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Índice Introdução: a cidade reurbanizada e o “cidadão em abstracto”......................................... 1 1. Fundamentação teórica.................................................................................................. 4 1.1 Espaço (de uso) público, igualdade e diversidade.................................... 4 1.2 Contextos e regionalização de contextos................................................ 11 1.3 Inclusão e exclusão................................................................................. 15 1.4 Mobilidade, competitividade e lazer.......................................................17 1.4.1 Mobilidade e motilidade.............................................................17 1.4.2 Competição pela massa cambiante.............................................19 1.4.3 Territórios lúdicos.......................................................................21 2. Método.........................................................................................................................24 2.1 Investigar o investigador.........................................................................24 2.2 Interesses e objetivos.............................................................................. 27 2.3 Estruturando uma abordagem qualitativa............................................... 28 2.4 Análise: busca de estruturas.................................................................... 35 2.5 Objeto..................................................................................................... 37 2.6 Validação.................................................................................................39 3. O processo de produção de cidade.............................................................................. 41 3.1 Da indústria ao lazer, dos fundos para a frente....................................... 41 3.2 Expo'98: marketing e heranças urbanas..................................................45 3.3 Nova centralidade................................................................................... 52 3.4 Inclusão do “cidadão em abstracto” pela “qualidade”............................55 3.5 Motilidade e ressensibilização................................................................ 59 4. A organização no cotidiano..........................................................................................65 4.1 Deslocamentos........................................................................................ 65 4.1.1 Pedestrialização.......................................................................... 66 4.1.2 Tolerância automóvel................................................................. 70 4.2 Exercícios e brincadeiras........................................................................ 72 4.2.1 Jogging ...................................................................................... 73 4.2.2 Brinquedos e improviso..............................................................74 4.3 Comer e deitar.........................................................................................78 4.3.1 Comer......................................................................................... 78 4.3.2 Deitar.......................................................................................... 85 4.4 Explorações do recurso social.................................................................88 4.5 Dois contextos: gare e skate park........................................................... 98 4.5.1 Gare............................................................................................ 99 4.5.2 Skate park................................................................................. 108 5. Participação................................................................................................................118 6. Conclusão.................................................................................................................. 123 Bibliografia.................................................................................................................... 127 Livros e artigos........................................................................................... 127 Outras publicações...................................................................................... 130 Anexo 1 – Propostas do Ideia para um Orçamento....................................................... 133

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ÍndiceIntrodução: a cidade reurbanizada e o “cidadão em abstracto”.........................................11. Fundamentação teórica..................................................................................................4

1.1 Espaço (de uso) público, igualdade e diversidade....................................41.2 Contextos e regionalização de contextos................................................111.3 Inclusão e exclusão.................................................................................151.4 Mobilidade, competitividade e lazer.......................................................17

1.4.1 Mobilidade e motilidade.............................................................171.4.2 Competição pela massa cambiante.............................................191.4.3 Territórios lúdicos.......................................................................21

2. Método.........................................................................................................................242.1 Investigar o investigador.........................................................................242.2 Interesses e objetivos..............................................................................272.3 Estruturando uma abordagem qualitativa...............................................282.4 Análise: busca de estruturas....................................................................352.5 Objeto.....................................................................................................372.6 Validação.................................................................................................39

3. O processo de produção de cidade..............................................................................413.1 Da indústria ao lazer, dos fundos para a frente.......................................413.2 Expo'98: marketing e heranças urbanas..................................................453.3 Nova centralidade...................................................................................523.4 Inclusão do “cidadão em abstracto” pela “qualidade”............................553.5 Motilidade e ressensibilização................................................................59

4. A organização no cotidiano..........................................................................................654.1 Deslocamentos........................................................................................65

4.1.1 Pedestrialização..........................................................................664.1.2 Tolerância automóvel.................................................................70

4.2 Exercícios e brincadeiras........................................................................724.2.1 Jogging ......................................................................................734.2.2 Brinquedos e improviso..............................................................74

4.3 Comer e deitar.........................................................................................784.3.1 Comer.........................................................................................784.3.2 Deitar..........................................................................................85

4.4 Explorações do recurso social.................................................................884.5 Dois contextos: gare e skate park...........................................................98

4.5.1 Gare............................................................................................994.5.2 Skate park.................................................................................108

5. Participação................................................................................................................1186. Conclusão..................................................................................................................123Bibliografia....................................................................................................................127

Livros e artigos...........................................................................................127Outras publicações......................................................................................130

Anexo 1 – Propostas do Ideia para um Orçamento.......................................................133

Introdução: a cidade reurbanizada e o “cidadão em abstracto”

Em 1948, o plano diretor de Lisboa definiu a criação, na região oriental da

cidade, de uma zona industrial associada ao porto. Ao longo do século XX, essa mesma

região foi também sendo utilizada como abrigo de políticas habitacionais destinadas à

população de baixa renda (Gato, 1997:50 e seguintes). Com a desativação e

obsolescência de parte das indústrias e a crescente viragem da economia portuguesa

para o setor terciário/quaternário (Matias Ferreira e outros, 1997), a região oriental foi

se consolidando como uma periferia social, para além de geográfica, desintegrada da

malha urbana.

Tais condições justificaram que a zona fosse escolhida para abrigar a Exposição

Mundial de 1998 (Expo'98), dada como trunfo para fazer de Lisboa mais competitiva.

Para além do evento, a consecução desse objetivo dependia também do sucesso de um

projeto de reurbanização que visava constituir o que foi apresentado como um nova

centralidade, tirando a zona oriental dos fundos e trazendo-a para a frente da malha

urbana. Para isso, definiu-se um perímetro de 3,3 km2 à margem do Rio Tejo no qual

todas as ocupações anteriores, essencialmente industriais mas também alguma

habitação, foram extintas. Substituíram-nas um parque habitacional destinado sobretudo

aos jovens (Ferreira, 2006:458) e uma oferta de comércios, serviços e espaços públicos

de lazer que, em conjunto com uma expressiva rede de transportes e de malha viária,

permitem que a administração divulgue hoje que o perímetro seja visitado por 20

milhões de pessoas por ano ante uma população residente de 25 mil (PESA, 2010).

Ao nível de governança, o território, entretanto batizado de Parque das Nações,

não está submetido à estrutura comum de administração urbana em Portugal, composta

por autarquias municipais e (com um poder muito mais reduzido) freguesias. Todo o

projeto Expo, como a gestão ainda hoje, é mais proximamente ligado ao Governo

Central Português, acionista majoritário da empresa constituída para realizar a

intervenção e fazer a gestão urbana temporariamente – uma nova versão do centralismo

característico das cidades europeias (Les Galès, 2005).

É a produção dos espaços públicos nesse território que nos propusemos

investigar. Como se organiza aí a vida social? – foi a questão inicial que nos colocamos,

ainda na fase exploratória da pesquisa de terreno, quando formulamos a hipótese,

entretanto confirmada parcialmente, de que haveria um controle rígido dessa vida

social. Que formas de ocupação são promovidas, toleradas, desestimuladas, interditas? –

foi o que nos perguntamos quando já a recolha de dados ia avançada e o princípio

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organizativo que buscávamos parecia se delinear nessas quatro categorias. Como as

estruturas sociais de ação ou interpretação (mais resistentes ou mais flexíveis, mais

permanentes ou mais fugididas) identificáveis na vida cotidiana dos espaços públicos do

Parque se relacionam com estruturas sociais mais abrangentes e duradouras? –

questionamo-nos nas fases finais da análise. A observação direta da vida cotidiana e

conversas sem guião foram centrais à investigação. São os dados recolhidos com essas

ferramentas que constituem a base das reflexões desenvolvidas, para as quais

recorremos também a entrevistas orientadas por guiões temáticos e à análise de

documentos. Apostamos, em linha com José Machado Pais (2002), na densidade do

cotidiano como janela para a estruturação da vida social e, em linha com Anthony

Giddens (1986), na contextualidade da ação.

Partindo dessa abordagem, investigamos em três perspectivas: como a produção

de espaços públicos envolve a organização da vida cotidiana desenvolvida nesses

espaços; a função deles como instrumento para a promoção da competitividade urbana;

e como essa produção envolve a criação de um sistema de participação indireta na

própria produção.

Percebemos que o urbanismo adotado no Parque das Nações chamanos

indivíduos a ocupar os espaços públicos e influi no estabelecimento ou no evitamento

de coexistências e interações. Isso envolve exclusão de algumas formas de ocupação, e

por aí da presença de alguns papéis desempenhados pelos indivíduos no meio urbano,

mas também pela própria inclusão, ainda que condicionada, de outras. Há uma

expressiva negação da exclusão de qualquer papel, o que é condizente com a ideia de

que o espaço, quando público, deve ser acessível e, assim, pensado para o “cidadão em

abstracto” citado no título, como o responsável pela gestão urbana do Parque define o

público-alvo da empresa que administra. Uma ideia, por sua vez, que condiz com a

ficção moderna de que os indivíduos, por assim o serem, partilham de uma e a mesma

igualdade (Martucelli, 2002).

A competitividade se traduz em uma política urbanística voltada a captar e

promover um fluxo permanente de população cambiante com vistas ao consumo lúdico

dos espaços de uso público. O favorecimento à circulação, uma característica da

modernidade segundo Michel Foucault (2007), é combinado com a valorização do lazer,

uma característica do urbanismo contemporâneo apontada por Luís Baptista (2004) e

que serve como estratégia para ancorar temporariamente o indivíduo nos espaços

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públicos.

A participação desse indivíduo na produção do espaço público ocupa, em outras

bases e ao menos em parte, o vazio de participação pública nas políticas urbanísticas

que foi aberto quando o Governo Português optou por atribuir a responsabilidade pela

reurbanização a uma empresa de estrutura privada e de capitais públicos, com

competências excepcionais para intervir no tecido urbano de uma forma que pudesse

prescindir dos processos de debate político convencionais a que, é o comum em

Portugal, estão sujeitos os instrumentos de produção de cidades.

***

A dissertação está dividida em duas partes: na primeira, apresentamos a

fundamentação teórica (capítulo 1) e o percurso metodológico (capítulo 2). O nosso

objetivo é, com ambos, justificar e permitir a validação do trabalho investigativo, da

construção do objeto às conclusões a que chegamos, passando pela análise desenvolvida

nesse processo. A segunda parte apresenta as três perspectivas a partir das quais

olhamos para a produção dos espaços públicos no Parque das Nações avançadas acima:

a da política urbanística de competitividade (capítulo 3), a da organização da ocupação

dos espaços de uso público (capítulo 4) e a da promoção da participação indireta do

indivíduo (morador, trabalhador ou turista) na produção desse espaço (capítulo 5).

Uma breve nota sobre a língua utilizada no texto: está escrito em português

brasileiro sob as regras do Novo Acordo Ortográfico. Entretanto, quando pareceu

necessário e nos foi possível, utilizamos termos e construções frásicas do português

europeu como forma de torná-lo mais adequado ao contexto de produção da dissertação:

assim, ônibus (brasileiro) virou autocarro (europeu). O português europeu também foi

utilizado nas citações em português europeu e nas transcrições de trechos das entrevistas

com falantes de português europeu.

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1. Fundamentação teórica

Pretendemos esclarecer em qual quadro teórico a presente investigação se

produziu. A apresentação dele em primeiro lugar em um estudo de abordagem

metodológica indutiva se deve ao fato de acreditarmos que a teoria, como a entende

José Machado Pais (1991:9) serve de legitimação do processo de investigação e,

principalmente, funciona como quadro de referência de construção desse processo.

Assim, a teoria teve aqui um papel para além de legitimador da seleção do objeto, da

escolha da metodologia e da validação das análises: funcionou como material para

construção do objeto, da metodologia e das análises. Por isso, algum dado empírico será

utilizado, uma vez que não se trata de algo pertencente a um domínio separado dos

outros.

1.1 Espaço (de uso) público, igualdade e diversidade

Nessa primeira parte, nosso objetivo é mostrar como o conceito de espaço

público é entendido como um lugar da cidade onde igualdade e diversidade devem ser

possíveis. Para isso, é necessário separar o que são espaços públicos no plural do espaço

público em sentido amplo, no singular.

O conceito de espaço público costuma invocar, ao menos, duas dimensões

(Sennett, 1974; Fortuna, Ferreira e Abreu, 1998/1999; Urry e Sheller, 2003; Innerarity,

2006; Leite, 2008; Tonnelat, 2010): a de espaço de acesso físico virtualmente irrestrito

(ruas, praças), quase que exclusivamente urbano e de propriedade pública, em oposição

aos espaços privados (lar, local de trabalho); e a de esfera pública domínio de

constituição da ação política e cívica e do debate.

As características físicas que permitem que um espaço físico seja chamado de

espaço público em sentido amplo (no singular) são ligadas normalmente ao seu estatuto

jurídico de propriedade e à sua acessibilidade (Urry e Sheller, 2003; Leite, 2008;

Tonnelat, 2010). Nesse sentido, são considerados espaços públicos (ou possivelmente

públicos) a) os detidos pelo Poder Público; b) e os que não impõem limitações ao seu

acesso. Esse é um ponto de vista mais comum no urbanismo, como identifica Stéphane

Tonnelat (2010).

A aproximação entre o Poder Público e a iniciativa privada no que toca à gestão

do território, oferecendo a um e outro novos recursos e constrangimentos para

intervenção, torna o primeiro critério, de certa forma, insuficiente. Os Business

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Improvement Districts (Tonnelat, 2001), as concessões urbanísticas e a criação de

empresas de estrutura privada e capital público para a gestão urbanística de territórios

urbanos, como é o caso no Parque das Nações, coloca-os, ainda que mantida a

propriedade pública, sob controle em alguns casos quase absolutamente privado1. A

aproximação então constitui um equilíbrio de poder muito diferente entre os indivíduos

e instituições envolvidos com o território em relação àquele equilíbrio existente quando

titularidade e administração obedecem à estrutura pública convencional.

As apropriações dos espaços pelos indivíduos também contribuem para tornar o

critério da propriedade pouco preciso. Demonstram essa imprecisão os interstícios

criados entre o espaço privativo do lar e o espaço da rua (Bouchanine, 1991); as

fronteiras que permitem a urbanitas criarem ambientes privados em espaços de

titularidade pública como as praças (Arantes, 1997); a circulação automóvel que permite

estar em espaços privados mesmo estando em espaços de titularidade pública (Urry e

Sheller, 2003); e a reprodução de características da vida privada (segurança, higiene,

separação das funções habitacionais como estacionamento, alimentação, vestuário) nos

centros comerciais (Fortuna, Ferreira e Abreu, 1998/1999), que são espaços privados

mas de acessibilidade física ampla.

A acessibilidade também se mostra insuficiente como critério se levarmos em

conta o que Fortuna, Ferreira e Abreu chamam de lógica própria de ordenamento e de

poder interno.

“Ora, a ideia de um espaço público de acesso e expressão livres, individual e grupal, como a sustentada por Lefebvre – o «espaço da representação» – parece exagerar na suspensão dos constrangimentos sociais e simbólicos que os configuram. O nosso argumento vai no sentido de sustentar que tanto os espaços especializados da produção e consumo culturais, como os espaços auto referenciados da cidade (como a rua ou a praça pública), por onde todos passam sem que ninguém aí permaneça, ou os espaços onde se permanece sem que ninguém ou poucos por aí passem (por exemplo, os espaços psicotrópicos das cidades) para nada dizer dos espaços de prolongamento do quotidiano de trabalho (por exemplo, os espaços de lazer ou de consumo massificado), todos eles, dizíamos, têm uma lógica própria, material ou simbólica, de ordenamento e de poder interno” (1998/1999:91)

Essas lógicas de ordenamento e de poder, a nosso ver, estabelecem limites

sociais que permitem que espaços completamente acessíveis do ponto de vista físico

sejam refratários e mesmo impeditivos a algumas ocupações e atrativos ou mesmo

1 Concessão urbanística é um instrumento jurídico que concede à iniciativa privada a gestão do territórios de titularidade pública

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exclusivos para outras. Há aqui uma preocupação com o efeito causado por

constrangimentos ao espaço público (em sentido amplo) no singular – ou seja, uma

evolução da análise da dimensão puramente física para a dimensão política do espaço

público.

Essa reflexão permite que passemos à análise da relação entre esse conceito

quando aplicado ao meio urbano e as ideias de igualdade e diversidade.

A igualdade é uma ideia e uma imposição essencialmente modernas segundo

Danilo Martucelli (2002), embora não seja exclusividade desse período histórico.

Expressa-se nas emergências da democracia como sistema político institucional, da

figura do cidadão dotado de direitos universais e da necessidade de traduzir todas as

diversidades e desigualdades em uma linguagem universal. No campo das interações

sociais, emerge o regime político igualitário (o conceito de regime político entendido

como a estrutura política das relações sociais entre os indivíduos no sentido amplo, não

apenas no institucional), que coloca o indivíduo na obrigação de ser tratado como um

igual e de exigir que os outros também se sintam assim, iguais. O regime igualitário

emerge em oposição ao que o autor classifica como o regime hierárquico (2002:247)

bem representado na sociedade de corte, no qual as diferenças são “reconhecidas em

sua radical singularidade” e assim servem como recurso legítimo para definir a posição

do indivíduo na escala social2. Essa posição social, por sua vez, dita a posição do

indivíduo em uma escala de humanidade – e, portanto, natural.

O regime igualitário irá contrapor a essa ficção hierárquica de uma hierarquia

natural dos seres (Martucelli, 2002:248), a ficção de uma igualdade pela qual as

diferenças existem mas devem ser, de certa forma, ignoradas – para o que as regras da

interação em público descritas por Erving Goffman são ferramentas para lá de úteis,

necessárias3. O indivíduo é constrangido a exigir ser tratado como um igual e de exigir

que os outros também se sintam assim, iguais.

“L'égalité, axée sur des droits universalisables, suppose d' ignorer, d'une manière ou d'une autre, les différences entre les individus dans un but particulier et de considérer des personnes différentes comme équivalentes (mais non forcément identiques) pour un propos déterminé. Les demandes d'égalité visent à faire reconnaître la légitimité de certaines diférences non reconnues, mais, pour ce faire, elles exigent l'existence d'un langage commum.” (Martucelli, 2002:250-251)

2 “dans sa radicale singularité” no original (tradução nossa)3 Cf., por exemplo, Stigma (1963)

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A igualdade irá se materializar também na ideia de público, como aponta

Richard Sennett na obra de Alexis de Tocqueville. Aí, o termo público remete ao que é

composto de “outros como cada um” (1974:31), separado do domínio privado4. Por ser

público, o espaço público em sentido amplo (seja ele um espaço físico ou virtual)

carrega esse ideal moderno da igualdade também por que, na senda de Martucelli

(2002), é a vigilância exercida pela esfera pública que garante a manutenção da ficção

igualitária.

Olhando para como se constitui o espaço público no espaço físico urbano

retalhado em condomínios fechados, Teresa Caldeira aponta justamente para o risco de

igualdade, abertura e acessibilidade – valores modernos – deixarem de ser

determinantes,

“In its modern version, today’s destruction of modern public space is leading not to the end of public space altogether but to the creation of another kind. Privatization, enclosure, and distancing devices offer means not only of withdrawing from and undermining a certain public space (modern) but also of creating another public sphere: one that is fragmented, articulated, and secured by separation and high-tech devices, and in which equality, openness, and accessibility are not organizing values.” (2000:331)

Igualidade e acessibilidade, portanto, surgem em conjunto na constituição do

espaço público urbano moderno, como indica também a crítica de Sennett (1974:13) à

morte do mesmo. Para Sennett, a existência de barreiras físicas à entrada ou à

permanência dos indivíduos nesses espaços físicos urbanos é um dos elementos a fazer

com que o espaço público urbano amplo (no singular) possa ser considerado morto.

Juntamente com a igualdade e a acessibilidade, porém, há o entendimento de que

o espaço para ser público em sentido amplo tem de permitir que a diferença aí conviva

ou pelo menos que possa aí conviver a fim de que possa ser constituída uma esfera

pública. E é por isso que uma rua ou uma praça não podem, nem mesmo elas, ser

consideradas espaços público a priori, como afirma Leite (2008:50). A rua, assim como

uma praça, pode ser considerada um espaço público em potencial, pois carece da

dimensão de esfera pública para se se efetivar como tal. E para que a esfera pública

possa emergir, é preciso que o espaço possa ser mais do que vivido: é preciso que esse

espaço possa ser traduzido como espaço do discurso, da ação política e da diferenciação

(idem, 2008:51). Assim, igualdade e diversidade (ou assimetrias e discordâncias)

surgem ambas como condições necessárias para que um espaço qualquer possa ser

4 “others like oneself” (t.n.)

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chamado de espaço público5.

“Para se tornar locus da igualdade de direitos e da liberdade política, o espaço público deve suportar também as assimetrias de fala e participação, que refletem muitas vezes as desiguais formas de inserção social dos agentes envolvidos. Ao contrário de perder sua prerrogativa política com o litígio, o espaço público pode se constituir exatamente no ponto onde as discordâncias afloram.”(Leite, 2008:51)

Para Leite, a existência dessas assimetrias decorre da afirmação pública das

diferenças dos indivíduos, que se expressa na apropriação dos espaços físicos,

apropriação essa que os tornam lugares. Esses lugares – espaços físicos apropriados –

dependem não só de uma convergência interna, mas também de uma existência externa.

Dependem, assim, do reconhecimento público, mesmo que pelo conflito, de sua

existência. É importante ressaltar que, para Leite, esses conflitos não têm,

obrigatoriamente, de se apresentar como protestos ou como uma forma mais

institucionalizada de expressão para que a existência externa dos lugares venha a

ocorrer (e, em consequência, para que o espaço público possa emergir). Basta mesmo

que haja afirmação de estilos de vida diferentes, já que a esfera pública não se resume à

participação cívica ou política, muito menos apenas à participação cívica ou política

institucionalizada.

Valorizar o reconhecimento público das diferenças, como o faz Leite (2008), é

característico de um terceiro regime da interação que Martucelli (2002) irá definir como

o da diferença. O indivíduo, nesse novo regime, quer que suas diferenças sejam

reconhecidas socialmente e não mais ignoradas em favor de uma ficção igualitária. É o

modo pelo qual ele consegue se singularizar, um novo princípio que, pese a aparência

contraditória, também é universalista: todos são iguais e, por isso, todos têm o direito e

a obrigação de terem suas diferenças reconhecidas quando assim o querem. Por isso, o

regime da diferença é não uma ruptura, mas uma "inflexão vis-à-vis" (2002:292) o

regime igualitário: a afirmação pública de si faz parte do mesmo processo moderno de

individuação que contrapõe à rigidez apriorística do regime hierárquico a liberdade de

ser sujeito de si garantida pelo regime igualitário6.

O melhor contexto para a afirmação pública da diferença, não podia deixar de

ser, é a cidade. A diversidade remonta ao urbanismo como modo de vida descrito por

5 Ao apontarem para as lógicas de poder e ordenamento interno, Fortuna, Ferreira e Abreu (1998/1999) parecem ter a mesma preocupação como pano de fundo: a de que haja limites à diversidade em razão dessas lógicas e ordenamento

6 “une inflexion vis-à-vis de l'égalité” (t.n.)

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Louis Wirth (1997), para quem a cidade atrai e recompensa as diferenças individuais

justamente em razão da diferença. Na cidade, o urbanita circula entre diversas redes e

estruturas de grupo sociais, elas mesmo constantemente em alteração pela contínua

troca de integrantes. Essa mobilidade entre redes e a convivência com o outro é que

conferem ao indivíduo as características de "cosmopolitismo e sofisticação" (1997:57)

próprio do urbanita7. Hannerz (1983:278-280) relaciona a convivência com a

diversidade a um aumento da reflexividade do indivíduo e a um aumento da empatia ou

mesmo da curiosidade pelo outro. A diversidade parece tão natural ao meio urbano que,

segundo Innerarity (2006), no campo nós nos surpreendemos quando encontramos os

estranhos. Na cidade, quando encontramos os conhecidos.

Para além da diversidade de indivíduos e de redes, é na cidade que o indivíduo,

projeto e problema da modernidade (Wagner, 1996; Martucelli, 2002; Tilley, 2006),

encontra melhores condições para cumprir o desiderato moderno de ser sujeito de si,

agora se diferenciando. Quando se apagam as "identidades naturais" (Wagner,

1996:280) e se criam comunidades com fundamentos diferentes, não transferidas

historicamente mas "escolhidas pelas pessoas diretamente em sua ação" (idem,

1996:280), é na cidade que o indivíduo pode ser o homo goffmani (Hannerz,

1983:290), que devido à miríade de públicos, aí encontra um expressivo inventário de

papéis a desempenhar e, devido à miríade de contextos mais ou menos confinados, aí

encontra a segregação necessária para poder incluir vários deles em seu repertório,

mesmo que contraditórios – ou simplesmente incumpri-los como forma de se

singularizar (Hannerz, 1983; Martucelli, 2002)8.

A cidade é onde o indivíduo consegue deixar de ser submetido aos papéis e à

hierarquia deles, adere à obrigação da igualdade e, em seguida, encontra o público

necessário para afirmar suas diferenças e assim, completar seu projeto de ser um

indivíduo. Nos termos dos regimes políticos da interação, passa-se de uma primazia da

ficção hierárquica à primazia da ficção igualitária e, ao se questionar essa última pela

normalidade normativa que estabelece, à necessidade de diferenciação publicamente

reconhecida.

Parece, então, compreensível o entendimento de Leite de que os espaços

públicos (de uso público) só possam se tornar espaço público no sentido amplo (no

singular) se houver possibilidade de convivência de diferenças. Também parece

7 Para a mobilidade social dos indivíduos, cf. 1.4.1 Mobilidade e Motilidade8 “identités quasi naturelles” e “choisis par les gens eux-mêmes dans leur action” (t.n.)

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compreensível que a tolerância seja incluída como um dos indicadores das cidades

criativas – e assim, economicamente competitivas – por Richard Florida (2005:91) e

que seja difícil discordar de iniciativas formuladas na linguagem da diversidade. Como

afima Loretta Lees sobre o uso da ideia da diversidade no discurso de planejadores de

uma revitalização em Portland (EUA),

"While this wide range of uses [previstos para a área de reabilitação] threatens to make the term incoherent, it is also key to the appeal and power of diversity in planning discourse. Like motherhood and apple pie, diversity is difficult to disagree with. Janus-like, it promises different things to different people" (2003:621)

Em resumo, é sobretudo nessa viragem do regime igualitário para o de diferença

que, julgamos, enquadra-se o clamor por um espaço de uso público que permita não só

o acesso, mas também a possibilidade de existência e mesmo afirmação pública de

diferentes; e que a diversidade e a tolerância surgem como palavras de ordem

influcenciando o modo como as cidades e os espaços de uso público são entendidos,

apropriados, geridos e analisados.

***Antes de concluir, cabem apenas alguns esclarecimentos sobre como os termos

“espaços de uso público”, “espaços públicos” e “espaço público” são utilizados nesta

dissertação.

Parece-nos mais adequado utilizar “espaço de uso público” e “espaços públicos”

para designar os espaços físicos de propriedade pública ou privada de acesso físico

virtualmente irrestrito e livres de um controle de entradas e saídas formalizado e/ou

ostensivo – como as ruas, praças e alguns equipamentos de transporte e lazer, em

oposição aos espaços físicos de acesso restrito (mesmo que de uso público) como um

Centro Comercial que fecha durante noite ou uma sala de concertos que, via de regra,

cobra entradas, ou uma residência. Essa escolha tem algumas justificativas.

Em primeiro lugar, é o entendimento mais próximo do que encontramos no

campo, entre os indivíduos responsáveis pela gestão dos espaços analisados. Em

segundo lugar, foram espaços desse tipo que, à partida, consideramos como aqueles que

seriam analisados. Em terceiro, porque embora a acessibilidade física não seja condição

suficiente para constituir um espaço público, ela parece ser uma condição necessária,

transversal que é às conceitualizações acima apresentadas.

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1.2 Contextos e regionalização de contextos

Contexto é um conceito central para a presente investigação. Julgamos – na

senda de Giddens (1986) – que ao menos parte dos recursos e constrangimentos para a

ação dos agentes pode ser encontrada no contexto em que essa ação se desenvolve e que

ela, por sua vez, também constitui o contexto. É nos contextos, portanto, que o

investigador pode buscar discernir, compreender e elaborar as estruturas nas quais se

pode falar em organizações da vida social, quer seja ao nível da interação face a face,

quer seja em maiores intervalos espaçotemporais, quer sejam estruturas permanentes,

quer sejam absolutamente instáveis. Posto de outra forma, a estruturação da vida social,

entendemos, pode ser explicada por meio dos contextos, alguns maiores, alguns mais

permanentes, outros menores, outros mais fugidios.

Além disso, a ideia de regular contextos parece relevante ao urbanismo. Michel

Foucault vai identificar como as políticas urbanas evoluem da correta distribuição do

território para a regulação do meio na cidade. O meio, um conceito muito próximo de

contexto, será objeto de interesse de arquitetos e urbanistas a partir do século XVIII9.

“What is the milieu? It is what is needed to account for action at a distance of one body on another. It is therefore the medium of an action and the element in which it circulates. It is therefore the problem of circulation and causality that is at stake in this notion of milieu. (...) The milieu is a certain number of combined, overall effects bearing on all who live in it. It is an element in which a circular link is produced between effects and causes (2007:36)

A noção de meio é empregada por Foucault em sua análise dos mecanismos de

poder intrínsecos ao ordenamento do urbano como uma tecnologia de segurança. O

autor recorre a três exemplos de cidades, que representam as três modulações da

segurança: a) a soberana, em que as intervenções sobre o espaço têm por objetivo fazer

da cidade a capital de um território e colocar o Rei no centro dessa capital, garantindo a

boa circulação de seu poder; b) a disciplinar, em que as ocupações do espaço são

estabelecidas a priori e de acordo com o tipo (o comércio em quadras menores, mais

próximas ao eixo central; as residências, em quadras maiores mais distantes do eixo

central) e que tem por objetivo garantir o bom funcionamento e a mobilidade

9 A noção de contexto guarda grande proximidade com a de meio de Michel Foucault, não sendo entretanto idêntica. Destacamos duas proximidades: a) em ambos os conceitos, características espaçotemporais funcionam como recurso e constrangimento para a ação; b) em ambas, a ação afeta, e deste modo constitui, o contexto/o meio. A diferença parece residir sobretudo na escala: no texto citado, Foucault utiliza a noção de meio para uma dimensão espaçotemporal ampla – a cidade como um todo, ou pelo menos para territórios largos da cidade – e não também para a interação face a face, à qual a noção de contexto também é aplicada por Giddens (1986).

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endógenos, sobretudo10; c) e a de segurança, onde a mobilidade interna e externa são

potencializadas e o objetivo passa a ser a regulação do meio – que engloba, como visto,

tanto o espaço da cidade como o uso que a ele dá uma população11. Essas três

modulações, podendo ser vistas como um processo evolutivo do urbanismo, são

abordagens diferentes que entretanto se sobrepõem em diferentes momentos históricos.

Assim, mais uma vez, o conceito de contexto nos parece útil para fazer a

investigação sobre a organização da vida social nos espaços públicos da cidade

reurbanizada. A sua abrangência, entretanto, permite que se abriguem sob ele as mais

diversas características de uma ocupação desses espaços. Foi-nos preciso fazer um

recorte e aqui, mais uma vez, a posição teórica foi determinante. Como tratamos de

espaços de uso público e de ocupações que neles se dão, as características escolhidas

para análise são o espaço-tempo e os papéis desenvolvidos pelos indivíduos12. A

necessidade de fazer esse recorte decorre do diálogo entre os dados empíricos e a teoria.

Cabe aqui uma breve justificativa de por que escolhemos essas características.

Ainda que as relações sociais na cidades não se resumam à competição pelo

espaço, como Hannerz (1983:82) critica na Escola de Chicago, as formas que se

constituem na organização desses espaços são formas sociais que influem na

estruturação da vida social. Isso desde a definição dos usos e ocupações do solo em

planos diretores, passando pela formatação de populações por meio de políticas de

habitação (Mitchell, 1993; Mommaas, 1993; Baptista, 1996; Silva Nunes, 2003) até o

desenho e a disponibilização de mobiliário urbano no espaço de uso público (Thörn, no

prelo). Como refere Fran Tonkiss,

“(...) urban spaces can be seen as structuring social relations and processes, and in turn as shaped by social action and meanings. 'Spatial relations', as Simmel (2004:73) asserted, 'are only the condition, on one hand, and the symbol, on the other, of human relations.' The organization of space both provides the basis for social relations, and offers a reflection of them” (2005:2)

O fato de algumas representações, como afirma Erving Goffman, só poderem se

dar em determinadas regiões, também indica a importância do espaço para a

10 Ordenando também as populações hierarquicamente, colocando as casas maiores voltadas para o eixo central e as casas menores nas perpendiculares, numa demonstração da organização social do espaço

11 Cf. “Ordonance, discipline and regulation” (Rabinow, 2003) para uma análise sobre o poder nessas três modulações

12 Tem clara influência nessa decisão, assim como teve ao longo de todo o processo de investigação a abordagem dramatúrgica de Erving Goffman (1973;1986), por permitir revelar o caráter fugidio dos contextos de interação, a possibilidade de identificar neles estruturas de conduta e significação e, ao mesmo tempo, a fragilidade dessas estruturas

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organização da vida social na escala da interação face a face. O conceito de decoração é

criado pelo autor para englobar as características físicas do espaço onde essa interação

ocorre, sendo constituintes do seu significado e adquirindo significado (reiterado ou

novo) por meio dela13. As características temporais do contexto, por sua vez, vão ser

quase que indissociáveis das espaciais. Como afirma Goffman,

“(...) dans la société anglo-américaine, qui est relativement fermée, il est d'usage de ne donner une représentation que dans une région strictement délimitée, à laquelle s'ajoutent le plus souvent des limites temporelles. L'impression produite par la représentation et sa signification tendent à saturer la région et le temps qui lui sont consacrés, de sorte que toutes les personnes situées aux différents endroits de ce espace-temps sont à même d'observer la représentation et d'être guidées par la définition de la situation qu'elle fournit.” (1973:105)

Jaber Gubrium, que lê o social a partir da ideia de estruturas de interpretação e

formas sociais, afirma que14

“Social forms have their presumed experiential locations, places believed to present their ultimate realities. For example, while we consider domestic relations in diverse places, from the household to the office, it is commonly taken for granted that, in the final analysis, the familial experience is to be found in the home. Household is the location of last resort when it comes to searching for an answer to the question of what 'really' goes on in family life.” (1988:61)

Os papéis desenvolvidos em um contexto, e a distribuição deles pelos contextos,

oferecem outra possibilidade de identificar estabilidades da vida social. Hannerz

(1983:136) chama de inventário ao conjunto de papéis disponíveis em um determinado

contexto. Longe de considerá-los como, exclusivamente, os únicos papéis disponíveis,

trata-se de identificar quais são aqueles que encontram maiores ou menores recursos ou

constrangimentos para serem desenvolvidos em determinado contexto, seja em relação a

interlocutores, a decorações ou a fachadas pessoais.

Tendo em vista esses dois elementos, entenderemos então o Parque das Nações

como um contexto, dentro do qual contextos menores – que poderíamos chamar de

subcontextos – se constituem. Dentro dos quais contextos ainda menores se constituem

– subsubcontextos, se quisermos – e assim sucessivamente até o nível da interação face

a face. A nossa análise será empreendida sobretudo sobre as características espaço-

temporais e sobre os papéis envolvidos nos contextos das ocupações dos espaços de uso

13 “décor” (t.n.)14 Cf. 2.4 Análise: busca de estruturas

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público analisadas.

As intervenções no contexto e o próprio contexto, como visto acima, funcionam

como maneiras de organizar a vida social. Os próprios contextos podem ser distribuios

espaçotemporalmente. A essa organização dos contextos Giddens (1986) chama de

regionalização. O conceito é aqui mobilizado, e nossa interpretação dele brevemente

explicada, por nos permitir analisar como a distribuição espaçotemporal de ocupações

está relacionada à organização dessas ocupações em estruturas sociais mais abrangentes,

como por exemplo a definição do que cabe às frentes e aos fundos da cidade.

O conceito de regionalização permite interpretar a) o que são as regiões frontais

e posteriores de um contexto; e b) a organização de diversos (sub)contextos em regiões

frontais ou posteriores. Assim, as regiões frontais dos contextos, e os subcontextos

contidos em um contexto frontal estão ligados a uma maior visibilidade: as regiões

frontais são, na linguagem dramatúrgica de Goffman, o proscênio da representação. Na

interação face a face, é a região onde é possível ao analista ver o que o ator (individual

ou coletivo) apresenta ao seu interlocutor. A região posterior, ou as coxias, é onde ficam

escondidos os elementos não apresentados ao interlocutor (deliberadamente ou não) e

onde a visibilidade é, portanto, menor. A postura corporal, nas interações face a face, é

uma ferramenta imediata para a regionalização.

Essa dualidade, Giddens mostra, pode ser aplicada a contextos espaçotemporais

mais amplos. Giddens (1986:130) indica como, no passado, em algumas cidades do

Norte da Inglaterra, as regiões industriais eram orgulhosamente a região frontal das

cidades e hoje, não o são mais.

Uma segunda característica do conceito de regionalização o torna útil aqui. Na

formulação feita por Giddens, a distribuição de contextos por regiões amarra esses

contextos a estruturas dos sistemas sociais mais abrangentes espaçotemporalmente. É o

que o autor chama de caráter da regionalização, que organiza os locales – conceito que

tenta apreender o espaço físico em conjunto com as características sociais, à semelhança

do conceito de lugar utilizado por Leite (2008).

“By the 'character' of regionalization I refer to the modes in which the time-space organization of locales is ordered within more embracing social systems. Thus in many societies the 'home', the dwelling, has been the physical focus of family relationships and also of production, carried on either in parts of the dwelling itself or in closely adjoining gardens or plots of land. The development of modern capitalism, however, brings about a differentiation between the home and the workplace, this differentiation

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having considerable implications for the overall organizations of production systems and other major institutional features of contemporary societies.” (1986:122)

O conceito de regionalizaçào, portanto, vai ser utilizado aqui de duas formas e

em duas escalas. Na escala interna ao Parque da Nações, será utilizado para demonstrar

como ações, papéis e (sub)contextos são regionalizados frontalmente ou posteriormente,

e como a vigilância garante que virtualmente todos os contextos espaçotemporais sejam

frontais aos olhos da administração; e para demonstrar como essa distribuição define o

caráter lúdico do espaço de uso público do Parque – a que chamaremos de ambientação

lúdica. Na escala externa, será utilizado para analisar como o lazer passa a ser

regionalizado como a frente da cidade e o uso industrial e habitacional para baixa renda,

como os fundos.

1.3 Inclusão e exclusão

Para apreender esse processo dialógico, pareceu-nos útil criar a ideia de

processos de inclusão e exclusão como conceito analítico (Wieviorka, 1994) para

analisar a organização da ocupação dos espaços de uso público do Parque das Nações.

Cabe mostrar alguns conceitos já estabelecidos na teoria social dos quais o nosso

conceito analítico se aproximam e que foram utilizados para desenvolve-lo.

A inclusão encontra proximidade com o conceito de “formalização” que Monica

Degen (2003) utiliza para classificar as estratégias do que chama de “formalização da

vida pública” em Castlefield (Manchester/Inglaterra) – uma frente ribeirinha

revitalizada assim como o Parque das Nações15. A autora desenvolve o conceito a partir

da observação de como a administração do território, a cargo de uma agência do

governo central destinada a atrair capital privado, decide regular os eventos,

essencialmente lúdicos, desenvolvidos nos espaços de uso público do território.

A nossa ideia de inclusão tem uma abrangência maior. Primeiro, por aplicarmos

o conceito de formalização (que chamamos institucionalização) também a outros tipos

de atividades desenvolvidas nos espaços públicos que não necessariamente são lúdicas,

como a distribuição de folhetos (e outros materiais, como jornais). Além disso, enquanto

Degen aplica o conceito a eventos que passam a ser organizados e de certa forma

promovidos pela própria administração, nós classificamos como inclusão outras ações

desenvolvidas quer pela administração, quer por outros atores institucionais

15 “formalization” e “formalizing public life”, (t.n.)

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intervenientes no perímetro, que acabam por solidificar uma ocupação em um

determinado contexto espaçotemporal do território – como por exemplo, a tolerância

com a permanência de sem-abrigo em um corredor da Gare do Oriente, principal

interface de transportes do Parque. Ou seja, a inclusão não pressupõe apenas

institucionalização (ou formalização, como prefere Degen).

