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Índice de Estigma de Pessoas Vivendo com HIV/SIDA MOÇAMBIQUE Relatório Final - Metodologia e Resultados Julho 2013

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Índice de Estigma de Pessoas Vivendo com HIV/SIDA

MOÇAMBIQUE Relatório Final - Metodologia e Resultados

Julho 2013

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- 3 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

ÍNDICE

GLOSSÁRIO DE ACRÓNIMOS ........................................................................................................................................... - 4 -

AGRADECIMENTOS ........................................................................................................................................................... - 5 -

SUMÁRIO EXECUTIVO ....................................................................................................................................................... - 6 -

1. CONTEXTO .......................................................................................................................................................... - 9 -

1.1. HIV EM MOÇAMBIQUE ............................................................................................................................ - 9 - 1.2. O ESTIGMA E A DISCRIMINAÇÃO ASSOCIADOS AO HIV EM MOÇAMBIQUE ................................... - 9 - 1.3. O QUADRO INSTITUCIONAL DE COMBATE AO HIV/SIDA EM MOÇAMBIQUE................................. - 10 - 1.4. ESTUDO DO ÍNDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV/SIDA ................................... - 11 - 1.5. OBJECTIVOS ......................................................................................................................................... - 12 -

2. METODOLOGIA ................................................................................................................................................. - 13 -

2.1. CONSIDERAÇÕES ÉTICAS ................................................................................................................... - 13 - 2.2. DEFINIÇÃO DA AMOSTRA .................................................................................................................... - 14 - 2.3. SELECÇÃO DOS ENTREVISTADORES ................................................................................................ - 15 - 2.4. FORMAÇÃO DOS ENTREVISTADORES ............................................................................................... - 15 - 2.5. PRÉ-TESTAGEM DOS QUESTIONÁRIOS ............................................................................................ - 16 - 2.6. RECOLHA DE DADOS ........................................................................................................................... - 16 - 2.7. CARREGAMENTO E VERIFIÇÃO DA QUALIDADE DOS DADOS......................................................... - 16 - 2.8. LIMITAÇÕES DO ESTUDO .................................................................................................................... - 17 -

3. RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS......................................................................................................... - 18 -

3.1. CARACTERIZAÇÃO DEMOGRÁFICA E SOCIO-ECONÓMICA DOS ENTREVISTADOS (E AGREGADOS) - 18 -

3.2. EXPERIÊNCIA DE ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO ................................................................................ - 24 - 3.3. ACESSO AO TRABALHO E SERVIÇOS DE SAÚDE E EDUCAÇÃO ..................................................... - 28 - 3.4. ESTIGMA INTERNO ............................................................................................................................... - 30 - 3.5. DIREITOS, LEIS E POLÍTICAS ............................................................................................................... - 33 - 3.6. REALIZANDO MUDANÇAS .................................................................................................................... - 35 - 3.7. TESTE/DIAGNÓSTICO .......................................................................................................................... - 37 - 3.8. REVELAÇÃO DA SEROPOSITIVIDADE E CONFIDENCIALIDADE....................................................... - 40 - 3.9. TRATAMENTO ....................................................................................................................................... - 43 - 3.10. TER FILHOS ........................................................................................................................................... - 44 -

4. CONCLUSÕES ................................................................................................................................................... - 46 -

5. RECOMENDAÇÕES .......................................................................................................................................... - 51 -

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................................. - 54 - 

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- 4 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

GLOSSÁRIO DE ACRÓNIMOS

ARV Medicamentos antiretrovirais

CD Comité Director

CD4 Contador de CD4 (Diferencial Celular)

CNBS Comité Nacional para a Bioética da Saúde

CNCS Conselho Nacional de Combate ao HIV/SIDA

COVs Crianças Órfãs e Vulneráveis

DPS Direcção Provincial de Saúde

GATV Gabinete de Aconselhamento e Testagem Voluntária

GNP+ Rede Global de Pessoas Vivendo com HIV/SIDA

HIV Vírus da Imunodeficiência Humana [Human Immunodeficiency Virus]

ICW Comunidade Internacional de Mulheres Vivendo com HIV/SIDA

IPPF Federação Internacional de Planeamento Familiar

MISAU Ministério da Saúde da República de Moçambique

ONUSIDA Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o VIH/SIDA

PARPA Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta

PEN Plano Estratégico Nacional de Resposta ao HIV/SIDA

PVHS Pessoas Vivendo com HIV/SIDA

RENSIDA Rede Nacional de Associações de Pessoas Vivendo com HIV/SIDA

TARV Tratamento antiretroviral

SIDA Síndroma de Imunodeficiência Adquirida

SWANNEPHA Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/SIDA na Suazilândia [Swaziland National Network for

People Living With HIV/AIDS]

UEM Universidade Eduardo Mondlane

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AGRADECIMENTOS Este estudo foi possível graças à dedicação do Comité Director (CD) instituído para acompanhar o processo de coordenação e implementação do estudo em Moçambique, constituído por representantes da ONUSIDA em Moçambique, UEM, RENSIDA e grupo CESO CI. A nossa gratidão vai também para o Secretariado Executivo da RENSIDA e suas associações-membro nas Províncias de Maputo, Gaza, Manica, Sofala e Nampula, por todo o apoio durante o processo de inquirição, e para os entrevistadores, pela flexibilidade mostrada para que se pudessem cumprir as metas definidas, e consultor principal, Dr. Santos Alfredo Nassivila, pela condução do estudo. Não gostaríamos de deixar de referir o apoio financeiro conferido pela Comic Relief, sem o qual este projecto não teria avançado, e a orientação e disponibilidade permanente da Federação Internacional para o Planeamento Familiar (IPPF). Finalmente, mas não menos importante, a equipa de estudo agradece também a todas as Pessoas Vivendo com HIV/SIDA (PVHS) que aceitaram ser inquiridas, proporcionando importantes contribuições sobre as suas experiências, conhecimentos, ansiedades e compromissos na luta contra o estigma e a discriminação em Moçambique. A todos que, de alguma forma, contribuíram para o sucesso do estudo, o nosso muito obrigado.

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SUMÁRIO EXECUTIVO O Índice de Estigma de Pessoas Vivendo com HIV/SIDA é uma iniciativa conjunta de várias organizações internacionais – IPPF, ONUSIDA, GNP+ e ICW –, que desenvolveram uma metodologia e um questionário padrão a ser aplicado à escala global, procurando documentar o grau e as formas de estigma e discriminação vividos pelas Pessoas Vivendo com HIV/SIDA (PVHS) em diferentes países. A intenção das organizações participantes é de tornar o Índice amplamente disponível, de modo a que possa ser utilizado como um instrumento local, nacional e global de advocacia para lutar pela melhoria dos direitos das PVHS. A implementação do estudo em Moçambique esteve a cargo da Rede Nacional de Associações de Pessoas que Vivem com HIV/SIDA (RENSIDA), com o apoio técnico do grupo CESO CI e supervisão directa do Comité Director, constituído para o efeito e representado por membros da ONUSIDA em Moçambique e da Universidade Eduardo Mondlane. Uma particularidade desta metodologia prende-se com o facto de os entrevistadores serem também PVHS, colocando-as no centro do processo e fomentando um espírito verdadeiramente participativo e empoderador. Os dados foram recolhidos através de entrevistas realizadas em cinco províncias moçambicanas: Maputo, Gaza, Manica, Sofala e Nampula. Os entrevistados foram seleccionados de forma aleatória entre um universo de PVHS associadas ou com ligações à RENSIDA e às suas associações membro. No total foram validados e contemplados no presente estudo 741 questionários, tendo-se procurado uma representação equitativa de mulheres e homens e de residentes em zonas rurais e urbanas. Os resultados revelaram que o estigma e a discriminação associados ao HIV estão bem presentes em Moçambique e constituem um desafio actual. Nos 12 meses que precederam o inquérito, mais de metade do total dos entrevistados vivenciaram alguma forma de estigma e discriminação motivados pela sua situação de HIV. Parte dos inquiridos ouviram falar mal de si (36,3%), outros foram vítimas de pressão psicológica ou manipulação pelo cônjuge (36%), foram verbalmente ameaçados ou insultados (24,4%), ou excluídos de actividades em família (12,8%), excluídos de actividades sociais (7,2%) ou mesmo fisicamente atacados (5,1%).

Também nos últimos 12 meses que precederam o inquérito, quase quatro em cada dez inquiridos declararam que o seu estado de HIV (sozinho ou em parte) restringiu o acesso ao trabalho, alojamento ou algum serviço social. Cerca de 14,5% dos entrevistados considera que perdeu o emprego ou fonte de rendimento (sobretudo devido à deterioração do seu estado de saúde); cerca de 6% confirmaram terem sido forçados a mudar o seu local de residência, ou não puderam arrendar um local para acomodação; 5,4% reportaram ter sido, eles próprios ou os filhos, despedidos, expulsos ou suspensos, de uma instituição de ensino devido à sua condição de PVHS; e a cerca de 3% dos respondentes foram negados serviços de planeamento familiar e serviços de saúde sexual e reprodutiva, por causa da sua situação de HIV. Sobre a opção de ter filhos, 15,9% do total dos inquiridos disseram ter sido aconselhados por um profissional da saúde a não ter (mais) filhos por causa da sua condição de PVHS, 3,1% (78,3% mulheres) afirmaram mesmo ter sido coagidos por um profissional de saúde a serem esterilizados depois do diagnóstico e 6,8% das mulheres inquiridas alegaram ter sido coagidas a interromper uma gravidez.

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Noutra perspectiva, cerca de 60% dos inquiridos manifestaram sentimentos negativos em relação a si próprios (estigma interno) por serem portadores de HIV: 35,5% tinham pouca auto-estigma, 34,8% sentiam-se envergonhados, 32,8% sentiam-se culpados, 10% sentiam vontade de se suicidar e 6,1% achavam que deveriam ser punidos.

Em função desta auto-estigmatização, em particular no ano que precedeu o inquérito, 27,9% dos inquiridos inibiram-se de participar em encontros sociais, 26% isolaram-se inclusive da família e amigos, entre 13% a 16% decidiram parar de trabalhar ou de procurar trabalho, não casar ou não ter relações sexuais e cerca de 10% evitou ainda ir a uma clínica ou hospital quando precisava. O estudo revelou igualmente algum desconhecimento, por parte das PVHS, dos direitos, leis e políticas nacionais que as protegem, bem como dos mecanismos de reparação legal. De entre os inquiridos que afirmaram que os seus direitos haviam sido violados (8,4%) e os que não tinham a certeza (31,7%), apenas cerca de um oitavo procurou mover uma acção legal. Sobre o conhecimento de alguma organização a que possam recorrer perante experiências de estigma ou discriminação, 26,6% dos respondentes (n=197) alegou não ter qualquer referência, enquanto 72,2% (n=535) disseram conhecer algum ponto de apoio, de entre os quais se destacaram os grupos locais de apoio às PVHS (51,5%) ou redes de PVHS (23,1%), seguidos das organizações religiosas (15,2%) e do Conselho Nacional de Combate ao HIV/SIDA (CNCS) (13,8%). Verificou-se, por outro lado, uma significante base de apoio entre PVHS – tendo cerca de 70% dos respondentes alegadamente encetado algum tipo de acção de forma a ajudar alguém na mesma situação –, sobretudo através de apoio emocional. As situações mais citadas contemplavam casos de despejo e isolamento da família, de afastamento dos vizinhos e outras pessoas próximas, de falta de apoio quando doentes, situações de insultos verbais recorrentes, associações a bruxaria, casos de negação do atestado de pobreza e situações de desprezo e discriminação por causa da aparência e do preconceito. Na opinião dos próprios inquiridos, a intervenção das organizações/redes de PVHS, como a RENSIDA, deverá dar prioridade à assistência a PVHS em termos de apoio emocional (p. ex., aconselhamento e apoio psicológico), físico (p. ex., preparar uma refeição, fazer trabalho doméstico, adquirir medicamentos ou preservativos) e de referência (p. ex., orientar alguém para um tratamento clínico ou para serviços adequados aos seus problemas), seguida da aposta na educação dirigida às PVHS sobre como viver de forma positiva (29,1%) e do desafio de despertar a consciência e o conhecimento público sobre o HIV (12,8%).

Em relação à testagem, cerca de dois em cada dez entrevistados só fizeram o teste e souberam do seu estado serológico quando foram referenciados por apresentarem já sintomas de infecções oportunistas e 23% das mulheres por altura de uma gravidez. Em termos de confidencialidade, um pequeno número de inquiridos manifestou receio que o sigilo médico não seja respeitado e que por conseguinte outras pessoas saibam do seu estado serológico sem o seu consentimento. Da amostra considerada, a maioria das PVHS entrevistadas apenas revelou o seu estado de HIV ao núcleo familiar, a trabalhadores de acção social/conselheiros e pontualmente a outras PVHS e profissionais de saúde.

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No geral, a falta de conhecimento e compreensão da doença, nomeadamente sobre as formas de contágio, prevenção e tratamento, fazem suscitar mitos e ideias erradas em torno do HIV, detetados em algumas entrevistas, como a ideia de que o TARV mata, ou que é possível curar a doença através de rituais de purificação ou ainda que se pode ficar infectado por um contacto casual, o que gera medos e desconfianças irracionais que constituem uma barreira à prevenção de mais infecções e ao fornecimento de cuidados, apoio e tratamento adequado. Espera-se todavia que a presente pesquisa, enquadrada num processo participativo, tenha gerado um aumento da sensibilização para as questões de estigma e discriminação, entre os entrevistados e entrevistadores, e que terá repercussões. Recomenda-se, com base nos números observados, procurar aumentar a divulgação e visibilidade das associações, grupos, redes ou organizações que trabalham nesta temática, procurar promover mais campanhas de sensibilização, sublinhando o conceito da vida positiva – saudável e com dignidade –, incentivar e criar estratégias para que as pessoas façam o teste mais precocemente e procurar assegurar o anonimato, o sigilo e a confidencialidade, essenciais ao bem-estar da PVHS enquanto o estigma e a discriminação associados ao HIV forem uma realidade.

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1. CONTEXTO

1.1. HIV EM MOÇAMBIQUE O HIV/SIDA é uma doença com prevalência vincada a nível mundial. Em 2011, o número de Pessoas Vivendo com HIV/SIDA (PVHS) no mundo era de aproximadamente 34 milhões e a região com maior prevalência da doença é a África Subsariana, onde vivem cerca de 23,5 milhões de PVHS (ONUSIDA, 2012), mais de dois terços (69%) dos portadores de HIV em todo o mundo. Desde 1999, ano em que se pensa ter sido atingido o pico de pessoas infectadas pela doença, o número de novas pessoas infectadas com HIV/SIDA decresceu cerca de 19% (ONUSIDA, 2010). Ainda assim, a doença continua a ser uma preocupação de elevada importância a nível da saúde mundial, sendo que, globalmente, o número absoluto de PVHS continua a aumentar (ONUSIDA & OMS, 2009).

No caso de Moçambique, estimativas para o ano de 2011 apontam para 1,4 milhões de PVHS no país (ONUSIDA, 2012), dado que o coloca em quinto lugar no ranking mundial de países com maior número de pessoas portadoras da doença.

Estima-se que cerca de 11,3% da população moçambicana, com idade compreendida entre os 15 e os 49 anos, vive com HIV/SIDA – uma em cada dez pessoas adultas –, destacando-se ainda o sexo feminino como grupo mais afetado.

Em termos de distribuição espacial, de acordo com os registos de HIV/SIDA reportados pelo exercício de Vigilância Epidemiológica de 2007, vale a pena salientar a manutenção das taxas de prevalência nas regiões norte e centro de Moçambique, com 9% e 18%, respectivamente, sendo que no sul registou-se uma taxa ligeiramente mais elevada, 21%, com tendência crescente. Já em termos da dicotomia zona rural/urbana, a incidência é maior nos centros urbanos. Enquanto na zona rural, em média, cerca de 9,2% da população entre os 15 e os 49 anos de idade vivem com HIV/SIDA, na zona urbana a taxa de prevalência é de 15,9% (CNCS, 2011).

1.2. O ESTIGMA E A DISCRIMINAÇÃO ASSOCIADOS AO HIV EM MOÇAMBIQUE Em Moçambique, estudos de pequena escala realizados anteriormente indicam que o estigma e a discriminação associados ao HIV são uma realidade no país, e, considerando que em Moçambique o HIV é uma doença que afeta mais de um décimo da população adulta e que se reflete em mais de 356 novas infecções diárias, este torna-se um assunto de prioridade nacional. Enquanto a pessoa doente recebe normalmente uma atenção privilegiada, no caso dos doentes de HIV/SIDA, as pessoas tendem a rejeitá-los, evitá-los e tratá-los, a eles e aos seus parentes, incorrectamente.

O facto de, em Moçambique, a principal forma de transmissão do HIV ser a relação sexual reforça a crença errada de que o HIV/SIDA está relacionado com um comportamento sexual reprovável e que o doente é de algum modo responsável pelo seu estado de saúde.

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Estigma

Fenómeno social caracterizado pela reprovação, descrédito, desconsideração e/ou sub-valorização de um indivíduo ou grupo de indivíduos com determinadas características, comportamentos ou crenças, não alinhados com as normas sociais ou culturais. Frequentemente leva à marginalização e à discriminação. Estigma interno

Auto-estigmatização ou sentimento de desvalor ou vergonha sentido pelas pessoas estigmatizadas.

