuízo e o dolo do agente. STF. 2ª Turma. Inq 3731/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 2/2/2016 (Info 813).

O crime do art. 89 da Lei 8.666/93 é formal, consumando-se tão somente com a dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais. Não se exige, para sua configuração, prova de prejuízo financeiro ao erário, uma vez que o bem jurídico tutelado não se resume ao patrimônio público, mas coincide com os fins buscados pela CF/88, ao exigir em seu art. 37, XXI, “licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes”. Tutela-se, igualmente, a moralidade administrativa, a probidade, a impessoalidade e a isonomia. STF. 1ª Turma. AP 971, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 28/06/2016.

Tipo subjetivo Para a configuração da tipicidade subjetiva do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93, exige-se o especial fim de agir, consistente na intenção específica de lesar o erário ou obter vantagem indevida. Esse entendimento é pacífico na jurisprudência do STF e STJ:

Para a caracterização da conduta tipificada no art. 89 da Lei 8.666/1993, é indispensável a demonstração, já na fase de recebimento da denúncia, do elemento subjetivo consistente na intenção de causar dano ao erário ou obter vantagem indevida. STF. 2ª Turma. Inq 3965, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/11/2016.

Critérios para analisar se houve a prática do art. 89 O objetivo do art. 89 da Lei nº 8.666/93 não é punir o administrador público despreparado, inábil, mas sim o desonesto, que tinha a intenção de causar dano ao erário ou obter vantagem indevida. Por essa razão, é necessário sempre analisar se a conduta do agente foi apenas um ilícito civil e administrativo ou se chegou a configurar realmente crime. Para que se configure o ilícito administrativo basta que o administrador público tenha agido desobedecendo qualquer aspecto da lei (simples violação ao princípio da legalidade). Por outro lado, para que se afirme ter havido crime, é necessária uma conduta planejada e voltada finalisticamente com o fim de obter um proveito criminoso de qualquer natureza. Em um caso concreto julgado pelo STF, o Min. Luiz Fux propôs a análise de três critérios para se verificar se o ilícito administrativo configurou também o crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93. Esses critérios permitem que se diferencie, com segurança, a conduta criminosa definida no art. 89 da Lei nº 8.666/93 das irregularidades ou ilícitos administrativos e de improbidade, intencionais ou negligentes. 1º critério: existência de parecer jurídico autorizando a dispensa ou a inexigibilidade O primeiro critério consiste na existência de parecer jurídico lavrado idoneamente pelo órgão competente. O parecer do corpo jurídico, quando lavrado de maneira idônea, sem indício de que constitua etapa da empreitada criminosa, confere embasamento jurídico ao ato, até mesmo quanto à observância das formalidades do procedimento. Assim, o parecer jurídico favorável à dispensa ou inexigibilidade impede que se puna o administrador por crime, já que demonstra, desde que inexistentes outros indícios em contrário, que ele não tinha ciência da ilicitude. Se existe parecer afirmando ser legal a medida, o agente não pode ser condenado porque ele estava em erro quanto ao elemento do tipo, qual seja, a circunstância “fora das hipóteses legais” (art. 20 do CP).

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 10

2º critério: a denúncia deverá descrever o elemento subjetivo especial (“dolo específico”) do agente O segundo critério a ser observado é a indicação, na denúncia, da especial finalidade de lesar o erário ou promover enriquecimento ilícito dos acusados. Mesmo para aqueles que defendem que o crime definido no art. 89 da Lei 8.666/1993 é formal (independe da prova do resultado danoso), ainda assim, para que a conduta do administrador seja considerada criminosa, é exigível que a denúncia narre a finalidade do agente de lesar o erário, de obter vantagem indevida ou de beneficiar patrimonialmente o particular contratado, ferindo, com isso, a razão essencial da licitação (a impessoalidade da contratação). 3º critério: a denúncia deverá descrever o vínculo subjetivo entre os agentes Como último critério, destacou a necessária descrição do vínculo subjetivo entre os agentes. Assim, a imputação do crime definido no art. 89 da Lei nº 8.666/93 a uma pluralidade de agentes exige a descrição da existência de vínculo subjetivo entre os participantes para a obtenção do resultado criminoso. Não basta que a denúncia narre o ato administrativo formal eivado de irregularidade.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

NULIDADES

A investigação criminal contra Prefeito deverá ser feita com o controle jurisdicional do TJ

Declarações colhidas em âmbito estritamente privado sem acompanhamento de autoridade pública não apresentam confiabilidade

A denúncia contra Prefeito por crime em licitação municipal deve indicar sua participação ou conhecimento acerca dos fatos

Em caso de denúncia envolvendo crime do DL 201/67 e delito diverso, deverá ser assegurada a defesa prévia para ambas as imputações

Neste julgado, podemos destacar quatro importantes conclusões:

I – O prefeito detém prerrogativa de foro, constitucionalmente estabelecida. Desse modo, os procedimentos de natureza criminal contra ele instaurados devem tramitar perante o Tribunal de Justiça (art. 29, X, da CF/88). Isso significa dizer que as investigações criminais contra o Prefeito devem ser feitas com o controle (supervisão) jurisdicional da autoridade competente (no caso, o TJ).

II – Deve ser rejeitada, por ausência de justa causa, a denúncia que, ao arrepio da legalidade, baseia-se em supostas declarações, colhidas em âmbito estritamente privado, sem acompanhamento de qualquer autoridade pública (autoridade policial, membro do Ministério Público) habilitada a conferir-lhes fé pública e mínima confiabilidade.

III – A denúncia contra Prefeito por crime ocorrido em licitação municipal deve indicar, ao menos minimamente, que o acusado tenha tido participação ou conhecimento dos fatos supostamente ilícitos. O Prefeito não pode ser incluído entre os acusados unicamente em razão da função pública que ocupa, sob pena de violação à responsabilidade penal subjetiva, na qual não se admite a responsabilidade presumida.

IV – Se o réu é denunciado por crime previsto no art. 1º do DL 201/67 em concurso com outro delito cujo rito segue o CPP, ex: art. 312 do CP, art. 90 da Lei nº 8.666/93, o magistrado ou Tribunal, antes de receber a denúncia, deverá dar oportunidade para que o denunciado ofereça defesa prévia. Não pode a defesa prévia ser concedida apenas para a imputação

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 11

referente ao art. 1º do DL 201/67. A defesa prévia antes do recebimento da denúncia é prevista no art. 2º, I, do DL 201/67, que é considerado procedimento especial e, portanto, prevalece sobre o comum.

STF. 1ª Turma. AP 912/PB, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/3/2017 (Info 856).

