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Informativo 599-STJ (11/04/2017) Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CIVIL CAPITALIZAÇÃO DE JUROS A capitalização de juros, seja qual for a sua periodicidade, somente será considerada válida se estiver expressamente pactuada no contrato. RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil do incapaz pela reparação dos danos é subsidiária, condicional, mitigada e equitativa. A vítima de um ato ilícito praticado por menor pode propor a ação somente contra o pai do garoto, não sendo necessário incluir o adolescente no polo passivo. Não há como afastar a responsabilização do pai do filho menor simplesmente pelo fato de que ele não estava fisicamente ao lado de seu filho no momento da conduta. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo DL 911/69. USUCAPIÃO O art. 12, § 2º do Estatuto da Cidade estabelece uma presunção relativa de que o autor da ação de usucapião especial urbana é hipossuficiente. DIREITOS AUTORAIS Na antiga Lei de Direitos Autorais, o contrato de cessão de direitos precisava ser averbado à margem do registro para que pudesse ter eficácia contra terceiros. ALIMENTOS O devedor de alimentos, executado sob a ameaça de prisão, pode comprovar a impossibilidade de pagamento por meio de testemunhas? DIREITO DO CONSUMIDOR ACESSIBILIDADE Logo depois de ter sido publicada a Lei 10.098/2000 as empresas de transporte coletivo já tinham o dever de adaptar seus veículos para pessoas com deficiência. PLANO DE SAÚDE Ex-empregado demitido sem justa causa tem direito de permanecer vinculado ao plano de saúde em que se encontrava antes da demissão com as mesmas condições de valor. DIREITO DE VISITAS É possível a fixação de astreintes para forçar a genitora que está com a guarda da criança a respeitar o direito de visita do pai.

ÍNDICE - dizerodireitodotnet.files.wordpress.com · O que é proibida, como regra, é a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Ex: Ex: capitalização mensal

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Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CIVIL

CAPITALIZAÇÃO DE JUROS A capitalização de juros, seja qual for a sua periodicidade, somente será considerada válida se estiver

expressamente pactuada no contrato. RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil do incapaz pela reparação dos danos é subsidiária, condicional, mitigada e equitativa. A vítima de um ato ilícito praticado por menor pode propor a ação somente contra o pai do garoto, não sendo

necessário incluir o adolescente no polo passivo. Não há como afastar a responsabilização do pai do filho menor simplesmente pelo fato de que ele não estava

fisicamente ao lado de seu filho no momento da conduta. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos

pelo DL 911/69. USUCAPIÃO O art. 12, § 2º do Estatuto da Cidade estabelece uma presunção relativa de que o autor da ação de usucapião

especial urbana é hipossuficiente. DIREITOS AUTORAIS Na antiga Lei de Direitos Autorais, o contrato de cessão de direitos precisava ser averbado à margem do registro

para que pudesse ter eficácia contra terceiros. ALIMENTOS O devedor de alimentos, executado sob a ameaça de prisão, pode comprovar a impossibilidade de pagamento por

meio de testemunhas?

DIREITO DO CONSUMIDOR

ACESSIBILIDADE Logo depois de ter sido publicada a Lei 10.098/2000 as empresas de transporte coletivo já tinham o dever de

adaptar seus veículos para pessoas com deficiência. PLANO DE SAÚDE Ex-empregado demitido sem justa causa tem direito de permanecer vinculado ao plano de saúde em que se

encontrava antes da demissão com as mesmas condições de valor. DIREITO DE VISITAS É possível a fixação de astreintes para forçar a genitora que está com a guarda da criança a respeitar o direito de

visita do pai.

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DIREITO EMPRESARIAL

PROPRIEDADE INDUSTRIAL Possibilidade de o INPI analisar as cláusulas dos contratos de transferência de tecnologia que são submetidos a

seu registro.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA É de competência do domicílio do réu a ação pretendendo declarar a violação de direito autoral e cobrar

indenização decorrente deste fato.

JUSTIÇA GRATUITA O art. 12, § 2º do Estatuto da Cidade estabelece uma presunção relativa de que o autor da ação de usucapião

especial urbana é hipossuficiente.

TÍTULOS EXECUTIVOS Acordo de reparação de danos feito no bojo da suspensão condicional do processo é título executivo judicial.

DIREITO PENAL

PERDA DO CARGO A pena de perdimento deve ser restrita ao cargo ocupado no momento do delito, salvo se o novo cargo tiver

relação com as atribuições anteriores.

ESTATUTO DO DESARMAMENTO Portar granada de gás lacrimogêneo ou de pimenta não configura crime do Estatuto do Desarmamento.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE Adicional de periculosidade não deve integrar complementação de aposentadoria dos ex-ferroviários da RFFSA.

DIREITO CIVIL

CAPITALIZAÇÃO DE JUROS A capitalização de juros, seja qual for a sua periodicidade, somente será

considerada válida se estiver expressamente pactuada no contrato

A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação.

Isso significa que a capitalização de juros, seja qual for a sua periodicidade (anual, semestral, mensal), somente será considerada válida se estiver expressamente pactuada no contrato. A pactuação da capitalização dos juros é sempre exigida, inclusive para a periodicidade anual. O art. 591 do Código Civil permite a capitalização anual, mas não determina a sua aplicação automaticamente. Não é possível a incidência da capitalização sem previsão no contrato.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.388.972-SC, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 8/2/2017 (recurso repetitivo) (Info 599).

JUROS CAPITALIZADOS A capitalização de juros, também chamada de anatocismo, ocorre quando os juros são calculados sobre os próprios juros devidos. Outras denominações para “capitalização de juros”: “juros sobre juros”, “juros compostos” ou “juros frugíferos”. Normalmente, os juros capitalizados estão presentes nos contratos de financiamento bancário.

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Carlos Roberto Gonçalves explica melhor: “O anatocismo consiste na prática de somar os juros ao capital para contagem de novos juros. Há, no caso, capitalização composta, que é aquela em que a taxa de juros incide sobre o capital inicial, acrescido dos juros acumulados até o período anterior. Em resumo, pois, o chamado ‘anatocismo’ é a incorporação dos juros ao valor principal da dívida, sobre a qual incidem novos encargos.” (Direito Civil Brasileiro. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 409). CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS A capitalização de juros foi vedada no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 22.626/33 (Lei de Usura), cujo art. 4º estabeleceu:

Art. 4º É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.

O STJ entende que a ressalva prevista na segunda parte do art. 4º (a parte em cinza) significa que a Lei de Usura permite a capitalização anual. Em outras palavras, a Lei de Usura:

Proibiu a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano (ex: capitalização mensal de juros);

Permitiu a capitalização anual de juros. O CC-1916 (art. 1.262) e o CC-2002 também permitem a capitalização anual:

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.

Desse modo, a capitalização anual sempre foi PERMITIDA (para todos os contratos). Vale ressaltar que, mesmo sendo permitida por lei, a capitalização anual de juros precisa estar expressamente pactuada, ou seja, prevista no contrato. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO Como vimos, a capitalização de juros por ano é permitida, seja para contratos bancários ou não-bancários. O que é proibida, como regra, é a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Ex: capitalização mensal de juros (ou seja, a cada mês incidem juros sobre os juros). A capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano (ex: capitalização mensal de juros) é proibida também para os bancos? NÃO. A MP n.º 1.963-17, editada em 31 de março de 2000, permitiu às instituições financeiras a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

Em suma, é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos BANCÁRIOS celebrados após 31 de março de 2000, data da publicação da MP 1.963-17/2000 (atual MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.

Veja a redação da MP 2.170-36/2001:

Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

O STJ sumulou seu entendimento sobre a matéria:

Súmula 539-STJ: É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP 1.963-17/00, reeditada como MP 2.170-36/01), desde que expressamente pactuada.

Desse modo, os bancos podem fazer a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano, desde que expressamente pactuada.

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Legislação especial pode autorizar a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano para outras atividades É possível a cobrança de juros sobre juros quando existente autorização em lei especial e desde que este encargo tenha sido expressamente pactuado. Ex: Decretos-lei nº 167/67 e 413/69 e a Lei nº 6840/80, que disciplinam as cédulas de crédito rural, industrial e comercial. Nesse sentido:

Súmula 93-STJ: A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros.

A CAPITALIZAÇÃO SOMENTE É VÁLIDA SE HOUVER EXPRESSA PACTUAÇÃO Conforme estudamos acima, a Lei de Usura e Código Civil permitiram expressamente a capitalização anual de juros. Veja novamente a redação do CC:

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.

Como o art. 591 fala que os juros são presumidos no contrato de mútuo com fins econômicos, surgiu a tese de que no caso de mútuo com capitalização anual de juros não seria necessário que essa capitalização estivesse expressamente prevista no contrato. Assim, seria permitida a capitalização anual mesmo que o contrato não estipulasse essa possibilidade textualmente. Essa tese foi acolhida pela jurisprudência? NÃO. A pactuação da capitalização dos juros é sempre exigida, inclusive para a periodicidade anual. Assim, não é possível a incidência automática da capitalização dos juros. O art. 591 do Código Civil permite a capitalização anual, mas não determina a sua aplicação automaticamente. Quando ele fala que se presumem os juros, são os juros remuneratórios incidentes sobre o mútuo feneratício, ou seja, aqueles recebidos pelo mutuante como compensação pela privação do capital emprestado. São juros simples. Em caso de capitalização, isso deverá ser feito de forma expressa no pacto.

O STJ analisou o tema sob a sistemática do recurso repetitivo e resumiu o entendimento com a seguinte tese:

A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação. STJ. 2ª Seção. REsp 1.388.972-SC, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 8/2/2017 (recurso repetitivo) (Info 599).

Isso significa que a capitalização de juros, seja qual for a sua periodicidade (anual, semestral, mensal), somente será considerada válida se estiver expressamente pactuada (prevista) no contrato. Necessidade de analisar o contrato firmado Como consequência disso, para que o mutuante (quem emprestou o dinheiro) possa provar que ele tem direito de cobrar juros capitalizados, ele precisará juntar aos autos cópia do contrato celebrado com o mutuário demonstrando, assim, que a capitalização foi expressamente prevista no ajuste. Não sendo juntado o contrato, deverá o juiz levar em consideração os juros legais (juros simples):

(...) 4. Ausente a cópia do contrato por omissão imputável à instituição financeira, de modo a impedir a aferição do percentual ajustado e da própria existência de pactuação, impõe-se observar o critério legalmente estabelecido. 5. No período anterior à vigência do novo Código Civil, os juros de mora são devidos à taxa de 0,5% ao mês (art. 1.062 do CC/1916); após 10/1/2003, devem incidir segundo os ditames do art. 406 do Código Civil de 2002, observado o limite de 1% imposto pela Súmula nº 379/STJ, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1431572/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 07/06/2016.

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USUCAPIÃO O art. 12, § 2º do Estatuto da Cidade estabelece uma presunção relativa de que o autor da ação de usucapião especial urbana é hipossuficiente

Importante!!!

O Estatuto da Cidade, ao tratar sobre a ação de usucapião especial urbana, prevê que "o autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis."

Isso significa que o autor da ação de usucapião especial urbana gozará sempre da gratuidade da justiça? Há uma presunção absoluta de que este autor não tem recursos suficientes para pagar as custas? NÃO.

O art. 12, § 2º da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) estabelece uma presunção relativa de que o autor da ação de usucapião especial urbana é hipossuficiente. Isso significa que essa presunção pode ser ilidida (refutada) a partir da comprovação inequívoca de que o autor não é considerado "necessitado".

STJ. 3ª Turma. REsp 1.517.822-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/2/2017 (Info 599).

Vide comentários em Direito Processual Civil.

RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil do incapaz pela reparação dos danos

é subsidiária, condicional, mitigada e equitativa

A vítima de um ato ilícito praticado por menor pode propor a ação somente contra o pai do garoto, não sendo necessário incluir o adolescente no polo passivo

Não há como afastar a responsabilização do pai do filho menor simplesmente pelo fato de que ele não estava fisicamente ao lado de seu filho no momento da conduta

Importante!!!

A responsabilidade civil do incapaz pela reparação dos danos é subsidiária, condicional, mitigada e equitativa

Os incapazes (ex: filhos menores), quando praticarem atos que causem prejuízos, terão responsabilidade subsidiária, condicional, mitigada e equitativa, nos termos do art. 928 do CC.

Subsidiária: porque apenas ocorrerá quando os seus genitores não tiverem meios para ressarcir a vítima.

Condicional e mitigada: porque não poderá ultrapassar o limite humanitário do patrimônio mínimo do infante.

Equitativa: tendo em vista que a indenização deverá ser equânime, sem a privação do mínimo necessário para a sobrevivência digna do incapaz.

A responsabilidade dos pais dos filhos menores será substitutiva, exclusiva e não solidária.

A vítima de um ato ilícito praticado por menor pode propor a ação somente contra o pai do garoto, não sendo necessário incluir o adolescente no polo passivo

Em ação indenizatória decorrente de ato ilícito, não há litisconsórcio necessário entre o genitor responsável pela reparação (art. 932, I, do CC) e o menor causador do dano.

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É possível, no entanto, que o autor, por sua opção e liberalidade, tendo em conta que os direitos ou obrigações derivem do mesmo fundamento de fato ou de direito, intente ação contra ambos – pai e filho –, formando-se um litisconsórcio facultativo e simples.