Na questão do HIV/SIDA o estigma interno refere-se à forma como as pessoas vivendo com HIV se sentem em relação a si próprias em função do seu estado serológico. O estigma interno pode resultar no distanciamento da pessoa vivendo com HIV dos contactos sociais e íntimos, e na auto-exclusão do acesso a serviços e oportunidades por medo de ver o seu estado revelado ou ser discriminada. Discriminação

Tratamento diferenciado (injusto e prejudicial) de um indivíduo por pertencer ou se achar que pertence a um grupo particular. É o resultado da activação do estigma.

Todo este tipo de conceito ou concepção negativa em redor do tema do HIV/SIDA, tais como os mitos, preconceitos, desconfianças e o medo, refletidos no estigma e discriminação, têm contribuído para o agravamento da expansão da doença, pois inibe o acesso das pessoas à testagem, aos cuidados de tratamento e prevenção, ao apoio psicossocial e aos cuidados domiciliários. Desta forma, o estigma não só afeta o conhecimento quanto à realidade do fenómeno, como reprime as PVHS de procurarem viver de forma positiva. No âmbito do “Inquérito Nacional de Prevalências, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV/SIDA em Moçambique” (INSIDA), realizado pelo Instituto Nacional de Saúde e o Instituto Nacional de Estatística, em 2009, foi desenvolvido um indicador sintético para analisar a atitude de aceitação de inquiridos em relação às PVHS, que conjugava quatro atitudes para com os infectados por HIV/SIDA. A análise global deste indicador permitiu concluir que, em 2009, somente 18% das mulheres e 18% dos homens expressavam uma atitude positiva nas quatro componentes do indicador. Apesar de relativamente baixas, as taxas de aceitação registaram uma melhoria em relação ao inquérito demográfico e de saúde de 2003, nomeadamente nas mulheres em que a proporção aumentou de 8% para 18%. Verificou-se, também, que os adultos residentes nas áreas rurais tinham menor tendência a expressar atitudes positivas. Uma análise por província permitiu concluir que as menores atitudes de aceitação ocorriam entre as mulheres de Inhambane, Sofala Tete, Nampula e Gaza e entre os homens de Nampula, Tete e Manica.

Apesar de fornecer alguma informação sobre o estigma e discriminação de PVHS, o INSIDA baseia-se na inquirição de agregados familiares, em questionários individuais e na recolha de amostras de sangue para testagem para HIV/SIDA, pelo que o estigma e a discriminação são analisados mais sob a perspectiva de terceiros do que, necessariamente, sob a perspectiva das próprias PVHS.

1.3. O QUADRO INSTITUCIONAL DE COMBATE AO HIV/SIDA EM MOÇAMBIQUE

O combate ao HIV/SIDA em Moçambique está a ganhar uma nova dimensão, abrangendo presentemente várias vertentes relacionadas com a doença, incluindo prevenção, tratamento e combate à discriminação e estigmatização.

A nível institucional, para além do Ministério da Saúde (MISAU), nas suas diferentes vertentes, a nível nacional, e das Direcções Provinciais de Saúde (DPS) nos Governos Provinciais, o Conselho Nacional de Combate ao HIV/SIDA (CNCS), instituição do Estado criada em 2000, representou um importante passo na luta contra o HIV/SIDA em Moçambique, na medida em que consagra o princípio de abordagem multissectorial no combate a esta doença com o propósito de coordenar, facilitar, monitorar e avaliar a resposta multissectorial de combate ao HIV/SIDA em Moçambique, abarcando actuações a nível local, através de Núcleos Provinciais de Combate ao HIV/SIDA (NPCS).

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Neste contexto, o Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA) nas suas três edições (PARPA I – 2000-2004; PARPA II – 2006-2009; PARPA III – 2010-2014) e o Plano Quinquenal do Governo (2005-2009 e 2010-2014) estabelecem, desde logo, prioridades no combate ao HIV/SIDA. Para além disso, o país conta, desde 2000, com um plano nacional de actuação, o Plano Estratégico Nacional de Resposta ao HIV/SIDA, estando em curso o PEN III (2010-2014), documento do Governo de Moçambique que orienta todas as suas acções e de outros actores na resposta nacional ao HIV/SIDA.

No entanto, este quadro institucional conta também com um vasto conjunto de interlocutores, designadamente parceiros de apoio ao desenvolvimento, organizações da sociedade civil moçambicana e organizações não-governamentais internacionais, que procuram reforçar a actuação do Estado na prevenção, combate à doença e à discriminação e estigma de que as PVHS são vítimas.

A RENSIDA

Ao nível das organizações da sociedade civil que actuam no combate ao HIV/SIDA em Moçambique, destaca-se a Rede Nacional de Associações de Pessoas que Vivem com HIV/SIDA (RENSIDA) criada em 2002, com o objetivo de melhorar a coordenação de acções que visam a melhoria da qualidade de vida de PVHS, de modo a fortalecer as capacidades das associações de PVHS, colaborando com outros intervenientes e tendo um papel activo nos programas de mitigação e prevenção, tratamento e cuidados, no âmbito de HIV/SIDA em Moçambique, em articulação com fóruns internacionais. A RENSIDA conta com 39 membros, estando representada em todas as províncias.

Entre os objetivos estratégicos da RENSIDA, incluem-se: o desenvolvimento da sua capacidade institucional; a angariação e direção de fundos e recursos para a RENSIDA e Associações Membros; a facilitação da troca de informação e experiências entre as Associações Membros e outros actores fora da rede; bem como o fortalecimento das acções de advocacia quanto aos temas principais definidos. No âmbito deste último objectivo estratégico, incluem-se acções de advocacia sobre o acesso ao tratamento e cuidados de saúde para as PVHS, acções de combate ao estigma e à discriminação, acções de defesa dos direitos das PVHS e envolvimento das pessoas portadoras de deficiência e acções nas prisões no combate ao HIV/SIDA.

1.4. ESTUDO DO ÍNDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV/SIDA

O Índice de Estigma de Pessoas Vivendo com HIV/SIDA é uma iniciativa conjunta de várias organizações internacionais1, que desenvolveram uma metodologia e um questionário padrão a ser aplicado à escala global, procurando documentar o grau e as formas de estigma e discriminação vividos pelas PVHS em cada país. A intenção das organizações participantes é de tornar o Índice amplamente disponível, de modo a que possa ser utilizado como um instrumento local, nacional e global de advocacia para lutar pela melhoria dos direitos das pessoas vivendo com HIV/SIDA.

O Índice parte de um conceito de abrangência faseada, estando a ser desenvolvido progressivamente por uma variedade de grupos nas diferentes comunidades, países e continentes.

1 A Federação Internacional para o Planeamento Familiar (IPPF), em parceria com o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o VIH/SIDA (ONUSIDA), a Rede Global de Pessoas Vivendo com HIV (GNP +) e a Comunidade Internacional de Mulheres vivendo com HIV (ICW).

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Coube à RENSIDA a responsabilidade por implementar o estudo do Índice de Estigma de PVHS em Moçambique, projecto desenvolvido com o apoio próximo de coordenação e supervisão do CD (ONUSIDA e UEM) e apoio técnico do grupo CESO CI. 1.5. OBJECTIVOS Espera-se que os resultados deste estudo permitam obter um maior conhecimento sobre o grau e as formas que assume o estigma e a discriminação enfrentados por PVHS em Moçambique, de tal forma que seja possível medir a sua evolução no tempo e a comparação entre comunidades e com outros países, fornecendo, ainda, uma base sólida para a tomada de decisão e proposta de políticas específicas.

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2. METODOLOGIA O estudo do Índice de Estigma de Pessoas Vivendo com HIV/SIDA foi implementado em Moçambique seguindo o Questionário e as indicações do Manual do Utilizador disponível no site da iniciativa (www.stigmaindex.org), que oferece um quadro claro de informações e orientações às equipas locais para a implementação das diferentes fases da pesquisa.

2.1. CONSIDERAÇÕES ÉTICAS Antes do arranque da implementação do estudo realizaram-se várias reuniões entre os membros do Comité Director (CD) para confirmar os detalhes da metodologia, assim como analisar o processo de apresentação dos pedidos de autorização do Comité Nacional para a Bioética da Saúde (CNBS/MISAU) e Direcções Provinciais de Saúde (DPS) para a realização dos inquéritos, garantindo a validação da conformidade com certos padrões em relação a questões éticas e de protecção de dados. Dois assuntos eram de particular importância: o consentimento informado e a confidencialidade. Preparou-se um dossier com todos os documentos necessários para a submissão ao CNBS, incluindo, entre outros, o protocolo de investigação detalhando os objetivos, métodos e resultados esperados, bem como cópia da folha de informação ao participante, do modelo de Consentimento Informado, carta de aceitação das normas e procedimentos da bioética e declaração de possíveis conflitos de interesse por parte do investigador principal. O Protocolo foi aprovado pelo CNBS a 8 de agosto de 2012. No terreno, em conformidade com o protocolo aprovado, antes de cada questionário, os entrevistadores explicaram a cada um dos inquiridos os objetivos do inquérito, mencionando os princípios de confidencialidade e tranquilizando-os sobre eventuais apreensões sobre a divulgação das suas respostas. Foi frisado, sobretudo, a cada entrevistado, que a sua identidade não seria relacionada com a informação fornecida e que a informação seria utilizada apenas para os fins do estudo e ainda relembrado que poderiam desistir de responder ao questionário a qualquer momento sem represálias pela atitude que tomassem. Somente após estes esclarecimentos e mediante a aceitação através do consentimento informado assinado (ficando uma cópia assinada com o entrevistador e a outra com o próprio inquirido) se avançou para o preenchimento dos questionários.

Consentimento Informado

Consentimento dado pelo próprio entrevistado para a recolha e processamento dos dados pessoais, depois de estar plenamente informado acerca da natureza do estudo, dos intervenientes, forma de processamento, arquivo e uso dos dados.

Confidencialidade

Garantia do resguardo da identidade e das informações dadas pessoalmente em confiança, protegendo contra a sua revelação não autorizada.

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2.2. DEFINIÇÃO DA AMOSTRA Tem havido muito debate acerca da amostragem para este Índice a nível internacional. Está em causa o facto de não ser possível considerar uma amostra representativa de toda a população de pessoas vivendo com HIV. É muito difícil considerar uma amostra representativa de PVHS, uma vez que não há uma lista completa de todos aqueles que vivem com a doença (isto é, toda a população de interesse), tendo em conta, por exemplo, os casos dos indivíduos que não têm consciência do seu estado, ou que, mesmo sabendo do seu estado serológico, não o revelam. Para Moçambique, embora haja estimativas, não é possível também obter uma amostra que se diga representativa de toda a população de PVHS, dada a inexistência de uma lista completa. A solução, conforme sugerido no Guia do Utilizador, passou por se considerar uma população mais estritamente definida, como é o caso das PVHS que são membros de uma determinada rede. Para tais grupos, caso possuam listas dos membros, é possível extrair uma amostra baseada na probabilidade dentro dessa população mais restrita. Impõe-se, contudo, reconhecer que os membros desta rede provavelmente estão mais conscientes dos problemas relacionados com o estigma e estão mais bem informados do que a pessoa normal que vive com HIV, pelo que as suas experiências e opiniões são valiosas, mas não são necessariamente representativas da generalidade das PVHS. Em Moçambique, procurando incluir uma mais vasta gama de experiências do que as abrangidas pela rede, e mais fiel ao retrato de todas as PVHS no país, definiu-se a amostra com base em listas confidenciais dos membros das organizações associadas da RENSIDA, acrescidas de outros contactos conhecidos por ou com ligações à rede. Os entrevistados foram assim seleccionados de forma aleatória entre um universo de PVHS membros, conhecidas ou com ligações à RENSIDA e/ou às suas associações membro. A dimensão da amostra para Moçambique foi definida pela ONUSIDA tendo em conta a evolução demográfica da epidemia e os custos associados à realização do processo de inquirição. Como tal, o tamanho da amostra estabelecido foi de 750 questionários, 150 entre cinco províncias. Com os mesmos critérios, as províncias–alvo definidas foram Maputo, Gaza, Manica, Sofala e Nampula, duas províncias da região sul, duas da região centro e uma da região norte. Segundo o Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o HIV e SIDA em Moçambique 2009 (INSIDA 2009), Maputo, Gaza, Manica e Sofala constituem as províncias com maiores taxas de prevalência de HIV, 16,8%, 25,1%, 15,3% e 15,5%, respectivamente. Pelo contrário, a Província de Nampula, apenas precedida por Niassa, revelou uma das menores taxas de prevalência da doença, fixando-se nos 4,6%. Por província, a partir das listas fornecidas pelas associações membro da RENSIDA, separaram-se os elementos do sexo feminino e masculino, e de entre estes, os residentes na capital da província ou em zona rural/urbe menor. Destes quatro grupos combinados (homem residente em zona rural, homem residente em zona urbana, mulher residente em zona rural e mulher residente em zona urbana) foram seleccionados aleatoriamente 37/38 potenciais entrevistados.

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2.3. SELECÇÃO DOS ENTREVISTADORES Uma particularidade distintiva da metodologia aplicada prende-se com o facto de os entrevistadores serem também pessoas vivendo com HIV/SIDA, membros de uma rede de pessoas vivendo com HIV no país onde o Índice está a ser implementado, fomentando um espírito verdadeiramente participativo, empoderador das PVHS, colocando-as no centro do processo. Esta particularidade não só coloca os entrevistados mais à vontade durante o processo de entrevista, podendo encorajá-los a falar mais, como permite um fortalecimento e uma aprendizagem dos próprios entrevistadores sobre a forma como estes encaram as atitudes discriminatórias e potencia um maior envolvimento destes com as redes e o surgimento de novas acções de combate à discriminação e ao estigma. Em Moçambique, com apoio da RENSIDA, seleccionou-se um conjunto de PVHS associados da sua rede para conduzirem as entrevistas. No total, foram seleccionados dez entrevistadores, um homem e uma mulher por cada uma das cinco províncias-alvo. A seleção dos dez inquiridores foi criteriosa e não aleatória, pois a qualidade da pesquisa depende, em grande parte, da qualidade do pessoal envolvido na recolha dos dados. Os critérios de selecção dos candidatos a entrevistadores compreendiam terem concluído a 12.ª classe, gozarem de boa saúde, não estarem empregados ou terem responsabilidades domésticas e que estivessem disponíveis e capazes de permanecer algumas semanas fora de casa. Além disso, um dos pressupostos do estudo era assegurar que os inquiridores soubessem falar as línguas locais dos distritos onde o estudo teria lugar para que pudessem traduzir os questionários para os inquiridos que não falassem Português, sem no entanto alterar o sentido e o conteúdo da pergunta.

2.4. FORMAÇÃO DOS ENTREVISTADORES Antes de iniciar o processo de inquirição nas províncias, foi organizado um programa de formação de três dias dirigido aos entrevistadores seleccionados, que teve lugar entre os dias 30 de Julho e 1 de Agosto de 2012, na cidade de Maputo. A formação dos entrevistadores baseou-se na estrutura disponível no Manual do Utilizador do Índice de Estigma, adaptando-a à realidade moçambicana. Durante a formação, distribuiu-se o dossier pedagógico, composto pelo programa de formação, o Questionário do Índice de Estigma, um Manual do Entrevistador, uma cópia da Declaração de Compromisso sobre o HIV/SIDA (2001), uma cópia da legislação nacional que protege os direitos de PVHS, uma lista bibliográfica aplicável e um questionário de avaliação da formação. Além da transmissão de informações, exemplos e boas práticas aos entrevistadores, de modo a prepará-los para executar as suas tarefas no terreno de acordo com as regras de qualidade e sigilo previstas na metodologia internacional (componente teórica), realizaram-se exercícios práticos e jogos de simulação na condução de entrevistas. Esta componente prática foi muito valorizada. Participaram também na formação membros do CD, assim como outros membros da RENSIDA e ainda dois elementos da SWANNEPHA, organização que implementou o índice de estigma na Suazilândia. A presença das colegas da SWANNEPHA foi uma mais-valia proporcionando espaço para trocar ideias e colher ensinamentos, relativamente à implementação do estudo no país vizinho.

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2.5. PRÉ-TESTAGEM DOS QUESTIONÁRIOS

Como parte do processo de formação, o Consultor-chefe e a RENSIDA organizaram uma pré-testagem dos questionários, procurando validar a adequabilidade das questões e do dossier de entrevista preparado. A pré-testagem foi feita na cidade de Matola e arredores da mesma, na Província de Maputo, no último dia de formação. Após a pré-testagem, fez-se uma avaliação rápida para aferir a qualidade e facilidade do exercício, dialogando sobre desafios encontrados durante o trabalho de campo, que serviu de reflexão conjunta.

Como os próprios entrevistadores expressaram, este foi um exercício útil como oportunidade de praticar e consolidar o que haviam aprendido durante a formação.

Os questionários respondidos durante a fase de pré-testagem não foram utilizados na contagem final do estudo.