A ideia de exclusão, por sua vez, aproxima-se do conceito de políticas suaves de

exclusão de Catharina Thörn (no prelo), que a autora forja para explicar como a

administração do centro de Gotemburgo (Suécia) age para retirar do centro da cidade

quem dorme na rua16. Esse conceito mostra como um mesmo objetivo, o de tirar de

vista os sem-abrigo materializa-se de uma maneira mais suave na Suécia em

comparação com o revanchismo das leis anti sem-abrigo adotadas em cidades dos

Estados Unidos da América e que impedem diretamente essas ocupações17.

As políticas suave de exclusão retiram os sem-abrigo de zonas centrais e os

empurram para as franjas da cidade sem diretamente proibir a sua presença. Essas

medidas podem ser divididas em três grupos (a autora o faz em 2): a) sanitizantes, que

alteram o espaço de forma a reduzir os recursos físicos que permitem a permanência dos

sem-abrigo, como bancos ou moitas; b) o estabelecimento de códigos civis que

"disfarçam a dura realidade da vida nas ruas dos sem-abrigo" (no prelo:27); e c)

constituição de um “imaginário” que transforma o espaço público de "bem comum" (no

prelo:16) em "sala de estar comum" (no prelo:16)18.

Essa tentativa de esconder os sem-abrigo é uma ferramenta de fabricação de

paisagem sensória, um conceito de Degen (2008), para o que a formalização de usos

também é uma ferramenta decisiva19. Essa própria paisagem sensória funciona como

uma ferramenta de afastamento de ocupações indesejadas, funciona como um poder

ambiental (Allen, 2006). Dito de outra forma: com o conceito de políticas suaves de

exclusão, Thörn permite observar que o poder de afastamento dos sem-abrigo se faz

presente não só nas ações desenvolvidas na gestão do espaço de uso público ao intervir

nos elementos dos contextos, mas também se faz presente no próprio contexto

decorrente dessas intervenções. O contexto torna-se, mais do que um objetivo, uma

ferramenta de gestão do espaço de uso público. A constituição desse poder ambiental de

16 “soft policies of exclusion”, (t.n.)17 O suave não quer dizer formas de poder mais gentis, mas mais elásticas e fluidas18 “disguise the harsh realities of life on the streets for homeless people”, “common living room”,

“imagineering” e “common good” (t.n.)19 “sensescape” (t.n.)

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que fala Thörn assenta em uma proximidade entre o poder público e o poder privado

que permite o planeamento exaustivo do espaço urbano de modo a permitir a

constituição da paisagem sensória.

O nosso conceito de exclusão, portanto, vai ser muito próximo do de Thörn. As

diferenças residem no fato de que, no nosso caso, ele será utilizado para outros tipos de

papéis encontrados no espaço de uso público para além dos sem-abrigo e para além dos

tipos de medidas que a autora considera como suaves. A exclusão aqui é utilizada para

identificar como características do contexto desestimulam ou proíbem diretamente uma

ocupação.

1.4 Mobilidade, competitividade e lazer

Pretendemos aqui apresentar três conceitos que tentam apreender estruturas

sociais (e, assim, recursos e constrangimentos) identificáveis hoje nos processos de

produção de cidades nos quais o Parque das Nações, aparentemente, encaixa-se:

mobilidade, competitividade e lazer.

1.4.1 Mobilidade e motilidade

Na reconstrução do urbanismo como ferramenta de controle feita por Foucault

(2007), é possível perceber como a circulação está na raiz das três modulações

analisadas. Na soberana, encontra-se na preocupação em garantir a acessibilidade do

poder do Rei a todos os pontos da cidade e do reino, bem como com a possibilidade de a

cidade ser o destino dos produtos produzidos no campo e em outros reinos. Na cidade

disciplinar, o correto ordenamento do território tinha a circulação também como

determinante: a preferência por uma quadrícula de quadras menores junto ao centro da

cidade, onde deveria se localizar o comércio, com a função residencial nos fundos,

materializa a atenção com a possibilidade de que esse centro fosse acessível.

No modelo da segurança, que Foucault identifica em um plano de reurbanização

de Nantes (França) do século XVIII, o desenvolvimento do comércio divide a carteira

de funções da mobilidade com outras duas: higiene e vigilância, essa última decorente

mesmo do aumento das condições de circulação

“It [o plano] involved cutting routes through the town, and streets wide enough to ensure four functions. First hygiene, ventilation, opening up all kinds of pockets were morbid miasmas accumulated in crowded quarters, where dwellings were too densely packed. So, there was a hygienic function. Second, ensuring trade within the town. Third, connecting up this

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network of streets to external roads in such a way that goods from outside can arrive or be dispatched, but without giving up the requirements of customs control. And finally, an important problem for towns in the eighteenth century was allowing for surveillance, since the suppression of city walls made necessary by economic development meant that one could no longer close towns in the evening or closely supervise daily comings and goings, so that the insecurity of the towns was increased by the influx of the floating population of beggars, vagrants, delinquents, criminals, thieves, murderers, and so on, who might come, as everyone knows, from the country. (2007:33-34)

Assim, a estruturação espacial da cidade como forma de garantir mobilidade de

bens, pessoas e serviços vai pressupor um controle já mais suave do que o decidir quem

entra ou não nela. Passa a ser uma questão de regular o fluxo e não de fechar a porta.

Como referido acima, de simples ordenamento do território, o controle evolui para algo

mais próximo da regulação de um meio20.

Estando na raiz das estratégias modernas de produção de cidades, a mobilidade

está também na raiz da diversidade e da heterogeneidade de indivíduos na cidade e do

modo de vida urbano como um todo. No urbanita ideal de Wirth (1997), a divesidade e a

mobilidade (física e social) são duas facetas de um mesmo indivídiuo cosmopolita, ele

próprio capaz de se mover entre diversas redes e grupos e ocupar diferentes papéis.

John Urry (2002) formula mais diretamente o papel da mobilidade física para a

constituição do que ele chama de capital social. Urry, que entende a necessidade de

interação face a face (ou face a lugar, entendida como a experiência de um lugar, e face

a evento, como o testemunho de um acontecimento) como a necessidade primeira para o

indivíduo se deslocar, entende o capital social como algo decorrente dessa capacidade

de o indivíduo praticar a interação. Ou seja, a mobilidade do indivíduo é como que um

recurso para a produção do capital social produzido nas interações. Assim, regular a

mobilidade física torna-se uma das principais formas de poder.

“The power to determine the corporeal mobility of oneself or of others is an important form of power in mobile societies, indeed it may well have become the most significant form of power with the emergence of awesomely mobile elites.” (Urry, 2002:262)

Todavia, o (flexível) conceito de motilidade nos parece o mais adequado a

apreender o fenômeno da mobilidade, quer ao nível do indivíduo, quer ao nível da

estruturação espacial (e temporal) da cidade21. A motilidade, à diferença do conceito de

20 Cf. 1.2 Contextos e regionalização de contextos21 “motility” (t.n.)

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capital social de Urry, é em si própria, de imediato, um capital social. O conceito de

motilidade, assim, permite condensar a mobilidade social e física, já que os autores do

conceito propõem-no para identificar a ligação entre uma e outra

“(...) we propose a theoretical concept that conceives of spatial and social mobility as indicants of a more comprehensive form of mobility that is not limited to actual or past displacements. The name of this construct shall be 'motility'. Motility can be defined as the capacity of entities (e.g. goods, information or persons) to be mobile in social and geographic space, or as the way in which entities access and appropriate the capacity for socio-spatial mobility according to their circumstances.”(Kauffmann, Bergman e Joye 2004:749-50)

O conceito de motilidade nos parece, então, interessante por tratar esse capital de

uma maneira mais contexto-dependente. Os autores dividem a motilidade em três

elementos inter-relacionados. Um dele é “acesso”, que se refere às possibilidades de

mobilidade de acordo com lugar, tempo e outros constrangimentos contextuais

incluindo a posição socioeconômica do indivíduo; outro é a “competência”, que reúne

as habilidades que o indivíduo deve deter para poder operar a sua mobilidade (física e

social) em um meio. A necessidade de conhecer os códigos de circulação de onde se

circula mostram que também essa habilidade é contexto-dependente; o terceiro é a

“apropriação”, que de algum modo tentar apreender as motivações ou necessidades do

indivíduo para se mover, tendo em conta as condições de acesso e competência. O

urbanismo, julgamos, permite influir na motilidade dos indivíduos sobretudo por meio

das condições de acesso e das demandas de competências que estabelece22.

As características da mobilidade (física ou social, dependendo da perspectiva

que se olhe) dos contextos existentes nos espaços de uso público, julgamos, têm

influência no rol de possibilidades de mobilidade (novamente, física ou social) que

constituem o capital social móvel – a motilidade – dos indivíduos. Assim, os contextos

em espaços de uso público também funcionam como constituintes de estratificação

social e, ao mesmo tempo, são afetados pelo nível de motilidade dos indivíduos que dele

participam.

1.4.2 Competição pela massa cambiante

Guido Martinotti (2005) elabora uma galeria de populações urbanas que

poderíamos chamar de ideais-tipo e que permite, desde que atentemos para a

insuficiência de qualquer ideal-tipo, ler como a mobilidade evoluiu enquanto capital

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social dos urbanitas. Na Idade Média e mesmo após a revolução industrial, a população

urbana era essencialmente constituída de habitantes da cidade. O ideal-tipo era o

habitante e os limites físicos da cidade definiam em boa medida a sua identidade. A

cidade caracterizada pela modulação soberana do urbanismo como descrita por Foucault

(2007:27) parece ser o locale desse ideal-tipo: destinada apenas à nobreza e à população

estritamente necessária para a manutenção dessa nobreza, com a comunicação externa

sendo feita através de muros, e controlada à entrada. A população mais capitalizada em

termos de mobilidade, composta de comerciantes, peregrinos, fornecedores, visitadores,

“embora não irrelevante numericamente ou funcionalmente, não afetava profundamente

a estrutura social e ecológica da cidade” (Martinotti, 2005:94. Itálico nosso)23.

Destacamos em itálico o final da citação tendo em vista que ele indica como a

mobilidade espacial está entremeada com a social, reafirmando a utilidade do conceito

de motilidade: não só a motilidade da população da cidade era baixa no que toca à

dimensão física, mas também na social se pensada em conjunto.

Em seguida à população de habitantes, emerge a população de utilizadores

pendulares24. O esbatimento da caracterização da casa como contexto do trabalho e o

fortalecimento da caracterização como locale da família é um sintoma da mudança. Na

verdade, na visão de Martinotti, é justamente a razão da mudança. Essa alteração

começa a se acelerar no início do século XX, e o meio urbano então passa a abrigar uma

população de utilizadores pendulares, para a qual a motilidade (a nosso ver) já tem uma

maior relevância na relação que o urbanita estabelece com a cidade e com o espaço de

uso público mais especialmente. Em seguida, ao longo do século XX, emerge o ideal

tipo dos utilizadores de cidade – do qual a imagem do turista urbano é exemplar – e, em

seguida, o das pessoas de negócios metropolitanas, que grosso modo são uma

diferenciação dos utilizadores de cidade e não necessariamete um novo ideal-tipo25.

Uilizadores de cidade e gente de negócios são, diz Martinotti, – e passe o

determinismo embebido na afirmação – produtos da indústria de serviços que demanda

uma população cambiante. É assim que surgem cidades inteiras com um número baixo

de habitantes e um número altíssimo de utilizadores

“(...) the increased mobility of individuals, combined with higher income levels and greater leisure, allowed the differentiation of a third population: the population of city users – a population composed of persons going to a

23 “The additional population of market-goers, visitors, pilgrims or suppliers, while not irrelevant numerically or functionally, did not affect the social and ecological structure of the city” (t.n.)

24 “commuters” (t.n.)25 “city users” e “metropolitan businesspeople” (t.n.)

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city mainly to use its private and public services, from shopping, to movies, to museums, to restaurants, to health and educational services. This is a swelling population that is having radical effects on the structure of cities and actually uses localities in a rather uncontrolled way. “ (2005:96)

Agarrar essa população cambiante, de alta motilidade a nosso ver, gerada por e

geradora da indústria de serviços, é um dos fatores a impulsionar a competitividade

urbana que é buscada pela reurbanização aqui em estudo. Importa mencionar algumas

outras características desse fenômeno dos processos de produção de cidades.

Patrick Les Galès (2005) relaciona a revitalização das frentes de água europeias

a uma tentativa por parte dos governos locais de atraírem investimentos. Os governos

locais e centrais se aproximam da iniciativa privada que, é comum, tem participação

ativa em processos de reurbanização, como fazem ver os casos de Manchester (Degen,

2003; O'Connor e Wynne, 1997); Barcelona (Degen, 2003); Gotemburgo (Thörn, no

prelo); e Lisboa (Ferreira, 2006; Matias Ferreira e outros, 1997; Gato, 1997). A

emergência da atenção, por parte dos gestores urbanos, para a importância da população

de utilizadores urbanos está na raiz da disputa entre as cidades para abrigar grandes

eventos como os Jogos Olímpicos (Martinotti, 2005:97).

Os espaços de uso público, que é o que nos interessa sobretudo aqui, vão

funcionar como uma ferramenta para a produção dessa competitividade, integrando a

oferta de serviços e lazer quer em apoio aos equipamentos privados quer como uma

oferta em si mesmo. A disputa por investimentos nos espaços de uso público, metaforiza

Monica Degen, coloca as cidades em uma “passarela global” que embasa as estratégias

de formalização de eventos e exclusão de ocupações consideradas idesejadas26 27.

“Capital cities but also 'second' or 'third' cities fight on what I describe as the 'global catwalk' to secure investment in the public realm. Similar to the fashion catwalk, cities compete with each other by parading made-up images of different areas of the city which advertise these spaces as favourable and attractive to business and leisure. Hence, not surprisingly both regeneration strategies [a autora analisou o El Raval em Barcelona e Castlefield em Manchester] were marked by a conscious focus on environmental improvement of public space that sought to change the perception or image of the place and attract new socio-spatial practices.” (2003:867-868)

1.4.3 Territórios lúdicos

Luis Baptista, ao analisar a emergência de territórios lúdicos e consumíveis,

26 “global catwalk”( t.n.)27 Cf. 1.3 Inclusão e exclusão

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identifica nas sociedades contemporâneas ocidentais a existência de uma ideologia das

férias “pressupondo a disponibilidade temporal e emocional de todos para se recrearem,

se divertirem” (2004:93). Ter tempo livre para investir nessas atividades é um

imperativo e o capital lúdico, como outros recursos passíveis de serem lidos como

capitais, possibilita perceber aí a emergência de uma nova forma de estratificação

social.

“A festa, a diversão, o prazer, a descontracção são sinónimos de realização pessoal, de sucesso na vida e funcionam como estímulos a difundir globalmente. Sabemos contudo que a distribuição não é igualitária e que a desigualdade no acesso a essa possibilidade de vida em festa permanente está reservada aos privilegiados que são alvo da gula mediática de outros, sobretudo, dos despojados desse bem universalizado – o capital lúdico.” (2004:93)

Ao identificar o nada fazer como um dos signos geracionais da juventude e

como um elemento da transição para morte entre os idosos, José Machado Pais (1991)

permite observar uma estratificação etária do tempo livre (a matéria-prima, a nosso ver,

do nada fazer). Ou seja, não ter tempo livre, ou tê-lo com uma centralidade menor na

organização da vida cotidiana, parece algo que ajuda a caracterizar a faixa etária adulta.

O que Pais e Baptista permitem observar, entretanto, são sinais do esbatimento dessas

fronteiras etárias. Pais, pelo prolongamento da juventude que observa ocorrendo entre

jovens portugueses (em estudo elaborado no fim do século passado), esse

prolongamento sendo uma forma de atrasar a entrada na vida adulta ou, no caso de

jovens de classes baixas, como uma forma de estabelecer um corte entre a infância e a

adultez inexistente em gerações anteriores. Baptista, pela identificação do imperativo de

libertação do tempo de trabalho para o investimento do tempo no capital lúdico.

O investimento de tempo no lazer, assim como propõe um corte na organização

dos tempos cotidianos, propõe um corte nos espaços cotidianos28. É por aí que é

possível observar um efeito de retroalimentação entre a motilidade e o capital lúdico. A

prática do lazer envolve o deslocamento, decorrente da necessidade de experimentar

outros que não são o do trabalho ou da vida doméstica. É aí que o indivíduo vive o anti-

cotidiano, como afirma (Mendes, 2001/2002:96).

“Those places where the body comes to life will typically be geographically distant – indeed ‘other’ – to sites of work and domestic routine. These are places of ‘adventure’, islands of life involving bodily arousal, from bodies

28 Não necessariamente obriga, como apontam as práticas de lazer domésticas e mesmo a ludificação de atividades profissionais. Ferreira, Fortuna e Abreu (1998/1999:95) identificam a importância das atividades de cariz doméstico nas práticas de lazer em Portugal

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that are in motion, natural and rejuvenated as people corporeally experience environments of adventure.” (Urry, 2002:262)

Assim, capitalizar-se ludicamente envolve estar capitalizado (e se capitalizar)

motilicamente, mover-se, pass(e)ar em outros territórios, não exclusivamente na

condição de utilizador pendular. Em língua portuguesa, passear pressupõe justamente

um investimento em nada fazer se deslocando. A palavra passeio, de forma semelhante à

que acontece com a promenade francesa e a walk inglesa, pode ser utilizada para

apreender diversas ações e contextos: ir olhar as montras em um shopping, dar uma

volta ao bairro, dar uma volta à cidade, viajar para outra cidade, ir a um parque de

diversões. Em Portugal, ao menos nos fins do século passado, os espaços de uso público

como centros de cidade, praias, parques, zonas de diversão e centros comerciais,

configuravam-se como destinos privilegiados de quem sai de casa para se divertir. E sair

de casa para se divertir se configurava como uma das principais práticas de lazer

(Fortuna, Ferreira e Abreu, 1998/1999).

Essa estruturação social se transpõe, no urbanismo, em processos de conversão

de cidades e territórios em cidades e territórios consumíveis e lúdicos, como os define

Baptista, que oferecem recurso para o desenvolvimento dos capitais lúdico e móvel.

“Os lugares da cidade e os lugares dos campos são revistos pelos decisores locais, pelos investidores (com ou sem localização precisa), pelos próprios habitantes-consumidores do território, no pressuposto da competitividade entre os lugares autênticos. A fascinação que todos parecem nutrir pelas atracções locais – paisagísticas, gastronómicas, edificacionais – reinventam os lugares vistos sob o ponto de vista lúdico. Há a pretensão de os conceber como objectos lúdicos, atraentes e únicos na medida em que têm algo a revelar de particular quanto à sua história, à sua fisiologia, à sua actualidade.” (Baptista, 2004:95)

É nesse contexto que importa pensar os espaços de uso público e os recursos e

constrangimentos que nele estão colocados e que permitem ou não a sua configuração

em locales de lazer, mas também em espaço público em sentido amplo (no singular). E

importa que a dualidade não seja pensada, a priori pelo menos, em termos de ou uma

coisa ou outra, e sim das intersticialidades que se podem aí constituir.

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2. Método

Hannerz (1983:381) coloca vida urbana como um objeto de estudo que

demanda, por sua complexidade, flexibilidade metodológica, tanto pelo objeto em si

como pelas condições que se colocam para o investigador que adota a pesquisa de

terreno como ferramenta. Desconsiderando qualquer carga valorativa que busque

colocar a vida urbana como um objeto mais complexo do que outros e a pesquisa de

terreno como uma ferramenta, de per se, melhor que as outras, foi tentando submeter as

nossas decisões metodológicas a como o nosso objeto de estudo se nos ia apresentando

que fomos construindo o nosso percurso metodológico.

Ao apresentarmos aqui esse processo de produção, temos por objetivo, para além

de mostrarmos quais foram as ferramentas a que recorremos, permitir que os resultados

apresentados abaixo possam ser escrutinados da maneira mais completa possível. Trata-

se de uma das formas pelas quais tentamos validá-los (Maxwell, 1999), a eles e ao

percurso metodológico.

Antes, porém, julgamos necessário justificar nosso posicionamento

epistemológico.

2.1 Investigar o investigador

António Firmino da Costa define o investigador como o principal instrumento da

pesquisa de terreno. As influências do observador no campo, e a maneira como esse

responde aos estímulos ainda que inintencionais que sua presença causa, são parte

valorosa da pesquisa. Ao ponto de, como afirma o autor, as perguntas que fazem ao

investigador serem algumas vezes mais significativas do que as perguntas que o

investigador mesmo formula. Essa imagem é importante por colocar o investigador

dentro do objeto de estudo. Por isso, Costa defende que o investigador seja ele próprio

pensado como um elemento estruturante da pesquisa.

"Quer dizer que, desde o momento da planificação, a metodologia da pesquisa – e em particular a preparação dos instrumentos e dos procedimentos da investigação de campo – precisa ser pensada em correlação com uma teoria do objecto, com uma teoria do investigador enquanto sujeito social e com uma teoria das relações entre ambos no decurso do processo de pesquisa." (1990:137-8. Itálico nosso)

Nesse sentido, Costa pretende que na observação o investigador permaneça

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tempo suficiente no campo para que o tecido social se recomponha em torno dele. É

uma forma, entende o autor, de reduzir o efeito do “silêncio do observador” (1990:135),

para o que a observação participante é mais útil do que uma observação direta.

Julgamos porém que, observação direta ou participante, de curta ou longa permanência,

todas pressupõem participação ativa do investigador na constituição do objeto.

Além disso, a discussão entre observação direta ou participante se encontra já na

esfera da operacionalização da pesquisa. A influência do investigador remonta ao

processo inicial em que os interesses pessoais e públicos, os objetivos de pesquisa e os

objetivos práticos da investigação (Maxwell, 1999) influem na decisão de iniciá-la, em

conjunto com os recursos e constrangimentos em jogo. É nesse ambiente que se constrói

inicialmente boa parte do que Antonio Piaser (1976:25) define como intencionalidade

sistematizante29. Esse ambiente continua presente, com as mesmas ou com outras

características, também ao longo do desenvolvimento da pesquisa.

O caso de Howard S. Becker, conforme relatado por Jean-Michel Chapoulie

(1985) na introdução à edição francesa de “Ousiders” é exemplar tanto dos interesses do

investigador como das condições de investigação. Becker, um músico, foi encorajado

por Everett Hughes – então especialista em sociologia do trabalho da Universidade de

Chicago – a pesquisar os músicos de jazz. Becker chegou a Hughes por sugestão de

Ernest Burgess, com quem o autor de Outsiders trabalhava sobre idosos ao mesmo

tempo que tomava notas de observação sobre os músicos de jazz, o que acabou de ser

um dos temas do livro. Interrogando as condições de produção de “The City:

suggestions for the investigation of humanbehavior in the city environment" (1905) –

considerado fundador da sociologia urbana norte-americana e da Escola de Chicago em

particular, e de autoria de Robert Ezra Park – Pierre Lannoy (2004) identifica no texto o

objetivo de Park não de apresentar um programa de investigação da cidade, como o

nome faz supor, mas de criticar a dominância da social survey como método de

pesquisa. Lannoy extrai do texto também uma clara tentaiva de Park, um jornalista, de

inserir nas investigações sociológicas apesquisa de campo, um método que valoriza

observação e a entrevista pouco estruturadas, fundamentais ao jornalismo.

No que toca à fase da operacionalização da investigação, Georges Devereux,

olhando para as ciências do comportamento, dedica-se a demonstrar como aí também a

essência da investigação está no investigador, uma vez que ele recolherá dados

29 “Intentionalité sistematisante” (t.n.)

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construídos por si, mais do que apenas influenciados por si. Os métodos podem servir

de filtros para esse papel de sujeito que o investigador desempenha, mas não devem ser

interpretados como algo que reduza e muito menos elimine esse papel. Por isso, a

metodologia não deve servir como esconderijo

“Par malheur, même la meilleure méthodologie peut être inconsciemment et abusivement utilisée d'abord comme un ataraxique, un artifice atténuant l'angoisse; elle donne alors des 'résultats scientifiques' (?) qui sentent la morgue et n'ont pratiquement plus de pertinence en termes de la réalité vivante; l'important n'est donc pas de savoir si on utilise la méthodologie aussi comme un moyen de réduire l'angoisse, mais de savoir si on le fait en connaissance de cause, de manière sublimatoire ou, de façon inconsciente, seulement de manière défensive. (Devereux, 1980:147-8. Itálicos no original)

No campo da pesquisa social, Herbert Blumer também irá obrigar o investigador

a observar como a realidade é, sobretudo nos momentos iniciais da observação, um

espelho. Isso, sendo verdade para o leigo, ganha um complicador no caso do

investigador, já que para além das imagens preconcebidas, ele provavelmente verá

reflexos das teorias que lhe motivam. Nenhum observador cuidadoso, afirma Blumer

(1986), poderá negar isso. Assim como Devereux, entretanto, o autor não vai defender a

terra arrasada contra a metodologia,

“If one is going to respect the social world, one's problems, guiding conceptions, data, schemes of relationships, and ideas of interpretation have to be faithful to that empirical world” (1986:38)

É nessas condições que, julgamos, uma estruturação metodológica não se faz

inútil e que é falsa a percepção de que inexiste método em uma investigação que não

recorra (ao menos declaradamente) de maneira disciplinada a um ou outro modelo de

investigação de desenho duro. Muito pelo contrário, o método existe, e torná-lo visível

pode ser uma importante ferramenta para ajudar o investigador perceber, no processo de

construção do seu objeto, o que é que está colocando no centro de sua atenção e em

quais condições, mas também o que, nesse processo, como afirma Pais (2002:29),

escamoteia – e novamente, em quais condições. Para além disso, a metodologia, do

modo como aqui a entendemos, também serve a forçar o investigador a manter ao longo

de todo o processo uma postura reflexiva sobre as decisões que toma ao organizar a

realidade para apresentá-la em forma de ciência. Ou seja, sobre a construção do método

de investigação que realizou.

Tendo em vista, como Jean Ladrière, que a construção do objeto é transversal ao

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percurso da investigação como um todo, é importante que um esforço metodológico se

desenvolva ao longo de toda a investigação.

“Não existe um momento no qual se poderia dizer que a construção do objeto está acabada e que a fase de análise começa; na realidade, a construção prossegue de um extremo a outro do procedimento no qual se desenvolve a pesquisa” (Ladrière, 1977:19)

Por esse motivo, o que desenvolvemos abaixo é não a explicitação apenas das

ferramentas analíticas a que lançamos mão, mas também do percurso que

desenvolvemos na construção do objeto e, portanto, na construção do próprio método

que permitiu que esse objeto – os espaços de uso público do Parque das Nações –

surgisse.

2.2 Interesses e objetivos

O objetivo de pesquisa da presente investigação é identificar recursos e

constrangimentos que a cidade coloca para a vida social e, por aí, ao indivíduo.

Consciente da amplitude e do generalismo desse objetivo, julgamos pertinente reduzir o

escopo para como esses recursos e constrangimentos estão postos nos espaços de uso

público (como definidos acima, aqueles de acesso físico virtualmente irrestrito).

Julgamos que o urbanismo materializa estruturas sociais (sejam elas entendidas

como modos de vida, hierarquizações, segregações, ambições pessoais e coletivas,

modos de produção) e assim, as propõe. É inquietante, mas ao mesmo tempo

confortável, pensar que essas estruturas possam ser, invariavelmente, impositivas e

alheias à ação do indivíduo, sobretudo em sua vida cotidiana. Julgamos, entretanto, que

pode ser mais útil olhar essas materializações como sugestivas, maleáveis à, e

dependentes da, ação individual. Assim, olhá-las como ao menos como possivelmente

instáveis.

O objetivo de pesquisa, então, pode ser ainda mais afinado. O que buscamos

aqui é identificar no espaço de uso público materializações de estruturas sociais e

algumas de suas características, e pensá-las de acordo com alguns dos temas

contemporâneos da pesquisa social sobre o urbanismo e a cidade, como a

competitividade urbana, a mobilidade e a importância do lazer nos processos de

reurbanização de territórios; e da pesquisa social de modo alargado, como as

assimetrias sociais e as formas de normalização e controle da vida social. Esses são os

domínios nos quais a nossa pesquisa pode ser de interesse.

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Em relação aos nossos interesses pessoais, importa referir que o meio urbano foi

nosso objeto de trabalho em jornalismo, período durante o qual a gestão urbana,

sobretudo municipal, e as formas de apropriação do espaço de uso público foram focos

de especial atenção. Essa experiência também foi determinante para a escolha do

ferramental metodológico ancorado em pesquisa de terreno.

2.3 Estruturando uma abordagem qualitativa

A ferramenta metodológica utilizada para a investigação é a pesquisa de terreno

(Burgess, 1997; Costa, 1990) com ênfase na observação direta (Peretz, 2004). Ela é

adequada tanto aos alicerces teóricos, que privilegiam o cotidiano e as interações nele

ocorridas, como ao objeto para o qual eles foram acionados. A ferramenta, por ser

flexível, traz um potencial que é buscado também por meio da adoção de uma

abordagem qualitativa em vez de quantitativa (a ambas das quais, aliás, serve). Esse

potencial é o de complexificar unidades maiores usadas para categorizar ações e atores,

como por exemplo os conceitos de lazer e desviantes.

Para além da observação, recorremos, sobretudo em uma segunda fase da

pesquisa, a entrevistas não estruturadas e a uma restrita análise de documentos. As

entrevistas funcionaram como auxiliares aos dados obtidos por meio de observação

direta, e não para a constituição de um corpus analítico separado ao qual seria aplicado

um método de análise estruturado (por exemplo, a análise temática ou a análise de

conteúdo). Os objetivos da mobilização da entrevista e da análise de documentos foram:

a) complementar os dados da observação com informações sobre fenômenos não

presenciados pelo investigador; b) identificar como alguns fenômenos identificados pela

observação se representavam nos discursos de indivíduos chave para esses fenômenos

(como os sem-abrigo para o caso da gare; os skaters para o caso do skate park; os

representantes da administração urbana para quase todos os fenômenos); c) permitir a

validação de dados obtidos pela observação por meio de uma triangulação com os dados

obtidos na entrevista (Maxwell, 1999).

Uma abordagem qualitativa, como adotamos aqui, permite uma maior

flexibilidade frente à diversidade e à fluidez de usos que podem caracterizar um espaço

urbano. Maxwell (1999) aponta a abordagem como adequada justamente para

compreender o contexto das ações. Essa fluidez envolve poder atentar para eventos que

são sociologicamente relevantes sem que sejam também estatisticamente relevantes

(Elias e Scotson, 1994:11). Como estávamos em busca de uma análise mais em extensão

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do que em profundidade de um ou dois aspectos, uma tentativa de quantificar seria,

como afirma Devereux (1980:27 e seguintes), apenas uma confusão das leis da física

com as leis científicas, levando à ilusão de que a quantificação tornaria um dado não

científico em científico. Por isso é que preferimos em diversas ocasiões classificar

elementos (um papel ou uma ocupação, por exemplo) como expressivo e não como

majoritário, tendo em vista não aplicar uma ideia de precisão numérica a algo que não é

fruto de uma contagem disciplinada.

Como consequência negativa, a abordagem qualitativa coloca problemas para a

generalização externa (Maxwell, 1999) dos resultados. Contudo, como Donald

Campbell tenta mostrar, mesmo estudos de forte cariz etnográfico no qual a abordagem

qualitativa é dominante e a influência do senso comum do investigador se torna mais

clara, possam ser utilizados em análises comparativas.

“After all, man is, in his ordinary way, a very competent knower, and qualitative common-sense knowing is not replaced by quantitative knowing. Rather, quantitative knowing has to trust and build on the qualitative, including ordinary perception (Campbell, 1974).” (Campbell, 1975:191)

Optamos por uma baixa estruturação inicial, sobretudo na primeira fase do

trabalho de campo. Essa combinação, embora pouco recomendada (Miles e Huberman,

1994), já que faz com que, de início, qualquer informação seja considerada relevante,

pareceu-nos favorável, entretanto, à adoção da indução analítica (Becker, 1985, 1994;

Burgess, 1997), permitindo reduzir o uso de deduções a partir da teorização inicial e de

cegadores teóricos (Ragin, 1994).

Essa baixa estruturação teórica e metodológica foi sendo substituída ao longo do

trabalho de campo por uma recolha mais disciplinada dos dados, informada por eles e

pelo quadro teórico que foi construído em conjunto com a recolha. Tratou-se, então, de

uma das primeiras fases mais estruturadas da constituição do objeto.

Foram feitas ao todo 46 visitas ao campo, divididas em três fases: uma

exploratória, com quatro visitas, realizadas em abril de 2010; uma primeira fase de

recolha extensiva, com 34 visitas entre agosto e novembro de 2010; e uma segunda fase,

com 8 visitas, nos meses de março, abril, junho, agosto e setembro de 2011. A maioria

das visitas (38) foi feita em dias de semana, sobretudo entre terça-feira e quinta-feira, e

ocorreu nos meses de agosto e setembro de 2010 (23). Foram privilegiados os períodos

da tarde (34 visitas foram feitas durante esse período) e da manhã (23), nessa ordem, em

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relação ao noturno (14)30.

Julgamos que nesse caso o recurso ao quantitativo é mais eficaz, por melhor

ajudar a a compreender qual é o nosso objeto de estudo, uma vez que a estruturação

temporal da vida social, como visto, tem relevância como a estruturação espacial.

Houve um privilégio dos dias úteis, compensado em parte pelo fato de cerca ¼ das

visitas ter ocorrido em agosto, que é um mês de férias (escolares, mas também

profissionais em alguns setores como os serviços de restauração) em Portugal e em

outros países europeus.

Nas primeiras quatro visitas, ainda de viés mais exploratório, o que nos

orientava eram sobretudo: a) o questionamento surgido do senso comum – de que a

paisagem diferenciada do Parque das Nações demandava controle rígido e expressivo

sobre as ocupações dos espaços de uso público; b) a sugestão retirada da reflexão de

Wagner (1996) sobre liberdade e disciplina de que, no histórico da modernidade, os

controles foram afrouxando em favor da subjetividade do indivíduo; c) algumas

informações sobre o histórico do território e das razões para a sua construção, retiradas

sobretudo da dissertação de doutoramento de Maria Assunção Gato (1997).

Essa orientação foi formulada e reformulada algumas vezes em perguntas de

partida e hipóteses que giravam em torno da formalização da vida social em meio

urbano e da existência de uma pressão social (Goffman, 1973) própria do Parque das

Nações. A formulação final da hipótese (já depois de algum trabalho de campo inclusive

30 A soma do número de visitas por período é maior tendo em vista que em algumas visitas permanecemos no campo por mais de um período. Definimos manhã como sendo das 5h (horário mais cedo em que realizamos pesquisa de terreno) às 12h, tarde das 12h às 19h, e noite das 19h à 0h (horário mais tarde em que realizamos pesquisa de terreno). Os horários são aproximados e a definição dos períodos segue o senso comum em Portugal

30

Tabela 1: distribuição das visitas

Dia da semana Visitas Mês VisitasSegunda-feira 5 Janeiro 3Terça-feira 9 Fevereiro 0Quarta-feira 8 Março 1Quinta-feira 11 Abril 7Sexta-feira 5 Maio 0Sábado 4 Junho 1Domingo 4 Julho 0

Agosto 11Período do dia visitas Setembro 12Manhã 23 Outubro 6Tarde 34 Novembro 5Noite 14 Dezembro 0

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para além da fase exploratória) acabou por ser a de que, para além do desenho urbano

resultante da reurbanização, haveria um controle rígido, embora pouco perceptível, das

maneiras pelas quais esse desenho é utilizado, quer por indivíduos, quer por grupos,

quer por instituições. Daí decorreria também a percepção nossa, também identificada

por Luís Mendes (2001/2002), de que o parque está desintegrado da cidade de Lisboa,

ao contrário do que prevê o seu projeto original.

Após a referida fase exploratória, em que a indefinição do objeto nos levou a

visitar também a envolvente (nas áreas das Freguesias de Marvila e Moscavide,

sobretudo), começamos a fazer uma amostragem de contextos, ações e papéis que

seriam alvo de maior atenção, com vistas à hipótese principal e às perguntas de partida

que vinham sendo formuladas. Privilegiamos então os dados que contestavam hipóteses

iniciais (e conflitos com o senso comum); os conflitos reais; os sinais claros de

segregação espacial de contextos, ações e papéis; e as intervenções de atores

institucionais (principalmente da Geurbana).

A maneira como chegamos à escolha da Gare do Oriente como um contexto

privilegiado para análise seguiu esse caminho e serve aqui de exemplo. Tínhamos a

hipótese inicial de que os sem-abrigo inexistiriam no Parque das Nações. A hipótese

mostrou-se falsa logo ao início do trabalho de campo, ao descobrirmos a presença de

alguns indivíduos nesse papel em diversos contextos, em regiões frontais (como o

Oceanário) e posteriores (o corredor da Gare). Tal levou-nos tanto a reformular a

hipótese inicial (que depois seria sucessivamente reformulada até chegarmos às

conclusões abaixo apresentadas) e a selecionar esses dois contextos para uma melhor

observação31. A observação da gare, por sua vez, levou-nos a presenciar a reiterada

intervenção da vigilância (de policiais e da equipe privada de segurança) junto a alguns

grupos específicos de viajantes quando estes se sentavam no chão ou nas escadas, por

exemplo. O mesmo ocorreu com o contexto do Terreiro dos Radicais, nome dado à pista

de skate localizada na áera periférica Norte do Parque, ao qual a presença expressiva de

graffiti em contraste com o restante perímetro nos levou a dedicar mais atenção. Na

observação desse contexto, passamos a investigar a instalação de corrimões e outros

obstáculos para a prática do skate, outro tipo de intervenção no espaço de uso público

que nos pareceu importante analisar.

Juntamente com essas escolhas mais orientadas pelos conflitos sobretudo com o

31 Cf. 4.5.1 Gare

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senso comum e com hipóteses secundárias, a seleção das ocupações, contextos e papéis

para recolha de dados obedeceu às análises, estruturadas e não estruturadas, que foram

desenvolvida ao longo do trabalho de campo, na lógica da descoberta (Soulet, 2006).

Foi assim que constituímos os subcasos do nosso caso inicial (Ragin, 1994) que

era o espaço de uso público do Parque das Nações, em busca de estabelecer padrões de

correlação entre as características dos processos que representam. A amostragem,

julgamos, pode ser classificada como intencional e causuística, de acordo com a

tipologia elaborada por Burgess (1997). Intencional, pois em busca de ações, contextos

e papéis sociologicamente relevantes à luz da hipótese inicial e da teoria que

informavam o olhar do investigador; causuística, pois muitas das hipóteses secundárias

– como a de que não haveria sem-abrigo ou mendigos no Parque – provaram-se falsas e

precisaram ser reformuladas.

Privilegiamos, agora já na fase da redação é possível dizê-lo, os (sub)casos que

permitem perceber o espaço de uso público, em seu desenho e gestão, funcionando mais

claramente como recurso e constrangimento à vida social. Foi a forma que encontramos

de tentar fazer um estudo pela perspectiva de como os fenômenos sociais do espaço de

uso público se constituem e articulam e não um estudo pela perspectiva de como os

fenômenos sociais se constituem e se relacionam no espaço de uso público. É apenas

uma diferença de ponto de vista. Disso decorre também que, mesmo no estudo de um

objeto identificado (por nós e por outros) com o lúdico e a mobilidade, o turista, que

está para esse território lúdico como o mineiro para a cidade mineira e o operário para a

cidade industrial (Hannerz, 1983), foi preterido em favor do sem-abrigo.

Na primeira fase do campo, em 32 dos 34 dias realizamos entrevistas não-

estruturadas, muito mais próximas de conversas informais, com informantes aleatórios,

encontrados nos espaços de uso público. Esse material não foi gravado.

Durante as 8 visitas da segunda fase, fizemos 44 entrevistas gravadas, mais uma

não gravada a pedido, sendo 36 desse total realizadas com informantes encontrados

aleatoriamente no campo e 9 com informantes de instituições (6 com representantes da

da Geurbana, 2 com representantes da Gare Intermodal de Lisboa e 1 com

representantes da Comunidade Vida e Paz) as quais solicitamos entrevistas. A maioria

das entrevistas (36) foi realizada dentro do perímetro do Parque das Nações. Oito delas,

entretanto, fizemos em dois contextos do centro histórico de Lisboa: na Rua Augusta,

onde entrevistamos artistas de rua; e na Praça da Figueira, um local usado para a prática

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de skate. À diferença da primeira fase, entretanto, nessa segunda elaboramos guiões

temáticos e algumas perguntas previamente à realização das entrevistas32.