Imagine a seguinte situação hipotética: João era Prefeito. Um empresário da cidade procura Pedro, líder da oposição, em sua casa, e relata que teria havido fraudes em uma licitação realizada no Município. Pedro reduz a termo (digita e imprime) as declarações do empresário, que assina o documento. No dia seguinte, Pedro vai até a Delegacia de Polícia levando as declarações e o Delegado instaura inquérito policial para apurar os fatos. Antes de o inquérito ser concluído, terminou o mandato de João. Com o fim das investigações, a autoridade policial remeteu os autos ao Ministério Público, que ofereceu denúncia contra diversos servidores do Município e também contra João (ex-Prefeito), imputando-lhe a prática de dois crimes: art. 90 da Lei nº 8.666/93 e art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67:

Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;

Vale ressaltar que o empresário delator não foi ouvido no inquérito policial e a denúncia foi apresentada com base nas declarações por ele prestadas perante Pedro. O juiz recebeu a denúncia com relação ao crime do art. 90 da Lei nº 8.666/93 e, quanto ao delito do art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67, determinou a notificação de João para apresentar defesa escrita, nos termos do art. 2º, I, do DL 201/67:

Art. 2º O processo dos crimes definidos no artigo anterior é o comum do juízo singular, estabelecido pelo Código de Processo Penal, com as seguintes modificações: I - Antes de receber a denúncia, o Juiz ordenará a notificação do acusado para apresentar defesa prévia, no prazo de cinco dias. Se o acusado não for encontrado para a notificação, ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a defesa, dentro no mesmo prazo.

Dessa forma, no rito do DL 201/67, exige-se que, antes do recebimento da denúncia, o magistrado confira a possibilidade de o denunciado apresentar uma resposta preliminar. Somente após analisar esta resposta é que o juiz decide se recebe ou não a denúncia. Essa resposta preliminar não existe no procedimento comum do CPP. Após João ter apresentado a resposta preliminar, o juiz, que já havia recebido a denúncia quanto ao crime do art. 90 da Lei de Licitações, recebeu agora a denúncia pela prática do art. 2º, I, do DL 201/67. Segundo o STF, agiu corretamente o magistrado? NÃO. A denúncia deveria ter sido rejeitada por ser manifestamente inepta (art. 395, I, do CPP) e por faltar justa causa para o exercício da ação penal (art. 395, III). Em um caso parecido com este, a 1ª Turma do STF identificou a existência de quatro vícios: 1º) Violação ao controle jurisdicional da investigação pelo TJ

O Prefeito detém prerrogativa de foro, constitucionalmente estabelecida. Desse modo, os

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 12

procedimentos de natureza criminal contra ele instaurados devem tramitar perante o Tribunal de Justiça (art. 29, X, da CF/88). Isso significa dizer que as investigações deveriam ter sido feitas com o controle jurisdicional da autoridade competente (no caso, o TJ). STF. 1ª Turma. AP 912/PB, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/3/2017 (Info 856).

No inquérito policial foram adotadas medidas de investigação contra uma autoridade com prerrogativa de foro sem que o Tribunal competente tenha autorizado. Segundo entendeu o Min. Relator Luiz Fux, houve usurpação da competência do Tribunal de Justiça para supervisionar as investigações, o que representa vício que contamina as apurações referentes ao detentor de prerrogativa de foro. 2º) A denúncia baseou-se em declarações sem fé pública e mínima confiabilidade

A denúncia, ao arrepio da legalidade, fundou-se em supostas declarações, colhidas em âmbito estritamente privado, sem acompanhamento de qualquer autoridade pública (autoridade policial, membro do Ministério Público) habilitada a conferir-lhes fé pública e mínima confiabilidade. STF. 1ª Turma. AP 912/PB, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/3/2017 (Info 856).

3º) A denúncia não narrou a participação do acusado

Os indícios que serviram de fundamento à denúncia não indicaram, nem mesmo minimamente, que o ex-Prefeito acusado tenha tido participação ou conhecimento dos fatos supostamente ilícitos. Assim, não tendo sido provado o liame subjetivo entre o então Prefeito e os supostos beneficiários dos recursos públicos, pode-se afirmar que não houve a demonstração do dolo e da participação do Prefeito na prática criminosa. STF. 1ª Turma. AP 912/PB, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/3/2017 (Info 856).

O Prefeito foi incluído entre os acusados unicamente em razão da função pública hierarquicamente superior à dos demais envolvidos, sem que tenha havido indicação mínima de sua participação no crime, evidenciando-se, por conseguinte, a violação à responsabilidade penal subjetiva, em contraposição à objetiva, cuja demonstração repele a responsabilidade presumida. A denúncia afirma que o acusado é responsável apenas porque a licitação foi realizada em sua gestão, raciocínio que não pode ser admitido. 4º) Não foi oportunizada defesa prévia ao acusado quanto ao delito do art. 90 da Lei nº 8.666/93 Como vimos, o réu foi denunciado pela prática de dois delitos: o art. 90 da Lei nº 8.666/93 (que segue o rito do CPP) e o art. 1º, I, do DL 201/67 (que possui um rito próprio previsto neste mesmo DL). O art. 2º, I, do DL 201/67 exige que, antes do recebimento da denúncia, seja garantido ao denunciado oferecer defesa prévia. Como a denúncia imputava os dois crimes ao acusado, antes de o juiz receber a denúncia por qualquer dos dois delitos, deveria ter dado a oportunidade da defesa prévia. Como se tratava de uma só denúncia, não poderia o magistrado ter recebido primeiro quanto ao delito do art. 90 e depois quanto ao art. 1º, I. Para o STF:

O recebimento da denúncia quanto ao crime licitatório não observou o direito de resposta preliminar do acusado, previsto em procedimento especial, que prevalece sobre o comum. STF. 1ª Turma. AP 912/PB, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/3/2017 (Info 856).

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 13

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS Os livros eletrônicos gozam de imunidade tributária

Os componentes eletrônicos que fazem parte de curso em fascículos de montagem de placas gozam de imunidade tributária

Importante!!!

A imunidade tributária constante do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal (CF), aplica-se ao livro eletrônico (“e-book”), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo.

STF. Plenário. RE 330817/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 8/3/2017 (repercussão geral) (Info 856).

A imunidade da alínea “d” do inciso VI do art. 150 da CF/88 alcança componentes eletrônicos destinados, exclusivamente, a integrar unidade didática com fascículos.

STF. Plenário. RE 595676/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/3/2017 (repercussão geral) (Info 856).