Ex: Lucas, 15 anos de idade, brincava com a arma de fogo de seu pai e, por imprudência, acabou acertando um tiro em Vítor, que ficou ferido, mas sobreviveu. Vítor ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra João (pai de Lucas). Não era necessário que Vítor propusesse a ação contra João e Lucas, em litisconsórcio. Vale a pena esclarecer, no entanto, que seria plenamente possível que o autor (vítima) tivesse, por sua opção e liberalidade, ajuizado a ação contra ambos (pai e filho). Neste caso, teríamos uma hipótese de litisconsórcio: facultativo e simples.

Não há como afastar a responsabilização do pai do filho menor simplesmente pelo fato de que ele não estava fisicamente ao lado de seu filho no momento da conduta

O art. 932 do CC prevê que os pais são responsáveis pela reparação civil em relação aos atos praticados por seus filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.

O art. 932, I do CC, ao se referir à autoridade e companhia dos pais em relação aos filhos, quis explicitar o poder familiar (a autoridade parental não se esgota na guarda), compreendendo um plexo de deveres, como proteção, cuidado, educação, informação, afeto, dentre outros, independentemente da vigilância investigativa e diária, sendo irrelevante a proximidade física no momento em que os menores venham a causar danos.

Em outras palavras, não há como afastar a responsabilização do pai do filho menor simplesmente pelo fato de que ele não estava fisicamente ao lado de seu filho no momento da conduta.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.436.401-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/2/2017 (Info 599).

Obs: cuidado com o REsp 1.232.011-SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/12/2015 (Info 575), precedente em sentido um pouco diverso envolvendo uma mãe que morava em outra cidade.

Imagine a seguinte situação hipotética: Lucas, 15 anos de idade, brincava com a arma de fogo de seu pai e, por imprudência, acabou acertando um tiro em Vítor, que ficou ferido, mas sobreviveu. Vítor ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra João (pai de Lucas). O juiz julgou procedente a demanda, condenando João a pagar R$ 50 mil a título de indenização. João recorreu invocando dois argumentos: 1º) Aduziu que o processo teria sido nulo pela falta de formação de litisconsórcio necessário. Segundo alegou o condenado, a ação deveria ter sido proposta contra ele (pai) e contra seu filho (Lucas), tendo em vista que, com o advento do Código Civil de 2002, ficou estabelecida a possibilidade do incapaz responder pelos seus próprios atos quando as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes, nos termos do art. 928, do CC, sendo, por conseguinte, indispensável a citação de Lucas para integrar a relação jurídica processual. Veja o dispositivo legal:

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

Desse modo, o recorrente sustentou que a responsabilidade pela indenização seria solidária entre o menor causador do dano e o seu pai ou responsável. Por isso, a ação deveria ter sido proposta obrigatoriamente contra ambos.

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2º) Sustentou que, nos termos do art. 932, I, do CC, os pais só respondem civilmente pelos atos praticados por seus filhos quando estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. No caso concreto, João argumentou que Lucas não estava na sua companhia, uma vez que ele havia saído de casa para trabalhar quando, então, o filho pegou a arma e foi brincar com ela na casa de Vítor. Assim, João alegou que, condená-lo nesta situação, seria uma forma de responsabilidade objetiva, o que não é admitida no caso. Tese 1. O primeiro argumento de João foi aceito pelo STJ? Se um menor comete ato ilícito, ele responderá solidariamente com seus pais ou responsáveis? NÃO. De fato, em regra, o art. 932 do Código Civil traz hipóteses de responsabilidade solidária. Assim, as pessoas mencionadas nos incisos deste artigo respondem solidariamente com o causador do dano. Isso está previsto expressamente no caput do art. 932 e no parágrafo único do art. 942. Veja:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: (...)

Art. 942. (...) Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.

Assim, por exemplo, se o empregado pratica um ato ilícito, podemos dizer que haverá uma responsabilidade solidária entre o empregado (causador do dano) e o empregador, nos termos do art. 932, III:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

Ocorre que o caso dos incapazes é uma exceção a essa regra. Se o ato ilícito foi praticado por um incapaz, o responsável por ele irá responder de forma principal e o incapaz terá apenas responsabilidade subsidiária e mitigada. Essa diferença de tratamento está prevista no art. 928 do CC:

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

Veja que o art. 928 afirma que o incapaz somente responderá se as pessoas por ele responsáveis:

não tiverem obrigação de fazê-lo; ou

não dispuserem de meios suficientes Desse modo, não é certo dizer que o incapaz responde de forma solidária. Ele responde de modo subsidiário. Isso porque seu patrimônio só servirá para pagar a indenização se ocorrer alguma das duas situações acima listadas. Além disso, o incapaz não irá responder se, ao pagar a indenização, isso ocasionar uma perda em seu patrimônio que gere uma privação de recursos muito grande, prejudicando sua subsistência ou das pessoas que dele dependam (parágrafo único do art. 928). Perceba, portanto, que o art. 928 excepciona a regra da responsabilidade solidária trazida pelos arts. 932 e 942, parágrafo único. O art. 928 é regra especial em relação aos demais, cuidando especificamente da situação peculiar dos incapazes, ficando o art. 942, parágrafo único, responsável por normatizar todas as demais hipóteses do art. 932.

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José Fernando Simão corrobora esta ideia: "O artigo 942, parágrafo único, do Código Civil, deve ser lido da seguinte maneira: são solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no artigo 932, salvo se o causador do dano for pessoa absoluta ou relativamente incapaz, hipótese em que a responsabilidade dos incapazes é subsidiária." (SIMÃO, José Fernando. Responsabilidade civil do incapaz. São Paulo: Atlas, 2008, p. 228).

Por isso, pode-se concluir dizendo que:

Os incapazes (ex: filhos menores), quando praticarem atos que causem prejuízos, terão responsabilidade subsidiária, condicional, mitigada e equitativa, nos termos do art. 928 do CC. É subsidiária porque apenas ocorrerá quando os seus genitores não tiverem meios para ressarcir a vítima. É condicional e mitigada porque não poderá ultrapassar o limite humanitário do patrimônio mínimo do infante. Deve ser equitativa, tendo em vista que a indenização deverá ser equânime, sem a privação do mínimo necessário para a sobrevivência digna do incapaz. A responsabilidade dos pais dos filhos menores será substitutiva, exclusiva e não solidária. STJ. 4ª Turma. REsp 1.436.401-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/2/2017 (Info 599).

Diante do exposto, não há obrigação nenhuma da vítima lesada de propor a ação em litisconsórcio contra o responsável e o incapaz. Não há litisconsórcio necessário neste caso. Logo, não houve nulidade do processo. A título de curiosidade, vale a pena esclarecer que seria plenamente possível que o autor (vítima) tivesse, por sua opção e liberalidade, ajuizado a ação contra ambos (pai e filho). Neste caso, teríamos uma hipótese de litisconsórcio:

facultativo: não há nada (seja a lei ou a relação jurídica) que obrigue sua formação, decorrendo ela da conveniência da parte.

simples: porque a decisão não seria necessariamente idêntica para o incapaz e seu responsável. A vantagem de o autor propor contra os dois seria para o caso de ele já saber que o responsável pelo incapaz não possui patrimônio suficiente e que o próprio incapaz detém bens, em seu nome, que poderiam servir para custear a indenização. Trata-se de hipótese rara na prática, mas possível. Neste caso, o autor faria dois pedidos: o primeiro para que haja a condenação do responsável pelo incapaz a reparar o dano; o segundo pedido seria subsidiário, ou seja, na hipótese de o responsável pelo incapaz não ter a obrigação de indenizar ou não ter meios para isso, pede-se a condenação do próprio incapaz. Resumindo:

Em ação indenizatória decorrente de ato ilícito, não há litisconsórcio necessário entre o genitor responsável pela reparação (art. 932, I, do CC) e o menor causador do dano. É possível, no entanto, que o autor, por sua opção e liberalidade, tendo em conta que os direitos ou obrigações derivem do mesmo fundamento de fato ou de direito, intente ação contra ambos – pai e filho –, formando-se um litisconsórcio facultativo e simples. STJ. 4ª Turma. REsp 1.436.401-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/2/2017 (Info 599).

Tese 2. O segundo argumento foi aceito? Para que o pai responda, é necessário que ele esteja junto com o filho menor no momento do ato ilícito? NÃO. Relembre a redação do art. 932, I, do CC:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

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A doutrina e a jurisprudência afirmam que o legislador não foi muito feliz quando utilizou a expressão “em sua companhia”. Assim, deve-se evitar, neste caso, a interpretação literal e os pais irão responder mesmo que eles não estejam presentes no momento do ato causador do dano. Confira:

"(...) não se trata de proximidade física no momento do dano. Mesmo que o menor, em viagem, cause danos a terceiros, tais danos estão sob o amparo do dispositivo em questão. Seria absurdamente contrário à teleologia da norma responsabilizar apenas os pais pelos danos que os filhos causem 'ao lado' deles. Não é essa, decerto, a interpretação possível do dispositivo em questão. Cabe aos pais contribuir para a formação dos hábitos e comportamentos dos filhos, e isso se reflete, de modo sensível, quando os menores estão fora do lar, e não se encontram sob a proteção direta deles, e nem haja fiscalização familiar. É irrelevante, portanto, para a incidência da norma, a proximidade física dos pais, no momento em que os menores causam danos" (FARIAS, Cristiano. Novo tratado de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 604)

Resumindo o entendimento do STJ neste julgado:

O art. 932 do CC prevê que os pais são responsáveis pela reparação civil em relação aos atos praticados por seus filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. O art. 932, I do CC, ao se referir à autoridade e companhia dos pais em relação aos filhos, quis explicitar o poder familiar (a autoridade parental não se esgota na guarda), compreendendo um plexo de deveres, como proteção, cuidado, educação, informação, afeto, dentre outros, independentemente da vigilância investigativa e diária, sendo irrelevante a proximidade física no momento em que os menores venham a causar danos. Em outras palavras, não há como afastar a responsabilização do pai do filho menor simplesmente pelo fato de que ele não estava fisicamente ao lado de seu filho no momento da conduta. STJ. 4ª Turma. REsp 1.436.401-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/2/2017 (Info 599).

PRECEDENTE EM SENTIDO UM POUCO DIVERSO ENVOLVENDO UMA MÃE QUE MORAVA EM OUTRA CIDADE Vimos no julgado acima que, mesmo o pai não estando presente no momento do ato ilícito, ele responderá civilmente, nos termos do art. 932, I, do CC. Deve-se chamar atenção, no entanto, para um outro precedente envolvendo um ato ilícito praticado por menor, sendo que sua mãe residia em outro Município.

A situação foi a seguinte: Antônio e Jussara foram casados e tiveram um filho (Tiago). O casal se divorciou. Tiago ficou morando com o pai em Florianópolis e Jussara mudou-se para Curitiba. Vale ressaltar que, mesmo morando em Curitiba, Jussara continuou detendo poder familiar sobre o filho. Determinado dia, Tiago, com 17 anos, aproveitou-se do fato de que o pai havia saído de casa e pegou o carro escondido, sem autorização, para dar uma volta. Durante o passeio acabou atropelando Carla, que sofreu vários ferimentos.

Carla poderá cobrar indenização de Antônio pelos danos a ela causados por seu filho? O pai do autor do ilícito tem responsabilidade civil neste caso mesmo ele não estando presente no momento do fato? SIM, nos termos do art. 932, I, do Código Civil. Antônio não poderá isentar-se da responsabilidade alegando que não teve culpa. Isso porque a responsabilidade civil nos casos do art. 932 do CC é objetiva (independentemente de culpa). Veja:

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

A responsabilidade por ato de terceiro (art. 932) é objetiva, sendo também chamada de responsabilidade indireta ou complexa. Nesse sentido:

Enunciado 451-CJF: Arts. 932 e 933. A responsabilidade civil por ato de terceiro funda-se na responsabilidade objetiva ou independente de culpa, estando superado o modelo de culpa presumida.

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Assim, as pessoas arroladas no art. 932 responderão sem que se discuta se tiveram ou não culpa. A vítima precisará, contudo, provar a culpa do causador direto do dano. E Jussara, mãe do adolescente, que morava em outra cidade, poderá ser responsabilizada neste caso? NÃO.

A mãe que, à época de acidente provocado por seu filho menor de idade, residia permanentemente em local distinto daquele no qual morava o menor - sobre quem apenas o pai exercia autoridade de fato - não pode ser responsabilizada pela reparação civil advinda do ato ilícito, mesmo considerando que ela não deixou de deter o poder familiar sobre o filho. STJ. 3ª Turma. REsp 1.232.011-SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/12/2015 (Info 575).

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos

de alienação fiduciária em garantia regidos pelo DL 911/69

Importante!!!

Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei 911/69.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.622.555-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/2/2017 (Info 599).

TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL Em um contrato, se uma parte descumpre a sua obrigação, a parte credora terá, em regra, duas opções: 1) poderá exigir o cumprimento da prestação que não foi adimplida; ou 2) pedir a resolução (“desfazimento”) do contrato. Além disso, tanto em um caso como no outro, ela poderá também pedir o pagamento de eventuais perdas e danos que comprove ter sofrido. Isso está previsto no art. 475 do Código Civil:

Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

A teoria do adimplemento substancial tem por objetivo mitigar o que foi explicado acima. Segundo essa teoria, se a parte devedora cumpriu quase tudo que estava previsto no contrato (ex: eram 48 prestações, e ela pagou 46), então, neste caso, a parte credora não terá direito de pedir a resolução do contrato porque, como faltou muito pouco, o desfazimento do pacto seria uma medida exagerada, desproporcional, injusta e violaria a boa-fé objetiva. Desse modo, havendo adimplemento substancial (adimplemento de grande parte do contrato), o credor teria apenas uma opção: exigir do devedor o cumprimento da prestação (das prestações) que ficou (ficaram) inadimplida(s) e pleitear eventual indenização pelos prejuízos que sofreu. Veja o clássico conceito de Clóvis do Couto e Silva: Adimplemento substancial “constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)" (O Princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português in Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português. São Paulo: RT, 1980, p. 56).

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A origem desta teoria remonta o Direito Inglês do séc. XVIII, tendo lá recebido o nome de "substancial performance". A teoria do adimplemento substancial é acolhida pelo STJ? SIM. Existem julgados adotando expressamente a teoria. Vale ressaltar, no entanto, que seu uso não pode ser banalizado a ponto de inverter a lógica jurídica de extinção das obrigações. O “normal” que as partes esperam legitimamente é que os contratos sejam cumpridos de forma integral e regular. Diante disso, a fim de que haja critérios, o STJ afirma que são necessários três requisitos para a aplicação da teoria: a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários. STJ. 4ª Turma. REsp 1581505/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 18/08/2016. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Conceito “A alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a propriedade de um determinado bem, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo: Método, 2012, p. 565). Regramento

O Código Civil de 2002 trata de forma genérica sobre a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368-B. Existem, no entanto, leis específicas que também regem o tema: • alienação fiduciária envolvendo bens imóveis: Lei nº 9.514/97; • alienação fiduciária de bens móveis no âmbito do mercado financeiro e de capitais: Lei nº 4.728/65 e Decreto-Lei nº 911/69. É o caso, por exemplo, de um automóvel comprado por meio de financiamento bancário com garantia de alienação fiduciária. Nas hipóteses em que houver legislação específica, as regras do CC-2002 aplicam-se apenas de forma subsidiária:

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial.

Resumindo:

Alienação fiduciária de bens MÓVEIS fungíveis e

infungíveis quando o credor fiduciário for instituição

financeira

Alienação fiduciária de bens MÓVEIS infungíveis

quando o credor fiduciário for pessoa natural ou jurídica (sem

ser banco)

Alienação fiduciária de bens IMÓVEIS

Lei nº 4.728/65 Decreto-Lei nº 911/69

Código Civil de 2002 (arts. 1.361 a 1.368-A)

Lei nº 9.514/97

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INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL À ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA REGIDA PELO DL 911/69

A espécie mais comum de alienação fiduciária é a de automóveis, que é regida pelo Decreto-Lei nº 911/69. Ex: Antônio quer comprar um carro de R$ 30 mil, mas somente possui R$ 10 mil. Antônio procura o Banco “X”, que celebra com ele contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária. Assim, o Banco “X” empresta R$ 20 mil a Antônio, que compra o veículo. Como garantia do pagamento do empréstimo, a propriedade resolúvel do carro ficará com o Banco “X” e a posse direta com Antônio. Em outras palavras, Antônio ficará andando com o carro, mas, no documento, a propriedade do automóvel é do Banco “X” (constará: “alienado fiduciariamente ao Banco X”). Diz-se que o banco tem a propriedade resolúvel porque, uma vez pago o empréstimo, a propriedade do carro pelo banco “resolve-se” (acaba) e o automóvel passa a pertencer a Antônio. Antônio financiou o veículo em 48 prestações. Após pagar 44 parcelas, ele ficou desempregado e não conseguiu arcar com as 4 últimas prestações. O que acontece em caso de inadimplemento do mutuário (em nosso exemplo, Antônio)? Havendo mora por parte do mutuário, deverá ser adotado o procedimento previsto no DL 911/69: Notificação do devedor O credor deverá fazer a notificação extrajudicial do devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora. Essa notificação é indispensável para que o credor possa ajuizar ação de busca e apreensão. Confira:

Súmula 72-STJ: A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente.

Como é feita a notificação do devedor? Essa notificação precisa ser realizada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos? NÃO. Essa notificação é feita por meio de carta registrada com aviso de recebimento. Logo, não precisa ser realizada por intermédio do Cartório de RTD. O aviso de recebimento da carta (AR) precisa ser assinado pelo próprio devedor? NÃO. Não se exige que a assinatura constante do aviso de recebimento seja a do próprio destinatário (§ 2º do art. 2º do DL 911/69). Para a constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, é suficiente que seja entregue no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente. Ajuizamento da ação de busca e apreensão Após comprovar a mora, o mutuante (Banco “X”) poderá ingressar com uma ação de busca e apreensão requerendo que lhe seja entregue o bem (art. 3º do DL 911/69). Essa busca e apreensão prevista no DL 911/69 é uma ação especial autônoma e independente de qualquer procedimento posterior. Concessão da liminar O juiz concederá a busca e apreensão de forma liminar (sem ouvir o devedor), desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor (art. 3º do DL 911/69). Possibilidade de pagamento integral da dívida No prazo de 5 dias após o cumprimento da liminar (apreensão do bem), o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus (§ 2º do art. 3º do DL 911/69). Veja o dispositivo legal:

Art. 3º (...) § 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes,

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quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931/2004) § 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931/2004)

O que se entende por “integralidade da dívida pendente”? Todo o débito. Segundo decidiu o STJ, a Lei nº 10.931/2004, que alterou o DL 911/69, não mais faculta ao devedor a possibilidade de purgação de mora, ou seja, não mais permite que ele pague somente as prestações vencidas. Para que o devedor fiduciante consiga ter o bem de volta, ele terá que pagar a integralidade da dívida, ou seja, tanto as parcelas vencidas quanto as vincendas (mais os encargos), no prazo de 5 dias após a execução da liminar. Em nosso exemplo, Antônio terá que pagar, em 5 dias, as 4 parcelas restantes. O devedor purga a mora quando ele oferece ao credor as prestações que estão vencidas e mais o valor dos prejuízos que este sofreu (art. 401, I, do CC). Nesse caso, purgando a mora, o devedor consegue evitar as

consequências do inadimplemento. Ocorre que na alienação fiduciária em garantia, a Lei n. 10.931/2004 passou a não mais permitir a purgação da mora. Vale ressaltar que o tema acima foi decidido em sede de recurso repetitivo, tendo o STJ firmado a seguinte conclusão, que será aplicada em todos os processos semelhantes:

Nos contratos firmados na vigência da Lei 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária. STJ. 2ª Seção. REsp 1.418.593-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/5/2014 (recurso repetitivo) (Info 540).

Feita esta breve revisão, voltemos ao nosso exemplo: O Banco enviou notificação extrajudicial para Antônio informando que ele se encontrava em débito (Súmula 72-STJ), mas este não fez a purgação da mora. Diante disso, a instituição financeira ingressou com ação de busca e apreensão requerendo a entrega do bem, conforme autoriza o art. 3º do DL 911/69:

Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário.

O juiz concedeu a liminar e o automóvel saiu da posse de Antônio e foi entregue ao Banco. Resposta do devedor O devedor fiduciante apresentou, então, resposta (uma espécie de contestação) prevista no § 3º do art. 3º do DL 911/69. Nesta defesa apresentada pelo devedor, ele pediu a aplicação da teoria do adimplemento substancial, afirmando que cumpriu quase todas as prestações (cumpriu 91,66% do contrato). Logo, a determinação de tomar o veículo, resolvendo o contrato, seria uma medida desproporcional. Argumentou que o banco deveria ter ingressado com ação cobrando as quatro últimas parcelas que não foram pagas. A tese do devedor foi aceita pelo STJ? É possível a aplicação da teoria do adimplemento substancial para a alienação fiduciária regida pelo DL 911/69? NÃO.

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Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei 911/69. STJ. 2ª Seção. REsp 1.622.555-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/2/2017 (Info 599).

Conforme vimos acima, devidamente comprovada a mora ou o inadimplemento, o DL 911/69 autoriza que o credor fiduciário possa se valer da ação de busca e apreensão, sendo irrelevante examinar quantas parcelas já foram pagas ou estão em aberto. Além disso, o art. 3º, § 2º do DL 911/69 prevê que o bem somente poderá ser restituído ao devedor se ele pagar, no prazo de 5 dias, a integralidade da dívida pendente. Dessa forma, a lei foi muito clara ao exigir a quitação integral do débito como condição imprescindível para que o bem alienado fiduciariamente seja remancipado. Ou seja, nos termos da lei, para que o bem possa ser restituído ao devedor livre de ônus, é necessário que ele quite integralmente a dívida pendente. Assim, mostra-se incongruente impedir a utilização da ação de busca e apreensão pelo simples fato de faltarem poucas prestações a serem pagas, considerando que a lei de regência do instituto expressamente exigiu o pagamento integral da dívida pendente. Incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas Vale mencionar, ainda, que a aplicação da teoria do adimplemento substancial para obstar a utilização da ação de busca e apreensão representaria um incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas contratuais, considerando que o devedor saberia que não perderia o bem e que o credor teria que se contentar em buscar o crédito faltante por outras vias judiciais menos eficazes. Juros mais elevados Se fosse aplicada a teoria do adimplemento substancial para os contratos de alienação fiduciária, haveria um enfraquecimento da garantia prevista neste instituto fazendo com que as instituições financeiras começassem a praticar juros mais elevados a fim de compensar esses riscos. Isso seria prejudicial para a economia e para os consumidores em geral. Dessa forma, a propriedade fiduciária, concebida pelo legislador justamente para conferir segurança jurídica às concessões de crédito, essencial ao desenvolvimento da economia nacional, ficaria comprometida pela aplicação deturpada da teoria do adimplemento substancial.

DIREITOS AUTORAIS Na antiga Lei de Direitos Autorais, o contrato de cessão de direitos precisava ser averbado à

margem do registro para que pudesse ter eficácia contra terceiros

A Lei nº 5.988/73 (antiga Lei de Direitos Autorais) exigia que o contrato de cessão de direitos de obra musical fosse averbado à margem do registro no órgão competente para que pudesse ter eficácia contra terceiros. Isso estava previsto no art. 53, § 1º (Para valer perante terceiros, deverá a cessão ser averbada à margem do registro a que se refere o artigo 17).

É possível averbar o contrato de cessão de direitos autorais firmado na vigência da Lei nº 5.988/73 mesmo sem que tenha havido anterior registro da obra por seu titular no órgão oficial competente. Em outras palavras, ainda que o titular dos direitos autorais sobre a música (cedente) não tenha registrado sua canção no registro adequado, o cessionário tem legitimidade para fazer a averbação.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.500.635-RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/2/2017 (Info 599).

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15

Lei de Direitos Autorais Atualmente, a norma que rege os direitos autorais no Brasil é a Lei nº 9.610/98. Antes dessa norma, os direitos autorais eram tratados pela Lei nº 5.988/73, que foi revogada pela Lei nº 9.610/98. O caso analisado pelo STJ ocorreu em uma época em que ainda vigorava a Lei nº 5.988/73. Imagine a seguinte situação adaptada: Em 1995, os cantores Claudinho e Bochecha, autores da canção "Conquista", celebraram contrato com a empresa 1 cedendo seus direitos autorais referentes a essa música pelo prazo de 3 anos. Ocorre que, em 1997, ou seja, ainda durante a vigência desse pacto, os autores firmaram outro contrato de cessão de direitos autorais, desta vez com a empresa 2. Diante disso, a empresa 1 ingressou com ação de cumprimento de contrato c/c ação de indenização contra Claudinho, Bochecha e a empresa 2. A empresa 2 alegou que não poderia ser condenada porque o ajuste celebrado entre a autora (empresa 1) e os cantores não produz eficácia perante ela (ré), já que este contrato não foi averbado no registro competente. A tese da empresa 2 foi acolhida pelo STJ? SIM.

A Lei nº 5.988/73 (antiga Lei de Direitos Autorais) exigia que o contrato de cessão de direitos de obra musical fosse averbado à margem do registro no órgão competente para que pudesse ter eficácia contra terceiros. Isso estava previsto no art. 53, § 1º (Para valer perante terceiros, deverá a cessão ser averbada à margem do registro a que se refere o artigo 17). A Lei nº 5.988/73, vigente à época dos fatos, adotou a regra de presunção de titularidade fundada no registro, resultando daí que o cessionário não podia opor seu direito a terceiros sem antes ter averbado a cessão à margem do registro no órgão competente previsto na lei de regência (no caso de música, a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro). STJ. 3ª Turma. REsp 1.500.635-RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/2/2017 (Info 599).

Veja a redação da Lei nº 5.988/73:

Art. 17. Para segurança de seus direitos, o autor da obra intelectual poderá registrá-Ia, conforme sua natureza, na Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto Nacional do Cinema, ou no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. (...)