A seleção dos informantes obedeceu a dois critérios. No caso das entrevistas no

campo, obedecemos ao critério de eles fazerem parte, quer fortuitamente, quer de

maneira mais permanente, dos contextos que elegemos como os subcasos de nosso caso

principal, estivessem eles desenvolvendo os papéis que nos interessavam

prioritariamente (como os sem-abrigo, os skaters e os praticantes de bmx), quer não

(como um casal de namorados, um dançarino de hip hop e os adultos que

acompanhavam crianças enquanto essas utilizavam a pista de skate). Estando nesse

contexto, obedecemos à amostragem aleatória que tão útil e válida nos parece ser para o

estudo dos espaços de uso público. Nas instituições, a seleção dos informantes foi feita

em conjunto com as mesmas. Em alguns casos, as solicitações feitas para entrevista de

um representante foram atendidas por outras33. A Polícia de Segurança Pública e a

Empresa Municipal de Estacionamentos de Lisboa (Emel) não aceitaram as solicitações.

Para além da utilização da entrevista, realizamos observação e análise de

documentos. Tivemos dois objetivos nessa segunda fase: ampliar o volume de dados e

aprofundar alguns temas em contextos que pela observação já nos pareciam relevantes;

testar hipóteses negativas.

Essa segunda fase foi desenvolvida em conjunto com a constituição de um

primeiro quadro conceitual, como apresentado na figura 1. Miles e Huberman (1994),

sugerem a aplicação do quadro conceitual ainda antes do início do campo, com base

apenas nas teorias e temas a serem estudados. No nosso caso – em que a estruturação

inicial era muito baixa –, pareceu-nos mais útil produzi-lo já tendo em conta a maior

parte dos dados recolhidos.

32 Seguimos aqui, com boa dose de adaptação, o método apresentado por James Spradley (1979)33 Na Geurbana, fizemos 4 solicitações específicas, das quais 3 foram atendidas. Na CVP, uma

instituição que distribui comida para sem-abrigo na gare, a entrevista iniciou-se com um membro indicado para falar, mas foi complementada por outro. Na Gare Intermodal de Lisboa, os informantes nos foram indicados

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Para essa elaboração, recorremos a duas fontes de dados: a) uma catalogação de

reflexões iniciais sobre os dados até então obtidos. Nessas reflexões, fizemos as

primeiras costuras entre os dados do campo e das teorias que foram sendo recolhidos ao

mesmo tempo; b) uma catalogação das reflexões a partir das teorias e metodologias de

pesquisa que haviam sido consultadas até então. Essas fontes foram pensadas tendo em

vista a hipótese inicial e as questões de partida. É o primeiro passo do conceito analítico

(Wieviorka, 1994) de processos de inclusão e exclusão que elaboramos.

A leitura do quadro é: a diferenciação pela organização, questionamento inicial

que motivou a investigação, decorre do fato de haver, no Parque das Nações, contextos

específicos para cada ação ou conjunto de ações, alguns colocados no centro e outros

nas periferias do Parque34. A criação desses contextos mais ou menos específicos

decorre do que chamamos de processos de inclusão e exclusão. Esses processos, por sua

vez, são operados pelos utilizadores mas principalmente pela empresa responsável pela

34 Embora não tenha havido um estudo comparativo sistemático, a própria ideia de que o Parque se diferencia por uma aparente maior organização dos espaços públicos recorre, invariavelmente, ao confronto desse espaço com o conhecimento de senso comum do investigador. Conforme afirma Gubrium (1988:19), os sociólogos vão recorrer à sua cultura comum (no sentido de não elaborada cientificamente) para atribuir sentido às observações

34

Figura 1: quadro conceitual inicial

PROCESSOS DE INCLUSÃOE EXCLUSÃO

ADMINISTRAÇÃODO PARQUE

UTILIZADORES

CONHECIMENTO

CENTRO/PERIFERIA

CONHECIMENTO

CONTEXTOS

DIFERENCIAÇÃOPELA ORGANIZAÇÃO

FRONTEIRAS

DESENHO URBANOGESTÃO

Li gação descritiva

Ligação causal

ILUSÃO DE ESPONTANEIDADE

1065

1070

administração dos espaços de uso público em conjunto com outros atores institucionais

que agem no território (como a Polícia de Segurança Pública, os empresários que

oferecem serviços de restauração etc.). O desenho físico e os serviços de gestão

(manutenção, limpeza, vigilância, promoção de usos etc.) são as ferramentas da

administração para tanto. Tanto entre os utilizadores como na administração é possível

encontrar um conhecimento que informa o modo como esses processos serão

constituídos. Dessa organização decorreria também a ilusão de espontaneidade (Pais,

2002:169-170) que parecia banhar alguns fenômenos sociais observados no Parque.

2.4 Análise: busca de estruturas

O conceito de estruturas vem sendo usado ao longo desta dissertação e cabe,

agora, mostrar sua origem, funcionalidade para a nossa investigação, e o que

entendemos por ele. O etnógrafo Jaber Gubrium (1988) propõe a análise dos dados do

campo por meio da ideia de estrutura. Com esse conceito, Gubrium apreende a maneira

como os indivíduos interpretam a sua experiência e as maneiras disponíveis em

determinado contexto para essa interpretação. As formas sociais como a família, por

exemplo, são estruturas em potencial para serem aplicadas a uma rede de indivíduos

interligados por laços sociais35.

Julgamos que entender estruturas enquanto recursos e constrangimentos

disponíveis não só à interpretação, mas à ação do indivíduo em cada contexto,

discerníveis quer por meio da observação, análise de documentos ou da entrevista, é

uma abordagem adequada para apreender o que acima denominamos materializações.

Usamos ocupações e estruturas de ação de uma forma intercambiável.

Ao mesmo tempo em que executávamos a segunda fase de recolha de dados,

iniciamos um trabalho de sistematização de 39 das 44 entrevistas gravadas. Sem

transcrevê-las completamente, dividimos os conteúdos em grelhas, nas quais

descrevemos trecho a trecho o teor dos mesmos e fizemos transcrições exatas de

excertos que consideramos mais significativos para transcrição exata mantendo ao

máximo possível a literaridade36 . A cada trecho, atribuímos códigos descritivos (Miles e

Huberman, 1994). O mesmo procedimento foi aplicado aos conteúdos dos cadernos de

terreno, do qual constavam informações obtidas sobretudo pela observação direta, mas

também por entrevistas não-gravadas. O conteúdo do caderno foi transcrito para uma

35 Para a elasticidade da ideia de família, cf. Martucelli (2002:195) 36 Exceto quando o entrevistado se distanciava muito do tema, como aconteceu com alguns sem-abrigo

e artistas de rua

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grelha, separando-se o que era dado de entrevista e dado de observação, e também foi

codificado descritivamente.

Parece-nos importante esclarecer que, quando afirmamos usar códigos

descritivos, não pretendemos dizer que eles possam ser livres de quaisquer

interpretação. Em linha com a posição metodológica apresentada acima, todo dado é

uma construção – e logo, uma interpretação – do investigador. O que pode variar é o

grau de interpretação atribuído a esse dado. Nesse sentido, os códigos descritivos são

aqueles que, como sugerem Miles e Huberman (1994:57), envolvem pouca

interpretação. Assim, no trabalho de codificação, tentamos manter os códigos o mais

próximo possível do senso comum. Ainda assim, a codificação mesmo descritiva

pressupõe um trabalho de redução, seleção e organização. Por exemplo, ao utilizar o

código “jogging” para descrever uma ação desenvolvida por um indivíduo em um

contexto, uma série de outras ações que o indivíduo desenvolve ao mesmo tempo (como

falar ao telemóvel ou deslocar-se para o trabalho) acabam por ser absorvidas ou

desconsideradas. Assim, ao ser um trabalho de redução, seleção e organização de

informação, os códigos constituíram a primeira fase estruturada da análise final dos

dados.

Embora tenhamos realizado também uma codificação interpretativa juntamente

com a descritiva, esses códigos não foram utilizados nos passos seguintes de análise

estruturada, como é o caminho sugerido por Miles e Huberman (1994). Diferentemente,

nós realizamos o trabalho de codificação para poder garantir que todos os dados que nos

parecessem atinentes a um contexto, papel ou ação fossem considerados no momento da

análise deles. Com o auxílio de um computador, pudemos extrair da base geral de

dados, sempre que buscássemos, todos os extratos codificados com um (ou mais de um)

código. Pretendemos assim tornar visíveis todos os dados, inclusive aqueles que

pudessem contradizer a hipótese interpretativa ou a conclusão a que chegávamos. Com

isso, tentamos otimizar o trabalho de indução analítica que, como visto, obriga à

reformulação das hipóteses quando um dado contraditório surge e não ao seu abandono.

Para além disso, a codificação permitiu que reobservássemos, de certa maneira

descontextualizando, ações, contextos e papéis que haviam sido observados (ou

ouvidos) contextualmente. Esse trabalho de descontextualização sendo necessário para

que pudéssemos fazer com que a investigação se constituísse como não como um relato

em que a interpretação se esconde sob uma descrição exaustiva, mas em uma análise

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sociológica em que essa interpretação é trazida à tona e passa por uma complexificação

teoricamente informada e de acordo com um método.

O segundo passo estruturado da análise foi a apresentação dos dados. As ideias

de Miles e Huberman (1994) novamente aqui foram úteis. Recorremos à construção de

mapas a partir de ações e, em menor escala, contextos e papéis que à luz da experiência

no campo e das teorias acima apresentadas nos pareceram sociologicamente

relevantes37. Foi nesse momento que recorremos a códigos, embora ainda descritivos,

com uma carga interpretativa maior. Um exemplo é “exploração de recursos”, que

agrega todas as ações, contextos e papéis que envolvem a exploração do fluxo de

indivíduos no espaço de uso público como pedir, vender comida, distribuir folhetos.

A partir desses mapas, aplicamos novos códigos, que dessa vez podemos

considerar como interpretativos. São os que nos permitiram estruturar e confrontar mais

uma vez elementos do quadro conceitual elaborado acima com os dados do terreno38.

Foram então apontados, quando cabiam, os processos de inclusão e/ou exclusão que nos

pareceram existir em cada caso, e as condições contextuais em que eles ocorrem.

Esse confronto levou à necessidade de complexificar a ideia de processos de

inclusão e exclusão, que passou a ser dividida em quatro categorias, como se verá mais

à frente. Alguns outros elementos do quadro conceitual foram abandonados. A ideia de

centro/periferia foi agregada à de processos de inclusão e exclusão, tendo sido

mobilizada quando foi relevante. A ideia de fronteira também foi abandonada, por

demandar um novo investimento em recolha de dados que não se mostrou viável para

que se pudesse afirmar, com alguma certeza, que o conjunto de limites sociais e físicos

possam ser unificados em uma ideia de fronteira. A ilusão de espontaneidade também

não nos pareceu merecer um investimento analítico para a presente investigação. O

conhecimento, por sua vez, também ficou prejudicado por não termos dados suficientes

para o extrair do que já havíamos feito e, além disso, as condicionantes de tempo e do

formato da investigação se tornaram impeditivas.

2.5 Objeto

Com a descrição do percurso metodológico, estamos em condições de delinear

37 Foram elaborados os seguintes mapas: a) ações: brincadeira, exercício, deslocamento, graffiti, impedimento, interação, deitar, comer, comércio de rua, pedir, sentar, lazer b) contextos: Terreiro dos Radicais, Gare do Oriente, equipamentos/desenho físico; c) papéis: sem-abrigo/viajantes, jovem

38 Dizemos mais uma vez pois identificamos três momentos em que esse quadro foi confrontado: durante a segunda fase de recolha de dados, na elaboração das codificações e na aplicação dos códigos interpretativos

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melhor o nosso objeto de estudo e a forma como ele foi construído. É o que tentamos

fazer neste ponto.

A escolha do Parque das Nações é o primeiro recorte na vida social que

decidimos por fazer. O Parque foi escolhido pois, sendo resultado de um processo de

produção de cidades incomum, continha um enigma que despertou nossa atenção (a

diferenciação pela organização). Após algumas incursões, em que foi possível perceber

como os limites físicos eram insuficientes para estabelecer uma separação absoluta entre

o Parque e a malha urbana em que se insere, julgamos adequado privilegiar os espaços

de uso público internos ao perímetro, mas levando em conta fenômenos ocorrendo na

envolvente mais imediata.

A justificativa para a escolha dos espaços de uso público como aqueles que

seriam observados já foi adiantada de alguma forma acima, quando definimos o

conceito que aqui seria utilizado e quando afirmamos supor que esses espaços têm

potencial expressivo de refletir o que acontece na vida social em outros espaços

(fenômenos que têm outros locales, portanto)39. Cabe apresentar mais algumas. Em

primeiro lugar, e em linha com uma abordagem de baixa estruturação inicial como a que

nos propusemos adotar, os espaços de uso público foram desde o princípio privilegiados

em nosso trabalho no campo, em detrimento dos espaços privados (incluindo os de uso

público mas de acesso restrito, como um centro comercial).

Em segundo lugar, a busca do arcabouço teórico que seria utilizado para a

análise foi revelando elementos que apontavam para a relevância dos espaços de uso

público enquanto locale do modo de vida urbano – e portanto, como janela adequada e

importante para o estudo da estruturação da vida social em um contexto de alta

motilidade dos indivíduos. Ao mesmo tempo, a revisão de literatura sobre o objeto em

conjunto com a análise de documentos demonstrou que esses espaços detinham uma

função própria e importante na reurbanização aqui analisada, como discutimos acima40.

Dentre os espaços de uso público de dentro do perímetro, demos pouca atenção

aos internos às zonas residenciais, como pátios cercados por condomínios residenciais,

sendo uma das razões para tal decisão uma menor ocorrência de ocupações nos períodos

em que permanecemos no campo (como visto, sobretudo manhãs e tardes de dias de

semana). Por outro lado, valorizamos os perímetros mais frontais (junto à margem

ribeirinha do Rio Tejo), fossem eles centrais (em termos geográficos e simbólicos) ou 39 Cf 1.1 Espaço (de uso) público, igualdade e diversidade40 Cf. 1.4.2 Competição pela massa cambiante

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periféricos, as longitudinais Norte-Sul (Avenida Dom João II, Alameda dos Oceanos e

conjunto de passeios que margeiam o Rio Tejo), e as áreas limítrofes do Parque com a

envolvente, como mencionamos. Alguns espaços foram objeto de estudo mais detido e

as justificativas para a escolha deles se encontram nas análises desenvolvidas abaixo.

Embora possamos considerar o nosso objeto de estudo como os espaços de uso

público do Parque das Nações, como viemos definindo anteriormente, tais são os limites

e perdas de informação a restringir o nosso escopo dentro desse universo.

2.6 Validação

Julgamos que a validação de uma pesquisa qualitativa, como aponta Maxwell

(1990), reside em boa medida em permitir que outros investigadores conheçam o trajeto

da investigação realizada. Assim, poderão atestar a validade da pesquisa não

necessariamente numa reedição dos passos para testar se chegam ao mesmo resultado;

mas sim tomando conhecimento, da maneira mais pormenorizada quanto possível, do

percurso investigavo adotado, podendo julgar cada uma das decisões tomadas pelo

investigador para construir os seus resultados e testá-los frente ao campo. Por esse

motivo, nesta parte da metodologia, visamos expor esse caminho da investigação e

submetê-lo, juntamente com os resultados, ao escrutínio público.

Para além disso, ao longo da coleta de dados, as ferramentas de validação

adotadas utilizadas para reduzir a perda de informação foram a gravação das entrevistas

e a realização de uma descrição o mais detalhada possível. No que toca à perda de

informação na análise, elaboramos o sistema de codificação acima apresentado, que nos

obrigou a olhar, sempre, para o conjunto de dados recolhidos sobre uma ação, contexto

ou papel quando fôssemos elaborar uma análise.

Tentamos eliminar evidências anedóticas por meio de nova observação, quando

possível, das ocorrências que pudessem se configurar como tal. Esse trabalho, aliás,

mostrou-se extremamente frutífero para o percurso da indução analítica.

Uma grande fonte de invalidação da investigação, a nosso ver, seria a

comparação, mesmo que interna, funcionar como base para análises mais alargadas. Por

exemplo, fazer uma comparação entre o tratamento dado pela vigilância a um grupo

observado mais detidamente contra outro grupo observado de maneira menos

expressiva. Tentamos reduzir as comparações apenas para casos em que a recolha de

dados se mostrasse suficientemente adequada sobre cada uma das partes.

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Por fim, do ponto de vista da hipótese inicial e das perguntas de partida,

julgamos que a investigação mostra-se como validada. A hipótese de que haveria um

controle para garantir a organização nos espaços de uso público do Parque se confirmou

parcialmente. O controle existe, mas não é rígido. Tal responde à questão de partida: o

Parque das Nações parece mais organizado em razão de um controle, em grande medida

suave e exercido por meio da inclusão e não só da exclusão de usos – que, em alguns

casos, são suaves. Há consoância entre as ocupações previstas pela administração e as

praticadas pelos indivíduos, e quando essa consoância não ocorre, há tolerância, com

algumas exceções.

Julgamos, porém, que não é da resposta a esses questionamentos iniciais que

resulta a principal contribuição da investigação. Essa está na maneira como

conseguimos atingir o objetivo de identificar estruturas sociais da vida social cotidiana

em meio urbano e mostrar como elas se relacionam aos fenômenos de alcance

espaçotemporal mais amplo – ou macroestruturas sociais, se quisermos – que hoje

parecem ser transversais às cidades, aos processos de produção de cidades e à vida

social mais alargada.

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3. O processo de produção de cidade

Em linha com Jackie Katz (2010), que defende uma ampliação dos recursos da

etnografia urbana para além da estratégia “mosca na parede”, julgamos que uma

investigação sociológica ancorada na pesquisa de terreno deve possuir também um

recurso a outras fontes de informação fora do campo. É com este objetivo que

desenvolvemos este capítulo, em que são costurados dados do terreno com uma revisão

de literatura sobre o Parque das Nações e uma análise de documentos. Damos assim

início à análise do objeto.

3.1 Da indústria ao lazer, dos fundos para a frente

O Parque das Nações é um território de 3,3 km2 distribuído entre as os concelhos

de Lisboa e de Loures, na Área Metropolitana de Lisboa. Caso excepcional em Portugal,

o espaço é administrado por uma empresa e não diretamente pelas autarquias às quais

está afeto. Até 2008, o papel cabia à Parque Expo 98, S.A. (PESA), constituída em 1993

pelo Governo Central Português, sociedade anônima com estrutura privada mas de

capital público – 99,78% pertencentes ao Estado português e 0,22% à Câmara

Municipal de Lisboa. Em 2008, sucedeu-a a Parque Expo – Gestão Urbana do Parque

das Nações, S.A. (Geurbana), que segue regime jurídico e financeiro idêntico e é uma

integrante do grupo constituído pela PESA. Segundo o relatório de gestão e contas da

mesma relativo a 2010 (PESA, 2010), o perímetro abrigava estimados 8.000 fogos, 20

mil habitantes, recebia 20 milhões de visitantes por ano e, segundo o relatório de gestão

e contas de 2009, abrigava estimados 10 mil empregos, uma diferença expressiva em

relação aos 22,5 mil previstos e 300 empresas.41

A construção do Parque das Nações serviu como uma das justificativas para a

realização da Exposição Mundial de 1998 (Expo'98). A intervenção urbanística, por sua

vez, foi justificada como uma maneira de reabilitar a área onde o Parque se insere,

localizada na zona oriental da Área Metropolitana de Lisboa (DL 87/93), reintegrando-

a ao tecido urbano e, dessa maneira, obtendo uma mais valia permanente do

investimento público no evento. É sobre esse ponto que pretendemos nos debruçar

agora, pois ele revela uma estrutura de interpretação sobre o que são as regiões

posteriores e frontais da cidade.

De acordo com a reconstrução histórica feita por Maria Assunção Gato (1997), a

41 Site PESA. Seção História/“Parque das Nações”.

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zona oriental de Lisboa, após servir de espaço para quintas privadas e produção

agrícola, foi sendo ao longo do século XX destinada à indústria e à habitação de baixa

renda. Entre os motivadores para essa ocupação estão a legislação de uso e ocupação do

solo - o Plano de Groër, de 1948, plano diretor da cidade, destinou a área ao uso

industrial (CMLx, 2011) – e a promoção de programa de habitação social por parte do

Estado, acompanhado do desenvolvimento de vilas operárias patrocinadas por

empresários (Gato, 1997:65)42. No início da década de 90, 54,5% da população da zona

oriental ocupava bairros de habitação social, 13,3% barracas e 7% bairros municipais de

construção precária (Gato, 1997). Segundo a autora,

"Assim se passou de uma zona periférica, de vocação agrícola e de lazer, para uma área urbana densamente povoada, de maquinaria e operários, acolhendo tudo o que a restante cidade rejeitava, desde o lixo à indústria poluente, passando pelos grupos sociais segregados devido à sua condição generalizada de pobreza, contribuindo todo este cenário para dificultar a sua integração no território lisboeta. Mas é no sentido de contrariar parte desta realidade que surgem as propostas do Plano de Urbanização da Zona de Intervenção da Expo'98" (Gato, 1997:70)

A motivação de recuperar uma zona “socialmente desqualificada” identificada

com a indústria e com a habitação de baixa renda é referida também por Vítor Matias

Ferreira e outros (1997:114-15). Já Claudino Ferreira (2006:427) mostra como o

executivo da Câmara Municipal de Lisboa, na pessoa de seu então presidente Jorge

Sampaio, via a Expo'98 como oportunidade de resolver o “risco de abandono e

degradação, tanto do ponto de vista urbanístico, como social (2006:427)”. Assim,

segundo membros da autarquia

“Na avaliação da autarquia, esse risco resultava da conjugação de vários aspectos: do processo de desindustrialização; da permanência de actividades industriais poluentes e perigosas; da degeneração do edificado, com “edifícios fabris em ruínas” e “bairros operários antigos e de habitação social recente muito degradada”; das “acessibilidades deficientes”; da “predominância dos estratos sociais mais baixos”” (Ferreira, 2006:427. As aspas, constantes do original, servem a assinalar os termos mencionados literalmente pelos entrevistados)

A reurbanização da zona oriental integra-se em um período de “recomposição

social e territorial” da Área Metropolitana de Lisboa, que teve início no início da década

de 80, segundo Vitor Matias Ferreira e outros (1997:117). Enquanto as áreas históricas

centrais passaram a ser alvo de políticas de reabilitação, a área afetada pela Expo'98 é 42 Para uma discussão sobre o uso de vilas industriais como forma de controle dos operários, ver

Mitchell, Don (1993) “Public housing in single-industry towns - changing landscapes of paternalism” em Duncan, James e Lay, David (1993)

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resultante de “uma pressão cada vez maior no investimento no mercado imobiliário”

(1997:111) que Portugal passou a sentir nesse período em favor de projetos

habitacionais e de serviços, para a qual a integração europeia foi um impulsionador43.

Do ponto de vista da estrutura do mercado de trabalho, ainda segundo esses autores, o

final do século XX marcava na Área Metropolitana de Lisboa a retração expressiva da

ocupação nas atividades primárias e o crescimento dos grupos sócio-profissionais dos

setor terciário.

O Parque congrega hoje uma série de equipamentos privados de lazer da cidade,

como o Casino de Lisboa, o Oceanário de Lisboa, o Pavilhão Atlântico (que abriga

concertos, espetáculos e outros eventos culturais), o Pavilhão do Conhecimento, um

teleférico, o Teatro Camões. Além dos equipamentos lúdicos, abriga outros tipos de

serviços e funções públicas como o Campus de Justiça, a Gare Intermodal de Lisboa, o

Hospital CUF Descobertas, cinco creches e cinco escolas (3 privadas e 2 públicas), 3

cartórios, uma igreja, correios, 2 esquadras policiais, associações e um clube e a Feira

Internacional de Lisboa (centro de congressos que antes se localizava em outra área da

cidade). O Centro Comercial Vasco da Gama, integrado à gare intermodal, é o principal

equipamento de comércio e serviços – de lazer ou não. Há também um conjunto

expressivo de restaurantes, cinco hotéis, um serviço de aluguel de bicicletas, de karts a

pedal e de bicicletas com cestos, talheres e toalha para pic-nic44.

Para além da expressividade dos equipamentos de lazer privados, os espaços de

uso público também abrigam esse tipo de equipamento. Há 2 parques infantis, uma pista

para prática de desportos radicais (Terreiro dos Radicais), cinco jardins, jogos de água

ao longo de parte do eixo Norte-Sul, brinquedos públicos e 5 km de frente ribeirinha do

Rio Tejo – o rio sendo divulgado em conjunto com o Oceanário e com os demais

equipamentos privados como uma das atrações do Parque – , ao longo da qual se

distribuem bancos e algumas estacadas45 46.

Houve ainda um direcionamento aos jovens. Segundo Ferreira (2006), essa faixa

etária foi privilegiada de duas maneiras: o plano de reurbanização previa que o parque

habitacional fosse ser destinado à população jovem que procura habitação fora de

Lisboa; e o discurso publicitário construía o Parque como “uma nova centralidade e um

43 Portugal entrou para a Comunidade Econômica Europeia em 1986, sendo integrante da União Europeia desde a fundação do bloco (1992) e da união monetária também desde a fundação da ,es,a (1999)

44 Site Geurbana (www.portaldasnacoes.pt) e observação45 Site Geurbana e observação46 Site PESA

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centro de negócios de excelência para investidores; uma área de qualidade excepcional

para residência e diversão dos jovens da classe média” (2006:461). O fato de, como

divulga a Geurbana (2009), esse ser o perfil médio entre os utilizadores do Parque das

Nações, é dado como uma consequência inintencional (Giddens, 1986), numa

resistência à ideia de que o Parque seja destinado a um público específico47.

A ideia de ter a juventude como público-alvo das estratégias de reurbanização

encontra semelhantes tanto dentro como fora de Lisboa. Em 2010, a Câmara Municipal

de Lisboa aprovou o Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina, que

destina benefícios fiscais aos empreendedores que privilegiem a habitação para jovens

(CMLx, 2010). Em Barcelona e em Manchester, aponta Degen (2003:876, 878), a oferta

de um espaço de uso público consumível teve por cliente imaginado os jovens.

A reurbanização, assim, visou transformar um excerto da zona oriental de Lisboa

de uma região industrial e de habitação de baixa renda em uma região devotada à

habitação de classe média jovem e aos comércios e serviços, com expressiva dimensão

lúdica. Para tanto, nesse primeiro momento, julgamos importante destacar a vilificação

do passado (Degen, 2003:871) que colocou a indústria, a habitação social, os “estratos

sociais mais baixos” e a baixa acessibilidade como elementos constituintes de uma

região posterior, dos fundos da cidade. É contra esse pano de fundo, em uma região

periférica, que hoje se fala do Parque das Nações como “nova centralidade” de Lisboa,

em que o lazer, como aqui indicamos e como exploramos ao longo da dissertação,

torna-se algo digno das regiões frontais da cidade.

Essa vilificação encontra eco entre os indivíduos que utilizam hoje o Parque. É

transversal a diversos papéis desempenhados pelos entrevistados, sendo que a imagem

de que não havia moradores no Parque é dominante – exceto entre quem tenha

trabalhado nas obras da reurbanização – embora os houvesse e o fato seja referido no

discurso publicitário48

“{entrevistador} Estou tentando reconstruir a história do Parque. Sabem me dizer o que havia antes?

{entrevistado} Não havia nada. No passado não havia nada. Não havia casas, não havia construção, jardim. Era aterro” (SKATE1: praticante de skate, aproximadamente 30 anos, entrevistado no Terreiro dos Radicais)

47 Cf. 3.4 Inclusão do “cidadão abstracto” pela “qualidade”48 Site PESA

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“{entrevistador} Não vivia ninguém aqui?

{entrevistado} Não existia nada. Eram fábricas” (pescador, aproximadamente 60 anos, entrevistado no limite Sul do Parque)

“{entrevistador} antes de existir aqui a Expo [o termo Expo é usado ainda hoje para se referir ao Parque], o que existia?

{entrevistado} Era Moscavide

{entrevistador} Havia casas?

{entrevistado} [sim, com a cabeça] agora é tudo prédio de alta escala” (sem-abrigo M, aproximadamente 40 anos, entrevistado na Alameda dos Oceanos)

Nos espaços de uso público, é possível observar o apagamento desse passado. As

referências históricas na toponímia remetem para o período dos grandes descobrimentos

portugueses, sem fazer referências à ocupação industrial ou de habitação de baixa renda

que houve no território ao longo do século XX. A única referência é a torre da refinaria

mantida à guisa de atração que não integra, entretanto, o catálogo de arte urbana.

Oposta aos fundos assim constituídos está uma região frontal que inclui, para

além do comércio e dos serviços, o lazer em equipamentos privados e nos espaços

públicos. Essa estrutura de interpretação é articulada para justificar a intervenção, como

se observa em um discurso recolhido por Claudino Ferreira

““330 hectares da zona oriental de Lisboa degradados, porcos, sujos, arruinados, desmazelados vão transformar-se numa zona bela, urbanizada pelos mais modernos processos, com edifícios de bela arquitectura, alindada a preceito com uma ponte também muito bonita a surgir quase às suas portas, portanto num contexto extremamente favorável. Só pode satisfazer e dar alegria aos cidadãos, não é?[…] Ter isto limpo e embelezado, que é para atrair mais o turista, ah, mas também é uma questão de educação, de cultura. […]”” (Representante da Câmara Municipal de Lisboa no Conselho de Administração da Parque Expo. Citado em Ferreira, 2006:455)

3.2 Expo'98: marketing e heranças urbanas

A intervenção, inserida na tendência de utilização da cultura como forma de

promoção da competitividade das cidades, que em Portugal vinha desde a década de 80

(Ferreira, 2006), utilizou como tecnologia uma exposição mundial, repetindo um

histórico e contemporâneo processo de produção de cidades por meio de grandes

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eventos. Interessa-nos aqui apontar as relações entre a estratégia e a competitividade

urbana; e algumas heranças que o evento deixou para o espaço de uso público.

Em uma Lisboa na qual os fatores de competitividade urbana, segundo Matias

Ferreira e outros (1997), são identificados com as possibilidades de ser uma cidade

consumível (Baptista, 2004) e não com a de ser uma cidade produtiva, a Expo'98

deveria funcionar como uma ferramenta de marketing urbano desses fatores

consumíveis – a frente ribeirinha sendo um dos objetos urbanos de consumo, como

demonstra a colocação do Tejo como uma das atrações do Parque das Nações. É

importante ressaltar, porém, a dimensão que o projeto urbano aliado à exposição adquire

nessa tentativa de publicitar Lisboa na passarela global (Degen, 2003) de cidades.

Tentamos aqui identificar uma estrutura de interpretação na argumentação a que tivemos

acesso pela revisão de literatura e pelos dados do terreno. Para isso, é preciso olhar para

o contexto regional em que essa estratégia de marketing é mobilizada.

A excelência do projeto urbano que acompanharia a Expo'98 serviu de

justificativa de um investimento público no evento. Para além disso, conseguir que ao

evento se seguisse um sucesso urbanístico constituiria uma mais valia portuguesa no

contexto ibérico. Vítor Matias Ferreira e outros (1997:236) colocam a publicidade que

seria alcançada com a Expo'98 na Península Ibérica como o fato novo no uso de uma

exposição mundial como ferramenta de marketing. Esse uso dependia o resultado do

projeto urbanístico. À época em que Portugal se preparava para abrigar a Expo'98, a

vizinha Espanha vinha de realizar a Expo Sevilha'92, que assim como na experiência

portuguesa foi ancorada em uma proposta arrojada de renovação urbanística, mas que

entretanto foi considerada fracassada justamente no projeto urbanístico, por causa da

baixa utilização posterior do território. Desconsiderando aqui o efeito que Sevilha'92

teve no evento, o programa da Expo'98 teve uma dimensão de resposta ao programa do

vizinho49. Importa-nos como a experiência espanhola é usada como elemento

impulsionador e justificativo mesmo da necessidade de se fazer não só da Expo, mas da

cidade pós-Expo, um sucesso. Como refere Ferreira,

“Ao lado da Barcelona olímpica, um outro caso exemplar sustenta sistematicamente o discurso programático e justificativo dos planeadores do evento – Sevilha 1992. Este é no entanto equacionado como modelo negativo. Sevilha aparece como exemplo do que se pretende que não aconteça na Expo’98: a “excessiva sujeição” do urbanismo da Expo às

49 “Tal como a Espanha fazia com a Expo’92 de Sevilha no quadro das celebrações colombinas, e quase em jeito de resposta (Catroga, 1996), através da Expo'98 procurava-se reafirmar perante o país e o mundo o legado humanista e universalista da expansão portuguesa” (Ferreira, 2006:249)

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“funções efémeras”; a “deficiente” ponderação da “reutilização posterior” de grande parte das edificações; a desvinculação entre os objectivos do projecto urbano (o parque tecnológico, por exemplo) e as reais condições e dinâmicas da economia local; a “debilidade” das estratégias de dinamização posterior do espaço legado pelo evento e da sua “integração” no tecido sócio-cultural da cidade. Em suma, o “falhanço” do projecto urbano.” (2006:450. Aspas no original)

Além de no discurso de atores relacionados diretamente com o projeto Expo

(ouvidos por Ferreira), a representação da imagem do fracasso de Sevilha é recorrente

nas entrevistas que fizemos. RF, responsável pelo Departamento de Qualidade do

Espaço Público da Geurbana (DQEP, Geurbana), usa-a como justificativa para a

manutenção (já descontinuada) da responsabilidade da administração pela animação dos

espaços de uso público.

“{entrevistador} Alguns skaters referem que usavam o bowling...

“{entrevistado} Depois da Expo tivemos cuidado de manter muita atividade para que esse espaço fique vivo. Organizamos feiras, feiras de artesanato móveis antigos, livros. Havia todos os fins de semana actividades, animação de rua. A nossa preocupação depois da Expo é não deixar morrer como aconteceu em Sevilha” (RF, DQEP, Geurbana)

“{entrevistador} (…) o que havia antes?

{entrevistado} Começou com a Expo. Para não acontecer o mesmo de Sevilha, quiseram dar continuidade pós-Expo. Mesmo depois da Expo mantiveram pavilhões, aproveitar o resto do espaço, jardim (..)” (mãe de crianças que praticavam skate, aproximadamente 35 anos, entrevistada no Terreiro do Radicais)

Evitar o fracasso urbanístico, então, foi uma preocupação em si mesma, mas que

em termos de competitividade urbana acionou também a ideia do fracasso espanhol, e

não só do sucesso. A fim de evitar esse falhanço, preencheu-se o território com

comércio e serviços e com o parque habitacional.

Assim, para além da permanência dessa estrutura de interpretação que revela

como um elemento-chave da estratégia de marketing e competitividade urbana foi

apropriado pela atual administração e pelos utilizadores, há outras quatro heranças da

Expo'98 importantes aqui. A primeira diz respeito aos equipamentos de lazer de acesso

privativo que fizeram parte da Exposição, como o Oceanário de Lisboa, o Pavilhão

Atlântico, o Teatro Camões – três das “âncoras” do projeto urbanístico – e o Pavilhão

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de Portugal50. É aparentemente graças a esses e outros equipamentos lúdicos – para

além dos de usos mistos, como o Centro Comercial –, que há sustentação da população

cambiante necessária para manter a ocupação desse tipo de cidade.

A segunda herança se trata da influência do evento no planeamento dos espaços

de uso público. A arquitetura desses espaços, tanto para o evento como para o período

pós-Expo, ficou a cargo de um mesmo responsável. Isso se refletiu na submissão do

desenho urbano à temática da exposição. Segundo Ferreira (2006), o arquiteto

responsável pelos espaços públicos descrevia a tarefa como tendo combinado

“nas palavras do seu responsável, três critérios principais: “os projectos de urbanização de longo prazo para a zona da exposição”; “a criação de um ambiente alusivo ao tema” e de “condições práticas de circulação na exposição»; e a «preservação da memória do lugar”” (Ferreira, 2006:538. Aspas no original)

A terceira herança da Expo'98 é ideia de que a promoção da ocupação dos

espaços de uso público é uma responsabilidade da administração. Tendo sido uma das

incumbências dos promotores culturais da Expo'98 durante o evento (Santos e Costa,

1999), esse tipo de intervenção na ocupação dos espaços públicos continuou a ser

desenvolvido depois do evento, tendo cessado em 2008, quando a Geurbana foi criada.

Todavia, o abandono dessas funções encontra ainda alguma resistência dentro da

administração, segundo AJA, ténico do Departametno de Qualidade do Espaço

Público/Monitorização Urbana da Geurbana.

Essa promoção da ocupação hoje é referida por MSC, que atende pelo

Departamento de Comunicação e Relações com o Cidadão (DCRC), como

responsabilidade exclusivamente da iniciativa terceiros, cabendo à Geurbana

unicamente a sua autorização. Nesse trabalho, o ideal de manter o espaço de uso público

vivo, e vivo ludicamente, parece estar na base, também, da interpretação de

representantes da Geurbana sobre os artistas de rua: a prática é vista com bons olhos,

mas a interferência indesejada causada aos utilizadores de cidade pelo barulho e pelo

ato de pedir dinheiro os impactos que a atividade pode causar aos espaços públicos

levantam restrições51.

Por fim, a quarta herança. O projeto de marketing de Lisboa e de Portugal por

meio da Expo'98 e da reurbanização serviu de justificativa para a inovação

administrativa que os colocou a sob responsabilidade de uma empresa privada de 50 Site PESA51 Cf. 4.4 Explorações do recurso social

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captiais públicos. A inovação era necessária, segundo o decreto de fundação da Parque

Expo, S.A., devido “[à] dimensão e [à] complexidade da concepção e execução do

projeto de reconversão urbanística da zona de intervenção da EXPO 98, bem como a

gestão dos meios de financiamento das atividades necessárias à realização da

Exposição” (DL 88/93). Exposição que, por sua vez, foi entendida como uma

oportunidade que “responsabilizará particularmente Portugal perante a comunidade

internacional” (DL 87/93).

Embora as câmaras municipais de Loures e Lisboa devessem ter assumido a

gestão dos espaços públicos logo após o fim da Expo, em 1998, essa estrutura

prolongou-se até ao menos 2011, quando o governo Português determinou a sua

extinção (Público, 2011) e se previu a transferência52. Entretanto, cabe-nos analisar

alguns aspectos da gestão urbana que essa inovação administrativa decorrente de uma

estratégia de competitividade e marketing urbanos gerou.

Entre os representantes da Geurbana entrevistados, por um lado, é identificável

uma desvalorização do formato de gestão camarária, que remete a ineficiência e

morosidade. A necessidade de recorrer às câmaras municipais para executar alguns tipos

de intervenções de maior dimensão (a lentidão dos concursos públicos é um dos

exemplos apontados), ou para exercer a fiscalização sobre o uso dos espaços públicos,

são sempre referidos negativamente – assim como a vantagem de não ser necessário

fazer isso em outras ocasiões nas quais a Geurbana detém a competência absoluta.

A mesma desconsideração já havia sido expressa anteriormente por Luís Viana

Baptista (2004), então diretor de planeamento e desenho urbano na PESA, em relação à

estrutura estatal convencional. Ao se referir às críticas de que a constituição de uma

sociedade de capitais públicos e a concessão, a essa sociedade, de poderes

extraordinários para a reurbanização do território eram medidas antidemocráticas, o

então diretor afirma que o processo político serve apenas para “agitação mediática”

(2004:198).

Essa lógica repete, na gestão urbanística, a “retórica da eficiência” e de relações

custo-benefício que caracterizam uma viragem da gestão dos apoios sociais a partir dos

fins a década de 1970 na Europa, quando configura-se um processo de ganho de

autonomia, por parte das cidades, no desenho das políticas desses apoios, conforme

identifica Yuri Kazepov (2005:26)53. Nessa mesma época, segundo Patrick Les Galès, as 52 MSC, DCRC/Geurbana (comunicação por e-mail)53 “rhetoric of efficiency” (t.n.)