2.6. RECOLHA DE DADOS Durante o trabalho de campo, os entrevistadores contaram com o apoio das associações locais membros da RENSIDA. Foram realizadas entrevistas em Maputo Cidade e Matola (Província de Maputo), Xai-Xai e Manjacaze (Gaza), Beira e Nhamatanda (Sofala), Chimoio e Gondola (Manica) e Nampula cidade e Meconta (Nampula). A planificação definida permitiu a realização de uma média de 75 entrevistas por inquiridor, realizadas em cerca de três semanas por província, o que correspondeu a uma média de 6 entrevistas diárias, salvaguardando o tempo necessário para as deslocações. O consultor-chefe esteve presente nos primeiros dois dias iniciais em cada província, bem como o responsável técnico da RENSIDA. A presença do consultor-chefe, nos primeiros dias do inquérito, garantiu um maior apoio à equipa de entrevistadores de cada província e a supervisão da recolha dos dados, confirmando ou ajustando a abordagem nas entrevistas. Posteriormente, o consultor-chefe esteve em contacto permanente por telefone assim como através do responsável do projecto por parte da RENSIDA para esclarecer dúvidas pontuais ou prestar qualquer tipo de assistência requerida pelos entrevistadores.

2.7. CARREGAMENTO E VERIFIÇÃO DA QUALIDADE DOS DADOS Após a recolha dos dados nas províncias objecto do estudo, os questionários foram enviados à CESO CI Moçambique, em Maputo, para inserção dos elementos na base de dados preparada para o efeito. Os dados de cada questionário foram introduzidos no programa Epi-Info por dois digitadores diferentes visando validar os dados ao controlar possíveis erros de digitação e estimar as frequências relativas dos eventos estudados. Para salvaguardar a confidencialidade dos inquiridos, os questionários foram identificados através de um código denominado "código único de identificação", ao invés do nome do entrevistado, ao qual apenas a equipa diretamente implicada na recolha e digitação de dados teve acesso. Dos 751 questionários recolhidos (uma média de 75 questionários por entrevistador, 150 por província), foram validados 741 questionários (98,67%). Os restantes (1,33%) foram rejeitados por se apresentarem preenchidos de forma errada ou incompleta.

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2.8. LIMITAÇÕES DO ESTUDO Em primeiro lugar, conforme referido na secção sobre a selecção da amostra, o estudo deixa de fora as pessoas que vivem com HIV mas não conhecem o seu estado, ou que, mesmo sabendo do seu estado serológico, não vivem abertamente com o HIV (isto é, que não se sentem à vontade para revelar o seu estado aos outros) e aqueles a que não se conseguiu chegar porque não estão filiados ou contactáveis pela RENSIDA e associações membro.

Neste sentido, com a base da amostra considerada – composta por PVHS membros, conhecidas ou com ligações à RENSIDA e às suas associações membro – os resultados podem revelar um maior grau de abertura para encarar e superar as dificuldades inerentes à doença, do que reflectiriam os resultados se fosse possível inquirir efectivamente todas as PVHS no país. Em segundo lugar, é preciso também manter em atenção que estamos a tratar de fenómenos sociais, com comportamentos decorrentes de causas e influências múltiplas, em que não há causas únicas ou motivações exclusivas. Os números apresentados neste relatório pretendem ser uma base de informação para reflexão, sem a pretensão de fazer declarações totalizadoras. Além do mais, a situação geográfica e a história de Moçambique, marcada por vários processos migratórios, resultou num grupo populacional heterogéneo com características multiculturais e multiétnicas, adverso a generalizações. Finalmente deve ser considerado que em muitas entrevistas foi necessário o recurso à tradução, pelo que a correcta interpretação das questões dependia da capacidade dos entrevistadores em traduzirem fielmente o questionário. Procurou-se porém mitigar este possível obstáculo através de um trabalho junto de cada dupla de entrevistadores, durante a formação, de traduzir para as línguas locais dos respectivos distritos os conceitos que pudessem suscitar dificuldades de tradução ou más interpretações.

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3. RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS

3.1. CARACTERIZAÇÃO DEMOGRÁFICA E SOCIO-ECONÓMICA DOS ENTREVISTADOS (E AGREGADOS)

Foram preenchidos 751 questionários, dos quais foram validados 741, 385 referentes a entrevistados do sexo feminino (52%) e 356 do sexo masculino (48%), 212 provenientes de uma área rural (29%) e 529 de uma zona urbana – cidade ou vila (71%).

Gráfico 1 e 2: Percentagem de questionários validados por sexo e zona habitacional

Através do método de definição da amostra exposto anteriormente, procurou-se obter uma representação equitativa entre sexos e população rural-urbana.

Em certas regiões, nomeadamente na Província de Maputo, houve dificuldade em mobilizar participantes do sexo masculino e para colmatar este facto foram entrevistadas mais mulheres que homens como forma de se cumprir o número de entrevistas previstas. Em relação à área de residência, consideraram-se residentes em zona rural os que disseram viver numa área rural e residentes em zona urbana os entrevistados que disseram viver numa grande cidade ou numa pequena cidade ou vila. A tabela 1, abaixo, apresenta o número final de questionários preenchidos e validados em cada uma das cinco províncias-alvo e a distribuição por sexo e zona habitacional. Tabela 1: Número de questionários validados por província, sexo e zona habitacional

Províncias \ Pop. Zona Rural Zona Urbana

Totais H M H M

P1 Maputo 25 15 39 69 148

P2 Gaza 33 36 37 38 144

P3 Manica 6 33 66 44 149

P4 Sofala 29 34 46 41 150

P5 Nampula2 0 1 75 74 150

Totais 93 119 263 266 741

2 De forma a obter uma amostra com variedade em termos de zona habitacional (dicotomia campo/cidade), em cada província realizaram-se os inquéritos nas respetivas capitais e em áreas de menor densidade populacional. O facto de Nampula não ter questionários representativos de PVHS residentes em zona rural, prende-se com o local onde os questionários foram preenchidos. Além de Nampula cidade, foram recolhidos dados em Namialo, vila do distrito de Meconta, que para os efeitos da presente investigação é englobada na categoria de zona urbana.

52%48% Feminino

Masculino

29%

33%

38%Numa área rural

Numa grande cidade

Numa pequena cidade ou vila

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Organizando a informação em função das idades dos entrevistados (tabela 2), observa-se que a média de idades destes se situa no intervalo dos 30 a 39 anos, grupo etário em que se enquadram 37,4% (n=277) do total dos inquiridos.

Tabela 2: Distribuição dos entrevistados por faixa etária, zona habitacional e sexo (%)

Idade Zona Rural Zona Urbana Totais

H M H M

H M

15-19 0,0 1,7 0,0 2,3 0,0 2,1

20-24 2,2 5,0 1,5 11,3 1,7 9,4

25-29 10,8 15,1 8,4 15,4

9,0 15,3

30-39 32,3 36,1 38,8 38,3 37,1 37,7

40-49 28,0 30,3 34,2 25,9

32,6 27,3

50+ 26,9 11,8 17,1 6,8 19,7 8,3

Totais (%) 100 100 100 100

100 100

Totais (n) 93 119 263 266

356 385

Relativamente ao tempo desde quando vivem com a doença, mais de metade dos entrevistados (53,7%) foi diagnosticado há menos de quatro anos. De entre estes, 8,2% (n=61) tomou consciência do seu estado de HIV há menos de um ano e 45,5% (n=337) vive com HIV desde há um a quatro anos. Os restantes 45,5% respondentes vivem ou foi-lhe diagnosticado o vírus do HIV há mais de cinco anos, de entre os quais 9,5% (n=70) há mais de 10 anos. À data de realização da entrevista, cerca de 64% dos entrevistados eram casados ou mantinham algum tipo de relação e 36% eram solteiros, viúvos ou divorciados/separados (gráfico 3).

Gráfico 3: Situação actual de relacionamento

Uma larga percentagem de ambos os sexos reportou ser sexualmente activo (87% dos respondentes). De entre os 356 inquiridos do sexo masculino, 92,4% (n=329) são sexualmente activos e de entre as 385 inquiridas do sexo feminino, 81,6% (n=314) são sexualmente activas.

41%

6%17%

7%

16%

13% Casado(a) ou a coabitar e presentemente o marido/mulher/parceiro(a) vive com a família

Casado(a) ou a coabitar e neste momento o marido/mulher/parceiro(a) vive/trabalha temporariamente longe da famíliaNum relacionamento mas não vivem juntos

Divorciado/Separado

Solteiro(a)

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Sobre a pertença a algum grupo considerado de risco (tabela 3), apenas uma minoria, menos de 14% dos entrevistados se identificaram como membros de alguma das categorias pré-identificadas, das quais se destacam os que se apresentaram como «Pessoas deslocadas internamente», «Trabalhadores migrantes» e «Trabalhadores do sexo». Tabela 3: Pertença a grupos de risco

Categorias N.º %

Homens que mantêm sexo com homens 0 0%

Homossexuais ou lésbicas 0 0%

Transgéneros 0 0%

Trabalhador(a) do sexo 18 2,4%

Injeta-se com drogas 2 0,3%

Refugiado ou à procura de asilo 8 1,1%

Pessoas deslocadas internamente 44 5,9%

Trabalhador migrante 27 3,6%

Prisioneiro 4 0,5%

Nenhum dos anteriores 638 86,1%

Totais 741 100%

Neste âmbito, note-se a possibilidade de ter havido algum constrangimento em responder à pergunta de forma honesta devido à conotação negativa e estigma associado a estes grupos de risco. Em concreto, nenhum dos inquiridos disse pertencer às primeiras três categorias pré-identificados no questionário, «Homens que mantêm sexo com homens», «Homossexuais ou Lésbicas» e «Transgéneros», grupos que por si só vivenciam um elevado grau de estigma e discriminação. A metodologia, colocando as PVHS no centro do processo, visava criar um clima de intimidade e abertura na entrevista, mas há aspectos que continuam “tabu” na sociedade moçambicana.

NÍVEL DE ESCOLARIDADE Ao nível da escolaridade das PVHS entrevistadas, quase metade concluiu apenas o ensino primário (47,9%, n=355), 30% concluiu o ensino secundário (n=222), uma larga percentagem ainda (17,7%, n=131) teve uma educação não formal e apenas 20 entrevistados (2,7%) prosseguiu e concluiu o ensino técnico/universitário - dos quais 16 são homens residentes em área urbana.

Gráfico 4: Grau de escolaridade dos entrevistados

17%

48%

30%

3% Educação não formal

Ensino primário

Ensino secundário

Ensino técnico/universitário

Não respondeu

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- 21 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

Desagregando a amostra em função do sexo e da zona de residência dos respondentes (tabela 4 e gráficos 5 e 6), é possível precisamente observar que os subgrupos de respondentes do sexo masculino e dos residentes em zonas urbanas são aqueles que alcançaram níveis de escolaridade mais elevados. Tabela 4: Distribuição dos entrevistados por Grau Académico, sexo e zona habitacional

Educação Totais Homem Mulher Zona Rural Zona Urbana

N.º % N.º % N.º % N.º % N.º %

Educação não formal 131 17,7% 53 14,9% 78 20,3% 64 30,2% 67 12,7%

Ensino primário 355 47,9% 150 42,1% 205 53,2% 105 49,5% 250 47,3%

Ensino secundário 222 30,0% 130 36,5% 92 23,9% 39 18,4% 183 34,6%

Ensino técnico/universitário 20 2,7% 17 4,8% 3 0,8% 1 0,5% 19 3,6%

Sem resposta 13 1,8% 6 1,7% 7 1,8% 3 1,4% 10 1,9%

Totais 741 100%

356 100% 385 100%

212 100% 529 100%

Gráficos 5 e 6 – Grau de escolaridade em função do sexo e zona habitacional

OCUPAÇÃO PROFISSIONAL Em termos de ocupação profissional (tabela 5 e gráficos 7 e 8), destaca-se o nível de precariedade do trabalho, sendo que apenas 4,7% (n=35) dos entrevistados, à data da entrevista, tinham um vínculo empregatício por conta de outrem a tempo inteiro e 18,5% (n=137) a tempo parcial. Cerca de um sexto (15,9%) trabalhava para si mesmo a tempo inteiro e um quarto (26,5%, n=196) auto-empregava-se com trabalhos pontuais ou part-time, enquanto os restantes 32,7% (n=242), um terço da amostra, estavam desempregados ou não tinham fonte de rendimento.

Cruzando a informação sobre a educação e emprego, estas dimensões estão naturalmente relacionadas, com uma tendência para maior estabilidade em termos de ocupação e fonte de rendimentos para aqueles que concluíram graus superiores de escolaridade. Verifica-se, portanto, também, uma diferença entre a situação de emprego entre sexos e entre respondentes da zona rural e urbana.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Educ

ação

não

form

al

Ensi

no p

rimár

io

Ensi

no s

ecun

dário

Ensi

no té

cnic

o/un

iver

sitá

rio

Não

resp

onde

u

Homem Mulher

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Educ

ação

não

form

al

Ensi

no p

rimár

io

Ensi

no s

ecun

dário

Ensi

no té

cnic

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iver

sitá

rio

Não

resp

onde

u

Zona Rural Zona Urbana

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- 22 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

À semelhança da questão da educação, as mulheres e populações rurais revelaram menor estabilidade em termos de ocupação profissional. Concretamente, 41% (n=158) das mulheres entrevistadas afirmaram estar sem fonte de rendimento, bem como 42% (n=89) dos respondentes da população rural e uma maior percentagem de homens em comparação com as mulheres tem um emprego a tempo inteiro, o que se verifica também para os habitantes da zona urbana em comparação com os habitantes da zona rural. Tabela 5: Distribuição dos entrevistados por Situação atual de Emprego, sexo e zona habitacional

Situação atual de emprego Totais Homem Mulher Zona Rural Zona Urbana

N.º % N.º % N.º % N.º % N.º %

Emprego total (como trabalhador) 35 4,7% 27 7,6% 8 2,1% 6 2,8% 29 5,5%

Emprego em regime parcial (como trabalhador) 137 18,5% 73 20,5% 64 16,6% 26 12,3% 111 21,0%

Auto-emprego a tempo inteiro 118 15,9% 62 17,4% 56 14,6% 26 12,3% 92 17,4%

Trabalhador liberal ou auto-emprego em tempo parcial 196 26,5% 106 29,8% 90 23,4% 60 28,3% 136 25,7%

Desempregado/Sem fonte de rendimento 242 32,7% 84 23,6% 158 41% 89 42% 153 28,9%

Sem resposta 13 1,8% 4 1,1% 9 2,3% 5 2,4% 8 1,5%

Totais 741 100% 356 100% 385 100% 212 100% 529 100%

Apesar das diferenças registadas entre sexos e zona de residência, a taxa de desemprego ou de respondentes sem fonte de rendimento é elevada em todos os subgrupos, bem como o número de respondentes em situação de auto-emprego em tempo parcial, caracterizada pela instabilidade, sendo as situações de emprego mais estáveis, (emprego a tempo inteiro por conta de outrem ou por conta própria) são as menos representativas.

Gráficos 7 e 8: Situação atual de emprego em função do sexo e zona habitacional

0%5%

10%15%20%25%30%35%40%45%

Empr

ego

tota

l

Empr

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Homem Mulher

0%5%

10%15%20%25%30%35%40%45%

Empr

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l

Empr

ego

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ego

em te

mpo

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o/ S

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nte

de

rend

imen

toZona Rural Zona Urbana

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- 23 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

AGREGADOS FAMILIARES – CRIANÇAS ÓRFÃS E VULNERÁVEIS Estendendo o olhar para os agregados familiares, em termos médios, cada agregado era composto por 5 a 6 membros, de entre os quais, em média, três eram crianças e adolescentes com menos de 19 anos. São portanto agregados familiares grandes e rejuvenescidos.

De entre os 741 agregados em questão, contaram-se 697 órfãos de SIDA (cerca de 17% do universo de pessoas que compunham os agregados), o que dá uma média inquietante de quase 1 órfão de SIDA por família. Para o propósito deste estudo, considerou-se órfã toda a criança, com idade inferior a 18 anos, que perdeu um ou ambos os pais por morte devido ao HIV.

Ao contrário de estudos anteriores3, com base nesta amostra, a percentagem de COVs acolhida pelos agregados familiares em análise é ligeiramente maior nas áreas rurais.

RENDIMENTOS DO AGREGADO FAMILIAR

Por último, em termos de rendimentos por agregado, o rendimento médio mensal da totalidade das famílias comtempladas situou-se pouco acima dos 2.000,00 Meticais por mês (cerca de 68,00 USD/mês).

Contudo, a mediana, que nos dá a percepção da localização do centro da distribuição, situa-se nos 1.400,00 Meticais por mês (cerca de 48 USD/mês). É importante reforçar que nos estamos a referir a valores de rendimento do agregado e não per capita.

É de equacionar a possibilidade de algumas pessoas terem dito que não tinham nenhuma fonte de rendimento ou rendimentos mensais do agregado muito baixos na esperança de que o estudo lhes pudesse futuramente trazer alguns benefícios financeiros ou materiais, apesar dos entrevistadores, assim como o folheto informativo, terem mencionado a não existência de nenhum ganho económico pela participação no estudo.

Os 28 entrevistados (3,8%) que alegaram não ter nenhum rendimento, mesmo ao nível do agregado familiar, são sobretudo da área rural, o que pode significar que têm outros meios de subsistência, e maioritariamente mulheres, que vivem sozinhas com as crianças (viúvas, solteiras ou com relacionamento mas não vivem juntos).