Art. 53. A cessão total ou parcial dos direitos do autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa. § 1º Para valer perante terceiros, deverá a cessão ser averbada à margem do registro a que se refere o artigo 17.

A Lei atual faz a mesma exigência? NÃO. A Lei nº 9.610/98 não exigiu mais a averbação como condição de eficácia perante terceiros. Confira:

Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa. § 1º Poderá a cessão ser averbada à margem do registro a que se refere o art. 19 desta Lei, ou, não estando a obra registrada, poderá o instrumento ser registrado em Cartório de Títulos e Documentos.

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16

Voltando ao nosso exemplo. A empresa 1 autora contra-argumentou afirmando que não tinha como averbar o contrato de cessão porque a dupla compositora da canção ainda não havia feito o registro da música. Esse argumento foi acolhido pelo STJ? NÃO.

É possível averbar o contrato de cessão de direitos autorais firmado na vigência da Lei nº 5.988/73 mesmo sem que tenha havido anterior registro da obra por seu titular no órgão oficial competente. O cessionário tem legitimidade para a averbação ainda que o autor intelectual da obra tenha deixado de efetuar o registro respectivo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.500.635-RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/2/2017 (Info 599).

DIREITO DE VISITAS É possível a fixação de astreintes para forçar a genitora que está

com a guarda da criança a respeitar o direito de visita do pai

É válida a aplicação de astreintes quando o genitor detentor da guarda da criança descumpre acordo homologado judicialmente sobre o regime de visitas.

A aplicação das astreintes em hipótese de descumprimento do regime de visitas por parte do genitor, detentor da guarda da criança se mostra como um instrumento eficiente e também, menos drástico para a criança.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.481.531-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 16/2/2017 (Info 599).

Imagine a seguinte situação hipotética: Luiz e Cristiane foram casados e possuem um filho em comum, Lucas, de 7 anos. Com o divórcio, a guarda da criança ficou com a mãe. No entanto, o ex-casal celebrou um acordo homologado pela Justiça regulamentando o direito de visitas do pai. Ocorre que Cristiane descumpre reiteradamente o direito de visitas estipulado no acordo, criando embaraços para que o pai tenha contato com o garoto. Diante disso, Luiz ajuizou ação de cumprimento de regime de visitas alegando que não está conseguindo exercer o direito de visitação por obstáculos causados por Cristiane. O autor pede que o juiz determine que a ré cumpra rigorosamente o acordo, sob pena de aplicação de multa diária. O pedido de Luiz poderá ser acolhido? É possível a aplicação de astreintes (ex: multa diária) para o descumprimento de acordo judicial que regulamenta direito de visita? SIM.

É válida a aplicação de astreintes quando o genitor detentor da guarda da criança descumpre acordo homologado judicialmente sobre o regime de visitas. STJ. 3ª Turma. REsp 1.481.531-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 16/2/2017 (Info 599).

Normalmente, as astreintes são utilizadas para a tutela de direitos patrimoniais. No entanto, nada impede que seja fixada multa cominatória para tutelar direitos extrapatrimoniais, como é o caso do direito de visitação. Esse é o entendimento da doutrina: "O direito de visitas gera uma obrigação de fazer infungível, obrigação personalíssima, que deve ser cumprida pessoalmente. Nada impede que seja buscado o adimplemento, mediante aplicação da chamada astreinte: tutela inibitória, mediante a aplicação de multa diária. Nada mais do que um gravame pecuniário imposto ao devedor renitente para que honre o cumprimento de sua obrigação. Instrumento de pressão psicológica, verdadeira sanção, destinada a desestimular a resistência do obrigado, de modo

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17

que ele se sinta compelido a fazer o que está obrigado." (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: RT, 2015, p. 539). Cabe ressaltar que o CPC/2015 autoriza, de modo expresso, a aplicação de multa em caso de descumprimento de obrigação de natureza não obrigacional ou existencial:

Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. (...) § 6º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.

Outro mecanismo que poderia ser utilizado para que o não guardião da criança exercesse o seu direito de visitação seria a utilização da busca e apreensão. No entanto, essa medida, levando-se em consideração sempre o melhor interesse da criança e do adolescente, pode se mostrar drástica e prejudicial para o menor, que poderia ser levado à força por uma ordem judicial, inclusive com a utilização da polícia para a sua efetivação. Dessa forma, as astreintes se mostram como um meio muito mais eficaz e menos traumatizante para a criança.

ALIMENTOS O devedor de alimentos, executado sob a ameaça de prisão,

pode comprovar a impossibilidade de pagamento por meio de testemunhas?

Importante!!!

Na execução de alimentos pelo rito do art. 733 do CPC/1973 (art. 528 do CPC/2015), o executado é intimado pessoalmente para, em 3 dias:

a) pagar o débito;

b) provar que o fez (provar que já pagou a dívida); ou

c) justificar a impossibilidade de efetuá-lo (provar que não tem condições de pagar).

É possível que o devedor justifique a impossibilidade de pagar por meio de testemunhas?

SIM. Em tese, é possível que isso seja feito por meio de prova testemunhal. Neste caso, as testemunhas terão que ser ouvidas obrigatoriamente no prazo de 3 dias.

Na execução de alimentos pelo rito do art. 733 do CPC/1973 (art. 528 do CPC/2015), o executado pode comprovar a impossibilidade de pagamento por meio de prova testemunhal, desde que a oitiva ocorra no tríduo previsto para a justificação.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.601.338-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/12/2016 (Info 599).

Imagine a seguinte situação hipotética: João paga mensalmente pensão alimentícia em favor de seu filho Lucas. Ocorre que, por estar enfrentando dificuldades financeiras, o pai atrasou os últimos pagamentos. Diante disso, Lucas ajuizou execução de alimentos sob o rito do art. 733 do CPC 1973 (art. 528 do CPC 2015) pedindo a prisão civil do devedor:

Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

O juiz mandou intimar o executado pessoalmente para, em 3 dias: a) pagar o débito; b) provar que o fez (provar que já pagou a dívida); ou c) justificar a impossibilidade de efetuá-lo (provar que não tem condições de pagar). É possível que o devedor justifique a impossibilidade de pagar por meio de testemunhas? SIM. Em tese, é possível que isso seja feito por meio de prova testemunhal. No entanto, o STJ afirmou que, neste caso, as testemunhas terão que ser ouvidas obrigatoriamente no prazo de 3 dias.

Na execução de alimentos pelo rito do art. 733 do CPC/1973 (art. 528 do CPC/2015), o executado pode comprovar a impossibilidade de pagamento por meio de prova testemunhal, desde que a oitiva ocorra no tríduo previsto para a justificação. STJ. 3ª Turma. REsp 1.601.338-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/12/2016 (Info 599).

Exemplo 1 Imagine que, no primeiro dia do prazo tríduo, João apresenta petição ao juiz informando que não está pagando a pensão por se encontrar em dificuldades financeiras. A fim de provar essa alegação, o devedor pede ao juiz que, no dia seguinte, ouça duas testemunhas (seu sócio e seu vizinho) que conhecem detalhes da sua situação. O advogado de João consegue conversar com o juiz e o convence a marcar a audiência para o dia seguinte. Na audiência, ocorrida no segundo dia do prazo de João, as testemunhas fazem um relato verossímil de que ele está vivendo em precárias condições econômicas. Neste caso, essa prova testemunhal teria eficácia e o juiz poderia deixar de decretar a prisão do devedor porque restou provada a sua impossibilidade de pagar a pensão. Exemplo 2 Suponhamos agora que os fatos aconteceram de forma diferente. No terceiro dia do prazo da resposta, João apresenta petição ao juiz informando que não está pagando a pensão por se encontrar em dificuldades financeiras. No final da petição, formula o seguinte requerimento genérico: protesta provar o alegado por meio das testemunhas Pedro (sócio) e Antônio (vizinho), em audiência a ser designada por Vossa Excelência. Nesta segunda hipótese, o juiz deverá decretar a prisão do devedor. Isso porque não foi apresentada justificativa dentro do prazo de 3 dias previsto na legislação. O prazo de 3 dias de que dispõe o devedor é peremptório (que não pode ser alongado), porque o exequente está, em tese, em risco, já que se encontra privado dos alimentos de que necessita para viver. Dificuldade de ordem prática Para fins de concurso, é importante que você aprenda o que decidiu o STJ. No entanto, com essa exigência do STJ de que a prova testemunhal seja realizada no prazo de 3 dias a contar da intimação do executado, é praticamente impossível que isso ocorra na prática. Salvo em pequenas comarcas do interior, não se mostra possível a designação e realização de uma audiência de instrução em um prazo tão curto. Vale a pena ler a ementa oficial do julgado:

(...) 1. O exíguo prazo de três dias concedido ao alimentante para pagar ou justificar o não-pagamento de pensões alimentícias em atraso, tem como objetivo primário garantir a sobrevida do alimentado , pois o atraso nos alimentos pode leva-lo à carência crônica dos mais básicos meios de subsistência. 2. Nessa senda, não se verifica , a priori, nenhuma impossibilidade de a escusa ao pagamento ser realizada por meio de oitiva de testemunhas, prova perfeitamente aceitável, mesmo na excepcional

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execução do art. 733 do CPC/73. 3. No entanto, O tríduo é peremptório, porque o risco alimentar do executado é premente, devendo a justificativa ser produzida neste intervalo e, nessa linha, o mero protesto pela produção de prova testemunhal não pode ser aceito, poquanto fatalmente se estenderá além da janela temporal de justificativa permitida na legislação. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1601338/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/12/2016.

DIREITO DO CONSUMIDOR

ACESSIBILIDADE Logo depois de ter sido publicada a Lei 10.098/2000, as empresas de transporte coletivo já

tinham o dever de adaptar seus veículos para pessoas com deficiência

A Lei nº 10.048/2000 determinou que os proprietários de veículos de transporte coletivo teriam o prazo cento e oitenta dias, a contar da regulamentação da Lei, para proceder às adaptações necessárias ao acesso facilitado das pessoas portadoras de deficiência.

A regulamentação da Lei nº 10.048/2000 só foi feita em 2004, com a edição do Decreto nº 5.296/2004.

As empresas alegavam, portanto, que o seu dever de adaptar os ônibus só começou a ser contado após o Decreto nº 5.296/2004.

O STJ, contudo, não concordou. Isso porque a Lei nº 10.098/2000 trouxe nova regra posterior estipulando o dever das empresas de adaptarem os ônibus sem condicionar essa obrigação ao regulamento. Essa nova regra posterior é a Lei nº 10.098/2000, que previu o seguinte: "Art. 16. Os veículos de transporte coletivo deverão cumprir os requisitos de acessibilidade estabelecidos nas normas técnicas específicas."

Muito antes do Decreto nº 5.296/2004 existiam diversas normas regulamentares sobre a acessibilidade dos transportes coletivos.

Desse modo, logo depois de ter sido publicada a Lei nº 10.098/2000, as empresas de transporte coletivo já tinham o dever de adaptar seus veículos considerando que isso foi previsto no art. 16 e, nesta época, existiam normas técnicas específicas que diziam como deveria ser feita essa acessibilidade.

Em suma, o STJ decidiu que: o dever de adaptar os veículos de transporte coletivo para pessoas com deficiência foi suficientemente disciplinado pela Lei nº 10.098/2000, de modo que, a partir da edição da Lei nº 10.098/2000, as empresas de transporte já deveriam cumprir essa determinação, sendo desnecessário esperar a regulamentação da Lei nº 10.048/2000 (o que só ocorreu com o Decreto nº 5.296/2004).

STJ. 2ª Turma. REsp 1.292.875-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/12/2016 (Info 599).

Imagine a seguinte situação hipotética: Em 2002, o Ministério Público estadual ajuizou ação civil pública contra as empresas concessionárias de ônibus pedindo que elas fossem condenadas a adaptar os veículos de transporte coletivo para que pudessem ser utilizados sem dificuldades por pessoas com deficiência física. Ex: instalação de rampas, elevadores para entrada nos ônibus etc.

Contestação Ainda no ano de 2002, as empresas de transporte coletivo contestaram a demanda afirmando que o assunto é regulamentado pela Lei nº 10.048/2000 e que este diploma legal concede o prazo de 180 dias

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20

para que as empresas façam a adaptação dos veículos. No entanto, segundo argumentaram as rés, este prazo ainda não começou a correr porque só deve ser contado a partir da regulamentação da Lei (edição de um decreto detalhando a lei). Essa é a redação do § 2º do art. 5º da Lei nº 10.048/2000:

Art. 5º (...) § 2º Os proprietários de veículos de transporte coletivo em utilização terão o prazo de cento e oitenta dias, a contar da regulamentação desta Lei, para proceder às adaptações necessárias ao acesso facilitado das pessoas portadoras de deficiência.

Em outras palavras, as empresas de ônibus disseram: enquanto não houver a regulamentação da Lei nº 10.048/2000 nós não estamos obrigadas a adaptar veículos de transporte coletivo para pessoas com deficiência. Obs: a regulamentação da Lei nº 10.048/2000 só foi feita em 2004, com a edição do Decreto nº 5.296/2004.

A tese das empresas de ônibus foi aceita pelo STJ? NÃO. Mesmo antes da regulamentação da Lei nº 10.048/2000, o que só foi feito pelo Decreto nº 5.296/2004, as empresas de ônibus já possuíam o dever de adaptar os veículos de transporte coletivo para pessoas com deficiência.