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políticas urbanísticas voltadas à resolução de necessidades sociais (das quais a habitação

é o exemplo mais óbvio) começam a conviver com as emergentes políticas urbanísticas

que colocam a cidade como mecanismo de desenvolvimento econômico,

“Social redistribution in favor of the rising tide of the poor populations within cities appeared central. However, rapidly the issue of urban regeneration and economic development was also brought forward, wether because it was ideologically driven by the neoliberal Thatcherite revolution in the UK case, or because cities came to be seen as crucial engines of economic development in the new post-industrial economies. (…) British urban policy aimed to promote market disciplines, competition and private-sector investiments in most cities at the expense of the professions, local authorities, planning rules, and social redistribution, sometimes mimicking US urban initiatives in terms of flagship projects, privatee developers' investments in quays and harbors, and business-led partnerships.” (Les Galès, 2005:239)

Inserida nessa segunda lógica de políticas urbanas, a reurbanização do Parque

das Nações é voltada à manutenção das condições de consumo dos espaços urbanos de

acordo com os padrões julgados adequados pela administração. A ideia de eficiência no

cumprimento desse objetivo se configura como a principal vantagem do modelo de

gestão do Parque na opinião dos representantes da Geurbana.

É uma interpretação que enquadra-se na lógica dos territórios e cidades

competitivos e lúdicos identificados por Baptista.

“É nesta versão de "pensar a cidade" que a programação é mais eficaz e o planeamento estratégico mais exequível já que a rentabilidade de um empreendimento tem que jogar com o tempo de execução e a discussão pública perturba de forma significativa tal dinâmica” (Baptista, 2004:94)

Essa eficiência no que toca aos espaços públicos se prende com a capacidade de

manter o controle quase absoluto sobre o que acontece no Parque. Para além dos

serviços de vigilância humanos e eletrônicos e do desenho aberto (com um mínimo,

portanto, de odd corners), a vigilância é garantida pelo que os entrevistados classificam

como “flexibilidade” ou proatividade dos funcionários da Geurbana. Como refere AJA,

do Departamento de Qualidade do Espaço Público/Monitorização Urbana, é essa

flexibilidade que faz com que um funcionário comunique à empresa uma anomalia

mesmo que não seja de sua competência. Assim, a competência laboral da flexibilidade

é entendida como um recurso para potencializar o controle sobre o Parque.

A preocupação com o pleno controle sobre o que acontece no território é

identificada por Foucault como um dos objetivos da abertura de vias para potencializar

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a circulação (2007:33-34). É uma característica, então, da modulação de segurança do

urbanismo, do entendimento desse como uma ferramenta para regulação de um meio,

da qual o urbanismo do Parque partilha algumas características. Para que a modulação

de segurança tenha sucesso, há necessidade de vigilância ostensiva, o que faz com que,

para além dos serviços dedicados à exercer esse papel (seguranças e sistemas

eletrônicos) e do desenho aberto, o caráter de vigilância dos funcionários seja colocado

como a principal mais valia do modelo de gestão urbana (AJA, DQEP/MU, Geurbana).

Desse modo, o espaço urbano do Parque, praticamente como um todo, adquire

uma característica das regiões frontais, que é a visibilidade. Muito embora possamos

falar, como será explorado mais adiante, em regiões posteriores dentro do Parque, esse

posterior deve ser pensado do ponto de vista do indivíduo que utiliza os espaços de uso

público e não da administração54. A vigilância como uma característica central para essa

administração faz com que, ao menos em possibilidade, toda e qualquer ocupação dos

espaços públicos se dê em uma região frontal do ponto de vista da administração,

mesmo que em uma região posterior do ponto de vista de quem usa a cidade.

A segunda forma pela qual a relação com o modelo de gestão camarária se dá é a

negativa de que a administração seja privada. O argumento é que a Geurbana é detida

por uma empresa que é, por sua vez, detida quase que exclusivamente pelo Estado.

“{entrevistador} (…) Qual a principal vantagem [do modelo de gestão privada] e a principal desvantagem em relação ao modelo de gestão corrente, que é o modelo de gestão das câmaras (...)

{entrevistado} Primeiro deixe-me fazer só uma correção. Não há aqui modelo de gestão privada. A Parque Expo Gestão Urbana é uma empresa totalmente pública (...). Não há aqui envolvimento de qualquer privado. Não é que eu tenha [algo] contra isso, só para clarificar qual é que é o modelo.” (LRo, administrador da Geurbana)

A principal desvantagem vai, entretanto, prender-se justamente com a falta de

legitimidade para poder avançar nos poderes regulatórios que decorre de a Geurbana,

apesar de detida pelo Estado, não ser investida da capacidade fiscalizatória de uma

câmara municipal, a que LRo se refere como “capacidade pública”. Com isso, a

empresa se encontra impedida de exercer ações fiscalizatórias de incumprimento de

posturas que estabelece como as corretas e de, assim, deter um maior controle sobre a

forma como os espaços de uso público são apropriados. A solução da situação passaria

pela assunção, pelas Câmaras de Lisboa e Loures, das competências da Geurbana como

54 Cf. 4 A organização no cotidiano

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competências municipais, mas mantendo a estrutura da empresa. Como refere LRo,

“{entrevistador} [mesma pergunta da citação anterior]

“{entrevistado} É um inconveniente que resulta das circunstâncias atuais [da não assunção] e não propriamente do facto de haver uma empresa única para a gestão (...). [E]mbora sejamos nós a fazer a gestão do espaço público, sejamos nós a conceder autorizações para utilização do espaço público etc., em termos legais o legítimo responsável pelos espaços públicos são os municípios. (...) E, portanto há algumas ações que exigem uma posição, um pouco mais de força, uma atitude diria coerciva para determinadas situações menos corretas que nós vemos aqui no Parque das Nações em que a Parque Expo Gestão Urbana não tem legitimidade para o fazer. E portanto nessa medida isso limita também um pouco a nossa atuação e não nos permite ser tão eficazes como nós gostaríamos de ser (...) Essa falta de autoridade limita um pouco nossas ações. Felizmente temos uma boa relação com os municípios, mas poderíamos ser muito mais interventivos se nós próprios tivéssemos esta capacidade pública que não temos. (LRo, administrador da Geurbana. Itálico nosso)

O posicionamento é compartilhado pelos responsáveis pelas direções de

Qualidade e Conceção Urbana, LRa, e de Obras e Infraestruturas Urbanas, JRP, que

relacionam essa deficiência com o fato de, à diferença do que acontecem com as

câmaras, os quadros da Geurbana não serem eleitos.

3.3 Nova centralidade

Um dos objetivos da reurbanização é descrito como a criação, na Área

Metropolitana de Lisboa, de uma nova “centralidade”, um conceito aplicado pela PESA

na promoção de outros projetos urbanísticos que desenvolveu e desenvolve para além

do Parque das Nações. No caso do Parque, nos materiais da PESA, encontramos a ideia

de centralidade ligada à plurifuncionalidade (PESA, 1999:70), à necessidade de

integração com a malha urbana e de integração a redes de transporte e tráfego (PESA,

1999:76), à recuperação do ambiente e da paisagem e à reconversão da função a que até

então era destinado o território (PESA, 2011b).

A interpretação do Parque enquanto nova centralidade também é dominante em

análises que consultamos na revisão de literatura. Segundo Matias Ferreira e outros

(1997) a expectativa de que a reurbanização criasse uma “nova centralidade” era um dos

pontos sublinhados por atores centrais do processo e por observadores privilegiados55.

55 Os observadores privilegiados são indivíduos considerados como os que têm influência na opinião pública, como jornalistas e urbanistas; os actores centrais são indivíduos considerados como directamente relacionados ou mesmo com poder decisório sobre os processos de intervenção nas frentes ribeirinhas, como o administrador da Parque Expo, membros do governo, das autarquias e do mundo sindical

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Em Ferreira, é possível ver como conceito é mobilizado pela organização do evento e

pelas autoridades públicas tutelares para referendar potencial do Parque de dinamizar o

desenvolvimento urbano (2006:424), servindo mesmo à justificação do projeto como

um todo (2006:444), e como se expressa no Plano de Urbanização da Zona de

Intervenção (PUZI, projeto urbanístico mestre da reurbanização) ligado também à

plurifuncionalidade. Gato (1997:89) aponta como, nesse mesmo Plano, a ideia de

centralidade é relacionada à melhoria do acesso ao território, uma característica

relacionada ao conceito também por Serdoura (2008) e Serdoura e Nunes da Silva

(2006).

A noção de centro está embebida em poder. Como Foucault (2007) mostra, a

modulação soberana do urbanismo coloca o Rei no centro da cidade, que para ser

capital, estaria no centro do reino56. Essa boa disposição do território garantiria a boa

circulação do poder real por todo o perímetro da cidade e do reino. Na modulação

disciplinar, o que passou a ocupar o centro geográfico das cidades foi o comércio,

dotado de boa acessibilidade, consolidando-se aí a ideia de centro funcional. Essa

parece-nos ser uma formulação dominante ainda hoje (Giddens, 1997). O fato de o

centro das cidades, como em Lisboa é o caso do centro histórico, consolidarem-se fora

do centro geográfico (Serdoura, 2008) e continuarem a ser referidos como centro por

suas características simbólicas, de mobilidade e funcionais, é testemunho do poder que

por meio da ideia de “nova centralidade” se tenta conceder ao Parque das Nações e à

reurbanização. Os movimentos de retomada dos centros degradados (cf., por exemplo,

O'Connor Wynne, 1997 para Manchester), são, para além de uma necessidade prática,

uma necessidade simbólica. São uma maneira de (re)colocar o centro como a região

mais frontal da cidade, redefinindo-o.

Medindo a centralidade a partir dos critérios de acessibilidade do território a

partir de outras regiões de Lisboa por meio da malha viária (ruas, avenidas etc.) e da

concentração de funções centrais, identificadas como comércio e serviços (incluindo

públicos), Francisco Manuel Serdoura identifica a consecução desse objetivo no Parque.

Segundo o autor, Lisboa tem três centralidades: o centro histórico (a Baixa Pombalina),

a região das Avenidas Novas (expansão para Norte desenvolvida sobretudo na segunda

metade do século XX e que mais se aproxima do centro geográfico); e o Parque.

“A nova expansão urbana de Lisboa – Parque das Nações – constitui-se, assim, em nova centralidade na cidade, facto que é demonstrado pela

56 C.f. 1.2 Contextos e regionalização de contextos

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importância da sua estrutura urbana no centro funcional e na cidade e que fez desviar o crescimento do centro para a zona Oriental, em direcção à periferia” (2008:194)

Para Matias Ferreira (citado em Ferreira, 2006:474), entretanto, a centralidade

do Parque ficou prejudicada e foi mesmo o “rotundo falhanço” pelo fato de o Parque

das Nações ter sido construído “de costas” (idem) para a cidade. Luis Mendes

(2001/2002) referenda a ideia de que o Parque é, de fato, uma nova centralidade.

Entretanto, denuncia o caráter eminentemente lúdico que ela assume, e a fragmentação

que causa ao promover um tecido urbano policêntrico para a cidade de Lisboa.

A ideia de nova centralidade surge espontaneamente no discurso de LRo,

administrador da Geurbana, quando perguntado sobre o que é o Parque das Nações. No

seu entendimento do conceito,

“{entrevistador} e o que é centralidade?

{entrevistado} No fundo esta é uma nova centralidade porque tem aqui uma série de equipamentos, alguns de escala metropolitana e de diversas funções desde a área dos transportes ao lazer etc., que no fundo são equipamentos polarizadores e funcionam como elementos âncora de atração das pessoas (…) a Gare Intermodal de Lisboa, (…) temos aqui equipamentos de lazer de referência como por exemplo o Oceanário, o Pavilhão Atlântico, o Teatro Camões, Pavilhão de Portugal. Temos equipamentos, usos da área comercial que também são grandes atrações como o Centro Comercial Vasco da Gama e portanto tudo isso (...) conferem a esta zona determinadas características que no fundo são altamente polarizadoras e atractivas para a população, quer para residir, quer para trabalhar (…) quer pessoas que vêm aqui pura e simplesmente para visitar e para o lazer. [Isto] faz com que toda esta zona seja um receptor de fluxos de pessoas de várias naturezas que faz com que este equipamento tenha uma ocupação constante ao longo das 24 horas por dia. (…) uma grande vivência em pleno ao longo de todo o ano, todo dia, todas as pessoas de diversas origens e naturezas.” (LRo, administrador Geurbana)

A ideia de centralidade no discurso do administrador é a de um território que a)

mais do que servir a demanda causada pela população circundante ou exercer controle

político sobre ela deve atraí-la para utilização; b) essa atração se dá pela oferta de

transporte e comércio, mas também de lazer, sendo a habitação uma função menor; c) o

centro tem funcionamento ininterrupto, o que parece contribuir para d) a diversidade de

pessoas que ali se encontram. Em resumo, pensada sobre o pano de fundo teórico, essa

estrutura de interpretação é: a função de um centro de cidade é atrair população

(competitividade) para consumo sobretudo de lazer (constituição de um território

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lúdico) e que ela seja constituída de um público diverso (diversidade).

Assim, por um lado o centro cumpre a tarefa de ser ferramenta de promoção da

competitividade urbana se constituindo em um território no qual o lazer é uma função

equiparável ao transporte e ao comércio. Por outro lado, o centro deve ser diverso, no

que conseguimos identificar em vigor o regime igualitário que Martucelli (2002)

conceitua, havendo entretanto um claro direcionamento ao cidadão que está em

movimento, utiliza comércio e busca lazer.

3.4 Inclusão do “cidadão em abstracto” pela “qualidade”

Recorremos, como se verá na seção seguinte, à ideia de inclusão e não só à de

exclusão para explicar os processos que organizam a vida social no Parque57. As

inclusões constituem-se como uma importante ferramenta de organização dos espaços

de uso público do Parque. Mesmo atividades consideradas na sociologia urbana, no

senso comum e nos próprios discursos da administração como desviantes encontram seu

lugar no Parque, seja pela institucionalização como acontece com o skate e o

graffitismo, seja pela tolerância como acontece com os sem abrigo58. Trata-se não de

impedi-los de uma vez, mas de permiti-los estar desde que em contextos específicos e

segregados, evitando assim a convivência e os eventuais conflitos entre diferentes. A

segregação, ou o “empacotamento espaçotemporal” de que fala Giddens (1986), garante

a melhor supervisão de cada um desses papéis e das atividades que desenvolvem,

empoderando-os de maneira limitada nos contextos espaçotemporais em que se

localizam, e desempoderando-os no conjunto59.

As exclusões, por sua vez, são garantidas não só pelas proibições – e essas,

sendo expressivas no quadro que identificamos, mais deslocam para os fundos do que

propriamente excluem ocupações –, mas também pela supressão de recursos que evitam

que a própria ocupação ocorra, sendo uma exclusão mais suave, portanto. Evita-se, ao

mesmo tempo que o ambiente de descontração, de transgressão das regras de convívio,

de liberdade (Mendes, 2001/2002), próprio de um território destinado sobretudo ao

lazer, seja desfeito por uma “floresta de sinais”, como diz RF, Responsável pelo

Departamento de Qualidade do Espaço Público

“De resto não pretendemos criar aqui uma floresta de sinais, tem a ver com a estética, tem a ver com.... há muitas coisas que as pessoas sabem que não

57 Cf. 4 A organização no cotidiano58 Cf. 4.5.2 Skate park, para a inclusão do skate e 4.5.1 Gare, para a dos sem-abrigo59 “time-space packaging” (t.n.)

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podem fazer. E achamos que fica um bocadinho feio de proibir, proibir, proibir. Algumas coisas decorrem do bom senso das pessoas e outas são da lei geral (...) Há uma ou outra atividade que temos que avisar as pessoas, para não usarem pitons nos relvados mas não proibimos os jogos no relvado. É saudável que as pessoas saiam à rua no fim do dia e façam alguma atividade com seus amigos, tem o espaço público, isto também serve para utilizar. Mas queremos que não destruam o espaço público usando equipamento que cria estragos e para não haver confusões nós dizemos 'olha aqui é melhor e outro espaço está reservado para uma outra atividade', para não criar conflitos, para evitar conflitos à partida. Não somos muito de proibir.” (RF, Geurbana, entrevista, data)

A ideia de que todos podem estar incluídos no Parque, ou seja, de que não há

exclusão, é central nos discursos, assim como a ideia de que o Parque das Nações seria

destinado a um ou alguns públicos específicos encontra resistência. O fato de inquéritos

encomendados pela Geurbana apontarem que a faixa etária média da população

cambiante presente no perímetro gire em torno dos 30 anos e que isso seja condizente

com o expectável para uma “zona nova” é tratado como uma consequência inintencional

(Giddens, 1986). Como refere MSC, do Departamento de Comunicação e Relações com

o Cidadão, o Parque é feito para as pessoas que queiram viver nele

“{entrevistador} Não houve alteração no perfil entre os dois inquéritos [sobre o perfil do público, realizados em 2007 e 2009].

{entrevistada} Não. Manteve-se exatamente a mesma coisa. Agora vamos ver 2011, mas acreditamos que se mantém. O que é engraçado porque a idade continua a ser entre os 30, talvez 30 e qualquer coisa. Portanto é uma faixa muito novinha. Em 2007 era essa faixa, em 2009 continua a ser essa faixa, o que quer dizer que vieram muitos dessa idade porque senão essa faixa seria um bocadinho superior

{entrevistador} Pois. Normalmente o país está a envelhecer, normalmente teria que envelhecer...

{entrevistada} Exatamente. Portanto acaba por ser engraçado porque continuamos a ver... normalmente é uma faixa jovem que procura o Parque das Nações, essencialmente uma faixa jovem.

{entrevistador} É interessante porque é bem isso. Há um envelhecimento do país natural, só aqui se mantém

{entrevistada} Aqui é uma zona nova e portanto as pessoas novas, os espaços verdes tudo isso chama um bocadinho talvez as pessoas mais novas.

(...)

{entrevistador} Esse perfil (…) que foi identificado, jovem, principalmente

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jovem, é um perfil que condiz com aquilo para o qual o Parque imaginava que estava a ser construído ou é um perfil um pouco diferente...?

{entrevistada} Eu acho que não se fez essa previsão, mas é natural que uma zona nova acolha pessoas novas. Tenho a dizer-lhe que temos pessoas de faixas bem superiores, muitos reformados (...) Portanto, naturalmente que temos todas as faixas. Há um predomínio daquela faixa mais nova, não é? (...) Vêm das zonas novas, então são portanto tendencialmente pessoas novas também. Mas agora não se fez uma previsão de pessoas.

{entrevistador} Não se traçou 'queremos fazer o Parque para este tipo de pessoas'

{entrevistada} Não, queremos fazer o parque para as pessoas que queiram viver cá, gostem de viver cá. (MSC, DCRC/Geurbana)

Assim, a permanência de uma população jovem apesar do envelhecimento da

população em geral60 é vista uma consequência natural decorrente do fato de o Parque

das Nações ser uma zona nova e arborizada e não, pelo sentido inverso, como uma

consequência intencional da forma como o Parque é concebido. Essa mesma estrutura

de interpretação se encontra expressa no discurso de LRo, administrador da Geurbana.

“{entrevistador} Há um tipo de utente ou alguns tipos de utente, visitante e residente, que o Parque tenha em mente, que o senhor tenha em mente quando pensa as expectativas que deve atingir?

{entrevistado} Não, não. Deixe-me dizer, (…) o nosso objetivo é que o Parque seja o mais possível utilizado por todas as classes, por todos os segmentos e por toda a população. Portanto, quando pensamos nas iniciativas que desenvolvemos, por assim dizer, é para o cidadão em abstracto, portanto não é dirigido a pessoas com determinado segmento quer econômico, quer social, quer o que seja. Nós aqui procuramos que abranja, isso sim, o maior número possível de pessoas e satisfaça o maior número possível de pessoas independentemente do seu enquadramento. Agora, como se costuma dizer, é impossível agradar a gregos e troianos. Há sempre pessoas que acolhem muito bem uma ideia e outras por exemplo não têm esse entendimento, mas de fato nós não privilegiamos nem fazemos qualquer discriminação, quer positiva quer negativas das pessoas que aqui nos procuram” (LRo, administrador Geurbana)

A ideia de “cidadão em abstracto”, que também parece subjazer a ideia de uma

das características da centralidade ser a diversidade populacional expressa por LRo,

parece-nos uma formulação que apaga a existência de uma normalidade normativa, de

um “normal run” (Tonkiss, 2005), de um “cidadão comum” (Fernandes, 2006) que as

políticas urbanística ajudam a construir pelos recursos e constrangimentos que dispõem

60 Ressaltamos que aqui não estamos a atentar para a validade ou não da avaliação da pesquisa apresentada, ou para a qualidade da mesma pesquisa

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nos espaços urbanos.

Portanto, julgamos que a existência dessa estrutura de interpretação de que não

há público-alvo do Parque das Nações assenta sobre uma necessidade de garantir a

ficção democrática de que há uma igualdade de recursos e constrangimentos, apesar da

evidência de que esses recursos e constrangimentos privilegiam (“atraem” ou

“agradam”) uma determinada fasquia populacional. E isso mesmo quando se reconhece

a existência dessas evidências, como quando MSC aponta a manutenção de um público

“jovem” apesar do envelhecimento da população em geral, e LRo afirma não conseguir

agradar “gregos” e “troianos”.

Essa estrutura de interpretação torna-se ainda mais importante pois é utilizada

como justificativa para o próprio trabalho de gestão urbana desempenhado pela

Geurbana. Dito de outra forma: é para garantir que todos possam usar os espaços de uso

público, já que aí é o lugar onde as pessoas “socializam” e da “democracia”, que existe

uma preocupação em manter a “qualidade” desses espaços que justificam, como se verá,

exclusões61. Como refere LRo,

{entrevistador} Para que é usado o espaço público aqui? Qual a função do espaço público do Parque das Nações?

{entrevistado} (…) O espaço público é por excelência o espaço da cidade onde as pessoas socializam. (…) O espaço público como sabemos é aberto, com pessoas com maior ou menor capacidade econômica, com maior ou menor literacia, com umas com maior ou menor condicionantes em termos de mobilidade. Portanto o espaço público é um espaço que deve ser amplamente utilizado e eu diria democratizado. É o espaço onde vai toda a gente e nessa medida (…) tem que ser adequado e ter qualidade também para todas essas pessoas que aí se deslocam. E nessa medida nós (...) tentamos que de facto este fosse um espaço público diferenciado pela qualidade. Por esse motivo nós (...) tivemos um grande cuidado ao nível do de tudo o que é mobiliário urbano, arte urbana que no fundo eu diria que o PdN é quase um museu a céu aberto (...), os próprios espaços verdes há um grande cuidado quer na sua concepção quer na sua manutenção, ao nível dos pavimentos há pavimentos belíssimos (...). Ou seja, houve todo um cuidado para que o espaço urbano e público fosse de grande qualidade e permitisse e fosse acima de tudo confortável para as pessoas que aqui visitam e que no fundo propiciasse essa socialização e essa visitação por parte de todas as pessoas. Portanto, no nosso entender o espaço público é por entender o espaço da cidade, um espaço nobre, quase a sala de visitas da cidade. (…) Nós procuramos que essa qualidade que esteve implícita na concepção que se mantenha e perdure (...)

Essa “qualidade”, entretanto, é normativa. Na citação acima, a qualidade do

61 Cf. 4 A organização no quotidiano

58

1830

1835

1840

1845

1850

1855

1860

1865

espaço urbano é relacionada a ocupações lúdicas e é possível perceber algumas das

características dessa ocupação: a que pressupõe o lazer como a apreciação de obras de

arte, a visitação de áreas verdes para socialização e que não interfira no espaço físico.

Essas são incluídas, assim como o são outras que analisamos mais à frente. Excluídos

do espaço de uso público sob a justificativa da qualidade estão, por exemplo, a venda

ambulante de comidas fora de eventos lúdicos, a mendicância, a música alta, o graffiti

fora do skate park mesmo que em locais privados se não forem bonitos62. A qualidade é,

na definição de LRa, responsável pela Direção de Qualidade e Conceção Urbana,

{entrevistador} A direção é uma direção de qualidade... O que é esse conceito de qualidade no entender do arquiteto [LRa] . O que é a qualidade do espaço público... qualidade?

{entrevistado} O que nós procuramos garantir, o conceito de qualidade... no cumprimento de qualidade no que a própria palavra indica. Antes de mais nada do ponto de vista do cidadão, das pessoas que usufruem e fruem este espaço. E a qualidade do espaço público se reflete na qualidade de vida das pessoas. Agora essa qualidade passa por uma intervenção direcionada que tem em conta uma série de pressupostos inclusive a sustentabilidade do próprio território. Nessa medida nós procuramos intervir tendo em conta esses padrões de qualidade, quer ao nível da construção, quer ao nível da manutenção, quer ao nível da existência de grande superfícies de espaços verdes e procuramos que os cidadãos disponham de um espaço com essas valências todas e que contém também equipamentos lúdicos, ciclovias enfim. E todos os serviços que podem garantir de fato esses pressupostos” (LRa, DQCU/Geurbana)

Assim, o conceito de qualidade serve como justificativa para que o espaço de

uso público seja utilizado como um aparelho prescritivo (Pais, 1991) de formas de estar

nele.

3.5 Motilidade e ressensibilização

Para além de promover uma relação lúdica com o Rio Tejo, o Parque das Nações

teve como característica integrar, em termos de acessibilidade, uma região da Área

Metropolitana de Lisboa que, como visto, era considerada fechada e estagnada

territorial e socialmente. Tratou-se, assim, de um processo de potencialização dos

aspectos contextuais que constituem a motilidade dos indivíduos.

Analisamos duas vertentes nesse processo: a) a dotação do território de

acessibilidades a partir do exterior, desde a envolvente até perímetros mais alargados,

por meio da integração a redes de transporte e tráfego, que é uma necessidade para que

62 Cf. 4.4 Explorações do recurso social para as primeiras e 4.5.2 Skate park para o graffitismo

59

1870

1875

1880

1885

1890

1895

1900

o Parque se possa constituir enquanto nova centralidade; b) a modulação da mobilidade

dentro Parque com valorização da circulação suave, sobretudo pedestre. A conjunção

dessas duas vertentes, como ocorre no Parque, consolida a estratégia de mobilidade do

Plano Diretor Municipal de Lisboa de 1994, integrante de uma série de instrumentos

urbanísticos que visavam suprir “a necessidade de “devolução do rio à cidade, a bem da

qualidade de vida dos cidadãos, a bem da afirmação e da projecção internacional desta

Capital Atlântica da Europa”.”(Matias Ferreira e outros, 1997:153-154. Aspas no

original)63.

Essa estratégia vem na esteira de um incremento do debate sobre o futuro das

frentes ribeirinhas iniciado na década de 1980 que visava inserir essa faixa territorial no

que Matias Ferreira e outros vão chamar de “modernidade «tardia»” na qual “lazeres e

tempo livre; cultura e recreio; turismo e impactes ambientais; serviços e tecnologias

avançadas” (1997:151. Aspas no original) surgem como funções urbanas e

preocupações centrais. Essa “modernidade «tardia»” é colocada em oposição à marcada

pela ocupação industrial/habitação social, até então prioritária na zona oriental.

A reurbanização assentou na constituição de importantes infraestruturas de

transporte e tráfego. Junto ao centro geográfico e simbólico do Parque está a Gare do

Oriente, planejada para ser um eixo estruturante do sistema de transportes públicos na

área metropolitana de Lisboa, congregando metropolitano, transporte rodoviário (14

companhias) e ferroviário (local, regional, nacional e internacional) e oferta de parques

de estacionamento. No passado, a gare esteve integrada ao transporte fluvial, enquanto

funcionou junto ao Parque um ponto de ancoragem, já desativado. A distância da gare

em relação ao Rio e a inexistência de meios motorizados de transporte para fazer a

conexão são apontados como as razões para o insucesso por CCa, administrador Gare

Intermodal de Lisboa (GIL), empresa que gere o terminal. Em 2001, um estudo apontou

um movimento diário de 132 mil pessoas (para usar ou não transportes) e as projeções

iniciais (anteriores à Expo'98) apontavam para um fluxo de 239,5 mil pessoas/dia em

2012 (86 milhões/ano) (GIL, 2011). Os planos para o futuro são tornar a Gare o terminal

do Trem de Grande Velocidade (TGV) em Portugal e um shuttle de conexão com o

Novo Aeroporto de Lisboa, ambos em fase de projeto.

A PESA detém 49% do capital social da GIL, sendo a Rede Ferroviária Nacional

(REFER, empresa pública) e o Metropolitano de Lisboa (também empresa pública) os

63 O Plano Estratégico de Lisboa, um desses outros instrumentos mencionados, tinha por lema central “Lisboa, a Capital Atlântica da Europa”, segundo Ferreira (2008:467)

60

1905

1910

1915

1920

1925

1930

1935

dois outros acionistas. Essa participação de capitais públicos também faz o

administrador da CCa negar a ideia de que a administração seja privada, à semelhança

do que acontece na Geurbana64.

Além dessa interface, o projeto Expo também significou a concretização de um

projeto longamente adiado que é a segunda travessia do Tejo, constituída pela Ponte

Vasco da Gama (PVG), junto ao limite Norte. O Parque das Nações tem, ainda,

acessibilidades à Autoestrada do Norte (que liga Lisboa ao Porto, a segunda área

metropolitana mais importante de Portugal) e à Circular Regional Interior de Lisboa,

construída para retirar o tráfego de atravessamento das áreas centrais da cidade.

Internamente, as condições estabelecidas pelo modelo urbanístico continuam a

potencializar a motilidade. A distribuição das principais “âncoras urbanísticas” com

alguma distância entre si, a disponibilização de transportes públicos coletivos

(autocarros, simulacro de comboio, teleférico) e individuais (aluguel de bicicletas e

karts a pedal), e o estabelecimento de condições para circulação pedestre, em bicicleta e

em automóvel, são alguns dos recursos e constrangimentos que propõem a circulação

permanente. Esses elementos serão explorados mais detidamente abaixo, de acordo com

os contextos em que ocorrem65.

O que diferencia as condições contextuais internas à motilidade dos indivíduos é

o favorecimento da mobilidade suave. A característica mais expressia nesse sentido é o

estabelecimento de uma Zona de Acesso Condicionado (ZAC) que cobre toda a faixa

ribeirinha e as zonas mais centrais do Parque, geográfica, funcional e simbolicamente.

Além de garantir a segurança dos peões, a ZAC tem o objetivo de reduzir o “efeito

negativo que a imagem dos veículos transmite na paisagem e ambiente” (Geurbana,

2011:1), sendo as autorizações para que se possa circular na zona (para carga e

descarga, por exemplo) concedidas de modo a manter essa imagem. A maneira como

AJA, do Departamento de Qualidade do Espaço Público/Monitorização Urbana, refere-

se a essas autorizações, destacando como apesar do número expressivo de autorizações

concedidas a percepção da circulação automóvel é baixa, reflete essa preocupação com

a imagem, que por sua vez está relacionada, a nosso ver, àquela estrutura de

interpretação enunciada acima que coloca o movimento pedestre como integrante do

fluido conceito de qualidade de vida.

A valorização da mobilidade pedestre é justificada por Vassalo Rosa, arquiteto 64 Cf. 3.2 Expo'98: marketing e heranças urbanas65 Cf 4 Organização no cotidiano

61

1940

1945

1950

1955

1960

1965

da Parque Expo, como estratégia para “humanizar” o espaço de uso público em

oposição ao tráfego automóvel (Ferreira, 2006:453). Tal estratégia parece querer

reverter o que Urry e Sheller (2003) identificam como o efeito negativo do automóvel

no espaço público em termos de participação no mundo público. O automóvel, afirmam

os autores, é um dos elementos que têm efeitos ambivalentes nas culturas de democracia

(juntamente com as tecnologia da informação). Isso porque os carros por um lado têm

um efeito democratizante ao aumentarem as opções de mobilidade (aumentar, então, a

motilidade) dos indivíduos; mas por outro erodem o espaço público (na perspectiva

ampla) pela redução da participação do indivíduo no mundo público. A necessidade de

estar em constante movimento e o encapsulamento dentro do veículo impedem o

indivíduo de viver o espaço público, as particularidades desse espaço, de encontrar

estranhos66. Assim, o espaço de uso público é substituído rodovias de uso público e o

indivíduo, dentro do carro, roda privado em espaço público (Urry e Sheller, 2003:115).

O privilégio da circulação pedestre no Parque das Nações de certo modo

contraria essa segunda consequência da automobilização: constrói espaço de uso

público e evita que ele se torne rodovia pública, em suas áreas mais centrais geográfica

e simbolicamente. Estabelece recursos e constrangimentos para que o indivíduo saia de

sua “gaiola de ferro” (Urry e Sheller, 2003), colocando-o assim em potencial contato

com o outro e com as particularidades do espaço de uso público onde ele está. Assim, a

pedestrialização dos espaços de uso público favorece aquilo que Urry (2002) identifica

como sendo a necessidade basilar de qualquer deslocamento: a necessidade de

copresença, seja para encontrar o outro, estar em um lugar ou testemunhar um evento.

A cidade entretanto coloca estranhos em interação em ambientes não-neutros

(Hannerz, 1983:133). O aumento da sensibilidade ao outro, ao estranho, no Parque das

Nações, tem duas características que merecem ser exploradas. Em primeiro lugar, a

própria ludicização dessa experiência por meio do espaço físico. Para além da

distribuição de equipamentos de lazer nos espaços de uso público (como brinquedos e a

pista de skate), a aposta em uma ressensibilização lúdica da experiência do indivíduo

nesse espaço foi buscada por meio da distribuição pelo território da maior parte de um

conjunto de 54 obras de arte urbanas. Juntamente com a pestrialização, essas obras de

arte deveriam ajudar a humanizar o território na visão do arquiteto Vassalo Rosa

(Ferreira, 2006:.453) e na do responsável máximo pelo projeto Expo e posterior

66 Como afirma Antoine S. Bailly (1978:131) “(...) las imágenes forjadas por el hombre de su entorno lo son, y en no poca medida, a trave´s del parabrisas o de los vidrios de las ventanas laterales.”

62

1970

1975

1980

1985

1990

1995

presidente do Conselho de Administração da PESA, António Mega Ferreira

“Esse investimento [na arte urbana] foi retoricamente sustentado numa filosofia urbanística centrada na ideia de revitalização do uso do espaço público e da interacção entre a comunidade de cidadãos e a componente física do território. Nas palavras de A. Mega Ferreira, a arte urbana representava uma soma de elementos de “construção da paisagem”, “não como figuras decorativas […] mas como topoi de uma estratégia de desconstrução e reconstrução do espaço urbano” (Ferreira, A. M., 1998: 9). (...) A cada artista caberia apresentar propostas que assumissem “um carácter de reacção contra a indiferença generalizada, sugerindo ao indivíduo um objecto paradoxal e de descontinuidade dentro da malha urbana” (Pinto, 1998: 13).” (Ferreira, 2006:453)

Em segundo lugar, o encontro com o outro vai ser seletivo, essa seleção sendo

efetuada pelos processos de inclusão e exclusão que serão desenvolvidos abaixo e

envolvendo uma modulação da sensibilidade67. Nos espaços de uso público da Zona de

Acesso Condicionado existe um controle mais estrito das ocupações, justificado por

representantes da Geurbana recorrendo a duas razões: o indivíduo na ZAC está em um

momento de lazer e assim deve ser resguardado de algumas interações; há ocupações

consideradas não qualificadoras (carros, barulho, comércio ambulante, publicidade

expressiva ou funcionários comendo “à mesa posta”) que denigrem o que é definido

genericamente como qualidade. Há, assim, dentro da ZAC, uma tentativa de

restabelecer uma privacidade perdida quando o indivíduo sai de seu automóvel.

Em conclusão, o modelo urbanístico do qual resulta o Parque das Nações

potencializa a motilidade dos indivíduos, o que parece ser decisivo para manter a

permanente massa de população cambiante – necessária que esta é para que o Parque

possa funcionar como um catalizador da competitividade urbana de Lisboa. A presença

dessa massa cambiante fora dos carros contribui tanto para a viabilidade dos

equipamentos privados instalados no perímetro como para a ocupação dos espaços de

uso público, constituídos eles próprios como um instrumento de competitividade

urbana. Por outro lado, a potencialização da sensibilidade do indivíduo daí decorrente

irá ser modulada por meio da ambientação lúdica que é dada ao espaço de uso público

por meio do desenho físico e pela gestão. A preocupação em garantir a não interferência

nos territórios do eu do indivíduo (Goffman, 1973) em seu momento de lazer, oferece

recurso para que o urbanita possa recuperar, no espaço de uso público, parte da

privacidade perdida por sair do automóvel.

67 Cf. 4 A organização no cotidiano

63

2000

2005

2010

2015

2020

2025

2030

Essas duas características da estruturação da vida social proposta no Parque –

potencialização da motilidade e ambientação lúdica – decorrem da materialização dos

projetos urbanísticos que visam “devolver o rio à cidade” e transformar Lisboa na

“Capital Atlântica da Europa” e trazer a faixa ribeirinha da modernidade industrial para

a “modernidade tardia”. Cabe entretanto analisar como, nessas condições contextuais

mais amplas, outros contextos menores são aí estruturados. Passamos assim à análise

mais detalhada da organização da vida social no cotidiano dos espaços públicos.

64

2035

2040

4. A organização no cotidiano

A análise mais detida da vida social no cotidiano dos espaços públicos do Parque

está dividida em 5 seções. Como apontam as justificativas para cada uma delas, tratam-

se dos recortes que permitem ver, de maneira mais clara, como funcionam o que

designamos por processos de inclusão e exclusão, que é o conceito analítico aqui

desenvolvido para explicar a organização da vida social nos espaços de uso público.

Os processos de inclusão e exclusão devem ser entendidos como

complementares. Fazem parte de um contínuo no qual enquadramos ações, contextos e

papéis de acordo com os recursos e constrangimentos dispostos em um contexto. Assim,

nos referimos à exclusão de uma ocupação por a) ser proibida ou b) por ter recursos à

sua execução suprimidos; e nos referimos a ocupações submetidas a processos de

inclusão c) pela tolerância, por existirem apesar de haver um impedimento formal ou

uma resistência informal, ou d) pela institucionalização, em que a administração do

Parque toma papel ativo na formalização e gestão desses fenômenos, diretamente ou

indiretamente. O quadro conceitual, que se trata de uma reformulação do apresentado na

figura 1, está expresso na figura 3, e foi elaborado a partir do confronto do quadro

conceitual inicial com os dados do terreno após a sistematização dos mesmos.

4.1 Deslocamentos

O primeiro domínio que desejamos analisar para demonstrar o funcionamento

dos processos de inclusão e exclusão é o deslocamento, aqui entendido como o ato de se

mover no espaço físico. Julgamos ser possível observar como os recursos e

constrangimentos oferecidos ao deslocamento no Parque incluem algumas ocupações,

excluem outras e por aí ajudam a constituir a ambientação lúdica que marca o Parque. A

escolha do deslocamento como a primeira ação a ser analisada se faz pela importância

da mobilidade para o tipo de reurbanização em estudo. É, em última análise, o ato do

deslocamento que constitui a materialização física da motilidade.

65

Figura 2: Processos de inclusão e exclusão; quadro conceitual reformulado

2045

2050

2055

2060

2065

4.1.1 Pedestrialização

Estar a pé é uma condição a ser privilegiada nas zonas ribeirinhas de Lisboa68.

No Parque das Nações, isso se faz gradualmente, a partir de seu limite oeste (definido

pelos caminhos de ferro), conforme a figura 3, constituindo um processo de inclusão e

exclusão que inclui progressivamente o pedestre e exclui progressivamente o tráfego

automóvel quanto mais próximo se está do Rio Tejo. Esse processo também inclui

outras formas de deslocamento essencialmente não-motorizadas, como a bicicleta, os

patins e os karts a pedal, e formas de deslocamento essencialmente motorizadas, como o

simulacro de comboio turístico. Tanto em um caso como no outro, identificamos

também uma ludicização do deslocamento. Tentamos demonstrar agora a) o processo de

inclusão e exclusão mencionado e b) a ludicização nele envolvida.

A Avenida Dom João II, que se constitui como a principal via longitudinal

(Norte-Sul) para transporte motorizado, possui passeios largos e segundo Serdoura e

Nunes da Silva (2006), abriga circulação pedestre ao longo de todo o dia. É nela que se

encontram a Gare do Oriente, principal infraestrutura de transportes do Parque, e o

Centro Comercial Vasco da Gama, a principal interface de comércio e serviços do

Parque. Ao longo da Avenida estão localizados ainda equipamentos como o Campus de

Justiça (a Norte), empresas, hotéis, restaurantes e uma escola de enfermagem.