Imunidade tributária Imunidade tributária consiste na determinação feita pela Constituição Federal de que certas atividades, rendas, bens ou pessoas não poderão sofrer a incidência de tributos. Trata-se de uma dispensa constitucional de tributo. A imunidade é uma limitação ao poder de tributar, sendo sempre prevista na própria CF. As normas de imunidade tributária constantes da Constituição objetivam proteger valores políticos, morais, culturais e sociais essenciais e não permitem que os entes tributem certas pessoas, bens, serviços ou situações ligadas a esses valores. Imunidade do art. 150, VI, “d”, da CF/88 O art. 150, VI, “d”, da CF/88 prevê que os “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão” gozam de imunidade tributária quanto aos impostos: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Vamos estudar um pouco mais sobre esta previsão: Nomenclatura É chamada pela doutrina de imunidade tributária “cultural” ou “de imprensa”. Razão de sua existência Esta imunidade foi prevista pelo legislador constituinte como uma forma de fomentar a difusão da cultura, do ensino e da liberdade de expressão, evitando que tais manifestações fossem impedidas ou dificultadas por força do pagamento de impostos. Histórico desta imunidade O Min. Dias Toffoli, em rico voto no RE 330817/RJ, aponta as razões históricas que motivaram a previsão desta imunidade. No período histórico conhecido como Estado Novo (1937 a 1945), o Governo cobrava elevado imposto dos jornais que divulgavam ideias contrárias ao regime quando estes importavam papeis. Por outro lado, concediam benefícios fiscais aos jornais partidários do Governo. Era uma forma de censura indireta.

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 14

A Constituição Federal de 1946, com o intuito de acabar com este controle estatal da imprensa, conferiu imunidade tributária ao “papel” e, além disso, com o objetivo de estimular a produção editorial, também estendeu esta imunidade para os livros. A Constituição Federal de 1967 manteve a imunidade, prevendo que era vedado criar imposto sobre “o livro, os jornais e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão” (art. 20, III, d). A Constituição Federal de 1969 (para alguns, apenas uma Emenda Constitucional à CF/67) manteve a imunidade, com pequena alteração em seu texto. Imunidade objetiva As alíneas “a”, “b” e “c” do inciso VI do art. 150 da CF/88 tratam de imunidade subjetiva. A imunidade desta letra “d” (imunidade cultural) é classificada com objetiva (ou real). Isso porque recai apenas sobre bens (livros, jornais, periódicos e o papel) e não se refere a impostos pessoais. “A aplicação da imunidade independe da pessoa que os produza ou que os comercialize; ou seja, não importa se se está diante de uma editora, uma livraria, uma banca de jornal, um fabricante de papel, um vendedor de livros, do autor ou de uma gráfica, pois o que importa à imunidade é o objeto e não a pessoa.” (Min. Dias Toffoli). Exemplos dessa imunidade Quando o livro sai da gráfica, não paga IPI; quando é vendido pela livraria, não paga ICMS; quando é importado, não paga Imposto de Importação. Estão fora da imunidade cultural Pelo fato da imunidade cultural não ser subjetiva, a gráfica, a livraria e o importador pagarão IR por conta da renda que obtiverem. Isso porque as pessoas (sujeitos) que trabalham com livros, jornais, periódicos etc. não gozam de imunidade. De igual forma, não é qualquer bem que goza da imunidade, mas tão-somente os livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Assim, por exemplo, a imunidade não abrange: • os carros da editora/jornal (deverão pagar IPVA); • os imóveis da editora/jornal (deverão pagar IPTU). O conteúdo do jornal, da revista ou do periódico influencia no reconhecimento da imunidade? O Fisco pode cobrar o imposto se a revista não tiver “conteúdo cultural”? NÃO. Não importa o conteúdo do livro, jornal ou periódico. Assim, um livro sobre piadas, um álbum de figurinhas ou uma revista pornográfica gozam da mesma imunidade que um compêndio sobre Medicina ou História. Em suma, todo livro, revista ou periódico é imune, considerando que a CF/88 não estabeleceu esta distinção, não podendo ela ser feita pelo intérprete (STF RE 221.239/SP). Imunidade incondicionada A norma constitucional que prevê a imunidade cultural é dotada de eficácia plena e aplicabilidade imediata, não precisando de lei para regulamentá-la. Por essa razão, é classificada como uma imunidade incondicionada (não depende do preenchimento de nenhuma condição prevista em lei, bastando ser livro, jornal, periódico ou o papel destinado à sua impressão). Conceito de livros O conceito de livro deve ser utilizado em sentido amplo. Assim, incluem-se aqui os manuais técnicos e as apostilas (STF RE 183.403/SP). Livros veiculados em formato digital (e-books) estão abrangidos pela imunidade? SIM. A imunidade de que trata o art. 150, VI, “d” da CF/88 alcança o livro digital (“e-book”). O STF, apreciando o tema sob a sistemática da repercussão geral, fixou a seguinte tese:

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 15

A imunidade tributária constante do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal (CF), aplica-se ao livro eletrônico (“e-book”), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo. STF. Plenário. RE 330817/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 8/3/2017 (repercussão geral) (Info 856).