Conforme se pode ver na tabela abaixo, em termos de comparação do montante dos rendimentos auferidos entre os agregados em ambientes rurais e urbanos, verifica-se sobretudo diferenças nos intervalos de rendimento mais baixos ou mais altos, com uma percentagem maior de rendimentos mensais baixos mais pronunciada em zonas rurais e uma percentagem maior de famílias com rendimentos conjugados superiores a 5.000,00 Meticais nas cidades. Tabela 6: Rendimento mensal do agregado (por zona habitacional)

Rendimento/mês (Mt) Zona Rural Zona Urbana Totais

N.º % N.º % N.º %

Menos de 500 35 16,5% 64 12,1% 99 13,4%

Entre 500 – 1000 71 33,5% 77 14,6% 148 20,0%

Entre 1000 – 1500 33 15,6% 86 16,3% 119 16,1%

3 INE, 2009. Inquérito sobre Indicadores Múltiplos 2008. Acedido a 10/06/2013 em: http://www.unicef.org/mozambique/MICS_Summary_FINAL_POR_141009.pdf

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- 24 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

Rendimento/mês (Mt) Zona Rural Zona Urbana Totais

N.º % N.º % N.º %

Entre 1500 – 2000 25 11,8% 54 10,2% 79 10,7%

Entre 2000 – 2500 16 7,5% 50 9,5% 66 8,9%

Entre 2500 – 3000 14 6,6% 44 8,3% 58 7,8%

Entre 3000 – 3500 2 0,9% 29 5,5% 31 4,2%

Entre 3500 – 4000 3 1,4% 32 6,0% 35 4,7%

Entre 4000 – 4500 2 0,9% 10 1,9% 12 1,6%

Entre 4500 – 5000 0 0,0% 11 2,1% 11 1,5%

Mais de 5000 3 1,4% 55 10,4% 58 7,8%

Sem resposta 8 3,8% 17 3,2% 25 3,4%

Totais 212 100% 529 100% 741 100%

Finalmente, 43,5% dos entrevistados (n=322) declararam que, durante o mês que precedeu o inquérito, algum membro da sua família havia ficado pelo menos três dias sem comida suficiente e 7,4% (n=55) pelo menos dez dias, o que é preocupante, enquanto evidências mostram importantes ligações entre a obtenção de melhores resultados no combate ao HIV/SIDA e uma boa nutrição.

3.2. EXPERIÊNCIA DE ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO Na segunda secção do questionário pretendia-se obter um maior conhecimento sobre as formas e o grau do estigma (externo e interno) que enfrentam as PVHS em Moçambique e as suas causas.

No global, os resultados revelam que mais de metade dos respondentes (cerca de 56%) sofreu alguma forma de discriminação, desde insultos, a pressão psicológica, exclusão social ou ataques físicos, no ano que precedeu o inquérito, motivado pelo seu estado de HIV.

Os Gráfico 9 e 10, abaixo, ilustram, respectivamente, a frequência com que os inquiridos consideram ter sido vítimas de determinadas formas de discriminação e os alegados motivos. Gráfico 9: Frequência de situações de discriminação vividas no último ano

0,5

9,4

19,6

3,6

3,1

3,1

6,1

22,4

28,5

13,0

1,8

11,6

8,8

8,2

9,7

2,7

0,9

1,8

1,2

0,9

0,8

1,5

19,8

9,6

83,4

59,0

41,4

79,2

74,4

74,0

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Fisicamente atacado(a)

Verbalmente insultado(a), molestado(a) e/ou ameaçado(a)

Soube que as pessoas falam mal se si

Excluído(a) de actividades da família

Excluído(a) de actividades religiosas ou lugares de culto

Excluído(a) de encontros ou actividades sociais

Várias Algumas Uma Sem resposta Nunca

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- 25 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

Gráfico 10: Motivos para as situações de discriminação vividas no último ano

Uma primeira leitura global dos dados evidencia que as formas de discriminação associadas ao HIV mais frequentes são os comentários pejorativos, as ofensas, insultos ou ameaças verbais – apontados por cerca de um terço dos respondentes – , ao que se seguem as situações de segregação (exclusão de actividades da família ou de outras actividades em sociedade) – vividas por menos de 13% dos respondentes.

Verifica-se ainda que para a maioria das situações identificadas de exclusão e abusos, mais de metade dos casos reportados foram efetivamente despoletados (total ou parcialmente) pelo estado de HIV do respondente.

EXCLUSÃO DE ACTIVIDADES SOCIAIS Examinando as respostas para cada situação pré-identificada, à primeira pergunta sobre quantas vezes nos últimos 12 meses foram excluídos de encontros ou actividades sociais, 13 dos inquiridos (1,8%) disseram terem sido excluídos uma vez, 86 (11,6%) algumas vezes e 23 (3,1%) excluídos várias vezes, o que revela que 16,5% dos entrevistados, cerca de um sexto da amostra, foram excluídos do convívio ou actividades sociais pelo menos uma vez durante o ano anterior ao inquérito. Dois em cada três destes inquiridos vive em zona urbana e sobre os motivos de serem discriminados, 16 inquiridos (13%) acham que se deve ao seu estado de PVHS enquanto 37 (30%) diz ser por causa do HIV associado a outros motivos. EXCLUSÃO DE ACTIVIDADES RELIGIOSAS

Em concreto sobre o grau de exclusão de actividades religiosas ou lugares de culto por causa da sua condição de PVHS, apenas 5,8% dos entrevistados (n=43) disseram que se sentiram excluídos do culto, uma a várias vezes no ano que precedeu o inquérito, e de entre estes cerca de metade devido ao seu estado de HIV ou do HIV associado a outros motivos, sendo na maioria homens residentes em área urbana. EXCLUSÃO DE ACTIVIDADES DA FAMÍLIA Em relação à exclusão da participação em actividades familiares, 19,3% dos respondentes (n=143) sentiram-se excluídos pelo menos uma vez no último ano de actividades no seio da família. Sobre as razões da exclusão dentro do núcleo familiar, mais de dois terços dos visados pensa ter sido por causa do seu estado de HIV ou por causa do HIV associado a outros motivos.

2,4%

7,3%

13,0%

3,9%

1,1%

2,2%

2,7%

17,1%

23,3%

8,9%

5,0%

6,9%

7,3%

6,5%

2,6%

2,8%

3,4%

8,1%

14,4%

3,9%

6,3%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%

Físicamente atacado(a)

Verbalmente insultado(a), molestado(a) e/ou ameaçado(a)

Soube que as pessoas falam mal se si

Excluído(a) de actividades da família

Excluído(a) de actividades religiosas

Excluído(a) de actividades sociais

Devido ao seu estado de HIV Por causa do seu estado e outro(s) motivo(s) Por outro(s) motivo(s) Sem a certeza do(s) motivo(s)

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- 26 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

O número de casos de exclusão das atividades em família é maior que o verificado para outras actividades em sociedade, o que pode ser justificado pelo facto de, na verdade, os familiares serem dos poucos grupos de pessoas a que as PVHS revelam o seu estado de HIV (ver secção 3.8).

SABER QUE AS PESSOAS FALAM MAL DE SI Das situações em análise, destaca-se o número de pessoas que souberam que outros fizeram comentários negativos a seu respeito, com 57,8% (n=428) dos respondentes a reportarem ter tido conhecimento que outras pessoas falaram mal se si, nos últimos 12 meses. De entre estes 428 respondentes desconsiderados ou ofendidos pelas palavras de outros, 96 (22,4%) acredita que o motivo se prendeu com a sua condição de PVHS e 173 (40,4%) considera ter sido uma combinação de factores envolvendo também a questão do HIV.

INSULTOS E/OU AMEAÇAS VERBAIS Logo a seguir aos comentários alheios, um elevado número de inquiridos – cerca de 40% (n=297) – afirmaram ter sido directa e verbalmente insultados, molestados ou ameaçados pelo menos uma vez nos últimos 12 meses e 31,4% repetidas vezes. Sobre as razões dos abusos verbais, cerca de 18,3% acredita estarem relacionados exclusivamente com o seu estado de HIV, 43% com o seu estado de HIV e outros motivos e 20,4%, um quarto das vítimas de abusos verbais, disse não ter a certeza dos motivos.

ATAQUES FÍSICOS Em termos de ofensas físicas, 8,8% (n=65) dos entrevistados afirmaram ter sido atacados uma vez e 6,6% (n=49) repetidas vezes nos últimos 12 meses. Dos que alegam ter sofrido alguma forma de ataque, 44,8% diz ter sido por outros motivos que não a seropositividade, mas 15,6% acredita ter sido concretamente por causa da sua condição de portador do HIV e 17,5% considera ter sido por causa do seu estado de HIV combinado com outros motivos. A propósito da identidade dos atacantes, não há um padrão claro no total do número de casos reportados, repartido entre parceiros, outros membros da família, pessoas conhecidos (não pertencentes à família) e desconhecidos. Restringindo contudo a análise ao número de entrevistados que entendeu como motivo de ataque físico o seu estado de HIV, verifica-se que os agressores são sobretudo pessoas próximas da vítima, sendo que em 47,7% (n=18) dos casos o atacante era o marido/mulher ou parceiro(a) e em 23,7% (n=9) dos casos um outro membro da família. De entre os 38 inquiridos que reportaram ter sofrido ataques físicos, no último ano, por motivos relacionados com a seropositividade, dois terços são mulheres (n=27), duas das quais trabalhadoras do sexo, e, surpreendentemente, metade tem um nível de escolaridade acima da média, tendo completado pelo menos o ensino secundário.

PRESSÃO PSICOLÓGICA DOS PARCEIROS O questionário prosseguia indagando sobre quantas vezes, nos últimos 12 meses, os inquiridos haviam sido sujeitos a pressão psicológica ou manipulação pelo esposo/a ou parceiro/a pelo facto de serem PVHS. Neste caso específico, 36% (n=268) dos inquiridos alegou ter sido vítima de pressão psicológica ou manipulação pelo cônjuge devido ao seu estado de HIV, pelo menos uma vez no último ano, e 28% (n=208) repetidas vezes durante o último ano.

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- 27 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

As estatísticas indicam que quatro em cada dez mulheres esteve sujeita a pressões psicológicas ou manipulação por parte do marido/parceiro e o mesmo para três em cada dez homens por parte das mulheres/parceiras; e em maior percentagem a partir da faixa etária dos 30 a 39 anos. Além disso, registaram-se menos casos de pressão psicológica dos parceiros nos espaços habitacionais de tamanho intermédio – cidade pequena ou vila – em comparação com as zonas rurais, seguidas de perto pelas grandes urbes. No que se relaciona com a rejeição sexual por causa de ser portador do vírus, cerca de um terço das PVHS entrevistadas, homens e mulheres, foram rejeitadas uma a várias vezes nos últimos 12 meses. Contudo, de entre os que responderam nunca ter tido vivido alguma forma de rejeição sexual, não é possível apurar se o parceiro(a) era ou não também uma PVHS.

ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO POR OUTRAS PVHS

Mesmo entre as PVHS pode-se verificar alguma forma de discriminação e alguns dos inquiridos disse ter sido discriminado por outras PVHS pelo menos uma vez no ano que precedeu o inquérito. Contudo, simultaneamente, grande número de inquiridos refere-se às outras PVHS perto delas como um suporte e é ao grupo de outras PVHS que os inquiridos mais revelam o seu estado de HIV, logo depois dos familiares e dos profissionais de saúde e acção social (ver secção 3.8).

PARCEIROS E FAMÍLIA TAMBÉM SÃO VÍTIMAS DE ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO

As pessoas próximas às PVHS são também vítimas de estigma e discriminação associado ao HIV. Nos 12 meses que precederam o inquérito, quase um quarto dos inquiridos (24,4%, n=181) viram o/a parceiro/a e/ou outro membro da família serem discriminados como resultado da sua condição de HIV (19,4% mais que uma vez).

MOTIVOS DE ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO

Gráfico 11: Motivos entendidos pelos entrevistados para o estigma e discriminação associados ao HIV

97

150

8968

48 46

384

0

50

100

150

200

250

300

350

400

As pessoas têm medo de ficar

infectadas com HIV a partir de mim

As pessoas não compreendem

como é que o HIV se transmite e têm medo de que eu as contamine através

de um contacto casual

As pessoas acham que ter HIV é

vergonhoso e que não devem

associar-se a mim

Crenças religiosas ou juízo "moral"

As pessoas desaprovam o meu

estilo de vida ou comportamento

Pareço estar doente com

sintomas associados ao HIV

Não sei/não estou certo(a) das razões

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- 28 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

Sobre a percepção dos respondentes sobre as razões do estigma e discriminação associados ao HIV (gráfico 11), a clara maioria (51,8%, n=384) disse não saber ou estar certo das razões. De entre os restantes, a razão mais apontada para o estigma associado ao HIV, na perspectiva dos próprios, é que as pessoas não compreendem como é que o HIV se transmite e têm medo de serem contaminadas através de um contacto casual. Outros respondentes entendem que as pessoas acham que ter HIV é vergonhoso e que como tal não se devem associar a elas e em menor percentagem, alguns consideraram ainda que o estigma decorre de crenças religiosas ou juízos morais, da desaprovação do seu estilo de vida ou ainda do seu aspecto físico debilitado.

3.3. ACESSO AO TRABALHO E SERVIÇOS DE SAÚDE E EDUCAÇÃO Procurou-se determinar se o entrevistado sente que o acesso ao alojamento, ao trabalho e aos serviços básicos de saúde e educação têm sido limitados ou reduzidos por causa do seu estado de PVHS.

ACESSO À HABITAÇÃO Nos últimos 12 meses, 17,4% (n=129) dos inquiridos responderam ter sido forçados a mudar o seu local de residência, ou não puderam arrendar um local para acomodação, mas de entre estes apenas 18 pensa ter sido devido ao seu estado de HIV positivo e 27 pensa ter sido por causa do seu estado de HIV associado a outros motivos e 76 não têm a certeza dos motivos.

ACESSO AO TRABALHO Em termos de situação de emprego, de entre aqueles que tinham um emprego ou fonte rendimento mesmo por conta-própria, a tempo inteiro ou parcial, 17,7% (n=131) perdeu esse emprego ou fonte de rendimento pelo menos uma vez no último ano. De entre estes 36,6% (n=48) pensa que a perda de emprego se deveu ao seu estado de HIV positivo e 45% (n=59) ao seu estado de HIV e outros motivos.

Por outras palavras, no ano que precedeu o inquérito, 107 inquiridos julga que perdeu o emprego, direta ou indiretamente, por causa do seu estado de HIV. É importante referir contudo que este número é ainda amenizado pela grande percentagem de desemprego prolongado, trabalho não formal ou auto-emprego que se verificou na população em análise (ver situação actual de emprego dos entrevistados - secção 3.1).

De entre estes 107 respondentes, a grande maioria (69,2%, n=74) perdeu o emprego porque se sentiu obrigado a deixar de trabalhar devido à sua fraca condição de saúde, seguido dos que consideram ter sido uma combinação da fraca condição de saúde e discriminação (22,4%, n=24) e apenas 7,5% destes (n=8) - 1% do total da população em análise –, considera que perdeu a sua fonte de rendimento exclusivamente por causa da discriminação pelo seu empregador ou colegas de trabalho.

Em particular, sobre a recusa de emprego ou oportunidade de emprego, nos últimos 12 meses, 9,7% (n=72) dos entrevistados alega ter-lhe sido negado emprego devido ao seu estado de PVHS.

No que tange à mudança da descrição de tarefas ou natureza de trabalho como resultado do seu estado de PVHS, 10,1% (n=75) viu as suas tarefas alteradas uma vez e 18,6% (n=138) repetidas vezes no último ano. Mais uma vez, cerca de 70% destas PVHS que viram a natureza do seu trabalho mudar, considera que isto se deveu ao seu fraco estado de saúde que não lhe permitia fazer certas coisas. Na verdade, a reorientação profissional está contemplada na lei, no sentido de treinar e reorientar o trabalhador infectado que não esteja apto a desempenhar as suas funções laborais, para postos compatíveis com as suas capacidades residuais.

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- 29 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

Além destes, menos de 3% (n=6) considera a mudança da descrição de tarefas no trabalho se deveu à discriminação pelo seu empregador ou colegas de trabalho e cerca 17,4% (n=37) considera que foi uma combinação do seu estado de saúde e do estigma e discriminação pelos colegas e empregadores. Por outras palavras, estes 43 entrevistados tiveram a percepção que as suas tarefas foram alteradas, pelo menos em parte, devido ao medo do empregador e colegas de o ter próximo de si e/ou ao entendimento da entidade patronal de que a PVHS é um doente em quem não vale a pena investir.

Gráfico 12: Motivos (e frequência) da dificuldade de acesso ao emprego e mudanças do tipo de trabalho

ACESSO À EDUCAÇÃO Sobre suspensões ou proibições de frequentar uma instituição de ensino por ser portador do vírus, 30 (4,1%) inquiridos reportou ter sido despedido, expulso ou suspenso pelo menos uma vez, nos últimos 12 meses.

Além deles próprios, 10 (1,3%) inquiridos reportaram que também os seus filhos foram suspensos ou proibidos de frequentar uma instituição de ensino por causa da sua situação de PVHS.

ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE Em termos de restrições de acesso aos cuidados de saúde, incluindo tratamento dentário, nos últimos 12 meses, 87,3% dos entrevistados não tiveram reclamações e apenas 3,4% (n=25) afirma ter-lhes sido negado o acesso a um serviço de saúde pelo menos uma vez, nos últimos 12 meses.

Aos inquiridos foi também perguntado se nos últimos 12 meses lhes haviam sido negados serviços de planeamento familiar por serem portadores do vírus, tendo 19 (2,6%) dito que sim, contra 477 respondentes (64,4%) que disseram que não (os restantes não responderam ou não era aplicável). De entre os 741 entrevistados, 20 (2,7%) dizem ter-lhes sido também negados serviços de saúde sexual e reprodutiva por causa da sua situação de PVHS.