A segunda longitudinal é a Alameda dos Oceanos, considerada o eixo

longitudinal do Parque, sua principal ligação Norte-Sul. O desenho físico das pistas de

rodagem obriga ao desenvolvimento de uma menor velocidade, o que penaliza o tráfego

automóvel de atravessamento. Essa longitudinal possui passeios amplos nas laterais

como a Avenida Dom João II e, na parte de sua extensão mais próxima à área central,

também entre as pistas de rodagem. Nesse passeio entre as pistas de rodagem há jogos

de água (uma das artes urbanas), bancos e árvores. Para além disso, a Alameda possui

ciclovia de ambos os lados, a partir da Avenida da Boa Esperança, limite Norte da área

central, até o limite Sul do Parque, marcado pela Rotunda da Expo.

A terceira longitudinal é constituída, de Norte a Sul, por uma sequência de

passeios exclusivamente pedestres margeando o Rio Tejo que ligam o Parque do Tejo,

uma área de jardins e relvados que ocupa quase toda a área periférica Norte junto ao rio,

à Marina e ao Parque Infantil do Passeio de Neptuno, no limite da área periférica Sul.

Ao longo dessa longitudinal distribuem-se bancos, esplanadas de restaurantes, alguns

68 Cf. 3.5 Motilidade e ressensibilização

66

2070

2075

2080

2085

2090

2095

brinquedos públicos e obras de arte urbana.

A principal transversal do Parque é o Rossio dos Olivais, também pedestre, já

dentro da ZAC, que liga a Alameda dos Oceanos aos passeios que margeiam o Rio Tejo.

67

Figura 3: Zona de Acesso Condicionado e longitudinais

2100

O Rossio está localizado no centro geográfico do Parque e constitui a continuação de

um eixo transversal que começa na Gare do Oriente e passa pelo Centro Comercial

Vasco da Gama (dois equipamentos integrados um no outro funcional e

arquitetonicamente) em direção ao Rio Tejo. Ao longo do Rossio se estende um jogo de

água, estão distribuídas as bandeiras dos países e instituições que participaram da

Expo'98, e estão instaladas algumas obras de arte públicas – sendo o próprio piso uma

delas. A intersecção do Rossio e da Alameda – dos dois principais eixos do Parque

(Geurbana, 2011c), portanto – ocorre à entrada do Centro Comercial Vasco da Gama e é

marcada pela obra de arte urbana Homem Sol.

No perímetro da ZAC, onde com algumas exceções as vias são passeios

pedestres, encontra-se boa parte das principais âncoras privadas de atração de

utilizadores do Parque: o Oceanário, a Marina, a Rua da Pimenta – dedicada à

restauração com esplanadas – o Teatro Camões, a Ponte Vasco da Gama, o Pavilhão do

Conhecimento, o Pavilhão de Portugal (ocupado para eventos ocasionais, desenhado por

um arquiteto português vencedor do Prêmio Pritzker), o Pavilhão Atlântico (que abriga

eventos culturais como concertos), a Feira Internacional de Lisboa (centro de

exposições). Nesse perímetro também se distribui a maioria das obras de arte urbanas.

Fora da ZAC há passeios pedestres em praticamente todas as vias, protegidos

por pilaretes de aço que impedem a ocupação dos mesmos por automóveis – um

fenômeno comum em Lisboa e em outras cidades portuguesas69. Os passeios estendem-

se até fora do Parque, promovendo uma conexão pedestre com a envolvente, e a oferta

de transportes públicos permite ao indivíduo chegar até o Rio Tejo a partir das outras

centralidades de Lisboa sem a necessidade de usar automóvel particular.

Além do andar, o deslocar-se em bicicleta também é alvo de expressiva

inclusão70, que ocorre por meio da institucionalização e da tolerância. Para além da já

referida ciclovia na Alameda dos Oceanos, o deslocamento com esse veículo não sofre

virtualmente restrição nos demais espaços de uso público. Há ainda alguns

estacionamentos próprios, como junto ao Centro Comercial Vasco da Gama e à

Vodafone, e um sistema de aluguel de bicicletas. Para chegar até o Parque, os ciclistas

69 A relevância desse fenômeno pode ser medida pela ocorrência de campanhas de conscientização desenvolvidas pela Câmara Municipal de Lisboa (CMLx, 2011b); o surgimento de propostas solicitando a instalação de pilaretes entre as apresentadas no Orçamento Participativo; e pela ocorrência do protesto “passeio livre” (PL, 2011), que promove a colocação de autocoloantes em carros estacionados irregularmente

70 Para a emergência da velomobilidade enquanto modo de deslocamento para mediar a automobilidade por parte das classes médias, c.f. Pesses, 2010; para a inclusão da bicicleta em outras regiões de Lisboa, cf. CMLx, 2005

68

2105

2110

2115

2120

2125

2130

têm à disposição uma ciclovia que liga duas importantes zonas residenciais de Lisboa

(Olivais e Alvalade), além de poderem transportar o veículo no metropolitano (fora do

horário comercial), nos comboios (durante o dia todo) e em algunas carreiras de

autocarros de Lisboa. Dentro do Parque, alguns policiais utilizam o veículo, assim como

o coordenador das equipes de limpeza dos espaços de uso público.

Encontramos duas restrições ao uso de bicicletas nos espaços de uso público do

Parque. A primeira delas se aplica à prática do bmx, coibida nas áreas mais centrais mas

incluída (institucionalizada) em uma pista própria para essa ocupação instalada na área

periférica Norte71. O impedimento limita-se, porém, ao bmx enquanto prática, que

envolve por exemplo utilizar o mobiliário urbano como obstáculo para manobras, e não

ao deslocamento simples com a bicicleta utilizada para o bmx. A segunda restrição é

uma interdição de circulação em uma estacada sobre o Rio Tejo, junto à Marina, onde

foi instalada uma das poucas placas de proibição existentes no Parque para além das de

trânsito. Entretanto, as violações a essa norma são toleradas.

O uso de patins e skates para deslocamento sofre exclusão por meio da supressão

de recursos, já que o piso utilizado na maior parte dos passeios pedestres é pouco

adequado à utilização desses dois equipamentos72. Ambas as práticas entretanto são

institucionalizadas na mesma pista destinada ao bmx. Também é institucionalizado o

uso de karts a pedal, que podem ser utilizados nos passeios pedestres e que são

oferecidos pela mesma empresa que aluga as bicicletas. No que toca a transportes

motorizados, ao longo da Alameda dos Oceanos, na área central, os únicos autocarros

autorizados a circular são os de serviço turístico. Há nos passeios pedestres um

simulacro de comboio sobre pneus que é utilizado tanto por crianças e jovens como por

adultos e idosos. Por fim, há um teleférico que liga o Parque do Tejo ao Oceanário.

Tendo identificado os processos de inclusão e exclusão sobre formas de

deslocamento, seguimos para o destacar, nessas mesmas formas, da maneira como esses

processos contribuem para a ambientação lúdica dessas formas de deslocamento e, em

consequência, dos espaços de uso público do Parque das Nações. Parte delas ocorre em

decorrência de um processo de industrialização de tempos livres (Baptista, 2004), que

transforma o passar em passear.

Seja para ir de um lado para o outro, seja repetindo um mesmo trajeto, parte dos

deslocamentos no Parque das Nações é desenvolvida como uma atividade de lazer ou 71 Cf. 4.5.2 Skate park72 Idem

69

2135

2140

2145

2150

2155

2160

aliada a uma atividade de lazer – como brincadeiras, atividades físicas e a apreciação da

paisagem73. No que tange aos deslocamentos a pé, além da paisagem convidativa à

transformação do andar em um passear, a prática do jogging é beneficiada pelo relevo

do território e promovida por meio de publicidade74. No que tange às demais formas de

deslocamento, parte do veículos oferecidos ou com permissão para circular nas áreas

mais centrais têm um forte cariz lúdico: caso do kart a pedal, dos autocarros turísticos,

do simulacro de comboio, do teleférico e das bicicletas para aluguel, que são batizadas

com nomes de pessoas e têm regras e custo de utilização que as torna um meio de

transporte pouco atrativo para utilizadores pendulares: a bicicleta deve ser devolvida no

lugar em que foi emprestada e o preço para a utilização durante o dia todo é maior do

que o da avença mensal do metropolitano em Lisboa, por exemplo.

Tal oferta de recursos ludicizados de deslocamento é mais expressiva nas áreas

mais centrais do Parque. Essa distinção é importante tendo em vista a importância da

noção de centralidade em todo o processo de constituição do Parque das Nações75.

4.1.2 Tolerância automóvel

Mais do que simplesmente excluído – como poderia sugerir a análise que viemos

de desenvolver – o uso do carro particular encontra recursos dentro do perímetro assim

como os deslocamentos não-motorizados e em transporte público. Como refere o

Relatório da Expo'98

“Privilegiaram-se os percursos pedonais, criando grandes parques de estacionamento e incentivando o uso do transporte público na articulação com a cidade, condições estas que favorecem a fluidez automóvel” (PESA, 1999:64. Itálico nosso)

Para além da oferta expressiva de vagas de estacionamento, o estacionamento

irregular conta com a indulgência dos atores institucionais responsáveis por regulá-lo

(Emel e a Polícia de Segurança Pública). Dois extratos da observação podem ilustrar

essa indulgência.

É comum a presença de policiais junto às portas do Casino de Lisboa a

desempenhar função de seguranças do estabelecimento (um tipo de contratação

73 O método da observação direta dificulta, obviamente, definir exatamente quais o são e quais não o são. Tentamos caracterizar os deslocamentos lúdicos e o perfil lúdico de outros deslocamentos por meio de algumas características que ressaltam a dimensão lúdica, como a repetição ou não do trajeto pelo mesmo ator (por exemplo em atividades físicas), as roupas e apetrechos (apropriados para a prática de um esporte, por exemplo) e o veículo utilizados por ele.

74 Cf. 4.2 Exercícios e brincadeiras75 Cf. 3.3 Nova centralidade

70

2165

2170

2175

2180

2185

2190

autorizada em Portugal). Ao longo da Rua do Mar do Norte, que margeia um dos lados

do Casino, o estacionamento junto ao canteiro central é comum, sobretudo aos fins de

semana, embora a prática seja proibida. A presença policial entretanto apenas impede

essa prática no trecho em que os policiais se encontram – entre a Alameda dos Oceanos

e a rua do Polo Norte. Nas quadras seguintes, ela ocorre livremente. Já na Rua de Pedro

e Inês, no início da área periférica Sul, observamos a ocorrência de carros estacionados

em locais proibidos ao mesmo tempo em que havia carros bloqueados, pelo não

pagamento do parquímetro, nos locais autorizados. Como refere um fiscal de

estacionamento rotativo, o bloqueio e remoção de veículos estacionados irregularment

acontece apenas quando há impedimento da boa circulação.

A conjunção de baixa fiscalização por parte dos outros atores institucionais e de

indulgências, por parte da Geurbana, com a manutenção precária das sinalizações

horizontais junto às paragens de autocarro favorece o tráfego automóvel individual em

detrimento do transporte público. Os carros ocupam as paragens de autocarro para

estacionamento irregular de transporte individual. Nas observações, ficou claro que a

existência de elementos de marcação visual das paragens têm influência na decisão do

motorista em utilizar ou não o recuo como estacionamento particular.

A inclusão do automóvel e dos transportes motorizados também se expressa na

preocupação em evitar interferências na circulação, primeiro tipo de “ocupações

selvagens” mencionado por AJA, técnico Departamento de Qualidade do Espaço

Público/Monitorização Urbana). Segundo ele, há baixa receptividade na Geurbana a

ocupações dos espaços de uso público que demandem cortes de trânsito. Ocupações da

via pública e das vagas de estacionamento para obras, eventos, mudanças e outras

apropriações são sujeitas ao pagamento de uma taxa para desestimulá-las.

***Julgamos ter demonstrado ao longo das reflexões sobre a pedestrialização e a

tolerância automóvel quais são as características contextuais da motilidade da massa

permanente de população cambiante que ocupa os espaços de uso público do Parque das

Nações. Essas caratecterísticas, determinadas pelo desenho físico e pela ação de atores

institucionais, são a) a potencialização da mobilidade no Parque; b) a promoção das

formas de deslocamento não motorizadas quanto mais se está próximo do Rio Tejo, mas

não sem incluir o tráfego automóvel; c) a ludicização de formas de deslocamento, o que

contribui para a criação da ambientação lúdica dos espaços de uso público do Parque.

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2225

Essas características decorrem de processos de inclusão e exclusão pelos quais

algumas formas de deslocamento são institucionalizadas, toleradas, têm recursos

suprimidos e/ou são proibidas no contexto geral do Parque. Nos contextos mais frontais,

que entendemos como sendo a área central do Parque, os deslocamentos essencialmente

não motorizados, ou motorizados com forte cariz lúdico, são mais incluídos.

É estabelecida assim, a nosso ver, uma estrutura de açãoque empodera os

indivíduos que utilizam o Parque das Nações em deslocamento (seja repetitivo ou não)

não motorizado, sobretudo pela inclusão e de uma maneira lúdica, mas também

empodera quem usa o transporte motorizado – pelo lado da inclusão, oferecendo

estacionamentos e tolerando o estacionamento irregular – e pelo lado da exclusão,

forçando a uma permanência mais curta (por meio dos estacionamentos rotativos).

4.2 Exercícios e brincadeiras

As atividades lúdicas são expressivas no Parque das Nações. A possibilidade do

lazer é identificada por alguns entrevistados em bairros da envolvente como o motivo

para visitarem-no e como influência positiva do mesmo nessa envolvente. Para além dos

equipamentos privados, o lazer é uma caraterística dos espaços de uso público. Aqui

pretendemos analisar os processos de inclusão e exclusão que servem a organizar

ocupações desse tipo, e como elas contribuem para a ambientação lúdica do território.

A título de análise, pareceu-nos interessante dividir as atividades lúdicas entre

exercícios – e estamos aqui assumindo a posição de que os exercícios são uma forma de

lazer – e brincadeiras. A separação de ambos é entretanto difícil tendo em vista que

algumas ações quer caem sob os dois domínios, quer alternam entre um e outro, a

depender da afinação (Goffman, 1974b) dada a essa ação pelo indivíduo. Recorremos a

um exemplo do campo para ilustrar: como classificar a prática de deslocar-se, repetindo

o circuito, de monociclo, mas com roupas de ginástica? Iremos portanto utilizar uma

definição de Giddens (1986) sobre as atividades físicas que nos parece útil para fazer a

separação que pretendemos e que nos serviu para reunir algumas ações sob um ou outro

dos conceitos:

“Exercise is the imposition of regular and graduated physical training of the body, with an end state of fitness in view – 'fitness' referring to the preparedness of the body but also to a generalized capacity to carry out designated tasks.” (1986:151)

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4.2.1 Jogging

Dentro das atividades lúdicas aqui analisadas, os exercícios são os mais

transversais. São praticados por adolescentes, jovens, adultos e idosos; ocupam regiões

espaciais mais frontais, como os passeios que margeiam o Rio Tejo, e menos frontais,

como os limites Norte, Sul e Leste, e a envolvente (fazer da ida até o Parque um

deslocamento em forma de jogging ou em bicicleta e vestindo roupas de ginástica é uma

ludicização do deslocamento que é comum); ocorrem desde o princípio da manhã até o

fim da noite (ao menos das 7h às 22h, como observamos); e mesmo no contexto de

eventos extraordinários: um exemplo é o julgamento do processo da Casa Pia, no

Campus de Justiça, quando entre os curiosos encontrava-se um indivíduo com roupas de

ginástica em bicicleta76; outro é a Cimeira da Nato, em Novembro de 2010, às vésperas

da qual, com o isolamento de boa parte da área central, encontramos um indivíduo a

fazer jogging num pequeno intervalo ainda acessível da Alameda dos Oceanos.

Para além da oferta de equipamentos privados para o desenvolvimento de

atividades físicas, a inclusão do exercício na vida cotidiana do Parque das Nações se dá

por meio de recursos dos espaços de uso público, que é sobre o que nos debruçamos.

O jogging, que como aqui definimos inclui tanto a corrida como a caminhada e

os alongamentos relacionados, é um dos exercícios mais comumente desempenhados

nos espaços de uso público. O fazer jogging é um contexto de interação face a face que

surge no Parque, servindo ao bate-papo entre integrantes do mesmo grupo de jogging ou

à interação com outros indivíduos (conhecidos ou não), e é também uma ação agregada

a outras, como passear o cão ou passear com o bebê. Os intervalos antes, durante e

depois do trabalho/escola são ocupados pela prática do jogging – como indica a

distribuição dessa atividade ao longo do dia e seu desempenho por indivíduos a sair de

uma empresa por volta das 12h-13h (um horário utilizado comumente para almoço em

Portugal). Na interseção entre o Rossio dos Olivais (o eixo transversal do Parque) e o

Passeio das Tágides (um dos que margeiam o Rio Tejo), o jogging é dominante nas

primeiras horas da manhã. Adolescentes, jovens, adultos e idosos praticam jogging.

Sintomático do alto grau de inclusão da prática no contexto do Parque é também

a interpretação feita por um skatista de que os joggers são denunciantes de atividades

irregulares. A função de vigilância e controle a que os jovens tentam quando vão para os

76 O Escândalo Casa Pia, como ficou conhecido, decorre de denúncias de abusos sexuais contra crianças em uma instituição de apoio a crianças e adolescentes de Lisboa. Iniciado em 2002 (Público, 2005), teve grande repercussão mediática e ainda não havia sido concluído até a conclusão desta dissertação

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espaços de uso público (Pais, 1991), assim, é atribuída ao papel de jogger.

A imagem de pessoas correndo nos passeios pedestres é promovida por meio da

publicidade de uma escola durante as obras da mesma – onde joggers, juntamente com

alunos, surgem nos passeios pedestres junto ao estabelecimento e mesmo no pátio do

mesmo. Além de institucionalizar a ocupação, essa publicidade propõe os elementos

contituintes da fachada do papel de jogger, como roupas e calçados adequados à prática.

Para além dessa publicidade, e da própria pedestrialização dos espaços de uso

público, identificamos a inclusão das atividades físicas, e do jogging em particular, na

institucionalização da ocupação por meio do Ideias para um Orçamento (IpO), uma

versão interna de orçamento participativo77. Das 18 propostas autorizadas a irem a

votação, 8 envolvem a construção de equipamentos para atividades físicas (ver anexo

1). Dentre essas, uma é a criação de uma pista exclusiva para jogging e outra, a

instalação de equipamentos de alongamento, o que supre uma apropriação criativa por

parte dos joggers de elementos do desenho físico: em algumas estacadas do Parque do

Tejo, encontramos indivíduos a fazer abdominais e alongamentos utilizando-se dos

gradeamentos junto ao Rio.

4.2.2 Brinquedos e improviso

Assim como as atividades físicas, o brincar é uma ocupação transversal

espaçotemporalmente e em relação a faixas etárias, embora aparentemente em menor

escala. A inclusão do brincar se dá por meio da institucionalização (como se esperaria

de um espaço de uso público programado para ser lúdico) mas também pela tolerância,

ambas expressas nos excertos da vida social do Parque analisados a seguir.

Dá-se institucionalização pela distribuição de brinquedos nos espaços de uso

público. Há 2 parques infantis junto à frente ribeirinha nas zonas periféricas, cuja

utilização sobretudo aos finais de semana extravasa para fora deles, ocupando os

passeios pedestres e relvados envolventes. No Parque do Tejo, há relvados destinados à

prática de “jogos informais”, conforme define uma placa instalada no local. Na área

central, há dois brinquedos em jardins da frente ribeirinha – um, no Jardim do Passeio

de Ulisses, junto ao Oceanário e o outro no Jardim de Garcia D'Orta, junto à Rua da

Pimenta. Ambos são usados por crianças, adultos, jovens e idosos. Já mencionada

acima, oferta de kart a pedal é outro recurso de institucionalização instalado na área

central (os postos de aluguel estão colocados junto ao Oceanário e ao Centro Comercial 77 Cf. 5 Participação

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Vasco da Gama), o que faz com que sejam utilizados sobretudo aí, embora o utilizador

possa levá-lo às áreas periféricas78.Algumas obras de arte, como a peça “Horas de

chumbo” instalada na área central, são destinadas ao brincar e não só à contemplação79.

Para além dos equipamentos destinados ao uso em brincadeiras, outros

elementos do espaço físico são utilizados para o mesmo fim. É o caso dos vulcões de

água e canais de água correspondentes (fotos 1 e 2). Há seis deles, distribuídos pelo

trecho da Alameda dos Oceanos que corta a área central. A cada 25 segundos, desde o

meio da manhã até as primeiras horas da noite, cada um deles faz jorrar um jato d' água

que depois escorre pelos canais.

Diferentemente de um conjunto de outras obras de arte urbanas como a

mencionada “Horas de Chumbo”, os vulcões são uma arte urbana apenas para ser

contemplada. Há uma placa proibindo entrar na água, mas o uso para banhos, todavia, é

comum nos períodos de verão, sobretudo nos vulcões que ficam mais próximos ao

Centro Comercial Vasco da Gama. Esse tipo de utilização remonta à época da

Exposição, como referido em Santos e Costa (1999) e alguns entrevistados afirmam-nos

realizá-la há longo tempo. Os vulcões, descritos como “piscina” por uma entrevistada,

são considerados por ela como um dos principais atrativos do Parque. Observamos em

diversas ocasiões essa apropriação criativa e transgressora. A análise dessaws

ocupações, julgamos, ajuda a esclarecer algumas características do processo de

inclusão, por meio da tolerância, do brincar como ocupação do espaço de uso público.

78 Cf. 4.1 Deslocamentos79 Horas de Chumbo é de autoria de Rui Chafes

75

Foto 1: Vulcão de água junto ao Pavilhão de Portugal

Foto 2: Corredor de água usado para banhos

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A utilização dos vulcões como piscina, embora seja uma atividade proibida,

parece-nos fazer parte do cotidiano do Parque. São indícios disso a longevidade dessa

ocupação, a forma como ela acontece, o contexto que cria e o modo como esse contexto

se insere no contexto mais amplo do Parque. Normalmente, a ocupação é feita por mais

de um grupo ao mesmo tempo – identificamos, no campo, até cerca de 20 pessoas – que

permanecem por períodos de horas a se banhar, sentar-se nos bancos em volta dos

vulcões, fazer pic nics, e interagir. Em alguns casos, os utilizadores utilizavam trajes de

banho ou traziam consigo toalhas. Em uma segunda-feira à tarde, essa ocupação foi

desempenhada por três grupos diferentes em um mesmo jogo de água, ao mesmo tempo.

Em uma quinta-feira à tarde, o motorista de um furgão parou o veículo sobre as

passadeiras junto à esquina do Casino – onde, como visto, há policiais em permanência

– banhou-se e voltou a veículo. Sequer nessa situação, em que duas normas foram

quebradas – uma de trânsito e uma de utilização dos equipamentos de uso público do

Parque – houve intervenção. Em uma ocasião, entretanto, um segurança interveio

determinando a saída dos utilizadores da água, referindo que “eles [a administração]

têm câmeras por todo o lado” e que as piscinas públicas, inexistentes no Parque mas

existentes em outras zonas da cidade, não são caras.

Existe portanto uma inclusão dessa ocupação pela tolerância, algo mais sutil que

a institucionalização por meio dos brinquedos e artes urbanas destinadas à brincadeira.

O fato de a ocupação dos vulcões a) ser antiga; b) ser desempenhada em contextos

espaçotemporalmente frontais (próximo ao cruzamento do Rossio dos Olivais com a

Alameda dos Oceano e junto ao Casino), por grupos, por longos período de tempo e ao

alcance da vigilância humana e eletrônica; c) e ser recorrente, indicam que tal ocupação,

expressamente proibida, é tolerada e se configura assim como secretamente desviante, e

não claramente desviante (Becker, 1985). Existindo a norma e quem esteja habilitado a

aplicá-la, inexiste a iniciativa da aplicação (1985:145-6).

Criam-se, assim, contextos lúdicos em torno dos vulcões e dos canais laterais

pelos quais os indivíduos que circulam pelo eixo longitudinal do Parque, ainda que

estejam em atividade não lúdica, passam. Esses contextos se estendem até à pista de

rodagem, como visto no caso do adulto que parou o furgão sobre a passadeira.

Pesquisando os motivos pelos quais os frequentadores buscam o Parque das

Nações, Luís Mendes (2001/2002) identificou a liberdade, o descontrole e a suspensão

de regras como elementos atrativos à visita. Julgamos que a criação de tais contextos

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lúdicos com base na quebra de regras expressas é uma materialização, em ações, do que

o autor identificou nos discursos que recolheu

“A postura de transgressão encontra-se permanentemente estimulada no PN, ora pelos momentos de aglomeração festiva, ora pela recontextualização das sociabilidades, sobretudo nos espaços de apropriação colectiva, ora pela polarização de uma grande diversidade e excelência de serviços que disponibiliza. ”(2001/2002:96-7)

***Em conclusão, a expressividade que exercícios e brincadeiras adquirem

enquanto ocupações do espaço público decorre em parte de uma também expressiva

inclusão dessas ocupações promovida pelo urbanismo adotado no Parque. Ações de um

e de outro tipo são incluídas pela institucionalização e pela tolerância com um desvio

muito claro no caso da brincadeira. Essa tolerância permite ao Parque suprir uma

demanda do utilizador – a piscina – que, formalmente, não supre. A exclusão parece se

restringir a, novamente, bmx e skate que são entretanto institucionalizadas em uma pista

localizada ao fim da área periférica Norte80.

À semelhança dos deslocamentos não-motorizados e motorizados de cariz

lúdico, dá-se inclusão de brincadeiras e exercício em regiões frontais

espaçotemporalmente (na área central e durante o dia), o que contribuiu sobremaneira

para a ambientação lúdica do Parque. Os joggers, assim como os ciclistas (e, no verão,

banhistas), são um outro muito provável com que se encontrar e mesmo interagir no

centro da alegada nova centralidade de Lisboa, e estabelecem uma conexão social entre

essa nova centralidade e a envolvente. Ao mesmo tempo, o indivíduo que circula pelo

eixo longitudinal, ou mesmo em suas periferias, atravessa como visto contextos de

brincadeira/transgressão propositalmente ou não ancorados em equipamentos lúdicos

disponibilizados no território.

A consolidação dessas estruturas de ação que são essencialmente lúdicas (à

diferença de um deslocamento, por exemplo), e dos contextos em que elas se

desenvolvem, constituem uma importante influência em favor da ludicização do espaço

público, aqui entendido em sentido amplo, potencialmente emergente no Parque das

Nações, e não apenas da experiência que cada indivíduo ou grupo tem isoladamente do

espaço de uso público do Parque. A análise dessas estruturas permitiu observar como as

interações entre diferentes, necessárias que são para a constituição desse espaço público

em sentido amplo (Leite, 2008), potencialmente ocorrem em um ambiente ludicizado.

80 Cf. 4.5.2 Skate park

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4.3 Comer e deitar

Hannerz (1983:136) distribui os papéis que os indivíduos desenvolvem na

cidade em cinco domínios (abastecimento, tráfego, lazer, casa e parentalidade e

vizinhança). O urbanita tende a desempenhar papéis em todos esses domínios e mesmo

misturá-los – como o passear com o bebê ao mesmo tempo que se faz jogging – e há

influências do desempenho de papéis que pertencem marcadamente a um domínio sobre

os que pertencem marcadamente a outro.

Ao analisarmos os deslocamentos, olhamos para como os recursos e

constrangimentos estabelecidos a essa ação, uma atividade essencialmente do domínio

do tráfego, pode também pertencer ao domínio do lazer81. Em seguida, desenvolvemos a

análise sobre as brincadeiras e os exercícios, duas atividades que nos parecem

essencialmente do domínio do lazer. Pretendemos voltar entretanto à primeira

perspectiva a fim de analisar duas ações que, assim como o se deslocar, não são

essencialmente lúdicas.

A escolha do comer e do deitar se deve a dois motivos principais. O primeiro é a

relevância que neles adquirem os processos de inclusão e exclusão que, como

argumentamos, permitem discernir como se produz a organização da vida cotidiana nos

espaços de uso público do Parque. O segundo motivo é a amplitude do espectro social

que é abrangido por essas duas atividades: comer e deitar nos espaços de uso público

são mais transversais do que exercícios ou brincadeiras. São desempenhados, por

exemplo, por sem-abrigo, visitantes, trabalhadores e residentes, para além de serem

transversais em termos de faixa etária e contextos espaçotemporais. Além disso,

permitem identificar de que maneira o próprio contexto funciona como algo que inclui e

exclui. Por fim, são – assim como as brincadeiras – formas de ocupação que envolvem

uma maior permanência em um território que é promotor da mobilidade82.

4.3.1 Comer

O comer também assume uma expressiva variabilidade de formas. Come-se em

regiões frontais e exteriores; no intervalo do trabalho para o almoço ou como uma forma

de ocupar o tempo livre do fim de semana com a família; em esplanadas ou no chão.

Restaurantes com esplanadas, prontos-a-comer e mercados fornecem recursos para que

os indivíduos possam adquirir comida e a consumir nos espaços públicos. Também é

81 Cf. 4.1 Deslocamentos82 Embora pudesse ser interessante, o comer em deslocamento não será aqui analisado por falta de

dados fiáveis do terreno

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comum encontrar indivíduos com marmitas e grupos com geleiras a utilizar o espaços

de uso público durante o dia como contexto espaçotemporal para as refeições. A

distribuição gratuita de comida – quer sob a forma de publicidade quer sob a forma de

apoio a sem-abrigo – também é parte da vida cotidiana do Parque. Em um caso, um

casal de jovens turistas alemães foi encontrado a preparar o pequeno almoço com o

auxílio de fogareiro – uma ferramenta de utilização proibida no Parque, mas que surge

constantemente, segundo AJA, técnico do Departamento de Qualidade do Espaço

Público/Monitorização Urbana da Geurbana83.

Essas diversas formas de comer distribuem-se pelas áreas do Parque de maneira

irregular. Selecionamos para análise dois contextos espaçotemporais em que há uma

maior regularidade do comer, de formas diferentes: o corredor aos fundos da Gare do

Oriente – que constitui uma das regiões mais posteriores do Parque, apesar de

localizado na área central em termos geográficos; e o Cais Português, um passeio na

área central que liga o Pavilhão Português ao Oceanário de Lisboa e ao Pavilhão do

Conhecimento, três âncoras urbanísticas do Parque. Assim, tratam-se de dois contextos

de deslocamento intenso, com a diferença de um poder ser considerado, na linguagem

goffmaniana, um proscênio enquanto o outro, uma coxia do Parque. Em seguida,

analisamos a forma pic nic, que se distribui por vários contextos espaçotemporais, mas

tem uma forte característica lúdica e é objeto de inclusão pela institucionalização. Por

fim, olhamos para as exclusões de que o comer é alvo em relação a dois papéis: os

funcionários de limpeza e manutenção e os operários da construção civil.

O Cais Português margeia a Doca dos Olivais, sobre a qual se ergue o

Oceanário, e serve de caminho para quem vai para este a partir do Centro Comercial

Vasco da Gama ou vice-versa, a pé ou no simulacro de comboio sobre pneus. Parte do

piso é constituído pela obra de arte urbana Calçada do Mar Português e um monumento

os que trabalharam durante os 132 dias da Expo'98 se ergue ali84. Em seu desenho

físico, há ainda um conjunto de bancos, alguns voltados para o Rio Tejo, outros de lado

para ele, e muretas que também servem de assento. Não há mesas.

Nesse contexto espacial e simbólico, em um horário que vai das 12h às 14h, é

comum encontrar indivíduos sentados nos bancos a comer. O uso por quem parece ser

funcionário de empresas instaladas nas proximidades ocorre sobretudo por volta das

13h. Nesse horário, observamos regularmente grupos (três a quatro ao mesmo tempo)

83 Em 03/08/201084 “Calçada do Mar Português” é de autoria de Xana

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de cerca de 4 a 8 pessoas, não uniformizadas, comendo sobretudo de marmita, mas

também de pronto-a-comer. Alguns chegam após um grupo já estar estabelecido e se

juntam a ele. São indivíduos via de regra brancos e usam roupas casuais (calças de

ganga, camisetas estampadas, óculos escuros, tênis são alguns dos elementos das

indumentárias). Como vantagem, esses indivíduos referem que comer ali permite

apreciar a paisagem. Como desvantagem, a falta de mesas.

É essa a ocupação mais expressiva no Cais Português nesse período, durante o

qual também observamos indivíduos a fazer jogging, outros a tirar fotografias da

paisagem, o simulacro de comboio passar e uma pedinte a pedir dinheiro. Para além dos

trabalhadores, há outros indivíduos que usam o Cais Português para comer, sobretudo

nesse mas também em outros horários, alguns aparentemente turistas. Um sem-abrigo

foi observado uma vez.

O outro contexto, o corredor da Gare, é periférico em relação ao Parque das

Nações e dentro do próprio contexto da gare85. Nele, o comer acontece mais ou menos

durante o dia todo, mas torna-se ocupação mais expressiva à noite – em horários

irregulares, mas quase sempre após as 21h. É a partir de então que é feita a distribuição

de comida aos sem-abrigo por diversas instituições de apoio. De acordo com ClC, o

representante de uma delas (a CVP, que faz a distribuição ali todos os dias do ano), o

horário é definido pela logística da distribuição e não sofre interferência da

administração da gare ou do Parque: a Gare é colocada no fim da escala por estar mais

próximo da sede da instituição.

CCa, administrador da gare, afirma que a administração “facilita a vida” das

associações não impedindo que a distribuição ocorra, uma vez que a atividade é mal

vista sob a justificativa de que atrai mais sem-abrigo – esses, por sua vez, também mal

vistos. Entre eles, a distribuição de comida é de fato vista como um recurso atrativo,

ainda que secundário em relação à função de abrigo que a gare oferece: na hora da fila

da sopa, os sem abrigo se tornam o papel mais expressivo no corredor da gare. Para

ClC, é a presença dos sem-abrigo que atrai a distribuição: “isto é claro para todas as

organizações. A CVP vai onde houver sem abrigo. Doa a quem doer.” (ClC, CVP )86.

Centremo-nos agora sobre o pic nic, que se distribui pelas áreas centrais e

85 Cf. 4.5.1 Gare86 O relato de CC sobre o caso de um parque onde há presença de sem-abrigo referenda isso. No caso,

houve reclamações de vizinhos à CMLx, por causa do barulho e da presença dos sem-abrigo. Isso levou a CVP a alterar o local da distribuição para um pouco mais longe, mas foram poucos os que passaram a se deslocar para buscar comida.

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periféricas, sobretudo em contextos frontais (como junto ao Oceanário ou obras de arte

urbana) mas também em um posterior (o cais de autocarros na Gare do Oriente, apesar

da proibição). Dentre os cerca de 20 contextos em que observamos pic nics, é possível

extrair algumas regularidades: é comum que os indivíduos tragam alguma comida em

geleiras ou em sacolas, desenvolvam uma certa preparação desses alimentos (montar o

sanduíche, cortar o bolo, por exemplo) e ocupem conjuntos de bancos ou áreas no chão

ou nos relvados. Identificamos o pic nic como uma forma de utilização do tempo livre

por parte de família, como uma atividade desenvolvida por grupos de escolares ou de

idosos tutelados por instituições, por viajantes utilizadores da Gare e associado a outras

atividades de lazer no Parque (como visitar o Oceanário ou banhar-se nos vulcões).

A institucionalização do pic nic como uma forma de comer nos espaços de uso

público é identificável na promoção dessa forma pelo restaurante E., localizado no

Parque do Tejo, na área periférica Norte, e de propriedade da empresa que faz o aluguel

de bicicletas e karts a pedal87. O serviço inclui o aluguel da bicicleta, a venda da comida

e o fornecimento de cesta, talheres e toalhas, que são os elementos constantes da

publicidade no site do restaurante e de uma instalação publicitária colocada em frente ao

estabelecimento à época do lançamento do serviço.

De acordo com LRa, responsável pela Direção de Qualidade e Conceção Urbana

da Geurbana, o serviço de pic nic é uma melhoria das “ofertas” aos utilizadores,

considerada uma das competências da Geurbana. A descoberta das “necessidades” é

feita pela observação da vida cotidiana do Parque

“{entrevistador} e como chegou a ideia do E.? Saiu daqui da Parque Expo [Gestão Urbana] ou foi uma proposta (…)?

{entrevistado} Essa oferta surgiu por nossa iniciativa e mas foi também de uma parceria que já existe com uma entidade que explora esse tipo de equipamento no Parque das Nações (...) resultou de uma observação em concreto e também algumas propostas que surgiram nesse sentido. Portanto foi aqui um misto de de propostas e de avaliação das necessidades concretas.” (LRa, DQCU/Geurbana)

Quanto à escolha do local, uma das justificativas é a de o pic nic ser uma

atividade de lazer e, portanto, mais adequada à área de relvados do Parque do Tejo do

que à malha urbana da área central – onde, ressaltamos, também observamos o pic nic,

embora em outras formas (jamais com bicicletas, aliás).

87 Cf. 4.1.1 Pedestrialização e 4.2 Exercícios e brincadeiras

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“{entrevistador} e [o porquê da localização d']o E. (...)?

{entrevistado} (…) porque existe um conjunto de restaurantes, mas esse serviço é um serviço diferente, não é só comida, está associado a uma atividade de lazer, portanto fica ali no início do Parque do Tejo, e no fim da malha urbana. Parece-nos uma boa localização.” (LRa, DQCU/Geurbana)

Entendemos que essa institucionalização de uma forma de comer, e sua

ancoragem em um jardim, é indicial da forma como a ludicização dos espaços de uso

público é elaborada: ela é feita por meio da construção de uma forma que guarda

semelhanças e diferenças com aquelas encontradas no campo. Há aqui, portanto, uma

inclusão pela institucionalização em que, para além de local e ação, algumas

características do papel dos indivíduos (da fachada que ele irá apresentar em sua

representação, na linguagem goffmaniana), são sugeridas: duas pessoas, em bicicleta,

com uma toalha, a comer frutas e pães, em um relvado. Não há geleiras, bancos e

grupos de 20 pessoas, características estáveis desse tipo de ocupação no Parque.

Cabe-nos olhar agora para as exclusões, o que nos permite completar a exibição

do processo de inclusão e exclusão que consolida algumas estruturas de ação que

envolvem o comer em espaços de uso público e dissolve outras. Para além da proibição

de fogareiros já mencionada, um segundo recurso retirado são as mesas enquanto

mobiliário urbano na área central e mesmo nas áreas periféricas mais próximas da área

central. Elas vão existir apenas no Parque das Merendas, no limite da área periféria

Norte, embora seja uma demanda transversal a papéis do centro da nova centralidade:

sem-abrigo, trabalhador e participante de pic nic; e embora seja um mobiliário urbano

comum a outras áreas de lazer de Lisboa. Uma das justificativas para que não haja

mesas nas áreas centrais é a inadequação ao tipo de comer imaginado para o Parque.

{entrevistador} (...) e por que não há mesas (…)?

{entrevistado} Nós na verdade não queremos (...) que o Parque das Nações seja um espaço onde as pessoas se sentam para comer... vamos lá ver, em princípio existe um conjunto de serviços que oferecem um serviço de restauração (...), as pessoas tem espaços para se sentarem, encostarem, nós não entendemos que as pessoas para comer no espaço público precisem de uma mesa (…) a razão é esta. Nós, as pessoas, o que é que as pessoas comem no espaço público? Levam, vão à loja, take away, trazem a comida ou trazem os hambúrgueres no saquinho com as batatas fritas ou trazem aqueles coisinhos de plástico e comem nos tupperwarezitos e tal e é assim que as pessoas comem... é assim que eu como no espaço público, eu não preciso, não uso uma mesa para comer no espaço público, portanto não nos parece que seja uma grande necessidade. (LRa, DQCU/Geurbana)

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Trata-se, aqui, de uma maneira de excluir suavemente determinados tipos de

ocupação do espaço público para comer, e não de proibir diretamente sua prática. A

frase colocada em itálico mostra, julgamos, como o estilo de vida pessoal do indivíduo

atua como definidor de qual é, e por conseguinte, de qual não é a estrutura de ação

“comer no espaço urbano” que é favorecida no Parque das Nações.