Por quê? Porque o prazo previsto nesse § 2º do art. 5º da Lei nº 10.048/2000 "perdeu a razão de ser" (deixou de ter aplicação), considerando que o legislador editou nova regra posterior estipulando o dever das empresas de adaptarem os ônibus sem condicionar essa obrigação ao regulamento. Essa nova regra posterior é a Lei nº 10.098/2000, que previu o seguinte:

Art. 16. Os veículos de transporte coletivo deverão cumprir os requisitos de acessibilidade estabelecidos nas normas técnicas específicas.

Assim, embora a Lei nº 10.048/2000 tenha fixado prazo de 180 dias a contar de sua regulamentação, que se deu com a edição do Decreto nº 5.296/2004, o fato é que o citado prazo foi modificado com a edição da Lei nº 10.098/2000. Com efeito, com o advento da Lei nº 10.098/2000, a regulamentação exigida pela Lei nº 10.048/2000 deixou de ser necessária, pois a aludida Lei nº 10.098/2000 remeteu tal providência para as normas técnicas. O que são essas normas técnicas? Elas já existiam antes do Decreto nº 5.296/2004 ser publicado? SIM. Essas "normas técnicas" são editadas por órgãos técnicos com base em padrões científicos. Muito antes do Decreto nº 5.296/2004 existiam diversas normas regulamentares sobre a acessibilidade dos transportes coletivos editadas pela ABNT. Especificamente acerca do transporte rodoviário, existia a NBR 14022/1997, posteriormente substituída da pela Portaria 260/2007 do INMETRO. Em suma, logo depois de ter sido publicada a Lei nº 10.098/2000 as empresas de transporte coletivo já tinham o dever de adaptar seus veículos considerando que isso foi previsto no art. 16 e nesta época existiam normas técnicas específicas que diziam como deveria ser feita essa acessibilidade. Portanto, desde a edição da Lei nº 10.098/2000, a adaptação dos veículos de transporte coletivo foi suficientemente regulamentada, de forma que, a partir do momento em que esta Lei entrou em vigor, as empresas passaram a ter o dever de promoverem tal adaptação.

Em suma, o STJ decidiu que:

O dever de adaptar os veículos de transporte coletivo para pessoas com deficiência foi suficientemente disciplinado pela Lei nº 10.098/2000, de modo que, a partir da edição da Lei nº 10.098/2000, as empresas de transporte já deveriam cumprir essa determinação, sendo desnecessário esperar a regulamentação da Lei nº 10.048/2000 (o que só ocorreu com o Decreto nº 5.296/2004). STJ. 2ª Turma. REsp 1.292.875-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/12/2016 (Info 599).

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21

PLANO DE SAÚDE Ex-empregado demitido sem justa causa tem direito de permanecer vinculado ao plano de

saúde em que se encontrava antes da demissão com as mesmas condições de valor

É indevido cobrar reajuste de ex-empregado demitido sem justa causa que opta por permanecer vinculado ao plano de saúde em que se encontrava antes da demissão, na condição de beneficiário, pelo prazo que lhe assegura o art. 30, § 1º, da Lei nº 9.656/98, nas mesmas condições de cobertura assistencial e mediante o pagamento integral das mensalidades, só lhe podendo ser atribuído algum aumento que também tenha sido estipulado aos empregados em atividade.

Em 2011, a ANS editou a Resolução ANS 279/2011, prevendo que "a manutenção da condição de beneficiário no mesmo plano privado de assistência à saúde em que se encontrava quando da demissão ou exoneração sem justa causa ou aposentadoria observará as mesmas condições de reajuste, preço, faixa etária e fator moderador existentes durante a vigência do contrato de trabalho" (art. 16).

Vale ressaltar, no entanto, que, mesmo antes da Resolução ANS 279/2011, os empregados demitidos sem justa causa já possuíam esse direito de permanecerem pagando o mesmo valor. Isso porque esse direito decorre diretamente do art. 30 da Lei nº 9.656/98 (e não da Resolução, que só veio confirmar essa conclusão).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.539.815-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 7/2/2017 (Info 599).

Imagine a seguinte situação hipotética: João era empregado de um banco e possuía plano de saúde oferecido aos funcionários da instituição. O custeio do plano era mantido da seguinte forma: o empregador arcava todos os meses com R$ 100,00 e o empregado pagava outros R$ 100,00. No ano de 2010, João foi demitido sem justa causa e deseja continuar no plano de saúde com as mesmas condições de cobertura assistencial que gozava. Para tanto, ele se compromete a pagar mensalmente R$ 200,00 (sua parte e a do antigo empregador). Ele possui esse direito? SIM. Tal possibilidade encontra-se prevista na Lei nº 9.656/98 (que trata sobre os planos de saúde):

Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.

Repare que, para o trabalhador continuar tendo direito, deverão ser atendidas três exigências: a) durante o vínculo empregatício, ele contribuía para o pagamento do plano; b) ele foi demitido sem justa causa; c) ele se compromete a assumir o pagamento integral das parcelas. O trabalhador terá direito de continuar com o plano de saúde por um tempo máximo de 24 meses, conforme prevê o § 1º do art. 30 da Lei nº 9.656/98. Se, antes de completar os 24 meses, o consumidor for admitido em um novo emprego, também perderá o direito de continuar com as mesmas condições no plano de saúde (§ 5º do art. 30). Voltando ao exemplo: O plano de saúde respondeu a João que ele poderia continuar no plano de saúde, sem carência e com a mesma rede credenciada. No entanto, agora o valor da mensalidade seria reajustado e passaria a ser de R$ 300,00. A operadora explicou que o preço menor (R$ 200,00) somente vale para os empregados da empresa porque o volume de clientes é muito grande, permitindo esse "desconto".

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22

Agiu corretamente o plano de saúde? NÃO.

É indevido cobrar reajuste de ex-empregado demitido sem justa causa que opta por permanecer vinculado ao plano de saúde em que se encontrava antes da demissão, na condição de beneficiário, pelo prazo que lhe assegura o art. 30, § 1º, da Lei nº 9.656/98, nas mesmas condições de cobertura assistencial e mediante o pagamento integral das mensalidades, só lhe podendo ser atribuído algum aumento que também tenha sido estipulado aos empregados em atividade. STJ. 3ª Turma. REsp 1.539.815-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 7/2/2017 (Info 599).

Assim, em nosso exemplo, como o valor da mensalidade referente aos empregados em atividade é de R$ 200,00, essa mesma quantia deverá ser cobrada do ex-empregado, que está no direito de permanecer no plano pelo período a que se refere o art. 30, § 1º da Lei nº 9.656/98. Resolução ANS 279/2011 Em 2011, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) editou a Resolução ANS 279/2011, prevendo que "a manutenção da condição de beneficiário no mesmo plano privado de assistência à saúde em que se encontrava quando da demissão ou exoneração sem justa causa ou aposentadoria observará as mesmas condições de reajuste, preço, faixa etária e fator moderador existentes durante a vigência do contrato de trabalho" (art. 16). Essa Resolução somente foi editada em 2011. Diante disso, algumas operadoras de saúde argumentaram que isso prova que, antes de 2011, era permitido que os planos de saúde reajustassem os preços das mensalidades no caso de ex-empregados. Em outras palavras, as operadoras afirmaram o seguinte: somente com a Resolução ANS 279/2011 foi que passou a ser obrigatório que os planos de saúde mantivessem o mesmo valor das mensalidades para os ex-empregados. Essa tese foi acolhida pelo STJ? NÃO. Mesmo antes da Resolução ANS 279/2011, os empregados demitidos sem justa causa já possuíam esse direito de permanecerem pagando o mesmo valor. Isso porque esse direito decorre diretamente do art. 30 da Lei nº 9.656/98 (e não da Resolução). A resolução é um ato normativo subordinado à lei, que não pode restringir, ampliar ou modificar direitos e obrigações por ela previstos. Logo, o art. 16 da Resolução nº 279/2011 não inovou na ordem jurídica (não trouxe um direito novo) ao prever que a manutenção do ex-empregado, demitido sem justa causa, na condição de beneficiário no mesmo plano privado de assistência à saúde em que se encontrava, observará "as mesmas condições de reajuste, preço, faixa etária e fator moderador existentes durante a vigência do contrato de trabalho". Isso porque essa conclusão já era possível de ser extraída, antes mesmo de sua edição, como decorrência da interpretação do art. 30 da Lei nº 9.656/98. Assim, a Resolução veio apenas para corroborar (reforçar) aquilo que já se podia depreender da Lei.

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DIREITO EMPRESARIAL

PROPRIEDADE INDUSTRIAL Possibilidade de o INPI analisar as cláusulas dos contratos de

transferência de tecnologia que são submetidos a seu registro

Apenas concursos federais!

Os contratos que impliquem transferência de tecnologia, para produzirem efeitos em relação a terceiros, precisam ser registrados e/ou averbados no INPI (art. 211 da Lei nº 9.279/96).

O INPI, ao examinar os contratos que lhe são submetidos para averbação ou registro, pode e avaliar as cláusulas contratuais exigindo a alteração daquelas que forem abusivas ou ilegais?

SIM. O art. 211 da Lei nº 9.279/96 em conjunto com o art. 2º da Lei nº 5.648/70 (com redação dada pelo art. 240 da Lei nº 9.279/96) permitem que o INPI analise as cláusulas dos contratos de transferência de tecnologia que lhe são submetidos para registro, podendo reprimir cláusulas abusivas e/ou ilegais.

O INPI pode intervir no âmbito negocial de transferência de tecnologia, diante de sua missão constitucional e infraconstitucional de regulamentação das atividades atinentes à propriedade industrial.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.200.528-RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 16/2/2017 (Info 599).

INPI O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, sendo responsável, no Brasil, pela concessão e garantia dos direitos de propriedade intelectual para a indústria. Contratos de transferência de tecnologia Contratos de transferência de tecnologia é um gênero no qual podemos identificar cinco espécies de ajuste: 1) Contrato de Licença de Uso de Marca (UM): tem por objeto a transferência do uso de uma marca; 2) Contrato de Licença de Exploração de Patentes (EP): objetiva permitir o licenciamento de uma patente; 3) Contrato de Licença de Exploração de Desenho Industrial (EDI): autoriza o uso efetivo de um desenho industrial por terceiro que não é o seu titular; 4) Contrato de Fornecimento de Tecnologia (FT): ajuste por meio do qual determinada pessoa adquire de outra conhecimentos e técnicas (Know How); 5) Prestação de Serviços de Assistência Técnica e Científica (SAT): contrato para obtenção de técnicas para elaborar projetos ou estudos e a prestação de serviços especializados; Qual é o papel do INPI nos contratos de transferência de tecnologia? A legislação, preocupada com a segurança jurídica desses contratos, determinou que eles devem ser averbados e/ou registrados no INPI. Veja o que diz a Lei nº 9.279/96:

Art. 211. O INPI fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros. Parágrafo único. A decisão relativa aos pedidos de registro de contratos de que trata este artigo será proferida no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data do pedido de registro.

Feitos estes esclarecimentos, imagine a seguinte situação adaptada: As empresas Unilever Brasil Ltda. e Unilever Bestfoods Ltda. celebraram entre si contrato oneroso de transferência de tecnologia. O ajuste previa que a empresa beneficiária com a transferência da tecnologia deveria remunerar a

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empresa cedente com o pagamento de royalties no valor de 3% sobre as vendas líquidas dos produtos objeto dos contratos, valores que seriam remetidos para o exterior. Importante ressaltar que as empresas contratantes possuem relação societária entre si, pertencendo ao mesmo grupo empresarial, sendo uma controladora e a outra controlada. As empresas levaram, então, o contrato para ser averbado junto ao INPI. Ocorre que a autarquia, ao averbar o ajuste, alterou unilateralmente algumas cláusulas, determinando que o contrato passasse de oneroso para gratuito. O argumento do INPI foi o de que esse pagamento violaria os limites impostos pelo Ministério da Fazenda, que restringe a remessa de valores entre empresa subsidiária localizada no Brasil e a sua matriz no exterior. Em palavras mais simples, a legislação proibiria a transferência desses recursos para o exterior na forma como pretendida pelas contratantes. As duas empresas impetraram, então, mandado de segurança alegando que o INPI teria extrapolado seu papel institucional, atuando com evidente abuso de poder, e que a autarquia, ao proibir que o contrato fosse remunerado, acabou por inviabilizar a relação de transferência de tecnologia. A questão chegou até o STJ. O INPI poderia ter agido dessa maneira? SIM.

O INPI pode intervir no âmbito negocial de transferência de tecnologia, diante de sua missão constitucional e infraconstitucional de regulamentação das atividades atinentes à propriedade industrial. STJ. 2ª Turma. REsp 1.200.528-RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 16/2/2017 (Info 599).