Segundo afirmou o STF, a imunidade do art. 150, VI, “d”, da CF/88 não abrange apenas os livros produzidos pelo “método gutenberguiano”. Antes de prosseguir na explicação do julgado, é importante esclarecer uma curiosidade: Johann Gutenberg foi um alemão que, no século XV, teria inventado (ou aperfeiçoado) a máquina de impressão tipográfica. Antes dele, os livros eram todos manuscritos. Assim, o primeiro livro impresso do mundo foi feito na máquina desenvolvida por este alemão. Trata-se de uma Bíblia em latim, que ficou historicamente conhecida como a “Bíblia de Gutemberg”. Desse modo, quando o STF fala em livro produzido pelo “método gutenberguiano”, o que ele está querendo dizer é livro impresso. Voltando ao julgado. O livro pode ser veiculado em diversos tipos de suporte, seja ele tangível (ex: papel) ou intangível (ex: digital). Aliás, no passado, os livros já foram feitos de diferentes materiais: entrecasca de árvores, folha de palmeira, bambu reunido com fios de seda, placas de argila, placas de madeira, pergaminho (proveniente da pele de carneiro) etc. Isso tudo nos leva à conclusão de que o papel é apenas um elemento acidental no conceito de livro. Quando se fala que algo é um elemento acidental, isso significa que ele pode existir ou não. Ao contrário, quando se diz que algo é um elemento essencial, obrigatoriamente ele tem que estar presente. O papel é um elemento acidental (e não essencial) do conceito de livro. Em outras palavras, existe livro mesmo sem papel. Nas palavras do Min. Dias Toffoli: “o suporte das publicações é apenas o continente (“corpus mechanicum”) que abrange o conteúdo (“corpus misticum”) das obras e, portanto, não é o essencial ou o condicionante para o gozo da imunidade.” O fato de os livros eletrônicos permitirem uma maior capacidade de interação com o leitor/usuário (a partir de uma máquina), em comparação com os livros contidos nos códices (livros impressos em papel), não é motivo para se negar a eles a imunidade tributária. O aumento dessa interação é natural e está ligado ao processo evolutivo da cultura escrita trazendo novas funcionalidades como a busca de palavras, o aumento ou a redução do tamanho da fonte etc. Além disso, o usuário pode carregar consigo centenas de livros armazenados no leitor digital. Isso tudo facilita a difusão da cultura. Os “e-readers”, ou seja, aparelhos eletrônicos utilizados exclusivamente para ler livros digitais também gozam da imunidade tributária? Ex: um Kindle (Amazon), Lev (Saraiva), Kobo (Livraria Cultura) também estariam protegidos pela imunidade tributária? SIM. O avanço na cultura escrita fez com que fossem criadas novas tecnologias para o suporte dos livros, como o papel eletrônico (“e-paper”) e o aparelho eletrônico para leitura de obras digitais ( “e-reader”). Tais aparelhos tem a função de imitar a leitura em papel físico. Por essa razão, eles estão igualmente abrangidos pela imunidade cultural, por equipararem-se aos livros tradicionais. Assim, a partir de uma interpretação teleológica conclui-se que a regra de imunidade alcança também os aparelhos leitores de livros eletrônicos (“e-readers”) confeccionados exclusivamente para esse fim. Vale ressaltar que a maioria dos “e-readers” possuem algumas funcionalidades acessórias ou rudimentares, como a possibilidade de acesso à internet para fazer o “download” dos livros digitais, dicionários, possibilidade de alteração de tipo e tamanho da fonte, marcadores, espaçamento, iluminação do texto etc. Essas funcionalidades são acessórias e têm por objetivo permitir a função principal: a leitura. Por essa razão, mesmo com essas funcionalidades, os “e-readers” são considerados como um suporte utilizado exclusivamente para fixar o livro eletrônico e, portanto, gozam de imunidade. É possível ler livros digitais em “smartphones”, “tablets” e “laptops”. Isso significa que eles também devem gozar de imunidade tributária?

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 16

NÃO. O STF afirmou que a imunidade tributária aplica-se ao livro eletrônico e aos “suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo”. Um “smartphone”, um “tablet” ou um “laptop” não podem ser considerados suportes utilizados exclusivamente para fixar um livro eletrônico. Ao contrário, tais aparelhos possuem centenas de funcionalidades e a leitura de livros digitais neles é apenas uma das possibilidades, podendo até mesmo ser considerada secundária. Dessa forma, os tablets não gozam da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “d”, da CF/88. Imagine que o livro digital está contido dentro de um CD-Rom, sendo assim vendido para o público. Esse CD-Rom gozará de imunidade tributária? SIM. Neste caso, o CD-Rom é apenas um corpo mecânico ou suporte. Aquilo que está nele fixado (seu conteúdo textual) é o livro. Por essa razão, tanto o suporte (o CD-Rom) quanto o livro (conteúdo) estão abarcados pela imunidade do art. 150, VI, “d”, da CF/88. A imunidade tributária alcança também o audiolivro (“áudio book”)? SIM. Para que seja considerado livro e possa gozar da imunidade não é necessário que o destinatário (consumidor) tenha necessariamente que passar sua visão pelo texto e decifrar os signos da escrita. Dessa forma, a imunidade alcança o denominado “audio book” (audiolivro), ou seja, os livros gravados em áudio e que estejam salvos em CD, DVD ou qualquer outro meio. Essa é a conclusão a que se chega a partir de uma interpretação teleológica da norma, que tem por objetivo garantir a liberdade de informação, a democratização e a difusão da cultura, bem como a livre formação da opinião pública. Vale relembrar que os audiolivros cumprem importante função social por permitirem levar cultura e informação aos cegos e também aos analfabetos. Havia um argumento no sentido de que durante os debates da constituinte de 1988 foi aventada a possibilidade de se incluir os livros digitais na imunidade e que isso teria sido expressamente rejeitado, o que revelaria a intenção do legislador de restringir o benefício ao livro físico. Essa alegação é pertinente? NÃO. Segundo defendeu o Min. Dias Toffoli, o argumento de que a vontade do legislador histórico foi restringir a imunidade ao livro editado em papel não se sustenta em face da própria interpretação histórica e teleológica do instituto. Ainda que se partisse da premissa de que o objetivo do legislador constituinte de 1988 tivesse sido restringir a imunidade, seria de se invocar, ainda, a interpretação evolutiva, método interpretativo específico das normas constitucionais. Os fundamentos racionais que levaram à edição do art. 150, VI, “d”, da CF/88 continuam a existir mesmo quando levados em consideração os livros eletrônicos, inequívocas manifestações do avanço tecnológico que a cultura escrita tem experimentado. Utilizando-se de uma interpretação evolutiva da norma, chega-se à conclusão de que os livros eletrônicos estão sim inseridos no âmbito dessa imunidade tributária. Componentes eletrônicos que compõem o material didático. Imagine a seguinte situação: determinada editora comercializa fascículos (uma espécie de apostila) nas quais ensina como montar computadores. O consumidor que compra esses fascículos recebe também, dentro deles, pequenos componentes eletrônicos para que ele possa aplicar, na prática, aquilo que está lendo na apostila. Quando a editora vai adquirir esses componentes eletrônicos para colocar nos fascículos, tais bens serão também imunes? SIM. A parte impressa (fascículos) e o material demonstrativo (componentes eletrônicos) formam um conjunto com o qual se ensina como montar as placas de computadores. O Min. Marco Aurélio afirmou que o dispositivo constitucional que garante imunidade tributária a livros, jornais, periódicos e ao papel destinado a sua impressão deve ser interpretado de forma ampliada para abranger peças e componentes a serem utilizados como material didático que acompanhe publicações.