Embora sejam percentagens pequenas (abaixo dos 3%), os números de PVHS a que foi negado o acesso a serviços de planeamento familiar e a serviços de saúde sexual e reprodutiva, no ano que precedeu o inquérito, por causa da sua situação de HIV, não deixam de ser alarmantes e dignos de reflexão.

152

74

6

8

37

24

Mudou as tarefas ou a natureza do seu trabalho

Perdeu o emprego ou outra fonte de rendimento

Devido à sua fraca condição de saúde

Por discriminação

Ambos - discriminação e fraca condição de saúde

Outro(s) motivo(s)

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- 30 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

3.4. ESTIGMA INTERNO O Estigma interno, também referido como estigma "sentido" ou "auto-estigmatização", remete para a forma como as pessoas vivendo com HIV se sentem em relação a si próprias. Muito influenciado pelo contexto e meio que rodeia as PVHS, o estigma interno reflete-se, frequentemente, num sentimento de desvalor que faz com que as pessoas se isolem e/ou vivam uma vida dupla.

Para medir o nível de estigma interno do grupo alvo, o questionário continha quatro perguntas. A primeira questão pedia que o respondente identificasse as expressões que retratavam o seu sentimento enquanto portador do vírus (sumário de respostas nas tabelas 7 e 8, por sexo e idade, respectivamente).

Tabela 7: Experiência de estigma interno decorrente do estado de HIV por sexo

Estigma interno| Sexo Total Homem Mulher

N.º %

N.º % N.º %

Sinto-me envergonhado(a) 258 34,8% 112 31,5% 146 37,9%

Sinto-me culpado(a) 252 32,8% 121 31,7% 131 33,8%

Culpo os outros 100 13,5% 43 12,1% 57 14,8%

Tenho pouca auto-estima 263 35,5% 136 38,2% 127 33%

Sinto que deveria ser punido(a) 45 6,1% 11 3,1% 34 8,8%

Sinto vontade de me suicidar 74 10% 25 7% 49 12,7%

*Uma média de 40 entrevistados não responderam

A falta de auto-estima, o sentimento de culpa e o sentimento de vergonha, revelaram-se sentimentos partilhados quer pelas mulheres quer pelos homens, numa média de 34%/35% dos casos – cerca de um terço da população em análise.

As mulheres revelaram contudo um pouco mais de propensão para sentimentos de vergonha e culpa que levam à autopunição, martirizando-se mais relativamente aos homens, devido à sua condição de PVHS.

De uma análise em termos de respostas por idade, a tabela 8 abaixo revela que os grupos etários mais vulneráveis são os mais novos – jovens até aos 24 – e os mais velhos – faixa etária a partir dos 50 anos. Supõe-se que os mais jovens pelas peculiaridades e anseios próprios da idade, em que é difícil relativizar os problemas, e os mais velhos, pela falta de aconselhamento para viver positivamente, e também eventualmente devido à progressão da doença e as repercussões ao nível da saúde e aspecto físico.

Tabela 8: Experiência de estigma interno decorrente do estado de HIV por idade

Estigma interno| Idade Jovem 15-24 Adulto 25-29 Adulto 30-39 Adulto 40-49 Adulto 50+

N.º % N.º % N.º % N.º % N.º %

Sinto-me envergonhado(a) 22 44% 29 31,9% 94 33,9% 71 32,1% 42 41,2%

Sinto-me culpado(a) 21 38% 21 24,2% 87 29,6% 76 34,4% 47 43,1%

Culpo os outros 8 16% 10 11% 44 15,9% 29 13,1% 9 8,8%

Tenho pouca auto-estima 22 44% 23 25,3% 78 28,2% 75 33,9% 65 63,7%

Sinto que deveria ser punido(a) 4 8% 6 6,6% 11 4% 17 7,7% 7 6,9%

Sinto vontade de me suicidar 3 6% 7 7,7% 36 13% 26 11,8% 2 2%

*Uma média de 40 entrevistados não responderam

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- 31 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

O estigma interno pode resultar na retirada da pessoa vivendo com HIV dos contactos sociais e íntimos, ou na exclusão por iniciativa própria do acesso a serviços e oportunidades, por medo que o seu estado seja revelado e que seja discriminada.

Para averiguar esta realidade, questionou-se também os entrevistados sobre se, nos últimos 12 meses, haviam deixado de fazer alguma coisa por causa do seu estado de PVHS (gráfico 13). Gráfico 13: Actividades evitadas, nos últimos 12 meses, devido ao seu estado de HIV

Depreende-se que uma boa parte dos inquiridos decidiu não ter mais filhos (35,9%; n=266) por causa da sua condição de PVHS. Esta decisão pode derivar do medo de transmitir o vírus ao bebé, o que nesse caso pode significar que as PVHS não estão bem informadas sobre as novas potencialidades da medicina, nomeadamente sobre a transmissão vertical, ou que não têm acesso aos recursos. Por outro lado ainda, a decisão de não ter mais filhos pode-se prender também com o receio de morrer e deixar os filhos órfãos.

Em segundo lugar, os respondentes evitaram participar em encontros sociais (27,9% dos casos) e isolaram-se da família e/ou amigos (26%).

Cerca de um sexto dos entrevistados resolveram também, face ao seu estado de HIV, parar de trabalhar ou pedir emprego ou promoção, parar de estudar ou de procurar oportunidade de frequentar uma escola/formação, decidiram não casar e não ter relações sexuais.

Apesar de em menor percentagem, o número de entrevistados que declaram ter evitado ir a uma clínica (8,4%, n=62) ou hospital (2,3%, n=17) quando precisaram, nos últimos 12 meses, não deixa de ser clamoroso, uma vez que as PVHS constituem um grupo particularmente vulnerável.

Da observação das respostas dadas em separado por homens e mulheres (tabela 9), é notório que a mulher tem uma tendência maior para se isolar ou conter de determinadas acções em função do seu estado de PVHS. Designadamente, um maior número de mulheres face aos homens evitaram convívios sociais, decidiram não casar, não ter (mais) filhos e ainda evitaram deslocar-se a uma instituição de saúde quando precisaram.

2,3%

8,4%

13,2%

14,7%

15,7%

15,9%

16,2%

26,0%

27,9%

35,9%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%

Evitei ir ao hospital quando precisava

Evitei ir à clínica quando precisava

Deixei a escola/formação

Decidi não fazer sexo

Decidi não pedir emprego ou promoção

Decidi não me casar

Tomei a decisão de parar de trabalhar

Isolei-me da minha família e/ou amigos

Escolhi não participar em encontros sociais

Decidi não ter (mais) filhos

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- 32 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

Tabela 9: Actividades evitadas, nos últimos 12 meses, devido ao seu estado de HIV (por sexo)

Total Homem Mulher

N % N % N %

Escolhi não participar em encontros sociais 207 27,9% 81 21,0% 126 35,4%

Isolei-me da minha família e/ou amigos 193 26,0% 94 24,4% 99 27,8%

Tomei a decisão de parar de trabalhar 120 16,2% 61 15,8% 59 16,6%

Decidi não pedir emprego ou promoção 116 15,7% 60 15,6% 56 15,7%

Deixei a escola/formação 98 13,2% 51 13,2% 47 13,2%

Decidi não me casar 118 15,9% 49 12,7% 69 19,4%

Decidi não fazer sexo 109 14,7% 53 13,8% 56 15,7%

Decidi não ter (mais) filhos 266 35,9% 110 28,6% 156 43,8%

Evitei ir à clinica quando precisava 62 8,4% 2 0,5% 60 16,9%

Evitei ir ao hospital quando precisava 17 2,3% 6 1,6% 11 3,1%

Ainda na secção sobre o estigma interno, perguntava-se aos inquiridos se tinham medo de que algo de mau lhes pudesse acontecer relacionado ao seu estado de HIV, nomeadamente que falassem mal deles, de ser verbalmente e fisicamente insultado ou ameaçado ou mesmo fisicamente atacado (gráfico 14).

Gráfico 14: Tem medo de que uma das coisas enumeradas abaixo lhe possa acontecer?

Quase metade dos respondentes disse ter medo que as pessoas falem mal delas (44%, n=326), 34,5% disse ter receio ou medo de ser verbalmente insultado, molestado e/ou ameaçado e mais de 20% tinha medo de ser fisicamente ameaçado ou mesmo atacado.

Observando as respostas de homens e mulheres (tabela 10), pode-se concluir que as mulheres revelam mais receio dos comentários e ofensas verbais, comparando com os homens, que, por sua vez, revelam mais receio de eventuais ofensas físicas.

Tabela 10: Medos de estigma/discriminação sentidos nos últimos 12 meses, motivados pelo seu estado de HIV (por sexo)

Total

Homem Mulher

   N % N % N %

Que se fale mal de si 326 44% 145 40,7% 181 47% Ser verbalmente insultado(a), molestado(a) e/ou ameaçado(a) 256 34,5% 116 32,6% 140 36,4%

Ser fisicamente molestado(a) e/ou ameaçado(a) 173 23,3% 96 27% 77 20% Ser fisicamente assaltado(a) 148 20% 102 28,7% 46 11,9%

Por último, aproximadamente quatro em cada dez pessoas inquiridas (39,5%) expressaram receio de que alguém pudesse recusar manter relações sexuais com elas por causa do seu estado de HIV positivo.

20%

23,3%

34,5%

44%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%

Ser fisicamente assaltado(a)

Ser fisicamente molestado(a) e/ou ameaçado(a)

Ser verbalmente insultado(a), molestado(a) e/ou ameaçado(a)

Que se fale mal de si

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- 33 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

3.5. DIREITOS, LEIS E POLÍTICAS Dado o impacto devastador da epidemia do HIV/SIDA, esta problemática tornou-se numa questão chave de direitos humanos com implicações sobre os direitos civis, políticos e socio-económicos, que se desencadeou com o desenvolvimento das Directrizes Internacionais sobre HIV/SIDA e Direitos Humanos em 1996 pela ONUSIDA e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. O presente estudo pretendia investigar também até que ponto as PVHS estão sensibilizadas para os seus direitos enquanto PVHS e se têm conhecimento das leis nacionais e internacionais que as protegem, bem como averiguar a que níveis e com que expressão os direitos das PVHS não são respeitados e, para estes casos, se os mecanismos de reparação legal são acessíveis e funcionam.

CONHECIMENTO DA DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO SOBRE HIV/SIDA E LEIS E POLÍTICAS NACIONAIS Em 2001 foi estabelecido um acordo internacional intitulado Declaração de Compromisso sobre HIV/SIDA, revisto em 2011. Nesta Declaração, os governos afirmaram que a materialização dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos reduz a vulnerabilidade ao HIV e que o respeito pelos direitos das PVHS é uma resposta efectiva. O texto integral da Declaração de Compromisso sobre HIV/SIDA está disponível no endereço: http://www.unaids.org/en/media/unaids/contentassets/dataimport/publications/irc-pub03/aidsdeclaration_en.pdf. Dentro da amostra representativa das PVHS em Moçambique, 43,7% dos inquiridos (n=324) afirmaram já ter ouvido falar da Declaração de Compromisso, enquanto 55,6% (n=412) desconheciam o documento. Dos que já tinham ouvido falar na Declaração, cerca de 80% afirmou já haver lido e discutido o conteúdo da mesma. A nível nacional, a propósito de leis ou diretrizes que protegem os direitos das PVHS, apenas cerca de 40% dos inquiridos (n=296) disse ter conhecimento de alguma lei ou política nacional, destacando-se a lei 12/2009 (que estabelece os direitos e deveres de PVHS), especificamente mencionada por dois terços destes (n=197).

VIOLAÇÕES DE DIREITOS O questionário prosseguia investigando situações de violação dos direitos das PVHS, com a construção de cenários hipotéticos. O gráfico 11 sumariza as respostas dadas pelos entrevistados. Gráfico 11: No último ano aconteceu alguma das seguintes coisas, por causa do seu estado de pessoa vivendo com HIV? Violações de Direitos N.º %

Fui forçado(a) a submeter-me a procedimento médico ou de saúde (incluindo teste de HIV) 92 12,4%

Foi-me negado seguro de saúde ou de vida 11 1,5%

Fui detido(a) ou levado(a) a tribunal 5 0,7%

Revelei o meu estado de HIV para poder entrar num outro país 1 0,1%

Revelei o meu estado de HIV para requerer nacionalidade ou residência 1 0,1%

Fui detido(a), posto(a) em quarentena, isolado(a) e segregado(a) 2 0,3%

Nenhuma destas coisas me aconteceu 627 84,6%

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- 34 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

Sim6,7%

Não tenho a certeza

6,7%

Não86,6%

Tentou obter alguma reparação legal?

Sim40%

Em curso20%

Não40%

O assunto foi resolvido?

No geral, as PVHS que participaram no estudo não se reviram em nenhuma das situações acima enumeradas, pelo menos durante o último ano. Porém, com uma maior percentagem, de 12,4%, 92 inquiridos declararam ter sido forçados a submeter-se a um procedimento médico ou de saúde, que pode ter sido, designadamente, o teste de HIV. Em relação aos outros cenários, apesar de se registarem casos muito pontuais, não deixa de ser preocupante que tais casos aconteçam e tenham acontecido no último ano, nomeadamente as detenções e segregações por causa do seu estado de PVHS e a negação de direitos sem relevar o seu estado. Quando questionados sobre se, nos últimos 12 meses, haviam sido violados algum dos seus direitos de PVHS, a maioria dos respondentes (58,4%, n=433) disse que não, 8,4% (n=62) disse que sim, 1,5% não respondeu e uma percentagem significativa de 31,7% dos respondentes (n=235) disse não ter a certeza. Este último número reflecte um nível considerável de desconhecimento das PVHS sobre os seus direitos e sobre as leis e políticas que as protegem. Dos que disseram que os seus direitos foram violados ou não têm a certeza (n=297), apenas 6,7% (n=20) procurou obter uma reparação legal - um terço daqueles que tinham consciência que os seus direitos não haviam sido respeitados. Como reparação legal, entende-se a “reparação” de um dano, possivelmente compensando o visado pelas perdas resultantes deste dano, através da acção dos tribunais, uma comissão dos direitos humanos ou um fórum semelhante, podendo a pessoa ofendida fazer-se representar por um jurista ou advogado, usando a lei como argumento. De entre os únicos 20 inquiridos que procuraram de alguma forma obter uma reparação legal, oito tiveram sucesso (40%) e quatro aguardam ainda pela conclusão do processo (20%).

Gráfico 15: Frequência de violações de direitos, procura de reparação legal e resultado

Sobre as razões que ditaram que a pessoa lesada não movesse nenhuma acção legal contra o ofensor, destaca-se o sentimento de intimidação ou o medo de agir, por receio de serem estigmatizados ou de represálias (14,5%, n=43), seguido da percepção de que o processo é demasiado burocrático (n=17) e a pouca confiança num resultado positivo (n=12) (tabela 12). Todavia estes números têm pouca expressão, sendo que a grande maioria das PVHS que se sentiram injustiçadas ao longo do ano, nem equacionaram a possibilidade de apelar à justiça. A apatia de não fazer algo com vista a repor os danos causados pode derivar da falta de conhecimento sobre a própria existência dos mecanismos de reparação legal ou dos passos práticos para reclamar os direitos.

Sim8,4%

Não tenho a certeza31,7%

Não58,4%

S/ resp1,5%

Foi violado algum dos seus direitos de PVHS, nos últimos 12 meses?

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- 35 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

Tabela 12: Razões pelas quais as PVHS ofendidas não moveram uma acção legal

Razão para não ter tentando obter uma reparação legal N.º %

Recursos financeiros insuficientes para agir 7 2,4%

O processo de resolução do problema parece demasiado burocrático 17 5,7%

Sentiu-se intimidado(a) ou com medo de agir 43 14,5%

Nenhuma/pouca confiança de que o resultado fosse bom 12 4%

Nenhum dos casos acima 19 6,4%

Sem resposta 199 67%

Total - Não tentou ou não tem a certeza se tentou reparação legal 297 100%

Pode-se concluir nesta secção que as PVHS não estão totalmente informadas sobre os seus direitos e mecanismos legais de defesa, apesar dos poucos exemplos de recorrência a estes revelaram que, quando se procura a reparação legal, os mecanismos funcionam e existe uma possibilidade de ver o dano reparado.

Somente 1,4% (n=10) dos inquiridos disse ter tentado levar o assunto até um funcionário do governo para agir contra o abuso dos seus direitos, tendo três desses casos sido devidamente tratados e cinco ainda se encontram em processo de tratamento. Seis lesados recorreram simultaneamente a um funcionário do governo e a um político local ou nacional. De entre estes, à excepção de um caso bem resolvido, os outros ainda estão em processo de tratamento, sendo todos relativamente recentes (menos de 12 meses). Além destes, registaram-se quatro outros casos, nos últimos 12 meses, que recorreram unicamente à intervenção de um político local ou nacional para iniciar a ação legal. De entre estes, em três nada aconteceu, o último aguarda desfecho.

3.6. REALIZANDO MUDANÇAS A mudança de mentalidades e a acção deve partir também das próprias PVHS. Da nossa amostra, três em cada cinco PVHS entrevistadas (61,5%, n=456) disseram ter encetado, no último ano, alguma acção com o fim de provocar uma mudança positiva, confrontando, desafiando ou educando alguém que os estavam a estigmatizar e/ou discriminar.