A ausência de mesas também exclui dos contextos frontais do Parque o jogar às

cartas, atividade lúdica comum em Lisboa (muito comum entre idosos), e que, no

perímetro analisado, ocorre apenas dentro da Gare do Oriente nas mesas de uma

esplanada de um restaurante. O entendimento na Geurbana é de que essa ocupação não

é o tipo que ocorre no Parque, por ser de permanência e não de passagem. É a lógica

que embasa, como refere Leite (2008:38), a retirada de “utensílios urbanos que

assegura[m] a permanência fortuita de pessoas" Como expressa LRa, da Direção de

Qualidade e Conceção Urbana da Geurbana:

{entrevistador} “(...) e por que não há mesas (...)

{entrevistado} Há situações pontuais em que nós temos mesas em que elas são usadas mais para outro tipo de de coisas. Para as pessoas jogarem às cartas, por exemplo, para este tipo de convívio. Para comer não nos parece que seja uma necessidade.

{entrevistador} e [a existência de mesas] para este tipo de convívio também acham que... Por exemplo esses outros tipos de [ocupações] (…)

{entrevistado} Porque não nos parece que nesta zonas onde não existem mesas que exista essa apetência por esse tipo de... normalmente as pessoas aqui têm tendência para se sentar, para estar ali a conversar, para passarem mais rapidamente e para permanecerem menos tempo nos bancos e portanto não é o tipo de utilização que suscite essa permanência de estar ali horas a jogar e a conviver. Portanto é uma coisa mais en passant. É um pouco a leitura que nós temos do espaço. Portanto não nos parece que seja a necessidade.” (LRa, DQCU/Geurbana)

Ações mais claras de exclusão de formas de comer nos espaços de uso público

também existem e foram identificadas quando os indivíduos praticantes são operários de

obras ou funcionários dos serviços de manutenção do Parque.

No caso dos funcionários da limpeza e manutenção, que trabalham por turnos de

6 horas, os horários que em Portugal normalmente são usados para almoço e para jantar

coincidem com o início/final dos turnos, o que reduz a necessidade de comer no Parque,

segundo funcionários entrevistados. Entretanto, os funcionários têm direito a 15

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minutos de intervalo durante o qual, conforme observamos, consomem alimentos como

frutas ou lanches, sentados em muretas ou em pé ou nas esplanadas dos cafés. São

formas de comer autorizadas, diferentemente do que acontece com o que JRP,

responsável pela Direção de Obras e Infraestruturas Urbanas, chama de “mesa posta”,

que é proibida. É importante ressaltar que essa interdição não decorre apenas de uma

preocupação com o fato de ser uma oportunidade para matar o tempo do trabalho – que,

como observamos, ocorre independentemente da forma de comer – mas porque não

“contribui para a boa imagem”, como afirma LRa, responsável pela Direção de

Qualidade e Concessão Urbana.

“{entrevistador} (...) existe alguma limitação formal para que eles usem os espaço públicos para comer nos horários previstos?

{entrevistado LRa} Se a pergunta é se é susposto nós vermos um grupo de funcionários fardados sentados a descansar, a dormir ou a comer, não é aceitável

{entrevistador} Mesmo que seja no horário de almoço?

{entrevistado LRa} Não é suposto porque isso não contribui para a boa imagem

{entrevistado JRP} Não quer dizer que se for uma sandes, uma fruta isso não pode acontecer, isso é normal que aconteça. Estamos a falar outra vez da mesa posta, uma mesa tal, isso é que não (JRP, DOIU/Geurbana e LRa, DQCU/Geurbana)”

Os operários de construção civil, por sua vez, permanecem períodos mais longos

que justificam a realização de refeições no Parque. Ao longo do período do trabalho de

campo, decorriam obras em ao menos duas das âncoras privadas de atração: o

Oceanário e a Torre Vasco da Gama. Em ambas, no horário de almoço, os operários

ocupavam o espaço de uso público para sesta, ouvir música no (ou falar ao) telemóvel,

sentar-se ao chão, interagir. Todavia, não faziam para comer. Segundo dois operários da

obra no Oceanário, os patrões proíbem que comam nos espaços públicos em torno de

quaisquer obras em que trabalhem, sejam dentro ou fora do Parque.

Para além disso, entretanto, um dos operários entrevistados refere que operários

a comer nos espaços públicos do Parque é algo que “não fica bem”, pois é um local para

“turistas”. Julgamos encontrar aí aquilo que Degen (2008) chama de poder ambiental e

que Thörn coloca como um dos elementos chave das políticas suaves de exclusão.

Trata-se de uma exclusão dupla: para além da proibição, o contexto de lazer e de lazer

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para “turista” serve para o próprio operário afirmar que a sua forma de comer é

inadequada àqueles espaços públicos.

Em resumo, o processo de inclusão e exclusão que estrutura as formas de comer

nos espaços públicos do Parque configura-se o seguinte: do lado da inclusão, há

institucionalização do pic nic e tolerância com a com a distribuição e o consumo de

comida por sem-abrigo na Gare. Do lado da exclusão, há a ausência de mesas como

uma supressão de um recurso que limita as formas de comer de sem-abrigo,

trabalhadores e visitantes; e a proibição dessa prática, quer pela Geurbana em relação

aos funcionários da limpeza, quer pelos chefes de obras no caso dos operários da

construção civil. No caso desses dois papéis, há ainda um vetor de exclusão decorrente

da supressão de um constrangimento (decorrente do trabalho de turnos) que reduz a

necessidade de os funcionários comerem no Parque, e do poder ambiental constituído

pela identificação do Parque como um lugar de lazer para turistas que desestimula o

operário a fazê-lo.

4.3.2 Deitar

O deitar também é comum nos espaços de uso público e transversal a diversos

contextos, encontrando nisso algumas semelhanças com o comer: sesta após o almoço

para trabalhadores, abrigo durante a noite para sem-abrigo, atividade de lazer incluída

na visita ao Parque.

A análise sobre a ocupação do espaço de uso público para deitar tem por

objetivo esclarecer duas dimensões. A primeira é como os limites sociais dos espaços de

uso público podem ser estabelecidos em relação a não um papel em si, mas à gama de

ações que podem ser executadas pelo indivíduo que desempenha esse papel e ao

contexto em que elas são desempenhadas. A segunda dimensão é como o processo de

inclusão e exclusão regionaliza posteriormente a imagem de um conjunto de sem-abrigo

deitados. Para tanto, analisamos especialmente três contextos espaçotemporais (frente

ribeirinha durante o dia, Alameda dos Oceanos durante o dia e corredor da gare) e dois

papéis (operários e sem-abrigo).

Na frente ribeirinha, e mesmo junto a onde o eixo transversal do Parque (Rossio

dos Olivais) encontra o Rio Tejo, encontramos indivíduos a deitar nos bancos e no chão.

Alguns, pela roupa e outros atributos da fachada pessoal nos permitem considerá-los

como visitantes. Normalmente deitam em horários diurnos, sobretudo em pequenos

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grupos (duas a cinco pessoas), o que torna o deitar aí uma ocupação mais afeta ao

domínio do lazer.

Um outro grupo a usar os espaços de uso público frontais para deitar é o dos

operários das obras do Oceanário de Lisboa já referida88. É a forma mais expressiva que

identificamos do deitar por a) acontecer em maiores grupos; b) para além de acontecer

em uma região espacialmente frontal, acontece em um horário absolutamente frontal

(entre as 12h e as 13h); c) ser praticada por indivíduos uniformizados; d) constituir uma

rotina, inserindo-se portanto na vida cotidiana de forma mais permanente89.

No caso do Oceanário, os operários se deitam para sesta após o almoço pelo

chão; sobre a obra de arte urbana Jardim das Ondas, que constitui um relvado aos

fundos do Oceanário; junto aos brinquedos dos Jardins do Passeio de Ulisses; em

muretas; e nos bancos junto à margem do Tejo90. Também há alguns que ficam sentados,

usam o telemóvel ou o telefone público ali disponível. Essa ocupação dura cerca de 30 a

45 minutos e envolve entre 10 e 20 operários nos dias de semana91.

Essa ocorrência livre do deitar, quando olhada em conjunto com a restrição ao

comer que é aplicada ao mesmo papel de operário e no mesmo contexto, indica a

existência de limites sociais não aos papéis em si, mas à liberdade de ação que o

indivíduo nesse papel tem nos espaços públicos92. A análise de outros dois contextos em

que o deitar ocorre de maneira expressiva permite observar, entretanto, como essa

liberdade de ação pode ser condicionada também pelo contexto.

Outro contexto em que o deitar é comum no Parque se constitui na Alameda dos

Oceanos próximo à FIL, durante o dia. Para além dos bancos, a arborização abundante

cria um ambiente mais fechado em comparação com o desenho aberto que caracteriza o

Parque no geral, tornando aparentemente o escrutínio a que se está sujeito nos espaços

públicos menos perceptível pelo escrutinado. Sobretudo nos dias de calor, indivíduos

em diferentes papéis buscam esse contexto para se deitar. Há aí, ao mesmo tempo

embora guardando alguma distância uns dos outros, sem-abrigo e indivíduos

desempenhando outros papéis (alguns nos parecendo visitantes, outros trabalhadores) 88 Cf. 4.3.1 Comer89 Não queremos por isso dizer que os acontecimentos fortuitos não façam parte da vida cotidiana,

sobretudo do Parque. Entretanto, a rotinização é essencial para a reprodução das estabilidades sociais. Para uma discussão sobre a importância da rotina para a continuidade de instituições e para a manutenção da segurança ontológica pelos indivídiuos, cf. Giddens, 1986:60-87, esp. 83-87

90 De autoria de Fernanda Fragateiro91 Prova da estruturação horária estrita dessa ocupação é a ordem “vá trabalhar”, em tom de brincadeira,

lançada por um funcionário da limpeza do Parque das Nações a um operário que continuava deitado após as 13h

92 Cf. 4.3.1 Comer

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sendo impossível definir qual é o grupo majoritário.

O segundo contexto é o do corredor da Gare do Oriente, onde o papel de sem

abrigo é o mais expressivo tanto de dia como de noite. Aí, o abrigo das intempéries, a

existência de muretas longas que substituem com vantagens os bancos e a “tolerância”

por parte da administração da Gare (como refere CCa, o administrador), funcionam

como recursos ao deitar. Essa ocupação é feita de maneira mais expressiva por sem-

abrigo, mas também por indivíduos que desempenham outros papéis. A tolerância é

restrita ao período noturno: a partir das 6h, todos (independentemente do papel) devem

se levantar, e o deitar fica proibido até próximo ao final da noite.

Fica claro assim o processo de inclusão (pela tolerância durante a noite) e

exclusão (pela proibição durante o dia) do deitar quando ele assume a forma de abrigo,

regionalizando-o posteriormente, quando a utilização da gare é menor. O argumento

avançado pela administração da Gare é justamente evitar a visibilidade dessa prática.

“{entrevistador} porque não se pode dormir durante o dia?

{entrevistado} por causa da imagem que também dá na estação. Tínhamos a estação em que as pessoas passam, vem para os seus trabalhos, então passamos agora por um espaço em que estão as pessoas a dormir? É mais pelo aspecto que dá porque é mais por isso”(JRu, manutenção GIL)

Olhados em conjunto, os contextos do corredor da gare e da Alameda dos

Oceano permitem perceber como os limites sociais para o deitar em espaços de uso

público são definidos também contextualmente. Na Alameda, durante o dia, o papel de

sem-abrigo se mistura com outros papéis e não é o mais expressivo, e todos podem

ocupar o espaço de uso público para deitar. Já no corredor da gare, durante o dia, o

papel de sem abrigo é o mais expressivo e ninguém se pode deitar. A relação parece

estar na base da tolerância, expressa pelo discurso de representantes da Geurbana, com a

presença de um único sem-abrigo junto ao Oceanário (frontal, portanto), que fez de um

dos bancos mais distanciados seu local de permanência tanto de dia como de noite.

***Em suma, a análise em conjunto do comer e do dormir nos mostra uma

interferência do urbanismo sobre o leque de estruturas de ação possíveis para

determinados papéis que não são exatamente os desempenhados pelo utilizador de

cidade, como os de sem-abrigo, operário da construção civil e funcionário da limpeza e

manutenção dessa cidade. O espaço de uso público oferece para eles, à semelhança do

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que oferece para os outros, recursos para que os indivíduos que os desempenham

possam nele deitar e comer. Entretanto, essas ocupações, quando desempenhadas por

esses papéis de determinadas formas, são entendidas como prejudiciais ao contexto dos

espaços de uso público que se quer na cidade renovada: funcionários a comer à mesa

posta “não contribuem para a boa imagem” (LRa, DQCU/Geurbana), operários a comer

“não fica bem” por causa do da presença do “turista” (operário) e pessoas a dormir

durante o dia causam uma “imagem” (JRu, manutenção GIL) indesejada. Por isso, são

alvo de exclusão, quer diretamente – como mostra o impedimento de deitar durante o

dia no corredor da gare e o comer à mesa posta dos funcionários – quer indiretamente –

caso do poder ambiental que se junta ao impedimento direto para excluir o comer nos

espaços de uso público do leque de possibilidade de ocupações do operário.

Assim, nas regiões frontais da cidade reurbanizada são alvo de invisibilização o

operário a comer, o funcionário a comer à mesa posta ou deitar, e o sem-abrigo a deitar.

Como as intervenções restritivas se dão não sobre o papel como um todo, mas sobre

ações contextualizadas, torna-se menos perceptível, embora não menos existente, a

hierarquização proposta nos espaços públicos do Parque. Os desequilíbrios de poder dos

indivíduos aparecem nos desequilíbrios de leques de estruturas de ações possíveis dos

papéis – definidos por limites sociais que, pela especificidade, aparentam ser sutis.

Uma segunda conclusão se impõe e diz respeito à ambientação lúdica. Por um

lado, o comer no espaço de uso público atribui a essa ocupação na visão do indivíduo

uma dimensão lúdica, como referem os trabalhadores que comem no Cais Português.

Por outro lado, o fato de o pic nic ser a forma institucionalizada contribui para a

ambientação lúdica do Parque, à semelhança do que fazem outras ocupações analisadas

até aqui. De certa forma, a própria possibilidade dada ao sem abrigo de dormir durante o

dia, desde que misturado a indivíduos que desempenham papéis mais adequados à ideia

de utilizadores de cidade, também contribui para essa ambientação lúdica. Na Alameda

dos Oceanos, a conjunção de indivíduos a deitar, sentar, a se banhar nos vulcões de água

ou simplesmente a passear dissolve a presença do sem-abrigo e a imagem de que, nas

frentes da cidade reurbanizada, o espaço de uso público também serve de abrigo.

4.4 Explorações do recurso social

Os recursos disponíveis à ação nos espaços de uso público, julgamos, podem ser

divididos analiticamente em dois: a) o desenho físico e b) a população cambiante que

utiliza esse desenho seja para se deslocar entre equipamentos privados, seja para

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desenvolver outras atividades. No Parque das Nações, Serdoura e Nunes da Silva

consideram que o primeiro recurso é determinante para a qualidade do espaço de uso

público e leva os indivíduos a ficar mais tempo nele e aí fazer mais coisas para além de

se deslocar. Conforme referem

“A qualidade do desenho urbano (largura dos passeios, área de espaço público pedonal), a presença de mobiliário urbano na maioria dos espaços públicos (bancos, balizadores, etc. [sic]), a qualidade ambiental do espaço (áreas de sombra, elementos de água), foram factores que permitiram atestar a agradabilidade do espaço e a dinâmica das relações entre o espaço e as pessoas, tendo-se verificado que o primeiro estimulou as segundas a permanecerem na zona durante mais algum tempo” (Serdoura e Nunes da Silva, 2006:15)

Julgamos que ao analisarmos elementos como os passeios pedestres, as obras de

arte urbanas, os brinquedos, os bancos e as mesas, conseguimos demonstrar de quais

modos esses recursos propõem e desestimulam estruturas de ação, por aí contribuindo

para a organização e para a ambientação lúdica dos espaços públicos do Parque.

Passamos agora a uma análise mais detida das ocupações que exploram recurso social

disponível nesse espaço. Ou seja, para uma análise de ocupações que têm como recurso

indispensável os indivíduos que dão vida aos espaços de uso público do Parque.

Antes de continuar, é importante um segundo esclarecimento sobre esta seção.

Os espaços de uso público do Parque das Nações são eles próprios uma forma de

explorar esse recurso social, como discutimos acima: é a capacidade de atrair público

que torna o território um catalizador da competitividade urbana de Lisboa, para o que

esses espaços funcionam como ferramenta assim como os equipamentos privados93. O

nosso interesse aqui, entretanto, é sobre explorações na dimensão em que são

desempenhadas diretamente por outros atores que não a Geurbana.

O comércio de rua e a publicidade são dois exemplos claros de exploração da

forma como entendemos aqui. Entretanto, esses dois conceitos nos parecem restritivos à

abrangência que tentamos estabelecer. Desse modo, julgamos conveniente tratar de

explorações de maneira genérica, o que nos permite abranger ações observadas como o

pedir dinheiro, o doar comida, o pregar uma religião, o estabelecer uma esplanada de

restaurante, o convidar um possível cliente a se sentar nessa esplanada. Todas elas,

julgamos, podem ser entendidas como ações que recorrem à massa permanente e

cambiante de indivíduos que ocupa os espaços de uso público – ao recurso social.

93 Cf. 1.4.2 Competição pela massa cambiante e 3. O processo de produção de cidade

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É conveniente, para a presente análise, que a carga negativa ou comercial que o

termo exploração denota seja desconsiderada.

A divisão mais adequada (embora imperfeita) dessas explorações, tendo em vista

os objetivos da análise, parece-nos ser entre a) reativas, assim classificadas por não

pressuporem uma interação face a face proposta pelo indivíduo que desempenha a

ocupação ao indivíduo que lhe serve de recurso. São os casos de esplanadas de

restaurantes, cartazes, instalações publicitárias, aluguel de bicicleta e kart a pedal,

quiosques de alimentos e outros produtos; e b) propositivas, em que há essa proposição

de uma interação face a face, ainda que a uma distância relativa. Distribuir folhetos,

distribuir comida, pedir, arrumar automóveis, convidar o cliente a se sentar na esplanada

são explorações a que chamamos propositivas94.

As explorações são (ainda que potencialmente) conflitivas com duas

preocupações centrais na gestão urbanística do Parque, já avançadas anteriormente95.

Uma dessas preocupações é a tentativa de permitir ao utilizador de cidade ter seu espaço

privativo, tendo maior controle das interações face a face das quais participa ou que lhes

são sugeridas, mesmo estando em espaços de uso público. A outra é evitar que qualquer

alteração nos espaços físicos seja feita sem consentimento da Geurbana.

Por essa razão, as explorações só podem ocorrer se autorizadas previamente pela

empresa e, para tanto, algumas delas são institucionalizadas segundo formatos

específicos. As explorações reativas que observamos envolvem normalmente alguma

estrutura – como um quiosque ou um carrinho de castanhas – e são, quase que

exclusivamente, institucionalizadas. Entre as propositivas, essa institucionalização

existe, embora tenhamos observado, de maneira mais expressiva do que com as reativas,

casos não institucionalizados e, assim, desviantes no contexto do Parque.

A inclusão ou exclusão de uma exploração do recurso social também depende

em grande medida do contexto. A análise aqui desenvolvida permitirá observar, como

concluiremos na presente seção, que embora potencialmente conflitivas com

preocupações centrais da Geurbana, as explorações são filtradas e não proibidas tout

court. Influi nessa filtragem, sobretudo nas propositivas, o fato de a exploração ter ou

não caráter lúdico.

94 A imperfeição da divisão, importa dizê-lo, fica clara por exemplo no caso dos mendigos de assento: como considerá-los? Reativos quando não pedem e só mostram a pobreza e propositivos quando pedem? E o caso de um amolador que passa na rua a apitar, mas que é abordado pelos utentes?

95 Cf., respectivamente, 3.5 Motilidade e ressensibilização e 3.2 Expo'98 Marketing e herança urbanas

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A ocorrência de explorações parece ser tanto menor quanto mais o próximo se

está do Rio Tejo. Ou seja, é inversamente proporcional à pedestrialização apresentada

acima96. Nas envolventes da Gare do Oriente e do Centro Comercial Vasco da Gama,

onde há uma expressiva circulação de indivíduos em uma diversidade de papéis (turista,

utilizador pendular, comerciante de rua, cliente do Centro Comercial, policial), as

explorações abundam. Há uma menor preocupação com o garantir a privacidade do

indivíduo nos espaços públicos. A praça da gare, pertencente à GIL mas administrada

em conjunto com a Geurbana, é onde a Geurbana autoriza diversas formas de

exploração, como distribuições de folhetos, jornais e alimentos (como campanha

publicitária unicamente), performances artísticas (também como campanha

publicitária), venda de revistas em apoio a instituição de caridade e instalações

publicitárias de grande dimensão. Explorações não autorizadas, como mendicância e

venda de castanhas, também aí acontecem, mas de modo mais fortuio. A arrumação de

automóveis, proibida, ocorre junto ao CCVG, exclusivamente à noite.

Dentro da ZAC, ou seja, no centro da nova centralidade de Lisboa, a exploração

(sobretudo a propositiva) é reduzida, seja ela autorizada ou não. A garantia do lazer é o

argumento para a não-autorização e o impedimento das irregulares. Como argumenta

RF, Responsável pelo Departamento de Qualidade do Espaço Público da Geurbana,

sobre a distribuição de folhetos, esse tipo de ocupação denigre a qualidade.

“{entrevistador} A distribuição de panfleto. Por que ela é autorizada (...)?

{entrevistado} Não é autorizada em todos os espaços (...) Nós temos uma zona central de acesso prioritário pedonal [a ZAC] que consideramos uma zona de lazer, onde as pessoas poderiam descansar sem poderem ser incomodadas ou perturbadas. É uma zona onde não autorizamos publicidade e (...) esse tipo de ação. Entendemos que alguém que quer descansar, andar aqui não devia ser incomodado entre aspas ou interrompido em seu percurso por pessoas que distribuem publicidade ou vendam produto etc. Preservação da qualidade como espaço de lazer (...)

{entrevistador} o mesmo vale para comércio ambulante?

{entrevistado} Sim. (...) manter a zona mais calma possível, um bocadinho fora daquele ambiente de consumo que encontramos em outros sítios. Essa é mesma a qualidade de lazer, descanso, que as pessoas descansem, que o olho descanse.” [RF, DQEP/Geurbana]

Essa estrutura de interpretação das interações, que as colocam como incômodo

“entre aspas” e as exclui pela proibição, serve também justificar a inclusão pela 96 Cf. 4.1 Deslocamentos

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institucionalização de algumas dessas atividades fora da ZAC.

Faremos agora a análise dos processos de inclusão e exclusão de algumas

estruturas de ação (ou ocupações), o que nos permite discernir a importância do caráter

lúdico para que uma exploração possa ser incluída e identificar algumas características

das exclusões. Selecionamos para análise a venda/doação de comida, o pedir

(diretamente dinheiro ou por meio da venda com intuito mais caritativo do que

comercial), e a comunicação (essencialmente, publicidade).

A confecção e comercialização de comida pronta-a-comer é um tipo de

exploração que não é, via de regra, autorizada pela Geurbana, segundo LRa, do

Departamento de Qualidade e Conceção Urbana da Geurbana. Muito embora, é

importante ressaltar, haja expressiva ocupação dos espaços de uso público frontais e

posteriores por esplanadas e quiosques autorizados (na ZAC, de gelados, na Gare do

Oriente, de sanduíches e produtos regionais); e muito embora a expressiva utilização

desses espaços como local de comer de diversas formas e por indivíduos em diversos

papéis97. O argumento de LRa é o do prejuízo que tal exploração traz para a qualidade

dos espaços. Há entretanto, uma brecha para que possam ser autorizados, que é terem

um expressivo caráter lúdico e pertencerem a um contexto de exceção:

“{entrevistador} que tipo de ocupações se autoriza, quais não se pode autorizar (...)?

{entrevistado} uma das coisas que nós não autorizamos por regra a não ser que venham estar em algum evento que tenha alguma componente cultural, que tenha uma componente qualquer que o justifique de todo, uma das coisas que nós não autorizamos é a venda de comida, e a confecção de comida no espaço público. Portanto, farturas [um tipo de doce], por exemplo, esse tipo de coisas nós não... castanhas, vender castanhas, nós não autorizamos. Porque consideramos que isso não é qualificador do espaço público.” (LRa, DQCU/Geurbana)

Ocupação comum durante o inverno em outras áreas de Lisboa, substituída

durante o verão por venda de frutas em equipamento semelhante, a venda de castanhas

assadas em carrinhos embora proibida foi encontrada em dois contextos durante nossas

observações e acontecendo de forma mais reativa (ou seja, sem que os vendedores

forçassem uma interação face a face com os potenciais clientes): na área central na

praça da Gare do Oriente (1 vez) e na área periférica Norte, no Parque do Tejo, junto à

Torre Vasco da Gama (2 vezes)98. Segundo uma vendedora entrevistada nesse último

97 Inclusive com a institucionalização de uma dessas formas que é o pic nic. Cf. 4.3.1 Comer98 A referência às castanhas assadas na canção “Cheira bem, cheira a Lisboa”, de Carlos Dias e César

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local, é apenas aí que é possível fazer a venda, mesmo assim de forma clandestina e sem

tolerância por parte da Geurbana, conforme refere Mesmo aí, entretanto, não há

tolerância com a prática, segundo AJA, Técnico de Monitorização Urbana do

Departamento de Qualidade do Espaço Público da Geurbana.

Em consoância com a necessidade de a venda de prontos-a-comer estar incluída

em um contexto de exceção lúdico para poder ser autorizada, a comercialização de

castanhas assadas nos espaços de uso público ocorre entretanto no contexto de uma

festa religiosa realizada também na área periférica Norte pela Paróquia Nossa Senhora

dos Navegantes/Parque das Nações99.

O fato de a exclusão pela proibição da venda de castanhas, e por conseguinte do

papel de vendedor de castanhas, aplicar-se inclusive a uma área do Parque das Nações

identificada pela própria Geurbana como mais adequada ao lazer, é revelador de que

não é necessário apenas que a ocupação se insira em um contexto lúdico100. É

necessário que ela se insira em um determinado contexto lúdico, alcançado apenas por

meio da institucionalização em uma festa, restringindo a existência da ocupação a um

contexto ainda mais restrito, de exceção na vida cotidiana do Parque das Nações.

Tal restritividade também se expressa numa forma de vender comida que é

incluída pela tolerância. Em um dia de concerto no Pavilhão Atlântico (dentro da ZAC,

portanto), encontramos três grupos de comerciantes ambulantes de comida e água. Eles

chegaram pouco antes do fim do concerto e permaneceram por 40 minutos, a interpelar

os indivíduos que saíam do Pavilhão, configurando-se portanto como uma exploração

propositiva. Os vendedores carregavam carrinhos pequenos e, tão logo o movimento se

reduziu, deixaram com agilidade o Parque. Toda a ocupação foi feita ao alcance da

observação de policiais e seguranças que ocupavam o mesmo contexto e, segundo um

dos comerciantes ambulantes, a prática existe desde que o Parque existe.

Julgamos que a inclusão pela tolerância da venda de comida nesse formato

decorre, ao menos em parte, do contexto de exceção lúdico ocasionado pelo evento,

durante o qual outras normas (como entrar a peito nu no Centro Comercial Vasco da

Gama e desenvolver grandes velocidades com motos na Alameda dos Oceanos),

estavam sendo quebradas.

de Oliveira (Natura, 2011) ajuda a medir a identificação desse tipo de produto – e , indiretamente, da venda dele enquanto ocupação do espaço de uso público – com a cidade de Lisboa: “Lisboa cheira aos cafés do Rossio/E o fado cheira sempre a solidão/Cheira a castanha assada se está frio/Cheira a fruta madura quando é Verão”

99 PNSNPdN, 2008100 Cf. 4.3.1 Comer

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Ainda no que toca às explorações que envolvam comida, identificamos a

distribuição gratuita, em duas formas. No primeiro caso, observamos a distribuição

inserida campanhas publicitárias. Aí, a exploração ocorre em contextos frontais (praça

da gare e na Alameda dos Oceanos, em ambas durante o dia) e executada de forma tanto

propositiva como reativa. Essa forma é autorizada pela Geurbana e, portanto,

institucionalizada. No segundo caso, referimo-nos à distribuição de comida por

instituições de apoio a sem-abrigo no corredor da Gare do Oriente, da qual já

tratamos101. Essa distribuição igualmente se divide entre propositiva e reativa, mas à

diferença da de campanhas publicitárias, é incluída pela tolerância (tendo em vista a

resistência de CCa, administrador da GIL, a esse tipo de ocupação e de não haver

qualquer relação institucional entre a GIL e as associações de distribuição) em contexto

posterior (no corredor da gare, durante à noite, quando a circulação é menor).

Uma segunda ação envolvida na exploração do recurso social oferecido pela

cidade renovada é o pedir, que surge na ZAC e fora dela, de forma autorizada (e assim,

institucionalizada) e não-autorizada (e, assim, desviante no contexto do Parque).

Uma das formas não-institucionalizadas é a de pedir dinheiro em

confraternizações quando da entrada na universidade, em Portugal denominadas

praxess. Uma das atividades desenvolvidas nas praxes, que ocorrem no Parque

independentemente de autorização prévia, é pedir dinheiro parando o trânsito numa

espécie de portagem improvisada chamada peditório. Em uma ocasião, quando um

grupo de aproximadamente 100 jovens confraternizava, observamos essa atividade se

desenvolver livremente na interseção entre a Alameda dos Oceanos e o Rossio dos

Olivais – confluência dos dois eixos principais do Parque e onde se localiza uma das

entradas do Centro Comercial Vasco da Gama. Julgamos, portanto, que também aqui é

possível identificar o contexto de exceção lúdico de um evento – ainda que informal em

comparação aos concertos – permitindo a prática de uma atividade que em outros

contextos é impedida; e que podemos considerar uma inclusão pela tolerância.

Outra forma se aproxima mais da mendicância, proibida no Parque segundo os

representantes da Geurbana. Encontramos a prática em contextos absolutamente frontais

como a Rua da Pimenta, dedicada à restauração com esplanadas, junto ao Oceanário e

na frente ribeirinha, na interseção entre o Rossio dos Olivais (o eixo transversal do

101 Cf. 4.3.1 Comer. O caso também pode se incluir como uma exploração do recurso social disponível no espaço de uso público. O que nos leva a essa decisão é a interpretação, por parte do representante de uma dessas associações de que “vai onde houver sem-abrigo”, citada anteriormente.

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Parque) e o Passeio das Tágides (um dos que margeia a frente ribeirinha). São duas as

maneiras de mendigar observadas: pedindo dinheiro ou comida diretamente, ou

vendendo revistas ou outros objetos (como pensos). Alguns indivíduos nesse papel

fazem-no junto a mesas de esplanadas, sendo expulsos regularmente. O que importa,

porém, é que esses indivíduos jamais permanecem parados em um mesmo local, mas

sim efetuam incursões pelo Parque para, terminada uma ronda, saírem em seguida.

Assim, inexiste no Parque, em regiões frontais ou exteriores, a figura do mendigo de

assento, como a definem Fernandes e Agra (1991) que é uma constante nas

centralidades portuguesas, tampouco a do lavador de vidros de automóveis em

semáforos, que encontramos até a envolvente do Parque. A forma institucionalizada do

pedir de cariz caritativo que observamos é a desempenhada por vendedores de revistas

de uma instituição de apoio a sem-abrigo. Essa exploração – propositiva – foi

encontrada em contextos frontais como na praça e no interior da Gare, de maneira mais

expressiva, e em uma ocasião na frente ribeirinha, na interseção do Rossio dos Olivais

com o Passeios das Tágides.

A arrumação de carros, uma atividade regulamentada pelo governo central em

Portugal, mas que Luís Fernandes vai classificar como “elemento intranquilizador do

cidadão comum” (2006:9), é proibida no Parque. Entretanto ela é incluída por meio da

mesma indulgência que permite o estacionamento irregular, embora fique restrita aos

períodos noturnos – quando talvez a rotatividade de veículos seja maior – , enquanto na

envolvente do Paruqe acontece ao longo do dia todo.

Estatuto diferente têm as performances artísticas praticadas em troca de dinheiro,

virtualmente inexistentes no Parque. Papel comum na Baixa Pombalina, o centro

histórico de Lisboa, os artistas de rua são impedidos de desempenhar sua atividade a

pleno na cidade renovada. Os argumentos contrários são o prejuízo que pode causar ao

espaço físico e, mais uma vez, o incômodo aos indivíduos, dentro do que se enquadra o

pedir dinheiro em troco das performances, para além do barulho. Ou seja, os artistas de

rua podem potencialmente atingir os alvos das duas preocupações centrais na gestão do

Parque referidas acima: o espaço físico e o utilizador de cidade.

Entretanto, como visto, a animação dos espaços de uso público por meio da

promoção de eventos lúdicos foi uma atividade que a gestão urbanística herdou da

Expo'98102. Assim, as performances de rua encontram, ao mesmo tempo que resistência,

102 Cf. 3.2 Expo'98, marketing e heranças urbanas

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boa receptividade dentro da Geurbana, tendo sido mesmo autorizada como forma de

campanha publicitária de um festival que ocorre no Parque. Essa dualidade fica

expressa nos discursos de representantes da empresa, que ligam positivamente tais

performances tanto à época do evento como à mendicância. Nessa condição, de

“interessante” mas de potencial “incômodo” aos indivíduos e de risco para o espaço

físico, existe uma tentativa de institucionalizar a atividade, podendo assim regulá-la.

“{entrevistador} vou citar alguns usos e gostaria de saber se são permitidos, promovidos, proibidos ou regulados (...) Arte de rua?

{entrevistado} Acho interessante, dinamiza o espaço público, pedir é que não pode” (AJA, DQEP-MU/Geurbana)

“{entrevistador} (...) No caso de artistas, como eles estavam a prejudicar o bem comum que acabou por necessitar uma intervenção (...)?

{entrevistado} Eu com artistas concretamente não tenho uma ideia mas já aconteceu por exemplo com com os chamados pedintes, que estão a incomodar as pessoas. Nesse caso, quando há uma situação de incomodar as pessoas, nós procuramos atuar, enfim numa primeira fase tentando dissuadir a pessoa, e se a coisa se complicar nós chamados as autoridades” (LRa, DQCU/Geurbana)

“{entrevistador} [arte de rua] Não é um tipo de atividade proibida?

{entrevistado} Não é porque não queremos, é porque neste momento não estamos preparados

{entrevistador} é diferente do comércio ambulante de comida [uma atividade que nunca é permitida]

{entrevistado} Completamente diferente e tem outros tipos de impacto. Os artistas de rua também são músicos têm impactos sonoros e uma série de outras questões que também tem que se ver (...) , temos muitos restaurantes, esplanadas (...) a questão da contaminação sonora entre um espaço e outro de qualquer actividade é também uma preocupação porque não podemos ter aqui restaurantes [em que] um faz um tipo de música e ou outro do outro lado faz outro tipo de música e no fim ninguém se entende e perde-se a qualidade de todos. A questão da fiscalização é importante. É uma atividade muito interessante mas há géneros de música que tem grande impacto sonoro no espaço, né?” [RF, DQEP/Geurbana. Itálico nosso]

No campo da comunicação, é possível dividir as explorações em propositivas e

reativas. No primeiro está a distribuição de folhetos, incluída por institucionalização e

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ocorrendo nas áreas centrais (praça da gare e Alameda dos Oceanos), mas fora da ZAC.

A autorização é dada pela Geurbana mediante análise prévia do conteúdo do folheto e

do pagamento de uma tarifa (250 euros/hora/distribuidor) com função mais dissuasora

do que de arrecadação, segundo AJA, Técnico de Monitorização Urbana do

Departamento de Qualidade do Espaço Público/Geurbana.

No segundo campo (reativas) colocamos os cartazes, totens e outras instalações

(com fins comerciais ou não). A praça da gare, mais uma vez, é o espaço privilegiado

para o caso das publicidades autorizadas. Dentre essas, independentemente da área do

Parque, pareceram-nos menos expressivas as de conteúdo político-ideológico. Durante o

trabalho de campo, decorreu em Portugal uma eleição presidencial, que pontuou Lisboa

com painéis dos candidatos, exceto dentro do Parque, embora existissem até às

proximidades da envolvente. Tal não significa que a cidade renovada não seja alvo de

manifestações políticas ou cívicas, classificadas como um contra uso por Leite (2008),

institucionalizadas ou não103.

Também pouco expressivas são as manifestações de protesto em forma de

cartazes, faixas ou graffitis. Mais uma vez, esse tipo de ocupação foi encontrada até as

proximidades do Parque, mas não dentro. Dentro dele, entretanto, encontramos cartazes

de protesto, em forma de folhas A4 colados em postes, contra a exploração sexual de

crianças nos dias que antecederam e sucederam o julgamento de um caso desse tipo no

Campus de Justiça (o mencionado caso da Casa Pia).

***A análise mais detida das explorações do público dos espaços de uso público do

do Parque das Nações, embora não exaustiva, permite-nos tecer algumas análises a

título de conclusão desta seção. A primeira dela diz respeito aos processos de inclusão e

exclusão também nas ações e contextos do espaço urbano. A segunda diz respeito à

ludicização dessa estrutura.

É perceptível a tentativa da Geurbana de manter controle absoluto sobre todas as

explorações do público, reativas ou propositivas, exercido também por processos de

inclusão e exclusão, como indicado caso a caso. Esse controle é justificado pela

103 Alguns exemplos: em agosto e setembro de 2011, camionistas ocuparam a envolvente do Campus de Justiça, na Avenida Dom João II, contra o fecho da empresa em que trabalhavam (RTP, 2011); em junho de 2011, o Pavilhão de Portugal abrigou o comício de encerramento do Partido Socialista na campanha das Eleições Legislativas (PSL, 2011); em outubro de 2007, policiais realizaram uma manifestação por benefícios sociais (Público, 2007). Solicitamos ao Governo Civil de Lisboa, entidade que deve ser comunicada quando de ocupações de espaços públicos para manifestações, a consulta da lista de comunicados relacionadas ao perímetro do Parque das Nações, mas não fomos atendidos

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potencial agressão à privacidade do indivíduo, ao espaço físico e à qualidade dos

espaços de uso público, uma ideia que envolve os dois elementos anteriores e a

concepção dos representantes da Geurbana do que é ou não um ambiente urbano

adequado. Estabelecem-se por aí alguns limites sociais ao espaço de uso público.

Esse controle é feito, à semelhança das ocupações analisadas nas seções

anteriores, por meio de processos de inclusão e exclusão. A diferença reside no fato de

parecer mais rígido do que aquele que identificamos no caso das ocupações para as

quais importa menos o público do que o espaço, ou seja, nas quais o indivíduo se coloca

em papéis de utilizador de cidade, de consumidor da cidade renovada. Parece-nos mais

rígido por causa da tentativa de ser absoluto, como referimos no parágrafo anterior: a

priori, qualquer exploração do público depende de uma autorização, enquanto que a

priori se deslocar, comer, deitar, brincar ou fazer exercícios, não.

Mais uma vez, é possível discernir como esse controle contribui para

transformar a cidade renovada, e as frentes da cidade renovada, em um ambiente lúdico

específico. As explorações são mais incluídas tanto mais adquiram um caráter lúdico e

excepcional, é uma conclusão que tiramos da análise dos processos de inclusão e

exclusão do vender/doar comida e do pedir. Vender comida fica livre de qualquer

controle nas regiões frontais da cidade renovada quando é uma ação inserida em um

contexto lúdico e excepcional, o mesmo acontecendo com o peditório. Os artistas de rua

podem trabalhar desde que não seja para obter dinheiro.

4.5 Dois contextos: gare e skate park

Passamos agora à análise de dois dos contextos que julgamos dos mais

relevantes para a investigação que aqui desenvolvemos: a Gare do Oriente e o Terreiro

dos Radicais. Como é melhor esclarecido na seção metodológica, esses dois contextos

foram determinantes desde o início da análise, quando visitávamos o campo de uma

maneira ainda exploratória104. À Gare, fomos levados a dar maior atenção inicialmente

pela concentração de sem-abrigo. Ao Terreiro dos Radicais, essa maior atenção decorreu

do contraste criado pela existência massiva de graffiti e da localização periférica em

relação à área central do Parque das Nações. No decorrer do trabalho, a atenção dada a

esses contextos levou a complexificar também outros (sub)contextos, ações e papéis

neles encontrados. Pretendemos agora lançar luz a esse e outros elementos que,

julgamos, tornam esses dois contextos importantes para compreender como se dá a

104 Cf. 2 Método

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organização dos espaços de uso público do Parque das Nações.