O INPI, ao examinar os contratos que lhe são submetidos para averbação ou registro, pode e deve avaliar as condições e cláusulas de tais ajustes em virtude da missão que lhe foi confiada por sua lei de criação, a Lei nº 5.648/70, cujo art. 2º preconiza:

Art. 2º O INPI tem por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica, bem como pronunciar-se quanto à conveniência de assinatura, ratificação e denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial. (Redação dada pelo art. 240 da Lei nº 9.279/96)

Não se pode conceder interpretação restritiva a esse dispositivo, devendo-se considerar que o INPI possui competência para realizar o exame e alteração das cláusulas contratuais por força da teoria dos poderes implícitos. Ora, ao se outorgar ao INPI a competência para fazer o registro dos contratos, deve-se assegurar a ele todos os instrumentos necessários para a perfeita realização dessa tarefa. Desse modo, o art. 211 da Lei nº 9.279/96, em conjunto com o art. 2º da Lei nº 5.648/70 (com redação dada pelo art. 240 da Lei nº 9.279/96), permitem que o INPI analise as cláusulas dos contratos de transferência de tecnologia que lhe são submetidos para registro, podendo reprimir cláusulas abusivas e/ou ilegais. Vale ressaltar que é a averbação ou o registro no INPI que possibilita e viabiliza a remessa de valores em moeda estrangeira prevista no contrato, constituindo-se em ato essencial e obrigatório para ser autorizada pelo Banco Central. Dessa forma, torna-se ainda mais importante que o INPI faça a análise da legalidade das cláusulas presentes no pacto.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA É de competência do domicílio do réu a ação pretendendo declarar a violação

de direito autoral e cobrar indenização decorrente deste fato

O pedido cumulado de indenização, quando mediato e dependente do reconhecimento do pedido antecedente de declaração da autoria da obra, não afasta a regra geral de competência do foro do domicílio do réu.

Ex: João lançou um livro. Pedro, alegando que o conteúdo da obra é uma cópia de um livro escrito por ele anos atrás, ajuíza ação de indenização contra João. A competência, neste caso, será do domicílio do réu, nos termos do art. 46 do CPC.

A análise do pedido de reparação de danos pressupõe o anterior acolhimento do pedido declaratório de reconhecimento de autoria da obra. Este é o objeto principal da lide. Em outras palavras, não se pode condenar o réu a indenizar o autor por violação a direito autoral se, antes, não for demonstrado que o requerente é o verdadeiro autor da obra. Nesse contexto, a competência deve ser definida levando-se em conta o pedido principal, de índole declaratória, de modo que deve incidir a regra geral do art. 46 do CPC.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.138.522-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 8/2/2017 (Info 599).

Imagine a seguinte situação hipotética: João lançou uma obra intelectual (um livro), chamada "Informática para iniciantes". Pedro alegou que o conteúdo da obra lançada por João é uma cópia de um livro escrito pelo autor anos atrás, denominado "Informática para leigos". Diante disso, Pedro ajuizou ação de indenização contra João. Surgiu, no entanto, um problema quanto à competência territorial. Isso porque Pedro propôs a ação em São Paulo, local onde mora, afirmando que a competência é do domicílio do autor, com base no art. 53, V, do CPC:

Art. 53. É competente o foro: (...) V - de domicílio do autor ou do local do fato, para a ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves.

O requerido (João), por sua vez, alegou que a competência seria no Rio de Janeiro, local de seu domicílio, com base no art. 46 do CPC:

Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.

Quem tem razão: Pedro (o autor) ou João (o réu)? João. A competência, neste caso, será no domicílio do réu, nos termos do art. 46 do CPC. Por quê? A análise do pedido de reparação de danos pressupõe o anterior acolhimento do pedido declaratório de reconhecimento de autoria da obra. Este é o objeto principal da lide. Em outras palavras, não se pode condenar o réu a indenizar o autor por violação a direito autoral se, antes, não for demonstrado que o requerente é o verdadeiro autor da obra. Nesse contexto, a competência deve ser definida levando-se em conta o pedido principal, de índole declaratória, de modo que deve incidir a regra geral do art. 46 do CPC.

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26

Cumulação de pedidos O pedido de indenização decorre de uma suposta violação dos direitos autorais do requerente. Desse modo, é indispensável primeiro se reconhecer o ato ilícito para, depois, verificar a existência ou não de danos (prejuízos) a ressarcir. Portanto, nesse tipo de demanda há uma "cumulação de pedidos interligados". Essa cumulação é subsidiária sucessiva. Isso porque a apreciação do segundo pedido depende do acolhimento do primeiro. Reconhecimento de que houve delito Desse modo, seria prematuro estabelecer que a competência desse feito fosse definida pelas regras referentes à reparação de danos. Isso porque a própria autoria da obra intelectual é matéria controvertida. Se o autor pretende ser reconhecido como titular de obra utilizada por terceiro, não se pode afirmar – salvo após o julgamento por sentença de mérito – a existência sequer do ilícito civil, o qual seria o pressuposto para a incidência da regra especial de competência do parágrafo único do art. 53, V, do CPC.

JUSTIÇA GRATUITA O art. 12, § 2º do Estatuto da Cidade estabelece uma presunção relativa de que o autor da ação de usucapião especial urbana é hipossuficiente

Importante!!!

O Estatuto da Cidade, ao tratar sobre a ação de usucapião especial urbana, prevê que "o autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis."

Isso significa que o autor da ação de usucapião especial urbana gozará sempre da gratuidade da justiça? Há uma presunção absoluta de que este autor não tem recursos suficientes para pagar as custas? NÃO.

O art. 12, § 2º, da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) estabelece uma presunção relativa de que o autor da ação de usucapião especial urbana é hipossuficiente. Isso significa que essa presunção pode ser ilidida (refutada) a partir da comprovação inequívoca de que o autor não é considerado "necessitado".

STJ. 3ª Turma. REsp 1.517.822-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/2/2017 (Info 599).

Usucapião especial urbana Existem várias modalidades de usucapião. A CF/88 prevê duas espécies: a) a usucapião especial urbana (pro misero) (ou pro moradia) (art. 183); b) a usucapião especial rural (pro labore) (art. 191). O julgado ora analisado diz respeito à usucapião especial urbana. Requisitos da usucapião especial urbana A usucapião especial urbana é prevista no art. 183 da CF/88, sendo também reproduzida no art. 1.240 do CC e no art. 9º da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). Para se ter direito à usucapião especial urbana, é necessário preencher os seguintes requisitos: a) 250m2: a pessoa deve estar na posse de uma área urbana de, no máximo, 250m2; b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos,

sem oposição de ninguém;

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27

c) Moradia: o imóvel deve estar sendo utilizado para a moradia da pessoa ou de sua família; d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural).

Algumas observações:

Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé;

Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez;

É possível usucapião especial urbana de apartamentos (nesse caso, quando for calcular se o tamanho do imóvel é menor que 250m2, não se incluirá a área comum, como salão de festas etc, mas tão somente a parte privativa);

O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

Feitos os esclarecimentos acima, imagine a seguinte situação hipotética: João é possuidor, há mais de 5 anos, de uma área urbana de 250m2, que utiliza para a sua própria moradia. Ele ingressou, então, com uma ação de usucapião especial urbana. Na petição inicial, o autor pediu a concessão dos benefícios da gratuidade da Justiça. O proprietário do imóvel, ao apresentar contestação, impugnou a concessão da gratuidade da justiça, demonstrando que João goza de boa condição financeira. João afirmou que, no caso de ação de usucapião especial urbana, o art. 12, § 2º da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) assegura, de forma absoluta, a gratuidade da Justiça, independentemente da condição financeira do autor. Veja o dispositivo invocado:

Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana: (...) § 2º O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.

A tese de João (autor) foi acolhida pelo STJ? O autor da ação de usucapião especial urbana goza de presunção absoluta de hipossuficiência para fins de gratuidade da justiça? NÃO.

O art. 12, § 2º, da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) estabelece uma presunção relativa de que o autor da ação de usucapião especial urbana é hipossuficiente. Isso significa que essa presunção pode ser ilidida (refutada) a partir da comprovação inequívoca de que o autor não é considerado "necessitado". STJ. 3ª Turma. REsp 1.517.822-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/2/2017 (Info 599).

Por que se diz que o art. 12, § 2º, do Estatuto da Cidade prevê apenas uma presunção relativa? Porque, segundo o STJ, o art. 12, §2º, da Lei nº 10.257/2001 não pode ser lido isoladamente, devendo ser interpretado em conjunto e harmonia com as regras sobre gratuidade da justiça, que estão previstas nos arts. 98 a 102 do CPC/2015. A intenção do § 2º do art. 12 do Estatuto da Cidade foi a de amparar a população de baixa renda, que normalmente é aquela a quem a ação de usucapião especial urbana visa proteger, além de criar uma espécie de presunção inicial da hipossuficiência do autor. Apesar de a redação da norma não ser muito clara, é possível concluir que a presunção de hipossuficiência prevista no § 2º do art. 12 é relativa. Assim, o juiz, ao receber a inicial da usucapião urbana, deverá deferir a gratuidade da justiça pelo simples fato de ter sido requerida. No entanto, por outro lado, deverá negar o benefício se houver comprovação inequívoca de que o autor não poderia ser considerado "necessitado", ou seja, se não preencher os requisitos do art. 98 do CPC/2015:

Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

Dessa forma, o art. 12, § 2º, da Lei nº 10.257/2001 não criou uma hipótese de concessão de benefícios da justiça gratuita completamente dissociada das normas processuais que regem o tema. O referido dispositivo legal, portanto, deve ser interpretado em conjunto e em harmonia com as disposições dos arts. art. 98 a 102 do CPC/2015.

TÍTULOS EXECUTIVOS Acordo de reparação de danos feito no bojo da

suspensão condicional do processo é título executivo judicial

O ato de composição entre denunciado e vítima visando à reparação civil do dano, embutido na decisão concessiva de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95), é título judicial apto a lastrear eventual execução.

Ex: João foi denunciado pelo crime do art. 129, § 1º, do CP por ter praticado lesão corporal contra Pedro. Na audiência, o Promotor ofereceu ao réu proposta de suspensão condicional do processo, exigindo, no entanto, como uma das condições, que ele pagasse, no prazo de um mês, R$ 20 mil a título de reparação pelos danos sofridos pela vítima (art. 89, § 1º, I). O réu e seu advogado concordaram com a proposta. A vítima e seu advogado, que também estavam presentes, igualmente aceitaram o acordo. Diante disso, o juiz homologou a suspensão condicional do processo e esse acordo que aconteceu no bojo da proposta. Esse acordo cível de reparação dos danos é título executivo judicial e poderá ser executado caso o agente não cumpra o que foi combinado.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.123.463-DF, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 21/2/2017 (Info 599).

Suspensão condicional do processo é: ­ um instituto despenalizador ­ oferecido pelo MP ou querelante ao acusado ­ que tenha sido denunciado por crime cuja pena mínima seja igual ou inferior a 1 ano ­ e que não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, ­ desde que presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77

do Código Penal).

A suspensão condicional do processo está prevista no art. 89 da Lei nº 9.099/95. No entanto, vale ressaltar que não se aplica apenas aos processos do juizado especial (infrações de menor potencial ofensivo), mas sim em todos aqueles cuja pena mínima seja igual ou inferior a 1 ano, podendo, portanto, a pena máxima ser superior a 2 anos. Período de prova Caso o acusado aceite a proposta, o processo ficará suspenso pelo prazo de 2 a 4 anos (período de prova), desde que ele aceite cumprir determinadas condições impostas pela lei e outras que podem ser fixadas pelo juízo. Período de prova é, portanto, o prazo no qual o processo ficará suspenso, devendo o acusado cumprir as condições impostas neste lapso temporal. O período de prova é estabelecido na proposta de suspensão e varia de 2 até 4 anos. Condições impostas ao acusado O acusado que aceitar a proposta de suspensão condicional do processo deverá se submeter às condições impostas pela lei e a outras que podem ser fixadas pelo juízo.

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29

Condições legais a que o acusado deverá se submeter:

reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

proibição de frequentar determinados lugares;

proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades;

não ser processado por outro crime ou contravenção (repare que a lei fala em "processado" e não "praticado"; segundo a jurisprudência majoritária, neste caso, processado = denunciado; logo, o que interessa é que o acusado tenha sido novamente processado no período de prova).

Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética: João foi denunciado pelo crime do art. 129, § 1º do CP por ter praticado lesão corporal contra Pedro:

Art. 129 (...) § 1º Se resulta: I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; (...) Pena - reclusão, de um a cinco anos.

Na audiência, o Promotor de Justiça ofereceu ao réu proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95), exigindo, no entanto, como uma das condições legais, que João pagasse, no prazo de um mês, R$ 20 mil a título de reparação pelos danos sofridos pela vítima (art. 89, § 1º, I). O réu e seu advogado concordaram com a proposta. A vítima e seu advogado, que também estavam presentes, igualmente aceitaram o acordo. Diante disso, o juiz homologou a suspensão condicional do processo e esse acordo que aconteceu no bojo da proposta. Ocorre que passou o prazo e João não efetuou o pagamento da quantia combinada. Diante disso, Pedro (o beneficiário) ingressou no juízo cível com cumprimento de sentença, exigindo o pagamento da quantia fixada no acordo homologado judicialmente (título executivo judicial).