Em termos de apoio entre PVHS, 67,9% (n=503) dos inquiridos afirmou ter ajudado outras pessoas na mesma situação, nos últimos 12 meses. O tipo de ajuda providenciado varia entre o apoio emocional (em 70,6% dos casos) – que pressupõe, por exemplo, dar um conselho, dar esperança, partilhar e escutar histórias pessoais –, seguido da referência a outros serviços (27,4%) – por exemplo, encaminhamento dos lesados para os serviços adequados de resposta aos seus problemas, nomeadamente, ajudar alguém a ter acesso a um donativo e/ou orientar alguém para o tratamento clínico – e ainda apoio físico (15,1%) – que pode compreender emprestar dinheiro, preparar uma refeição, fazer trabalho doméstico, adquirir medicação e preservativos, entre outros. Um sexto dos inquiridos descreveram exemplos de situações em que tentaram resolver questões pontuais de estigma e discriminação, das quais eles próprios ou outras PVHS próximas foram/eram vítimas. As situações descritas englobavam casos de despejo e isolamento da família, de falta de apoio quando doentes, situações de insultos verbais, de afastamento dos vizinhos e outras pessoas próximas, casos de negação do atestado de pobreza e do acesso à cesta básica, associações a bruxaria e situações de desprezo e discriminação por causa da aparência.

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- 36 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

Sobre o conhecimento de alguma organização ou grupos onde se possa ir buscar ajuda em caso de se sentir estigmatizado e/ou discriminado, 72,2% (n=535) dos inquiridos dizem conhecer algum ponto de apoio, enquanto 26,6% (n=197) alegou não ter qualquer referência. É surpreendente que mais de um quarto dos inquiridos tenham afirmado não conhecer nenhuma organização de apoio, ainda mais quando a amostra foi definida com base em listas confidenciais dos membros das organizações associadas da RENSIDA e outros contactos conhecidos ou com ligações à rede, e que, portanto, à partida, seriam PVHS mais informadas.

De entre aqueles que afirmaram conhecer organizações ou grupos de apoio a que podem recorrer perante experiências de estigma ou discriminação, a maior parte dos inquiridos referia-se a grupos de apoio às PVHS (51,5%) ou redes de PVHS (23,1%), seguido de organizações religiosas (15,2%) e ao CNCS (13,8%), entre outros (gráfico 16). Gráfico 16: Organizações ou grupos de apoio mais conhecidos

Mais de um quarto dos inquiridos (26,6%) disseram ter já procurado ajuda junto destas organizações ou grupos de apoio para resolver assuntos de estigma ou discriminação, enquanto 71,1% não precisou ou não procurou. De entre os que registaram conhecer outros grupos de apoio, a Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO) foi mencionada por vários inquiridos da Província de Gaza, como uma organização que os apoiou através de “cerimónias de purificação”. Embora o efeito destas cerimónias possa ser tranquilizador para a PVHS e família, é preciso notar que são baseadas em juízos falsos sobre a doença, que perpetuam o desconhecimento e os mitos, e neste sentido pode ter um impacto negativo no combate à doença e na procura de tratamento e prevenção adequados. Mais de metade dos entrevistados (52,4%) referiu fazer parte de um grupo de apoio e/ou rede, quatro em cada dez entrevistados (42,4%, n=314) disseram ter estado envolvidos, nos últimos 12 meses, como voluntários em programas ou projectos de assistência a PVHS e 18,9% dos 741 inquiridos (n=140) afirmou ter estado envolvido, concretamente, em esforços para desenvolver alguma legislação, políticas ou linhas de orientação.

9,2%

4,2%

3,5%

13,8%

3,4%

9,6%

1,9%

15,2%

10,9%

23,1%

51,1%

0% 10% 20% 30% 40% 50%

Outras

Organização das Nações Unidas

Organização não-governamental internacional

Conselho Nacional de Combate ao HIV/SIDA (CNCS)

Organização não-governamental nacional

Uma organização dos direitos humanos

Uma prática legal

Organizações religiosas

Organização não-governamental local

Rede de pessoas vivendo com HIV

Grupo de apoio a pessoas vivendo com HIV

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- 37 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

No que se refere à percepção do poder das PVHS em influenciar decisões (tabela 13), quatro em cada dez inquiridos considera ter algum poder de influenciar projectos locais destinados a beneficiar PVHS, 31,8% acha que pode também influenciar em programas/projectos de âmbito nacional, enquanto um terço das PVHS inquiridas considera não deter nenhum poder de influência dentro das esferas de intervenção pré-identificadas.

Tabela 13: Percepção do poder de influência sobre os decisores . Esferas de intervenção N %

Assuntos jurídicos/de direitos que afectam PVHS 79 10.7%

Políticas dos governos locais que afectam PVHS 80 10.8%

Projectos locais destinados a beneficiar PVHS 296 39.9%

Políticas nacionais que afectam PVHS 50 6.7%

Programas/projectos nacionais destinados a beneficiar PVHS 236 31.8%

Acordos/tratados internacionais 11 1.5%

Nenhum dos anteriores 247 33.3%

Finalmente, foi pedido aos inquiridos para identificarem qual consideravam ser a acção mais importante de ser levada a cabo por organizações/redes de PVHS, como a RENSIDA, na luta contra o estigma e a discriminação. Apenas 148 dos 741 entrevistados deram opinião, tendo a maioria (44,6%) mencionado como prioridade dar assistência a PVHS, em termos de apoio emocional, físico e de referência, seguido da aposta na educação dirigida às PVHS como viver de forma positiva (29,1%) e do desafio de despertar a consciência e o conhecimento público sobre o HIV (12,8%).

Tabela14: Ações prioritárias apontadas pelos respondentes para serem levadas a cabo pelas organizações/redes de PVHS Ações prioritárias N.º %

Dar assistência a pessoas vivendo com HIV através de apoio emocional, físico e de referência 66 44,6%

Educar as pessoas vivendo com HIV como viver positivamente (incluindo ensino sobre tratamento) 43 29,1%

Despertar a consciência e o conhecimento do público acerca da SIDA 19 12,8%

Fazer advocacia pelos direitos das pessoas vivendo com HIV 10 6,8%

Fazer advocacia pelos direitos e/ou dar apoio particularmente a grupos de risco marginalizados 10 6,8%

Total de respostas 148 100%

3.7. TESTE/DIAGNÓSTICO Uma pessoa pode estar infectada pelo vírus HIV durante cinco a dez anos sem apresentar qualquer tipo de sintoma, aparentando um ar saudável. Contudo, mesmo sem sintomas, a pessoa pode transmitir a infecção. Neste sentido, é importante o diagnóstico precoce, de forma a evitar o contágio através da tomada de medidas efectivas contra a transmissão do vírus e tentar retardar a progressão da doença, mudando alguns hábitos e rotinas de saúde.

A tabela 15, a seguir, apresenta quais as razões mais citadas que levaram os entrevistados a fazer o teste.

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- 38 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

Tabela 15: Razões porque os entrevistados fizeram o teste de HIV

Razões porque foi testado Total Homem Mulher

N.º % N.º % N.º %

Emprego 4 0,5% 0 0,0% 4 1,0%

Gravidez 82 11,1% 0 0,0% 82 23,0%

Preparação para um relacionamento matrimonial/sexual 5 0,7% 3 0,8% 2 0,6%

Referido(a) por uma clínica para infecções sexualmente transmissíveis 96 13,0% 52 14,6% 44 12,4%

Referido(a) por suspeita de sintomas relacionados com HIV 165 22,3% 98 27,5% 67 18,8%

Marido/mulher/parceiro/membro da família testado como PVHS 32 4,3% 17 4,8% 15 4,2%

Doenças ou morte do marido/mulher/parceiro/membro da família 124 16,7% 42 11,8% 82 23,0%

Só queria saber 271 36,6% 172 48,3% 99 27,8%

Outros 13 1,8% 4 1,1% 9 2,5%

As estatísticas acima mostram que uma das razões que fez 36,6% das pessoas entrevistadas quererem fazer o teste, prendia-se apenas com a vontade de saber, isto é, de confirmar a suspeita, seguidos de 22,3% (27,5% dos homens e 18,8% das mulheres) que foram referidos por suspeita de sintomas relacionados com HIV. Isto quer dizer que, quase três em cada dez homens entrevistados e duas em casa dez mulheres entrevistadas só fizeram o teste e souberam do seu estado serológico quando foram encaminhados para clínicas por apresentarem sintomas de infecções oportunistas e portanto já com o sistema imunológico debilitado.

Em terceiro lugar ficou o grupo de respondentes que fez o teste no seguimento da doença ou morte do parceiro ou outro membro da família e em quarto as mulheres que fizeram o teste na altura da gravidez, tendo mais de um quinto das mulheres entrevistadas (82 em 385) apenas confirmado o seu estado serológico durante a gravidez.

Quatro inquiridos submeteram-se ainda ao teste de HIV por causa do emprego. Segundo a lei, é proibida a realização de testes de HIV aos trabalhadores ou a candidatos a emprego, por solicitação das entidades empregadoras, sem o consentimento do trabalhador ou candidato a emprego; ainda assim em dois destes casos os respondentes alegam ter sido coagidos.

O questionário prosseguia precisamente avaliando se a decisão de fazer o teste, foi uma acção voluntária, confidencial e efectuada mediante consentimento do próprio, ou imposta ou pressionada por outros (tabela 16). Na maioria dos casos, perto de 70%, a decisão de ser testado foi pessoal e voluntária e em 21,7% dos casos foi também por decisão própria mas sob pressão dos outros, enquanto 5,4% dos respondentes afirmaram ter sido coagidos a fazer o teste e 2% dizem ter sido testados sem o seu consentimento. Tabela16: Testagem - decisão voluntária ou forçada?

Circunstância N.º %

Sim, eu próprio(a) tomei a decisão de ser testado(a) (i.e. de forma voluntária) 516 69,6%

Tomei a decisão de ser testado(a), mas estava sob pressão dos outros 161 21,7%

Fui obrigado(a) a fazer o teste de HIV (coerção) 40 5,4%

Fui testado(a) sem meu conhecimento - só descobri depois de o teste ter sido feito 15 2,0%

Sem resposta 9 1,2%

Totais 741 100%

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- 39 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

Quanto às circunstâncias em que os respondentes dizem ter sido coagidos ou testados sem o seu consentimento, verificam-se sobretudo casos que foram referidos por suspeita de sintomas relacionados ao HIV ou referidos por clínicas de doenças sexualmente transmissíveis, seguido de situações de morte ou doença do parceiro ou outro membro da família, casos de mulheres que foram testadas durante a gravidez e, conforme referido anteriormente, dois casos que foram forçados por motivos de emprego.

ACONSELHAMENTO PRÉ E PÓS-TESTE A Organização Mundial da Saúde recomenda que toda prescrição do teste seja acompanhada de aconselhamento específico pré e pós-teste. O aconselhamento pré-teste é a sessão que antecede o teste e ajuda a pessoa a decidir se irá realizá-lo ou não. O aconselhamento pós-teste é a sessão de entrega do resultado, de reforço da percepção de risco e da educação sobre a adopção de práticas preventivas e apoio emocional.

A maioria dos inquiridos em Moçambique, 81,4% (n=603), receberam efectivamente os aconselhamentos pré e pós-teste, 1,9% (n=14) disse só ter recebido o aconselhamento pré-teste, 13,9% (n=103) o aconselhamento pós-teste e 1,1% (n=8) disse não ter recebido nenhuma forma de aconselhamento quando fez o teste. Estes oito inquiridos que alegam não ter recebido qualquer tipo de aconselhamento na altura da testagem, vivem com HIV há uma média de seis anos, metade foi testado sem autorização prévia e outros dois foram coagidos a realizar o teste.

Tabela17: Aconselhamentos associados ao Teste de HIV Aconselhamentos N.º %

Recebi ambos os aconselhamentos, pré e pós-teste de HIV 603 81,4%

Só recebi aconselhamento pré-teste de HIV 14 1,9%

Só recebi aconselhamento pós-teste de HIV 103 13,9%

Não recebi nenhum aconselhamento quando fiz o teste de HIV 8 1,1%

Sem resposta 13 1,8%

Totais 741 100%

PROBLEMAS/DESAFIOS NA ÓPTICA DOS ENTREVISTADOS Os entrevistados foram ainda consultados sobre o que consideravam ser, no geral, os principais problemas e desafios em relação à fase da testagem e diagnóstico. Como principais problemas identificados pelos próprios surge a falta de aconselhamento profissional acessível às pessoas que queiram fazer o teste, assim como a demora na obtenção dos resultados e o medo de serem confrontados com o resultado. Além disso, vários inquiridos sugerem que se faça testagem porta-a-porta como forma de encorajar mais pessoas a fazerem o teste, pois muitos não se deslocam aos centros de testagem com medo de serem reconhecidos e consequentemente vítimas de estigma e discriminação. Ainda de referir, alguns homens entrevistados na vila de Namialo, província de Nampula, quase todos casados e com mais de 30 anos, indicaram como barreira à realização voluntária do teste o mito de que os medicamentos antiretrovirais (ARV) têm vírus e que podem matar.

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- 40 - NDICE DE ESTIGMA DE PESSOAS VIVENDO COM HIV | MOÇAMBIQUE

3.8. REVELAÇÃO DA SEROPOSITIVIDADE E CONFIDENCIALIDADE

A discriminação das PVHS está geralmente relacionada à violação dos direitos de sigilo médico, confidencialidade e privacidade. A tabela seguinte refere-se à forma como e por quem as outras pessoas ficaram a saber (ou não) do estado de PVHS dos inquiridos.

Tabela 18: De quem as diferentes pessoas/grupos receberam a notícia do estado de HIV dos entrevistados

Pessoas/grupos Eu disse-lhes

Alguém lhes disse COM o meu

consentimento

Alguém lhes disse SEM o meu

consentimento

Eles não sabem nada

Não se aplica

N.º % N.º % N.º % N.º % N.º %

Marido/mulher/parceiro 386 52,1% 28 3,8% 26 3,5% 31 4,2% 268 36,2%

Outros membros adultos da família 359 48,4% 67 9,0% 52 7,0% 61 8,2% 200 27,0%

Crianças na família 124 16,7% 38 5,1% 48 6,5% 98 13,2% 431 58,2%

Amigos/vizinhos 43 5,8% 24 3,2% 169 22,8% 114 15,4% 389 52,5%

Outras PVHS 220 29,7% 90 12,1% 54 7,3% 58 7,8% 317 42,8%

Colegas de trabalho 40 5,4% 14 1,9% 16 2,2% 86 11,6% 583 78,7%

Empregador(es)/chefe(s) 36 4,9% 21 2,8% 18 2,4% 70 9,4% 594 80,2%

Clientes 32 4,3% 15 2,0% 7 0,9% 60 8,1% 625 84,3%

Parceiros utentes de drogas injectáveis 8 1,1% 0 0,0% 5 0,7% 71 9,6% 655 88,4%

Líderes religiosos 36 4,9% 8 1,1% 11 1,5% 61 8,2% 623 84,1%

Líderes comunitários 76 10,3% 57 7,7% 39 5,3% 97 13,1% 470 63,4%

Trabalhadores de cuidados de saúde 220 29,7% 109 14,7% 107 14,4% 83 11,2% 220 29,7%

Trabalhadores de acção social/conselheiros 315 42,5% 95 12,8% 15 2,0% 27 3,6% 287 38,7%

Professores 121 16,3% 76 10,3% 3 0,4% 48 6,5% 491 66,3%

Funcionários do Estado 11 1,5% 3 0,4% 4 0,5% 46 6,2% 675 91,1%

Órgãos de informação 5 0,7% 0 0,0% 1 0,1% 41 5,5% 692 93,4%

* 2 (dois) entrevistados não responderam A maioria das pessoas (52,1%) revelou o seu estado de HIV ao seu parceiro directamente, em 3,5% dos casos os parceiros foram informados por terceiros sem o seu consentimento e 4,2% (n=31) mantém ainda em segredo o seu estado serológico para o seu marido/mulher ou actual companheiro. Os outros familiares adultos da família foram informados também pessoalmente, na sua maioria (48,4%), pelos inquiridos. Além do núcleo familiar, os trabalhadores de acção social (42,5%), trabalhadores de cuidados de saúde (29,7%), outras PVHS (29,7%), professores (16,3%) e líderes comunitários (10,3%) foram os grupos que mais receberam a informação directamente dos inquiridos sobre o seu estado de PVHS. Os amigos e vizinhos, na maior parte dos casos, foram informados por outras pessoas sem o consentimento dos entrevistados ou não sabem de nada.

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Depreende-se igualmente da tabela acima que em ambientes de trabalho o assunto é velado, com percentagens de inquiridos que revelaram o seu estado a colegas, chefes ou clientes muito baixas, assim como as percentagens de revelações por terceiros, com ou sem consentimento.

Outras pessoas (que não os próprios inquiridos) expuseram também alguns dos casos a assistentes sociais, profissionais de saúde, líderes comunitários, professores, familiares e outras PVHS. Perante estas categorias de pessoas e notando que na maior parte das vezes essa comunicação foi feita com consentimento do inquirido, julga-se que estes terceiros tenham revelado o estado serológico dos entrevistados a estes grupos de pessoas por prevenção e/ou procurando apoio técnico e/ou psicológico/emocional para os visados.