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 17

O art. 150, inciso VI, “d”, da CF/88 deve ser lido de acordo com os avanços tecnológicos ocorridos desde sua promulgação, em 1988. Desde então, ocorreram diversos avanços no campo da informática. O Direito, a Constituição e o STF não podem ficar avessos às transformações, sob pena de se tornarem obsoletos. Afirmou ainda que, na medida do possível, o Supremo deve ser intérprete contemporâneo das normas. Para o Ministro, o “constituinte originário não poderia antever tamanho avanço tecnológico”. No caso concreto, essas pequenas peças nada representam sem o curso teórico, ou seja, as ditas “pecinhas” nada mais são do que partes integrantes dos fascículos, estando, portanto, esse conjunto abarcado pela referida imunidade tributária. O STF apreciou o caso sob a sistemática da repercussão geral e fixou a seguinte tese:

A imunidade da alínea “d” do inciso VI do art. 150 da CF/88 alcança componentes eletrônicos destinados, exclusivamente, a integrar unidade didática com fascículos. STF. Plenário. RE 595676/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/3/2017 (repercussão geral) (Info 856).

Jornais Os jornais gozam de imunidade, mesmo que contenham publicidade em seu corpo (anúncios, classificados etc.), considerando que isso constitui fonte de renda necessária para continuar a difusão da cultura (Ricardo Alexandre). Contudo, algumas vezes, junto com o jornal vêm alguns folhetos separados contendo publicidade de supermercados, lojas etc. Tais encartes publicitários não são parte integrante (indissociável) do jornal e não se destinam à difusão da cultura (possuem finalidade apenas comercial), razão pela qual NÃO gozam de imunidade (RE 213.094/ES).

Papel O papel utilizado para a impressão de livros, jornais e periódicos também é imune. Não importa o tipo e a qualidade do papel. Basta que ele seja utilizado para a produção de livros, jornais e periódicos.

Filmes e papeis fotográficos A imunidade pode abranger filmes e papeis fotográficos:

Súmula 657-STF: A imunidade prevista no art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal abrange os filmes e papeis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos.

Chapas de impressão: NÃO são imunes A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, "d," da CF/88 deve ser interpretada finalisticamente à promoção da cultura e restritivamente no tocante ao objeto, na medida em que alcança somente os insumos assimiláveis ao papel. STF. 1ª Turma. ARE 930133 AgR-ED, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 23/09/2016.

Listas telefônicas: são imunes A edição de listas telefônicas goza de imunidade tributária prevista no art. 150, VI, "d", da CF/88. A imunidade tributária prevista em prol de livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, ostenta caráter objetivo e amplo, alcançando publicações veiculadoras de informações genéricas ou específicas, ainda que desprovidas de caráter noticioso, discursivo, literário, poético ou filosófico. STF. 1ª Turma. RE 794285 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24/05/2016.

Papel para propaganda: não é imune Os veículos de comunicação de natureza propagandística de índole eminentemente comercial e o papel utilizado na confecção da propaganda não estão abrangidos pela imunidade definida no art. 150, VI, "d", da CF/88, uma vez que não atendem aos conceitos constitucionais de livro, jornal ou periódico contidos nessa norma. STF. 2ª Turma. ARE 807093 ED/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 05/08/2014.

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 18

Serviços de distribuição de livros, jornais e periódicos: NÃO são imunes A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a distribuição de periódicos, revistas, publicações, jornais e livros não está abrangida pela imunidade tributária da alínea “d” do inciso VI do art. 150 da CF/88. STF. 2ª Turma. RE 630462 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgado em 07/02/2012. Serviços de composição gráfica: NÃO são imunes Segundo o STF, as prestadoras de serviços de composição gráfica, que realizam serviços por encomenda de empresas jornalísticas ou editoras de livros, não estão abrangidas pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, d, da CF. As empresas que fazem composição gráfica para editoras, jornais etc. são meras prestadoras de serviço e, por isso, a elas não se aplica a imunidade tributária. STF. 2ª Turma. RE 434826 AgR/MG, rel. orig. Min. Cezar Peluso, red. p/ o acórdão Min. Celso de Mello, julgado em 19/11/2013 (Info 729).

ICMS Inconstitucionalidade de lei estadual que concede isenção de ICMS

para empresas patrocinadoras de bolsas de estudo

É inconstitucional lei estadual que concede, sem autorização de convênio interestadual, dedução de ICMS para empresas que patrocinarem bolsas de estudo para professores.

O Estado-membro só pode conceder isenção de ICMS se isso tiver sido combinado com os demais Estados-membros/DF por meio de um convênio. É o que prevê o art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88 e o art. 1º da LC 24/75.

STF. Plenário. ADI 2663/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 8/3/2017 (Info 856).

A situação concreta foi a seguinte: O Estado do Rio Grande do Sul editou a Lei nº 11.743/2002 prevendo que empresas privadas poderiam patrocinar bolsas de estudos para professores em faculdades particulares. Em contrapartida, o art. 3º da Lei autoriza que a empresa patrocinadora deduza do ICMS que ela paga 50% do valor gasto com a bolsa de estudos. Em outras palavras, a empresa recebe um incentivo fiscal de ICMS por estar patrocinando a bolsa. Essa previsão do art. 3º desta Lei é constitucional? O Estado poderia ter concedido este incentivo de ICMS? NÃO. O Estado-membro só pode conceder isenção de ICMS se isso tiver sido combinado com os demais Estados-membros/DF por meio de um convênio. É o que prevê o art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88 e o art. 1º da LC 24/75:

CF/88 Art. 155 (...) § 2º (...) XII - cabe à lei complementar: (...) g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

LC 24/75 Art. 1º As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 19

Assim, a concessão unilateral de benefícios fiscais relativos ao ICMS sem a prévia celebração de convênio intergovernamental é considerada inconstitucional pelo STF. O objetivo dessa vedação é o de evitar a chamada “guerra fiscal”, ou seja, que os Estados-membros fiquem concedendo benefícios para tornarem-se mais atrativos para a instalação de empresas em seus territórios. Veja uma ementa recente que espelha esse entendimento:

(...) Revela-se inconstitucional a concessão unilateral, por parte de Estado-membro ou do Distrito Federal, sem anterior convênio interestadual que a autorize, de quaisquer benefícios tributários referentes ao ICMS, tais como, exemplificativamente, (a) a outorga de isenções, (b) a redução de base de cálculo e/ou de alíquota, (c) a concessão de créditos presumidos, (d) a dispensa de obrigações acessórias, (e) o diferimento do prazo para pagamento e (f) o cancelamento de notificações fiscais. (...) (STF. Plenário. ADI 4635 MC-AgR-Ref, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 11/12/2014)

O pacto federativo reclama, para preservação do equilíbrio horizontal na tributação, a prévia deliberação dos Estados-Membros para concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, na forma prevista no art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF e como disciplinado pela LC 24/1975, recepcionada pela atual ordem constitucional. Por esse motivo, o art. 3º da Lei 11.743/2002 é inconstitucional. Ao conceder benefício fiscal de ICMS sem a antecedente deliberação dos Estados-Membros e do Distrito Federal, houve uma típica exoneração tributária que pode gerar guerra fiscal, em desarmonia com a Constituição.