Resposta do executado João defendeu-se alegando que a decisão do juiz criminal que homologou a suspensão condicional do processo não se amolda em nenhuma das espécies de título executivo judicial previstas no art. 515 do CPC:

Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: I - as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa; II - a decisão homologatória de autocomposição judicial; III - a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza; IV - o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal; V - o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem sido aprovados por decisão judicial; VI - a sentença penal condenatória transitada em julgado; VII - a sentença arbitral; VIII - a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça; IX - a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça;

Além disso, João argumentou que, conforme a jurisprudência reiterada do STJ, a decisão que concede suspensão condicional do processo não faz coisa julgada material. Por fim, o executado afirmou que caberia ao autor, se entende ter direito a alguma quantia, ajuizar ação ordinária de cobrança (ação de conhecimento).

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30

Os argumentos do requerido foram acolhidos pelo STJ? NÃO. Decisão que se amolda ao inciso II do art. 515 do CPC O ato de composição entre denunciado e vítima visando à reparação civil do dano embutido na decisão concessiva de suspensão condicional do processo enquadra-se na previsão do art. 515, II, do CPC:

Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: (...) II - a decisão homologatória de autocomposição judicial;

Decisão concessiva de suspensão condicional do processo não faz coisa julgada para fins penais Realmente, o STJ entende que a decisão que concede a suspensão condicional do processo não faz coisa julgada material. Isso, no entanto, vale apenas para efeitos penais. Assim, quando o STJ afirma que a decisão concessiva de suspensão condicional do processo não faz coisa julgada, o que ele quer dizer é que esse benefício poderá ser revogado se o beneficiário incidir nas hipóteses previstas nos §§ 3º e 4º do art. 89 da Lei nº 9.099/99 durante o prazo de suspensão determinado. Neste caso, o processo criminal retoma seu curso. Daí se dizer que a decisão não faz coisa julgada material. Essa constatação, contudo, é restrita ao aspecto criminal. Efeitos cíveis não se confundem com os efeitos penais da suspensão condicional do processo Por outro lado, o acordo para a composição dos danos aperfeiçoou-se com a concordância do denunciado, da vítima e a chancela do Juiz. Esse acordo, homologado pelo juiz, enquadra-se na previsão do art. 515, II, do CPC:

Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: (...) II - a decisão homologatória de autocomposição judicial;

Assim sendo, o referido acordo deve ser considerado como título executivo judicial, nos termos do art. 515, II, do CPC, visto que seus efeitos cíveis não se confundem com os efeitos penais da suspensão condicional do processo oferecida pelo Ministério Público e acatada pelo acusado. Em suma, não há como se confundir o deferimento da suspensão do processo, que não faz coisa julgada para extinguir a pretensão punitiva do Estado, com a decisão que homologa o acordo celebrado pelas partes em juízo, passível de execução por constituir-se título executivo judicial. Princípios da confiança, da boa fé e da segurança A vítima compareceu em juízo e aceitou proposta de acordo para composição de danos. A ata da audiência foi assinada pelo Juiz, Promotor de Justiça, denunciado, vítima e advogados. A compreensão de que tal ato não constituiria título cível em favor da vítima e de que caberia a esta propor ação de conhecimento contra o ofensor vai de encontro aos princípios da confiança, boa fé e da segurança, uma vez que ela teria sido induzida a crer, por ato praticado em juízo, que tivera seus direitos resguardados. Por outro lado, o reconhecimento do acordo celebrado entre o autor do fato e a vítima na audiência em que deferida a suspensão condicional do processo como título executivo atende ao intuito da Lei dos Juizados Especiais de primar pela celeridade e concentração dos atos processuais, assim como pela simplificação dos procedimentos, a fim de incentivar as partes à realização de autocomposição.

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31

DIREITO PENAL

PERDA DO CARGO A pena de perdimento deve ser restrita ao cargo ocupado no momento do delito,

salvo se o novo cargo tiver relação com as atribuições anteriores

Importante!!!

Imagine que, quando o réu praticou o crime, ele estava ocupando o cargo público “X”. No entanto, anos mais tarde, no momento em que foi prolatada a sentença condenatória, ele já estava em outro cargo público (“Z”). O juiz poderá condenar o réu à perda do atual cargo público (“Z”) mesmo sendo ele posterior à prática do delito?

REGRA: não. Em regra, a pena de perdimento deve ser restrita ao cargo público ocupado ou função pública exercida no momento da prática do delito.

EXCEÇÃO: se o juiz, motivadamente, considerar que o novo cargo guarda correlação com as atribuições do anterior, ou seja, daquele que o réu ocupava no momento do crime, neste caso mostra-se devida a perda da nova função como uma forma de anular (evitar) a possibilidade de que o agente pratique novamente delitos da mesma natureza.

Assim, a pena de perdimento deve ser restrita ao cargo ocupado ou função pública exercida no momento do delito, à exceção da hipótese em que o magistrado, motivadamente, entender que o novo cargo ou função guarda correlação com as atribuições anteriores.

STJ. 5ª Turma. REsp 1452935/PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/03/2017 (Info 599).

Pena de perdimento de cargo, função ou mandato O art. 92, I, do CP prevê, como efeito extrapenal específico da condenação, o seguinte:

Art. 92. São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

Os efeitos previstos no art. 92, I, do CP são automáticos? Em outras palavras, sempre que houver condenação e forem aplicadas as penas previstas nas alíneas “a” e “b”, haverá a perda do cargo? NÃO. Para que esse efeito da condenação seja aplicado, é indispensável que a decisão condenatória motive concretamente a necessidade da perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo. O parágrafo único do art. 92 expressamente afirma isso:

Art. 92 (...) Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Imagine que, quando o réu praticou o crime, ele estava ocupando o cargo público “X”. No entanto, anos mais tarde, no momento em que foi prolatada a sentença condenatória, ele já estava em outro cargo público (“Z”). O que acontecerá neste caso? O juiz poderá condenar o réu à perda do atual cargo público (“Z”) mesmo sendo ele posterior à prática do delito? REGRA: não. Em regra, a pena de perdimento deve ser restrita ao cargo público ocupado ou função pública exercida no momento da prática do delito. Assim, para que haja a perda do cargo público por violação de um dever inerente a ele, é necessário que o crime tenha sido cometido no exercício desse cargo. Isso porque é preciso que o condenado tenha se valido da função para a prática do delito.

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32

EXCEÇÃO: se o juiz, motivadamente, considerar que o novo cargo guarda correlação com as atribuições do anterior, ou seja, daquele que o réu ocupava no momento do crime, neste caso mostra-se devida a perda da nova função como uma forma de anular (evitar) a possibilidade de que o agente pratique novamente delitos da mesma natureza. Exemplo 1: Em 2010, João, quando ocupava emprego público nos Correios, praticou o crime de concussão (art. 316 do CP). Em 2013, antes que o processo fosse julgado, João foi aprovado em concurso público e tomou posse como servidor da Universidade Federal, deixando o emprego na ECT. Em 2016, João foi condenado pelo crime imputado. Nesta hipótese, em princípio, o juiz não deverá determinar a perda do cargo na Universidade Federal, considerando que este novo cargo não tem relação com as atribuições do anterior. Exemplo 2: Em 2010, Pedro, quando ocupava o cargo de Auditor da Receita Federal, praticou o crime de corrupção passiva (art. 317 do CP). Em 2013, antes que o processo fosse julgado, Pedro foi aprovado em concurso público e tomou posse como Fiscal de Tributos Estaduais. Em 2016, Pedro foi condenado pelo crime imputado. Nesta hipótese, em princípio, o juiz poderá, de forma fundamentada, determinar a perda do cargo de Fiscal de Tributos Estaduais, considerando que este novo cargo tem relação direta com as atribuições do anterior.

ESTATUTO DO DESARMAMENTO Portar granada de gás lacrimogêneo ou de pimenta não configura crime do Estatuto do Desarmamento

A conduta de portar granada de gás lacrimogêneo ou granada de gás de pimenta não se subsome (amolda) ao delito previsto no art. 16, parágrafo único, III, da Lei nº 10.826/2003. Isso porque elas não se enquadram no conceito de artefatos explosivos.

STJ. 6ª Turma. REsp 1627028/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/02/2017 (Info 599).

Imagine a seguinte situação hipotética: João foi preso portando:

1 granada de gás lacrimogêneo

1 granada de gás de pimenta

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33

Ao explodir, a primeira granada lança densa fumaça no ar e a segunda lança gás de pimenta. O Ministério Público denunciou João pela prática do crime previsto no art. 16, parágrafo único, III, da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento):

Art. 16 (...) Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: (...) III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

A tese do Parquet, portanto, é a de que as granadas de gás de pimenta e de gás lacrimogêneo configuram artefatos explosivos. O STJ concordou com o MP? NÃO.

A conduta de portar granada de gás lacrimogêneo ou granada de gás de pimenta não se subsome (amolda) ao delito previsto no art. 16, parágrafo único, III, da Lei nº 10.826/2003. Isso porque elas não se enquadram no conceito de artefatos explosivos. STJ. 6ª Turma. REsp 1627028/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/02/2017 (Info 599).

O que é explosivo? A Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, Munições, Explosivos e Outros Materiais Correlatos estabelece que: 5. "Explosivos": toda substância ou artigo produzido, fabricado ou utilizado para produzir uma explosão, detonação, propulsão ou efeito pirotécnico, excetuando-se: a. substâncias e artigos que não são explosivos em si mesmos; ou b. substâncias e artigos mencionados no anexo desta Convenção. ANEXO O termo "explosivos" não inclui: gases comprimidos; líquidos inflamáveis; artefatos ativados por explosivos, tais como bolsas de ar de segurança (air bags) e extintores de incêndio; artefatos ativados por propulsores, tais como cartuchos para disparar pregos; fogos de artifício adequados para uso por parte do público e projetados principalmente para produzir efeitos visíveis ou audíveis por meio de combustão, que contenham compostos pirotécnicos e que não projetem nem dispersem fragmentos perigosos como metal, vidro ou plástico quebradiço; espoleta de papel ou de plástico para revólveres de brinquedo; artefatos propulsores de brinquedo que consistam de pequenos tubos fabricados de papel ou de material composto, ou vasilhames que contenham uma pequena carga ou pólvora propulsora de combustão lenta que, ao funcionar, não causem explosão nem produzam chama externa, exceto através do bocal; e velas fumígenas, tubos fumígenos, granadas fumígenas, sinais fumígenos, artifícios de sinalização, artefatos para sinalização manual e cartuchos de sinalização do tipo "Very", projetados para produzir efeitos visíveis com fins de sinalização, que contenham compostos fumígenos e cargas não-explosivas. Segundo entendeu o STJ: Explosivo é, em sentido amplo, um material extremamente instável, que pode se decompor rapidamente, formando produtos estáveis. Esse processo é denominado de explosão e é acompanhado por uma intensa liberação de energia, que pode ser feita sob diversas formas e gera uma considerável destruição decorrente da liberação dessa energia. Não será considerado explosivo o artefato que, embora ativado por explosivo, não projete nem disperse fragmentos perigosos, como metal, vidro ou plástico quebradiço, não possuindo, portanto, considerável potencial de destruição. Assim, para ser considerado artefato explosivo, é necessário que ele seja capaz de gerar alguma destruição.

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34

Conforme vimos acima, as duas granadas, quando acionadas, liberam apenas densa fumaça e gás de pimenta, ou, quando muito, alguns fragmentos de borracha. Dessa forma, a explosão decorrente da sua decomposição não é capaz de gerar destruição resultante da liberação de energia, apenas o incômodo gerado pelo gás tóxico.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE Adicional de periculosidade não deve integrar complementação

de aposentadoria dos ex-ferroviários da RFFSA

O adicional de periculosidade não deve integrar a complementação dos proventos de aposentadoria percebida por ex-ferroviário.

O adicional de periculosidade está diretamente ligado ao exercício da função, sendo, portanto, uma vantagem de caráter transitório, que cessa com a eliminação das condições ou dos riscos que deram causa à sua concessão. Por ser vantagem pecuniária de caráter transitório, não deve integrar os proventos de aposentadoria.

STJ. 2ª Turma. REsp 1643409/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 16/02/2017 (Info 599).

Rede Ferroviária Federal (RFFSA) A Rede Ferroviária Federal (RFFSA) era uma sociedade de economia mista que integrava a Administração Indireta da União. A RFFSA tinha como objetivo promover e gerir os interesses da União no setor de transportes ferroviários. Na prática, ela realizava o transporte ferroviário no Brasil. A RFFSA foi extinta pela MP 353/2007 (convertida na Lei nº 11.483/2007) e seus empregados foram transferidos para a VALEC (empresa pública federal encarregada da construção de redes ferroviárias). Complementação de aposentadoria de ferroviário Em 1991, foi editada uma Lei prevendo que os ferroviários aposentados que trabalhavam para a RFFSA teriam direito de receber um determinado valor chamado de “complementação da aposentadoria”, desde que atendidas as seguintes exigências: a) ter ingressado nos quadros da RFFSA, suas estradas de ferro, unidades operacionais e subsidiárias, antes de 21 de maio de 1991; b) ter se aposentado pela Previdência Social; e c) ter a condição de ferroviário na data imediatamente anterior ao início da aposentadoria. O valor dessa complementação seria a diferença entre a aposentadoria paga pelo INSS ao ex-ferroviário e a remuneração do cargo em atividade na RFFSA. É como se fosse uma forma de garantir ao aposentado o mesmo valor que o funcionário da ativa estava recebendo. Vale relembrar que os antigos funcionários da ativa da RFFSA foram transferidos para a VALEC. Veja o que diz a Lei nº 8.186/91:

Art. 1º É garantida a complementação da aposentadoria paga na forma da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) aos ferroviários admitidos até 31 de outubro de 1969, na Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), constituída ex-vi da Lei nº 3.115, de 16 de março de 1957, suas estradas de ferro, unidades operacionais e subsidiárias.