Averiguou-se também a existência e frequência de eventuais pressões sobre os inquiridos para revelarem o seu estado de PVHS, exercidas por outros portadores e não portadores do vírus. Indagados sobre quantas vezes sentiram pressão de indivíduos com HIV ou grupos/redes de PVHS no sentido de revelar a sua situação de HIV, cerca de 21% (n=155) dos respondentes diz ter passado por esta situação repetidas vezes e 8,9% uma vez. Com um pouco mais de expressão, 5,4% dos inquiridos disseram ter sido pressionado uma vez, 21,1% (n=156) algumas vezes e 17,3% (n=128) muitas vezes, por outras pessoas não portadoras vírus, como por exemplo familiares, trabalhadores sociais, funcionários de ONGs, entre outros.

Em termos de confidencialidade, um pequeno número de inquiridos manifestou receio que o sigilo médico não seja respeitado, e que por conseguinte outras pessoas saibam do seu estado serológico sem o seu consentimento. Nomeadamente, à pergunta sobre se um profissional de saúde (por ex. médico, enfermeiro, conselheiro, técnico de laboratório) havia informado outras pessoas acerca do seu estado de HIV sem o seu consentimento, apenas 4% dos respondentes (n=30) alega que sim, 25,4 % (n=188) não tem a certeza e 63% julga que não (7,6% não responderam). Em relação ao grau de confidencialidade dos registos ou boletins médicos, 58,4% dos inquiridos acreditam que os registos médicos são mantidos completamente confidencias, 29,8% não têm a certeza e 2,3% (n=17) dizem crer de que os seus registos médicos não estão ou foram mantidos confidenciais. Numa reflexão global, ainda sobre o processo de revelação, este foi encarado como uma experiência de empoderamento por cerca de um quarto dos inquiridos (24,4%, n=181) e outro quarto (24,5%, n=182) crê que ajuda, todavia, ainda que em pequeno número, 4,1% (n=30) considera que foi uma experiência discriminatória. Os restantes acham que a revelação foi indiferente ou não se aplica a questão, porque permanecem em silêncio.

REACÇÕES À REVELAÇÃO DA SEROPOSITIVIDADE Em termos da reacção das outras pessoas ao tomarem conhecimento, pela primeira vez, da situação de HIV do entrevistado, a tabela abaixo (tabela 19) apresenta o sumário das diferentes atitudes. As respostas cingiam-se aos casos das pessoas ou grupos que receberam efectivamente a notícia e o inquirido sabia a reacção, daí o elevado número de respostas “não se aplica”.

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Tabela 19: Reação dos diferentes grupos de pessoas ao tomarem conhecimento, pela primeira vez, da situação de HIV dos entrevistados

Pessoas/grupos Muito

discriminatório Discriminatório Indiferente(s) Apoio Muito apoio Não se aplica

N.º % N.º % N.º % N.º % N.º % N.º %

Marido/mulher/parceiro 62 8,4% 39 5,3% 141 19% 94 12,7% 142 19,2% 258 34,8%

Outros membros adultos da família 57 7,7% 35 4,7% 135 18,2% 155 20,9% 140 18,9% 214 28,9%

Crianças na família 19 2,6% 15 2% 118 15,9% 81 10,9% 32 4,3% 471 63,6%

Amigos/vizinhos 121 16,3% 80 10,8% 77 10,4% 14 1,9% 6 0,8% 438 59,1%

Outras PVHS 4 0,5% 4 0,5% 180 24,3% 154 20,8% 20 2,7% 374 50,5%

Colegas de trabalho 18 2,4% 22 3% 40 5,4% 27 3,6% 7 0,9% 622 83,9%

Empregador(es)/chefe(s) 27 3,6% 7 0,9% 33 4,5% 20 2,7% 4 0,5% 645 87%

Clientes 6 0,8% 7 0,9% 11 1,5% 2 0,3% 4 0,5% 706 95,3%

Parceiros utentes de drogas injectáveis 0 0% 2 0,3% 7 0,9% 7 0,9% 3 0,4% 717 96,8%

Líderes religiosos 2 0,3% 2 0,3% 97 13,1% 58 7,8% 58 7,8% 519 70%

Líderes comunitários 3 0,4% 3 0,4% 128 17,3% 79 10,7% 8 1,1% 515 69,5%

Trabalhadores de cuidados de saúde 10 1,3% 4 0,5% 159 21,5% 284 38,3% 52 7% 227 30,6%

Trabalhadores de acção social/conselheiros 9 1,2% 0 0,0% 76 10,3% 253 34,1% 62 8,4% 336 45,3%

Professores 0 0,0% 2 0,3% 11 1,5% 15 2% 5 0,7% 703 94,9%

Funcionários do Estado 0 0,0% 3 0,4% 8 1,1% 5 0,7% 0 0,0% 720 97,2%

Órgãos de informação 3 0,4% 1 0,1% 7 0,9% 2 0,3% 1 0,1% 722 97,4%

* 5 (cindo) entrevistados não responderam Quase um terço dos inquiridos (31,9%) disse que os seus parceiros (marido/mulher/parceiro/a) os apoiaram quando tomaram conhecimento pela primeira vez da sua situação de HIV, mais de metade (19,2%, n=142) dos quais, na verdade, referiu que apoiaram muito. Por outro lado, 5,3% (n=39) achou que tiveram um comportamento discriminatório e 8,4% (n=62) muito discriminatório. Da mesma forma, os restantes membros adultos da família na sua maioria também deram apoio (20,9% apoiou e 18,9% apoiou muito), mas 12,4% manifestaram atitudes discriminatórias. Alguns testemunhos revelam que devido à falta de conhecimentos acerca da doença e ao receio de contraírem a infecção, parceiros e outros familiares tendem a demarcar as áreas da casa e os objectos pertencentes à pessoa infectada, quando não as ostracizam completamente. Os amigos e vizinhos foram o grupo de pessoas que revelaram uma atitude mais discriminatória aquando da revelação, tendo 27,1% (n=201) tido uma reacção discriminatória (10,8% discriminatória e 16,3% muito discriminatória). Muito poucos entrevistados experienciaram uma atitude de apoio dos amigos ou vizinhos quando revelaram o seu estado e quando questionados abertamente sobre os principais desafios da revelação, o grande desafio apontado prendeu-se precisamente com o medo de rejeição por parte dos amigos, familiares e vizinhos. O medo real de ser discriminado e que outras pessoas lhes chamem nomes ou os ostracizem, faz com que as pessoas se sintam inibidas em revelar o seu estado de PVHS.

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Por outro lado, quando os inquiridos revelaram o seu estado a outras PVHS, estas revelaram-se solidárias (23,5%) ou neutras (24,3%). O mesmo para a maioria dos líderes religiosos e comunitários, dos trabalhadores de cuidados de saúde e trabalhadores de acção social.

Os restantes grupos - colegas de trabalho, empregadores/chefes, clientes, parceiros utentes de drogas injectáveis, professores, funcionários do governo e media - segmentam-se entre exemplos de apoio, indiferença e discriminação, mas com poucos casos de referência que permitam tirar conclusões, dado que a maioria dos respondentes não tinha nenhuma associação com estes grupos (pois são sobretudo desempregos ou trabalhadores independentes, que não se associam a grupos de consumidores de drogas injectáveis e que não têm contacto com professores, funcionários do governo e órgãos de comunicação), daí as altas percentagens de inquiridos que disseram de que a pergunta não era aplicável à sua experiência, entre 83,9% e 97,4% para cada um dos grupos supracitados. Ainda assim, é de referir a tendência que se deixa perceber de discriminação por parte dos colegas de trabalho (n=18 discriminaram muito, que representa 15% dos casos aplicáveis) e chefes (n=27 discriminaram muito, 30% dos casos aplicáveis). Ainda que residual, dez inquiridos consideram da sua experiência pessoal que os trabalhadores de cuidados de saúde tiveram uma reacção muito discriminatória e nove inquiridos o mesmo em relação aos assistentes sociais. Apesar de estes casos constituírem menos de 2,25% dos casos aplicáveis, não deixam de representar um alerta e de se revelar uma preocupação, pela função e papel fulcral que estes profissionais devem desempenhar junto das PVHS no combate à epidemia e na desmistificação da doença.

3.9. TRATAMENTO O tratamento associado ao HIV/SIDA e das doenças oportunistas é hoje uma realidade em várias partes do país. Desde que cumpram todos os requisitos inerentes ao tratamento, as PVHS podem viver muito mais tempo, a viver positivamente, de forma regrada e saudável.

Na secção 3C do questionário aplicado era solicitado aos inquiridos que descrevessem a sua situação de saúde actual, tendo, por ordem decrescente, 39% considerado que era razoável, 37,4% boa, 13,1% muito boa, 8,9% excelente e apenas 0,9% descreveu a sua situação de saúde, à data, como má. Dos 741 entrevistados, 90,4% estavam a receber tratamento antiretroviral (TARV), mas 63 afirmaram não estarem (8,5%). Observa-se que este grupo de PVHS que ainda não estão medicadas é sobretudo de PVHS que contraíram o vírus ou souberam do seu estado serológico há relativamente pouco tempo, 20% há menos de um ano e cerca de 60% desde há um a quatro anos. Não há discrepância nas respostas comparando entre sexos. Em termos de acesso, 93,9% (n=696) dos inquiridos disseram que têm acesso a antiretrovirais e como acesso entenda-se que os ARV estão disponíveis e são gratuitos ou que o inquirido pode pagar o preço deles. Apenas um pequeno grupo heterogéneo de 24 PVHS (3,2%) referiu não ter acesso, não sendo possível traçar um perfil.

Os problemas que foram identificados a propósito do tratamento antiretroviral, prendem-se sobretudo com a dificuldade em mantê-lo, pela falta de alimentação adequada e transporte para os centros de saúde, e com as avarias constantes das máquinas para a contagem do CD4, o que faz com que os pacientes não tenham a oportunidade de testarem a sua carga viral antes e durante o tratamento.

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Quanto a outros medicamentos para prevenir infecções oportunistas, 69,2% disse estar a tomar medicamentos adequados. Na mesma linha, 87% tinha acesso a estes medicamentos para a prevenção de infecções oportunistas mesmo que não os estivesse a tomar, enquanto 4,5% (n=33) disse não tem acesso (os restantes 7,4% não sabiam e 0,8% não responderam). Em termos de diálogo e esclarecimentos médicos, nos últimos 12 meses que precederam o inquérito, quase dois terços dos entrevistados teve alguma discussão construtiva com um profissional de saúde sobre as suas opções de tratamento relacionado com o HIV ou abordou assuntos relacionados com a sua saúde sexual reprodutiva, o seu relacionamento sexual e o seu bem-estar emocional. Sobre os últimos assuntos a procura de informação e acompanhamento especializado foi maior por parte das mulheres.

3.10. TER FILHOS A opção de uma PVHS ter ou não filhos é uma prerrogativa individual, porém certas precauções devem ser tomadas para assegurar que a saúde da mãe e do bebé estejam salvaguardadas. Do total dos inquiridos, mulheres e homens, 88,5% (n=656) tinham filhos (cerca de 53% das mulheres e 47% dos homens). De entre estes inquiridos com filhos, um terço (n=215) sabia, à data do inquérito, que pelo menos um dos filhos era também seropositivo.

Gráficos 17 e 18: Percentagem de entrevistados com filhos e os casos de filiação com HIV

Investigou-se se, desde que o inquirido foi diagnosticado com o vírus do HIV, havia sido aconselhado acerca das suas opções reprodutivas. Apenas 58,8% dos inquiridos terá dito que sim, 12,7% não respondeu (sem resposta ou não era aplicável) e 28,5% (n=211), na sua maioria homens, alegou nunca ter recebido aconselhamento acerca das suas opções reprodutivas. Do total dos inquiridos, 15,9% (n=118) disse ter sido aconselhado por um profissional da saúde a não ter filhos por causa da sua condição de PVHS, um quinto (20,4%, n=251) argúi que a sua capacidade em obter tratamento antiretroviral estava condicionada ao uso de certas formas de contracepção e 3,1% (n=23, 78,3% mulheres) afirma mesmo ter sido coagido por um profissional de saúde a ser esterilizado depois do diagnóstico. O questionário seguia dirigido apenas às mulheres, com o intuito de averiguar se as inquiridas haviam sofrido algum tipo de pressão por um profissional de saúde no período da gravidez e maternidade. Revelou-se que algumas das mulheres inquiridas, 6,8% (n=26), alegam ter sido coagidas por um profissional da saúde a interromperem uma gravidez por causa do seu estado de HIV e uma média de duas em cada dez mulheres foram coagidas por um profissional de saúde a adoptar determinadas práticas de alimentação infantil.

89%

12%

Com filhos

Sem filhos

33%

67%

Pelo menos um dos filhos é seropositivo

Filhos livres de HIV (segundo conhecimento dos pais)

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Os entrevistados foram consultados sobre o que consideravam ser os principais problemas e desafios em relação à decisão de ter filhos sendo seropositivo. Alguns inquiridos mencionaram o medo de que os filhos nasçam com HIV ou com algum tipo de deficiência. Por outro lado, outros sabem que é possível ter filhos saudáveis desde que se siga o tratamento adequado e consideraram que o principal problema é o receio de deixar as crianças órfãs ou a falta de condições financeiras para poder cuidar e alimentar o bebé. PREVENÇÃO DA TRANSMISSÃO VERTICAL Tabela 20: Recebimento de tratamento para prevenir a transmissão de mãe-para-filho durante a gravidez TARV durante a gravidez N.º %

Sim - já recebi tal tratamento 136 35,3%

Não - eu não sabia que existia este tipo de tratamento 25 6,5%

Não - foi-me negado esse tratamento 5 1,3%

Não - não tive acesso a tal tratamento 28 7,3%

Não - quando eu estava grávida ainda não era seropositiva 163 42,3%

Sem resposta 28 7,3%

Total - Entrevistados sexo feminino 385 100%

A propósito da prevenção da transmissão vertical, 35,3% das mulheres inquiridas declara ter recebido TARV para prevenir a transmissão de mãe-para-filho durante o período da gravidez, mas 7,3% diz não ter tido acesso, 6,5% não sabia da existência deste tipo de tratamento e 1,3% das mulheres alega ter-lhes sido negado o tratamento. Por último, de entre as mulheres entrevistadas que receberam o TARV durante o período da gravidez (n=136), nove em cada dez confirmou ter recebido alguma informação sobre a gravidez e maternidade saudável como parte do programa de prevenção da transmissão de HIV de mãe-para-filho.

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4. CONCLUSÕES A pesquisa evidenciou que o combate ao estigma e discriminação relacionados com o HIV/SIDA continua a ser um dos principais desafios a ser abordado no desenvolvimento de respostas eficazes à epidemia.

Destacam-se abaixo, por temáticas, as principais constatações, com base nos dados recolhidos sobre as experiências e percepções das PVHS em Moçambique.

SITUAÇÃO SOCIO-ECONÓMICA DOS AGREGADOS Os graus de escolaridade concluídos entre os entrevistados, na generalidade, são baixos e a situação de

emprego precária, embora se revele alguma diferença entre sexos e zona habitacional, com percentagens de inquiridos do sexo masculino e de residentes em zona urbana com graus de escolaridade relativamente mais elevados e situação de emprego ou fonte de rendimento mais estável – em linha com o padrão da sociedade moçambicana;

De entre os 741 agregados em questão, contaram-se 697 órfãos de SIDA (cerca de 17% do universo de pessoas que compunham os agregados e 30% do total de crianças), o que dá uma média de quase um órfão de SIDA por família.

A falta de rendimento e, por consequência, de comida suficiente para o agregado familiar, referida por vários entrevistados, bem como situações pontuais de dificuldade no acesso à cesta básica, podem estar a contrariar a obtenção de melhores resultados no combate à doença, quando uma nutrição adequada é essencial para a manutenção do sistema imunológico.

SITUAÇÃO ACTUAL DE RELACIONAMENTO / ACTIVIDADE SEXUAL A maioria das PVHS entrevistadas (64%) mantinham um relacionamento à data do inquérito e 92,4% dos homens e 81,6% das mulheres (87% do total dos entrevistados) declararam ser sexualmente activos – uma larga percentagem que deixa clara a importância da prevenção positiva. EXPERIÊNCIAS DE ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO Mais de metade dos respondentes (cerca de 56%) declarou ter sofrido de alguma forma de discriminação, no

ano que precedeu o inquérito, devido ao seu estado de HIV. As formas discriminação associadas ao HIV mais frequentes são os comentários negativos, as ofensas, insultos ou ameaças verbais (apontados por cerca de um terço dos respondentes), ao que se seguem as situações de marginalização (exclusão de actividades da família ou outras actividades em sociedade), vividas por cerca de 13% dos respondentes, e, por fim, alegados ataques físicos, apontados por cerca de 5% dos respondentes.

Verifica-se ainda que para a maioria das situações identificadas de exclusão e abusos, mais de metade dos casos reportados foram efetivamente despoletados (total ou parcialmente) pelo estado de HIV do respondente.

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Aparentemente não há um padrão claro da PVHS que é vítima de estigma e discriminação. São simultaneamente pessoas de diferentes idades, sexos, locais de residência e níveis de escolaridade.

O número de casos de exclusão das actividades em família é o caso de exclusão mais verificado, o que pode ser justificado pelo facto de os familiares serem dos poucos grupos de pessoas a que as PVHS revelam o seu estado de HIV.

Por outro lado, as pessoas próximas às PVHS são também elas vítimas de estigma e discriminação associados ao HIV. Nos últimos 12 meses, quase um quarto dos inquiridos viram o parceiro/a e/ou outro membro da família serem discriminados como resultado da sua condição de HIV.