Em suma:

É inconstitucional lei estadual que concede, sem autorização de convênio interestadual, dedução de ICMS para empresas que patrocinarem bolsas de estudo para professores. O Estado-membro só pode conceder isenção de ICMS se isso tiver sido combinado com os demais Estados-membros/DF por meio de um convênio (art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88 e o art. 1º da LC 24/75). STF. Plenário. ADI 2663/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 8/3/2017 (Info 856).

Ex nunc Ao julgar uma lei inconstitucional, em regra, esta decisão produz efeitos ex tunc (retroativos). Assim, a lei é inconstitucional desde o momento em que ela foi promulgada. No entanto, é possível que o STF module os efeitos da decisão que julga determinada lei contrária à CF. Em outras palavras, permite-se que o STF determine que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade somente valham a partir da decisão proferida (ex nunc) ou ainda a partir de determinada data futura (efeitos prospectivos).

Lei 9.868/99: Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Mesma regra pode ser encontrada no art. 11 da Lei n. 9.882/99.

Regra: efeitos EX TUNC (retroativos)

Excepcionalmente o STF pode, pelo voto de, no mínimo, 8 Ministros (2/3):

* restringir os efeitos da declaração; ou * decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado; ou * de outro momento que venha a ser fixado.

Desde que haja razões de: * segurança jurídica; ou * excepcional interesse social.

No caso concreto, o STF decidiu conferir efeitos ex nunc, afirmando que a lei deveria ser considerada inconstitucional a partir da publicação da ata de julgamento.

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 20

ICMS Inconstitucionalidade de lei estadual que concede vantagens no parcelamento do ICMS

para empresas que aderirem a programa de geração de empregos

É inconstitucional lei estadual que concede, sem autorização de convênio interestadual, vantagens no parcelamento de débitos do ICMS para empresas que aderirem a programa de geração de empregos.

O Estado-membro só pode conceder benefícios de ICMS se isso tiver sido previamente autorizado por meio de convênio celebrado com os demais Estados-membros e DF, nos termos do art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88 e o art. 1º da LC 24/75.

A concessão unilateral de benefícios de ICMS sem previsão em convênio representa um incentivo à guerra fiscal.

STF. Plenário. ADI 3796/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 8/3/2017 (Info 856).

Imagine a seguinte situação: O Paraná editou a Lei nº 15.054/2006 prevendo que as empresas privadas que aderissem a um determinado programa de geração de empregos no Estado teriam direito a vantagens no parcelamento de débitos do ICMS. Essa lei é constitucional? NÃO.

É inconstitucional lei estadual que concede, sem autorização de convênio interestadual, vantagens no parcelamento de débitos do ICMS para empresas que aderirem a programa de geração de empregos. O Estado-membro só pode conceder benefícios de ICMS se isso tiver sido previamente autorizado por meio de convênio celebrado com os demais Estados-membros e DF, nos termos do art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88 e o art. 1º da LC 24/75. A concessão unilateral de benefícios de ICMS sem previsão em convênio representa um incentivo à guerra fiscal. STF. Plenário. ADI 3796/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 8/3/2017 (Info 856).

No caso concreto, o STF decidiu conferir efeitos ex nunc sob o argumento de que a lei vigorou por muitos anos e a não modulação apenaria (puniria) as empresas que a tivessem cumprido, gerando insegurança jurídica.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) A ação direta de inconstitucionalidade possui causa de pedir aberta. ( ) 2) O STF, ao julgar as ações de controle abstrato de constitucionalidade, não está vinculado aos

fundamentos jurídicos invocados pelo autor. ( ) 3) É inconstitucional lei estadual que preveja a possibilidade de empresas patrocinarem bolsas de estudo para

professores em curso superior, tendo como contrapartida a obrigação de que esses docentes ministrem aula de alfabetização ou aperfeiçoamento para os empregados da empresa patrocinadora. ( )

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 21

4) Enquanto os Estados, mediante lei específica, não organizarem suas Defensorias Públicas para atuarem continuamente nesta Capital Federal, inclusive com sede própria, o acompanhamento dos processos no STJ constitui prerrogativa da DPU. ( )

5) O prefeito detém prerrogativa de foro, constitucionalmente estabelecida. Desse modo, os procedimentos de natureza criminal contra ele instaurados devem tramitar perante o Tribunal de Justiça, com o controle jurisdicional da autoridade competente. ( )

6) Deve ser rejeitada, por ausência de justa causa, a denúncia que, ao arrepio da legalidade, baseia-se em supostas declarações, colhidas em âmbito estritamente privado, sem acompanhamento de qualquer autoridade pública (autoridade policial, membro do Ministério Público) habilitada a conferir-lhes fé pública e mínima confiabilidade. ( )

7) Os livros eletrônicos não gozam de imunidade tributária. ( ) 8) A imunidade tributária constante do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal não se aplica aos leitores

de livros eletrônicos. ( ) 9) A imunidade da alínea “d” do inciso VI do art. 150 da CF/88 alcança componentes eletrônicos

destinados, exclusivamente, a integrar unidade didática com fascículos. ( ) 10) É inconstitucional lei estadual que concede, sem autorização de convênio interestadual, dedução de

ICMS para empresas que patrocinarem bolsas de estudo para professores. ( ) Gabarito

1. C 2. C 3. E 4. C 5. C 6. C 7. E 8. E 9. C 10. C

OUTRAS INFORMAÇÕES

CLIPPING DA R E P E R C U S S Ã O G E R A L DJe de 6 a 10 de março de 2017

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE 1.018.459-PR RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

EMENTA: Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. 2. Acordos e convenções coletivas de trabalho. Imposição de contribuições

assistenciais compulsórias descontadas de empregados não filiados ao sindicato respectivo. Impossibilidade. Natureza não tributária da contribuição.

Violação ao princípio da legalidade tributária. Precedentes. 3. Recurso extraordinário não provido. Reafirmação de jurisprudência da Corte.

C L I P P I N G D O D JE 6 a 10 de março de 2017

AG. REG. NO ARE N. 750.614-RN - RELATOR: MIN. EDSON FACHIN AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA.

INCORPORAÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DA ATIVIDADE DO SEGURO SOCIAL – GDASS. PARIDADE. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO

REGIMENTAL IMPROVIDO. IMPOSIÇÃO DE MULTA.