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35

Art. 2º Observadas as normas de concessão de benefícios da Lei Previdenciária, a complementação da aposentadoria devida pela União é constituída pela diferença entre o valor da aposentadoria paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o da remuneração do cargo correspondente ao do pessoal em atividade na RFFSA e suas subsidiárias, com a respectiva gratificação adicional por tempo de serviço. Parágrafo único. O reajustamento do valor da aposentadoria complementada obedecerá aos mesmos prazos e condições em que for reajustada a remuneração do ferroviário em atividade, de forma a assegurar a permanente igualdade entre eles.

O valor recebido pelo ferroviário da ativa a título de adicional de periculosidade também integra a complementação da aposentadoria do ex-ferroviário? Ex: é pago R$ 500,00 de adicional de periculosidade aos ferroviários da ativa; essa quantia também deverá ser estendida aos ex-ferroviários? NÃO.

O adicional de periculosidade não deve integrar a complementação dos proventos de aposentadoria percebida por ex-ferroviário. STJ. 2ª Turma. REsp 1643409/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 16/02/2017 (Info 599).

O adicional de periculosidade é um valor pago ao empregado que trabalha com inflamável ou explosivo. Ele corresponde a 30% sobre o salário-base (art. 193, § 1º da CLT) do empregado. O conceito de “remuneração” é muito amplo e abrange “adicionais”. Assim, o adicional de periculosidade está incluído na expressão “remuneração”. O art. 2º da Lei nº 8.186/91 fala que a complementação de aposentadoria do ex-ferroviário é a diferença do que ele recebe a título de aposentadoria e a “remuneração do cargo correspondente ao do pessoal em atividade na RFFSA e suas subsidiárias”. Desse modo, se formos interpretar o art. 2º literalmente, o ex-ferroviário teria sim direito de receber o valor pago como adicional de periculosidade porque essa quantia se enquadra no conceito de remuneração. O STJ, contudo, afirmou que não se poderia dar uma interpretação literal ao caso, sob o grave risco de provocar a criação de norma jurídica que contrarie o ordenamento jurídico. Portanto, outras modalidades interpretativas devem ser observadas, como a teleológica e a sistemática. O adicional de periculosidade está diretamente ligado ao exercício da função, sendo, portanto, uma vantagem de caráter transitório, que cessa com a eliminação das condições ou dos riscos que deram causa à sua concessão. Por ser vantagem pecuniária de caráter transitório, não deve integrar os proventos de aposentadoria.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) A cobrança de juros com capitalização anual, nos contratos de mútuo, pode ser feita mesmo sem

expressa pactuação. ( ) 2) (DPE/MA 2015 FCC) Em 10.06.2015, o Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula nº 539, que assim

dispõe: “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP 1.963-17/00, reeditada como MP 2.170-36/01), desde que expressamente pactuada”. Na mesma oportunidade, editou a Súmula nº 541, que assim dispõe: “A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”. Pelo entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça, conclui-se que o anatocismo é vedado aos não integrantes do Sistema Financeiro Nacional pela Lei de Usura (Decreto no

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36

22.626/33), que segue vigente mesmo após a edição da Medida Provisória 1.963 e reedição como MP 2.170, mas as instituições financeiras não têm qualquer restrição para a cobrança de juros capitalizados, qualquer que seja a periodicidade. ( )

3) (Defensor DPE-MA 2015 FCC) Em 10.06.2015, o Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula nº 539, que assim dispõe: “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP 1.963-17/00, reeditada como MP 2.170-36/01), desde que expressamente pactuada”. Na mesma oportunidade, editou a Súmula nº 541, que assim dispõe: “A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”. Pelo entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça, conclui-se que a capitalização de juros é proibida aos particulares e àqueles que não sejam integrantes do Sistema Financeiro Nacional, ainda que a periodicidade seja anual e exista previsão expressa no contrato. ( )

4) (DPE/PR 2014) Se o mútuo é destinado a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais podem ser estipulados livremente pelas partes, sendo vedada, entretanto, a sua capitalização anual. ( )

5) (Promotor MP/RR 2012) De acordo com entendimento do STJ, é permitida a capitalização de juros nos contratos de crédito rural, mesmo que não haja pacto expresso neste sentido. ( )

6) (Promotor MP/SP 2013) São responsáveis pela reparação civil os pais, pelos atos de filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. ( )

7) Os incapazes, quando praticarem atos que causem prejuízos, terão responsabilidade subsidiária, condicional, mitigada e equitativa. ( )

8) A responsabilidade dos pais dos filhos menores será substitutiva, exclusiva e não solidária. ( ) 9) Em ação indenizatória decorrente de ato ilícito há litisconsórcio necessário entre o genitor responsável

pela reparação (art. 932, I, do CC) e o menor causador do dano. ( ) 10) O art. 932, I do CC, ao se referir à autoridade e companhia dos pais em relação aos filhos, quis

explicitar o poder familiar (a autoridade parental não se esgota na guarda), compreendendo um plexo de deveres, como proteção, cuidado, educação, informação, afeto, dentre outros, independentemente da vigilância investigativa e diária, sendo irrelevante a proximidade física no momento em que os menores venham a causar danos. ( )

11) A mãe que, à época de acidente provocado por seu filho menor de idade, residia permanentemente em local distinto daquele no qual morava o menor - sobre quem apenas o pai exercia autoridade de fato - não pode ser responsabilizada pela reparação civil advinda do ato ilícito, mesmo considerando que ela não deixou de deter o poder familiar sobre o filho. ( )

12) (Promotor MP/MT 2014) De acordo com o artigo 933 do Código Civil, todas as modalidades de responsabilidade indireta previstas no artigo 932 do Código Civil são objetivas, não mais se analisando culpa para efeito de responsabilidade, ainda que sob a forma de presunção. ( )

13) (Promotor MP/MT 2014) As pessoas consideradas responsáveis por ato de terceiro, enumeradas no artigo 932 do Código Civil, possuem responsabilidade subsidiária de acordo com o parágrafo único do artigo 942 do Código Civil. ( )

14) (Promotor MP/MT 2014) O Código Civil consagrou a plena responsabilidade jurídica do incapaz desde que os seus responsáveis não tenham a obrigação de indenizar ou não dispuserem de meios suficientes para tanto, registrando-se que a indenização devida pelo incapaz, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz, ou as pessoas que dele dependam. ( )

15) (Juiz Federal TRF1 2015 CESPE) A parte lesada pelo inadimplemento pode pleitear a resolução do contrato, que é um direito potestativo do credor, razão pela qual o adimplemento substancial da obrigação pelo devedor não impede a extinção do negócio jurídico. ( )

16) (PGE/BA 2014) A teoria do adimplemento substancial impõe limites ao exercício do direito potestativo de resolução de um contrato. ( )

17) (Defensor DPE-MA 2015 FCC) Sobre a proteção contratual do consumidor, é correto afirmar que o adimplemento substancial do contrato pode impedir a resolução em caso de inadimplemento, desde que expressamente previsto pelas partes. ( )

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 37

18) (Promotor MP/MS 2015) A teoria do adimplemento substancial relativiza o direito do credor de, havendo inadimplemento, pleitear a resolução do vínculo obrigacional, motivo pelo qual o STJ concluiu pela sua inaplicabilidade no Brasil. ( )

19) (PGE/PR 2015) Adimplemento substancial é o adimplemento parcial em nível suficiente a afastar as consequências da mora e liberar o devedor do pagamento das prestações residuais, tendo em vista que a obrigação, apesar de não ter sido cumprida de modo integral, atendeu à sua função social. ( )

20) (DPE/GO 2014) Em contraponto ao formalismo exacerbado na execução das obrigações contratuais, desenvolveu-se na Inglaterra, a partir do século XVIII, a teoria do adimplemento substancial, corolário do princípio da boa-fé objetiva positivado no ordenamento jurídico brasileiro a partir da entrada em vigor da Lei n. 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). A esse respeito, considera-se que A) a aplicação da teoria do adimplemento substancial prescinde do cumprimento de parte significativa das obrigações contratuais por quem dela se beneficia. B) a teoria do adimplemento substancial tende a preservar o negócio jurídico aventado, limitando o direito do credor à exceptio non adimpleti contractus, quando, diante de um adimplemento das obrigações tão próximo do resultado final e tendo em vista a conduta das partes, deixa de ser razoável a resolução contratual. C) a aplicação da teoria do adimplemento substancial restringe-se às relações de consumo no direito brasileiro. D) a falta de positivação do princípio da boa-fé objetiva no ordenamento jurídico brasileiro impediu que os tribunais pátrios o aplicassem na resolução de casos concretos, de modo que a exceptio non adimpleti contractus foi aplicada de maneira absoluta até o ano de 1990. E) a determinação expressa no artigo 475 do Código Civil proíbe à parte lesada pelo inadimplemento que propugne pela resolução contratual.

21) (Juiz TJ/PE 2013 CESPE) A teoria do adimplemento substancial, adotada em alguns julgados, sustenta

que A) independentemente da extensão da parte da obrigação cumprida pelo devedor, manifestando este a intenção de cumprir o restante do contrato e dando garantia, o credor não pode pedir a sua rescisão. B) a prestação imperfeita, mas significativa de adimplemento substancial da obrigação, por parte do devedor, autoriza a composição de indenização, mas não a resolução do contrato. C) o cumprimento parcial de um contrato impede sua resolução em qualquer circunstância, porque a lei exige a preservação do contrato. D) a prestação imperfeita, mas significativa de adimplemento substancial da obrigação, por parte do devedor, autoriza apenas a resolução do contrato, mas sem a composição de perdas e danos. E) o adimplemento substancial de um contrato, por parte do devedor, livra-o das consequências da mora, no tocante à parte não cumprida, por ser de menor valor.

22) Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei 911/69. ( )

23) Por não se tratar de uma obrigação de cunho patrimonial, não é válida a aplicação de astreintes quando o genitor detentor da guarda da criança descumpre acordo homologado judicialmente sobre o regime de visitas. ( )

24) Na execução de alimentos pelo rito do art. 733 do CPC/1973 (art. 528 do CPC/2015), o executado não pode comprovar a impossibilidade de pagamento por meio de prova testemunhal. ( )

25) Os contratos que impliquem transferência de tecnologia, para produzirem efeitos em relação a terceiros, precisam ser registrados e/ou averbados no INPI (art. 211 da Lei nº 9.279/96). O INPI, ao examinar os contratos que lhe são submetidos para averbação ou registro, pode e avaliar as cláusulas contratuais exigindo a alteração daquelas que forem abusivas ou ilegais?

26) O INPI pode intervir no âmbito negocial de transferência de tecnologia, diante de sua missão constitucional e infraconstitucional de regulamentação das atividades atinentes à propriedade industrial. ( )

Informativo 599-STJ (11/04/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 38

27) O pedido cumulado de indenização, quando mediato e dependente do reconhecimento do pedido antecedente de declaração da autoria da obra, não afasta a regra geral de competência do foro do domicílio do réu. ( )

28) O art. 12, § 2º, da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) consagra uma presunção absoluta de que o autor da ação de usucapião especial urbana é hipossuficiente. ( )

29) O ato de composição entre denunciado e vítima visando à reparação civil do dano, embutido na decisão concessiva de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95), não é título executivo judicial porque a sentença que homologa a suspensão condicional do processo não faz coisa julgada material. ( )

30) (Promotor MPDFT 2015) A perda de cargo público, nos casos em que for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos, em caso de homicídio, é um efeito automático da sentença condenatória, não havendo necessidade de declaração motivada do juiz na sentença. ( )

31) (Juiz TRF1 2015 CESPE) Segundo o CP, é efeito da condenação criminal transitada em julgado a perda de cargo público, que se dá de forma automática e independente de motivação por parte do juiz se houver sido aplicada pena privativa de liberdade igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder. ( )

32) (Delegado PC PE 2016 CESPE) Segundo o CP, constitui efeito automático da condenação a perda de cargo público, quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública. ( )

33) A pena de perdimento deve ser restrita ao cargo ocupado ou função pública exercida no momento do delito, à exceção da hipótese em que o magistrado, motivadamente, entender que o novo cargo ou função guarda correlação com as atribuições anteriores. ( )

34) A conduta de portar granada de gás lacrimogêneo ou granada de gás de pimenta se subsome ao delito previsto no art. 16, parágrafo único, III, da Lei nº 10.826/2003. ( )

35) O adicional de periculosidade não deve integrar a complementação dos proventos de aposentadoria percebida por ex-ferroviário. ( )

Gabarito

1. E 2. E 3. E 4. E 5. E 6. C 7. C 8. C 9. E 10. C

11. C 12. C 13. E 14. C 15. E 16. C 17. E 18. E 19. E 20. Letra B

21. Letra B 22. C 23. E 24. E 25. - 26. C 27. C 28. E 29. E 30. E

31. E 32. E 33. C 34. E 35. C