PERCEPÇÃO DOS MOTIVOS PARA O ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO ASSOCIADOS AO HIV/SIDA A falta de informação e compreensão das causas e dos sintomas do HIV/SIDA faz suscitar mitos que envolvem a doença e estes, por sua vez, incitam ansiedades e receios irracionais ligados ao contacto com pessoas que estão ou que se pensa que estejam infectadas.

As outras pessoas tendem a afastar-se e/ou a discriminar as PVHS, pois segundo a percepção de um terço dos inquiridos as outras pessoas não compreendem como o HIV se transmite, daí o medo de se contaminarem através de contacto casual – como um abraço, ou a partilha da louça ou do mesmo espaço físico – e 12% considera que esse afastamento resulta da sociedade achar que ser seropositivo é vergonhoso e que como tal não se devem associar a PVHS.

Ainda uma percentagem de 9,2% dos respondentes considerou que as crenças religiosas ou o juízo “moral” levam também à discriminação das PVHS, pois embora a religião e a espiritualidade geralmente constituam uma fonte de conforto e consolação para as PVHS, os ensinamentos religiosos muitas vezes contribuem para a cultura de "culpa" as PVHS pela recriminação do sexo fora de regras.

RESTRIÇÕES NO ACESSO À HABITAÇÃO, EDUCAÇÃO, SERVIÇOS DE SAÚDE E TRABALHO É difícil determinar quando uma acção é motivada pelos preconceitos associados ao HIV ou influenciou determinadas atitudes, contudo o questionário permitiu recolher informação sobre as vivências e as percepções das próprias PVHS em relação à negação do acesso a determinados serviços ou postos devido à sua condição de PVHS.

Quase quatro em cada dez inquiridos considera que o seu estado de HIV (sozinho ou em parte) lhe restringiu o acesso ao trabalho, alojamento ou algum serviço social, nos últimos 12 meses que precederam o inquérito.

Particularmente, 14,5% dos respondentes considera que perdeu o emprego ou fonte de rendimento, sobretudo devido à conjugação de dois factores: a discriminação e a sua fraca condição de saúde; cerca de 6% dos inquiridos responderam ter sido forçados a mudar o seu local de residência, ou não puderam arrendar um local para acomodação; 5,4% reportaram ter sido, eles próprios ou os filhos – nem todos portadores do vírus –, despedidos, expulsos ou suspensos, pelo menos uma vez, nos últimos 12 meses, de uma instituição de ensino devido à sua condição de PVHS; e cerca de 3% das PVHS entrevistadas disseram ainda ter-lhes sido negados cuidados de saúde, nomeadamente serviços de planeamento familiar e serviços de saúde sexual e reprodutiva, no último ano, por causa da sua situação de HIV.

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INTERNALIZAÇÃO DO ESTIGMA A atitude e comportamento negativo dos que estão próximos são internalizados pelas PVHS resultando em sentimentos de vergonha, culpa, desespero e inutilidade, evocados por seis em cada dez PVHS entrevistadas.

A falta de auto-estima, o sentimento de culpa e o sentimento de vergonha revelaram-se sentimentos partilhados quer pelas mulheres quer pelos homens, embora em maior percentagem pelas mulheres, e em termos de idades, em maior percentagem pelos mais jovens e pelos mais velhos. ISOLAMENTO As PVHS têm propensão a isolar-se e autoexcluir-se da maioria das formas de interacção social mesmo dentro das suas casas. Isto é corroborado pela percentagem de 27,9% dos respondentes que evitaram participar em encontros sociais e 26% que afirmaram se ter isolado da própria família e/ou amigos, por causa do seu estado de pessoa vivendo com HIV.

Os dados recolhidos apontam também para uma tendência maior por parte das mulheres para se isolar ou conter de determinadas acções em função do seu estado de PVHS, nomeadamente de se afastar de convívios sociais, decidir não casar, decidir não ter (mais) filhos e ainda evitar deslocar-se a uma instituição de saúde quando preciso. VIOLAÇÃO DE DIREITOS E RECURSO A REPARAÇÃO LEGAL A ausência ou a fraca capacidade de apelar e aplicar a legislação para promover e proteger os direitos das PVHS cria um ambiente em que formas óbvias de preconceito e discriminação podem ser praticadas com impunidade.

De entre os entrevistados que disseram que os seus direitos foram violados durante o ano que precedeu o inquérito ou não têm a certeza (n=297), apenas 6,7% (n=20) procurou obter uma reparação legal.

O número de respondentes que viram os seus direitos violados, mas não agiram no sentido de obter uma reparação legal, não o fizeram por desconhecimento dos procedimentos, por se sentirem intimidados ou com medo de agir, ou pela falta de confiança de que desse um resultado positivo. Todavia estes números têm pouca expressão, sendo que a grande maioria das PVHS que se sentiram injustiçadas nem equacionaram a possibilidade de apelar à justiça.

FALTA DE SENSIBILIZAÇÃO PARA OS DIREITOS DAS PVHS O direito está a ser subutilizado na luta contra a estigmatização e pela afirmação dos direitos humanos das PVHS. Esta situação é exacerbada pela falta de sensibilização para os direitos das PVHS. Somente 39,9% dos inquiridos é que disse ter ouvido falar da lei 12/2009, lei que estabelece os direitos (e deveres) de PVHS em Moçambique. ASSOCIAÇÃO A GRUPOS/REDES DE APOIO Os dados revelaram grande desconhecimento, por parte das PVHS, dos grupos ou entidades de apoio que existem não só a nível nacional e internacional, como a nível local.

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Cerca de metade dos respondentes (52,4%) fazia parte de uma associação ou rede de apoio, número catapultado pela forma de selecção dos entrevistados deste estudo, feita parcialmente com base nas listas de filiados das associações-membro da RENSIDA. Ainda assim, cerca de um quarto do total dos respondentes afirmou não ter qualquer referência a grupos de apoio a que pudesse recorrer perante situações de estigma e discriminação associados ao HIV.

TESTE E DIAGNÓSTICO Para sete em cada dez entrevistados a decisão de serem testados foi pessoal e voluntária, já para dois em cada dez entrevistados a decisão de realizar o teste foi sua mas sob pressão de outros, enquanto os restantes, cerca de 10% dos inquiridos, foram coagidos a fazer o teste ou mesmo testados sem o seu consentimento. Para estes últimos as razões indicadas apontam com maior frequência para a referência por suspeita de sintomas relacionados ao HIV ou referência por clínicas de doenças sexualmente transmissíveis, situações de morte ou doença do parceiro ou membro da família, ou ainda casos durante a gravidez ou relacionados emprego.

No cômputo geral, cerca de 22% dos entrevistados já realizaram o teste referidos por suspeita de sintomas relacionados com o HIV, o que quer dizer que mais de um em cada cinco entrevistados só fizeram o teste já com o sistema imunológico debilitado e sintomas de infecções oportunistas e um quinto das mulheres entrevistadas apenas soube do seu estado serológico durante a gravidez. Como principais problemas identificados na fase do diagnóstico surge a falta de aconselhamento, o medo de se deslocarem aos centros de testagem sob pena de serem reconhecidos e consequentemente vítimas de estigma e discriminação e ainda a demora na obtenção dos resultados e a ansiedade de serem confrontados com o resultado.

REVELAÇÃO E CONFIDENCIALIDADE Observou-se que a maioria das PVHS (52,1% dos entrevistados) revela o seu estado de HIV pessoalmente ao marido/mulher/parceiro/a e aos outros familiares mais próximos, embora se registem também casos de PVHS que mantém ainda em segredo o seu estado serológico em relação ao marido/mulher ou actual companheiro. Além do núcleo familiar, os trabalhadores de acção social (42,5%), trabalhadores de cuidados de saúde (29,7%), outras PVHS (29,7%), professores (16,3%) e líderes comunitários (10,3%) são os grupos a que mais PVHS revelaram directamente a sua condição de HIV. Os amigos e vizinhos, por sua vez, na maior parte dos casos são informados por outras pessoas sem o consentimento dos entrevistados ou não sabem de nada e para as demais pessoas, nomeadamente do ambiente de trabalho, o assunto é encoberto. As pessoas mais próximas, parceiros e familiares, não têm reacções padrão perante a revelação, registando-se vários casos de apoio, mas também de indiferença e de discriminação. Os amigos e vizinhos são o grupo de pessoas que revelam uma atitude mais discriminatória. Os restantes grupos - colegas de trabalho, empregadores/chefes, clientes, professores, funcionários do governo e media - segmentam-se entre exemplos de apoio, indiferença e discriminação, mas com poucos casos de referência,

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pois o medo real de ser discriminado e que outras pessoas lhes chamem nomes ou os ostracizem faz com que as pessoas se sintam inibidas em revelar publicamente o seu estado de PVHS. TRATAMENTO No geral, as PVHS têm acesso e tomam medicamentos antiretrovirais. Os problemas identificados prendem-se sobretudo com a dificuldade em manter o tratamento, pela falta de alimentação adequada e transporte para os centros de saúde, e com as avarias constantes das máquinas, o que faz com que os pacientes não tenham a oportunidade de testarem a sua carga viral. TER FILHOS Uma parte representativa da amostra (35,9%; n=266) decidiu não ter mais filhos quando soube do seu estado serológico. Esta decisão pode derivar do receio de deixar os filhos órfãos porque pensam que vão morrer, ou de não ter condições para os sustentar dada a precariedade do nível de vida, ou ainda devido ao medo de transmitir o vírus ao bebé, o que nesse caso pode significar que as PVHS não estão bem informadas sobre as potencialidades da medicina, nomeadamente sobre a prevenção da transmissão vertical (PTV) (de mãe para filho) e a disponibilidade do tratamento. Além dos que tomaram esta decisão por si de forma voluntária, 15,9% do total dos inquiridos, homens e mulheres, disseram ter sido aconselhados por um profissional da saúde a não ter filhos por causa da sua condição de PVHS, 3,1% (78,3% mulheres) afirma mesmo ter sido coagido por um profissional de saúde a ser esterilizado depois do diagnóstico e 6,8% das mulheres (n=26) alegam ter sido coagidas por um profissional da saúde a interromperem uma gravidez.

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5. RECOMENDAÇÕES O valor do presente estudo não está apenas na contribuição para a compreensão do grau e forma do estigma e da discriminação relacionados com o HIV em Moçambique, mas igualmente na sua capacidade de estimular um processo de reflexão crítica e análise orientada para acção concertada dos diversos actores chave – designadamente, as próprias PVHS que são as principais vítimas, grupos/redes de apoio, ONGs, políticos, provedores de serviços, líderes de opinião e a comunidade em geral.

Neste capítulo, com base nos novos dados recolhidos, apresentam-se as principais recomendações direccionadas aos grupos e redes de apoio às PVHS, outras organizações sediadas em Moçambique, CNCS e governo, para que conjugado as suas capacidades e poderes complementares, se avance no combate ao estigma e discriminação associados ao HIV.

VISIBILIDADE DOS GRUPOS E REDES DE APOIO ÀS PVHS

As associações e redes de PVHS constituem uma fonte importante de apoio e solidariedade mútua, mais próximas das PVHS, que ajudam a aumentar a auto-estima e fortalecem a autoconfiança das PVHS. Todavia o grupo entrevistado manifestou um grande grau de desconhecimento sobre estas organizações de apoio e de advocacia dos direitos das PVHS, quer a nível nacional, quer mesmo a nível local. Merece portanto, antes de mais, ser encetado um trabalho de divulgação do trabalho destas associações (nomeadamente das 39 associações membro da RENSIDA espalhadas por todas as províncias do país). A divulgação e o contacto através das redes sociais virtuais seria um meio rápido e abrangente de chegar às PVHS.

AUMENTO DA VOZ E INFLUÊNCIA DA COMUNIDADE DE PVHS

Outra ideia potencialmente relevante é a de tentar fomentar mais métodos participativos, à semelhança da aplicação do presente estudo em que os entrevistadores eram também PVHS. As PVHS devem ser envolvidas no combate à epidemia e nos esforços envidados no combate ao estigma e a discriminação, nomeadamente através de grupos de autoajuda e partilha de experiências, dando voz aos problemas reais que enfrentam associados à doença.

PROTECÇÃO DOS ÓRFÃOS DE SIDA

O elevado número de órfãos de SIDA em Moçambique, além da acção preventiva sobre as PVHS para que o número de órfãos não aumente, é necessário assegurar alguma forma de segurança social – subsídios para as famílias que as acolhem ou instituições, que garantam o direito destes aos bens e serviços essenciais.

MAIS CAMPANHAS DE SENSIBILIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E PREVENÇÃO

Conforme prevê a lei moçambicana, impõe-se tomar medidas adequadas à exclusão, estigmatização, discriminação, e outras tendentes à protecção social e emocional das PVHS através de acções de educação e informação não viciada e fidedigna sobre HIV/SIDA.

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Remete-se também para a importância da produção de informação nas línguas locais e usando uma gama de formas não-verbais, incluindo rádio, música, televisão e outros, que cheguem facilmente a um maior número de pessoas e sobretudo àquelas que não têm a iniciativa de procurar a informação, por medo ou desconhecimento.

Dada a percentagem elevada de PVHS sexualmente activas é premente apostar em acções de divulgação e informação em concreto sobre a prática do sexo seguro (dirigida à população em geral e não apenas às PVHS).

Para desconstruir a associação feita frequentemente entre o HIV e comportamentos desviantes ou sentimentos de desvalor e inutilidade, devem-se encorajar as PVHS a darem testemunhos pessoais de um estilo de vida positivo, saudável e com dignidade.

DIAGNÓSTICO PRECOCE

Recomenda-se o reforço das triagens sorológicas de HIV/SIDA, uma vez que mais de dois em cada dez entrevistados apenas fizeram o teste e souberam do seu estado serológico quando foram encaminhados para clínicas por apresentarem sintomas de infecções oportunistas e portanto já com o sistema imunológico debilitado.

ANONIMATO NA TESTAGEM

É fundamental criar espaços de aconselhamento, teste e tratamento discretos, não segmentados para portadores do vírus. A testagem devia estar ao alcance de todos e de forma sigilosa, e em espaços apropriados, não porta-a-porta como sugerem os próprios entrevistados, mas em espaços de saúde não exclusivos a triagens e tratamentos para PVHS, que não deixem as pessoas preocupadas com a possibilidade de serem reconhecidas.

Além disso, recomenda-se a capacitação e formação contínua dos recursos humanos. Além dos espaços adequados, é necessário apostar na capacitação e formação contínua dos profissionais saúde, pois questões como a falta de sensibilidade de médicos e outros profissionais de saúde e as violações da confidencialidade, apesar de residuais, devem ser combatidas.

SENSIBILIZAÇÃO PARA OS DIREITOS E REFORÇO DOS MECANISMOS LEGAIS

Mesmo estando os direitos estabelecidos por lei, a grande maioria das pessoas não estão cientes dos direitos que lhes assistem ou não sabem na prática como os reclamar. Aumentar o conhecimento dos seus direitos e a sua capacidade de defendê-los ajudará a aumentar o estatuto das PVHS, reduzindo assim também o grau de estigma e discriminação na sociedade.

À semelhança do que se propõe para os serviços de saúde, para garantir maior sigilo e confidencialidade nos processo legais, a pessoa deveria ter mecanismos de reparação legal sem ser reconhecida, podendo, por exemplo, reclamar os seus direitos em tribunal sob um nome fictício ou um simples código identificativo, que substituíssem o registo do nome, de forma a evitar as violações de confidencialidade, mas sobretudo para colmatar os casos em que a pessoa se sente intimidada em recorrer aos serviços de justiça.

Além disso, poder-se-ia por em prática um serviço call centre (de chamadas gratuitas) para as PVHS ligarem, numa primeira fase, para reportarem as violações de direitos e receberem orientações de forma reservada e confidencial.

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Uma recomendação transversal a todos os actores é a necessidade de sublinhar o conceito da vida positiva. Algumas estratégias desenhadas para o combate à doença têm por vezes um efeito perverso no aumento do estigma e discriminação associados à doença. Neste sentido, deve-se procurar dar resposta ao HIV avaliando os impactos das iniciativas também em termos da mitigação do estigma. Uma acção simultânea de combate à doença e desmistificação do preconceito associado ao HIV trará resultados em escala, não só na redução do número de novas infecções, como também no aumento do número de PVHS em tratamento e vivendo de forma positiva, regrada e saudável.

SENSIBILIZAÇÃO DOS LÍDERES RELIGIOSOS, ESCOLAS E MEDIA

Os líderes religiosos, professores, jornalistas ou figuras públicas, todos exercem uma enorme influência sobre o que as pessoas pensam e os ensinamentos religiosos, o currículo escolar e a comunicação social muitas vezes agravam o problema de estigma e discriminação, pelo tipo de mensagens que difundem quando associam as PVHS a ideias de reprovação ou desvalor. Assim, estes grupos, que têm a capacidade para suscitar mudanças e consciencializar os outros, devem também ser alvo de acções de sensibilização e formação, incluindo a orientação em relação aos termos aceites ao se referirem às PVHS.

MONITORIA E AVALIAÇÃO

Por fim, como o CNCS já vem fazendo, deve-se avaliar o alcance e impactos das iniciativas e sobretudo expandir os indicadores relevantes multidimensionais (que englobem questões que permitam medir a evolução no combate ao estigma e discriminação) – indicadores de saúde positiva, dignidade e prevenção.

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