1. É firme o entendimento desta Corte no sentido de que o termo inicial para o pagamento diferenciado das gratificações de desempenho

entre os servidores ativos e inativos é a data da homologação do resultados das avaliações. Precedentes.

2. O artigo 40, § 4º, da Constituição Federal não tem o alcance de garantir aos servidores inativos o recebimento de vantagens de natureza

pro labore faciendo, as quais devem ser pagas de acordo com a legislação de regência.

3. Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa, nos termos do art. 1.021, §4º, do CPC.

Ext N. 1.468-DF - RELATORA: MIN. ROSA WEBER EMENTA: EXTRADIÇÃO INSTRUTÓRIA. CONCORDÂNCIA DO EXTRADITANDO. CONTROLE DE LEGALIDADE DO PEDIDO EXTRADICIONAL.

CRIME DE HOMICÍDIO. “CRIME AGRAVADO DE ARMAS”. CORRESPONDÊNCIA COM OS DELITOS TIPIFICADOS NOS ARTIGOS 121 DO CÓDIGO

PENAL E 14 DA LEI 10.826/2003. DUPLA INCRIMINAÇÃO CONFIGURADA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICES LEGAIS À

EXTRADIÇÃO. EXIGÊNCIA DE ASSUNÇÃO DE COMPROMISSOS PELO ESTADO REQUERENTE.

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 22

1. Pedido de extradição formulado pelo Governo da Suécia que atende aos requisitos da Lei 6.815/1980.

2. A concordância defensiva com o pleito extradicional não afasta o controle da legalidade por este Supremo Tribunal Federal. Precedentes.

3. Crime de homicídio e “crime agravado de armas” que correspondem aos delitos previstos nos arts. 121 do Código Penal e 14 da Lei

10.826/2003, respectivamente. Dupla incriminação atendida.

4. Inocorrência de prescrição ou óbice legais.

5. O compromisso de detração da pena, considerando o período de prisão decorrente da extradição, deve ser assumido antes da entrega

do preso, não obstando a concessão da extradição. O mesmo é válido para os demais compromissos previstos no art. 91 da Lei 6.815/1980.

AG. REG. NA ACO N. 779-RJ - RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI EMENTA: Agravo regimental em ação cível originária. LC Nº 86/97 e alterações posteriores. Emenda Constitucional nº 42/03. Artigo 91, §

3º, ADCT. Regra de transição. Desoneração tributária do imposto sobre operações que destinem mercadorias ao exterior. Pretensão do Estado

agravante de compensação integral pelas perdas decorrentes da arrecadação do ICMS exportação. Inexistência de dispositivo legal que obrigue a

União a fazer a compensação integral. Precedentes. Observância da metodologia de cálculo prevista no Anexo da Lei Complementar nº 87/96 e

em suas alterações posteriores. Agravo regimental não provido.

1. Os critérios de repasse dos recursos tendentes a compensar as perdas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios com as

desonerações do ICMS nas operações com exportações já se encontravam previamente traçados no Anexo da Lei Complementar nº 87/96 e em

suas alterações posteriores, mesmo antes da Emenda Constitucional nº 42/2003, a qual incluiu o art. 91 no Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias. A pretensão do Estado agravante de compensação integral pelas perdas decorrentes da arrecadação do ICMS exportação não

sobressai, a priori, do art. 91 do ADCT; tampouco há na Lei Complementar nº 87/96 determinação nesse sentido. Precedentes.

2. O art. 91, § 3º, do ADCT dispõe, expressamente, que, enquanto não for editada a lei complementar a que se refere o caput do mesmo

dispositivo, com a definição do montante a ser entregue pela União aos Estados e ao Distrito Federal, permanece vigente o sistema de entrega de

recursos previsto no art. 31 e Anexo da LC nº 87/96, com a redação dada pela LC nº 115/02. Observância, no caso – consoante aferição pericial –

das regras estabelecidas na legislação para o cálculo do montante repassado. Ausência de direito à compensação integral pelas perdas decorrentes

da arrecadação do ICMS importação.

3. Agravo regimental não provido.

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais

aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham

despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Direito Administrativo - Concurso Público - Exame Psicológico (Transcrições)

Rcl 25.209-MC/SP*

RELATOR: Ministro Edson Fachin

DECISÃO: Trata-se de reclamação ajuizada por Yuri Dimitre Sanchez em face de sentença prolatada pelo Juízo da 6ª Vara da Fazenda Pública do

Foro central da Comarca de São Paulo, que considerou válida a eliminação do reclamante do concurso público para ingresso na graduação de soldado da Polícia Militar de 2ª classe, em virtude de sua inabilitação na fase de exame psicológico. A decisão foi assim fundamentada (eDOC 12):

“A realização de exames psicológicos para ingresso na carreira policial militar está prevista no Decreto nº 54.911/09, sendo certo que a

legislação aplicável à espécie está expressamente indicada no edital. A avaliação psicológica realizada como etapa do concurso de ingresso nos

quadros da Polícia Militar do Estado de São Paulo observou o princípio da legalidade. (…)

A Administração fixou o perfil psicológico exigido do candidato no edital. E se o impetrante insurge-se contra o edital, competia-lhe

impugná-lo no prazo previsto para tanto, pois não se pode admitir que as regras sejam aceitas em um primeiro momento pelos candidatos, e somente quando afastados do certame, ou seja, quando a situação pessoal lhes convém, apresentem impugnação.

O impetrante aceitou as regras do edital por ocasião da sua inscrição no concurso público para ingresso no cargo de Soldado PM 2ª Classe, de modo que a Súmula Vinculante nº 44 do Supremo Tribunal Federal não o ampara, pois na verdade, o autor não pretende questionar

a aplicação do exame psicológico, mas sim afastar o resultado desfavorável obtido em uma das etapas do concurso, o que não se pode admitir,

sob pena de violação ao princípio da isonomia. A Súmula Vinculante deverá ser invocada quando da publicação do edital de abertura do concurso público para preenchimento de

cargos vagos na Administração Pública.

Ademais, se a regra contida no edital não respeita comando constitucional, como sustentado na exordial, cabível no caso somente a anulação do concurso, não havendo como ser admitido a não submissão de determinado candidato, por motivos pessoais, sob pena de flagrante

violação aos princípios da isonomia, legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

O critério utilizado pela Administração não afronta qualquer garantia constitucional do impetrante, pois garante a isonomia entre os candidatos, e atende ao interesse público.

O requisito exigido é justo e razoável, além de atender ao interesse público, pois visa garantir a condição do candidato para o

desempenho do cargo.