4.5.1 Gare

A Gare, como visto, está na área central e assenta na confluência da principal via

para transporte motorizado (a Avenida Dom João II) com o eixo transversal do Parque

que leva até o Rio Tejo. Nesse eixo está o Centro Comercial Vasco da Gama, ao qual a

gare está integrada arquitetônica e funcionalmente, uma vez que parte dos

estabelecimentos comerciais existentes dentro do terminal de transporte são

administrados pela mesma empresa responsável pelo centro comercial. Em seguida no

mesmo eixo está o Rossio dos Olivais, de elevada importância simbólica (é onde estão

as bandeiras dos países participantes da Expo'98 e um conjunto de obras de arte

urbanas). Assim, além de uma importante interface de transporte público no contexto da

Área Metropolitana de Lisboa, a gare serve de porta de entrada central ao território que

é considerado, como visto, a nova centralidade de Lisboa105.

A Gare do Oriente é um dos principais equipamentos destinados a promover a

mobilidade necessária a que os espaços de uso público e de uso privado do Parque das

Nações possam ser ocupados, servindo de instrumento de competitividade de Lisboa.

Essa função é destacada pelo administrador da GIL, CCa, quando perguntado sobre

eventuais influências do Parque sobre a gestão do terminal. No entender de CCa, o

Parque das Nações é um sucesso por causa da existência da Gare do Oriente – "a maior

interface de transporte do país" – e não o contrário.

Entretanto, como Foucault (2007) aponta, a circulação, uma característica da

modernidade, pode ser dividida entre boa e má. A gare, assim, constitui-se como um

ponto privilegiado para passagem e paragem da boa circulação, que segundo o autor é

objeto de promoção, e também má, que é alvo de estratégias de minimização. Por essa

razão, constitui-se como um contexto privilegiado para entender como, na organizçaão

dos espaços de uso públido do Parque, constituem-se esses dois tipos de circulação.

Faremos isso, mais uma vez, pela análise dos processos de inclusão e exclusão.

A atribuição do qualificativo de má circulação deve aqui ser entendido como

uma interpretação do modo como os indivíduos a que lhe aplicamos surgem nas

entrevistas e ações de membros da administração do Parque e de atores não

institucionais. Assim, estamos atentos à não-atribuição apriorística de um rótulo de

desviante a um indivíduo ou grupo. O desvio, assim com o rótulo, são construções 105 Cf. 3.5 Motilidade e ressensibilização

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sociais que devem ser analisadas contextualmente, e não dados sociais, como

demonstrou Howard Becker (1985). Consideramos esses grupos, portanto, como

desviantes tendo em vista que, no contexto da Gare do Oriente e do Parque das Nações

em geral, é possível identificar elementos de uma estrutura de interpretação e de ação

em relação a eles que os colocam como desviantes em relação à concepção normativa

expressa nos conceitos de “civilidade”, “qualidade”, “bom senso”.

Como primeira análise, cabe indicar quais são os recursos oferecidos na Gare do

Oriente – para além, claro esteja, das condições de mobilidade – à ocupação por

indivíduos nos papéis desviantes e, em seguida, apontar quais são os constrangimentos.

Em boa medida, eles nos permitirão traçar quais são os processos de inclusão e exclusão

que fazem com que esses indivíduos ali permaneçam e, assim, estejam numa região

posterior da gare e, em consequência, longe das regiões frontais do Parque das Nações.

Como espaço privado fechado, mas de acessibilidade física irrestrita ao longo de

todo o dia, a gare se configura como um espaço de uso público que oferece aos sem-

abrigo acesso livre e abrigo contra as intempéries. A presença da polícia, que tem uma

esquadra no local onde eles permanecem, e de funcionários da vigilância da gare, menos

do que dissuasores, são estímulos: a falta de segurança é um dos constrangimentos

apontados pelos sem-abrigo entrevistados que os impede de ficar em outros locais do

Parque. A existência de muretas e bancos evita ter de dormir no chão e há casas de

banho gratuitas. A proximidade do Centro Comercial, embora seja um dos motivos para

que não se possam deitar durante o dia, oferece possibilidades de obter lazer gratuito

(ouvir música, jogar jogos eletrônicos e ver vídeos nas lojas que vendem esses artigos) e

comida e bebida relativamente baratas (vendidas no supermercado aí existente).

Outros recursos são oferecidos pela própria ocupação da gare por indivíduos em

outros papéis: há doação de comida, quer por parte de instituições de apoio social, quer

por parte de quiosques presentes na Gare ou por parte de utilizadores pendulares; há a

possibilidade de ficar a observar o fluxo de pessoas, uma atividade mencionada por

alguns sem-abrigo como de lazer; há concentração de restos de cigarro (beatas) junto às

papeleiras; e há os carrinhos do supermercado do Centro Comercial abandonados no

estacionamento da Gare pelos clientes, e que são usados pelos sem-abrigo para

transportarem seus pertences, uma vez que não podem mantê-los consigo durante o dia.

Nas outras áreas do Parque, existem também alguns recursos: a possibilidade de

se deitar durante o dia; a arborização e os jogos de água que ajudam a lidar com o calor

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no verão106; novamente a possibilidade de observar o fluxo de pessoas; a doação de

comida exclusivamente de modo não-institucional; a existência de alguns pontos onde é

possível deitar durante a noite (embora alguns sem-abrigo tenham referido haver

impedimento por parte da polícia e da vigilância privada); a possibilidade de arrumar

automóveis e pedir cigarros e dinheiro durante a noite aos indivíduos que aproveitam a

vida noturna oferecida pelo Parque.

Os sem-abrigo entretanto se concentram, durante o dia e principalmente à noite,

no corredor da gare já mencionado anteriormente107. É nesse corredor subsolo que estão

localizadas as muretas que favorecem o deitar, uma casa de banho, a esquadra policial e

onde a comida é distribuída por associações de apoio. Ao mesmo tempo, esse corredor,

com acesso a todos os meios de transporte público da interface e ao estacionamento,

liga os fundos ao centro da gare, onde tem início a integração funcional com o Centro

Comercial Vasco da Gama (as lojas aí são geridas pela empresa que gere o CCVG) e

onde a GIL explora o fluxo de pessoas por meio de alguns quiosques de comida e outros

produtos. A área central da gare, por sua vez, dá acesso ao Centro Comercial.

Nessa área central da gare, embora não esteja proibida formalmente, a presença

dos sem-abrigo que não estejam ou usando as esplanadas dos restaurantes ou se

deslocando, é excluída suavemente por meio da supressão de recursos, como tentamos

mostrar com a descrição abaixo.

Há duas muretas onde seria possível permanecer (já que sentar ou deitar no chão

é proibido e mesmo inviabilizado pelo fluxo de pessoas), localizadas próximas à entrada

do CCVG. Uma delas, entretanto, é ocupada por um quiosque de cachorro-quente. Na

outra, durante aproximadamente dois meses, permaneceu um sem-abrigo, bebendo

bebidas alcoólicas adquiridas no supermercado, falando sozinho, observando a

passagem e ocasionalmente tentando uma interação face a face com passantes ou

indivíduos que se sentavam nessa mesma mureta, mas não com o intuito de pedir.

Conhecido dos outros sem-abrigo e de comerciantes da gare ao ponto de ser referido por

alcunhas, esse indivíduo recebia doação de comida dos funcionários do quiosque de

cachorro-quente ao fim do dia e não era abordado pela vigilância desde que não

interagisse com os passantes. Em 7/10/2010, entretanto, essa segunda mureta foi

temporariamente ocupada por um quiosque de cosméticos que antes se encontrava em

outra área da gare. O sem-abrigo, então, passou a se sentar em uma escadaria na

106 Cf. Deitar107 Cf 4.3.1 Comer; 4.3.2 Deitar e 4.4 Explorações do recurso social

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proximidade (um tipo de ocupação que pode ser alvo de intervenção da segurança se

estiver a atrapalhar o fluxo de passagem, segundo JRu, da manutenção da GIL) e, mais

tarde, sumiu do Parque108. Após o retorno do quiosque à posição original, a mureta

passou a ser ocupada apenas por indivíduos em oturos papéis – normalmente,

utilizadores do centro comercial ou funcionários das lojas da gare.

Para além desse constrangimento excludente, realizado pela supressão de

recursos, os sem-abrigo encontram três tipos de proibição na gare que contribuem para

serem regionalizados espaçotemporalmente como uma população de fundos, e não das

frentes da cidade reurbanizada. Primeiro, são proibidos de pedir. Segundo, além de

terem de evitar confusões, eles são interditos de deitar durante o dia no corredor, muito

embora indivíduos em outros papéis se deitem mesmo no chão e com cartões e

bagagens em outras áreas da gare, mesmo frontais como a praça109. Terceiro, os sem-

abrigo são interditos de manterem consigo os pertences a que recorrem para dormir,

como cartões ou cobertores, uma necessidade na gare uma vez que, segundo um sem-

abrigo “frio passa-se, chuva é que não” (sem-abrigo Z). Deitar-se sem cobertor torna

mesmo mais flexível a regra de levantar-se às 6h, de acordo com um segundo sem-

abrigo (sem-abrigo C). A justificativa avançada por um representante da GIL a esse

impedimento relativo aos pertences é a mesma dada em relação ao impedimento de

dormir: a imagem que dá.

Há portanto inclusão pela tolerância do papel de sem-abrigo, que empurra esse

papel para regiões espaçotemporalmente posteriores do contexto do Parque como um

todo e da gare em particular. A exclusão tout court, por meio da proibição pura e

simples da permanência, é evitada pelas administrações do Parque e da Gare. Quando,

por algum motivo, essa ocupação suscita algum tipo de ação por parte dos gestores, são

adotadas medidas como “encaminhar” para instituições de acolhimento de sem-abrigo e

de “ajudar” dessa maneira. Como afirma LRa,

“{entrevistador} E em relação aos espaços públicos do parque há algum tipo de trabalho em relação a esse tipo de ocupação, de abrigo?

{entrevistado} Até a data existem casos muito pontuais de sem-abrigo que, enfim, que não têm expressão que não suscitam qualquer tipo de preocupação nem de problema Eu diria que há um caso (…) já identificamos a situação (...) Inclusive já atuamos junto de instituições para tentar ajudar o senhor ou resolver o problema do senhor mas essas coisas

108 Encontramo-lo por acaso em outra região da cidade depois109 Cf. 4.3.2 Deitar, essa proibição, no corredor da gare, estende-se a também aos indivíduos em outros

papéis

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dependem muito da vontade dos próprios. Penso que não foi possível, ele não se mostrou interessado. (...) é evidente, a verificar esses tipos de fenômenos nós tentamos procurar perceber qual é a situação da pessoa e depois tentar na medida do possível dar algum tipo de encaminhamento para alguma instituição ou procurar de alguma forma contribuir ou ajudar (Lra, DQCU/Geurbana)

A resistência ao sem-abrigo surge de maneira mais direta no discurso de CCa,

administrador da GIL, no qual também é possível perceber a tolerância com esse papel

(e com a distribuição de comida por instituições de apoio) como uma imposição social.

A “tolerância”, é mencionada diversas vezes quando perguntado sobre como lida com

os sem abrigo, juntamente com as frases abaixo

“{entrevistado} Se se impede, somos uns malandros”

“{entrevistado} [em tom de brincadeira] Em democracia é mais difícil lidar com essas coisa. Se fosse em ditadura, era mais fácil” (CCa, administrador da GIL)

Voltamo-nos agora aos GVA, um segundo papel que é considerado desviante

pela forma como percebemos a sua interação com outros indivíduos, quer atores

institucionais, quer não institucionais. No campo, encontramos o relacionamento desses

grupos à etnia cigana e à nacionalidade romena. Fazemos essa análise em duas fases:

em primeiro lugar, descrevemos esses grupos, e quais são os processos de inclusão e

exclusão a que são submetidos; em seguida, mostraremos a quem e a quais atividades as

denominações de “romenos” “povo romeno” “mulheres romenas”, “ciganos”, “ciganos-

romenos” se aplicam nos contextos da gare e do Parque como um todo, e como se

relacionam a esses grupos. Essa divisão nos parece importante pois, embora os grupos e

os indivíduos e ações que recebem essas denominações sejam elementos separados,

identificamos no campo o estabelecimento de conexões entre uns e outros que nos

parecem indispensáveis descrever e analisar.

Os GVA se constituem de cerca de 10 à 20 indivíduos estrangeiros (em alguns

casos de nacionalidade romena), entre homens mulheres e crianças, e que se encontram

na gare em trânsito, sobretudo. Passam as horas de espera no cais dos autocarros,

sobretudo nas partes mais ao fundo. Os elementos da fachada pessoal que permitem os

distinguir de outros grupos de viajantes nos contextos em que os encontramos foram: os

números de integrantes mais elevados; as roupas (as mulheres usam, quase

invariavelmente, saias e os homens, em boa parte dos casos, estão descalços); o grande

volume de bagagens que carregam, normalmente acondicionadas em sacolas e caixas de

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cartão, para além de malas.

Os GVA fazem suas refeições sentados ao chão, com comidas que trazem e que

compram ao supermercado. Em um caso, observamos um membro de um desses grupos

a pedir cigarros, um membro de outro grupo a fuçar o lixo, e três membros (crianças) de

um terceiro grupo a furtar em um quiosque de roupas e bijuterias na área comercial da

gare. Outros recursos utilizado pelos indivíduos desses grupos são as casas de banho, os

carrinhos de supermercado para transportar os pertences dentro da gare e os

estabelecimentos de restauração da gare.

A chegada e presença desses grupos, nas ocasiões que observamos, causa um

perceptível aumento da atenção, contribuindo para que a gare se torne um contexto mais

resistente à sua permanência. Os vigilantes privados da gare tende a exercer uma

vigilância de maior proximidade. Além disso, como mostra a seguinte vinheta do

caderno de terreno, a presença faz com que a gare, um contexto em que os papéis de

arrumador de automóvel, policial e sem-abrigo são comumente desempenhados em

oposição, torne-se um contexto em que esses três papéis participam da mesma equipe .

“O menino [de um dos GVA, de aproximadamente 12 anos] de camisa listrada estava a brincar com uma pomba que tinha pego e depois saiu do meu campo de vista. Era por volta das 17h30. De repente, a guardadora de carros 4 [que vive fora do Parque] passa a gritar “vou chamar a polícia para si”. Ela, então, desceu as escadas centrais que vão para o corredor da gare e foi falar com o guardador de carros 1 [que vive no corredor da gare], que estava sentado no último rol Sul (sentido Leste-Oeste) junto com o guardador de carros 2 [que também vive no corredor da gare]. O guardador de carros 1 então se levantou e foi até a polícia [algo que não faz regularmente].” [caderno de tereno, 24/08/2010]

É interdito fazer pic nics na gare, forma da qual o comer dos GVA mais se

aproxima mas que também é praticada por indivíduos em outros papéis, mesmo em

regiões mais frontais da gare. Sentar-se junto às escadas é tolerado, desde que não

atrapalhe o fluxo (JRu, manutenção GIL). Deitar-se durante o dia no chão e nos bancos

é interdito no corredor da gare, sendo tolerado (embora de maneira pouco expressiva)

em outras áreas da gare. Entretanto, quando os indivíduos que praticam essas ações são

dos GVA, as intervenções para garantir o cumprimento das regras são mais imediatas. A

exclusão pela proibição é mais imediata e inexiste a inclusão pela tolerância.

As intervenções contra os GVA estendem-se também para fora dos limites

físicos da gare (e, assim, do Parque) à diferença do que acontece com os arrumadores de

automóveis, outro papel desviante no contexto do Parque. Em agosto de 2010, um

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grupo de 10 viajantes tentou estabelecer acampamento – uma prática interdita em

Portugal fora dos espaços destinados para tanto – em um terreno baldio que se encontra

aos fundo da Gare do Oriente, já fora do Parque das Nações. Dois policiais da esquadra

da gare foram impedi-los. No caminho, cumprimentaram um arrumador de automóveis

que atua fora do Parque e que tem um acampamento estabelecido em um canto do

espaço de uso público próximo a esse terreno baldio.

Chegando ao terreno baldio, os policiais orientaram os viajantes a saírem.

Suscitados a levantar acampamento, os viajantes começaram a se deslocar sentido

Parque das Nações. Ao chegarem sobre os passeios da Gare, foram novamente

abordados, sendo um dos integrantes do grupo agredido por um dos policiais. Em

seguida, o grupo se deslocou para um bairro da envolvente do Parque, onde novamente

estabeleceu acampamento. Tratou-se, a nosso ver, não de proibir a permanência dos

GVA, mas de impedir que ela acontecesse junto ao Parque e de afastá-los.

Segundo ClC, da CVP (uma das instituições de apoios aos sem-abrigo), a

ocupação do referido terreno baldio por indivíduos de nacionalidade romena é

recorrente. Uma segunda informante, vendedora em uma loja da gare, identifica os

grupos que desempenham a mesma ocupação como “romenos-ciganos”, sendo essa uma

das relações possíveis de estabelecer entre os GVA e essas denominações.

É possível mapear em relação a indivíduos a quem são atribuídas as

denomniações de “romeno”, “cigano-romeno”, “povo romeno”, “ciganos” e “mulheres

romenas” uma expressiva resistência por parte de indivíduos em outros papéis, de forma

transversal, no contexto da gare e no contexto do Parque como um todo.

Fora da gare, o termo “ciganos” surge genericamente no discurso de uma

funcionária da limpeza do Parque para identificar os responsáveis por ocupações que

causam maior sujidão no Parque do Tejo, na área periférica Norte. No discurso de AJA,

Técnico de Monitorização Urbana do Departamento de Qualidade do Espaço

Público/Geurbana, as “mulheres romenas” são identificadas com a mendicância.

Observamos entretanto uma mulher que se identificou como cigana a mendigar no

Parque (pedinte 1) e que cuja roupa é semelhante à das mulheres integrantes dos GVA; e

uma mulher (pedinte 2) que se identificou como romena a vender revistas, como forma

de pedir não-autorizada, na frente ribeirinha.

No contexto da gare, JRu (responsável pela manutenção na GIL) estabelece a

mesma relação entre mendicância e indivíduos de nacionalidade romena:

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“{entrevistador} Mendicância também é tolerado na gare?

{entrevistado} Não. Nem dos sem-abrigo nem de qualquer outro. E há N tentativas de pedir e é muito difícil controlar. É muito difícil controlar mesmo com o povo romeno que tanto, que tem muito essa mania de pedir. Depois fogem para um lado, fogem para o outro, fazem vida negra aos seguranças (...)” (JRu, manutenção/GIL)

No discurso do sem-abrigo Z, os “romenos” são a denominação usada para

identificar indivíduos que causam confusão (um dos motivos que tende a desencadear o

impedimento da permanência dos sem-abrigo no contexto da gare) e que praticam

roubo. Em uma ocasião, observamos crianças pertencente a um dos GVA a tentar furtar

objetos de um quiosque e, em seguida, de uma loja da área central da gare. É importante

também a conexão dos “romenos” com o andar em grupos grandes que, como visto, são

também uma característica dos GVA que os distingue no contexto da gare.

Por fim, o termo “ciganos” em uma ocasião foi aplicado por uma utente da gare

diretamente a um GVA, mencionando que “em França correram com eles”, em

referência às expulsões de ciganos daquele país que foram foco de atenção mediática

em Portugal em 2010110.

Em resumo, as denominações “romeno”, “povo romeno” e “mulheres romenas”

são aplicadas à mendicância, ao roubo, à confusão, ao estar e em grupo e ao acampar no

terreno baldio ao fundo da gare; enquanto a denominação “cigano” é aplicada ao fazer

sujeira; e a denominação “romeno-cigano”, ao acampar no terreno baldio ao fundo da

gare e ao furto. Há correspondências entre os papéis e ações a que essas denominações

são aplicadas e os GVA: 1. a pedinte 1 usa roupas semelhantes às das mulheres dos

GVA; 2.uma das características a diferenciar os GVA no contexo da gare é o estarem em

grupos grandes; 3. crianças do GVA tentaram praticar furtos; 4. a pedinte 2 se

identificou como romena, nacionalidade de ao menos um dos GVA que observamos; 5.

os GVA acampam no terreno baldio. A existência dessas correspondências, parece-nos,

contribui para a resistência que identificamos em relação aos GVA, contribuindo para

que eles sejam alvos de processos de exclusão mais imediatos. Esses processos são

potencializados pelo fato de contarem com a participação de uma ampla gama de atores.

***Em conclusão a esta seção: os processos de inclusão e exclusão identificados na

Gare do Oriente estão relacionados à presença de papéis que se configuram como a má

110 (Público, 2010)

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circulação que importa minimizar. Analisamos dois deles: os sem-abrigo e os GVA.

No caso dos sem-abrigo, os constrangimentos remetem à redução da

visibilidade, por meio da exclusão de sua permanência nas frentes, mas a tolerância com

sua permanência nos fundos da cidade renovada. A eliminação da pobreza, uma das

tarefas das políticas urbanas modernas (Foucault, 2007) vai de par no urbanismo do

Parque das Nações com uma eliminação da visão da pobreza que, emprestando a

formulação de Fernandes (2006), surge como intranquilizadora do cidadão comum no

discurso da administração da gare. No caso dos GVA, a tolerância com a permanência,

ainda que temporária, é comparativamente menor, e mesmo os fundos da cidade podem

se tornar hostis à sua presença. Contribui para isso a partilha, pelos GVA, de algumas

ações ou características atribuídas genericamente a uma nacionalidade e/ou a uma etnia.

Há duas características na análise em conjunto desas duas formas de tratar a má

circulação que importa ressaltar. Em primeiro lugar, a imposição de sustentar a ficção

moderna de que os espaços de uso público, por essa condição, são igualmente acessíveis

a todos. Essa imposição fica expressivamente demonstrada nos discursos dos

representantes da gare e da Geurbana quando o tema é os sem-abrigo: em ambos os

casos, é renegada a possibilidade de simplesmente proibir a presença de indivíduos

nesse papel, embora seja um “problema” (como diz LRa, da Geurbana) ou algo que se

tem de tolerar sob a pena de ser considerado “malandro” (como diz CCa, da GIL). As

exclusões então são ou suaves (como a oferta de apoio, no caso da Geurbana, para

resolver o “problema” e da supressão de recursos, no caso da GIL, que retirou o local de

permanência a um sem-abrigo da área central da gare); ou, quando são proibições,

apenas visam os contextos frontais (como o impedimento a deitar aplicado aos sem-

abrigo) ou são endurecimentos de regras que, em tese, são válidas para todos de forma

igual (como o impedimento de fazer pic nic).

Em segundo lugar, essa imposição funciona de forma a contrariar a existência da

hierarquização estabelecida desde que se torna possível discernir entre boa e má

circulação. Há uma clara escala entre os utilizadores da estação (a quem se tenta evitar a

visão da pobreza), os sem-abrigo (a quem se restringe as formas de permanência), e os

GVA (a quem essa restrição é ainda mais expressiva), que permite questionar o grau de

diversidade aceito pelo espaço de uso público da cidade renovada.

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4.5.2 Skate park

O Terreiro dos Radicais (TR), ou skate park como é chamado pelos

entrevistados, funciona como a principal âncorada da juventude nos espaços de uso

público do Parque das Nações. Instalado junto, mas após a Ponte Vasco da Gama, já

próximo ao limite Norte do Parque, fica em uma posição periférica em relação a área

central – ao ponto de um skatista entrevistado nunca ter lá ido apesar de trabalhar no

Centro Comercial Vasco da Gama. Esse distanciamento é compensado pela oferta de

transporte público e pela acessibilidade por meio da malha viária, que permite que,

mesmo se localizando na zona residencial, seja utilizado por residentes do Parque, mas

também de outras áreas de Lisboa, de outras cidades portuguesas de outros países111.

Expliquemos porque é que, embora no Parque das Nações em geral a divisão

etária nos pareça tênue e haja utilização do TR por parte de adultos e crianças, possamos

falar em âncora da juventude quando nos referimos a esse equipamento. Um primeiro

motivo é a reunião, ali, de ações que configuram o tempo livre dispendido nos espaços

de uso públicos pelos jovens de classe média descritas por José Machado Pais (1991). O

skate park serve, para além de espaço para prática de esportes radicais, para os mesmos

tipos de ação que esse autor identifica nas arcadas: namorar, usar drogas leves

(eventualmente pesadas), grafitar, beber, fumar, conversar. Como demonstra o autor, o

tempo livre vai muito além do nada fazer. A forma como os jovens se entregam às

atividades no tempo livre é o que dá mais especificidade aos seus modos de vida. (Pais,

1991:200). Outro motivo é o modo como o TR foi, em 2004, utilizado para gravação de

um episódio de um seriado de TV para jovens (Morangos Com Açúcar)112. No episódio,

os personagens participavam de um campeonato de skate e bmx.

O skate park é destinado, como refere a placa junto a ele, à prática de esportes

radicais, sendo citados diretamente skate, patins e bmx, e há permissão para a prática de

graffiti. Serve portanto como para-raios – passe a metáfora – de ocupações que tendem

a alterar os espaços públicos. Como afirma Fran Tonkiss (2005:145), ocupações que

põem em causa mesmo a propriedade de um território. Em linha com uma das duas

preocupações centrais da Geurbana – impedir alterações no espaço físico – o skate, o

bmx e o graffiti são ações excluídas de praticamente qualquer outro contexto do Parque

(sendo o skate entretanto tolerado na Marina e acontecendo de forma clandestina,

111 Encontramos dois grupos, um de belgas e outro de ingleses, no Parque das Nações com o intuito de conhecer o skate park. Para além disso, foi possível perceber a internacionalização do skate park por meio da menção de um jovem brasileiro que, morando em Espanha, viu uma foto do skate park de um amigo e isso o motivou a visitar o equipamento

112 (CM, 2004)

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eventualmente, em outros locais).

Assim, o skate e o bmx são incluídos pela institucionalização no Terreiro dos

Radicais; o graffiti, por sua vez, é incluído pela tolerância, quase pela

institucionalização, tendo em vista a permissão da prática no skate park ser mencionada

abertamente por um funcionário da limpeza e pelos representantes a Geurbana

entrevistados.

Comecemos a análise do TR pelo graffiti. O graffiti é um tipo de apropriação de

espaços de uso público e de espaços de uso privado que tenham visibilidade a partir dos

espaços de uso público. É também, julgamos, uma forma de exploração reativa do

recurso social constituído pelos indivíduos que ocupam os espaços de uso público: a

população cambiante pode ser entendida como público para o graffiti.

Nas palavras dos administradores da Geurbana, o graffiti é “praga” e

“vandalismo”. A tolerância se restringe ao skate park e tão só a ele: na casa de banho

que serve ao equipamento, os sinais de tentativas de limpar os graffitis são tão

constantes como os próprios graffitis. Além de se encarregar da limpeza dos graffitis

irregulares nos espaços de uso público, a Geurbana intervém junto aos proprietários dos

imóveis privados para que a façam quando as pinturas são visíveis a partir dos espaços

de uso público (JRP, DOIU/Geurbana). O seguinte excerto de entrevista é útil para

mostrar como o graffiti migra de uma estrutura de interpretação para outra no discurso

do responsável pela limpeza na Geurbana, JRP – estrutura de interpretação que é

partilhada pelo responsável pela qualidade e concessão urbana, LRa.

“{entrevistador} (...) ele é permitido ou não é permitido, o graffiti?

{entrevistado JRP} Grafitismo se for feito na própria propriedade ou com autorização do dono e com uma estética devidamente aprovada pelas autoridades eu não tenho nada a opor, mas (...) geralmente o que acontece é digamos uma uma..

{entrevistado LRa} Configura-se como um ato de vandalismo

{entrevistado JRP} Vandalizar a propriedade alheia e criando uma situação que contribui para um mal estar dos outros na medida em que afeta a estética urbana

{entrevistador} Eu perguntei do graffiti porque vejo que ali junto ao Terreiro dos Radicais e nas próprias pilastras...

{entrevistado JRP} Não, aí sim. Aí sim, no Terreiro dos Radicais, sim

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{entrevistado LRa} Faz parte da cultura da coisa

{entrevistado JRP} Da cultura associada àquele recinto. Já nos pilares da ponte digamos nós não, só não intervimos porque não podemos intervir porque a ponte tem uma autoridade própria (...) Em todas as outras situações (...) no espaço público aí intervimos. E no caso dos grafitis serem em propriedade privada o que fazemos é alertamos o proprietário para proceder a limpeza. (JRP, DOIU/Geurbana e LRa, DQCU/Geurbana)

Assim, o graffiti, enquanto uma forma de exploração do público dos espaços de

uso público, assume duas subformas se assim quisermos chamá-las, enquadrando-se em

duas estruturas de interpretação se olharmos para os discursos: a) uma, em que o graffiti

é “vandalismo” por ocorrer fora do local destinado para tanto, e à qual é associada uma

baixa qualidade estética; b) e outra, em que o graffiti “faz parte” por ocorrer em um

local adequado e que também é associado (no caso de locais privados) a uma boa

qualidade estética.

As duas subformas do graffiti e as duas estruturas de interpretação do graffiti

são partilhadas por alguns utentes do skate park. Há algumas discordâncias e, por isso,

incluímos abaixo excertos que mostram tanto proximidades como distanciamentos entre

o entendimento da Geurbana e o dos utentes

“{entrevistador} O que que você acha de haver [graffitis]?

{entrevistado BMX1} Os bem feitos ficam porreiro, agora as aberrações... alguns que estão aí é fatela. Não tá aqui nada muito fixe

(...)

{entrevistador} Na sua opinião acha que deveria haver graffitis em outros locais [do Parque das Nações]?

{entrevistado BMX1} Acho que não. Há outros sítios. Isto é uma zona assim um bocado mais fina e não sei o quê. Para fazer um trabalho bem feito a nível de graffiti tem que ser pessoas contratadas para ficar bem feito. se por aí um gajo qualquer para fazer as porcarias daqui nas ruas fica feio (...)” (BMX1: praticante de bmx, 30 anos aproximadamente, entrevistado no skate park)

“{entrevistador} E em relação aos graffitis?

{entrevistado PAI} É arte urbana, combina bem com skate. Desde que sejam bem feitos, sejam feitos com prazer

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{entrevistador} E fora do skate park?

{entrevistado} Acho que há sítios apropriados, aqueles muros, recuperação de casas degradadas, mas prédios novos... se calhar pintar só por pintar não vale a pena” (PAI: pai de criança que andava de skate, 30 a 35 anos, entrevistado no skate park)

{entrevistador} O que acha dos graffitis? Concordas?

{entrevistado SKATE1} Muito loucos, acho bem fixe. Aqui sim. Em outros locais, não. Não sou contra, mas acho que aqui sim, tem a ver porque é cultura urbana, é cultura de skate, é cultura nova, cultura de cidades. É concreto, faz parte

{entrevistador} E em outras regiões do Parque?

{entrevistado SKATE1} É vandalismo, acho que não. Aqui tá se bem. (SKATE1: praticante de skate, cerca de 30 anos, entrevistado no skate park)

“{entrevistador} O que achas dos graffitis?

{entrevistado SKATE2} Bem, não digo que seja melhor para o skate park. Eu que faço um bocado disso... é um bom sítio para fazer.

(...)

{entrevistador} (...) Mas concordas ou acha que não deveria [haver graffitis em outros locais do Parque]?

{entrevistado SKATE2} Quem gosta faz em qualquer lugar, mas não é o local mais apropriado. pelo menos para as pessoas que moram naquelas urbanizações. Se for só uns rabiscos o pessoal apita mais. Se for uns (...) algo mais complexo, na boa” (SKATE2: praticante de skate e de graffiti, 16 a 18 anos, entrevistado no skate park)

“{entrevistador} (...) Acha que deveria haver graffiti mais para lá?

{entrevistado MARIJUANA} Tem que meter graffiti em tudo o que é lugar, se for uns graffiti di mil [bonitos]” (MARIJUANA: fumante de marijuana, 18 a 25 anos, entrevistado no skate park)

Para além de deverem ocorrer nos locais certos (no que consideramos uma

importante sintonia com o discurso dos representantes da Geurbana), os grafitismos

devem ser “bem feitos”, “di mil”, e não “fatela” ou, como referiu uma mãe que

acompanhava os filhos no skate park, “graffitis baldios”. Julgamos que essa

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interpretação mostra a importância da dimensão estética, antes da de política/protesto,

dada a esse tipo de exploração do público nos espaços de uso público. Dito de outra

forma: entre os ouvidos no Parque, o graffiti remete primeiro a um embelezamento –

como mostra a ideia de que os prédios velhos, e não os novos, são locais adequados a

serem ocupados por esse tipo de ação – do que a uma forma de comunicar uma

mensagem. Queremos deixar claro que remete primeiro, e não exclusivamente à

dimensão estética – posto que um graffiti bem feito também pode conter uma

mensagem política. O graffiti é primeiro entendido como forma de distração em vez de

primeiro uma forma de divergência (Pais, 1991:283).

Skate, bmx e patins, por sua vez, são institucionalizados no skate park ao constar

expressamente da placa que indica a quais ocupações se destina o TR. Para além disso,

a institucionalização é perceptível pela utilização do skate park como cenário – dentro

do qual essas três atividades encontram-se ocorrendo – em uma peça publicitária de

uma grande companhia portuguesa113. Nela, e embora o skate park também tenha uma

utilização por crianças e adultos, percebemos como as atividades mencionadas são

identificadas com a juventude. A institucionalização por meio da placa serve a conferir

mais direito, e assim empoderar um utente em relação ao outro. Como diz um skatista

“{entrevistador} E sentes que o Parque te pertence?

{entrevistado SKATE3} Eu sou praticante de skate isso foi feito para skate e não para outro, como carrinhos telecomandados. Outro dia havia um tipo com carrinho telecomandado. Pisei o carro, estraguei o carro ele me pediu dinheiro. Eu disse que não pagava e ele foi se embora triste. Isto não é para andar de carro, é para fazer skate – andar de patins, andar de bicicleta, desportos radicais. Aquilo é desporto motorizado. Por isso tenho mais direito de que o carro (...)” (SKATE3: praticante de skate e fumante de marijuana, 25 anos aproximadamente, entrevistado no skate park)

É sobre esse pano de fundo que uma outra forma de ação no skate park que

envolve a alteração do espaço físico à revelia da administração do território deve ser

analisada. Ela permite observar o esvaziamento da ideia de os indivíduos se

responsabilizarem pelos espaços que não são privados, que segundo Françoise Navez-

Bouchanine (1991:153) entra na ordem do dia com a crise do Estado Social, e o

fortalecimento da ideia de relegação da responsabilidade por esses espaços

exclusivamente a um ator externo, papel assumido pno Parque pela Geurbana114.

113 Aqui também percebemos como o graffiti, para além de incluído pela tolerância, é incluído pela institucionalização, quase da mesma forma que o skate, o patins em linha e o bmx

114 Navez-Bouchanine analisa essa convivência na relação dos residentes com o espaço entre a casa e a rua em habitações clandestinas no Marrocos

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Considerada uma ótima pista, o skate park recebe como principal crítica a

manutenção deficiente, quando os utentes são perguntados sobre o que há de ruim. Não

é preciso ser um praticante de um dos esportes para identificar essa falha que funciona,

segundo alguns praticantes entrevistados na Baixa Pombalina, como um dissuasor do

uso da pista115. O modelo de administração do Parque, por sua vez, é apontado como um

empecilho a fazer as demandas,.

“{entrevistador} E já chegaram a pedir [para fazerem a manutenção]?

{entrevistado BMX1} Nós não sabemos bem porque isto pertece à Parque Expo e à Câmara de Loures e então é sempre um jogo entre eles e então demora muito para chegar a um consenso.” (BMX1)

“{entrevistador} E já tentaste fazer algo para resolver [o problema das rachas]?

{entrevistado SKATE4} (...) Não há Câmara

{entrevistador} Não tem?

{entrevistado} Temos mas é Loures e eles estão-se a lixar para esta zona porque esta zona está quase a tornar-se independente de Loures e tá quase a tornar-se Lisboa. E então nós não temos onde nos deslocar. Quem manda aqui mais ou menos é a Parque Expo. A Parque Expo está-se a lixar

{entrevistador} Já tentaram procurá-la?

{entrevistado SKATE4} Não fazem nada” (SKATE4: praticante de skate e morador do Parque, 16 anos aproximadamente, entrevistado no skate park)

Como forma de compensar essa alegada falta de manutenção, alguns utentes

referem ter realizado, em forma de iniciativa coletiva, obras para reformar a pista. A

prática, entretanto, é interdita pela Geurbana, que afirmou, quando questionada, que

obras de reforma já estavam previstas independentemente dos pedidos (MSC,

DCRC/Geurbana, comunicação por e-mail). O mesmo impedimento existe em relação à

instalação de corrimões e outros obstáculos que permitiriam compensar, em parte, a

falta do mobiliário urbano necessário para a prática do estilo street, deixado de fora

quando o skate park seguiu o estilo de pista. Embora tenhamos encontrado um corrimão

e dois obstáculos instalados na pista, eles são resultados de uma luta permanente, uma

vez que já foram arrancados em outras ocasiões, segundo os utilizadores entrevistados.

115 Entrevistamos skaters na Praça da Figueira -- na Baixa Pombalina -- onde a prática de skate faz parte da vida cotidiana

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“{entrevistador} Tem algo aqui que vocês não gostem?

(...)

{entrevistado SKATE5} Uma vez trouxeram cimento. Só para arranjar e metemos algum cimento. Não temos dinheiro e tentamos por obstáculos, como vês

{entrevistado SKATE6} Esse corrimão foi o pessoal que veio aqui pô-lo. Isso se não tivesse preso ao chão... tinham posto ao lixo (...)

{entrevistado SKATE5} Os seguranças da Parque Expo vêm aqui e tiram isso. Isso já aconteceu (…)

{entrevistador} No mesmo dia?

(...)

{entrevistado SKATE6} Ao menos que nos deixassem improvisar

{entrevistador} Mas não podem [improvisar] em qualquer horário do dia?

{entrevistado SKATE6} Não deixam. O mal é que fizeram de dia. Se fizessem à noite se calhar ainda ali estava. Mas como viemos fazer de manhã (...) havia pessoal a fazer jogging. Foram informar a Parque Expo e eles vieram.” (SKATE5: praticante de skate, aproximadamente 20 anos, entrevistado no skate park; SKATE6: praticante de skate, aproximadamente 20 anos, entrevistado no skate park)

“{entrevistador} Já chegou a acontecer isso [de impedirem as obras]?

(...)

{entrevistado SKATE4} Pronto, é uma luta entre nós e eles. Nós só queremos nos divertir, porque isto literalmente está ao abandono, ninguém vem aqui renovar isto e se não formos nós não fazem nada e pronto. A Expo também não tem uma Câmara Municipal onde nós possamos nos deslocar, e pronto, é complicado

{entrevistador} E sentes que essa região lhe pertence? Sentes que esse fato de não poder alterar afeta de alguma maneira esse seu senso de pertencimento?

{entrevistado SKATE4} Não porque eu faço na mesma. (...) Tá aqui as coisas [referindo aos obstáculos], e aquilo tá aqui cimentado ao chão. Se eles quiserem vir aí tirar que venham, mas nós voltamos a pôr. É isso. É um bocado chato, não deveria ser assim. Deveria ser: nós nos deslocaríamos para a Câmara, pedíamos para eles tentarem melhorar, esperaríamos. Mas,

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primeiro não há Câmara” (SKATE4, entrevistado no skate park)

A interdição é justificada por AJA, do Departamento de Qualidade do Espaço

Público/Monitorização Urbana da Geurbana, pela existência de uma entidade

competente para gerir o espaço de uso público e pela maior eficiência que a execução

por essa entidade trará para a intervenção.