(…)

O impetrante foi reprovado nos exames psicológicos por não apresentar as características de personalidade necessárias para o bom

desempenho das atividades policiais previstas no Anexo G do edital do certame, tendo apresentado inadequação aos níveis dos parâmetros exigidos no perfil e contraperfil psicológico estabelecido para o cargo de Soldado PM 2ª Classe nos seguintes itens: capacidade de liderança,

relacionamento interpessoal e falta de domínio psicomotor.

Informativo 856-STF (20/03/2017) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante| 23

A administração justificou minuciosamente os motivos que levaram à reprovação do candidato, bem como a metodologia e testes

aplicados, o que afasta qualquer alegação de arbitrariedade ou discriminação do ato.

O laudo psicológico juntado aos autos demonstrou que a avaliação foi feita de forma objetiva e bem fundamentada quanto às razões que levaram ao reconhecimento da inaptidão do autor.”

O reclamante aduz, em suma, que a previsão da fase de exame psicológico consta apenas do Decreto 54.911/2009 e que não há lei que a

preveja. Assim, em razão da ausência de previsão legal expressa, haveria ofensa à Súmula Vinculante 44. Por essa razão, a decisão do juízo singular

acabou por violar a regra constitucional que exige lei para a previsão do exame. Requer o reclamante, em sede de liminar, a autorização para que prossiga no certame e, ao fim, a anulação da decisão reclamada. Aduz, como periculum in mora, o fato da continuidade do certame e a possibilidade

de classificação em posição inferior aos demais candidatos.

É, em síntese, o relatório. Decido.

A reclamação destina-se a preservar a competência e a autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal quando ocorrer a usurpação de

sua competência ou, nos termo do art. 102, § 2º, da CR, quando decisões judiciais ou atos administrativos contrariarem decisão proferida por esta Corte em sede de controle concentrado de constitucionalidade ou que, nos termos do art. 102, § 3º, também da CR, o enunciado de súmula vinculante.

Em casos de relevância e fundado receio de dano irreparável, é possível ao Relator, nos termos do art. 989 do Código de Processo Civil, deferir

medida liminar a fim de suspender o ato impugnado.

Estão presentes os pressupostos processuais para o deferimento da medida. Com efeito, no que tange à relevância do argumentos apresentados,

esta Corte há muito consolidou o entendimento segundo o qual apenas por lei pode a Administração submeter os candidatos em concurso público ao

exame psicotécnico como requisito para o ingresso no cargo. De fato, a Súmula 686 da Corte assentou que “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”.

Posteriormente, quando do julgamento do AI 758.533 QO-RG, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Pleno, DJe 13.08.2010, o Tribunal confirmou o

entendimento em sede de repercussão geral. Confira-se:

“Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3° e 4°).2. Exame psicotécnico. Previsão em lei em sentido material. Indispensabilidade. Critérios objetivos. Obrigatoriedade. 3. Jurisprudência pacificada na Corte.

Repercussão Geral. Aplicabilidade. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal,

negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral.” (AI 758533 QO-RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 23/06/2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-149 DIVULG

12-08-2010 PUBLIC 13-08-2010 EMENT VOL-02410-04 PP-00779 )

A confirmação do precedente em sede de repercussão geral levou a Corte a, posteriormente, aprovar o enunciado da Súmula Vinculante 44,

cuja redação é idêntica à Súmula 686. Registre-se que diversos são os precedentes que aplicam esse entendimento aos concursos públicos para a Polícia Militar, não se

vislumbrando, por ora, qualquer distinção que pudesse eximir o acórdão reclamado da observância da orientação do Supremo Tribunal Federal. Isso

porque, nos termos do art. 927, II, do Código de Processo Civil, os tribunais devem observar os enunciados da súmula vinculante, somente podendo afastá-los se, nos termos do art. 489, VI, do CPC, demonstrarem a distinção do caso em julgamento relativamente ao precedente desta Corte.

No caso em exame, a inobservância da Súmula foi justificada ao fundamento de que “A realização de exames psicológicos para ingresso na

carreira policial militar está prevista no Decreto nº 54.911/09, sendo certo que a legislação aplicável à espécie está expressamente indicada no edital. A avaliação psicológica realizada como etapa do concurso de ingresso nos quadros da Polícia Militar do Estado de São Paulo observou o

princípio da legalidade.” (eDOC 12, p. 2). O embasamento em decreto não atende a necessidade indicada pelo precedente desta Corte, como já puderam assentar os seguintes precedentes:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXAME PSICOTÉCNICO.

NECESSIDADE DE LEI. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. PRECEDENTES. 1. A exigência do exame psicotécnico, prevista somente por

Decreto, não serve como condição para negar o ingresso do servidor na carreira da Polícia Militar, 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada quanto à necessidade de lei em sentido formal para exigência de exame psicotécnico. 3. Para divergir da conclusão a que chegou o Tribunal a

quo, necessário se faria o exame da legislação infraconstitucional 4. Agravo regimental improvido.”

(AI 676675 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 08/09/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-09-2009 EMENT VOL-02375-08 PP-02126)

“A exigência de exame psicotécnico, como requisito ou condição necessária ao acesso a determinados cargos públicos, somente é possível, nos

termos da Constituição Federal, se houver lei em sentido material que expressamente o autorize, além de previsão no edital do certame.

É necessário um grau mínimo de objetividade e de publicidade dos critérios que nortearão a avaliação psicotécnica. A ausência desses requisitos

torna o ato ilegítimo, por não possibilitar o acesso à tutela jurisdicional para a verificação de lesão de direito individual pelo uso desses critérios.

Segurança denegada.”

(MS 30822, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 05/06/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 25-06-2012 PUBLIC 26-06-2012)

Assim, relevantes os fundamentos trazidos pelo reclamante, o requisito da urgência também se faz presente, a fim de que não se delongue a

possibilidade de participação em curso para o ingresso na carreira.

Ante o exposto, com fulcro nos arts. 989, II, do Código de Processo Civil, determino a suspensão do ato reclamado até o julgamento final da presente reclamação, com a imediata inscrição do Reclamante no curso previsto pelo Edital DP-1/321/2015, ou equivalente, fornecido pela Polícia

Militar do Estado de São Paulo.

Solicitem-se informações da autoridade reclamada, nos termos do art. 989, I, do Código de Processo Civil. Após, cite-se o Estado de São Paulo, nos termos do art. 989, III, do Código de Processo Civil.

Publique-se.

Brasília, 06 de março de 2017.

Ministro EDSON FACHIN Relator

*decisão publicada no DJe em 9.3.2017

Secretaria de Documentação – SDO Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

[email protected]