{entrevistador} (...) alguns me relataram que 'ah, nós já viemos aqui instalar um corrimão mas vem a P. [nome da empresa de vigilância contratada pela Geurbana] e tira. Nós queríamos tapar as rachas mas também não podemos fazer'. Eles são... o residente (sic), ele tem autorização para fazer [intervenç s no espaço público]...?ẽ

{entrevistado} Não. No espaço público, e todo equipamento urbano, tem que ser mexido portanto a quem compete mexer nesse equipamento. Por exemplo, tapar as rachas, [uma] questão pertinente que está no skate park que apresenta...(..). Mas por exemplo não podemos chegar lá e colocar qualquer produto e chegar e tapar as rachas, ali só como solução provisória. As intervenções têm que ser feitas de forma estrutural ou conjuntural de forma a durarem mais tempo do que apenas remendar uns buracos. Senão qualquer pessoa... deixaria de ser necessário até existirem câmaras municipais e coisas do gênero porque cada um tratava do seu cantinho e de seu espaço à sua maneira e obviamente que não. Espaço público compete exclusivamente à nós, ou à Câmara ou a entidades territoriais portanto intervir nesse espaço. Isso até a simples abertura de um pilarete amovível para acesso ao local. É equipamento urbano, público, que compete às entidades mexerem nesse próprio equipamento. (AJA, DQE-MU/Geurbana)

Há, assim, convivência de uma a) prática de domesticação do território, expressa

na colocação do corrimão e dos obstáculos, no tapar das rachas pelos utilizadores do

skate park e na afirmação do praticante de skate SKATE4 que “se eles quiserem vir aí

tirar que venham, mas nós voltamos a pôr” e na do SKATE6 “ao menos que nos

deixassem improvisar”; b) com uma demanda de que um ator externo, institucional,

assuma responsabilidade pelo território, como fica expresso mais claramente em

“deveria ser: nós nos deslocaríamos para a Câmara, pedíamos para eles tentarem

melhorar, esperaríamos” (SKATE4).

A domesticação entretanto, para além de ser vista pelos próprios utilizadores

como uma alternativa à inatividade do ator externo – é um “improviso” (SKATE6) –

encontra resistência por parte do ator externo, expressa na luta permanente entre

vigilantes e utilizadores e no discurso de AJA, da Geurbana, de que “no espaço público,

e todo equipamento urbano, tem que ser mexido portanto a quem compete mexer nesse

equipamento”; enquanto que, por outro lado, a demanda de assunção da

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responsabilidade pelo ator externo, existente entre os utilizadores, é potencializada por

esse ator externo, que encontra nela uma condição para sua própria existência: “Senão

qualquer pessoa... deixaria de ser necessário até existirem câmaras municipais e coisas

do gênero porque cada um tratava do seu cantinho e de seu espaço à sua maneira”,

como diz AJA, ao mesmo tempo reforçando a equiparação da Geurbana, uma empresa,

ao modelo camarário116.

O enfraquecimento da domesticação ao mesmo tempo evita o apagamento

parcial da vigilância e do controle permitida pelo confinamento ao skate park de um

conjunto de ocupações identificadas com a juventude (skate, bmx, patins, graffitismo).

Dito de outra forma: ancorados que estão em um contexto espacial específico, os

praticantes de esportes radicais se sujeitam e são sujeitos à vigilância e ao control que,

como visto, são pretendidos serem totais nos espaços de uso público do Parque das

Nações. A auto-organização com finalidade produtiva (como seja a instalação de um

corrimão) é potencialmente obstante dessa vigilância e controle. Como afirma Giddens

(1986:157), potencialmente obsta o poder disciplinador obtido pelo empacotamento dos

indivíduos em contextos espaço-temporais.

***As análises aqui desenvolvidas sobre o contexto do skate park nos permitem

identificar algumas características do modelo de urbanismo organizador dos espaços de

uso público do Parque das Nações: a) a existência de um processo de inclusão e

exclusão que, em vez de proibir – visto que são praticadas por um público-alvo da

cidade renovada – ancora estruturas de ação lúdicas potencialmente alteradoras do

desenho físico (e assim questionadoras mesmo da propriedade sobre os espaços de uso

público) em um contexto espacial específico; b) ao mesmo tempo, uma resistência à

alteração do desenho físico por meio de auto-organização dos indivíduos com finalidade

produtiva, garantindo a eficácia supervisória. Mais do que contraditórias, essas duas

características nos parecem complementares.

O desempoderamento dos indivíduos no que toca à participação direta na

constituição – e não apenas alteração inintencional – do desenho físico pela proibição da

domesticação (o tapar rachas e instalar obstáculos), em conjunção com o

empoderamento dos mesmos enquanto utilizadores desse território por meio da

institucionalização de ocupações, propõe um ideal tipo de urbanita próximo ao

consumidor pleno que Baptista (2004) delinea: aquele que consome a cidade e se

116 Cf. 3.2 Expo'98: marketing e herança urbanas

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desresponsabiliza por ela. A inclusão do graffitismo obriga, entretanto, a complexificar

essa interpretação.

A tolerância com o graffitismo se trata, sim, da inclusão de uma participação

ativa e intencional na constituição do desenho físico. Essa inclusão entretanto é

rigidamente condicionada, à semelhança do que acontece com outras ocupações que

exploram o recurso social: tem um local específico para ocorrer nos espaços de uso

público e, quando em espaços privados visíveis a partir de espaços de uso público, o

graffiti tem de ser esteticamente adequado ao que a administração da cidade renovada

julga adequado. Assim, é uma participação que, embora não diretamente

institucionalizada, tem uma forma específica a ser respeitada.

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5. Participação

Nos dois capítulos anteriores, analisamos os espaços de uso público do Parque

das Nações a partir de duas perspectivas: a) a da produção do espaço de uso público

como uma ferramenta de competitividade urbana que justificou um modelo de gestão

urbanística de exceção e que leva esse espaço a adquirir algumas funções e

características específicas; e b) a da organização da vida social desse espaço no

cotidiano, que propõe, incluindo e excluindo, formas de ocupação, para garantir a

qualidade em favor do “cidadão em abstracto”. Em ambos os casos, tentamos identificar

a influência dos atores institucionais promotores da reurbanização na produção do

espaço público (entendido agora em sentido amplo). O presente capítulo adota uma

terceira perspectiva: a da participação dos indivíduos na produção desse espaço.

Indicamos, ao tratarmos do modelo administrativo usado para produzir e gerir o

Parque das Nações, sinais de desvalorização da esfera pública institucionalizada no

debate político convencional (tratada como mero recurso para agitação mediática) e do

Poder Público instituicionalizado na gestão camarária (pela retórica da eficiência). Em

seguida, ao analisar a organização das ocupações dos espaços de uso público,

sinalizamos como a participação direta do indivíduo na alteração do espaço físico é algo

impedido no Parque das Nações117. Há entretanto duas maneiras de participação indireta

que nos foram apresentadas pelos representantes da Geurbana e que julgamos

importante analisar aqui: um sistema de reclamações e sugestões e, mais recentemente,

uma versão adaptada do sistema de orçamento participativo que é adotado em Lisboa e

em outras cidades. A análise dessas duas formas nos permite identificar como o

estabelecimento de uma estrutura institucionalizada de esfera pública no que toca à

gestão desse espaço também faz parte da produção e organização dos espaços de uso

público, mesmo quando esse é produzido sobretudo para uso lúdico.

A ideia de que os indivíduos apresentem sugestões e reclamações sobre os

espaços de uso público da cidade é entendida pelos representantes da Geurbana como

uma forma de participação na produção desse espaço. LRo, administrador da Geurbana,

fala em “cidadania activa” para caracterizar como os indivíduos atualmente “defendem

os seus direitos, fazem sugestões e reclamações”. No entender de LRa, responsável pela

Direção de Qualidade e Conceção Urbana, isso é um dos significados de “cidade viva”.

{entrevistador} "Então gostava de saber o que é cidade vida na concepção

117 Cf. 3.2 Expo'98: marketing e herança urbanas e 4.5.2 Skate park

118

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do arquiteto"

{entrevistado LRa} "A cidade viva é essencialmente o ato de participação do público na construção da própria cidade. Basicamente é isso. A participação a vários niveis, quer ao nível de vivência em si mesmo, quer depois na participação que nós pretendemos fomentar para... contribuírem com ideias, sugestões, inclusivé com reclamações para quenós possamos melhorar todos os dias o nosso trabalho."

Os indivíduos que se relacionam com o Parque, quer sejam residentes,

trabalhadores ou visitantes, todos referidos pelos representantes da Geurbana como

“clientes”, podem submeter pela internet e pelo telefone propostas de alteração do

espaço de uso público. No ano de 2010, foram apresentadas 471 sugestões e

reclamações. O acesso a elas nos foi negado e uma caracterização mais global, sem

definição precisa do ano e dos números, foi apresentada por MSC, do Departamento de

Comunicações e Relação com o Cidadão/Geurbana. Segundo a entrevistada, a maioria é

apresentada por residentes (sendo feitas também por visitantes e trabalhadores) e refere-

se sobretudo a falta de estacionamento. Algumas se referem a questões que não são da

alçada da Geurbana, como falta de escolas, segurança e equipamentos de saúde, e por

isso são desconsideradas. Questionada sobre reclamações relativas às ocupações do

espaço público, MSC cita as praxes (pela sujeira que geram), os arraiais populares

(festas de cariz religioso promovida no mês de Junho em Lisboa) e, questionada sobre

ocupações não conjunturais, refere o uso de bicicleta sobretudo em alta velocidade nos

passeios pedestres, apesar de haver ciclovia.

MSC divide as sugestões e reclamações em dois tipos: as que se referem a

defeitos (falhas no piso dos passeios, por exemplo) e as sugestões propriamente. Essas,

segundo a entrevistada, são pedidos de alteração do desenho original de elementos que,

embora não estejam ruins, “podem melhorar”. Todas as sugestões e reclamações são

analisadas e, caso sejam consideradas adequadas, resultam em intervenções realizadas

pela Geurbana. Entre os critérios de adequação está a necessidade de que a proposta se

refira a um espaço de uso público (e não a um lote privado) e seja viável financeira e

legalmente (as propostas que exigem autorização camarária dependem da aprovação

pela autarquia competente, CMLx ou CMLr). Inexiste, entretanto, o critério da

demanda: a execução de uma empreitada, mesmo que de competência da Geurbana, não

irá depender do número de solicitações, mas sim, exclusivamente, dos crivos

estabelecidos pelos funcionários da Geurbana. Há mesmo uma desvalorização do

caráter coletivo que uma proposta possa ter:

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“{entrevistador} (…) gostaria de saber quais são as principais, a que temas elas (reclamações de 2010) se referem e principalmente as que envolvam o espaço público.?

(…)

{entrevistada} (…) quando vimos que a pessoa tem razão, alteramos. Todas as reclamações que aqui entram abre-se um processo. E todas elas são analisadas, primeiro por mim e depois, obviamente se eu acho que tem fundamento, pelos arquitetos pelos engenheiros. Se acharmos que de fato é de se fazer, faz-se. Às vezes não se faz logo (…) há obras que às vezes são muito dispendiosas que, implicam projeto, (…) há coisas que implicam alterações mesmo e tem que ir projetos a Câmara e são coisas um bocadinho mais complexas nem sempre se faz tão rápido como gostávamos. Mas todas elas são apreciadas e muitas vezes, quando vimos que a pessoa tem razão, faz-se. Basta um, não precisa de ser 20 assinaturas. Basta uma pessoa chamar a atenção, se virmos que a pessoa tem razão, vamos alterar e fazer

{entrevistador} Não é preciso uma votação, não se faz assim uma votação 'olha, temos 40 reclamações sobre este separador A ( …)'

{entrevistada} Se nós acharmos que não, que as pessoas não têm razão, bem podem gritar e podem vir 40 mais 40 mais 40 mais 40 que nós, 'tudo bem'

{entrevistador} 'Não tem como'

{entrevistada} Exatamente, 'não tem como'. Então isso sucede também. As pessoas podem todas dizerem 'que achamos e queremos e queremos e queremos' e [nós] dizermos: 'Não'

{entrevistador} 'Isso não se faz'

{entrevistada} Nós não vamos fazer porque achamos que não faz sentido fazer. Basta uma pessoa para alterarmos também. Portanto, não é o número que nos assusta ou que nos faz fazer. É, depois de estudarmos essa situação, decidirmos que tem ou não fundamento, avançamos e fazemos.” (MSC, DCR/Geurbana)

A segunda forma de participação é o Ideias para um Orçamento (IpO).

Adaptação do modelo de Orçamento Participativo (OD), o IpO foi lançado em 2011 e

destina 80 mil euros à execução de uma empreitada de melhoria do espaço de uso

público do Parque das Nações. O IpO é mencionado por LRo, administrador da

Geurbana, junto com o sistema de recebimento de sugestões e reclamações da Geurbana

e com o acompanhamento do que é publicado em um jornal local como maneira de

medir o pulso das expectativas de residentes e visitantes do Parque.

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"{entrevistador} (...) há uma menção [no Relatório de Gestão e Contas 2010] a manter o espaço público ao nível das expectativas dos visitantes e dos residentes. Em linhas gerais, é possível saber quais são essas expectativas e como a Parque Expo, vamos dizer, mede o pulso delas?

(...)

“{entrevistado}Gostaria de referir (..) uma iniciativa que agora lançamos a pouco tempo que (...) pega um bocadinho naquilo que é a ideia do orçamento participativo (…) mas nós demos-lhe aqui, adaptamos-lhe aqui ao que é a nossa realidade e no fundo é: temos cativado uma verba de 80 mil euros do orçamento do próximo ano para implementar um projeto que no fundo será selecionado pela população. E quando digo população é não só residente, portanto todas as pessoas que neste momento querem apresentar uma sugestão para um projeto sejam eles residentes, visitantes, turistas quem que que seja (...)

“{entrevistador} Esta, este assunto é um que também eu gostava de tratar. Como que surgiu a ideia do, do... de ideias para o orçamento, de uma ideia para o orçamento, da onde veio?

“{entrevistado} Nós aqui procuramos no fundo implementar aquilo que são as melhores práticas. Nós próprios promovemos as melhores práticas, implementamos as melhores práticas que existem a nivel de cidadania e de gestão urbana e a questão do orçamento participativo é uma coisa que já existe há bastante tempo (...) Isso enquadra-se em outra iniciativa que pretendemos, procuramos tentar desenvolver tem a ver com a própria implementação da Agenda 21 local. Portanto são coisas que estão intimamente ligadas (…) Nós já aqui já as fazemos há muito tempo embora não estando sistematizadas de acordo com aquilo que é definido na Agenda 21 local, mas portanto são todos processos que estão a decorrer e nessa medida achamos que era uma ideia interessante, uma iniciativa que iria nos aproximar ainda mais da população e dos cidadãos (...)” (LRo, administrador Geurbana)

Nesse discurso sobre o IpO, parecem-nos importantes dois elementos. O

primeiro é o enquadramento da iniciativa como uma ferramenta de promoção de

cidadania, pelo que a Geurbana, responsável pelo espaço de uso público, propõe uma

forma institucional de espaço público em sentido amplo. O segundo é o fato de o turista

ser chamado a participar. Trata-se, a nosso ver, do estabelecimento de uma maneira

institucional que permite ao indivíduo motilicamente/ludicamente capitalizado

converter esse capital em capacidade de intervenção no espaço de uso público que

visita, empoderando-o não só como consumidor, mas como interventor.

As propostas puderam ser submetidas pela internet e, após avaliação prévia da

Geurbana, as adequadas seriam submetidas a votação online. Das propostas

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apresentadas, 18 foram selecionadas, das quais 15 envolvendo a construção ou

remodelação de equipamentos utilizados para brincar (parques infantis, por exemplo) ou

para práticas de desporto (campo de basquetebol de rua, por exemplo), 1 para a

instalação de horta comunitária, 1 para a instalação de um circuito para passear o cão

(Dogville) e 1 para instalação de painéis fotovoltaicos118. Importa ver duas algumas

características dessa seleção até o momento em que foi possível o acompanhar119.

Em primeiro lugar, houve direcionamento por parte da Geurbana desde a fase de

apresentação das propostas. A administração apresentou a de instalação de painéis

fotovoltaicos (em linha com a preocupação de sustentabilidade ambiental que é

transveral ao projeto de reurbanização) e a de instalação de um circuito para cães, a ser

instalado em um estacionamento sob a Ponte Vasco da Gama, onde segundo LRo

(responsável pela Direção de Qualidade e Conceção Urbana) há uma inadequação entre

o desenho físico e a ocupação que lhe é dada. Segundo MSC, do Departamento de

Comunicação e Relações com o Cidadão, foram dois os objetivos da apresentação das

propostas pela administração: “não só para exemplificar o conceito das propostas como

para a submeter à apreciação da comunidade” (MSC, DCRC/Geurbana, comunicação

por e-mail). Esse direcionamento se expressa também na seleção prévia, e divulgação,

de uma delas (circuito para cães) e de outras três propostas de outros proponentes

(instalação de equipamentos de exercício, de parque infantil e de horta comunitária)

antes do fim do prazo para a apresentação de ideias120 , em meados de julho (o prazo

final era 15 de Agosto)121.

Em segundo lugar, os critérios que embasaram a rejeição prévia de algumas

propostas foram-nos apresentados de maneira genérica, tornando impossível conhecer

quer as propostas, quer os motivos para a não-aceitação.

“As sugestões que não foram consideradas eram propostas que não reuniam as condições descritas no regulamento, como por exemplo propostas para lotes privados, propostas que já foram projetadas e que serão realizadas em breve ou propostas que técnica ou financeiramente não são exequíveis.” (MSC, DCRC/Geurbana, comunicação por e-mail)

(Essa ausência de publicitação das informações é encontrada também no

encerramento, com a justificativa de que tinha uma baixa procura, do Centro de

118 Ver anexo 1 para lista completa119 Concluímos a escrita a 29/09/2011, antes do fim do prazo de votação, em 31 de Dezembro120 (NP, 2011)121 Sobre a proposta de instalação de equipamentos de ginástica e a institucionalização do jogging, cf.

4.2.1 Jogging

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Consultas, um arquivo em que era possível consultar presencialmente informações

sobre o projeto Expo. A prestação de informações ocorre, agora, sob demanda.

Entretanto, como visto, não são atendidas em pleno122.)

***Em conclusão, na cidade renovada para o “cidadão em abstracto”, a produção de

espaços de uso público envolve também a abertura de canais pelos quais indivíduo,

esteja ele no papel de habitante ou de turista nessa cidade, possa participar

indiretamente. Esses canais assumem duas formas: um sistema de reclamações e

sugestões, onde não importa o quanto reclame ou quantos angarie para reforçar a sua

reclamação, e sim que ela condiga com o entendimento da administração sobre o que é

ou não adequado para a cidade renovada; e um sistema de orçamento participativo no

qual a própria administração sugere quais tipos de projetos são os mais adequados e

estabelece um sistema de seleção semelhante ao utilizado no sistema de sugestões e

reclamações: primeiro a adequação (mais do que puramente técnica e econômico-

financeira, julgamos ter deixado claro), depois a legitimação pela maioria. Participar

nesses sistemas, entende a administração do território, é exercer cidadania.

Para além disso, é importante ressaltar como os canais de participação indireta

empoderam (ou pelo menos prometem empoderar) o indivíduo no papel de turista, papel

mais próximo do ideal-tipo de utilizador de cidade delineado por Martinotti (2005).

Assim como o residente, ele também pode apresentar sugestões e reclamações e

apresentar propostas e votar no Ideias para o Orçamento, podendo converter seu capital

lúdico e sua motilidade em capacidade interventiva no processo de produção de espaços

públicos do Parque.

6. Conclusão

Para concluirmos, é útil retomar a questão inicial: como se organiza a vida social

nos espaços públicos do Parque das Nações?

Essa questão partiu de uma observação, sem intenção sistematizante, da vida

cotidiana. Quando nos propusemos a respondê-la sistematicamnete, decidimos por

seguir a primeira orientação que nos foi dada: empreender uma investigação sociológica

122 Além do acesso às propostas do IpO rejeitadas, uma foram-nos negados acessos às seguintes informações relativas ao ano de 2010 (e a anos anteriores): a) lista das 402 de ações desenvolvidas nos espaços urbanos; b) lista de reclamações, dentre as 471 recebidas em 2010, aquelas referentes ao espaço urbano; c) lista de 4171 intervenções extraordinárias realizadas para corrigir situações anômalas; d) lista de iniciativas promovidas nos espaços públicos do Parque das Nações que contaram com o apoio da Geurbana. Foi nos permitido acesso a dois inquéritos usados para caraterizar o perfil de visitantes, moradores e residentes.

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ancorada em uma re-observação, tão exaustiva quanto possível, dessa mesma vida

cotidiana. A essa orientação, somou-se uma segunda: para responder essa questão,

deveríamos olhar para os processos de produção de cidades que também constituem o

meio urbano em, que o dia a dia que nos interessou acontece. Avançamos então em duas

perspectivas, costurando-as.

Na constituição do nosso objeto, decidimo-nos por centrar nos espaços públicos,

já que foi de onde nossa questão partiu. No percurso investigativo, entretanto, fomos

percebendo mais e mais sinais da relevância desses espaços para a compreensão da

cidade em sua dimensão física e social. Os espaços públicos oferecem aos urbanitas

recurso e constrangimento às suas vidas cotidianas, servem como instrumentos centrais

em políticas urbanísticas e representam, na cidade, um lugar por excelência da

igualdade e da diversidade – ainda que ficcionais e incompletas.

Optamos por usar as ideias de estruturas para tentar identificar formas de

ocupação (e de interpretação) desses espaços, e a articulação entre elas. Julgamos ter

conseguido por aí identificar dinâmicas da organização da vida social no Parque que

passamos agora a recordar brevemente.

Esboçamos um conceito analítico que é o de processos de inclusão e exclusão, a

fim de responder à questão inicial (obviamente sujeito a revisões futuras). Esses

processos, que variam em um contínuo que vai da proibição como forma mais

expressiva de exclusão à institucionalização como forma mais expressiva de inclusão,

são uma maneira pela qual a vida cotidiana dos espaços públicos do Parque é

organizada. Por meio desse conceito analítico identificamos os recursos e

constrangimentos para que uma determinada ocupação surgisse, permanecesse ou fosse

apagada do cotidiano do Parque, ainda que ao menos das partes mais frontais desse

cotidiano.

Olhando para as estruturas de ação que identificamos, é possível perceber como

elas propõem uma permanência transitória e ludicizada no território, sendo essas

características determinantes para que as formas de ocupação dos espaços públicos

sejam incluídas ou excluídas, estejam nas frentes ou nos fundos da cidade reurbanizada.

Favorece-se assim uma ambientação lúdica da vida cotidiana nos espaços públicos do

Parque das Nações. Percebemos como essa estruturação está relacionada a uma

estrutura de interpretação dos objetivos de uma cidade ou de um pedaço dela,

interpretação essa materializada nos objetivos do programa de construção e de gestão do

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Parque das Nações: tornar Lisboa mais competitiva internacionalmente por meio da

criação de um território urbano que atraísse uma massa expressiva de visitantes para

usar a cidade temporariamente e, em grande medida, para se distrair.

Mostramos como a estruturação decorrente desse tipo de urbanismo envolve a

potencialização da motilidade dos indivíduos de duas formas: fazendo-os chegar ao

Parque e, uma vez nele, levando-os a se deslocar a pé. E mostramos como essa

pedestrialização vai de par com uma tentativa de garantir que a privacidade-em-

espaços-públicos (Urry e Sheller, 2003) garantida pelos automóveis continue a existir

fora deles, o que justifica uma série de condicionamentos a outras formas de ocupar os

espaços públicos do centro da nova centralidade criada pela reurbanização. Essa é uma

das maneiras pelas quais a estruturação de espaços públicos para os utilizadores de

cidade oferece recursos e constrangimentos não só a esses urbanitas, mas também ao

cotidiano de outros urbanitas que não estão na cidade a passeio (ao menos

prioritariamente); a outras formas de ocupação dos espaços públicos que não sejam se

deslocar ou se distrair. Identificamos, portanto, que há de fato uma organização da

ocupação dos espaços públicos e de que modo ela se dá, em resposta a nossa pergunta

de partida.

Interrogamo-nos então sobre as características da vida social mais alargada que

pudessem estar na base das inclusões e exclusões – exclusões que, em não pouca

medida, configuram-se suaves e apenas suficientes para deslocar uma ocupação ou um

papel indesejado para as periferias da cidade reurbanizada. Interrogamo-nos por que as

exclusões que ajudam a definir a organização da vida social não são aplicadas via de

regra a indivíduos ou papéis, mas a maneiras de se ocupar os espaços públicos. E

mesmo assim, por que algumas maneiras acabam por ser compensadas por alguma

inclusão, embora à distância. E interrogamo-nos por que o Parque não é feito

exclusivamente para os utilizadores da cidade, mas sim para o “cidadão em abstracto”.

Buscamos assim a resposta à nosso questionamento sobre a baixa perceptividade do

controle que permite a organização da ocupação dos espaços públicos.

Percebemos que os espaços que analisamos, por serem públicos no sentido

físico, estão sujeitos à manutenção do princípio igualitário que o público em sentido

amplo – a esfera pública da vida social – exige que seja mantido na vida social. Daí

decorre a baixa perceptividade do controle. A sujeição a essa norma da igualdade se faz

presente tanto no nível da interação não-institucionalizada, como mostramos na

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organização do cotidiano, como no da institucionalizada, como analisamos nos sistemas

de participação na produçào dos espaços públicos. De alguma forma, o IpO parece

tentar resgatar a reurbanização das críticas antidemocráticas de que o projeto Expo foi

alvo quando o governo central concedeu poderes excepcionais à PESA que a permitiram

prescindir da esfera pública para desenvolver a reurbanização.

Em resumo, a análise do caso do Parque das Nações permitiu ver que a

produção de espaços públicos no urbanismo da competitividade também pressupõe a

produção, de certa forma e em outras bases, do espaço público no singular.

***

À época em que redigíamos o presente texto, o Governo Central Português vinha

de anunciar a extinção da Parque Expo, S.A., e a transferência das competências da

getsão urbanística para as câmaras municipais de lisboa e de Loures. Antes disso, na

entrevista com o administrador da Geurbana, LRo, havia a expectativa de que essas

duas autarquias mantivessem o modelo de gestão por empresa mesmo após assumirem

as responsabilidades totais sobre o território.

Acompanhar o desenvolvimento desse processo e, em seguida, analisar como ele

se reflete na forma que o papel da administração (continue ela a cargo de uma empresa

detida pelas câmaras ou passe a ser feita diretamente pelo modelo convencional) influi

na organização da vida cotididana dos espaços públicos se impõe como um dos

principais caminhos futuros a seguir. Outro é a análise da influência que o projeto

urbano iniciado com a Expo e que agora, de certa forma, deve se concluir, influenciou

as políticas adotadas em outras áreas dos tecidos urbanos: nomeadamente, o uso da

promoção da mobilidade e do lazer como forma de resolver os problemas de um

território urbano. Por fim, cabe investigar as consequências da possibilidade de

conversão de capital lúdico e de motilidade em possibilidade de intervenção na

produção dos espaços públicos.

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Anexo 1 – Propostas do Ideia para um Orçamento

Fonte: Site Portal das Nações (acesso em 30/09/2011)

Proposta 1: Dotar o espaço público com equipamentos de exercício

Os equipamentos podem ser agrupados num determinado local – parque de exercícios –, ou distribuídos pelo território, fronteiros ao rio, por forma a criar um circuito de exercício/manutenção. Os equipamentos aqui propostos, de de-sign escandinavo, com linhas simples, não só se integram de uma forma visual-mente agradável nos espaços verdes, como constituíem um óptimo comple-mento às caminhadas, corridas e outras atividades físicas dos utentes do Par-que das Nações. Estes equipamentos podiam ainda ser completados com a disponibilização de uma pista medicalizada, que assenta no conceito “Avalia-te a ti próprio”. Estas pistas têm um circuito onde é possível monitorizar a condi-ção física de cada pessoa, como medir a pressão arterial, o colesterol, o nível de hidratação, avaliar a visão, peso corporal etc.Localizaão: Parque do TejoCusto estimado: € 40 mil

Proposta 2 - Pista de tartan para prática de jogging

O Parque das Nações foi espontaneamente eleito por inúmeras pessoas para praticarem exercício físico. Estes são moradores, ou mesmo pessoas que se deslocam de outras partes da cidade para virem praticar desporto nesta zona. Em nenhum outro parque da cidade isso acontece com tanta afluência. O des-porto mais praticado no Parque das Nações tem sido o jogging. Contudo, este território não oferece as melhores condições para essa prática, uma vez que o piso é maioritariamente constituído de cimento ou pedra. A pista de tartan seria, por isso, um êxito no Parque das Nações, aliando a qualidade do local à quali -dade das técnicas disponíveis, para que os seus utentes tivessem melhor saú-de futura.Localização: Parque do TejoCusto estimado: € 80 mil

Proposta 3 - Parque infantil no cabeço das rolas

Propõe-se colocar um parque infantil no Jardim do Cabeço das Rolas, pois o da zona sul é só para crianças pequenas e aos finais de semana encontra-se sempre sobrelotado. Junto com o parque poderia existir um café/quiosque e bancas, tipo feira de fim de semana com produtos de artesanato, brinquedos, produtos biologicos etc. Este equipamento ajudaria a uma maior utilização do jardim que actualmente se encontra praticamente deserto.Localização: cabeço das rolasCusto estimado: € 30 mil

Proposta 4 - Grande parque infantil no Parque do Tejo

Propõe-se a criação de um grande parque infantil para crianças de todas as

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idades, o que, certamente, irá ao encontro do desejo de muitos moradores do Parque das Nações. Os equipamentos deverão ser diversificados e apropria-dos para crianças de diferentes idades, promovendo um são convívio entre elas. Este parque infantil poderá ficar localizado no Parque do Tejo, constituin-do uma mais valia para o espaço público e tornando aquele espaço ainda mais aprazível para as famílias que frequentam o Parque das Nações.Localização: Parque do TejoCusto estimado: € 50 mil

Proposta 5 - Reformulação do parque infantil existente no Parque do Tejo

O Parque do Tejo é um destino por excelência de muitas familias lisboetas nos finais-de-semana e necessita de um parque infantil ainda melhor apetrechado com equipamentos adequados às crianças que procuram um parque para se divertirem em segurança. Esta proposta propõe dotar o Parque do Tejo de um conjunto de infra-estruturas que permita servir a comunidade local, bem como quem nos visita, reformulando, eventualmente, o parque infantil existente, do-tando-o de mais equipamentos, mais diversificados.Localização: Parque do Tejocusto estimado: € 30 mil

Proposta 6 - Parque infantil no Passeio dos Jacarandás

No Parque das Nações só conheemos dois parques infantis – na área sul e no Parque do Tejo. Há espaço e crianças para mais alguns. Assim, o que propo-mos é que sejam construídos mais parques infantis que melhorem a qualidade da oferta do espaçoo público para as famílias que usufruem o Parque das Na-ções. Propõe-se como local para colocar um parque infantil, o Passeio dos Ja-carandás.Localização: Passeio dos Jacarandáscusto estimado: 30mil €

Proposta 7 - Instalação de elementos lúdicos no Jardim das Musas

Na zona sul do Parque das Nações, existe um pequeno jardim entre o Passeio das Musas e a Rua dos Argonautas que curiosamente é pouco vivido. Parte do problema associado poderá dever-se ao facto de muitos dos moradores com animais, terem por hábito levar os cães a esta zona para fazerem as suas ne-cessidades. Uma das formas de tentar inverter a situação poderá ser a coloca-ção de elementos lúdicos direcionados para as famílias, potenciando assim uma maior permanência de pessoas neste lugar e desenvolvendo sentimentos de apreço que inibam utilizações menos apropriadas. Alguns destes elementos poderão ser objetos de som, visuais, de descoberta ou até mesmo físicos sem contudo ser necessário recorrer a vedações.Localização: Jardim das MusasCusto estimado: 50mil €

Proposta 8 - Parque lúdico educativo

Recuperar um espaço com dimensões generosas que não se encontra aprovei-

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tado, é a proposta que aqui se apresenta. Trata-se do espaço adjacente ao Es-pelho do Tejo e o objectivo é dotar a zona norte de um parque lúdico-educativo como o existente junto ao oceanário. Este tipo de equipamentos tem um carác-ter lúdico e ao mesmo tempo educativo, consistindo em aparelhos que têm uma função pedagógica, que divertem e aguçam os sentidos e a vontade de aprender, experimentando.Localização: Espelho do TejoCusto estimado: € 60 mil

Proposta 9 - Unir o Parque das Nações – criação de um espaço de lazer

O troço do Passeio dos Heróis do Mar que se situa por baixo da ponte Vasco da Gama constitui um caminho em que tanto o passeio do lado direito como do lado esquerdo são esguios e o ambiente circundante não é nada agradável, o que contrasta com o resto do Parque das Nações. De um lado podemos ver elementos de tratamento da ETAR e do outro muito junto à estrada, uma rede que circunda a DGV. Propõe-se a relocalização dos limites da DGV. Recuar 50 m a rede que se situa quase junto à estrada, do Passeio dos Heróis do Mar, po-dendo o passeio ser alargado e ser erguido um pequeno jardim, direccionado para algumas actividades como, por exemplo, a prática de escalada.Localização: zona norteCusto estimado: € 50 mil

Proposta 10 - Circuitos de desporto, saúde e bem estar

Propomos dois percursos para a prática de exercício físico em contacto pleno com a natureza, autênticos ginásios ao ar livre. Instalados em arejadas zonas verdes onde se respira ar puro, promovendo um estilo de vida activo e saudá-vel, pleno de vitalidade, vigor e energia. A norte, no Parque do Tejo, o maior dos percursos (uma vintena de estações) aproveita as singularidades do perí-metro e o 2º a Sul, no Jardim Cabeço das Rolas (máximo 14 estações), será um foco para atrair novos utentes ao espaço por ora desaproveitado. Os apare-lhos seleccionados, predominantemente em madeira, foram eleitos devido à eficácia na integração em espaços de natureza; a serem produzidos em Portu-gal e com matéria-prima nacional; à garantia do fabricante de durabilidade; ao baixo índice de manutenção; com Pegada Ecológica diminuta e ao seu custo moderado. A flexibilidade, a força, a resistência, a elasticidade, o equilíbrio e a postura são elementos desenvolvidos nestes exercícios, trabalhando os mem-bros superiores e inferiores, as articulações e o sistema vascular.Localização: Parque do Tejo/Cabeço das RolasCusto estimado: € 25 mil

Proposta 11 – Campos de basquetebol/futebol de rua – 1

Propõe-se a criação de vários espaços para a prática de basquetebol / futebol de rua, que permitam aos jovens sair de casa para ir jogar com os amigos, pro-porcionando-lhes um espaço barato para a prática desportiva. O Parque das Nações dispõe de diversas áreas que poderão ser utilizadas para este efeito e constituirão, certamente, uma mais valia para este território. Estes espaços rá-pidamente se tornam populares e têm um efeito muito positivo na comunidade,

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promovendo a prática de uma convivência saudável entre os jovens.Localização: Zona norteCusto estimado: € 20 mil

Proposta 12 - Campos de basquetebol/futebol de rua – 2

Propõe-se a colocação informal de tabelas de basquetebol e balizas de futebol sempre que possível em toda a área do Parque das Nações. Estes espaços rá-pidamente se tornam populares e têm um efeito muito positivo na comunidade, promovendo a prática de uma convivência saudável entre os mais jovens. Uma das sugestões que aqui deixamos é a de localizar um destes equipamentos na área adjacente à Marina.Localização: zona sulCusto estimado: € 15 mil

Proposta 13 - Campos de basquetebol/futebol de rua – 3

Tendo em conta que o espaço destinado à 2.ª fase da obra da Escola Básica do Parque das Nações se encontra por agora expectante, propõe-se que o mesmo possa ser ocupado por equipamentos simples de desporto, recreio e la-zer, tais como tabelas de basquetebol, balizas, bases para skate e bicicletas etc. Antecipando assim aquela que será a ocupação futura de parte deste es-paço, este poderá ser um contributo para que o mesmo se comece a constituir, desde já, como um espaço de convívio aberto à comunidade.Localização: Parque do TejoCusto estimado: € 30 mil

Proposta 14 - Construção de ringue

Considerando que a densidade e conformação urbana da zona sul do Parque das Nações não permite a existência de muitos espaços de descompressão e lazer, como se verifica na zona norte com o parque urbano, parece pertinente procurar para esta zona uma solução utilizada com frequência nos anos 70 do século XX neste tipo de malha urbana, como são os ringues. Este tipo de infra-estruturas, tal como os parques infantis, têm, entre outras vantagens, um papel essencial na consolidação de uma vida de bairro. É nestes lugares de encontro informal que se sedimentam relações de vizinhança e estabelecem amizades, principalmente entre os mais novos. O lugar ideal para este equipamento, pare-ce ser o espaço contíguo ao parque infantil da zona sul, junto à Marina. Este lu-gar, além de ter disponibilidade de espaço, permite conjugar e articular equipa-mentos para faixas etárias distintas.Localização: Junto à MarinaCusto estimado: € 60 mil

Proposta 15 - Dogville – parque para cães (proposta da Geurbana)

As cidades oferecem cada vez menos qualidade de vida aos cães. É possível criar um produto inovador em Portugal e contribuir para a valorização de uma área desqualificada do Parque das Nações. Propõe-se a construção de um “Parque para cães”, primeiro do género em Portugal. “Fique e brinque com o

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seu cão” – este é o lema que se pretende espalhar. Com o intuito de garantir a sustentabilidade do projeto, considera-se importante que, para além de um es-paço vedado de parque de recreio, exista também um conjunto de serviços complementares destinados aos animais e aos seus donos, tais como lojas de animais, veterinário, um Beauty Dog Salon, o Dogville Club, um Dog Design Hotel, um café/bar com esplanada e um espaço de Workshops destinado à for-mação de cães e donos. Na 1ª Fase serão construídos a zona de jardim, mobi-liário urbano e infra-estruturas e na 2ª Fase os edifícios de apoio e áreas envol-ventes aos edifícios.Localização: Parque de estacionamento da ponteCusto estimado: € 80 mil

Proposta 16 - Centro hípico

Criar um Centro Hípico na zona norte do Parque das Nações, proporcionando uma oferta diversificada de atividades relativas à prática equestre, em modelo aberto a todo o público e não limitado a sócios e contribuindo para alargar a oferta de lazer às cidades de Lisboa e Loures, com as seguintes fases de de-senvolvimento:Fase 0 – Construção dos principais serviços comuns, boxes amovíveis, divul-gação, sensibilização para a prática da equitação, seleção de parceiros para as unidades de negócio.Fase 1 – Escola, estabulação de cavalos de particulares, casas de tratadores, bar, loja.Fase 2 – Novos parceiros, novas melhorias, completar o plano geral, picadeiro coberto, parque de atrelados, enfermaria, ferração, guia elétrica, espaço multiu-so.Localização: Parque de estacionamento da ponteCusto estimado: € 70 mil

Proposta 17 - Painéis fotovoltaicos (proposta da Geurbana)

Após a tomada de consciência de que os combustíveis fósseis não são inesgo-táveis, e dos impactes ambientais decorrentes da sua utilização, a procura e aperfeiçoamento da utilização de fontes de energia alternativas tem registado uma evolução assinalável. O Sol é uma fonte de energia inesgotável, de alto potencial, razão pela qual a sua exploração, nomeadamente através de painéis fotovoltaicos, tem assistido, nos anos mais recentes, a um crescimento signifi-cativo. Propõe-se assim a instalação de um sistema de microgeração no Par-que das Nações recorrendo à utilização de painéis fotovoltaicos (a instalar em local a definir) por forma a produzir e fornecer eletricidade a equipamento(s) co-letivo(s) para satisfazer(em) as necessidades próprias e, eventualmente, ven-der algum excedente à rede de energia. Desta forma, pode-se obter uma redu-ção significativa no valor da fatura da eletricidade mas também rentabilizar o in-vestimento com a venda de energia à rede e a um valor bastante mais elevado do que o valor de compra. De facto, estima-se que o investimento para uma produção anual de 5.680 kWh não deverá ultrapassar os cerca de 20.000 €, va-lor este que terá sido totalmente recuperado ao fim de sete a oito anos.Este sistema de microgeração terá, ainda, uma função pedagógica e de demonstra-ção de boas praticas ambientais.

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Localização a definirSem custo estimado

Proposta 18 - Hortas comunitárias no parque das nações

Criação de uma zona com hortas comunitárias para a comunidade, com ta-lhões que podem ser arrendados ao ano. Nesse espaço será necessário forne-cer água e outros materiais a decidir (por exemplo material agrícola para os uti-lizadores usarem), podendo também existir uma zona de lazer nesse espaço com café, espaço para as crianças brincarem e até terem dentro desse espaço uma zona reservada a workshops, cursos e tudo o que tenha a ver com a te-mática do ambiente e horticultura. Esta iniciativa teria muito interesse público e comunitário visto esta ser uma prática que tem aumentado e se verifica um pouco por todo o país, promovida por instituições e Câmaras Municipais. Além disso criará um espaço de lazer, encontro para a comunidade local. É um proje-to sustentável e favorável ao ambiente.Localização: Junto ao Passeio do RódanoCusto estimado: € 75 mil

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